2 DELAÇÃO PREMIADA
2.1 CONCEITO
Delatar significa acusar, denunciar ou revelar. Processualmente,
somente tem sentido falarmos em delação quando alguém, admitindo a prática
criminosa, revela que outra pessoa também o ajudou de qualquer forma. Esse
é um testemunho qualificado, feito pelo indiciado ou acusado1.
Aranha qualifica a delação como sendo:
“a afirmativa feita por um acusado, ao ser interrogado em
juízo ou ouvido na polícia, e pela qual, além de confessar
a autoria de um fato criminoso, igualmente atribui a um
terceiro a participação como seu comparsa. Afirmamos
que a delação somente ocorre quando o acusado e réu
também confessa, porque, se negar a autoria e atribuí-la
a um terceiro, estará se escusando e o valor da afirmativa
como prova é nenhum”2.
Damásio conceitua o instituto:
“a incriminação de terceiro, realizada por um suspeito,
investigado, indiciado ou réu, no bojo de seu interrogatório
(ou em outro ato). "Delação premiada" configura aquela
incentivada pelo legislador, que premia o delator,
concedendo-lhe benefícios (redução de pena, perdão
judicial, aplicação de regime penitenciário brando etc.)”3
1 NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Processo Penal e Execução Penal. 11. Ed. Rev. E atual – Rio de Janeiro: Forense, 2014, pág 3252 ARANHA, Adalberto José Q. T. de Camargo. Da prova no processo penal. São Paulo: Saraiva,1983. p. 73.3 JESUS, Damásio Evangelista de. Estágio atual da “delação premiada” no Direito Penal brasileiro. Disponível em: < http://jus.com.br/artigos/7551/estagio-atual-da-delacao-premiada-no-direito-penal-brasileiro>. Acesso em: 14.setembro.2015.
1
Ou seja, é, em suma, um acordo que visa possibilitar a identificação dos
corréus ou partícipes, a localização da vítima com sua integridade física
preservada, e/ou recuperação total/parcial do produto do crime4. A exigência
para que o delator também tenha participado da mesma conduta delituosa
atribuída aos seus comparsas delatados é necessária na delação premiada,
pois, caso aquele não tenha participado não passará de mera testemunha ou
informante que presenciou fatos criminosos5.
A obtenção de benefício consiste na diminuição da pena, aplicação de
regime penitenciário mais brando, ou até mesmo perdão judicial6.
O instituto se desenvolveu diante das dificuldades enfrentadas ao longo
do tempo de se punir os crimes praticados em concurso de agentes, e
especialmente de se acompanhar a sofisticação das organizações criminosas.
É uma forma de o Estado suprir sua ineficiência, premiando o delator para que
se possa dar celeridade à investigação criminal, conquistando, assim, a
efetividade na persecução penal7.
Contudo, deve o magistrado atentar para os aspectos negativos da
personalidade humana, pois não é impossível que alguém, odiando outrem,
confesse um crime somente para envolver seu desafeto, que, na realidade, é
inocente. Essa situação pode ser encontrada quando o confitente já está
condenado a vários anos de cadeia, razão pela qual a delação não lhe
produzirá maiores consequências, o mesmo não se podendo dizer quanto ao
delatado. No mais, quando o réu nega a prática do crime ou a autoria e indica
ter sido outro o autor, está, em verdade, prestando um autêntico testemunho,
mas não se trata de delação. Pode estar agindo dessa forma para proteger-se,
4 BRASIL. Lei n° 9.807, de 13 de julho de 1999. Estabelece normas para a organização e a manutenção de programas especiais de proteção a vítimas e a testemunhas ameaçadas, institui o Programa Federal de Assistência a Vítimas e a Testemunhas Ameaçadas e dispõe sobre a proteção de acusados ou condenados que tenham voluntariamente prestado efetiva colaboração à investigação policial e ao processo criminal. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9807.htm>. 5 CARVALHO, Natália Oliveira de. A delação premiada no Brasil. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009, p. 986 NUCCI, Guilherme de Souza. Leis Penais e processuais penais comentadas. 4ª ed. revista, atualizada e ampliada. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009 pág 1677 PARANAGUÁ, Rafael Silva Nogueira. Origem da delação premiada e suas influências no ordenamento jurídico brasileiro. Disponível em: <http://rafael-paranagua.jusbrasil.com.br/artigos/112140126/origem-da-delacao-premiada-e-suas-influencias-no-ordenamento-juridico-brasileiro>. Acesso em: 15 de setembro de 2015.
2
indicando qualquer outro para figurar como autor do crime, como pode também
estar narrando um fato verdadeiro, ou seja, que o verdadeiro agente foi outra
pessoa. De qualquer modo, envolvendo outrem e para garantir o direito à
ampla defesa do denunciado, é preciso que o juiz permita, caso seja requerido,
que o defensor do delatado faça reperguntas no interrogatório do delator.
Essas reperguntas terão conteúdo e amplitude limitados, devendo haver rígido
controle do juiz. Assim, portanto, somente serão admitidas questões
envolvendo o delatado e não a situação do delator, tudo para preservar a este
último o direto de não ser obrigado a se autoacusar8.
Em posição semelhante está o magistério de CARLOS HENRIQUE
BORLIDO HADDAD:
“A chamada de corréu, a mais das vezes, tem sede no
interrogatório e por ser comum impedir a intervenção das
partes, a prova é produzida em flagrante violação do
direito de defesa. Se o terceiro a quem é imputado o
cometimento do delito não puder intervir no interrogatório
do confitente, fazendo perguntas elucidativas ou
infirmativas das declarações increpantes, não se
obedecerá ao princípio que adota o contraditório na
instrução criminal. Inexplicavelmente, reconhece-se ao
defensor a faculdade de dirigir perguntas a testemunhas e
ao ofendido, de modo a assegurar a contrariedade na
instrução criminal, mas se lhe veda participar de ato cujas
consequências podem ser ainda mais danosas, como na
hipótese de inculpação desapaixonada do corréu, por
estar acompanhada da confissão. (...) Deve-se adotar o
sistema angular de inquirição: o defensor do corréu
inquire o acusado através do juiz, que negará ou
indeferirá perguntas impertinentes ou dará forma regular
às que se apresentem mal formuladas. O fato de não se
permitir reperguntas ao corréu acarreta a necessidade de
8 NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Processo Penal e Execução Penal. 11. Ed. Rev. E atual – Rio de Janeiro: Forense, 2014 pág 326
3
o acusado, incriminado pelo comparsa, ter que produzir
prova negativa da culpabilidade, sendo impedido de fazê-
lo através da inquirição do próprio autor das declarações.
Portanto, caso não se permita ao defensor do corréu
intervir no interrogatório do comparsa delator, a
incriminação não poderá ser considerada para embasar a
condenação. Produzida a chamada de corréu, o juiz deve
abrir vista ao defensor do denunciado para pronunciar-se.
Caso este requeira, deverá ser marcada nova data para
reinterrogar o denunciante. A solução apontada é
preferível à desconsideração da delação, pois evita impor
um obstáculo à elucidação da verdade material”9.
Estabelecemos, inicialmente, que, embora delatar signifique acusar ou
denunciar alguém, no sentido processual, devemos utilizar o termo quando um
acusado, admitindo a prática criminosa, revela que outra pessoa também o
ajudou de qualquer forma. O valor da delação, como meio de prova, é difícil de
ser apurado com precisão. Por outro lado, é valioso destacar que há,
atualmente, várias normas dispondo sobre a delação premiada, isto é, a
denúncia que tem como objeto narrar às autoridades o cometimento do delito
e, quando existente, os coautores e partícipes, com ou sem resultado concreto,
conforme o caso, recebendo, em troca, do Estado, um benefício qualquer,
consistente em diminuição de pena ou, até mesmo, em perdão judicial10.
2.2 ORIGEM HISTÓRICA:
A delação premiada não é instituto novo na história da Justiça. Desde os
primórdios bíblicos, passando pela Antigüidade Clássica, pela Idade Média,
pelos movimentos industriais até a modernidade, é possível identificar a
delação em troca de uma vantagem qualquer.11
9 HADDAD, Carlos Henrique Borlido. O interrogatório no processo penal. Belo Horizonte: Del Rey, 2000, pág 20310 NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Processo Penal e Execução Penal. 11. Ed. Rev. E atual – Rio de Janeiro: Forense, 2014 pág 32611 FONSECA, Pedro Henrique Carneiro da. A delação Premiada. Disponível em: <https://aplicacao.mpmg.mp.br/xmlui/bitstream/handle/123456789/201/dela%C3%A7ao%20premiada_Fonseca.pdf?sequence=1>. Acesso em: 15 de setembro de 2015.
4
Os primeiros indícios da delação premiada podem ser encontrados na
Idade Média, durante o período da Inquisição, no qual se costumava distinguir
o valor da confissão de acordo com a forma em que ela acontecia. Se o co-réu
confessava de forma espontânea, o entendimento era que ele estava inclinado
a mentir em prejuízo de outra pessoa, diferentemente daquele que era
torturado. Portanto, a confissão mediante tortura era mais bem valorizada.12
No século XVIII, Cesare Beccaria também tratou da delação premial:
[...] De uma parte, as leis castigam a traição; de outro,
autorizam-na. O legislador, com uma das mãos, aperta os
laços de sangue e de amizade e, com a outra, dá o
prêmio àquele que os rompe. Sempre em contradição
com ele mesmo, ora tenta disseminar a confiança e
encorajar os que duvidam, ora espalha a desconfiança em
todos os corações. Para prevenir um crime, faz com que
nasçam cem. 13
O instituto da delação premiada originou-se no direito estrangeiro, de
onde foi importado para o Brasil. Na Idade Média a delação era valorada
segundo dois critérios: se feita sob confissão espontânea e se a confissão era
obtida sob tortura. Aquele que confessasse espontaneamente estaria inclinado
a mentir em prejuízo de outrem. Naquela época, considerava-se que era mais
fácil o co-réu mentir do que falar a verdade14
No Brasil, a origem da "delação premiada" no Direito remonta às
Ordenações Filipinas, cuja parte criminal, constante do Livro V, vigorou de
janeiro de 1603 até a entrada em vigor do Código Criminal de 1830. O Título VI
do "Código Filipino", que definia o crime de "Lesa Magestade" (sic), tratava da
"delação premiada" no item 12; o Título CXVI, por sua vez, cuidava
12 PARANAGUÁ, Rafael Silva Nogueira. Origem da delação premiada e suas influências no ordenamento jurídico brasileiro. Disponível em: <http://rafael-paranagua.jusbrasil.com.br/artigos/112140126/origem-da-delacao-premiada-e-suas-influencias-no-ordenamento-juridico-brasileiro>. Acesso em: 15 de setembro de 2015.13 BECCARIA, Cesare. Dos Delitos e das Penas. 5. reimpr. da 2. ed. São Paulo: Martin Claret, 2008, p. 67-68.14 COSTA, Marcos Dangelo da. Delação Premiada. Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 21 dez. 2008. Disponivel em: <http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=1055.22109>. Acesso em: 15 set. 2015.
5
especificamente do tema, sob a rubrica "Como se perdoará aos malfeitores que
derem outros á prisão" e tinha abrangência, inclusive, para premiar, com o
perdão, criminosos delatores de delitos alheios15.
Outro período que também merece destaque o do Regime Militar, a
partir de 1964, em que a delação premiada era muito utilizada para descobrir
as pessoas que não concordavam com aquele modelo de governo e, portanto,
eram consideradas criminosas 16.
Apesar de inúmeros registros históricos, a delação premiada, sempre
combalida pelos doutrinadores e legisladores pela sua inegável carga moral,
ética e religiosa, somente foi instituída pelo ordenamento jurídico pátrio por
meio da Lei 8.072/90 (Lei de Crimes Hediondos), que em seu artigo 8º,
parágrafo único, dispõe: “O participante e o associado que denunciar à
autoridade o bando ou quadrilha, possibilitando seu desmantelamento, terá a
pena reduzida de um a dois terços”17.
Atualmente, o ordenamento comporta o instituto da delação premiada
em normas dispersas, notadamente as seguintes: Decreto-Lei nº 2.848/40
(Código Penal Brasileiro), Lei nº 7.492/86 (Lei de crimes do colarinho branco),
Lei nº 8.137/90 (Lei de crimes contra ordem tributária), Lei nº 9.034/95 (Lei de
prevenção ao crime organizado), Lei nº 9.613/98 (Lei contra a lavagem de
dinheiro), Lei nº 9.807/99 (Lei de proteção à testemunha e à vítima de crime) e
Lei nº 11.343/06 (Lei de drogas).
Consta afirmar que as referidas normas comportam mecanismos
distintos para que o delator se beneficie do prêmio, portanto não há um padrão
no tratamento do instituto da delação premiada. De sorte que a intenção do
15 JESUS, Damásio Evangelista de. Estágio atual da “delação premiada” no Direito Penal brasileiro. Disponível em: < http://jus.com.br/artigos/7551/estagio-atual-da-delacao-premiada-no-direito-penal-brasileiro>. Acesso em: 15.setembro.2015.16 PARANAGUÁ, Rafael Silva Nogueira. Origem da delação premiada e suas influências no ordenamento jurídico brasileiro. Disponível em: <http://rafael-paranagua.jusbrasil.com.br/artigos/112140126/origem-da-delacao-premiada-e-suas-influencias-no-ordenamento-juridico-brasileiro>. Acesso em: 15 de setembro de 2015.17 CRUZ. André Gonzales. Delação premiada é mal necessário que deve ser restrito. Disponível em < http://www.conjur.com.br/2006-out-30/delacao_premiada_mal_necessario_restrito>. Acesso em: 15 de setembro de 2015.
6
legislador pátrio de reprimir a criminalidade surgiu eivada de imperfeições nas
regras que asseguram a delação premiada, em princípio pela falta de harmonia
entre os regramentos acima citados18. Sendo assim, faz-se necessária a
análise de cada lei em particular.
2.3 VALOR PROBATÓRIO:
A delação premiada, nota-se, só terá validade caso o interrogado, além
de atribuir a outrem a prática do crime, também confesse a autoria. Todavia, as
declarações prestadas pelo partícipe, isoladas, não podem, sozinhas, embasar
uma condenação. Essas declarações terão valor probatório quando
confirmadas por outras provas colhidas19, já que, por se tratar de corréu
envolvido diretamente e interessado no curso do processo, suas declarações
devem ser corroboradas por outras provas trazidas aos autos. Nesse sentido é
Mittermayer:
“O depoimento do cúmplice apresenta graves
dificuldades. Têm-se visto criminosos que,
desesperados por conhecerem que não podem escapar
à pena, se esforçam em arrastar outros cidadãos para o
abismo em que caem; outros denunciam cúmplices,
aliás, inocentes, só para afastar a suspeita dos que
realmente tomaram parte no delito, ou para tornar o
processo mais complicado ou mais difícil, ou porque
esperam obter tratamento menos rigoroso,
comprometendo pessoas colocadas em altas posições”20
18 Estrêla, William Rodrigues Gonçalves. Delação premiada: análise de sua constitucionalidade. Monografia – trabalho de conclusão do Curso de Bacharelado em Direito. FAPRO – Faculdade Projeção.19 GUIDE, José Alexandre Marson. Delação Premiada no combate ao crime organizado, Franca-SP: Lemos e Cruz, 2006. p. 185.20 MITTERMAYER, C.J.A . Tratado da Prova em Matéria Criminal, Campinas, Bookseller, 1996. p. 295-6
7
É natural que a delação tenha mais força que um simples testemunho,
Assim entende Nucci:
“Ao assumir a autoria e denunciar um comparsa, o réu
não está se isentando, ainda que possa ter por finalidade
amenizar sua situação, intitulando-se partícipe e não
autor, de modo que mais verossímil é sua declaração.
Quando, por outro lado, quer atribuir a terceiro a prática
do crime, isentando sua responsabilidade, menos crível
será ao juiz, pois mais afeito ao instinto natural de
defesa21.”
Antes de valorar essas declarações, o juiz deve se ater a existência de
fatores negativos que podem fazer com que o delator colabore falsamente com
a justiça, situação em que pode ocasionar a incriminação indevida de pessoas
que nem tenham relação com o crime, por diversos motivos (ódio, por
exemplo), ou somente em troca dos benefícios previstos em lei. Portanto, o juiz
deverá agir com cautela ao analisar as declarações do colaborador22,
observando, também, as causas da confissão e a coerência das alegações
prestadas com as demais provas colhidas, já que o colaborar tem acesso a
diversos fatos que permitem o conhecimento de questões pormenorizadas das
participações dos demais réus, bem como os detalhes e da empreitada
criminosa23.
Assim, verifica-se que a delação, naturalmente, tem valor probatório,
especialmente porque houve admissão de culpa pelo delator24 e deve ser
considerada, sim, um meio de prova, submetido, naturalmente, à rigorosa
análise do julgador25.
21 NUCCI, Guilherme de Souza, O valor da confissão como meio de prova no Processo Penal. Revista dos tribunais, São Paulo, 1997, pág 211.22 GRINOVER, Ada Pellegrini; FERNANDES, Antônio Scarance; GOMES FILHO, Antônio Magalhães. As nulidades do Processo Penal. 8.ed. rev. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004. p. 149.23 GUIDE, José Alexandre Marson. Delação Premiada no combate ao crime organizado. Franca-SP: Lemos e Cruz, 2006. p. 183.24 NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Processo Penal e Execução Penal. 11. Ed. Rev. E atual – Rio de Janeiro: Forense, 2014, pág 327.25 Nucci o valor da confissão no processo penal 215
8
2.4 BENEFÍCIOS AO RÉU COLABORADOR
Após preenchidos os requisitos para obtenção do benefício, em cada
caso, o colaborador terá direito a benefícios. Cabe ao juiz dosar a premiação,
de acordo com o nível da colaboração, ou seja, quanto mais efetiva a
colaboração, maior será a premiação26.
2.4.1 REDUÇÃO DA PENA:
Neste caso, a redução de pena será decorrente de uma colaboração
voluntária e eficiente do corréu colaborador, que deverá ter a pena reduzida de
um a dois terços27.
O quantum da redução, dentro do limite legal, variará conforme seja a
colaboração do acusado; se esta for mais efetiva, maior será o abatimento e,
assim, por conseguinte28.
O juiz deverá analisar os critérios para auferir a redução da pena,
sempre observando a culpabilidade do agente, bem como o crime e o fato29.
Sobre este benefício, João José Leal aponta:
“Tratando-se de instituto penal bem menos benéfico que o
perdão judicial, é evidente que a redução de pena deve
ser concedida com maior freqüência e de forma
facilitada.”30
26 GOMES, Luiz Flavio. Lei de Droga comentada artigo por artigo: Lei 11.343/06 de 23.08.2006. Luiz Flavio Gomes Coordenação. 2. ed. rev., atual., e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007.. p. 225.27 GUIDE, José Alexandre Marson. Delação Premiada no combate ao crime organizado. Franca-SP: Lemos e Cruz, 2006. p. 17528 GOMES, Luiz Flávio (coord.). Nova Lei de Drogas Comentada: Lei 11.343, de 23.08.2006. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006 p. 190.29 NUCCI, Guilherme de Souza. Leis penais e processuais penais comentadas. 4.ed. ver atual e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009 p. 1.066.30 LEAL, João José. A lei 9.807/99 e a figura do acusado-colaborador ou prêmio à delação. Revista dos Tribunais. São Paulo: RT, ano 89, n. 782, p. 443-458, dez. 2000. p. 452.
9
Para receber o benefício da redução da pena, basta apenas que o réu
colabore com as autoridades, de maneira eficaz.
2.4.2 PERDÃO JUDICIAL
O perdão judicial é uma causa de extinção da punibilidade, prevista no
artigo 107, inciso IX do Código Penal.
O perdão judicial deixa de punir aquele que tenha sofrido conseqüência
tão grave, decorrente de sua própria conduta delitiva, que se pode considerar
por aplicada e cumprida sua pena. Desse modo, percebe-se que o perdão
concedido como prêmio pela delação é uma forma diferenciada de perdão
judicial. Enquanto o perdão judicial previsto no Código Penal decorre do
sofrimento pessoal experimentado pela prática do fato delituoso, o perdão
judicial procedente da delação premiada decorre da colaboração voluntária e
efetiva à justiça31.
Para que haja o perdão judicial no instituto da delação premiada, alguns
requisitos são observados, tais como: primariedade do colaborador e
voluntariedade na delação32.
Acerca da primariedade, é necessário ressaltar que a reincidência
estaria a indicar que o acusado, longe de mostrar bom propósito e
arrependimento pela transgressão à norma, estaria valendo-se do dispositivo
para eximir-se de punição33.
Quanto à voluntariedade, cabe aqui diferenciá-la da espontaneidade.
Nas palavras de Damásio:
31 FONSECA, Pedro Henrique Carneiro da. A Delação Premiada. Revista do Ministério Pú- blico de Minas Gerais, n° 10, jan/jun. 2008. Disponível em: http://bdjur.stj.jus.br/xmlui/bitstream/handle/2011/26968/ delacao_premiada.pdf? sequence=1. Acesso em: 29 set. 201532 NUCCI, Guilherme de Souza. Leis penais e processuais penais comentadas. p. 1.065.33 AGUIAR, Leonardo Augusto de Almeida. Perdão Judicial. Belo Horizonte: Del Rey, 2004. Pg. 159
10
“Voluntário é o ato produzido por vontade livre e
consciente do sujeito, ainda que sugerido por terceiros,
mas sem qualquer espécie de coação física ou
psicológica. Ato espontâneo, por sua vez, constitui
aquele resultante da mesma vontade livre e consciente,
cuja iniciativa foi pessoal, isto é, sem qualquer tipo de
sugestão por parte de outras pessoas34”.
Assim, diante de uma colaboração voluntária, embora não espontânea,
torna-se possível o perdão judicial.
No caso da delação premiada, as leis que tratam do perdão judicial são:
Lei n.º 9.807/99 (Proteção a vítimas e testemunhas), Lei n.º 9.613/98 (Lavagem
de dinheiro) e Lei n.º 8.884/94 (infrações contra a ordem econômica).
2.4.3 PROTEÇÃO:
Para a segurança do réu colaborador, algumas medidas de segurança
são aplicadas, a fim proteger a integridade física do corréu.
O colaborador deverá permanecer em dependência separada dos
demais presos, medida que vem sendo adotada há muitos anos pelas
autoridades responsáveis pela administração dos presídios35.
Acerca da separação do colaborador dos demais presos, comenta
Andreucci:
Quando um criminoso entrega seus comparsas e,
mesmo assim, é condenado e preso, torna-se evidente
a necessidade de proteção. Assim, serão aplicadas ao 34JESUS, Damásio Evangelista de. Estágio atual da “delação premiada” no Direito Penal brasileiro. Disponível em: < http://jus.com.br/artigos/7551/estagio-atual-da-delacao-premiada-no-direito-penal-brasileiro>. Acesso em: 14.setembro.2015.35 NUCCI, Guilherme de Souza. Leis Penais e processuais comentadas, página 1069
11
colaborador todas as medidas possíveis para garantir
sua segurança, como, por exemplo, ser preso em
dependência separada dos demais comparsas36.”
No entanto, a ineficiência atual da delação premiada condiz com a falta
de agilidade do Estado em dar efetiva proteção ao réu colaborador. A lei do
silêncio, no universo criminoso, ainda é mais forte, pois o Estado não cumpriu
sua parte, que é diminuir a impunidade, atuando, ainda, para impedir que réus
colaboradores pereçam em mãos dos delatados37.
3 DELAÇÃO PREMIADA NA LEGISLAÇÃO BRASILEIRA
No Código Penal, podemos encontrar a delação premiada no artigo 159,
§ 4.º:
“Se o crime é cometido em concurso, o concorrente que
o denunciar à autoridade, facilitando a libertação do
seqüestrado, terá sua pena reduzida de 1 (um) a 2/3
(dois terços).”
Mas a delação também está presente em outras normas, como veremos
a seguir.
3.1 LEI DOS CRIMES HEDIONDOS
A lei n.º 8.072/90 elencou o rol dos crimes hediondos e passou a premiar
o delator de autores da extorsão mediante seqüestro que, em face de sua
36 ANDREUCCI, Ricardo Antonio. Legislação Penal Especial. 6.ed. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 516.37 NUCCI MANUEL DE PROCESSO E EXECUÇÃO PÁG 325
12
conduta, colaborassem na liberação da pessoa seqüestrada ou na identificação
e na detenção dos delinqüentes38:
Lei nº 8.072/90, art. 8º, parágrafo único – O participante
que denunciar à autoridade o bando ou quadrilha,
possibilitando seu desmantelamento, terá a pena
reduzida de 1 (um) a 2/3 (dois terços).
O artigo 7.º dessa lei introduziu o parágrafo 4.º ao artigo 159 do código
penal, ou seja, uma causa especial de diminuição de pena ao coautor ou ao
partícipe de extorsão mediante seqüestro, praticada em quadrilha ou bando,
desde que fornecessem elementos ensejadores da liberação da pessoa
seqüestrada. Posteriormente, a Lei 9.269/96 alterou o referido parágrafo do
artigo 159 do código penal, aplicando o dispositivo ao concorrente que
colaborasse na liberação da vítima, não sendo mais necessário, portanto, a
quadrilha ou bando, bastando o concurso de agentes e a colaboração efetiva
para a aplicação da diminuição da pena. A mesma Lei 8.072/90, em seu artigo
8.º, parágrafo único, passou a admitir a diminuição da pena ao participante ou
ao associado que denunciasse à autoridade o bando ou a quadrilha,
possibilitando seu desmantelamento.39
3.2 LEI DE ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS:
A lei 9.034/95 não delimitou os conceitos de associações ou
organizações criminosas, a fim de abarcar a criminalidade inteligente, cunhada
como “crime organizado”. Evidencia-se, para sua caracterização, a
necessidade de estabilização delituosa, com organização hierarquizada,
complexa e com conexões específicas internas e externas, isto, um sistema
ilícito de fato, à margem da legalidade40.
38 GIACOMOLLI, José Nereu. A fase preliminar do processo penal, lumen júris, rio de janeiro, 2011. Pág 12139 GIACOMOLLI, José Nereu. A fase preliminar do processo penal, lumen júris, rio de janeiro, 2011. Pág 12240 GIACOMOLLI, José Nereu. A fase preliminar do processo penal, lumen júris, rio de janeiro, 2011. Pág 124
13
A fim de facilitar a aplicação penal contra os envolvidos, o legislador
incluiu no texto da referida lei o instituto da delação premiada, sendo este
bastante eficaz para combater esta prática criminosa. O artigo 6.º da Lei
9.034/95 prevê uma causa especial de diminuição da pena de 1/3 a 2/3 quando
a colaboração espontânea do agente levar ao esclarecimento de infrações
penais e de sua autoria. Portanto, depreende-se que o instituto alcançará
apenas o agente que, participando da organização, espontaneamente tiver
delatado os comparsas41.
Observe-se apenas que a espontaneidade referida no texto não
confunde-se com colaboração voluntária, já que voluntário é o ato produzido
por vontade livre e consciente do sujeito, ainda que sugerido por terceiros, mas
sem qualquer espécie de coação física ou psicológica. Ato espontâneo, por sua
vez, constitui aquele resultante da mesma vontade livre e consciente, cuja
iniciativa foi pessoal, isto é, sem qualquer tipo de sugestão por parte de outras
pessoas. Essa diferenciação é necessária pois a espontaneidade não é
exigência em outros dispositivos legais que dispõe sobre o instituto da delação
premiada42.
3.3 CRIMES CONTRA O SISTEMA FINANCEIRO NACIONAL E CRIMES DE
ORDEM TRIBUTÁRIA
A lei n.º 9.080/95 acrescentou o parágrafo segundo ao artigo 25 da lei
7.492/86, introduzindo a possibilidade da delação premiada nos crimes contra o
sistema financeiro nacional (lei do colarinho branco).
Percebe-se que a Lei nº 7.492/86, que versa sobre os crimes contra o
sistema financeiro nacional, busca alcançar um tipo de criminoso distinto, ou
seja, aquele que detém poderes diretivos e econômicos. Por esse motivo, foi
intitulada pela doutrina de crimes do colarinho branco. Como se sabe, alcançar 41 GIACOMOLLI, José Nereu. A fase preliminar do processo penal, lumen júris, rio de janeiro, 2011. Pág 12642 JESUS, Damásio Evangelista de. Estágio atual da “delação premiada” no Direito Penal brasileiro. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/7551/estagio-atual-da-delacao-premiada-no-direito-penal-brasileiro>. Acesso em: 17 de setembro 2015.
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criminosos dessa monta não é tarefa das mais fáceis. Com essa consciência, a
Lei nº 9.080/95 introduziu na norma o instituto da delação premiada, com vistas
a facilitar a elucidação de crimes envolvendo controladores e administradores
de instituições financeiras e assimiladas43.
A Lei 9.080/95 acrescentou o parágrafo segundo ao artigo 25 da Lei
7.492/86, introduzindo a possibilidade da delação premiada nessas espécies
de crimes. Está é possível nos crimes praticados em quadrilha ou em
coautoria, quando o coautor ou partícipe revelar à autoridade policial ou judicial
toda trama criminosa (redução de 1/3 a 2/3). A mesma lei acrescentou um
parágrafo ao artigo 16 da Lei 8.137/90, autorizando uma diminuição de pena de
1/3 a 2/3, nas mesmas circunstâncias da lei anterior. Com a previsão de
aplicação nas hipóteses do concurso de agentes, o instituto deixava as esferas
da excepcionalidade para possibilitar a sua utilização, de forma indiscriminada,
em todas as fases da persecutio criminis, independentemente da gravidade do
delito44.
3.4 LEI DA LAVAGEM DE CAPITAIS
O crime organizado, mercê de suas atividades ilícitas (tráfico de drogas,
contrabando de armas, extorsão, prostituição, etc.), dispõe de fundos colossais,
mas, inutilizáveis enquanto possam deixar pistas de sua origem. Da
necessidade de ocultar e reinvestir as ingentes fortunas obtidas, ora para
financiar novas atividades criminosas, ora para a aquisição de bens diversos,
surge a lavagem de dinheiro com o fim último de evitar o descobrimento da
cadeia criminal e a identificação de seus autores45.
43Estrêla, William Rodrigues Gonçalves. Delação premiada: análise de sua constitucionalidade / William Rodrigues Gonçalves Estrêla. Taguatinga – DF: [S.n.], 2010. Monografia – trabalho de conclusão do Curso de Bacharelado em Direito. FAPRO – Faculdade Projeção44 GIACOMOLLI, José Nereu. A fase preliminar do processo penal, lumen júris, rio de janeiro, 2011. Pág 12845 CALLEGARI, André Luís. Imputações objetivas: lavagem de dinheiro e outros temas de direito penal. 2. ed. rev. Ampl. Porto Alegre: Livraria do advogado, 2004, p. 55.
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A Lei 9.613/98, a fim de diminuir a criminalidade, que continuou
sofisticando-se, em quantidade e qualidade, aumentou os prêmios ao delator.
Além da diminuição da pena de 1/3 a 2/3, o delator pode iniciar o cumprimento
da pena em regime aberto, ter a pena privativa de liberdade substituída por
restritivas de direito e até não ter a pena aplicada. Isso sempre que o autor,
coautor ou partícipe colaborar espontaneamente com as autoridades,
prestando esclarecimentos conducentes à apuração das infrações penais e de
sua autoria ou à localização de bens, direitos e valores objeto do crime46.
Observa-se que essa norma trouxe inovação, já que não ficou limitada
apenas à diminuição da pena, mas também a aplicação da mesma em regime
aberto, a conversão de pena privativa de liberdade em pena restritiva de
direitos e inclusive a não aplicação de pena.
3.5 PROGRAMA FEDERAL DE PROTEÇÃO A VÍTIMAS E TESTEMUNHAS
AMEAÇADAS
Nesta lei, a delação está prevista nos artigos 13 e 14:
“Artigo 13 - Poderá o juiz, de ofício ou a requerimento das
partes, conceder o perdão judicial e a conseqüente
extinção da punibilidade ao acusado que, sendo primário,
tenha colaborado efetiva e voluntariamente com a
investigação e o processo criminal, desde que dessa
colaboração tenha resultado:
I - a identificação dos demais co-autores ou partícipes da
ação criminosa;
II - a localização da vítima com a sua integridade física
preservada;
III - a recuperação total ou parcial do produto do crime.
46 GIACOMOLLI, José Nereu. A fase preliminar do processo penal, lumen júris, rio de janeiro, 2011. Pág 127
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Parágrafo único. A concessão do perdão judicial levará
em conta a personalidade do beneficiado e a natureza,
circunstâncias, gravidade e repercussão social do fato
criminoso.
Artigo 14 - O indiciado ou acusado que colaborar
voluntariamente com a
investigação policial e o processo criminal na identificação
dos demais coautores ou partícipes do crime, na
localização da vítima com vida e na recuperação total ou
parcial do produto do crime, no caso de condenação, terá
pena reduzida de 1/3 (um terço) a 2/3 (dois terços).”
Com essa lei, foi estabelecida a hipótese de perdão judicial ao
colaborador, sempre que satisfeitos os requisitos dos incisos do artigo 13.47
Observa-se que a lei em comento amplia o âmbito de benefício da
delação premiada, indo além da redução de pena e trazendo um novo tipo de
perdão judicial,concedido quando estiverem preenchidos os requisitos objetivos
e subjetivos previstos no artigo48.
3.6 LEI DE DROGAS:
A política de repressão às drogas ilícitas, através do artigo 41 da Lei
11.343/06, estabeleceu o prêmio da redução da pena de 1/3 a 2/3 ao indiciado
ou acusado que, na fase preliminar ou processual, voluntariamente,
colaborasse na identificação de coautores ou de partícipes.
“Lei 11.343/06, artigo 41: O indiciado ou acusado que
colaborar voluntariamente com a investigação policial e
47GIACOMOLLI, José Nereu. A fase preliminar do processo penal, lumen júris, rio de janeiro, 2011. Pág 121PÁG 12448 LEAL, João José. A lei 9.807/99 e a figura do acusado-colaborador ou prêmio à delação. Revista dos Tribunais. São Paulo: RT, ano 89, n. 782,, dez. 2000. Pág 449
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o processo criminal na identificação dos demais
coautores ou partícipes do crime e na recuperação total
ou parcial do produto do crime, no caso de condenação,
terá pena reduzida de 1/3 (um terço) a 2/3 (dois terços)”
Ressalte-se que a Lei faz exigência a uma dupla colaboração, quais
sejam: à identificação dos demais coautores ou partícipe do crime e a
recuperação total ou parcial do produto do crime, neste último caso não
importando se a recuperação foi total ou parcial, o que importa realmente é o
resultado.49
49 GOMES, Luiz Flavio. Lei de Droga comentada artigo por artigo: Lei 11.343/06 de 23.08.2006. Luiz Flavio Gomes Coordenação. 2. ed. rev., atual., e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. Pág 224
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