4
A crise das instituições nos anos 90, o debate das
reformas e a disputa pelo novo significado do
desenvolvimento dos PEDs
4.1
Introdução
Esse capítulo consiste numa análise das repercussões da retomada da
hegemonia norte-americana no âmbito monetário, a partir do choque dos juros de
1979. A retomada da hegemonia norte-americana em tela forneceria condições
propícias para um grande avanço do processo de globalização financeira. Desde
então, a gestão macroeconômica sistêmica passou a ocorrer, sobretudo, por parte
dos países desenvolvidos reunidos no G-7. Esse expediente possibilitou que os
efeitos da ausência de regulação sobre os fluxos financeiros internacionais fossem
controlados pela cooperação entre as maiores economias mundiais para o
gerenciamento dessas questões.
O controle da sucessão de crises inaugurada após o fim de Bretton Woods
pelo G-7 possibilitou um grande avanço do processo de globalização das finanças,
a despeito da ausência de regras claras que disciplinassem o comportamento dos
investidores. Isso implicava no crescimento dos fluxos de capitais que se moviam
livremente ao redor do globo a partir da sucessão de Bretton Woods por um não-
sistema (BRESSER PEREIRA, 2005).
Esse movimento era impulsionado pela adesão dos países ao novo modelo
de desenvolvimento econômico do Consenso de Washington, recomendado pelas
instituições de Bretton Woods. A partir da liberalização e desregulação dos
mercados financeiros nacionais surgiam muitas inovações de instrumentos
financeiros que floresceram inicialmente para lidar com as conseqüências dos
crescentes riscos dos investidores.
No entanto, esses mesmos mecanismos financeiros de proteção ao risco
passaram a ser uitilizados para operações especulativas nos mercados de futuros
através da negociação com moedas ou outros títulos. Crescentemente, a
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volatilidade desses mercados livres e desregulados aumentava, conforme a
globalização das finanças avançasse e surgissem novos atores com perfis
agressivos, controlando vastos portfólios como era o caso dos fundos de pensão e
outros investidores institucionais que superavam o setor bancário tradicional.
Uma fase importante da evolução dessas finanças que se globalizavam
consistiu no Segundo Consenso de Washington (BRESSER PEREIRA, 2005),
quando ao lado das políticas tradicionais do consenso, as instituições de Bretton
Woods passaram a também recomendar o financiamento do desenvolvimento dos
países com a poupança externa captada no mercado financeiro internacional. Isso
ocorreu no princípio dos anos 90 e aduziu uma maior exposição ao risco das crises
de volatilidade aos mercados financeiros dos países em desenvolvimento.
A partir do papel das instituições de Bretton Woods, a maior adesão dos
países em desenvolvimento às finanças globalizadas dos anos 90 determinou uma
grande vulnerabilidade para esses mercados emergentes, que passaram depender
das alterações na percepção do risco sistêmico dos investidores internacionais.
Essa trajetória culminaria nas crises financeiras dos anos 90, quando após
haver atingido o México (1994-1995), a crise ressurge no Leste da Ásia (1997),
atinge a Rússia (1998), passando pelo Brasil (1998-1999) para chegar e à
Argentina (2001-2002). A partir dessas crises, surge um amplo debate
internacional que passa a questionar o modelo de desenvolvimento preconizado
pelas instituições de Bretton Woods. Esse modelo seria agora responsabilizado
pela vulnerabilidade financeira em que aquelas economias imcorreram, pela sua
adesão às instituições.
O momento seguinte é marcado por um grande debate internacional que
não se contenta em questionar a validade do modelo de desenvolvimento
hegemônico do Consenso de Washington, por analisar as causas da crise, mas
passa também a comparar o desempenho dos países em desenvolvimento que
aderiram profundamente ao modelo, como os da América Latina, com alguns
mercados asiáticos que, em contrário, resguardaram as bases do gerenciamento
das suas políticas domésticas. Estes países conservaram sua capacidade estatal de
emprego de políticas anti-cíclicas, como instrumento fundamental para o melhor
desempenho econômico apresentado, inclusive no que diz respeito à sua
capacidade de superar as conseqüências das crises.
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As repercussões desse debate tiveram o poder de gerar uma ampla
repercussão sobre as instituições internacionais. O debate gerou muitas críticas
que partiam tanto da academia, quanto dos de dentro, envolvendo incluvive o ex-
dirigente do Banco Mundial como Joseph Siglitz. Nesse debate, as propostas para
a reforma das instituições de Bretton Woods ganhou força na agenda internacional
e nas reuniões de ambas as instituições que passaram a debater esse tema no seu
interior. A questão chegaria à discussão das reformas no Congresso norte-
americano que criou um grupo de altos estudos que resultou no Relatório Meltzer
(2002).
Um papel de destaque nesse processo coube às Nações Unidas, cuja
trajetória ao longo dos anos 90 fora marcada pelas suas cúpulas sociais que
naquele momento já dera origem às Metas do Milênio das Nações Unidas (2000).
O que figurava nessa trajetória da ONU consistia numa nova concepção do
desenvolvimento que seria agora colocada no centro da agenda internacional nos
debates sobre a reforma das instituições de Bretton Woods.
A direção que esse debate assumia focando as condições de um novo
modelo de desenvolvimento encontrou grandes resistências, pois colocava os
interesses dos PEDs no centro das reformas pela necessidade imprescindível de
que a sua integração nas instituições multilaterais fosse resgatada. O grande
debate em questão assumiria forma concreta nas discussões da Conferência de
Monterrey sobre o Financiamento para o Desenvolvimento, das Nações Unidas
(2002).
O questionamento das bases do modelo de desenvolvimento prevalecente
antes das crises abria espaço no consenso internacional que consistia no maior
estímulo para o engajamento dos PEDs nas instituições. Esse deslocamento do
consenso de Washington que ainda não dera origem nem às reformas ou a um
novo consenso, entretanto, apresentaria amplas repercussões sobre o
multilateralismo naqueles anos e em particular sobre o começo das negociações da
Rodada Doha da OMC (2001), cujo tema consistia precisamente no
desenvolvimento dos PEDs.
As etapas essenciais dessa trajetória de questionamento do Consenso de
Washington, a partir do emergente Dissenso de Cambridge (BACHA, 2002)
consistem no objeto do presente capítulo.
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4.2
A Retomada da hegemonia norte-americana nas finanças e o avanço
da globalização financeira: a origem da volatilidade dos mercados e
das crises dos anos 90
A retomada da hegemonia financeira dos EUA no gerenciamento da crise
de Bretton Woods permitiria conservar sua grande influência sobre a ordem
econômica internacional. A estratégia de manutenção da sua hegemonia pelo
choque de juros (1979), entretanto, terminou incentivando o movimento inicial de
globalização financeira que já avançava por entre os pilares de Bretton Woods
desde a década de 70, com amplas repercussões futuras sobre as perspectivas dos
Estados na sua adesão às instituições e da ordem econômica.
Nos anos 70, o crescimento do mercado de eurodólares já ameaçava os
controles regulatórios das economias nacionais sobre a poupança dos países. No
entanto, essa ameaça se concretizaria crescentemente a partir do fim do sistema de
Bretton Woods, assinalando a arrancada dessa esfera do processo de globalização,
que culminaria na grande volatilidade dos fluxos financeiros internacionais e nas
crises sistêmicas nos anos 90. Em 1973, EUA, Canadá, Suíça e Alemanha
aboliram seus controles de capitais, sendo acompanhados por Reino Unido, em
1979; pelo Japão, em 1980; pela Itália e França, em 1990; assim como por
Espanha e Portugal, em 1992 (ROBERTS, 2000).
Esse processo seria impulsionado pela ascensão de governos
conservadores nos EUA, que teve sua contrapartida na ascensão de Margareth
Tatcher (1979) ao poder britânico, inaugurando a aliança de cooperação para
avançar o processo de liberalização e desregulação monetária e financeira em
escala global (EATWELL; TAYLOR, 2000).
O crescimento da especulação financeira e da volatilidade desses mercados
levou à tentativa institucional de reverter a desorganização dos fluxos de capitais
internacionais por meio do FMI, que buscou a instauração de uma nova ordem
monetária internacional. Esse projeto envolvia o gerenciamento de um cesta de
moedas, que servisse de base para os Direitos Especiais de Saque (SDR),
financiados pelas contribuições dos seus principais membros. Entretanto, esta
estratégia foi rejeitada pelos EUA, Inglaterra, Alemanha e Japão (TAVARES,
1998). Essa conjuntura gerava a percepção crescente do risco sistêmico, diante do
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crescimento do crédito interbancário e da dívida do Terceiro Mundo. Os Bancos
Centrais de muitos países perdiam crescentemente o controle dos seus balanços de
pagamentos, diante do incremento da especulação com moedas. Excetuando-se
EUA e Inglaterra, a maioria dos países apoiava um maior controle do sistema
financeiro internacional pelo FMI (TAVARES, 1998).
A partir da impossibilidade de enquadramento dessa tendência pelas
instituições, criavam-se oportunidades para o desenvolvimento de modificações
fundamentais nas formas de gestão e aplicação dos fluxos financeiros
desregulados que se moviam crescentemente através do globo. Surgiram
inovações financeiras que repercutiriam sobre as instituições tradicionais, fazendo
com que um novo ambiente financeiro se conformasse com origem no aumento da
volatilidade dos capitais internacionais. Essas mudanças passariam a ser
retroalimentadas pela reestruturação do setor financeiro em nível global que
responde aos desafios acelerando ainda mais a volatilidade dos mercados a partir
dos novos instrumentos financeiros.
Os mercados financeiros e instituições não bancárias passariam a assumir
o predomínio no setor financeiro, pois os bancos tradicionais não foram capazes
de resistir à concorrência dessas novas instituições financeiras, que concentram
capitais vindos dos fundos de pensão e das sociedades de investimento coletivo ou
fundos mútuos (CHESNAIS, 1998).
O setor bancário tradicional passaria por grande retração, pela regressão
dos seus níveis intermediação financeira nos anos 80/90. A alternativa consistiu
na orientação do setor na direção de um processo crescente de fusões e
conglomeração. Somente desse modo, foi possível obter maior eficiência e
competitividade. Isso determinou o aumento da presença dos bancos tradicionais
nos mais diversos locais do globo, pela tendência à formação de conglomerados e
da diversificação de atividades e serviços. Agravando a instabilidade dessa nova
fase das finanças, visando à competitividade com as outras instituições, os bancos
também passariam a fornecer créditos de maior risco (EDWARDS, 1996).
Crescentemente, as companhias de seguros, os fundos de pensão e os
mercados de fundos mútuos se tornaram os novos formadores da poupança
internacional. Os fundos de pensão centralizam uma poupança elevada, figurando
entre as maiores instituições financeiras não bancárias. Com o fito de auferir
rendimentos de grandes somas de capitais, com máxima rentabilidade e liquidez,
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esses fundos se tornaram as instituições centrais do capital financeiro,
encabeçando as “finanças especulativas” (CHESNAIS, 1998).
Além disso, a regulamentação que incidia sobre os bancos possibilitava às
instituições não bancárias criarem novas maneiras de oferecer remunerações mais
altas, pois não se achavam sob regras estritas como os bancos. A criação dos
fundos mútuos oferece aos depositantes serviços de cheque, como o setor bancário
tradicional, mas com o atrativo de uma taxa de remuneração mais alta. Assim, os
depósitos do setor bancário se reduziram vertiginosamente de 55%, em 1960, para
menos de 20%, em 1994 (EDWARDS, 1996). No mercado da disputa pelas
economias familiares, em nível mundial, os fundos de pensão e companhias de
investimento despontaram como os grandes vencedores, desde os anos 80.
Desde o começo dos anos 80, expandiu-se o mercado de bônus
internacionais interligados, atendendo às demandas de grupos que trabalhavam
com poupança nos governos e nos mercados privados (HELLEINER, 1994). Isso
também repercutiu sobre o setor bancário tradicional, que se distanciava do
financiamento dos países industrializados, que passavam a recorrer à emissão de
bônus dos Tesouros e títulos das suas dívidas nos mercados financeiros.
Como aponta Roberts (2000), os derivativos financeiros representaram a
principal inovação financeira do final do século XX. Seu surgimento se deu nos
anos 70, após a falência do sistema de Bretton Woods diante da necessidade de
proteção contra a volatilidade ascendente das moedas e taxas de juros, mediante
operações de seguro - hedge. O crescimento dos derivativos deu origem a muitas
bolsas no mercado futuro, especializadas nessa aplicação. O volume destes
instrumentos financeiros avançou de US$ 7,9 trilhões, em 1991, para US$ 40,9
trilhões, em 1997 (ROBERTS, 2000).
Os contratos de derivativos podiam ser utilizados tanto para a proteção
contra os riscos da flutuação de preços de produtos. Entretanto, esse mesmo
instrumento se prestava para assumir maiores riscos, em aplicações de maior
lucratividade. Uma grande expansão dos derivativos aconteceu em conseqüência
do maior risco cambial, que era assumido pelo setor privado e da crescente
volatilidade associada aos mercados financeiros (EATWELL; TAYLOR, 2000).
Uma questão colocada pela proliferação dos derivativos nos mercado financeiro
da década de 90 consistiu nos riscos sistêmicos das crises das economias
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nacionais, uma vez que a complexidade da estruturação do mercado de derivativos
gerava grande dificuldade de previsão e controle dos ricos para os investidores.
A diversidade da crença dos agentes financeiros passava a condicionar a
liquidez sistêmica, consoante às expectativas de compra ou de venda de ativos.
Quando os interesses dos agentes coincidem pela transmissão e compartilhamento
dessas expectativas, a possibilidade de sucessivas crises de liquidez cresce,
impossibilitando o controle do risco financeiro. Nessas ocasiões, ocorre o avanço
simultâneo dos investidores sobre certos ativos, propiciando o aparecimento de
bolhas especulativas e valorização excessiva dos títulos. Quando sobrevém a
percepção dessa valorização excessiva, dá-se a corrida pela venda dos papéis,
gerando quedas abruptas de preços (EATWELL; TAYLOR, 2000).
A crescente volatilidade do sistema financeiro não era a única
singularidade do novo período das finanças internacionais que floresceria nos
anos 90. Também houve inovação na direção dos fluxos e no volume das
transferências de capitais dos países industrializados para as economias em
desenvolvimento. Nesse sentido, o avanço do processo de globalização financeira
apresenta um ponto de inflexão importante.
Os anos 90 representaram o reverso dos anos 80, quando esses países
administravam a crise da dívida externa e os fluxos de capital partiam das
economias devedoras em direção aos países industrializados. Na década de 90,
resolvido o problema da dívida pelo Plano Brady (1985), a partir da renegociação
dos saldos devedores, e retorno ao sistema financeiro internacional inaugurou-se
um novo afluxo de recursos para os países latino-americanos (CHESNAIS, 1998).
O Sudeste Asiático também recebeu esses investimentos, ainda que não tenha
passado pelo problema da dívida externa nos anos 80.
A incorporação dos mercados emergentes da América Latina e Ásia a esse
novo sistema financeiro desregulado e instável abriria espaço para uma série de
choques e crises financeiras característicos das finanças internacionalizadas,
sujeitas às bolhas especulativas e desvalorizações abruptas de ativos (CHESNAIS,
1998). Como agravante, os capitais não eram mais os tradicionais capitais de
empréstimo, pois as finanças internacionais lidavam com a emergência dos
capitais de investimento geridos por grandes investidores institucionais, como os
fundos de pensão, os fundos mútuos e as seguradoras (ARMIJO, 1999). O volume
de poupança dos novos investidores deixava para trás o crédito dos bancos
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comerciais e os principais atores financeiros dos anos 90 eram os controladores
dos fundos mútuos e fundos de pensão, operando com taxas de juros e
investimentos que moviam trilhões de dólares ao redor do globo (ARMIJO,
1999).
4.3
As mudanças nas finanças dos anos 90 e seu impacto sobre o papel
das instituições de Bretton Woods
Nos anos 80, em seguida à recessão, os países desenvolvidos
experimentaram uma recuperação proporcionalmente vigorosa às dimensões da
crise, em seguida à reversão da alta dos preços do petróleo. Apesar do desemprego
se manter elevado, em relação aos níveis do pós Guerra, as preocupações nos
países da OCDE não constituíam a tônica do momento, pois isso era considerado
produto inevitável da rigidez do mercado de trabalho e da estabilidade de preços
conquistada (HELLEINER, 1990).
As maiores preocupações com o desempenho futuro da economia
internacional residiam nas oscilações dos desequilíbrios em conta corrente dos
EUA e a ameaça representada ao sistema financeiro internacional pela dívida dos
países em desenvolvimento (HELLEINER, 1990).
Os deficits da economia norte-americana persistiram, mediante a
coordenação entre as economias da OCDE, que conseguiram insular seus efeitos
sobre o desempenho da economia global. Isso resultava do aumento da
coordenação macroeconômica e do poder de gerenciamento e supervisão do
equilíbrio entre as políticas econômicas dos países desenvolvidos que se tornou
possível pela emergência do G-7. A questão dos débitos do Terceiro Mundo, que
foi resolvida pelo Plano Brady (1985), permitindo que os Bancos Comerciais do
Ocidente reconstruíssem suas reservas, reduzindo ao mesmo tempo, a exposição
real das dívidas dos países em desenvolvimento. Desse modo, a estabilidade do
sistema financeiro internacional não parecia ameaçada por esses fatores, no final
da década de 80.
No entanto, esse grande poder de gerenciamento macroeconômico dos
países desenvolvidos consistiu também na contrapartida da perda de poder das
instituições-chave de Bretton Woods, como o FMI e o Banco Mundial. A partir do
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fim de Bretton Woods, que determinou a arrancada para a tendência dos
crescentes fluxos financeiros que se movem ao redor do globo, geravam-se
volatilidade e flutuações cambiais das moedas dos países que demandavam novos
meios de lidar com esse novo ambiente financeiro que não podiam ser
encontrados no recurso a essas instituições tradicionais.
O impacto do processo da globalização financeira sobre o Fundo
Monetário Internacional alterava seu papel de provedor de liquidez aos países
necessitados, convertendo-o, principalmente, em instrumento dos países
desenvolvidos para o processo de ajuste dos países em desenvolvimento,
consoante a aplicação da sua política de condicionalidades para a concessão dos
recursos.
Essa alteração refletia a crise por que passou a instituição em termos da
sua credibilidade e relevância, desde o fim de Bretton Woods. Por um lado, os
recursos do Fundo não eram suficientes para fazer frente às necessidades das
dívidas que os países conseguiam contrair no mercado financeiro internacional.
Por outro lado, a via para o desenvolvimento defendida pela instituição e pelo
Banco Mundial, no sentido do crescimento baseado em poupança externa ou
déficit em conta corrente, mostrar-se-ia equivocada (BRESSER PEREIRA, 2006),
sendo considerada responsável pela vulnerabilidade daqueles mercados às crises
financeiras que se abateram sobre esses mercados na década de 90.
Nessas circunstâncias, o G-7 passaria a assumir crescentemente a
coordenação da economia internacional, gerenciando a Crise da Dívida Externa e
a questão da sobrevalorização da moeda norte-americana, nos Acordos do Plaza
(1985) e do Louvre (1987) que tornaram possível a coordenação entre os Bancos
Centrais dos países desenvolvidos, possibilitando que a estratégia de soft landing
propiciasse uma desvalorização segura do dólar (BRESSER PEREIRA, 2006).
Mais tarde, após o pacote de ajuda ao México na sua crise cambial (1994-1995),
mais uma vez o G-7 entraria em operação, agora para reverter a desvalorização do
dólar que seria também revertida, mediante a coordenação entre os bancos
centrais dos países desenvolvidos (BELLUZO, 2006).
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4.4
As crises financeiras dos anos 90 e as críticas a atuação das
instituições de Bretton Woods
A herança dos anos 80 trouxe grande variação no desempenho econômico
dos países em desenvolvimento. Na Ásia, entretanto, o desenvolvimento da
década anterior se manteve ou se acelerou, regredindo um pouco apenas no final
da década, nos casos de NICs, como Hong Kong, Coréia do Sul e Singapura.
Grandes economias como a chinesa, a indiana e a paquistanesa cresceram ainda
mais do que nos anos 70. No Sudeste Asiático, apesar do encolhimento dos níveis
de crescimento no final da década, a Tailândia emergiu, ostentando grandes níveis
de crescimento, na segunda metade da década. Em contrapartida, o
desenvolvimento estagnou-se, caracterizando-se a “década perdida” na maior
parte da África sub-Saariana e na América Latina (HELLEINER, 1990).
Nos anos 90, quando algumas economias latino-americanas estabilizaram
suas economias, emergindo do processo de ajuste das reformas econômicas para
experimentarem algum crescimento, essa trajetória sofreu uma ruptura com as
crises de fuga de capitais na Argentina e no Brasil. Em contraste, a trajetória de
crescimento asiática foi capaz de fazer frente à crise, respondendo melhor no seu
processo de recuperação econômica. Esses países, entretanto, não aderiram como
a América Latina ao receituário das reformas das instituições de Bretton Woods.
Nesse sentido, as oportunidades para críticas ao modelo de desenvolvimento
proposto pelas instituições eram abertas pelo contraste entre essa diversidade de
experiências.
A Ásia conservou maior liberdade no manejo dos instrumentos de política
econômica doméstica, pois a trajetória destes países passou por uma reversão,
após o seu primeiro flerte com o neoliberalismo e a fragilidade externa que
contaminou os mercados da região. Nesse sentido, a correção de rumos passou
pela estratégia de criação de colchões de liquidez em dólares, buscando alguma
garantia para os riscos do processo de globalização financeira (CUNHA, 2004).
Essa correspondeu à mesma estratégia utilizada durante Bretton Woods,
por parte da Europa e do Japão, que se afigurava como opção disponível para os
países periféricos. A estratégia envolveu estabelecimento de limites à mobilidade
dos capitais, como nos casos da China e da Índia, reservando espaço para a
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manutenção de um câmbio administrado, somados à presença de um drive
exportador. Essa combinação de políticas passaria crescentemente a ser associada
ao seu maior crescimento, a partir da menor dependência de financiamento
privado de curto prazo, em moeda forte – US$.
Na comparação entre os países asiáticos e latino-americanos, durante o
período de 1995 a 2002, observou-se que, após a crise financeira, as economias
maiores da região, como Hong Kong, Cingapura e Taiwan conseguiram manter
níveis de crescimento maiores do que a média do conjunto da periferia capitalista,
preservando políticas monetárias e fiscais em expansão e protegendo suas
economias do crescimento da inflação (CUNHA, 2004).
Além disso, mas também refletindo o descompasso das trajetórias do
desenvolvimento do antigo Terceiro Mundo, uma das principais críticas na gestão
da crise pelos países desenvolvidos, através do FMI, consistiu na pouca atenção
que o Fundo dispensava à Ásia, justamente em razão do seu bom desempenho
econômico, desde os anos 70, muitas vezes referido como verdadeiro “milagre”
(STIGLITZ, 2002; SOROS, 2001).
Nesse sentido, as críticas ao FMI ganharam força também pelo fato de,
após o caso do México (1994-1995), o contágio internacional haver se irradiado
da Ásia (1997). A crise financeira asiática se originou na Tailândia. Para Soros
(2001) a origem da crise se relacionava ao desequilíbrio entre as moedas da
região, pois a gestão do câmbio regional envolvia um dispositivo informal de
atrelamento ao dólar norte-americano. A partir da estabilidade conquistada com
esse mecanismo, os investidores e bancos tailandeses passaram a se endividar em
dólares, invertendo esses recursos no mercado doméstico, ou mesmo concedendo
crédito a outros investidores locais, com destaque para o setor imobiliário. A
bolha tailandesa teria origem, portanto, no setor privado interno.
A partir dessa grande valorização dos ativos, originou-se crescente pressão
sobre o seu balanço comercial. Nesse quadro, sobreveio a desaceleração da
economia japonesa, levando à valorização do dólar frente ao Iene, resultando na
deterioração da balança comercial tailandesa, devido à complementaridade entre
essas economias. A partir disso, enquanto os ativos continuassem se valorizando
no mercado da Tailândia, haveria a compensação, representada pelos expressivos
ingressos na conta capital dos investimentos que se dirigiam ao seu mercado
interno (SOROS, 2001).
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Como agravante desse quadro de vulnerabilidade, a situação da Tailândia
foi mantida estável artificialmente, mediante a sustentação do câmbio local pelas
autoridades financeiras tailandesas e pelos bancos internacionais que mantiveram
o crédito internacional do país. Como aponta Blustein (2001), mesmo três
semanas após o governo tailandês haver desvalorizado o bath, que perdera nesse
prazo 19% do seu valor, as autoridades locais resistiam a aceitar o pacote de ajuda
do FMI e sujeitar sua política econômica às condicionalidades e supervisão da
instituição (BLUSTEIN, 2001).
A partir desse início, a crise espalharia pela Ásia e daí em direção a muitos
mercados emergentes abertos e desregulados, a partir do contágio das expectativas
negativas dos investidores sobre a capacidade de sustentação das moedas por parte
daquelas economias.
Essa crise de contágio que se manifestou a partir do comportamento dos
investidores apreensivos se associava intimamente aos grandes níveis da
volatilidade dos mercados financeiros globalizados, que passaram a desafiar a
teoria econômica ortodoxa que sustentava o receituário das políticas neoliberais
da liberalização e desregulamentação das finanças. Soros (2001 p. 204) observou
que a volatilidade dos mercados financeiros passava a ameaçar a consistência da
teoria econômica para explicar o seu comportamento. A teoria presume
comportamentos pendulares, de oscilação temporária, mas que devem retornar,
mais cedo ou mais tarde, a um equilíbrio que reflita os fundamentos econômicos.
No entanto, na crise do final dos anos 90, os mercados financeiros se
comportaram como uma “bola de demolição”, que atingia um país após o outro e
alterava os próprios fundamentos econômicos que presumiam a garantia do
equilíbrio. Nesse sentido, uma nota da Unctad, preparada ainda durante a vigência
da crise (UNCTAD, 1998 apud BRESSER PEREIRA, 2005) capta a natureza da
crise econômica:
Embora diferentes influências tenham estado em jogo em diferentes países da região, uma característica comum é que a crise tem origem no setor privado e assumiu a forma de um grande fracasso de mercado. Pode-se descrevê-la ou como uma excessiva tomada de empréstimos externos pelo setor privado, ou como uma excessiva concessão de empréstimos pelos mercados financeiros internacionais. Em todo caso, como ressaltado por Allan Greenspan, presidente do FED, dos EUA, é evidente que mais investimento foi canalizado para tais economias do que poderia ser lucrativamente empregado com risco moderado. (BRESSER PEREIRA, 2005, p. 10)
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Essa crise que da Tailândia (1997) se propagou por contágio, pelas demais
economias asiáticas - Indonésia, Malásia, Hong Kong – migrou para a Rússia
(1998), atingindo o Brasil (1998-1999) e a Argentina (2000-2001). Desvinculou-
se dos fundamentos econômicos a partir da grande liquidez e volatilidade do
sistema financeiro internacional, que permitia que vastos fluxos de capitais se
movessem ao redor do globo, consoante as expectativas dos grandes investidores.
A crise se manteve nas fronteiras dos mercados emergentes, devido à
coordenação do G-7, que se valeu do FMI, no suporte técnico e dos recursos
indispensáveis para as economias em crise. Independentemente da atuação
desastrosa do Fundo, que dentre outras falhas foi acusado de agravar o risco moral
– moral hazard- por conceder aos países recursos que permitiam o resgate dos
capitais dos investidores, prescindindo, algumas vezes, das contrapartidas que
caracterizam o comportamento da instituição para a liberação de recursos.
Esse comportamento se ligava à crescente percepção do risco sistêmico
envolvido pela propagação do contágio aos mercados financeiros dos países
centrais. Nesse sentido, é digno de nota que nas datas mais candentes das fugas de
capitais nos mercados emergentes, as bolsas na Europa e nos EUA manifestassem
depreciações significativas.
No caso do Brasil, a preocupação dos países do G-7 foi tamanha que o
governo Clinton se empenhou em recolher contribuições dos outros membros para
compor o pacote de ajuda ao Brasil de US$ 41.5 bilhões, disponibilizados
prontamente, sem sequer a exigência das condicionalidades que caracterizam a
atuação do Fundo.
Essa crise financeira constituiu um ponto de inflexão no debate econômico
acerca da desregulação do sistema financeiro internacional, pois ao tornar claros
os riscos de contaminação sistêmica chamou a atenção para a questão dos
desequilíbrios das finanças globalizadas que operavam a partir de um não sistema.
Nesse sentido, as críticas em relação ao Fundo Monetário Internacional não se
restringiam à incapacidade das suas políticas para estancar a crise, mas se
relacionavam profundamente com o seu passado de imposição das
condicionalidades para o mundo em desenvolvimento, impondo as diretrizes de
reforma econômica do Consenso de Washington. Essas políticas, que foram
aplicadas por grande parte do mundo em desenvolvimento, foram crescentemente
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percebidas como responsáveis pela grande vulnerabilidade dessas economias aos
capitais voláteis dos anos 90.
Principalmente tendo em conta o chamado Segundo Consenso de
Washington, do começo dos anos 90, quando, além das características clássicas do
Consenso de Washington, também a abertura das contas de capital dos países em
desenvolvimento passaria a resultar numa estratégia de desenvolvimento
propugnada pelas instituições, agora atribuindo grande potencial de crescimento
econômico mediante o financiamento pela poupança externa (BRESSER
PEREIRA, 2005) ou pelos recursos captados no mercado internacional, na maior
parte das vezes de curto prazo.
As crises dos anos 90 tinham em comum o fato de os países em
desenvolvimento atacados haverem aplicado a estratégia de crescimento baseado
na poupança externa e que implicavam nos déficits em conta corrente. Esses
déficits tiveram impacto sobre as taxas de câmbio, provocando a sua
sobrevalorização e, finalmente, evoluíram para crises nos balanços de
pagamentos.
Para Bresser Pereira (2005), o FMI tomou parte na própria gestação da
crise, pois estimulou o endividamento externo e não criticou os crescentes déficits
em conta corrente, o que se destaca nos casos das crises mexicana (1994-1995),
brasileira (1998-1999) e Argentina (2001-2002) (BRESSER PEREIRA, 2005).
Para o autor, embora tenham sido chamadas de crises financeiras, elas consistiram
em crises de balanços de pagamentos, pois implicaram na suspensão pelos
credores internacionais da rolagem das dívidas dos países emergentes. Nesse
sentido, essas crises se associam estreitamente com o alto endividamento externo
daquelas economias ou grandes déficits de balanços de pagamentos, induzindo a
perda de crédito e da confiança dos investidores que funcionou, em todos os
casos, como o ponto de ignição das crises, a partir da divulgação da suspensão do
refinanciamento dos débitos.
No entanto, como esses países também experimentam déficits fiscais, o
FMI e o Banco Mundial imputaram as crises do balanço de pagamentos à
indisciplina fiscal dos países emergentes. Atribuíam-se as causas da crise aos
setores públicos dos países e aos seus déficits, tanto públicos, como privados,
passando a discussão ao largo da responsabilidade ou papel dos déficits em conta
corrente, que se agravavam, na cadeia de causalidade da crise.
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Esse era um processo similar ao ocorrido anteriormente, quando a herança
do fim de Bretton Woods se manifestou sobre a periferia da América Latina, em
seguida ao choque dos juros (1979). Para Batista (1995), naquela ocasião a
absorção do ideário liberal do centro levou a uma inversão da causa da crise
econômica da dívida externa no pensamento econômico da periferia. A alta dos
preços do petróleo, as altas taxas de juros internacionais e a deterioração dos
termos de intercâmbio externo passaram a ser crescentemente admitidos como
resultantes das políticas econômicas domésticas aplicadas por esses países e não
resultado dos fatores externos. Isso permitiu que as propostas de políticas do
Consenso de Washington continuassem a ser percebidas como solução
modernizante para as estruturas econômicas dos países40.
Nos anos 90 os países desenvolvidos administravam a imposição de
condicionalidades pelo FMI e as reformas econômicas na periferia, mas não
deram atenção aos déficits em conta corrente dos países. Isso aconteceu em
decorrência de, logo em seguida ao retorno da periferia endividada ao sistema
financeiro internacional, uma nova onda de empréstimos haver sido concedida
pelas instituições de Bretton Woods para esses países. Esses recursos já
adentravam as suas economias sob a perspectiva do chamado Segundo Consenso
de Washington, que defendia as possibilidades do crescimento econômico a partir
do seu financiamento com poupança externa. As instituições passavam, então, a
recomendar a abertura das contas de capitais das economias para perseguirem essa
estratégia de desenvolvimento (BRESSER PEREIRA, 2006)41.
De forma similar ao ocorrido na década de 80, portanto, as circunstâncias
não permitiam por em cheque a credibilidade das instituições e do seu receituário
de desenvolvimento, avançando análises que seriam comprometedoras desse
receituário do desenvolvimento.
Para Bresser-Pereira (2005), os constrangimentos daquele momento
envolviam também uma concepção estratégica para o enfrentamento da crescente
concorrência e competitividade asiáticas que vinha tomando forma desde a década
de 70.
40 Batista, Paulo Nogueira. O consenso de Washington: a visão neoliberal dos problemas latino americanos. In: Batista, Paulo Nogueira et al. Em defesa do interesse nacional: desinformação e alienação do patrimônio público. São Paulo, Paz e Terra, 1995. 41 Bresser-Pereira, Luis Carlos. The Political Economy of Global Economic Disgovernance. São Paulo, Fundação Getúlio Vargas, Escola de Economia de São Paulo. Paper-151 (2006).
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The explanation behind this allegiance to US sponsorship of the strategy of growth with foreign savings. It was this strategy that since the 1970s, replaced the law of comparative advantage in neutralizing competition originated in developing countries, or in other words in ‘kicking away the ladder’ that they were using to growth. In the 1970s, with the emergence of the first NICs (newly industrialized countries) the rich world understood that its anti-protectionist strategy had become exhausted (now they needed protection) and concluded that the law of comparative advantage had now little use for them. Given the new conditions, they gradually realized that the growth cum foreign savings strategy, coupled with the openings of capital accounts and the protection of property rights, could play the role of checking the threat represented by the middle income developing economies. Countries were advised to incur current account deficits and finance them with foreign borrowing or with foreign direct investment. Growth was transformed into a competition among developing economies to obtain more credibility and more foreign savings. Yet as foreign loans or investments implied evaluation of exchange rate and the increase in consumption, there was a massive substitution of foreign for domestic savings, and little or no growth in capital accumulation and in the gross domestic product growth rates. Foreign debt, however, increased and eventually explained the balance of payment crisis of the 1990s (Bresser-Pereira, 2006 p. 172).
Nesse caso, as repercussões da crise sobre esse consenso prevalecente na
economia e quanto ao potencial do desenvolvimento conforme o receituário das
instituições de Bretton Woods sofreria abalos fundamentais. Esse é o objeto da
próxima seção que discute as implicações das crises sobre as perspectivas do
desenvolvimento econômico dos PEDs.
4.5
Do Consenso de Washington ao Dissenso de Cambridge
O impacto das crises sobre a concepção do desenvolvimento prevalecente
no sistema internacional foi de amplas repercussões. Houve um amplo movimento
de questionamento das bases do desenvolvimento econômico assentadas sobre a
ideologia neoliberal de abertura dos mercados e implantação do modelo
econômico das reformas. A liberalização e desregulação das finanças e as
privatizações compunham parte importante desse quadro, que restringia o papel
dos Estados na regulação da economia. Nesse sentido, o movimento contrário se
daria na direção de uma nova heterodoxia, apontando para as buscas de
reorientação do modelo econômico hegemônico.
Para Bacha (2002), a expansão e a retração no crescimento da economia
mundial implicaram em alterações na hegemonia do pensamento econômico do
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centro entre Keynesianos e monetaristas. Esse movimento apresentou
repercussões diretas sobre as discussões acerca das alternativas para o
desenvolvimento econômico da periferia que oscilaram entre a ortodoxia e a
heterodoxia das estratégias de estabilização aplicadas nos mercados emergentes.
O nome desse movimento de questionamento da ortodoxia predominante na
economia foi batizado “Dissenso de Cambridge” pelo autor.
As dificuldades econômicas no pós-guerra, com a escassez de dólares na Europa e o estrangulamento externo na América Latina, trouxeram para a linha de frente a estratégia de substituição de importações da Cepal. O crescimento do comércio na década de 60 e o auge dos mercados financeiros na década de 70 abriram o caminho para o monetarismo de economia aberta e a doutrina do FMI de equilíbrio orçamentário e alinhamento dos preços relativos. A crise da dívida da década de 80 levou às tentativas heterodoxas de estabilização. A explosão do comércio e a globalização financeira da década de 90 produziram o Consenso de Washington e o neoliberalismo. A redução que ora se observa no comécio internacional, junto com a parada súbita dos fluxos de capital, estão fazendo florir uma nova heterodoxia, que vou tentativamente chamar de Dissenso de Cambridge – em homenagem à localização dos berços acadêmicos de seus dois principais
expoentes, Dani Rodrik e Joseph Stiglitz (BACHA, 2002. p 1)42
.
Uma diferença sensível na qualidade desse debate se refere à evolução do
pensamento econômico que se teria aprimorado nessa trajetória. Para Bacha
(2002), o debate internacional entre os dissidentes de Cambridge se apresenta
mais sofisticado do que aquele travado entre o FMI e a CEPAL na década de 50.
A despeito do dissenso, o debate que ganha forma a partir do final dos anos 90 se
insere dentro dos parâmetros da economia neoclássica.
Não obstante, o questionamento crescente da supressão do papel dos
Estados na economia passa a orientar muitas das análises dos diversos críticos do
consenso. No caso de Bacha (2002), a contribuição para uma nova orientação do
paradigma neoclássico passava pela crítica fundamental do neoliberalismo
enquanto consistindo na sua crença de que a globalização financeira, somada ao
fim da Guerra Fria, haveria inaugurado uma nova era de crescimento econômico,
conformando uma nova economia que superaria os ciclos de expansão e retração
observadas no desenvolvimento da economia capitalista.
42 Bacha, Edmar. Do Consenso de Washington ao Discenso de Cambridge. Seminário do BNDES sobre Novos Rumos do Desenvolvimento. Rio de Janeiro, 13 de setembro de 2002.
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O ajuste neoliberal das políticas propostas pelo Consenso de Washington
não se resumia à estabilização macroeconômica, mas sustinha uma concepção de
desenvolvimento da qual a estabilização consistia no primeiro componente. Nesse
sentido, o enfoque neoliberal propugnava reformas fundamentais das políticas e
dos mercados, a partir do objetivo da estabilização macroeconômica para o
desenvolvimento da competitividade internacional, pois isso é que propiciaria o
crescimento no longo prazo (ROSENTHAL, 1996. p 11)43.
A partir dessa premissa, a receita do desenvolvimento deveria possibilitar
igualar crescentemente os níveis de renda per capita entre a periferia e os países
desenvolvidos, através da expansão do comércio, da globalização financeira e da
transferência de tecnologia. Seria a não concretização desse projeto que passaria a
desafiar as bases do projeto hegemônico do desenvolvimento.
Partindo desse quadro e buscando contribuir com a evolução do dissenso
na direção de um novo paradigma analítico, que congregasse as críticas de Rodrik
e Stiglitz, Bacha (2002) propõe concentrar a análise sobre a restrição de divisas44
como principal problema para a concretização da premissa da convergência dos
níveis de renda entre centro e periferia do neoliberalismo.
Nesse ponto, a análise recai sobre as três opções para contornar o
problema enquanto as opções de políticas regional, global ou nacional, sendo a
última alternativa a merecedora de maior atenção. O foco sobre a capacidade das
políticas domésticas e o poder dos Estados para orientar o desenvolvimento dos
43 Rosenthal, G. ‘La Evolución de las Ideas Políticas para el Desarrollo’, Revista de la Cepal, n.60, Santiago, Dezembro, 1996. 44 Para Bacha (2002): “[...] o maior problema para a convergência dos níveis de renda é que – exceto pelos exportadores de petróleo – o retorno ao capital estrangeiro se materializa na moeda doméstica do país importador de capital. E existe uma dificuldade, típica das estruturas econômicas e financeiras dos países emergentes, para transformar esses recursos em divisas fortes. Esta restrição de divisas limita o fluxo de capital (porque aumenta o risco do investimento) e tende a provocar crises periódicas de balanço de pagamentos. Sob diferentes disfarces, este problema de transferência, ou restrição de divisas, tem uma longa história na literatura herética sobre comércio e desenvolvimento. Sua origem parece estar nas primeiras décadas do século XX na Europa, com o debate entre Keynes e Ohlin sobre as reparações alemãs. Reaparece na proposta de Keynes em Bretton Woods para a criação do Bancor, como forma de superar a “escassez de dólares” na Inglaterra e Europa...Na minha percepção, a forma como que, nas últimas décadas, os diversos países emergentes lidaram com essa restrição de divisas separa os casos de sucesso dos de fracasso de forma muito mais clara do que se seguiram ou não o Consenso de Washington” Ibid. p 4.
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mercados financeiro, de exportações e consumo internos, aparece como a forma
privilegiada para reduzir a vulnerabilidade externa das economias emergentes45.
No mesmo ano da análise de Bacha (2002), o debate internacional sobre as
alternativas para o desenvolvimento dos países que se inseriram no modelo do
capitalismo tardio das reformas do Consenso de Washington ganha impulso com a
publicação do livro de Stiglitz, A Globalização e Seus Malefícios (2002). Nesse
caso, o dissenso crítico culminava numa análise de um ex-tecnocrata do Banco
Mundial. As críticas ao modelo haviam sido capazes de atingir o cerne do
pensamento econômico prevalecente no interior das instituições de Bretton
Woods.
Stiglitz (2002) analisa diferentes casos dessa transição dos mercados
emergentes no seu processo de adesão ao modelo econômico, ressaltando que os
casos exitosos da transição para as reformas e para o processo de estabilização
econômica, estariam diretamente associados às bases de autonomia política
conservadas por alguns países para a aplicação das medidas específicas que
endereçassem os seus problemas econômicos. Nesse sentido, o autor compara os
casos da China e da Polônia, que jamais seguiram à risca as recomendações das
instituições de Bretton Woods, mantendo alguma cautela no seu engajamento ao
novo ideário econômico, contrastando-os com o caso russo e da República Theca,
aderindo sobejamente ao modelo sem restrições.
A ênfase em um novo papel para o Estado na regulação econômica aparece
também pela recomendação para os governos maximizarem as margens de
liberdade econômica existentes, prospectando os espaços possíveis entre os
compromissos internacionais assumidos, para perseguirem objetivos estratégicos
nacionais. Nessa perspectiva, embora houvesse muitas restrições, constrangendo
as possibilidades de planejamento de uma política industrial nacional, não se
justificaria a conclusão da inexistência tout court dessas possibilidades.
O tom dessas críticas ao consenso assumia a forma da defesa de uma
postura ativa dos governos na economia que possibilitasse enxergar seus
interesses, a partir de uma relativa autonomia das suas relações prevalecentes no
sistema internacional. Esse movimento tinha por força que se insurgir contra a
45 A análise de BACHA (2002) recorre a partir desse ponto ao conceito de “exportabilidade” de um economista do desenvolvimento como Hirschmann.
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noção do Estado reduzido propagada pelas instituições econômicas. Nesse sentido
se insere a crítica de Ha-Joon-Chang (2002)46.
Para esse autor, as políticas ótimas recomendadas pelo consenso de
Washington para o desenvolvimento dos PEDs jamais foram aplicadas pelo
mundo desenvolvido no seu processo de desenvolvimento. Ao contrário, apesar de
recomendarem essas políticas muitas vezes impostas pelas instituições de Bretton
Woods, os países desenvolvidos estariam agora “chutando a escada” que eles
mesmos utilizaram para se desenvolver, ocultando dos países em desenvolvimento
o caminho que eles próprios utilizaram no seu desenvolvimento econômico, pela
recomendação das políticas ortodoxas para a periferia.
Nesse sentido, Chang (2002) conclui que caso os países hoje
industrializados utilizassem da mesma estratégida de desenvolvimento que eles
recomendam aos PEDs, estes países jamais teriam atingido os níveis de
desenvolvimento que ostentam no presente.
Através de um estudo histórico, o autor estabelece quais políticas foram
fundamentais para o desenvolvimento dos países hoje desenvolvidos, concluindo
que elas residem nas políticas industrial, comercial e tecnológica. No entanto, as
condições para a persecução dessas iniciativas de desenvolvimento requerem
instituições radicalmente diversas daquelas recomendadas pela economia ortodoxa
das instituições de Bretton Woods para os PEDs. Implicado, sobretudo, como pré-
condição para a persecução dessas políticas se encontrava o papel do Estado como
regulador da economia e alocador dos recursos.
Nesse sentido, Chang (2002) adverte com Stiglitz (2002) de que havia
espaço para a persecução dessas estratégias e que esses países deveriam buscar
encontrá-las.
Outro autor fundamental que conforma o dissenso de Cambridge, na
conceituação de Bacha (2002)47 é Dani Rodrik, corroborando o argumento dos
demais autores. O divisor de águas consiste no exemplo de países que aderiram
indiscriminadamente ao modelo, frente aos casos dos países do Leste da Ásia, que
46 Chang, Há-Joon. Kicking Away the Ladder: Development Strategy in Historical Perspective. London, Anthem Press, 2002. 47 Rodrik, Dani, (2002), Depois do Neoliberalismo, O Quê? Desenvolvimento e Globalização, Desenvolvimento em Debate. In: www.bndes.gov.br/conhecimento/livro_debate/1-desnv&glob.pdf Consulta em 14/01/2010. Palestra realizada no Seminário do BNDES sobre os “Novos Rumos do Desenvolvimento no Mundo”, realizado entre 12 e 13 de setembro de 2002.
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apesar de perseguirem políticas pró-mercado não embarcaram ou aderiram
estritamente às diretrizes do Consenso de Washington.
Como nos casos dos outros autores, cautela e parcimônia em relação à
adoção das diretrizes neoliberais autorizava a conclusão de que o sucesso
econômico nos casos da China, do Vietnã e da Índia se relacionava diretamente à
conservação da autonomia dos instrumentos de gestão e planejamento das suas
estratégias nacionais para a inserção externa.
Assistiu-se, portanto, a uma convergência em torno da ausência de um
consenso no sistema internacional, quanto às perspectivas de políticas ótimas para
o desenvolvimento econômico. Por trás desse questionamento, o sucesso das
estratégias dos países emergentes que desafiaram o consenso predominante, sendo
bem sucedidos nessas iniciativas, fornecia uma base empírica para a contestação
do modelo, inaugurando a fase do Pós Consenso de Washington.
Nesse processo, passava-se de um consenso prevalecente para uma fase na
qual o que passa a predominar consiste no dissenso quanto às estratégias mais
favoráveis para o desenvolvimento econômico dos países emergentes. A tendência
mais próxima do consenso passava a ser rejeição da adesão irrestrita ao modelo
neoliberal.
Segundo Diniz (2006)48, essa fase corresponde a uma terceira geração das
análises e interpretações sobre o fenômeno da globalização, distinguindo-se das
fases anteriores que atribuíam ao fenômeno um caráter inexorável ao qual os
países teriam de aderir indiscriminadamente ou perecer. O significado do
questionamento inaugurado nessa fase contribui com elementos importantes para
permitir sustentar a rejeição dessa adesão incondicional ao modelo do
desenvolvimento hegemônico.
A partir dessa capacidade de rejeição, teríamos atingido um ponto de
inflexão no debate, referente ao resgate do papel do Estado como representando
um ingrediente importante na sua capacidade de regulação e de indução do
desenvolvimento dos PEDs. A partir desse ponto, a capacidade de intervenção
econômica estatal na economia assume o proscênio nas discussões sobre as
estratégias de desenvolvimento no capitalismo globalizado. Nesse movimento
48Diniz, Eli. O Pós-Consenso de Washington: globalização, Estado e desenvolvimento revisitados. Texto apresentado na Mesa-Redonda 16, O Desenvolvimento Revisitado, 30° Encontro Anual da ANPOCS, Caxambu, 24 a 27 de outubro de 2006.
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abre-se espaço para o papel destaque desse Estado principalmente nos casos dos
países em desenvolvimento. Segundo Diniz (2006.p 8):
“A natureza e a qualidade do intervencionismo estatal aparecem, assim, em primeiro plano na discussão sobre as vias de desenvolvimento no contexto do capitalismo globalizado, admitindo-se a existência de várias formas de capitalismo, distintas combinações institucionais e a importância da coordenação estatal para alcançar o aumento do crescimento e da competitividade das economias nacionais (Soskice, 1999; Hall & Soskice, 2001). No caso dos países em desenvolvimento, este é um ponto ainda mais relevante, pois tais economias não podem prescindir de um Estado ativo em todas as esferas, particularmente na ordem econômica. O Estado necessita intervir, segundo uma estratégia, uma visão de longo prazo, que seja capaz de coordenar a ação dos agentes públicos, bem como dos atores privados” (DINIZ, 2006.p 8).
4.6
O impacto do dissenso sobre as instituições: o debate sobre as
reformas no Fundo Monetário Internacional e no Banco Mundial
A repercussão do debate sobre as políticas adequadas para o
desenvolvimento dos PEDs apresentou repercussões diretas sobre as instituições
pelo questionamento do papel do FMI e do Banco Mundial diante da globalização
financeira dos anos 90. Esse debate reverberou com força no interior dessas
instituições, desde 1999. Em setembro desse ano, o relatório semestral do FMI,
World Economic Outlook49
reservou um capítulo do documento às propostas de
prevenção e resolução das crises financeiras. No mesmo ano, o relatório anual do
Banco Mundial procedeu da mesma forma.
Nesses documentos constam as primeiras autocríticas do Fundo e do BIRD
em relação à sua atuação nas crises. Ambas as instituições adotavam uma inflexão
no seu posicionamento tradicional que consistia em atribuir as crises
exclusivamente aos fatores estruturais ou macroeconômicos dos mercados
emergentes. A partir daquele momento houve o reconhecimento do papel
desempenhado pelo funcionamento inadequado e ineficiente do sistema financeiro
internacional como responsável pela vulnerabilidade dos mercados vitimados
pelas fugas de capitais. Nos relatórios das instituições, atribui-se esse mau
funcionamento à falta de transparência ou informações dos países, assim como
aos problemas dos seus sistemas financeiros domésticos. 49 World Economic Outlook. IMF, sept-1999. In: http://www.imf.org
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As assimetrias de informação teriam sido responsáveis pelas decisões
incorretas dos investidores e bancos internacionais. Sobre esse funcionamento
inadequado do sistema financeiro internacional é que as deficiências na infra-
estrutura institucional dos países teriam impedido os ajustes necessários de
revisão dessas decisões.
Dentro da avaliação das instituições, a negligência dos investidores, que
não avaliaram corretamente os riscos, havendo investido muitos recursos nos
mercados emergentes é ressaltada. No entanto, reconheceu-se que o Fundo e o G-
7 tinham sua parcela de responsabilidade, pois a concessão de empréstimos aos
países em crise de liquidez contribuiu para agravar o risco moral – moral hazard
(FREITAS; PRATES, 2002).
Desse modo, o fortalecimento do sistema financeiro impunha uma série de
medidas, que incluíam a reforma do sistema e do FMI. Esta instituição deveria
coordenar esforços para reverter as “falhas de mercado”, ao passo que o Comitê
de Basiléia se encarregaria de formular regras para a adequação do capital,
impedindo a exposição excessiva dos países, a partir da atuação dos investidores.
A questão do risco moral também deveria ser endereçada pela reforma do FMI e
do BIRD.
O design dessa reforma partiu dos EUA, que divulgou uma proposta nesse
sentido em fins de 1999 que foi defendida pelo Secretário do Tesouro dos EUA,
em 2000 (FREITAS; PRATES). Assim, na reunião conjunta do FMI e do BIRD,
de abril de 2000, em Washington, debateu-se a reforma de ambas as instituições e
o seu papel futuro. A proposta de reforma institucional originada do Congresso
norte-americano vinha sob a forma do Relatório Meltzer, que defendia uma
reestruturação radical do FMI e do BIRD. O FMI deveria concentrar suas funções
sobre a correção do mercado impedindo a recorrência do pânico no sistema
financeiro, pois essa situação é que tornava as crises independentes da solvência
das economias ou dos seus fundamentos econômicos, inviabilizando a obtenção
de financiamentos.
Para esse objetivo, o Fundo deveria abandonar a política das
condicionalidades e somente emprestar recursos aos países que satisfizessem pré-
condições, como sistemas bancários bem estruturados, livre entrada e operação de
bancos estrangeiros, políticas fiscal, monetária e cambial prudentes, assim como
grande transparência de informações e dados macroeconômicos. Além disso, o
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Fundo se deveria concentrar em sua função original e não mais estruturar grandes
pacotes financeiros. Os empréstimos futuros deveriam ser de curto prazo e com
altos juros. Deveriam ser extintos os recursos a taxas subsidiadas aos países mais
pobres.
Apenas emergencialmente, nos casos de crises sistêmicas que ameaçassem
o sistema financeiro, os países não elegíveis deveriam contar com algum tipo de
suporte do Fundo. A linha de crédito, Enhanced Structured Adjustment Facility,
proposta em setembro de 1999, visando o suporte a um programa de redução da
pobreza e promoção do crescimento deveria ser extinta. Quanto ao BIRD, sua
função deveria se restringir à transferência de recursos aos países mais pobres e
sem acesso aos fluxos privados de capital, revertendo a tendência predominante
da provisão de crédito aos países de renda média. O BIRD deveria ser
transformado em agência de fomento, restringindo suas funções ao fornecimento
de assistência técnica, provimento de bens públicos regionais e globais e
promoção do ingresso de recursos financeiros privados aos mercados emergentes
(FREITAS; PRATES, 2002).
Em oposição a essa proposta existia a de Lawrence Summers, do governo
Clinton, que temia a perda de ingerência sobre os países de renda média, caso as
restrições da proposta Meltzer fossem aprovadas. No entanto, ambas possuíam
alguns elementos em comum:
[…] a necessidade de uma delineação clara das funções dessas instituições e suas propriedades; o foco na maior transparência de informações tanto das instituições quanto dos países que recebem ajuda; importância de configurar fortes incentivos para que os países reduzam sua vulnerabilidade às crises; necessidade de definir um programa de apoio mais efetivo ao desenvolvimento; o reconhecimento de que os recursos oficiais não deveriam ser destinados aos países que não cumprem as metas, nem implementam as reformas previstas nos acordos assumidos. (FREITAS; PRATES, 2002, p. 26)
As propostas de mediação entre os credores e devedores são
constantemente abortadas por falta de pressão dos países centrais ou por
reivindicações do setor financeiro. Esta circunstância coloca a questão dos
impactos sobre as economias periféricas deste ambiente de menor liquidez e
enxugamento nos graus de liberdade para estratégias de desenvolvimento que
utilizem instrumentos de política econômica desviantes aos parâmetros
estabelecidos e monitorados pelo FMI e Banco Mundial.
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O Relatório Meltzer foi emitido pela Comissão Meltzer sendo conhecido
como “Report of the International Financial Institution Advisory Commission –
IFIAC2000- havendo sido aprovado, mas gerando muitas críticas do Governo
Clinton, de uma minoria na Comissão Meztzer, assim com por uma parte do
Congresso. Esse relatório consistiu na primeira manifestação concreta da
necessidade de reforma do FMI, do Banco Mundial, assim como de uma série de
bancos de desenvolvimento multilaterais.
Como apontou Calomiris (2000)50, nesse debate sobre a reforma da
arquitetura das finanças globais podemos distinguir claramente entre duas
discussões distintas. Uma delas é mais objetiva e compreende os aspectos técnicos
das propostas específicas para obtenção de metas econômicas bem-definidas.
Outra dimensão paralela a esse debate, contudo, não é tão perceptível ou objetiva
à primeira vista, mas se reveste de uma importância fundamental por lançar um
amplo debate questionando se o FMI e o Banco Mundial, assim como os demais
bancos de desenvolvimento multilaterais, deveriam perseguir apenas esses
objetivos ou metas econômicas concretas definidas de forma técnica ou se,
alternativamente, deveriam permanecer sendo utilizados como instrumentos para a
prática de uma diplomacia ad hoc, como vinha sendo feito até então.
Esse consistia no ponto mais crítico da mudança e que despertava as
maiores resistências no debate interno dos EUA. Segundo o Chairman do IFIAC,
Allan Meltzer (2000)51:
That issue remains unspoken by the critics. This administration, even more than previous administrations, has used the international financial institutions as sources of readily available funds to support its foreign policy. If it could not make heavily subsidized long-term loans through these institutions to Russia, China, Mexico, Brazil and other countries whose policies the U.S. wishes to influence, the administration would have to change policy or ask Congress to appropriate the funds. Congress could better perform oversight, would question whether programs are successful and whether they benefit the American people. This issue is sometimes described as a foreign policy issue. The Commission majority is accused of interfering with the conduct of foreign policy. I do not agree with that characterization. The core issue is the constitutional responsibility of Congress to appropriate funds. Administrations for years circumvented the budget process to support Mobutu, Suharto, Marcos, and others. The majority believes, firmly, that final decisions about spending should remain with the
50 Calomiris, Charles W. When will economics guide IMF and World Bank Reforms. In: Cato Journal, Vol. 20, No. 1 (Spring/Summer 2000). 51 Meltzer, Allan H. Reform of the IMF and World Bank. Carnegie Mellon University Year 2000. Tepper School of Business. In: http://repository.cmu.edu/tepper/14. Consulta em 09/01/2010.
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Congress, not the administration acting through the international financial institutions. This reform is most basic because it deals with legislative responsibilities and constitutional prerogatives that, once sacrificed, are difficult to recover.
Como assinala Calomiris (2000), por trás da discussão técnica, sustenta-se
uma grande oposição não apenas às propostas do relatório Meltzer, mas
fundamentalmente a própria abertura desse debate que desperta interesses
políticos refratários às mudanças. No entanto, esse obstáculo consistia na pré-
condição para que quaisquer perspectivas de reforma pudessem avançar.
“Until we settle that second, broader political debate, we cannot seriously even begin the constructive dialogue over how best to achieve economic objectives. That dialogue is important; our proposals are a starting point for rebuilding these institutions, not the final word. But those who oppose the basic premises of the Meltzer Report do not want to get to that constructive phase. They want the reformers to just go away. Although open opposition to the Meltzer Report generally focuses on its details, behind closed doors critics are candid about their primary reason for objecting to our proposals: “Forget economics; it’s the foreign policy, stupid.” For proposed reforms to succeed, then, they must face the challenges posed not only by economic logic, but by the political economy of foreign policy” (CALOMIRIS, 2000. p 86).
O relatório da Comissão Meltzer consistia num primeiro passo para a
reforma da arquitetura financeira internacional, a partir de uma proposta credível
para o início de um amplo debate diretamente orientado para a necessidade das
mudanças. Acima de tudo, a iniciativa denunciava a percepção interna ao cenário
político norte-americano de que aquele momento consistia na ocasião apropriada
para o início dessas reformas.
A forma como o relatório pretendia endereçar essas reformas assinala,
sobretudo, o foco sobre a credibilidade internacional dessas instituições
multilaterais que deveria ser restabelecida como condição para que elas voltassem
a cumprir o seu papel. Existia uma preocupação genuína com a legitimidade
dessas instituições que deveriam ser capazes de operar como mecanismos
econômicos efetivos para serem capazes de conquistar a adesão dos países ao seu
conteúdo normativo.
A preocupação com esses aspectos da reforma das instituições é visível
pelo foco concedido no documento à credibilidade dos debates e do processo de
reforma das instituições. Nesse sentido, o relatório se preocupou em estabelecer
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não apenas um conjunto bem definido de metas econômicas para as instituições,
mas também e fundamentalmente um conjunto de princípios políticos que
deveriam guiar o processo de reformas. Além disso, o relatório sugeria os
mecanismos que poderiam conduzir a reforma na direção das metas econômicas
estabelecidas, mediante a orientação daqueles princípios.
Os objetivos econômicos que aparecem no relatório consistem em
melhorar a liquidez dos mercados globais de capitais; reduzir a pobreza nos países
mais pobres; promover o desenvolvimento dos países em desenvolvimento através
de reformas institucionais nos seus sistemas legais e financeiros; promover bens
públicos globais, como nos casos dos programas de saúde pública e proteção ao
meio-ambiente nos países em desenvolvimento; produzir e divulgar dados
econômicos relativos de forma coordenada e transparente (IFIAC, 2000).
A percepção que orientou o trabalho da comissão percebia esses objetivos
como consistindo em metas que deveriam fazer parte do escopo de atuação das
instituições da ordem econômica para que elas fossem capazes de resgatar seu
papel de regulação multilateral. Para isso, seria necessário endereçar questões que
permitiriam o resgate da legitimidade da sua atuação. Um foco prioritário nesse
processo deveria consistir no foco sobre questões globais que ameaçavam os
países de menor desenvolvimento, reclamando soluções também globais que
deveriam figurar como parte do repertório de soluções à disposição dos
dispositivos institucionais do multilateralismo.
Ao lado do teor dessas metas, figuravam seis princípios que deveriam
contribuir com a credibilidade dessas reformas. O primeiro desses princípios
refletia claramente a influência dos debates sobre as vias para o desenvolvimento
dos PEDs, conforme as discussões que se seguiram às crises econômicas e o
advento do dissenso de Cambridge. Esse princípio chamava a atenção para a
necessidade de respeitar a soberania dos países. Nesse sentido, deveria ser
minimizada a interferência sobre a regulação econômica dos Estados no que diz
respeito aos critérios para o ingresso nas instituições, assim como no que concerne
às condições estabelecidas para que os países possam recorrer à assistência das
instituições multilaterais (IFIAC, 2000)52.
52 International Financial Institution Advisory Commission - IFIAC- Allan H.Meltzer, Chairman. Report of the International Financial Institution Advisory Commission. March, 2000. In: http://phantom-x.gsia.cmu.edu/IFIAC. Consulta em 10/02/2010.
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Outro princípio importante dizia respeito à ausência de complementaridade
entre a atuação das instituições desde o fim de Bretton Woods, pois ele chamava a
atenção para a necessidade de separação da área de atuação das instituições com o
objetivo de aumentar a eficiência dos recursos, evitando o desperdício
representado pela sobreposição da atuação desses mandatos sobre as mesmas
áreas ou temas. Mais um princípio deveria atuar no mesmo sentido, estabelecendo
as fronteiras objetivas e concretas para a atuação das instituições, para evitar a
concentração dos técnicos de mais de uma instituição sobre os mesmos temas e
melhorar a transparência da sua atuação (IFIAC, 2000). Além disso, as
instituições deveriam julgar as políticas aplicadas não pelos seus objetivos
assumidos, mas sim pela sua efetividade, garantindo que os mecanismos de
assistência aos países seriam bem sucedidos e evitariam desperdícios. Além disso,
esses princípios estabeleciam que o orçamento de assistência das instituições seria
dividido de forma equânime entre os países contribuintes.
4.7
A busca de um novo consenso sobre o Desenvolvimento a partir das
instituições
O Relatório Meltzer buscou iniciar as discussões sobre a reforma das
instituições, mas encontrou fortes resistências políticas que se interpõem no
caminho de uma mudança substantiva. No entanto, a forma como esse relatório
buscou endereçar essas questões revela, sobretudo, uma alteração sensível em
relação ao papel das instituições de Bretton Woods no cenário internacional.
Esse formato de reforma baseado em metas econômicas concretas que
deveriam ser atingidas segundo certos princípios aponta para uma alteração
fundamental sobre a concepção do desenvolvimento que passa a figurar no debate
internacional, sendo incorporada como parte da Agenda internacional após as
crises.
Segundo Diniz (2006), o debate internacional sobre o tema do
desenvolvimento passou por um ponto de inflexão a partir da contribuição de
Armatya Sen. A nova fase do debate incopora na discussão a problematização da
visão unidimensional da economia. Desde trabalhos como On Ethics and
Economics (1987), passando por Development as Freedom (1999), essa literatura
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buscou resgatar a dimensão ética e política das questões econômicas, pondo em
xeque a supremacia da eficiência como critério de avaliação econômica.
Critérios de avaliação como PIB, nível de industrialização, crescimento
das exportações são vistos como omitindo dimensões que devem fazer parte do
conceito do desenvolvimento, como as liberdades de participação política, direito
à educação e à saúde pública. Na disputa pelo significado do desenvolvimento,
argumenta-se que o tema deva dizer respeito à expansão das liberdades efetivas
dos cidadãos, exigindo incorporar na discussão as fontes de privação dessas
liberdades: a tirania, a pobreza, a ausência de oportunidades econômicas, a
marginalização social, a carência dos serviços públicos essenciais, assim como a
insegurança econômica, política e social (DINIZ, 2006).
Dentro do espectro considerado como do âmbito do desenvolvimento
deveriam passar a fazer parte também as possibilidades de financiamento do
Estado e sua capacidade de intevenção, para garantir a seguridade social (DINIZ,
2006). O desenvolvimento passa, portanto, a representar não apenas o crescimento
de renda, mas fundamentalmente o crescimento dos serviços a disposição da
população que elevem o seu bem estar.
Essa nova concepção do desenvolvimento social, a partir da luta contra a
pobreza e as privações dos maiores graus de liberdade social, ganhou espaço no
interior da agenda das Nações Unidas, a partir dos Objetivos de Desenvolvimento
do Milênio. Esta Declaração foi aprovada pela Assembléia Geral como parte das
Metas do Milênio, em setembro de 2000. 189 governos celebraram sua aprovação,
incluindo 147 chefes de Estado e Governo (ONU, 2000)53. O conteúdo da
declaração estabelece 8 objetivos de desenvolvimento social e econômico que
devem ser atingidos através de 18 metas quantificáveis para o período de 1990 a
2015 que estabeleceu vários indicadores para o progresso em cada uma das áreas.
Esses objetivos chegaram ao interior das Nações Unidas através da
concorrência de muitos atores e processos. Alguns deles partiram das cúpulas das
Nacões Unidas e das suas declarações e planos de ação aprovados nos anos 90, a
partir do fim da Guerra Fria, e do processo de crise da ideologia neoliberal que
consistiram em circunstânncias favoráveis para promover esses debates.
53 Resolução da Assembléia Geral (A/RES/55/2), de 8 de setembro de 2000.
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Essas cúpulas paralelas das Nações Unidas consistiram também no
ambiente de formação de muitos movimentos sociais e das ONGs que terminaram
protagonizando o grande impasse de Seattle na OMC (1999). Os temas dessas
cúpulas englobaram: Infância, em Nova Yorque (1990); Meio-ambiente e
Desenvolvimento, Rio de Janeiro (1992); Direitos Humanos, Viena (1993);
População e Desenvolvimento, Cairo (1994); Mulher e Desenvolvimento, Pequim
(1995); Desenvolvimento Social, Copenhague (1995); Alimentação, Roma (1996)
(ONU, 2010)54.
Dentro desse processo um marco importante consistiu no papel do Comitê
de Ajuda e Desenvolvimento da OCDE (OCDE, 1996).55 Este Comitê, que é
formado pelos países que contribuem com recursos para a ajuda ao
desenvolvimento, passou a adotar esses objetivos oriundos das cúpulas das
Nações Unidas, como metas para a concessão da ajuda internacional. Essa diretriz
se inseria dentro da proposta de renovação dos fundamentos da ajuda
internacional no pós Guerra Fria.
O movimento de renovação da ajuda internacional tinha raízes no fim dos
interesses pós-coloniais que não mais se justificavam, diante do deslocamento do
papel central que a ajuda internacional representava para os interesses estratégicos
dos países desenvolvidos do Ocidente. Isso aconteceu porque diante do novo
cenário da unipolaridade, a legitimidade da luta contra a pobreza promovida pelas
Nações Unidas consistiu numa oportunidade para dar um novo ânimo à ajuda
internacional para torná-la compatível com as políticas de liberalização e os novos
interesses dos países desenvolvidos de integração dos países menos desenvolvidos
à ordem liberal.
A dimensão desses novos temas relacionados ao desenvolvimento foi
capaz de assegurar o compromisso conjunto do FMI, do BIRD, da OCDE e das
Nações Unidas em relação a esses novos objetivos do desenvolvimento,
propugnados pelo CAD, em Junho de 200056. O compromisso conjunto entre as
instituições de Bretton Woods assinalava uma mudança na atuação destas
54 http://www.un.org Consulta em 20/01/2010. 55 Shaping the 21st Century; the Contribution of Development Cooperation, París, OCDE, maio (1996). In: http://www.oecd.org/dac. Consulta em 13/01/2010. 56 Um mundo melhor para todos. Implementação dos objetivos do desenvolvimento internacional. Documento elaborado para a XXIV sessão especial da Assembléia Geral das Nações Unidas, junho 2000 para acompanhar o cumprimento dos compromissos da Cúpula do Desenvolvimento Social de Copenhague de 1995. In: http://www.paris21.org/betterworld. Consulta em 13/01/2010.
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instituições, pois tradicionalmente elas não se aproximavam assim justamente em
razão da maior representação dos interesses dos países em desenvolvimento pelas
Nações Unidas em relação às instituições de Bretton Woods, que sempre
representaram e sustentaram as políticas favoráveis aos países desenvolvidos.
Nesse sentido, esse documento é importante, pois as instituições de
Bretton Woods assumem diretamente o comprometimento com as metas
internacionais do desenvolvimento, especialmente com a redução da pobreza. No
caso do FMI, a instituição vinha sustentando anteriormente às crises financeiras
dos anos 90 que a pobreza não se compatibilizava com seu mandato e que o
Fundo deveria permanecer buscando estabilizar as finanças internacionais, para
restabelecer o crescimento. Na ressaca das crises e após a renúncia do seu Diretor
Gerente Michel Candessus, o novo Diretor Horst Köhler anunciava que a luta
contra a pobreza passaria a consistir numa das principais preocupações da
instituição.
Um ponto importante das Metas do Milênio consiste em estabelecer
compromissos e os meios necessários para concretizá-los. Nesse sentido, áreas
como a ajuda internacional ao desenvolvimento e a abertura comercial resgatam
algumas das bandeiras sempre levantadas pelos países em desenvolvimento pelo
acesso a setores chave das economais desenvolvidas e fim do protecionismo
comercial nos Têxteis e na Agricultura. Nesse sentido, um dos setores em que
coincidiam as percepções tanto dos economistas neoliberais, quanto de ONGs
como a OXFAM consiste na relação existente entre o protecionismo comercial
dos paíes desenvolvidos e a pobreza existente nos países em desenvolvimento57.
4.7.1
O Consenso de Monterrey: Financiamento para o Desenvolvimento e
a busca pela coerência entre os mandatos das instituições de
Bretton Woods
Após as crises financeiras do fim dos anos 90, o tema da reforma do BIRD
e do FMI ingressou na agenda internacional, gerando o debate sobre a necessidade
de maior coerência entre os mandatos e a atuação dessas instituições de Bretton
57 Cambiar las reglas. Comercio, globalización y lucha contra la pobreza. Oxfam, 2002. In: http://wwwcomercioconjusticia.org. Consulta em 11/01/2010.
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Woods. Esse debate se daria, entretanto, a partir de uma nova concepção ou
modelo para o desenvolvimento dos PEDs, refletindo as expectativas da
comunidade internacional sobre a necessidade de mecanismos conjuntos de
atuação das instituições fundamentais da ordem econômica que assegurassem a
incorporação desses países às possíveis reformas do sistema multilateral.
Uma expressão desse momento de transição das instituições consistiu na
realização da Conferência Internacional sobre o Financiamento e o
Desenvolvimento – CIFD-, entre 18 e 22 de março de 2002. A conferência contou
com a presença de 60 chefes de Estado e 200 ministros da economia de diversas
nações, numa iniciativa que representava o ponto culminante de um processo
preparatório de dois anos, que já incluíra cinco conferências regionais e quatro
sessões preparatórias (ONU, 2002). Refletindo o momento de transição, a
conferência consistiu na primeira iniciativa da Organização das Nações Unidas
destinada a endereçar conjuntamente questões macroeconômicas e financeiras,
num ambiente e segundo um processo decisório mais democrático,
alternativamente ao lócus tradicional das discussões no interior das instituições de
Bretton Woods.
Para esse objetivo, a Conferência incluiu a participação do FMI, com a
presença do seu Diretor-Gerente Horst Kohler; do BIRD, pelo seu presidente Jim
Wolfenson e da OMC e do seu Diretor Geral. Nela também tomaram parte outros
órgãos do sistema ONU, como a UNCTAD e o PNUD.58
A meta oficial da Conferência consistia em discutir o mecanismo de
instrumentalização de fundos para efetivação do Plano de Ação da ONU, que
buscava associar a iniciativa ou incluí-la sob o Ciclo de Desenvolvimento Social
da ONU, para a década de 90. A continuidade das cúpulas sociais das Nações
Unidas dos anos 90 passaria, portanto, pela realização dessa conferência que
deveria se concentrar sobre o financiamento do desenvolvimento, visando os
meios para a concretização das Metas do Milênio, a partir de uma maior
58 Destacava-se também a participação de representantes da Sociedade Civil, como empresas, ONGs e demais setores de representação dos governos, que tomaram parte, inclusive, nas mesas redondas ministeriais. Além disso, dentro do sistema ONU também participaram Organização Internacional do Trabalho, FAO OMS, Organização da Propriedade Intelectual, Fundo Internacional para o Desenvolvimento Agrícola, a Organização das Nações Unidas para o Desenvolvimento Industrial. Os Secretariados das seguintes comissões regionais: Comissão Econômica para a Europa, Comissão Econômica e Social para a Ásia e o Pacífico, Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe, Comissão Econômica para a África, Comissão Econômica e Social para a Ásia Ocidental. (FOSTER, 2002).
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mobilização dos recursos econômicos compatível com a materialização daquela
iniciativa.
No entanto, como o desenvolvimento dos PEDs estava no centro das
preocupações da conferência, o documento final terminaria por trazer inovações
fundamentais para os países em desenvolvimento. Não propriamente nos termos
de metas concretas, mas pelo estabelecimento de compromisssos envolvendo a
necessidade de uma maior coerência entre a atuação das instituiçõs de Bretton
Woods, assim como em relação à necessidade da liberalização do comércio em
setores considerados fundamentais para o desenvolvimento dos PEDs.
No que diz respeito às novas fontes de financiamento para o
desenvolvimento, a premissa da conferência consistia em que os recursos internos
dos países são os principais elementos para a promoção do seu desenvolvimento.
No entanto, no caso dos países em desenvolvimento seria necessário contar com
recursos adicionais para viabilizar o desenvolvimento e a provisão dos bens
públicos globais não disponíveis, nem da parte dos investimentos externos que se
direcionam a essas economias, nem da capacidade de financiamento a disposição
desses países59.
Em Monterrey (2002), estabeleceu-se que o comércio e o capital privado,
principalmente no que diz respeito aos investimentos diretos, consistem nas
principais fontes de financiamento para o desenvolvimento. Nessa definição,
portanto, os recursos oficiais terminariam relegados a um papel subordinado, pois
eles se justificariam apenas a partir da existência de falhas de mercado e não por
razões ligadas à justiça, equidade, por consistirem num direito ao
desenvolvimento ou mesmo por objetivos de solidariedade social.
Nesse sentido, a partir de Monterrey parecia que a experiência das crises
dos anos 90 havia deixado a lição de que a grande volatilidade dos fluxos
financeiros internacionais se devia, sobretudo, ao papel das políticas de gestão
macroeconômica dos países em desenvolvimento, que teriam desempenhado um
papel fundamental para o surgimento das crises.
No entanto, essas crises que se sucederam de 1997-2001 fizeram com que
os recursos a disposição desses países se reduzissem em mais de 40%. O exame
da distribuição dos fluxos de investimentos para os países em desenvolvimento 59 Informe da Conferência Internacional sobre Financiamento para o Desenvolvimento, Monterrey (México), 18-22 de março de 2002. ONU, 2002 (A/CONF.198/11).
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revelava ainda uma grande concentração – 80% destinavam-se a 16 mercados
emergentes. Apenas 0,6% do total tinham por destino os 49 países pertencentes ao
mundo menos desenvolvido - PMDs60.
Nesse quadro, os resultados da conferência pareceram consistir num
regresso na direção da ideologa liberal que havia orientado o financiamento do
desenvolvimento desde o pós Guerra, a despeito das grandes expectativas dos
países em desenvolvimento. Isso se chocava frontalmente com a perspectiva de
que fosse celebrado algum compromisso concreto que avançasse em relação ao
montante de ajuda internacional concedida pelos países donatários.
Essas expectativas se baseavam na urgência de canalização dos recursos
necessários para o cumprimento das Metas do Desenvolvimento do Milênio das
Nações Unidas. Ao lado desse objetivo, que tornava mais provável um avanço,
havia também a comoção causada pelos ataques do onze de setembro de 2001. O
impacto desse evento sobre o sistema internacional contribuiu para o surgimento
da percepção de que havia uma relação direta entre a ameaça do terrorismo global
emergente e o crescimento da pobreza e da desigualdade social em muitos países
com menor nível de desenvolvimento.
Essas expectativas eram reforçadas pelo engajamento de líderes políticos
do G-7, como o Ministro da Fazenda britâncio, Gordon Brown, que antes da
conferência propunha a realização de um novo Plano Marshall. Da parte de
instituições multilaterais comprometidas com o tema do desenvolvimento, o
presidente do Banco Mundial, James Wolfensohn, também divulgava pretender
duplicar os recursos empregados para ajuda ao desenvolvimento.
No entanto, o documento aprovado na ocasião apenas reiterou a meta
tradicional de destinação orçamentária do PIB dos países contribuintes, em 0,7%.
Não houve o estabelecimento de obrigações concretas, tampouco a vinculação das
obrigações dos países mediante um cronograma para entrada em vigor dos
compromissos. O documento final da Conferência, portanto, contribuía
indiretamente para a falta de crediblidade do seu objetivo oficial (ONU, 2003).
Propostas preliminares que buscavam novas fontes de recursos para a
ajuda internacional ao desenvolvimento, sequer tiveram acolhidas nos debates,
60 Perspectivas da Economia Mundial. Fundo Monetário Internacional (2001), Washington DC. p 174. In: http://www.imf.org. Consulta em 10/01/2010.
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como nos casos daquelas constantes do Informe Zedillo61, enquanto proposta de
Joseph Stiglitz para o emprego das reservas internacionais dos países no
financiamento ao desenvolvimento. Outra iniciativa nesse sentido consistiu na
proposta de George Soros, de emissão de Direitos Especiais de Saque, para o
financiamento de bens públicos globais. Ambas as propostas foram descartadas do
debate previamente à conferência.
Outras propostas como o estabelecimento de taxas globais como a Taxa
Tobim, os impostos sobre emissões de Carbono ou mesmo pelo uso do patrimônio
comum de toda a humanidade também não ganharam espaço no interior da
Conferência62. Estas propostas permitiriam gerar novos recursos para a ajuda ao
desenvolvimento, desvinculadas da influência dos países contribuintes da OCDE.
A falta de espaço para essas porpostas no interior da conferência refletiu a
influência dos países desenvolvidos sobre os resultados do encontro, pois a
despeito da abertura dos debates à maior participação, conformando um processo
de funcionamento mais democrático, os resultados do encontro já haviam sido
alcançados no documento “Consenso de Monterrey”, seis semanas antes em
Washington (FOSTER, 2002). No entanto, apesar das mesas redondas não terem
aspécto decisório, houve espaço para o debate de propostas que não eram
aprovadas pelo consenso oficial e que provinham dessa ampla participação que
admitiu representantes da Sociedade Civil, ONGs, empresas e outras instâncias
políticas domésticas dos países convidados, como diferentes ministérios.
Para os países em desenvolvimento, a oportunidade do debate direto com
os representantes do mundo desenvolvido consistia numa oportunidade de
expressão da sua percepção sobre a questão do desenvolvimento. Essa
oportunidade, porém, restringiu-se à expressão retórica da sua insatisfação, pois o
que foi acentuado na conferência foi a continuidade do processo político-
institucional, inaugurado em Bretton Woods. Segundo Jean Art Scholte, que
participou da reunião, a Conferência consistia em retórica, por não traduzir as
promessas em resultados concretos sobre a Ajuda ao Desenvolvimento,63 a
61 Informe do Grupo de Alto nível sobre o Financiamento para o Desenvolvimento (Informe Zedillo). Nações Unidas A/55/1000. 26 de junho de 2000. In: http://www.un.org. Consulta em 11/01/2010. 62 New Sources of Finance for Development. Overseas Development Institute. Briefing Paper (1). Fevereiro de 1996. 63 No processo preparatório para a Conferência, ONGs se dedicaram à elaboração de uma série de compromissos. Estratégia que foi utilizada também pelo ministro da fazenda britânico, Gordon
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redução das dívidas dos países em desenvolvimento ou o estabelecimento de
impostos globais ou emissão dos Direitos Especiais de Saque (FOSTER, 2002).
Em contraste, uma inovação importante por suas repercussões
fundamentais para as futuras negociações comerciais consistiu na associação entre
comércio e desenvolvimento que partiu dos trabalhos da conferência. Na
Declaração de Monterrey, a seção “International Trade as an Engine for
Growth”,64 apresenta o comércio diretamente relacionado ao objetivo do
desenvolvimento dos PEDs.
O documento defende um sistema de comércio multilateral aberto, não
discriminatório e equitativo, que promova uma liberalização comercial
substantiva. A liberalização atingida deveria consistir num estímulo universal para
o desenvolvimento, contemplando todos os países indiscriminadamente. Seria
nesse sentido que o documento assegurava que o comércio produziria crescimento
econômico, emprego e desenvolvimento. Nesse espírito, o documento saudava a
iniciativa do lançamento da Rodada Doha (2001) que colocava as necessidades
dos países em desenvolvimento no centro do seu programa, destacando o
compromisso dos participantes da conferência em lutar pela sua implementação.65
To benefit fully from trade, which in many cases is the single most important external source of development financing, the establishment or enhancement of appropriate institutions and policies in developing countries, as well as in countries with economies in transition, is needed. Meaningful trade liberalization is an important element in the sustainable development strategy of a country. Increased trade and foreign direct investment could bost economic growth and could be a significant source of employment.66 Ainda mais importante, na Conferência de Monterrey foram reconhecidas
e legitimadas as preocupações das economias em transição em relação às
negociações de comércio multilateral. Nesse sentido, os acordos comerciais
Brown, que se traduziram, contudo apenas em promessas para ajuda oficial ao desenvolvimento – AOD. 64 Report of the International Conference on Financing and Development. New York, United Nations, 2002. Disponível em: http://dacceddssds.un.org/doc/UNDOC/GEN/N02/392/67/pdf/N0239267.pdf?OpenElement. Acesso em: 08 jun. 2008. 65 Monterrey Consensus of the International Conference on Financing Development. United Nations Department of Economic and Social Affairs: Financing and Development Office, 2003. Disponível em: http://www.un.org/esa/ffd/monterrey/MonterreyConsensus.pdf. Acesso em: 08 jun. 2008 66 Ibid. Parágrafo 27.
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deveriam se tornar mais efetivos, precisos e operacionais para promover a
capacidade interna dos países de financiamento do seu próprio desenvolvimento.
A partir dessa meta, o documento se foca sobre os obstáculos no regime
que impedem o financiamento do desenvolvimento. Especificamente, os temas
considerados mais importantes para a realização desse potencial foram:
As barreiras ao comércio nos países desenvolvidos; os subsídios
concendidos por esses países que distorcem o comércio. As medidas de distorção
comercial incidentes sobre produtos que constituem parte fundamental da pauta de
exportação dos países em desenvolvimento, sobretudo no caso da Agricultura. A
proliferação de medidas antidumping, das barreiras técnicas, sanitárias e
fitosanitárias. A liberalização em manufaturas intensivas em mão-de-obra, a
liberalização da Agricultura, do comércio em Serviços, os picos tarifários, as altas
tarifas e o processo de escalada tarifária, assim como movimento de pessoas, a
falta de reconhecimento de Direitos de Propriedade Intelectual para a promoção
do conhecimento tradicional e folclore, a transferência de conhecimento e
tecnologia e a implementação e interpretação do Acordo sobre aspectos
relacionados ao comércio dos Direitos de Propriedade Intelectual de forma a
apoiar a saúde pública naqueles países. Além disso, foi reconhecida a necessidade
de concessão do Tratamento Especial e Diferenciado para esses países (ONU,
2003).
Para assegurar que a partir da atenção a esses temas, as negociações
comerciais assegurassem o desenvolvimento em benefício de todos os países, o
documento encorajava os membros da OMC a aplicarem os compromissos com o
desenvolvimento dos PEDs estabelecidos na IV Conferência Ministerial da OMC
de Doha (2001).
We Will implement the commitments made in Doha to address the marginalization of the least developed countries in international trade as well as the Work programme adopted to examine issues related to the trade of small economies67. Nesse sentido, foi identificada uma oportunidade histórica no Mandato de
Doha, estabelecendo as bases da incorporação do tema do desenvolvimento na
agenda internacional de liberalização do comércio. Os países desenvolvidos
67 Ibid. Parágrafo 32.
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teriam uma grande oportunidade de pautarem sua atuação pelo respeito aos
compromissos assumidos nesse sentido.
Ao lado da questão do financiamento para o desenvolvimento e do
prosseguimento das negociações do regime de comércio de forma compatível com
o desenvolvimento dos PEDs, a Declaração de Monterrey também consistiu numa
importante manifestação da percepção das relações entre o tema do
desenvolvimento e a coerência dos mandatos das instituições de Bretton Woods.
Nesse sentido, na última seção do documento; “Adressing systemic Issues:
enhancing the coherence and consistency of the international monetary, financial
and trading systems in support of development”, reconhece-se a necessidade
urgente de complementar os esforços nacionais para o desenvolvimento dos
países, mediante uma maior coerência entre a atuação dos sistemas monetário,
financeiro e comercial multilaterais. Para atingir essa meta, o documento
recomendava aprimorar a governança econômica global, fortalecendo a liderança
das Nações Unidas na promoção do desenvolvimento (ONU, 2003).
No nível da política doméstica dos Estados, recomendava-se a
coordenação de esforços entre os ministérios dos países e suas instituições. No
plano externo, visava-se o estabelecimento de uma sinergia ou maior coordenação
de programas e políticas entre as instituições internacionais de Bretton Woods.
Nesse movimento deveriam ser também conjugadas ou tornadas coerentes as
atuações das instituições domésticas dos países em relação a atuação das
instituições internacionais. Seria importante estabelecer objetivos internacionais e
domésticos compatíveis, a partir da construção da coerência entre os níveis
operacional das políticas dos países e o cenário internacional. Somente desse
modo seria possível atingir os objetivos da Declaração do Milênio da ONU, de
crescimento econômico, erradicação da pobreza e desenvolvimento sustentável
(ONU, 2003).
Important international efforts are under way to reform the international financial architecture. Those efforts need to be sustained with greater transparency and the effective participation of developing countries and countries with economies in transition…We also underscore our commitment to sound domestic financial sectors, which make a vital contribution to national developments efforts, as an important component of an international financial architecture that is supportive of development…strong coordination of macroeconomic policies among the leading industrial countries is critical to greater global stability and reduced exchange rate volatility, which are essential to economic growth as well as for
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enhanced and predictable financial flows to developing countries and countries with economies in transition68. A governança global nesse documento passava a ser relacionada
estreitamente com objetivo do desenvolvimento. Para ser compatível com o
crescimento da interdependência entre os países e aumentar a legitimidade desse
processo, a governança deveria se desenvolver em dois sentidos: aumentar a base
do processo decisório internacional nos assuntos referentes ao desenvolvimento e
preencher as brechas organizacionais existentes nas instituições multilaterais. Para
cumprir esses objetivos, o documento recomendava o fortalecimento do sistema
das Nações Unidas e das demais instituições de Bretton Woods, a partir de uma
maior integração dos países em desenvolvimento, que deveria servir de base para
o reforço do multilateralismo (ONU, 2003):
[…] we encourage all international organizations to seek to continually improve their operations and interactions...we stress the need to broaden and strengthen the participation of developing countries and countries with economies in transition in international economic decision making and norm-setting. To those ends, we also welcome further actions to help developing countries and countries with economies in transition to build up their capacity to participate effectively in multilateral forums…a first priority is to find pragmatic and innovative ways to further enhance the effective participation of developing countries and countries with economies in transition in international dialogues and decision-making processes.69
Para efetivar o avanço dessa incorporação a partir dos mandatos e das
funções das instituições de Bretton Woods, o documento recomendava que o FMI
e o BIRD continuassem a incentivar a participação de todos os países em
desenvolvimento e economias em transição nos debates e processos decisórios
internacionais, buscando sua contribuindo para o debate sobre o papel dessas
instituições, uma vez que elas deveriam lidar com as necessidades do
desenvolvimento que consistem nas preocupações fundamentais desses países.
Para a OMC, recomendava-se que as consultas fossem representativas da
plenitude dos seus membros e que a participação fosse baseada em critérios
simples, claros e objetivos (ONU, 2003).
68 Ibid. Parágrafo 53. 69 Ibid. Parágrafo 61.
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No relacionamento entre estas instituições, o documento recomendava
uma maior cooperação entre as Nações Unidas e a OMC, que deveria se
concretizar por intermédio do sistema das Nações Unidas.
[…] interactions between representatives of the Economic and Social Council and the Directors of the Executive Boards of the World Bank and the International Monetary Fund can serve as preliminary Exchange on matters related to the follow-up to the Conference and preparations for the annual spring meeting between those institutions. Similar interactions can also be initiated with representatives of the appropriate intergovernmental body of the World trade Organization…We encourage the United Nations, the World Bank and the International Monetary Fund, with the World Trade Organization to address issues of coherence, coordination and cooperation, as a follow up to the Conference, at the spring meeting between the Economic and Social Council and the Bretton Woods institutions. The meeting should include an intergovernmental segment to address an agenda agreed to by the participating organizations, as well as a dialogue with civil society and the private sector.70 O papel que as Nações Unidas deveriam exercer nesse processo apareceu
nos debates da mesa “Looking Ahead”, no qual figuravam a criação de um Fórum
de consulta permanente entre países desenvolvidos e em desenvolvimento sobre
temas monetários e financeiros e o estabelecimento de um compromisso entre a
OMC e a ONU para trazer a Organização Mundial do Comércio para o interior do
sistema da Organização das Nações Unidas, no sentido de aumentar a sua
coerência com as demais instituições de Bretton Woods71.
4.8
As apreensões das Nações Unidas com o avanço das negociações
comerciais: a herança do espírito de Monterrey e a ênfase no
desenvolvimento dos PEDs
Os esforços das Nações Unidas para concretização das metas de
desenvolvimento social envolveu o debate sobre a coerência entre as instituições
como forma de viabilizar o desenvolvimento econômico dos PEDs e a sua maior
integração ao cenário multilateral. Essa preocupação das Nações Unidas se
70 Report of the International Conference on Financing and Development. New York, United Nations, 2002. Disponível em: http://dacceddssds.un.org/doc/UNDOC/GEN/N02/392/67/pdf/N0239267.pdf?OpenElement. Acesso em: 08 jun. 2008 71 Ibid.
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tornava mais presente na razão direta do contexto internacional após crises
financeiras dos anos 90, quando o debate sobre a reforma da arquitetura
econômica de Bretton Woods exigia a incorporação a esse projeto da maior parte
dos países que sentiam os efeitos das crises.
O destaque conferido ao papel do comércio como capaz de promover o
desenvolvimento dos PEDs que anima o espírito de Monterrey já vinha, contudo,
se desenvolvendo na esteira do debate sobre as reformas. Essas preocupações já
figuravam no debate previamente à Conferência de Monterrey e permaneceram
como foco das apreensões das Nações Unidas nas discussões que se seguiram à
aprovação da Declaração de Monterrey. Principalmente no que diz respeito aos
encontros que avaliavam os graus de aplicação dos compromisssos da
conferência.
Nesse sentido, nessas discussões das Nações Unidas já havia uma
preocupação clara com o possível resultado da Conferência de Cancun que
ocorreria em setembro de 2003. Durante o trânsito entre Doha (2001) e Cancun
(2003), portanto, a ONU buscaria amortecer os conflitos, já prevendo a possível
reemergência de uma clivagem Norte-Sul no regime de comércio.
Essa trajetória das análises da ONU é importante, pois ela identifica a
inserção dos países em desenvolvimento no interior do regime de comércio numa
conjuntura que parecia pouco propícia para o avanço das negociações, na fase
anterior à Conferência de Cancun (2003).
Antes da Conferência de Monterrey (2002), em 20 de fevereiro de 2003, a
Assembléia Geral adotou uma resolução sobre o diálogo de alto nível com vistas
ao fortalecimento da cooperação econômica internacional para o
desenvolvimento,72 já inspirada na futura ratificação do Consenso de Monterrey.
Nessa resolução, já era determinada a continuação dos debates que seriam
inaugurados naquela conferência, mediante a organização de encontros bienais de
nível ministerial. O primeiro desses encontros seria realizado no final de outubro
de 2003, com o nome de “The Monterrey Consensus: status of implementation
and tasks ahead”.
Em 24 de março de 2003, o Secretário Geral da ONU emitiu um
documento onde consta o esforço das Nações Unidas para levantar dados sobre a
72 General Assembly- Fifth-Seventh Session. Agenda Iten 86(d) - A/RES/57/250.
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possibilidade de compatibilização entre as políticas internas dos países e a das
instituições de Bretton Woods. O foco do documento consistia na necessidade de
coerência das instituições para possibilitar a aplicação do Consenso de Monterrey.
Naquele documento, as futuras negociações do regime de comércio
multilateral já aparecem sob a perspectiva da ressurgência da clivagem Norte e
Sul. Sobressai-se a preocupação com as possibilidades do sucesso da futura
Conferência Ministerial de Cancun (2003), a partir da questão do
desenvolvimento dos PEDs que reclamava uma solução ou compromisso da parte
das instituições fundamentais da ordem internacional. A solução encontrada
residia no aprofundamento do debate e implementação do Consenso de Monterrey
(2002) que a partir do encontro programado para 2003 teria o poder de reforçar a
confiança internacional na economia global:
World Trade is Growing Slowly and short term prospects remain unsatisfying. Especially, for most developing countries. Analysts perceive difficulties in reach agreement in World Trade Organization (WTO) negotiators missed 2002 deadlines and its difficult to discern the direction in which global trade might evolve.73 Após a Conferência de Monterrey, em 14 de abril de 2003, o Conselho
Econômico e Social das Nações Unidas promoveu um encontro especial de alto
nível entre as instituições de Bretton Woods e a OMC. A tônica desse encontro
consistiu na coerência dos sistemas financeiro, monetário e comercial como via
essencial do desenvolvimento. No diálogo entre as instituições de Bretton Woods
sobre a aplicação dos resultados do Consenso de Monterrey, resultou um
documento final que apontava a necessidade de avançar naquelas negociações
antes da Conferência Ministerial de Cancun (2003), que ocorreria em setembro.
Na ocasião, surgiu a proposta de que o Mecanismo de Revisão de Políticas
Comerciais da OMC fosse utilizado para permitir levar em conta as políticas de
comércio nacionais no enfrentamento de questões como o desenvolvimento
nacional e redução da pobreza.
Na seção “Coherence and Governance”, do documento final (A/58/77), os
participantes afirmam que coerência seria fundamental entre o âmbito doméstico e
o internacional, com muitos ministros afirmando que os fundamentos da política
73 E/2003/50. p. 3.
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econômica internacional se encontravam no âmbito doméstico dos Estados e que a
coordenação efetiva entre os ministérios das finanças, do comércio, cooperação
para o desenvolvimento e relações exteriores, enfatizando que os objetivos do
Mandato de Doha deveriam ser observados nas negociações comerciais:
[…] instructions to country representatives to the United Nations, the Bretton Woods institutions and WTO should be consistent with the commitments in the United Nations Millennium Declaration, the Doha Ministerial Declaration, the Monterrey Consensus and the Johannesburg Plan of Implementation.74 Houve também o consenso em torno da necessidade de incorporação dos
países em desenvolvimento no processo decisório das instituições multilaterais.
Sugeriu-se a criação de um Conselho de Segurança Econômica subordinado às
Nações Unidas. No que diz respeito às instituições de Bretton Woods, sugeriu-se
uma reformulação ou mesmo um “re-birth” se sugerindo que essa reformulação
poderia envolver a redistribuição do peso dos votos nas instituições, incluindo a
OMC:
[…] to enhance the voice and participation of developing countries there was a need to reduce the size and complexity of the governance structure of the Bretton Woods institutions, for example, by reducing the number of ad hoc grouping of countries. More cooperative efforts should be deployed to enhance the capacity of poor countries to be represented and articulate their position in the Bretton Woods institutions and WTO more effectively.75 Nesse espírito de incorporação dos PEDs ao multilateralismo, em 5 de
agosto de 2003 o Secretariado-Geral da ONU divulgou seu relatório
“implementation of and follow-up to commitments and agreements made at the
international Conference on Financing and development” (A/58/216). Nesse
documento, crescia a ênfase no comércio multilateral, sendo ressaltado que a
agenda de Doha (2001) oferecia a oportunidade de incorporação dos países em
desenvolvimento aos benefícios do comércio multilateral e que essa oportunidade
deveria ser plenamente realizada, demonstrando preocupação com a perda dos
prazos estabelecidos para as negociações que ocorreriam em setembro de 2003,
em Cancun.
74 A/58/77. Parágrafo 33. 75 A/58/77. Parágrafo 39.
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Esse documento contrastava o andamento das negociações de Doha (2001)
com o compromisso estabelecido no programa de Monterrey (2002), onde os
países se comprometeram em garantir acesso a todos os mercados aos produtos de
exportação dos países em desenvolvimento, sublinhando que as negociações
deveriam levar em conta as necessidades especiais dos países em
desenvolvimento.
O documento (A/58/216) também denunciava o protecionismo dos países
desenvolvidos, apontando que 60% dos picos tarifários nas importações dos
países desenvolvidos – EUA, EU, Japão e Canadá incidiam sobre os produtos
exportados pelos países em desenvolvimento, o que era sublinhado como
inconsistente com o espírito de Monterrey (2002):
Agriculture subsidies and support that impede competitive imports from developing countries are inconsistent with the spirit of the Monterrey Conference and must be reduced, including those not currently subject to WTO commitments and export subsidies should be eliminated. All countries must exercise the utmost restraint in applying those remedies, standards and rules so that they do not act as trade barriers.76 Diante do reconhecimento dessas questões e como forma de permitir a
incorporação dos PEDs ao avanço das negociações, o documento recomendava
não apenas a necessidade de tratamento especial e diferenciado para os PEDs nas
negociações da rodada, mas também que se fazia necessária a consideração da
dimensão do desenvolvimento dos países como questão fundamental que deveria
ser observada naquelas negociações:
A broad based, development-oriented set of special and differential treatments of developing countries in trade policy needs to be formulated, taking into account the following considerations: the broad application of most favoured nation and non-discrimination policies coupled with less than full reciprocity in negotiations: the calibration of disciplines in a manner commensurate with the trade, financial and development needs and capacities of developing countries; adequate flexibility with regard to inside-boarder issues and trade related agreements; greater stability; security and predictability of the special and differential treatments; preferential market access; special consideration by developed countries before the application of trade defense measures against developing countries; full consideration of development dimensions in new and emerging issues; and the provision of adequate resources to developing countries to finance the implementation cost and consequent adjustment arising from multilateral trade agreements.77
76 In: A/58/216. Parágrafo 86. 77 A/58/216. Parágrafo 90.
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Algumas das tensões entre países desenvolvidos e em desenvolvimento
que se materializariam na Conferência Ministerial de Cancun, resgatando a
clivagem Norte-Sul aparecem, portanto, claramente nesses documentos. A
centralidade das preocupações com o desenvolvimento dos PEDs que
reverberavam pelo debate sobre a coerência entre os mandatos das instituições-
chave de Bretton Woods constitui um indício importante para avaliar o impacto
do momento de transição por que passavam essas instituições sobre as
negociações do regime de comércio.
Seria a partir da não observância dessas questões pelas negociações que se
seguiriam na OMC que o impasse das negociações ocorreria. Isso permite e
autoriza o argumento de que o momento de transição da ordem internacional se
relaciona intimamente com os acontecimentos dramáticos que se seguiriam na
OMC. Sobretudo, a partir das grandes expectativas que surgiram na agenda
internacional em torno de um novo projeto de desenvolvimento que centrava os
debates sobre a integração dos PEDs nas instituições multilaterais que tornava
prioritária a sua aplicação.
4.9
Conclusão
O conteúdo desse capítulo explorou os efeitos da atuação do FMI e do
Banco Mundial a partir das políticas que elas recomendaram para o
desenvolvimento dos PEDs nos anos 90. O resultado dessa trajetória conduziu a
uma sucessão de eventos que conduziriam à gradual alteração nas bases do
consenso internacional sobre o desenvolvimento desses países que legitimava e
tornava atrativa a sua adesão às instituições de Bretton Woods.
Esse movimento traria implicações fundamentais sobre o FMI e o BIRD,
que absorveram as críticas no seu interior, chegando ao começo do novo século
vivendo uma fase de balanço que não excluiu a autocrítica e que trazia incerteza
quanto ao seu futuro papel nas Relações Internacionais. Não havia certezas quanto
à direção que as reformas tomariam a partir daquele debate.
Nesse sentido, o fim do Consenso de Washington, enquanto concepção de
desenvolvimento prevalecente, deslocava nesse movimento o tema do
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desenvolvimento do seu lócus tradicional que passava obrigatoriamente pelas
políticas não apenas recomdendadas, mas também impostas pela política de
condicionalidades perseguida por essas instituições.
Naquele momento, algumas das propostas de reforma das instituições,
como aquela do Relatório Meltzer, pretendiam que as instituições de Bretton
Woods abandonassem a política das condicionalidades, deixando de pautar sua
atuação pela instrumentalização dos interesses dos países desenvolvidos como
tradicionalmente.
Para que as ambições daquele direcionamento de reforma recomendado
pela Comissão Meltzer se concretizassem, entretanto, os países em
desenvolvimento teriam de estar profundamente integrados nas instituições de
Bretton Woods. Para esse objetivo, as etapas da reforma das instituições deveriam
consistir num processo pautado por princípios com uma atenção especial
dispensada ao tema do desenvolvimento dos PEDs.
É nesse ponto do deslocamento do tema do desenvolvimento do interior
das instituições de Bretton Woods, que o papel das Nações Unidas passou a ser
preponderante para buscar reverter as conseqüências da crise nas demais
instituições. A grande adesão dos PEDs à ONU refletia o fato de a instituição
jamais haver desempenhado o papel de instrumento político dos países
desenvolvidos pela aplicação das condicionalidades, sendo tradicionalmente
percebida como ambiente institucional propício à maior influência da ação
coletiva desses países, que no seu interior se beneficiavam do seu grande número
em certas arenas de negociação.
Nesse sentido, a contribuição das Nações Unidas para buscar amortecer os
impactos da crise se adequava formidavelmente ao projeto de reforma das
instituições prevalecente naquele momento. Aumentar a legitimidade do FMI e do
Banco Mundial para melhor integrar os PEDs no seu interior teria
necessariamente de envolver, naquele momento após as crises dos anos 90, o
abandono das condicionalidades que convertia as instituições em instrumentos de
política externa dos países desenvolvidos.
Era assim que se abria caminho para que a nova concepção do
desenvolvimento dos PEDs que já vinha florescendo no interior das Nações
Unidas desde os anos 90 entrasse forte na agenda internacional a partir dos
debates sobre a reforma das instituições. Foi isso o que ocorreu na Conferência de
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Monterrey (2002), pois a discussão central que deveria prover uma maior
legitimidade para as instituições de Bretton Woods centrada no tema do
desenvolvimento dos PEDs consistia no debate sobre a coerência entre os
mandatos daquelas instituições.
Essa complememtaridade da sua atuação conjunta, perdida desde o fim de
Bretton Woods, ressurgia na agenda internacional naquela conferência, pois ela
consistiu na primeira iniciativa a envolver a presença e os debates conjuntos entre
as três arenas ou pilares da ordem econômica internacional - FMI, BIRD e OMC-
que compareceram ao debate no âmbito das Nações Unidas diante da necessidade
de debater uma reorientação fundamental dos seus mandatos.
A hegemonia dos países desenvolvidos através das instituições deveria,
naquele momento, envolver a reformulação da atuação dessas instituições, para
responder à alteração na concepção hegemônica do desenvolvimento que vinha
pautando o comportamento dos pilares da ordem econômica até então.
O meio para essa reformulação que permitiria restaurar a legitimidade das
instituições consistia em avançar uma nova concepção do desenvolvimento que
pudesse gerar um novo consenso internacional que tornasse atrativa a participação
dos PEDs. Nesse sentido também o papel das Nações Unidas que organizavam a
Conferência de Monterrey (2002) - sobre o financiamento para o
desenvolvimento, como meio para atingir as Metas do Milênio - consistia na
ocasião perfeita para o debate daquelas reformas.
Isso acontecia graças à nova concepção do desenvolvimento que vinha
ganhando força no interior da Organização desde os anos 90, cujas cúpulas sociais
eram a manifestação mais expressiva. Afinal, esse novo conceito de
desenvolvimento passava a ser considerado um direito dos PEDs, equivalente a
um bem público global que deveria ser provido pelas instituições aos cidadãos
desses países.
Essa consistiu num momento fundamental para a retomada do
compromisso da reforma fundamental da agricultura que figurava na Declaração
de Doha (2001) já refletindo a nova concepção do desenvolvimento. Na
Conferência de Monterrey (2002), o direito ao desenvolvimento dos PEDs seria
associado à liberalização dos mercados agrícolas dos países desenvolvidos,
reforçando aquele compromisso estabelecido no ano anterior.
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No entanto, a Conferência de Monterrey (2002) que buscava avançar esse
projeto de reforço da legitimidade das instituições de Bretton Woods, a partir
dessa nova concepção de desenvolvimento, se defrontou com muitas resistências
políticas à direção das reformas que pretendia serem encaminhadas.
Isso agravou a percepção dos prognósticos que foram traçados durante a
Conferência em relação à situação dos PEDs nas negociações da Rodada de Doha
que seriam proximamente retomadas em Cancun (2003). A Declaração de
Monterrey (2002) não foi capaz de vencer as resistências às reformas, não
aprovando as novas fontes de financiamento para o desenvolvimento que
pretendia para a concretização das Metas do Milênio. Nesse sentido, figurou,
sobretudo, como um protocolo de intenções sendo incapaz de estabelecer metas
concretas em torno de compromissos substantivos e prazos de aplicação para as
mdeidas acordadas.
Igualmente, as recomendações da Conferência sobre a situação dos PEDs
no cenário das negociações de comércio multilateral, que apontavam que aquela
situação poderia comprometer o resultado das futuras negociações naquela fase
ainda tão incipiente, já denunciavam o possível choque de interesses que poderia
se manifestar em Cancun (2003). Isso levou a que, nos encontros posteriores das
Nações Unidas, destinados a monitorar o cumprimento dos compromissos de
Monterrey (2002), a questão do comércio ganhasse relevância. Naquelas ocasiões,
demonstrou-se a preocupação de que as reformas das instituições trouxessem
algum avanço para que as negociações de comércio não fossem comprometidas.
Essa profecia de Monterrey e dos encontros posteriores sobre a
implementação daqueles compromissos antecipavam as amplas repercussões que
se manifestariam sobre a rodada, pois o momento de transição vivido pelas
instituições, desde o lançamento da rodada, terminaria permitindo que o dissenso
em torno das perspectivas do desenvolvimento dos PEDs transferisse muitas
tensões da conjuntura da ordem internacional para as futuras negociações da
OMC.
A forma como essas tensões se manifestariam sobre a trajetória da OMC,
após a instituição haver superado o desafio do lançamento da sua primeira rodada
de negociações, após o colapso da Conferência de Seattle (1999), consiste no tema
do próximo capítulo.
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