NOVE VEZES NOVE?OITENTA E UM,SETE MACACOS
_ETU ÉS UM
Pôs-seum macaco a ler um livro ... Era assim que
ele via as pessoas fazer. Pegavam nessa coisachamada livro, destapavam-lhe o miolo, alisa-vam as letras com a mão, limpavam o pó entre
as linhas e punham-se a ler, fazendo, de vez em quando,que sim com a cabeça, que era, .corn certeza, sinal degrande sabedoria. E ficavam assim que tempos, com olivro no colo, a passar as folhas, uma a uma, todas iguais,todas cheias de letras. Devia ser engraçado ler um livro.
Pensando nisto, omacacodesta história pegou numlivro, estalou-o ao meio e ficou-se a olhar para dentrodas páginas. Que lhe diziam elas? As páginas abertas dolivro à sua frente não lhe diziam nada. Nada.
Então o macaco virou o livro ao contrário. Talvezfosse melhor assim. Não era. Mudou de folha. Espan-toso! Parecia-se com a de trás.
O macaco levantou-se. Inclinou a cabeça para umlado. Depois, para o outro. Não, ainda não lhe apanharao jeito.
Debruçou-se, então, com o nariz em cima do papel.Agarrou no livro com ambas as mãos e deitou-se nochão, de costas. Nem assim.
Por último apontou, de longe, e fez o pino sobreas páginas abertas. Mas não havia meio. Nada resultava.
É que parecia que as letras lhe fugiam. Ora se jun-tavam aqui, umas em cima das outras, ora se afastavam,além, numa grande pressa.
- Que raio de macacos de letras! - irritou-se omacaco. - Nunca estão quietas.
Soprou-lhes com força. Raspou-as com as unhas.Deu-lhes piparotes impacientes. Tudo inútil.
Então, da zanga em que estava, chorou. Chorou eas letras bailaram, quase a afogarem-se nos olhos domacaco.
- Não chore que magoa a vista - segredou-lhe ocágado Milflores, que só entra nas histórias para darconselhos que ninguém lhe pede. - Com a vistamagoada, menos lê. .
Um pirilampo acendeu-se nos olhos do macaco.Era isso, era. Ele devia estar doente da vista. Quem sabese não precisava também de uma daquelas cangalhasque os homens usam, montadas no nariz?
Foi, portanto, a um senhor doutor dos olhos - umoftalmologista, que é a mesma coisa que médico da vista,mas bem mais difícil.
- Ao que vem? - perguntou-lhe o doutor de batabranca, de nome Olarilas, Doutor Olarilas.
O macaco queixou-se:- Ando a ver muito mal, senhor doutor médico. Não
consigo ler nada em termos. As letras metem-se umaspelas outras, juntam-se às mãos cheias, fogem para umlado e para o outro e nunca estão quietas, nos carreirospor onde deviam andar. Queria que o senhor doutor medesse um remédio para as pôr na ordem.
O médico coçou o queixo (há médicos que coçama cabeça e médicos que coçam o queixo. Há também osque coçam o queixo e a cabeça, mas são raros). Coçouo queixo e disse: '
- O caso parece-me complicado, mas vamos estudá--lo com muita atenção. Ora sente-se naquela cadeira.
Apontou a cadeira ao macaco e foi ao fundo da salaacender um quadro, com letras estampadas em cima -letras grandes e pequenas, para todos os gostos e vistas.
- Vá lendo - disse ele ao macaco.O macaco não lia.Então, o senhor doutor colocou uns óculos no nariz
do macaco, prendeu-os nas orelhas de abano, visto queno nariz não se seguravam e, nos óculos, foi encaixandolentes, umas mais grossas que outras.
A cada lente que punha, dizia:- Vá lendo.Mas o macaco não lia.A consulta demorou que tempos. No fim, o senhor
doutor, depois de muito coçar o queixo.isentou-se àsecretária e escreveu.
- Acha que isto passa? - perguntou, aflito, o macaco,interrompendo a escrita do doutor Olarilas.
- Acho que sim, se seguir à risca esta receita.E deu-lhe a receita para as mãos.- Vá à Rua da Horta Seca e pergunte pela Dona
Madalena Paciente. Ela é que avia destas receitas - disseo médico, despedindo-se.
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Sabem o que dizia a receita? Dizia o seguinte:
~ ~ Jrf,,~oi.tm.o.,-,~
'U -u...~~- ,o.'llN\.6-. .t...o.ít, - "" .k-n"
'Mt. M.âb- .c ~.~ ~~.--~~ ~...t- 10,_1..' .r,
-.Y'"""l?,Pr.,,; \/"
-Foi assim que o macaco entrou para a escola.Passou a usar uma bata, não como a do doutor, que
era comprida, até aos pés, e abotoada atrás, mas como ados outros meninos, pelos joelhos e abotoada à frente. ãose pode dizer que lhe ficasse muito bem, mas disfarçava.
No recreio, não havia melhor aluno. A saltar à corda,ao eixo e no jogo da macaca ninguém lhe ficava à frente.
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a aula, enfim, na aula, já não seria assim tão bomaluno ... Disciplinado e atento isso era. As macaquices,o meninos malcomportados que as fizessem. Ele não.E tava ali para aprender, a conselho médico. E, na ver-dade, com a paciência da Dona Madalena Pacientealguma coisa ia ficando na cabeça de dobradiças per-ras do bom macaco. Em contas, por exemplo, já sabeque: nove vezes nove, oitenta e um, sete macacos e tués um.
Nas letras, também, pelas últimas informações quetivemos, se vão registando alguns progressos. Já lê«banana», mas cortada às fatias, assim: ba na na - e,depois de a ler toda inteira, fica a lamber os beiços, comose a tivesse papa do em três dentadas.
Q, A
R
- Leia outra vez - pede a Dona Madalena.- Não, obrigado, senhora professora, mas já estou
cheio - diz, delicadamente, o macaco, que não gosta deabusar das comidas nem das letras.
Por este andar, temos a impressão de que, com otempo e a ajuda da professora, talvez o macaco, con-siga, um dia, passar a vista por esta história e percebero que ela conta. Havia de ser engraçado .
'p.
-.N.. oi
.E
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