A CIDADE ENCANTADA
De entre as narrativas que uma Criada dos tempos do
Bisavô me repetia em criança e que eu mais tarde ouvi,
com detalhes e pormenores interessantes, da boca do
Povo, a lenda da Cidade Encantada foi aquela que mais
me impressionou e seduziu...
Quando a boa Velhinha, satisfazendo a minha curiosidade
infantil, descrevia as ruas amplas e bem lançadas, ladeadas
por palácios magníficos, com seus Templos majestosos,
com a sua vida agitada de grande fulcro de civilização, lá
nos abismos do oceano,
eu ficava, cismando, com
o coração confrangido e,
quanta vez, na minha
ingenuidade, pedia
sinceramente a Deus
para que permitisse que
numa dessas noites de S
João, quando dizem que
a cidade submergida sobe à flor da água e os sinos dos
seus Templos clamam na voz forte dos bronzes, e em
todos esses seus Palácios esplendorosos lampejam fogos
de mil cores e sobem aos ares preces e louvores, não mais
volvesse para as profundezas do Atlântico a cidade um
dia, nos séculos que se perderam no rolar dos tempos,
desaparecida com esse Continente que, dizem, dos mares
da Madeira se estendia a terras distantes... E ficava a
cismar na vida da Cidade Encantada no fundo do mar, há
séculos e séculos e no lendário Continente que ora as
aguas cobrem...
In Visconde de Porto da Cruz, Algumas Lendas e alguns Monumentos do Archipélago da
Madeira, Lisboa, 1924