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MUH MM D YUNUS
PRÉ M IO NOBEL D P Z
NOV
DIMENSÃO DO C PIT LISMO P R F ZER F CE
ÀS
NECESSID DES
M IS PREMENTES
D HUM NID DE
«Muhammad Yunus um visionár.io com sentido ·
prático que fez prosperar milhões
~
pessoas no
Bangladeclle e noutras partes do-·rn8ndo;})
Los ngeles Times . .
«O
Banco Grameen tornou-se a meca dos
economistas do desenvolvimento e o seu modelo
esta a ser copiado em todo o mundo.'>
he
conomist
~
EDITORI L
PRESENC
I
i
I
t
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uhammad unus nasceu em Chittagong
no Bangladeche.
Estudou na Universidade de
Dhaka
e
recebeu uma
bolsa
Fulbr
ight para
estudar Econom ia na Universidade de Vander-
bilt. Tornou se
director do Departamento de
Econom ia
da
Universidade de Chittagong em
1972. o
precursor
do microcrédito a popula-
ções muito pobres e
de
muitos outros projec-
tos
de
combate à pobreza e à fome. Yunus
recebeu
o Prémio Nobel da Paz em
2006.
·I
l
i
I :
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3/121
\
l
MUH MM D
YUNUS
I
NOV DIMENSÃO O C PIT LISMO P R
F ZER
F CE
ÀS NECESSID DES
M IS
PREMENTES D
HUM NID DE
Tradução
de
na Saldanha
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FICHA TÉCNICA
A todos aqueles que estão dispostos
a dedicar-se a
mudar
o mundo
Título original: Building Social Business The New Kind
of
Capitalism that
Serves
Humanitys
Most Pressing Needs
Autor:
Muhammad Yunus
Copyright
©
2010
by
Muhammad
Yunus
Tradução © Editorial
Presença Lisboa 2011
Tradução:
Ana
Saldanha
Revisão técnica: Eng
o
Carlos Braga
Capa: Vera Espinha I Editm· ial
resença
Composição impressão e acabamento: Multitipo - Arter Gráficas Lda.
1.•
edição
Lisboa
Maio 2011
Depósito
legal n. 326
200/11
Reservados
todos os direitos
para
Portugal
à
EDITORIAL PRESENÇA
Estrada das Palmeiras 59
Queluz de Baixo
2730-132 Barcarena
E-mail: [email protected]
Internet:
http://www.
presenca.pt
ÍNDI E
INTRODUÇÃO I A Empresa Social - do sonho à realidade
.............
9
Capítulo 1 I Porquê a empresa social? ............................................... 29
Capítulo 2 I
Os
problemas do
crescimento
........................................ 61
Capítulo 3 I A criação
de
uma
empresa
social
................................. . 86
Capítulo 4 I Curar uma criança ... , .................................................. . 124
Capítulo 5 I Enquadramento legal e financeiro da empresa social ..... 140
Capítulo 6 I A Grameen Veolia
Water
163
Capítulo 7 I Criar uma infra-estrutura global para a empresa social ...... 182
Capítulo 8 I
Vislumbres do
futuro
Capítulo 9 I O
fim da
pobreza
202
224
7
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INTRODUÇÃO
A Empresa
Social
-
do
sonho à
realidade
Um
minúsculo
passo
inicial
Inicialmente envolvi-me no
problema
da pobreza em termos
aca
démicos
e
depois pessoalmente quase
por acaso.
Envolvi-me
porque
a
pobreza estava à
minha volta por
todo
o
Bangladeche. Em par
ticular a fome de 1974
empurrou-me para
fora
do c mpus universitá
rio
e obrigou-me a
tornar-me activista
social
além
de professor.
É
uma
experiência comum
claro. Em situações
de
catástrofe a
maioria
das pessoas
assume
sem hesitação os papéis sociais que a
com
paixão
humana impõe. Mas
no meu caso o que
começou num período
de crise
tornou-se
uma vocação
para toda
a
vida. Desisti da minha
carreira
académica
e
fundei um b an co
um
banco para
os pobres.
Foi
o primeiro
passo numa jornada
que continua até
hoje.
O
estádio
mais
recente dessa jornada como explicarei neste livro
consiste
em
criar e concretizar uma ideia para
uma
nova forma de
capitalismo e um novo tipo de
empreendimento
baseado na abne
gação das
pessoas
a
que
chamo empresa
sociaL
um
tipo
de
empresa dedicada à resolução de problemas sociais económicos e
ambientais que há muito atormentam a humanidade - a fome
a
falta
de habitação a
doença
a
poluição
a
ignorância.
No
início da
década de
1970 o Bangladeche um
país recém
-independente encontrava-se
numa
situação terríveL As
conse
quências
da Guerra de
Libertação
-
com
a destruição
causada
pelo
Exército paquis tanês- combinadas com inundações
secas e mon
ções
criaram uma situação desesperada para
milhões de pessoas.
Depois veio
a
fome.
Eu
sentia
uma
dificuldade crescente em ensi-
9
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6/121
nar elegantes
teorias económicas
na
sala de aulas enquanto urna
terrível fome grassava
lá
fora. Subitamente, apercebi-me da
vacui
dade
dos conceitos económicos
tradicionais em face
de
uma
situa
ção
de fome
e
de pobreza
avassaladoras.
Compreendi que tinha
de
estar com
a população
vitimizada de ]obra,
a
localidade vizinha
da
Universidade de
Chittagong, e
de
alguma forma
encontrar maneira
de a
ajudar.
O que
eu tinha
a
esperança
de
conseguir era apenas ser
capaz de
me
tornar útil
a pelo menos
urna pessoa
por
dia.
Ao tentar descobrir
o
que
poderia fazer
para
ajudar, fiquei a
saber
muitas coisas sobre obra, sobre as pessoas que lá
viviam
e sobre a
sua
impotência perante a adversidade. Testemunhei os esforços dos
pobres
para
arranjarem
quantias
irrisórias,
necessárias para
subsidiar
as suas
tentativas de
ganhar
a
vida.
Chocou-me
particularmente
o caso
de uma
mulher
que conheci,
que tinha
pedido um
empréstimo
de cinco
t k s o equivalente a
sete cêntimos em divisa
americana)
a
um
prestamista e
negociante.
Ela precisava desta pequena quantia
para
comprar bambu, com o
qual fabricava bancos que em seguida
vendia.
A taxa de juros
des
ses empréstimos era muito e l ev d
chegava
a atingir os 10 por
cento por
semana. Mas
o pior era a
condição
especial imposta com
o
empréstimo:
a
mulher teria de vender todos
os
seus produtos ao
prestamista
a
um
preço determinado
por ele.
Aquele empréstimo de cinco
t k s
transformou-a virtualmente
numa
escrava.
Por
mais
que trabalhasse, ela
e a
sua família jamais
conseguiriam escapar
pobreza.
Para avaliar
a
dimensão d e ~ t prática de empréstimos
na
povoa
ção,
elaborei uma lista com
o
nome das pessoas
que
tinham con
traído empréstimo com
os prestamistas. A
lista completa
tinha
quarenta e
dois nomes.
Essas pessoas tinham pedido emprestado
um total
de 856 t k s o equivalente a mais ou menos 27 dóla
res americanos à
taxa
de câmbio da época. Parecia absurdo
que
urna
quantia
tão pequena pudesse causar tanto infortúnio
Para libertar
essas quarenta e
duas pessoas das garras
dos
pres
tamistas, meti a mão ao bolso e dei-lhes o dinheiro para pagarem
o
empréstimo.
A
excitação causada
na
localidade por este pequeno
acto tocou-me profundamente. Pensei:
«Se
este pequeno gesto
fez
tantas
pessoas
felizes,
porque
não repeti-lo mais vezes?»
10
É
o que
tenho tentado
fazer desde essa
altura.
A primeira
coisa
que fiz foi tentar
persuadir
o
banco do
c mpus
universitário a
emprestar dinheiro
aos
pobres. Mas
o
gerente ban
cário recusou. Disse:
«Os pobres
não satisfazem
os
critérios neces
sários para
terem acesso
ao
crédito - não
são credores
viáveis.»
Argumentei com ele, mas sem qualquer
resultado.
Avistei-me
com
altos funcionários bancários
a vários níveis
para
tentar encontrar
alguém disposto a abrir as portas do seu banco aos
pobres.
Este
processo desenrolou-se ao longo
de
meses, mas
não
fui capaz de
fazer
com que mudassem de opinião.
Finalmente,
surgiu-me urna ideia.
Ofereci-me
para ser
fiador
de
empréstimos
aos
pobres.
Após muitas
hesitações, o
banco aceitou esta
minha
proposta.
Em
meados de
1976,
comecei
a
distribuir
emprés
timos
aos
pobres da povoação, assinando todos
os
papéis
que o
banco
me pedia
para avalizar
pessoalmente
os
empréstimos
e
desempenhar
o papel de urna espécie de
banqueiro informaL
Como
eu queria
assegurar-me
de
que
os
contraentes
de
empréstimos não
se
depara
riam com dificuldades para dirimir
a
sua dívida, instituí
regras
sim
ples, tais
como
a
dívida
ser paga em
pequenas
prestações mensais e o
funcionário
bancário
visitar
as pessoas
em vez
de elas
serem obrigadas
a
deslocarem-se
ao
banco. Estas
ideias resultaram.
As
pessoas
pagavam
sempre
as suas
dívidas
dentro
dos prazos
estipulados.
Parecia-me
que, afinal, emprestar dinheiro aos
pobres
não
era
tão
difícil
como geralmente
se
imaginava. Parecia-me até que
ser
vir
as suas necessidades financeiras poderia ser
um negócio viável.
Seria de
esperar
que
um
banqueiro esperto fosse capaz de
reconhe
cer
esta oportunidade
mais rapidamente
do
que
um
mero
professor
de Economia sem qualquer
experiência
da
banca. Mas
não. Eu con
tinuava
a
confrontar-me com
dificuldades ao
tentar
expandir
o
pro
grama
de empréstimos através dos bancos existentes.
Finalmente,
constatando que não havia outra opção, decidi
criar um
banco autónomo
para
os
pobres. Foi
um processo
longo
e
árduo.
Mas,
com o apoio do então ministro das Finanças do Bangladeche,
consegui
criar um novo
banco,
um
banco ao serviço dos pobres.
Chamámos-lhe
Banco
Grameen - ou seja, «banco da
aldeia»,
na língua bengali.
Actualmente, o Banco Grameen é uma
instituição
bancária a
nível
nacional ao serviço dos pobres
em
todos os povoados do Bangladeche.
11
8/19/2019 A EMPRESA SOCIAL.pdf
7/121
Dos oito milhões
de clientes
que pedem empréstimos,
97
por cento
são mulheres.
No
início
da criação
do banco, decidimos concentrar
-nos
deliberadamente
nos
empréstimos
a
mulheres
-
inicialmente
como
forma
de protesto contra a prática dos bancos convencionais,
que se recusavam a
conceder
crédito a mulheres, mesmo q ue elas
per
tencessem a um
estrato económico
desafogado. Constatámos também
que as mulheres do Bangladeche t inham o talento e as capacidades
necessárias para desenvolverem
uma
actividade rentáveL O nosso
objecrivo inicial era assegurarmos a paridade do número de homens
e de mulheres
que
contraíam empréstimos. Mas, com a experiência,
não tardámos a descobrir
que
as mulheres
que
contraíam empréstimos
traziam muitos mais benefícios às suas famílias do que os
homens.
As
crianças beneficiavam imediatamente do rendimento das suas mães.
As
mulheres estavam mais motivadas para
ultrapassar
a pobreza.
Compreendemos que emprestar dinheiro às mulheres dos povoados
pobres do
Bangladeche era
uma
maneira eficaz de combater a pobreza
em
toda a
sociedade.
O Banco Grameen tem ainda outras características pouco usuais.
propriedade dos seus clientes, os quais,
enquanto
accionistas,
elegem nove dos treze
membros
do
conselho
de administração.
O Banco
Grameen
disponibiliza mais de
cem
milhões de dólares
por mês em empréstimos sem garantia, numa média de cerca
de
duzentos dólares
por
empréstimo. A taxa
de pagamento
dos emprés
timos continua
a ser
muito
elevada, cerca
de 98 por
cento, apesar
de
o Banco Grameen servir as pessoas mais pobres - aquelas que os
bancos convencionais
ainda
consideram credores não viáveis.
O Banco Grameen até empresta
dinheiro
a pedintes. Estes usam
os
empréstimos para entrar
no negócio
da venda de produtos porta
a po r t a -
brinquedos,
utensílios domésticos,
al imentos - com
binado
com a
prática da mendicidade.
Ao contrário
do que algu
mas
pessoas
esperariam, os pedintes
apreciam a ideia de serem
capazes de se
sustentar através dessa
actividade, em vez
de depen
derem apenas da
caridade
dos
outros.
Contamos
agora
com
mais
de 100
000
pedintes
neste
programa.
Nos
quatro
anos
desde
o
lançamento
do programa, mais de 18
000
pedintes
deixaram de se
dedicar à mendicidade. A
maior
parte dos
pedintes
vai já no seu
segundo ou terceiro empréstimo.
12
O Banco Grameen
também
apoia os filhos dos seus clientes nos
estudos, concedendo
empréstimos
com
condições
acessíveis
para
a
frequência
de
cursos superiores. Mais de
50
000 alunos
frequentam
neste
momento
escolas médicas, institutos de
engenharia e
univer
sidades com
o apoio
do
financiamento
do
Banco Grameen.
Incentivamos estes jovens
a comprometerem-se a não entrarem
no mercado
de
trabalho à
procura
de
emprego por conta
de
outrem.
Serão eles próprios criadores de emprego. Explicamos-lhes:
«As
vossas mães são proprietárias de um grande banco, o Banco Gra
meen. Têm dinheiro que chegue para financiar qualquer
empreen
dimento que decidam iniciar, por isso, para quê perder tempo à
procura de
um
emprego por conta
de
outrem? Sejam
empregado
res, não
empregados.» O
Banco Grameen quer impulsionar
o
empreendedorismo e a auto-suficiência entre o povo do Banglade
che
- não a dependência.
O
Banco Grameen
é financeiramente
auto-suficiente. Os
seus
fundos provêm exclusivamente de depósitos. Mais de metade
dos
depósitos são dos próprios contraentes de empréstimos, a
quem
é
solicitado que aforrem uma pequena quantia todas as semanas.
Temos um balanço de poupança colectiva de mais de 500 000
milhões
de dólares americanos.
Por si só tudo isto
seria
um feito admirável com origem na
minúscula faísca que o
despoletou-
aqueles
27 dólares do emprés
timo que eu
paguei
na vez
dos
pobres de Jobra. Mas o trabalho do
Banco Grameen no Bangladeche acabou por ser
apenas
o início.
Actualmente, a ideia de
pequenos
empréstimos sem garantia
concedidos a mulheres pobres, conhecida como «microcrédito» ou
«microfinança», alastrou
por
todo
o
mundo.
Há
agora
progra
mas
do
tipo do
Banco
Grameen
em quase todos
os
países do
mundo. A primeira delegação abriu
na
zona de Queens,
em
Nova
Iorque,
em
2008, para providenciar pequenos
empréstimos sem
garantia em média, de 1500
dólares cada)
para que
as mulheres
dessa zona
pudessem
montar pequenas
empresas
ou expandir
empresas já existentes. Na
maior
parte
dos
casos, são
mães
solteiras
a
esforçarem-se
por
ganhar a vida com
dignidade.
A Grameen America está agora a abrir
novas
delegações em
Brooklyn Nova Iorque), em
Omaha
Nebrasca) e em São
Francisco
13
8/19/2019 A EMPRESA SOCIAL.pdf
8/121
Califórnia).
O
seu sucesso demonstra que
até
mesmo no país
mais
rico e com o sistema bancário mais sofisticado do mundo há
uma
enorme necessidade de bancos dedicados ao serviço dos milhões de
pessoas com um acesso
limitado ou
inexistente a serviços ban cários.
Porque é
que atribuo
tanta
importância
ideia
de
fornecer
ser
viços
bancários
aos pobres? Em parte,
é claro,
devido
à
forma
como
descobri
acidentalmente o
papel que os
prestamistas exploradores
desempenhavam
na
manutenção
das
suas vítimas
na pobreza. Mas
é
também porque cada
vez
estou
mais
convencido de que
a pobreza
ão
é criada
pelos
próprios pobres.
Quando me encontro com contraentes de empréstimos do Ban
co Grameen,
é
frequente conhecer pares constituídos por
mãe e
filho
ou mãe
e
filha nos quais
a
mãe
é
analfabeta, enquanto
a
filha
ou
o filho
são médicos ou engenheiros. Passa-me sempre um pen
samento pela cabeça: «Esta mãe
também
poderia ter
sido médica
ou engenheira. Tem
as
mesmas
capacidades
que
a
filha ou
o
filho.
A
única razão por que não
conseguiu
desenvolver
o
seu potencial
foi o
facto
de a sociedade
nunca lhe ter dado essa hipótese. Nem
sequer pôde ir escola para aprender
o alfabeto.»
Quanto mais tempo passamos entre pessoas pobres, tanto mais
nos convencemos de
que
a pobreza não é o resultado de qualquer
incapacidade
da
parte dos pobres. A pobreza não é criada pelas
pessoas pobres. É criada
pelo sistema que
construímos, pelas insti
tuições
que
organizámos e pelos conceitos que formulámos.
A pobreza é criada por deficiências nas nossas ins t i tu içõ s por
exemplo,
nas instituições financeiras.
Os
bancos recusam-se a for-
necer
serviços
financeiros a
quase
dois terços
da população mundial.
Ao longo de gerações,
têm
afirmado
que não
é possível emprestar
dinheiro
aos
pobres
e
toda
a
gente
aceita
essa justificação.
Esta
ati
tude criou as condições necessárias· para que os prestamistas
sem
escrúpulos
prosperassem em
todo o
mundo.
O Banco
Grameen
questionou
este
pressuposto e
demonstrou que
não só é possível
emprestar dinheiro
aos
mais pobres como também é lucrativo.
Durante a crise
financeira
global
que
começou
em
2008, a fal
sidade
desses velhos pressupostos tornou-se
ainda
mais evidente.
Enquanto os grandes bancos globais, com todas as suas garantias,
entravam
em
colapso, por todo
o
mundo
os programas de
micro-
14
crédito, que não dependem
de
garantias,
continuavam
a
manter
-se tão fortes como
sempre. Será que
esta demonstração irá fazer
com
que
as instituições financeiras
convencionais mudem de
opi
nião
em
relação à
sua definição tradicional do que
constitui
um
contraente
de empréstimo fiável? Abrirão
finalmente as suas
por
tas aos pobres?
Faço
esta
pergunta
com
toda
a
seriedade embora
saiba
muito bem
qual é a
resposta
provável). Quando uma crise atinge o seu ponto
máximo, pode proporcionar uma enorme oportunidade. Quando
as coisas se desmoronam, podemos voltar a conceber, remodelar e
reconstruir.
Não
deveríamos perder esta oportunidade de
converter
as nossas
instituições
financeiras em instituições inclusivas. O acesso
a
serviços financeiros não deveria ser vedado
a
ninguém. Como
estes
serviços
são de importância vital
para
a auto-realização das
pessoas,
eu
acredito vivamente que deveria ser atribuído ao
crédito
o estatuto
de
direito humano.
Que
a pobreza
não
é criada
pelos
pobres mas pelas suas circuns
tâncias diz-nos algo importante algo sobre
o potencial dos
pró
prios
seres
humanos.
Cada
ser
humano vem
ao
mundo
não
só
com a capacidade
de
cui
dar
de si
próprio
mas
também de
contribuir para o
bem-estar do
mundo
na globalidade. Algumas pessoas
têm
a
oportunidade
de
explorar o
seu
potencial, mas muitas outras
nunca
conseguem desen
volver
os
maravilhosos dotes
com
que nasceram. Morrem
sem
explo
rar esses dotes e o
mundo
fica
privado do seu contributo.
A
Grameen deu-me uma
fé
inabalável na criatividade humana
e a
firme crença de que os seres humanos não nascem para sofrer
os
horrores
da
fome
e
da pobreza.
A pobreza é
uma imposição
artificial
e
externa sobre
as
pessoas.
E, como
é
externa, pode
ser
removida.
Nós somos capazes de criar um
mundo
livre
de pobreza
se
refor
mularmos
o nosso sistema
de modo
a
eliminar as
graves
falhas que
geram a pobreza. P odemos criar um mundo no
qual
o único lugar
onde
a
pobreza poderá ser vista
será
em
«museus da pobreza».
Um
dia, as crianças farão visitas
de
estudo a esses museus da
pobreza.
Ficarão
horrorizadas
ao verem o
sofrimento
e
as
indignidades
por
que
inúmeras
pessoas tiveram de passar
sem
qualquer culpa pró-
5
8/19/2019 A EMPRESA SOCIAL.pdf
9/121
pria. Responsabilizarão os
seus
antepassados por terem tolerado
esta
situação desumana durante tanto t em p o
e
terão razão para
o fazer
Para mim as pessoas pobres são como bonsais. Quando se planta
a melhor semente da
árvore
mais alta num vaso minúsculo obtém
-se
uma réplica da
árvore mais
alta
mas
com
poucos centímetros.
Não há
nada
de errado na semente que
se
plantou;
a
terra em que
foi
plantada
é
que
é
inadequada. Os pobres são pessoas
bonsais.
Não há
nada
de errado
na
semente que lhes deu
origem
mas
a
sociedade nunca
lhes
proporcionou a terra adequada ao seu cresci
mento.
Para
tirar as
pessoas
da
pobreza basta criar
um
meio
que
lhes seja propício. Quando
os pobres conseguirem
libertar
a sua
energia e a sua criatividade a pobreza desaparecerá rapidamente.
O
conceito de empresa social
Dei
os
primeiros passos
no
sentido de ajudar as
pessoas pobres
em meados da década de 1970. Embora
a
pobreza tenha
continuado
a ser a minha principal
preocupação
desde
então
avancei para outras
questões por
as
considerar muito
relevantes para a
minha preocupa
ção dominante. Ao longo dos anos
tenho-me envolvido
nos sectores
da
agricultura
da
pesca das energias renováveis
da tecnologia da
informação da educação
da
saúde dos têxteis artesanais dos servi
ços
de
emprego e
em muitos
outros sectores e subsectores similares.
Pareceu-me que
cada
um deles poderia
contribuir para
ultrapassar
a pobreza se concebido
de
forma correcta. Criei
uma
empresa para
cada sector
e
subsector
para
ver
se
poderia abordar
o
problema da
pobreza de forma
sustentável. A
pobreza
é
um estado de
vida. Tem
muitas
facetas Tem
de ser abordada
a
partir de muitas direcções
e
nenhuma
abordagem deve
ser menosprezada.
Enquanto experimentava todas
estas
abordagens dei
comigo
a
passar de um nível do meu enquadramento conceptual para
outro. Avancei
do microcrédito para um conceito
muito
mais alar
gado que também o inclui. Este novo conceito trará uma mudança
fundamental
à
arquitectura da
nossa
economia capitalista aproxi
mando-a
de um
enquadramento completo
e
satisfatório
ao libertá-
16
-la
das falhas básicas que conduzem à pobreza e a outros males
sociais e ambientais. Trata-se do conceito
de
empresa social
que
é
o tópico deste livro.
Permita-se-me
voltar
por
um momento à crise financeira de
2008-2009.
Infelizmente a cobertura dos
meios
de
comunicação
dá
a
impressão de
que
quando
resolvermos
esta crise todos
os
nossos problemas acabarão: a economia começará a crescer de novo
e poderemos
regressar de
modo rápido e confortável ao «negócio
como
de
costi une»
Mas mesmo que fosse desejável o «negócio como de costume»
não é realmente
uma
opção viável.
Esquecemos que
a crise
finan
ceira é
apenas uma de
várias
crises que ameaçam
a humanidade.
Todos nós
estamos
a sofrer
uma
crise global
de alimentos uma crise
de energia uma crise ambiental uma crise no sector da saúde e as
crises sociais
e
económicas persistentes da po breza mundial
maciça.
Estas
crises são
tão
importantes como
a crise financeira embora
não estejam a receber
tanta
atenção como ela.
Além
disso a cobertura dos meios
de comunicação
pode
dar
a impressão
de
que estas crises não
estão
relacionadas que
estão
a
ocorrer
simultaneamente
por
mero acaso Pura e simplesmente não
é verdade.
De
facto estas crises
têm
uma origem om um uma
falha
fundamental no nosso
edifício teórico
do capitalismo.
A
maior
falha na
teoria
vigente do
capitalismo
reside na
sua
representação
incorrecta da natureza
humana. Na
actual
interpreta
ção
do
capitalismo os seres
humanos envolvidos
em
negócios são
representados
como
seres
unidimensionais cuja única
missão é
maxi
mizar o lucro. Supostamente
os
seres humanos
tentam
alcançar este
objectivo económico d e
uma
forma
que
exclui
qualquer outro.
Esta
é
uma
imagem distorcida do
que
é realmente um ser
humano.
Como um momento de reflexão bastará para demonstrar
os
seres humanos não
são robôs programados unicamente para
fazerem dinheiro. O facto essencial sobre os seres humanos é
que
eles são seres multidimensionais. A felicidade advém-lhes de mui
tas fontes não só da produção
de
riqueza.
E no entanto os economistas
construíram
toda a sua teoria
de
negócios
assente no pressuposto
de que
do ponto de vista eco
nómico
os
seres humanos não
fazem
mais nada
a não ser
tentar
17
8/19/2019 A EMPRESA SOCIAL.pdf
10/121
atingir
os seus
objectivos
egoístas. A teoria
conclui
que o
melhor
resultado
para
a sociedade ocorrerá
quando
cada indivíduo tiver
rédeas soltas
para
procurar benefícios pessoais. Esta
interpreta
ção
dos
seres humanos nega qualquer papel
a outros aspectos
da
vida -
políticos, sociais, emocionais, espirituais,
ambientais e
outros.
Não há dúvida de que os seres humanos são seres
egoístas,
mas
também são seres altruístas. Ambas as qualidades coexistem
em
todos
os seres humanos. O interesse pessoal e a
busca do
lucro
explicam
muitas
das nossas acções, mas
muitas
outras não fazem
sentido quando
vistas através
desta
lente deformadora. Se só o
motivo do lucro
controlasse
todos os
comportamentos
humanos, as
únicas
instituições existentes seriam
as
concebidas para gerar
o
nível
máximo de riqueza individuaL Não haveria igrejas, mesqui
tas ou sinagogas,
não
haveria escolas, museus, parques públicos,
centros de saúde ou centros comunitários.
(Ao
fim
e
ao
cabo,
ins
tituições como essas não
fazem de ninguém
um multimilionário )
Não haveria organizações
de
beneficência, fundações ou organiza
ções
sem
fins lucrativos.
Obviamente, os seres humanos também são movidos por moti
vações altruístas. Demonstra-o
a
existência de um
grande
número
de
instituições
de beneficência
sustentadas
pela generosidade
das
pessoas. É verdade que em muitos
países
os donativos para
obras
de solidariedade social desfrutam de
benefícios fiscais.
Mas estes
benefícios
fiscais só afectam uma parte
do capital doado. Mesmo
assim, é necessária
uma
moti_vação
altruísta para tornar
possível
uma atitude de solidariedade
sociaL) E, no
entanto, esta
dimensão
de abnegação não
desempenha
qualquer papel nas
teorias econó
micas.
Esta
visão distorcida da
natureza
humana
é a falha fatal
que
torna
o
nosso
pensamento
económico
incompleto e impreciso. Ao longo
do tempo,
tem
contribuído
para criar
as
múltiplas crises
com que
nos
deparamos
actualmente. As
nossas regulamentações governa
mentais, os
nossos
sistemas
educativos
e
as nossas estruturas sociais
baseiam-se
no pressuposto de que
somente
as
motivações egoístas
são
«reais»
e
merecem
a nossa atenção.
Por
consequência,
investi
mos enormes
quantidades
de tempo,
energia, dinheiro e
outros
18
recursos no desenvolvimento
e
na manutenção de
empresas com
fins
lucrativos. Partimos
do
princípio
de
que as empresas com
fins lucra
tivos
são a
principal fonte de criatividade humana
e a
única forma
de abordar
os
problemas da sociedade.
E,
mesmo quando
os
nossos
problemas se agravam, não questionamos
os
pressupostos subjacen
tes que contribuíram para criar
esses
problemas.
Uma
vez reconhecida esta falha na nossa estrutura teórica, a solu
ção é óbvia. Temos de
substituir
o indivíduo unidimensional
na
teoria económica
por um
indivíduo
multidimensional- um indi
víduo que tem, simultaneamente, interesses
egoístas e altruístas.
Quando
o fazemos, a nossa
imagem do mundo
dos negócios
muda
imediatamente. Vemos
a necessidade
de
dois tipos
de empre
sas:
um para obter
ganhos pessoais e
um outro dedicado
a
ajudar
as
pessoas.
N um
tipo
de
empresa,
o
objectivo
é maximizar os
lucros
dos seus proprietários,
com
pouca
ou
nenhuma consideração
pelos
outros.
(De facto,
na tentativa
de
obter
o
máximo
lucro possível,
muitas pessoas não
se
importam de
causar conscientemente
danos
à
vida de outras pessoas.) No outro tipo de empresa, tudo se
faz
para o
benefício
dos
outros
e nada
em
benefício dos seus proprie
t á r o s excepto o prazer
de
servir
a
humanidade.
Ao segundo tipo
de
empresa,
assente
na parte altruísta da natureza humana, chamei
empresa social. o que tem faltado
à
nossa teoria económica.
Numa empresa social,
o
investidor tem
o
objectivo de ajudar
as
outras pessoas sem obter
qualquer contrapartida financeira para
si
próprio. A empresa social é
uma
empresa porque deve ser
auto
-sustentável
-
ou seja,
deve
produzir um rendimento suficiente
para
cobrir os seus próprios custos.
Parte
do super vit que a empresa
social cria é investida na expansão da empresa e
uma
outra parte
fica
de
reserva
para
cobrir imprevistos. Assim,
a
empresa
social
poderia ser descrita como «uma empresa sem prejuízos nem divi
dendos» dedicada inteiramente
a
atingir
um objectivo sociaL
Podemos pensar numa empresa
social
como um negócio abnegado
cujo objectivo
é
pôr fim
a
um problema
social.
Neste tipo de empresa,
existe
lucro -
mas ninguém
fica
com
ele.
Como
a
empresa está
inteiramente dedicada à causa social, a ideia de obter lucros pessoais
está
arredada da
empresa. O proprietário só pode retirar, ao longo de
um determinado período, a
quantia
que investiu.
19
8/19/2019 A EMPRESA SOCIAL.pdf
11/121
Alguém
no
mundo
real estará
interessado em
cnar empresas
com objectivos abnegados? De onde viria o dinheiro para uma
empresa social?
Há seres humanos reais,
que todos
nós conhecemos que ficariam
encantados
por
poderem criar empresas com objectivos abnegados.
A única coisa que teremos de
fazer
é libertá-los da atitude mental
que
põe a obtenção do lucro no centro de todas as empresas uma
ideia
que lhes impusemos através da nossa teoria económica defei
tuosa.
Poderíamos perguntar-nos de onde virá o dinheiro para criar
uma
empresa
que não tem qualquer intenção de produzir lucro.
A resposta não é tão misteriosa quanto poderia supor-se. Uma das
fontes será o dinheiro
que
actualmente
se
destina ao apoio a obras
filantrópicas. Pensemos
nas
grandes fundações assim como
nas
organizações sem fins lucrativos que prosperam graças
generosi
dade de milhões de doadores grandes e pequenos.
Só nos
Estados
Unidos as receitas
anuais das organizações sem fins lucrativos num
ano recente
atingiram mais de
um
bilião de dólares.
Como
este
montante sugere as pessoas não
se
importam de
dar dinheiro para apoiar organizações quando acreditam que
elas
estão a
fazer
do mundo
um
lugar melhor. Se as pessoas consegui
rem
ver que a empresa social pode atingir estes mesmos objectivos
de uma maneira melhor não transfeririam de bom grado cada vez
mais os donativos que
fazem
a
obras
de beneficência para negócios
sociais?
Para além de filantropos
ricos
como Bill Gates e Warren Buffett
muitas
outras
pessoas
investirâo
em empresas
sociais
só para pode
rem
partilhar
a
alegria de melhorar
a
vida
dos seus semelhantes.
As pessoas não só doarão dinheiro
mas também
a sua criatividade
as
suas
capacidades
de
estabelecer contactos as
suas
aptidões
tec
nológicas experiência de vida e outros recursos para criar empresas
sociais que
possam
mudar o
mundo.
Uma
vez
divulgada a ideia
da
empresa social muitas
pessoas
reservarão
algum do capital das suas empresas com
fins
lucrativos
para empresas sociais. Essa será uma outra
fonte
de capital para as
empresas sociais. Alguns dos fundos governamentais que
são
tra
dicionalmente aplicados em programas sociais serão usados em
20
empresas
sociais. Os fundos de
responsabilidade
social criados por
empresas com fins
lucrativos podem também
ser
disponibilizados
para empresas sociais.
Quando
a nossa teoria económica
se
ajustar à realidade multidi
mensional da natureza humana os alunos aprenderão
nas
escolas e
nas
universidades
que
há dois tipos de empresas: as empresas
tra
dicionais com fins lucrativos e as empresas sociais.
Quando
forem
crescidos pensarão
em que tipo de empresa investirão e em que tipo
de empresa
quererão trabalhar.
E muitos
jovens
que sonham com
um
mundo
melhor pensarão
no tipo de empresa
social que gosta
riam de
criar.
Quando
ainda estiverem
na
escola,
alguns
jovens
poderão começar a conceber empresas sociais e
até mesmo
a lançar
empresas sociais
individual ou
colectivamente
para
exprimirem o
seu talento
criativo para
mudar
o mundo.
Não
u sonho
mas uma
realidade
Tal como qualquer nova ideia o conceito de empresa social
necessita de ser demonstrado
na
prática.
Por
isso, comecei a criar
empresas sociais
no Bangladeche.
Algumas delas
tornaram-se
mais conhecidas porque foram
cria
das
como jo nt v ntur s
de empresas
da
Grameen e
de grandes gru
pos
económicos
mundialmente
famosos. O primeiro empreendimento
conjunto desse
tipo
foi
criado em
2005
em
parceria com a
empresa
francesa
de lacticínios Danone e
tem como
objectivo
reduzir
os
níveis de subnutrição das crianças do Bangladeche. A Grameen
Danone produz
um
delicioso
iogurte para
crianças
e
vende-o
a
um
preço acessível
aos pobres. A este iogurte são acrescentados
todos
os micronutrientes de que carece a dieta normal das nossas crian
ças : ferro zinco iodina etc. Se
uma
criança
comer
dois
boiões de
iogurte
por semana ao
longo de um
período
de
oito ou
nove
meses
obterá
todos os micronutrientes
necessários
e tornar-se-á uma
criança saudável
e
activa.
Como
empresa social a Grameen Danone segue o princípio
básico
de
que
deve ser
auto-sustentável
e
de
que os
seus proprietá
rios devem respeitar o compromisso de não retirar quaisquer
divi-
21
8/19/2019 A EMPRESA SOCIAL.pdf
12/121
dendos para
além do
montante original
que
investiram.
O
sucesso
da
empresa é
avaliado
todos
os anos
não pelo lucro gerado mas
pelo
número de
crianças que escapam à
subnutrição nesse
ano.
Contei
a
história
da
fundação
da Grameen
Danone
no meu
último livro riar
Um Mundo
sem Pobreza
e mais
adiante
neste
livro actualizarei
os
dados sobre
ela.
Como
os
leitores
verão tem
sido uma interessante
experiência
de aprendizagem que propor
ciona
muitas
lições sobre
como
criar
e
desenvolver
uma empresa
social
bem-sucedida.
O
que
é
mais
importante
ainda
é que a
Grameen Danone
tem
servido como modelo
a
imitar atraindo atenções por todo
o mundo.
Muitas outras grandes firmas têm abordado
a
Grameen com
pro
postas
para
criarmos empresas
sociais
conjuntas.
Pretendem
a
cola
boração
da Grameen para
garantirem
que
o
processo
se
desenrola de
forma
correcta
porque sabem
que
fomos
os
originadores deste novo
conceito.
Quando adquirirem
experiência
na
área
da
empresa social
levarão o
conceito aonde houver necessidade
dele.
A
nossa
empresa
social
em
parceria com
a
Veolia
uma grande
empresa
francesa
de água mineral chama-se
Grameen
Veolia Water
Company
e foi criada
para fornecer água potável às zonas rurais
do
Bangladeche onde
a
contaminação por arsénico
é
um enorme
pro
blema.
As
pessoas compram a água à
empresa
a um preço
acessível
em
vez
de
beberem água contaminada. Ao
longo do tempo medi
remos
o
impacto
do fornecimento
de
água potável
sobre
a saúde
dos habitantes locais.
Uma outra grande empresa mundial a BASF da Alemanha
assinou
um acordo de joint venture com a Grameen para produzir
mosquiteiros no Bangladeche com um tratamento químico.
Quando
estes
mosquiteiros
são
usados sobre
as
camas
proporcio
nam
protecção contra doenças
transmitidas
por mosquitos
como
por exemplo
a
malária.
A
joint venture BASF
Grameen produzirá e
venderá estes mosquiteiros a
um
preço
tão baixo
quanto possível .
para que os
seus benefícios sejam
acessíveis
aos pobres.
A
nossa joint venture com
a Intel
Corporation
a Grameen Intel
tem
como objectivo
usar as
tecnologias de informação
e
da comu
nicação para ajudar
a
resolver os problemas dos
pobres
das zonas
rurais
- por exemplo
providenciando
cuidados
de saúde
em áreas
22
rurais dos países
em
vias de desenvolvimento onde há falta de
médicos
e
de enfermeiras
e
existem poucas clínicas. Como explica
rei mais adiante
neste
livro
o objectivo é
criar novas tecnologias
de
ponta que
proporcionem
o acesso
aos conceitos de
cuidados de
saúde mais avançados aos pobres de
áreas
r u r i s
e
em
seguida
criar um quadro de pequenos empresários
que
forneçam
estes
ser
viços
vitais de um modo economicamente
sustentável.
A nossa joint venture com a Adidas tem como
objectivo
a produ
ção
de calçado a preços económicos para
pessoas
de baixo rendi
menta. O objectivo da Grameen Adidas é que ninguém
criança
ou
adulto ande
descalço.
Evidentemente é mais
agradável
e
con
fortável caminhar calçado
em
estradas
de
terra
batida mas no
fundo trata-se de
uma
intervenção
ao nível
da
saúde
pública que
visa
contribuir
para
que os
habitantes de
zonas rurais principal
mente as crianças deixem de sofrer
das
doenças que podem ser
transmitidas por parasitas quando se anda
descalço.
A
Adidas está
a
colaborar
com a Grameen para trazer estes benefícios às
pessoas
mais pobres dos países em
vias de
desenvolvimento usando um
modelo de empresa social economicamente viável.
Uma outra empresa alemã a
Otto GmbH
uma empresa líder
na área das vendas
por
catálogo está
muito
interessada
em
criar
uma
empresa
social
para fabricar têxteis
e
artigos de vestuário
para
exportação do
Sul da
Ásia
para
países
do
mundo desenvolvido.
A
Otto
Grameen
está
a
planear montar
uma
fábrica
de
confecções
no Bangladeche
que
envidará todos os
esforços para
empregar
pes
soas
frequentemente
tratadas
como
economicamente marginais
como
por
exemplo mães
solteiras
e portadores
de deficiência. Os
lucros serão aplicados
no melhoramento da
qualidade de vida dos
trabalhadores dos seus filhos
e
dos
pobres
da
zona.
Como estes exemplos
demonstram a
empresa social não
é só
uma
ideia agradável. É
uma
realidade
uma
realidade
que
já
come
çou
a provocar
mudanças
positivas na
vida das pessoas para além
de atrair
verdadeiro
interesse por
parte de
alguns dos grupos eco
nómicos mais avançados do mundo.
Muitas outras
empresas
sociais estão
em
marcha. Uma área
interessante será
a
criação de emprego
em
localizações específicas
ou
para pessoas
que se encontrem
em condições
particularmente
23
8/19/2019 A EMPRESA SOCIAL.pdf
13/121
desfavorecidas. Como
os negócios sociais
funcionam
sem a
pres
são
de gerar lucro para os seus proprietários, o leque de oportuni
dades de investimento é muito
mais
amplo do que
no
caso
de
empresas com
fins
lucrativos. Antes
de
um
empresário motivado
pelo lucro decidir
fazer um investimento, tem de
garantir
um
mínimo
predeterminado de
retorno do seu investimento, digamos
25
por
cento.
Não fará
o investimento se esse
retorno
não
for pos
sível, porque tem outras oportunidades de investimento que lho
proporcionarão. Como o investidor procura o lucro, será motivado
para certos projectos pela dimensão do lucro
a
obter.
Mas
a
decisão do investimento numa empresa social não
se
baseia no
lucro potenciaL
Baseia-se
na
causa
sociaL Se essa
causa
for
criar
emprego,
a
empresa social avançará
se
houver garantias de
que pode ser auto-sustentáveL Este facto dá à empresa social
um
enorme poder
na
criação
de postos de
trabalho. Podem
até fazer-se
investimentos em projectos em
que
o retorno é quase nulo e, atra
vés deste processo, criar oportunidades de emprego para muitas
pessoas. Num mundo de negócios com
fins
meramente lucrativos,
estes empregos nunca seriam criados. Que
lástima
A saúde é um outro
sector
com
um grande potencial para
a
empresa
sociaL A prestação
pública de
cuidados
de
saúde
num
grande número de países
é
ineficiente
e
muitas
vezes
não chega às
pessoas que mais precisam deles.
As clínicas
privadas servem
as
necessidades das
pessoas com
rendimentos
elevados. O
grande
fosso entre
os
dois
tipos de serviço pode
ser
ocupado por
empresas
SOClalS.
No
Bangladeche,
a
Grameen Healthcare
[Grameen
Cuidados de
Saúde}
está
a
desenvolver
um protótipo
de
centros
de
gestão
de cui
dados de saúde nas
zonas
rurais
que
se
concentrará
na
medicina
preventiva e
disponibilizará serviços
de
diagnóstico
e de
check-ups
seguros de saúde, sensibilização para questões de saúde e
de nutri
ção, etc. A
Grameen Cuidados de
Saúde
está
a
tentar explorar
o
acesso generalizado aos telemóveis
colaborando
com empresas líde
res de mercado
na
concepção de equipamento de diagnóstico que
permita transmitir imagens e dados em tempo real para técnicos
de saúde localizados
nas
cidades. Explorando
a nova
eficiência que
a
tecnologia torna possível, acredito que
a
Grameen Cuidados de
24
Saúde
conseguirá
fazer baixar de
tal
forma os preços dos
cuida
dos
de saúde que até mesmo
a zona
rural mais desfavorecida poderá
ser servida,
cumprindo
simultaneamente o
objectivo
de
auto-sus
tentabilidade
económica que
define a
empresa
sociaL
A
empresa social pode também desempenhar
um
importante
papel no
melhoramento
das infra-estruturas do sistema de
saúde.
A
Grameen Cuidados de
Saúde
está já
a criar escolas
de
enferma
gem para formar as filhas das famílias clientes do Banco Grameen.
Há uma grande procura de enfermeiras qualificadas,
tanto
no Ban
gladeche
como nos países ricos.
Não
vejo
porque
é que grandes
números de jovens hão-de ficar sem fazer nada
nas zonas
rurais
enquanto
estas interessantes
oportunidades de emprego
ficam
por
preencher.
As
escolas de enfermage m geridas como empresas sociais
podem ocupar esta lacuna.
A
Grameen
Cuidados de Saúde está a planear abrir centros de
prestação de cuidados de
saúde
a
nível secundário
e terciário, tam
bém concebidos como
empresas
sociais. (Mais adiante,
contarei
a
história de
um desses
centros, que está já em desenvolvimento,
uma unidade para realizar algumas das intervenções cirúrgicas mais
avançadas do mundo para
tratar
crianças que sofram de talassemia,
um distúrbio
genético que,
se não
for tratado,
é fataL
Para
for
mar
uma nova geração de
médicos
para
esta unidade,
a Grameen
Cuidados de Saúde está a planear a criação de uma Universidade
de Ciências e
Tecnologia
da Saúde.
Muitos
outros segmentos
do
sector
dos cuidados de saúde são
apropriados para criar
empresas sociais bem-sucedidas: a
nutrição,
o
fornecimento de água,
os seguros
de
saúde, os
cursos superiores
e
estágios
na
área
da
saúde,
os
cuidados oftalmológicos,
os
cuidados
materno-infantis, os serviços de
diagnóstico,
etc.
Os
protótipos
levarão algum
tempo
a serem desenvolvidos. No entanto, quando
mentes criativas concebem uma empresa social e um protótipo
é desenvolvido com sucesso, ele pode ser replicado vezes sem conta.
Conceber cada um
dos
pequenos negócios sociais é como desen
volver uma semente. Depois
de
a semente estar desenvolvida,
qualquer
pessoa poderá plantá-la onde
ela
for
necessária.
Como
cada unidade é
auto-sustentável,
os fundos necessários não
consti
tuem uma limitação.
25
8/19/2019 A EMPRESA SOCIAL.pdf
14/121
Entre
outras coisas, a empresa social é uma maneira de
dar
apli
cação
às
tecnologias mais
potentes
da actualidade.
O mundo actual dispõe de tecnologias incrivelmente poderosas.
O seu
crescimento
tem
sido
muito rápido e elas têm-se
tornado
mais
potentes a cada dia que passa. Quase toda esta tecnologia é proprie
dade de empresas com
fins
lucrativos que a controlam. As empresas
usam esta tecnologia somente
para fazer mais dinheiro,
porque é essa
a
missão
de
que
são incumbidas
pelos
seus accionistas.
No
entanto,
encarada
de
uma forma mais abrangente, a tecno
logia
é
apenas
uma
espécie de veículo. Pode
ser conduzida a qual
quer destino que se queira. Como os actuais proprietários da
tecnologia querem
deslocar-se
para os
picos mais altos do
lucro,
a
tecnologia
leva-os
até
lá. Se
outra
pessoa
decidir usar
a
tecnolo
gia existente para pôr
fim
à pobreza,
ela levará
o seu
utilizador
a
esse
destino.
Se outra
pessoa quiser
usá-la para pôr fim à
doença,
a tecnologia
chegará
lá. A escolha é nossa. O único
problema
é
que
o
enquadramento teórico actual do capitalismo
não
nos faculta esta
opção. Mas
a inclusão da
empresa social
cria
esta
opção.
Um outro ponto a ponderar: de facto,
não
há necessidade de
escolher. Usar a tecnologia para um
determinado
fim
não
a torna
menos eficaz para
servir
um fim
diferente.
N a
realidade,
é
precisa
mente o contrário.
Quantos
mais
usos
diversificados dermos à tec
nologia,
tanto mais potente ela se tornará. Usar a tecnologia para
resolver problemas sociais não reduzirá a sua eficácia na produção
de
riqueza, aumentá-la-á.
Os proprietários de empresas sociais podem canalizar o poder
da tecnologia
para
a solução da lista
crescente
de problemas sociais
e económicos e obter resultados rápidos. Com este processo, pos
sibilitarão
o
aparecimento de
novas ideias,
que
futuras
gerações
de
cientistas e
de
engenheiros
poderão desenvolver.
O
mundo
da
empresa social beneficiará
não
só os
pobres
mas
também toda a
humanidade.
Quando o conceito de empresa social se
tornar
amplamente
conhecido,
aparecerão pessoas criativas com concepções atraentes
de novas
empresas
sociais. Haverá jovens que desenvolverão pla
nos empresariais
para abordar os problemas sociais mais difíceis
através de
empresas sociais. As
boas ideias,
é
claro, terão de
ser
26
financiadas.
com
prazer que posso
dizer
que
existem
já iniciativas
na
Europa
e no
Japão
para criar fundos de empresas sociais desti
nados
a fornecer capital e empréstimos a empresas sociais.
A seu tempo, mais fontes de financiamento serão
necessárias.
Cada
nível
de governo
internacional, nacional, estatal e
local
pode criar fundos
de
empresas
sociais.
Estes incentivarão os cidadãos
e as
empresas
a criarem
empresas
sociais
concebidas para
abordar
problemas específicos o desemprego, a
doença,
o
tratamento
de
resíduos, a poluição, a velhice, as
drogas,
o crime, as carências de
grupos com necessidades especiais,
como,
por
exemplo,
os deficien
tes, etc.). Os doadores bilaterais e multilaterais podem também criar
fundos
de empresas
sociais.
As
fundações poderão reservar
uma
percentagem
dos seus capitais
para
o
apoio
a
empresas sociais
e
poderão usar os seus
orçamentos de responsabilidade
social
para
financiar este tipo
de
empresas.
A certa altura, haverá a
necessidade de
criar uma
bolsa
de
valo
res separada
para
facilitar
o investimento em empresas sociais. Só
estas
empresas
serão
listadas
nessa bolsa social de valores e os inves
tidores saberão desde o início que
não
receberão dividendos. A sua
motivação
será desfrutar do orgulho e do prazer de
contribuir para
a resolução de problemas
sociais
difíceis.
A empresa social
dá
a toda a gente a oportunidade de partici
par
na
criação do tipo de mundo em que
todos
nós queremos
viver.
Graças ao conceito de empresa social, os cidadãos não têm de deixar
todos os problemas nas mãos do governo
e
depois passar a vida a
criticar
o governo
por
não os
resolver).
Agora, os cidadãos têm
acesso a um
espaço completamente novo
no
qual
podem mobilizar a
sua criatividade e o seu
talento para resolver
os problemas dos
nos
sos tempos. Ao constatarem a eficácia da empresa social, os governos
poderão
decidir
criar as
suas próprias empresas
sociais,
estabelecer
parcerias
com
empresas
sociais
dirigidas
por
cidadãos e incorporar
as
lições
destes projectos na melhoria
da
eficácia dos seus próprios
programas.
Os
governos terão
um importante papel a
desempenhar na pro
moção das empresas
sociais.
Terão de aprovar legislação para conce
der
um
estatuto
legal
à empresa social e criar entidades reguladoras
para
garantir
a transparência, a integridade e a honestidade do sec-
27
8/19/2019 A EMPRESA SOCIAL.pdf
15/121
tor.
Podem
também conceder incentivos fiscais para o investimento
em empresas
sociais
assim como às
próprias
empresas
sociais.
O
carácter maravilhosamente promissor da empresa social
torna
ainda
mais importante que
redefinamos
e alarguemos o âmbito do
nosso enquadramento
económico
actual. Temos necessidade de
uma nova maneira de pensar
a economia que não
seja propícia
à
criação
de uma série de
crises;
em
vez disso,
ela deveria ser
capaz
de pôr fim às crises de uma vez por
todas.
Chegou a hora de pen
sarmos de forma ousada e criativa - e temos de avançar depressa,
porque
o
mundo está
também a
mudar depressa.
A primeira
peça
deste novo enquadramento deverá
ser
encontrar um lugar
para
a
empresa
social
como
parte integrante da estrutura
económica.
Em
apenas alguns anos,
a empresa social
desenvolveu-se,
passando
de
uma
mera
ideia
a
uma realidade viva
e em
rápido
crescimento.
Está
já
a
melhorar
as vidas de
muitas
pessoas e
está
prestes a
tornar
-se uma
das tendências
sociais e
económicas mais
importantes do
mundo. No resto deste livro,
explicarei mais
pormenorizadamente a
teoria
da
empresa
social
contarei
as histórias de vários
exemplos
concretos
de empresas sociais que
estão
já em
funcionamento
e farei
sugestões práticas para
que os
leitores possam
envolver-se
no apoio
a
este novo movimento.
28
CAPÍTULO
1
Porquê
a
empresa
social?
A
empresa
social
é
um
novo
tipo
de
conceito.
É
bastante distinto
quer
do
de
uma
empresa
com fins
lucrativos que descreve pratica
mente todas
as
empresas privadas
do
mundo actual) quer do de
uma
organização sem
fins
lucrativos que depende de
doações
de caridade
ou
filantrópicas).
também bastante
distinto
de outros termos
fre
quentemente
usados, tais como «empreendimento
social»,
«em
preendedorismo social»
ou
«empresa socialmente
responsável»,
que
geralmente descrevem algumas variantes de empresas com
fins
lu
crativos.
Uma empresa social não
se integra
no mundo dos negócios
com
fins lucrativos.
O
seu objectivo
é a
resolução
de um problema social
usando métodos próprios das empresas, incluindo
a
produção
e a
venda de produtos
ou
de serviços. A Grameen Danone, por exem
plo, está
a
contribuir para
resolver
o problema
da subnutrição
vendendo iogurtes fortificados com micronutrientes a um
preço
acessível. A Grameen
Veolia
Water contribui para
resolver
o pro
blema
da
água contaminada com
arsénico
vendendo água
pura
a
um preço acessível aos pobres.
A
BASF
Grameen
reduzirá
a
inci
dência de doenças transmitidas por mosquitos através da produção
e
comercialização de mosquiteiros com um tratamento químico.
Existem muitos outros x mp lo s alguns já
em
funcionamento,
outros em processo de criação.
Há
dois tipos de empresa
social.
Um deles
é uma
empresa sem
prejuízos auto-sustentada) nem dividendos dedicada à
resolução
de um problema social, cujos proprietários
são
investidores que
reinvestem
todos
os
lucros
para expandir e
melhorar
a empresa. Os
29
8/19/2019 A EMPRESA SOCIAL.pdf
16/121
exemplos mencionados
acima
inserem-se nesta
categoria.
Chama
mos
a
este
tipo de empresa
social
tipo
O
segundo tipo
é uma
empresa
com
fins lucrativos
cujos
pro
prietários são pessoas pobres, quer
directamente
quer através
de
um
fundo
dedicado a uma
causa social predefinida. Chamamos
a
este
tipo de negócio tipo
II.
Como os lucros
recebidos
pelas pes
soas pobres estão a aliviar a pobreza, um negócio desses, por defi
nição,
estará, a contribuir para a
resolução
de um problema social.
O
Banco
Grameen,
cujos
proprietários são as p s s o ~ pobres que
depositam
o
seu dinheiro
e
contraem empréstimos,
é
um exemplo
deste tipo
de
empresa social. E, como explicarei mais
adiante
neste
livro,
a
fábrica
têxtil
Otto
Grameen, actualmente
em
fase de
pla
neamento,
será
um
segundo exemplo.
O
seu proprietário será
o
Fundo
Otto Grameen,
que
usará os lucros em benefício das pessoas
da comunidade onde a fábrica se localiza.
Ao contrário de uma organização sem fins lucrativos,
uma
em
presa social tem
investidores
e
proprietários.
No entanto, numa
empresa social de t po I, os investidores
e
os proprietários não rece
bem lucros, dividendos ou
qualquer
outra forma de benefício finan
ceiro.
Os investidores de
uma
empresa social
podem
reaver
a quantia
que
investiram
inicialmente ao longo de um período de
tempo
defi
nido
por eles.
Pode ser um período muito
curto,
de um
ou
dois anos,
ou
um
período
muito
longo,
de
cinquenta
anos ou mais. Mas,
se os
investidores receberem uma
quantia
que ultrapasse
o
investimento
original, essa
empresa deixará
de poder
considerar-se uma empresa
social.
Esta regra
aplica-se até
a ajustamentos para ter em
conta
a
infla
ção. Numa
empresa
social,
um dólar
é
um dólar.
Quem
investir
mil dólares
numa
empresa social
poderá
reaver
mil
dólares
-
nem
mais um cêntimo.
Somos
bastante
rigorosos
quanto
a
esta regra,
porque
queremos deixar
bem
claro que
a
ideia
de
benefício finan
ceiro pessoal não
tem
qualquer cabimento na empresa social.
Como a empresa
social
é uma nova ideia, dediquei muito do
meu
tempo
e
da
minha energia a defini-la
com precisão
e a con
ceber maneiras
de
comunicar
a
sua natureza ao público de for
ma
clara
e
atraente. U m
importante
aliado neste
meu
esforço
foi
Hans Reitz,
o director do
Grameen Creative Lab GCL),
em Wies-
30
baden,
na
Alemanha.
Reitz colaborou
comigo
na formulação dos
sete princípios da empresa
social, que
condensam particularmente
bem
as
principais
características
de uma empresa
social do
tipo
I:
1.
O objectivo do negócio é ultrapassar a pobreza ou um ou mais
problemas
(nas áreas da educação,
da
saúde,
do
acesso
às
tec
nologias e
do ambiente) que afligem
os
indivíduos
e
as
socie
dades - não
maximizar
o
potencial de
lucro.
2.
A empresa atingirá a sua própria sustentabilidade financeira e
económica.
3. Os investidores só poderão reaver a
quantia que
investiram.
Nenhum
dividendo é
atribuído para além do
reembolso
da
quantia
investida originalmente.
4. Quando
a
quantia investida
for reembolsada, o
lucro
fica
na
empresa, para a sua expansão e melhoramento.
5. A empresa é responsável do
ponto de
vista ambiental.
6.
Os seus trabalhadores recebem
um
salário
de
mercado, com
condições
de trabalho acima da média.
7. Faça-o com alegria
O
último destes
sete
princípios
foi uma
sugestão
de
Reitz
e
devo
dizer que gosto dele. No
ambiente
agressivo
do mundo
dos negó
cios
convencionais, esquecemos que
os negócios podem
ter algo a
ver com
a
alegria.
A
empresa social
tem
tudo
a
ver
com a
alegria.
Quando as
pessoas
se
envolvem nela,
continuam a
descobrir
a
ale
gria ilimitada que
se
obtém.
Os sete
princípios
são o
fulcro
da
empresa
social. Mantenha-os
em mente
ao
ler o resto deste
livro.
Notará que
estes
princípios se
aplicam ao
descrevermos empresas sociais específicas que
estão
já
em
funcionamento, assim como ideias
para
novas
empresas
sociais que não foram ainda lançadas. Quando as empresas
e
os
empresários
têm
reuniões connosco para
se
informarem sobre
o
conceito
de
empresa social
e
explorarem
as
hipóteses
de
se envol
verem neste
movimento, partilhamos
os sete princípios
com eles.
São uma pedra-de-toque e
um
lembrete
constante dos valores
que
subjazem à ideia
da
empresa
social.
3
8/19/2019 A EMPRESA SOCIAL.pdf
17/121
O
que é a empresa
social
- e o que não é
Termos como
«empreendimento
social», «empreendedorismo
social» e
muitos
outros são
frequentemente
usados nos textos
sobre
as tentativas de contribuir para a
resolução
de problemas como a
pobreza. Embora estes termos sejam usados de formas
variadas
por
diferentes autores,
referem-se
geralmente
a subconceitos, quer
no
mundo
dos negócios com fins lucrativos quer no sector das orga
nizações sem fins
lucrativos.
Não
são efectivamente o
mesmo
que
aquilo a
que se chama
empresa
sociaL
«Empreendedorismo social» refere-se a uma pessoa. Descreve
uma
iniciativa
com consequências sociais
criada
por
um
empreende
dor com uma visão sociaL Esta iniciativa pode
ser
não económica,
uma obra
de
caridade, ou
uma
iniciativa
de negócio com ou sem
lucro pessoaL Alguns empreendedores sociais albergam os seus pro
jectos em organizações não governamentais ONG), enquanto outros
estão envolvidos em
actividades
com fins lucrativos.
Em
contraste
com o empreendedorismo social, a empresa social é um tipo muito
específico de empresa -
uma
empresa sem lucros nem
dividendos,
com um objectivo social. Uma empresa social pode ter objectivos
similares
aos
definidos
por
alguns empresários sociais
mas
a
estru
tura de negócio específica
da
empresa social torna-a distinta e única.
Algumas organizações que promovem o
conceito
de empreende
dorismo social como a Fundação
Ashoka,
classificam o meu trabalho
e o do
Banco
Grameen
sob
esta rubrica.
Eu
não ponho objecções a
que o façam e
considero
que a Fundação Ashoka tem feito um bom
trabalho no estabelecimento de ligações entre pessoas de todo
o
mundo, por
um
lado,
e a
história do movimento Grameen
e o
con
ceito de
microcrédito,
por
outro. Mas
seria um erro
associar
o meu
trabalho ao
de todos os
outros
empreendedores
sociais ou partir do
princípio de
que
o «empreendedorismo social» e a «empresa social»
são simplesmente
duas
expressões para designar a mesma realidade.
Algumas
pessoas pensam que
uma
empresa social é
uma
espécie
de
organização
sem
fins lucrativos. Esta noção não é correcta.
Notem-se,
por
exemplo, algumas das características que distin
guem
uma empresa social das formas típicas das organizações
sem
fins lucrativos.
32
Uma
fundação,
por exemplo, é uma
organização
de
beneficência
criada para distribuir fundos provenientes de um ou mais
doadores,
que procura criar benefícios sociais através
da
sua actuação.
Uma
fundação não
é
uma
empresa
social:
não é
financeiramente auto
-sustentável, normalmente não é geradora de rendimento através
de
actividades de
negócios
e não tem um «proprietário», como é o
caso da empresa sociaL
Ao
abrigo das leis da maior parte
dos
paí
ses as fundações e outras organizações
sem
fins
lucrativos
não são
propriedade
de
ninguém, sendo dirigidas por um conselho
de
administração segundo directrizes
definidas
pelo Estado.)
No
entanto, uma fundação poderia ser proprietária de uma em
presa
sociaL
De
facto, estabelecer empresas sociais
dentro
da
esfera
de interesses da organização poderia ser uma excelente maneira de
usar o
seu
capitaL
Quando uma
fundação concede
um
subsídio a
uma
O N G tradicional, o dinheiro é aplicado na
criação
de programas
de beneficência ou no seu
apoio
e espera-se que
proporcione
alguns
benefícios à comunidade.
Mas,
de qualquer forma, o dinheiro não
tarda a
ser
gasto e na
maior
parte dos casos a
O N G
estará dentro
de
pouco
tempo
a solicitar novo subsídio para prosseguir o seu tra
balho.
Em
contraste, se uma fundação concedesse um subsídio para
lançar
uma
empresa social, esse
negócio
poderia criar benefícios
sociais ao
mesmo
tempo que geraria o
rendimento
necessário
para
se manter. Ao longo do tempo, o investimento inicial poderia
ser
reembolsado, o que significa que a
fundação
recuperaria o seu
dinheiro e poderia usá-lo
para um outro
objectivo válido.
Entre
tanto,
a empresa social continuaria a funcionar e, se fosse bem
dirigida, poderia
expandir-se
e
espalhar
a
sua
influência
em
cír
culos cada
vez mais alargados
por toda
a sociedade.
Como explicarei mais tarde, existem regras legais e fiscais nal
guns países, incluindo
os Estados
Unidos,
que
tornam o investi
mento
numa
empresa
por
parte
de
uma
fundação
uma iniciativa
complicada. No
entanto,
estes
entraves
poderiam ser
ultrapassados.
Eu gostaria
de
ver as fundações a usarem alguns dos seus fundos
para estabelecer empresas sociais nas suas áreas
de
interesse:
saúde,
educação
e
agricultura
sustentáveL Espero que algumas das prin
cipais fundações
existentes estejam
a
considerar essa possibilidade.
33
8/19/2019 A EMPRESA SOCIAL.pdf
18/121
De
forma similar
uma
O N G tradicional
que é uma
organiza
ção sem fins lucrativos de solidariedade
social
poderia também
ser proprietária de uma empresa social. Esta teria de ser autóno
ma
em
termos legais fiscais e financeiros. Contudo desde que a
empresa
social
partilhe os objectivos sociais da ONG parece-me
que esse investimento seria um
instrumento
inteligente e poten
cialmente importante
para
tentar atingir
os
objectivos de
benefi
cência da
ONG.
As
ONG fazem
muito
e
bom trabalho em todo
o
mundo.
Mas o modelo de
beneficência
tem algumas fraquezas intrínsecas
que me
levaram
a
criar
o
conceito
de
empresa social como alter
nativa.
Depender de
donativos não
é
uma
forma sustentável
de gerir
uma
organização.
Obriga os dirigentes das ONG a gastar muito
tempo
energia
e dinheiro em iniciativas de angariação de fundos.
Mesmo quando
estas iniciativas são bem-sucedidas
a maior parte
das ONG sofre
de
uma permanente falta de fundos e
sente dificul
dade em manter os
seus
programas mais eficazes
já
para não falar
em expandi-los. Em
contraste
uma empresa
social
é
concebida para
ser sustentável. Este facto
permite
aos
seus
proprietários não se
concentrarem n a angariação de fundos e dedicarem-se a aumentar
os
benefícios
que
podem
proporcionar aos pobres ou a outras pes
soas na sociedade. A capacidade da empresa
social
de «reciclar» o
dinheiro de modo permanente dá-lhe potencialmente um impacto
muito
maior do que até mesmo a organização de beneficência
mais
bem dirigida.
Além disso a
empresa
social
proporciona
aos seus beneficiários
uma dignidade pessoal
e uma autonomia
muito
maiores
do
que as
organizações de beneficência. Mesmo os programas de solidarie
dade
social
mais bem
intencionados
e
bem
concebidos têm o efeito
inevitável de retirar iniciativa a quem recebe os
seus benefícios.
Os
pobres que se tornam dependentes da caridade não se sentem
moti
vados para assumir o
controlo
da sua situação.
Em
contraste
as
pessoas
que pagam um
preço justo
pelos bens
e
serviços
que recebem estão a dar
um
passo
gigantesco
na direcção
da autonomia. Em vez de aceitarem donativos passivame nte es tão
a participar activamente no sistema económico tornando-se agen-
34
tes por direito próprio na
nossa economia
de
mercado
livre. Este
facto
proporciona um
alto
grau de autonomia e conduz muito
mais
directamente a
soluções
genuínas a longo prazo
de
problemas
como
o da
pobreza
da
desigualdade
e da
opressão.
Evidentemente nem todas as iniciativas de beneficência deve
riam
ser
substituídas por
empresas sociais. Por vezes é essencial
simplesmente ajudar
pessoas
em
situações
de grande
c rênci
por
exemplo quando um
desastre natural
como o tsun mi de
2004 ou
o
terrível sismo que
devastou
o Haiti em 2010
destrói
infra-estruturas
e casas e cria uma
necessidade
premente de
alimentos
medicamen
tos e vestuário.
As famílias beira da
fome não
podem
esperar até
lançarem
as
suas próprias
empresas para se sustentarem -
precisam
de comida
e
precisam
dela rapidamente.
A
caridade
é a
única
res
posta imediata em tais casos. Mas as
situações
de
emergência passam
rapidamente para uma fase em que as intervenções
da empresa social
podem ser muito
apropriadas
e imensamente
úteis.
Foi
por
essa
razão que organizámos
um
Fundo
de
Empresa Social
para
o Haiti
a
fim de
criar uma
série de
empresas sociais como
soluções susten
táveis
a longo prazo para o
povo
do Haiti.
Tanto
a caridade como
as empresas sociais são necessárias
mas
devemos compreender como
e até que ponto cada
um
pode contribuir para reduzir o infortúnio
das pessoas.
Há também alguns tipos
de
pessoas que infelizmente têm
de
depender da caridade
porque
lhes é
virtualmente
impossível
serem
autónomas. Refiro-me a pessoas que
sofrem
de extrema
incapacidade
física ou
mental
assim como aos muito idosos ou
muito
novos. Como
sociedade simplesmente temos o dever de ajudar estas pessoas e seria
cruel
insistir
com
elas
para
que fossem auto-suficientes.
Por
conse
guinte há lugar
no
nosso
mundo
para
a
caridade
assim como
há lugar
para
a empresa sociaL
No entanto
gostaria de
salientar que a esfera potencial da em
presa social
em
que os pobres podem tornar-se auto-suficientes é
mais vasta do que muitas pessoas julgam. Já
mencionei
o programa
através
do qual o Banco Grameen
proporciona
aos pedintes a opor
tunidade
de
se
transformarem
em
pequenos
negociantes com o
recurso
a empréstimos mínimos. Este programa demonstrou que
mesmo as pessoas mais pobres - sem
quaisquer
aptidões ou recur-
5
8/19/2019 A EMPRESA SOCIAL.pdf
19/121
sos óbvios - são capazes de se tornarem auto-suficientes quando os
instrumentos de
que
necessitam para o fazer são postos ã
sua
dispo
sição.
Há
programas implementados
por
outras organizações que
fize
ram «milagres>>
similares
com outro