A Escola de Frankfurte a Internet
Um estudo sobre liberdade, podere Internet na empresa privada
Por Armando LevyDissertação de Mestrado
ECA-USP Abril de 2008
ResumoObjeto
Comunicação em rede por meio da Internet praticada por funcionários de empresas privadas brasileiras e multinacionais com operação no Brasil
Duas visões
Impacto da comunicação em rede na sociedade e organizações empresariais tem sido observado através de duas visões antagônicas
Os eufóricos Os pessimistas
A rede como fator deintegração global
A rede como fator dedominação
Eufóricos
“A reapropriação por parte da sociedade do fruto de sua criatividade conta agora com meios poderosos: Internet, redes globais de comunicação, acesso à informação em código aberto, processos de cooperação múltipla, comunicação móvel, multimodal e ubíqua. E tudo isso a serviço de interesses e valores que são debatidos, modificados e decididos com autonomia crescente pelos atores sociais”.
Inovação, liberdade e poder na era da informação, in MORAES, D. (ORG), Sociedade Midiatizada, Rio de Janeiro: MAUAD X, 2006
Manuel CASTELLS
Os pessimistas
“Os confrontos que o uso da comunicação em rede torna evidentes entre indivíduos e empresas são, ao mesmo tempo, diferentes e originários do mesmo obstáculo estrutural que marca a vida das companhias desde sua origem: a ausência de uma verdadeira descentralização, de um verdadeiro questionamento da estrutura piramidal do poder informacional, malgrado as recomposições – cada vez mais sistemáticas – do trabalho operacional”.
Cláudio Katz
Mito y realidad de la revolucion informatica, Economia Política das Tecnologias da Informação e Comunicaçào (EPTIC), em www.eptic.he.com.br2001
O que é a Internet? Antes de ser veículo de
comunicação, a Internet é uma tecnologia
Sua estrutura técnica coloca a Internet como “tecnologia cibernética”
O que é “cibernética”? Norbert Wiener
− Termo “cibernética” deriva do grego “kubernetes”
− Significa “governador”, “piloto”, “condutor”
− Foi criada para definir sistemas criados para “atingir seus objetivos ou alvos” Título original do livro dizia:
“Cibernética: controle e comunicação no animal e na máquina”
A Internet é cibernética?
Criada pelo Departamento de Estado dos EUA, comunicação em rede via Internet foi planejada para sobreviver a ataque nuclear
Transmissão da informação é programada para atingir seu objetivo, independente dos caminhos a seguir
A técnica e o capitalismo
“O que não se diz é que o terreno no qual a técnica conquista seu poder sobre a sociedade é o poder que os economicamente mais fortes exercem sobre a sociedade. A racionalidade técnica hoje é a racionalidade da própria dominação. Ela é o caráter compulsivo da sociedade alienada de si mesma. O automóveis, as bombas e o cinema mantêm coeso o todo e chega o momento em que seu elemento nivelador mostra sua força na própria injustiça à qual servia".
“Dialética do esclarecimento”, de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1985.
ADORNO, T. HORKHEIMER, M.
A racionalização técnica
“(...) a tecnologia proporciona a grande legitimação a um poder político expansivo que engole todos os âmbitos da cultura. Neste universo a tecnologia proporciona também a grande racionalização acerca da falta de liberdade do homem e demonstra a impossibilidade técnica da realização da autonomia e da capacidade do indivíduo de tomar decisões acerca de sua própria vida”.
Habermas, J. Ciência e técnica como ideologia, Madrid: Tecnos, 1986.
Como olhar a Internet?
Castells
HabermasAdorno
Marcuse
Horkheimer
Pierre Levy
A Internet e as empresas Entrevistas pessoais, em profundidade,
com os responsáveis pela gestão das
redes de comunicação de empresas
Objetivos:
− Compreender a normatização, regulamentação e aspectos sociotécnicos do uso de Internet por parte dos funcionários de empresas brasileiras e multinacionais com operação no Brasil
− Relevância da comunicação em rede para o negócio da empresa
Quais empresas?
Embora tivessem concordado em participar, não foi possível entrevistar os responsáveis pelas áreas de comunicação em rede da Atento do Brasil e da Ford do Brasil antes do prazo final das entrevistas.
CETIC No início de 2007 o Centro de Estudos sobre as Tecnologias da Informação e da Comunicação (CETIC), do Comitê Gestor da Internet no Brasil, divulgou uma pesquisa quantitativa sobre usos de Internet em ambientes empresarial e doméstico no Brasil.
A pesquisa ouviu mais de 2.500 empresas acerca de diferentes aspectos do uso de Internet, inclusive políticas de controle e adoção de sistemas de segurança, como o firewall.
Desta pesquisa aproveitamos as seguintes informações:
Empresas que usam a Internet
Empregados com acesso à Internet
Empresas com políticas de restrição de acesso a sites
Domicílios com acesso à Internet
Local de acesso individual à Internet
Suporte teóricoPara compreender o fenômeno da Internet nas empresas, buscamos fundamentar teoricamente três vértices que se reúnem nos processos de comunicação em rede:
Empresas
Internet
Indivíduos
A Internet nas empresas é a convergência de três vértices: empresas, Internet e pessoas
O que são empresas? Essência no controle e nas normas
− Weber− Tragtemberg− Marx− Hassard− Ianni− Foucault− Mészáros− Chanlat− Kumar
O panóptico de Bentham, apontado por Foucault, sintetiza a essência do que é a organização empresarial
O que é Internet? Essência cibernética, voltada para o controle
− Ellul− Castells− Levy− Wakeford− Wiener− McLuhan− Innis− Costa− Orozco− Martín-Barbero
A Internet é um sistema cibernético, que permite o controle do fluxo de informação a partir de parâmetros programáveis. Exemplo: FIREWALL
O que é o indivíduo? Essência aberta, voltada para a evolução
− Horkheimer− Marx− Jung− Hall− Shaff− Sartre− Engels− Chanlat− Antunes− Berger− Ellul− Dejours
Marx:O ser humano é, essencialmente,
movimento:
1. Tem necessidades2. Age para satisfazer essas
necessidades (trabalho)3. Muda o mundo
4. É modificado pelo mundo5. Passa a ter novas
necessidades
Hipóteses1. As tecnologias de comunicação em rede, no âmbito das empresas, servem essencialmente ao poder, são usadas principalmente em atividades operacionais e dirigidas à obtenção do lucro, da mesma forma como são usadas todas as demais máquinas e equipamentos no universo da produção capitalista.
2. As características libertárias da Internet, que se expressam através dos conteúdos colocados à disposição dos usuários, pouco penetram o universo das empresas, que usam sistemas de monitoração para controlar os fluxos de informação em um movimento coerente com sua característica mais marcante, ou seja, o controle através da normatização.
Análise dos dados - 1Aspectos sócio técnicos do uso de Internet nas empresas
A - Usuários de computador em relação a total de funcionáriosB -Usuários de Internet em relação a total de funcionáriosC - Usuários de Internet em relação a total de usuários de computador(1) Este dado não foi informado pelo gestor de segurança da informação da empresa e foi estimado a partir de conversas com funcionários
Análise dos dados - 2Empresas que normatizam o uso de Internet
Análise dos dados - 3
Sites e conteúdos bloqueados sistemicamente
Análise dos dados - 4
Razões para as normas
Evidenciar que o uso da Internet está condicionado ao trabalho, à função do profissional.
Norma exclui funcionários de atividades produtivas, braçais, não intelectuais, da possibilidade de acesso à Internet.
Normas de uso de Internet nas empresas mantêm
intocada a divisão do trabalho entre os que pensam e os que
produzem
Análise dos dados - 5
Razões para os bloqueios
As empresas justificam os bloqueios alegando que, sem eles, os funcionários não acatam as normas.
O caráter cibernético da Internet permite, pela primeira
na história da humanidade, transformar NORMA em FATO,
evitando deixar para o individuo a decisão sobre
acatar ou não a lei.
Análise dos dados - 6
Pesquisa CETIC – A mesma lógica
(*) Entre empresas com 500 empregados ou mais, este índice atinge 87%.
Análise dos dados - 7
Houve casos de punições por uso “inadequado” da Internet?
Entre as 18 empresas consultadas, 16 relataram casos de punições (de advertências verbais até demissões).
A despeito da existência de
tentativas de burlar os bloqueios, o
sistema permite detectar estes
movimentos e punir os responsáveis
Análise dos dados - 8Acesso remotoA preocupação das empresas com
segurança parece inibir o avanço do
trabalho à distância. Isso se torna evidente
quando notamos que, na maioria dos casos,
o acesso remoto só é possível através de
computadores (normalmente notebooks)
previamente configurados pela área de
tecnologia da companhia e de uso restrito
aos ocupantes de determinados cargos
(normalmente diretivos).
O trabalho à distância abre brechas de “segurança” que
as empresas não estão dispostas a correr
Análise dos dados - 9Importância da Internet
A Internet é muito importante para ao menos 17
das 18 empresas consultadas. Para algumas, a
Internet viabiliza o próprio negócio, tornando-se
assim fator de sobrevivência.
Apenas uma empresa, do segmento industrial,
disse que a relação com clientes se dá através de
outro canal – telefone – daí a Internet ter
importância “relativa”.
Empresas consideram a Internet muito relevante para seus negócios como
canal de venda e relacionamento com
clientes, parceiros ou fornecedores
Análise dos dados - 10Local de acesso à Internet – CETICPara a maioria dos que trabalham, o local de acesso à Internet é a residência
Análise dos dados - 11Normas da IBM
IBM tem manual de normas.
Esse manual, distribuído a todo recém-contratado, trata de oito temas:
1) Computador
2) Licença de software
3) Ferramenta de Segurança da Estação de Trabalho (Workstation)
4) Prática da mesa limpa
5) Senhas
6) Auto-defesa na web
7) Acesso à rede IBM
8) Dicas adicionais
Análise dos dados - 12Normas da IBM
“Os equipamentos IBM devem ser utilizados para fins de
negócio IBM, autorizados pela Gerência”.
Trata-se de uma norma padrão e comum a todas as empresas
consultadas e determina com muita objetividade os usos
possíveis para as ferramentas de comunicação da empresa.
Ainda nesse item, chama a atenção uma outra norma, que
determina:
“Todos os documentos criados, arquivados ou comunicados
através dos equipamentos são propriedade da IBM e podem
ser auditados”.
“As tecnologias impõem
as relações de poder”,
Adorno e Horkheimer
Conclusões - 1
O uso da comunicação em rede pelas empresas serve ao poder e
é dirigido à maximização do lucro, assim como todas as demais
máquinas e equipamentos utilizados na produção industrial
capitalista.
Não é possível constatar que a comunicação em rede tenha
mudado as relações econômicas e políticas da sociedade a ponto
de configurar uma nova era de igualdade de relações.
Conclusões - 2
A vocação normativa e regulatória das empresas
segue intacta.
A determinação com que as empresas vigiam e
controlam as informações que os funcionários
podem acessar e trafegar pela rede revela que até
mesmo os conteúdos, a faceta mais libertária da
tecnologia cibernética, pouco penetram os muros da
empresa, obrigando os empregados a buscarem um
acesso menos controlado fora do trabalho ou, em
alguns casos, a tentar burlar os mecanismos de
controle com todos os riscos que esse tipo de
atitude acarreta como advertências e demissões.
O FIREWALL é o novo panóptico. Mas ao invés
de difundir a sensação de que tudo se vê, o
sistema controla de fato todas as informações
que fluem entre a organização e o mundo
exterior
Conclusões - 3
A despeito de um potencial revolucionário de realização ainda incerta,
as tecnologias de comunicação em rede estão sendo apropriadas pelas
empresas segundo a mesma razão instrumental que marca o capitalismo
e que se traduz em uma crescente alienação do indivíduo em relação às
decisões e aos frutos do trabalho.
O caráter “ordenador” dessas tecnologias torna-se evidente quando
constatamos que elas podem, através de certa programação, separar
indivíduos, hierarquizar o acesso à informação, controlar o tempo de
cada um na rede e fiscalizar todo tipo de informação enviada ou
recebida.
Conclusões - 4Os confrontos que o uso da comunicação em rede torna evidentes entre
indivíduos e empresas são, ao mesmo tempo, diferentes e originários do
mesmo obstáculo estrutural que marca a vida das companhias desde sua
origem: a ausência de uma verdadeira descentralização, de um
verdadeiro questionamento da estrutura piramidal do poder
informacional, malgrado as recomposições – cada vez mais sistemáticas
– do trabalho operacional.
A despeito de um potencial descentralizador, as técnicas de
comunicação em rede não têm o poder de alterar a configuração
política e econômica da sociedade.
Conclusões - 5
Não é possível falar em superação das teses
da Escola de Frankfurt, que ainda
qualificam, de modo contundente, os
modos como as tecnologias são usadas
pelos meios de produção capitalistas com o
objetivo de submeter as pessoas e
maximizar os lucros.“As tecnologias impõem
as relações de poder”,
Adorno e Horkheimer
Conclusão - 6 As tentativas de burlar os
sistemas de bloqueio implementados pelas empresas não parecem ser atos conscientes de rebeldia política, contra a censura, mas apenas gestos de alienação e escapismo face a uma rotina de trabalho brutalizante, cada vez mais dominada por sistemas informacionais
A Escola de Frankfurt e a Internet
Dissertação de mestrado apresentada em abril de 2008 à Escola de Comunicação e Artes da USP
Orientadora− Profa. Dra. Maria
Cristina Castilho Costa