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A TEORIA CRíTICA, A ESCOLA DE FRANKFURT E A EDUCAÇÃO Luís Távora Furtado Ribeiro A Teoria Crítica surge dos dilemas históricos nas primeiras décadas do século XX, ante o fracasso da sociedade burguesa - falida em sua promessa de criação de uma sociedade justa e igualitária, livre e fraterna -, e da decepção com os rumos autoritários seguidos pelo socialismo real. Ela aparece a partir da fundação do Instituto de Pesquisas Sociais no ano de 1923, em Frankfurt, na Alemanha. Havia uma crise mundial de liberdade. Enquanto o stalinismo consolidava-se na União Soviética, o oci- dente conhecia os horrores do fascismo e do nazismo na Itália e na Alemanha, respectivamente. Surgia a ne- cessidade de se encontrar novos caminhos e se buscar uma reflexão sistemática de como o mundo chegou àquele estado de coisas, no qual predominavam a irra- cionalidade e a manipulação das massas. Denominada Escola de Frankfurt, o Instituto de Pesquisas Sociais vai deter-se, a partir do final dos anos 1920, numa análise crítica do capitalismo vigente, dos fundamentos da ciência moderna, da problemática da razão e da liberdade, além dos extremos da dominação e da emancipação. Freitag (1988). Tornam-se também relevantes os estudos sobre a constituição da personali- dade represada entre o indivíduo sexualmente reprimi- do e a estrutura familiar autoritária. (RABELO, 1994). Colocava-se como outra grande questão saber por que a melhoria das condições materiais de vida realizava-se em sacrifício da liberdade pessoal dos in- divíduos. Essacondição proposta não se restringia emi- nentemente à circunstância europeia. Em nível mun- dial, e de modo especial, em todo o terceiro mundo, conviviam, simultaneamente, além da perda da liber- dade, a deterioração das condições materiais, tanto sociais, quanto econômicas de existência. 165

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A TEORIA CRíTICA, A ESCOLA DE FRANKFURTE A EDUCAÇÃO

Luís Távora Furtado Ribeiro

A Teoria Crítica surge dos dilemas históricosnas primeiras décadas do século XX, ante o fracassoda sociedade burguesa - falida em sua promessa decriação de uma sociedade justa e igualitária, livre efraterna -, e da decepção com os rumos autoritáriosseguidos pelo socialismo real. Ela aparece a partir dafundação do Instituto de Pesquisas Sociais no ano de1923, em Frankfurt, na Alemanha.

Havia uma crise mundial de liberdade. Enquantoo stalinismo consolidava-se na União Soviética, o oci-dente conhecia os horrores do fascismo e do nazismona Itália e na Alemanha, respectivamente. Surgia a ne-cessidade de se encontrar novos caminhos e se buscaruma reflexão sistemática de como o mundo chegouàquele estado de coisas, no qual predominavam a irra-cionalidade e a manipulação das massas.

Denominada Escola de Frankfurt, o Instituto dePesquisas Sociais vai deter-se, a partir do final dos anos1920, numa análise crítica do capitalismo vigente, dosfundamentos da ciência moderna, da problemática darazão e da liberdade, além dos extremos da dominaçãoe da emancipação. Freitag (1988). Tornam-se tambémrelevantes os estudos sobre a constituição da personali-dade represada entre o indivíduo sexualmente reprimi-do e a estrutura familiar autoritária. (RABELO, 1994).

Colocava-se como outra grande questão saberpor que a melhoria das condições materiais de vidarealizava-se em sacrifício da liberdade pessoal dos in-divíduos. Essacondição proposta não se restringia emi-nentemente à circunstância europeia. Em nível mun-dial, e de modo especial, em todo o terceiro mundo,conviviam, simultaneamente, além da perda da liber-dade, a deterioração das condições materiais, tantosociais, quanto econômicas de existência.

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Os temas da liberdade e da racionalidade e oconfronto entre o Positivismo e a Dialética serão consi-derados fundamentais para a recuperação da reflexãoteórica e o surgimento da Teoria Crítica. Ela tornou-seproduto Elaação de intelectuais como Max Horkheimere Theodor Adorno, Erich Fromm, Walter Benjamin e,posteriormente, Herbert Marcuse e Jurgen Habermas,todos interessados em resgatar o que haveria de me-lhor na tradição iluminista: recuperar a razão comoforma de emancipação humana.

O instituto teve seus trabalhos encerrados em1933 por um decreto do governo nazista, recém-eleitoe empossado, cujas justificativas alegadas foram suas"atividades hostis ao Estado". Ele teve seu prédio con-fiscado juntamente com o acervo de sua biblioteca queera constituída por mais de 60.000 livros e documen-tos. Inicia-se aí uma perseguição a seus colaboradoresque pode ser explicada por sua origem judaica, alémde suas atividades serem consideradas marxistas, re-volucionárias e de esquerda.

Ele retoma suas atividades na Alemanha, sob aliderança de Horkheimer e Adorno, retomando à anti-ga sede após a " Guerra Mundial, em 1950.

A Crítica da Razão lIuminista

Um dos mais importantes temas apresentadosaos frankfurtianos foi o da razão. A sociedade burguesaassentou-se com a promessa de iniciar um novo tem-po com o pensamento iluminista. A "dialética do es-clarecimento" prometia para o futuro próximo a totalemancipação do homem por intermédio da razão. Como passar do tempo, essa promessa não se concretizou.Rapidamente a razão em sua dimensão emancipatóriae libertá ria foi superada pela hegemonia da razão ins-trumental, com a valorização da técnica superando ainteração e a comunicação, a razão comunicativa.

Na prática, a promessa foi invertida. Surgem adominação, a manipulação, o controle, a massificação

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e a burocracia como aparente princípio, meio e fim daracionalidade, agora desvirtuada na sociedade moder-na pelos regimes autoritários.

Em especial, uma crítica incisiva é feita ao ra~cionalismo cartesiano pela valorização exclusiva dométodo para chegar-se ao conhecimento e ao que na-quele sistema se poderia chamar de teoria: sentençasuniversais elaboradas a priori.

Para os frankfurtianos, fazia-se necessária arecuperação da razão emancipatória e comunicativa,visto que o acesso ao real e à prática não seriam ape-nas uma questão de método. É preciso que se recupe-re a autonomia do homem. Todo esse processo, paraos teóricos críticos, deveria ser envolvido por juízosexistenciais - a dimensão da prática -, e pela recu-peração da razão como fundamento indispensável àemancipação humana.

Para a Teoria Crítica, antes mesmo do método eda ciência, devemos buscar a liberdade e o resgate aohumanismo, em oposição ao mecanicismo tecnicistaque a razão instrumental nos impôs. Esses juízos exis-tenciais devem nos questionar sobre os fundamentosda ciência e da educação:

a)Para que fazemos Ciência?b)Que interesses estão em jogo?c)Qual posicionamento ético-político o cientista

deve tomar?d)Que sociedade queremos construir?e)Nossa teoria e prática - ciência, poder e di-

nheiro, por exemplo -, nos aproximam ou nosafastam dos anseias da liberdade humana?

f) Qual é o sentido da construção do novo?g)Como educar e incentivar novos princípios e

valores para as novas gerações e para as gera-ções futuras?

Essa pergunta final torna-se fundamental aindaem nossos dias, tanto para a juventude e suas famílias,quanto, de modo especial, para os educadores.

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Surge a Teoria Crítica

Como vimos, o pensamento tradicional não res-pondeu às esperanças da humanidade. Era preciso quese pensasse em uma nova teoria. A Escola de Frankfurtnos apresenta a Teoria Crítica. Fundamentada no pen-samento dialético, possuidora de um vigoroso poder decrítica, sem esquecer um só instante da autocrítica,ela é agora apresentada como essencial no processodo conhecimento.

Assim, a Teoria Crítica quanto à sua natureza,compreende a teoria em quatro aspectos fundamentais:

1. Compreensão das relações que existem na rea-lidade entre o particular e o todo, o específicoe o geral, o local e o universal;

2. Deve desenvolver-se como metateoria e reco-nhecer os interesses que representa, rompendocom a neutralidade positivista;

3. Servir de base e de apoio ao poder de crítica eda autocrítica;

4. Tornar indispensável uma relação entre a teoriae os estudos empíricos.

Optando pelo pensar dialético, não mais daráênfase ao princípio da identidade, mas aos princípiosda contradição e da totalidade como meios possíveisde se perceber os movimentos internos do real. O mé-todo é fundamental, mas sempre submetido à crítica,à autocrítica e à análise dos valores existenciais pre-sentes no processo de aproximação do cientista como real.

Também deve-se enfatizar a compreensão doreal como uma totalidade concreta formada por múlti-plas determinações. O pensamento positivista tambémprocura a totalidade, mas a partir de eventos paticu-lares e isolados, não reconhecendo as dimensões dehistoricidade e das contradições do real, perdendo-sea dimensão da transformação histórica do mesmo.

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Para a teoria tradicional, a experiência era ocritério da verdade e da falseabilidade do real. Para aDialética o critério da verdade passa a ser a prática.Outra temática é a da ciência. Teoria e prática seriamas duas faces de uma mesma moeda. Autônomas e in-dependentes, mas impensáveis uma sem a outra.

No método científico tradicional positivista, osujeito distancia-se do objeto com o desejo de nãointerferir nos resultados do experimento ou da obser-vação empírica. Para os teóricos críticos, ao contrá-rio, há uma relação orgânica entre sujeito e objeto.Ambos estão juntos na realidade concreta, portanto,não poderiam afastar-se no processo do conhecimen-to. Para Marx, o sujeito aproxima-se do conhecimen-to de maneira ativa, construindo categorias que vãoaproximá-lo da complexidade e das contradições doreal, dentro de condições históricas que lhes são de-terminantes (1987).

Vale lembrar que posteriormente, a partir deuma leitura de Max Weber, os chamados neopositivis-tas, liderados por Karl Popper, assimilaram a Teoriada Compreensão segundo a qual os homens orientamsuas atitudes a partir de crenças, valores, experiên-cias vividas e emoções. Mesmo assim, detectadas es-sas interferências, o sujeito deve buscar o máximo deobjetividade possível, afastando-se delas para que nãointerfiram nas conclusões da experiência científica.Outra oposição evidente é uma crítica radical à ex-cessiva e exclusiva ênfase na matemática, nos núme-ros e nas estatísticas, reconhecidas pelos positivistascomo aparentemente única forma de compreender etraduzir o mundo real. Ressalte-se que essa tendênciaestá muito presente em muitos setores do pensamentoatual e, especialmente na educação, na utilização deavaliações quantitativas, como base de análise das po-líticas educacionais.

Recuperando a historicidade, a Teoria Críticaconcebe o real articulando passado e presente comomomentos que se vinculam e interligam, fazendo-se

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necessário projetar-se uma ação para o futuro. Abuscade sentido, considerado influente e essencial é a cons-trução do novo, não abstratamente, mas na história.Assim, o agir humano é teleológico: age preocupadocom os fins da ação que realiza. Como nas palavrasde Marx e Engels: - os filósofos preocuparam-se emcompreender o mundo, cabe-nos agora transformá-lo.Marx e Engels (1987).

Em síntese, a Teoria Crítica deseja preservar erealizar o ideal iluminista da razão como instrumentode libertação da humanidade da ignorância, da repres-são, da inconsciência, da massificação e da manipu-lação, seja ela individual, seja ela coletiva. Tanto emnível da personalidade quanto do homem vivendo emsociedade.

É importante ressaltar aqui o papel do intelectual.Surge o conceito de "intelectual orgânico" em AntônioGramsci (Itália) e Max Horkheimer (Alemanha). É pos-sível que pensadores, sem contato pessoal recíproco,mas vivendo realidades semelhantes - Fascismo naItália e Nazismo na Alemanha na década de 1930 -,tenham chegado a conclusões idênticas, apesar do tommais pessimista em Horkheimer. O intelectual orgâni-co, poderia ser assim definido, em linhas gerais:

a) Intelectual Tradicional: conservador, com amissão de manter e reproduzir as relaçõessociais de exploração e dominação;

b)lntelectual Crítico: que contribua, ao lado dosexplorados e oprimidos, para a realização te-órica e prática de seus anseios de libertação.

o Estruturalismo I o Culturalismo e a Educação

No processo de repensar o marxismo em bus-ca de uma teoria que abarque, a partir dele, a maiorcomplexidade da sociedade atual, os temas da cultu-ra, ideologia, ação humana, relação infraestrutura esuperestrutura receberam uma atenção toda especial

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dos teóricos de Frankfurt. Uma preocupação central,mesmo com a fundamentação em Karl Marx, era comoa libertação da classe operária, pensada pelo filósofo,parecia estar, cada vez mais, se "desviando e se per-dendo." (FERNANDES,2009).

Para Giroux (1987), duas grandes correntes sur-giram e suas contribuições em relação aos seus acertose limitações são fundamentais. Essascontribuições sãocornumente denominadas de maneira ampla e genéricade Culturalismo e Estruturalismo. Sua presença nessetrabalho justifica-se pela influência marcante nas teo-rias educacionais, especialmente nas décadas de 1970e 1980, no Brasil.

O Culturalismo é uma contribuição de teóricoscomo Edward P. Thompson (1924-1993) que revolucio-naram os conceitos e a reconstrução crítica das rela-ções entre classe e cultura, nos estudos sobre o coti-diano das classes populares na Inglaterra.

Eles partem do princípio de que a cultura não éproduzida da maneira como era pensada pelo marxis-mo ortodoxo. Ela não é um meio reflexo da base eco-nômica, mera relação entre classes, independente daação dos indivíduos. Para os culturalistas, a base eco-nômica - infraestrutura da sociedade, caracteriza-sepela existência de classes sociais em luta como: "Numaespécie de campo de forças mútuas, mesmo que desi-gualmente deterrnínantes." (GIROUX, idem., 1987).

Essacompreensão culturalista das classes sociaisé essencial na medida em que se reconhecem três deseus aspectos principais:

1.A classe social é um meio interpessoal;2. A classe social constitui um lugar privilegiado

onde os indivíduos vivenciam suas experiências;3. É a partir dela que os sujeitos respondem às

suas condições de vida;4. Essasexperiências do dia-a-dia são inúmeras,

distintas e variadas, o que vai definir as ca-racterísticas dos indivíduos e a constituição

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de sua personalidade e subjetividade sempresubordinadas.

Quanto à luta de classes, ela é analisada comoocorrendo em situações favoráveis à classe dominan-te, mas não exclusivamente, como que não impedindoa possibilidade de reação da classe trabalhadora.

A grande contribuição cultura lista foi a do res-gate e reconhecimento da ação do sujeito, ao mesmotempo em que busca recuperar as experiências dosoprimidos, como no esforço para buscar a origem doseu saber e compreender suas práticas. Sua limitaçãoé considerada por alguns, o fato de realizar uma possí-vel minimização da importância da base material queconstitui a classe e que, consequentemente, influenciao nível da cultura. Para os culturalistas, são analisadasas condições como as classes compreendem sua reali-dade material, independentemente de como as condi-ções materiais se realizam efetivamente. Essa lacunaparece ser, para alguns, seu ponto vulnerável, pois aoredimir a importância da cultura e do sentido na vidahumana corre o risco de isolar o sujeito da sua baseeconômica, deixando-o como que "solto no ar". Giroux(1987, p. 87).

No extremo oposto encontra-se o Estruturalis-mo, nome dado, também genericamente, às diversasteorias que concebem o real como formado por estru-turas independentes, relativamente fortes e autôno-mas, consideradas quase intransponíveis pela ação dosujeito. Há importantes contribuições e participaçõesde estruturalistas no campo da Linguística, da Política,do Direito, da Psicanálise e da Antropologia. Interes-sam-nos, nesse trabalho, as contribuições do filósofoLouis Althusser (1918-1990) em sua análise da ideolo-gia. Um teórico que, durante muitos anos, foi conside-rado muito influente entre intelectuais e educadoresbrasileiros.

Para Althusser as estruturas ou práticas mate-riais - base econômica - produzem as formas cul-

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turais. Podemos sintetizar seu pensamento em trêsaspectos:

1. Os seres humanos não são agentes de história.Na verdade, os agentes da história são as rela-ções sociais;

2. Na sociedade existem três instâncias específi-cas e separadas: a econômica, a política e aideológica, sendo sua base econômica seu nívelfundamental. Surge o conceito de "autonomia"relativa que explicaria, ao mesmo tempo, aindependência e a inter-relação entre os trêsníveis relacionados;

3.Aclasse social é uma posição objetiva, um lugarvinculado à relação de propriedade ou à nãopropriedade. Praticamente, não há dimensãointerpessoal ou subjetiva, há classes.

Ao pensar a relação entre a infraestrutura eco-nômica e a superestrutura social e política, Althussercria os conceitos de Aparelhos do Estado - fossemideológicos ou repressivos -, que teriam a função dereproduzir na superestrutura a base material da so-ciedade. Os aparelhos ideológicos do Estado - Esco-la, partidos políticos, sindicatos, Igrejas ou mídias demassa - trabalham o nível do convencimento e da co-operação "espontânea" da classe dominada à classedominante. Ao mesmo tempo, os aparelhos repressi-vos do Estado - forças armadas, polícia, tribunais eprisões - cuidariam da parte coercitiva dos indivíduosrebeldes ou problemáticos para o sistema.

Essa análise tem aspectos positivos e uma gravelimitação:

a)Como aspecto negativo, os indivíduos têmenfatizados os aspectos da passividade e docontrole, não restando praticamente nenhumespaço para a resistência em suas lutas cotidia-nas. No campo educacional, isso traz as graves

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consequências do imobilismo político provoca-do pela descrença em qualquer possibilidadede mudança;

b) Um aspecto considerado positivo é sua percep-ção da ideologia como sendo formada no níveldo inconsciente coletivo, não sendo simples-mente apresentada como uma má consciên-cia, ou uma compreensão falsa e invertida darealidade.

Pode-se apresentar, a partir dessa síntese, comograve limitação do estruturalismo, a quase inexistên-cia de espaço para a ação do sujeito, visto que ele écompreendido como um produto de estruturas econô-micas ou de outro tipo, tão fortes quanto insuperáveis,inclusive no campo da educação. Um outro aspecto éa perda das dimensões da historicidade e da persona-lidade, pois a dominação funcionaria sempre a partirdos esquemas pré-moldados dos aparelhos ideológicose repressivos do Estado.

Teoria Crítica e Educação: Benjamin e Marcuse

o tema educacional não é amplamente estudadoentre os teóricos críticos. Entretanto, veremos comoideias de Walter Benjamin e Herbert Marcuse contri-buem de maneira significativa para a compreensão datemática da educação.

Walter Benjamin nasceu em Berlim em 1892, fi-lho de uma abastada e culta família de origem judaica.Fugindo do nazismo em direção aos Estados Unidos, aoser detido na França e temendo ser entregue à Gestapo,polícia secreta nazista, teria cometido suicídio em 1940,ao ingerir uma poderosa dose de morfina. Sua obra vaida crítica literária e de cinema à tradução, da análisedo racionalismo iluminista e da cultura à educação lúdi-ca das crianças, do marxismo à teoria da História.

Antecipando temas que ainda permanecematuais, de acordo com Fernandes (2009, p. 34), ele

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abordou temas que davam conta "de certo entorpeci-mento dos homens diante da vida, do enfraquecimen-to dos laços entre gerações e do estranhamento deum mundo que muda num ritmo que não conseguimosacompanhar ... " Esse tema em particular do conflitoentre gerações torna-se bastante atual e necessáriopara os estudos com relação à família, à juventude, àeducação e à escola atuais. Com a mesma atualidadeele questiona as concepções racionalistas sobre a in-fância, que se tornaram extremamente presentes e in-fluentes em algumas das pedagogias contemporâneas.

Como uma de suas ideias mais importantes a res-peito da educação, Benjamin torna-se um crítico vigo-roso da concepção de infância de tradição iluministabaseada em Rousseau, que reconhecia a criança comoum ser "supremamente piedoso, bom e sociável". Aessa bondade e inocência originais ele contrapunha suavisão da criança como inserida na cultura e na histó-ria, como um ser vinculado às estruturas sociais, maspotencialmente capaz de criar e recriar alternativas erenovadas formas de vida em sociedade. Como vimos,à criança isolada e classificada da pedagogia moder-na - como em Piaget -, e à infância livre e ingênuada tradição iluminista de Rousseau, Walter Benjaminapresentava uma criança em seu contexto histórico, in-timamente vinculada à geração anterior. (p. 36).

Herbert Marcuse nasceu na Alemanha, em 1898e morreu, com cidadania e residência norte-america-nas, na cidade de Frankfurt, em 1979. Ele teve comoparticularidade, a consolidação de sua vida acadêmicanos EUA, após exilar-se em fuga do nazismo nos anos1940. Isso lhe possibilitou uma visão dos problemasocidentais do pós-guerra como, em particular, os vin-culados à indústria cultural e à cultura de massas. Éde sua responsabilidade a divulgação de uma categoriade análise que se torna fundamental em nossos dias:trata-se da sociedade de massas, baseada na influên-cia do que ele denominou de meios de comunicaçãode massa. Esse fenômeno transformaria e tenderia a

PERGAMUMBCCE/UFC 175

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moldar consciências e subjetividades, com interferên-cia direta na constituição de aspirações sociais e napersonalidade.

Fugindo do culturalismo e do estruturalismo,ele se apercebe que é apenas através da compreen-são dessas estruturas que se podem idealizar e criar,efetivamente, novas formas de convivência e transfor-mação daquelas estruturas socialmente apresentadas,cuja presença na vida moderna, torna-se irreversível. Énesse contexto que aparece a educação política comomecanismo de compreensão e ação diante da massifi-cação dos bens culturais promovidos pelo crescimentoda indústria cultural.

Diante da educação das novas gerações, tantoHerbert Marcuse como, especialmente, Walter Benja-mim buscavam uma experiência caracterizada como"total e concreta do conhecimento". Numa crítica amodelos pragmáticos nossos contemporâneos, eles seposicionavam contra uma "Educação direcionada paraa especialização ou para a prática profissional." Fer-nandes (FERNANDES,2009, p. 36).

Não se pode esquecer de reconhecer os avan-ços que o culturalismo e o estruturalismo têm dadoà compreensão e aos debates em torno do tema darelação entre ação humana e a força das estruturas.Com relação à educação, e influenciados pelos pensa-dores de Frankfurt mencionados, devemos pensar emmodelos que superem o dualismo ação - estruturas,enfatizando sempre a necessidade da recuperação dasdimensões da resistência e da ação política nos quatroníveis principais:

1. Crítica-denúncia da situação vigente;2. Anseio pela mudança e crença na possibilidade

de uma nova sociedade;3. Luta política para realizá-la;4. Prática permanente da crítica e da autocrítica.

Todas essas dimensões sendo combinadas, ja-mais se perdendo o vínculo com a análise das bases

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materiais constitutivas da realidade, nem com as pos-sibilidades concretas de ação política e perspectivaspara a mudança. Sempre relacionando o estudo darealidade com as possibilidades de transformação Éprovável que essa seja uma das maiores contribuiçõesda Teoria Crítica à sociedade, à educação e à cultura.Tanto quanto foi, no início do século XX, quanto para

, nossos tempos mais contemporâneos.

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