Transcript
  • 01/06/2015 Aetiquetadocrime:JusNavigandi

    http://jus.com.br/imprimir/10290/aetiquetadocrime 1/5

    EstetextofoipublicadonositeJusNavigandinoendereohttp://jus.com.br/artigos/10290Para ver outras publicaes como esta, acessehttp://jus.com.br

    Aetiquetadocrime

    consideraessobreo"labellingapproach"

    SandroCsarSell

    Publicadoem08/2007.Elaboradoem08/2007.

    RECEITAINDIGESTA

    Oscriminososso,emgrandemedida,uma invenodosistemade repressopenal ao contrriodoquepensao sensocomum,elesnososimplesseresmalvados,queandavamlivressobreaterraatqueoDireitoosdescobriueque,desdeento, tenta, por meio das penas, neutralizlos. No, os criminosos no so produtos de descobertas, mas sim entesinventadospelalgicadistorcidado sistemapenalvigente.Paraquem foi embaladopelomodeloetiolgicoaqueledocriminoso enquanto ser anormal as afirmaes acimapodemparecer to estranhas quanto acusar o sistema de sadepblica de ter criado os doentes, e por isso que a primeira impresso que se costuma ter diante da abordagemcriminolgicaqueassubscreve,olabellingapproach,adeestarmosdiantedeumadasmuitasteoriasdaconspirao,aquelasparanicasconstruestericasdestinadasaapontarconluiosmaquiavlicosquedirigiriam,subrepticiamente,asinstituiescentraisdenossasociedade,comooDireitoeoEstado.Osistemapenalinventarcriminosos,ondejseviu...

    Masantesdedesenvolverumaantipatiairreversvelpelolabellingapproach,municiesedealgumasinformaesquedooquepensar.Aprimeiraacifraoculta,ouseja,aconstataodequehmuitomaiscondutaspraticadascontraodireitocriminaldoqueosistemapenaltemcondiesdeinvestigareprocessar.Issosignificaquemuitoscometemcrimes,masapenas alguns sero ditos criminosos (ningum criminoso at o trnsito em julgado da sentena penal condenatria,lembra?).Asegunda:h,mesmoproporcionalmente,muitomaispobresnascadeiasdoquemembrosdeoutrasclasses.Daprimeiraafirmaopodemosconcluirquemuitomaisgentemereceriaserchamadadecriminosaemrelaoquelasqueefetivamenteso.Dasegunda,inferimosque,nopodendoperseguiratodos,osistemapenalpersegueprioritariamenteosmaispobres.Somemsea issocontradiescomoaseguinte:seh tantascrticasaosistemapenalbrasileiro,dequehexcessoderecursoseprocedimentosqueinviabilizam,porexemplo,aprisodopolticodesonesto,porqueosestratosmaismarginalizadosdapopulaocaemtofacilmenteatrsdasgrades?Porqueessasdificuldadesqueojuristaconformadodizser"inerenteaoprocesso"somemnoandardebaixo?Mistrio...

    Cifraoculta,dificuldadeemcriminalizarosricos,excessodepobresnascadeias,essessoosingredientesbsicosdareceitadecomoproduzircriminosos.Reserveessasinformaes.Evamosemfrente.

    Soseusolhos

    Surgida nos EUA da dcada de 1960, a teoria do labelling approach, ou teoria do etiquetamento, sofreu uma forteinflunciadointeracionismosimblico,correntesociolgicaquesustentaquearealidadehumananotantofeitadefatos,mas da interpretao que as pessoas coletivamente atribuem a esses fatos. Isso significa, entre outras coisas, que umacondutassertidacomocriminosaseosmecanismosdecontrolesocialestiveremdispostosaassimclassificla.Oqueumcrime,ento?Crime,pelosmenosemseusefeitos sociais,nosero, comoensinavaodogmticopenalista, todas astransgressesinjustificadasleipenal.No,crimessoapenasascondutasqueasociedadeeseusrgospunitivosdecidemperseguircomotal.Semcertoconsensodequedeterminadacondutasuspeitadeveseraveriguada,quedeterminadosfatoseindciosdevemserconvertidosemumprocessopenal,nohaver,emseusefeitosprticos,crime.

    EraissoqueH.Becker,umdosprincipaisexpoentesdaabordagemdoetiquetamento,queriadizerquandosustentavaqueodesvionoestnoatocometido,nemtampouconaquelequeocomete,masqueodesvioaconseqnciavisveldareaosocialaumdadocomportamento.Serdesviante,oucriminoso,,assim,oresultadodeumetiquetamentosocial,enoocorolriolgico de uma conduta praticada. possvel, comobem sabemos, infringir as normaspenais semque se sejacriminalizado. Pensese, sobretudo, nas milhares de condutas presumivelmente delituosas das elites brasileiras, noinvestigadas por falta de "vontade" das autoridades competentes. Tambm no incomum haver processos decriminalizao sem que haja certeza acerca da autoria da conduta tpica pense nas investigaes apressadas, nasexposiesabusivasdaimprensa,enosprocessosjudiciaismalconduzidoscontrasuspeitosmiserveis.No,ocrimenoalgoquesefaz,masumadeterminadarespostasocialaumalgosupostamentefeito.

  • 01/06/2015 Aetiquetadocrime:JusNavigandi

    http://jus.com.br/imprimir/10290/aetiquetadocrime 2/5

    Ocrime,portanto,noemergenaturalmenteapartirdeumacondutaproibidapraticadaporumagenteimputvel(modelodogmtico),nemresultadiretamentedeumacondutaproibidapraticadaporumserantisocial(modeloetiolgico),masoresultado de uma interpretao sobre que aquela conduta, vinda daquela pessoa,merece ser classificada como crime.Exemplificase. Imaginemosumamulherque tenta sairdeuma joalheria comumcaroenopagobraceletequandobarradapelosseguranas.Seessaaparentetentativadesubtraocoisaalheiamvel(art.155doCdigoPenal)sertomadacomo crime, sintoma compreensvel de cleptomania oumera distrao, vai depender menos dos detalhes da condutatentadadoquedoperfildaapontadainfratora.Atesedadistraocaibem,porexemplo,seasupostatentativafosserealizadaporumaclientehabitualdajoalheriaassimcomoatesedacleptomaniaseadequariaperfeitamenteseaacusadafosseumafamosaatrizdenovela.Jparaumaempregadadaloja,anicatese"compatvelcomarealidadedascoisas"adetentativadefurtopuroesimples.Acondutaamesma,aausnciadeprovastambm,soquevariar,nestecaso,soassuposiessocialmenteconsideradasadequadasaocaso.

    Crenaspresumidamentelgicas,masclaramenteideolgicasnaproteodosmaispoderososqueresolveroaquesto."Acreditamosserumsintomadecleptomania"dizemnotaodonodaloja"poisilgicocrerqueumapessoadeelevadaposiosocialiriaserebaixarapontodefurtarumajia".Eisaumadeclaraocoerentecomoimaginriopopulardequeofurtodelitoexclusivodepessoaspobres.Ora,seacleptomaniaumtranstornopsquico,suamanifestaonoseligaraofatodesepoderpagarounopelobracelete,mascompulsodetlosempagar.Assim,acondiodeserpobreourico,clinicamente,nodeveriaimportar.Ouessetranstornoexclusivodequemganhaacimadetantosmilhesporano?MesmooDSMIV(omanualdepsiquiatrianorteamericano)pareceinduziraessacrena,aocolocarqueofurtonacleptomaniacostumaserdeumbemdepoucovalormonetrio,relativamentespossesdeseupraticante.Masissosedeveorientaocorrente,abemdasociedade,dequeodiagnsticoparaacleptomaniadeveserresidual,sdevendoprevalecersenoformaisbemexplicadoporoutrotranstornodeconduta.Rasteiramente:seapessoanoprecisavadoquefurtou,ganhaforaatesedacleptomaniaseprecisava,deveserfurtomesmo.

    Polticosecorruptosdeelitedefendemsedamesmaforma:"Noprecisoroubar."Se,aolongodomundoe,particularmentenestepas, sseapropriassedosbens alheiosquemprecisasse, ouniversodas finanaspblicas seria esplendidamentesuperavitrio.Aocontrrio,setodososnecessitadospassassemaroubar,avidanumpasdetantosmiserveiscomooBrasilseriainsuportvel.Paraomalouparaobem,algicado"comosourico,noroubo"/"comosoupobre,roubo"noguardarelaocomosfatos:apenascomideologias.Edessaideologiaquesebeneficiaroasocialiteeaatrizparaexplicaremqueumbraceletenopago,emseupoder,nasadadaloja,spodeindicardistraoousintomaclnicofurtonunca.Masessamesmaideologiaselarofuturodaempregada,sobreaqualatesedadistrao,oudoena,servistacomoumaafrontainteligncia dos personagens que conduzem seu indiciamento criminal. Logo o delegado a lembrar que "no nasceuontem!".

    Entooqueumcriminoso?Criminosoaqueleaquem,porsuacondutaealgomais,asociedadeconseguiuatribuircomsucessoortulodecriminoso.PodeterhavidoacondutacontrriaaoDireitopenal,masapenascomesse"algomais"queseu praticante se tornar efetivamente criminoso. Em geral, esse algomais composto por uma espcie de ndice demarginalizaodosujeito:quantomaiorondicedemarginalizao,maioraprobabilidadedeeleserditocriminoso.Talndicecresceproporcionalmenteaonmerodeposiesestigmatizadasqueosujeitoacumula.Assim,seelenegro,pobre,desempregado,homossexual,deaspectolombrosianoeimigranteparaguaio,seundicedemarginalizaoseraltssimoe,qualquerdeslize,farcomquesejarotuladodemarginal.Emcompensao,seoindivduorico,turistanorteamericanoemfrias,casadoebranco,seundicedemarginalizaosertendentezero.Ortulodevtimalhecairfcil,masodemarginalscomumespetculoinvestigativosemprecedentes.

    Nooquesefaz,masoquese

    Contrariandoosmanuaisacadmicos,olabellingapproachsustentaquemaisfcilsertidocomocriminosopeloquesedoquepeloquesefaz.Essaafirmaoganhaforaquandonoslembramosdacifraoculta,nomenclaturaquedestacaqueascondutasdelituosasquechegamavirarprocessosjudiciaisconstituemapenasapontadoicebergdototaldecondutasilcitasefetivamente existentes em uma sociedade. Se nem tudo que, pela leitura da lei, deveria ser tido como crime assim reconhecido pela prtica dos operadores do sistema penal, deve haver um critrio de seleo para decidir entre tantascondutas ilcitaspraticadasquaissero,de fato, tratadascomocrime.O labellingapproach sustentaque talcritrioondicedemarginalizaodosujeito,onmerodeestigmasqueelecarrega,aindaquenenhumdelespreciseserdenaturezacriminal.Nessesentido,osistemapenalnoteriaafunodecombaterocrime,masadeatribuirrtulosdecriminososaosjmarginalizados.

    Pensemosemduaspessoasviajandonumnibus.Escondidaentreaspoltronasdasduasencontraseumpacotecontendodrogailcita.Nosesabendoaqualdelaspertence,investigamseambas.Asduassedizeminocenteseosindcioscolhidosnosoesclarecedores.Investigasequemsoelas.Odadireitacontabilista,empregadodamesmaempresah10anos,paidefamlia,depaletegravata.Jodaesquerdaumsurfista,sustentadopelospais,comumpiercingnasobrancelha.Bastasaber em qual dos dois seria mais fcil acrescentar o rtulo de criminoso para saber quem ser mais enfaticamenteinvestigado. Um rtulo predispe ao outro. Surfista desocupado e traficante combinammuito mais facilmente do quecontabilista empregado e traficante (pelo tirocnio de alguns policiais, quem temmenos dinheiro para viver temmaisdinheiroparacomprardrogas).Naprtica,emsituaescomoessas,sabesequeoEstadoselembrar,defatoededireito,queseudeverprovaraeventualculpadocontabilistaantesdesairalardeandoqueachouoculpado.oquemandaalei.Noentanto,comumafreqnciaassustadora,diantedosurfistadesocupadoonusseinverter,cabendoaoestedemonstrarsuainocncia,trocandoseapresunodeinocnciadeterminadapelaleipelasregrasdapragmticarepressiva.

  • 01/06/2015 Aetiquetadocrime:JusNavigandi

    http://jus.com.br/imprimir/10290/aetiquetadocrime 3/5

    Ortulodemarginalparecenoteradernciadiretapeledosindivduos.Paraaderir,necessrioquetais indivduosprimeirotenhamsidoseladoscomoutrosrtulosestigmatizantes,precisoqueseundicedemarginalizao sejaalto.assimqueoprocesso contra opolticodesonestoquase nunca concluir nada.As recorrentes alegaes de ausncia deprovas,decerceamentodedefesaeademoranaao,quelevarprescrio"semjulgamentodemrito",ofavoreceroantesqueortulodecriminosopossalheserimpingido.Jparainvestigar,processareencarcerarumindivduopobre,osistemarepressivorpidoequaseinfalivelmentecondenatrio.queabaseondefixarortulodemarginaljexistia:aprpriapobreza.Todosesperavamacondenaoeelaveio.Nenhumasurpresa.

    Ladeiraescorregadia

    Umestigmapredispeaooutro.comoumaladeiraescorregadia:umaveztendodescidooprimeirodegraudaexcluso(serpobre,desempregado,bicha,pretoouprostituta)precisotermuitocuidadoparanodescermaisoutroeoutro,atchegarao final do processo excludente, sintetizado no rtulo de criminoso. assim que comentrios aparentemente causaisexplicativossodadosnamdiaquandosedescobre,porexemplo,queoassassinoerahomossexual.Naleiturapopularhumcontinuumdotipo:homossexual,pervertido,criminoso.Jseesperava.Damesmaforma,tudopareceestaresclarecidoquandosedescobrenacasadoacusadodeassassinatoumacoleodefilmespornogrficosqueaautoridadeexibircomosefossederelevnciacrucialprovaquelhecabebuscar.Amentecozidaemfolhetinspoliciais,amide,segueumanefastalgicadotipo:gostoporpornografia=perverso=apredisposioassassina.Esseumexpedientequeencantaaplatia,vidaporcuriosidadeseaberraes,epermitedisfararaausnciadecompetnciaprobatriadoespetculo.

    Mas,bemverdade,queumestigmanolevaaoutroapenasporefeitodeumetiquetamentodesonesto.No,umestigmaefetivamentepodelevaraoutro,porquequantomaisestigmasalgumcarregamenoscustosolheserassumiroutros.Bastalembrarque todoestigmaumadepreciaonovalorsocialdealgum.Assim,quantomaisestigmasessealgumtivermenos socialmente ele valer, tendo pouco a perder ao se dispor a assumir mais um rtulo depreciativo. Um sujeitomarginalizado mais facilmente recrutado para os modos de vida ilcitos. Depois de ter perdido o lar e a escola, relativamentepoucocustosoaoadolescenteembrenharsenomundodasinfraes,quersejaassumindoaculpadeoutrem,quersejaefetivamentetomandopartenaaocriminosa.Apartirdomomentoemquedesseadolescentej"noseesperavagrandecoisa",abriuseoconviteparaquedeleseesperassemaspiorescoisas.Cadaestigmaaumentaavulnerabilidadedosujeitosdemandasdomundodocrime.

    Aquemjestnoinfernoinferealgicapopularcustapoucodarumabraonodiabo.Sejnosetemmuitoaperder,podese, com poucos receios, arriscar perder tudo, pois, em se tratando de dignidade, o valor de cada um de seuscomponentesdecrescemedidaquedecresceseutodo.precisoterahonrageralintactaparaquesepossaserdesonradoemaspectosespecficos.MesmooDireitocivilsegueessacrena.Assim,tradicionalmentesermaiorovalordaindenizaoestticadeumdanoproduzidocontraumrostointacto,bonito, semcicatrizes,doqueseomesmodano fosseproduzidocontraumrostojmarcadoedeformado.Algicadareparaocivil,nestecaso,bblica:muitoserdadoaquemmuitojtem(outeve).Emformadeexemplo,quemnopossuiosdentesincisivosnodeversofrertantocomaperdadeumdoscaninossofrimentoconsideradoterrvelparaaquelequetemumadentioperfeita.Paraasquestesdeestigma,essecritriodereparaocivilpareceaplicvel:quantomenosrespeitosocialsepossuimenoscustosoperderesseresduodedignidade.

    A sociedade cria omarginalizado de forma a deixlo a apenas um passo damarginalidade. assim que o dito crimeorganizadocomandadoporpessoasnemumpoucoexcludaspoderecrutartofacilmentepobres,negrosemiserveisparafazerapartesujaearriscadadotrfico.Recrutamsepessoascujadinmicadasobrevivnciadesceuaonveldo"seforpreso, azar" ou "semorrer,morreu". Pessoas que j no tm o que perder. Tire de uma pessoa uma boa parte de suadignidadesocialeelafacilmenteseencarregardeacabarcomoresto,poisquantomaisbaixaasuaposionasociedade,menorsosuasalternativasdevidahonrosaemenoressotambmoscustossimblicosdesuaentradanomundodocrime.Umaexclusoabrecaminhoparaaoutraeassimsucessivamente.

    Emboraumestigmapossafacilitaraentradaemoutro, issonoautorizaosacusadorespblicosafazeremumadeduosimplista de que quem j tem pouco a perder foi o responsvel pelo crime de autoria incerta. Seria inverter causa econseqncia.Oraaprostituta,porexemplo,tempoucoaperderacrescentandoaoseumtieraescriminosas(comoopequeno trfico de entorpecentes) justamente porque, mesmo antes de entrar no crime, j era tratada como se fossecriminosa.Seumapessoanoperdesseadignidadeporserprostituta,nolhecairiafacilmenteortulodecriminosadiantedeumaacusaomal fundamentada. justamente porque a sociedade faz comque um estigma leve a outro que elesefetivamenteseguemessalgica.Numexemploinverso,omdicoviciadoemmorfina,quetendoacessofcildroga,ehorriosdeplantoparadisfarar seu vcio, ser capazde conservar suadignidadedepessoa honesta e produtiva, nosofrendoosefeitosdamarginalizao.viciadoapenas,sendorazovelsuporquerepudiariapropostascriminosascomotraficar,furtar,matarcomoqualqueroutrapessoa.Algicano,portanto,adequeumacondutailcitaleveaoutra,masadequeumasituaodemarginalizaosejaumefetivoconviteaqueseabraceoutra.

    Oqueservecomoexplicaosociolgicadaentradafacilitadadosmarginalizadosnomundocrime,noservecomorecursosimplificadordosprocedimentosdeinvestigaocriminal.Aconclusodeumainvestigaocriminalnopodeseapoiaremmximasdo tipo: "Dentreosacusados,criminosoaquelequepossuiromaior ndicedemarginalizao."Assim, umabsurdoquecertosdelegadosdiantedeumamorteviolentaeincertanumafavela,semsaberquemavtimaeseuautor,semnadasaberdaquelecrimeespecificamente,digamcomestpidaconvicoaoreprterdaTV:"provvelenvolvimentocomotrficodedrogas",comoseamortedosquevivememfavelasnopudessedecorrerdemotivospassionais,vingana

  • 01/06/2015 Aetiquetadocrime:JusNavigandi

    http://jus.com.br/imprimir/10290/aetiquetadocrime 4/5

    pessoal,motivosfteis,crimespatrimoniais,familiaresetc.paraaconteceralisemorreapenasporaodotrfico.Aplatiasocialnovamentegostaeoespetculopodeserconduzidodequalquerforma,poisquemseimportacomtodesqualificadomorto?Agora,diantedamortedopolticoqueiadepornumprocessocriminalnodiaseguinte,alardeandoqueentregariamuitosnomesdepessoasimportantes,omesmodelegadoseriapateticamentecauteloso:"Todasashipteses,inclusivedecrimepormotivaespolticas,estosendoaveriguadas".que,particularmentenoBrasil,ricospodemmorrerdemuitasformaspobresapenasdaformaquemenostrabalhoderinvestigao.

    Snopagaquempode

    Nos desdobramentos tericos do labelling approach, o que chamamos de imputao criminosa seria, na verdade, oresultadodeduasdistores,sintetizadassobosugestivonomede"processodecriminalizao".Naprimeiradistoro,hachamada criminalizao primria, feita, sobretudo, pelo legislador penal, que consiste na eleio de condutas a seremconsideradascriminosasnopelocritriododanosocialqueprovocam,maspelaorigemhabitualdosquepraticamtaiscondutas.Umexemploparadigmticonestesentidoexpressopeloartigo176doCdigoPenalbrasileiroque incriminaaqueleque,dentreoutrascondutas,tomarefeioemrestaurante"semdisporderecursosparaefetuaropagamento".Sim,vocleucerto,shcrimesequemtomouarefeionorestaurantenotinhadinheiroparapagla,masseeledispunhaderecursosparatalesimplesmentepreferiunoefetuaropagamentonopoderserincriminado.Oobjetivodessaleino,comoentoficabvio,evitardanosaopatrimnioalheio,nemconvenceraspessoasaquepaguemarefeiotomada,masevitarqueosmaispobrespossamse"aproveitar"desuapobreza.Ajurisprudnciaconfirma:"Paraconfigurarseocrime,necessrioqueoagentefaaarefeiosemterdinheiroparapaglasetemrecursos,masnopaga,comoacontecenospindurasestudantis,oilcitoscivilenopenal"(TACrSP,Julgados90/83).

    Aocriarleis,portanto,humprocessodecriminalizaoprimria,resultantedaintolerncialegislativacomacondutadosmaispobres.Quandofalamosdecriminalizaoprimria,falamos,emsntese,deduascoisas:

    a)Ocrimenoumarealidadenatural,descobertaedeclaradapeloDireito,masumainvenodolegislador,algocrimenonecessariamenteporquerepresenteumacondutasocialmenteintolervel,masporqueoslegisladoresdesejaramqueassimfosseb)E essa inveno segue critrios de preferncia legislativa, cujos balizamentos no costumam respeitar princpios derazoabilidadeouproporcionalidade,gerandoleispenaisdurssimascontraascondutasdosmaispobreserarefeitasemsetratandodecrimestpicosdosestratossociaiselevados.

    Na segunda distoro, chamada de criminalizao secundria, entram em ao os rgos de controle social (polcia,judicirio,imprensaetc.)que,aoinvestigaremprioritariamenteosportadoresdemaiorndicedemarginalizao,acharopor bvioummaiornmerode condutas criminosas entre eles. Semais vezes os pobres so tidos como suspeitos, secondiescomopossuirempregoeresidnciafixainfluenciamnosrumosdoprocessopenal,semuitosdosadvogadosquedefendemosmaispobreschegamtardesaudinciasedemonstrampoucointeressenessascausas,senoterummodelofamiliaridnticoaodasclassesdeondeprovmosjuzeseseusauxiliaresfacilita,sobremaneira,ortulode"provenientedefamliadesestruturada",seterumpassadotortuosocapazdesupriraausnciadeprovasnapresenteacusao,ento,nohoutrasada:osmarginalizadosserofacilmenteconvertidosemmarginais.Aetiquetapenallhesaderirpele,edelajamaissair.

    Emsntese,olabellingapproachatuoucomoumdespertadorinconvenientenosonodopenalistadogmtico,quejuravaqueoDireitopenalnadamaisfaziadoquenosprotegerdepessoasessencialmentems.Aocontrrio,olabellingveioparamostrarquenossotipohabitualdecriminosopobreeencarceradorevelamuitopoucosobreaestruturadomalemsi,emuito,masmuitomesmo,sobreaideologiadesigualitriadenossasociedade.

    Bibliografia:

    ANDRADE,V.R.P.(2003).Sistemapenalmximovs.Cidadaniamnima.PortoAlegre:DoAdvogado.

    BECKER,H.(1978).Losestraos.BuenosAires:TiempoContemporneo.

    BERGER,P.L.eLUCKMANN,T.(2000).Aconstruosocialdarealidade.Petrpolis:Vozes.

    Farrington, D. (1991). Psychological contributions to the explanation of offending. Issues inCriminologicalandLegalPsychology.Vol.1,n.17,719.

    GOFFMAN,E.(1988).Estigma.RiodeJaneiro:Guanabara.

    LOMBROSO,C.(1969).Luomodelinqente.Roma,s.ed.

    SELL,S.C.Comportamentosocialeantisocialhumano.Florianpolis:Ijuris,2006.

    ZAFFARONI,E.R.&BATISTA,N.DireitopenalbrasileiroI.RiodeJaneiro:Revan,2003.

    XIBERRAS,M.(1996).Asteoriasdaexcluso.Lisboa:InstitutoPiaget.

  • 01/06/2015 Aetiquetadocrime:JusNavigandi

    http://jus.com.br/imprimir/10290/aetiquetadocrime 5/5

    Autor

    SandroCsarSell

    advogado em Florianpolis (SC), mestre e doutorando em Direito pelaUniversidadeFederaldeSantaCatarina,professordeCriminologiaeDireitoPenaldaUNIVALIeCESUSC

    Informaessobreotexto

    Comocitarestetexto(NBR6023:2002ABNT)

    SELL, Sandro Csar. A etiqueta do crime:. Revista Jus Navigandi, Teresina, ano 12, n. 1507, 17 ago.2007.Disponvelem:.Acessoem:1jun.2015.


Recommended