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A POESIA DE DENTRO DA NOITE VELOZ
Adonis Nóbrega da Silva
Dissertação de Mestrado em Teoria Literária
apresentada ao Programa de Pós-graduação
em Ciência da Literatura da Faculdade de Letras
da Universidade Federal do Rio de Janeiro –
UFRJ –, como parte dos requisitos necessários
à obtenção do título de Mestre em Ciência da
Literatura.
Orientador: Luis Alberto N. Alves.
Rio de Janeiro
Janeiro de 2016
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A POESIA DE DENTRO DA NOITE VELOZ
Adonis Nóbrega da Silva
Dissertação de Mestrado em Teoria Literária
apresentada ao Programa de Pós-graduação
em Ciência da Literatura da Faculdade de Letras
da Universidade Federal do Rio de Janeiro –
UFRJ –, como parte dos requisitos necessários
à obtenção do título de Mestre em Ciência da
Literatura.
Aprovada por:
_______________________________________________________
Orientador: Luis Alberto Nogueira Alves, professor/doutor da UFRJ.
_______________________________________________________
João Roberto Maia, professor/doutor da FIOCRUZ.
_______________________________________________________
Victor Ramos Lemus, professor/doutor da UFRJ.
4
Para Sônia e Rinaldo.
5
AGRADECIMENTOS
Sou grato a Luis Alberto, professor que me vem
formando desde a graduação e que em tempos
de hiperfragmentação de pessoas e
pensamentos tem sido um incansável criador de
espaços de debate rigoroso e generoso sobre a
teoria crítica e a literatura brasileira – o que
instigou grande parte das considerações
registradas aqui; Luiza Chapper, minha
companheira nessa e em outras empreitadas;
Sônia e Rinaldo, sem os quais a possibilidade
de um ensino superior sequer teria existido.
6
O espírito recusa-se a conceber o espírito sem corpo.
Oswald de Andrade, Manifesto Antropófago.
7
RESUMO
SILVA, A. N. Resumo de A poesia de dentro da noite veloz, dissertação de Mestrado
apresentada ao Programa de Pós-graduação em Ciência da Literatura da Faculdade
de Letras da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ –, como parte dos
requisitos necessários à obtenção do título de Mestre em Ciência da Literatura.
Este trabalho busca entender o livro Dentro da noite veloz sublinhando a
vocação pública e polêmica de Ferreira Gullar, que assinala uma combatividade sem
a qual não se compreendem suas escolhas nem o seu desenvolvimento como artista.
O ponto de partida para tanto foi o ensaio “Traduzir-se” de João Luiz Lafetá, cuja
leitura é fundamental para o entendimento dos caminhos percorridos neste trabalho,
pois sua abordagem influenciou boa parte da crítica subsequente e foi peça de
constante diálogo ao longo deste texto. Como a tarefa crítica muitas vezes envolve o
ato fundamental de apontar a diferença entre intenção, projeto e realização, a leitura
dos poemas foi feita a partir de comparações, revelando as implicações de certas
escolhas no uso de estilos alternativos. Estes provocam o confronto entre aspectos
literários, críticos, teóricos e existenciais em um âmbito menos compartimentado e
realmente vivo, onde a grandeza das posições históricas do autor pode ser avaliada
pelo relevo de seus antagonismos. No entanto, a criativa retomada do modernismo e
a exigência de modernização deram forma a uma composição nem sempre bem
resolvida, e o saldo positivo da poesia de Gullar muito deve à sua adoção de uma
formulação menos rígida e mais flexível – em um evidente embate contra a cobrança
da mensagem urgente –, a forma dos seus melhores poemas, sua estética.
Palavras-chave: Poesia brasileira; Ferreira Gullar; Dentro da noite veloz.
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ABSTRACT
SILVA, A. N. Abstract de A poesia de dentro da noite veloz, dissertação de Mestrado
apresentada ao Programa de Pós-graduação em Ciência da Literatura da Faculdade
de Letras da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ –, como parte dos
requisitos necessários à obtenção do título de Mestre em Ciência da Literatura.
This paper seeks to understand the book Dentro da noite veloz stressing public
vocation and controversial Gullar, which marks a fighting spirit without which do not
understand your choices or your development as an artist. The starting point for both
was the essay "Traduzir-se" John Luiz Lafetá, whose reading is fundamental for
understanding the paths taken in this work, because his approach influenced many of
the subsequent critics and was part of ongoing dialogue throughout this text. As the
critical task often involves the fundamental act of pointing out the difference between
intent, design and implementation, the reading of poems was made from comparisons,
revealing the implications of certain choices in the use of alternative styles. These
provoke confrontation between literary aspects, critical, theoretical and existential
context in a less compartmentalized and actually live, where greatness of the historical
author of the positions can be evaluated by the relief of their antagonisms. However,
the creative resurgence of modernism and the need to modernize formed a
composition not always well settled, and the positive balance of Gullar poetry owes
much to its adoption of a less rigid formulation and more flexible – in an obvious clash
against the collection of the urgent message – the shape of his best poems, his
aesthetic.
Keywords: Brazilian poetry; Ferreira Gullar; Dentro da noite veloz.
9
10
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO .......................................................................................................... 11
1 – A MODERNIZAÇÃO DA POESIA ........................................................................ 18
1.1 – O espírito e a sensibilidade .......................................................................... 25
2 – A POESIA DE DENTRO DA NOITE VELOZ ........................................................ 31
2.1 – A marcha das ideias: a missão do Centro ................................................... 38
2.2 – A marcha das ideias: ruptura e apego .......................................................... 52
3 – CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................. 69
BIBLIOGRAFIA ......................................................................................................... 73
11
INTRODUÇÃO
No início da década de 1980 João Luiz Lafetá sugeriu que a “última fase da
poesia de Gullar evolui por etapas”.1 A primeira seria composta por poemas populistas,
caracterizados desse modo pelo fato de pretenderem expressar uma nação brasileira
e um povo, que por este motivo matariam a arte. A segunda constituiria “um verdadeiro
retorno à poesia”, caracterizado sobretudo a partir “da própria experiência da derrota”.2
E, para concluir, o autor falou bem desta segunda etapa, como homem de um
momento dominado pelo espírito revisionista da redemocratização.
O ponto de vista segundo o qual a linguagem coloquial e a visão realista teriam
início logo após o golpe de 64 recebeu um aparente rigor da parte de Lafetá, que
pensou ter encontrado o seu alicerce no poema “Homem comum”. E essa
caracterização foi muito retomada, até se converter em um daqueles lugares-comuns
que mais travam do que estimulam a reflexão.
Se a proposta fosse exata, a questão em torno da filiação dos primeiros poemas
do livro estaria solucionada, e junto com ela uma boa parcela da caracterização
1 LAFETÁ, João Luiz. A dimensão da noite e outros ensaios. Organização de Antonio Arnoni e prefácio de Antonio Candido. São Paulo: Duas Cidades; Ed. 34, 2004, p. 199. 2 Idem, p. 206.
12
crítica.3 Mas, na verdade, Lafetá concebeu como base para fundamentar a sua leitura
uma petição de princípio e estabeleceu como provado o que restava provar, isto é,
que o poema “Homem comum” foi escrito logo após o golpe de 64. A partir disso, o
autor fez certas associações e achou o que procurava achar, mas não o que uma
leitura objetiva teria mostrado: o poema “Homem comum” foi escrito em 1963 e segue
a proposta d o Centro Popular de Cultura da UNE – CPC da UNE.
Diante disso, se retomarmos, passo a passo, a leitura e o andamento dos
primeiros poemas de Dentro da noite veloz, comparando-os com os de Violão de rua,
vemos que os volumes desta série em quase nada motivaram de significativo na
composição de Gullar, ainda que seja possível afirmar que o autor recebeu
diretamente sugestões de outras artes públicas ligadas à proposta do CPC, como o
cinema, o teatro e a canção. E então percebemos que a separação proposta por
Lafetá está mal localizada, não havendo mais motivo, portanto, para lhe dar a última
palavra.
Atualizando o debate, poderíamos dizer que o reconhecimento do valor artístico
de Dentro da noite veloz vem acompanhado do desaparecimento das suas
particularidades históricas, ao passo que a ênfase nestas particularidades resulta em
prejuízo na tentativa de almejar a valorização da obra. O poeta entraria para o cânone
e seria conduzido pelo cortejo triunfante dos vencedores de turno, mas não as
influências recebidas, que continuariam descartadas pela história oficial. Inclusive,
poderíamos dizer que a supressão parcial de uma determinada parte da história abriria
as portas da atualidade, que em contrapartida permaneceriam fechadas aos esforços
da emancipação da consciência histórica. E percebemos com isso que, embora o
objetivo de Lafetá seja declaradamente “discutir as ideias e a prática de Ferreira Gullar
com relação ao problema do ‘nacional-popular’”,4 o autor destina cerca de trinta
páginas do ensaio a falar do nacionalismo e do populismo sem que nenhuma menção
direta seja feita a qualquer um dos primeiros poemas de Dentro da noite veloz, que
são o nervo da questão.
Contudo, no estado atual do debate, a formulação de Lafetá traz alguma
verdade, pois a falta de articulação interna e circulação intelectual, referidas ao
3 Seguindo a leitura proposta por Lafetá, os primeiros poemas seriam aqueles escritos durante a primeira etapa, ou seja, antes do golpe de 64. De acordo com esta leitura, estes poemas seriam: “Meu povo, meu poema”, “A bomba suja”, “Poema brasileiro”, “Voltas para casa”, “Não há vagas”, “No mundo há muitas armadilhas” e “O açúcar”. 4 LAFETÁ, Ibid., p. 124.
13
conteúdo social sedimentado nas formas literárias, é um fato, com impacto substantivo
no cenário. E é a partir de suas opiniões incisivas que o referido ensaio serve de ponto
de partida para este trabalho. A única dúvida seria referente à filiação da produção de
Gullar à “poesia brasileira moderna”, e talvez nem esta, se entendermos que Lafetá
se referia a uma produção socialmente compromissada desde a década de 1930,
enquanto o intuito deste trabalho é caracterizar um aproveitamento específico que
Gullar faz da “consciência do subdesenvolvimento”.5 Nos poemas em que nos
detivemos, esta inspirou sugestões, erigiu-se em assuntos dos quais foi impossível
para o autor se esquivar e se tornou estímulo para a criação, com a virtude de
despertar uma imponência criadora que irá invadir o campo da sensibilidade.
Dito isso, o golpe de 64 não é decisivo para o entendimento do livro Dentro da
noite veloz. Os motivos que distinguiriam uma primeira etapa do restante do livro são
considerados superados, e não têm importância essencial para este trabalho. Atribuir
à obra uma separação rígida devido a um determinado processo social em que está
inserida é considerado um equívoco de abordagem, cuja repercussão encontramos
frequentemente na produção crítica sobre Gullar, baseada principalmente em dois
equívocos que seria aconselhável evitar de qualquer modo: o primeiro tem por base
uma dissociação, por meio de uma operação (na acepção clínica da palavra) de
“ruptura epistemológica”, entre a produção de uma juventude “idealista” do restante
da obra, considerada “materialista” e da maturidade; o segundo, por outro lado, tem
por base considerar toda a sua produção como um grande bloco monolítico, e de
modo algum leva em consideração a ampla e profunda transformação produzida pela
descoberta da situação histórica do país no início da década de 1960. Arriscando,
poderíamos dizer que, para compreender o movimento completo dos caminhos
escolhidos por Gullar, seria preciso considerar concomitantemente a permanência de
certos temas essenciais e as várias alterações e rupturas que assinalam sua trajetória
artística. E, nesse caso, mais do que de evolução, talvez fosse preciso falar de
estratificação, reconhecendo com isso a relevância da guinada histórica para a sua
obra, a partir da qual o poeta exprimi uma renovada desconfiança no que diz respeito
à sua formulação. Ao caminho do poeta como militante se sobrepõe o do artista que
projeta novas formas, e ambos são discerníveis apenas na apreciação dos poemas,
na medida em que formam – inseparáveis – a trajetória do poeta.
5 Sobre isso, consultar Antonio Candido, “Literatura e subdesenvolvimento”, in A educação pela noite e outros ensaios. 2 ed. São Paulo: Ática, 1989.
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Desde já, falemos então que em Gullar toma corpo a modernização da poesia
brasileira no que ela tem de mais profundo, pois tendo partido da posição de
vanguarda construtiva, o autor chega ao CPC por uma recuperação do espírito da
modernização em sua forma mais ampla, ou seja, que busca modernizar a sociedade
como um todo. Nesse caso, em lugar de atualização cultural estritamente artística e
com termo de referência na Europa e nos EUA, caberá junto aos poemas o
questionamento dos vínculos internos do país, cujo atraso, em que nos
reconhecíamos como subdesenvolvidos, era entendido como parte de um problema e
um elemento necessário para uma solução adequada e moderna.
E vem daí a força de Dentro da noite veloz. Em um primeiro momento, quando
Gullar optou pelas formas pré-fabricadas, o poeta optou por versificação que deveria
inevitavelmente se sobressair (como quando faz uso da redondilha, por exemplo).
Nesse sentido, conduziu seus poemas à manifestação cultural da fome através da
criação de imagens, expressões e sequências que se conectavam à força obscura
dos temas. E estes produziam a articulação total dos poemas da fase de choque
enaltecendo e trazendo para primeiro plano a concepção tradicional do verso como
unidade autônoma. No entanto, vemos também que Gullar em pouco tempo, quando
ainda mantinha contato direto com o CPC, procurou encontrar outras saídas para a
utilização do verso, fato que o levou a relegar para segundo plano aquela concepção
mais tradicional. Buscando desenvolver a modernização da poesia, o poeta passou a
reduzir a autonomia do verso, disciplinando-o em cortes que o bloqueiam, em ritmos
que o desmembram e em distensões que o mergulham em unidades mais amplas.
Quando fez isso, Gullar buscou desenvolver a proposta do CPC a partir da retomada
da concepção drummondiana da superação da autonomia do verso para uma forma
mais flexível, o que permitiu a expressão de um espaço sem limitações, em que a
poesia deriva da figuração total do poema livremente constituído, descoberto na
descida à constatação do cenário atrasado da vida brasileira. Com isso, Gullar foi
buscar um sistema expressivo que se estende para além da concepção tradicional
que utilizou em um primeiro instante, criando naquele momento uma das expressões
mais conhecidas da sensibilidade brasileira diante das consequências do
subdesenvolvimento. E isto, notemos bem, não apesar das normas e fontes do CPC
(como se pensa desde o ensaio de Lafetá), mas por causa delas. Graças à busca de
uma sistematização, Gullar guiou e foi guiado pela inspiração da Estética da fome,
que já influenciava grande parte da intelectualidade nacional, embora ainda não
15
estivesse devidamente sistematizada. O poeta inclusive fez parte de um esforço
coletivo que freou e compensou de antemão certos desdobramentos da cena artística
brasileira no decorrer década de 1960, que romperiam com a dívida histórico-social
com os de baixo.6
Em Dentro da noite veloz vemos que a percepção histórica abre espaço para
um novo ponto de apoio na composição de Gullar. Sua obra não pode ser entendida,
portanto, como algo necessariamente diverso das influências recebidas no CPC. Por
isso acho legítimo que os estudiosos de sua obra incorporem à análise do livro os
poemas escritos no início daquela década, e por isso acho válido incluí-los neste
trabalho, cabendo, para o entendimento do conjunto, o discernimento de cada poema
no processo de modernização da poesia vivido então.
Mas a influência do CPC pressupunha também que o valor de Dentro da noite
veloz dependia de sua feição representativa. Do ângulo histórico, é flagrante que o
conteúdo desta orientação foi algo positivo a Gullar, mesmo como elemento de
valorização estética, dando base de sustentação à imaginação e dinâmica à forma.
No entanto, não devemos considerá-lo subsídio de avaliação para o entendimento dos
poemas, lembrando que, após ter sido recurso ideológico no curto período em que a
modernização e a emancipação popular seguiram juntas um caminho que pretendeu
superar o subdesenvolvimento, é atualmente inapropriado como critério de avaliação,
constituindo nesse sentido um equívoco de leitura. Não se trata de valorizar ou de
negar as perspectivas cepecistas, evidentes em muitos poemas deste livro, mas de
mostrar a sua força, o conteúdo que os vivifica esteticamente. Para tanto, este será
entendido também como ideologia, quando então a composição alcança
funcionalidade crítica e validade mimética concernente ao país. Trata-se de aspectos
objetivos da configuração dos poemas e que estão presentes em ato, em muitos casos
mesmo que não estejam ditos de forma ostensiva.
Cabe, pois, deslocar o debate. Se o processo efetivo de superação do
subdesenvolvimento não tomou o caminho desejado e o rumo dos eventos foi outro,
a análise de conjuntura embutida no compromisso assumido por Gullar se torna
duvidosa por sua vez, devendo ser tomada como parte do problema, e não como lição.
Lido assim, o fator histórico encontrado nos poemas de Dentro da noite veloz atua
como um elemento de arte. O didatismo de certos casos é um princípio da
6 Sobre isso, consultar Roberto Schwarz, “Verdade Tropical: um percurso de nosso tempo”, in Martinha versus Lucrécia: ensaios e entrevistas. São Paulo: Companhia das Letras, 2012.
16
composição. Mesmo violando o âmbito estético, o vínculo militante com o leitor
funcionaria como um pressuposto formal, acionando certos recursos que suspendem
a transitividade simples por sua vez. Diferentemente do que foi afirmado por Lafetá, a
verdade da composição não estaria no compromisso assumido, no recado urgente ou
nas simplificações presentes nos poemas, mas na movimentação dinâmica do
processo, de que a composição e a própria atitude didática seriam uma parcela a
interpretar, e não a última e decisiva instância. Tudo isso consiste em dar mais relevo
à obra que à teoria, ou melhor dizendo de buscar a função desta no interior daquela.
A intenção principal é liberar os nossos olhos também para a poesia gullariana,
ofuscada pela evidência das questões históricas, quase sempre mais fáceis de
discutir. “Contra todas as catequeses”, diria Oswald de Andrade; ou melhor: “Ver com
os olhos livres”. Nessa perspectiva, os caminhos que Gullar buscava na composição
seriam mais da ordem da pergunta do que da resposta, ainda que as mensagens
transmitidas tivessem horizonte para a participação. Em outras palavras, depois de
desconsiderada em um primeiro plano, a imanência formal é reposicionada em outro
raio de mais amplitude por força das diversas preocupações com a composição, cujo
sentido cabe à leitura caracterizar.
Digamos, então, que a Gullar em momento algum ocorreu seguir à risca o
Anteprojeto do manifesto do Centro Popular de Cultura, que, no entanto, serviu como
desafio, vindo de outra região de reflexão.7 A atitude didática e o uso do verso, nos
quais dentre outras coisas devemos perceber uma atitude de radicalização
vanguardista, têm parte essencial na composição. O acento no raciocínio produzido
pelos poemas colocou em ação o desnudamento da ideologia corrente à direita, mas
tornava inaceitável a gelatina populista, ao passo que contrastava com o fraco
potencial estético-histórico dos poemas do Violão de rua. E apesar de estar
devidamente informado sobre as limitações destas posições, Gullar seguiu
reconhecendo-as como suas na busca de consequências para a modernização da
sociedade brasileira. Obviamente, é válido e pertinente perguntar pela importância do
Anteprojeto para “Meu povo, meu poema”, marco da renovação de Gullar, ou para o
poema “O açúcar”, um poema didático-reflexivo em que se expõe o passo a passo da
exploração econômica. Contudo, o entrecho pode ser melhor aproveitado se for
invertido. A verdade é que o ascenso histórico dos trabalhadores e as tensões próprias
7 O texto pode ser encontrado em Arte em revista, Centro de estudos de arte contemporânea, São Paulo, Ano 1, n. 1, 1979.
17
à modernização – em um primeiro momento via industrialização, em seguida via
reformas de base – tornavam a vanguarda construtiva do decênio anterior
ultrapassada e levavam Gullar a reinventar a roda, ou seja, a poesia lógico-discursiva,
com efeito tão vivo quanto insatisfatório. Nesse contexto, o Anteprojeto tinha muito a
oferecer como fato que se intrinca em aspectos positivos e negativos, cabendo a
leitura dos poemas o papel decifrá-los.
Em Os irmãos Karamázov, Dostoiévski nos fala que “não só o excêntrico ‘nem
sempre’ é uma particularidade e um caso isolado, como, ao contrário, vez por outra
acontece de ser justo ele, talvez, que traz em si a medula do todo”. Dentro da noite
veloz dá impressão análoga em relação aos poemas que vivifica. Desde que os
leiamos com discernimento, eles esclarecem a nossa vivência, recompensando com
a inteligência e o sentimento daquele momento “que só é considerado remoto e datado
por aqueles que temiam os desafios surgidos então, e que ainda os temem justamente
por os saberem presentes demais em sua nova latência”.8
8 VELOSO, Caetano. Verdade Tropical. São Paulo: Companhia das Letras, 1997, p. 19.
18
1
A MODERNIZAÇÃO DA POESIA
As vanguardas construtivas significaram, para o desenvolvimento da obra de
Ferreira Gullar, uma inserção mais completa no ritmo do tempo, ou seja, em um
sistema expressivo segundo o qual se havia forjado a arte contemporânea brasileira,
dando “o passo adiante que a vanguarda construtiva europeia evitara dar”.9 Com a
devida distância do tempo, percebemos que naquele momento havia também o
propósito de realizar, simultaneamente, uma poesia como forma de compromisso e
como ferramenta, aproveitando-a para enaltecer o país – tanto fazendo aqui o mesmo
que estava sendo feito no cenário artístico do estrangeiro, quanto iluminando a
revolução estilística de Oswald de Andrade.
Embora exprimindo-o de modo bastante distinto, a vanguarda que no início do
decênio de 1960 se colocou diante de Gullar prolongou este traço sem rompimento
essencial, graças a dois novos fatores: o CPC e a modernização via reformas de base.
E esse processo se dá de tal modo que o desenvolvimento esteticamente muito
coerente da produção artística do autor se viu fraturado: no que diz respeito à
expressão, surgindo a renovação das concepções formais de sua poesia; no que diz
respeito aos temas, exprimindo com ânimo outras feições da vida, tanto individuais
9 GULLAR, Ferreira. Experiência neoconcreta: do cubismo à arte contemporânea. 3 ed. Rio de Janeiro: 2007, p. 21.
19
quanto sociais. Se do ângulo literário Gullar experimentou com as vanguardas
construtivas uma forma madura de consciência literária e um momento antagônico em
relação àquela dualidade entre tendências particularistas e universalistas
(característica principal da literatura dos países periféricos),10 do ângulo histórico a
nova postura do autor irá relegar a vanguarda da década anterior, entendendo-a a
partir de agora de outro modo – como produção ideológica convertida em ilusão
compensadora da vida local. E como a vanguarda construtiva já ia se mostrando
incompleta para traduzir os modernos pontos de vista, podemos dizer que para o
desenvolvimento da poesia de Gullar foi uma benéfica quebra de continuidade, que
possibilitou um apreciável desafogo, devido à alteração, ou até mesmo reajuste, de
velhos temas e recursos, com ostensivo benefício da expressão. Isso compensou
amplamente os prejuízos, uma vez que seria impraticável preservar as vantagens do
universalismo e do equilíbrio da vanguarda construtiva sem sufocar simultaneamente
a manifestação do espírito novo do país que ia se inventando. Graças ao CPC, a
poesia de Gullar pôde se adequar ao presente.
Para compreendermos melhor essa caracterização, lembremos ainda que as
tendências acima reforçaram as que já vinham se acentuando desde o segundo livro
do autor. A seu modo, este já seguia aquela visão desmistificadora do país inaugurada
pelo Regionalismo da década de 1930, que antecipou de certo modo a tomada de
consciência dos economistas da década de 1950. Assim como A luta corporal fez a
transfiguração linguística da indigência da morte – e vida – nordestina e permitiu
emprestar àquele contexto dimensões de tragédia universal, favorecendo a aplicação
social da poesia de Gullar e voltando-a para uma abordagem construtiva do país, a
vanguarda desse novo momento aperfeiçoou nela o propósito engajado, dotando-a
de uma disposição íntima para elaborar uma poesia moderna que pudesse exprimir
de maneira adequada uma produção nacional.
Mas o que era entendido por isso naquele momento? Para uns era a afirmação
do país contra o imperialismo; para outros a descoberta de novas formas de
expressão; para outros, enfim, e no caso específico de Ferreira Gullar, uma poesia
ainda não tão bem definida, ainda a ser pensada, que poderia explorar novos aspectos
da vida social e individual, mas que nos exprimisse. A nossa arte deveria reconhecer
a nossa experiência, cabendo ao artista, se quisesse ser nacional, compreender a
10 Sobre isso, consultar Antonio Candido, Formação da literatura brasileira: momentos decisivos. 12 ed. Rio de Janeiro: Ouro sobre Azul; São Paulo: FAPESP, 2009.
20
significação coletiva de seus atos, situando o passado sob a imagem da atualidade,
sem passadismo. Em outras palavras, consistia na tarefa de tradicionalizar o passado,
isto é, “referindo-o ao presente”.11
Considero oportuno, para tornar mais claro o que afirmo, estabelecer um paralelo entre a redescoberta que fazemos hoje no Brasil e a que fizeram os intelectuais da revolução modernista de 1922. Àquela época também se redescobria o Brasil. Os poetas falavam em ‘independência cultural’, cem anos depois da independência política, como hoje falamos em independência econômica. Os modernistas viveram, também, numa época de intensa agitação na vida política e de consideráveis transformações na vida econômica do país, cuja consequência seria a revolução de 1930. Mas a sua etapa era, ainda, a da independência cultural, ou seja, a ruptura com o domínio que Portugal continuava a exercer sobre a intelectualidade e que se refletia na obra e no comportamento dos escritores que burilavam a sintaxe lusa [...]
Quarenta anos depois, redescobrimos o país. Já não agora meia dúzia de jovens das metrópoles a querer rivalizar com a Europa carregada de tradições, remexendo nos igarapés e pensando em Paris. Pelo contrário, são agora 25 milhões de nordestinos que começam a falar pela voz de seus líderes e a nos revelar o que há por trás das rendas do Ceará, dos candomblés da Bahia; que gente viaja nos líricos trenzinhos caipiras e nos navios-gaiola; que vida vive o homem da Amazônia. Nada tem de pitoresco o Brasil que hoje redescobrimos [...].
O Brasil que os modernistas descobriram era um Brasil lírico. O Brasil que hoje se nos descobre é um Brasil político. Para cada momento, uma poesia.12
Como vemos, o autor, de modo bastante compreensivo, faz um levantamento
comparativo, apontando as diferenças de cada caso ao se referir à redescoberta do
Brasil, à independência cultural e à consequência histórica. Este pensamento influiu
em vários setores da cultura e participou da tentativa de invalidar alternativas
anteriores, ao passo que produziu em Dentro da noite veloz o aguçamento de certas
tendências de radicalidade nas quais o poeta se baseava como estímulo e dever. Com
efeito, Gullar considerou a sua poesia como segmento de um empenho construtivo
mais amplo, sem perder de vista o rumo da modernização da cultura e da sociedade,
denotando o seu intuito de cooperar para o desenvolvimento do país.
Mas este levantamento o levou não apenas ao senso de dever histórico, como
também a desconfiar do ímpeto panfletário da poesia próxima ao trato com o
subdesenvolvimento, pressentindo ou reconhecendo o que havia de rebaixamento
nas produções de Violão de rua, fato que o levou a alterar constantemente a sua
11 ANDRADE, Mário. Assim falou o papa do futurismo: como Mario de Andrade define a escola que chefia, A noite, Rio de janeiro, n. 5051, pp. 1-2, 12 dez. 1925. 12 GULLAR, Ferreira. Cultura posta em questão; Vanguarda e subdesenvolvimento: ensaios sobre arte. 4 ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 2010, pp. 102-103.
21
composição. Folheando os volumes desta série, por exemplo, notamos que muitos
textos abordam a economia e as questões históricas, e não porque a quantidade de
intelectuais brasileiros fosse restrita para admitir a divisão social do trabalho
intelectual, mas porque essa geração colocava na valorização da economia e da
história o mesmo ânimo que colocava na valorização da produção artística,
entendendo-os como um grande conjunto que, se reunidos, seriam o fator de
mudança: tratava-se de modernizar a vida intelectual na sua totalidade, para o
desenvolvimento e a consequente alteração das bases do país.
O CPC, nesse sentido, importou de maneira decisiva na poesia de Gullar,
contribuindo com pelo menos três elementos que embasam a redefinição da posição
do poeta frente às vanguardas construtivas: (1) vontade de renovar a poesia, vista
como necessidade do país; (2) vontade de criar uma poesia independente, díspar, não
apenas uma nova poesia, de modo que, contrapondo-se às vanguardas construtivas,
a busca de renovação, baseada na nossa própria tradição ou no que “lá fora melhor
se afina com a necessidade cultural interna”,13 dava uma sensação de libertação
relativa ao país; (3) noção de trabalho artístico-intelectual não mais somente como
garantia de importância do brasileiro e esclarecimento mental do país, mas como
tarefa essencial frente à necessidade de modernização.
O passo decisivo para esse caminho foi a publicação do livro Cultura posta em
questão pela Editora Universitária da UNE em 1963, que contém a base da proposta
para uma nova postura teórica. Ferreira Gullar anunciou-a ao mundo culto do país
escrevendo sobre a situação da poesia brasileira, a função do artista e a morte cultural
da arte, principalmente. O livro estabeleceu um novo ponto de partida para a teoria,
diferenciando-se a partir daí do Anteprojeto do manifesto do Centro Popular de
Cultura. Se este tinha na “vanguarda popular revolucionária” o seu principal
pressuposto, em Gullar ele será tomado como base para preocupações de outra
ordem, decorrentes tanto da trajetória do próprio poeta quanto da aclimatação de
teorias via ISEB (Instituto Superior de Estudos Brasileiros), que lhe servia de bússola.
Deste ângulo, se por um lado Gullar afirmava a necessidade de “aprofundar a
experiência”, por outro trabalhava a noção de “popular”, visando dar em consequência
para uma ação transformadora real. Inspirado, Gullar apresentava argumento
13 GULLAR, ibid., p. 32.
22
contrário para logo propor a resposta, acentuando as forças sugestivas do
subdesenvolvimento:
Fenômeno inquietante, que se manifesta hoje em todos os setores da atividade intelectual, provoca naturalmente a reação dos que defendem como privilégio a posse da cultura. Um dos argumentos mais comuns, e mais superficiais, é o que pretende restringir a discussão à área terminológica, afirmando que a expressão ‘cultura popular’ não tem sentido, uma vez que toda cultura é do povo. Procura-se, mesmo, para estabelecer a configuração, sugerir que os defensores da cultura popular ignoram uma noção mais ampla de cultura, dentro da qual se incluem todas as atividades humanas.
De fato, tais argumentos não têm consistência. A expressão ‘cultura popular’ surge como uma denúncia dos conceitos culturais em voga que buscam esconder o seu caráter de classe. Quando se fala em cultura popular acentua-se a necessidade de pôr a cultura a serviço do povo, isto é, dos interesses efetivos do país. Em suma, deixa-se clara a separação entre uma cultura desligada do povo, não-popular, e outra que se volta para ele e, com isso, coloca-se o problema da responsabilidade social do intelectual, o que obriga a uma opção. Não se trata de teorizar sobre a cultura em geral mas de agir sobre a cultura presente procurando transformá-la, estendê-la, aprofundá-la.14
De fato, ao dizer que na “cultura popular acentua-se a necessidade de pôr a
cultura a serviço do povo, isto é, dos interesses efetivos do país”, Ferreira Gullar
definia como sinônimos o “popular” e o “nacional” assimilando a hipótese de Roland
Corbisier (membro do ISEB), segundo o qual haveria uma relação alienação-
colonialismo (ou dependência, ou subdesenvolvimento) versus desalienação-
metrópole (ou independência, ou desenvolvimento). E com isso o poeta colocava as
cartas na mesa, combinando medíocre, mas criativamente, o complexo Hegel-
Mannheim-Che-Lukács-Sartre.15
O maior trunfo de Gullar, contudo – para quem pesquisa as necessidades
enigmáticas da sensibilidade mais do que as racionalizações espetaculares –, não
está nas influências teóricas que recebeu durante o momento mais intenso de
participação no CPC. Encontra-se no ensaio “Em busca da realidade” que compõe
Cultura posta em questão, em um pequeno trecho de Gullar ao seu livro A Luta
Corporal; pequena e singela passagem, em que o antes entusiasta de Rimbaud
delimitava todas as aspirações da nova tendência e estabelecia o seu rompimento
com a vanguarda anterior para fundar uma poesia renovada:
14 GULLAR, ibid., p. 21. 15 A sistematização teórica desses pensadores era realizada, em boa parte, não sobre a leitura direta das obras, mas sobre uma interpretação favorecida sobretudo por intelectuais do ISEB. Apenas posteriormente, com o contato direto de estudantes e artistas com tais obras, esse quadro foi sendo alterado.
23
Se o poeta se adapta às convenções e não indaga da realidade dessa ‘super-realidade’ da poesia, dormirá tranquilo e fará desse terreno abstrato o seu latifúndio: considera-se uma espécie de ‘fazendeiro do ar’. Mas se ele indaga...
Se ele indaga, percebe que as estruturas dessa realidade são fluidas. Se tenta buscar-lhes os fundamentos, não os encontra. Naturalmente, se ele já escolheu o refúgio da poesia é porque não se sente à vontade no mundo cotidiano, e a constatação de que seu refúgio é aparente não pode deixá-lo tranquilo. É uma aceitação difícil. Ele luta por se negar essa evidência. A irrealidade – diz a si mesmo – não é da poesia mas das formas atuais: urge buscar outras formas. Busca-as, inventa-as.16
São palavras decisivas: desprezando a regra universal e a arte das
combinações impessoais, a desmistificação da vida brasileira ganhava uma nova
força e descia sobre a cena da nossa poesia moderna. A mistura entre os recursos
poéticos ditos ultrapassados e a exigência de renovação da poesia junto ao vento
geral do mundo moderno foi uma descoberta peculiar: nem o CPC estaria tão apartado
da atualidade nem esta seria tão estereotipada como nos comentários generalizantes
a seu respeito. E notemos ainda que os motivos do questionamento de Gullar não
estão onde se espera. Apesar da coincidência com o CPC na crítica às “mudanças
[que] são impostas de fora”, o que incomoda não é a vanguarda, atrativa para ele
desde sempre, mas o que para ele distinguiria a sua marca de “provincianismo
acrítico”:
Sucede, porém, que todas essas mudanças são impostas de fora, pelas transformações operadas em Paris ou Nova York. Resultado: torna-se impossível aos nossos artistas, submetidos a tais injunções do mercado de arte, aprofundar qualquer experiência. Isso só será possível quando se compreender a necessidade de enfrentar criticamente o que vem de fora, para aceitá-lo ou refutá-lo. Não se trata, pois, de pretender ‘uma pintura nacional’; trata-se de, simplesmente, criar condições para a pintura, qualquer que seja, uma vez que ela só surgirá do aprofundamento e da continuidade da experiência. O caminho para isso é voltar-se para o que já foi feito entre nós, ou para o que, lá fora, melhor se afina com a necessidade cultural interna e apoiar-se na temática que o país oferece. É preciso agir conscientemente.17
A importação maciça das “transformações operadas em Paris ou Nova York”,
para o autor, resultaria na abdicação do aprofundamento da experiência própria.
Percebidas como fatos que se complicariam em desdobramentos problemáticos
desde cedo, ao poeta restava agora buscar as soluções diante da forma. E embora
16 GULLAR, ibid., pp. 153-154. 17 Id., pp. 31-32.
24
compartilhasse das preocupações da vanguarda, Gullar agora se aliava ao CPC.
Dessa união nascem poemas carregados de achados e problemas reveladores,
diferentes dos esquemas batidos em que o engajamento dá combate ao imperialismo
estrangeiro. De um ângulo inesperado, são feições verdadeiras que podem apontar
tanto para a modernização quanto para o anti-imperialismo, mas também para o
conservadorismo local – noções que no decorrer do processo eram difíceis de
distinguir. Em outros momentos, no entanto, a questão aparece em variante menos
relativa, propondo discussões acerca da identidade do poeta e do próprio golpe de 64,
que, aliás, deu continuidade à modernização por sua vez. Entre o combate levantado
por Cultura posta em questão em torno da questão do gosto e o estrangeirismo que
invadia o dia a dia da população há uma grande diferença, mas os dois participaram
de um mesmo processo, cuja unidade carregada de instâncias atravessa Dentro da
noite veloz, atribuindo-lhe densidade literária, extensão de registro e especificidade
histórica.
25
1.1 – O espírito e a sensibilidade
Com o que foi vimos até aqui já é possível apontar os elementos que integram
a vanguarda poética de Ferreira Gullar, fiel ao contexto anterior ao golpe de 64 e filiada
à proposta do CPC –movimento que indica as características próprias de um momento
histórico específico, sendo por isso apropriado e insubstituível para o estudo da obra
deste autor, mas que não deve conduzir a uma identificação integral de toda a
produção artística e teórica daquele momento, a que os poemas de Dentro da noite
veloz no entanto se ligam, constituindo uma ramificação cheia de peculiaridades.
Nesse livro, vemos surgir na obra de Gullar tentativas constantes de
convergência entre fatores e influências locais junto a sugestões de outra ordem,
sendo por isso ao mesmo tempo unidade e multiplicidade, ou dito de outra maneira:
unidade na dispersão. O interesse maior de Gullar, do ponto de vista da história
literária, consiste no fato de que as sugestões locais poderiam ser a base para a
estilização de uma nova tendência, resultando na busca de um todo harmonioso e
íntegro com o passado literário do país.
À maneira da vanguarda construtiva, o CPC surge na obra de Gullar como
momento de negação, mas nesse caso como negação mais intensa e revolucionária,
pois buscava reestabelecer não só uma atitude poética, mas a própria posição do
homem no mundo e na sociedade. A vanguarda construtiva se irmanava aos grandes
escritores pelo culto à tradição dos “inventores”, assim como aceitava o significado
literário do ideograma, a poesia “com a ciência, não com a lógica”, a hierarquia dos
escritores e a universalidade das convenções eruditas. O CPC, por outro lado, restitui
tudo a novo juízo: concebe de maneira nova o papel do artista e o sentido da obra de
arte, intencionando pôr de lado a convenção universalista dos herdeiros de Mallarmé
em benefício de um sentimento novo, banhado na tradição e nas aspirações locais,
buscando o único em vez do perene. E como a literatura não costuma dar bons frutos
sem que o escritor tenha em mente algum local ou projeção imaginária para os seus
ideais, assim como as vanguardas construtivas viveram do mito do progresso e da
modernização via industrialização, acreditando que estes equalizariam as diferenças
e aniquilariam todas as discrepâncias sociais, o CPC vai buscar nos lugares afastados
do interior do país e no cotidiano urbano os hábitos característicos como pretextos
para descarregar o voo da imaginação. Era o passo à frente do irregular e do diferente
que Ferreira Gullar procurou estabelecer.
26
Olhando o conjunto do movimento da poesia de Gullar em Dentro da noite
veloz, temos a impressão de um novo estado de consciência, que pode ser entendido
basicamente de dois modos: se por um lado em alguns poemas incorreu na velha e
consequente noção de um espaço rural puro oposto a um espaço urbano artificial, por
outro lado esse estado de consciência desenvolveu o senso do processo histórico,
que teve como vantagem facilitar uma compreensão extensiva do país, mostrando
muita coisa do Brasil aos brasileiros, frequentemente submetidos demais às
novidades estrangeiras. Por isso, sociabilidade e flexibilidade podem ser consideradas
as bases da atitude da poesia de Dentro da noite veloz, em contraponto com a
disposição racionalista e rígida para o geral e o absoluto.
Na proposta de Gullar a poesia seria ainda algo como um contrapeso ao lirismo
individualista por mais de um aspecto. Proposta que pode se desdobrar em vários
caminhos, dentro dessa formulação se combinou tanto a renovação das formas,
quanto a abordagem histórica ou a descrição do dia a dia. Por isso, se de um ângulo
trazia água para o moinho de um sujeito inquieto, buscava de outro preservar a
postura objetiva e o apreço ao material utilizado. Este produz as imagens constantes
de miséria e de sofrimento a partir da necessidade de expor a vida de forma
indecorosa, em sua abjeção e em seu mau gosto, sugerindo que isto talvez seja
produto da elucidação dos interiores do país, onde a presença da morte é obsessiva
para as testemunhas da vida que deteriora a cada instante. E essa permanência do
sofrimento e da miséria assinala a sua estética moderna em proveito de uma
consciência dos outros, sendo o poeta nesse caso aquele que encontra a sua voz ao
buscar os demais, a ponto de transformar o cuidado em proposta de poesia. Por isso
os poemas desse momento de Gullar, sob certos aspectos, ao servirem de contrapeso
àquele lirismo, acabam por enriquecer o panorama desta poesia, na verdade tão rica
que dela sairão as formulações para todo o restante do livro, um período que a rigor
se estendeu por mais de dez anos.
Ferreira Gullar intuiu ou pressentiu essa riqueza, assimilando para a sua
elaboração, com consequência no seu espírito desde cedo, a noção de que
modernizava a poesia brasileira. Dessa forma, se imaginava detentor de um princípio
ideal de modernização e se referia constantemente às condições previstas pelo CPC,
que era inocente de contradições mas tinha como aliado o momento histórico. E como
a parcela da crítica discordante desse rumo não conseguia desarmá-lo, uma vez que
todos os dias os dias antecedentes ao último lhe davam razão, o país se agitava e a
27
poesia de Gullar não fica livre disso, buscando constantemente a expressão do
presente autêntico, cuja legitimidade era dada pelas questões do dia a dia frente à
história mundial. Respondendo a isso, os poemas foram um episódio do grande
processo de tomada de “consciência do subdesenvolvimento”, que repercutiu
profundamente na natureza de Dentro da noite veloz, sendo por isso fator de
autonomia e autoafirmação. Afirmar a busca de uma nova poesia significava cortar
mais um vínculo com o atraso, visto em função da reciclagem do estatuto colonial
através do tempo e traduzido na permanência das oligarquias e do imperialismo
estrangeiro, adensando em rompimento com o passado em uma conjuntura que era
bem-vindo tudo que fosse alteração e mudança. Porém, se a vanguarda construtiva
terminou por ser assimilada ao ideal da modernização via industrialização, a
vanguarda desta poesia foi à modernização via reformas de base – embora a seu
modo Gullar continuasse nesta o mesmo movimento, iniciado na outra, de realização
da vida artística e intelectual, dando continuidade ao processo de incorporação do
país ao espírito moderno do Ocidente.
Nessa perspectiva, o poeta viu no reconhecimento da tradição literária
brasileira uma maneira de dar carta genealógica à nova produção, amparando no
passado a nova experiência. Daí podermos afirmar que a intensa produção de Gullar
no período, atuando inclusive em outras frentes além da poesia, pode ser vista como
vontade de avolumar uma bagagem teórica e artística local. Foi uma espécie de
tentativa de consolidar uma renovada poesia brasileira, obedecendo às necessidades
de afirmar a modernização mental, vista ainda como incompleta. Se o Brasil era um
país, deveria dispor de espírito próprio.
Bem vistas as coisas, talvez possamos até mesmo dizer que a produção de
Gullar tenha resultado em uma visão mais realista que a de outras do mesmo período.
Nesse caso, seria como se o autor anunciasse para nós que de fato ocorreu uma
modernização no país e que alguns setores – no caso, o cultural –almejaram uma
integralização de modo muitas vezes até admirável, sem que por isso o conjunto da
nação estivesse no caminho de se integrar. Contudo, vista de outro ângulo, essa visão
não poderia significar, também, que este mesmo setor poderia ir longe sem a
necessidade de ser acompanhado pelo restante do país? Visto assim, o esforço de
modernização presente na proposta da poesia de Gullar se mostra menos salvador
do que pode parecer, e talvez porque o país fosse algo menos coeso do que os
poemas pareciam sugerir. Seja como for, sob o signo da modernização, os obstáculos
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encontrados pela industrialização, pelas reformas de base, pela canção, pelo cinema,
pelo teatro, pela alfabetização de jovens e adultos, pela reforma universitária e pela
poesia surgiam e se renovavam dia após dia, remetendo uns aos outros e sugerindo
uma única e vasta modernização em curso, da qual Dentro da noite veloz é
inteiramente dependente.
Contudo, além disso, o livro é ainda uma marca do debate intenso travado em
torno da modernização da poesia brasileira. Do ângulo de um dos seus principais
teóricos é um registro da experiência de renovação constante vivida por Gullar junto
àquela geração que viveu intensamente o momento. O seu fundamento são as
questões estéticas do trabalho de poeta nas condições do subdesenvolvimento. A
proposta de renovação da poesia e a intimidade inteligente com a oficina do CPC,
incluídas aí as constantes propostas de engajamento do cenário artístico em
modernização, dá ao livro alcance em bom nível de um setor representativo da vida
naquele momento: avaliações críticas ousadas – em parte sectárias –, declarações
pessoais sobre a prisão e o exílio, alternativas intelectuais e formais decisivas, para o
bem e para o mal, preocupações do artística diante do golpe de estado que
implementou a ditadura – um momento estelar da guerra fria; tudo muito coordenado
e interessante ajuda a compor um cenário de grande relevância literária. As
vinculações entre opinião pessoal, opinião pública e formulação artística têm força, o
que dá unidade interior ao conjunto. Sem medo de usar a redondilha ou os versos
longos, Gullar não recua diante do aspecto grosseiro que algumas passagens podem
apresentar, integrando ao sujeito inquieto artisticamente um outro sujeito com vista ao
rumo da sociedade como um todo, sendo este por sua vez intensamente engajado e
que deve o seu vigor ao gosto pela contestação, em parte ao modo de Oswald de
Andrade.
Nesse novo momento, ao escrever poemas e um livro teórico que fogem ao
caminho “natural” esperado por todos para o desenvolvimento de sua obra, Gullar não
só busca renovar como inova, demarcando a reconfiguração do quadro cultural e
chamando os artistas em atividade a fazer frente junto às feições peculiares da
modernização em andamento. Digamos então que a novidade para a qual Dentro da
noite veloz chama a atenção e com a qual em certa medida sintoniza é a emancipação
intelectual da poesia. A partir da elaboração de Gullar, esta toma distância tanto da
vanguarda construtiva quanto da proposta da série do Violão de rua, e a partir disso
passa a se considerar como parte responsável do cenário cultural moderno, seja na
29
produção poética de forma específica, seja na arte como um todo, desrespeitando os
enquadramentos aceitos para os gêneros. Ao adensar as escolhas de outros artistas
e as suas próprias de reflexões e ponderações estéticas, Gullar arrasta a discussão
em torno da poesia para o nível desinstitucionalizado e autocrítico da arte moderna,
sem com isso renunciar ao compromisso com as demandas do “povo”. O interesse
em torno da elaboração dessa posição delicada de sustentar dispensa comentários.
E não surpreende, portanto, que o autor tenha sido por isso alvo de ataques e críticas
de todos os lados.
Sob a imagem da radicalização histórica, que se aproximou de uma guerra civil,
a poesia de Gullar tinha horizonte transformador, questionando o legado colonial de
segregações sociais e culturais que o país trazia arrastado por toda a sua história. Se
por um lado colocava em cima da mesa a questão da parte não-burguesa e
desprezada do país, visando garantir os seus direitos de cidade, por outro buscava
acabar com as respectivas alienações que diziam respeito ao empobrecimento da vida
mental do país. Graças ao tensionamento do processo de modernização, o legado
vergonhoso da nossa malformação social – o subdesenvolvimento – mudava de
estatuto. Em vez de escondido ou camuflado, ele passava a ser reconhecido como
enfrentamento necessário, graças ao qual se colocava em questão o atraso do país.
Estimulado pela tensão decorrente dessa denúncia, Gullar passava a buscar a sua
razão de ser – e a renovação qualitativa em sua produção – na associação aos
interesses do “povo”. Orientada por essa nova coluna e forçando os limites do
institucionalizado, a renovação de Gullar se tornava um segmento e uma metáfora da
modernização da sociedade brasileira, que por outro lado foi trazida por seus
opositores.
Nessa trajetória, que durou do período anterior ao golpe até o momento do
exílio, a poesia de Gullar sintonizou com a possibilidade de transformação e a
converteu em seu critério. O enriquecimento recíproco entre a renovação estética, as
opções históricas e a sociedade em movimento davam uma luz nova à sua obra. E,
junto a isso, como as questões do dia a dia apresentavam possibilidades alternativas
e as tornavam cada vez mais concretas, os debates em torno das proposições
artísticas eram puxados à força do céu de especulações para a terra das discussões
concretas, tornando-se intensos. A conexão adversa e produtiva entre as formas
estéticas, as deformidades sociais e as grandes linhas da atualidade se transformou
em fundamento para esta poesia, à qual Gullar se manteve fiel e que mal ou bem
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resistiu às duas derrotas históricas que vieram a seguir. Com o passar do tempo,
talvez possamos até afirmar que o saldo do período, avaliado em seus poemas, não
sobressai particularmente em termos de inovação, o que por outro lado não
deslegitima o acerto das questões que foram levantadas pelo autor.
Em certos momentos, na trajetória que vai do primeiro ao último poema, a
sobriedade dá lugar até mesmo à mitificação do país. E a percepção muito viva dos
embates, que repercute no livro e lhe atribui capacidade excepcional, em alguns casos
chega a conviver com uma aspiração acrítica de conciliação, que a certa altura parece
o impelir ao conformismo. Estamos longe da posição realista tradicional, em que o
importante seria uma objetividade que pressupõe um afastamento dito imparcial. O
bom ajuste do conjunto repõe as más escolhas do poeta e os transfigura em
elementos representativos, ampliando a complexidade da constelação.
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2
A POESIA DE DENTRO DA NOITE VELOZ
Os poemas iniciais de Dentro da noite veloz são prodigiosos no andamento e
na variedade.18 No primeiro já vemos a formulação de uma nova poética, mas em
pouco tempo vemos também o trabalhador cansado, os namorados, as empregadas,
o funcionário público, a luz, o telefone, a sonegação, o leite, a carne, o açúcar e o pão,
enfim, o homem comum. Os poemas são claros ao expressarem os fatos comuns do
cotidiano, como se o poeta estivesse se limitando a registrá-los, embora o faça
marcadamente ao modo antiacadêmico preconizado pelo CPC. E mesmo deixando
um forte lastro de algo documental, este tratamento assegura a validade do material
poético em si. A rigor, o poeta buscava superar o afastamento entre o artista ponta-
de-lança e o homem comum por meio de um processo lento de construção de versos
na confluência da fala popular, visando em contrapartida erigir-se no espírito de
vanguarda do tempo.
Por outro lado, desde que lidos em conjunto, há também nesses poemas a
presença de uma constante insatisfação, uma espécie de desconfiança intrínseca em
relação ao que expressa. Se o poeta em alguns momentos dá margem à
subjetividade, parece ser impelido a tratar dos problemas do mundo. E, do mesmo
18 GULLAR, Ferreira. Toda poesia: 1950-1999. 19 ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 2010, p. 155 (todos os poemas citados estão de acordo com esta edição).
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modo, se em alguns momentos dá margem aos problemas do mundo, parece ser
impelido a tratar daquela insatisfação interior. E no decorrer da leitura vemos então
um distanciamento relativo em relação ao objeto, que gera um conflito e leva o poeta
a repensar constantemente a sua forma. Nesse caso, poderíamos afirmar que há em
cada passo dado tentativas constantes de renovação, ao ponto de o poeta quase
precisar expor a matéria bruta como simples registro ou notação. Estas preocupações,
decorrentes da precedência da mensagem urgente, estão presentes já a partir de
“Meu povo, meu poema”, nome que já indica a tensão profunda desse livro: de um
lado, a situação frente à miséria do mundo leva o poeta a se desdobrar sobre os fatos
do momento histórico; de outro, a atenção ao processo em andamento leva o poeta a
reinventar a composição a cada instante. Tudo isso relacionado às questões cruciais
da forma, cuja elaboração efetua a síntese.
Para muitos, tal leitura pode parecer desencontrada, sobretudo a respeito de
um poeta que declarou participação ativa nas produções e na própria organização do
movimento iniciado pelo CPC da UNE. Este entrou para história como um movimento
formado por estudantes, artistas e intelectuais que teria desprivilegiado
completamente a arte em função de uma mensagem urgente, fato que levou a crítica
a caracterizar os poemas desse momento de Gullar como exemplo de tudo que fosse
contrário à arte, à elaboração ou à formalização de experiências artísticas. No entanto,
o que percebemos é justamente o oposto. Há nestes poemas referências constantes
a elementos da cena artística moderna, sendo possível até mesmo afirmar que todos
os poemas mais relevantes de Dentro da noite veloz dependem das alterações ou das
projeções em vários rumos proporcionadas pelo CPC, guarda avançada de um ímpeto
de mudança.
Durante um movimentado espaço de tempo, que não durou, o compromisso
com a ascensão histórica do povo trabalhador se destacou sobre o desejo de
atualização, concebida esta como critério de modernização. A cultura, que ganhava
vida pela proposta do CPC, era traduzida por Gullar em poesia viva – inquietante e
desafiadora –, alterando nitidamente sua faixa etária e seu critério de relevância. Um
pouco na realidade e muito na imaginação, os seus leitores também mudavam, assim
como o seu assunto, o seu programa, a sua técnica e as suas inclinações
internacionais, agora ancoradas na Revolução Cubana. O relativo prejuízo de seu
desenvolvimento artístico e uma certa desqualificação social no contexto eram
entendidos como indício do socialismo. O poeta estava em sintonia com o novo
33
momento. Portanto, a inserção ampla e crítica no esforço de modernização cultural
mais do que contrabalanceava o refinamento artístico da década anterior, que com o
passar do tempo, no final das contas, já havia se tornado bastante convencional.19
A vocação necessária à nova conjuntura era do tipo agit-prop, de que Gullar
por sua vez lançava mão para recuperar os antecedentes da fase de choque do
Modernismo de 1922. As propostas de intervenção tinham envergadura histórica e
consequência prática, o que desequilibrava as segmentações correntes da vida do
espírito. A situação pedia renovação de formas, inteligência histórica e disposição
para o confronto, além de imaginação racional no aproveitamento da cultura e
competência para tratar em pé de igualdade com os recursos da arte erudita e do
CPC. E, nesse sentido, a funcionalidade do espírito gullariano para o momento se
torna fácil de entender, já que a articulação da poesia com um programa de
modernização coletiva em várias frentes – tanto artística, quanto histórica, econômica,
filosófica ou científica –, respondia a estímulos reformadores reais.20
De certo modo, poderíamos dizer que a força poética de Gullar vem também
da tentativa de retomada da poesia modernista, repensada, porém, em outro patamar,
correspondendo nesse novo momento a um processo capital da poesia brasileira
moderna. O escritor tratava de se entender com o que há de mais sensível e de mais
frágil na tradição da nossa poesia, buscando fazer com que esta fosse aproximada
justamente daquela engrenagem social, de cujo convívio a aspiração da poesia lírica,
pelo menos na sua acepção clássica, sempre procurou se resguardar. Se após o ciclo
evolutivo iniciado em 22 a poesia retornava “à concepção de arte como aristocracia
espiritual, que os modernistas desprezaram”,21 cristalizando-se aos poucos em uma
esfera de expressão que tinha em sua essência mais o foco no estudo das formas
poéticas do que o reconhecimento do poder de sua socialização, ela agora ganharia
outros contornos. E a composição não será meramente objeto, e sim referência ao
social no que há nele de próprio do que é revelação de algo essencial, algo de seu
fundamento que interfere na qualidade da forma. A referência ao social não será
19 Com exceção do que representará a tomada de posição da proposta do “salto conteudístico-participante”, anunciado pelo post-scriptum do “plano-piloto da poesia concreta” com a fórmula de Maiákovski: “sem forma revolucionária não há arte revolucionária”. 20 Sobre isso, ver Roberto Schwarz, “Nacional por subtração”, in Que horas são: ensaios. 2 ed. São Paulo: Companhia das Letras, 1987. 21 GULLAR, op. cit., p. 108.
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levada para fora do poema, e sim mais fundo para dentro dele.22 E esse processo de
criação artística diz respeito ao trabalho interno de elaboração de Gullar, que
desenvolveu cada vez mais a sua poesia e deixou um abundante lastro do que pode
ser lido também, por outro lado, como didático, retórico e meramente coloquial no livro.
A solidez de Dentro da noite veloz resultaria então de um deformar a realidade exterior
na direção da satisfação de uma vontade: a modernização da sociedade brasileira não
é conquistada concretamente, linha por linha, mas fica estabelecida como aspiração
profunda, que ao final retroage e transforma a impressão inicial dos poemas,
reposicionando-os e compensando o desequilíbrio das partes.
Mas podemos dizer que não é por gosto que o poeta segue essa trajetória. No
livro há indicações de que gostaria de recuperar a ingenuidade de Um pouco acima
do chão, perdida após A luta corporal. Há também referência àquela vontade tão
frequente nos artistas de ver o mundo livre do sofrimento e da angústia, como nos
poemas “Dois e dois: quatro”, “Uma voz” e “Passeio em Lima”, por exemplo. Mas isso
não parece possível ao homem do poema “Voltas para casa”, que depois “de um dia
inteiro de trabalho” está “cansado”. E essa incapacidade de aderir plenamente à vida,
que nos poemas aparece evidenciando as barreiras entre os homens e os momentos
de supressão da angústia, define o sujeito geralmente expresso na primeira pessoa
dos versos de Gullar: “que explode dentro de cada homem”, “dentro de mim/ pânica”,
“a vida/ ao contrário, dentro”, “De dentro de meu corpo”, “dentro, no coração”, “dentro
daquele barulho”, “que queimava dentro/ no escuro”, “dentro/ de cada coisa/ clamando
em cada casa” e “que dentro de mim gravitam”.23
Muitos outros exemplos desse tipo podem ainda ser encontrados no livro e
poderiam supor um movimento de volta para si e afastado do mundo, expressando
uma poesia de “dentro” e uma certa inadequação do sujeito à vida. No entanto, o
poema só está no povo, se o povo está no poema. Nos poemas de Dentro da noite
veloz o mundo não surge disperso e incaracterístico, mas concentrado e qualificado
“dentro” dos homens como crescimento, unificando-os. Vai se criando na poesia de
Gullar um eu “evidente e oculto” que “trabalha por dentro e por fora”,24 sendo traduzido
22 Sobre isso, consultar Theodor Adorno, “Palestra sobre lírica e sociedade”, in Notas de literatura 1. São Paulo: Duas Cidades; Ed. 34, 2003. 23 Os trechos são dos poemas “A bomba suja”, “Homem comum”, “Por você por mim”, “Vendo a noite”, “A vida bate”, “Dentro da noite veloz”, “Anticonsumo”, “Uma fotografia aérea” e “A poesia”, respectivamente (os destaques em itálico são meus). 24 Trechos retirados do poema “Ao nível do fogo”.
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de modo gradativo em imagens positivas para tudo que é contido, ao mesmo tempo
em que se vai atribuindo um valor negativo à matéria que retém. O tempo do poema
passa a não ser tomado como um tempo de duração fechado em si mesmo. Pelo
contrário, sua força parece estar justamente na captação do efêmero, que traz em si
a insegurança do que é instante. É esse tempo veloz que provoca em Gullar as
respostas imediatas, múltiplas e distintas, que despojam o sujeito da possibilidade da
contemplação tranquila do mundo ou o angustia com a contemplação de si mesmo.
Se para a poesia tradicional o poema não tinha outro conteúdo senão a própria
subjetividade do poeta, em Dentro da noite veloz esta se torna moderna e raramente
encontra algum conteúdo fora da expressão de seu processamento pelo mundo,
segmentado pela ação agressiva de valores em marcha que criam um espaço
descontínuo, resultando em algo como uma “imensidão interior”.
Podemos dizer ainda que esse novo momento de Gullar de certa forma
completa A luta corporal e o Neoconcretismo. Se nestes dois o poeta chegou às
consequências mais avançadas, participando das tentativas de modificar
essencialmente as obsessões tradicionais da literatura brasileira, nestes não o fez no
mesmo nível de qualidade que buscou em Dentro da noite veloz.
Como Antonio Candido bem observou na Formação da literatura brasileira, no
processo de formação da nossa literatura, a procura de uma expressão literária que
fosse particular teve como pedra-de-toque certa inclinação – primeiro inconsciente,
depois consciente – de exprimir a realidade local. E este foi o enfoque que se delimitou
no século XIX como nacionalista e que os modernistas reposicionaram, atualizando-o
conforme aspirações de vanguarda. No entanto, se naquele momento a legitimidade
foi um problema ligado sobretudo à natureza da matéria elaborada, ou seja, temas e
assuntos, apreendidos como critério de avaliação, em Gullar essa matéria local foi
valorizada visando a noção da preeminência do discurso, modificando não apenas a
sua linguagem, que resultou n’A luta corporal e no Neoconcretismo, mas a sua própria
visão realista, em parte devido à moderna desobediência progressiva das normas dos
gêneros. Sob este aspecto, à relevância histórica da vanguarda iniciada no
Modernismo de 1922, sucede uma depuração progressiva do lirismo: se com Oswald
de Andrade vimos a reivindicação do “melhor de nossa tradição lírica”, “contra o
gabinetismo, a prática culta da vida” e “contra a morbidez romântica”, já que
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estávamos “fatigados de todos os maridos católicos suspeitosos postos em drama”;25
se com João Cabral vimos o programa de codificação linguística das oposições
sociais; e se com Drummond vimos uma fecundação e uma extensão do fato
aproveitando o cotidiano para além do momento poético suficiente em si mesmo,
como que tentando suprimir o pequeno-burguês dentro de si; em Gullar vemos um
lento desenvolvimento em que o autor vai se despojando de muito do que é
comemoração, doutrina e debate, para realizar uma poesia que vai da emoção
demonstrada sem condescendência lírica a um realismo poético que alude a
ressonâncias de outra ordem. Embora variando muito na composição, os poemas de
Dentro da noite veloz procuram se aproximar ao máximo do país real, diminuindo a
distância entre a vida e o sujeito que fala no poema – ou o personagem que fala na
primeira pessoa –, não importando saber, pois, até que ponto autobiográfico.
Olhando para o conjunto, podemos dizer que dos poemas podem ser tiradas
duas atitudes opostas frente à modernização. Por um lado, há uma total atenção aos
nexos internos do país, que pode caracterizar tanto um poema que “vai nascendo/
como no canavial/ nasce verde o açúcar”, quanto um poema “que explode dentro do
homem/ quando se dispara, lenta/ a espoleta da fome”.26 Por outro, vemos um
compromisso imbuído no contexto local ao passo que está aberto para o mundo,
denotando preocupação tanto com os “anos de guerra”, quanto com as “coisas
perecíveis/ e eternas”.27 E mesmo esse último está sempre bem localizado, nunca
deixa de estar situado e valoriza a experiência na hora de avaliar a linguagem a ser
empregada, questionando e reavaliando constantemente. Em alguns casos, o poeta
recorre inclusive àquela disposição plástica das palavras na página em branco para
fazer frente à estreiteza corrente, mostrando que aquela “questão fundamental da
nova poesia”, que visava “superar o caráter unidirecional da linguagem, rompendo
com a sintaxe verbal”,28 nunca deixou de ser parâmetro para a conduta. A autonomia
descomplexada dessa postura, que serve de contrapeso à precedência das
metrópoles sem desconhecer as limitações locais, das quais o poeta não sentia
vergonha nem muito menos queria se desprender, é uma façanha intelectual. Ela se
deve em boa parte à independência do poeta inconformado, o mesmo que aos
25 Trechos retirados do Manifesto da poesia pau-brasil e do Manifesto Antropófago, ambos de Oswald de Andrade. 26 Versos dos poemas "Meu povo, meu poema" e "A bomba suja", respectivamente. 27 Versos retirados dos poemas "Voltas para casa" e "Coisas da terra". 28 GULLAR, op. cit., p. 22.
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dezenove anos já dizia “– mandei fazer um navio/ para dar a volta ao mundo”,29 e que
almejava tudo sem com isso abdicar do país.
A inteligência instruída de teoria no livro contrastava com a credulidade
corrente, sublinhando as próprias exigências do que poderia – no limite – ser
considerado um poema. Contudo, nem por isso a sua composição dispõe de vibração
à altura da superação e inauguração que o momento prometia, o que não deixa de
suscitar um enigma. Lida em retrospecto, é como se a mensagem – ou as certezas –
da posição alinhada ao CPC não liberasse a luz que a modernização da poesia
esperava dela. Ou, trocando os termos, como se a renovação pedisse a seu material
o que ele não podia dar. Para sentir as inúmeras sugestões que este encaminhamento
de leitura condiciona, basta abrir o livro e perceber como as perspectivas a respeito
do processo em andamento explodem formando a culminância desta vanguarda.
29 GULLAR, Ferreira. Um pouco acima do chão. 2 ed. São Luís: Edições AML, 1999, Edição comemorativa do cinquentenário da estreia literária do autor.
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2.1 – A marcha das ideias: a missão do Centro
Enquanto não ergue as armas o colonizado é um escravo: foi preciso um primeiro policial morto para que o francês percebesse um argelino.
Glauber Rocha, Revolução do Cinema Novo.
Desde o começo a posição de Gullar é distinta do estereótipo, fugindo às
limitações da produção de poesia corrente. O foco na composição não lhe parece uma
mera preocupação formalista em si, pois pode servir como vetor de inconformismo,
quando então adquire valor legítimo. A abertura para o estrangeiro nesse caso não é
entendida diretamente como alienação, mas como elemento essencial da atualidade,
indispensável para o artista atento às questões pontuais do presente. “Não há como
negar que vivemos uma época de crescente internacionalização”, e “ela não é apenas
inevitável: ela é necessária e benéfica, na maioria de seus aspectos”, pois “permite,
no campo da ciência e da técnica, a aquisição de conhecimentos e a atualização
cultural dos países menos desenvolvidos”, possibilitando “maior aproximação entre
povos distantes, revelando-os uns aos outros, através da informação científica como
da narração literária e da expressão poética, teatral e cinematográfica”.30 Diante disso,
o traço fundamental desta poesia não seria o julgamento de validade dos modelos
culturais com base na sua procedência, mas o questionamento de sua funcionalidade
para a modernização, esta sim imprescindível para o país atrasado. Destravando o
senso comum a respeito, para Gullar a autenticidade se definiria por oposição à
conformação com o atraso, e não por cerceamento da novidade do estrangeiro, da
modernização ou da própria composição mais elaborada. Em contrapartida, nem por
isso “a atualização cultural dos países menos desenvolvidos” deixaria de ser um
problema, pelo papel que a influência estrangeira poderia desempenhar como
monopólio e imposição, pois “seria ingênuo ignorar que a literatura e a arte que
importamos traz consigo uma visão de mundo”.31 Mas como se localizar criticamente
diante dessa inevitável atualização sem perder a autonomia para explorar formas de
composição mais elaboradas e modernas? Reposicionada sob vários ângulos ao
longo do livro, essa questão – que é a substância do livro – ressurge a todo instante,
30 GULLAR, op. cit., pp. 30-31. 31 Id., p. 31.
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tensionando e tornando mais complexo o andamento, entrelaçado nas relações de
força da “Era dos extremos” (para falarmos com Eric Hobsbawm). Estes traços que
coexistem nos poemas, cabendo ao poeta o papel de abrir os olhos e desautomatizar
o arbítrio engessado a respeito, tornando-o proficientemente criterioso e complexo,
além de elemento modernizador do país.
Gullar compreendeu de forma antecipada a conjuntura internacional da cultura,
em que as influências estrangeiras – inevitáveis diante da atualização – tanto podem
asfixiar como podem ser válvula de escape do atraso, a depender da sua dimensão
no cenário estético interno. Depois da vanguarda construtiva, o autor retornou à lógica
linear-discursiva. O poeta reduzia a tensão, como se pretendesse um recuo tático,
buscando uma formulação para a proposta de renovação a que chegara. Como já foi
dito, dar continuidade à proposta anterior seria de fato impraticável: ao reconhecer a
insuficiência da vanguarda construtiva – e mais: a sua artificialidade diante do novo
momento – só lhe restava por coerência se reinventar, pois de nada adiantaria
prosseguir no caminho anterior diante do esgotamento do projeto de modernização
via industrialização, que na virada do decênio já ia se fechando sem cumprir o que
prometia. A solução foi renovar a confiança no verso e se voltar para a vida do homem
comum, na tentativa de ultrapassar aquela postura.
Meu povo e meu poema crescem juntos como cresce a árvore nova No povo meu poema vai nascendo como no canavial nasce verde o açúcar No povo meu poema está maduro como o sol na garganta do futuro Meu poema em meu poema se reflete como a espiga se funde em terra fértil Ao povo seu poema aqui devolvo menos como quem canta do que planta
Pari passu, “povo” e “poema” são dispostos ao pronome “meu”, princípio de
uma relação entre elementos de uma expressão bimembre – anafórica e aliterativa. E
é uma vírgula – e não um verbo – que efetua a relação: dois sintagmas e duas
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unidades rítmicas, proporcionais e equivalentes. Desse modo, cada um dos elementos
só se especifica com a permanente reciprocidade ao longo do poema. Essa relação
registra a indicação de um sujeito que qualifica a partir de um centro irradiador,
concentrando e expandindo de “dentro” para resultar em uma projeção em que os dois
termos determinados estão dispostos paralelamente, como se dependentes. Vem daí
a força da última estrofe, que a partir da relação “povo” e “poema” aproxima
semanticamente o trabalho do poeta (que “canta”) do trabalho do povo (que “planta”),
tudo referido à projeção de algo que ainda está para nascer. Há com isso uma
expectativa, ou um realinhamento, em que o poema termina, tentativa de confluência
inicial entre renovação estética e emancipação social, que vivifica o andamento:
Ao povo seu poema aqui devolvo menos como quem canta do que planta
A este sequenciamento construído por meio de oclusivas que atuam com a
certeza do que está próximo e é inevitável, precedem onze versos de uma construção
temporal inequívoca: todos os verbos no presente. Está em jogo a descrição de um
processo geral contínuo, disposto por meio de imagens do campo semântico vegetal,
figuração da vida que irrompe e amadurece. O poeta parece registrar a insatisfação
da poesia consigo mesma diante da modernização, o que explica a exploração incisiva
dos componentes do cotidiano. Ele pretende elaborar com eles uma expressão que,
pretendendo funcionar como uma vida paralela (uma justificativa à vida real e
imperfeita), projeta a construção de uma ordem acessível, uma conformidade que
talvez não exista, mas poderia existir.
Neste poema a expressão incisiva não é criada só pelas palavras. Elas sem
dúvida significam: fruto, árvore nova, canavial, verde, açúcar, espiga, terra fértil, planta
– todas ajudam a construir a arquitetura de um sistema de alusões que estimula a
constante pretensão do universo poético do poema. Mas é fácil notar que o
vocabulário é equilibrado: “crescem juntos”; o poema está “maduro”, mas ainda
referido à “garganta do futuro”. E mesmo com essa atenção ao equilíbrio os versos
marcam, deixando forte conotação de um sujeito insatisfeito e que está em busca de
mudança, em parte talvez decorrente do uso rigoroso do símile sempre no segundo
verso das quatro primeiras estrofes, que se abre como provável direção de leitura para
os dois lados, fazendo o cuidado da composição multiplicar as possibilidades de
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leitura. A única restrição diz respeito à última estrofe, em que a correlação conjuntiva
se estende do segundo para o terceiro verso em uma transposição (enjambement)
que, ao contrário do modo como é usada nas estrofes anteriores, se apresenta como
unidade expressiva coesa e ininterrupta, conotando a imediatez que angustia o sujeito
e metaforizando o tempo presente do poema.
Notemos ainda que a palavra “povo” e a imagem deste como futuro, ainda que
facilmente possa ser encontrada na produção da época, está aqui associada à poesia.
E o que é mais importante: não é usada para criar um ambiente de palavra de ordem
dirigida, mas, pelo contrário, entra em tensão com a ideia de construção do poema.
Só isso já seria suficiente para mostrar a peculiaridade da renovação proposta por
Gullar: a nitidez da construção obtida através de reiterações precisas é o seu feito. A
formulação fica então presa em versos em que se formaliza o modo desalentado de
apresentação e de associação ao assunto que se vê em vários de seus poemas.
Outro poema frequentemente descartado pela crítica é o poema "A bomba
suja". Nele, um dos temas fundamentais de sua poesia, a violência, que partiu da
fragmentação de seus primeiros livros, agora se acentua de tal modo que a compulsão
interna se exterioriza em um embate contra o leitor. Parecendo seguir o modo com
que Graciliano Ramos procede no romance, Gullar não procura ser agradável, nem
no que anuncia, nem na maneira pela qual anuncia:
Introduzo na poesia a palavra diarreia. Não pela palavra fria mas pelo que ela semeia. Quem fala em flor não diz tudo. Quem me fala em dor diz demais. O poeta se torna mudo sem as palavras reais.
O tema é a linguagem e a escolha é curiosa: após o recuo tático de retomar o
verso, o poeta dá mais um passo atrás e retoma a forma fixa da redondilha. Apesar
disso, um preciosismo verbal está presente, servindo para mostrar qual a direção
adotada pelo poeta frente à concepção desta poesia. Mas é difícil defini-la com
exatidão, já que a redondilha foi também a forma escolhida para os poemas de cordel.
Digamos então que há duas partes no poema, uma primeira composta pelas quatro
primeiras estrofes e uma segunda que teria início a partir da quinta, cuja ligação por
meio da expressão “Por exemplo” (verso 17) pode ser lida como traço arcaico de
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composição, mas que pode assumir outro significado, desde que entendida como uma
forma propositadamente grosseira.
Sobre a primeira parte, podemos dizer que se decompõe nos dois eixos fixados
pelo poema: a linguagem da poesia e a diarreia. A conjunção desses dois eixos forma
um instante de choque direto, restando ao poeta lançar mão das “palavras reais” (v.
8) para não se tornar “mudo” (v. 7). Mas a “ideia abstrata” (v. 10) ilumina uma
diferenciação: de um lado a palavra eternamente bela e calma da poesia (a palavra
“no dicionário”, v. 9), de outro a “palavra fria” (v. 3) da vida humana, cujo sentido último
é o sofrimento. E essa diferença doída, que o poema não tenta sublimar e sim
adensar, é entendida como duplamente angustiante: tanto a palavra não pode ser real
(ou seja, não pode deixar de ser ideia abstrata no dicionário – pois nele o poeta se
torna mudo, é frustração), quanto é constatação da impossibilidade de intervenção da
própria poesia, de não poder se converter em ação transformadora. O tom permanece
o mesmo até o final da quarta estrofe, quando então passa a ganhar outro sentido,
parecendo tentar se desembaraçar dos caminhos obscuros da poesia para intervir
diretamente na vida.
Mas como Gullar renova? Na agressividade que obtém através de termos
pesados e no desprezo da suavidade. O poeta entende que a poesia pode não ser
apenas refinamento e elegância, mas pode ser também – e inclusive – rusticidade
proposital. Ele renova justamente na medida em que elabora um poema antissublime,
diretamente contrário ao estilo dito alto. E este traço já característico de sua poesia é
retomado aqui em outro contexto, ganhando a partir disso outro sentido. Quando
então percebemos um problema: se o alvo da poesia é a vida, a forma como esta é
abordada por aquela, pode a matéria suja se tornar forma válida e atrativa para a
leitura? A pergunta pode ser vista reaparecendo periodicamente em vários poemas
ao longo do livro,32 mas aqui se desenvolve do seguinte modo: o sujeito que não se
contenta com o mundo como ele é, acaba vendo longe a imagem do que gostaria que
fosse. A linguagem trazida pela vida oferece cacos e estes são utilizados no poema,
que se tornou parte da insatisfação deste sujeito fincado no presente. Mas o presente
é ambíguo, sendo ao mesmo tempo a vida construída a partir do que se consumou
(impedindo outras) e o discernimento da própria vida, que possibilita considerar outra
32 Sobre isso, ver por exemplo os poemas: “Poema brasileiro”, “Não há vagas”, “O açúcar”, “Cantada”, “Coisas da terra”, “Verão”, “A vida bate”, “Boato”, “Uma fotografia aérea”, “Pôster”, “No corpo” e “A poesia”.
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vida mais completa. E seria com os restos proporcionados pela vida presente que
poderia ser possível pensar a imagem de um mundo possível, redimindo as limitações
do país atrasado e dando a impressão de uma vida mais plena. Portanto, o que pode
ser visto neste poema como limitação consiste no fundamento para a renovação da
poesia, que se apresenta como tentativa de unidade alcançada a partir do
recolhimento da variedade do mundo, repondo na poesia a insatisfação e o
sofrimento, a decepção e o descontentamento com a vida que a modernização
aproxima. Isso explica a razão de ser desses versos curtos e tensos, concentrados,
parecendo buscar a dureza da vida imediata:
No dicionário a palavra é mera ideia abstrata. Mais que a palavra, diarreia é arma que fere e mata. Que mata mais do que faca, mais que bala de fuzil, homem, mulher e criança no interior do Brasil.
Mas retomemos agora aquela segunda parte do poema. Diante do que vimos,
poderíamos dizer que esta tem início a partir da quinta estrofe, quando então a
composição passa a localizar um cenário, no caso o Rio Grande do Norte. À primeira
vista, não estaríamos mais no tema da linguagem e na esfera de autorreferência que
o poema parece querer construir. Inclusive, tudo poderia levar a crer que agora as
imagens dizem respeito a um conjunto para além do debate propositadamente
literário, mas vamos argumentar no sentido contrário: minimizando a importância do
que seria qualidade estética para a convenção literária, o poeta tentava superá-la.
Por exemplo, a diarreia, no Rio Grande do Norte, de cem crianças que nascem, setenta e seis leva à morte. É como uma bomba D que explode dentro do homem quando se dispara, lenta, a espoleta da fome.
Vemos que o sujeito põe de lado o tema da linguagem e com isso perde a sua
presença nesses versos, embora pareça tentar recuperá-la com as virtualidades que
agora o compõem. E se insiste em manter o tom lento e analítico de seu passo inicial,
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não poderá mantê-lo com sentido inalterado: o que era agressividade proposital agora
se transforma em pressa para denunciar uma determinada opressão, que resultará
em um esforço consciente de manejar certa esperança a despeito da vida. A dicção
ligeira que até então era uma virtude dá agora a impressão de recurso amenizador.
Torna-se maneira de poupar, de evitar o confronto radical das posições. O foco na
realidade degradante perde espaço para a exposição das convicções do poeta, e o
poema termina por apontar menos para a realidade da vida do que para a própria
psicologia do poeta. O que importa agora não é a “fome” ou a “miséria”, mas a
mensagem política e a sua urgência, que explicitam uma vontade íntima e um desejo:
Mas precisamos agora desarmar com nossas mãos a espoleta da fome que mata nossos irmãos. Mas precisamos agora deter o sabotador que instala a bomba da fome dentro do trabalhador. E sobretudo é preciso trabalhar com segurança pra dentro de cada homem trocar a arma da fome pela arma da esperança.
Essa segunda parte deixa totalmente de lado o povo e suas pessoas reais –
estas, sim, essenciais – que o tema da diarreia evoca. A omissão não é acidente, é
parte da proposta do CPC, que de outro modo não poderia aludir a uma unidade
nacional. O teor um pouco levitado da conclusão do poema seria então uma
transposição de certa plenitude almejada em clave de esperança, de alegria irreal.
Mas fica ainda o incômodo da junção algo forçada que o início da quinta estrofe
representa com a expressão “Por exemplo”, dando a sensação de uma composição
desafinada. Isso sem dúvida ressalta o aspecto grosseiro e algo forçado do poema,
mas este é usado agora sem o traço de autorreferência da primeira parte,
característica central dessa fase de choque.
Se leio bem (o que sempre é uma questão de ponto de vista nessa matéria),
esse poema poderia ser indício de um traço: a composição desafinada é parente
ancestral do discurso revolucionário. “Por exemplo, a diarreia/ no Rio Grande do
Norte/ de cem crianças que nascem/ setenta e seis leva à morte”. Nesta estrofe, além
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do corte seco promovido pelo uso do “Por exemplo”, há ainda esse terceiro verso
iniciado pela preposição “de”, para a qual não existe explicação morfossintática
aparente se lida de forma linear. Como vemos, a rusticidade não está apenas no
vocabulário, mas também no encadeamento dos versos, nesse caso quase que
dispostos um abaixo do outro. A simplicidade da organização da expressão parece
dizer respeito a uma ilusória simplicidade da condição social do poeta, mas com um
traço implícito de deturpação, que funciona como dissimulação da condição
verdadeira, sem a qual o andamento do poema perderia o sentido. Lido assim, o
conflito do sujeito social está sedimentado ao longo do poema, cujo verso, entretanto,
festeja o país indistintamente. O andamento didático no uso da redondilha favorece o
agrupamento dos elementos díspares, que por sua vez torna impossível a
harmonização de elementos tão contraditórios entre si. Por esse motivo o poema não
pode ser visto como realista, mas também não é estilização apenas personalista:
mesmo sendo assertivo, o fraternalismo compassivo de Gullar tem parte na
sensibilidade populista. A solicitude da forma não reflete, acaba por compensar o peso
da experiência real. Em outras palavras, essa segunda parte seria forte na evocação
e tímida na reflexão. Porém: porque o poema é escrito em redondilha, as frequentes
referências à morte e à fome não são defeito, ainda que sejam um limite. O que seria
falha em terceira pessoa narrativa (como no caso dos poemas de cordel por exemplo),
em primeira pessoa do singular figura como caracterização. A mistura gullariana de
linguagem crua, perspicácia, lirismo, traços alusivos e modernização fixa uma
personagem frequente e central daquele cenário artístico, compensando o mau
andamento das partes.
O poema seguinte pode até mesmo causar certa estranheza ao leitor que tenha
escolhido fazer uma leitura linear do livro Toda poesia. Gullar parece retomar certa
preocupação anterior de sua poesia, restabelecendo-a, no entanto, em outros termos.
O poeta segue almejando a renovação rumo a uma nova linguagem, mas não só de
si, como dos outros e dos próprios limites do poema. É também um passo à frente de
“A bomba suja” no sentido de que o poeta reelabora a sua experiência, radicalizando-
a e descobrindo nela novos aspectos:
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No Piauí de cada 100 crianças que nascem 78 morrem antes de completar 8 anos de idade No Piauí de cada 100 crianças que nascem 78 morrem antes de completar 8 anos de idade No Piauí de cada 100 crianças que nascem 78 morrem antes de completar 8 anos de idade antes de completar 8 anos de idade antes de completar 8 anos de idade antes de completar 8 anos de idade antes de completar 8 anos de idade
O procedimento estilístico é o mecanismo de repetições, empregado tanto na
forma como o verso é desmembrado – parecendo resquício da busca de uma sintaxe
vertical de outrora –, quanto no funcionamento paralelístico e anafórico, ou até mesmo
na simples recapitulação topológica das palavras. Daí resulta a visão bruta que
predomina: as crianças mortas são um quadro paralisado diante de nós. Por outro
lado, no interior dele tudo está em movimento, todas as palavras são retomadas e
realinhadas, como se alterássemos o ponto de vista de uma cena – e nos sentimos
como observadores diretos. Contudo, na harmonia do poema, essa cena é
irreconciliável: as crianças do Piauí seguem suas históricas próprias, alheias a nossa.
Não há catarse. E a consciência desse fato torna impossível a reintegração das
relações entre as partes do poema. Não há reconciliação frente a uma vida que não
está conciliada.
Mas o que pode a consciência contra o mundo que mata as crianças no Piauí?
Nada, e isso explica a ausência de manifestações secundárias, o que torna as
repetições por esse motivo talvez mais expressivas, ecoando como a frequência das
alusões à náusea, à sujeira, ao mergulho em estados aflitos de opressão e ao
sufocamento; e, no caso extremo, de sentimento de sepultamento da vida, ainda em
vida.33 Este traço é permanente no livro e pode ser lido como um tema, que
33 Para ver como este tema pode aparecer de formas diferentes ao longo do livro, ver os poemas: “No mundo há muitas armadilhas”, “Dois e dois: quatro”, “Pela rua”, “A vida bate”, “Praia do caju”, “Por você por mim”, “Memória”, “Vestibular”, “Vendo a noite”, “O prisioneiro”, “Ei, pessoal”, “No corpo”, “Poema”, “Madrugada”, “A casa”, “Exílio”, “Cantiga para não morrer”, “Dois poemas chilenos”, “Passeio em Lima” e “Ao nível do fogo”.
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poderíamos chamar de emparedamento, manifestando uma opressão que no sujeito
chega a se manifestar como a feição de uma morte antecipada: em um primeiro
momento ligada sobretudo à miséria dos outros, em um segundo momento, mais
profundamente, ligada à sua condição de exílio. Em compensação, este mesmo tema
pode dar lugar à exumação do passado, transformando as lembranças em uma forma
de vida ou de ressurreição de circunstâncias nelas sepultadas, como indica o
movimento de alargamento do sujeito pela memória no andamento de sua obra.
A busca de uma renovação literária exigida pelo momento de modernização
nos proporciona intrigantes exemplos dos restos que o poeta deixa pelo caminho. Ele
retoma velhos temas, mas coloca entre parênteses a visão amarga da vida,
temperada agora de outro modo, com uma espécie de calma que têm os grandes
artesãos, ao passo que tenta um maior controle da linguagem. Daí o poema “Não há
vagas”, cuja força estilística é obtida através de certa depuração vocabular às
avessas, que seleciona os signos com a precisão da visão de mundo:
– porque o poema, senhores, está fechado: “não há vagas”. Só cabe no poema o homem sem estômago a mulher de nuvens a fruta sem preço
O poema, senhores, não fede nem cheira
Trata-se novamente da procura da poesia, e de novo o tema que esse
apresenta para as situações retratadas é a linguagem. No entanto, há diferença de
enfoque, e é fácil destacá-la: da imagem do povo em forma genérica dos poemas
anteriores ao funcionário público e ao operário vai uma gradação inversa, valorizada
na consideração ao detalhe e não no canto de um desígnio. Não há também o desejo
de semear ou de propagar uma nova era, cuja força pudemos notar no primeiro
poema. O sujeito inconformado e que anseia por modernização parece parar
meditativo sobre os elementos procurando entendê-los de modo quase descartável,
sem um traço característico que os especifique. São vistos mais pela substância
comum entre eles do que pelos elementos que os poderiam distinguir: o feijão visto
como o arroz, o gás como a luz, o telefone como a sonegação, o leite como a carne,
o açúcar como o pão – e todos como o funcionário e o operário, enfim, o homem
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comum; todos não caberiam no poema. Mas essas comparações, atente-se, não
privilegiam o intervalo entre as coisas, e sim, pelo contrário, procuram através das
comparações as conexões que possam uní-las.34 E não se pense por isso que a
negatividade não está presente no poema, pois a última estrofe insinua o sentido
negativo sob a forma do sofrimento, da miséria e da sujeira. Na verdade, o tom algo
ofensivo do poema desmascara as tensões, e seu valor nasce da elucidação desse
conflito. Nesse caso, seria uma tentativa de desequilíbrio conseguido sobre uma
harmonia aparente – o poema é paralisado pela enumeração sucessiva dos
elementos que o poderiam compor, e estes por sua vez ganham o movimento e a nota
específica que os capacitaria para a transformação da sociedade. Como ambos são
referidos a partir de um sujeito, a subjetividade impregna as forças opostas e parece
(como a linguagem) tensa e controlada.
Seria exagero conceber este poema como uma poética? Digamos que o próprio
poema admite esta interpretação. O feijão, o arroz, o gás, a luz, o telefone, a
sonegação, o leite, a carne, o açúcar, o pão, o funcionário e o operário são símbolos
da renovação da poesia, que agora são percebidos de modo mais tangível do que
antes, menos variável e menos inalcançável. Por outro lado, é preciso notar que o
registro convencional está modificado: embora a matéria mantenha seu caráter banal
(o preço do feijão) e compassivo aos outros (ao “funcionário” e ao “operário”), ela se
degrada como claustrofóbica (“sua vida fechada”), parecendo renegar a catarse, a
ação purgativa das emoções, por entender que ela se harmonizaria com a repressão
causada pelo atraso do país. E não é nada exagerado, portanto, entender esta vida
fechada como o “dentro da noite” do título do livro. Entretanto, o que se nota aí não é
a recusa do que está “dentro”, mas uma aceitação carregada de angústia em um
espaço ao mesmo tempo indecoroso e precioso: é o poema moderno que denuncia o
próprio ofício visando a modernização do país que se movimentava.
Nesse momento, Gullar não se conformava com a pobreza a sua volta. O autor
tinha dúvidas sobre a linguagem de seus poemas e a renovação da poesia
questionava a ordem no seu todo: as insatisfações se entrelaçavam umas com as
34 Sobre essa diferença de tratamento, consultar João Luiz Lafetá, “Traduzir-se”, in A dimensão da noite e outros ensaios. Organização de Antonio Arnoni e prefácio de Antonio Candido. São Paulo: Duas Cidades; Ed. 34, 2004. Caso seja do interesse do leitor se aprofundar nessa discussão, sugiro a leitura do livro em que este ensaio foi publicado pela primeira vez: ___; LEITE, Lygia Chiapinni Moraes; ZILIO, Carlos. Artes plásticas e literatura: o nacional e o popular na cultura brasileira. São Paulo: Brasiliense, 1982.
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outras e se ligavam por dentro, remetendo ao conjunto da modernização social. Este
é o papel de guarda avançada assumido pela renovação da poesia que Gullar desde
cedo vê como adequado para a sua pessoa. Era natural, pois, que o aspirante a
modernizador, inicialmente da poesia, depois da teoria e logo da cultura brasileira
como um todo, buscasse efusivamente formas novas para um novo momento. A
posição fica mais interessante se atentarmos para o fato de que antes mesmo do
golpe de 64 o mesmo Gullar escreveu poemas como “No mundo há muitas
armadilhas”, “Voltas pra casa” e “Homem comum”, introduzindo na sua composição
um verso mais flexível para reduzir a tensão superficial e adequar o ímpeto à realidade
da vida, ao passo que tentava fazer do princípio de modernização do momento o
princípio para a sua renovação. No seu caso, a depuração progressiva do lirismo vinha
em benefício do projeto de modernização, arrastado para o decênio de 1960 pelas
contravenções bem meditadas que intensificavam o seu o valor problemático. A sua
marca registrada, como podemos ver, é a preferência estética pela poesia engajada,
assim como a crítica estética à poesia propositadamente literária. Gullar sugeria uma
poesia que encara o seu papel autorreferente, ou seja, uma poesia que fosse contrária
ao poema que expressa o estado de espírito de um eu-lírico assumindo a primeira
pessoa e procurando vivê-la dramaticamente. E este é o ganho direto do contato com
o CPC: a sua poesia, em vez de esconder, colocava à mostra os procedimentos da
composição. O leitor, em consequência, se dava conta do caráter construído das
imagens e, por extensão, do caráter construído da vida que o poema mimetizava. Ao
sublinhar a parte de fingimento no poema – a elaboração da forma –, Gullar buscava
ensinar que este poderia ser algo mais significativo do que esotérico, ou quem sabe
até mesmo que as palavras da vida comum têm algo de representação. Tratava-se de
entender que na vida, assim como na poesia, os funcionamentos são sociais e,
portanto, podem ser alterados.
Examinado com atenção, sem o anestésico que os versos podem proporcionar
nem o afrouxamento crítico-reflexivo da transmissão histórica, o cotidiano poderia
figurar como estranho, o mais comum poderia ser mais difícil de explicar e a ordem
do mundo, que é aquilo a que estamos aclimatados, poderia se mostrar
incompreensível. Se considerarmos estes poemas apenas como uma mensagem que
procura lembrar o caráter histórico das relações humanas, que sempre mudam, eles
estariam hoje banalizados. Por outro lado, se observarmos a ênfase no que pode ser
transformado, com sua rejeição à exploração, estaremos diante de um imperativo
50
mais complexo, e a dificuldade de cumprir a tarefa que Gullar propôs para si mesmo
chama a atenção. A busca de um presente mais livre e em dia com os tempos foi
sentido como um compromisso do qual o poeta não se esquivou.
Digamos então que a proposta desta poesia tinha como premissa o atraso e a
vontade de superá-lo. Mas se por um lado essa premissa ficava carregada de
projeções em vários rumos – a que os poemas em boa parte devem a sua força –, por
outro, suscitada pela tensão do momento, ela resultava na tônica da retomada de um
verso menos agressivo, que a rigor não correspondia exatamente ao momento de
renovação e modernização. Lidos assim, talvez os poemas já deixassem entrever que
não estávamos necessariamente em vias de superação como se supunha. E por estas
considerações verificamos que, mesmo perante observadores qualificados, essa
poesia não pareceu mostrar a sua contundência, em boa parte por conta de sua
radicalidade. Ela se desidentificou tão violentamente com o que se convencionava
chamar de poesia ou “inspiração poética” em seu tempo que se tornou difícil para
muitos tomá-la a sério como arte.
No entanto, chamá-la de poesia ou de arte acaba não sendo o essencial. Não
se trata de homenagem à verdade do passado, ou à verdade dos vencidos de turno,
mas de leitura e construção do inteligível no nosso tempo. Diante desta poesia, não
temos dúvida de que a função da crítica ainda é, precisamente, reconstituir essa
inteligibilidade, incorporando à face visível dos poemas a não-visível, que por não se
darem à primeira vista estão mais presentes do que nunca.
Com esta poesia Gullar teve a sorte de se encontrar em marcha com um
momento histórico de desprovincianização, quase se diria de emancipação. Graças
ao CPC, um movimento esclarecido do período, o papel da arte foi questionado no
interior da sociedade, aguçando a arte moderna, o teatro, a música, o romance e a
poesia, trazendo para as suas linhas os mais arrojados artistas de todas áreas e
oferecendo ao país um amplo repertório de debate rico e, principalmente, aberto.
Sendo resultado direto desse momento, os primeiros poemas de Dentro da noite veloz
expõem essa ebulição característica. Sem que esteja diretamente discutido, o
encontro explosivo – e formador – entre experimento artístico, subdesenvolvimento,
radicalização histórica onipresente e periferia, além da hipótese modernizadora no
horizonte, é o contexto de tudo. Com os ajustes do caso, era um microcosmo do Brasil
em véspera de mudanças. E o que o CPC propiciou a Gullar, abrindo-o para as
51
possibilidades de novas sugestões, se coloca como obrigação para o entendimento
completo desta obra.
52
2.2 – A marcha das ideias: ruptura e apego
Era a barbárie invadindo os salões delicados da cultura nacional. Não obstante, lá estavam os germes do novo cinema político brasileiro, da nova música popular de protesto, enfim, de todo esse movimento cultural que hoje domina a atualidade artística do País. E mais: nasceu ali um pensamento cultural novo que, vencendo o radicalismo inicial necessário, aprofunda a visão de uma arte brasileira e ao mesmo tempo universal, ampla em suas colocações filosóficas e inquieta na procura de novos modos expressivos.
Ferreira Gullar, Vanguarda e atualidade.
Embora se considerasse criador e teórico de uma poesia renovada, Gullar fazia
uso da “medida velha” (redondilha). Esta tinha sido praticada na Europa durante o
Renascimento (resultando na popularização da impressão de relatos orais) e no Brasil
já em certos didatismos dos padres jesuítas, sem esquecer da sua posterior
assimilação em pequenas cidades do país a partir do século XIX como forma de
propagação de notícias vindas de outras regiões. Assim, os recursos que poderiam
servir para a modernização da poesia não eram originais, ou melhor, eles se tornavam
modernos em sentido forte apenas quando restabelecidos – como foram – em um
momento de ebulição social, com seu movimento de emancipação dos trabalhadores
e anti-imperialista (anticapitalista em um segundo momento), que fazia a diferença –
ainda que pró-burguesia nacional.35 Tratava-se de uma fundação peculiar, cuja
premissa basilar era um movimento popular poderoso e emancipador, habilitado a se
defender contra os opositores e comprometido em tornar relevante o livre exame de
suas questões vitais diante da formulação estética, que Gullar procurou traduzir a
cada verso com vista às transformações práticas. Essa a importância exata da
afinidade entre a movimentação social e os procedimentos modernos que
apresentamos na primeira parte deste trabalho. A composição que ciente da matéria
poética excede o propósito literário discutindo e examinando a si mesma – incluídas
aí as suas próprias circunstâncias materiais, como que desnaturalizando as
subordinações entre os setores da realidade – revela uma relação profunda com uma
sociedade em vias de se esclarecer e revolucionar os seus próprios fundamentos.
35 Sobre isso, consultar Roberto Schwarz, “Cultura e política: 1964-1969”, in O pai de família e outros estudos. São Paulo: Companhia das Letras, 2008.
53
Com mais ou menos consciência, a proposta de modernização da poesia apresentada
por Gullar cultivou a autorreferência em vista dessa virtualidade, que em contrapartida
lhe emprestava a vibração radical do momento. A nitidez da posição histórica adotada
pelo poeta ajuda a ver o vínculo de origem, ao passo que permite refletir sobre o que
pode ser entendido como mudança tática na elaboração.
Os primeiros passos da proposta de modernização da poesia elaborada por
Gullar são por esse motivo ilustrativos daquele “radicalismo inicial necessário”.
Tomando distância, podemos dizer que a licença para modernizar vinha de cima: o
grupo do CPC e, mais longe, o próprio estado modernizador não se identificavam mais
com a ordem retardatária, que mal ou bem estava com a data vencida. A feição dessa
inesperada abertura para a modernização, que não via com maus olhos o espírito
crítico do momento, era definitivamente radical, ao modo da classe média
evidentemente – talvez mais moral do que propriamente histórica. Mas esse clima de
opinião provinciana e esclarecida, para o qual a modernização via reformas de base
seria razoável e o capitalismo um erro, por outro lado não chegava a ser majoritário.
No entanto, para Gullar, a sua amplitude era suficiente para dar a ilusão de que ele
representava a tendência real das coisas, enquanto o campo oposto seria um triste
anacronismo, um “sonho frustrado da universalização: artistas que não despertaram
do ideal estético adolescente”,36 em vias de ser superado. Daí a atmosfera quase
utópica que contamina vários poemas, na tentativa de pôr em contato a vida popular
e a cultura erudita mais estilizada. E daí também certa euforia que em seguida se
provou ingênua quanto ao rumo do progresso.
Por razões históricas de que os poemas não dão conta, que dizem respeito ao
auge e à crise da modernização via reformas de base no momento anterior ao golpe,
as simpatias pela modernização estavam espalhadas por todos os níveis da
sociedade, inclusive pelo governo. Graças a esses apoios, que tinham alcance não só
moral como também prático na poesia de Gullar, estava em curso uma recombinação
de forças intelectuais e institucionais que esboçavam a seu modo as possibilidades
modernas. Esse o contexto e a força latente dos poemas da fase de choque que
analisamos na parte anterior. E o lastro técnico desse choque desembocou nos
poemas que vieram logo em seguida, devendo a ele e à plenitude de vida que ele
36 ROCHA, Glauber. Revolução do cinema novo. Rio de Janeiro: Alhambra; Embrafilme, 1981.
54
prometia – e em certa medida possibilitava – a qualidade pretendida a partir de certo
ponto da trajetória da poesia de Gullar via CPC.
Dito isso, há algo em comum entre a composição ultrapassada – e moderna –
que aceita bem a redondilha, a proposta renovadora mas respeitadora das tradições
literárias do verso e o CPC, que estimulava núcleos de vanguardismo social para
ativar o clima cultural das cidades. Em todas essas frentes, o salto modernizador a
uma forma social mais livre e menos injusta (ou absurda) representava uma aspiração,
característica central de certo realinhamento a que a composição de Gullar parece se
submeter. A dinâmica histórica e a força das discussões revolucionavam por dentro
os poemas que mudavam constantemente a sua forma, parecendo passar por um
processo acelerado e intensivo de acumulação e depuração, com resultado
impressionante. Entravam em liga o ambiente movimentado, o engajamento maior na
luta social e a fidelidade à experiência do cotidiano, além do domínio em alto patamar
da poesia, que aliás não impedia a renovação do verso e de certo modo até a
favorecia. O conjunto sintonizava com a revolução brasileira em esboço, e também,
visto em retrospecto, com os prenúncios do que seria 1968 no mundo, tudo num grau
de afinidade que parece falar mais do que Gullar pretendia conceber àquela altura. E
o passo dado à frente foi esclarecedor.
Após a fase de choque, o verso contido e o uso da redondilha são abandonados
temporariamente para levar adiante a exploração da construção de imagens. O poeta
deixava para trás a concepção mais tradicional do verso como unidade autônoma,
buscando com isso fixar um patamar de reflexão mais alto diante de uma ordem
inaceitável, que de certo modo refletia sobre a desigualdade brasileira e sobre as
questões da poesia, interligadas em todo caso. Do ângulo histórico, grosso modo, era
a posição da modernização na época, com seus méritos e limitações: o latifúndio e o
imperialismo causavam inautenticidade cultural – o que certamente era verdade – ao
mesmo tempo em que diziam respeito a preocupações externas ao país, formando
corpos estranhos em uma nação essencialmente boa e fraterna – o que era uma
ingenuidade. Afinando com essa ordem de sentimentos e prolongando-a no plano
artístico, Gullar buscou uma depuração do lirismo dimensionando as possibilidades
através da reelaboração do verso livre de amarras, como vemos no poema “No mundo
há muitas armadilhas”. No ponto de fuga dessa depuração, que era mais do que
meramente da poesia, estaria um país verdadeiro, livre das imposições de fora e da
limitação intelectual especializada.
55
No mundo há muitas armadilhas e o que é armadilha pode ser refúgio e o que é refúgio pode ser armadilha
Tua janela por exemplo
aberta para o céu e uma estrela a te dizer que o homem é nada
ou uma manhã espumando na praia a bater antes de Cabral, antes de Tróia (há quatro séculos Tomás Bequimão tomou a cidade, criou uma milícia popular e depois foi traído, preso, enforcado)
No mundo há muitas armadilhas
e muitas bocas a te dizer que a vida é pouca que a vida é louca E por que não a Bomba? te perguntam. Por que não a Bomba para acabar com tudo, já que a vida é louca?
Contudo, olhas teu filho, o bichinho
que não sabe que afoito se entranha à vida e quer a vida e busca o sol, a bola, fascinado vê o avião e indaga e indaga
A vida é pouca a vida é louca mas não há senão ela. E não te mataste, essa é a verdade. Estás preso à vida como numa jaula. Estamos todos presos nesta jaula que Gagárin foi o primeiro a ver de fora e nos dizer: é azul. E já o sabíamos, tanto que não te mataste e não vais te matar e aguentarás até o fim.
Neste poema, a mudança salta aos olhos. Não há métricas fixas e vemos que
a linguagem poética fica mais complexa. Embora tenha abandonado o agressivo lastro
de autorreferência dos primeiros poemas, impressiona pela facilidade com que
desentranha do coloquialismo uma atmosfera poética tanto densa quanto tranquila,
sem sombra daquele “radicalismo inicial necessário”. Há ainda a imagem da bomba e
da fome, por exemplo, mas com o significado alterado. O leitor lembrará de “Meu povo,
meu poema”, o primeiro poema da fase de choque. Nele, o tempo do poema (“crescem
juntos”) foi construído em torno do presente imediato e da percepção das coisas que,
assimiladas pela autorreferência do poema, faziam o poeta caminhar. Aqui esse
significado permanece, mas some a desarmonia: construir não é mais destruir
56
ferozmente (como também ocorre em “Não há vagas”, por exemplo), e o sujeito parece
capaz de solidificar um centro forte que domine e vença as contradições, pois “é
preciso quebrá-las”. E o desejo de puxar a consciência para o presente sem com isso
romper com a linha central do CPC pode ser entendido, também, como a conjunção
sartreana de comprometimento existencial e responsabilidade intelectual. Estes são
os passos da modernização desta poesia, mas agora já em um sentido pouco didático,
diverso do que o poeta procurava fazer no momento inicial. Tratava-se da tentativa de
um poeta talentoso que, juntamente com a sua geração, procurava participar de um
momento iluminado de transformação que a todos permitiria renovação, inclusive dele
próprio. Longe dos caminhos seguidos por outros artistas, Gullar obedece a estímulos
diversos, todos estimáveis, mas que curiosamente são desprovidos de carga
negadora maior, o que sem dúvida significa. E nesse sentido o poema “O açúcar” é
um ponto alto do livro, não só pela qualidade da técnica, como pela correspondência
de fundo com o painel biográfico-social:
O branco açúcar que adoçará meu café nesta manhã de Ipanema não foi produzido por mim nem surgiu dentro do açucareiro por milagre.
Note-se de passagem a tranquilidade literariamente muito boa com que o autor
concebe que o açúcar não foi feito por milagre. O sentido ostensivo do poema é o
mais evidente possível, pois diz respeito justamente ao enunciado, que por seu turno
não demonstra nenhuma complexidade de apreensão. Não precisamos de dicionário
para dar bom andamento à leitura dos versos, exceto no caso de um termo específico
como “regaço” (v. 21), que dependendo da região é inusitado com o sentido que tem
no poema, isto é, espaço ou meio interior entre montes, mais ou menos equivalente
ao que se pode entender como “depressão”.
O poeta mantém a composição sem enfeite dos poemas anteriores, mas
adiciona o tom coloquial que reforça o sentido do açúcar, do café e da manhã em
Ipanema. Essa é uma disposição que o poeta recupera de sua própria trajetória – os
objetos e a figura de um sujeito –, mas agora elas ganham um sentido diferente. O
sujeito parece se dirigir a si mesmo, refletindo em tom de afirmação sobre a origem
do açúcar em seu açucareiro. Descreve as sensações para então procurar entender,
no decorrer do poema, a situação atual. O núcleo de tensão do poema consiste, pois,
57
na relação de uma situação “passiva” de ter o açúcar em mãos com uma situação
“ativa” de pensar a sua origem, comparando a situação inicial de aparente
tranquilidade com a atual, de angústia e inquietação. E somente no final o sujeito
retoma a situação inicial “em Ipanema”, fato que retroage e expõe a origem do açúcar,
encadeando a explicitação de sua produção. Lembremos ainda que, se em A luta
corporal havia certo desajuste do sujeito no estar no mundo, aqui esse desajuste
parece caminhar para uma integração, como se o sujeito fosse alguém entre coisas,
uma pessoa entre outras do mundo. Lida assim, a reflexão sobre a produção do
açúcar ganha impulso na correspondência com a modernização da sociedade
brasileira para alçar um voo mais de mais amplitude: agora, diferentemente do seu
segundo livro – quando o sujeito se via alheio aos objetos –, ele passa a se identificar
mais profundamente com a vida do mundo ao seu redor:
Este açúcar veio da mercearia da esquina e tampouco o fez o Oliveira, dono da mercearia. Este açúcar veio de uma usina de açúcar em Pernambuco ou no Estado do Rio e tampouco o fez o dono da usina. Este açúcar era cana e veio dos canaviais extensos que não nascem por acaso no regaço do vale.
Em lugares distantes, onde não há hospital nem escola, homens que não sabem ler e morrem aos vinte e sete anos plantaram e colheram a cana que viraria açúcar.
No trecho acima, vemos que a integração surge de forma natural, como se um
impulso de afetividade – e nunca algo exterior – colocasse o poeta diante do açúcar
“puro/ e afável ao paladar”. Mas não há só coloquialidade aí. Apesar das imagens
parecerem um pouco banais, percebemos que elas nascem de um toque de emoção.
A voz histórica nasce de um sentimento íntimo, de um abalo que faz a adesão aos
despossuídos surgir inteira, visão de mundo e subjetividade juntas.
O tom geral corresponde exatamente a essa naturalidade do assunto. Há nela
uma nitidez potencializada pela ordem expositiva clara e direta, com moderada
disposição de elementos ao longo do verso que dispensam termos conectores, como
58
no caso de “como beijo de moça, água” e “na pele, flor”. E se por um momento
considerarmos as inversões e construções metafóricas da poesia, ou mesmo os livros
anteriores do próprio autor, poderíamos até mesmo ficar hesitantes frente a este
discurso despojado e sem mistério, que parece entregar tudo à primeira vista. Mas
percebemos que ele é fruto de uma forma contida e elaborada, e não de uma
tranquilidade real. O poema atenua com clareza a situação de reflexão, que é o tempo
presente do enunciado, contrastando com um implícito elemento dramático. Daí a
impressão de revolta contida, que não grita e se traduz no referido efeito de
naturalidade.
Esta naturalidade surge também do uso impressionante da linguagem figurada.
Os seus versos são feitos com palavras usadas no sentido mais despojadamente
próprio, com duas únicas situações de remoto fundo metonímico ou metafórico,
praticamente apagadas pela incorporação ao uso: “homens que não sabem ler e
morrem” e “homens de vida amarga”. De fato, nela existe, sob a expressão direta, um
sistema completo de significados indiretos, ou oblíquos, reduzindo o poeta culto e de
bom nível social a uma condição de modesta coloquialidade, que é simulada. O leitor
entra no jogo e finge acreditar sabendo que a simplicidade não é apenas relativa, mas
altamente convencional, pois há uma contradição básica, deformadora, entre o plano
explícito e o plano implícito:
Em usinas escuras, homens de vida amarga e dura produziram este açúcar branco e puro com que adoço meu café esta manhã em Ipanema.
Essa simplicidade (convencional) leva o poeta a não recuar diante das
expressões e dos conceitos aparentemente banais. Embora faça versos de
composição mais elaborada,
Vejo-o puro e afável ao paladar como beijo de moça, água na pele, flor que se dissolve na boca.
o poeta procede de modo a versar pelo prosaísmo do assunto mais corriqueiro:
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[...] Mas este açúcar não foi feito por mim. Este açúcar veio da mercearia da esquina e tampouco o fez o Oliveira, dono da mercearia. Este açúcar veio de uma usina de açúcar em Pernambuco ou no Estado do Rio e tampouco o fez o dono da usina.
Estamos diante de mais um passo à frente dado por Gullar diante dos poemas
iniciais. O uso do conteúdo social passa a ser entendido com força e finalidade efetiva,
a que o poeta adere agora mais plenamente. Em vez de problematizar, este agora
apenas questiona, característica que é progressivamente adaptada, poema a poema
e caso a caso, sendo ela mesma um achado literário, a condensação feliz de um
ângulo estético substantivo para a representação.
Vista dessa maneira, a simplicidade da expressão do poema “O açúcar” poderia
corresponder à simplicidade da condição social dos que “colheram a cana”, mas com
um elemento implícito de distorção, que é a alegoria da produção do açúcar,
funcionando como disfarce da condição verdadeira do sujeito. Assim, temos duas
contradições: o conflito entre a serenidade simples do tom e a tragédia da situação
real relatada; o conflito entre a aparente simplicidade de como assunto é tratado e o
refinamento efetivo do poeta. O que temos pela frente é uma simplicidade elaborada
artificialmente, um curioso disfarce poético. Ele é resultado, no fundo, da mescla
peculiar entre renovação radical e respeito/apego que dá força às intenções da
composição. Contudo, o mais desconcertante dessa nova forma de compor é o tom
calmo e detido, o mesmo que parece abandonar o tom algo impetuoso da fase de
choque afastando o poema desta na medida em que alarga o gosto pelo cotidiano.
Muito a seu modo, a reciprocidade viva encontrada por Gullar entre renovação
estética e reflexão sobre a situação histórica, que vão se alternando, é um arranjo
formal com feição própria, que solicita a intepretação como o andamento de um
raciocínio analítico. A proposta de renovação se desdobra em vários planos, dando
ideia do que seja uma revolução artística. Na boa exposição de Gullar, a renovação
da poesia responde a um conjunto de impasses tanto poéticos quanto sociais,
achando novas saídas para o momento e abrindo as perspectivas para o futuro, ao
passo que redefinia o próprio passado, que também mudava. Os versos de Gullar se
apoiavam na sua interpretação muito pessoal e muito penetrante da passagem do
60
tempo, sendo aos poucos articulada ao domínio dos procedimentos do verso de
Drummond, que para o autor era então uma das maiores referências da poesia
brasileira, aquele que havia cultivado as renovações empregadas pelo Modernismo.
Assim, o poeta associava uma tradição brasileira, marcadamente social e radical, ao
processo de modernização, desprovincianizando-a e viabilizando-a para novos
públicos no país. O resultado é o início de um processo radical de mudança de estágio
cultural que levava o país a rever o seu gosto, o seu próprio acervo e – o que é mais
importante – as suas possibilidades. Em outras palavras, a renovação formal, fruto da
aproximação simultânea das tradições populares e da tradição da poesia brasileira
culta, tem tanto lógica interna como consequências que vão além da forma,
rearrumando o campo da poesia brasileira e ensaiando um novo arranjo na sociedade,
além de alcançar um relacionamento mais produtivo com a cultura dominante.
Mas como interpretar isso diante dessa nova forma de compor? Digamos que
não devemos restringir a leitura: as imagens se referem ao âmbito da vida mais geral
e dizem respeito à condição do homem na vida e no mundo, sem que com isso deixem
de dizer também sobre a crise do indivíduo diante da modernização. E, neste caso,
não apenas de ordem psicológica, mas de ordem existencial: o sujeito que procura se
situar diante do mundo. Os dois aspectos (nos quais é fácil encontrar um eco da
problemática existencialista) são reveladores de que a renovação da poesia, além de
encerrar uma reflexão sobre uma posição histórica, mantém ainda muito daquela luta
corporal contra a linguagem, tentativa ininterrupta do sujeito compor uma identidade
diante de uma realidade impossível de ser vencida e de ser comtemplada. Daí o
resultado de uma poesia que parece destinada a se interiorizar buscando
autoconhecimento para “dentro”, que o sujeito sabe ser incompleto. O próprio poema
“No mundo há muitas armadilhas” é um instante dessa incompletude, ainda que no
seu decorrer esta incompletude seja tomada como vislumbre de redenção: o poeta se
defronta com a tristeza da impossibilidade de afirmar as certezas, por isso volta a
levantar a hipótese de que não há saída, parecendo com isso tentar reforçar o sentido
da vida:
A vida é pouca a vida é louca mas não há senão ela. E não te mataste, essas é a verdade.
61
Digamos então que para a sua poesia talvez fosse preciso voltar ainda mais a
atenção à realidade para driblar a morte (essa obsessão constante), e que a plenitude
almejada rapidamente nesse poema tenta reconciliar a realidade em si, eliminando a
possibilidade das armadilhas. Eliminar o sofrimento – eis o objetivo final do poeta;
porque se a qualquer instante o absoluto fosse atingido, o sujeito estaria para sempre
fora da realidade da vida, em um transe que implicaria também em uma identidade
resolvida e absoluta com todo o resto, fazendo desaparecer todas as diferenças e
conciliando no poema o que não está conciliado na vida. Esse o motivo que explica a
noção de emparedamento dos primeiros versos de “No mundo há muitas armadilhas”:
No mundo há muitas armadilhas e o que é armadilha pode ser refúgio e o que é refúgio pode ser armadilha
No fundo, tratava-se de uma tentativa de renovação literária por uma visão
depreciativa e violenta da vida, que é também autodepreciação violenta. Mas há nisso
uma força crítica que, ao contrário, não deve ser desprezada: o poeta recusava o mito
da contemplação eterna de uma vida satisfeita e se firmava na constatação da
perenidade de tudo; e agora, em vez de ver na solidão o elemento essencial – como
em A luta corporal –, vê na vida a possibilidade de quebrar as armadilhas.
Evidentemente, este fato não elimina as dimensões da literatura, mas para o poeta foi
preciso continuar tecendo os seus símbolos na medida em que frisava o seu caráter
crítico. O confronto com a realidade desgastante o fazia desconfiar das palavras belas
e da bela consciência que se levantava acima das contradições. E este confronto o
levou a desconfiar da beleza e da harmonia para procurar os seus avessos, o que
permite afirmar que os poemas passam a apresentar uma certa negatividade a partir
desse ponto.
O caminho percorrido por Gullar de “Meu povo, meu poema” até aqui constitui
uma luta constante a favor da renovação da poesia, ou como também pode ser dito:
contra uma poesia de mãos limpas. A exigência de uma união maior entre as pessoas
e a aspiração a uma vida completa correspondem ao desejo sem fundo (e real) de
superar o intervalo entre os homens, ou entre os homens e a vida. Esta última direção
de análise diz sobre uma característica decisiva para o entendimento desses poemas,
e veremos que foi por ela que Gullar optou quando tratou de aprofundar estas
escolhas. A rigor, a renovação que examinamos nos poemas se refere a uma
62
realidade subjetiva, mas faltava ainda ao sujeito a dimensão histórica que permitiria
suplantar a sensação de vazio ao oferecer um sentido concreto àquilo que ele
percebia como um país a ser mudado. Nesse caso, uma nova formulação deveria se
fazer e se construir deixando de ser mera autoafirmação de propostas de si mesmo,
na mesma medida em que um fim permitiria articular a visão de totalidade capaz de
conferir sentido àquele vazio entre os homens. Agora nem a diarreia nem as crianças
mortas seriam destinadas à morte. Elas teriam uma função poética sempre em sentido
histórico, ou seja, em um sentido que poderia ser mudado.
Com essa compensação, o sujeito passa também a não se sentir apenas
destinado à morte, passando a se entender como pertencente a uma totalidade social.
O seu dia passa a ser o dia de todos, o dia comum da solidariedade e não do
isolamento. O aspecto expressivo da linguagem ganha densidade e somente assim o
poeta contorna a obrigatoriedade de escrever sempre a partir da imagem da
construção e da autorreferência dos primeiros poemas. E este parece ter sido o
caminho escolhido por Gullar para a modernização de sua poesia. Os poemas escritos
depois da fase de choque são uma descida ao dia a dia comum, e os posteriores
contrastam com estes exatamente por tentarem descobrir as relações que existem
entre o azul do mar – “nosso horizonte” – e a vida que apodrece na realidade. No
entanto, o caminho é feito de falhas e essa visão não mantém sempre a serenidade,
encaminhando também em certos casos para certa abstração: ao substituir o impulso
do radicalismo inicial necessário por um outro tipo de modernização da poesia mais
concreta, Gullar tende a uma divinização da história humana – convertida em
processo histórico –, e assim não só recupera mais fortemente o nacionalismo como
repõe uma positividade que ilustra a posição do período, o que pode ser visto como
mais representativo na mesma medida em que afeta a qualidade total dos poemas de
Dentro da noite veloz.
Nos primeiros poemas o sujeito deixava claro que o “povo” e o poema “crescem
juntos”, da diarreia falava que “mata nossos irmãos” e mesmo em tom e
posicionamento já diferente falava do processo de produção de açúcar. E tudo isso
como observador de fora, mantendo uma concepção afastada da realidade. Mas
agora o poeta parece se afastar dessa forma para criar uma realidade de linguagem
desgastada, com valores plenamente próximos, verdadeiramente sentidos. E isso não
sem passar por formas ainda mais drásticas do limite da reflexão sobre estar no
63
mundo, expressas pelo tema do autoquestionamento.37 Em um primeiro momento este
pode até parecer atenuado pelo tom tranquilo a respeito do cotidiano, mas alcança
uma agressividade inquietadora em certos símbolos do dia a dia. E o
autoquestionamento insatisfeito aparece em sua totalidade em “Homem comum”,
onde o sacrifício do sujeito responsável condiciona o conhecimento do papel da
poesia diante do sentido da vida, que é a humanidade verdadeira:
Sou um homem comum de carne e de memória de osso e esquecimento. Ando a pé, de ônibus, de táxi, de avião
e a vida sopra dentro de mim pânica feito chama de um maçarico
e pode subitamente
cessar
Este poema foi escrito em 1963, enquanto o autor parecia ainda buscar
intensamente os fundamentos para a renovação da poesia. Daí a sensação de que o
poeta segue questionando a si mesmo, quando então percebemos certa permanência
de algumas questões. Terá o artista o direito de impor aos outros os pormenores de
um caminho a ser seguido? A “noite veloz” não exigiria a renúncia ao universo
individual das lembranças do passado e das emoções do presente? Terão elas
justificativas se o poeta souber ordená-las em uma forma que ofereça aos outros uma
visão do mundo, permitindo-lhes organizar a sua própria? Com base na proposta de
renovação da poesia, tais são as perguntas que podem ser levantadas a partir da
leitura e que são levantadas em vários outros momentos do livro, ligando-se a elas
dois outros temas: o da validade da poesia pessoal e o da natureza do verbo poético.
Combinados, estes dois têm como pano de fundo também a tendência à
modernização, e mais: a oposição entre ambos não pode ser entendida por si só, uma
vez que é parte de uma constelação coletiva de outros problemas aos quais estes se
ligam, expondo de modo significativo a amplidão das questões a que se referem.
Em “Homem comum” Ferreira Gullar dá o passo decisivo na direção da
memória. Agora, em vez de focalizar na precariedade da vida, o autor vai preferir se
37 Sobre a possibilidade de explorar esse tema na leitura do livro, ver os poemas: “Homem comum”, “Maio 1964”, “Agosto 1964”, “Dois e dois: quatro”, “Perde e ganha”, “Coisas da terra”, “Verão”, “Vendo a noite”, “Anticonsumo”, “No corpo”, “Poema”, “Madrugada”, “A casa”, “Passeio em Lima” e “Ao nível do fogo”.
64
concentrar na percepção do tempo que “pode subitamente cessar”. A primeira coisa
interessante desse poema é o amadurecimento, em outro patamar, da renovação
proposta por Gullar. Embora tratando ainda do cotidiano, a expressão ganha a
contundência que não possuía. O clima anterior de imediatez é substituído pela
apresentação mais clara dos objetos, que se presentificam diante de nós como reais
e concretos, como se fossem desenhados pelos procedimentos simbólicos
empregados. O novo estilo retoma procedimentos antigos, de forma sóbria, apenas
para ressaltar a figuração e não para chocar de imediato o leitor. Simplificação de
intenções e realinhamento de recursos e meios resulta em riqueza expressiva:
Sou como você feito de coisas lembradas e esquecidas rostos e mãos, o guarda-sol vermelho ao meio-dia em Pastos-Bons defuntas alegrias flores passarinhos facho de tarde luminosa nomes que já nem sei bocas bafos bacias bandejas bandeiras bananeiras
tudo misturado
essa lenha perfumada que se acende e me faz caminhar
A visualidade da poesia gullariana, sua marca registrada, é uma questão de
disposição no espaço em branco da página. Há na maneira de cortar e aparar o poema
algo como uma vontade de querer ordená-lo tirando partido de certas constantes
fônicas, como em “bocas bafos bacias/ bandejas bandeiras bananeiras”. A marca
registrada de sua poesia, que consiste basicamente em não prescindir da
expressividade, agora será ajustada aos propósitos do engajamento, resultando no
alargamento do gosto pelo cotidiano.
Explicitando melhor a mudança, o tom impetuoso se mantém pela visão nítida
e econômica que no último verso do poema parece escrita com total cuidado, de tal
modo que a agressividade dos primeiros poemas passa para segundo plano, sem com
isso deixar de existir. A rigor, não se trata mais de formulação com vista ao choque
contra o leitor, e sim da criação de um símbolo. A subjetividade penetra no poema e
transforma o “homem comum” no correlativo objetivo dos sentimentos do poeta:
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Mas somos muitos milhões de homens comuns e podemos formar uma muralha com nossos corpos de sonhos e margaridas.
No entanto, é preciso ainda confrontar com os primeiros poemas para ressaltar
outra diferença: lá o poema tirava a sua força da “vida fechada” e “vazia”, aqui a
comparação vai mais na direção da flor do que do espinho, ou seja, aos “sonhos e
margaridas”. A concepção da poesia mudou, não há insistência explícita no incômodo
com a vida. O desacordo, antes só do poeta, se estende agora para além dele. O
poema, coisa viva em que se trabalha, é inquietação, luta contra a vida, com a qual o
poeta não combina e a qual não aceita. O compromisso está instalado na raiz da
linguagem. O poeta parece buscar reduzir (ou disfarçar) a importância do
compromisso desgastando os significados das palavras através da inserção da
memória, a partir da qual os examina e os refaz, operando assim um verdadeiro uso
ideológico na mesma medida em que contesta o seu uso habitual. Por outro lado, ao
adotar uma atitude memorialística, o poeta se enche também de otimismo e afasta a
desconfiança ou incerteza da base de sua prática, substituindo-a por uma espécie de
fé nas convicções. A positividade toma conta, via linguagem, do poema, e o poeta
parece mais até do que antes entregue ao engajamento, afinal de contas seu
fundamento. O poeta “de rápido destino”, que “pode subitamente cessar” e que não
se conforma com a pobreza a sua volta, tem dúvidas e é portador de insatisfação. Do
ângulo estético, comparando com o decênio anterior, esta poesia pode parecer parada
e atrasada. Vista no conjunto, entretanto, também ela se movia e as inquietações de
Gullar fazem parte de sua atualização:
Na leiteria a parte se reparte em iogurtes, coalhadas, copos de leite e no espelho meu rosto. São
quatro horas da tarde, em maio. Tenho 33 anos e uma gastrite. Amo a vida
que é cheia de crianças, de flores e mulheres, a vida,
esse direito de estar no mundo, ter dois pés e mãos, uma cara e a fome de tudo, a esperança.
Esse direito de todos que nenhum ato institucional ou constitucional pode cassar ou legar.
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Vemos agora a assimilação total da descrição da circunstância, em que os
traços mais comuns são ressaltados: “leiteria”, “iogurtes”, “leite”, “rosto”. Em “Maio
1964”, o poeta parece considerar a vida como parte essencial (“Amo/ a vida”),
espontânea (“O espelho/ não guardará a marca deste rosto”) e inevitável (“ou se
morro/ se me matam”). Há uma necessidade por baixo de tudo, como se ao escrever
a imagem da vida se completasse e se arrematasse definitiva. A consciência crispada
que revela a personalidade leva o poeta a investigar a máquina da vida, mas também
a considerar a sua relação com os outros na sociedade. E as relações humanas
parecem dispostas em uma vida igualmente equivocada, não havendo dúvida de que
para o poeta o mundo social é torto de iniquidade e incompreensão, como vemos em
“Agosto 1964”:
Entre lojas de flores e de sapatos, bares, mercados, butiques,
viajo num ônibus Estrada de Ferro-Leblon. Volto do trabalho, a noite em meio, fatigado de mentiras.
O ônibus sacoleja. Adeus Rimbaud, relógio de lilases, concretismo, neoconcretismo, ficções da juventude, adeus,
que a vida eu a compro à vista aos donos do mundo. Ao peso dos impostos, o verso sufoca,
a poesia agora responde a inquérito policial-militar.
Digo adeus à ilusão mas não ao mundo. Mas não à vida, meu reduto e meu reino.
Do salário injusto, da punição injusta, da humilhação, da tortura, do terror,
retiramos algo e com ele construímos um artefato Um poema Uma bandeira
Contração da linguagem, suavidade mais elaborada no trato com os símbolos
e arranjo mais direto dos problemas – nesses três pontos podemos resumir o passo
adiante dado com o poema “Agosto 1964”. Deixando de lado definitivamente a
tonalidade agressiva, ele se coloca no centro contraditório da poesia moderna: desejo
de alcançar uma integralidade com o mundo sabendo que ela é impossível, que ela
está fora do sujeito e depende de algo que está além dele (“uma bandeira”). Em um
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mundo de pessoas fechadas em si mesmas, o poeta diz “adeus à ilusão/ mas não ao
mundo. Mas não à vida/ meu reduto e meu reino”.
Trata-se de momento poético com elementos de irregularidade, como a volta
do trabalho “fatigado de mentiras”. E isso talvez seja o verme da fruta, a mensagem
sobre o fato de a poesia não balancear inteiramente o drama da vida real. Mas a
questão pode também ser vista por outro lado, quando então o conhecimento da
biografia de Gullar passa a ser fundamental para a análise do poema, e antes de mais
nada porque permite avaliar de maneira mais completa a função da poesia engajada.
Neste poema, Gullar talvez tenha encontrado o equilíbrio feliz entre a subjetividade e
as orientações necessárias ao engajamento, sendo possível afirmar inclusive que este
talvez seja o seu melhor poema.
Nos primeiros poemas após a fase de choque – ou seja, antes do golpe de 64
–, o poeta aspirava ainda à modernização, mesmo que de forma mais contida, para
captar o momento. E o maior exemplo disso talvez seja “Homem comum”, poema em
que essa alteração ainda se mantém, ligado à ambição de uma vida livre do atraso do
subdesenvolvimento. E este direcionamento foi obsessivo para Gullar até “Agosto
1964”, quando então o poeta reelabora novamente a sua poesia com vista em outro
enfoque, agora voltado para uma espécie de sublimação do ímpeto de renovação da
poesia pelo adensamento da subjetividade. Daí que os poemas escritos até este
ganham se lidos em sequência, inclusive para avaliar como os lugares-comuns do
momento, que podem funcionar em vários contextos, adquirindo matizes diferentes
ao serem interpretados – ressaltando a sua importância ou condenando, mas nunca
ignorando. Como elemento expressivo, o cotidiano fornece o padrão que objetiva e dá
categoria estética à experiência individual, sem caracterizá-la pela banalidade. Em
“Agosto 1964”, o cotidiano eleva o contingente elemento biográfico a um alto nível de
expressividade, tornando-o amplamente inteligível mesmo dentro da convenção.
Graças a isso, o significado fica mais rico adquire dimensão real e esta poesia se
justifica, animando-se pela vibração humana da experiência do engajamento. O
significado resulta da versão admiravelmente bem estruturada e organizada do tema
da identidade na poesia de Gullar, assim como uma trajetória que se organiza para
ganhar o nível estético.
A proposta de renovação que pudemos acompanhar neste trabalho foi de um
tipo de poesia que aparece despida de véus. O poeta corrige o que há de
sentimentalismo, de trágico ou de cômico nos poemas de cordel para leva-los à
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dureza, sob cuja pele se esconde poeticamente o civilizado, obtendo com isso
justamente o afastamento necessário à ilusão poética. Ou seja, trata-se de uma
redefinição de sua poesia na medida em que esta direção foi concebida como forma
de recuperar a naturalidade. Grande aspiração daquele momento histórico, esta
compreendia o entusiasmo pelo mundo, definido sobretudo a partir da modernização,
catalisadora das novas modas ao dar à sensibilidade uma importância igual ao desejo
de mudança.
Em uma poesia como esta, em que confluem a orientação histórica e o gosto
pela flexibilidade, ganha relevo tanto o gosto pelo acirramento de posições quanto
pela elaboração do tom tranquilo. Em Gullar, isso favoreceu o lirismo e realçou o
elemento de engajamento, ao passo que intensificou o componente biográfico,
permitindo sublimar no espaço do dia a dia a própria realidade pessoal, social e
histórica, ao passo que lhe dava universalidade. A fluidez se torna impactante quando
a inovação não afeta apenas o presente e o futuro, mas abala também a história, que
perde aquela falsa noção de progresso linear e se restabelece aos nossos olhos. Esse
é o grande feito de Dentro da noite veloz.
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3
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Pelo que pudemos ver neste trabalho, no decorrer do desenvolvimento da
poesia de Gullar há uma certa permanência cuidadosa. A importância que existe na
trajetória que passa pelas duas vanguardas, tendo como pano de fundo a tendência
à modernização, já foi um dia assinalada pelo próprio autor, mas com o passar do
tempo a crítica tratou de desconsiderar a relação, quando então passou a ressaltar
principalmente mais as rupturas do que propriamente a continuidade, estabelecendo
como critério para avaliação (quase invariavelmente) o âmbito ilusório da biografia: a
crise da linguagem, a descoberta da miséria com a ida para Brasília, o peso da derrota
causado pelo golpe, a proximidade com a morte em exílio ou a figura do gênio
explicariam as rupturas no decorrer de seu desenvolvimento. A rigor, o lento processo
de amadurecimento pessoal e o esforço constante de renovação e superação foram
deixados de lado, quando na verdade dariam conta de explicar todo o processo.
Levada ao terreno objetivo, de leitura e comparação dos poemas, a questão ganha
outra feição e as duas vanguardas deixam de se excluir. No lugar de estudo com foco
na trajetória de um sujeito inquieto – marcado especificadamente pelas alterações
psicológicas e teóricas –, observamos as mudanças mediante as quais os melhores
poemas surgiram de certa permanência de temas e recursos que já eram utilizados
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anteriormente pelo poeta, mas que em Dentro da noite veloz aparecem associados
sobretudo às projeções em vários rumos decorrentes desta poesia.
No entanto, como conceber a diferença entre uma abordagem mais biográfica
e outra mais detida à forma? Para situarmos melhor a questão, digamos que seria
necessário refletir sobre a maneira moderna de utilizar o verso, que naquela altura,
para Gullar, parecia ser capaz de corrigir a irrelevância de uma parte da cultura do
país, ou de vencer a sua limitação histórica. Nessa perspectiva, tudo consiste em
especificar o que muda e o que fica, sempre a serviço de um dilema formal identificado
e a superar, que está por baixo do ímpeto de modernização e lhe empresta a
qualidade e a relevância. Nesse sentido, uma das matrizes de Gullar foi a luta a favor
da superação do subdesenvolvimento em direção a uma sociedade desenvolvida –
ou moderna –, com vista à superação da ordem burguesa via socialismo. Do ângulo
da história, tratava-se da modernização e o seu contínuo processo de
desvencilhamento das segregações, em desarmonia explícita – ou em conciliação
implícita – com a ordem do mundo. Como ponto de partida para o estudo de Dentro
da noite veloz, há então a questão estética em torno do surgimento de uma obra de
fôlego orientada por esta poesia. Trata-se de um acontecimento que sugere, por
comparação, que a transição da irrelevância à relevância, das circunstâncias de
subdesenvolvimento à condição de país moderno, não é apenas possível como em
alguns momentos pode, sim, de fato acontecer, o que explica a abordagem com vista
à luta contra o atraso. Colocado em ação no uso do verso, o subdesenvolvimento, que
é inseparável do ingrediente local tanto quanto do mundial, foi a prova viva das
possibilidades reais de superação devido principalmente ao compromisso
intensamente vivido, cuja análise a partir dos poemas de Dentro da noite veloz
promete conhecimentos novos sobre o período, além de noções de qualidade
discordantes dos determinismos comuns daquele momento. Devido ao desejo coletivo
de alavancar um salto histórico, os poemas de Gullar adquirem conotação peculiar.
Dito isso, a integridade própria a Dentro da noite veloz segue como um enigma
que cabe à crítica elucidar, seja quando e onde for. A rigor, os poemas são tentativas
de consolidação de um programa a ser cumprido, cujo significado esclarecido ou
meramente audacioso ainda está em aberto. À sua luz, lugares-comuns da história da
arte brasileiras ganham novos significados. A relação entre acumulação e intenção
artística, entre vanguardismo artístico e incorporação de realidades sociais relegadas,
assim como a elaboração de nexos e saídas onde antes apenas havia falta de
71
continuidade cultural, tudo isso elucida um passo a passo imprevisto, que foge ao
esquema montado por Lafetá para o entendimento da obra. Entendendo o risco
evidente, o anseio de integração vivido por Gullar a partir desta poesia buscava ajudar
o país a se revolucionar, ou a se reformar, ou a diminuir a distância que o separa dos
países desenvolvidos, ou a se reconfigurar culturalmente, mas, em todo caso, ainda
que tudo falhasse – como de fato ocorreu –, permitiria refletir a respeito. Sejam quais
forem os resultados que possamos colher atualmente, a discussão em torno das
defasagens da história e das soluções buscadas por Gullar, próprias da nossa
precária formação histórico-social, responde de algum modo à ordem do país.
Como o leitor pode perceber, a formulação apresentada está apoiada nas
observações feitas por Roberto Schwarz a respeito de Machado de Assis.38 Nessa
perspectiva, podemos ainda dizer que a composição de Gullar buscava resolver
questões trazidas pela tradição da poesia brasileira desde o Modernismo, procurando
encontrar nelas os movimentos adequados ao destino histórico implicado na
organização da sociedade brasileira. Ao tomá-los como enfrentamento necessário,
mesmo sob a feição depurada de uma formalização estética bem meditada, o poeta
trabalhava sobre uma matéria que excede a poesia. Por este simples resumo, vemos
que o andamento gullariano supõe, em nível de amplitude máxima, uma condução da
cultura burguesa dominante e da situação específica da camada relegada, articuladas
de forma disciplinada e engajada, como foco em um procedimento específico, a que
a conjuntura histórica empresta a vibração singular que inaugura e encerra o ciclo
mais valioso de sua poesia. E é nesse sentido que, em vez de poeta aprisionado em
orientações históricas de que não podia fugir, buscamos mostrar a vontade e o seu
esforço do artista para assimilá-las e torná-las condicionantes para garantir um peso
real à composição.
Digamos então que as ideias modernas entre nós estavam em uma
constelação prática de mais amplitude, uma disposição própria de uma característica
do presente mundial, de cuja ordem assimétrica a poesia de Gullar decorria mais ou
menos diretamente, e a qual expressava. A atenção dos poemas visa o local, mas a
percepção última da análise é mais ampla e rebaixa a primeira, podendo ser rebaixada
por sua vez. A inserção da peculiaridade de país subdesenvolvido no presente da
poesia gullariana cria, inclusive, uma situação intelectual de alto interesse, que
38 Sobre isso, consultar Roberto Schwarz, Um mestre na periferia do capitalismo: Machado de Assis. 3 ed. São Paulo: Ed. 34, 1997.
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contraria as divisões estabelecidas. Se for levada a cabo sem sectarismo histórico-
partidário, sem complexo de país subdesenvolvido e sem exaltação cega, ela permite
a reflexão livre sobre o curso atual do país – estético e social –, com base em
experiências vividas e historicamente sedimentadas, que são um espaço com força
própria. E o valor crítico dessa dessegregação dos âmbitos na poesia de Ferreira
Gullar ainda não foi devidamente explorado. Não se trata somente de relativizar as
oposições mantendo o local de um lado e o universal de outro, mas de ver as
reciprocidades não conflitantes entre país atrasado e potências mundiais,
subdesenvolvidos e desenvolvidos, periféricos e centrais etc., oposições
artisticamente mais relevantes e carregadas de sentido.
Atualizando a reflexão, a própria distância entre a herança social-econômica do
país subdesenvolvido e os avanços dos rumos do país pós-redemocratização,
sentidos já como quase inevitáveis, em alguns momentos podem aparecer como
margem de manobra e como oportunidade para um novo salto modernizador, sem
que sequer tenha vindo o primeiro. Nesse caso, a rejeição de parte da nossa história
(de que a exclusão de parte da obra de Gullar é apenas um exemplo) aparece então
como esperança de progresso, compreensível apenas se entendida como expressão
do trauma vivido e do desejo de abandonar e deixar de vez para trás os vinte e um
anos de “noite veloz”. No entanto, como explicação do curso do processo, essa
rejeição é uma verdadeira abdicação. A personificação mítica do país, que acolhe e
repara depois de ter mandado embora boa parte do passado, toma o lugar da
discriminação sóbria dos primeiros poemas do livro aqui estudado, resultando em
evidente prejuízo crítico. São apagados, por exemplo, a fragilidade e o medo do
exilado que gostaria de voltar mas não de ser preso, os cálculos sórdidos de uma
direita que aos poucos se mostrou necessitada de alguma legitimidade cultural, enfim,
um mundo de situações pesadas mas reais, que construíram os bastidores do livro
aqui estudado. E, sobretudo, somem as relações existentes nos conflitos que
sedimentam a modernização da poesia de Gullar, sem as quais não se pode apreciar
a beleza socialmente.
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