Transcript
Page 1: A PRODUÇÃO DA IDENTIDADE E DIFERENÇA DA CRIANÇA …§ão_Elenir... · A PRODUÇÃO DA IDENTIDADE E DIFERENÇA DA CRIANÇA COM DEFICIÊNCIA NO AMBIENTE EDUCACIONAL QUE SE DENOMINA

CENTRO UNIVERSITÁRIO SALESIANO DE SÃO PAULO

UNISAL – CAMPUS MARIA AUXILIADORA

Elenir Santana Moreira

A PRODUÇÃO DA IDENTIDADE E DIFERENÇA DA CRIANÇA COM

DEFICIÊNCIA NO AMBIENTE EDUCACIONAL QUE SE DENOMINA

INCLUSIVO

Americana

2016

Page 2: A PRODUÇÃO DA IDENTIDADE E DIFERENÇA DA CRIANÇA …§ão_Elenir... · A PRODUÇÃO DA IDENTIDADE E DIFERENÇA DA CRIANÇA COM DEFICIÊNCIA NO AMBIENTE EDUCACIONAL QUE SE DENOMINA

Elenir Santana Moreira

A PRODUÇÃO DA IDENTIDADE E DIFERENÇA DA CRIANÇA COM

DEFICIÊNCIA NO AMBIENTE EDUCACIONAL QUE SE DENOMINA

INCLUSIVO

Dissertação apresentada como exigência para obtenção

do grau de Mestre em Educação no Programa de

Mestrado em Educação, área de concentração:

Educação Sociocomunitária, sob orientação da Profa.

Dra. Valéria Oliveira de Vasconcelos.

Coorientação: Profa. Dra. Norma Silvia Trindade de

Lima.

Americana

2016

Page 3: A PRODUÇÃO DA IDENTIDADE E DIFERENÇA DA CRIANÇA …§ão_Elenir... · A PRODUÇÃO DA IDENTIDADE E DIFERENÇA DA CRIANÇA COM DEFICIÊNCIA NO AMBIENTE EDUCACIONAL QUE SE DENOMINA

Moreira, Elenir Santana.

M837p A produção da identidade e diferença da criança com deficiência no

ambiente educacional que se denomina inclusivo / Elenir Santana Moreira. –

Americana: Centro Universitário Salesiano de São Paulo, 2016.

127 f.

Dissertação (Mestrado em Educação). UNISAL – SP.

Orientadora: Valéria Oliveira de Vasconcelos.

Inclui bibliografia.

1. Educação infantil. 2. Identidade. 3. Educação inclusiva. 4. Narrativa.

5. Crianças deficientes – Brasil. I. Moreira, Elenir Santana. II. Centro

Universitário Salesiano de São Paulo. III. Título.

CDD 371.9

Catalogação elaborada por Lissandra Pinhatelli de Britto – CRB-8/7539

Bibliotecária UNISAL – Americana

Page 4: A PRODUÇÃO DA IDENTIDADE E DIFERENÇA DA CRIANÇA …§ão_Elenir... · A PRODUÇÃO DA IDENTIDADE E DIFERENÇA DA CRIANÇA COM DEFICIÊNCIA NO AMBIENTE EDUCACIONAL QUE SE DENOMINA

ELENIR SANTANA MOREIRA

A PRODUÇÃO DA IDENTIDADE E DIFERENÇA DA CRIANÇA COM

DEFICIÊNCIA NO AMBIENTE EDUCACIONAL QUE SE DENOMINA INCLUSIVO

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-

Graduação Stricto Sensu do Centro

Universitário Salesiano de São Paulo, como

parte dos requisitos para a obtenção do título

de Mestre em Educação – área de

concentração: Educação Sociocomunitária.

Linha de pesquisa:

A intervenção educativa sociocomunitária:

linguagem, intersubjetividade e práxis.

Orientadora: Profa. Dra. Valéria Oliveira de

Vasconcelos.

Coorientação: Profa. Dra. Norma Silvia

Trindade de Lima.

Dissertação defendida e aprovada em ____/____/______, pela comissão julgadora:

__________________________________________

Profa. Dra. Maria Teresa Eglér Mantoan – Membro Externo

Universidade Estadual de Campinas – UNICAMP

__________________________________________

Profa. Dra. Renata Sieiro Fernandes – Membro Interno

Centro Universitário Salesiano de São Paulo – UNISAL

_________________________________________

Profa. Dra. Valéria Oliveira de Vasconcelos – Orientadora

Centro Universitário Salesiano de São Paulo – UNISAL

Page 5: A PRODUÇÃO DA IDENTIDADE E DIFERENÇA DA CRIANÇA …§ão_Elenir... · A PRODUÇÃO DA IDENTIDADE E DIFERENÇA DA CRIANÇA COM DEFICIÊNCIA NO AMBIENTE EDUCACIONAL QUE SE DENOMINA

Dedico este trabalho a todas as crianças que me

possibilitaram viver sentidos e significados do

mundo de maneira tão bela e própria da infância.

Page 6: A PRODUÇÃO DA IDENTIDADE E DIFERENÇA DA CRIANÇA …§ão_Elenir... · A PRODUÇÃO DA IDENTIDADE E DIFERENÇA DA CRIANÇA COM DEFICIÊNCIA NO AMBIENTE EDUCACIONAL QUE SE DENOMINA

AGRADECIMENTOS

A Deus, a quem meus pais me ensinaram a amar, desde muito pequena, e em quem

aprendi que posso confiar em todos os momentos, principalmente quando me faltam palavras.

À minha avó, que me contou as primeiras histórias e me mostrou que sonhar era

preciso.

Aos meus amados pais, que sempre foram zelosos com minha educação e me

ensinaram uma multiplicidade de coisas, algumas das quais só fui entender que sabia quando

já não os tinha comigo.

Aos meus queridos cinco irmãos e quatro irmãs, que me carregaram no colo, tomaram-

me pelas mãos, permitindo-me ser criança por mais tempo.

Ao Lincoln, companheiro, amigo, pelo constante bom humor, que me ensina a levar a

vida com mais leveza, sendo capaz de ouvir, ponderar e, sobretudo, de me acalmar.

À Laura, que me ensinou a ver belezas desconhecidas e talvez nem ainda sonhadas,

mas que torna possível reviver a ternura do abraço constante.

Aos meus sobrinhos, de ontem e de hoje, especialmente aos dois primeiros (Silvane e

Sílvio), com quem aprendi a amar as crianças.

Às companheiras e professoras, coautoras da minha trajetória profissional. Entre

tantas, àquelas que na caminhada tornaram-se amigas e puderam compreender minha ausência

nesse momento da jornada, Miriam, Celinha, Vânia, Bete, Denise, Margareth, Milene,

Márcia, Déia, Nathália, Elizeteia.

Às amigas, Celly e Regina, juntas iniciamos este sonho de querer conhecer um pouco

mais, além de também dialogarmos sobre sentimentos ternos.

Aos novos amigos que se fizeram ao logo do mestrado, Paulo e Emílio.

À professora doutora Norma Trindade de Lima, quem me conduziu durante o processo

de pesquisa e estudo. Gratidão pelo encontro e reencontro, pela sabedoria nas ponderações e o

acolhimento de sempre. Obrigada pela compreensão diante daquilo que para mim parecia

incompreensível, o que me possibilitou ir além do imaginado.

À professora doutora Valéria Oliveira de Vasconcelos, que ao final do caminho

constitui-se minha orientadora e soube com conhecimento e delicadeza conduzir o processo.

Ao querido professor Severino Antônio, que com sua sabedoria imensurável me

ensinou a “rever” belezas guardadas em nossas crianças, que em suas aulas a todos sensibiliza

e encanta com grandioso respeito e acolhimento.

Page 7: A PRODUÇÃO DA IDENTIDADE E DIFERENÇA DA CRIANÇA …§ão_Elenir... · A PRODUÇÃO DA IDENTIDADE E DIFERENÇA DA CRIANÇA COM DEFICIÊNCIA NO AMBIENTE EDUCACIONAL QUE SE DENOMINA

À professora Rubia, que com sua competência e docilidade nos toma pela mão e nos

faz querer ir adiante.

À professora doutora Renata Sieiro Fernandes, que tive o prazer de conhecer na

apresentação de meu trabalho para os Grupos de Pesquisas do Centro Universitário Salesiano

de São Paulo (UNISAL), quando me fez apontamentos pertinentes, de maneira encorajadora e

respeitosa, o que me instigou a querer saber mais.

À professora doutora Maria Teresa Eglér Mantoan, profissional que provocou em mim

deslocamentos, para que eu pudesse assim compreender, lutar e querer uma educação possível

para todas as pessoas.

A todas as crianças, em especial a Kamau, Amir e Abayomi, que me ensinaram a “ver

e ouvir” outras possibilidades de escuta, e para as quais tive um olhar mais atento no

momento de construção de dados durante a realização desta pesquisa. A Imagem 1 mostra

como as crianças brincam, com contentamento, sem se importar com as diferenças.

Imagem 1 – Entre sonhos e areia

Fonte: Arquivo pessoal da autora, 2015.

Fotografia: Elenir Santana Moreira.

Page 8: A PRODUÇÃO DA IDENTIDADE E DIFERENÇA DA CRIANÇA …§ão_Elenir... · A PRODUÇÃO DA IDENTIDADE E DIFERENÇA DA CRIANÇA COM DEFICIÊNCIA NO AMBIENTE EDUCACIONAL QUE SE DENOMINA

RESUMO

Pelo olhar do outro, as narrativas e as identidades vão sendo construídas e marcadas pela

diferença nos espaços educacionais. A identidade é feita de representações criadas e

compartilhadas socialmente; as imagens de si e do outro e os sentidos atribuídos a ela não são

constantes nem estáticos. Nessa perspectiva, a presente pesquisa tem como objetivo investigar

a produção da identidade e a diferença da criança com deficiência dentro do Centro de

Educação Infantil (CEI) que se denomina inclusivo. A finalidade do referido estudo é saber

como as narrativas ou as práticas, tanto discursivas quanto não discursivas, de professoras e

crianças sem deficiências (de 3 a 6 anos) vão criando efeitos, sentidos e significados

compartilhados, tornando-se modos de dizer sobre o outro e colaborando, ou não, para a

produção da identidade e da diferença da criança com deficiência. Alinhando-se, assim, a uma

visão educacional sociocomunitária, que busca a emancipação dos sujeitos, respeitando e

significando sua história, bem como a práxis educativa. Buscou-se, ainda, refletir sobre

algumas questões, tais como: Quais são as vozes que atravessam as narrativas das crianças e

das professoras? A criança com deficiência “escapa” do sentido produzido e compartilhado de

identidade e diferença que lhe é atribuído? Se sim, como isso ocorre? Quais as possíveis

linhas de fuga? Trata-se de uma pesquisa qualitativa e participante em que as

narrativas/histórias apresentadas fundem-se com as vozes dos pesquisados e da pesquisadora,

a fim de que outras histórias possam ser contadas e recontadas. A seleção das narrativas é

feita com base em questionários, diário de campo, observação participante, desenhos e

fotografias. O trabalho realizou-se em dois CEIs de uma rede municipal de educação infantil,

no interior de São Paulo, tendo como participantes 4 professoras e 16 crianças de 3 a 6 anos,

entre as quais 2 com deficiências. A luz do referencial teórico, pautado em autores pós-

estruturalistas que conjecturam sobre a educação e a produção de subjetividade na

contemporaneidade, contribui para que as narrativas aqui apresentadas marquem o lugar

singular que cada sujeito ocupa dentro do CEI. Destacam-se, neste estudo, Tomaz Tadeu da

Silva, Stuart Hall e Kathryn Woodward, contribuindo com a reflexão sobre a produção da

identidade e da diferença. Conclui-se que o encontro com as crianças e suas criações tecem

em nós sutilezas capazes de possibilitar outro olhar, para e sobre as identidades e diferenças.

Palavras-chave: Educação infantil. Identidade. Diferença. Inclusão. Narrativa. Criança com

deficiência.

Page 9: A PRODUÇÃO DA IDENTIDADE E DIFERENÇA DA CRIANÇA …§ão_Elenir... · A PRODUÇÃO DA IDENTIDADE E DIFERENÇA DA CRIANÇA COM DEFICIÊNCIA NO AMBIENTE EDUCACIONAL QUE SE DENOMINA

ABSTRACT

By the other’s perspective, the narratives and the identities are being constructed and marked

by the difference in the educational spaces. The identity is made of representations created

and socially shared; the images of yourself and the other and the senses conferred to them are

not constants or statics. In this perspective, the following research aims at investigating the

production of the identity and the difference of the children with disability inside the

children’s educational center (CEI), which is denominated inclusive. The purpose of said

study is to know how the narratives or the practices both discursive and not discursive of the

teachers and children without disability (from three to six years old) create effects, senses and

shared significances, becoming ways to talk about the other and collaborating, or not, to the

production of the identity and difference of the disable child. Aligning, this way, to a social

communitary educational vision, that seeks the emancipation of the subjects, respecting and

signifying their story, as well as the educative praxis. We sought, yet, to reflect about some

questions such as: which are the voices that cross the children and teacher’s narratives? Does

the disabled child “escape” the produced and shared sense of identity and difference that is

attributed to her? If so, how does it occur? What are the possible leakage lines? It is a

qualitative and participant research, in which the narratives/stories presented combine with

the researched and researcher voices, in order to make possible to other stories be told and

retold. The narratives selection is made based on surveys, field diary, participant observation,

drawings and photography. The work was conducted in two CEI of a municipal system of

Children’s Education, in the countryside of São Paulo, having as participants four teachers

and sixteen children from ages three to six, among whom two were disabled. The light of the

theoretical referential, lined in post-structuralist authors who conjecture about the education

and production of subjectivity in contemporaneity, contributes for the narratives here

presented to mark the singular place that each subject occupies inside the CEI. Stand out, in

this study, Tomaz Tadeu da Silva, Stuart Hall and Kathryn Woodward, contributing with the

reflection about the production of identity and difference. We conclude that the encounter

with the children and their creations spin on us subtleties capable of enable other perspective

for and about the identities and differences.

Keywords: Childeren’s Education. Identity. Difference. Inclusion. Narrative disabled child.

Page 10: A PRODUÇÃO DA IDENTIDADE E DIFERENÇA DA CRIANÇA …§ão_Elenir... · A PRODUÇÃO DA IDENTIDADE E DIFERENÇA DA CRIANÇA COM DEFICIÊNCIA NO AMBIENTE EDUCACIONAL QUE SE DENOMINA

LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

• AG – Agrupamento

• AEE – Atendimento Educacional Especializado

• AVD – Atividades de Vida Diária

• AVP – Atividade de Vida Prática

• BDTD – Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações

• CAPES – Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior

• CEMEI – Centro Municipal de Educação Infantil

• CEI – Centro de Educação Infantil

• CF – Constituição Federal

• DO – Diário Oficial

• ECA – Estatuto da Criança e do Adolescente

• EJA – Educação de Jovens e Adultos

• EMEF – Escola Municipal de Ensino Fundamental

• EMEI – Escola Municipal de Educação Infantil

• LDB – Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional

• LIBRAS – Língua Brasileira de Sinais

• NEE – Necessidades Educacionais Especiais

• ONG – Organização Não Governamental

• TEA – Transtorno do Espectro do Autismo

• UNIMEP – Universidade Metodista de Piracicaba

Page 11: A PRODUÇÃO DA IDENTIDADE E DIFERENÇA DA CRIANÇA …§ão_Elenir... · A PRODUÇÃO DA IDENTIDADE E DIFERENÇA DA CRIANÇA COM DEFICIÊNCIA NO AMBIENTE EDUCACIONAL QUE SE DENOMINA

LISTA DE IMAGENS

Imagem 1 – Entre sonhos e areia..............................................................................................07

Imagem 2 – Bolha de sabão .....................................................................................................13

Imagem 3 – Lobo mau, que olhinho é esse? ...........................................................................18

Imagem 4 – Caminhando juntos 1 ...........................................................................................26

Imagem 5 – Caminhando juntos 2 ...........................................................................................27

Imagem 6 – Caminhando juntos 3 ...........................................................................................28

Imagem 7 – Relações mais que possíveis.................................................................................33

Imagem 8 – O que é a infância? ...............................................................................................41

Imagem 9 – Veja que eu também quero ver.............................................................................53

Imagem 10 – Infâncias .............................................................................................................55

Imagem 11 – Juntos aprendemos melhor..................................................................................56

Imagem 12 – Enchendo o pneu ................................................................................................59

Imagem 13 – Olhar atento 1......................................................................................................60

Imagem 14 – Olhar atento 2......................................................................................................60

Imagem 15 – Desvendando caminhos......................................................................................66

Imagem 16 – Gestos que nos tocam..........................................................................................73

Imagem 17 – Azul.....................................................................................................................76

Imagem 18 – Entre desenhos e traços.......................................................................................79

Imagem 19 – Azul para o olho dela..........................................................................................81

Imagem 20 – Orelhinha e batom ..............................................................................................81

Imagem 21 – Nala. Desenho 1..................................................................................................82

Imagem 22 – Nala. Desenho 1.2 ..............................................................................................82

Imagem 23 – Vermelho de terra...............................................................................................83

Imagem 24 – Cabelo azul e grande...........................................................................................83

Imagem 25 – Nala. Desenho 2 .................................................................................................84

Imagem 26 – Cadeira, nuvens e chuva.....................................................................................84

Imagem 27 – Flor, cachorro e casinha .....................................................................................85

Imagem 28 – Nala. Desenho 2.2 ..............................................................................................85

Imagem 29 – Quem quer brincar coloca a mão aqui................................................................86

Imagem 30 – Urbi. Desenho 1 .................................................................................................87

Imagem 31 – Urbi. Desenho 2 .................................................................................................88

Imagem 32 – Tomando pela mão 1...........................................................................................90

Page 12: A PRODUÇÃO DA IDENTIDADE E DIFERENÇA DA CRIANÇA …§ão_Elenir... · A PRODUÇÃO DA IDENTIDADE E DIFERENÇA DA CRIANÇA COM DEFICIÊNCIA NO AMBIENTE EDUCACIONAL QUE SE DENOMINA

Imagem 33 – Tomando pela mão 2...........................................................................................90

Imagem 34 – Tomando pela mão 3...........................................................................................91

Imagem 35 – Tomando pela mão 4...........................................................................................91

Imagem 36 – Tomando pela mão 5...........................................................................................92

Imagem 37 – Tomando pela mão 6...........................................................................................93

Imagem 38 – Tomando pela mão 7.......................................................................................... 93

Imagem 39 – Tomando pela mão 8...........................................................................................94

Imagem 40 – Tomando pela mão 9...........................................................................................94

Imagem 41 – Ressignificando experiências 1...........................................................................96

Imagem 42 – Ressignificando experiências 2...........................................................................96

Imagem 43 – Ele é bonitinho, eu gosto dele e ele brinca comigo............................................ 99

Imagem 44 – Gosto dele e ele brinca comigo.........................................................................101

Imagem 45 – Eu gosto dele.....................................................................................................101

Imagem 46 – Ele e a casa dele................................................................................................102

Imagem 47 – Ele e a mamãe dele...........................................................................................102

Imagem 48 – Ele e eu..............................................................................................................103

Imagem 49 – Ele é meu amigo, ele brinca comigo e eu gostei do aniversário dele...............104

Imagem 50 – Eu gosto dele.....................................................................................................104

Imagem 51 – Eu fiz um arco-íris para ele...............................................................................105

Imagem 52 – Ele é meu amigo e adora brincar comigo..........................................................106

Imagem 53 – Feliz aniversário para ele .................................................................................106

Imagem 54 – Ele é meu amigo................................................................................................107

Imagem 55 – Ele é legal..........................................................................................................107

Imagem 56 – Um caminho e muitas mãos..............................................................................109

Page 13: A PRODUÇÃO DA IDENTIDADE E DIFERENÇA DA CRIANÇA …§ão_Elenir... · A PRODUÇÃO DA IDENTIDADE E DIFERENÇA DA CRIANÇA COM DEFICIÊNCIA NO AMBIENTE EDUCACIONAL QUE SE DENOMINA

Imagem 2 – Bolha de sabão

Fonte: Arquivo pessoal da autora, 2015.

Fotografia: Elenir Santana Moreira.

Page 14: A PRODUÇÃO DA IDENTIDADE E DIFERENÇA DA CRIANÇA …§ão_Elenir... · A PRODUÇÃO DA IDENTIDADE E DIFERENÇA DA CRIANÇA COM DEFICIÊNCIA NO AMBIENTE EDUCACIONAL QUE SE DENOMINA

À GUISA DE INTRODUÇÃO

MEMORIAL: ENCONTROS POSSÍVEIS, SONHADOS E IMAGINADOS

Eu me pego olhando para as diversas crianças brincando no pátio do Centro de

Educação Infantil (CEI), com bolhas de sabão soltas ao vento, cheias de ar, refletindo as cores

do ambiente.

Elas correm alegremente atrás das bolhas, enquanto busco ponderar como são

produzidas ou narradas a identidade e a diferença da criança com deficiência dentro desse

CEI, espaço que se denomina inclusivo, querendo compreender quais sentidos e significados

são atribuídos à identidade e à diferença dessa criança. Constato que diversas são as marcas

constituídas pela linguagem, as quais, ao longo do tempo, me instigam, pois se referem às

terminologias utilizadas para nomear as crianças com deficiência dentro da referida escola.

Como professora de Educação Especial da rede municipal de Campinas há mais de

vinte anos, na prática diária de trabalho verifico os diferentes lugares ocupados pela criança

com deficiência e a professora1 de Educação Especial no interior desse CEI que se denomina

inclusivo. Lugar este que hoje ouso chamar de NÃO lugar por não ser considerado legítimo

dentro do referido CEI e por sempre necessitar da autorização do outro (da professora da

classe) para ser realizado. Esse NÃO lugar me levou, e ainda me leva, a re(pensar) como me

constituí professora, e então me lanço às lembranças de quando eu ainda era criança, bem

como de minhas experiências no universo escolar, que foram iniciadas em uma cidade do

interior do Paraná, a pequena Maria Helena.

Dona Maria José, minha avó, não possuía livros de histórias nem brinquedos

coloridos para mostrar a mim e a meus cinco irmãos e quatro irmãs, mas era possuidora de

uma imaginação apreciável e contadora de suas próprias histórias, pelas quais nos fazia

transitar com toda paixão e encantamento.

Em noites com ou sem luar, e até mesmo em dias frios, ela punha-nos deitados em

lençóis, debaixo da imensidão do céu, e então tudo passava diante de nossa imaginação. Sua

voz, às vezes doce, outras misteriosa, levava-nos a mundos inimagináveis. Monstros ferozes,

guerreiros valentes, ursinhos meigos, estrelas voadoras e de cores diversas e vibrantes

tomavam conta do nosso imaginário.

1 Será usada a terminologia “professora”, por ser do gênero feminino a maioria dos profissionais que exercem

essa função dentro das escolas municipais de Campinas.

Page 15: A PRODUÇÃO DA IDENTIDADE E DIFERENÇA DA CRIANÇA …§ão_Elenir... · A PRODUÇÃO DA IDENTIDADE E DIFERENÇA DA CRIANÇA COM DEFICIÊNCIA NO AMBIENTE EDUCACIONAL QUE SE DENOMINA

Às vezes, um começava a contar uma história e o outro terminava; assim, noites que

poderiam ter sido apenas a hora de ir dormir, passavam a ser momentos de histórias, que até

hoje não sabemos se eram reais ou inventadas, mas que trazemos na memória e no coração. O

gesto era simples, mas as marcas impressas em minha lembrança são majestosas. O que

poderia parecer triste, se contado hoje para algumas crianças da cidade grande, para mim e

meus nove irmãos era pura fantasia. Minha avó forrava no chão de terra batido um lençol, e

sobre ele nós nos deitávamos apertadinhos, afinal eram muitas crianças querendo desvendar

aquele vasto céu. Isso foi e é tão significante para mim que sempre revivo essa memória

convidando amigos queridos a apreciarem o céu com os olhos da infância, deitados sobre um

lençol no quintal da minha casa.

Recordo-me de uma brincadeira da roça, que naquela época fazíamos sem nos sentir

culpados, afinal, na região em que morávamos, as árvores só eram cortadas para a construção

de casas, como aquelas em que nós e os vizinhos vivíamos. Casas grandes de varanda, com

quartos imensos, onde era possível ir de uma cama para a outra sem bater a “canela”. Em

nossa sala havia um piano que para ser acionado precisava de uma pedaleira, e minha mãe o

tocava, principalmente em noites de chuva.

As lembranças são tantas que me vão levando a encontros possíveis, sonhados e

imaginados, mas, voltando à brincadeira que quero contar, ela se chamava “pica, pica,

machadinha”. Funcionava da seguinte maneira: uma criança ficava na frente da turma, o líder,

e estabelecia uma regra para começar a chamar os amigos. Quem era escolhido ia para a

frente da turma, o líder da brincadeira segurava o braço da criança com uma das mãos e batia

com a outra, como se ela fosse um machado, desde o pulso até chegar ao ombro, e

perguntava: “Pica, pica, machadinha, que pau é esse?” Assim, cada um falava todas as

espécies de árvore que conhecia. Se falasse o nome certo, ou seja, aquele estabelecido pelo

líder, passaria então a ser o próximo líder, mas, se a machadinha chegasse até o ombro e ele

não acertasse o nome da árvore, perderia a brincadeira, pois no faz de conta ficaria sem o

braço e não poderia mais brincar.

Trata-se de fantasias de outrora, mas que hoje são relevantes para me dar a leveza

necessária diante da rigidez imposta pelo cotidiano, principalmente o escolar. Como tudo

aquilo era encantador, não havia a vaidade do certo ou do errado, a imaginação navegava por

rios desconhecidos, a imensidão do céu era sentida simplesmente pela possibilidade do deitar-

se sobre um lençol e de uma mente disposta a partilhar histórias e saberes. Sei que muito do

meu desejo se ser professora sobreveio das histórias contadas por Dona Maria José.

Page 16: A PRODUÇÃO DA IDENTIDADE E DIFERENÇA DA CRIANÇA …§ão_Elenir... · A PRODUÇÃO DA IDENTIDADE E DIFERENÇA DA CRIANÇA COM DEFICIÊNCIA NO AMBIENTE EDUCACIONAL QUE SE DENOMINA

Quando criança, o trajeto que eu e meus irmãos fazíamos diariamente para chegar até a

escola, a pé, era de aproximadamente quatro quilômetros, e, apesar disso, nós não faltávamos

às aulas, mesmo morando muito longe. Filha de professora e de pai agricultor, aprendi que a

instituição escolar era um lugar de desejos e saberes. Meus pais me passavam o conceito de

que a escola era um espaço onde eu poderia aprender muitas coisas, o meio que me

propiciaria um futuro diferente daquele que eles tinham tido. Mas eu nem sempre encontrava

na escola o desejo de resposta que tinha dentro de mim, assim como não me sentia satisfeita

com os saberes que eram destinados aos alunos.

Não me recordo de ter estudado com alguém com deficiência. Aparentemente todas as

crianças eram iguais. No entanto, havia uma divisão na sala entre aquelas crianças que

aprendiam rapidamente e as que eram lentas. Sim, eram chamadas de lentas as crianças que

não aprendiam no tempo determinado pela professora ou pela escola.

Havia situações em que as tarefas a serem realizadas pelos alunos eram diferenciadas,

além disso a exposição de minhas dificuldades para as professoras não era algo natural para

mim. Eu ficava inquieta diante de algum problema, mas também não me sentia encorajada a

dialogar sobre ele. Lembro-me de que, quando eu tinha 7 anos, conheci uma garotinha da

mesma idade que eu. Ela morava em uma rua pela qual eu passava diariamente para ir à

escola. Meus pais conheciam os pais dela, mas não me lembro de ela frequentar a mesma

escola que eu, apesar de aquela ser a única instituição de ensino na cidade em que

morávamos. A menina era linda, usava sempre vestidinhos coloridos, sapatos pretos de verniz

e meia branca. Era magrinha, tinha os olhos bem azuis, cabelos loiros encaracolados e possuía

uma forma muito peculiar de se comunicar.

Na comunidade, falavam que Martinha, esse era o nome dela, era surda e muda, por

isso não adiantava falar com ela, pois a menina não entenderia.

Sem compreender direito a conversa dos adultos, sempre que meus pais paravam para

falar com os pais de Martinha em sua casa, eu fugia para o fundo do quintal para encontrá-la.

De fato, ela não falava como eu, mas emitia alguns sons com sentidos bem significantes para

mim, e nós nos compreendíamos e fazíamos todas as brincadeiras que queríamos, e assim nos

divertíamos.

Hoje sei que ela era surda e não falava, mas não sei se era muda ou se não havia

aprendido a falar. Naquela época, ninguém me explicou que Martinha poderia falar de outra

forma, então fui construindo a minha fantasia em relação a sua maneira de comunicar-se.

A partir do quarto ano do ensino fundamental, passei a estudar no município de

Campinas, pois meus pais, cansados da agricultura, vieram para a cidade grande. Continuei

Page 17: A PRODUÇÃO DA IDENTIDADE E DIFERENÇA DA CRIANÇA …§ão_Elenir... · A PRODUÇÃO DA IDENTIDADE E DIFERENÇA DA CRIANÇA COM DEFICIÊNCIA NO AMBIENTE EDUCACIONAL QUE SE DENOMINA

morando longe da escola, embora não tanto quanto antes, e mesmo assim não faltava às aulas,

pois a escola trazia possibilidades que não existiam em minha casa.

Nesse novo espaço, não encontrei nenhuma criança com deficiência em minha sala de

aula. Fui gradativamente me acostumando com a escola da cidade grande, que era bem

diferente da outra. Nela eu não conhecia todas as crianças, a maioria só via no ambiente

escolar e nem imaginava onde poderiam morar.

O tempo foi passando e, a partir do sexto ano, fui estudar em uma escola que acabara

de ser construída, em um bairro mais perto do meu: lá eu tinha mais proximidade com os

colegas.

No sétimo ano, li Dibs, em busca de si mesmo, de Virginia M. Axline. Dibs era um

menino de 5 anos que, na escola, era confundido com uma criança com deficiência intelectual.

Ele vai a consultas com uma psicóloga e começa a manifestar conhecimentos escondidos,

despontando assim para uma inteligência que antes não era conhecida, e, a partir disso, sua

identidade passa a ser produzida de outro modo. Quando terminei a leitura do livro, fiquei

inquieta, refletindo: Onde tem uma criança como essa? Como será estar com uma criança

assim? Busquei novamente em minha memória e não consegui recordar de nenhuma criança

com deficiência que tivesse estudado comigo.

Hoje sei que todos esses eventos constituíram um espaço dentro de mim que me

direcionou ao lugar que eu iria ocupar profissionalmente. Optei por não fazer magistério,

segui fazendo o ensino médio comum e também não encontrei na sala de aula ou na escola

nenhum aluno com deficiência. Essa ausência me inquietava e me levava a outros

questionamentos. Eu queria reflexões referentes às crianças que não aprendiam. Comecei,

então, a pesquisar sobre possíveis cursos que pudesse fazer na faculdade.

Compreender os sujeitos, buscando abranger seu contexto histórico, relacionando

fatores sociais, econômicos, culturais e políticos sempre foi algo que me fascinou. Assim, em

um primeiro momento, pensei em ser psicóloga, mas, com a história da menina Martinha e do

menino Dibs persistindo em minha mente, elegi o curso de pedagogia com habilitação em

deficiência mental.

Nesse contexto, decidi que queria trabalhar com aqueles alunos que não havia

encontrado no meu trajeto escolar, mas que sabia que existiam. Iniciei o curso de pedagogia

com habilitação em deficiência mental na Universidade Metodista de Piracicaba (UNIMEP)

em 1987, com muitos sonhos e expectativas.

Page 18: A PRODUÇÃO DA IDENTIDADE E DIFERENÇA DA CRIANÇA …§ão_Elenir... · A PRODUÇÃO DA IDENTIDADE E DIFERENÇA DA CRIANÇA COM DEFICIÊNCIA NO AMBIENTE EDUCACIONAL QUE SE DENOMINA

Imagem 3 – Lobo mau, que olhinho é esse?

Fonte: Arquivo pessoal da autora, 2015.

Fotografia: Elenir Santana Moreira.

AS CRIANÇAS COM DEFICIÊNCIA: ANTES INVISÍVEIS, AGORA SE TORNAM

VISÍVEIS

O meu período de estágio estava se aproximando, finalmente eu iria encontrar as

crianças que estavam distantes das escolas e que pareciam ser invisíveis. Às vezes, as

histórias contadas sobre elas referiam-se a crianças inaptas, como se fossem incapazes de

fantasiar e de divertir-se, mesmo com brincadeiras de máscaras de lobo mau de que todas as

crianças tanto gostam.

Manifestei para minha orientadora o desejo de fazer o estágio em uma classe especial

que ficava dentro de uma escola estadual. Isso não foi possível e, embora desapontada, iniciei

como estagiária, em 1988, em uma organização não governamental (ONG) que atendia, em

um mesmo espaço físico, diversas crianças, adolescentes e adultos com deficiência

intelectual. Naquela época, era concebido como natural que essas crianças não frequentassem

uma escola de educação regular, principalmente pela argumentação muito utilizada a respeito

Page 19: A PRODUÇÃO DA IDENTIDADE E DIFERENÇA DA CRIANÇA …§ão_Elenir... · A PRODUÇÃO DA IDENTIDADE E DIFERENÇA DA CRIANÇA COM DEFICIÊNCIA NO AMBIENTE EDUCACIONAL QUE SE DENOMINA

da a não formação específica das professoras. Foi assim que tive meu primeiro contato com

um grupo de crianças com deficiência.

Os alunos com deficiência geralmente eram agrupados por idade cronológica ou por

marcas físicas. Os objetivos dos trabalhos realizados com eles pautavam-se em Atividades de

Vida Diária (AVD), Atividade de Vida Prática (AVP) ou em conceitos, tais como: grande,

pequeno, dentro, fora, em cima, em baixo, entre outros. Nessa época, raramente se falava em

alfabetização para esses sujeitos, pois aprender a ler e a escrever eram sonhos considerados

distantes para eles.

Assim que me formei em pedagogia, aventurei-me a abrir uma escola de educação

infantil em parceria com uma amiga da universidade. Sonhava em poder concretizar projetos

guardados ao longo dos anos e incluir nessa escola alguns alunos com deficiência.

Depois de um ano e sete meses, o sonho de ser proprietária de escola passou. Fui

lecionar história para alunos do quinto ao oitavo ano de uma escola estadual na zona rural de

Campinas. Nesse período, revisitei muitas memórias e reconstruí imagens históricas por vezes

esquecidas. Aprendi como ser professora sendo professora, sem alguém que pudesse discutir

isso comigo, pois, na referida instituição escolar, cada um de nós tinha de estar com os alunos,

sem tempo para falar dos próprios medos ou anseios. Em minha sala de aula havia, no

máximo, alunos com dificuldade de aprendizagem, mas que, quando eu mudava a estratégia

de ensino, aprendiam, mesmo que pouco. Além das aulas de história, fui professora de

filosofia e supervisora de estágio de alunas do extinto magistério, por um período de quatro

meses. Não tinha muita prática para fazer as orientações, mas me pautava nas teorias, nas

visitas às escolas e nos relatos das estudantes para orientá-las.

Em 1994, ocorreu o grande marco: iniciei meu trabalho como professora de Educação

Especial em duas ONGs. Em uma delas eu trabalhava com autistas; na outra trabalhava com

crianças e adolescentes com síndrome de Down.

Nesse momento, tive a grande chance de concretizar o sonho tão sonhado e guardado.

Em períodos alternados, eu transitava por trabalhos diferenciados e ia me constituindo

professora na relação com os alunos.

No período da manhã, eu trabalhava com crianças e adolescentes com síndrome de

Down, que foram ensinando-me que eram capazes de fazer muito mais do que eu solicitava,

mostrando que se empenhavam ao extremo para dar conta de alguma tarefa.

No período da tarde o trabalho com crianças e adolescentes autistas era bem diferente.

As respostas não eram imediatas, e precisei aprender a aprender o que não era dito com

palavra.

Page 20: A PRODUÇÃO DA IDENTIDADE E DIFERENÇA DA CRIANÇA …§ão_Elenir... · A PRODUÇÃO DA IDENTIDADE E DIFERENÇA DA CRIANÇA COM DEFICIÊNCIA NO AMBIENTE EDUCACIONAL QUE SE DENOMINA

IMERSA NO TRABALHO DA INVISIBILIDADE

Permaneci trabalhando nas ONGs até 1996, quando decidi lecionar na Educação

Especial de escolas públicas municipais de Campinas. Passei, então, a atuar como professora

itinerante, trabalhando, em média, em quatro escolas. O nome “professora de educação

especial itinerante” deve-se ao fato de esse profissional precisar deslocar-se de um espaço

para outro, atendendo às demandas relacionadas às crianças com deficiências existentes em

cada um deles.

A partir de 1998, inicia-se dentro da rede municipal de Campinas, por determinação

das políticas públicas de Educação Inclusiva, uma movimentação a favor da inclusão. Tal

movimento concebia que a Educação Inclusiva se diferenciava, terminantemente, da

integração, pois no processo inclusivo eram as escolas que deviam adequar-se às necessidades

dos “alunos portadores de deficiências”, enquanto na integração era o estudante quem devia

adequar-se aos padrões estabelecidos pela escola.

Ainda que, semanticamente, os verbos incluir e integrar tenham significados muito

parecidos, a palavra integração passa a ser “proibida” no contexto escolar. Ocorre então, por

parte dos coordenadores de Educação Especial, uma catequização sobre a distinção desses

verbos e um forte movimento para que se comece a utilizar a terminologia “pessoas com

necessidades educacionais especiais” (NEE).

Essa nova terminologia remete ao nome da própria função de professora de Educação

Especial e ao que implica ser ou ter NEE dentro da escola.

Saio, então, do conforto da suposta igualdade, criada pelas ONGs, e passo, de 1997 a

2000, a trabalhar em escolas marcadas pela diferença e pela invisibilidade, mas que, apesar

disso, buscavam incansavelmente a igualdade. Nessa época, eu ainda era professora substituta

e todo mês de dezembro tinha meu contrato de trabalho encerrado e renovado no mês de

janeiro do ano seguinte. E assim, de 2000 a 2002, trabalhei somente em uma classe especial

do estado.

Ainda no que diz respeito à linguagem, a nomenclatura mais usada até então para

referir-se às crianças com deficiências era “pessoas portadoras de deficiências”. O substantivo

“portador” me incomodava, principalmente quando pensava que quem portava alguma coisa

poderia deixar de portar.

Não aceitando, na época, a nomenclatura imposta, passo então a utilizar, em meus

relatórios, a terminologia “pessoas com deficiências” ao me referir àquela criança que tinha a

sua permanência garantida na escola, exclusivamente pela marca que carregava da diferença.

Page 21: A PRODUÇÃO DA IDENTIDADE E DIFERENÇA DA CRIANÇA …§ão_Elenir... · A PRODUÇÃO DA IDENTIDADE E DIFERENÇA DA CRIANÇA COM DEFICIÊNCIA NO AMBIENTE EDUCACIONAL QUE SE DENOMINA

Em agosto de 2002, retorno como professora concursada para uma escola de Educação

de Jovens e Adultos (EJA), do quarto ao oitavo ano. Deparo-me, então, com uma instituição

escolar noturna que atende prioritariamente a trabalhadores.

Já havia trabalhado com adultos, mas nunca com surdos. Inicialmente, tinha diante de

mim seis alunos. No ano seguinte, eles seriam doze, distribuídos nas seis salas de aula que

existiam na escola; no entanto, nenhum outro professor sabia a Língua Brasileira de Sinais

(LIBRAS). Achei que fosse enlouquecer, pois os alunos surdos saíam da sala a todo o

momento para me chamar, dizendo: “Não entendo nada, professor só fala”.

Fizemos um trabalho belíssimo nessa escola, no qual organizei um curso de LIBRAS

para os professores e a comunidade, e os próprios alunos surdos me ajudavam. Conseguimos

envolver diversos professores, mas o fato de eles terem aprendido alguns sinais da LIBRAS

não iria garantir que os alunos passassem a entender a aula.

Depois de quase dois anos trabalhando com adultos, solicitei remoção para uma

Escola Municipal de Educação Infantil (EMEI) e um Centro Municipal de Educação Infantil

(CEMEI), acreditando que tudo seria diferente.

Porém, quando iniciei meu trabalho, foi grande o movimento de indignação, medo,

revolta, esperança e tantos outros sentimentos que as crianças deficientes causavam à escola,

tanto que o desejo emergente dessas instituições era retirá-las de lá.

Presenciei ainda, entre os muros escolares, que a matrícula das crianças com

deficiências não garantia a legitimação da legislação vigente e nem da reflexão sobre o que

seria incluir. Havia um discurso muito recorrente na época – e que ainda hoje permanece –,

que se refere à questão da formação, quando os professores diziam: “Não somos preparados

para isso”.

O movimento referente à inclusão acaba por se expandir, campanhas publicitárias

foram lançadas, visando fortalecê-lo em nível nacional. O slogan fortemente utilizado foi:

“Inclusão para Todos”.

Vestígios desse movimento aparecem nos dizeres das professoras, que, quando se

referem às crianças com deficiência, repetem: “Temos que incluir todos os alunos”; porém,

quando manifestam opinião pessoal, dizem: “Para incluir esse aluno eu tenho que deixar os

outros, porque eu tenho vinte e dois [ou outra quantidade] e mais esse aluno deficiente”.

Assim, o tempo foi passando e o aluno com deficiência continuava sendo aquele que

tinha de adaptar-se à escola. Não existia uma movimentação de mão dupla, e essas crianças,

muitas vezes, permaneciam isoladas em ambientes cheios de pessoas e marcadas pela

diferença da inferioridade.

Page 22: A PRODUÇÃO DA IDENTIDADE E DIFERENÇA DA CRIANÇA …§ão_Elenir... · A PRODUÇÃO DA IDENTIDADE E DIFERENÇA DA CRIANÇA COM DEFICIÊNCIA NO AMBIENTE EDUCACIONAL QUE SE DENOMINA

Ao presenciar e participar de um diálogo entre duas crianças de uma EMEI, fui levada

a repensar questões como: Que marcas descrevem uma criança como deficiente? Os dizeres

das professoras possibilitam um olhar de como a escola trata os “deficientes” e os tidos como

“normais”?

O referido diálogo aconteceu durante a realização da atividade do calendário, Chinu2,

uma garotinha3

de 5 anos, estava sentada ao lado de outros colegas. Entre eles estavam dois

garotos também de 5 anos: Akil4, “deficiente físico”, e Adofo

5, que tem síndrome de Down,

ambos negros. Todos tinham em mãos uma atividade com que a professora da classe

diariamente trabalhava, desde o início do ano, referente ao preenchimento do dia atual em um

calendário correspondente ao mês.

Chinu logo realiza a atividade e espera sua vez para entregar a folha à professora.

Enquanto isso, uma fila vai formando-se no centro da sala, para que a docente recolha e

corrija, uma a uma, as atividades entregues. A professora espera cada aluno com uma

borracha na mão e vai apagando o que não está de acordo com o solicitado. As crianças que

“não acertam” voltam para as mesinhas, para refazerem a escrita “correta” do numeral. Para

falar desse momento, busco em minhas lembranças e em registros o acontecido, o tempo

presente, detalhando a cena:

Chinu olha para mim e diz afirmando:

– O Adofo não vai para a escola de cima.

Eu então lhe pergunto:

– Por quê?

Ela me responde:

– Porque ele é criança. Mas eu e o Akil vamos!

Eu faço outra pergunta:

– Você e o Akil também não são crianças?

Ela responde:

– Não, eu e o Akil somos pessoas, e o Adofo, criança!

A narrativa que a criança que não é marcada pela deficiência utiliza para se referir à

identidade e também à diferença do colega com síndrome de Down leva-nos a pensar a

respeito de como se tece o imaginário acerca do sujeito que não é “pessoa”, por essa OUTRA

criança que não é deficiente.

2 Significa: A própria bênção de Deus.

3 Todos os nomes das crianças aqui são fictícios, de origem africana, como forma de homenagear esse povo que,

assim como as pessoas com deficiência, foi marcado pela diferença negativa que inferioriza, e também por

esses nomes trazerem à tona uma significação e produção de sentidos outros, por estarem sempre arrolados

com algum acontecimento cultural. 4 Significa: Inteligente, usa a razão.

5 Significa: Que ama.

Page 23: A PRODUÇÃO DA IDENTIDADE E DIFERENÇA DA CRIANÇA …§ão_Elenir... · A PRODUÇÃO DA IDENTIDADE E DIFERENÇA DA CRIANÇA COM DEFICIÊNCIA NO AMBIENTE EDUCACIONAL QUE SE DENOMINA

Em outra situação, quando Akil estava no banheiro para que suas fraldas6 fossem

trocadas, aproxima-se uma garotinha de 4 anos. Ela para, observa e pergunta para a professora

que está realizando a troca:

– Ele é neném?

Akil procura o olhar da professora e responde baixinho:

– Eu neném não!

A garotinha, que não havia ouvido a resposta, logo se distrai e vai para outra direção.

Podemos constatar que as narrativas dessas OUTRAS crianças que não são deficientes

estão permeadas de vozes diversas, que necessariamente não foram dirigidas exclusivamente

a elas, mas na quais elas certamente perceberam algo que lhes era transmitido; e isso está

participando de sua constituição de sujeito, de sua identidade. Podemos, então, atentar para o

fato de que: “como ato linguístico, a identidade e a diferença estão sujeitas a certas

propriedades que caracterizam a linguagem em geral” (SILVA, T. T., 2009, p. 77), já que não

há o idêntico, mas o mesmo e o diferente, concomitantemente.

Nesse contexto de reflexões e conflitos internos e externos, decidi que era tempo de

voltar a estudar, direcionando uma pesquisa para analisar como são produzidas a identidade e

a diferença da criança com deficiência, pela professora e pela outra criança que não é

deficiente.

Como bem coloca Foucault (1984, p. 13): “de que valeria a obstinação do saber se ele

assegurasse apenas a aquisição dos conhecimentos e não, de certa maneira, e tanto quanto

possível, o descaminho daquele que conhece?” Ou seja, o conhecimento nos desencaminha e

nos move para outro lugar, no qual somos capazes de construir novas práticas e reinventar as

já construídas.

Então, aventuro-me a dizer que busco ressignificar minha prática pedagógica na

relação com a criança, que a cada olhar me alcança, e pelo qual me permito ser alcançada, no

intuito de dar outro significado ao lugar que ela ocupa dentro da escola e na sala de aula.

Lugar este que possibilita, ou deveria possibilitar, diferentes formas de aprendizagem, dando à

criança diversas maneiras de ler e escrever o mundo.

6 Por causa da espinha bífida/mielomeningocele, Akil usa fraldas. “Espinha bífida é uma má-formação congênita

do Sistema Nervoso Central que se desenvolve no primeiro mês de gestação. Na espinha bífida existe um

defeito de fechamento das estruturas que formarão o dorso do embrião e que poderá afetar não somente as

vértebras, mas também a medula espinhal, meninges e até mesmo o encéfalo”. Disponível em:

<http://www.saudeemmovimento.com.br/conteudos/conteudo_frame.asp?cod_noticia=717>. Acesso em: mar.

2015.

Page 24: A PRODUÇÃO DA IDENTIDADE E DIFERENÇA DA CRIANÇA …§ão_Elenir... · A PRODUÇÃO DA IDENTIDADE E DIFERENÇA DA CRIANÇA COM DEFICIÊNCIA NO AMBIENTE EDUCACIONAL QUE SE DENOMINA

Avançar nas reflexões sobre os mecanismos de controle e poder que o CEI exerce

sobre as crianças com deficiências e encontrar caminhos que possibilitem em nós novos

efeitos, que nos impulsionem a novas e outras diferentes maneiras de conceber o já dito,

também é necessário e justifica esta proposta de estudo no Programa de Mestrado em

Educação do UNISAL, uma vez que a perspectiva de Educação Inclusiva alinha-se à visão

educacional sociocomunitária, pois ambas buscam a emancipação dos sujeitos, respeitando e

significando a sua história e a práxis educativa.

Page 25: A PRODUÇÃO DA IDENTIDADE E DIFERENÇA DA CRIANÇA …§ão_Elenir... · A PRODUÇÃO DA IDENTIDADE E DIFERENÇA DA CRIANÇA COM DEFICIÊNCIA NO AMBIENTE EDUCACIONAL QUE SE DENOMINA

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ..................................................................................................................... 26

CAPÍTULO I ......................................................................................................................... 33

1. Identidade e diferença .......................................................................................................... 33

1.2. Sociedade de controle: implicações na produção da identidade e da diferença da criança

com deficiência ........................................................................................................................ 40

CAPÍTULO II ........................................................................................................................ 49

2. Indo além das técnicas de pesquisa: a criança como sujeito ............................................... 49

2.1 De quais CEIs estamos falando? ....................................................................................... 52

2.2. Conhecendo os sujeitos da pesquisa ................................................................................. 52

2.3. Escolhendo caminhos ....................................................................................................... 56

2.4. Construção de dados no CEI 1 e CEI 2 ............................................................................. 62

2.5. Procedimentos de discussão de dados .............................................................................. 63

CAPÍTULO III ...................................................................................................................... 66

3. Caminhos percorridos por histórias tão sonhadas ............................................................... 66

3.1. Caminho 1: o dia tão esperado ......................................................................................... 67

3.2. O que as crianças nos dizem é o que imaginamos e queremos ouvir?...............................70

3.3. Caminho 2: ainda com Abayomi ..................................................................................... 73

3.4. Caminho 3: cotidiano educacional, entre relatos e fatos .................................................. 76

3.5. O desenho: caminhos percorridos entre traçados vividos e imaginados .......................... 79

3.6. Caminho 4: o desenho de Nala ......................................................................................... 80

3.7. Caminho 5: o desenho de Urbi ........................................................................................ 87

3.8. Fotografia como forma de ver o não dito ......................................................................... 89

3.9. Caminho 6: tomando pela mão .......................................................................................... 90

3.10. Caminho 7: ressignificando experiências ....................................................................... 95

CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................................ 98

REFERÊNCIAS .................................................................................................................. 110

LEGISLAÇÃO CONSULTADA ....................................................................................... 115

SITES CONSULTADOS .................................................................................................... 117

ANEXO 1 – Termo de Consentimento Livre e Esclarecido ............................................. 118

ANEXO 2 – Carta de Apresentação .................................................................................. 119

APÊNDICE – A ................................................................................................................... 121

APÊNDICE – B .................................................................................................................... 122

Page 26: A PRODUÇÃO DA IDENTIDADE E DIFERENÇA DA CRIANÇA …§ão_Elenir... · A PRODUÇÃO DA IDENTIDADE E DIFERENÇA DA CRIANÇA COM DEFICIÊNCIA NO AMBIENTE EDUCACIONAL QUE SE DENOMINA

26

INTRODUÇÃO

As fotografias são minhas aliadas neste trabalho, pois elas me ajudam a dizer aquilo

que porventura não consigo explanar de forma tão hábil, ou mesmo quando a explanação é

desnecessária e a imagem é capaz de capturar o que as palavras não conseguem transmitir.

Nesse sentido, evidencio a foto de uma criança que, no horário de saída, logo no início do ano

letivo, ao me ver posicionando para colocar Amir7 em sua cadeira de rodas, olha para mim e

diz:

– Deixa que a bolsa dele eu levo!

Imagem 4 – Caminhando juntos 1

Arquivo pessoal da autora – 2015.

Fotografia: Elenir Santana Moreira.

Como professora de Educação Especial há mais de vinte anos, ponho-me a re(pensar)

a respeito do lugar ou NÃO lugar das crianças com deficiências no Centro de Educação

7 Significa: Príncipe.

Page 27: A PRODUÇÃO DA IDENTIDADE E DIFERENÇA DA CRIANÇA …§ão_Elenir... · A PRODUÇÃO DA IDENTIDADE E DIFERENÇA DA CRIANÇA COM DEFICIÊNCIA NO AMBIENTE EDUCACIONAL QUE SE DENOMINA

27

Infantil CEI8 que se denomina inclusivo, então a imagem dos passos direcionados à porta das

crianças com e sem deficiência me vêm à memória.

Imagem 5 – Caminhando juntos 2

Fonte: Arquivo pessoal da autora – 2015.

Fotografia: Elenir Santana Moreira.

“Ouvir” a minha própria narrativa e a narrativa do outro fez-se necessário para que eu

retomasse os conceitos de identidade e diferença dos quais me apropriei ao longo da vida, o

que me fez constatar a necessidade de um aprofundamento teórico maior a esse respeito. Nesse

momento, não só meu trabalho, mas fatos e situações que vivenciei e vivencio se entrelaçam

com as leituras, fluindo em ideias e trazendo a necessidade de tomar como ponto de partida,

na presente pesquisa, o sujeito que não é uno, não é homogêneo, mas é incompleto, múltiplo,

heterogêneo e que compartilha os mesmos espaço e caminhos que outros sujeitos.

8 Denominação conforme decreto n. 18.664, de 3 de março de 2015. Dispõe sobre a denominação das escolas

municipais de educação infantil. Em seu artigo 1°: “Ficam alteradas as denominações dos Centros Municipais

de Educação Infantil (CEMEIs) e das Escolas Municipais de Educação Infantil (EMEIs) para Centros de

Educação Infantil (CEIs)” (PREFEITURA MUNICIPAL DE CAMPINAS, 2015).

Page 28: A PRODUÇÃO DA IDENTIDADE E DIFERENÇA DA CRIANÇA …§ão_Elenir... · A PRODUÇÃO DA IDENTIDADE E DIFERENÇA DA CRIANÇA COM DEFICIÊNCIA NO AMBIENTE EDUCACIONAL QUE SE DENOMINA

28

Imagem 6 – Caminhando juntos 3

Fonte: Arquivo pessoal da autora – 2015.

Fotografia: Elenir Santana Moreira.

Quando se trabalha na Educação Infantil, muitas são as narrativas ouvidas

relacionadas à identidade e à diferença das crianças com deficiência enunciadas pelos adultos

e pelas próprias crianças.

Justifica-se, portanto, investigar a produção da identidade e da diferença da criança

com deficiência, no contexto do CEI que se denomina inclusivo, a fim de se saber como as

narrativas ou as práticas discursivas e não discursivas de professoras e crianças sem

deficiência vão criando efeitos, sentidos e significados compartilhados, tornando-se modos de

dizer sobre o outro e colaborando, ou não, para a produção da identidade e da diferença da

criança com deficiência.

Além disso, interessa saber que vozes atravessam as narrativas das crianças e das

professoras, bem como se a criança com deficiência “escapa” ou não do sentido produzido e

compartilhado de identidade e de diferença que lhe é atribuído. Se sim, verificar como isso

ocorre e as possíveis linhas de fuga.

Assim, o objetivo desta pesquisa é investigar a produção da identidade e da diferença

da criança com deficiência pelas práticas discursivas e não discursivas de professoras e de

outras crianças que não são deficientes.

Page 29: A PRODUÇÃO DA IDENTIDADE E DIFERENÇA DA CRIANÇA …§ão_Elenir... · A PRODUÇÃO DA IDENTIDADE E DIFERENÇA DA CRIANÇA COM DEFICIÊNCIA NO AMBIENTE EDUCACIONAL QUE SE DENOMINA

29

Os efeitos das narrativas nesse ambiente, que é de formação, são relevantes, uma vez

que há um discurso politicamente correto que defende a “escola para todos, a escola inclusiva

etc.”. No entanto percebe-se que as narrativas das crianças sem deficiência e das professoras

sobre as crianças com deficiência podem ser contrárias ao que se propõe oficialmente.

Pelo olhar do outro, as narrativas e as identidades vão sendo construídas e marcadas

pela diferença. Nesse contexto, a identidade é feita de representações e de imagens de si e do

outro.

Os sentidos atribuídos à identidade não são constantes nem estáticos; por isso, analisar

a cadeia de significantes que são atribuídos à linguagem no processo narrativo, dentro da

prática do espaço de educação infantil, valendo-se das narrativas das crianças e das

professoras, parece algo extremamente relevante e que possibilita fazerem-se articulações

com as teorias estudadas, a fim de criar outras possibilidades, outros modos de dizer sobre a

criança com deficiência que não seja a inferioridade em razão de sua condição. Para tanto, foi

feita uma revisão bibliográfica para se saber como a produção acadêmica vem tratando desse

assunto.

Inicialmente, tal revisão foi realizada no banco de teses da Coordenação de

Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES). A pesquisa aconteceu no mês de

abril de 2015, e na ocasião as teses e dissertações disponíveis eram somente do período

compreendido entre os anos de 2011 e 2012, houve então a necessidade pesquisar também em

outro órgão, com a finalidade de se obter uma revisão mais completa.

Desse modo, também foi consultada a Biblioteca Digital Brasileira de Teses e

Dissertações (BDTD), seguindo os mesmos critérios da pesquisa realizada no banco de teses

da CAPES.

Tanto no banco de teses da CAPES quanto no BDTD, a investigação deu-se pelo

cruzamento das palavras-chave: educação infantil, identidade, diferença, inclusão, narrativa,

deficiência, que conferem escopo ao presente estudo. A repetição dos vocábulos educação

infantil e deficiência em todas as buscas de combinações das palavras-chave foi proposital,

como meio de procurar pesquisas que pudessem vir ao encontro do propósito deste trabalho.

A seguir, apresento quadros com detalhamentos de como a pesquisa foi realizada no banco de

teses da CAPES.

Page 30: A PRODUÇÃO DA IDENTIDADE E DIFERENÇA DA CRIANÇA …§ão_Elenir... · A PRODUÇÃO DA IDENTIDADE E DIFERENÇA DA CRIANÇA COM DEFICIÊNCIA NO AMBIENTE EDUCACIONAL QUE SE DENOMINA

30

Quadro 1 – Pesquisa realizada no banco de teses da CAPES

Palavras-chave Ano

Número de

registros

encontrados

Número de

trabalhos

relacionados

com o assunto

desta pesquisa

Educação infantil, deficiência

2011-2012 Total – 59

13 teses

46 dissertações

0

Educação infantil, identidade,

deficiência

2012 Total – 1

0 tese

1 dissertação

0

Educação infantil, diferença,

deficiência

2011-2012 Total – 11

2 teses

9 dissertações

0

Educação infantil, inclusão,

deficiência

2011-2012 Total – 39

5 teses

34 dissertações

0

Educação infantil, narrativa,

deficiência

2011-2012 Total – 1

0 tese

1 dissertação

0

Educação infantil, identidade,

deficiência, inclusão, narrativa,

deficiência

Total – 0 0

Fonte: Banco de teses da CAPES.

Elaboração da autora.

Dos 111 trabalhos encontrados no banco de teses da CAPES, pelo cruzamento das

palavras-chave escolhidas, leitura dos resumos, área de conhecimento, áreas afins, linha de

pesquisa e descrição da linha de pesquisa, 20 eram teses e 91, dissertações; entretanto nenhum

trabalho abordava a problemática da presente pesquisa, que é a de investigar como são

produzidas a identidade e a diferença da criança com deficiência. Desse modo, por fugirem do

escopo pretendido, esses trabalhos não serão aqui discutidos.

A pesquisa na BDTD foi realizada no mês de maio de 2015, e na ocasião as teses e

dissertações disponíveis eram do período compreendido entre os anos de 1998 e 2014. A

busca foi com as referidas palavras-chave, leitura dos resumos e referências bibliografias.

Page 31: A PRODUÇÃO DA IDENTIDADE E DIFERENÇA DA CRIANÇA …§ão_Elenir... · A PRODUÇÃO DA IDENTIDADE E DIFERENÇA DA CRIANÇA COM DEFICIÊNCIA NO AMBIENTE EDUCACIONAL QUE SE DENOMINA

31

Quadro 2 – Pesquisa realizada na BDTD

Palavras-chave Ano Número de

registros

encontrados

Número de

trabalhos

relacionados com

o assunto desta

pesquisa

Educação infantil, deficiência 1998-2014 Total – 114

22 teses

92 dissertações

0

Educação infantil, identidade,

deficiência

2006 Total – 1

1 tese

0 dissertação

0

Educação infantil, diferença, deficiência 2003-2014 Total – 27

3 teses

24 dissertações

0

Educação infantil, inclusão,

deficiência

2002-2014 Total – 52

8 teses

44 dissertações

0

Educação infantil, narrativa,

deficiência

2006-2014 Total – 6

2 tese

4 dissertação

0

Educação infantil, identidade,

deficiência, inclusão, narrativa,

deficiência

2007 Total – 1

1 tese

0 dissertação

0

Fonte: Banco de teses da BDTD.

Elaboração da autora.

No banco de dados da BDTD, dos 201 trabalhos encontrados pelo cruzamento das

palavras-chave e leitura dos resumos, 37 eram teses e 164, dissertações. No entanto, assim

como na verificação da CAPES, nenhum estudo discutia a problemática levantada nesta

pesquisa, que também não serão utilizados na discussão aqui tratada. Dessa forma, tendo em

vista a revisão bibliográfica realizada, a temática da presente pesquisa ganha relevância por

mostrarem-se ainda incipientes, no universo de produções acadêmicas da educação infantil,

estudos sobre a produção da identidade e da diferença.

Todavia, para estudar identidade e diferença, é necessária uma proposta que não

engesse o meu entendimento e nem o do leitor, por meio da qual busco “possibilidades de

escapar da lógica positivista, procurando imprimir sentidos ao cotidiano escolar: cotidiano

único, singular, não pasteurizado” (MENEGAÇO, 2004, p. 7). O presente estudo é de cunho

Page 32: A PRODUÇÃO DA IDENTIDADE E DIFERENÇA DA CRIANÇA …§ão_Elenir... · A PRODUÇÃO DA IDENTIDADE E DIFERENÇA DA CRIANÇA COM DEFICIÊNCIA NO AMBIENTE EDUCACIONAL QUE SE DENOMINA

32

qualitativo e participante, em que as narrativas/histórias apresentadas fundem-se com a voz

dos pesquisados e da pesquisadora, a fim de que outras histórias possam ser contadas e

recontadas.

O aporte teórico conta com autores que conjecturam sobre a educação e a produção de

subjetividade na contemporaneidade. Do ponto de vista conceitual, as noções de identidade e

diferença são abordadas e pautadas em: Tomaz Tadeu da Silva (2009, 2002), Stuart Hall

(2009, 2014) e Kathryn Woodward (2009). A Política Nacional de Educação Especial na

Perspectiva da Educação Inclusiva (BRASIL, 2008b) e a autora Maria Teresa Eglér Mantoan

(2011, 2006) colaboram no sentido de propiciarem uma reflexão sobre as políticas públicas

inclusivas. Ana Lúcia Goulart de Faria (2005) e Sonia Kramer (2001) contribuem para um

repensar as infâncias nos contextos de diversidade cultural.

A fundamentação dos procedimentos metodológicos de coleta de dados conta com:

Cecília Galvão (2005), Rúbia Cristina Cruz Menegaço (2004) e Walter Benjamin (1987), no

sentido de compreender a narrativa como método de investigação em educação; Márcia Gobbi

(2005, 2008), cujo trabalho possibilita olhar para o desenho da criança conjugado com a

oralidade, não de forma que se analise tal produção, mas para conhecer mais e melhor a

infância; Sonia Kramer (2002) mostra a fotografia como um convite à releitura e com

possibilidades de ser olhada por e em diferentes ordens e momentos.

A pesquisa de campo foi realizada em dois CEIs de uma Rede Municipal de Educação

Infantil, no interior de São Paulo.

Os sujeitos da pesquisa foram quatro professoras e dezesseis crianças de 3 a 6 anos,

entre as quais, duas com deficiências. O estudo foi desenvolvido respeitando o aceite dos

sujeitos participantes, assim como descrevendo de maneira fidedigna as suas narrativas.

As estratégias de construção de dados foram: questionário, diário de campo,

observação participante, desenhos, fotografias e narrativas.

A pesquisa é composta de três capítulos que são assim desenvolvidos: o primeiro

capítulo contextualiza o problema de pesquisa, articulando-o com o objetivo do trabalho e

conceitua o que é identidade e diferença mediante os estudos culturais, abordando conceitos

de produção de subjetividade, narrativa e cultura das infâncias. O segundo descreve o trabalho

de campo, apresenta os espaços e sujeitos da pesquisa. O terceiro é composto de

narrativas/histórias que denomino “caminhos”, por serem momentos trilhados por sujeitos que

diferem e também se assemelham, como os caminhos que encontramos, fazendo uma juntura

crítica com os objetivos aqui propostos, dialogando com o referencial teórico e articulando os

conceitos de identidade e de diferença. Por fim, são apresentadas as considerações finais.

Page 33: A PRODUÇÃO DA IDENTIDADE E DIFERENÇA DA CRIANÇA …§ão_Elenir... · A PRODUÇÃO DA IDENTIDADE E DIFERENÇA DA CRIANÇA COM DEFICIÊNCIA NO AMBIENTE EDUCACIONAL QUE SE DENOMINA

33

CAPÍTULO I

1. IDENTIDADE E DIFERENÇA

A identidade e a diferença não são, nunca, inocentes.

T.T. SILVA, 2009, p. 81

Crianças normais ou crianças com deficiências? Espere um pouco... De quem estamos

falando, afinal? Buscando conjecturar sobre as perguntas apresentadas, é pertinente que seja

mostrada a criança a que estamos nos referindo e qual lugar acreditamos que ela ocupa, ou

deveria ocupar, na sociedade contemporânea, especialmente nos espaços escolares. Portanto,

iremos falar aqui de todas as crianças, pois, como apresento na Imagem 7, elas convivem no

mesmo espaço. Apesar disso, como professora de Educação Especial, terei como recorte um

olhar voltado para aquelas com deficiência9.

Imagem 7 – Relações mais que possíveis

Fonte: Arquivo pessoal da autora – 2015.

Fotografia: Elenir Santana Moreira.

9 O uso da primeira pessoa do singular se faz necessário na construção das narrativas e de minhas reflexões

particulares, que são marcadas por um posicionamento individualizado no decorrer do processo da pesquisa.

No entanto, também farei uso da primeira pessoa do plural, intencionalmente, uma vez que busco trazer as

várias vozes que se entrelaçam e controem o presente texto, em uma tentativa de me posicionar com o aporte

teórico.

Page 34: A PRODUÇÃO DA IDENTIDADE E DIFERENÇA DA CRIANÇA …§ão_Elenir... · A PRODUÇÃO DA IDENTIDADE E DIFERENÇA DA CRIANÇA COM DEFICIÊNCIA NO AMBIENTE EDUCACIONAL QUE SE DENOMINA

34

Falar de crianças pressupõe falar de infâncias, e falar de infâncias nos remete a falar de

direitos, e falar de direitos implica falar de políticas públicas.

Então, cito agora a Constituição Federal (CF) de 1988, que é a nossa lei maior,

conhecida também como Carta Magna, e, segundo a qual, nenhuma lei pode ser contrária às

determinações nela contidas. Em seu artigo 205, é previsto que: “A educação, direito de todos

e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade,

visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua

qualificação para o trabalho”. Já o artigo 206, inciso I, estabelece a “igualdade de condições

de acesso e permanência na escola”.

A partir de então, as políticas públicas vêm reafirmando o direito das pessoas com

deficiências de aprenderem e participarem da mesma escola como qualquer outro indivíduo,

pois “não somos iguais em tudo, mas conquistamos o direito à igualdade e devemos reclamá-

lo toda vez que as nossas diferenças forem motivo de exclusão, discriminação, limitação de

possibilidades na escola, na sociedade em geral” (MANTOAN, 2006a, p. 5).

A lei n. 8.069, de 13 de julho de 1990, que dispõe sobre o Estatuto da Criança e do

Adolescente (ECA), define como crianças aqueles que têm até 12 anos incompletos. Tal

documento é um grande avanço e vem promulgar e garantir os direitos de uma população

específica, que são as crianças e os adolescentes.

Não podemos ser ingênuos e achar que com isso os direitos desse grupo passaram a

ser executados, pois sabemos que há uma necessidade constante de luta para que de fato o

ECA seja cumprido. Exemplo disso são as criações dos conselhos dos direitos, compostos por

membros representantes da sociedade civil e instituições governamentais de forma paritária.

O ECA, em seu capítulo IV, artigo 53, que é referente ao direito à educação, à cultura,

ao esporte e ao lazer, afirma:

A criança e o adolescente têm direito à educação, visando ao pleno desenvolvimento

de sua pessoa, preparo para o exercício da cidadania e qualificação para o trabalho,

assegurando-se- lhes:

I - igualdade de condições para o acesso e permanência na escola;

II - direito de ser respeitado por seus educadores;

III - direito de contestar critérios avaliativos, podendo recorrer às instâncias

escolares superiores;

IV - direito de organização e participação em entidades estudantis;

V - acesso à escola pública e gratuita próxima de sua residência.

Parágrafo único - É direito dos pais ou responsáveis ter ciência do processo

pedagógico, bem como participar da definição das propostas educacionais.

Page 35: A PRODUÇÃO DA IDENTIDADE E DIFERENÇA DA CRIANÇA …§ão_Elenir... · A PRODUÇÃO DA IDENTIDADE E DIFERENÇA DA CRIANÇA COM DEFICIÊNCIA NO AMBIENTE EDUCACIONAL QUE SE DENOMINA

35

A presente pesquisa busca focalizar crianças de 3 a 6 anos, de modo que possa analisar

como ocorre a produção da identidade e da diferença da criança com deficiência, matriculada

na educação infantil, primeira etapa da educação básica.

É importante frisar que em nenhum momento faço a defesa de uma Educação Especial

que deva ser realizada separadamente, uma vez que “a Educação Especial, em sua nova

concepção, apenas perpassa e complementa as etapas da Educação Básica e Superior, pois,

tratando-se de uma modalidade, não constitui um nível de ensino” (MANTOAN, 2004, p. 5).

Defendo que os alunos com deficiências devem ser matriculados em classes de escolas

do ensino regular comum, e que tenham a garantia do atendimento educacional especializado

(AEE), pois:

[...] a Educação Especial, na ótica inclusiva e na Constituição Federal de 1988, deve

ser entendida como atendimento educacional especializado e estar disponível em

todos os níveis de ensino. Esse atendimento é complementar e necessariamente

diferente do ensino escolar. Destina-se a atender às especificidades dos alunos com

deficiência, abrangendo principalmente instrumentos necessários à eliminação das

barreiras que as pessoas com deficiência apresentam, naturalmente, para relacionar-

se com o ambiente externo, como por exemplo: ensino da Língua Brasileira de

Sinais – LIBRAS; ensino de Língua Portuguesa para surdos; Sistema Braile;

orientação e mobilidade para pessoas cegas; soroban; ajudas técnicas, incluindo

informática; mobilidade e comunicação alternativa/aumentativa; tecnologia

assistida; educação física especializada; enriquecimento e aprofundamento

curricular; atividades da vida autônoma e social. O atendimento educacional

especializado funciona em moldes similares a outros cursos que suplementam

conhecimentos adquiridos nos níveis de ensino Básico e Superior, como é o caso dos

cursos de línguas, artes, informática e outros. (MANTOAN, 2004, p. 4)

O AEE deve ser assegurado como direito complementar/suplementar, e não como

modalidade substitutiva de educação para a pessoa com deficiência, uma vez que “a

Constituição admite ainda que o atendimento educacional especializado seja oferecido fora da

rede regular de ensino, em outros estabelecimentos públicos e particulares, dedicados

unicamente a esse fim” (MANTOAN, 2004, p. 5).

A Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva

(BRASIL, 2008b, p. 15) também é um marco da luta das pessoas com deficiências.

Reafirmando o que já vem registrado na Convenção sobre os Direitos das Pessoas com

Deficiência, esse documento declara alunos com deficiência: “Àqueles que têm impedimentos

de longo prazo, de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, que em interação com

diversas barreiras podem ter restringida sua participação plena e efetiva na escola e na

sociedade”.

Page 36: A PRODUÇÃO DA IDENTIDADE E DIFERENÇA DA CRIANÇA …§ão_Elenir... · A PRODUÇÃO DA IDENTIDADE E DIFERENÇA DA CRIANÇA COM DEFICIÊNCIA NO AMBIENTE EDUCACIONAL QUE SE DENOMINA

36

É urgente e necessário que o comportamento no que diz respeito à deficiência seja

revisto, uma vez que crianças são ainda classificadas como deficientes com atribuições de

uma marca que inferioriza, além do não respeito às diferenças individuais, como já prevê o

decreto n. 6.949, de 25 de agosto de 2009, que promulga a Convenção Internacional sobre os

Direitos das Pessoas com Deficiência, de 2007, reafirmando a necessidade do “respeito pela

diferença e pela aceitação destas como parte da diversidade humana e da humanidade”. E, em

seu artigo 7º, que é especificamente direcionado às crianças com deficiência, declara:

1. Os Estados Partes tomarão todas as medidas necessárias para assegurar às

crianças com deficiência o pleno exercício de todos os direitos humanos e liberdades

fundamentais, em igualdade de oportunidades com as demais crianças;

2. Em todas as ações relativas às crianças com deficiência, o superior interesse da

criança receberá consideração primordial;

3. Os Estados Partes assegurarão que as crianças com deficiência tenham o direito

de expressar livremente sua opinião sobre todos os assuntos que lhes disserem

respeito, tenham a sua opinião devidamente valorizada de acordo com sua idade e

maturidade, em igualdade de oportunidades com as demais crianças, e recebam

atendimento adequado à sua deficiência e idade, para que possam exercer tal direito.

Essa mesma Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, em sua página

26, artigo 1º, menciona: “Pessoas com deficiência são aquelas que têm impedimentos de

longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com

diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em

igualdades de condições com as demais pessoas” (grifos meus).

Podemos constatar que a principal diferença entre as definições apresentadas é que a

da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência vem acrescida das palavras: “em

igualdades de condições com as demais pessoas”. O que representa um grande avanço, por

reconhecer que as condições colocadas para os sujeitos com deficiências não estão nas

mesmas condições de igualdades daquelas colocadas para as demais pessoas.

Mediante as legislações estudadas em meu percurso como professora, e agora como

pesquisadora, é possível constatar que as possibilidades vividas hoje por crianças, professoras

e profissionais que fazem parte da educação infantil, de terem o encontro com aquele que é

diferente, especificamente marcado pela deficiência, não é decorrente de espontaneidade, mas

sim resultado de práticas sociais que buscam legitimar e consolidar as legislações como forma

de garantia dos direitos das pessoas com deficiências.

Segundo Finco e Faria (2013, p. 112), “esse espaço da educação infantil é tido como

um espaço coletivo de educação tanto de crianças quanto de adultos”, assim não falaremos de

Page 37: A PRODUÇÃO DA IDENTIDADE E DIFERENÇA DA CRIANÇA …§ão_Elenir... · A PRODUÇÃO DA IDENTIDADE E DIFERENÇA DA CRIANÇA COM DEFICIÊNCIA NO AMBIENTE EDUCACIONAL QUE SE DENOMINA

37

um espaço neutro, sem intencionalidade, uma vez que nele “vivemos as mais distintas

relações de poder, entre elas as de gênero, classe, idade, étnicas”.

É evidente que o conceito utilizado, para conferir a concepção de igualdade e

diferença das crianças com deficiências, necessita ser pensado, principalmente sobre os

aspectos que lhe confere uma diferença que inferioriza. É fundamental também que reflitamos

sobre o processo de produção dos sujeitos com deficiência no decorrer da história e, para isso,

também é essencial conjecturar sobre a conceituação de identidade e diferença, pois:

“Entendemos cada fase da vida como provisória, singular e um vir a ser permanente. Assim, a

idade do sujeito não tem nos aprisionado, mas tem nos desafiado a encontrar procedimentos

investigativos adequados para a especialidade de cada uma destas fases” (FARIA, 2005, p.

xi).

Isso pressupõe a necessidade do profissional da educação de observar a produção dos

procedimentos subjetivos, identitários e ideológicos envolvidos nos processos pedagógicos,

para que haja um senso crítico problematizador que leve em conta com o que e com quem se

está trabalhando, de modo que a linguagem não esteja naturalizada nem separada dos

processos históricos, narrativos e, portanto, culturais.

Diariamente, todos nós estamos envolvidos em diferentes contextos e neles temos uma

representação social diversificada. Assim, faz-se necessário analisar as narrativas das

professoras e das crianças para que consideremos como estas vão, ou não, criando efeitos,

sentidos e significados compartilhados, que se tornam modos de dizer sobre o outro. No caso,

é preciso que estejamos atentos a quais são as vozes que atravessam essas narrativas e como

seus efeitos vão produzindo a identidade e a diferença da criança com deficiência.

É primordial considerar que “essas identidades adquirem sentido por meio da

linguagem e dos sistemas simbólicos pelos quais são representadas” (WOODWARD, 2009, p.

8). Ou seja, a linguagem que utilizamos para atribuir sentidos não é inocente.

Pautada no movimento da política de inclusão, busco destacar a voz da criança com

deficiência que não é ouvida, na tentativa de romper com o processo de exclusão que essas

pessoas sofreram e ainda sofrem. Muito embora “isso não signifique negar que a identidade

tenha um passado, mas reconhecer que, ao reivindicá-la, nós a reconstruímos e que, além

disso, o passado sofre uma constante transformação” (WOODWARD, 2009, p. 28).

Hall (2009, p. 109), de forma oportuna, explica como as identidades não são idênticas

e de que maneira são reinventadas, permitindo-nos fazer articulações com as narrativas

produzidas dentro do ambiente do CEI:

Page 38: A PRODUÇÃO DA IDENTIDADE E DIFERENÇA DA CRIANÇA …§ão_Elenir... · A PRODUÇÃO DA IDENTIDADE E DIFERENÇA DA CRIANÇA COM DEFICIÊNCIA NO AMBIENTE EDUCACIONAL QUE SE DENOMINA

38

É precisamente porque as identidades são construídas dentro e não fora do discurso

que nós precisamos compreendê-las como produzidas em locais históricos e

institucionais específicos, no interior de formações e práticas discursivas específicas,

por estratégias e iniciativas específicas. Além disso, elas emergem no interior do

jogo de modalidades específica de poder e são, assim, mais o produto da marcação

da diferença e da exclusão do que o signo de uma unidade idêntica, naturalmente

tradicional – isto é, uma mesmidade que tudo inclui, uma identidade sem costuras,

inteiriça, sem diferenciação interna.

Estudar acerca da identidade e da diferença também pede que reflitamos sobre quais

são as semelhanças entre as crianças sem e com deficiência, sendo que, na maioria das vezes,

as diferenças se destacam, o que faz parecer que não existem semelhanças entre elas. Surgem,

então, questões como: Quais seriam essas semelhanças? Como são produzidas as identidades

das crianças com e sem deficiência?

Com aporte em Woorward (2009, p. 40), podemos afirmar que a identidade é marcada

pela diferença – mas não por qualquer diferença –, uma vez que esta não tem sempre o

mesmo valor, e “a identidade, [por sua vez], não é o oposto da diferença: a identidade

depende da diferença”. Assim, a diferença precisa ser compreendida como um processo de

diferimento de todos.

Silva (2009, T. T., p. 74) coloca que inicialmente a conceituação de identidade, em

determinada perspectiva, parece fácil, independente e esgota-se em si mesma. Pode ainda ser

definida como aquilo que se é – por exemplo: “sou brasileiro” – e como aquilo que o outro é –

exemplo: “ela é italiana”. Nessa perspectiva, a “diferença, tal como a identidade,

simplesmente existe”. O autor assegura que a linguagem como forma de expressão possibilita

que, ao afirmar “sou brasileiro”, subtende-se que “não sou argentino”, e, ao dizer “ela é

chinesa”, subtende-se que “ela não é argentina”. Por meio da linguagem pode-se marcar no

outro a diferença, construindo uma identidade, mas também se pode escondê-la. Tudo isso faz

parte de uma cadeia de “negações”, pois as “afirmações sobre diferença também dependem de

uma certa cadeia, em geral oculta, de declarações negativas sobre (outras) identidades”

(SILVA, T. T., 2009, p. 75). Podemos, então, dizer que a identidade e a diferença são

interdependentes e inseparáveis, pois uma não existe sem a outra.

Silva (2009,T. T., p. 75) aponta para a perspectiva que coloca a identidade como

definição da diferença, na qual o que eu sou determina o que o outro não é, e geralmente

“consideramos a diferença como um produto da identidade”, tomando o que somos como

norma e, a partir disso, avaliando aquilo que não somos.

Page 39: A PRODUÇÃO DA IDENTIDADE E DIFERENÇA DA CRIANÇA …§ão_Elenir... · A PRODUÇÃO DA IDENTIDADE E DIFERENÇA DA CRIANÇA COM DEFICIÊNCIA NO AMBIENTE EDUCACIONAL QUE SE DENOMINA

39

Nessa perspectiva, a Educação Inclusiva alinha-se à visão educacional

sociocomunitária, uma vez que ambas buscam a emancipação dos sujeitos, respeitando e

significando a sua história e práxis educativa.

Cabe ressaltar também o que o autor enfatiza ao desnaturalizar o caráter natural que às

vezes é atribuído à identidade e à diferença. Para o referido estudioso, identidade e diferença

são sim uma produção cultural e social, que pode e deve ser questionada, uma vez que remete

sempre a uma questão de poder e força em um campo disputado hierarquicamente. “A

identidade e a diferença estão, pois, em estreita conexão com relações de poder. O poder de

definir a identidade e de marcar a diferença não pode ser separado das relações mais amplas

de poder. A identidade e a diferença não são, nunca, inocentes” (SILVA, T. T., 2009, p. 81).

Em tal contexto, coloca-se em xeque a igualdade tão desejada; e as semelhanças, que

são particularidades da infância, acabam esquecidas. Além disso, a ênfase tendenciosamente

continua sendo dada para o diferente, ou para uma diferença negativada, fixada. Nesse

sentido, o que se destaca é a diferença que faz o outro parecer inferior e não a diferença que é

inerente a cada indivíduo, pois muitas vezes a criança deixa de ser conhecida por quem ela é e

passa a ser identificada pela deficiência que possui. A diferença é, assim, pensada valendo-se

da identidade, e esse é o problema. Entretanto, Woodward (2009, p. 28), citando Hall, afirma

que:

Hall argumenta em favor do reconhecimento da identidade, mas não de uma

identidade que esteja fixada na rigidez da oposição binária, tal como as dicotomias

“nós/eles” [...]. Ele sugere que, embora seja construído por meio da diferença, o

significado não é fixo, e utiliza, para explicar isso, o conceito de différance de

Jacques Derrida. Segundo esse autor, o significado é sempre diferido ou adiado; ele

não é completamente fixo ou completo, de forma que sempre existe algum

deslizamento. A posição de Hall enfatiza a fluidez da identidade. Ao ver a

identidade como uma questão de “tornar-se”, aqueles que reivindicam a identidade

não se limitariam a serem posicionados pela identidade: eles seriam capazes de

posicionar a si próprios e de reconstruir e transformar as identidades históricas,

herdadas de um suposto passado comum.

Mesmo assim, as semelhanças entre as crianças com e sem deficiência no universo

escolar infantil que se denomina inclusivo tendem a continuar sendo recusadas, como se não

existissem.

Tomemos como exemplo a semelhança que a maioria das crianças tem com o jogo

simbólico, também chamado de faz de conta, em que elas são capazes de recriar a realidade

por meio de brincadeiras. A criança com deficiência geralmente é avaliada como não tendo

condições de simbolizar com a mesma “grandeza” que aquela sem deficiência, e, nesse

sentido, a différance toma outro rumo e é colocada como sendo algo fixo, imutável e

Page 40: A PRODUÇÃO DA IDENTIDADE E DIFERENÇA DA CRIANÇA …§ão_Elenir... · A PRODUÇÃO DA IDENTIDADE E DIFERENÇA DA CRIANÇA COM DEFICIÊNCIA NO AMBIENTE EDUCACIONAL QUE SE DENOMINA

40

negativo. Prontamente é definido que, se for deficiente, não pode ser aluno “regular”, precisa

ser aluno “especial”. Assim, a diferença é reafirmada de forma rígida e negativa e as

semelhanças são negadas, pois, se a criança é deficiente, ela não pode ser “normal”. Mais uma

vez a similaridade inegável entre as crianças, já que todas elas o são, tende a ser

invisibilizada: “ocorre que nem todas as diferenças, necessariamente, inferiorizam as pessoas.

Há diferenças e há igualdades, e nem tudo deve ser igual e nem tudo deve ser diferente”

(MANTOAN, 2004, p. 16).

A seguir, discutiremos sobre os diferentes tempos e espaços das infâncias e sobre

quanto a criança com deficiência contribui para desestabilizar o caráter da identidade fixada,

padronizada e tida como “normal”.

1.2. SOCIEDADE DE CONTROLE: IMPLICAÇÕES NA PRODUÇÃO DA IDENTIDADE

E DIFERENÇA DA CRIANÇA COM DEFICIÊNCIA

O que é a infância? A pergunta ressoa sem parar. Será que

conseguimos levar a interrogação até onde ela consiga, de

verdade, fazer-mo-nos interrogar?

KOHAN, 2004, s.p.

A referida epígrafe nos interroga acerca do que é a infância. E será que conseguimos

perguntar por que alguns pensam em uma infância marcada pela diferença para a criança com

deficiência? Nesse sentido, a Imagem 8 contribui com o (re)pensar sobre as infâncias e o

lugar que a criança com deficiência ocupa dentro do CEI que se denomina inclusivo.

Na imagem, vemos as crianças brincando livremente. No entanto, esse registro nos

leva a fomentar olhares outros sobre os mecanismos de controles usados na

contemporaneidade para que a produção da identidade e da diferença da criança com

deficiência continue sendo marcada pelas diferenças que a inferioriza e a negativiza.

É tarefa constante e permanente considerar:

O que todo mundo vê nem sempre se viu assim. O que é evidente, além disso, não é

senão o resultado de uma certa disposição do espaço, de uma particular exposição

das coisas e de uma determinada constituição do lugar do olhar. Por isso, nosso

olhar, inclusive naquilo que é evidente, é muito menos livre do que pensamos. E isso

porque não vemos tudo o que o constrange no próprio movimento que o torna

possível. Nosso olhar está constituído por todos esses aparatos que nos fazem ver e

ver de uma determinada maneira. (LARROSA, 1994, p. 43)

Page 41: A PRODUÇÃO DA IDENTIDADE E DIFERENÇA DA CRIANÇA …§ão_Elenir... · A PRODUÇÃO DA IDENTIDADE E DIFERENÇA DA CRIANÇA COM DEFICIÊNCIA NO AMBIENTE EDUCACIONAL QUE SE DENOMINA

41

Imagem 8 – O que é a infância?

Fonte: Arquivo pessoal da autora – 2015.

Fotografia: Elenir Santana Moreira.

Ver de outra maneira é um desafio, pois possibilita olharmos para as crianças como

atores sociais e produtoras de cultura, embora convivamos em uma contemporaneidade

marcada pela sociedade de controle, que apresenta características acentuadas da sociedade

disciplinar bem presente na escola. Um exemplo disso é quando vemos que ainda há uma

busca, um desejo, por crianças dóceis, obedientes, que não subvertam a ordem colocada pela

instituição escolar.

O sujeito disciplinado, desejado pela escola, é decorrente de uma concepção

educacional pensada para a elite em um dado contexto histórico, no qual se idealizou um

indivíduo previsível e normalizado. A partir da democratização da escola, quando esta começa

a receber alunos que se distanciam dessa noção abstrata, universal e elitista, faz-se necessário

conjecturar por que ainda se insiste na busca por um sujeito que não existe.

Nesse sentido, Costa (2004), tomando como base as reflexões do filósofo Gilles

Deleuze sobre o trabalho de Michel Foucault, possibilita-nos compreender o que diferencia a

sociedade disciplinar daquela de controle.

As sociedades disciplinares podem ser situadas num período que vai do século

XVIII até a Segunda Grande Guerra, sendo que os anos da segunda metade do

Page 42: A PRODUÇÃO DA IDENTIDADE E DIFERENÇA DA CRIANÇA …§ão_Elenir... · A PRODUÇÃO DA IDENTIDADE E DIFERENÇA DA CRIANÇA COM DEFICIÊNCIA NO AMBIENTE EDUCACIONAL QUE SE DENOMINA

42

século XX estariam marcados por seu declínio e pela respectiva ascensão da

sociedade de controle. Seguindo as análises de Michel Foucault, Deleuze percebe no

enclausuramento a operação fundamental da sociedade disciplinar, com sua

repartição do espaço em meios fechados (escolas, hospitais, indústrias, prisão...) e

sua ordenação do tempo de trabalho. Ele chamou esses processos de moldagem, pois

um mesmo molde fixo e definido poderia ser aplicado às mais diversas formas

sociais. Já a sociedade de controle seria marcada pela interpenetração dos espaços,

por sua suposta ausência de limites definidos (a rede) e pela instauração de um

tempo contínuo no qual os indivíduos nunca conseguiriam terminar coisa nenhuma,

pois estariam sempre enredados numa espécie de formação permanente, de dívida

impagável, prisioneiros em campo aberto. O que haveria aqui, segundo Deleuze,

seria uma espécie de modulação constante e universal que atravessaria e regularia as

malhas do tecido social. (COSTA, 2004, p. 161).

Assim, “o poder disciplinar se caracteriza pela descentralização, invisibilidade,

onipresença, e implica um controle total do tempo, do corpo e da vida das pessoas” (NEVES,

1997, p. 85), que se manifesta de maneira pulverizada e está presente em todas as relações

sociais.

Já as sociedades de controle regulam os elementos sociais imateriais, agindo

diretamente nas informações, conhecimentos e comunicação, tendo a mídia como sua

principal aliada, perpetrando uma contemporaneidade na qual o poder está em toda parte,

disseminado de maneira horizontal, mas que vincula as diferenças. As sociedades de controle

“transformam-se contínua e rapidamente em outros moldes, impedindo a identificação dos

modelos de moldagem” (NEVES, 1997, p. 86).

Nesse aspecto, as informações, comunicações e conhecimentos, elementos imateriais

da vida social, são usados como forma de poder regulador, como mecanismos de controle,

produzindo representações das diferenças que inferiorizam não só a criança com deficiência.

E de que maneira isso ocorre?

Silva (T. T., 2002, 2009) aponta caminhos possíveis para problematizarmos a

identidade e a diferença de forma que compreendamos como se constituem as dessemelhanças

que inferiorizam a criança com deficiência. Segundo o autor, é necessário não concebermos

simplesmente a identidade pelo normal e anormal, pois “não é verdade que só pode diferir

aquilo que é semelhante. É justamente o contrário: só é semelhante aquilo que difere”

(SILVA, 2002, p. 66).

A identidade, quando é fixada de maneira normatizada, busca um ideal construído de

modo abstrato, que produz um sujeito universal e normal. Este, então, funciona como norma e

com uma identidade normatizada, e quem se distancia dessas produções ganha valores

negativos, inferiores.

Page 43: A PRODUÇÃO DA IDENTIDADE E DIFERENÇA DA CRIANÇA …§ão_Elenir... · A PRODUÇÃO DA IDENTIDADE E DIFERENÇA DA CRIANÇA COM DEFICIÊNCIA NO AMBIENTE EDUCACIONAL QUE SE DENOMINA

43

Precisamos pensar, porém, que “a diferença é mais da ordem da anomalia que da

anormalidade: mais do que um desvio da norma, a diferença é um movimento sem lei”

(SILVA, 2002, p. 66), que solicita um (re)pensar os aprendizados que nos foram ditados como

exclusivos e verdadeiros.

Tais valores negativos, inferiores, produzem uma diferença que é pensada valendo-se

da identidade normatizada, fixada conforme a noção do sujeito abstrato, universal e normal,

pautada em uma concepção de normalidade e anormalidade naturalizada. Desse modo, é

produzida uma diferença naturalizada, que se afasta do que é colocado como normal, que

inferioriza as pessoas que se distanciam da norma que é tida como natural.

Esse valor atribuído de inferioridade, de diferença, necessita ser discutido com base na

construção social e cultural da identidade fixada, pois tudo que se afasta do padrão idealizado

tende a ser desqualificado. A criança com deficiência se distancia, desloca-se desse padrão

imposto, já que ela tem seu modo peculiar de responder e de ser, porque “a diferença não pede

tolerância, respeito ou boa vontade. A diferença, desrespeitosamente, simplesmente difere”

(SILVA, 2002, p. 66).

Então, se a diferença for pensada pela noção da identidade estabelecida pela sociedade

disciplinar, ela será vista de forma negativa, mas “a diferença não tem nada a ver com o

diferente. A redução da diferença ao diferente equivale a uma redução da diferença à

identidade” (SILVA, 2002, p. 66). A intenção não é buscar respostas dicotômicas, fechadas,

ou dizer que devemos tratar todas as pessoas igualmente, pois “conceber e tratar as pessoas

dessa maneira esconde suas especificidades. Porém, enfatizar suas diferenças pode excluí-las

do mesmo modo!” (MANTOAN, 2011, p. 103).

Por isso, identidade e diferença, no contexto de uma sociedade marcada pelo controle

e com características disciplinares, fazem com que pensemos a diferença tendo como base a

identidade normatizada, assim a diferença tende a ser negativada.

Sabemos que não é tarefa fácil visualizar as diferenças que inferiorizam as crianças

com deficiência, considerando que o poder de agora, capilarizado, está em todo lugar,

dissolvido entre os diversos atores sociais; entretanto é pertinente salientar que, mesmo a

contemporaneidade buscando insanamente o controle social, ela não é marcada somente pelo

controle, principalmente quando constatamos que:

A inclusão coloca em xeque a estabilidade da identidade, usualmente compreendida

como algo fixado, imutável; denuncia o caráter artificialmente construído das

identidades existentes, revelando o lado impensado, inexplorado destas e vai de

encontro a todo modelo e padrão identitário tão celebrado pelas escolas.

(MANTOAN, 2011, p. 103)

Page 44: A PRODUÇÃO DA IDENTIDADE E DIFERENÇA DA CRIANÇA …§ão_Elenir... · A PRODUÇÃO DA IDENTIDADE E DIFERENÇA DA CRIANÇA COM DEFICIÊNCIA NO AMBIENTE EDUCACIONAL QUE SE DENOMINA

44

A forma de abordagem do controle muda de acordo com o processo histórico, assim as

identidades e diferenças são produzidas conforme o interesse de cada época. Há uma

necessidade emergente não só de que interpretemos quais são esses interesses, mas,

sobretudo, de que possamos ponderar qual é o nosso próprio interesse, como professoras, em

perpetuar ou não esse modelo de identidade e diferença que inferioriza a criança com

deficiência que nos é apresentado, para não dizer imposto.

Lembrando que, antes de tudo, falamos de crianças e, mais importante,

Cada criança é feita de matéria do mundo, da circulação da vida, das circunstâncias

históricas e sociais, mas, ao mesmo tempo, feita de sonhos, movida por desejos e

sentidos que descobre ou atribui à vida.

A criança não é uma folha em branco a ser escrita, um vaso a ser preenchido, um

autômato a ser programado. Também não é um filhote a ser adestrado (ANTÔNIO,

2013, p. 16)

Os sujeitos dos quais estamos falando precisam do cuidado do adulto, na atenção e

busca de estratégias que possibilitem reconhecer qual é o sentido atribuído às diferenças

produzidas no decorrer dessa sociedade de controle, pois crianças, com deficiência ou não,

necessitam de que suas possibilidades sejam evidenciadas e que suas diferenças sejam

respeitadas “[...] para tornar-se o que é, o que pode vir a ser” (ANTÔNIO, 2013, p. 16).

Concordo com a definição apresentada por Kohan (2004, s.p.), segundo a qual o autor

enfatiza que a intenção não é dizer o que está certo ou errado nas concepções de infância e de

como as crianças devem ou não ser educadas. Isso porque “o que está em jogo não é o que

deve ser (o tempo, a infância, a educação, a política), mas o que pode ser (poder ser como

potência, possibilidade real) o que é”. Para isso, é importante retomarmos a epígrafe

apresentada no início deste capítulo, na qual Kohan (2004) traz um questionamento

preponderante, fazendo-nos refletir acerca da infância e perceber até a que ponto a busca pela

resposta do que é a infância realmente nos interroga e nos faz olhar, ou não, para a identidade

e a diferença.

Para pensar a infância, vou tomar os dois sentidos apresentados pelo referido autor. O

primeiro é o que mais comumente aparece como definição dentro das escolas de educação

infantil, como também no campo de pesquisa investigado:

Uma é a infância majoritária, a da continuidade cronológica, da história, das etapas

do desenvolvimento, das maiorias e dos efeitos: é a infância que, pelo menos desde

Platão, se educa conforme um modelo. Essa infância segue o tempo da progressão

sequencial: seremos primeiro bebês, depois, crianças, adolescentes, jovens, adultos,

Page 45: A PRODUÇÃO DA IDENTIDADE E DIFERENÇA DA CRIANÇA …§ão_Elenir... · A PRODUÇÃO DA IDENTIDADE E DIFERENÇA DA CRIANÇA COM DEFICIÊNCIA NO AMBIENTE EDUCACIONAL QUE SE DENOMINA

45

velhos. Ela ocupa uma série de espaços molares: as políticas públicas, os estatutos,

os parâmetros da educação infantil, as escolas, os conselhos tutelares. (KOHAN,

2004, s.p.)

Nesse sentido, a infância é marcada temporalmente seguindo uma etapa

desenvolvimentista, padronizada e hierarquizada, em que a criança com deficiência foge dos

padrões estabelecidos, não dando conta de neles se inserir.

Todavia, para que outras estratégias sejam evidenciadas e colocadas em prática, a fim

de que pensemos a infância de outro modo, é pertinente que reconheçamos que as crianças

com deficiência são olhadas pela deficiência e pela diferença negativa, exemplo disso, como

já mencionado anteriormente, são as escolas que ainda se pautam na disciplina, em uma

tentativa de controle e nas quais as diferenças são pensadas valendo-se de uma identidade

definida, assim, como bem coloca Silva (T. T., 2009), a “diferença e a identidade tendem a ser

naturalizadas”.

A pretensão deste estudo é possibilitar outras reflexões, com o intuito de ampliar a

compreensão subjetiva referente às implicações na produção da identidade e da diferença da

criança com deficiência. Silva (T. T., 2009, p. 75) colabora nesse sentido, ao dizer que “[...] as

afirmações sobre diferença só fazem sentido se forem compreendidas em sua relação com as

afirmações sobre a identidade”, sendo essas afirmações fruto das criações sociais e culturais.

Koahn (2004) apresenta-nos um segundo modelo para pensar a infância, não no

sentido dicotômico, ou seja, de escolhermos entre um e outro, dizendo “este é certo e aquele o

errado”, mas sim para que pensemos a infância como uma ação que vai além de uma

padronização ou de como queremos que ela seja.

É imprescindível que discorramos sobre uma infância não normalizada ou com uma

identidade não fixada, para que a diferença seja o ponto de partida e favoreça o encontro entre

a criança e o adulto. Dessa forma, tal encontro poderá indicar outras possibilidades de ver e

saber, pois, retomando Larrosa (1994), nosso olhar não é livre, ele vê tomando como base

aquilo que já foi constituído, por isso é fundamental que tenhamos possibilidades de criação e

transformação do que está colocado, padronizado, permitindo-nos fazer outras interrogações

que vão além do tempo cronológico, propiciando-nos ver:

[...] uma outra infância, que habita outra temporalidade, outras linhas, a infância

minoritária. Essa é a infância como experiência, como acontecimento, como ruptura

da história, como revolução, como resistência e como criação. É a infância que

interrompe a história, que se encontra num devir minoritário, numa linha de fuga,

num detalhe; a infância que resiste aos movimentos concêntricos, arborizados,

totalizantes: “a criança autista”, “o aluno nota dez”, “o menino violento”. É a

infância como intensidade, um situar-se intensivo no mundo; um sair sempre do

Page 46: A PRODUÇÃO DA IDENTIDADE E DIFERENÇA DA CRIANÇA …§ão_Elenir... · A PRODUÇÃO DA IDENTIDADE E DIFERENÇA DA CRIANÇA COM DEFICIÊNCIA NO AMBIENTE EDUCACIONAL QUE SE DENOMINA

46

“seu” lugar e se situar em outros lugares, desconhecidos, inusitados, inesperados.

(KOHAN, 2004, s.p.)

Em tal concepção é possível pensarmos nas crianças com deficiência como atores

sociais e produtoras de cultura, mesmo que elas ainda sejam e estejam nos espaços

institucionalizados em menor número, pois o que conta é que elas também têm experiências,

conhecimentos, saberes outros que podem ser compartilhados na riqueza dos encontros com a

sua singularidade.

Assim, fomentar olhares outros, que nos possibilitem provocar um (re)pensar as

diferenças, também requer que compreendamos como temos definido as identidades das

crianças com as quais trabalhamos, pois, com base ainda em Silva (T. T., 2009), ao dizermos

que uma criança é diferente, afirmamos que ela não é igual à outra. Contudo, surgem algumas

questões: Que conceito de igualdade e de diferença é por nós defendido? O conceito da

diferença de que nos apropriamos é o que está conferido aos desviantes, já que, para os

semelhantes, ninguém aponta as diferenças, mas a identidade?

Vale reafirmar que, corriqueiramente, a diferença é muito expressa como desvio e

traduzida como desigualdade, ou, como dito anteriormente, é naturalizada.

Na sociedade de controle, “manipulam-se o gosto e as opiniões através da construção e

veiculação instantânea de sistemas de signos e imagens” (NEVES, 1997, p. 87). Pode-se

concluir que, para reconhecer as crianças como atores sociais e produtoras de cultura, faz-se

necessário, segundo Delgado e Miller (2006), compreendermos que, mesmo com as diferentes

formas de regulação e controle da infância, as crianças têm outras experiências educadoras

que transcendem os espaços escolares. Confrontar as práticas legitimadas nesses setores, nos

diferentes tempos e espaços vividos pelas crianças, é essencial, pois possibilita que sua voz

seja ouvida e suas outras experiências consideradas. Assim, a criança com deficiência também

deve ser vista como sujeito, e não como indivíduo sem história ou marcado pela diferença que

inferioriza.

Elias (apud DELGADO; MILLER, 2006, p. 7) contribui com a discussão ao esclarecer

que o tempo da infância é constituído como produto à mercê do conhecimento, buscando

atender às demandas sociais:

[...] o tempo não é natural, mas uma instituição social fruto de um longo processo de

aprendizagem. Esse aprendizado é histórico, uma vez que o indivíduo só pode

construí-lo a partir de um conjunto de saberes adquiridos. Por outro lado, essa

aprendizagem também é individual, uma vez que desenvolvemos um sistema de

autodisciplinamento a partir dessa instituição social que é o tempo.

Page 47: A PRODUÇÃO DA IDENTIDADE E DIFERENÇA DA CRIANÇA …§ão_Elenir... · A PRODUÇÃO DA IDENTIDADE E DIFERENÇA DA CRIANÇA COM DEFICIÊNCIA NO AMBIENTE EDUCACIONAL QUE SE DENOMINA

47

Assim, conjecturar sobre os diferentes tempos e espaços das infâncias, principalmente

os preestabelecidos por alguns adultos, é algo imprescindível, e, como afirmam Delgado e

Miller (2006, p. 8), possibilita

Descentrar nossos olhares das dimensões físicas e ambientais que instituímos como

as mais adequadas para as crianças, esquecendo-nos muitas vezes de que em outros

espaços também acontecem encontros, desencontros, descobertas e trocas.

Se tomarmos a diferença como o ponto de partida, e não como o ponto de chegada,

constataremos que cada um de nós difere.

Temos o direito a ser iguais quando a nossa diferença nos inferioriza; e temos o

direito a ser diferentes quando a nossa igualdade nos descaracteriza. Daí a

necessidade de uma igualdade que reconheça as diferenças e de uma diferença que

não produza, alimente ou reproduza as desigualdades. (SANTOS, 2003, p. 56)

As crianças com deficiência, nos diferentes espaços e tempos das infâncias, têm muito

a contribuir no e com o ambiente educacional, trazendo outras e diferentes experiências, antes

impensadas dentro de uma prática pedagógica marcada pela disciplina e pelo controle, mas

que hoje já se tornam prováveis, ainda que não sejam idealizadas, mas possíveis de serem

pensadas. Conforme coloca Larrosa (1994, p. 11):

As crianças aprendem a realizar certo tipo de jogo de acordo com certas regras.

Aprendem o que significa o jogo e como jogar legitimamente. E aprendem quem são

elas mesmas e os demais nesse jogo social enormemente complexo e submetido a

formas muito estritas de regulação, no qual a pessoa se descreve a si mesma em

contraste com as demais, no qual a pessoa define e elabora sua própria identidade.

Que possamos mudar o olhar que fomos construindo historicamente sobre as crianças,

para que tenhamos coragem de aprender a jogar com elas um jogo que legitime o direito às

especificidades individuais, em que cada uma e todas tenham o direito de ser e mostrar suas

diferenças e identidades, pois:

Aprender a olhar é racionalizar e estabilizar tanto o olhar quanto o espaço. É

acostumar o olho a deslocar-se ordenadamente, a focalizar de forma conveniente, a

capturar os detalhes significativos. E também converter o espaço, uma simples

cintilação, em uma série de contornos, de formas reconhecíveis, de fundos e figuras,

de continuidades e transformações. Um olhar educado é um olhar que sabe onde e o

que deve olhar. E que sabe, em todo momento, que é que vê. Um olhar que já não se

deixa enganar nem seduzir. Aprender a olhar é, portanto, reduzir a indeterminação e

a fluidez das formas: uma arte da espacialização ordenada, da constituição de

singularidades especializadas, a criação de “quadros”. (LARROSA, 1994, p. 41)

Page 48: A PRODUÇÃO DA IDENTIDADE E DIFERENÇA DA CRIANÇA …§ão_Elenir... · A PRODUÇÃO DA IDENTIDADE E DIFERENÇA DA CRIANÇA COM DEFICIÊNCIA NO AMBIENTE EDUCACIONAL QUE SE DENOMINA

48

É preciso (re)lançar o olhar sobre e para as crianças, com ou sem deficiência, de

maneira que nos permita vê-las como são, oportunizando a elas um outro modo de estar no

mundo, no qual sejam respeitadas como crianças produtoras de cultura. Para isso é necessário,

conforme aponta Barbalho (2007), que resistamos às formas da sociedade de controle,

abandonando falas apodrecidas para poder criar linhas de fuga com falas criativas e vivas.

Page 49: A PRODUÇÃO DA IDENTIDADE E DIFERENÇA DA CRIANÇA …§ão_Elenir... · A PRODUÇÃO DA IDENTIDADE E DIFERENÇA DA CRIANÇA COM DEFICIÊNCIA NO AMBIENTE EDUCACIONAL QUE SE DENOMINA

49

CAPÍTULO II

2. INDO ALÉM DAS TÉCNICAS DE PESQUISA: A CRIANÇA COMO SUJEITO

Uma pesquisa que se propõe a estudar a produção da identidade e da diferença da

criança marcada pela deficiência requer um contato direto com o ambiente e a inserção dos

sujeitos pesquisados. Neste capítulo vou então descrever o trabalho de campo e apresentar os

espaços e sujeitos da pesquisa, tomando como objetivo trazer o vivido pelas crianças com

deficiência em dois CEIs que se denominam inclusivos. Vale enfatizar que, como mencionado

no final do capítulo anterior, essas crianças precisam ter outras oportunidades de ser e estar no

mundo, e pesquisas que se debruçam a estudar esses ambientes e sujeitos podem trazer novos

olhares e atitudes para elas. Como aponta Mantoan (2006a, p. 3), é necessário “rever o que

está por detrás de nossas escolhas e de tudo o que estamos desenvolvendo” em nossas ações

cotidianas e dentro do ambiente educacional que se denomina inclusivo.

A autora ainda salienta:

Cada aluno é um ser, cuja complexidade não se mede de fora e que precisa de

situações estimuladoras para que cresça e avance em todos os aspectos de sua

personalidade, a partir de uma construção pessoal, que vai se definindo e

transmutando a sua identidade, sem um contorno ao qual deverá se conter e tendo

sempre ocasiões de desenvolver-se, criando e atualizando suas possibilidades.

(MANTOAN, 2006a, p. 7)

Nesse sentido, a pesquisa qualitativa e participante propicia maior liberdade para

trabalhar com o fenômeno local, discursivo, que não busca generalizações:

Ela se ocupa, nas ciências sociais, com um nível de realidade que não pode ou não

deveria ser quantificado, ou seja, ela trabalha com o universo dos significados, dos

motivos, das aspirações, das crenças, dos valores e das atitudes. Esse conjunto de

fenômenos humanos é entendido aqui como parte da realidade social, pois o ser

humano se distingue não só por agir, mas por pensar sobre o que faz e por interpretar

suas ações dentro e a partir da realidade vivida e partilhada com seus semelhantes.

(MINAYO, 2012, p. 21)

Tal natureza de pesquisa demanda uma imersão no campo a ser pesquisado, de modo

que o pesquisador possa relacionar-se com os sujeitos da pesquisa. Assim, para que este

estudo abarque seus objetivos, é fundamental inserir-se no local onde os sujeitos pesquisados

estão, de maneira participativa, uma vez que por meio dele:

[...] é possível documentar o não documentado, isto é, desvelar os encontros e

desencontros que permeiam o dia a dia da prática escolar, descrever as ações e

Page 50: A PRODUÇÃO DA IDENTIDADE E DIFERENÇA DA CRIANÇA …§ão_Elenir... · A PRODUÇÃO DA IDENTIDADE E DIFERENÇA DA CRIANÇA COM DEFICIÊNCIA NO AMBIENTE EDUCACIONAL QUE SE DENOMINA

50

representações dos seus atores sociais, reconstruir sua linguagem, suas formas de

comunicação e os significados que são criados e recriados no cotidiano do seu fazer

pedagógico. (ANDRÉ, 1995, p. 41)

Desse modo, o espaço em que atuo como professora de Educação Especial configura-

se em um campo de pesquisa. Apesar disso, não era minha intenção que esse fosse o único

local a ser pesquisado, uma vez que considero oportuna a constituição de meu olhar como

pesquisadora por meio de diferentes deslocamentos, compostos por outros campos e sujeitos

de pesquisa com os quais ainda não tenha familiaridade.

No tocante à pesquisa, optei por dois CEIs, sendo um na região Leste, perto do núcleo

comercial, que descreverei como CEI 1, no qual não sou professora, e outro um pouco mais

afastado da região central, mas também na região Leste, o qual denominarei CEI 2, instituição

na qual atuo.

Os critérios iniciais para a escolha dos referidos CEIs foram:

1. Possuir agrupamento III (AG III);

2. Ter criança com deficiência matriculada e frequentando a sala do AG III;

3. A diretoria da escola, assim como professoras e crianças concordarem com a

realização da pesquisa.

Cabe explicar que no município em que se deu o estudo, os agrupamentos dos CEIs

são organizados de acordo com a faixa etária das crianças, conforme consta no decreto n.

17.657, de 26 de julho de 2012, que “institui o programa de atendimento da central de vagas

escolares no município [...] e dá outras providências”, publicado no Diário Oficial do

Município (DO) do dia 27 de junho de 2012 (PREFEITURA MUNICIPAL DE CAMPINAS,

2012):

I agrupamento I: crianças de 03 (três) meses a 01 (um) ano e 05 (cinco) meses de

idade;

II agrupamento II: crianças de 01 (um) ano e 06 (seis) meses a 02 (dois) anos e 11

(onze) meses de idade;

III agrupamento III: crianças de 03 (três) anos a 05 (cinco) anos e 11 (onze) meses

de idade.

Assim, para dar andamento nos processos da pesquisa, vou aos CEIs e apresento a

proposta para as diretoras, que concordam com a realização do estudo, porém solicitam que o

nome da escola e dos sujeitos participantes não seja revelado, o que se alinha aos princípios

éticos desta pesquisa.

Page 51: A PRODUÇÃO DA IDENTIDADE E DIFERENÇA DA CRIANÇA …§ão_Elenir... · A PRODUÇÃO DA IDENTIDADE E DIFERENÇA DA CRIANÇA COM DEFICIÊNCIA NO AMBIENTE EDUCACIONAL QUE SE DENOMINA

51

Após a autorização recebida, agendo um dia para apresentar a pesquisa às professoras

e às crianças das duas escolas, para que sejam consultadas sobre a aceitação ou não de minha

presença, e se concordam em participar do trabalho.

No momento de minha apresentação, explico para as crianças que sou professora de

Educação Especial e trabalho com crianças com deficiências. Propositalmente, não defino o

que são pessoas com deficiências, pois não quero encharcá-las com os significados que

defendo.

No CEI 1, as crianças não me conhecem, então foi uma surpresa no primeiro dia em

que estive com elas; explico-lhes que vou participar de certos momentos no CEI e que vou

anotar algumas coisas que elas falarão. Assim como as convidarei para fazerem determinados

desenhos. Comento que só participará quem quiser e que elas podem escolher fazer ou não os

desenhos. Com olhar atento e curioso, as crianças me examinam, querem saber diversas

coisas, de modo que são elas quem mais perguntam:

– Quem é você?

– O que você faz aqui?

– Você não é professora! Nós nunca te vimos!

– O que você quer?

–Você vai ao parque com a gente?

– Você vai vir todo dia?

– Você tem filho?

–Você gosta de brincar?

No CEI 2, como as crianças já me conhecem, não estranham minha presença, de modo

que as perguntas feitas no CEI 1 não se repetem, porém ficam curiosas quando começo a

explicar o que desejo e me fazem outros questionamentos. Dando prosseguimento às

apresentações e combinando os dias que irei até os CEIs, fico imaginando com quais nomes

as crianças aparecerão na pesquisa.

Kramer (2002) faz apontamentos relevantes sobre como abordar os nomes de crianças

em pesquisas sem que elas percam sua identidade, e também para que não sejam expostas.

Tais apontamentos nos permitem refletir sobre qual o lugar da criança nesse universo, para

que elas realmente sejam sujeitos de suas histórias e não somente objeto de estudos.

Buscando atender aos princípios éticos da pesquisa, às orientações das diretoras dos

CEIs e também às recomendações do ECA, lei n. 8.069, de 13 de julho de 1990, como forma

de respeitar a integridade das crianças, optei por utilizar nomes fictícios de origem africana,

para homenagear um povo que, assim como as pessoas com deficiência, foi marcado pela

Page 52: A PRODUÇÃO DA IDENTIDADE E DIFERENÇA DA CRIANÇA …§ão_Elenir... · A PRODUÇÃO DA IDENTIDADE E DIFERENÇA DA CRIANÇA COM DEFICIÊNCIA NO AMBIENTE EDUCACIONAL QUE SE DENOMINA

52

diferença negativa que inferioriza, além de esses nomes trazerem à tona uma significação e

produção de sentidos outros, estando sempre arrolados a algum acontecimento cultural.

Para que as narrativas/histórias aqui relatadas tenham mais sentido para quem as ler,

considero pertinente detalhar o campos e os sujeitos da pesquisa, pois assim será possível

saber quem são e de quem de fato estou falando, o que pressuponho poderá contribuir na

composição do imaginário do leitor para criar outras histórias e interrogações.

2.1. DE QUAIS CEIS ESTAMOS FALANDO?

Quadro 3 – Caracterização dos CEIs pesquisados

CARACTERIZAÇÃO DOS

CAMPOS DE PESQUISA

CEI 1

CEI 2

Número de salas e

crianças atendidas

Composto por duas turmas AG

II, em período integral, e quatro

turmas AG III, sendo duas delas

no período da manhã e duas no

período da tarde.

No total, o CEI atende a 171

crianças.

A composição dos agrupamentos

desse CEI é semelhante a do CEI

1, diferenciando-se apenas pelo

número total de crianças

matriculadas, que é de 149.

AG pesquisado AG III, período da manhã, 30

crianças matriculadas.

AG III, período da manhã, 17

crianças matriculadas.

Perfil da família das

crianças

Atende, principalmente, a

famílias da região mais afastada

geograficamente da cidade,

cujas mães trabalham nas

imediações. São famílias que,

pelo fato de estarem

trabalhando, não estão

totalmente dependentes do

aporte dos programas sociais do

governo e demonstram

independência econômica para

sua sobrevivência.

Embora geograficamente não

esteja tão distante da região

central, localiza-se em um local

onde há predominância do tráfico

de drogas, com uma urbanização

não planejada, decorrente de

ocupações desorganizadas, o que

propicia a vulnerabilidade social e

a ausência dos serviços públicos

do Estado e de lideranças

comunitárias, fazendo com que a

maioria das famílias atendidas

precise, ainda, dos programas

sociais do governo.

Fonte: Banco de dados da pesquisa.

Elaboração da autora.

2.2. CONHECENDO OS SUJEITOS DA PESQUISA

Os sujeitos da pesquisa são quatro professoras e dezesseis crianças de 3 a 6 anos, entre

os quais duas crianças têm deficiências, como essas na Imagem 9, na qual vemos um

momento que pode ser traduzido como crianças com deficiência que se movimentam em

busca do desconhecido e com suas mãozinhas buscam o que parecia inalcançável.

Page 53: A PRODUÇÃO DA IDENTIDADE E DIFERENÇA DA CRIANÇA …§ão_Elenir... · A PRODUÇÃO DA IDENTIDADE E DIFERENÇA DA CRIANÇA COM DEFICIÊNCIA NO AMBIENTE EDUCACIONAL QUE SE DENOMINA

53

Imagem 9 – Veja que eu também quero ver

Fonte: Arquivo pessoal da autora – 2015.

Fotografia: Elenir Santana Moreira.

Do CEI 1, participa da pesquisa uma professora que está na função há vinte e dois

anos. É mestranda em educação, tem especialização em educação, é graduada em pedagogia

com habilitação em administração e supervisão escolar. As crianças são sete, entre as quais

uma tem transtorno do espectro do autismo (TEA) 10

.

Do CEI 2, são nove crianças, das quais uma tem síndrome de Down11

e síndrome de

West12

. As oito crianças restantes têm entre 3 e 4 anos e são do mesmo agrupamento da que

tem deficiência. Uma criança tem 5 anos e é de outro AG III. Nesse CEI, três professoras

aceitaram ser participantes da pesquisa. Elas estão na função há mais de vinte anos. Todas são

formadas em pedagogia. Duas delas têm especialização e uma também é educadora física e

está concluindo mestrado em educação.

10

Segundo Mello (2007), é um distúrbio do desenvolvimento humano presente antes dos 3 anos, que afeta áreas

de comunicação, interação social, aprendizado e capacidade de adaptação. 11

Segundo Schwartzman et al. (2003), a síndrome de Down é definida por uma alteração genética, caracterizada

pela presença de um terceiro cromossomo no par 21, o que acarreta a deficiência intelectual. Disponível em:

<http://www.fsdown.org.br/sobreasindromededown/oqueesindromededown/>. Acesso em: 1º mar. 2015. 12

A síndrome de West, como aponta Matta (2007), é um tipo raro de epilepsia. Disponível em:

<http://www.deficienteciente.com.br/2010/07/oqueesindromedewest.html>. Acesso em: 1º mar. 2015.

Page 54: A PRODUÇÃO DA IDENTIDADE E DIFERENÇA DA CRIANÇA …§ão_Elenir... · A PRODUÇÃO DA IDENTIDADE E DIFERENÇA DA CRIANÇA COM DEFICIÊNCIA NO AMBIENTE EDUCACIONAL QUE SE DENOMINA

54

A escolha pelo AG III para realizar a pesquisa, ainda com crianças pequeninas, deu-se

em virtude do desejo de ouvi-las, com foco na sociologia da infância, uma vez que:

Esta noção de socialização na sociologia da infância estimula a compreensão das

crianças como atores capazes de criar e modificar culturas, embora inseridas no

mundo adulto. Se as crianças interagem no mundo adulto porque negociam,

compartilham e criam culturas, necessitamos pensar em metodologias que realmente

tenham como foco suas vozes, olhares, experiências e pontos de vista. (DELGADO;

MILLER, 2005, p. 353)

A pesquisa de campo foi realizada no CEI 1 durante os meses de novembro e

dezembro de 2014, período em que as crianças tinham entre 5 e 6 anos. Nesse CEI, as

crianças apresentam uma relação de afeto com sua professora e também de autonomia, com

liberdade de questionar e propor. Elas não se contentam com qualquer resposta, são

participativas, curiosas, questionadoras, alegres e entendem o lugar da sala como um espaço

de brincadeiras, de troca, parceria e descobertas. A criança com deficiência dessa turma é uma

criança alegre, gosta de ir e estar no CEI. Ela tem TEA, ainda não faz uso da fala para se

comunicar, tem independência para andar. Quando sai da sala, em momentos que não é para

sair, dirige-se especificamente ao parque e vai para um espaço que tem areia. Algum

coleguinha ou a professora sempre vão chamá-lo de volta, que então retorna para a sala. Ele

tem o controle do esfíncter, mas necessita ser lembrado sobre o uso do banheiro.

Em relação às atividades pedagógicas, sua professora diz:

Ele não reconhece e não tem interesse pelas atividades de papel, não reconhecendo

os efeitos que o lápis de cor, canetinha, tinta, giz de cera produzem, mesmo que eu

pegue em sua mão. O que ele mais gosta de fazer, ou que ele dá conta de fazer, é

pegar alguns brinquedos ou peças de jogos e sentar-se no chão e ficar girando de

forma frenética e repetitiva. Comportamento que avalio, que foi intensificado depois

que ele começou a ser atendido em uma o organização não governamental (ONG)

que só atende a pessoas com TEA. (DIÁRIO DE CAMPO, 3/11/2014)

Observando a professora, consigo perceber que ela tem uma relação de autonomia,

confiança e respeito com as crianças. Não há imposição, pois sempre existe negociação e

diálogo. Quando seu aluno com TEA fica alterado, querendo sair ou até mesmo conseguindo

sair da sala, ela se mantém calma.

No CEI 2, a pesquisa foi realizada nos meses de fevereiro a junho de 2015, período em

que as crianças tinham entre 3 e 4 anos. Elas são bem dependentes da professora, acatam as

ordens geralmente sem questionar. Uma criança de 5 anos, do outro AG III, acaba tornando-se

Page 55: A PRODUÇÃO DA IDENTIDADE E DIFERENÇA DA CRIANÇA …§ão_Elenir... · A PRODUÇÃO DA IDENTIDADE E DIFERENÇA DA CRIANÇA COM DEFICIÊNCIA NO AMBIENTE EDUCACIONAL QUE SE DENOMINA

55

sujeito da pesquisa em virtude de minha condição de observadora participante, ao perceber

sua aproximação comigo e com a criança com deficiência.

A criança com deficiência, embora não faça uso da fala para se comunicar e ainda não

tenha formas de expressões, como sorrisos, choros, birras, entre outras, é possível “afirmar”

que ela gosta de estar no ambiente educacional. Durante o período em que fica no CEI, seu

semblante se mantém sereno e não reclama do contato das outras crianças, dos adultos, com

os brinquedos e das diferentes movimentações pelos espaços físicos, como podemos apreciar

na Imagem 10.

Imagem 10 – Infâncias

Fonte: Arquivo pessoal da autora – 2015.

Fotografia: Elenir Santana Moreira.

Ele tem síndrome de Down e síndrome de West, faz uso de cadeira de rodas, pois, em

razão da síndrome de West, tem constantes crises convulsivas que prejudicam o seu

desenvolvimento motor. Precisa do adulto para suprir suas necessidades básicas, como no

horário das refeições, pois não consegue se alimentar sozinho, não consegue segurar talher ou

copo. Para se locomover ou conseguir brincar, precisa de ajuda, pois ainda não consegue

segurar objetos ou brinquedos. Faz uso de fraldas (não tem controle do esfíncter). Com

relação às professoras, elas têm uma excelente percepção da necessidade corporal e cognitiva

das crianças, permitindo que se expressem de diferentes maneiras e que, juntas, participem de

tudo que é proposto, como vemos na Imagem 11.

Page 56: A PRODUÇÃO DA IDENTIDADE E DIFERENÇA DA CRIANÇA …§ão_Elenir... · A PRODUÇÃO DA IDENTIDADE E DIFERENÇA DA CRIANÇA COM DEFICIÊNCIA NO AMBIENTE EDUCACIONAL QUE SE DENOMINA

56

Imagem 11 – Juntos aprendemos melhor

Fonte: Arquivo pessoal da autora – 2015.

Fotografia: Elenir Santana Moreira.

2.3. ESCOLHENDO CAMINHOS

Sendo esta uma pesquisa em que as crianças são os principais atores sociais, Kramer

(2002) faz-nos refletir acerca da maneira como concebemos as infâncias e de que forma

oportunizamos que as crianças sejam protagonistas de seus próprios saberes. Para isso, é

fundamental que não nos descuidemos das questões éticas que envolvem as pesquisas com

crianças, mas que muitas vezes não são consideradas:

Quando trabalhamos com um referencial teórico que concebe a infância como

categoria social e entende as crianças como cidadãos, sujeitos da história, pessoas

que produzem cultura, a ideia central é a de que as crianças são autoras, mas

sabemos que precisam de cuidado e atenção (KRAMER, 2002, p. 42)

Com esse enfoque, a seleção dos procedimentos de construção de dados passa a ser

cuidadosamente analisada, de modo que possa mostrar caminhos que evidenciem ou que

levem às reflexões sobre os problemas alçados nesta pesquisa. Assim, as estratégias

escolhidas foram: questionários, diário de campo, observação participante, desenhos,

fotografias e narrativas.

O questionário foi organizado de forma que influenciasse o mínimo possível as

respostas, para que as professoras pudessem contribuir com seus conhecimentos e

Page 57: A PRODUÇÃO DA IDENTIDADE E DIFERENÇA DA CRIANÇA …§ão_Elenir... · A PRODUÇÃO DA IDENTIDADE E DIFERENÇA DA CRIANÇA COM DEFICIÊNCIA NO AMBIENTE EDUCACIONAL QUE SE DENOMINA

57

posicionamentos relacionados à inclusão das pessoas com deficiências, além de que os

conceitos por elas defendidos não fossem omitidos. Entretanto, ao fazer a solicitação para que

respondessem ao questionário, as professoras fazem alguns questionamentos:

– Quanto tempo demora para responder?

– É sobre o quê?

– Tenho de dizer de verdade o que eu penso da inclusão?

– Quem vai ler as minhas respostas?

– Quantas perguntas são?

Retomo o diálogo que tivemos quando a pesquisa foi apresentada e coloco-me a

explicar a diferença entre um questionário e uma entrevista semiestruturada. Todas as

professoras fazem a opção de responder ao questionário m que as perguntas já estejam

determinadas, porém as professoras do CEI 2 solicitam que as perguntas sejam reduzidas de

dezesseis para cinco, e no CEI 1 permanecem as dezesseis questões. A justificativa

apresentada por elas é a da praticidade, aliada à questão da falta de tempo. Argumentam ainda

que perguntas fechadas, no formato de questionário, podem ser respondidas de maneira mais

objetiva.

Mediante a tais solicitações, é possível perceber que o questionário com perguntas

fechadas permite maior estabilidade e comodidade nas respostas, pois não há possibilidades

de discordância entre entrevistado e entrevistador. Já a solicitação na redução de dezesseis

para cinco perguntas pode indicar, talvez, o receio de contradição das respostas. Atendo ao

pedido porque essas perguntas só têm sentido se forem respondidas pelas professoras do

espaço onde a pesquisa esta sendo realizada. São essas respostas que me interessam. Então,

entre as dezesseis perguntas, são selecionadas cinco que, a meu ver, não podem ficar sem

respostas, considerando o objetivo da pesquisa em andamento.

O diário de campo é uma ferramenta fundamental, pois me traz à memória lembranças

que não podem ser esquecidas, e que solicitam uma investigação mais detalhada. O diário de

campo me ajuda a compor os diversos caminhos percorridos. Nesse instrumental, a minha

subjetividade está intensamente presente, de forma que registro sutilezas que possam estar

ligadas ao tema pesquisado, que podem ser desde o olhar de uma criança a de um adulto.

Já a observação participante ocorre sempre com o cuidado de um reaprender a ouvir as

professoras e, principalmente, as crianças. O ouvir como forma de entender “que entrar na

vida das outras pessoas é tornar-se um intruso, faz-se necessário obter permissão, que vai

além da que é dada sob formas de consentimento, e isso raramente é feito com as crianças”

(DELGADO; MILLER, 2005, p. 355).

Page 58: A PRODUÇÃO DA IDENTIDADE E DIFERENÇA DA CRIANÇA …§ão_Elenir... · A PRODUÇÃO DA IDENTIDADE E DIFERENÇA DA CRIANÇA COM DEFICIÊNCIA NO AMBIENTE EDUCACIONAL QUE SE DENOMINA

58

Os desenhos são utilizados pela perspectiva que Gobbi (2005, 2008) coloca, a qual

considero oportuna para esta pesquisa, uma vez que:

É um fragmento que permite, aos olhos sensíveis, refletirem e aprenderem mais

sobre os meninos e meninas, ou mesmo sobre seu processo de criação, considerando

que são criações e recriações de diferentes realidades. Concebendo a criança como

construtora de culturas, seus desenhos podem ser vistos como suportes que revelam

aspectos diversos das próprias culturas nas quais está inserida. (GOBBI, 2008, p.

136)

As crianças, por meio de desenhos, podem expressar suas ideias sobre a identidade e a

diferença do colega com deficiência, e nós a ouvimos não pela perspectiva de análise

psicológica, mas sim na busca de uma reflexão sobre que narrativas elas trazem ao desenhar o

seu colega com deficiência, pois:

[...] o desenho infantil surge como centro de discussão; conjugado “a oralidade”. Ele

é apresentado aqui como instrumento que pode ser utilizado quando queremos

conhecer mais e melhor a infância das crianças pequenas e bem pequenas, o que

ainda nos é bastante desconhecido sobre vários aspectos. (GOBBI, 2005, p. 70)

A apresentação dos desenhos das crianças não ocorre no intuito de avaliá-los ou de

inferir uma interpretação pautada no olhar do adulto. Com as crianças pequeninas, de 3 e 4

anos, não utilizo o desenho, mas sim fotografias. É pertinente dizer que o que me conquista

com o uso das fotografias é a possibilidade de (re)olhar para algo que poderia passar

despercebido. É ver a relação estabelecida, em um dado momento, entre as crianças com e

sem deficiências e analisar o que é possível ver além do que é dito, que carece de um olhar

atento, mas na maioria das vezes pode passar sem ser visto:

A fotografia é, na verdade, um constante convite à releitura, a uma forma diversa de

ordenar o texto imagético. Pode ser olhada muitas vezes, em diferentes ordens e

momentos, pode ter outras interpretações: ela é sempre outra foto ali presente, pois

uma foto se transforma cada vez que é contemplada, revive a cada olhar (KRAMER,

2002, p. 52)

A fotografia é utilizada também como uma busca incessante de interstícios, para

propiciar que a criança pequena, com e sem deficiência, narre-se e também aponte as

narrativas que estão sendo produzidas ao seu redor, para ela, com ela e por ela. Exemplo bem

marcante foi o dia em que os pneus da cadeira de rodas de Amir estavam vazios e precisavam

ser enchidos. Procurei uma bomba de ar e uma pessoa que pudesse ajudar. Vêm o vigilante e

o servente do CEI e começam a encher o pneu. Um deles segura a bomba de ar e o outro o

Page 59: A PRODUÇÃO DA IDENTIDADE E DIFERENÇA DA CRIANÇA …§ão_Elenir... · A PRODUÇÃO DA IDENTIDADE E DIFERENÇA DA CRIANÇA COM DEFICIÊNCIA NO AMBIENTE EDUCACIONAL QUE SE DENOMINA

59

pneu, afinal não é tarefa tão simples fazer a manutenção em uma cadeira de rodas,

principalmente porque não são todos os anos que temos esses alunos no CEI.

Imagem 12 – Enchendo o pneu

Fonte: Arquivo pessoal da autora – 2015.

Fotografia: Elenir Santana Moreira.

Continuamos as atividades corriqueiras da sala, porque os pneus estavam demorando

mais do que eu tinha imaginado para serem enchidos. As crianças olham e logo voltam para a

atividade em que estão envolvidas, mas há um garoto que se envolve por inteiro na cena da

cadeira de rodas. Ele deita-se no chão para ver melhor. Quer compreender o processo do

conserto e também onde ficaria o Amir caso os dois ajudantes não conseguissem finalizar o

trabalho.

Não demoro, porque as crianças são exploradoras, então apanho o celular e

rapidamente capturo a Imagem 13, a seguir.

Page 60: A PRODUÇÃO DA IDENTIDADE E DIFERENÇA DA CRIANÇA …§ão_Elenir... · A PRODUÇÃO DA IDENTIDADE E DIFERENÇA DA CRIANÇA COM DEFICIÊNCIA NO AMBIENTE EDUCACIONAL QUE SE DENOMINA

61

Dessa maneira, as fotografias são capturadas em uma escolha de imagens produzidas

no contexto educacional, objetivando reconhecer produções de sentidos que possam levar a

uma sensibilidade para indicar os desafios de dizer o que não é dito com palavras, mas sentido

e vivido pelas crianças.

Busco os detalhes, e não apresentar fotografias com imagens diretas das crianças,

como chamo, nesse caso, as fotos posadas, e de indiretas aquelas que buscam minúcias

significativas para um determinado contexto. Minúcias que possam denunciar e anunciar a

produção da identidade e da diferença da criança pequena com deficiência e que ainda não

fala. Por isso, faço a sequência de recortes nas fotografias, afunilando as imagens, visando

apontar para detalhes cada vez menores que nem sempre são vistos, de forma que a imagem

possa inspirar o que quero ressaltar para constituir o olhar do leitor.

À medida que parto das fotos amplas e vou dirigindo o olhar do leitor para os recortes,

para mostrar os detalhes que quero, é possível salientar as linhas de fugas pelas quais as

crianças com deficiências escapam.

Considero que tais imagens possam contribuir significativamente como apoio às

narrativas não faladas da criança pequenina com ou sem deficiência, uma vez que ela pode

ainda não ter o recurso oral para manifestar-se, pois “resgatar a memória e recontar a história

é ressignificar o olhar” (KRAMER, 2002, p. 52).

As narrativas serão colocadas no sentido de que:

Há, assim, uma outra escritura a aprender: aquela que talvez se expresse com

múltiplas linguagens (de sons, de imagens, de toques, de cheiros etc.) e que, talvez,

não possa ser chamada mais de “escrita”; aquela que não obedeça à linearidade de

exposição, mas que teça, ao ser feita, uma rede de múltiplos, diferentes e diversos

fios; aquela que pergunte muito além de dar respostas; aquela que duvide no próprio

ato de afirmar, que diga e desdiga, que construa outra rede de comunicação, que

indique, talvez, uma escrita-fala, uma fala-escrita ou uma fala-escrita-fala. Ou seja,

a questão da narratividade não unicamente no contar, oralmente, um fato, mas em

transcrevê-lo de uma determinada maneira. Tem a ver, assim, tanto com a linguagem

oral que conta como com a linguagem escrita que reconta. (ALVES, 2000, p. 4)

Uma vez que as narrativas perpassam a observação participante, os desenhos e as

fotografias estão presentes em cada uma delas. Ouvir as narrativas das crianças pequenas

requer que busquemos compreender sua história vivida:

Mas, não podemos esquecer que não temos acesso direto à experiência dos outros,

lidamos apenas com representações dessa mesma experiência por meio do ouvir

contar, dos textos, da interação que se estabelece e das interpretações que são feitas.

(GALVÃO, 2005, p. 330)

Page 61: A PRODUÇÃO DA IDENTIDADE E DIFERENÇA DA CRIANÇA …§ão_Elenir... · A PRODUÇÃO DA IDENTIDADE E DIFERENÇA DA CRIANÇA COM DEFICIÊNCIA NO AMBIENTE EDUCACIONAL QUE SE DENOMINA

62

Essa reinterpretação precisa considerar também a subjetividade presente nas narrativas

e possibilitar uma busca por ouvir a voz das crianças, permitindo dar-lhe sentido.

A minha escuta para as narrativas infantis e as histórias que as constituem é percebida

pelo lugar que ocupo, que busca, incansavelmente, reconhecer e significar o direito da criança

de ser reconhecida como produtora de cultura.

2.4. CONSTRUÇÃO DE DADOS NO CEI 1 E CEI 2

Para melhor visualização da construção dos dados da pesquisa, apresento no Quadro 4,

de maneira resumida, as estratégias adotadas.

Quadro 4 – Estratégias para a construção de dados

ESTRATÉGIAS PARA A

CONSTRUÇÃO DE DADOS

CEI 1

CEI 2

Questionários Questionário apresentando

dezesseis questões (Apêndices

A e B)

Questionário apresentando cinco

questões (Apêndices A e B)

Observação participante Realizada em sala, com

anotações em diário de campo

com palavras estratégicas.

Realizada em diversos espaços,

como: organização inicial do dia,

horário do lanche, parque, casa de

brinquedos, horário da entrada,

horário da saída e atividade

extraclasse, com anotações em diário

de campo utilizando palavras

estratégicas.

Diário de campo Utilizado todos os dias em que a

pesquisa foi realizada, para

anotações dos registros escritos.

Utilizado todos os dias em que a

pesquisa foi realizada, para

anotações dos registros escritos.

Desenhos Cada criança faz dois desenhos,

sendo um de livre escolha de

um colega da sala e o outro do

colega com deficiência.

Segue o mesmo procedimento,

porém é solicitado apenas para uma

criança que já tem 5 anos e que é de

outro AG.

As crianças do mesmo AG fazem um

desenho espontâneo para presentear

o amigo no dia do seu aniversário.

Fotografias Esse recurso não foi usado em

virtude de as crianças

participantes da pesquisa

conseguirem se expressar

oralmente e por meio do

desenho.

Capturo imagens que permitem fazer

interpretações.

Narrativa A escrita das narrativas no

diário de campo é realizada com

palavras significativas e

posteriormente descrita em

forma de texto narrativo.

Igualmente como no CEI 1, fazendo

anotações no diário de campo.

Fonte: Banco de dados da pesquisa.

Elaboração da autora.

Page 62: A PRODUÇÃO DA IDENTIDADE E DIFERENÇA DA CRIANÇA …§ão_Elenir... · A PRODUÇÃO DA IDENTIDADE E DIFERENÇA DA CRIANÇA COM DEFICIÊNCIA NO AMBIENTE EDUCACIONAL QUE SE DENOMINA

63

2.5. PROCEDIMENTOS DE DISCUSSÃO DE DADOS

Os procedimentos de análise e discussão de dados visam identificar como o corpus

coletado é atravessado por outras vozes e como este revela, ou não, as marcas que alunos sem

deficiências e as professoras atribuem às crianças com deficiência. Marcas que vão

produzindo a identidade e a diferença desses alunos, mesmo considerando que:

[...] as narrativas podem incluir dados que sem nenhuma precisão são fixados e

repetidos, tais como: uma “pitada” de sal, “algumas” folhas, “certos” exercícios,

uma história “engraçada”, uma “solução” para um problema, um “modo de fazer” os

alunos escreverem um texto maior, uma “indicação” de como ler um livro fazendo

anotações e garantindo a escrita a seguir, etc. (ALVES, 2000, p. 6)

Nesse sentido, as narrativas ou práticas discursivas e não discursivas aqui apresentadas

têm a perspectiva de expor situações ocorridas no período de construção de dados que

provocam em mim deslocamentos capazes de me fazer repensar o que parecia tão certo, tão

dado, tão inquestionável, uma vez que:

Cada manhã, recebemos notícias de todo o mundo. E, no entanto, somos pobres em

histórias surpreendentes. A razão é que os fatos já nos chegam acompanhados de

explicações. Em outras palavras: quase nada do que acontece está a serviço da

narrativa, e quase tudo está a serviço da informação. Metade da arte narrativa está

em evitar explicações. (BENJAMIN, 1987a, p. 7)

A intenção é que este trabalho provoque no leitor outra possibilidade de ler as

narrativa/histórias aqui apresentadas, e que não sejam aquelas que eu direcione, mas as que

ele for capaz de alcançar, sem que se limitem suas possibilidades de compreensão, pois:

Considerar narrativas como formas de tecer currículos pode ser esboçada a partir das

inspirações teóricas advindas da leitura da obra de Walter Benjamin. Para ele, a

narrativa de vida possibilita a ressignificação da própria experiência no seu fazer do

cotidiano, na relação entre o eu e o outro, nos acontecimentos que nos deixam

marcas de experiências vividas e não apenas vivências sem experiências, através de

memórias conscientes e inconscientes cheias de significados, sentimentos e sonhos.

(ROSA et al., 2011, p. 202)

Assim, é fundamental que tenhamos uma escuta cuidadosa para conjecturar sobre

quais são as vozes que atravessam as narrativas das crianças e as respostas escritas das

professoras, como a criança sem deficiência narra o seu colega com deficiência e as possíveis

linhas de fuga por ela utilizadas.

Page 63: A PRODUÇÃO DA IDENTIDADE E DIFERENÇA DA CRIANÇA …§ão_Elenir... · A PRODUÇÃO DA IDENTIDADE E DIFERENÇA DA CRIANÇA COM DEFICIÊNCIA NO AMBIENTE EDUCACIONAL QUE SE DENOMINA

64

Quadro 5 – Procedimentos para a construção de dados

PROCEDIMENTOS PARA A

CONSTRUÇÃO DE DADOS

CEI 1

CEI 2

Questionários A professora participante

escolhe responder ao

questionário em vez de fazer a

entrevista semiestruturada.

Concorda em responder a

dezesseis questões.

Envia as respostas por

e-mail.

As três professoras escolhem

responder ao questionário, desde

que o número de questões seja

reduzido para cinco.

Enviam as respostas por e-mail.

Diário de campo É utilizado para registrar de

forma escrita as narrativas dos

pesquisados e a minha própria

impressão das narrativas que

mais me provocam

deslocamentos.

Igualmente utilizado como no

CEI 1

Observações

participantes

Registro as narrativas com base

nos desenhos. Nesses

momentos, busco compreender

quais narrativas das crianças

sem deficiência são

direcionadas àquelas com

deficiência e que sentidos lhes

são atribuídos.

Na maioria das vezes, é realizada

nos momentos em que as crianças

estão em sala, em atividades

dirigidas ou brincando

livremente, mas foi necessário um

tempo maior, com minha

participação em diversos espaços

do CEI.

A necessidade de expandir a

observação participante para

diversos locais foi em decorrência

da pouca idade das crianças, uma

vez que a forma de comunicação

delas requer maior atenção.

O registro das observações foi

realizado no diário de campo.

Desenhos Fico no ambiente do desenho e

convido, individualmente, as

crianças para participarem desse

espaço. A participação ou não

da criança se dá pela livre

escolha em participar, por isso,

das trinta crianças matriculadas,

participam somente sete. O

convite é feito por meio da

interação, do diálogo, e não da

imposição. A proposta de ser

individual e não coletiva é para

que os desenhos e narrativas

possam sofrer menos influências

externas, ou seja, serem menos

determinados pelas narrativas

dos outros colegas.

Das dezessete crianças

matriculadas, oito participam da

pesquisa.

As demais informações são como

as do CEI 1.

Fotografias Tal recurso não foi usado As fotos são tiradas com celular

ou tablet; com base em cenas que

pudessem servir como narrativas.

Antes de começar a utilizar o

tablet como recurso do registro

das observações, permiti que as

crianças o explorassem e

soubessem o que era possível

Page 64: A PRODUÇÃO DA IDENTIDADE E DIFERENÇA DA CRIANÇA …§ão_Elenir... · A PRODUÇÃO DA IDENTIDADE E DIFERENÇA DA CRIANÇA COM DEFICIÊNCIA NO AMBIENTE EDUCACIONAL QUE SE DENOMINA

65

fazer com o aparelho, de modo

que ouvimos músicas, assistimos

a vídeos curtos, gravamos nossa

voz, tiramos e vimos fotos,

fizemos e assistimos a vídeos da

turma.

Narrativas As narrativas das crianças e das

professoras escolhidas para

serem analisadas são colhidas

tomando como base a

observação participante,

combinada com fotografias,

conversas informais com as

crianças, registros em diário de

campo e respostas orais.

O procedimento é igual ao CEI 1

Fonte: Banco de dados da pesquisa.

Elaboração da autora.

Page 65: A PRODUÇÃO DA IDENTIDADE E DIFERENÇA DA CRIANÇA …§ão_Elenir... · A PRODUÇÃO DA IDENTIDADE E DIFERENÇA DA CRIANÇA COM DEFICIÊNCIA NO AMBIENTE EDUCACIONAL QUE SE DENOMINA

66

CAPÍTULO III

3. CAMINHOS PERCORRIDOS POR HISTÓRIAS TÃO SONHADAS

E agora? Pesquisa de campo finalizada, inúmeros dados de pesquisa, mas como

selecioná-los?

Olho para tudo o que tenho coletado e penso: O que faço com tudo isso? Por que esse

dado e não aquele? A imagem do caminho imediatamente me vem à memória, rememorando

o dia em que levamos as crianças ao zoológico. A diferença é que as crianças pareciam não

ter dúvidas, elas sabiam o caminho que queriam seguir.

Imagem 15 – Desvendando caminhos

Fonte: Arquivo pessoal da autora – 2015.

Fotografia: Elenir Santana Moreira.

É hora de retornar ao tema da pesquisa e ao objetivo fazendo uma seleção minuciosa

entre a construção de um dado e outro, compreendendo que para selecionar às vezes é preciso

saber se afastar.

Assim como nos fala Benjamin (1987a, p. 7), a informação precisa ser compreensível,

necessita ter uma explicação, é por isso que as narrativas/histórias que se seguem não são

informativas, pois:

Page 66: A PRODUÇÃO DA IDENTIDADE E DIFERENÇA DA CRIANÇA …§ão_Elenir... · A PRODUÇÃO DA IDENTIDADE E DIFERENÇA DA CRIANÇA COM DEFICIÊNCIA NO AMBIENTE EDUCACIONAL QUE SE DENOMINA

67

[...] o extraordinário e o miraculoso são narrados com a maior exatidão, mas o

contexto psicológico da ação não é imposto ao leitor. Ele é livre para interpretar a

história como quiser, e com isso o episódio narrado atinge uma amplitude que não

existe na informação.

De tal modo, narro como vejo as crianças, não de maneira impositiva, mas de modo

que também me permita rememorar as histórias vividas, retomando meu diário de campo,

vendo o que anotei sobre os sujeitos pesquisados e o que eles, ao mesmo tempo, “anotaram”

em mim. São algumas dessas narrativas que compartilho aqui.

O título dessas narrativas apresentadas é iniciado com a palavra “caminho”, por ser

uma palavra da qual sempre gostei e também por seu significado ser tão próximo e íntimo do

sentido que as narrativas podem nos provocar.

O dicionário Aurélio apresenta a seguinte definição para o referido vocábulo:

1. Nome genérico de todas as faixas de terreno que conduzem de um a outro lugar.

2. Estrada, atalho, vereda.

3. Espaço que se percorre.

4. Direção.

5. Meio, via.

6. Destino.

7. Rumo.

8. Arrepiar caminho: voltar para trás.

9. Caminho coimbrão: ramerrão, rotina.

10. Caminho de cabras: caminho estreito, íngreme e acidentado.

11. Caminho de posto: caminho por onde se transita por costume.

3.1. CAMINHO 1: O DIA TÃO ESPERADO

O dia tão esperado de iniciar a pesquisa de campo finalmente havia chegado. Eu estou

visivelmente curiosa por ouvir as narrativas e os saberes das crianças relacionadas à temática

estudada. No primeiro dia da observação participante no CEI 1, chego antes de começar a

conversa inicial, momento em que a professora organiza as atividades do dia, com as crianças

sentadas em cadeiras e em círculo. Nesse espaço, cada uma delas pode falar aquilo que tem

vontade. Em conversa anterior com a professora, solicito que ela não conte para as crianças o

que eu vou fazer ali, quero que elas digam suas impressões sem serem orientadas a uma

resposta, uma vez que a pesquisa consiste em ouvir as narrativas e os saberes das crianças

com o mínimo de intervenção possível.

A professora então me apresenta para as crianças dizendo que eu também sou

professora e vou participar da roda da conversa. Feito isso, prossegue como de costume, ora

fazendo perguntas, ora respondendo àquelas feitas pelas crianças, ora ouvindo.

Page 67: A PRODUÇÃO DA IDENTIDADE E DIFERENÇA DA CRIANÇA …§ão_Elenir... · A PRODUÇÃO DA IDENTIDADE E DIFERENÇA DA CRIANÇA COM DEFICIÊNCIA NO AMBIENTE EDUCACIONAL QUE SE DENOMINA

68

Percebo logo que são crianças curiosas, críticas e falantes. Constato, então, a

oportunidade de fazer a primeira pergunta:

Vocês têm algum amigo diferente?

Pronto! Primeira pergunta lançada. Quais serão as respostas? A minha escuta agora

parece ser outra, ouvidos atentos, coração em disparada, olhos bem abertos, a emoção

precisando ser controlada, pois preciso saber ouvir com ouvidos de pesquisadora, como quem

quer desvendar um mistério.

Em meio a um turbilhão de fantasias, Lulu13

, uma garotinha de 6 anos, fisicamente

bem maior que as outras crianças e também atenta para ser a primeira a responder a todas as

perguntas, prontamente diz:

Sim. Essas duas aqui ó [apontando o dedo para duas colegas que estavam à sua

frente], uma é branquinha e a outra é branquinha e usa óculos e esmalte.

Ela marca a diferença, primeiramente, por um fenótipo, mas em seguida sugere a

diferença ligada a assessórios, que são os óculos e o esmalte nas unhas da amiguinha. Sem ter

tempo de tecer outra reflexão, Lulu completa:

– E tem o Kamau14

, porque ele grita e fica pulando o dia inteiro [referindo-se ao

colega que tem TEA, que estava em pé perto da lousa no canto esquerdo da sala].

Imediatamente penso: Será que ela percebe a diferença a partir da deficiência que

Kamau tem? Então levanto outro questionamento:

– O que você acha quando o Kamau grita?

– Normal.

– O que é normal?

– Não sei.

Então explica com suas palavras:

– Normal é tudo bem!

Lulu não aponta a diferença baseando-se na deficiência de Kamau, ela apresenta algo

que ele faz e que provavelmente chama sua atenção, destacando como “ele grita e fica

13

Significa: Uma pérola. 14

Significa: Guerreiro quieto.

Page 68: A PRODUÇÃO DA IDENTIDADE E DIFERENÇA DA CRIANÇA …§ão_Elenir... · A PRODUÇÃO DA IDENTIDADE E DIFERENÇA DA CRIANÇA COM DEFICIÊNCIA NO AMBIENTE EDUCACIONAL QUE SE DENOMINA

69

pulando o dia inteiro”, mas para ela o gritar e pular é “normal”, e normal significa “tudo

bem”.

A conversa prossegue, então faço outra pergunta:

– Tem alguma criança com deficiência aqui nesta sala?

Insisto, pois estou com o objetivo da pesquisa impresso em minha mente, é como se

necessitasse saber se a criança sem deficiência visse ou não o colega deficiente tomando

como base a identidade e da diferença marcada pela deficiência ou por aquilo que ele é.

Gyasi15

é um garoto que, enquanto os colegas estão sentados conversando, distrai-se e

se movimenta brincando com o próprio corpo e com o cadarço dos tênis. Parece estar alheio à

conversa, mas é pura impressão de adulto, porque ele se volta para a roda e pergunta:

– O que é deficiente?

A pergunta soa displicente, como que perguntando o significado de uma palavra

desconhecida, nova, pouco comum ao seu repertório. Mesmo assim, como minha intenção,

nesse primeiro dia, é ouvir as narrativas, os saberes das crianças e provocar algumas

inquietações, fico quieta. Percebo que ele busca o meu olhar, como solicitando uma resposta,

mas não digo nada, e ele continua:

– Tem ele [apontando para o colega ao lado], porque ele corre no parque e cai.

A resposta de Gyasi comprova quanto o assunto o instiga e que ele não desistiria

facilmente de querer compreender o que estava sendo dito, principalmente porque o garoto

que ele apontou ao dizer “[...] ele corre e cai” era um colega que não tinha deficiência.

Outra criança repete a pergunta:

– O que é deficiente?

Urenna16

imediatamente responde:

– É uma criança diferente da outra.

15

Significa: Maravilhoso. 16

Significa: Orgulho do pai.

Page 69: A PRODUÇÃO DA IDENTIDADE E DIFERENÇA DA CRIANÇA …§ão_Elenir... · A PRODUÇÃO DA IDENTIDADE E DIFERENÇA DA CRIANÇA COM DEFICIÊNCIA NO AMBIENTE EDUCACIONAL QUE SE DENOMINA

70

A resposta de Urenna mostra que ir ao encontro da criança com deficiência requer que

nos dissipemos das apreciações pré-formadas e consideradas verdadeiras, pois “a ideia de

identidade móvel desconstrói o sistema de significação escolar excludente, normativo, elitista,

com suas medidas e mecanismos de produção da identidade e da diferença” (MANTOAN,

2004, p. 16).

Mesmo com essa criança apresentando o conceito da diferença com a ideia da

identidade móvel, com o desígnio de causar mais reflexão, pergunto:

– Nessa sala todo mundo é igual?

Akil logo responde:

– Não! Por que todo mundo tem o cabelo diferente.

Outra menina também responde: – Eu tenho uma irmãzinha que era mais ou menos igual. Agora essa amiga é igual a

mim, porque ela usa óculos.

Akil, ao dizer “todo mundo tem o cabelo diferente”, e a outra menina, ao proferir “ela

usa óculos”, não se referem a uma representação rígida, única, mas “à representação que não

é, nessa concepção, nunca, representação mental ou interior. A representação é, aqui, sempre

marca ou traço visível ou exterior” (SILVA, T.T., 2009, p. 91), como aquela que pode atribuir

sentido à identidade.

Segundo Silva (T. T., 2009), a identidade e a diferença não representam algo natural,

elas são criadas socialmente e as representações das identidades e diferenças requerem que o

poder as defina.

3.2. O QUE AS CRIANÇAS NOS DIZEM É O QUE IMAGINAMOS E QUEREMOS

OUVIR?

A diferença não é absoluta, pois sempre se é diferente em relação a algo. Isso pode ser

exemplificado com a narrativa de Abayomi17

, garoto que se torna sujeito da pesquisa por

apresentar atitudes inquietantes perante o outro, o diferente dele, o que lhe causa estranheza.

A todo o momento, Abayomi parece querer desvendar quem é esse outro, ou quem é ele

próprio, tanto que se torna sujeito desta pesquisa em virtude de sua voluntária aproximação

comigo.

17

Significa: Nascido para me trazer alegria.

Page 70: A PRODUÇÃO DA IDENTIDADE E DIFERENÇA DA CRIANÇA …§ão_Elenir... · A PRODUÇÃO DA IDENTIDADE E DIFERENÇA DA CRIANÇA COM DEFICIÊNCIA NO AMBIENTE EDUCACIONAL QUE SE DENOMINA

71

A espontaneidade de Abayomi deixa muitos adultos intrigados, para isso vou

contextualizar algumas de suas narrativas, visando capturar o leitor, permitindo-lhe uma

inserção maior em tais histórias.

É o segundo ano de Abayomi no CEI 2, mas é o primeiro ano de Amir, criança de 3

anos que tem síndrome de Down e síndrome de West. Amir faz uso de cadeira de rodas, o que

causa a estranheza entre os novos colegas, além disso não engatinha e não fala. A primeira

vez em que Abayomi, de 5 anos, que é aluno de outro AG III, vê Amir, o novo colega na

cadeira de rodas, sendo acompanhado por uma professora, ele encantadamente se levanta do

lugar onde esta tomando o lanche e vai em direção a Amir.

Abayomi aproxima-se, seus olhos parecendo querer desvendar infinitos mistérios, é

como se ele estivesse “cativado”. Cativado no sentido pleno da palavra, pois ele se achega,

mas parece que as palavras lhe escapavam. Então Abayomi simplesmente vai ficando por

perto do colega em todas as oportunidades possíveis, ou mesmo quando ele próprio trata de

fazer viável essa aproximação. No começo, ele não diz nada, mas aos poucos as palavras

saltam de sua boca, quando pergunta:

– Ele tem mãe?

– Onde ele mora?

– Ele come?

– Você é a mãe dele?

– Você vai levar ele no colo?

– Ele anda?

– Ele vai embora?

Certo dia, em uma atividade coletiva em comemoração aos aniversariantes do mês,

todas as crianças estão brincando juntas, e no momento do lanche e do parabéns elas podem

escolher o lugar em que querem sentar, assim as turmas não ficam agrupadas.

Abayomi não tem dúvidas, senta-se ao lado do novo colega, Amir. Em seguida, olha

para mim, com os mesmos olhos que ainda demonstram o encantamento inicial, e pergunta:

– Ele é criança?

Havia muita sabedoria naquela pergunta; de fato ela é extraordinária. A melhor que eu

poderia ouvir nesse dia! Ela evidencia que a inclusão da criança com deficiência vai

provocando deslocamentos que antes não eram possíveis dentro do CEI.

Pode-se então afirmar que incluir uma criança com deficiência é mais que respeitar e

tolerar. De tal modo, a presença dela na escola propicia que a identidade e a diferença sejam

Page 71: A PRODUÇÃO DA IDENTIDADE E DIFERENÇA DA CRIANÇA …§ão_Elenir... · A PRODUÇÃO DA IDENTIDADE E DIFERENÇA DA CRIANÇA COM DEFICIÊNCIA NO AMBIENTE EDUCACIONAL QUE SE DENOMINA

72

questionadas, o que nos leva a pensar quais são as representações de poder que as determinam

e as sustentam, pois:

Se a igualdade é referência, podemos inventar o que quisermos para agrupar e

rotular os alunos. Se a diferença é tomada como parâmetro, não fixamos mais a

igualdade como norma e fazemos cair toda uma hierarquia das igualdades e

diferenças que sustentam a “normalização”. A diferença é, pois, o conceito que se

impõe para que possamos defender a tese de uma escola única e para todos.

(MANTOAN, 2004, p. 16)

Abayomi segue com seu olhar atento e, ao me ver carregando Amir em direção ao

portão, pergunta:

– Cadê o “carrinho” de rodas dele?

Compreendo que ele está se referindo à cadeira de rodas e respondo:

– Está na sala.

Não satisfeito, pergunta:

– Ele vai andar hoje?

O que poderia ser apenas a entrega de uma criança para a mãe no horário de saída de

aula constitui-se em um momento de significação, em que a criança sem deficiência desloca-

se das representações construídas anteriormente para significar uma nova experiência.

Segundo Laclau, os deslocamentos possibilitam uma desarticulação das identidades que são

produzidas historicamente, permitindo outras articulações (1990 apud HALL, 2014, p. 14).

Com a pergunta “– Ele vai andar hoje?”, Abayomi me faz compreender que ele, uma criança

sem deficiência, não busca unificar sua identidade a identidade da criança com deficiência.

Nós, adultos, muitas vezes acreditamos que conduzimos as crianças, mas na verdade

são elas quem nos conduzem, são elas quem nos tomam pelas mãos, mesmo que o toque seja

como o visto na Imagem 16, um toque delicado e sensível ao olhar.

Page 72: A PRODUÇÃO DA IDENTIDADE E DIFERENÇA DA CRIANÇA …§ão_Elenir... · A PRODUÇÃO DA IDENTIDADE E DIFERENÇA DA CRIANÇA COM DEFICIÊNCIA NO AMBIENTE EDUCACIONAL QUE SE DENOMINA

73

Imagem 16 – Gestos que nos tocam

Fonte: Arquivo pessoal da autora – 2015.

Fotografia: Elenir Santana Moreira.

3.3. CAMINHO 2: AINDA COM ABAYOMI...

Desejo transitar pelo imaginário do camponês sedentário e do marinheiro comerciante

(BENJAMIN, 1987a), por serem tantas as narrativas que me foram constituindo professora e

produzindo em mim saberes de longe (temporal) ou saberes de perto (espacial), que

culminaram nos saberes de agora, na forma de como me aventuro a compreender o processo

de inclusão da criança com deficiência dentro dos CEIs. Saberes que vão além das

informações, como os momentos que vivencio ainda com Abayomi.

Estou indo em direção ao refeitório, empurrando a cadeira de rodas de Amir, quando

passamos pelo cantinho digital (assim é chamado o lugar em que ficam os computadores do

CEI 2). No espaço há oito crianças que estão quase todas muito entretidas no jogo que

realizam, mas uma criança, Abayomi, ao me ver, imediatamente para de jogar, olha para mim

e se põe a fazer as perguntas rotineiras, pois todas as vezes que nos encontramos ele começa a

perguntar:

– O Amir é seu filho?

Sem mesmo me dar tempo de responder, ele prossegue:

Page 73: A PRODUÇÃO DA IDENTIDADE E DIFERENÇA DA CRIANÇA …§ão_Elenir... · A PRODUÇÃO DA IDENTIDADE E DIFERENÇA DA CRIANÇA COM DEFICIÊNCIA NO AMBIENTE EDUCACIONAL QUE SE DENOMINA

74

– A mãe dele vem buscar ele?

– Ele mora longe?

– O carrinho dele tem roda?

– Ele não anda?

– Ele vai andar?

– Ele fala?

Paraliso, de todas as formas que me é possível, tentando apenas não parar fisicamente

e não deixar de me colocar disponível para escutar todas as perguntas feitas por Abayomi.

Começamos então a conversar, conversa de criança, que não se sabe aonde vai chegar, mas na

qual as perguntas são destemidas e sem medidas, e lindamente inteligentes e filosóficas.

Algumas perguntas eu respondo, outras devolvo para ele, tomando cuidado para não

ser indelicada, com o intuito de que ele pense sobre elas, uma vez que eu já havia lhe

respondido as mesmas questões por mais de uma vez; para outras eu não tenho respostas, para

ser mais franca, porque nem sempre sei responder o que criança pode compreender. Mesmo

assim, não resisto e faço a pergunta que já lhe havia feito anteriormente:

– Abayomi, o Amir é igual a você?

Essa interrogação gritava dentro de mim, querendo e buscando uma resposta, pois eu

me perguntava: O que pensa o Abayomi sobre a identidade e a diferença de Amir, sendo ele

próprio tão singular, tão inquietante?

Fico petrificada com o que vejo em seguida. Acredito que não vou conseguir narrar o

que considero ter sido uma das cenas mais encantadoras que presenciei em minha vida, mas

com simplicidade tentarei aqui reproduzir, buscando esquecer um pouco de mim para trazer à

tona a voz da criança.

Por mais que eu tente fazer o que Benjamin aconselha, que é o deixar-se envolver em

uma inteireza de escuta, como ele próprio afirma, não consigo achar as palavras que possam

sublimar o momento, tal como foi o seu sentido para mim.

Quanto maior a naturalidade com que o narrador renuncia às sutilezas psicológicas,

mais facilmente a história se gravará na memória do ouvinte, mais completamente

ela se assimilará à sua própria experiência e mais irresistivelmente ele cederá à

inclinação de recontá-la um dia. (BENJAMIM, 1987b, p. 204)

Ainda com a pergunta ecoando em minha mente, percebo Abayomi calmamente se

levantando da cadeira onde está sentado, diante do computador, para ir até a cadeira de rodas

onde está Amir e, com as suas duas mãozinhas, envolver o rosto do amigo, como se quisesse

emoldurá-lo, como se ele estivesse emoldurando o seu brinquedo preferido, ou o doce mais

Page 74: A PRODUÇÃO DA IDENTIDADE E DIFERENÇA DA CRIANÇA …§ão_Elenir... · A PRODUÇÃO DA IDENTIDADE E DIFERENÇA DA CRIANÇA COM DEFICIÊNCIA NO AMBIENTE EDUCACIONAL QUE SE DENOMINA

75

gostoso. Sem contar que ele não estava ansioso, tinha toda a calma e paciência, o que não é

comum às crianças nessa idade.

Abayomi então aproxima ainda mais seu rosto do rosto de Amir, e parece querer olhar

dentro dos olhos dele. Fica nessa posição por alguns segundos, olha calmamente para o rosto

do colega e, parecendo ver aquilo que não é possível dizer com palavras, olha para mim com

afeto e diz:

– Sim, ele é igual a mim!

Em um gesto de quem compreende que a diferença faz parte da vida, Abayomi volta

para sua cadeira e retorna ao jogo do computador. Eu, com os sentimentos embargados,

ponho-me a empurrar a cadeira de rodas de Amir com uma vontade imensa de compreender o

que vi estampado na delicadeza daqueles gestos, “ditos” ou, se preferir, “feitos”.

Envolvida em um turbilhão de ideias, só consigo pensar que o que as crianças me

dizem transcende o que imagino ou poderia querer ouvir.

Simplesmente usar a identidade da criança para esconder sua diferença é uma forma de

negar a diferença, “assim como a identidade depende da diferença, a diferença depende da

identidade. Identidade e diferença são, pois, inseparáveis” (SILVA, T. T., 2009, p. 75).

Preciso olhar para a identidade e para a diferença e refletir sobre por que essa criança,

aqui representada por Abayomi, me subverte e promove em mim inquietações que me

remetem a uma inquietude, que às vezes chega a ser paralisante. Definir essa criança

previamente é o mesmo que tentar calar a sua voz; porém, mesmo com tentativas eloquentes

de controle, ela escapa pelas frestas mais fechadas e nos remete a um repensar sobre as

infâncias.

A escola, historicamente, foi criada para alunos que são iguais, que aprendem ao

mesmo tempo, que não apresentam diferenças significativas:

Se o nosso objetivo é desconstruir esse sistema, temos, então, de assumir uma

posição contrária à perspectiva da identidade “normal”, que justifica essa falsa

uniformidade das turmas escolares. A diferença é, pois, o conceito que se impõe

para que possamos defender a tese de uma escola para todos. (MANTOAN, 2006b,

p. 24)

Diante das colocações de Abayomi e de Mantoan, certifico-me de que este estudo não

pode mesmo trilhar qualquer caminho, pois ele era e é um sonho sonhado por muito tempo.

Sonho que envolve trabalho e pesquisa em uma relação imbricada e, ao mesmo tempo,

Page 75: A PRODUÇÃO DA IDENTIDADE E DIFERENÇA DA CRIANÇA …§ão_Elenir... · A PRODUÇÃO DA IDENTIDADE E DIFERENÇA DA CRIANÇA COM DEFICIÊNCIA NO AMBIENTE EDUCACIONAL QUE SE DENOMINA

76

preocupada com a criança enquanto sujeito. Preocupação que vai além do respeito pela

criança, sendo possível, de acordo com a forma investigativa pretendida, não encontrar

respostas para muitas perguntas, mas provavelmente compondo mais indagações que nos

permitam refletir sobre o objetivo que este trabalho se alvitra a investigar. Assim, o desafio

que se põe é a:

[...] construção de pedagogias descolonizadoras, que problematizem as diferentes

formas de discriminação, que desvendem o adultocentricismo e as diferenças que se

transformam em desigualdade, e, principalmente, que problematizem o olhar do

adulto que não vê a diversidade e as especificidades das crianças pequenas

brasileiras. (FINCO; FARIA, 2013, p. 122)

Por mais que tentemos padronizar as crianças, elas, quando pequeninas, conseguem

desvencilhar-se, indo além da margem, como no azul da pintura que excede o traçado do

contorno do desenho, ainda que a mão não pinte sozinha.

Imagem 17– Azul

Fonte: Arquivo pessoal da autora – 2015.

Fotografia: Elenir Santana Moreira.

3.4. CAMINHO 3: COTIDIANO EDUCACIONAL, ENTRE RELATOS E FATOS

As respostas dos questionários começam a chegar à minha caixa de e-mail, eu preciso

e também quero lê-los. Como apenas uma professora havia respondido a dezesseis perguntas,

decido que me dedicaria à leitura das cinco primeiras questões, já que estas haviam sido

comuns a todas as professoras participantes da pesquisa.

Page 76: A PRODUÇÃO DA IDENTIDADE E DIFERENÇA DA CRIANÇA …§ão_Elenir... · A PRODUÇÃO DA IDENTIDADE E DIFERENÇA DA CRIANÇA COM DEFICIÊNCIA NO AMBIENTE EDUCACIONAL QUE SE DENOMINA

77

Começo a leitura das respostas separadamente, depois resolvo agrupá-las, pois quero

notar as possibilidades de proximidades e distanciamentos entre elas. Nesse meio tempo,

tomo novamente meu diário de campo e me deparo com algumas narrativas que me

inquietaram mais que as respostas elencadas no questionário.

No diário de campo há narrativas que não estão presentes nas respostas do

questionário. São narrativas muito mais instigantes, relacionadas ao cotidiano educacional,

falas espontâneas, mais livres e menos direcionadas. Falas que teimavam em se repetir.

Afirmativas ouvidas há mais de vinte anos e que hoje ainda são tão presentes.

Nesse momento decido não mais seguir o caminho antes traçado e escolho contar

algumas dessas narrativas das professoras, a fim de conjecturar como elas ou suas práticas

discursivas e não discursivas vão criando efeitos, sentidos e significados compartilhados,

tornando-se modos de dizer sobre o outro, além de querer concluir se colaboram ou não para a

produção da identidade e da diferença da criança com deficiência.

Começo revisitando as anotações referentes à reunião semanal, de uma hora e quarenta

minutos, intitulada Trabalho Docente Coletivo (TDC), que ocorre logo após o período de

trabalho, quando se assume uma discussão relacionada às crianças com deficiência. Uma

professora diz: “Essas crianças estariam melhores se estivessem na APAE18

. O aluno é que

tem que se adaptar à escola” (DIÁRIO DE CAMPO, 17/2/2015).

Fico extremamente irritada com essa afirmação, pois costumava ouvir isso logo no

início de minha carreira profissional. Supunha que, após a implementação das políticas

públicas em prol da Educação Inclusiva e da determinação da Secretaria Municipal de

Educação da qual esse CEI faz parte, sendo favorável à inclusão de TODOS os alunos com

deficiência, essa fosse uma discussão já superada.

Incontáveis foram as reuniões nas quais dialogamos sobre essa temática. Imaginei que

não mais fosse ouvir essa afirmativa, pelo menos não nessa escola. Mas estava ouvindo!

Prosseguindo com a leitura do diário de campo, vejo o que outra professora responde:

As crianças geralmente não excluem, ficam curiosas e querem ajudar. Certa vez,

matriculou-se no nosso CEI um Down de 4 anos que quase não enxergava e era

muito pequeno, parecia bebê, muito fofo. As crianças queriam cuidar dele o tempo

todo. Sei que também vem a insegurança a respeito da nossa competência, pois não

somos preparados para isso. (DIÁRIO DE CAMPO, 17/2/2015)

Inicialmente considero que a resposta dessa professora seria mais encorajadora, mas

ela salienta a falta de “preparação profissional”, outro chavão fortemente repetido e usado no

18

Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais.

Page 77: A PRODUÇÃO DA IDENTIDADE E DIFERENÇA DA CRIANÇA …§ão_Elenir... · A PRODUÇÃO DA IDENTIDADE E DIFERENÇA DA CRIANÇA COM DEFICIÊNCIA NO AMBIENTE EDUCACIONAL QUE SE DENOMINA

78

meio educacional. Nessa perspectiva, é possível pressupor que o sujeito identificado por elas é

uno, centrado, marcado por uma identidade fixa, caracterizada por uma diferença visível,

palpável, que contrapõe com as identidades dos sujeitos reais que não são fixas, mas que “é

definida historicamente, e não biologicamente” (HALL, 2014, p. 12).

A professora, ao se referir ao aluno com síndrome de Down, que tem 4 anos, diz que

ele “era muito pequeno, parecia bebê, muito fofo”, emitindo uma visão romantizada referente

à inclusão, associando a deficiência a uma criança pequena. Sendo assim, a criança com

deficiência torna-se “fofa” por ser parecida com um bebê. Cabe ressaltar que ela utiliza o

advérbio “muito” para intensificar o adjetivo, representando, em ambas as situações,

quantidade (muito pequeno e muito fofo).

Posteriormente, ao dizer “Sei que também vem a insegurança a respeito da nossa

competência, pois não somos preparados para isso”, ela não usa o pronome minha, e sim

nossa, ao se referir à competência e preparo para a inclusão, a que ela se refere como “isso”.

Nesse caso, a professora transfere a relação de posse para o outro.

O desafio é o de estabelecer interlocuções com essas narrativas que permitam tecer e

avançar em outras reflexões sobre qual o olhar dessas professoras para e sobre as identidades

e diferenças da criança com deficiência, ou seja, reflexões que possam levar a outros

caminhos.

Sendo a discriminação, crime inafiançável em nosso país, é urgente a ponderação

sobre quanto as crianças com deficiências ainda são inferiorizadas, partindo de padrões

preeestabelecidos de normalidades.

Tanto pais quanto professoras devem pensar e considerar as maneiras como se

manifestam a respeito das crianças com deficiências, definindo-as ou dizendo sobre elas,

mesmo em ambientes que se denominam inclusivos, como se a diferença fosse própria de

alguns e não de todos nós. Discriminando essas crianças e fazendo com que elas, inclusive

dentro do ambiente educacional, que é de formação, tenham limitações e restrições, ou até

mesmo encaminhamentos a escolas onde tenham uma educação segregada.

A mudança é fácil? Não! Compreendo que uma mudança dessa magnitude, que

envolve o entendimento da diferença, e não da diferença numérica nem específica, mas da

diferença que é peculiar de cada sujeito, é algo que demanda tempo, conhecimento,

envolvimento e querer. Mas por que será que as crianças pequeninas não fazem o que as

professoras fazem? Por que será que essas crianças não discriminam como os adultos?

Aprendemos a discriminar, aprendemos o preconceito, acreditamos na identidade

fixada, por isso temos modos de dizer sobre o outro que o inferiorizam. As crianças

Page 78: A PRODUÇÃO DA IDENTIDADE E DIFERENÇA DA CRIANÇA …§ão_Elenir... · A PRODUÇÃO DA IDENTIDADE E DIFERENÇA DA CRIANÇA COM DEFICIÊNCIA NO AMBIENTE EDUCACIONAL QUE SE DENOMINA

79

pequeninas ainda não foram capturadas por esse modo de dizer sobre o outro, que o

inferioriza, elas brincam ainda como crianças, como vemos na Imagem 18. Nesse sentido,

posso afirmar que a mudança já começou e esta pesquisa aponta o lado positivo dessa

vivência, porque a criança pequena ainda não foi consumida pelos padrões da identidade

fixada.

Imagem 18 – Entre desenhos e traços

Fonte: Arquivo pessoal da autora – 2015.

Fotografia: Elenir Santana Moreira.

3.5. O DESENHO: CAMINHOS PERCORRIDOS ENTRE TRAÇADOS VIVIDOS E

IMAGINADOS

“Você pode escolher um colega da sala para desenhar? Pode ser qualquer um. Eu quero

que você desenhe um colega ou uma colega. Quem você quiser”.

DIÁRIO DE CAMPO, 7/11/2014

Esse é o pedido que faço para as crianças sem deficiências, participantes da pesquisa e

que vão realizar o desenho. Caso a criança mencione que quer desenhar outra coisa, retomo

com ela o objetivo, que é o de desenhar um colega ou uma colega da sala.

No entanto, antes de chegar a essa proposta individual especificamente, desenho com

todas as crianças juntas. Um desenho coletivo, construído a muitas mãos, lembrando que:

A realidade cotidiana é percebida por cada um de nós de um modo muito particular,

damos sentido às situações por meio do nosso universo de crenças, elaborado a

Page 79: A PRODUÇÃO DA IDENTIDADE E DIFERENÇA DA CRIANÇA …§ão_Elenir... · A PRODUÇÃO DA IDENTIDADE E DIFERENÇA DA CRIANÇA COM DEFICIÊNCIA NO AMBIENTE EDUCACIONAL QUE SE DENOMINA

80

partir das vivências, valores e papéis culturais inerentes ao grupo social a que

pertencemos. As representações nos permitem decodificar e interpretar as situações

que vivemos. (GALVÃO, 2005, p. 328)

As narrativas que as crianças vão pronunciando, ao realizar o desenho destinado a

pesquisa, são registradas, e, caso a criança faça o desenho em silêncio, ao entregar a folha

emito a seguinte pergunta:

– Quer contar alguma coisa desse desenho para mim?

Nessa atividade, o objetivo é recolher desenhos que retratem o amigo com deficiência,

então, caso esse registro não aconteça no primeiro desenho, solicito para a criança fazer um

segundo, porém, se a criança fizer o colega com deficiência no primeiro desenho, não peço a

ela que realize o segundo. Faço-lhe então a seguinte pergunta:

– Ele é igual ou diferente de você?

Cabe lembrar que não marco a criança pela deficiência. O pedido para a realização do

segundo desenho é feito citando o nome da criança com deficiência:

– Agora você pode desenhar o Akil?

Mediante as respostas da criança, ao desenhar, é que vou ou não fazendo alguns

poucos apontamentos, com o intuito de influenciar o menos possível, sempre fazendo

registros do que a criança diz. A hipótese é de que, entre 5 e 6 anos, a maioria das crianças

possa emitir narrativas orais, indicando sua percepção referente à identidade e à diferença do

colega com deficiência a partir a elaboração do desenho.

3.6. CAMINHO 4: O DESENHO DE NALA19

Apresento agora momentos vividos com Nala, uma garotinha de 5 anos, esperta e

bastante comunicativa. Eu a chamo e lhe pergunto:

– Você pode fazer um desenho para mim?

– Sim.

19

Significa: Rainha.

Page 80: A PRODUÇÃO DA IDENTIDADE E DIFERENÇA DA CRIANÇA …§ão_Elenir... · A PRODUÇÃO DA IDENTIDADE E DIFERENÇA DA CRIANÇA COM DEFICIÊNCIA NO AMBIENTE EDUCACIONAL QUE SE DENOMINA

81

– Eu quero que você desenhe um colega da sala. Pode ser menino ou menina. Quem

você quiser.

– Vou desenhar a Tamu20

. Azul para o olho dela. Por que é bem azul o olho dela.

Preto para os óculos dela.

Imagem 19 – Azul para o olho dela

Fonte: Arquivo pessoal da autora – 2015.

Fotografia: Elenir Santana Moreira.

Enquanto desenha, Nala vai narrando:

– Vou fazer outra orelhinha, ela vai usar batom, tá?

Imagem 20 – Orelhinha e batom

Fonte: Arquivo pessoal da autora – 2015.

Fotografia: Elenir Santana Moreira.

Ao desenhar as mãos, vai contando os dedinhos e diz:

– Vou desenhar o pé.

20

Significa: Doce.

Page 81: A PRODUÇÃO DA IDENTIDADE E DIFERENÇA DA CRIANÇA …§ão_Elenir... · A PRODUÇÃO DA IDENTIDADE E DIFERENÇA DA CRIANÇA COM DEFICIÊNCIA NO AMBIENTE EDUCACIONAL QUE SE DENOMINA

82

Imagem 21 – Nala. Desenho 1

Fonte: Arquivo pessoal da autora – 2015.

Fotografia: Elenir Santana Moreira.

Pergunto para Nala:

– Acabou?

– Sim, mas vou fazer uma árvore aqui do lado, um céu, arco-íris, a casa dela. O

terreno é mais marronzinho.

Ela pega o lápis vermelho e diz:

– O terreno dela é dessa cor [diz apontando o lápis de cor marrom]. Sabia? Agora

vou desenhar a casa. Agora vou desenhar a porta e janela, senão como ela vai olhar?

Imagem 22 – Nala. Desenho 1.2

Fonte: Arquivo pessoal da autora – 2015.

Fotografia: Elenir Santana Moreira.

Page 82: A PRODUÇÃO DA IDENTIDADE E DIFERENÇA DA CRIANÇA …§ão_Elenir... · A PRODUÇÃO DA IDENTIDADE E DIFERENÇA DA CRIANÇA COM DEFICIÊNCIA NO AMBIENTE EDUCACIONAL QUE SE DENOMINA

83

Então eu peço:

– Agora eu quero que você desenhe o Kamau.

Ela aceita e diz:

– O Kamau, ele é vermelho de terra.

Pergunto em seguida:

– Por que ele é vermelho de terra?

– Por que ele come terra! O olho dele é bem amarelinho.

Imagem 23 – Vermelho de terra

Fonte: Arquivo pessoal da autora – 2015.

Fotografia: Elenir Santana Moreira.

Continuo a conversa perguntando:

– Por quê?

– Não sei.

Vejo que ela desenha Kamau com um cabelo azul e grande. Então pergunto:

– O cabelo dele é assim, azul e grande?

– Não!

– Então por que você fez o cabelo dele grande e azul?

– Porque eu não sei fazer direito. Ele está sentado no chão com a mão assim.

Imagem 24 – Cabelo azul e grande

Fonte: Arquivo pessoal da autora – 2015.

Fotografia: Elenir Santana Moreira.

Page 83: A PRODUÇÃO DA IDENTIDADE E DIFERENÇA DA CRIANÇA …§ão_Elenir... · A PRODUÇÃO DA IDENTIDADE E DIFERENÇA DA CRIANÇA COM DEFICIÊNCIA NO AMBIENTE EDUCACIONAL QUE SE DENOMINA

84

Imagem 25 – Nala. Desenho 2

Fonte: Arquivo pessoal da autora – 2015.

Fotografia: Elenir Santana Moreira.

Nala para de desenhar e me mostra como Kamau costuma ficar sentado no chão. Volta

para o desenho, faz um retângulo em volta da cabeça de Kamau e diz:

– É uma cadeira que ele está segurando. Agora vou fazer as nuvens e muita chuva.

Isso é um guarda-chuvas.

Imagem 26 – Cadeira, nuvens e chuva

Fonte: Arquivo pessoal da autora – 2015.

Fotografia: Elenir Santana Moreira.

Ela continua desenhando enquanto vai dizendo:

Page 84: A PRODUÇÃO DA IDENTIDADE E DIFERENÇA DA CRIANÇA …§ão_Elenir... · A PRODUÇÃO DA IDENTIDADE E DIFERENÇA DA CRIANÇA COM DEFICIÊNCIA NO AMBIENTE EDUCACIONAL QUE SE DENOMINA

85

– Vou fazer uma flor muito grande e agora vou fazer um cachorrinho na coleira

amarrado na flor, porque está um vento muito forte e o Kamau não consegue

segurar. A flor cresceu muito por causa da chuva. Agora vou desenhar o cachorro e a

casinha dele, e fiz o cachorro dentro da casinha.

Imagem 27 – Flor, cachorro e casinha

Fonte: Arquivo pessoal da autora – 2015.

Fotografia: Elenir Santana Moreira.

Imagem 28 – Nala. Desenho 2.2

Fonte: Arquivo pessoal da autora – 2015.

Fotografia: Elenir Santana Moreira.

Faço então a pergunta:

– O Kamau é igual ou diferente de você?

– Igual.

Page 85: A PRODUÇÃO DA IDENTIDADE E DIFERENÇA DA CRIANÇA …§ão_Elenir... · A PRODUÇÃO DA IDENTIDADE E DIFERENÇA DA CRIANÇA COM DEFICIÊNCIA NO AMBIENTE EDUCACIONAL QUE SE DENOMINA

86

Procurando uma resposta mais detalhada, pergunto:

– Por quê?

– Não sei!

Observando a narrativa de Nala, ao desenhar o colega Kamau, quando ela diz: “O

Kamau, ele é vermelho de terra”. O “ser vermelho de terra” não está identificado por uma

diferença que o inferioriza.

Nala associa o “ser vermelho de terra” ao parque do CEI, que é composto de terra

vermelha, e Kamau, que gosta de brincar ali, fica vermelho. No entanto essa é uma

particularidade que, se não é conhecida, pode ser associada como uma diferença negativa de

Nala para com seu colega.

Ao lhe perguntar se Kamau é “igual ou diferente dela”, a menina responde marcando a

igualdade que existe entre eles, que todos são crianças.

A autenticidade dessas crianças, que ainda não estão impregnadas e condicionadas

pelo exemplo e pela voz do adulto, necessita ser estendida, vivenciada ao longo da vida, para

que não se tornem pessoas discriminatórias com relação a qualquer tipo de diferença,

principalmente a deficiência. Que a imagem que vemos a seguir (Imagem 29), na qual mãos

se unem em prol de uma brincadeira continuem a ser unidas por outros variados motivos,

mesmo quando essas mesmas mãos forem mais tão pequeninas.

Imagem 29 – Quem quer brincar coloca a mão aqui

Fonte: Arquivo pessoal da autora – 2015.

Fotografia: Elenir Santana Moreira.

Page 86: A PRODUÇÃO DA IDENTIDADE E DIFERENÇA DA CRIANÇA …§ão_Elenir... · A PRODUÇÃO DA IDENTIDADE E DIFERENÇA DA CRIANÇA COM DEFICIÊNCIA NO AMBIENTE EDUCACIONAL QUE SE DENOMINA

87

3.7. CAMINHO 5: O DESENHO DE URBI21

Urbi, uma garotinha também esperta, mas que não é muito de falar, fica observando,

aproxima-se de acordo com a maneira como se sente acolhida e segura. Mas, na brincadeira

“quem quer brincar coloca a mão aqui”, ela rapidamente se movimenta e lá está com suas

duas mãozinhas bem posicionadas e pronta para brincar.

Espero a pausa da brincadeira, chamo-a e lhe pergunto:

– Você pode escolher um amigo ou amiga da sala para desenhar? Pode ser quem

você quiser.

Ela para por alguns segundos, olha os amigos e diz:

– Vou desenhar a Khakina22

.

Khakina é uma menina com quem Urbi brinca diariamente. Enquanto desenha,

permanece em silêncio e, ao terminar, entrega-me a folha.

Imagem 30 – Urbi. Desenho 1

Fonte: Arquivo pessoal da autora – 2015.

Fotografia: Elenir Santana Moreira.

21

Significa: Princesa. 22

Significa: Bonita.

Page 87: A PRODUÇÃO DA IDENTIDADE E DIFERENÇA DA CRIANÇA …§ão_Elenir... · A PRODUÇÃO DA IDENTIDADE E DIFERENÇA DA CRIANÇA COM DEFICIÊNCIA NO AMBIENTE EDUCACIONAL QUE SE DENOMINA

88

Então lhe digo:

– Agora quero que você desenhe o Kamau.

Urbi começa a desenhar, faz os contornos e olha para mim. Eu lhe pergunto:

– Quer pintar?

Ela acena a cabeça em afirmativo e continua desenhando silenciosamente. Quando

termina, entrega-me o desenho. Então faço a seguinte pergunta:

– O Kamau é igual ou diferente de você?

Ela olha para mim e não responde nada. Eu insisto:

– O Kamau é igual ou diferente de você?

Urbi olha para mim com um olhar profundo e indignado, como querendo dizer: “Você

não vê a diferença?”

Nesse instante sou eu quem permaneço olhando para ela. A menina continua em

silêncio por alguns segundos, mas que para mim parecem longos minutos. Estou

extremamente curiosa para saber sua resposta, já que, durante o tempo em que desenhava, ela

não emitiu palavra alguma.

Imagem 31 – Urbi. Desenho 2

Fonte: Arquivo pessoal da autora – 2015.

Fotografia: Elenir Santana Moreira.

Page 88: A PRODUÇÃO DA IDENTIDADE E DIFERENÇA DA CRIANÇA …§ão_Elenir... · A PRODUÇÃO DA IDENTIDADE E DIFERENÇA DA CRIANÇA COM DEFICIÊNCIA NO AMBIENTE EDUCACIONAL QUE SE DENOMINA

89

Demonstrando impaciência, mas com convicção, Urbi me olha e, com voz firme,

como não ouvida em nenhum momento antes, diz:

– Diferente, né!? Ele é branco!

Pego o desenho de suas mãos, e rapidamente Urbi se envolve em outras brincadeiras

com os colegas. Meus pensamentos se embaralham, porque Urbi, ao dizer que seu amigo é

diferente porque é “branco”, aponta uma distinção construída e marcada por outra diferença

que não é a deficiência. Ela traz à tona outra questão que permeia o universo educacional e

para a qual o Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) salienta:

Diversidade étnico-racial entre as crianças deve ser motivo de orgulho – e não razão

para discriminação. Se a diversidade humana deve ser celebrada, por que crianças

que nascem diferentes não alcançam os seus direitos na mesma velocidade? Por que

as diferenças fazem diferença na hora de assegurar direitos? (UNICEF, 2010, p.

12).

Pensando nas questões apresentadas pela UNICEF, é possível afirmar que Urbi as

reafirma ao dizer “Diferente, né!? Ele é branco!” Ela não reconhece a diferença entre eles pela

deficiência, mas por uma diferença que inferioriza.

A menina deixa evidente que tem uma história vivida, constituída também em um

tempo anterior ao que não conhecia o amigo com deficiência.

3.8. FOTOGRAFIA COMO FORMA DE VER O NÃO DITO

Inicialmente, pondero ficar apenas dois meses no CEI 2, no entanto, em decorrência de

as crianças terem entre 3 e 4 anos, de serem bem pequenas e ainda não possuírem o registro

gráfico e a narrativa oral como forma prosaica de expressão, os procedimentos de construção

de dados e as estratégias de coletas precisam ser repensados, exigindo que o tempo da

pesquisa seja maior.

Os desenhos, tão bem utilizados no CEI 1, não podem ser aplicados, nesse caso, com

todas as crianças. É assim que o procedimento da fotografia incorpora-se à pesquisa de

maneira muito expressiva, ao tornar favorável a possibilidade de trazer a voz da criança,

inclusive daquela com deficiência.

Page 89: A PRODUÇÃO DA IDENTIDADE E DIFERENÇA DA CRIANÇA …§ão_Elenir... · A PRODUÇÃO DA IDENTIDADE E DIFERENÇA DA CRIANÇA COM DEFICIÊNCIA NO AMBIENTE EDUCACIONAL QUE SE DENOMINA

90

3.9. CAMINHO 6: TOMANDO PELA MÃO

É um dia como outro qualquer, acabamos de chegar ao parque do CEI 2.

Os primeiros vinte minutos são de tempo livre, no qual as crianças podem brincar no

tanque de areia, jogar bola, escrever na lousa, que fica na parede do muro, ou outras

brincadeiras que possam inventar.

Levo Amir para perto do tanque de areia. Posiciono-me para ativar os freios de sua

cadeira de rodas e, quando, sem ter ainda decido se o colocaria no tanque de areia ou em

alguma outra brincadeira, ergo minha cabeça, olho e vejo uma cena que me emociona.

Imagem 32 – Tomando pela mão 1

Fonte: Arquivo pessoal da autora – 2015.

Fotografia: Elenir Santana Moreira.

Imagem 33 – Tomando pela mão 2

Fonte: Arquivo pessoal da autora – 2015.

Fotografia: Elenir Santana Moreira.

Page 90: A PRODUÇÃO DA IDENTIDADE E DIFERENÇA DA CRIANÇA …§ão_Elenir... · A PRODUÇÃO DA IDENTIDADE E DIFERENÇA DA CRIANÇA COM DEFICIÊNCIA NO AMBIENTE EDUCACIONAL QUE SE DENOMINA

91

Por mais que não quisesse pensar, não resisto e penso: Qual será a reação de Ona23

quando perceber que Amir não consegue segurar a bola? Teci em minha mente diversas

possibilidades, mas nenhuma ao alcance de descrever o que as Imagens 34 e 35 podem

mostrar.

Imagem 34 – Tomando pela mão 3

Fonte: Arquivo pessoal da autora – 2015.

Fotografia: Elenir Santana Moreira.

Imagem 35 – Tomando pela mão 4

Fonte: Arquivo pessoal da autora – 2015.

Fotografia: Elenir Santana Moreira.

Page 91: A PRODUÇÃO DA IDENTIDADE E DIFERENÇA DA CRIANÇA …§ão_Elenir... · A PRODUÇÃO DA IDENTIDADE E DIFERENÇA DA CRIANÇA COM DEFICIÊNCIA NO AMBIENTE EDUCACIONAL QUE SE DENOMINA

92

Poderia parecer só mais um contato rápido de uma criança com outra, mas, quando me

proponho a olhar mais de perto, vejo que nessa inteireza de relações há muito mais que o “dar

a bola para o outro”.

Ona é uma menina que sempre escolhe brincar com Amir, não por falta de opção ou

por não ser aceita em outros grupos de crianças, mas porque ela quer e gosta de brincar com

ele. Ona tem todo o cuidado de segurar a mão do amigo, com delicadeza, no intuito de fazê-lo

“sentir” a bola. E, mais que isso, sentir que é possível jogar junto, mesmo se sozinho o amigo

não pode segurar a bola. Ela então o toma pela mão.

Amir é uma criança que alguns podem não compreender por que está em um CEI, já

que não emite palavra ou mesmo deixa escapar um abraço inesperado. Mas de “perto”, bem

de “perto”, quando permitimos deslocar nosso próprio foco, vemos que o olhar dessa criança

também quer ser deslocado e alcançado. Assim, “a diferença é, pois, o conceito que se impõe

para que possamos defender a tese de uma escola única e para todos” (MANTOAN, 2004, p.

16).

O olhar que busca o outro no intuito de capturar e de permitir-se ser capturado e, ao

mesmo tempo, apresentando linhas de fugas que, na maioria das vezes, são incompreensíveis

diante do olhar rígido do adulto.

Imagem 36 – Tomando pela mão 5

Fonte: Arquivo pessoal da autora – 2015.

Fotografia: Elenir Santana Moreira.

Page 92: A PRODUÇÃO DA IDENTIDADE E DIFERENÇA DA CRIANÇA …§ão_Elenir... · A PRODUÇÃO DA IDENTIDADE E DIFERENÇA DA CRIANÇA COM DEFICIÊNCIA NO AMBIENTE EDUCACIONAL QUE SE DENOMINA

93

Imagem 37 – Tomando pela mão 6

Fonte: Arquivo pessoal da autora – 2015.

Fotografia: Elenir Santana Moreira.

Ainda neste dia, as crianças foram brincar de escrever na lousa que fica na parede do

muro, eu então levo Amir para brincar com as crianças que estavam lá. Elas desenham,

imitam as professoras, seguem brincando livremente. Eu observo e vejo que Amir “olha” a

amiga desenhar. Há uma interlocução entre eles. Não precisa de fala audível, talvez só seja

necessário outro modo de ver.

Imagem 38 – Tomando pela mão 7

Fonte: Arquivo pessoal da autora – 2015.

Fotografia: Elenir Santana Moreira.

Page 93: A PRODUÇÃO DA IDENTIDADE E DIFERENÇA DA CRIANÇA …§ão_Elenir... · A PRODUÇÃO DA IDENTIDADE E DIFERENÇA DA CRIANÇA COM DEFICIÊNCIA NO AMBIENTE EDUCACIONAL QUE SE DENOMINA

94

Imagem 39 – Tomando pela mão 8

Fonte: Arquivo pessoal da autora – 2015.

Fotografia: Elenir Santana Moreira.

Imagem 40 – Tomando pela mão 9

Fonte: Arquivo pessoal da autora – 2015.

Fotografia: Elenir Santana Moreira.

Page 94: A PRODUÇÃO DA IDENTIDADE E DIFERENÇA DA CRIANÇA …§ão_Elenir... · A PRODUÇÃO DA IDENTIDADE E DIFERENÇA DA CRIANÇA COM DEFICIÊNCIA NO AMBIENTE EDUCACIONAL QUE SE DENOMINA

96

Imagem 41 – Ressignificando experiências 1

Fonte: Arquivo pessoal da autora – 2015.

Fotografia: Elenir Santana Moreira.

Imagem 42 – Ressignificando experiências 2

Fonte: Arquivo pessoal da autora – 2015.

Fotografia: Elenir Santana Moreira.

As brincadeiras do circuito demonstram que as crianças podem e querem viver outras

experiências.

Como professora efetiva de Educação Especial em uma rede municipal de educação há

mais de vinte anos e atuando na Educação Infantil há mais de dez anos, observo que muitos

Page 95: A PRODUÇÃO DA IDENTIDADE E DIFERENÇA DA CRIANÇA …§ão_Elenir... · A PRODUÇÃO DA IDENTIDADE E DIFERENÇA DA CRIANÇA COM DEFICIÊNCIA NO AMBIENTE EDUCACIONAL QUE SE DENOMINA

97

foram os deslocamentos que eu e as outras professoras e crianças pudemos vivenciar com a

inclusão das crianças com deficiências nas escolas regulares, e é desse lugar que falo.

Falar desse lugar, agora, não somente como professora, mas também como

pesquisadora, trouxe-me certa inquietude, até porque a inclusão não pode ficar ancorada na

professora de Educação Especial. Penso: E se me faltarem palavras para escrever o que

quero e preciso dizer sobre as crianças? Foi assim que procurei rememorar o vivido e fui me

dando conta de que sou constituída por muitas histórias, as quais são atravessadas por

incontáveis narrativas:

E a experiência de si está constituída, em grande parte, a partir das narrações. O que

somos ou, melhor ainda, o sentido de quem somos, depende das histórias que

contamos e das que contamos a nós mesmos. Em particular, das construções

narrativas nas quais cada um de nós é, ao mesmo tempo, o autor, o narrador e o

personagem principal. Por outro lado, essas histórias estão construídas em relação às

histórias que escutamos, que lemos e que, de alguma maneira, nos dizem respeito na

medida em que estamos compelidos a produzir nossa história em relação a elas. Por

último, essas histórias pessoais que nos constituem estão produzidas e mediadas no

interior de práticas sociais mais ou menos institucionalizadas. (LARROSA, 1994, p.

13)

Assim, as práticas sociais nas quais estou inserida me permitem narrar, principalmente,

as histórias das crianças, sujeitos desta pesquisa, e colocá-las como autoras principais de um

processo de Educação Inclusiva, que para mim não tem volta, mas possibilidades de fazer

melhor e de, partir da experiência com elas, percorrer novos percursos que nos aproximam em

prol da inclusão.

Page 96: A PRODUÇÃO DA IDENTIDADE E DIFERENÇA DA CRIANÇA …§ão_Elenir... · A PRODUÇÃO DA IDENTIDADE E DIFERENÇA DA CRIANÇA COM DEFICIÊNCIA NO AMBIENTE EDUCACIONAL QUE SE DENOMINA

98

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Narrativas como as das crianças e professoras apresentadas nesta pesquisa me instigam

a rever o lugar que a criança com deficiência ocupa dentro dos CEIs que se denominam

inclusivos.

Ouvir essas narrativas é algo que me movimenta e encanta, além de me fazer retomar

o objetivo que este trabalho se propõe a investigar, que é a produção da identidade e da

diferença da criança com deficiência. A finalidade do presente estudo foi buscar saber como

as narrativas ou as práticas discursivas e não discursivas de professoras e de crianças sem

deficiências (de 3 a 6 anos) vão criando efeitos, sentidos e significados compartilhados,

tornando-se modos de dizer sobre o outro e colaborando, ou não, para a produção da

identidade e da diferença da criança com deficiência.

As professoras não podem escolher se querem ter ou não o aluno com deficiência

frequentando a sua sala, uma vez que, por determinação legal, toda criança tem o direito de

ser matriculada em alguma escola. No entanto, nas narrativas aqui apresentadas é possível

constatar que há movimentos de resistência, contrários a essa determinação legal.

Ao refletir sobre quais são as vozes que atravessam essas narrativas, é possível dizer

que elas ainda atribuem às crianças com deficiências sentidos que as inferiorizam, do mesmo

modo que continuam buscando por um aluno idealizado.

A busca por esse tipo de sujeito possibilita que as diferenças não sejam consideradas,

perpetuando uma tentativa eloquente de igualar a todos, como pode ser observar em exemplo

mencionado anteriormente, no qual uma professora diz:

– Essas crianças estariam melhores se estivessem na APAE.

As crianças “escutam” a discriminação em diversos ambientes e de múltiplas pessoas.

Portanto, o fato de a criança ter ao seu lado uma professora especializada não lhe garantirá

estar em um ambiente inclusivo. Isso não assegura a inclusão.

Os resultados da pesquisa mostram que as professoras ainda não concebem a

Educação Especial como complementar e suplementar. Mas por que isso ainda acontece?

Existe uma tradição da Educação Especial ser substitutiva, a qual ainda preside toda a

organização das escolas, até das que se dizem inclusivas.

Com base nos estudos e análises dos dados, posso afirmar que os espaços educacionais

são denominados inclusivos pelas professoras, isso porque elas os denominam de inclusivos,

Page 97: A PRODUÇÃO DA IDENTIDADE E DIFERENÇA DA CRIANÇA …§ão_Elenir... · A PRODUÇÃO DA IDENTIDADE E DIFERENÇA DA CRIANÇA COM DEFICIÊNCIA NO AMBIENTE EDUCACIONAL QUE SE DENOMINA

99

mas não o consideram realmente. Já, para as crianças pequenas, esses mesmos espaços são de

fatos inclusivos, porque elas mesmas fazem com que eles efetivamente o sejam.

Vamos propiciar que a criança obedeça ao seu desejo de trazer à luz uma questão tão

séria como essa. É tempo de desconstruir a visão forjada que foi elaborada em prol da

deficiência e do ensino especial, porque é tempo de falarmos e fazermos diferente. Chega de

discriminar, até porque a discriminação é crime inafiançável.

Esse tipo de debate é emergente para que as crianças, à medida que forem crescendo,

não percam esse olhar que vê a diferença como constituição e direito do sujeito que o faz

singular e único.

O não respeito pela heterogeneidade da criança com deficiência tem sido mais

constante do que imaginamos; entretanto, há enfretamentos e rachaduras que obrigam o outro

lado a se rever, pois o núcleo de tensão e transformação na vida social e humana é

imprescindível para trazer mudanças. Nesse contexto, as crianças são as mais propícias a nos

mostrar tal atitude, como se pode ver nas fotografias tiradas dos desenhos feitos para Amir, no

dia de seu aniversário.

Imagem 43 – Ele é bonitinho, eu gosto dele e ele brinca comigo

Fonte: Arquivo pessoal da autora – 2015.

Fotografia: Elenir Santana Moreira.

Nesse sentido, as crianças sem deficiências, que têm a oportunidade de estar e

compartilhar o mesmo espaço que o seu colega com deficiência, dizem:

– Ele é bonitinho, eu gosto dele e ele brinca comigo.

Page 98: A PRODUÇÃO DA IDENTIDADE E DIFERENÇA DA CRIANÇA …§ão_Elenir... · A PRODUÇÃO DA IDENTIDADE E DIFERENÇA DA CRIANÇA COM DEFICIÊNCIA NO AMBIENTE EDUCACIONAL QUE SE DENOMINA

100

A criança sem deficiência, de 3 a 6 anos, compreende que o lugar do seu colega com

deficiência é o mesmo que o seu. É indispensável que analisemos por qual lógica temos

constituído nossos pensamentos em relação à criança com deficiência. Temos raciocinado

pela lógica da identidade padronizada? Do sujeito disciplinado, como já mencionei

anteriormente, aquele desejado pela escola, um sujeito previsível e normalizado?

Uma indagação me vem à mente: As formas mencionadas pelas professoras de pensar

identidade e diferença deixam espaço para que o CEI seja de fato o lugar das diferenças? Esse

pensamento me leva novamente às narrativas das professoras e me permite (re)olhá-las. Nelas

a identidade e a diferença não são apresentadas de maneira neutra, o que nos possibilita reflitir

sobre a naturalização das diferenças. Mas o que pode revelar tal naturalização?

A deficiência, vista pela diferença naturalizada, reafirma as desigualdades. Nesse

sentido, é possível destacar a criança com deficiência como aquela que está carregada de

preconceitos dentro de um CEI que busca, incansavelmente, a escolarização dessas crianças

tomando como base a diferença que inferioriza. Assim, é possível perceber a cultura

preconceituosa presente no cotidiano dos CEIs, que continuam a reproduzir práticas

segregadoras.

Em meio a tudo isso, a criança com deficiência “escapa” do sentido produzido e

compartilhado de identidade e diferença que lhe é atribuído, ao possibilitar o (re)pensar sobre

a identidade e a diferença, sendo, por exemplo, o colega que a outra criança gosta e que

também gosta de brincar com ele.

Assim, falo da criança com deficiência, inserida no contexto educacional, que tem voz.

Aquela que com sua presença desarticula o que antes parecia tão articulado. Aquela que

solicita e participa da e na produção de novos sujeitos.

Sujeitos que aprendem, sujeitos que ensinam, sujeitos que se deslocam. Nesse sentido,

as identidades não são fixas, e, conforme aponta Hall (2014), vai sendo definida

historicamente, e não pautada em patologias, porque a identidade não é definida

biologicamente.

Essa criança com deficiência é vista assim pelo seu colega, pois eles sabem que elas

são sujeitos históricos, inseridos em um contexto não separado. Ao desenhar, as crianças

trazem à tona essas evidencias.

Page 99: A PRODUÇÃO DA IDENTIDADE E DIFERENÇA DA CRIANÇA …§ão_Elenir... · A PRODUÇÃO DA IDENTIDADE E DIFERENÇA DA CRIANÇA COM DEFICIÊNCIA NO AMBIENTE EDUCACIONAL QUE SE DENOMINA

101

Imagem 44 – Gosto dele e ele brinca comigo

Fonte: Fonte: Arquivo pessoal da autora – 2015.

Fotografia: Elenir Santana Moreira.

Imagem 45 – Eu gosto dele

Fonte: Arquivo pessoal da autora – 2015.

Fotografia: Elenir Santana Moreira.

Page 100: A PRODUÇÃO DA IDENTIDADE E DIFERENÇA DA CRIANÇA …§ão_Elenir... · A PRODUÇÃO DA IDENTIDADE E DIFERENÇA DA CRIANÇA COM DEFICIÊNCIA NO AMBIENTE EDUCACIONAL QUE SE DENOMINA

102

Imagem 46 – Ele e a casa dele

Fonte: Arquivo pessoal da autora – 2015.

Fotografia: Elenir Santana Moreira.

Imagem 47 – Ele e a mamãe dele

Fonte: Arquivo pessoal da autora – 2015.

Fotografia: Elenir Santana Moreira.

Silva (T.T, 2009) orienta que pensemos em uma pedagogia da diferença, crítica, que

vá além da posição liberal que promove o pensamento da aceitação e a tolerância por tudo

aquilo que é distinto, que difere de nós, no qual o discurso corriqueiramente usado é de que a

diversidade deve ser respeitada. A estratégia terapêutica que traz os distúrbios psicológicos

como causa da rejeição, as diferenças ou o posicionamento que transita entre o liberal e o

Page 101: A PRODUÇÃO DA IDENTIDADE E DIFERENÇA DA CRIANÇA …§ão_Elenir... · A PRODUÇÃO DA IDENTIDADE E DIFERENÇA DA CRIANÇA COM DEFICIÊNCIA NO AMBIENTE EDUCACIONAL QUE SE DENOMINA

103

terapêutico, apresentando o diferente como curioso e exótico, também não se insere no

contexto de questionar de que forma ocorre, de fato, a produção da identidade e da diferença.

Mais uma vez, a criança é capaz de ir além, reconhecendo em seu colega com

deficiência quem ele é. Ela sabe que ambos não são iguais, que são pessoas distintas, mas que

também se aproximam.

Imagem 48 – Ele e eu

Fonte: Arquivo pessoal da autora – 2015.

Fotografia: Elenir Santana Moreira.

Silva (T.T., 2009) avança nas reflexões na medida em que questiona as implicações

políticas que perpassam os conceitos de identidade e de diferença, diversidade, alteridade, ao

mesmo tempo em que busca conceituá-los. Isso possibilita uma reflexão sobre como o

processo de Educação Inclusiva foi colocado dentro dos CEIs e como têm sido definidas, ao

longo do tempo, a identidade e a diferença da criança marcada pela deficiência nesse mesmo

espaço educacional.

Se a identidade depende da diferença, e se aquela não é o oposto desta, podemos então

afirmar que a maior semelhança entre crianças com deficiências e crianças sem deficiências é

que todas elas são crianças.

Page 102: A PRODUÇÃO DA IDENTIDADE E DIFERENÇA DA CRIANÇA …§ão_Elenir... · A PRODUÇÃO DA IDENTIDADE E DIFERENÇA DA CRIANÇA COM DEFICIÊNCIA NO AMBIENTE EDUCACIONAL QUE SE DENOMINA

104

Imagem 49 – Ele é meu amigo, ele brinca comigo e eu gostei do aniversário dele

Fonte: Arquivo pessoal da autora – 2015.

Fotografia: Elenir Santana Moreira.

É oportuno que continuemos a busca por conhecimentos que nos impulsione a

compreender o que está colocado dentro dos CEIs, mesmo que pareçam ser verdades

absolutas e aparentemente consolidadas. Mas ouso dizer que é preciso continuar ouvindo as

crianças, com ouvidos e olhos atentos e curiosos, para aprender e apreender com elas.

Imagem 50 – Eu gosto dele

Fonte: Arquivo pessoal da autora – 2015.

Fotografia: Elenir Santana Moreira.

Page 103: A PRODUÇÃO DA IDENTIDADE E DIFERENÇA DA CRIANÇA …§ão_Elenir... · A PRODUÇÃO DA IDENTIDADE E DIFERENÇA DA CRIANÇA COM DEFICIÊNCIA NO AMBIENTE EDUCACIONAL QUE SE DENOMINA

105

Imagem 51 – Eu fiz um arco-íris para ele

Fonte: Arquivo pessoal da autora – 2015.

Fotografia: Elenir Santana Moreira.

Com isso, afirmo que não tenho a pretensão de encerrar aqui o debate sobre

identidade, diferença, narrativa, inclusão escolar e/ou sobre as parcerias necessárias a essa

construção, uma vez que a temática tem sido proposta em diferentes espaços e meios.

Não venho aqui refletir a respeito de quanto professamos e/ou educamos de modo que

se possa incluir, ou não, novos e outros olhares e conhecimentos capazes de transformar o

cotidiano do qual fazemos parte, a fim de não continuar reproduzindo mecanismos de

controles que produzem a identidade e a diferença da criança com deficiência marcada pelas

diferenças que as inferiorizam, mas sim reflito sobre quanto o encontro com as crianças e suas

criações tecem em nós sutilezas capazes de possibilitar olhares outros, para e sobre as

identidades e diferenças, como os apresentados por Abayomi, que de forma tão singela, e ao

mesmo tempo tão intensa, nos toca, ou mesmo como essa criança que desenha de presente

para Amir um arco-íris.

Arco-íris, que nos coloca diante de um novo e outro olhar.

Então, aventuro-me a dizer que busco (re)significar minha prática pedagógica na

relação com a criança, que a cada olhar me alcança e pelo qual me permito ser alcançada, no

intuito de dar nova forma ao lugar que esse sujeito ocupa dentro do CEI. Lugar que

possibilita, ou deveria possibilitar, diferentes formas de aprendizagem, oportunizando à

criança diversas, diferentes e possíveis maneiras de ler e escrever o mundo, para nele se

inscrever.

Page 104: A PRODUÇÃO DA IDENTIDADE E DIFERENÇA DA CRIANÇA …§ão_Elenir... · A PRODUÇÃO DA IDENTIDADE E DIFERENÇA DA CRIANÇA COM DEFICIÊNCIA NO AMBIENTE EDUCACIONAL QUE SE DENOMINA

106

Imagem 52 – Ele é meu amigo e adora brincar comigo

Fonte: Arquivo pessoal da autora – 2015.

Fotografia: Elenir Santana Moreira.

Para mim, as narrativas das crianças, impressas nos desenhos pela minha escrita, são

as formas mais evidentes das possíveis vozes que atravessam suas falas, além de revelar como

a criança com deficiência escapa dos sentidos atribuídos à sua identidade e diferença,

possibilitando linhas de fuga a quem se permitir deixar alcançar por essa diferença que não

inferioriza.

Imagem 53 – Feliz aniversário para ele

Fonte: Arquivo pessoal da autora – 2015.

Fotografia: Elenir Santana Moreira.

Page 105: A PRODUÇÃO DA IDENTIDADE E DIFERENÇA DA CRIANÇA …§ão_Elenir... · A PRODUÇÃO DA IDENTIDADE E DIFERENÇA DA CRIANÇA COM DEFICIÊNCIA NO AMBIENTE EDUCACIONAL QUE SE DENOMINA

107

Que esse ato de viver o não previsível, pode-se dizer de coragem, nos impulsione a

tornar possível a caminhada por caminhos antes não percorridos.

Que aprendamos com as crianças e sejamos capazes também de dizer: “feliz

aniversário para ele” ou reconhecer que o outro, além de legal, pode ser amigo.

Imagem 54 – Ele é meu amigo

Fonte: Arquivo pessoal da autora – 2015.

Fotografia: Elenir Santana Moreira.

Imagem 55 – Ele é legal

Fonte: Arquivo pessoal da autora – 2015.

Fotografia: Elenir Santana Moreira.

Page 106: A PRODUÇÃO DA IDENTIDADE E DIFERENÇA DA CRIANÇA …§ão_Elenir... · A PRODUÇÃO DA IDENTIDADE E DIFERENÇA DA CRIANÇA COM DEFICIÊNCIA NO AMBIENTE EDUCACIONAL QUE SE DENOMINA

108

Não podemos nos furtar à discussão, mas precisamos avançar nas reflexões, realçando

as denúncias e os anúncios que aqui emergem, mesmo com a indignação e a revolta que os

olhares viciados de alguns nos provocam. O importante é não perder a delicadeza e a

sensibilidade de olhar as crianças, sempre ancorados na potência de pensar onde podemos

educar, ainda que esse educar seja um reaprender de como o outro pode ser legal, da mesma

maneira que a criança se expressa ao desenhar para o colega. É possível termos positivos e

bonitos resultados nos encontros diversos, entre crianças com e sem deficiência.

Se de fato tivéssemos uma escola que se propusesse a ensinar a todos, iríamos refletir

sobre todos os alunos, e não apenas a respeito de alunos com deficiência. Então, proponho

que passemos a ensinar a partir das diferenças; não da diferença que inferioriza, mas da

diferença valendo-se do sujeito.

Saliento a contribuição desta pesquisa não somente para o âmbito da educação infantil

e sociocomunitária, mas para a educação em geral, até porque as pessoas com deficiência têm

o direito de estar em todos e múltiplos e diferentes lugares. A fotografia e a narrativa, aqui

utilizadas como recurso metodológico com crianças pequenas, com ou sem deficiência,

também podem ser empregadas em outras pesquisas.

Fica o convite para que se possa fotografar o cotidiano no ambiente escola, buscando

encontrar cenas sensíveis, procurando ver como as crianças lidam umas com as outras. Porque

essa é uma das maneiras de aguçar o olhar, com a fotografia, que solicita que alguns recortes

sejam feitos e, ao mesmo tempo, constrói um estranhamento para tudo aquilo que é tão

familiar. Caso não encontre cenas sensíveis, proponho que se pergunte: Por que não encontrei

tais cenas? Elas não existem de fato? No entanto, caso as encontre, isso já propiciará

deslocamentos que poderão suscitar novas e outras conversas com as crianças ou com os

sujeitos observados. Esse exercício possibilita aprendermos com eles.

Desse modo, finalizo com a fotografia de um caminho e de muitas mãos, mas,

sobretudo, com a coragem das crianças, que sempre têm a vontade de ver e compreender o

desconhecido.

Page 107: A PRODUÇÃO DA IDENTIDADE E DIFERENÇA DA CRIANÇA …§ão_Elenir... · A PRODUÇÃO DA IDENTIDADE E DIFERENÇA DA CRIANÇA COM DEFICIÊNCIA NO AMBIENTE EDUCACIONAL QUE SE DENOMINA

109

Imagem 56 – Um caminho e muitas mãos

Fonte: Arquivo pessoal da autora – 2015.

Fotografia: Elenir Santana Moreira.

Page 108: A PRODUÇÃO DA IDENTIDADE E DIFERENÇA DA CRIANÇA …§ão_Elenir... · A PRODUÇÃO DA IDENTIDADE E DIFERENÇA DA CRIANÇA COM DEFICIÊNCIA NO AMBIENTE EDUCACIONAL QUE SE DENOMINA

110

REFERÊNCIAS

ALVES, Nilda. A narrativa como método na história do cotidiano escolar. In: CONGRESSO

BRASILEIRO DE HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO, 1., 2000, Rio de Janeiro. Anais... Rio de

Janeiro: SBHE, 6 a 9 nov. 2000. Educação no Brasil: história e historiografia. Disponível em:

<http://www.sbhe.org.br/novo/congressos/cbhe1/anais/124_nilda_alves.pdf>. Acesso em: 11

ago. 2015.

ANDRÉ, Marli Eliza Dalmazo Afonso de. Pesquisa em educação: buscando rigor e qualidade.

Cadernos de Pesquisa, São Paulo: Fundação Carlos Chagas; Campinas: Autores Associados,

n. 113, p. 51-64, jul. 2001.

______. Etnografia da prática escolar. Campinas: Papirus, 1995.

ANTÔNIO, Severino; TAVARES, Katia. Uma pedagogia poética para as crianças.

Americana: Adonis, 2013.

ARAGÃO, Rosália Maria Ribeiro de. Compreendendo a investigação narrativa de ações

escolares de ensino e de aprendizagem no âmbito da formação de professores. In: REUNIÃO

ANUAL DA ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUISA EM

EDUCAÇÃO, 27., 2004, Caxambu. Anais... Caxambu: ANPEd, 2004. Disponível em:

<http://27reuniao.anped.org.br/gt08/t0818.pdf >. Acesso em: 12 jan. 2016.

BARBALHO, Alexandre. Jovens com ideia na cabeça e câmera na mão: biopolítica e trabalho

imaterial na produção audiovisual. Revista Cinética, [S.l.: s.n.], p. 1-11, 2007. Disponível

em: <http://www.revistacinetica.com.br/cep/alexandre_barbalho.pdf>. Acesso em: 12 abr.

2015.

BENJAMIN, Walter. A obra de arte na era de sua reprodutibilidade técnica. In: ______.

Magia e técnica, arte e política: ensaios sobre literatura e história da cultura. 3. ed. São

Paulo: Editora Brasiliense, 1987a. p. 165-196. (Obras escolhidas, v. 1).

______. O narrador. In: _____. Magia e técnica, arte e política: ensaios sobre literatura e

história da cultura. 3. ed. São Paulo: Editora Brasiliense, 1987b. p. 197-221. (Obras

escolhidas, v. 1).

BRANDÃO, Carlos Rodrigues; BORGES, Maristela Corrêa. A pesquisa participante: um

momento da educação popular. Revista de Educação Popular, Uberlândia: UFU, v. 6, n. 1,

p. 51-62, jan./dez. 2007.

COSTA, Rogério da. Sociedade de controle. São Paulo em Perspectiva, São Paulo:

Fundação SEADE, v. 18, n. 1, p. 161-167, 2004.

DELGADO, Ana Cristina Coll; MILLER, Fernanda. Sociologia da infância: pesquisa com

crianças. Educação & Sociedade, Campinas: CEDES, v. 26, n. 91, p. 351-360, maio/ago.

2005. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/es/v26n91/a02v2691.pdf>. Acesso em: maio

2015.

Page 109: A PRODUÇÃO DA IDENTIDADE E DIFERENÇA DA CRIANÇA …§ão_Elenir... · A PRODUÇÃO DA IDENTIDADE E DIFERENÇA DA CRIANÇA COM DEFICIÊNCIA NO AMBIENTE EDUCACIONAL QUE SE DENOMINA

111

______.; ______. Apresentação: tempos e espaços das infâncias. Currículo sem Fronteiras,

[S.l.: s.n.], v. 6, n. 1, p. 514 jan./jun. 2006.

DUTRA, Elza. A narrativa como uma técnica de pesquisa fenomenológica. Estudos de

Psicologia (Natal), Natal: UFRN, v. 7, n. 2, p. 371-378, 2002. Disponível em:

<http://www.scielo.br/pdf/epsic/v7n2/a18v07n2.pdf >. Acesso em: 28 dez. 2015.

FARIA, Ana Lúcia Goulart de. Prefácio. In: FARIA, Ana Lúcia Goulart de; DEMARTlNI,

Zeila de Brito Fabri; PRADO, Patrícia Dias (Orgs.). Por uma cultura da infância:

metodologias de pesquisa com crianças. 2. ed. Campinas: Autores Associados, 2005. p. xixiii.

FERRI, Cássia. Etnografia e estudos sobre currículo: uma aproximação possível. Contra

Pontos – Revista de Educação da Univali, Itajaí: Univali, ano 1, n. 1, p. 23-30, jan./jun. 2001.

FINCO, Daniela; FARIA, Ana Lúcia Goulart de. Creches e pré-escolas em busca de

pedagogias descolonizadoras que afirmem as diferenças. In: ABRAMOWICZ, Anete;

VANDENBROECK, Michel (Orgs.). Educação infantil e diferença. Campinas: Papirus,

2013. p. 109-124.

FOUCAULT, Michel.História da sexualidade 2: o uso dos prazeres. Rio de Janeiro: Graal,

1984.

______. A ordem do discurso. São Paulo: Loyola, 1996.

GALLO, Silvio. Deleuze & a educação. 2. ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2008.

GALVÃO, Cecília. Narrativas em educação. Ciência & Educação, Bauru: UNESP, v. 11, n.

2, p. 327-345, 2005.

GARCIA, Valéria Aroeira. O papel da questão social e da educação não formal nas

discussões e ações educacionais. Americana: UNISAL, 2008. Disponível em:

<http://unisal.br/wp-content/uploads/2013/09/mesa_8_texto_valeria.pdf >. Acesso em: 19 jul.

2015.

GERHARDT, Tatiana Engel; SILVEIRA, Denise Tolfo (Orgs.). Métodos de pesquisa. Porto

Alegre: Editora da UFRGS, 2009. (Série Educação a Distância). Disponível em:

<http://www.ufrgs.br/cursopgdr/downloadsSerie/derad005.pdf>. Acesso em: 28 dez. 2015.

GOMES, Paulo de Tarso. Educação sociocomunitária: delimitações e perspectivas.

Congresso Internacional de Pedagogia Social, São Paulo: USP, n. 2, mar. 2009. Disponível

em: <http://www.proceedings.scielo.br/pdf/cips/n2/13.pdf>. Acesso em: 19 abr. 2016.

GUATTARI, Félix; ROLNIK, Suely. Micropolítica: cartografias do desejo. Petrópolis:

Vozes, 2010.

GUIA PARA ELABORAÇÃO DE TRABALHOS ACADÊMICOS. Centro Universitário

Salesiano de São Paulo. 4. ed. São Paulo: UNISAL, 2015. 71p.

GOBBI, Márcia. Desenho infantil e oralidade: instrumentos para pesquisas com crianças

pequenas. In: FARIA, Ana Lúcia Goulart de; DEMARTlNI, Zeila de Brito Fabri; PRADO,

Page 110: A PRODUÇÃO DA IDENTIDADE E DIFERENÇA DA CRIANÇA …§ão_Elenir... · A PRODUÇÃO DA IDENTIDADE E DIFERENÇA DA CRIANÇA COM DEFICIÊNCIA NO AMBIENTE EDUCACIONAL QUE SE DENOMINA

112

Patrícia Dias (Orgs.). Por uma cultura da infância: metodologias de pesquisa com crianças.

2. ed. Campinas: Autores Associados, 2005. p. 69-92.

______. Desenhos e fotografias: marcas indiciárias das culturas infantis. Contexto &

Educação, Ijuí: UNIJUÍ, ano 23, n. 79, p. 199-221, jan./jun. 2008. Disponível em:

<https://www.revistas.unijui.edu.br/index.php/contextoeducacao/article/viewFile/1060/809>.

Acesso em: 19 set. 2015.

HALL, Stuart. Quem precisa da identidade? In: SILVA, Tomaz Tadeu da (Org.). Identidade e

diferença: a perspectiva dos estudos culturais. 9. ed. Petrópolis: Vozes, 2009. p. 103-133.

______. A identidade cultural na pós-modernidade. São Paulo: Lamparina Editora, 2014.

KOHAN, Walter Omar. A infância da educação: o conceito devir-criança. In: ______. (Org.).

Lugares da infância: filosofia. Rio de Janeiro: DP&A, 2004. 11 p. Disponível em:

<http://www.educacaopublica.rj.gov.br/biblioteca/educacao/0184.html>. Acesso em: 18 abr.

2015.

KRAMER, Sonia. A política do pré-escolar no Brasil: a arte do disfarce. 6. ed. São Paulo:

Cortez, 2001.

______. Autoria e autorização: questões éticas na pesquisa com crianças. Cadernos de

Pesquisa, São Paulo: Fundação Carlos Chagas; Campinas: Autores Associados, n. 116, p. 41-

59, jul. 2002. Disponível: <http://www.scielo.br/pdf/cp/n116/14398.pdf>. Acesso em: 16 abr.

2014.

LARROSA, Jorge. Tecnologias do eu e educação. In: SILVA, Tomaz Tadeu da (Org.). O

sujeito da educação: estudos foucaultianos. Petrópolis: Vozes, 1994. p. 35-86. Disponível

em: < http://www.grupodec.net.br/wp-

content/uploads/2015/10/TecnologiasdoEuEducacaoLarrossa.pdf>. Acesso em: 12 maio 2015.

LÜDKE, Hermengarda Alves; ANDRÉ, Marli Eliza Dalmazo Afonso de. Pesquisa em

educação: abordagens qualitativas. São Paulo: Editora Pedagógica e Universitária, 1986. 99p.

MACHADO, Evelcy Monteiro. A pedagogia social: diálogos e fronteiras com a educação não

formal e educação sociocomunitária. In: CONGRESSO INTERNACIONAL DE

PEDAGOGIA SOCIAL, 2., 2008, São Paulo. Anais... São Paulo: USP, 2008. p. 1-15.

MANTOAN, Maria Teresa Eglér. O direito de ser, sendo diferente, na escola – por uma

escola das diferenças. In: SEMINÁRIO INTERNACIONAL SOCIEDADE INCLUSIVA, 3.,

2004, Belo Horizonte. Anais... Belo Horizonte: PUC-Minas, 2004. Mesa-redonda “Políticas

Públicas de Direitos Humanos e para Pessoas com Deficiência”. Disponível em:

<http://proex.pucminas.br/sociedadeinclusiva/sem3/maria_teresa_egler_mantoan.pdf>.

Acesso em: 15 set. 2015.

______. Proposta pedagógica. O desafio das diferenças nas escolas. In: O DESAFIO das

diferenças nas escolas. Boletim 21, nov. 2006a. p. 3-22. Disponível em:

<http://cdnbi.tvescola.org.br/resources/VMSResources/contents/document/publicationsSeries/

175610Desafio.pdf>. Acesso em: 13 ago. 2015.

Page 111: A PRODUÇÃO DA IDENTIDADE E DIFERENÇA DA CRIANÇA …§ão_Elenir... · A PRODUÇÃO DA IDENTIDADE E DIFERENÇA DA CRIANÇA COM DEFICIÊNCIA NO AMBIENTE EDUCACIONAL QUE SE DENOMINA

113

______. Inclusão escolar: caminhos e descaminhos, desafios, perspectivas. In: O DESAFIO

das diferenças nas escolas. Boletim 21, nov. 2006b. p. 23-31.Disponível em:

<http://cdnbi.tvescola.org.br/resources/VMSResources/contents/document/publicationsSeries/

175610Desafio.pdf>. Acesso em: 13 ago. 2015.

______. Os sentidos da diferença. Inclusão Social, Brasília: IBICT, v. 4 n. 2, p. 103-104,

jan./jun. 2011.

MANZINI, E. J. Entrevista semiestruturada: análise de objetivos e de roteiros. In:

SEMINÁRIO INTERNACIONAL SOBRE PESQUISA E ESTUDOS QUALITATIVOS, 2.,

2004, Bauru. Anais... Bauru: USC, 2004. A pesquisa qualitativa em debate.

MARCONI, Marina de Andrade; LAKATOS, Eva Maria. Fundamentos de metodologia

científica. 5. ed. São Paulo: Atlas 2003.

MATTA,

André Palma da Cunha; CHIACCHIO, Soraya Vilani Bonacorsi; LEYSER, Márcio.

Possíveis etiologias da síndrome de West: avaliação de 95 pacientes. Arquivos de Neuro-

Psiquiatra, São Paulo: ABNEURO, v. 65, n. 3, p. 659-662, set. 2007. Disponível em:

<http://www.scielo.br/pdf/anp/v65n3a/22.pdf >. Acesso em: 9 maio 2015.

MELLO, Ana Maria S. Ros de. Autismo: guia prático. 2. ed. Brasília, DF: CORDE; São

Paulo: AMA, 2007. Disponível em:

<http://www.psiquiatriainfantil.com.br/livros/pdf/AutismoGuiaPratico.pdf>. Acesso em: 8

maio 2015.

MENEGAÇO, Rúbia Cristina Cruz. Lições das descontinuidades: fragmentos de tempos e

espaços compartilhados na formação da educadora. 2004. Dissertação (Mestrado) –

Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2004.

MINAYO, Maria Cecília de Souza; GOMES, Suely Ferreira Deslandes Romeu. Pesquisa

social: teoria, método e criatividade. 31. ed. Petrópolis: Vozes, 2012.

NEVES, Cláudia Elizabeth Abbês Baêta. Sociedade de controle, o neoliberalismo e os efeitos

de subjetivação. In: SILVA, André do Eirado et al. (Org.). Subjetividade: questões

contemporâneas. São Paulo: Hucitec, 1997. p. 84-91. (Saúde Loucura, v. 6).

ROCHA, Bárbara Mariano da et al. Fotografia: uma intervenção do olhar. In: ROCHA,

Bárbara Mariano da (Org.). Olhar vidas: a fotografia em uma pesquisa-intervenção. 1. ed.

Porto Alegre: Editora Zouk, 2008. p. 13-18. Disponível em:

<http://www.pucrs.br/psico/pet/Fragmentos%20do%20Livro%20Olhar%20vidas.pdf>.

Acesso em: 13 jul. 2015.

ROSA, Maria Inês Petrucci; RAMOS, Tacita Ansanello; CORRÊA, Bianca Rodrigues;

ALMEIDA JÚNIOR, Admir Soares de. Narrativas e mônadas: potencialidades para uma outra

compreensão de. Currículo sem Fronteiras, [S.l.: s.n.], v. 11, n. 1, p. 198-217, jan./jun.

2011. Disponível em: <http://www.curriculosemfronteiras.org/vol11iss1articles/rosa-ramos-

correa-junior.pdf>. Acesso em: 28 dez. 2015.

Page 112: A PRODUÇÃO DA IDENTIDADE E DIFERENÇA DA CRIANÇA …§ão_Elenir... · A PRODUÇÃO DA IDENTIDADE E DIFERENÇA DA CRIANÇA COM DEFICIÊNCIA NO AMBIENTE EDUCACIONAL QUE SE DENOMINA

114

SANTOS, Boaventura de Sousa (Org.). Reconhecer para libertar: os caminhos do

cosmopolitanismo multicultural. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003.

SCHWARTZMAN, José Salomão et al. Síndrome de Down. 2. ed. São Paulo: Editora

Mackenzie, 2003.

SILVA, Roberto da. As bases científicas da educação não formal. In: MOURA, Rogério

Adolfo de; SILVA, Roberto da; SOUZA NETO, João Clemente de. Pedagogia social. São

Paulo: Expressão & Arte, 2009. p. 179-193.

SILVA, Tomaz Tadeu da. Documentos de identidade: uma introdução às teorias do currículo.

Belo Horizonte: Autêntica, 1999. 156p.

______. Identidade e diferença: impertinências. Educação & Sociedade: Campinas: CEDES,

ano 23, n. 79, p. 65-66, ago. 2002. Disponível:

<http://www.scielo.br/pdf/es/v23n79/10849.pdf >. Acesso em: 2 maio 2016.

______. A produção social da identidade e da diferença. In:______. Identidade e diferença: a

perspectiva dos estudos culturais. 9. ed. Petrópolis: Vozes, 2009. p. 73-102.

UNICEF – Fundo das Nações Unidas para a Infância. O impacto do racismo na infância.

Racismo 60 anos. Brasília, DF: UNICEF, 2010. p. 1-16. Disponível em:

<http://www.unicef.org/brazil/pt/br_folderraci.pdf>. Acesso em: 17 jan. 2016.

VEIGA NETO, Alfredo. Cultura, culturas e educação. Revista Brasileira de Educação, Rio

de Janeiro: ANPEd; Campinas: Autores Associados, n. 23, p. 515, maio/ago. 2003.

WOODWARD, Kathryn. Identidade e diferença: uma introdução teórica e conceitual. In:

SILVA, Tomaz Tadeu da (Org.). Identidade e diferença: a perspectiva dos estudos culturais.

9. ed. Petrópolis: Vozes, 2009. p. 7-72.

Page 113: A PRODUÇÃO DA IDENTIDADE E DIFERENÇA DA CRIANÇA …§ão_Elenir... · A PRODUÇÃO DA IDENTIDADE E DIFERENÇA DA CRIANÇA COM DEFICIÊNCIA NO AMBIENTE EDUCACIONAL QUE SE DENOMINA

115

LEGISLAÇÃO CONSULTADA

BRASIL. Presidência da República. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.

Diário Oficial da União, Brasília, DF, 5 out. 1988.

______. Lei n. 8.069, de 13 de julho de 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do

Adolescente e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 16 set. 1990.

Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L8069.htm>. Acesso em: 20 jan.

2016.

______. Lei n. 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as Diretrizes e Bases da

Educação Nacional. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 23 dez. 1996.

______. Decreto legislativo n. 186, de 9 de julho de 2008. Aprova o texto da Convenção

sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e de seu Protocolo Facultativo, assinados em

Nova Iorque, em 30 de março de 2007. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 10 jul. 2008a.

______. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização,

Diversidade e Inclusão. Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da

Educação Inclusiva. Documento elaborado pelo Grupo de Trabalho nomeado pela Portaria

Ministerial n. 555, de 5 de junho de 2007, prorrogada pela Portaria n. 948, de 9 de outubro de

2007. Brasília, DF: MEC/SECADI, 2008b.

______. Decreto n. 6.949, de 25 de agosto de 2009. Promulga a Convenção Internacional

sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e seu Protocolo Facultativo, assinados em

Nova York, em 30 de março de 2007. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 26 ago. 2009.

______. Ministério da Educação. Educação Especial. Marcos político-legais da educação

especial na perspectiva da educação inclusiva na perspectiva da educação inclusiva.

Brasília, DF: Secretaria de Educação Especial, 2010a. 73 p.

______. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Básica. Diretrizes Curriculares

Nacionais para a Educação Infantil. Brasília, DF: MEC/SEB, 2010b.

CONVENÇÃO SOBRE OS DIREITOS DAS PESSOAS COM DEFICIÊNCIA (2007).

Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência: Protocolo Facultativo à

Convenção sobre os Direitos das pessoas com deficiência: decreto legislativo n. 186, de 9 de

julho de 2008: decreto n. 6.949, de 25 de agosto de 2009. 4. ed., rev. e atual. Brasília, DF:

Secretaria de Direitos Humanos, Secretaria Nacional de Promoção dos Direitos da Pessoa

com Deficiência, 2011.

PREFEITURA MUNICIPAL DE CAMPINAS. Lei Orgânica de Campinas, de 30 de março

de 1990. Diário Oficial do Município, Campinas, 31 mar. 1990.

______. Decreto n. 17.657, de 26 de julho de 2012. Institui o Programa de Atendimento da

Central de Vagas Escolares no Município de Campinas e dá outras providências. Diário

Oficial do Município, 27 jun. 2012. Disponível em:

<http://www.campinas.sp.gov.br/uploads/pdf/1618069835.pdf>. Acesso em: jun. 2015.

Page 114: A PRODUÇÃO DA IDENTIDADE E DIFERENÇA DA CRIANÇA …§ão_Elenir... · A PRODUÇÃO DA IDENTIDADE E DIFERENÇA DA CRIANÇA COM DEFICIÊNCIA NO AMBIENTE EDUCACIONAL QUE SE DENOMINA

116

______. Caderno Curricular Temático. Educação básica: ações educacionais em

movimento. Campinas: Prefeitura Municipal de Campinas; Secretaria Municipal de Educação,

Departamento Pedagógico, 2014. (Coleção Espaços e tempos na educação das crianças, v. I)

______. Decreto n. 18.664, de 3 de março de 2015. Dispõe sobre a denominação das escolas

municipais de educação infantil. Diário Oficial do Município, Campinas, 2015.

Page 115: A PRODUÇÃO DA IDENTIDADE E DIFERENÇA DA CRIANÇA …§ão_Elenir... · A PRODUÇÃO DA IDENTIDADE E DIFERENÇA DA CRIANÇA COM DEFICIÊNCIA NO AMBIENTE EDUCACIONAL QUE SE DENOMINA

117

SITES CONSULTADOS

http://bancodeteses.capes.gov.br/. Acesso em: abr./jun. 2015.

http://campinas.sp.gov.br/arquivos/educacao/comunicadodepeplanejamento2014.pdf. Acesso

em: fev. 2015.

http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&id=12907:legislacoes

&catid=70:legislacoes. Acesso em: maio 2015.

http://www.autismo.org.br/site/images/Downloads/7guia%20pratico.pdf. Acesso em: maio

2015.

http://www.campinas.sp.gov.br/governo/educacao/deptopedagogico/educacaoespecial/index.p

hp. Acesso em: maio 2015.

http://www.deficienteciente.com.br/2010/07/oqueesindromedewest.html. Acesso em: abr.

2015.

http://www.heloisabuarquedehollanda.com.br/entrevistajbstuarthall/. Acesso em: fev. 2015.

http://www.im.ufrj.br/biblioteca/?p=1937. Acesso em: jun. 2015.

http://portuafrica.blogspot.com.br/2013/08/nomesafricanosmasculinos.html. Acesso em: mar.

2015.

http://www.dicionariodoaurelio.com/caminho. Acesso em: jan. 2016.

Page 116: A PRODUÇÃO DA IDENTIDADE E DIFERENÇA DA CRIANÇA …§ão_Elenir... · A PRODUÇÃO DA IDENTIDADE E DIFERENÇA DA CRIANÇA COM DEFICIÊNCIA NO AMBIENTE EDUCACIONAL QUE SE DENOMINA

118

ANEXOS

Anexo 1: Termo de Consentimento Livre e Esclarecido

Autorização para pesquisa e coleta de depoimentos: orais, escritos, desenhos e imagens

Eu, Elenir Santana Moreira, RG n. 177607543, sou aluna regular no Programa de Mestrado

em Educação do Centro Universitário Salesiano de São Paulo (UNISAL), área de

concentração Educação Sociocomunitária, campus Maria Auxiliadora, unidade de

Americana/SP e orientanda da Professora Doutora Norma Silvia Trindade de Lima, docente

do mestrado dessa instituição.

Como parte de material necessário para obtenção do grau de Mestre em Educação, necessito

desenvolver uma pesquisa que tem como tema: “A Produção da Identidade e Diferença da

Criança com Deficiência no Ambiente Educacional que se Denomina Inclusivo”, e venho

solicitar a autorização para realizar o trabalho de campo neste local, durante o período

__________________, e para tanto necessitarei realizar observações participantes com os

sujeitos que aceitarem participar, coletar depoimentos orais e escritos, desenhos e imagens,

para fins estritamente acadêmicos.

Comprometo-me, ao final do desenvolvimento do trabalho de pesquisa, fazer o retorno dos

resultados para todos os envolvidos diretamente no processo da investigação.

Americana, ______ de _______________ de 2015

....................................................................................................................................

Autorização para pesquisa e coleta de depoimentos: orais, escritos, desenhos e imagens.

(Obs.: Esclareço que as imagens não serão de rosto, pois não visam identificar as crianças).

Eu, ____________________________________, RG________________________, autorizo

o trabalho de campo de pesquisa e a coleta de depoimentos orais e escritos, desenhos e

imagens, para fins estritamente acadêmicos da aluna.

Data____/______/2015

Assinatura_____________________________________________________

Page 117: A PRODUÇÃO DA IDENTIDADE E DIFERENÇA DA CRIANÇA …§ão_Elenir... · A PRODUÇÃO DA IDENTIDADE E DIFERENÇA DA CRIANÇA COM DEFICIÊNCIA NO AMBIENTE EDUCACIONAL QUE SE DENOMINA

119

Anexo 2: Carta de Apresentação

PROGRAMA DE MESTRADO EM EDUCAÇÃO

Unidade Americana – SP

CARTA DE APRESENTAÇÃO DA PESQUISA

Prezado(a) Sr(a) _________________________________________________________,

Venho por meio desta apresentar minha orientanda.................................., aluna

regular no Programa de Mestrado em Educação do Centro Universitário Salesiano de

São Paulo (UNISAL), área de concentração Educação Sociocomunitária, na unidade de

Americana/SP, responsável pelo desenvolvimento da pesquisa

“..............................................................................”, desenvolvida por meio da aplicação de

questionários, narrativas orais, desenhos e fotografias, a professoras e alunos. Obs.:

Esclareço que as imagens não serão de rosto, pois não visam identificar as crianças.

Essas informações estão sendo fornecidas para subsidiar sua participação

voluntária neste estudo, que visa analisar como as narrativas tem efeitos de subjetivação,

colaborando ou não com a produção da identidade e diferença da criança com deficiência,

dentro da escola de educação infantil municipal de campinas, que se denomina inclusiva.

Em qualquer etapa do estudo, você e os demais sujeitos envolvidos terão acesso ao

aluno pesquisador para esclarecimento de eventuais dúvidas, por meio de contato pessoal

ou pelo telefone _____________. É garantida aos sujeitos de pesquisa a liberdade da retirada

de consentimento e o abandono do estudo a qualquer momento, pois a paticipação é

voluntária.

As informações obtidas serão analisadas em conjunto com outros sujeitos da pesquisa,

não sendo divulgada a identificação de nenhum participante. Fica assegurado, também, o

direito de ser mantido atualizado sobre os resultados parciais e finais da pesquisa, assim

que eles chegarem ao conhecimento do pesquisador.

Page 118: A PRODUÇÃO DA IDENTIDADE E DIFERENÇA DA CRIANÇA …§ão_Elenir... · A PRODUÇÃO DA IDENTIDADE E DIFERENÇA DA CRIANÇA COM DEFICIÊNCIA NO AMBIENTE EDUCACIONAL QUE SE DENOMINA

120

Não há despesas pessoais para o participante em qualquer fase do estudo.

Também não há compensação financeira relacionada à sua participação.

O aluno pesquisador se compromete a utilizar os dados e o material coletados

somente para esta pesquisa e divulgação dos resultados nos meios acadêmicos por meio de

artigos em periódicos acadêmicos e participação em eventos.

Sem mais para o momento, agradeço e despeço-me.

____________________________________________

Profa. Dra. Orientadora ............................................

Docente do Programa de Mestrado em Educação – UNISAL Americana/SP

Americana,____ de________________ de 2015.

Page 119: A PRODUÇÃO DA IDENTIDADE E DIFERENÇA DA CRIANÇA …§ão_Elenir... · A PRODUÇÃO DA IDENTIDADE E DIFERENÇA DA CRIANÇA COM DEFICIÊNCIA NO AMBIENTE EDUCACIONAL QUE SE DENOMINA

121

APÊNDICE – A

Perguntas do questionário destinado à professora do CEI 1

Considerando como a escola trata as crianças com deficiências e as que não têm deficiências.

1. Inclui-se quem?

2. De que modo?

3. O que significa “incluir”?

4. Existe a inclusão no dia a dia da escola?

5. Como reagem as crianças e professoras (você e a outra professora) diante de crianças com

deficiências?

6. Papel/função da escola, ou, como você pensa a escola? Qual a sua visão?

7. Papel/função da professora;

8. Papel/função da gestão;

9. Como é ter no agrupamento uma criança com deficiência?

10. O que aproxima a criança com deficiência da outra criança sem deficiência?

11. O que diferencia a criança com deficiência da outra criança sem deficiência?

12. Como é a escuta para a criança com deficiência?

13. Como essa escuta é interpretada?

14. O que é possível escutar?

15. O que é identidade?

16. O que é diferença?

Perguntas do questionário destinado às professoras do CEI 2

Considerando como a escola trata as crianças com deficiências e os tidos como “normais”.

1. Inclui-se quem?

2. De que modo?

3. O que significa “incluir”?

4. Existe a inclusão no dia a dia da escola?

5. Como reagem os alunos e professoras (você e a outra professora) diante de crianças com

deficiência?

Page 120: A PRODUÇÃO DA IDENTIDADE E DIFERENÇA DA CRIANÇA …§ão_Elenir... · A PRODUÇÃO DA IDENTIDADE E DIFERENÇA DA CRIANÇA COM DEFICIÊNCIA NO AMBIENTE EDUCACIONAL QUE SE DENOMINA

122

APÊNDICE – B

Respostas da professora do CEI 1

Considerando como a escola trata as crianças com deficiências e as que não têm deficiências.

1. Inclui-se quem?

A escola possui um discurso inclusivo, mas, na prática, as diferenças não são totalmente

aceitas. Sinto que não só as crianças com deficiência, mas outras fogem aos padrões de

comportamento ditos “normais”, e sofrem mais dentro do ambiente escolar. Exige-se muito

uma contenção dos movimentos e dos corpos para que elas permaneçam, durante longos

períodos, sentadas, quietas e quase imóveis. A infância é marcada por inquietações,

curiosidades, muitas perguntas e um corpo que corre, dança, pula, vibra, muito diferente do

adulto. A escola não respeita isso!

2. De que modo?

Crianças concentradas, caprichosas, obedientes, “calmas ou tranquilas” são mais aceitas,

valorizadas e elogiadas (reforço positivo). As outras com ou sem deficiência, mas que exigem

constantes interferências dos adultos para que se moldem aos padrões escolares sofrem várias

punições e coações verbais, isolamento dos colegas, “castigos”. Há uma inclusão com várias

exigências, pois não há respeito com maneiras e modos outros de agir.

3. O que significa “incluir”?

Penso que incluir pressupõe sentimento de inclusão e pertencimento a um grupo, conservando

e valorizando maneiras e modos próprios de ser e de estar. As diferenças deveriam ser vistas

como positivas no sentido de contribuição para os mais diferentes trabalhos e projetos a serem

desenvolvidos pelo grupo.

4. Existe a inclusão no dia a dia da escola?

Como disse na primeira pergunta, no dia a dia não há inclusão. Em muitos momentos, a turma

é tratada como uma massa que deve desenvolver determinadas atividades. As falas, perguntas

e objeções das crianças, muitas vezes, sequer são ouvidas.

5. Como reagem as crianças e professoras (você e a outra professora) diante de crianças

com deficiências?

Page 121: A PRODUÇÃO DA IDENTIDADE E DIFERENÇA DA CRIANÇA …§ão_Elenir... · A PRODUÇÃO DA IDENTIDADE E DIFERENÇA DA CRIANÇA COM DEFICIÊNCIA NO AMBIENTE EDUCACIONAL QUE SE DENOMINA

123

Como professora, tenho algumas preocupações e cuidados com relação à criança com

deficiência, evitando rótulos e discriminações por parte das outras crianças da sala. Evito

dizer o nome da deficiência, em vez disso, digo que tal criança ainda não saber fazer

determinadas coisas e que todos nós vamos ajudar, assim como devemos nos ajudar

mutuamente no dia a dia. Valorizo e incentivo muito todos os momentos de ajuda e

colaboração, entendendo como maneiras de aprender a lidar com as diferenças, e as crianças

são ótimas nisso! Ajudam bastante e se sentem importantes quando faço comentários

positivos a respeito disso!

Percebo que o professor do aluno com deficiência, através de suas atitudes, incentiva ou não a

proximidade das demais professoras e/ou funcionários da escola com relação a essa criança.

Mas também enxergam e deixam transparecer como minha a total responsabilidade por ela,

não sendo tão colaborativo e prestativo em muitos momentos.

6. Papel/função da escola, ou, como você pensa a escola? Qual a sua visão?

Vejo a escola como um espaço riquíssimo de trocas das mais diversas naturezas e de

experimentações, principalmente a educação infantil. A infância apresenta abertura e

flexibilidade para debatermos muitos assuntos polêmicos e socialmente preconceituosos. Há

uma liberdade imensa para debates e reflexões riquíssimas que não podem ser menosprezadas

e negligenciadas pelos adultos.

7. Papel/função da professora

Assim como citei acima, com relação à função e papel da escola, vejo igualmente o professor

engajado nessa postura. As crianças nos trazem diariamente falas, comentários, opiniões, que

não podemos simplesmente deixar de lado, há que se ficar atento e pautar o planejamento em

cima dessas riquezas trazidas por elas. Através de inúmeros materiais de apoio: livros de

história, internet, teatro, música, modelagem, obras de arte, desenhos, filmes, resgatar

assuntos pertinentes e plausíveis de debates visando não só confrontar opiniões, mas ampliar

maneiras diferentes de entendimento e reflexões que podem combater preconceitos,

humanizando relações.

8. Papel/função da gestão;

Entendo que a gestão deveria ter mais escuta para com os professores. Muitas vezes, o

ambiente de trabalho não oferece boas condições e lidamos com vários problemas

estressantes, mas não há organizações de tempos e espaços para trocas de ideias, debates

Page 122: A PRODUÇÃO DA IDENTIDADE E DIFERENÇA DA CRIANÇA …§ão_Elenir... · A PRODUÇÃO DA IDENTIDADE E DIFERENÇA DA CRIANÇA COM DEFICIÊNCIA NO AMBIENTE EDUCACIONAL QUE SE DENOMINA

124

acerca de questões que afligem vários profissionais, enfim tentativas de se pensar junto

buscando possíveis soluções.

9. Como é ter no agrupamento uma criança com deficiência?

Se disser que é tranquilo, que não me exige nada, estarei mentindo, mas não sinto exigências

somente por parte das crianças com deficiência. Fico preocupada em agir de forma a

promover crescimento nessa criança, fazer diferença na sua vida, contribuir de alguma forma

para o seu desenvolvimento.

10. O que aproxima a criança com deficiência da outra criança?

As crianças possuem um sentimento de solidariedade muito forte, estão sempre preocupadas e

atentas umas com as outras, ao ouvir um choro se mobilizam até a criança, numa tentativa de

ajudar e, em seguida, chamam um adulto. Dessa forma, a aproximação e a colaboração com a

criança com deficiência é muito natural, muitas vezes, o adulto acaba a distanciando,

“exigindo” cuidados excessivos ou até dizendo para ela se afastar, para que ele cuide.

11. O que diferencia a criança com deficiência da outra criança?

Penso que o que diferencia seria uma síndrome, um transtorno, uma deficiência que não

compreendemos muito bem em sua totalidade, mas que isso não deve ser motivo de

distanciamento, receio de cuidar ou qualquer medo, pois na escola temos outros objetivos

muito diferentes das clínicas, hospitais e associações somente para crianças com deficiência.

12. Como é a escuta para a criança com deficiência?

Dependendo da deficiência, esta exige um olhar mais apurado, como, por exemplo, meu aluno

autista que não fala. Fico atenta aos sons que emite, seu olhar, seus gestos, choro e também

comentários e falas das outras crianças a respeito dele.

13. Como essa escuta é interpretada?

Procuro relacionar com outras questões dessa mesma criança, com outros momentos e

atividades, a fim de ter mais subsídios para entender e interpretar melhor algumas atitudes não

tão comuns. Muitas vezes, converso com a mãe na saída relatando o ocorrido e ouvindo sua

opinião.

14. O que é possível escutar?

Page 123: A PRODUÇÃO DA IDENTIDADE E DIFERENÇA DA CRIANÇA …§ão_Elenir... · A PRODUÇÃO DA IDENTIDADE E DIFERENÇA DA CRIANÇA COM DEFICIÊNCIA NO AMBIENTE EDUCACIONAL QUE SE DENOMINA

125

É possível escutar não só o que é audível, mas os detalhes nos dizem muito. Os gestos, as

reações, a maneira de ser e estar também nos permite fazer deduções que podem se confirmar

ou não. A atenção é muito importante.

15. O que é identidade?

Penso que identidade é o que constitui o sujeito. Suas vivências, crenças, maneiras de ser e

estar no mundo, o que lhe é próprio e característico.

16. O que é diferença?

Diferença complementa identidade, porque somos diferentes em vários aspectos. Arrisco

dizer que a diferença nos permite constituir as identidades. Aceitar as diferenças é entender

que temos identidades próprias.

Respostas das professoras do CEI 2

Considerando como a escola trata as crianças com deficiências e aquelas que não as têm:

1. Inclui-se quem?

Professora 1: Somos todos diferentes e deficientes em alguma coisa, cada um tem o seu ritmo

e o seu momento de aprendizado.

Professora 2: Penso que a escola deve incluir todas as crianças com suas diferenças e

especificidades. Cabe à escola aproveitar essa diversidade para enriquecer o trabalho.

Professora 3: Incluímos todas as crianças, não só as tidas como “deficientes”, pois todas

merecem um olhar diferenciado e individual.

2. De que modo?

Professora 1: Temos que incluir todos os alunos, os novos e os velhos nas diferentes

situações. Quando você fala “tenho tantos alunos e um deficiente”, já está colocando como

diferente, por isso prefiro ver a criança.

Professora 2; Acredito também que a inclusão se refere a todos, a escola precisa aprender a

lidar com as diferenças.

Page 124: A PRODUÇÃO DA IDENTIDADE E DIFERENÇA DA CRIANÇA …§ão_Elenir... · A PRODUÇÃO DA IDENTIDADE E DIFERENÇA DA CRIANÇA COM DEFICIÊNCIA NO AMBIENTE EDUCACIONAL QUE SE DENOMINA

126

Professora 3: As diferenças são respeitadas, pois não somente os deficientes necessitam de um

olhar diferenciado, mas todas as crianças em suas especificidades. O olhar é para toda criança,

pois cada uma tem seu modo de ser de agir, e cada família tem um jeito de lidar com ela.

3. O que significa “incluir”?

Professora 1: “Inclusão: do latim. Inclusione é o ato ou efeito de incluir (antônimo de:

exclusão), relação entre dois termos, um dos quais faz parte ou da compreensão ou da

extensão do outro. (Cf. inerência), ato pelo qual um conjunto contém ou inclui outro”.

Professora 2: Incluir significa uma escola que há espaço para todos, com suas especificidades.

Professora 3: Incluir para mim significa realmente olhar para a criança e ver aquilo em que ela

tem mais dificuldade, aquilo de que realmente ela necessita, e também respeitar o modo de ser

dessa criança, sua cultura, seu modo de ser, e também ajudá-la a se desenvolver buscando

caminhos para que isso possa acontecer efetivamente.

4. Existe a inclusão no dia a dia da escola?

Professora 1: A inclusão é um processo irreversível. As leis existem e a questão de uma escola

para todos vem sendo reforçada. Entretanto, os dirigentes não dão o suporte necessário para

os professores, seja no conhecimento das deficiências, na estrutura da sensibilidade e no

mobiliário. Temos de cumprir.

Professora 2: Acredito que estamos caminhando ainda quanto à inclusão, pois já temos

atitudes mais inclusivas, mas também temos outras que ainda não aceitam as diferenças de

cada criança.

Professora 3: A inclusão existe sim, às vezes, encontramos algumas dificuldades como, por

exemplo, um local não muito adequado, sem muito espaço, falta de material específico, mas

corremos atrás e para nos ajudarmos temos uma ótima profissional especialista em Educação

Especial.

5. Como reagem as crianças e professoras (você e a outra professora) diante de crianças

com deficiências?

Professora 1: Quando recebo um aluno com uma deficiência, não fico pensando nas

dificuldades. A diretora da escola sempre disponibiliza alguém para ajudar, isso não impede

que eu cuide também. Os alunos pequenos, entre 2 e 3 anos, não discriminam, até gostam de

Page 125: A PRODUÇÃO DA IDENTIDADE E DIFERENÇA DA CRIANÇA …§ão_Elenir... · A PRODUÇÃO DA IDENTIDADE E DIFERENÇA DA CRIANÇA COM DEFICIÊNCIA NO AMBIENTE EDUCACIONAL QUE SE DENOMINA

127

cuidar. O que vejo é a imitação dos menores, sempre é necessário retomar a capacidade dos

demais alunos para realização de tarefas.

Professora 2: Sinto uma grande resistência em aceitar e lidar com o deficiente por parte dos

professores e demais funcionários da escola. Há uma grande preocupação de como agir, como

atuar junto à criança com deficiência.

Professora 3: No primeiro momento, a deficiência assusta um pouco sim, não vou negar, pois,

muitas vezes, achamos que não vamos saber o que fazer para melhor ajudar essa criança, mas

a deficiência é tratada com muito respeito, e a criança é respeitada em seus limites pelos

adultos, tantos os que estão diretamente ligadas e ela como pela escola em geral. Já, quanto ao

olhar das outras crianças para ela, eu sinto que na idade que minhas crianças têm as diferenças

não são tão acentuadas. Creio que em escolas com crianças maiores, talvez essas diferenças

possam pesar mais. As minhas crianças ainda não veem essas diferenças com tanto apresso.


Recommended