UNIVERSIDADE DE LISBOA
FACULDADE DE LETRAS
A Rotação Partidária em Portugal. A Aprendizagem da
Alternância Política (c. 1860-1890)
Manuel Maria Cardoso Leal
Orientador: Prof. Doutor Ernesto Saturnino Dá Mesquita Castro Leal
Tese especialmente elaborada para obtenção do grau de Doutor no ramo de
História, na especialidade de História Contemporânea
2016
UNIVERSIDADE DE LISBOA
FACULDADE DE LETRAS
A Rotação Partidária em Portugal. A Aprendizagem da Alternância Política (c. 1860-1890)
Manuel Maria Cardoso Leal
Orientador: Prof. Doutor Ernesto Saturnino Dá Mesquita Castro Leal
Tese especialmente elaborada para obtenção do grau de Doutor no ramo de
História, na especialidade de História Contemporânea
Júri:
Presidente: Doutor António Adriano de Ascensão Pires Ventura, Professor Catedrático e
Director da Área de História da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa
Vogais:
Doutor André Renato Leonardo Neves dos Santos Freire, Professor Associado com Agregação,
Escola de Sociologia e Políticas Públicas do ISCTE – Instituto Universitário de Lisboa;
Doutor José Miguel Pereira Alcobio Palma Sardica, Professor Associado com Agregação,
Faculdade de Ciências Humanas da Universidade Católica Portuguesa;
Doutor Paulo Jorge Chalante Azevedo Fernandes, Professor Auxiliar
Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa;
Doutor António Adriano de Ascensão Pires Ventura, Professor Catedrático,
Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa;
Doutor Sérgio Carneiro de Campos Matos, Professor Associado com Agregação,
Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa;
Doutor Ernesto Saturnino Dá Mesquita Castro Leal, Professor Associado com Agregação,
Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa;
Doutora Teresa Maria e Sousa Nunes, Professora Auxiliar,
Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa
2016
1
TESE DE DOUTORAMENTO EM HISTÓRIA CONTEMPORÂNEA
A Rotação Partidária em Portugal. A Aprendizagem da Alternância
Política (c. 1860-1890)
Resumo
Compreender como se construiu o primeiro sistema partidário em Portugal e
como evoluiu para a rotação entre dois partidos, no período 1860-1890, é o propósito
principal da presente tese.
Tal rotação fez-se entre duas opções moderadas, uma conservadora e outra
progressista, ou uma de centro-direita e outra de centro-esquerda, respeitadoras das
regras políticas fundamentais. Mas houve sempre luta entre um partido inspirado num
espírito unitário e outro desejoso de afirmar uma alternativa.
Nos anos 50 já houve transições governativas, sob o impulso do rei, entre as
mesmas forças políticas da futura rotação, mas esta só se realizou realmente a partir do
final dos anos 70, impulsionada também pela opinião pública e não apenas pelo rei. A
aceitação geral do princípio rotativo a que se chegou nos anos 80 significou uma vitória
do bipartidarismo sobre o predomínio de um partido.
Mais do que um símbolo da Monarquia Constitucional portuguesa, a rotação de
1860-1890 foi parte da evolução geral dos sistemas representativos na Europa.
Palavras-chave:
- liberalismo
- partidos políticos;
- conservadores-progressistas;
- direita-esquerda;
- rotação / rotativismo / alternância;
- monarquia constitucional
- opinião pública
2
Abstract
This thesis aims mainly to undestand how the first party system was built in
Portugal and how it evolved into the rotation of two parties, in the period between 1860
and 1890.
That rotation was assured between two moderate parties, one conservative and
another progressist, or one center-right wing and another center-left wing, both obeying
the basic political rules. But it consisted of a constant strife between a party inspired by
an unitarian spirit and another party wishing to assert an alternative.
In the 1850’s there were some governmental transitions, driven by the king,
between the same political forces of future rotation; but this was really accomplished in
the end of the 1870’s, boosted by the public opinion, not only by the king. The general
acceptance of the rotation principle that was reached in the 1880’s meant a victory of
bipartidism over one party’s predominance.
The rotation of 1860-1890 was more than a symbol of Portuguese Constitutional
Monarchy; it was also parte of general evolution of representative systems in Europe.
Key words:
Liberalism;
Political parties;
Conservatives-Progressists
Right-Left
Rotation (Rotativismo)/Alternance
Constitutional Monarchy
Public Opinion
3
TESE DE DOUTORAMENTO EM HISTÓRIA CONTEMPORÂNEA
A Rotação Partidária em Portugal. A Aprendizagem da Alternância
Política (c. 1860-1890)
Índice
Introdução
1 – Antecedentes
2 – A experiência da diferenciação (c. 1860-1865)
2.1 – Primeira vitória da diferenciação (c. 1860-1862)
2.2 – Governo histórico diferenciado põe fim à questão religiosa (1862)
2.3 – Reformas importantes sob intensa luta política (1863-1864)
2.4 – Como se destrói uma «maioria enormíssima» (1864-1865)
3 – A experiência da fusão (1865-1868)
3.1 – Governo Sá/Ávila, de transição (1865)
3.2 – «Governo da Fusão»: o sistema político sem alternativa (1865-1868)
4 – A experiência dos pequenos partidos (1868-1871)
4.1 – Governo Ávila/Dias: arrefecer a revolta (1868)
4.2 – Governo Sá/Viseu: a febre das economias (1868-1869)
4.3 – Governo Loulé: reconstruir o Partido Histórico (1869-1870)
4.4 – Ditadura de Saldanha: o país em perigo (1870)
4.5 – Governo Sá/Viseu: solução de recurso (1870)
4.6 – Governo Ávila/Viseu: Reformistas abdicam do poder (1870-1871)
5 – A época dourada regeneradora de Fontes Pereira de Melo (1871-1879)
5.1 – Paz e prosperidade face à desordem nos países vizinhos (1871-1873)
5.2 – A oposição abafada (1873-76)
5.3 – 1876, ano de viragem e de novas alternativas
5.4 – Governo Ávila: uma pausa no domínio regenerador (1877-78)
5.4 – Domínio regenerador face ao desejo de mudança (1878-1879)
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6 – Ascensão e queda da alternativa progressista (1879-1881)
6.1 – Maioria progressista em desarmonia com a Câmara dos Pares
(1879-1881)
6.2 – A rotação alvo de extermínio (1881)
7 – Reformas políticas para maior equilíbrio entre os partidos (1881-1886)
7.1 – Manobras para o acordo entre os partidos rotativos (1881-1883)
7.2 – Reformas políticas em ambiente de desconfiança (1884-1885)
7.3 – A sucessão no Partido Progressista (1885-1886)
8 – Do Governo progressista ao «Ultimato Inglês» (1886-1890)
8.1 – O poder regenerador desmontado (1886-1887)
8.2 – A sucessão no Partido Regenerador (1887)
8.3 – Governo progressista sob intenso combate (1888-1889)
8.4 – Mudança do ciclo político (1889-1890)
9 – Os partidos entre a direita e a esquerda
Conclusão
Anexos
Fontes e Bibliografia
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Introdução
Objectivo e delimitação temporal
O objectivo da tese é compreender como se construiu o sistema de rotação de
dois partidos no exercício do poder, que, em grande medida, estruturou a política
portuguesa na segunda metade do século XIX, no regime da Monarquia Constitucional,
com base em análise historiográfica reportada ao período 1860-1890: como se afirmou
tal rotação, como evoluiu, por que fases passou, em que factores se baseou.
Pretende-se superar a escassez de estudos sobre o sistema partidário do século
XIX em Portugal, adiante evidenciada no «Estado da Arte». Surpreende tal escassez já
que os dois partidos rotativos (Regenerador e Histórico/Reformista/Progressista) foram
os primeiros verdadeiros partidos portugueses, que conduziram a política, em termos
pacíficos e inclusivos, não esporadicamente mas durante várias décadas, praticando
regras e valores que são essenciais nas actuais democracias (eleições, Parlamento,
separação de poderes, liberdade de imprensa, etc). Será excessivo dizer que se fundou
então a modernidade política em Portugal? E não terá sido a rotação dos partidos um
sinal dessa modernidade? Trata-se, além disso, de um tempo que, pela sua extensão e
relativa estabilidade, fornece à historiografia uma boa área de trabalho para detectar
tendências de fundo, de valor estrutural, e não apenas reacções conjunturais.
Para a rotação no poder ser possível, era indispensável um ambiente de
concórdia e tolerância entre as forças políticas. Um tal ambiente só foi conseguido, não
nas primeiras décadas do Liberalismo, caracterizadas por luta violenta constante, mas a
partir de 1851-1852, quando se abriu um ciclo de quatro décadas em que se formaram
os partidos entre os quais se processou a rotação ou alternância. Como a primeira dessas
décadas, a dos anos 50, já foi objecto de estudo exaustivo, quanto à dinâmica partidária,
por José Miguel Sardica, o quadro temporal adoptado na presente tese corresponde às
três décadas seguintes, de 1860 a 1890. É um tempo que se identifica com o reinado de
D. Luís (1861-1889), com grande parte do «fontismo», com o sistema eleitoral dos
círculos uninominais (vigente, em termos exclusivos, entre 1860-1884) e com a bastante
liberal lei de imprensa de 1866 (até 1890).
Depois de 1890, com o «Ultimato Inglês» e a crise financeira, tratou-se já de um
ciclo diferente, sob a influência de novas doutrinas e de novos protagonistas, incluindo
o rei D. Carlos, que anularam, em parte, não só o conteúdo dos progressos políticos
6
anteriores mas também o espírito de concórdia com que tinham sido feitos. Aliás, muito
da ideia negativa que persiste sobre a rotação vem das duas últimas décadas do regime
da Monarquia Constitucional, já não abrangidas pela tese. Até o termo «rotativismo»,
que é hoje o mais corrente para designar a rotação dos partidos do século XIX, só foi
divulgado depois, com sentido pejorativo, razão por que, no título e na exposição da
tese, será usado o termo «rotação», que era então, de facto, o mais usado.
Quanto à década dos anos 50, em que ocorreram as primeiras transições
relativamente pacíficas de governo, e quanto às décadas anteriores, nas quais os futuros
partidos mergulharam as suas raízes e de cuja violência aprenderam a importância do
compromisso para conterem a luta política dentro de limites compatíveis com o
desenvolvimento do país, são tão fundamentais para o entendimento da tese que serão
consideradas num capítulo inicial de Antecedentes.
Estado da Arte
Não abundam os estudos sobre o rotativismo partidário vigente na Monarquia
Constitucional, nem sobre cada um dos partidos que o integraram. É o que dizem
diversos autores, nomeadamente José Miguel Sardica num artigo, de 19971, que contém
uma boa revisão da literatura sobre a matéria: «Não há nenhum estudo de conjunto
sobre o sistema partidário português oitocentista. As abordagens que existem são
normalmente parcelares, ou seja, relativamente laterais à problemática específica dos
partidos, aparecendo as referências a estes diluídas, como objecto secundário de livros
ou capítulos de história política, de história das ideias, de sociologia eleitoral ou de
literatura sobre o caciquismo». Mais diz: A «historiografia produzida sobre os partidos
políticos do século passado [XIX] revela bastantes ideias preconcebidas e interpretações
que empobrecem a realidade, quer no que toca à diferenciação concreta dos vários tipos
de “partido” da segunda metade do século XIX quer, sobretudo, ao estabelecimento de
balizas cronológicas das diferentes fases da sua evolução». Em artigos mais recentes,
Paulo Jorge Fernandes observa o esquecimento a que o regime da Monarquia
Constitucional tem sido votado, apesar da sua longevidade, donde resulta que as
aproximações ao estudo do século XIX mostram tendência para a simplificação e os
1 José Miguel Sardica, «Os partidos políticos no Portugal oitocentista (discursos historiográficos e opiniões contemporâneas)», Análise Social, nº 142, 1997, 559-560
7
lugares comuns2. E Rui Ramos confirma a escassez das referências aos partidos do
século XIX, comparada com as monografias existentes sobre os partidos da I República
e com a «enorme bibliografia sobre os partidos da democracia de 1974»3.
O referido artigo de Sardica resulta da obra do mesmo autor, A Regeneração sob
o Signo do Consenso (A Política e os Partidos entre 1851 e 1861)4, que já se pode
considerar um «estudo de conjunto do sistema partidário português oitocentista», com o
devido acompanhamento historiográfico, centrado nos anos 50, sem deixar de fazer
boas incursões nos períodos precedente e seguinte. O essencial do seu pensamento sobre
o tema foi retomado em artigo de publicação mais recente5.
Na recensão que faz de estudos sobre os partidos, José Miguel Sardica destaca,
como «únicas análises com fôlego de longa duração», obras produzidas por juristas,
nomeadamente, Marcello Caetano6, que influenciou Marcelo Rebelo de Sousa7, dando
ambos do rotativismo, que situam no ciclo da Regeneração (1851-1891), uma versão
idealizada de partidos disciplinados que se revezavam no poder por mero acordo dos
chefes. Ambos fazem uma caracterização dos partidos do liberalismo, perfilhada pela
generalidade dos autores, como «partidos de quadros», de origem parlamentar, nascidos
das cúpulas para as bases, em função da mera concorrência aos actos eleitorais,
apoiados por uma rede de notabilidades locais, dotados de uma estrutura reduzida, de
limitada implantação social. Segundo Marcelo Rebelo de Sousa, o rotativismo foi um
«bipartidarismo perfeito» de dois partidos que «correspondem fielmente às linhas
liberal-conservadora e liberal-progressista»8. Outro jurista, Jorge Miranda, distancia o
rotativismo português do sistema britânico sobretudo pela recorrência da intervenção
régia ao abrigo do poder moderador9, o que indiciava diferentes níveis de politização e
de força das opiniões públicas de um país e do outro.
2 Paulo Jorge Fernandes, «O Sistema Político na Monarquia Constitucional, 1834-1910», O Sistema Político Português, Séculos XIX-XXI, Continuidades e Ruturas, org. André Freire, Coimbra, Edições Almedina, 2012, 25 3 Rui Ramos, «Para uma história do conceito de partido em Portugal no sec. XIX», O Eterno Retorno. Estudos em homenagem a António Reis, Lisboa, Campo da Comunicação, 2013, 111 4 José Miguel Sardica, A Regeneração sob o Signo do Consenso (A Política e os Partidos entre 1851 e 1861), Lisboa, Imprensa de Ciências Sociais, 2001 5 José Miguel Sardica, «A Regeneração na política portuguesa do século XIX», Portugal Contemporâneo. Estudos de História, Lisboa, Universidade Católica Editora, 2013, 157-184 6 Marcello Caetano, Manual de Ciência Política e Direito Constitucional, Lisboa, Coimbra Editora, 1963, 359-384 7 Marcelo Rebelo de Sousa, Os Partidos Políticos no Direito Constitucional Português, Braga, Livraria Cruz, 1983, 140-167 8 Marcelo Rebelo de Sousa, Os Partidos Políticos no Direito Constitucional Português, 159 9 Jorge Miranda, Ciência Política. Formas de Governo, Lisboa, Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, 1992, 285, em José Miguel Sardica, «Os partidos políticos no Portugal oitocentista», 568-569
8
Quanto às abordagens especificamente históricas, destaca-se uma das mais
antigas, de Joaquim de Carvalho10, que situou o «estabelecimento do rotativismo» nas
décadas de 1870 e 1880, como necessidade de substituir o «regime de pequenos
partidos» (situado entre 1868 e 1871), por um «regime de grandes agrupamentos,
apoiados em maiorias homogéneas e constantes», passando então a propugnar-se, à
semelhança da Inglaterra e da Bélgica, «a polarização das forças políticas em torno das
grandes necessidades da vida social», «a conservação e o progresso»11.
José Tengarrinha foi também um dos primeiros a escrever sobre o rotativismo12,
que caracterizou como a alternância, «à inglesa», entre dois grandes blocos do centro,
um mais ou menos conservador e outro mais ou menos avançado, embora no nosso país
só tivesse conseguido manter-se «por afeiçoar às suas necessidades o sistema eleitoral e
dominar as câmaras legislativas», com recurso frequente a dissoluções e a fornadas de
pares, bem como a burlas e a pressões eleitorais. Reconheceu três fases: a primeira
decorrendo entre 1851 e 1865; a segunda, «fase áurea», entre 1878 e 1890; por fim, a
terceira entre 1893 e 1906. Em outra publicação alargou o tema a outras expressões
assumidas pelos partidos políticos da época13.
Sardica concorda com Tengarrinha a respeito das limitações do sistema rotativo,
mas dele discorda por ter estendido «o arco temporal do rotativismo a todo o período da
Regeneração» e ter exagerado «na distância que mediaria entre regeneradores (os
conservadores) e históricos e progressistas (os avançados)»14. Desmente o «mito da
Regeneração unitária», ou seja, que o período 1851-1890 foi uniforme, achando que,
pelo contrário, este período foi retalhado em «microperíodos dotados de identidade
própria»; por isso, aprova o alerta de António Pinto Ravara, de que o período de 1851-
1865 não correspondia a uma primeira fase do rotativismo, porque os partidos não
tinham programas bem definidos com amplo substracto popular15.
10 Joaquim de Carvalho, «Regime político dos pequenos partidos» e «Estabelecimento do rotativismo», História de Portugal, dir. Damião Peres, vol. VII, Barcelos, Portucalense Editora, 1935, 380-400 e 401-411 11 Joaquim de Carvalho, «Estabelecimento do rotativismo», 402 e 411 12 José Tengarrinha, «Rotativismo», Dicionário de História de Portugal (dir. Joel Serrão), Porto, Livraria Figuerinhas, 1984, vol V, 392-394 (1ª ed., 1968) 13 José Tengarrinha, «Três temas de História Política da segunda metade do século XIX: Rotativismo, Reformismo, Progressismo», Estudos de História Contemporânea de Portugal, Lisboa, Editorial Caminho, 1983, 109-128 14 José Miguel Sardica, «Os partidos políticos no Portugal oitocentista», 571 15 António Pinto Ravara, «Os partidos políticos liberais na primeira fase do rotativismo parlamentar (1851-1865)», Análise Social, nº 46, 1876, e «Rotativismo», Dicionário Ilustrado da História de Portugal, vol. II, Mem Martins, Publicações Alfa, 1985, 187
9
Sardica não subscreve a distinção doutrinária entre os dois principais partidos,
um como conservador e outro como progressista ou democratizante, que, além de
Tengarrinha, outros autores fizeram, tais como, Rebelo de Sousa e Júlio Rodrigues da
Silva16, acentuando antes a diluição da clivagem ou a contiguidade programática entre
eles17. Todavia, distingue, no período anterior à Regeneração, uma «direita», adepta da
Carta, outorgada por D. Pedro V, e uma «esquerda», adepta de uma Constituição que
recuperasse a herança do vintismo18. Aliás, duvida da continuidade preconizada por
Rebelo de Sousa entre os períodos pré-1851 e pós-185119. Também Rui Ramos
relativiza a distinção entre os dois grandes partidos, um conservador e outro
progressista, lembrando que Fontes e os Regeneradores se achavam «progressistas» e
considerando que todo o período posterior a 1851 foi um tempo de «progressismo»20.
Leituras classistas do rotativismo ou dos partidos do século XIX foram ensaiadas
no referido artigo de Tengarrinha e por outros autores, tais como, Vilaverde Cabral21 e
Colaço Antunes22. Mas, segundo Sardica, «os partidos monárquicos não traduziam
clivagens classistas, não autorizando modelos de leitura puramente sociológica»23.
Fernando Farelo Lopes tentou identificar os interesses e grupos sociais que os partidos
portugueses do período liberal representariam, sem chegar a conclusões claras24.
Em artigo mais recente, Tengarrinha revisitou o tema, desenvolvendo-o,
aprofundando-o e de certo modo clarificando-o: a partir do Acto Adicional de 1852, o
confronto deixou de se fazer entre extremos radicalizados e passou a fazer-se entre
opções situadas no centro (centro-esquerda e centro-direita); com o fim do cabralismo,
que motivara uma frente de oposição, em breve esta frente abriu brechas deixando
emergir uma corrente autónoma de centro-esquerda (Histórica) dissidente do centro-
direita (Regeneradora) que se instalara no poder; foi entre estas duas correntes que se
criou uma bipolarização, não impedida pela existência de outros grupos políticos
16 Júlio Rodrigues da Silva, «O rotativismo monárquico-constitucional. Eleições, caciquismo e sufrágio», História de Portugal (dir. João Medina), vol IX, Lisboa, Ediclube, 1993, 47-67 17 José Miguel Sardica, «Os partidos políticos no Portugal oitocentista», 568 e 576 18 José Miguel Sardica, «A Regeneração na política portuguesa do século XIX», 160 19 José Miguel Sardica, «Os partidos políticos no Portugal oitocentista», 568, nota 16 20 Rui Ramos, História de Portugal, coord. Rui Ramos, Lisboa, A Esfera dos Livros, 2009, 535-536 21 Manuel Vilaverde Cabral, O Desenvolvimento do Capitalismo em Portugal no século XIX, Porto, A Regra do Jogo, 1976 22 Luís Filipe Colaço Antunes, «Partido e programa no constitucionalismo monárquico português (1820-1850)», Economia e Sociologia, nº 29-30, Évora, 1980, 78-79 23 José Miguel Sardica, «A vida partidária portuguesa nos primeiros anos da Regeneração», Análise Social, nº 143, Lisboa, 747-777 24 Fernando Farelo Lopes, «Partidos e representação política no período liberal em Portugal», Res Pública (1820-1926). Cidadania e representação política em Portugal, Lisboa, Assembleia da República, 2010, 258-288
10
menores (Cabralistas e Legitimistas); embora apresentassem fronteiras ideológico-
programáticas difusas e estruturas organizativas fluidas, as duas correntes principais
foram-se distinguindo e formalizando, sobretudo no processo eleitoral de 1856, de tal
modo que já podiam receber a designação de «partidos»; ora esses partidos já não eram
confundíveis entre si, daí tendo resultado o fracasso do «Governo da Fusão» de 1865-
1868; estava-se no início de um processo que iria fazer evoluir a bipolarização já criada,
até se chegar à alternância política, ou rotativismo25.
Todavia, José Miguel Sardica considera, como outros autores, que só nos anos
70-80 se pode dizer que havia os partidos de notáveis clássicos, com a sua mecânica de
alternância, típicos do rotativismo; nos anos 50-60 não havia ainda partidos mas aquilo
a que os contemporâneos chamavam «parcialidades», em todo o caso mais evoluídas do
que as facções e o intransigentismo típicos dos anos anteriores à Regeneração26.
Dos capítulos referentes aos partidos e ao rotativismo, contidos nas Histórias de
Portugal de publicação recente, nem todos acrescentam algo de significativo aos artigos
especializados no tema. Maria Cândida Proença e António Pedro Manique situam «um
primeiro esboço do rotativismo parlamentar» no período 1851-186527. Júlio Rodrigues
da Silva localiza-o «como inovação política no início dos anos 70», após a superação de
uma fase anterior de «estrutura partidária muito fluida e rotação no poder imperfeita»28.
Num capítulo demasiado sintético, Maria Manuela Tavares Ribeiro e Isabel Nobre
Vargues abordam o sistema bipartidário inaugurado com a Regeneração29, com dois
partidos, Regenerador e Histórico, que não se diferenciam muito no plano doutrinário e
ideológico, o que explica a possibilidade de uma fusão, em 1865.
Rui Ramos destaca-se pelo grande interesse de dois textos sobre os partidos
liberais e o rotativismo, incluídos num volume de História de Portugal dedicado ao
período posterior à tese30. Segundo ele, os partidos liberais não podem ser vistos à luz
da política de hoje, pois «correspondiam à mobilização política numa sociedade
25 José Tengarrinha, «Os primórdios dos partidos políticos em Portugal», Partidos Políticos e Sociedade, Actas dos VIII Cursos Internacionais de Verão de Cascais (9 a 14 de Julho de 2001), Cascais, CMC/ICES, 2002, 25-47 26 José Miguel Sardica, «Os partidos políticos no Portugal oitocentista», 560-562 27 Maria Cândida Proença e António Pedro Manique, «Da reconciliação à queda da monarquia», Portugal Contemporâneo (1851-1890), (dir. António Reis), vol. 2, Lisboa, Publicações Alfa, 1989, 30-31 28 Júlio Rodrigues da Silva, «O rotativismo monárquico-constitucional», 47 e 50. 29 Maria Manuela Tavares Ribeiro e Isabel Nobre Vargues, «Estruturas políticas: parlamento, eleições, partidos políticos e maçonarias», História de Portugal (dir. José Mattoso), vol V (O Liberalismo), Lisboa, Editorial Estampa, 1998, 172-173 30 Rui Ramos, «Os partidos», e «A invenção do rotativismo (1897-1901)», História de Portugal, dir. José Mattoso, A Segunda Fundação (1890-1926), Lisboa, Círculo de Leitores, 1994, 104-106 e 219-223
11
diferente com objectivos diferentes» e, para tal, «eram máquinas muito eficazes»; por
outro lado, ao contrário da afirmação recorrente sobre esta época, de que os governos
ganhavam sempre as eleições, isso só acontecia realmente em eleições organizadas por
governos apoiados por um partido. Também desmente uma visão da rotação como
«pacífica e rotineira», dizendo que era um mecanismo «pouco usado», como o prova o
facto de, em 23 mudanças governativas no período 1860-1897, apenas quatro terem
ocorrido entre os partidos da rotação31 – embora se deva ponderar qual o tempo dos
governos dos partidos da rotação e dos outros grupos. Acha ainda que mais importante
do que a rotação era a ascendência de um partido ou de um chefe partidário, como
foram, por largos períodos, o duque de Loulé, do Partido Histórico, e Fontes Pereira de
Melo, do Partido Regenerador – embora se possa questionar se tal ascendência teria
ocorrido se eles não fossem chefes de partidos da rotação; é que também o duque de
Ávila foi bastante solicitado pelo rei, mas apenas em períodos curtos, de transição,
decerto por não ser chefe de um dos partidos rotativos.
A ideia de evolução, tão presente no artigo de José Miguel Sardica, está-a
também nos artigos recentes já referidos de José Tengarrinha e de Rui Ramos. Tanto um
como o outro recuam aos antecedentes do Liberalismo e analisam a evolução do
conceito de «partido» e de como, a partir de uma repulsa inicial, ele foi sendo cada vez
mais aceite na actividade política liberal, demarcado do conceito menos valorizado de
facção. Tengarrinha acompanha, desde as Invasões Francesas, a politização, lenta mas
gradual, do espaço público e as primeiras formas de intervenção nesse espaço por clubes
e facções, evoluindo à medida que as eleições se sucederam, desafiados por uma
opinião pública cada vez mais exigente, sobretudo nas cidades; nos anos 60, acompanha
os cidadãos passando da rebeldia inicial a uma agitação mais politizada e influenciadora
dos partidos; e nos anos 70, reconhece, como é consensual, a formação do Partido
Progressista como um avanço programático e organizativo do sistema partidário. Rui
Ramos observa como a vitória liberal sobre o Absolutismo trouxe o domínio dos
partidos e como decorreu o respectivo processo de organização nos anos da discórdia,
ao ponto de a concórdia introduzida pela Regeneração ter significado uma crítica severa
aos partidos, sem todavia os proibir.
Outra ideia recorrente, a ser conferida, é a de ter havido um acordo entre os
chefes dos partidos para se alternarem no Governo. José Miguel Sardica e Rui Ramos
31 Rui Ramos, «A invenção do rotativismo (1897-1901)», A Segunda Fundação, 219
12
desmentem essa ideia de rotativismo cordato e combinado. Paulo Jorge Fernandes diz
mesmo que Fontes, em conluio com o rei, bloqueou a rotação com o Partido
Progressista rival32, que D. Luís e D. Carlos agiram como «forças de bloqueio» e que D.
Luís, em particular, fez diversas escolhas ao arrepio da alternância33. Isto parece
divergir da ideia de Sardica de o rotativismo ter resultado da evolução do modelo
regenerador, renunciando ao discurso inicial do bloco central fusionista e apostando no
desdobramento desse bloco em dois partidos mais estruturados, encarregados de
gerirem, à vez, o modelo reconciliador e centrista que sempre presidiu à Regeneração34.
Rui Ramos observa o processo da alternância dependente sobretudo do rei: o rei
retirava confiança ao Governo, mesmo tendo este maioria no Parlamento, substituía-o
por outro, ao qual dava meios de organizar eleições e nomear pares do reino de modo a
construir uma nova maioria. A rotação de dois partidos, como em Inglaterra, era o
modelo pretendido pelos Progressistas, mas Fontes valeu-se do ascendente que
conseguiu junto do rei D. Luís para se colocar ele mesmo como um grande maestro à
volta do qual agiam vários grupos, todos «liberais»35.
Talvez na sua maioria, os artigos dedicados aos partidos do rotativismo sejam
depreciativos. Fernando Rosas classifica-os como «típicas associações essencialmente
clientelares e distribuidoras de sinecuras nos respectivos turnos de governação»36; em
termos semelhantes, Fernando Farelo Lopes reduz a mera «distribuição de regalias» o
seu «grande objectivo político» e a razão dos conflitos que entre si travaram37. Os
conceitos de caciquismo e de clientelismo têm sido associados aos grandes partidos da
Monarquia Constitucional (também aos partidos da I República), ao mesmo tempo
menorizando ou anulando as diferenças doutrinárias que houvesse entre eles ou negando
que representassem diferentes correntes, ou sequer tendências, de opinião. Alguns
textos sérios reconhecem, no entanto, a falta de análises específicas e fundamentadas
sobre o tema38. Outros aplicam conceitos elaborados em países estrangeiros em termos
que, segundo adverte Rui Ramos, deixam desfigurada a experiência política da Europa
32 Paulo Jorge Fernandes, «O Sistema Político na Monarquia Constitucional, 1834-1910», 31-35 33 Paulo Jorge Fernandes, «O Sistema Político na Monarquia Constitucional, 1834-1910», 44-46 34 José Miguel Sardica, «Os partidos políticos no Portugal oitocentista», 579 35 Rui Ramos, História de Portugal, coord. Rui Ramos, 539-540 36 Fernando Rosas, «A crise do liberalismo oligárquico em Portugal», História da Primeira República Portuguesa, Lisboa, Tinta da China, 2009, 23 37 Fernando Farelo Lopes, «Partidos e representação política no período liberal em Portugal», 285 38 Ver José Manuel Sobral e Pedro Ginestal Tavares de Almeida, «Caciquismo e poder político. Reflexões em torno das eleições de 1901», Lisboa, Análise Social, nº 72-73-74, 1982, 649-671
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do Sul no século XIX, como um fracasso ou uma paródia dos ideais do liberalismo39.
Todavia, em Espanha, onde mais se tem buscado inspiração para analisar o caciquismo
em Portugal, desenvolvimentos historiográficos40 permitem uma nova compreensão do
caciquismo, que pode ser visto até como um «passo em frente» no processo de
modernização política que ajudou a sociedade a adaptar-se às mudanças introduzidas
pelo liberalismo – o que obriga a questionar a utilização que dele tem sido feita para
desvalorizar quaisquer progressos conseguidos durante o rotativismo português.
Questões
No «Estado da Arte» foram suscitadas questões sobre as quais os vários autores
apresentam diferentes interpretações. Espera-se que a análise historiográfica, que
constitui o corpo principal da presente tese, focada nos partidos do rotativismo liberal,
num período crucial para a sua afirmação, ajude a clarificar algumas destas questões e a
compreender melhor o que foi o processo evolutivo da rotação, com avanços e recuos,
experiências variadas e contrastantes, que proporcionaram aprendizagens tanto aos
agentes políticos como à população em geral.
Uma aprendizagem já referida foi a da concórdia entre as forças políticas, ou do
compromisso em torno das regras fundamentais, que inspirou o Acto Adicional de
1852, a partir da violência que marcara as décadas anteriores. Só com tal aprendizagem
foi possível tornar prática habitual as transições relativamente pacíficas de governo que
caracterizaram as décadas seguintes em que aconteceu a alternância política.
Em que medida ocorreram outras aprendizagens, por exemplo, a da necessidade
de haver partidos fortes e disciplinados, depois das experiências do «Governo da Fusão»
e da pulverização partidária que se seguiu, desde meados dos anos 60 até ao início dos
anos 70? Ou a da necessidade de haver sempre uma alternativa dentro do sistema
vigente, sob pena de se ver surgir essa alternativa fora do sistema?
O que foi e o que não foi a rotação, ou rotativismo? Em que medida corresponde
aos factos a ideia, ainda hoje muito repetida, de ter sido uma alternância combinada e
39 Rui Ramos, «Oligarquia e caciquismo em Oliveira Martins, Joaquin Costa e Gaetano Mosca (c. 1880-c. 1990)», Análise Social, nº 178, Lisboa, 2006, 31 40 Ver, por exemplo: Javier Moreno Luzón, «A historiografia sobre o caciquismo espanhol: balanço e novas perspectivas», Análise Social, nº 178, Lisboa, 2006, 9-29; e Carlos Dardé, «Memórias do parlamentarismo liberal na historiografia e no debate político em Espanha», Das Urnas ao Hemiciclo. Eleições e Parlamento em Portugal (1878-1926) e Espanha (1875-1923), coord. Pedro Tavares de Almeida e Javier Moreno Luzón, Lisboa, Assembleia da República, 2012, 267-295
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entre os chefes dos dois grandes partidos? Ou, pelo contrário, o que houve foi sobretudo
um partido (o que estava na oposição) a lutar pela rotação e o outro (que estava no
poder) a contrariá-la? Se o principio da rotação acabou por prevelecer, não terá sido isso
uma vitória do bipartidarismo sobre o predomínio de um partido?
Quando começou a rotação entre dois partidos? Já se viu como os autores
divergem, achando uns que só começou nos anos 70, quando havia dois partidos
organizados e diferenciados, ou depois de provada a inutilidade dos pequenos partidos
dos anos 60, enquanto outros vêem nas transições de governo dos anos 50 já uma
dinâmica rotativa entre parcialidades que, não sendo ainda partidos organizados,
também já não se confundiam entre si. Tratando-se de um processo evolutivo, será
possível estabelecer nele fronteiras rigorosas? E não haverá nele elementos que
permitam identificar fases de avanços e recuos?
Em que factores se baseou a rotação? Qual o peso relativo de cada um dos
critérios normalmente invocados para justificar a existência de um governo, a saber: a
confiança do rei, as maiorias parlamentares e a opinião pública? Para responder à
questão, é útil conhecer as razões das transições de governo então ocorridas. Paulo
Jorge Fernandes desenvolveu uma pesquisa sobre as causas da queda dos governos num
período não totalmente coincidente com o período da tese, concluindo terem sido
sobretudo causas extraparlamentares, situadas no plano do rei e dos governos41. O
mesmo exercício é feito na tese, não estando livre de dúvidas e de opções discutíveis.
A concordância do rei era sempre necessária, por princípio, mas em certos casos
a sua intervenção foi mais determinante, como aconteceu na transição de 1856. Poder-
se-ia até pensar se o mecanismo da rotação não seria uma criação do rei, o resultado do
arbítrio régio, tanto mais que os partidos que merecessem a preferência do rei teriam
maneira de se perpetuar no poder usando a força dos governos para ganharem as
eleições… até que o rei mudasse de preferência. Qual então o peso dos outros critérios
de sustentação dos governos? Quantos governos caíram perante votações hostis no
Parlamento? E será diferente o significado de tais votações hostis ocorrerem na Câmara
dos Deputados ou na Câmara dos Pares? Embora sabendo mais difícil de ponderar,
houve algum caso de governo caído por força da opinião pública ou da agitação social?
E, ao contrário da ideia corrente de que os governos ganhavam sempre as eleições que
organizavam, houve algum caso de governo caído na sequência de eleições?
41 Paulo Jorge Fernandes, «O papel político e o funcionamento do parlamento em Portugal», Das Urnas ao Hemiciclo. Eleições e Parlamento em Portugal (1878-1926) e Espanha (1875-1923), 114-117
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Que diferenças havia entre os partidos da rotação? Será que não se distinguiam
entre si, ou eram duas faces do mesmo partido, como denunciavam os seus detractores?
Ou num processo de alternância não podem ser excessivas as diferenças que separam os
partidos envolvidos? Por outro lado, comparados com os outros grupos partidários, os
partidos rotativos deveram a sua maior força e longevidade ao arbítrio do rei, ou à
influência do sistema eleitoral dos círculos uninominais, ou a qualquer outro factor?
Será que traduziam um dualismo, entre uma posição mais conservadora e outra mais
progressista, já observado por alguns autores desde os primeiros tempos do
Liberalismo? E seria daí que resultava a sua força, do facto de cada um dos partidos
rotativos ser o principal representante ou da direita ou da esquerda? Neste sentido será
excessivo pensar que afinal o rotativismo estava inscrito na sociedade? A tese propõe-se
comparar os partidos em termos de se lhes aplicar a classificação de direita ou de
esquerda, para tal utilizando os critérios propostos por Norberto Bobbio42, tendo em
conta também obras sobre o tema de André Freire e de Rui Ramos43.
Múltiplas questões se podem colocar sobre a validade do modelo da rotação: se
foi benéfico ou prejudicial para o país; se foi sustentáculo ou causa da morte do regime
da Monarquia Constitucional. O historiador republicano Joaquim de Carvalho atribuiu
ao rotativismo um período de plena paz pública e de progressos, tendo o seu desgaste
causado a morte da Monarquia Constitucional44. Segundo este autor, o expediente de
«recorrer à dissolução da Câmaras», foi, «pela sua repetição», «uma das causas do
descalabro do regime rotativista». Mas este diagnóstico remete para uma fase mais
tardia do regime monárquico, para a qual convergem outros autores: que o rotativismo
foi «incapaz de se adaptar a novos tempos de maior agitação e oposição»45, ou «incapaz
de encontrar mecanismos de autocorrecção e de actualização do normativo para a
incorporação política das massas urbanas»46, ou que os partidos rotativos «perderam a
oportunidade de se actualizarem e sofreram as dissidências»47, ou «não criaram meios
de defesa ou de adequação a uma nova cena política dominada pelo advento de novas
42 Norberto Bobbio, Direita e Esquerda. Razões e significado de uma distinção política, Lisboa, Editorial Presença, 1994 43 André Freire, Esquerda e Direita na Política Europeia. Portugal, Espanha e Grécia em Perspectiva Comparada, Lisboa, Imprensa de Ciências Sociais, 2006; e Rui Ramos, «Órfãs da História? As direitas e a historiografia em Portugal», As raízes profundas não gelam? Ideias e percursos das direitas portuguesas, coord. Ricardo Marchi, Alfragide, Texto Editores Lda, 2014, pp. 13-78 44 Joaquim de Carvalho, «Estabelecimento do rotativismo», 402 45 José Miguel Sardica, «Os partidos políticos no Portugal oitocentista», 601 46 Paulo Jorge Fernandes, «O Sistema Político na Monarquia Constitucional, 1834-1910», 44-46 47 Fernando Farelo Lopes, «Partidos e representação política no período liberal em Portugal», 285-287
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agremiações»48. Foi a partir do «Ultimato Inglês» e das crises política, financeira e
social que se seguiram que mais se abalou a «plácida rotina do rotativismo
oligárquico»49, ou que se revelou «o progressivo esgotamento das virtualidades do
rotativismo e o desgaste do parlamentarismo tradicional»50. A década de 1880, anterior
ao «Ultimato Inglês», pode até ser considerada uma «época áurea» do rotativismo51.
O esclarecimento desta questão já se situa, em grande medida, além da tese. Mas
fica desde já aqui a suspeita, atendendo às dificuldades sentidas na crise posterior ao
«Ultimato», também já sentidas no período crítico de 1865-1871, de que a rotação
bipartidária funcionava melhor em tempos de estabilidade do que em tempos de crise.
Metodologia e Fontes
Para compreender o processo evolutivo da afirmação dos partidos rotativos em
Portugal, é indispensável acompanhar de perto toda a conjuntura política das três
décadas entre 1860 e 1890, concentrando a atenção na dinâmica do sistema partidário.
Entre as principais fontes exploradas, destacam-se os jornais da época e os diários das
sessões da Câmara dos Deputados e da Câmara dos Pares do Reino, bem como cartas e
memórias, além dos manuais de História e das obras constantes da Bibliografia.
Os jornais da época eram em geral partidários e bastante facciosos; donde, para
se ter uma visão com um mínimo de equilíbrio, foram consultados, ao logo de todo o
período de estudo, um jornal representativo, ou próximo, de cada um dos partidos
rotativos, que quase sempre estiveram em oposição recíproca: muitos dos editoriais
consistiam em provocar-se e responder-se um ao outro. Do Partido Regenerador, não há
dúvida de que o seu jornal mais representativo foi A Revolução de Setembro, analisado
entre 1860 e 1887, ou seja, em quase todo o período da tese; como partir de 1887,
depois da morte de Fontes, deixou de representar a linha oficial, recorreu-se ao Gazeta
de Portugal, ligado ao novo chefe do partido, Serpa Pimentel. Quanto ao Partido
Histórico/Progressista, teve uma grande variedade de jornais representativos que se
foram sucedendo. Nos tempos iniciais, o radicalismo de alguns jornais afectos que até
48 Teresa Maria S. Nunes, «Os partidos monárquicos em vésperas da República», Clio – Revista do Centro de História da Universidade de Lisboa, 2002, 131 49 Fernando Rosas, «A crise do liberalismo oligárquico em Portugal», 22 50 Sérgio Campos Matos, «A crise do final de Oitocentos em Portugal – uma revisão», em Crises em Portugal nos séculos XIX e XX, Lisboa, Centro de História da Universidade de Lisboa, 2002, 106 51 José Tengarrinha, «Rotativismo», Dicionário de História de Portugal, dir. Joel Serrão, 695; e Sérgio Campos Matos, «A crise do final de Oitocentos em Portugal – uma revisão», 102
17
se opunham ao chefe, duque de Loulé, aconselha a recorrer a um jornal não oficial mas
próximo do partido, O Jornal do Porto analisado entre 1859 e 1870. Depois, foram
analisados: Gazeta do Povo, entre 1869 e 1873; O País, em 1873-1876; Diário Popular,
em 1876-1879; O Progresso, em 1877-1886; O Correio da Noite, em 1881-1890.
Outros jornais serão referidos mais ocasionalmente, por exemplo, o Jornal do Comércio
e A Província. A consulta centrou-se nos editoriais e em outras secções da primeira
página; no caso do Jornal do Porto, incidiu também no correspondente de Lisboa, na
secção «Correio d’Hoje», em geral na página 3.
Os diários das sessões parlamentares, das Câmaras dos Deputados e dos Pares,
permitem acompanhar os debates políticos, em particular os discursos dos dirigentes
partidários, analisar as votações nominais, conhecer os resultados e polémicas das 17
eleições gerais realizadas no mesmo período. A análise das votações nominais (por uma
amostra significativa das cerca de 500 realizadas no período), fornece elementos sobre a
coesão dos grupos partidários e por vezes é a única maneira de enquadrar certos
deputados, sobretudo na década de 1860, mesmo assim com dúvidas.
Todas as fontes referidas foram exploradas no sentido de distinguir os programas
e práticas governativas dos principais partidos, bem como as posições que assumiram
sobre as questões mais relevantes, nas diversas conjunturas.
Alguns artigos de jornal e discursos parlamentares são bastante valiosos na
tradução do pensamento político da época; tal como o são certas obras coevas, de que se
dão vários exemplos, representando diferentes perspectivas liberais: de Nogueira
Soares, Considerações sobre o Presente e o Futuro Político de Portugal52, de Serpa
Pimentel, Questões de Política Positiva: da Nacionalidade e do Governo
Representativo53, de António Cândido, Princípios e Questões de Filosofia Política54, e
de Trindade Coelho, Manual Político do Cidadão Português55.
Em complemento dos estudos sobre os partidos políticos, é útil a consulta de
obras sobre matérias relacionadas, como as eleições, entre as quais se destaca Eleições e
Caciquismo no Portugal Oitocentista (1868-1890), de Pedro Tavares de Almeida56,
52 D. G. Nogueira Soares, Considerações sobre o Presente e o Futuro Político de Portugal, Lisboa, Tipografia Universal, 1883 53 António de Serpa Pimentel, Questões de Política Positiva: da Nacionalidade e do Governo Representativo, Coimbra, Imprensa da Universidade, 1881 54 António Cândido Ribeiro da Costa, Princípios e Questões de Filosofia Política, Coimbra, Livraria Central de José Diogo Pires, 1881 55 Trindade Coelho, Manual Político do Cidadão Português, Lisboa, Parceria A. M. Pereira, 1906 56 Pedro Tavares de Almeida, Eleições e Caciquismo no Portugal Oitocentista (1868-1890), Lisboa, Difel, 1991
18
além de outras obras e artigos, referidos na «Bibliografia», deste e de outros autores. O
mesmo se diga de obras dedicadas a certas personalidades relevantes da época liberal,
tais como: Fontes Pereira de Melo57, D. Luís58, Anselmo Braamcamp59, José Luciano de
Castro60, D. Pedro V61, D. Carlos62, duque de Ávila63, Passos Manuel64, Mariano de
Carvalho65, José Estêvão66, Rodrigo da Fonseca Magalhães67, bispo de Viseu68, Casal
Ribeiro69, Oliveira Martins70, Pinheiro Chagas71, João Arroio72. E de obras dedicadas a
partidos específicos, nomeadamente, o Partido Reformista73 e o Republicanismo74.
Enfim, há a considerar obras de referência na ciência política, por exemplo,
Direita e Esquerda, de Norberto Bobbio, já referido, Dicionário de Política
(coordenado por Norberto Bobbio e outros75), assim como o clássico de Maurice
57 Maria Filomena Mónica, Fontes Pereira de Melo: uma biografia, Lisboa, Aletheia Editores, 2009; Jorge Borges de Macedo, Fontes Pereira de Melo, um método, uma atitude, uma mensagem, Lisboa, Ministério das Obras Públicas, 1990 58 Luís Espinha da Silveira e Paulo Jorge Fernandes, D. Luís, Mem Martins, Círculo de Leitores, 2006 59 Oliveira Martins, «Elogio Histórico de Anselmo José Braamcamp», Política e História, Lisboa, Guimarães Editores, 1957, 57-92; Manuel M. Cardoso Leal, «Anselmo José Braamcamp: chefe partidário da esquerda monárquica», Monarquia e República, Lisboa, Centro de História da Universidade de Lisboa, 2012, 11-31 60 Fernando Moreira, José Luciano de Castro, Itinerário, pensamento e acção política, dissertação de mestrado, Lisboa, Universidade Nova de Lisboa, 1992; Manuel M. Cardoso Leal, José Luciano de Castro. Um Homem de Estado (1834-1914), Lisboa, Colibri Editores/Câmara Municipal de Anadia, 2013 61 Maria Filomena Mónica, D. Pedro V, Mem Martins, Círculo de Leitores, 2005 62 Rui Ramos, D. Carlos, Mem Martins, Círculo de Leitores, 2006 63 José Miguel Sardica, Duque de Ávila e Bolama - Biografia, Lisboa, Assembleia da República, Dom Quixote, 2005 64 Magda Pinheiro, Passos Manuel, o patriota e o seu tempo, Matosinhos, Edições Afrontamento / Camara Municipal de Matosinhos, 1996 65 Paulo Jorge Fernandes, Mariano Cirilo de Carvalho. O «Poder Oculto» do liberalismo progressista (1876-1892), Lisboa, Texto Editores / Assembleia da República, 2010 66 José Tengarrinha, José Estêvão: o homem e a obra, Lisboa, Assembleia da República, 2011; Júlio Rodrigues da Silva, José Estêvão de Magalhães (1809-1862): Biografia Parlamentar, Lisboa, Assembleia da República / Texto Editora, 2009 67 Maria de Fátima Bonifácio, Um homem singular: biografia política de Rodrigo da Fonseca Magalhães (1787-1858), Alfragide, Dom Quixote, 2013 68 Paulo Jorge Fernandes, «O bispo revolucionário», D. António Alves Martins. Bispo de Viseu e Defensor do Reino, Viseu, Júlio Cruz Editores, 2008, 59-79 69 Patrícia Isabel Gomes Lucas, Conde de Casal Ribeiro: um percurso político no liberalismo oitocentista (1846-1896), dissertação de mestrado, Lisboa, FCSH/UNL, 2012 70 F. A. Oliveira Martins, O Socialismo na Monarquia. Oliveira Martins e a «Vida Nova», Lisboa, Parceria António Maria Pereira, 1944; e Guilherme d’Oliveira Martins, Oliveira Martins. Uma Biografia, Lisboa, Imprensa Nacional / Casa da Moeda, 1986 71 António Pedro Barbas Homem, Manuel Joaquim Pinheiro Chagas. Uma biografia (1842-1895), Lisboa, Assembleia da República, 2012 72 Zília Osório de Castro, João Marcelino Arroio. Vida Parlamentar, Lisboa, Assembleia da República, 2014 73 Carlos Guimarães da Cunha, A Janeirinha e o Partido Reformista, Da Revolução de Janeiro de 1868 ao Pacto da Granja, Lisboa, Edições Colibri, 2003 74 Fernando Catroga, O Republicanismo em Portugal, Lisboa, Editorial Notícias, 2000 75 Norberto Bobbio, Nicola Matteucci e Gianfranco Pasquino (coord.), Dicionário de Política, 2 vols, 12ª edição, Brasília, Editora Universidade de Brasília, 2004
19
Duverger, Os Partidos Políticos76, que aborda o fenómeno partidário em numerosos
países e em regimes diferentes, embora pouco diga sobre os partidos portugueses.
Da Bibliografia consta uma boa parte do que se julga existir de mais interessante
sobre o tema da tese.
Estrutura
O corpo principal da tese é constituído pela análise da dinâmica político-
partidária ao longo de três décadas. É antecedido de um capítulo retrospectivo, que se
julga essencial para compreender as primeiras fases de organização por que as forças
políticas tinham passado, obedecendo já em geral a um modelo dualista ou bipolarizado,
em tempos de grande violência, da qual aprenderam o valor da concórdia e do consenso
que tornou possível o ciclo de progresso correspondente à tese.
A análise das três décadas está dividida em sete períodos menores, em cada um
dos quais se julga ter observado uma lógica própria. Três desses períodos situam-se na
década de 1860, abrangendo três sucessivas experiências tão diferentes como: a da
diferenciação dos principais partidos, Regenerador e Histórico, entre 1860 e 1865; a do
«Governo da Fusão», integrado ou apoiado pelos mesmos partidos, que deixou o
sistema político sem alternativa, entre 1865 e 1868; e a da pulverização partidária, com
cinco eleições e sete governos em geral formados à base de grupos marginais, num
contexto de grave crise financeira, entre 1868 e 1871.
Mais dois períodos situam-se na década de 1870: o primeiro, entre 1871 e 1879,
dominado por Fontes Pereira de Melo, chefe do Partido Regenerador, que para tal soube
aproveitar a paz e a prosperidade que se viveu no país, em contraste com a desordem
dos países vizinhos, durante o qual as oposições de esquerda (histórica e reformista) se
viram obrigadas a unirem-se e formarem o Partido Progressista, como alternativa mais
forte; o segundo, entre 1879 e 1881, em que os Progressistas venceram a marginalização
a que foram sujeitos, formando um governo com forte maioria dos deputados, que
todavia falharam, sofrendo em seguida uma derrota eleitoral que os deixou quase
erradicados do Parlamento e a rotação em perigo.
Enfim, mais dois períodos situam-se na década de 1880: o primeiro, entre 1881
e 1886, marcado pelo acordo de regime que os dois partidos celebraram, sob influência
76 Maurice Duverger, Os Partidos Políticos, R. Janeiro, Zahar Editores, 1980
20
do rei, envolvendo uma nova lei eleitoral e uma reforma constitucional, com vista a um
maior equilíbrio entre os partidos; o segundo, entre 1886 e 1890, em que um Governo
Progressista de quatro anos significou a prática de uma rotação equilibrada, no fim do
qual, todavia, a mudança do rei (morte de D. Luís, substituído por D. Carlos) e o
«Ultimatum Inglês» abriram um ciclo político diferente, situado além da tese.
Aproveitando os elementos recolhidos na parte cronológica da tese, segue-se um
capítulo de caracterização dos partidos, comparando os dois rotativos (Regenerador e
Histórico/Reformista/Progressista) em termos de organização e de atitude face às
grandes questões, de modo a classificar um como de direita e o outro como de esquerda,
e comparando-os ainda com os outros grupos políticos menores.
Num capítulo final de conclusão, faz-se um balanço de toda a análise anterior,
sobre o que foi o rotativismo partidário, como evoluiu, qual a importância dos factores
que o determinaram (intervenção do rei, maiorias parlamentares e opinião pública), que
significado teve para o país, que vantagens e limitações mostrou.
Agradecimentos
O autor deve agradecimentos por ajudas recebidas indispensáveis na realização
da tese. Em primeiro lugar ao seu orientador, Prof. Doutor Ernesto Castro Leal, pelos
bons conselhos e disponibilidade, interesse e encorarajamento constantes. Também ao
Prof. Doutor António Ventura por observações muito úteis numa fase inicial do
trabalho. Aos senhores professores membros do júri pelos comentários e observações
feitos à versão provisória da tese, que permitiram melhorá-la na versão definitiva. Aos
colaboradores das diversas bibliotecas frequentadas, em especial da Biblioteca
Nacional. À Lucília Barros pelos gráficos. A todos os amigos que não faltaram com o
seu incentivo. Deve ainda o autor três agradecimentos especiais: à Ana Maria, por tanto
apoio e compreensão sem limites; à Ana Luísa pelo Abstract; e ao Pedro, pela ajuda
incessante na identificação e recolha de fontes e pela enorme paciência em ouvir e
debater variadas passagens da tese.
21
1 – Antecedentes
.
Não é possível compreender bem as questões abordadas na tese sem ter na
devida conta a evolução do período anterior, sobretudo desde o início do Liberalismo
(1820), quando se introduziram novas práticas políticas, tais como eleições e actividade
parlamentar, em condições de liberdade, que em Portugal e noutros países suscitaram a
formação de grupos partidários e a participação cada vez mais organizada dos cidadãos
na política. Na verdade, convém recuar até às Invasões Francesas (1807-1811), pelos
desenvolvimentos então ocorridos, que ajudam a compreender como se caminhou para a
revolução liberal e como se criaram problemas, em especial nas finanças públicas, que
condicionaram fortemente a vida política em todo o tempo da tese.
Na iminência da chegada das tropas francesas, a retirada da família real para o
Brasil, acompanhada da maior parte da tradicional élite político-administrativa, inverteu
a relação metrópole-colónia, promovendo a grande colónia a cabeça do império. Ao
mesmo tempo a metrópole perdeu o exclusivo do comércio com tão imensa fonte de
rendimentos, como era o Brasil, o que determinou uma quebra brutal no valor das
exportações que em todo o século mal foi recuperado77. Os graves prejuízos daí
decorrentes para a economia e para as finanças públicas e o sentimento de humilhação
de estar a metrópole reduzida à condição de colónia, quer debaixo da ocupação francesa
quer debaixo da tutela inglesa, geraram um descontentamento generalizado, atingindo
em especial certas classes influentes (militares, magistrados, comerciantes), que
reuniram força e pensamento para executarem a revolução liberal.
Dividem-se estes Antecedentes em três fases: a primeira, de guerra de vida ou de
morte entre o Liberalismo e o Absolutismo, até à vitória liberal em 1834; a segunda, de
luta violenta entre os liberais vencedores, até 1851; a terceira, de luta legal, à luz de um
ideal fusionista e supra-partidário, na década dos anos 50.
Na elaboração deste capítulo não se fez pesquisa original mas recorreu-se a
trabalhos historiográficos já publicados, procurando, em cada uma das fases referidas,
centrar a atenção nas seguintes temáticas: a formação dos primeiros grupos de acção
política; o dualismo básico que já caracterizava a luta política, no qual esses grupos
desde cedo se integraram; a participação política da população em tempos de drásticas
77 Rui Ramos, História de Portugal, coord. Rui Ramos, 524-525
22
mudanças e de grande violência; as aprendizagens adquiridas pelos agentes políticos e
pela população, em especial a da concórdia.
Entre o Liberalismo e o Absolutismo (1820-1834)
O dualismo dramático que se travou entre o Liberalismo e o Absolutismo não
ocorreu logo na revolução liberal de 1820. Na verdade, essa revolução foi quase
consensual, pelo alargado desejo de mudança que se vivia: «as ideias de revolução eram
gerais. Rapazes e velhos, frades e seculares, todos a desejavam. Uns, que conheciam as
vantagens do governo representativo, queriam este governo; e todos queriam a corte em
Lisboa, porque odiavam a ideia de serem colónia de uma colónia»; até «os fidalgos das
províncias do Norte se pronunciaram, em geral, pelo governo revolucionário», embora
viessem a ser, depois, «os campeões do absolutismo»78.
Os dois pronunciamentos militares com que se fez a revolução foram festejados
nas cidades e vilas, entoou-se «O povo é quem agora governa», embora esse sentimento
não fosse igual em todas as regiões79. No novo contexto de liberdade, a imprensa
periódica, antes quase estagnada, ganhou impressionante impulso: em poucos meses já
se publicavam 17 jornais políticos em Lisboa, além dos jornais do Porto e de Coimbra.
Desenvolveu-se o debate político, envolvendo a «opinião pública» ou o «povo», nas
grandes cidades, especialmente na capital. Algumas lojas maçónicas já existentes
aumentaram a sua influência e alguns clubes políticos, sociedades patrióticas e
gabinetes de leitura foram criados80. Nas primeiras eleições para Cortes constituintes,
realizadas em Dezembro de 1820 (baseadas no sufrágio quase universal masculino, mas
indirectas), os adeptos absolutistas quase não se manifestaram, donde resultou uma
concordância geral sobre o regime constitucional81.
A revolução foi mais fruto de uma conjuntura especial que do amadurecimento
da sociedade para os ideais liberais. Isso explica o irrealismo da primeira Constituição,
de conteúdo quase republicano, que não resistiu ao regresso do rei e às forças contra-
revolucionárias que logo entraram em acção. Mas, por outro lado, a sociedade já não
78 Citação das Memórias do marquês da Fronteira, em Rui Ramos, História de Portugal, coord. Rui Ramos, Lisboa, A Esfera dos Livros, 2009, 457 79 José Tengarrinha, «Violência popular e política» (1820-1825)», E o Povo, onde está?, Lisboa, Esfera do Caos, 2008, 133-134 80 José Tengarrinha, «Os primórdios dos partidos políticos em Portugal», 28 81 Sobre o novo modo de viver a política desde a revolução de 1820, ver, de Isabel Nobre Vargues, A Aprendizagem da Cidadania, Coimbra, Minerva, 1997
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estava amarrada ao Antigo Regime, por toda a experiência vivida desde as Invasões
Francesas, quando todo país estivera «transformado numa enorme assembleia»82 e
quando se formara uma nova «classe dirigente» – «a dos que não se haviam rendido,
escondido ou fugido e que haviam aguentado o caos terrível de 1808, as terríveis
dificuldades de 1809 a 1812 e a longa campanha contra Napoleão» – «que não
tencionava permitir que a removessem e que, lentamente, voltasse a vida velha»83.
Os primeiros trabalhos constituintes suscitaram bastante interesse, mesmo nas
regiões rurais: além de centenas de sugestões de leis enviadas por particulares para a
comissão da Constituição, numerosas petições chegaram, na maior parte por intermédio
das câmaras municipais84, umas contra os senhorios e a favor da reforma dos forais,
outras a favor do proteccionismo cerealífero, outras contra o recuo dos terrenos comuns
e usos colectivos. Só depois que os liberais se definiram na Constituição em relação às
principais instituições (nomeadamente, a terra, a Igreja e o rei) é que se levantou maior
oposição. Nas eleições de 1822 já apareceu uma corrente absolutista.
No caso da legislação aplicável à terra, os liberais impuseram o proteccionismo
cerealífero e aboliram os direitos banais e os serviços pessoais, mas pouco tocaram nos
direitos senhoriais, deixando desiludidos os lavradores a eles sujeitos. Na relação com a
Igreja, não puseram em causa a religião católica como religião oficial da Nação, nem
abdicaram da herança «regalista», que receberam do Estado absolutista, de tutela sobre
a hierarquia eclesiástica: aboliram o privilégio de foro do clero, suspenderam as
admissões a todos os benefícios vagos, cujo rendimento foi apropriado pelo Estado, e
impuseram novos impostos (20% para as corporações religiosas), significando que foi
sobretudo o clero que teve de sustentar a revolução85; e retiraram-lhe o poder de censura
sobre as publicações religiosas, o que levou o patriarca de Lisboa a exilar-se e grande
parte da Igreja a recusar a Constituição colocando-se contra o novo regime.
Quanto ao rei, ainda ausente, dado como principal responsável pelos males do
país, foram mais longe, reduzindo-lhe fortemente os poderes na Constituição:
mantiveram o princípio monárquico, mas estabeleceram que a «autoridade do rei
provém da Nação»; o monarca não tinha os poderes típicos do constitucionalismo
dualista, nem o direito de sanção das leis nem o direito de dissolução das Cortes. As
82 José Tengarrinha, «Os primórdios dos partidos políticos em Portugal», 27 83 Vasco Pulido Valente, «O Liberalismo Português», Portugal. Ensaios de História e de Política, Lisboa, Alêtheia Editores, 2009, 9-12 84 Nuno Gonçalo Monteiro, «Conflitos e mobilizações na sociedade rural», in Portugal Contemporâneo, dir. António Reis, vol. I, Lisboa, Publicações Alfa, 1990, 238-239 85 Rui Ramos, História de Portugal, coord. Rui Ramos, 468
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Cortes colocaram-se no topo, assumindo, além da função legislativa, poderes
relativamente ao rei e a fiscalização e controlo dos membros do executivo86.
Apesar disso, o rei D. João VI, antes de desembarcar, no regresso do Brasil,
jurou respeitar o que eram ainda as «bases» da Constituição e depois jurou-a, quando
terminada, em 1822. Era uma Constituição desfasada do modelo dominante na Europa e
desfasada da relação de forças interna, defrontando a oposição não só da nobreza e do
clero mas até de sectores liberais moderados. Daí a sua curta vigência. A presença do rei
inclinou a balança política a seu favor e deu alento aos sectores contra-revolucionários
que, embora minoritários, se mostraram aguerridos nas Cortes a defender a recusa da
rainha, D. Carlota Joaquina, em jurar a Constituição87. Nesse mesmo ano, a declaração
de independência do Brasil, em grande medida precipitada pela forma inábil e
reveladora da falta de sentido das realidades como as Cortes lidaram com a imensa
colónia, afectou gravemente o prestígio do regime liberal.
Em 1823 terminou «a nossa primeira infância como povo livre»88, pelo golpe da
Vilafrancada, no qual, além das forças absolutistas encabeçadas pelo príncipe D. Miguel
(orientado pela rainha), intervieram sectores liberais críticos do excessivo protagonismo
das Cortes que exigiam uma constituição com poderes reforçados do rei e uma segunda
câmara do Parlamento para a nobreza. O povo que agora festejava o fim da revolução,
tal como em 1820 festejara o seu início, significava mais uma reprovação do novo
regime liberal do que a adesão ao velho regime absolutista.
É verdade que o rei D. João VI aderiu à contra-revolução, responsabilizando as
Cortes pela perda do Brasil e por colocarem Portugal em risco de invasão por tropas
francesas (que ocupavam a Espanha para lá ser adoptada uma constituição segundo o
modelo que vigorava na França pós-napoleónica). Mas proclamou a «reconciliação»,
não o absolutismo: as Cortes foram dissolvidas, alguns políticos liberais desterrados
para a província; uma junta foi criada para elaborar um projecto de Constituição
análogo ao modelo dominante na Europa; uma comissão foi encarregada de examinar as
leis aprovadas pelas extintas Cortes; e negociações foram iniciadas visando recuperar o
projecto de união com o Brasil. O recuo na legislação relativa aos direitos senhoriais
causou movimentos de resistência de lavradores, na região do Centro litoral.
86 J. J. Gomes Canotilho, «As Constituições», História de Portugal, dir. José Mattoso, vol. 5, 126-129 87 Para mais desenvolvimento sobre o vintismo, ver: Zília Osório de Castro, Cultura e Política. Manuel Borges Carneiro e o Vintismo, Lisboa, Instituto Nacional de Investigação Científica, 1990 88 D. G. Nogueira Soares, Considerações sobre o Presente e o Futuro Político de Portugal, 356
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Os adeptos absolutistas não se conformavam com esta política moderada, que
contrastava com o que se passava na Espanha, onde o rei Fernando VII (irmão da rainha
portuguesa) condenara à morte todos os deputados liberais. Uma caudalosa imprensa de
opinião combatia a Constituição de 1822, a Maçonaria e as sociedades secretas89. E foi
para «cortar o mal pela raiz», que D. Miguel, comandante-chefe do exército, promoveu
a «Abrilada» de 182490. O rei chegou a estar sequestrado, mas, com a intervenção dos
embaixadores da Inglaterra e da França, venceu a revolta e fez exilar o príncipe.
Dois anos depois, quando faleceu o rei D. João VI, não estava em vigor a nova
Constituição projectada. E foi seu filho D. Pedro que, a partir do Brasil, «outorgou» a
Portugal uma Constituição de modelo idêntico, a Carta Constitucional de 1826, que,
sujeita a várias reformas, iria vigorar durante quase nove décadas.
A morte de D. João VI deixou uma situação dinástica confusa: a Regência por
ele nomeada aclamou, como sucessor, D. Pedro, o príncipe mais velho; mas, como este
era o imperador do Brasil, muitos não lhe reconheceram legitimidade, atribuindo-a ao
segundo príncipe, D. Miguel. Por detrás do conflito sucessório, o mais importante era o
conflito entre dois tipos de regime político inconciliáveis, o liberal e o absolutista. D.
Pedro procurou um compromisso: abdicou na sua filha, D. Maria da Glória (então com
sete anos), propondo a D. Miguel, seu irmão, casar-se com ela e tornar-se o regente. E,
de facto, D. Miguel, ainda no exílio, jurou a Carta e até celebrou esponsais com a
sobrinha, pressionado pelas potências europeias.
A Carta de 1826 significava também um compromisso: era uma tentativa de
conciliação interna, ligando as duas facções antagónicas, a liberal e a absolutista,
equilibrando o «Portugal velho» e o «Portugal novo»; era «um pacto de concórdia
celebrado pelo soberano entre os dois partidos», como diria Almeida Garrett91.
Inspirava-se na mesma linha de constitucionalismo moderado que vigorava na França e
no Brasil. Deslocava a centralidade do poder do Estado para o monarca, mas sem
rejeitar os novos esquemas de representação nacional introduzidos pelo Liberalismo. A
direcção política do Estado era exercida pelo rei, como detentor de um poder autónomo,
«poder moderador», que o tornava árbitro entre os vários poderes do Estado. O rei podia
vetar as leis decretadas pelas Cortes, convocar e adiar as Cortes, dissolver a Câmara dos
Deputados. Também podia nomear pares sem número fixo, com o efeito de alterar a
89 Isabel Nobre Vargues e Luís Reis Torgal, «Da revolução à contra-revolução: vintismo, cartismo, absolutismo. O exílio político», História de Portugal, dir. José Mattoso, vol. 5, 61 90 Rui Ramos, História de Portugal, coord. Rui Ramos, 477 91 Almeida Garrett, Portugal na balança da Europa, Lisboa, Livros Horizonte, s/d [1830], 147
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correlação de forças – a Câmara dos Pares era uma segunda câmara do Parlamento, na
qual se integravam a grande nobreza (72 titulares) e os bispos (19). Como chefe do
poder executivo, o rei podia nomear e exonerar os ministros. E podia suspender juízes,
conceder amnistias e moderar penas. A Carta satisfazia algumas reivindicações liberais,
nomeadamente: a igualdade de todos os indivíduos perante a lei, a divisão dos poderes
(executivo, legislativo e judicial), embora sob a arbitragem do rei, e o monopólio
legislativo do Parlamento, que impedia o Governo de depender só do rei. A eleição dos
deputados era indirecta e o direito de voto dependente de um rendimento mínimo92.
Os liberais dividiram-se perante a Carta, entre os que a aceitaram e os que
preferiam a Constituição de 1822 aprovada pelo Parlamento. Para os «vintistas» era
como regressar ao Antigo Regime. Mas para os absolutistas era como perder a memória
da «constituição histórica» sedimentada ao longo de séculos e a única legítima; por isso,
os miguelistas, ou legitimistas, rejeitaram a Carta, apesar do seu conteúdo conservador e
do predomínio que atribuía ao rei; e recusaram-se a participar nas eleições de Setembro
de 1826. Alguns regimentos miguelistas passaram para o lado da Espanha, donde, sob a
proteccção do rei Fernando VII, encetaram incursões no lado português, suscitando a
vinda de uma força militar inglesa. Perante a ameaça absolutista, mesmo os «vintistas»
radicais acabaram por adoptar a Carta como sua93.
O dualismo em que se convertera a luta política exacerbou-se até se extremar,
depois do regresso de D. Miguel. É verdade que este, ao chegar a Lisboa, em Fevereiro
de 1828, repetiu perante os deputados e os pares o juramento da Carta que fizera no
exílio; mas logo em Março dissolveu a Câmara dos Deputados, em Maio convocou
Cortes à maneira do Antigo Regime e em Julho foi aclamado como «rei absoluto». Os
chefes militares liberais, vendo-se substituídos nos seus comandos, emigraram, com
outros «notáveis»; no Porto, ainda instituíram uma «Junta de Governo», que tiveram de
dissolver antes de recuarem para a Galiza e dali para o exílio.
A repressão miguelista exercida sobre os liberais atingiu números de presos
(estimativa de 14 000), de exilados (estimativa de 13 000) e de executados (39), nunca
mais vistos na História Contemporânea de Portugal. Os dirigentes miguelistas
92 J. J. Gomes Canotilho, «As Constituições», História de Portugal, dir. Mattoso, vol. 5, 130-133 e Rui Ramos, História de Portugal, coord. Rui Ramos, 478-479 93 Sobre a Carta, com mais desenvolvimento, ver: Maria Helena Carvalho dos Santos, A guerra dos dois irmãos: a 2ª experiência constitucional portuguesa (1826-1828), Estudos de História Política e Cultural, tese de doutoramento, SPES XVIII, Lisboa 2000
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«moderados» não conseguiram impor qualquer tolerância, num regime que nunca
deixou de se sentir acossado, por isso sujeito a uma dinâmica extremista94.
No Norte e no Centro interior do País, também no Algarve, repetiu-se um padrão
de movimentações populares idêntico ao que já acontecera durante as invasões
francesas: instigadas pelos mediadores tradicionais (párocos e capitães de ordenança);
convocadas pelo sino da paróquia, ostentando símbolos identitários (laço vermelho,
hinos, queima de bonecas de palha representando a Constituição); dirigidas contra as
tropas liberais ou contra a elite urbana da província (magistrados, funcionários,
profissionais liberais e comerciantes); executadas pelos grupos etários jovens dos
sectores mais desqualificados, sob a invocação de D. Miguel rei absoluto e da Santa
Religião95. É de evitar, contudo, um retrato simplificado de oposição urbano-rural:
também em Lisboa corriam bandos de miguelistas na perseguição aos liberais formando
uma plebe, em parte dependente da grande nobreza e das instituições eclesiásticas; e
também na província não faltava, mesmo entre o clero, quem aspirasse a construir um
regime de cidadãos ilustrados. Donde, não era correcta a ideia do apoio maciço ao ideal
miguelista pelo clero e pela magistratura96. Cautelosamente, pode dizer-se que «as
classes ligadas aos serviços urbanos tenderam a ser mais liberais, e o clero e os fidalgos
da província mais miguelistas»97.
No início da década de 1830, após viragens na França e na Inglaterra que se
traduziram em apoio diplomático e financeiro aos liberais portugueses, D. Pedro
abdicou em seu filho a condição de imperador do Brasil e veio para a Europa defender
os direitos de sua filha ao trono de Portugal. Assim deu aos liberais a chefia que lhes
faltava, unindo-os sob a bandeira comum da Carta de 1826 por ele outorgada.
Quem eram os liberais emigrados ou exilados? Um dos grupos maiores, que da
Galiza rumara a Plymouth, era constituído por 2383 pessoas (incluindo 158 mulheres,
menores e criados), na maioria militares de diversas patentes, incluindo 1312 praças e
voluntários; compreendia ainda mais de três centenas de civis de diversas profissões:
magistrados, advogados e médicos, bacharéis, clérigos, proprietários e negociantes,
etc98. Muitos tiveram oportunidade, na França, na Inglaterra e na Bélgica, de contactar
desenvolvimentos e personalidades de alto interesse político, cultural e científico. Em
94 Rui Ramos, História de Portugal, coord. Rui Ramos, 483, 485 95 Nuno Gonçalo Monteiro, «Conflitos e mobilizações na sociedade rural», 240-241 96 Isabel Nobre Vargues e Luís Reis Torgal, «Da revolução à contra-revolução…», 67 97 Rui Ramos, História de Portugal, coord. Rui Ramos, 483 98 Isabel Nobre Vargues e Luís Reis Torgal, «Da revolução à contra-revolução…», 69
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conjunto, formavam um «embrião de Estado», suficiente para criar um pequeno exército
e administrar os territórios de que se fosse apoderando (ilhas dos Açores, antes do
Porto), o que desde início deu ao movimento uma «consistência sem preço»99.
Lutas violentas entre os liberais (1834-1851)
Com o fim da guerra civil, os miguelistas foram remetidos para as regiões rurais,
semiclandestinos, e a luta política principal ficou circunscrita aos liberais vencedores.
Reavivaram-se entre eles as divisões, que tinham estado adormecidas perante o inimigo
comum, em torno da lei fundamental: de um lado, os que aceitavam a Carta outorgada
pelo rei, do outro, os que pretendiam uma Constituição aprovada pelo Parlamento.
Era o mesmo dualismo fundamental no qual os futuros partidos haveriam de
mergulhar as suas raízes. Conforme Nogueira Soares observou100, o partido liberal
dividiu-se, logo depois da guerra, segundo as tendências ou disposições mais naturais
do espírito humano na vida pública, entre o campo «cartista», mais conservador, e o
campo «progressista», que iria dar ao «setembrismo», contendo cada um destes campos
diversos matizes mais moderados ou mais radicais.
Todavia, seriam precisos ainda 17 anos para os vencedores verem consolidado o
seu Liberalismo. A tarefa de construirem o novo Estado liberal haveria de revelar-se
penosa, até aprenderem a superar as profundas divisões que se acentuaram entre si, até
descobrirem as vantagens e a fórmula do compromisso.
Desde logo os liberais tomaram medidas revolucionárias com grande impacte
social, económico e político. Grande parte delas tinham já sido concebidas durante a
guerra civil, enquadrando-se numa racionalidade definida por Mouzinho da Silveira.
Algumas cumpriam o objectivo de desenvolver a agricultura e o comércio, pela
libertação da terra de numerosos obstáculos (dízimos, morgadios, doações dos bens da
Coroa, forais e outros direitos «medievais») e pela supressão das sisas nas transacções
(receita dos municípios). Outras pretendiam racionalizar a administração do Estado, na
lógica francesa centralizadora: separar as funções de justiça das de administração,
retirando dos municípios a função de tribunais de primeira instância; sujeitar os
municípios a magistrados nomeados pelo Governo; extinguir as milícias e a reserva
territorial a que se chamava ordenanças. Em conjunto, estas medidas visavam, por um
99 Vasco Pulido Valente, «O Liberalismo Português», 20 100 D. G. Nogueira Soares, Considerações sobre o Presente e o Futuro Político de Portugal, 359-360
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lado, alargar a base de apoio à causa liberal e, por outro, erradicar de vez o miguelismo
absolutista, quebrando os poderes e os rendimentos dos sectores que maioritariamente
tinham combatido por ele: clero, fidalquia, donatários, desembargadores, vereações
municipais, oficiais de ordenanças101. Depois da guerra civil destacaram-se ainda as
medidas de extinção dos conventos masculinos, com a nacionalização dos respectivos
bens (1834), e de extinção de mais de metade dos municípios (1836).
Se as medidas do primeiro período liberal de 1820-1823 tinham sido como uma
onda leve que percorrera o país quase sem deixar rasto, as de agora foram como uma
onda gigante que tudo varreu deixando grandes marcas. Tratou-se da maior revolução
legislativa da História Contemporânea de Portugal. Mas, no imediato, o seu efeito foi
agravar a anarquia e a falência do Estado, que já vinham da guerra e de antes, que se
projectaram nos planos da segurança, judicial, administrativo, fiscal e religioso.
A província, sem milícias e sem polícia rural, ficou à mercê do banditismo e das
guerrilhas102. Os poderes judicial e administrativo foram afectados pelas mudanças
drásticas impostas aos tribunais e às câmaras municipais. Entre 1832 e 1842 houve
quatro reformas administrativas, assim como mudanças diversas no sistema judicial e
no processo criminal. A abolição dos forais levantou tantas resistências e dúvidas que
os recursos entupiram os tribunais103. Igualmente afectada foi a capacidade do Estado de
cobrar impostos: à extinção dos dízimos e à supressão de alguns tributos acrescentou-se
a não exigência de impostos não abolidos, de modo que as contribuições em dívida
foram pesando cada vez mais, entre 20% e 30% da Receita Geral do Estado104.
No plano religioso, abriu-se um «cisma». Os liberais não reconheceram as
hierarquias eclesiásticas nomeadas no reinado de D. Miguel, em especial os bispos, e
nomearam outras que não foram reconhecidas pela Santa Sé, donde resultou uma
ruptura de relações só resolvida na década seguinte. Os clérigos que mais se tinham
distinguido no apoio ao inimigo miguelista foram perseguidos e declarados «rebeldes e
traidores» se continuassem a seguir o «partido do usurpador». Em grande parte do país
rural, passou a haver duas organizações paralelas: a miguelista vivendo na
clandestinidade e a liberal que muita população não aceitava. A abolição dos dízimos, 101 Rui Ramos, História de Portugal, coord. Rui Ramos, 493 102 Sobre as guerrilhas de após a guerra civil, ver: de Fátima Sá e Melo Ferreira, Rebeldes e Insubmissos. Resistências Populares ao Liberalismo (1834-1844), Porto, Edições Afrontamento, 2002; e, de José Brissos, A Insurreição Miguelista nas Resistências a Costa Cabral, 1842-1847, Lisboa, Colibri, 1997 103 José Miguel Sardica, José Maria Eugénio de Almeida. Negócios, Política e Sociedade no século XIX, Quimera Editores, 2005, 73-74 104 Jorge Borges de Macedo, O aparecimento em Portugal do conceito de programa político, separata da Revista Portuguesa de História, Lisboa, tomo XIII, 1971, 380-381
30
principal meio de financiamento da Igreja, deixou os párocos sujeitos à generosidade
das côngruas dos paroquianos, já que o Estado liberal não concretizou a promessa de
compensações financeiras. Os seminários estiveram encerrados por falta de meios até
aos anos 50. O clero secular viu-se reduzido de 24.000 para 10.000 padres, entre 1820 e
1840; muitos frades e monges, postos fora dos conventos, ficaram condenados à
mendicidade, o que levou Alexandre Herculano a deplorar a perda de «metade dos
nossos sábios»105. Só os conventos femininos continuaram abertos, mas destinados a ser
extintos à medida que cada um tivesse um número inferior a 12 religiosas.
Ao nível do poder central, sobretudo por ter morrido D. Pedro poucos meses
depois da vitória deixando o trono à sua filha adolescente, a instabilidade foi tal que em
três anos o Governo mudou nove vezes. E entre 1834 e 1842, três constituições
diferentes foram postas em vigor, sucessivamente: a Carta de 1826, a Constituição de
1822, a nova Constituição de 1838 e outra vez a Carta de 1826. Tal instabilidade era ao
mesmo tempo causa e efeito da anarquia em que vivia o país.
A guerra civil deixou uma população altamente politizada, sobretudo nas
grandes cidades, na qual sobressaíam dezenas de milhares de soldados desmobilizados,
que, por não terem regressado às suas terras nem conseguido integrar-se na Guarda
Nacional, viviam na expectativa de empregos ou de outras compensações. Um decreto
de «indemnizações», saído em 1833, prevendo expropriar os miguelistas e indemnizar
os «fiéis» liberais por perdas e danos, foi suspenso com receio de um levantamento
geral contra o regime106. A amnistia concedida aos miguelistas na convenção final da
guerra desagradou a muitos liberais. Em compensação, a extinção dos conventos abriu
uma larga expectativa de se obterem, pela venda dos bens nacionalizados, receitas
bastantes para satisfazer todos os reais ou supostos ofendidos, as novas clientelas. Mas
nem este recurso veio a confirmar-se, pois beneficiou realmente apenas umas três
centenas de privilegiados, sem tirar as finanças públicas da iminência de bancarrota.
O descontentamento constituiu terreno propício à actuação dos clubes políticos,
ainda sem organização formal nem hierarquias nem consistência ideológica, mas já
capazes de desenvolver ligações regulares a círculos civis e militares, em especial à
Guarda Nacional107. Um dos mais conhecidos era o Clube dos Camilos, fortemente
radicalizado, encerrado, em Maio de 1836, por ser foco da conspiração que dali a
105 Manuel Clemente, «Identidade Cristã e Apostolado dos Leigos em Portugal no século XIX», Igreja e Sociedade Portuguesa. Do Liberalismo à República, Lisboa, Grifo Editores e Livreiros Lda, 2002, 83 106 Vasco Pulido Valente, «O Liberalismo Português», 25 107 José Tengarrinha, «Os primórdios dos partidos políticos em Portugal», 30
31
poucos meses veio a rebentar. Mas havia outros, tais como o Clube Lisbonense e a
Assembleia Lisbonense. A Guarda Nacional, que fora criada pelo último governo de D.
Pedro, para defender a Carta contra a reacção aristocrática e a plebe revolucionária e na
qual deveriam entrar apenas cidadãos «burgueses», acabou por tornar-se, pelas
«isenções» ou pelo recrutamento de substitutos («marcas»), uma espécie de milícia
popular dominada por uma franja extremista. Acresce que o sistema eleitoral, com
eleições indirectas e o direito de voto acessível apenas a quem tivesse um mínimo de
rendimentos, deixava a grande maioria da população excluída da política. O
Liberalismo era um regime de classe média.
Foi nesse contexto que sucedeu a famosa «Revolução de Setembro», símbolo da
esquerda. Quando chegaram a Lisboa, no vapor, os deputados eleitos pelo Porto, no
Verão de 1836 (oposicionistas de esquerda, entre os quais Passos Manuel), foram
recebidos em delírio pela população, que, enquadrada pelos «guardas nacionais», impôs
à rainha a humilhação de jurar em público a Constituição de 1822. Logo o poder foi
entregue aos dirigentes da esquerda «respeitável», nomeadamente Passos Manuel e Sá
da Bandeira, que tentaram conter os ímpetos do radicalismo e definiram o objectivo de
fazer uma nova constituição de compromisso entre a de 1822 e a Carta de 1826.
Passos Manuel era o chefe civil no Governo e traçou um programa com eleições
directas, mais autonomia aos municípios, mais impostos alfandegários no sentido de
proteger a produção nacional, enfim, a criação de liceus, escolas politécnicas, etc;
todavia, deixou a maioria destas reformas no papel por se ter demitido ao fim de poucos
meses, em choque com os radicais a quem chamava «irracionais» e que lhe devolviam a
acusação de «estacionário». Sá da Bandeira era o chefe militar, que, depois de dominar
a «revolta dos marechais», bem como a guerrilha miguelista do «Remexido» no
Algarve, concentrou o exército na capital para submeter a Guarda Nacional: do
confronto com esta organização que não obedecia ao Governo, ao ponto de cercar o
Palácio das Cortes opondo-se à nova constituição, resultou um massacre que deixou no
Rossio uma centena de mortos, em 13/3/1838.
A Constituição de 1838 afirmava a soberania da nação, mas reconhecia à rainha
o poder de veto (sanção régia) sobre as leis do Parlamento e o de dissolver as Cortes;
em vez da Câmara dos Pares, instituiu um Senado electivo; e consagrou as eleições
directas e baixou o censo, de modo que só os muito pobres não tinham direito de voto.
Na mesma linha de compromisso, os setembristas «razoáveis», também
chamados «ordeiros», promoveram uma aproximação aos cartistas, dos quais obtiveram
32
correspondência, por parte nomeadamente de Rodrigo da Fonseca, que defendia a
«fusão» entre os moderados da esquerda e os da direita. Mas esta linha centrista teve
dificuldade de afirmar o seu espaço entre os intransigentes de um lado e do outro, num
contexto dualista dominante: poucos lugares obteve nas eleições de 1838, colocando-se
apenas em condições de desempenhar o papel de desempate entre os polos oponentes.
Como reacção ao excesso esquerdista de 1836, gerou-se uma dinâmica política
no sentido da direita. Em 1839, os «setembristas» deixaram o Governo, no qual os
«cartistas» entraram em força, representados por Rodrigo da Fonseca e Costa Cabral,
entre outros. Rodrigo fez aprovar uma reforma administrativa centralizadora. No
Parlamento ganhou força uma direita intransigente, avessa a fazer concessões mesmo à
esquerda moderada. Adepto da mesma política era o ministro da Justiça, Costa Cabral,
ex-radical de esquerda convertido em radical de direita, que em 1841 reatou relações
com a Santa Sé, reintegrando padres miguelistas afastados pelo «setembrismo» e pondo
fim ao «cisma» religioso que perdurava no mundo rural: eleito grão-mestre do Grande
Oriente, construiu um poder que lhe permitiu dominar a política durante uma década.
Não era mais o tempo do compromisso que motivara a Constituição de 1838.
Em Janeiro de 1842, a partir do Porto, Costa Cabral promoveu a restauração da Carta,
com o apoio do exército. Como a rainha tivesse confirmado a Carta, prevendo contudo a
sua revisão no sentido de incluir as eleições directas, Cabral, tornado ministro do Reino
e homem forte do novo Governo (presidido pelo duque de Terceira), ignorou a
prometida revisão da Carta e repôs as eleições indirectas.
Logo contra o Governo intransigente se levantou todo o restante mundo político,
formando uma frente anticabralista, a «Coalizão», que juntou setembristas e cartistas
reformistas e até, a partir do ano seguinte, miguelistas. Foi também esse o motivo da
revolta militar, falhada, de Torres Novas, de Fevereiro de 1844, na qual, participaram
unidos, pela primeira vez, setembristas e cartistas não cabralistas.
A política inaugurada por Costa Cabral inspirava-se na doutrina conservadora
que vigorava na França, dominada por Guizot, e recebeu apoio da política
«conservantista», de Narvaez, que então se instalou na Espanha. As eleições «à
cabralina» passaram a ser feitas sob intensa pressão das autoridades governativas para
reduzir ao mínimo a oposição. Era urgente estabilizar o poder do Estado para
restabelecer a segurança pública, cobrar os impostos e impor o respeito pelos agentes do
poder, como condições básicas para o desenvolvimento. Já Passos Manuel falhara a
33
estabilização recorrendo a mais liberalismo; agora a mesma intenção de eficácia
governativa era assumida por Costa Cabral, recorrendo a mais ordem108.
Em parte, Cabral conseguiu o seu objectivo, assegurando nomeadamente mais
segurança pública na província, com menos tumultos e guerrilha, para o que contou com
a colaboração do clero, depois de ter regularizado a questão com a Igreja, em 1841. A
sua política colocou-se num patamar mais elevado de consistência, na reunião de
condições e de meios adequados às finalidades, envolvendo: centralização, reformas
judiciária, fiscal e administrativa, construção de estradas, alargamento da instrução,
defesa das produções agrícolas e vinícola, etc109. Correspondia aos anseios de boa parte
da população e obrigou os oposicionistas a transmitirem melhor as suas críticas e
propostas face a novas formas de exigência pública; apareceu então «o primeiro
programa que, como tal, intervém na política portuguesa110. Foi também nesta década
de 1840 que se generalizou a designação de «partido» identificada com «partido
político»111. A Imprensa tornou-se mais dinâmica, mais argumentista e mais violenta. O
número de jornais e publicações periódicas entre 1841 e 1846 passou de 65 para 115.
Os jornais adversários de Cabral, para além das questões pessoais e de insinuações de
roubo e violência, passaram a publicar com frequência artigos sobre estradas, fomento
agrícola, fábricas, criminalidade, rendimento, emigração, etc112.
Mas Costa Cabral terá levado longe demais o que, nas comunidades rurais,
assumiu proporções de intromissão violenta, de que são exemplos o lançamento do
cadastro da propriedade rústica, para efeitos da contribuição predial, e as «leis de
saúde» que obrigavam a sepultar os mortos não nas igrejas mas em cemitérios públicos.
E o poderoso ministro não resistiu à revolta da Maria da Fonte, de 1846, que rompeu no
Minho e alastrou a todo o país, forçando-o a exilar-se em Espanha.
Nessa revolta de mulheres aos gritos por D. Miguel, sob a influência do clero,
não houve apenas miguelismo e resistência ao progresso; em certo sentido, significou
um grau mais elevado de exigência política, mostrando que, se era possível governar
sem as forças regionais, nada poderia fazer-se contra elas113. Em todo o caso, a
politização inicial da revolta era fraca e confusa; e só depois de ser tomada pelas
108 Jorge Borges de Macedo, O aparecimento em Portugal do conceito de programa político, 382-383 109 Jorge Borges de Macedo, O aparecimento em Portugal do conceito de programa político, 400 110 A Revolução de Setembro, de 03/10/1843, e Jorge Borges de Macedo, O aparecimento em Portugal do conceito de programa político, 406-409 111 José Tengarrinha, «Os primórdios dos partidos políticos em Portugal», 25 112 Jorge Borges de Macedo, O aparecimento em Portugal do conceito de programa político, 386, 403 113 Jorge Borges de Macedo, O aparecimento em Portugal do conceito de programa político, 390
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«juntas», que emergiram em muitas cidades, é que se organizou com sentido e força
para derrubar o Governo. No dualismo essencial vigente, a alternativa ao cabralismo
estava nas «juntas», como manifestações de esquerda, não no miguelismo114.
O novo presidente do Governo, duque de Palmela, viu-se logo envolvido numa
dinâmica revolucionária que determinou a dissolução da câmara cabralista, a
convocação de novas eleições com poderes de reformar a Carta e a entrada de ministros
setembristas (entre os quais, Sá da Bandeira). Na campanha para as eleições de Outubro
de 1846, apareceram formas mais evoluídas de ligação ao eleitorado em Lisboa, por
parte do «Partido Progressista» (que coligava setembristas e cartistas não cabralistas),
com reuniões e comícios para apresentação de candidatos e de programas. Mas a par de
uma ala moderada da coligação, outra ala apresentou um «programa de princípios»,
redigido por José Estêvão115, com uma reforma constitucional tão radical que a rainha,
receando ser forçada à abdicação, cancelou as eleições e entregou o poder a Saldanha.
Num contexto de «bipolarização impiedosa», Saldanha não encontrou espaço
para uma política centrista e aliou-se ao Partido Cartista116, na direita. Logo no Porto,
em desafio a este Governo, se instalou uma «Junta de Governo», na órbitra da qual
outras «juntas» se formaram em todo o país, às quais se juntaram forças miguelistas e
várias guerrilhas, como sucedera na «Maria da Fonte». Era a guerra civil da «Patuleia».
Agora, entre liberais, esta guerra foi breve e menos mortífera do que a anterior
contra o regime absolutista. Na sua base também havia uma divergência menor, entre
uma Carta «pura» e uma Carta «reformada». Depois de alguns combates, caiu-se num
impasse militar, enquanto, por mediação inglesa, decorriam negociações secretas entre
as cúpulas117. Parecia haver um cansaço de parte a parte, alguma disposição para a
conciliação, para o não esmagamento do opositor. O resultado acabou por ser em certa
medida negociado, na Convenção do Gramido, sob a pressão de potências estrangeiras.
Quer dizer que não houve vencedores nem vencidos? De facto, o resultado não
foi neutro, já que o Governo continuou a ser o mesmo que estava antes, chefiado por um
Saldanha propenso à conciliação. E na administração do Estado continuou a dominar o
Partido Cartista, o que lhe garantiu uma confortável vitória eleitoral, em 1847, e o
114 Sobre a perda de influência do miguelismo, enquanto expressão da contra-revolução e da resistência ao Liberalismo, ver, de Maria Alexandre Lousada, «Portugal em guerra: a reacção antiliberal miguelista do século XIX», Ideias e percursos das direitas portuguesas, coord. Ricardo Marchi, Alfragide, Texto Editores Lda, 2014, 81-112 115 José Tengarrinha, «Os primórdios dos partidos políticos em Portugal», 33-34 116 Maria de Fátima Bonifácio, A Monarquia Constitucional. 1807-1910, Alfragide, Texto, 2010, 50 117 Maria de Fátima Bonifácio, A Monarquia Constitucional. 1807-1910, 52-53
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regresso de Costa Cabral ao poder, em 1849. Mas agora o contexto era diferente: na
oposição, as várias facções coligadas sob a designação de «Partido Nacional», estavam
unidas no desejo de terem a Carta reformada, esquecendo as Constituições de 1822 e de
1838; também Costa Cabral já não era o mesmo intransigente, concedeu uma amnistia,
reintegrou numerosos adversários e chegou a admitir a reforma da Carta para haver
eleições directas118. Contudo, o tempo já não era o de Cabral; até na Europa a derrota do
radicalismo119 retirara razão de ser à sua política e dos seus inspiradores, Guizot e
Narvaez. Não poderia ser ele a fazer a reconciliação, contra si acumulara demasiados
ódios, enfrentava denúncias de escândalos na Câmara dos Pares e, apesar da «lei da
rolha» de 1850, não conseguiu abafar uma intensa campanha de imprensa hostil. O país
resistia ao seu Governo, desobedecia às leis e aos impostos.
Em Abril de 1851, Saldanha, que por Cabral fora destronado do Governo e de
outros postos importantes, iniciou um pronunciamento militar, dirigindo-se para Norte.
Queria acabar com a discórdia e as divisões partidárias, por isso evitou os civis à sua
volta. Vendo-se isolado, refugiou-se na Galiza a caminho do exílio. Afinal, ficou a
dever ao Partido Nacional, ou Progressista, as condições que lhe permitiram entrar no
Porto antes de avançar sobre Lisboa. «Foi o Partido Progressista que ao chamar
Saldanha do exílio tornou a revolução nacional», disse José Estêvão120. O país estava
maduro para uma mudança política no sentido da concórdia.
E um novo ciclo se abriu na política portuguesa, que veio a assegurar razoável
estabilidade durante várias décadas e a beneficiar o país com importantes progressos.
O espírito de concórdia entre a fusão e a diferenciação (1851-1860)
Saldanha, vitorioso, formou, em Maio de 1851, um Governo com forte presença
do Partido Nacional, ou Progressista, que lhe dera apoio no derrube do Governo
intransigente de Costa Cabral. Todavia, mês e meio depois, remodelou-o, por causa do
desconforto que em meios militares causava o peso que nele havia de «setembristas» e
«patuleias», entre os quais o marquês de Loulé. Em lugar destes, entraram outros, ainda
dentro do Partido Progressista, mas representativos de uma linha «cartista não
cabralista», com destaque para Rodrigo da Fonseca Magalhães e Fontes Pereira de
118 Maria de Fátima Bonifácio, Uma História de Violência Política. Portugal de 1834 a 1851, Lisboa, Tribuna da História, 2009, 169 119 Ver Maria Manuela Tavares Ribeiro, Portugal e a Revolução de 1848, Coimbra, Minerva, 1990 120 Magda Pinheiro, Passos Manuel, o patriota e o seu tempo, 180
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Melo. Foram estes dois ministros que imprimiram as marcas mais características da
«primeira regeneração», Rodrigo como principal inspirador da política «fusionista»,
anuladora das divisões partidárias, e Fontes como principal obreiro da política de
fomento, dita dos «melhoramentos materiais».
Esta remodelação foi um facto de grande importância político-partidária: atrás
do demitido Loulé começou a abrir-se o caminho para a dissidência que mais tarde daria
origem ao Partido Histórico121. A proclamada concórdia não evitou que se dispensasse
um dirigente destacado do Partido Progressista que sustentava a nova situação.
Uma condição essencial para o sucesso do novo ciclo político era a reforma da
Carta, a fim de resolver por consenso o diferendo constitucional em torno do qual se
tinha alimentado tanta violência nas últimas décadas. Para tal foram convocadas
eleições para uma assembleia com poderes constituintes. De tais eleições – realizadas
ainda de forma indirecta – resultou uma Câmara dos Deputados de larga maioria do
Partido Progressista, deixando o Partido «Cabralista», antes dominante, reduzido a uma
pequena minoria, embora mantendo forte influência na Câmara dos Pares.
A reforma da Carta foi concretizada no I Acto Adicional, de 1852, integrando
algumas reivindicações da esquerda, tais como as eleições directas e a aprovação no
Parlamento dos orçamentos anuais e dos tratados internacionais. Não foi muito
inovadora, mas o seu grande valor consistiu no compromisso fixado em torno da lei
fundamental, que retirou a violência da luta política, cingindo-a ao plano legal. Era a
prova da aprendizagem da concórdia. Só a partir da tolerância mútua seria possível
haver rotação ou alternância pacífica entre as forças políticas.
Sobre a política de «melhoramentos materiais» havia um amplo consenso, que
abrangia conhecidos radicais como José Estêvão e Rodrigues Sampaio. Era urgente
dotar o país de estradas e caminhos-de-ferro que já se viam nos outros países da Europa;
o Liberalismo, para além de belas ideias, ainda não trouxera senão lutas fratricidas e
empobrecimento. Mas esse consenso sobre os fins não impediu que se revelassem
divergências quanto aos meios, em especial algumas medidas tomadas por Fontes, que
acumulava as pastas da Fazenda e das Obras Públicas. Era notório o desajustamento
entre uma Câmara dos Deputados com maior peso «patuleia» e um Governo com maior
peso «cartista não cabralista». Por ter recusado, em Julho de 1852, uma das medidas
121 José Miguel Sardica, A Regeneração sob o Signo do Consenso, 137
37
financeiras essenciais do Governo (decreto de conversão da dívida, de 3/12/1851), foi a
Câmara dos Deputados dissolvida e realizadas eleições (agora directas), em Dezembro.
Donde resultou o afastamento de muitos elementos situados mais à esquerda e
uma nova maioria de deputados mais de acordo com a feição do Governo, que se
assumiu então «marcadamente de centro-direita», significando que o frentismo do novo
ciclo político abriu «brechas»122. Um dos que então deixaram de ser deputados e
publicaram um manifesto foi Anselmo Braamcamp.
A dissolução foi mais um passo para, ou foi a «certidão de nascimento» da
dissidência123, de centro-esquerda, chamada «Partido Progressista Dissidente», que,
alguns anos depois, veio a resultar no Partido Histórico. Era a velha tendência para o
dualismo a mostrar-se outra vez, agora adaptado às novas condições, não já o dualismo
extremado que causara guerra e revoltas, mas um dualismo mais centrista e moderado,
entre as duas linhas que viriam a defrontar-se no futuro, em todo o tempo da tese.
Havia agora menos espaço para o radicalismo, razão por que o jornal O Patriota
deu lugar a outro, mais moderado, O Português (Abril de 1853), com a colaboração de
Alexandre Herculano, que de início apoiara com entusiasmo a Regeneração. No ano
seguinte, enquanto Fontes apelava à união de todos, «sem distinção de partidos, no
sentido de sermos úteis ao nosso país»124, a dissidência, por outro lado, estruturava-se
elegendo a sua comissão central. Significava uma tensão, que haveria de prolongar-se
por largos anos, entre o espírito de fusão e o impulso da diferenciação.
Chegou-se a 1856. Os tempos eram difíceis: após anos de más colheitas,
espalhara-se a fome e ocorreram tumultos, especialmente em Lisboa. Nem por isso o
Governo travou os seus projectos de aumentar os impostos, para fazer face aos encargos
do empréstimo que Fontes contratara para prosseguir a política dos «melhoramentos
materiais». Contra isso recolheu-se uma «representação-monstro» de 50 mil assinaturas,
explorando uma frase célebre de Fontes, «O povo deve e pode pagar mais». Na Câmara
dos Pares previa-se difícil a aprovação da política financeira do Governo, sobre a qual o
novo rei D. Pedro V também levantava reservas, de modo que lhe recusou uma
«fornada» de novos pares. Assim chegou ao fim o longo Governo de Saldanha. Para o
substituir, depois de várias tentativas, o rei encarregou o marquês de Loulé, com largo
122 José Tengarrinha, «Os primórdios dos partidos políticos em Portugal», 38 123 José Miguel Sardica, A Regeneração sob o Signo do Consenso, 158 124 Diário da Câmara dos Pares, 7/2/1854, 229
38
passado «setembrista» e «patuleia», grão-mestre da Maçonaria, de formar o novo
Governo, do qual faziam parte outros nomes da esquerda, entre os quais Sá da Bandeira.
Como interpretar esta primeira mudança de presidente do Governo do ciclo da
Regeneração, logo acatada pelos apoiantes do Governo cessante, o que marcou um
contraste com os tempos de discórdia anteriores? Seria já a prova do funcionamento do
«rotativismo» bipartidário que veio a caracterizar o regime constitucional monárquico?
Contra tal ideia se manifestam vários autores, tais como Sardica e Ravara, ou porque a
formação dos partidos estava em fase embrionária e ainda se falava na necessidade de
um grande bloco nacional apartidário, pois nem sequer estava constituído o Partido
Histórico, ou porque os partidos não tinham programas bem definidos com amplo
substracto popular. Aliás, o novo presidente do Conselho declarou-se empenhado em
seguir a mesma política de melhoramentos materiais do Governo anterior, debaixo da
ideia dominante do «progresso». Mas é interessante que logo os Históricos apelaram ao
país a que não confundisse «dois sistemas opostos» para que a substituição das pessoas
se traduzisse numa «profunda transformação»125. Quer dizer que, se da parte de Loulé
não se via disposição para uma grande mudança, lá estava o grupo histórico, no qual ele
tinha de se apoiar, a dizer-lhe que iria lutar por ela.
Entretanto, o processo eleitoral que se seguiu nesse ano de 1856, acelerou a
autonomização da dissidência histórica que convergia com o Governo126. O «Manifesto
da Comissão Eleitoral Progressista», publicado n’O Português, de 6/9/1856, pode
considerar-se o primeiro programa do Partido Histórico127. Também os Regeneradores,
achando-se na oposição, se constituíram em partido, numa reunião em que foi eleito
presidente Joaquim António de Aguiar, estando Rodrigo ausente e em perda de
influência128. Doravante foram estas duas forças principais que disputaram o poder,
protagonizando um bipartidismo dominante, mas não exclusivo, porque outras correntes
se organizaram para disputar eleições, desde logo a cartista-cabralista e a miguelista.
Nos primeiros anos da Regeneração triunfou o centrismo sobre o dualismo. Mas
foi um triunfo transitório. Mais do que isso: foi um triunfo, não do centro enquanto
solução de governo, mas do centro enquanto compromisso sobre as regras
fundamentais, em torno do qual o dualismo devia produzir os diferentes governos.
125 Maria de Fátima Bonifácio, A Monarquia Constitucional (1807-1910), 68 126 José Miguel Sardica, A Regeneração sob o Signo do Consenso, 199-200 127 José Tengarrinha, «Os primórdios dos partidos políticos em Portugal», 38 128 José Miguel Sardica, A Regeneração sob o Signo do Consenso, 204-207
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Na transição de 1856 a intervenção do rei foi decisiva, mas não foi de puro
arbítrio. D. Pedro V assumia-se como «o guardião da liberdade» pois que, sem a
intervenção real, como das eleições nunca resultaria uma rotação no poder (ao contrário
da Inglaterra), cair-se-ia numa «tirania permanente»; se o rei não queria, como escreveu,
que o país suportasse «o jugo de um partido com total exclusão dos outros»129, teria de
atender às forças políticas existentes; e não fazendo sentido recorrer ao ultrapassado
«Partido Cabralista», só tinha a força dissidente histórica como alternativa. Mesmo que
pensasse sobretudo em personalidades e não em grupos e que as personalidades
convidadas antes de Loulé não tivessem aceitado, dificilmente acharia uma solução
consistente e alternativa que não se apoiasse na «dissidência histórica». O próprio
Loulé, quando formou governo, não estava ligado formalmente à dissidência, até
organizou as eleições em parte em concorrência e em parte associado aos diversos
grupos130, mas foi nos Históricos que encontrou um apoio de futuro. Ou seja: o rei agiu
condicionado por uma bipolarização que já tinha algum antecedente na política
portuguesa, mesmo reconhecendo que tal bipolarização estivesse então algo esbatida e
que os partidos que a corporizavam estivessem em fase embrionária de organização.
Se havia ou não continuidade entre as formações políticas de antes e de depois
de 1851, não é uma questão pacífica. Depende da perspectiva: se o Partido Histórico
reclamava a história «setembrista» e «patuleia», o Partido Regenerador pretendia iniciar
um novo ciclo, integrando, além de uma maioria de «cartistas», notórios setembristas
como Estêvão e Sampaio; e embora o primeiro dele se tenha desligado no final dos anos
50, Sampaio permaneceu sempre nele, à frente do jornal A Revolução de Setembro, cujo
nome manteve para se mostrar avançado e utilizar em campanha constante pela fusão
dos partidos. Em todo o caso, era no Partido Histórico que se encontrava o maior
número de herdeiros da esquerda «setembrista» e «patuleia» e era também este o partido
que ocupava o maior espaço da esquerda, de tal modo que a designação «Progressista»
passou a ser atribuída apenas a ele, deixando de o ser ao Partido Regenerador à medida
que este foi consolidando a sua ocupação do espaço da direita131.
Nos restantes anos 50 confluíram no processo político tanto elementos de fusão
como elementos de diferenciação entre as forças políticas, mas ainda dominou a retórica
129 Carta de 28/8/1856, em Maria Filomena Mónica (ed.), Correspondência entre D. Pedro V e seu tio, o Príncipe Alberto, Lisboa, ICS / Quetzal Editores, 131-132; Rui Ramos, História de Portugal, coord. Rui Ramos, 534 130 José Miguel Sardica, A Regeneração sob o Signo do Consenso, 217 131 José Tengarrinha, «Os primórdios dos partidos políticos em Portugal», 40
40
de conciliação e fusão, o que, segundo José Miguel Sardica, retardou a autonomização
organizativa das forças políticas e a respectiva diferenciação programática132.
O conflito entre a fusão e a diferenciação prolongou-se e entrou pela década de
1860, passando a travar-se não apenas entre os Regeneradores e os Históricos, mas
também no seio dos Históricos, ou dentro do bloco de apoio ao Governo de Loulé. Se
por um lado, Loulé seguia uma linha fusionista, ou «pasteleira», demonstrada na
remodelação de 1857 em que admitiu António José de Ávila e outros ex-cabralistas
como ministros de influência, por outro lado, grande parte dos Históricos desejava que o
seu apoio ao Governo se traduzisse numa política mais clara de esquerda. Deu-se até o
caso anómalo de a Concordata ter sido aprovada com votos favoráveis de oposicionistas
e votos contrários de Históricos e de, por causa dela, se ter demitido o único ministro
histórico (Vicente Ferrer) desse Governo que não integrava nenhum dos 24 membros da
Comissão Central do partido. Essa tensão explica, em parte, a agressividade da luta
contra as Irmãs da Caridade francesas, uma questão que quase paralizou a política
portuguesa durante cinco anos. Como as irmãs tinham vindo autorizadas pelo Governo
de Loulé, a luta feroz que se desenvolveu contra elas no interior do Partido Histórico
teve o efeito de enfraquecer o próprio Governo, constituiundo uma das causas principais
da sua queda, em Março de 1859.
O Governo que se seguiu, presidido pelo duque de Terceira (1859-1860),
significou uma aliança entre os Regeneradores e os Cartistas-cabralistas, na sequência
da mesma aliança que já existira nas eleições de 1858 abrangendo então também os
Miguelistas. Era um passo no sentido da união da direita, num processo não linear que
incluiu outros passos de sentido diferente. Coube a este Governo fazer aprovar (com os
Históricos) um novo sistema eleitoral baseado nos círculos uninominais, tendo também
revelado novos ministros (Casal Ribeiro, Martens Ferrão e Serpa Pimentel), que, com
Fontes, viriam a ser figuras proeminentes do Partido Regenerador.
Por morte do duque de Terceira (Abril de 1860), abriu-se uma grave crise
política: o rei opôs-se a que à presidência do Conselho ascendesse o ministro mais
destacado, Fontes Pereira de Melo, preferindo Joaquim António de Aguiar, embora
achasse que não passava de uma solução de «interinidade»133. De facto, Aguiar não
132 José Miguel Sardica, «Os partidos políticos no Portugal oitocentista», 579 133 Marques Gomes, História de Portugal Popular e Ilustrada de Manuel Pinheiro Chagas, vol XII, Lisboa, Empresa da História de Portugal, 1907,161-162
41
conseguiu afirmar-se e em dois meses pediu a demissão, a pretexto de uma votação
parlamentar pouco significativa, perante a incompreensão dos seus apoiantes134.
Loulé foi de novo chamado ao poder, quando já assumira a presidência do
Partido Histórico, desde final de 1859. Podia agora dizer-se que o seu Governo se
identificava mais claramente como «histórico». Mas nem por isso ele alterou a sua
política centrista, que tanto irritava a ala esquerda do partido, já que manteve Ávila e
outros ex-cabralistas como ministros e deixou as Irmãs da Caridade continuarem a dar
instrução às crianças nos asilos, obedecendo ao superior-geral de Paris e não ao
patriarca de Lisboa. A resistência de Loulé à diferenciação do seu partido abriu um
espaço na esquerda, que José Estêvão, já separado dos Regeneradores, tentou aproveitar
para formar um novo partido, em conluio com uma ala radical histórica, «unha negra».
Daí decorrerão desenvolvimentos relevantes que já se situam no tempo
específico da tese. É o momento para fazer um balanço deste relance retrospectivo.
A violência que marcou a primeira metade do século XIX proporcionou aos
agentes políticos e a toda a população das cidades e das zonas rurais intensas e variadas
experiências, desde as invasões francesas, com suas devastações, pilhagens e agressões
às crenças básicas, passando pela revolução liberal e pela reacção miguelista, que
conduziram à guerra civil; pelas drásticas reformas que se seguiram, causando confusão,
falência do Estado e o cisma religioso, sob a mão intransigente de Cabral na tentativa de
recuperação da autoridade, que motivou a revolta da Maria da Fonte; passando enfim
pela guerra da Patuleia, antes de se chegar ao ambiente pacificado da Regeneração.
Na base dos tumultos que agitaram a população avultava a questão fiscal: o
Liberalismo herdara uma fazenda pública dependente das receitas fiscais geradas pela
reexportação de produtos coloniais, que deixava bastante intocadas as formas de
propriedade sobre a terra, donde resultou um subdesenvolvimento fiscal que o Estado
nunca resolverá verdadeiramente e será razão de crises em todo o período da tese135.
Na década de 1850, a participação política da população evoluiu para um nível
mais elevado, primeiro pelas eleições directas, a partir de 1852, depois pelos círculos
uninominais, a partir de 1860; enquanto estes foram pequenos, deixando exprimir-se os
influentes locais sem haver ainda tanta força do Estado central, maior foi a competição
134 A Revolução de Setembro, 3 e 5/7/1860 135 Rui Branco, «A vida política», A Construção Nacional. 1834-1890, coord. Pedro Tavares de Almeida, Carnaxide, Editora Objectiva, 2013, 41-43
42
eleitoral (de acordo com o Quadro nº 5 e o Gráfico nº 3). A participação eleitoral era
entre nós semelhante à observada em vários países europeus136.
Em Setembro de 1860, surgiu entre nós, por iniciativa da Associação Patriótica,
uma nova forma de protesto, o meeting, espécie de assembleia popular ao ar livre, usual
na Inglaterra, depois repetida em Março de 1861, na contestação à presença das Irmãs
da Caridade francesas. Foi um dos sinais que José Miguel Sardica identificou como
dando à década de 1860 «uma dimensão de mudança, de contestação, de velocidade»
que a tornavam diferente da década de 1850137. Também José Tengarrinha viu na
agitação dos anos 50 para os anos 60 uma «crescente politização do protesto social»138.
Uma parte crescente compunha a chamada «opinião», a qual, em certas conjunturas, fez
ouvir a sua voz e impôs mudanças nos acontecimentos, sobretudo em Lisboa e no Porto.
E os meetings não tardariam a chegar a todo o país.
Ao nível dos grupos políticos, assistiu-se a uma notória evolução, desde os
clubes, passando pelas facções e «parcialidades», até aos partidos, em resposta às
exigências crescentes da população, especialmente nas grandes cidades. Se nos
primeiros tempos liberais, predominava uma ideia negativa dos partidos, como
sinónimo de divisão, nos anos 40 adquiriram experiência de comunicação com os
eleitores e passaram a ser aceites como instrumentos úteis de acção política organizada.
Mas a constante violência inspirou à Regeneração um desejo de superação, de fusão,
dos partidos. Só depois de resolvido o diferendo constitucional, pelo compromisso de
1852, é que a luta política se colocou dentro da legalidade.
Assumido o novo espírito de concórdia, D. Pedro V pôde promover transições
pacíficas de governo, entre os dois principais partidos que continuavam a bipolarização
do tempo anterior, e essas transições por sua vez deram experiência governativa a esses
partidos e reforçaram as suas identidades alternativas. Doravante os dois partidos eram
versões moderadas da direita e da esquerda, mas houve sempre uma tensão, sob diversas
modalidades, entre um que defendia a fusão dos dois e outro que defendia a sua
diferenciação. A tese acompanha esta tensão nas décadas seguintes.
136 Pedro Tavares de Almeida, Eleições e Caciquismo no Portugal Oitocentista (1868-1890), 143 137 José Miguel Sardica, A Regeneração sob o Signo do Consenso, 298 138 José Tengarrinha, «Os primórdios dos partidos políticos em Portugal», 41-42
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2 – A experiência da diferenciação (c. 1860-1865)
O corpo principal da tese situa-se nas três décadas que vão de 1860 a 1890. É um
período de relativa paz constitucional e de progresso que abrange diversas fases da
dinâmica político-partidária, correspondentes aos capítulos em que se divide a tese.
A década dos anos 60 foi como que uma década de laboratório, pelas diferentes
experiências que nela ocorreram, quer no sentido da rotação bipartidária (experiência da
diferenciação), quer no sentido contrário (experiências da fusão e da fragmentação do
poder em pequenos partidos), todas contribuindo para a aprendizagem da alternância.
A experiência da diferenciação entre os dois principais partidos já vinha
anunciada desde que, em 1852, se iniciara a dissidência «histórica» em relação ao
Partido Progressista Regenerador formando dois (proto) partidos que em 1856 se
autonomizaram. Na primeira metade dos anos 60, esse processo aprofundou-se. É do
que trata o presente capítulo.
2.1 – Primeira vitória da diferenciação (c. 1860-1862)
Quando o marquês de Loulé assumiu o poder no verão de 1860, encontrou-se
numa situação instável: na Câmara dos Deputados a maioria ainda era a que resultara
das eleições ganhas pelos Regeneradores; e na Câmara dos Pares dominava uma maioria
de Regeneradores e Cabralistas. Mais cedo ou mais tarde teria de haver uma
clarificação. Além disso, Loulé continuava a resistir à pressão do interior do seu partido
para que adoptasse uma política mais clara de esquerda, ou seja: para que demitisse
Ávila e os outros ministros ex-cabralistas e formasse um Governo com membros do seu
Partido Histórico e para que resolvesse a questão das Irmãs da Caridade francesas, ou
obrigando-as a obedecer à legislação portuguesa ou expulsando-as do país. Como a
Câmara dos Pares era favorável às Irmãs da Caridade, muitos históricos apelavam a uma
reforma que extinguisse ou menorizasse essa câmara «reaccionária» de aristocratas.
Para agravar as coisas, José Estêvão movimentava-se em torno do Partido Histórico, a
aproveitar o descontentamento, no intuito de o reorganizar ou de criar um partido novo.
E como se tudo não bastasse, a rua agitava-se com a novidade dos meetings promovidos
pela Associação ou Sociedade Patriótica.
Em Março de 1861 anunciou-se mais um meeting, a pretexto das Irmãs da
Caridade. O que seria a tal Patriótica, que se dizia assemelhar-se aos clubes jacobinos da
44
Revolução Francesa, donde saíam proclamações incendiárias incitando ao levantamento
popular causando sérias apreensões ao Governo139? Sabia-se que José Estêvão tinha lá
influência. Mas talvez o próprio Loulé lá tivesse também contactos, dos quais terá vindo
a ideia de o Governo se antecipar publicando uma portaria a ordenar às Irmãs da
Caridade que abandonassem o edifício de Santa Marta no prazo de 40 dias e a prever
que a corporação fosse depois dissolvida. Daí se gerou a expectativa de que o meeting
revertesse numa romagem de agradecimento à residência do marquês de Loulé. Afinal
houve mais alguém que manipulou o meeting, transformando-o numa romagem à
residência do duque de Saldanha, inimigo do Governo, a aclamá-lo como um salvador
da Pátria e a pedir-lhe para entregar uma petição ao rei. E Saldanha foi, no dia seguinte,
entregar pessoalmente ao rei a petição que pedia a demissão do Governo.
Loulé informou depois, no Parlamento, que estivera no Paço no mesmo dia em
que Saldanha lá estivera, mas não o encontrara; sabia que ele entregara ao rei uma
representação que se afirmava ser do povo de Lisboa; que, se tivesse estado presente,
teria aconselhado o rei a não receber tal documento, que era «uma burla à opinião
pública» e que pedia a queda do ministério atacando as prerrogativas da Coroa140.
O Jornal do Porto, próximo dos Históricos, denunciou que essa manifestação foi
«planeada e dirigida de mais alto, com recurso à tropa», fazendo «lembrar os tempos de
antes de 1851»; dias depois acrescentou: se o Governo Loulé receava a oposição
parlamentar, mais devia recear-se «de um inimigo mais forte que ambos, que no segredo
das conspirações militares» ambicionava «o poder para si com exclusão de ambos eles»;
que o duque de Saldanha, «cansado de estar desde tão longo tempo ausente da direcção
dos negócios públicos», queria governar, queria «impor-se à coroa como em 1851»141.
O Jornal do Comércio, onde então se exprimia a «unha negra», receava que estivesse
«em risco a existência constitucional dos partidos» e até já tolerava a fusão, «como um
remédio extremo»142. O rei não apreciou as manobras de Saldanha e escreveu-lhe
rejeitando a mudança de Governo desejada pelos peticionários143.
O Governo achava-se cercado, por causa da questão religiosa: da esquerda sofria
a pressão para expulsar as Irmãs da Caridade e desamortizar os bens dos conventos
femininos sem esperar pela autorização da Santa Sé, como queria o «subserviente»
139 José Tengarrinha, «Os primórdios dos partidos políticos em Portugal», 41 140 Diário da Câmara dos Deputados, 12/3/1861, 724 141 Jornal do Porto, 13 e 18/3/1861 142 Jornal do Comércio, 15 e 17/3/1861; Maria de Fátima Bonifácio, «A republicanização da monarquia», Apologia da História Política, Estudos sobre século XIX Português, Lisboa, Quetzal Editores, 1999, 313 143 Carta de 17/3/1861, em Marques Gomes, História de Portugal (Manuel Pinheiro Chagas), 171
45
ministro Ávila; da direita sofria a pressão oposta, sobretudo da Câmara dos Pares, onde
o patriarca de Lisboa pediu o adiamento da desamortização144. E com os deputados, cuja
maioria era ainda regeneradora, não podia contar. Para romper o cerco, Loulé exigiu aos
deputados a aprovação de um conjunto de leis, antes de encerrar o Parlamento; e,
perante a resposta evasiva de Fontes, propôs uma «lei de meios»145 (que lhe permitiria
cobrar receitas e aplicá-las sem ter orçamento aprovado). Era a ameaça da dissolução.
Na Câmara dos Pares, no contexto de uma interpelação ao Governo sobre as
Irmãs da Caridade, o conde de Tomar (Costa Cabral) levou a maioria a mostrar grande
hostilidade ao marquês de Loulé146. De tal modo que o Jornal do Porto, que até então se
dizia independente, se colocou «do lado do ministério» por vê-lo «combatido nas ruas
pelos amotinadores comandados pelo duque de Saldanha e na câmara hereditária pelos
apóstolos do mais obstinado fanatismo religioso conduzidos pelo conde de Tomar»147.
Na Câmara dos Deputados, a maioria regeneradora, comandada por Fontes, rejeitou a
lei de meios proposta pelo Governo, por 80-76 votos148. Melhor motivo não havia para a
dissolução e a marcação de novas eleições.
As eleições deram ao Partido Histórico (junto com os avilistas) uma grande
maioria, estabelecendo com a oposição uma relação da ordem dos 100 a 110 deputados
contra 60. Fontes, o principal chefe oposicionista, não foi eleito na primeira volta, só o
sendo à segunda volta, um mês depois, por um dos círculos de Lisboa. O rei aprovou
uma «fornada» de 15 novos pares, permitindo aos Históricos reforçar as suas posições
na Câmara Alta. Com tais apoios, Loulé insistiu na mesma política de aliança com
Ávila e de contemporização com as Irmãs da Caridade quando estas não cumpriram o
prazo de 40 dias para abandonar as instalações de Santa Marta.
Quando Loulé proibiu mais um meeting da Patriótica, em Junho, os jornais
radicais afectos ao Partido Histórico apoiaram-no desta vez, decerto assustados com a
caros boatos de próxima ditadura de Saldanha. Saldanha, de facto, escreveu uma carta
ao presidente do Governo, publicada nos jornais a seu pedido, em 22/6/1861, dizendo-se
«instado por muitos homens sérios» «para voltar às lides do governo» e julgando «uma
mudança ministerial da maior conveniência»149. Fontes, por seu lado, assumia o mesmo
144 Jornal do Porto, 5 e 11/3/1861 145 Jornal do Porto, 16 e 18/3/1861 146 Jornal do Porto, 23/3/1861 147 Jornal do Porto, 26/3/1861 148 Diário da Câmara dos Deputados, 26/3/1861, 898 149Jornal do Porto, 8 e 10/6/1861; A Revolução de Setembro, 22/6/1861, em Maria de Fátima Bonifácio, «A republicanização da monarquia», 317
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objectivo: «Quero a queda do ministério. Sim senhor, quero a queda do governo. Que
admiração. Pois para que estou eu aqui sentado na oposição? É para guerrear o
ministério, porque julgo que o governo não satisfaz o seu dever»150. Mas entre recorrer à
ditadura e recorrer ao jogo parlamentar havia uma grande e fundamental diferença.
Fontes percebia que o Partido Histórico continuava dividido e vulnerável,
mesmo depois da vitória eleitoral, mesmo que desse alguns sinais de reagrupamento no
seu interior perante o inimigo comum. O ministro Ávila era um dos motivos de
descontentamento: José Luciano de Castro atacou-o por manter em funções o barão de
Moreira como cônsul no Rio de Janeiro, acusado de conivência no tráfico de
escravos151. A forma habitual como os Históricos manifestavam o seu desagrado não era
votando contra as propostas do Governo mas ausentando-se nas votações, como
aconteceu, por exemplo, a respeito da demissão do director-geral da Instrução Pública,
ou na votação das matrizes da contribuição industrial (neste caso, reunindo apenas 24
votos face a 56 da oposição!)152 Nesse ano de 1861, a assiduidade média nas votações
nominais não chegou a 50% (Vide Quadro nº 4, no final).
O interregno parlamentar aliviou a pressão política. Mas em menos de um mês
morreram o príncipe D. Fernando e o próprio rei, ambos com a mesma doença,
possivelmente febre tifóide, na sequência de um passeio a Vila Viçosa. O funeral real
reuniu cerca de 100 000 pessoas numa impressionante manifestação de pesar. Logo se
espalhou o boato de terem sido os políticos, a começar o presidente do Governo, que
envenenaram o rei e o príncipe. E quando, em Dezembro, outro príncipe caiu
gravemente doente, dos boatos passou-se aos tumultos, em Lisboa, no próprio dia de
Natal, com ataques às casas do marquês de Loulé e de outros políticos.
Perante o enorme dramatismo que a situação ganhou, pondo em perigo o regime,
Loulé apresentou-se no Parlamento: o Governo tinha meios de reprimir os tumultos mas
carecia do apoio dos deputados; logo o apoio lhe foi manifestado pela oposição
regeneradora, pelas vozes de Serpa Pimentel e de Martens Ferrão. Foram presos
algumas dezenas de populares e, mais tarde, presos também dirigentes da Associação
Patriótica, dada como envolvida na agitação e por isso dissolvida.
Poder-se-ia pensar que o contexto era favorável a uma conciliação entre as
forças políticas, atendendo a que se estava no início do novo reinado de D. Luís. Mas a
150 Diário da Câmara dos Deputados, 3/7/1861, 1661-1664 151 Diário da Câmara dos Deputados, 12 e 15/7/1861, 1777-1782 e 1810-1812 152 Diário da Câmara dos Deputados, 20/7/1861 e 16/8/1861, 1907 e 2305
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dinâmica prevalecente era bem outra. Um jornal afecto ao Governo insinuava que os
Regeneradores tinham detestado o rei falecido e agora, perante o novo rei, mostravam
um «furor redobrado a concertar planos de agressão parlamentar»153. Em repetidos
artigos, o jornal regenerador colou ao Governo histórico o rótulo de «Governo da
anarquia», ridicularizando os ministros que tinham fugido do ministério da Fazenda,
quando a populaça o invadira; e nas vésperas do debate parlamentar sobre os tumultos,
proclamou que era «tempo de a oposição parlamentar romper o seu silêncio e obrigar o
governo a ser governo ou a abandonar o poder»154.
Uma comissão especial foi formada no Parlamento sobre os tumultos, tendo
como relator Joaquim Lobo de Ávila, chefe da «unha negra» – mais um sinal de união
na maioria histórica – que se traduziu num parecer favorável à actuação do Governo.
Com tal parecer é que os Regeneradores não se conformaram: se eles tinham dado o
apoio solicitado pelo Governo, foi porque não podiam pedir a sua queda «no meio das
praças», esclareceu Fontes, passando a condenar a «fraqueza» do Governo por, em vez
de «prevenir» os tumultos, os ter reprimido «tarde e mal» e propondo uma censura155.
José Estêvão desculpou os tumultos, «Ao despotismo da morte responde a anarquia da
dor», colocando-se em posição neutra, contra o Governo e contra a oposição, o que na
prática agradou mais aos Históricos do que aos Regeneradores156.
«A queda do Governo significaria entregar o poder a uma coligação monstruosa,
Fontes de braço dado com o conde de Tomar», diziam os Históricos157. Por isso,
mobilizaram o máximo de deputados para as duas votações nominais que encerraram o
debate, vencendo largamente por 86-43 e 85-42 votos158. Todavia, na Câmara dos Pares
a situação do Governo era mais difícil, perante um parecer que desde logo lamentava a
sua «falta de energia». Então pôs-se uma questão que em várias ocasiões futuras se
haveria de repetir: poderiam os pares não eleitos mover moções de censura ao Governo
sobrepondo-se aos deputados eleitos? O ministro Ávila ameaçou os pares com mais
uma «fornada». Sá da Bandeira afirmou que, tendo o Governo a confiança do rei e o
apoio da maioria dos deputados, não pediria a demissão nem a dissolução, qualquer que
153 Jornal do Porto, 30/11 e 24/12/1861 154 A Revolução de Setembro, 12/1/1862 155 Diário da Câmara dos Deputados, 21/1/1862, 233-234 156 Diário da Câmara dos Deputados, 27/1/1862, 298-301, e Jornal do Porto, 31/1/1862 157 Jornal do Porto, 30/1/1862 158 Diário da Câmara dos Deputados, 31/1/1862, 354 e 355
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fosse a votação159. Uma votação foi favorável ao Governo por dois votos e outra
empatada sem que se pedisse a sua repetição160.
Afigura-se que solução da crise já estaria pensada, independente da votação dos
pares. Loulé já teria ponderado entre o grupo avilista e o grupo de Estêvão, que valiam
numericamente o mesmo, uns dez a doze deputados. Mas enquanto o grupo avilista
pertencia à direita, próximo dos Regeneradores, a influência de Estêvão entrava dentro
do Partido Histórico e estendia-se à agitação popular, ao novo poder da rua.
Na reunião que a maioria histórica realizou, estiveram «excluídos os amigos de
Ávila» mas foi «festejada a presença de José Estêvão»161. Loulé deu a demissão do
Governo e apareceu depois à frente de outro, mantendo Sá da Bandeira, que apadrinhou
a entrada de Anselmo Braamcamp para ministro do Reino, e integrando, em vez de
Ávila e do seu amigo Bento, dois elementos da «unha negra», Lobo de Ávila e Mendes
Leal. Estêvão concordou mas ficou de fora, por alegada oposição do exército, prevendo-
se que entrasse mais tarde; aliás, foi eleito grão-mestre da Confederação Maçónica
Portuguesa, substituindo Loulé, que no mesmo cargo estivera dez anos.
Entrou em funções, portanto, um governo composto só de elementos históricos,
que até parecia a velha Junta do Porto da Patuleia, mais a «unha negra». Mas não era
um governo homogéneo, na medida em que resultara de Loulé se ter rendido à
diferenciação, abandonando a sua política «pasteleira», não por convicção mas por
instinto de sobrevivência; podia adivinhar-se que os seus adversários internos, em
especial os alinhados na «unha negra», tentariam consolidar e reforçar as suas posições.
Do ponto de vista da tese, este governo histórico significou uma clara vitória da
diferenciação sobre a fusão que dominara na década anterior. Tratou-se de uma
clarificação à «esquerda», que afastou os elementos de «direita» que nele coabitavam.
Os Regeneradores perceberam a mudança e fizeram soar o alarme: por que tentava o
Partido Histórico «inaugurar a política mesquinha de exclusivismo e intolerância»,
pondo em causa «a política nova da tolerância e da transacção» que tinha sido
inaugurada em 1852?162 Na verdade, não se pretendia regressar à discórdia anterior à
Regeneração, mas afirmar tão só o dualismo normal da luta política sem rejeitar o
compromisso fundamental do I Acto Adicional à Carta.
Duas visões diferentes do sistema partidário continuavam a confrontar-se.
159 Jornal do Porto, 11/2/1862 160 Diário da Câmara dos Pares, 15/2/1862, 655 161 A Revolução de Setembro, 18/2/1862 e Jornal do Porto, 19/2/1862 162 A Revolução de Setembro, 3/3/1862
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A visão regeneradora era explicada regularmente n’A Revolução de Setembro
nos seguintes termos: Antes da Regeneração, havia dois partidos, «o progressista da
carta reformada e o conservador da carta pura»; eram os «velhos partidos» do tempo da
violência. Com o Acto Adicional de 1852, surgiu o Partido Progressista Regenerador,
«o único com direito a denominar-se progressista», no qual se integraram «estadistas
cuja superioridade era reconhecida e aceita por todos». Loulé também pertencera a este
partido, do qual «desertou» em 1852 para se colocar à frente de uma coligação que tinha
por programa «o país não pode nem deve pagar mais», «um programa absurdo, que era
a negação de todo o progresso». Como não tinha um partido que o reconhecesse como
chefe, Loulé encomendou-o a «peticionários», que recolheram 50.000 assinaturas contra
o aumento dos impostos. E em 1856 subiu ao poder, a chefiar um programa para «não
pagar mais», mas a fazer depois o mesmo ou mais. O ter precisado de meter Ávila e
Bento como ministros mostrou a «inépcia do Partido Histórico». Ao passo que o Partido
Regenerador tinha Fontes Pereira de Melo, «um homem de superior inteligência», Casal
Ribeiro, «ilustre financeiro», além de Martens Ferrão, Serpa Pimentel, etc. Mas os
partidos – que são «condições essenciais dos governos livres», «as lutas organizadas da
inteligência» – os «partidos grandes e fortes, capazes de governar», não se mandam
«fazer de encomenda», não são «obras dos homens senão das ideias, partilhadas por
grande número de indivíduos»163. O novo governo histórico correspondia à «utopia de
reconstrução dos partidos velhos», que tinham morrido com o Acto Adicional164.
No debate parlamentar, Casal Ribeiro lembrou a «grande ideia política» da
Regeneração, que era «o esquecimento de ódios velhos», «as velhas bandeiras políticas
substituídas por uma nova e comum, a Carta com o Acto Adicional», «o concurso de
todas as vontades para acrescentar neste país a civilização moral e material. E porque
éramos isto é que agenciámos para o país os caminhos-de-ferro». Fontes repetiu a
posição que ocupava havia 10 anos: «Continuamos firmes nos mesmos princípios, em
volta de uma bandeira que tem sido bem recebida no país, e que até agora foi respeitada
por todas as parcialidades políticas que depois de nós subiram ao poder, porque todas
têm feito governo com ela». O maior serviço da Regeneração fora acabar com os ódios
políticos e com as incompatibilidades de indivíduos. Ele não queria «ver ressuscitar os
velhos partidos para se digladiarem no campo de batalha». Respondeu-lhes Estêvão, ex-
163 A Revolução de Setembro, 5 e 15/1/1862 164 A Revolução de Setembro, 8/3/1862
50
Regenerador, que o Acto Adicional não acabara com os partidos, nem com as paixões
políticas, nem com as ambições; «transformaram-se os partidos, mas não acabaram»165.
Os Históricos não partilhavam a visão dos partidos acabados, pelo contrário:
fazendo jus ao seu nome, identificavam-se como «o núcleo do antigo partido liberal que
afrontou a tirania em prol das liberdades públicas»166. Quanto à divisão ocorrida em
1852, se havia culpas, atribuíam-nas a quem então promovera a dissolução parlamentar.
De um modo geral, assumiam as diferenças entre os dois partidos, que representavam os
campos da conservação e do progresso. Se uns mais radicais pretendiam «extremar»
essas diferenças167, outros defendiam posições moderadas, sem todavia chegarem à
fusão, para a qual os soldados dos dois partidos não mostravam inclinação, pois estavam
«costumados a odiarem-se»168. «As fusões são sempre uma imoralidade acabada e uma
lastimosa incoerência dos homens que se prestam a abraçar-se nas cadeiras do poder e a
esquecer as opiniões de ontem para sustentar como ministros o programa oposto de
hoje»169. Sobre qual seria o partido mais capaz, o jornal próximo dos Históricos dizia
que «vigoroso e forte» não havia nenhum; a força de cada partido dependia de estar ou
não próximo do poder; por isso, Fontes via os seus poucos amigos fiéis a abandonarem-
no à medida que o poder se distanciava; o Partido Histórico era «o maior de todos»,
porque tinha «o poder na mão».
Destas diferentes visões resultam diferentes respostas à questão de saber se havia
ou não continuidade nos sistemas partidários de antes e depois de 1851-1852. Para os
Regeneradores, não havia: os «partidos velhos» estavam mortos; regenerar era começar
de novo, sem mais divisões partidárias. Mas para os Históricos, que reclamavam a
história «setembrista» e «patuleia», claro que havia continuidade. José Luciano de
Castro dirá no ano seguinte que o nome do partido Histórico derivava da história e,
quase 30 anos depois, num contexto em que se desvalorizavam os partidos, reafirmará a
importância dos «velhos partidos, quase tão velhos como a liberdade em Portugal»170.
Na realidade, os dois principais partidos, Histórico e Regenerador, ocupavam o
essencial do espaço político, pouco deixando disponível para quem quisesse intrometer-
se, como José Estêvão, na sua ambição de criar um «partido novo». Para já, conseguira
introduzir-se pelas brechas abertas nas fileiras históricas por causa da coligação com os
165 Diário da Câmara dos Deputados, 12/3/1862: Casal, 785; Fontes, 785-786, 794; Estêvão, 786 166 Jornal do Porto, 03/2/1862 167 O Português, 6/9/1860 168 Jornal do Porto, 19/2/1862 169 Jornal do Porto, 21/3/1862 170 Diário da Câmara dos Deputados, 31/1/1863, 298; Diário da Câmara dos Pares, 1/6/1891, 10
51
avilistas e da questão das Irmãs da Caridade. Mas se muitos gostavam de ouvir os seus
discursos, a maioria não o aceitava como chefe: em sua casa reuniu apenas 11
deputados da maioria171. Quanto a Regeneradores, captou ainda menos, talvez só Latino
Coelho. É interessante que, em vez da imagem radical do seu chefe, o «partido novo» se
tenha apresentado ambíguo no Parlamento, «simultaneamente conservador e
progressista», como se não soubesse onde colocar-se. O que permitiu a Martens Ferrão
observar: «Conservadores e progressistas somos todos nós, porque todos queremos a
liberdade com ordem. A conservação da liberdade não é o programa de nenhum partido
porque é o programa da Nação»172. Todavia, mesmo com poucos deputados, Estêvão
podia fragilizar mais a maioria histórica já desfalcada dos avilistas: segundo o seu jornal
Liberdade173, ele mesmo disse que, enquanto os dois partidos principais disputavam
entre si o Governo, ao seu partido caberia o papel de «espada» sobre a cabeça dos
Históricos quando estes estivessem no poder.
Entre Regeneradores e Históricos declarou-se outra divergência significativa, a
respeito do papel das associações populares, como era o caso da Sociedade Patriótica
inculpada pelos «tumultos de Natal» de 1861. Este tipo de associações e os meetings por
elas organizados eram marcas da «crescente politização do protesto social», que se
observava desde o final dos anos 50. Estava em causa a liberdade de associação. Os
Regeneradores reconheciam às classes populares «o princípio da associação, para tratar
dos negócios da sua classe, não para tratar da política geral»174. Fontes, «como homem
de governo», receava as «associações permanentes políticas e deliberantes», que
considerava «corpos estranhos» à Constituição; o Governo tinha a obrigação de
investigar se a dita associação podia ser útil ou prejudicial ao país; em vez disso,
pretendera utilizá-la para os seus fins, mas esta fugira-lhe ao controle, no meeting de
Março de 1861, seguindo numa direcção que se não esperava175. Disse ele ainda que o
princípio da associação devia-se «manter a todo o custo», mas não «a associação
política criada como poder permanente ao lado dos poderes do Estado»176. Opinião
diferente apresentou o Jornal do Porto num artigo escrito provavelmente pelo seu
171 Jornal do Porto, 8/2/1862 172 Diário da Câmara dos Deputados, 29/1/1862, 328-330 173 Citado por Maria de Fátima Bonifácio, em «A republicanização da monarquia», 351-352 174 A Revolução de Setembro, 3/1/1862 175 Diário da Câmara dos Deputados, 21/1/1862, 233-234 176 Diário da Câmara dos Deputados, 23/1/1862, 252-253
52
redactor político, José Luciano: «Devem as associações políticas ser consentidas e
legalmente constituídas como um poder extra-parlamentar? Devem»177.
2.2 – Governo histórico diferenciado põe fim à questão religiosa (1862)
A grande prova do novo Governo histórico era resolver a questão das Irmãs da
Caridade. Aí estivera o principal motivo da remodelação. Mas seria para tal suficiente a
maioria histórica que ainda restava? É que não eram só os 10 avilistas que faltavam,
eram muitos históricos que se mostravam, por um lado descontentes com o modo que se
lhes afigurou pouco solidário como Loulé despedira Ávila, ao fim de cinco anos, por
outro pouco receptivos aos ministros da unha preta, Lobo de Ávila e Mendes Leal.
O jornal regenerador observou a maioria da Câmara dos Deputados «desolada»,
a receber «em profundo silêncio» o novo Governo, ferida na alma pela «burla» da
remodelação, e sentenciou: «Acabou uma crise, começou outra»178. Entre os deputados
havia mais simpatias pelos ministros demitidos do que pelos novos179. Trocavam-se
argumentos e explicações: que desde muito existia uma profunda e insanável
divergência entre Loulé e Ávila; que tanto Loulé queria desfazer-se de Ávila como
Ávila pensava em reorganizar um ministério com Sá da Bandeira a presidente e sem
Loulé180. Ora se dizia que a maioria se ia tornando «mais unida em favor do Governo»,
ora que ainda continuava «flutuante e incerta»181.
Pelo lado dos amigos de Ávila faziam-se reuniões, uns dez a doze deputados,
que formavam o grupo dos «dissidentes», entre eles o futuro visconde de Seabra e Alves
Martins (futuro bispo de Viseu), tendendo a reforçar a oposição dos Regeneradores.
Pelo lado de José Estêvão mantinha-se o propósito de «reorganizar o partido
progressista», lançando-se no meio da maioria para recrutar alguns partidários182.
Tudo continuava pendente da velha questão das Irmãs da Caridade. O marquês
de Loulé, que as autorizara a vir, cinco anos antes, com o empenho do falecido rei D.
Pedro V, bem tentara, em todos esses anos, iludir a pressão da ala radical do seu partido
para as expulsar: estabelecera um limite ao número delas; intimara-as a largar a
obediência ao superior-geral de Paris e a passar a obedecer ao patriarca de Lisboa; dera-
177 Jornal do Porto, 6/2/1862 178 A Revolução de Setembro, 22/2/1862 179 Lélio Lenoir, Portugal em 1862, Lisboa, Imprensa de JG Sousa Neves, 1863, 36 180 Jornal do Porto, 25/2/1862 181 Jornal do Porto, 28/3/1862 182 Jornal do Porto, 1/3/1862
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lhes um prazo de 40 dias para deixar as instalações de Santa Marta; dissolvera a
respectiva corporação. Tudo sem resultado.
Este caso reforçou uma imagem de «hesitação» ou «indolência» de Loulé, que
permaneceu até aos nossos dias, sugerindo uma incapacidade política que de modo
nenhum condiz com a influência que ele exerceu durante muito tempo nos destinos do
país. Era a imagem que dele davam os adversários, por razões compreensíveis. Era
também a imagem que dele davam alguns correligionários, quando queriam pressioná-
lo. O jornal regenerador chamou-lhe «preguiçoso por índole, por hábito, por gosto e por
cálculo»183, dando a ideia de se tratar também de um estilo de fazer política, ou do
posicionamento que ele adoptou, a tentar conciliar interesses dificilmente conciliáveis,
desde o conservador Ávila aos radicais da esquerda.
Agora, resolver o caso era consequência da guinada que determinara a saída de
Ávila. Foi com forte sentido de prioridade que o novo ministro Braamcamp apresentou
no Parlamento uma proposta de lei que visava retirar o ensino às corporações religiosas.
O relatório que a precedia184 denunciava as tendências de algumas ordens «de se
constituirem com inteira independência do Estado, formando quase uma igreja nova no
seio da igreja, uma nação no seio das nações»; donde resultava «o perigo iminente» de
confirmarem «o império» «sobre as consciências, a educação e o ensino». Era intenção
do Governo retirar-lhes toda a educação e o ensino, tanto oficial como particular.
Na eleição da comissão especial para examinar essa proposta verificou-se que a
maioria histórica não estava ao lado do Governo, pois apenas fez eleger um dos seus
(Ferrer), deixando que fossem eleitos cinco nomes regeneradores (Casal, Serpa, Fontes,
Abreu e Nogueira Soares) e um da nova dissidência, Alves Martins185. O jornal
regenerador confirmou: «a actual maioria perdeu por ausências»186.
Loulé já tinha beneficiado do remédio extremo da dissolução da Câmara dos
Deputados e ainda conseguiu do rei (contra a opinião do Conselho de Estado) o
adiamento das Cortes por pouco mais de um mês, para reorganizar as tropas. Segundo o
jornal regenerador, dava-lhe tempo «para reunir as ovelhas tresmalhadas, corromper
deputados com dádivas e promessas, reconciliar com os dissidentes»187.
183 A Revolução de Setembro, 17/1/1862 184 Diário da Câmara dos Deputados, 11/3/1862, 770 185 Diário da Câmara dos Deputados, 14 e 15/3/1862, 804 e 814 186 A Revolução de Setembro, 16/3/1862 187 A Revolução de Setembro, 28/3/1862
54
Na reabertura das Cortes os ministros apresentaram numerosas propostas de
reforma, denotando boa actividade. Mas por boas e urgentes que fossem, toda a atenção
estava concentrada na questão religiosa: Casal Ribeiro, como relator da comissão
especial, apresentou um projecto de lei em substituição da proposta do Governo; por seu
lado, Vicente Ferrer, único histórico que fazia parte da comissão, anunciou o seu
parecer autónomo188. O debate travado na Câmara dos Deputados, durante quase todo o
mês de Maio, é ilustrativo das diferenças doutrinárias dos principais partidos, algo
exacerbadas no contexto da luta política.
Ferrer esclareceu que o seu projecto proibia o ensino, não a todos os membros
do clero, mas aos membros das congregações religiosas estabelecidas contra os decretos
de 1834 ou modificadas depois de 1834 sem terem licença. Distinguiu que lhes proibia
o ensino em todos os estabelecimentos públicos e particulares, ao passo que o «projecto
regenerador» só lho proibia nos estabelecimentos públicos. Confessou-se católico, mas
sem consentir nas «demasias da Cúria romana»; queria «combater a reacção que por
todos os modos dividia a Europa inteira». Da inteira liberdade de ensino decorria a
liberdade de consciência e a liberdade de culto (que não defendia), mas num país em
que existia uma religião do Estado, a liberdade ampla do ensino não era admissível189.
Casal Ribeiro criticou o Governo por querer a administração da propriedade
particular e a direcção moral dos estabelecimentos particulares. Não compreendia a
«repugnância contra toda a ideia religiosa, contra toda a pessoa eclesiástica, contra a
Igreja», pois tal repugnância conduzia ao ateísmo. Criticou Loulé, porque não se podia
ser presidente do Conselho hoje com Ávila em nome da fusão política e amanhã com
Lobo de Ávila e Mendes Leal em nome do exclusivismo; não se podia «propor hoje o
excelente instituto das Irmãs da Caridade portuguesas e amanhã exterminar como foco
de reacção todas as Irmãs da Caridade», fossem portuguesas ou francesas; não se podia
ser presidente do Conselho e dizer alto que era preciso «matar a liberdade de ensino
para salvar a liberdade política». Desejava e aprovava a liberdade dos cultos, «porque o
culto católico é o único que resiste à concorrência dos outros cultos», «o catolicismo é a
única religião que tem força de expansão»190.
No apoio à proposta do Governo falou, entre outros, José Luciano. Defendeu que
pertencia ao Estado regular o ensino «em harmonia com os interesses da família e da
188 Diário da Câmara dos Deputados, 26 e 28/4/1862, 1115 e 1153 189 Diário da Câmara dos Deputados, 5/5/1862, 1207; e 06/5/1862, 1216-1218 190 Diário da Câmara dos Deputados, 6/5/1862, 1218-1219; e 7/5/1862, 1225-1230;
55
sociedade». Apontou no projecto regenerador a contradição de excluir as congregações
religiosas do ensino oficial, reconhecendo nelas um perigo para a liberdade, mas
admitia-las nos estabelecimentos particulares. Quanto à objecção de ser desnecessária
uma nova lei por o Governo já ter os poderes suficientes para reprimir as tendências
reaccionárias, disse que se tornou necessária desde que no Parlamento se tinham
levantado «dúvidas sobre a interpretação das leis actuais», pois que o pensamento do
legislador de excluir completamente as Irmãs da Caridade e as congregações religiosas
do ensino não estava compreendido na legislação existente. Citou Alexandre Herculano:
«Deixai introduzir nos estabelecimentos de ensino as Irmãs da Caridade e daqui a 20
anos perguntai o que foi feito da liberdade»191.
Fontes também apontou a contradição de Loulé: como podia ele dizer ontem que
queria as Irmãs da Caridade sujeitas a prelado português e hoje que não as queria
sujeitas a prelado algum? Ironizou que se quisesse «matar a reacção», pois a reacção era
«uma lei de força moral» que não se podia aniquilar, era a expressão da «luta de
opiniões opostas» que se agitavam e debatiam na sociedade. Entendia que as Irmãs da
Caridade não eram necessárias para organizar a caridade nem para educar a infância
desvalida; mas também não eram «o instrumento da reacção»; mesmo que o quisessem
não tinham poder para tanto. Reconhecia que os frades tinham prestado «valiosíssimos
serviços em outro tempo», mas agora não os queria, «a época do padre enclausurado
passou». A história diria de que lado estavam os homens liberais, que não tinham medo
da liberdade, não obstante a liberdade ter os seus inconvenientes, como têm todas as
coisas humanas. Afirmou, enfim, que podia existir liberdade política e civil sem a
liberdade de cultos, «porque esta deriva da organização histórica numa sociedade»192.
Como acontece normalmente nas grandes questões, deu-se uma bipolarização na
qual os pequenos grupos se integraram segundo a lógica do voto útil: José Estêvão
alinhou pelos Históricos193; o legitimista Caetano Beirão conformou-se com o projecto
da comissão de maioria regeneradora, embora lamentando que excluísse o elemento
eclesiástico da educação oficial: «Voto pelo que pode ser e não pelo que deve ser»194.
A mobilização foi intensa para três votações nominais com que se encerrou o
debate na generalidade. Participaram mais de 150 deputados, quase 90% do total, entre
191 Diário da Câmara dos Deputados, 20/5/1862, 1363 (1413-1415); e 21/5/1862, 1368 (1468-1471) 192 Diário da Câmara dos Deputados, 21/5/1862, 1368-1371; e 22/5/1862, 1382-1387 193 Diário da Câmara dos Deputados, 23/5/1862, 1393-1398; e 24/5/1862, 1408-1410 194 Diário da Câmara dos Deputados, 5/5/1862, 1203-1206
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as votações mais concorridas em todo o período da tese. A vitória pertenceu à maioria
histórica por uma margem maior do que se esperava, cerca de 90 votos contra 65195.
Passados poucos dias, embarcaram 36 freiras francesas e 20 portuguesas numa
fragata que o Governo francês enviara após diligências do Governo português. O
projecto do ensino, depois de um curto debate na especialidade, seguiu para a Câmara
dos Pares, donde não mais saiu, retido numa qualquer comissão. Nesta câmara foi
retirada uma moção de censura ao Governo, confirmando a acalmia política.
O rei considerou a saída das Irmãs da Caridade «um dos factos mais gloriosos do
meu reinado», numa carta a sua irmã Antónia196, casada com um príncipe alemão.
Braamcamp, dali a 23 anos, enaltecerá, como uma das glórias do seu partido, o ter
livrado o país «de um dos maiores flagelos de que pode sofrer uma nação, qual é o das
lutas religiosas que estavam pairando iminentes sobre nós»197.
Aliás, terminaram também os tumultos contra os impostos que tinham alastrado
nas regiões do Minho, Beiras e Açores198, coincidindo com o debate parlamentar sobre a
questão religiosa, que lembraram a «Maria da Fonte». Em Setembro, ocorreu uma
revolta militar em Braga, como uma réplica desses tumultos, prontamente dominada, na
sequência da qual Saldanha, suspeito de envolvimento ou pelo menos invocado pelos
revoltosos, foi despachado para embaixador na Santa Sé.
O Governo do duque de Loulé saiu, enfim, vitorioso da difícil situação política
em que se vira bloqueado. Em Novembro, faleceu José Estêvão, quando estava prestes a
substituir Braamcamp no ministério do Reino, deixando de exercer o papel de «espada»
sobre o Governo histórico. No final desse ano de 1862, foi aprovada uma «fornada» de
mais 25 novos pares. E com mais essa prova de confiança dada pelo rei D. Luís, o
Governo relançou o seu mandato por mais um par de anos.
Que significado se pode atribuir a esta que foi «a mais escaldante das questões
políticas levantadas desde o início da Regeneração»?199 Uma divisão profunda das
forças políticas em torno da questão religiosa? Um choque entre duas visões ideológicas
inconciliáveis? Um risco de ruptura do consenso constitucional obtido em 1852? O
início de um caminho que iria levar à República e à «Lei da Separação» de 1911?200
195 Diário da Câmara dos Deputados, 24/5/1862, 1410 196 Paulo Jorge Fernandes, D. Luís, 2006, 145 197 Oliveira Martins, «Elogio Histórico de Anselmo José Braamcamp», 189 198 Diego Palacios Cerezales, «Motins antifiscais em 1862», Análise Social, nº 182, 2007, 35-53 199 Maria de Fátima Bonifácio, A Monarquia Constitucional (1807-1910), 70 200 Maria de Fátima Bonifácio, em «A republicanização da monarquia», 349
57
Não se nega que houvesse divisões profundas e intransponíveis entre as forças
mais extremadas, miguelistas de um lado e radicais de esquerda do outro, estivessem
estes dentro ou fora do Partido Histórico. Todavia, entre as posições oficiais dos dois
principais partidos, Regenerador e Histórico, a diferença não era grande: no debate, o
que sobressaiu foi a diferença entre proibir o ensino pelas ordens religiosas nos
estabelecimentos públicos e proibi-lo em todos os estabelecimentos públicos e
particulares. E mesmo essa diferença foi empolada para forçar a saída das Irmãs da
Caridade e rebentar o abcesso político em que se transformara a sua presença. O próprio
Loulé, que as autorizara, compreendeu que só com elas fora do país poderia sobreviver.
Em debates posteriores sobre diversos aspectos da questão – haver uma religião oficial
do Estado, o provimento do clero secular, a desamortização dos bens eclasiásticos, o
Padroado, a tolerância com os conventos femininos e com o regresso das ordens
masculinas – se verá como as posições dos dois partidos se mantiveram dentro de uma
linha «regalista» bastante aproximada201.
O Governo histórico teve de resolver a questão das Irmãs da Caridade, para
sobreviver. E só a resolveu depois de se clarificar à esquerda, depois de Loulé ceder às
pressões do seu partido para dispensar o ministro Ávila. Quer dizer que, apesar de as
diferenças entre os dois grandes partidos não serem grandes, o efeito da questão foi
acentuar a diferenciação entre eles. É verdade que dali a três anos eles suspenderão este
processo para se envolverem numa fusão, mas o falhanço de tal fusão demonstrará isso
mesmo, que já não eram confundíveis pois eram alternantes.
2.3 – Reformas importantes, sob intensa luta política (1863-1864)
O ano de 1863 destaca-se por duas características que nem sempre se vêem
reunidas: uma intensa conflitualidade parlamentar e um alto grau de realização de
reformas políticas importantes e duradouras. A conflitualidade parlamentar mede-se por
52 votações nominais (das quais 31 de iniciativa da oposição), de longe o maior número
deste tipo de votações num só ano em todo o regime liberal (Ver Quadro nº 4). Quanto
201 Manuel M. Cardoso Leal, «A questão religiosa em José Luciano de Castro: a lógica do Estado Liberal nas relações com a Igreja», Lusitania Sacra, tomo XXVI, Julho-Dezembro 2012, Lisboa, Universidade Católica Portuguesa, CEHR, 2013, 103-132
58
às reformas feitas, Oliveira Martins chamou a este governo «o mais fecundantemente
activo […] antes e depois dele», dando especial destaque à abolição dos morgadios202.
Um espírito altamente reformador foi também um sinal distintivo da década de
1860. Era como se, depois da violência dos anos 30-40, que pouco deixara pensar e
fazer, e depois da concórdia dos anos 50, que se concentrara nos melhoramentos
materiais, os políticos se dessem conta de que outras reformas havia a fazer nos planos
legislativo e administrativo, grandes privilégios a abater, códigos a iniciar ou a
completar, muitos entraves a remover na construção do país e da economia.
Esse espírito reformador não foi exclusivo de um partido; por exemplo, o código
civil fora iniciado antes da Regeneração e veio a ser completado em 1867, no tempo do
«Governo da Fusão»; a extinção dos morgados, que marcou o ano de 1863, já conhecera
uma antecipação, em 1860, por iniciativa dos próprios pares. Mas foi o Governo
histórico «diferenciado» que lhe deu maior impulso, fazendo aprovar, no ano de 1863,
além da extinção dos morgados, a eliminação dos passaportes nas deslocações no
interior do país, a lei hipotecária e o crédito predial e, nos anos seguintes, a liberalização
do fabrico e comércio de tabaco, a liberalização do comércio de vinhos do Douro, o
alargamento da desamortização (que em 1861 incidira nos bens dos conventos
femininos) a todos os bens de mão morta.
Donde se pode dizer, em termos relativos, que, do mesmo modo que os
Regeneradores marcaram os anos 50 com a sua política tecnocrática de melhoramentos
materiais, os Históricos marcaram os anos 60 com a sua política de melhoramentos
legislativos. Na verdade, incorporaram estas reformas no seu património identitário, do
qual, no futuro, se haviam de orgulhar, como se verá, nomeadamente, com José Luciano
de Castro, nos anos 70, e Anselmo Braamcamp no seu discurso de despedida, em 1885.
Foi uma afirmação da sua diferença em relação aos rivais.
Um dos políticos que melhor interpretou essa urgência de reformas foi José
Luciano, em centenas de artigos que escreveu no Jornal do Porto, que ajudara a fundar.
Em 1862, no mês em que o Parlamento esteve adiado, apelou ao trabalho do Governo:
«a confiança não se improvisa, conquista-se», «caminhar ou morrer é o seu destino»; e
fez o elenco das reformas de que o país carecia «instantemente»: a lei hipotecária e o
crédito predial, a legislação pautal, a liberdade do comércio de vinhos, o registo civil, a
dotação paroquial, a desamortização de todos os bens de mão morta, a divisão
202 Oliveira Martins, «Elogio Histórico de Anselmo José Braamcamp», 70
59
territorial, um código administrativo descentralizador, etc203; aliás, veio a ser o relator
parlamentar do crédito predial, da desamortização e do código civil.
Na abertura da intensa sessão parlamentar de 1863, os ministros trouxeram
numerosas propostas, em especial Lobo de Ávila204, como se quisesse dizer a Loulé que
não tivesse saudades do anterior ministro Ávila. As reformas políticas eram um meio de
consolidação do poder, conforme foi lembrado ao Governo205.
A luta começou logo na «resposta ao discurso da coroa»: Fontes atacou o duque
de Loulé por se ter colocado «numa região superior», «como se fosse um novo poder
moderador»; não aceitava que, na sequência dos «tumultos de Natal» de 1861, ele tenha
sacrificado alguns ministros e ficasse «incólume», pois em dois anos e meio já por oito
vezes ele promovera adiamentos e dissoluções invocando em seu poder as prerrogativas
do poder moderador; censurou sobretudo o Governo por ter deportado para África, 50
soldados envolvidos na revolta de Braga e incriminados no homicídio de um oficial,
sem ter cumprido a clemência proclamada pelo rei206. Foi nessa questão da deportação,
ou destacamento, dos soldados que o debate se fixou durante uns dias, obrigando os
ministros a justificar-se. Até que José Luciano inverteu a situação, obrigando os
deputados da oposição a justificar-se pelos tumultos ocorridos nos círculos do Minho
onde tinham maior influência207. Com este discurso o deputado histórico, então com 28
anos mas já com largos anos de experiência parlamentar, colocou-se num patamar de
respeito pelas duas bancadas, ao ponto de dali a alguns meses começar a ser referido nos
boatos sobre novos ministros. A votação nominal, no fim do debate, saldou-se por uma
clara maioria histórica de 77-51 votos208.
O ambiente crispado confirmou-se num incidente entre Fontes e José Luciano, a
propósito de uma proposta sobre as reformas dos militares, em que ambos se trocaram
acusações sobre quem pretendia ficar nas boas graças do exército, tendo o deputado
histórico chamado ao chefe regenerador «Lázaro de contradições»209. O jovem
«atribiliário» que era José Luciano no início da carrreira foi comparado por Bulhão Pato
com o estadista sereno que veio a ser na idade madura210.
203 Jornal do Porto, 9/4/1862 204 Jornal do Porto, 26/4/1862 205 Jornal do Porto, 14/1/1863 206 Diário da Câmara dos Deputados, 23/1/1863, 224-230 207 Diário da Câmara dos Deputados, 30/1/1863, 293-298 208 Diário da Câmara dos Deputados, 6/2/1863, 356 209 Diário da Câmara dos Deputados, 19 e 21/2/1863, 500-501 (520) e 517-519 210 Bulhão Pato, «José Luciano de Castro», Memórias. Homens políticos, tomo II, Lisboa, Perspectivas e Realidades, 1986, 53-54
60
Os Históricos tentaram explorar as divisões entre os Regeneradores, por
exemplo, o despeito que Casal Ribeiro mostrava pela supremacia assumida por Fontes,
ao ponto de retirar o seu apoio à Revolução de Setembro211. Mas o problema principal
estava na própria maioria histórica que, perante a dura oposição regeneradora, deixava
ocorrerem situações de falta do quorum ou derrotas em votações nominais.
As divisões no Partido Histórico reflectiam-se na maçonaria e vice-versa. Em
Fevereiro de 1863, Lobo de Ávila, foi eleito grão-mestre da Confederação Maçónica
Portuguesa, vencendo outro candidato próximo do duque de Loulé; substituiu o falecido
José Estêvão, o qual, por sua vez, substituíra Loulé, em Abril de 1862. Históricos da
«velha guarda» não gostaram de ver o chefe da «unha negra» a reforçar o seu
ascendente político. Qual o seu propósito? Se «amigos imprudentes» pretendiam
estabelecer uma cisão no Partido Histórico em nome de Lobo de Ávila, melhor seria que
ele se mantivesse em boa harmonia com o duque de Loulé, de outro modo não poderia
conservar-se por muito tempo; também António José de Ávila ainda hoje seria ministro
se não se tivesse rebelado212. No ano seguinte, como se verá, Loulé tornou a ser eleito
grão-mestre da Confederação, derrotando o seu ministro da Fazenda213.
O Padroado Português no Oriente foi tema de debate no Parlamento, porque o
novo arcebispo de Goa, D. João de Amorim Pessoa, passara primeiro por Roma e, ao
chegar a Goa, recusara-se a receber quatro padres goeses que mais tinham lutado contra
a expansão da jurisdição da Santa Sé, através da «Propaganda Fide»; até substituíra
esses padres que o Parlamento português considerara beneméritos214. Em três votações
os Regeneradores pressionaram o Governo a manter as «prerrogativas e regalias da
Coroa», respondendo os Históricos que o Governo manteria «em toda a plenitude os
direitos da Coroa portuguesa». Se os Regeneradores estivessem no Governo e os
Históricos na oposição, provavelmente as suas posições seriam inversas. É interessante
que seis nomes Legitimistas (ou próximos) votaram ao lado dos Históricos, reforçando a
maioria, decerto para não se colocarem em oposição à Santa Sé215.
Entretanto, decorria o debate da reforma maior, da abolição dos morgadios. Era
uma reforma reclamada pelos que advogavam a «mais ampla liberdade da terra»,
associada pela esquerda ao desejo de reformar a Câmara dos Pares pondo fim aos
211 Jornal do Porto, 27/1 e 6/2/1863 212 Jornal do Porto, 2/3/1863 213 A. H. de Oliveira Marques, História da Maçonaria em Portugal, vol. II, Lisboa, Editorial Presença, 1989, 99-106 214 Jornal do Porto, 2/3/1863 215 Diário da Câmara dos Deputados, 11/3/1863, 735-736
61
privilégios da aristocracia. Não constara do «discurso da coroa» e apareceu, como que à
socapa, só para os Açores, mas logo solicitada também para a Madeira e o Continente,
pelo que todo o processo foi remetido para uma «comissão especial» eleita para o efeito.
Segundo o parecer da comissão216, o regime dos morgados «estabelecia a desigualdade
entre irmãos», «empobrecia a terra», «entretinha uma aristocracia territorial» e destruía
o título de propriedade convertendo-o em simples fidei-comisso, assim contrariando o
princípio liberal de o proprietário ser e dever ser «o pleno senhor da terra»; ora a
partilha igual dos bens era a fonte donde brotara a «indústria moderna».
A rápida e ampla aprovação, na generalidade, da abolição desse velho regime,
por 91-10 votos217, traduziu o consenso que havia entre os dois grandes partidos. Para
Fontes era uma «questão gravíssima» em que se achava empenhada havia muitos anos a
escola liberal; homens ilustres e a opinião do país estavam de acordo; tratava-se de
traduzir em lei os princípios proclamados na Europa; a instituição dos morgados tivera
«razão de ser no seu tempo», mas hoje podia «prejudicar os melhoramentos materiais
do país, a sua situação económica e o desenvolvimento da sua riqueza»; mais disse: «A
tendência natural da sociedade moderna é a democracia»; mas não deixou de alertar
para o perigo que resultaria da grande divisibilidade da terra218.
O debate na especialidade foi menos consensual, várias vezes interrompido por
votações nominais, em duas das quais o Governo saiu derrotado, primeiro numa questão
meramente processual, depois sobre uma proposta de Casal Ribeiro relativa aos legados
pios219. Faltava saber como seria a reforma recebida na Câmara Alta, onde se juntava a
aristocracia interessada em conservar o antigo regime dos morgados.
No final de Março, deu-se uma espécie de clímax. Os Regeneradores sentiam a
maioria histórica a oscilar e tinham pressa em tomar as rédeas do poder, antes que novos
deputados históricos chegassem de uma dezena de eleições intercalares. Os vários
grupos faziam reuniões, contavam e mobilizavam as suas tropas, os Regeneradores
reuniram com os dissidentes «avilistas». A proposta do Governo sobre a contribuição
predial poderia trazer-lhe mais uma derrota. O ministro da Fazenda, Lobo de Ávila,
estava debaixo de fogo. Nos anos 50 ele pertencera ao Partido Regenerador, mas
mudara para o Histórico, chefiando a «unha negra», em conluio com José Estêvão. Logo
que entrou no Governo, foi acusado de corrupção pelos Regeneradores por causa da
216 Diário da Câmara dos Deputados, 25/2/1863, 564 217 Diário da Câmara dos Deputados, 28/2/1863, 602 218 Diário da Câmara dos Deputados, 3/3/1863, 633 219 Diário da Câmara dos Deputados, 14 e 18/3/1863, 776 e 817-818
62
arrematação dos bens das freiras do convento de Arouca. Era um homem muito rico e
um ministro enérgico, mas o seu estilo arrogante e a voz desagradavam. Muitos do seu
partido não estavam dispostos a defendê-lo, também porque a sua eleição como grão-
mestre da Confederação Maçónica Portuguesa denunciou a ambição de assaltar a
posição de Loulé. Já diversas situações desagradáveis tinham ocorrido, à sua volta, em
ambas as casas do Parlamento. Até que o Governo sofreu mais uma derrota e uma
vitória tangencial por ele ter mandado aposentar o tesoureiro de Faro220.
«O Governo já não tem maioria», por isso, devia demitir-se, sentenciou Fontes;
«os governos não são eternos, os governos gastam-se todos, mais ou menos devagar,
isto é da natureza das coisas»; lembrou as derrotas do Governo e a habilidade da
maioria: «Quando o Governo perde, diz que as questões não são ministeriais; e quando
ganha, diz que são ministerialíssimas. Pois isto é sério?»221 Mas «Qual foi a questão
com carácter e significação política que o Governo perdeu? Nenhuma», argumentou
José Luciano, desvalorizando os «cheques» sofridos pelo Governo, até na questão dos
legados pios sobre a qual o próprio Casal Ribeiro dissera não ter intenção política; agora
que os ministros estavam «a pique de realizar grandes reformas» que haviam de
«perpetuar o seu nome e assinalar a sua memória», é que se levantava a oposição «a
intimar-lhes a saída do poder!»222 Os Históricos queixavam-se das «emboscadas» da
oposição, que não deixavam o Governo trabalhar? Mas tudo isso (votações nominais
morosas, moções de censura, propostas de adiamento, etc) fazia parte do jogo, perante o
qual a maioria só teria de mostrar a sua força e coesão, pondo fim às manobras
dilatórias e não faltando às votações decisivas223.
Depois as coisas melhoraram para a maioria histórica. O debate sobre a
contribuição predial terminou com quatro votações favoráveis ao Governo224. O mesmo
aconteceu em três votações quando o caso da aposentação do tesoureiro de Faro voltou
à cena225. Propostas de Fontes e do avilista Carlos Bento, sobre os caminhos-de-ferro,
acabaram rejeitadas com clareza226. Também rejeitada foi a proposta de Martens Ferrão
para se suspender a abolição dos passaportes dentro do país, após o ministro
Braamcamp ter dito que na Inglaterra, na Espanha, na Itália, em todas as nações liberais
220 Diário da Câmara dos Deputados, 28 e 30/3/1863, 932 e 947 221 Diário da Câmara dos Deputados, 30/3/1863, 950-953 222 Diário da Câmara dos Deputados, 31/3/1863, 962 (983-985) 223 Jornal do Porto, 30/4/1863 224 Diário da Câmara dos Deputados, 31/3/1863, 963 225 Diário da Câmara dos Deputados, 18 e 20/4/1863, 1172 e 1184 226 Diário da Câmara dos Deputados, 14/4/1863, 1108
63
da Europa, já se acabara com o «vexame» dos passaportes227. Sobre o crédito predial,
até membros da oposição se confessaram rendidos ao mérito da reforma228, era «um
grande melhoramento» do qual se esperavam «largos resultados económicos»: «dar
certeza à propriedade», «acabar com as desconfianças entre o capital e a terra, facilitar
as permutações», pois sem o trabalho, sem o capital e sem o crédito, a terra corria o
risco de «sucumbir nas grandes lutas da indústria»229. Estava-se atravessando uma
«época notável de reformas e transformações»230. Enfim, foi aprovada na Câmara dos
Pares a importante reforma da extinção dos morgados, sendo necessário que o próprio
duque de Loulé participasse nas últimas votações, para desempatar231.
Os Históricos festejaram até surgir mais um incidente. O deputado Latino
Coelho, visado no jornal O Português por um protesto de eleitores retirando-lhe o
mandato, propôs à câmara que declarasse se os eleitores podiam obrigar um deputado a
resignar232. Latino, jornalista consagrado, antigo deputado regenerador, colaborador n’A
Revolução de Setembro, acompanhara José Estêvão nos esforços de criar um partido
novo e regressara ao Parlamento, no início de 1863, numa eleição suplementar com o
apoio do Partido Histórico. Mas quase sempre votava contra o Governo que era suposto
apoiar – essa a razão do protesto dos eleitores. Para o ministro Mendes Leal tratava-se
de um «negócio particular» ao qual a Câmara devia manter-se «estranha». Mas para
Fontes, era uma questão política, a Câmara devia declarar que o mandato do deputado
não era revogável233. José Luciano fez uma proposta alternativa: não havia mandato
imperativo nem podiam os eleitores anular legalmente o mandato eleitoral, mas a
Câmara devia declarar que não se julgava competente para conhecer da questão»; mais
recomendou que, se ao deputado Latino Coelho fora dirigida uma arguição injusta na
imprensa, ele se dirigisse à imprensa, sem precisar do amparo oficioso da Câmara234.
Aprovada esta proposta, Latino resignou a sua cadeira de deputado235. O caso acabou no
Parlamento com a aprovação unânime de um parecer «habilidoso», redigido por José
Luciano, concluindo que não devia ser aprovada a resignação pelo deputado236.
227 Diário da Câmara dos Deputados, 17/4/1863, 1150-1152 228 Jornal do Porto, 24/4/1863, 3 229 Diário da Câmara dos Deputados, parecer, 20/4/1863, 1184-1185 230 Jornal do Porto, 23/4/1863 231 José Luciano de Castro, Diário da Câmara dos Deputados, 12/12/1870, 581 232 Diário da Câmara dos Deputados, 11/5/1863, 1146-1149 233 Diário da Câmara dos Deputados, 12/5/1863, 1467-1470 e 1470-1472 234 Diário da Câmara dos Deputados, 13/5/1863, 1486 (1513-1516) 235 Diário da Câmara dos Deputados, 15/5/1863, 1498-1499 236 Diário da Câmara dos Deputados, 29 e 30/5/1863, 1690 e 1691; Jornal do Porto, 2/6/1863
64
Mas os Regeneradores promoveram um jantar em honra do seu ex-
correligionário237. E Latino Coelho iria prosseguir uma carreira autónoma, utilizando
como meio de influência o Jornal do Comércio, fundando, em 1864, com Elias Garcia e
outros, o clube do Pátio de Salema, que, em 1867, promoveria protestos contra o
«Governo da Fusão» e estaria na origem do Partido Reformista. Nunca abandonaria
uma posição hostil aos Históricos, opondo-se a qualquer aproximação que se lhes
fizesse como a que proporcionou a formação do Partido Progressista, em 1876,
preferindo contribuir para a criação do Partido Republicano, sempre mantendo relações
amigáveis com o Partido Regenerador, em especial com Fontes e Barjona de Freitas.
A sessão parlamentar prolongou-se pelo mês de Junho, até ser aprovado o
orçamento, o que já não acontecia há vários anos, dando tempo, além disso, para que
chegasse ao fim toda a tramitação processual das reformas aprovadas, tais como as dos
vínculos ou morgadios, do crédito predial e dos bancos de crédito predial e agrícola.
Algumas foram adiadas para o ano seguinte, mas os Históricos respiraram de alívio,
«passada a grande tormenta parlamentar»: poucas sessões legislativas houvera «tão ricas
em episódios e animadas nos debates e oposições tão violentas e desapiedadas»238. Na
reunião de balanço das maiorias orgulhavam-se das «leis memoráveis», que não eram
menos que as estradas e caminhos-de-ferro, que era só o que a nação podia esperar
desde 1852; e admiravam-se em especial da lei de 19 de Maio, que cortou «as últimas
raízes da mais anacrónica instituição dos nossos dias, os vínculos»239.
Governo reformador em desagregação
No início da sessão de 1864, os Históricos poderiam esperar um ano tão positivo
como o anterior, em que se tinham feito reformas que deviam deixar uma «perdurável
recordação na história» e prometiam «desenvolver a grande revolução económica há 30
anos proclamada pelo sistema liberal da nossa reconstrução política»240. Esperavam-se
outras reformas importantes, tais como: a descentralização administrativa, da iniciativa
do ministro Braamcamp, já em discussão; a extinção do monopólio do tabaco, na alçada
de Lobo de Ávila; para além da reforma do exército, acabada de decretar por Sá da
237 Jornal do Porto, 5/6/1863 238 Jornal do Porto, 1/7/1863 239 Jornal do Porto, 2/7/1863, 1 e 2-3 240 Jornal do Porto, 2/1/1864,
65
Bandeira. No Parlamento mantiveram-se as mesmas comissões e a maioria histórica
aparecia reforçada pelas eleições suplementares entretanto realizadas.
Todavia, logo a meio do mês de Janeiro, demitiram-se dois ministros
importantes, Sá da Bandeira e Braamcamp, porque a reforma do exército, decretada em
Dezembro de 1863 e assinada por ambos, não suscitou o apoio dos colegas quando foi
contrariada no meio militar. Fontes acusou Loulé de falta de solidariedade ministerial:
ele devia demitir-se também, responsabilizado pelo fracasso da reforma do exército241.
Loulé deve ter-se sentido isolado, depois da saída dos seus antigos companheiros da
Patuleia, que gozavam de boa aceitação no partido e faziam contraponto à «unha
negra». Integrou como novos ministros dois militares prestigiados, mas com pouca
experiência política, José Passos e João Crisóstomo.
Em outros ministérios havia problemas. Ao acumular a pasta do Reino, o próprio
Loulé herdou os ataques que se faziam a Braamcamp por causa de eleições municipais
no distrito de Vila Real, em que o governador civil tivera uma conduta reprovada até
pelos Históricos; uma comissão de inquérito aprovada242 quando já o caso motivara uma
cena de agressão entre deputados, permitiu adiá-lo por uns meses. O ministro da
Fazenda era acusado pelo jornal regenerador de ser «concussionário e burlão», que
«desviou 2000 libras» de um empréstimo243; ao que os Históricos contrapunham que
todos os documentos publicados provavam nada haver de suspeito e que o empréstimo
fora negociado em condições mais vantajosas do que os anteriores244. E o da Justiça,
Gaspar da Silva, era acusado de falta de energia perante a recusa dos bispos em
cumprirem o decreto que impunha o provimento de cargos eclesiásticos por concurso
público; até deixou que um caso simples de provimento do cargo de escrivão na diocese
de Coimbra tomasse proporções de questão internacional, quando o bispo respectivo
pediu a resignação em carta entregue ao núncio e endereçada ao Papa.
Na Confederação Maçónica Portuguesa tornaram a ser expostas as divergências
entre o presidente do Conselho e o seu ministro da Fazenda. Loulé foi eleito grão-
mestre, recuperando um cargo que já exercera durante dez anos; mas não tomou posse,
como se o seu intuito fosse apenas afastar daquele posto o seu ambicioso ministro. As
lojas que apoiavam Lobo de Ávila abriram uma cisão na Confederação, a somar a outra
241 Diário da Câmara dos Deputados, 15/1/1864, 139 242 Diário da Câmara dos Deputados, 23/2/1864, 539 243 A Revolução de Setembro, 21/1/1864 244 Jornal do Porto, 23 e 28/1/1864
66
já aberta pelo grupo de Elias Garcia245. Os segredos da secreta sociedade eram
discutidos muito publicamente, diante de profanos, nos cafés e nos passeios246.
Este conflito não impediu que os dois governantes se entendessem na reforma
mais importante do ano, a abolição do monopólio do tabaco. Tradicionalmente o Estado
arrendava o monopólio a particulares, assim obtendo uma das suas maiores receitas. Era
um dos grandes negócios do país, origem das maiores fortunas existentes. Sempre
asfixiado por dificuldades financeiras, o regime liberal não deixou de recorrer aos
contratadores do tabaco, donde resultava uma flagrante promiscuidade entre os negócios
e a política. Por muito que a opinião pública odiasse o monopólio pelos «vexames» da
fiscalização a ele inerentes, foi-se mantendo esta forma cómoda de o Estado obter uma
receita certa. A abolição do monopólio do tabaco era defendida com a convicção de se
extinguir mais um privilégio antigo, tal como fora extinta a instituição dos morgados.
Coube ao ministro da Fazenda preparar a devida proposta de lei, no sentido da
liberdade do fabrico e da venda de tabaco. Mas, perante as dúvidas e receios de muitos
Históricos, se não fosse o empenho de Loulé, a deixar pairar a ameaça de dissolução da
Câmara dos Deputados e de reforma radical da Câmara dos Pares247, esta reforma não
seria aprovada. Assim como não teria sido aprovada a extinção dos morgados no ano
anterior, o que destoa da imagem de político hesitante que dele ficou. O debate centrou-
se entre duas alternativas: ou a liberdade proposta pelo Governo histórico, à maneira
inglesa, ou o monopólio administrado por conta do Estado, a «régie», à maneira
francesa, que os Regeneradores preferiam; o monopólio arrendado a empresários
particulares praticamente foi posto de lado. O principal argumento era o das receitas do
Estado. A proposta foi primeiro aprovada entre os deputados pela boa margem de 76-53
votos248, o que motivou festejos nas hostes ministeriais. Depois, também na Câmara dos
Pares, à força de pressão, por um lado, e de disponibilidade para aceitar alterações, por
outro, a reforma foi aprovada por 48-38 votos249.
Tal como a anterior, também esta sessão legislativa foi prorrogada até quase ao
fim do semestre, para dar tempo de concluir toda a tramitação da reforma do tabaco,
arrumar a questão das eleições de Vila Real, fazer todo o debate do orçamento e, enfim,
lidar com várias outras questões, como a famosa questão académica conhecida como
245 A. H. de Oliveira Marques, História da Maçonaria em Portugal, 105 246 Jornal do Porto, 26/3/1864 247 Jornal do Porto, 9/1/1864 248 Diário da Câmara dos Deputados, 28/3/1864, 922 249 Diário da Câmara dos Pares, 23/4/1864, 1625
67
«Rolinada». Os estudantes da Universidade de Coimbra tinham requerido o «perdão do
acto», ou seja, a dispensa dos exames, em comemoração do nascimento do príncipe real.
Perante o indeferimento do ministro do Reino, revoltaram-se, queimaram um boneco
figurando o duque de Loulé, muitos abandonaram a cidade universitária. O caso
suscitou entre os deputados uma ampla rejeição da atitude dos estudantes250.
Não foi tão produtiva a sessão legislativa de 1864 como a de 1863. Faltavam,
conforme denunciou o jornal regenerador, a reforma administrativa, a da polícia, a da
cultura do arroz ou do dessecamento dos pântanos (que causava problemas de higiene
pública aos quais se associava a morte do rei D. Pedro V e de dois irmãos seus), a
abolição da pena de morte e uma nova lei de imprensa251. Também a luta parlamentar
foi menos intensa, com um número de votações nominais (25) inferior a metade do ano
anterior, que o Governo venceu em geral sem problemas, à excepção de uma derrota
pouco significativa. Os deputados foram para férias já em ambiente pré-eleitoral.
2.4 – Como se destrói uma «maioria enormíssima» (1864-1865)
As eleições de Setembro de 1864 deram uma grande vitória ao Partido Histórico,
reforçando a maioria que tinha. O conjunto dos oposicionistas, se antes se estimava em
cerca de 60 deputados, caiu para menos de 50. A força dos Históricos advinha sobretudo
do facto de estarem no Governo, mas é natural que se devesse também à popularidade
das reformas feitas de abolição dos morgados e do monopólio do tabaco. Os nomes
fortes Regeneradores evitaram concorrer por Lisboa; Fontes perdeu num círculo do
Porto e só à segunda volta foi eleito num círculo de Lisboa.
Mas, ao contrário do que seria de esperar, os Históricos quase não festejaram a
«maioria enormíssima», que a alguns logo pareceu «mais destinada a asfixiar o Governo
do que a coadjuvá-lo»; «muita força de sangue ocasiona congestões, abundância de
sustento dá indigestões»252. Havia a consciência da divisão do partido, cuja «unha
negra» tentara ostensivamente reforçar-se: Lobo de Ávila, além de si próprio, garantiu a
eleição de dois irmãos e de um sobrinho, sem contar com outros adeptos, por vezes
contra candidatos históricos. Na abertura do Parlamento haveria contas a ajustar.
250 Diário da Câmara dos Deputados, 4/5/1864, 1418 251 A Revolução de Setembro, 22 e 26/6/1864 252 Jornal do Porto, 16/9/1864
68
O mesmo Lobo de Ávila era alvo de violenta campanha pelo jornal regenerador,
não só com acusações de corrupção mas também por causa de um assassinato (ocorrido
no tempo da Patuleia) em que terá tomado parte, no papel de mandante, seu irmão
Francisco, agora general, comandante da arma de Artilharia, também eleito deputado.
Os números do jornal dedicados ao caso esgotaram, o processo completo mereceu
tiragem aumentada253. De pouco valia alegar-se que sobre este «crime da Cruz de
Soutulho» não houvera qualquer sentença condenatória do tribunal.
Quando se podia esperar a queda deste ministro, quem se demitiu foi Mendes
Leal, da Marinha. Numa carta dirigida ao presidente do Conselho254, invocou, além do
desgaste de qualquer administração reformadora, haver um grupo no partido que lhe
demonstrava hostilidade – referia-se à «unha negra», da qual se desligara ficando «sem
amparo»255. Falava-se que outros ministros teriam pedido também a demissão, mas não
Lobo de Ávila, que conservava «as vistas ambiciosas de se assenhorear exclusivamente
da situação»256 e que, se tivesse de cair, tentaria arrastar na sua queda o próprio
presidente do Governo. Para os Regeneradores era todo o ministério que devia demitir-
se, não apenas o ministro da Fazenda257.
A divisão do Partido Histórico reflectia-se nas divergências entre os jornais
afectos a Lobo de Ávila (em Lisboa, o Comércio de Lisboa e O Português, e em
Coimbra, O Tribuno) e os afectos a Loulé (em Lisboa, o Gazeta de Portugal, e em
Coimbra, Liberdade). Pelo contrário, o Partido Regenerador, agora mais animado com a
vitória de Fontes em Lisboa, mostrava unidade, na «viagem triunfal» que Fontes e Casal
Ribeiro realizaram juntos ao Norte, em especial ao Porto e a Coimbra258.
Em Janeiro de 1865, após a abertura do Parlamento, os deputados históricos
aclamaram, como chefe da maioria, Anselmo Braamcamp, o qual, não sendo um orador
brilhante, era um deputado sensato, dedicado ao estudo, um «carácter integérrimo», que
lhe granjeava muitos amigos259. Nem assim as divisões se esconderam: a «unha negra»
tentou infiltrar-se nas comissões importantes e ficou a dominar a da Fazenda; contudo,
sofreu revezes na apreciação de algumas eleições, por exemplo, dos círculos do Cartaxo
253 Ver, por exemplo, A Revolução de Setembro, 23/11/1864 e 11/12/1864 254 Carta de 05/12/1864, em Gazeta de Portugal de 11/12/1864 255 Marques Gomes, História de Portugal (Manuel Pinheiro Chagas), 230 256 Jornal do Porto, 16/12/1864 257 A Revolução de Setembro, 27/12/1864 258 Viagem reportada em vários números de A Revolução de Setembro, de Dezembro de 1864 259 Jornal do Porto, 18 e 21/1/1865
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(Santarém 2), de Melgaço e de S. Ildefonso (Porto)260. Quando se apreciava a eleição do
general Lobo de Ávila, alguns deputados saíram para o corredor; e o general escreveu
ao Parlamento que não tencionava comparecer às sessões enquanto não confundisse na
imprensa os seus detractores261. Em todo o caso, lembravam os Regeneradores, ele não
podia acumular o comando de Artilharia, sem autorização da câmara262.
Se toda esta desconfiança continuasse, alguma modificação do ministério ou
qualquer alteração política mais grave e profunda teria de acontecer: «É certo que nem
Loulé acredita na sinceridade de Lobo de Ávila nem este está resolvido a aceitar-lhe a
preponderância», dizia o Jornal do Porto, para quem a importância política de Lobo de
Ávila estava «muito eclipsada»263. «A situação está a desabar», dizia por seu lado o
jornal regenerador, denunciando o «desgosto do duque de Loulé por Lobo de Ávila ter
enganado os colegas, usando autorizações para levantar um empréstimo»; «Se o
marquês de Sá e Anselmo Braamcamp saíram e Mendes Leal saiu ou foi posto fora, por
que razão Lobo de Ávila não tem a mesma sorte?»264.
A Câmara dos Deputados pouco trabalho legislativo fez neste período. A única
reforma importante foi a de ampliar a todos os bens de mão morta a desamortização
aprovada em 1861 para os bens dos conventos de freiras. Foi proposta em termos
consensuais e mereceu uma aprovação quase unânime, por 103-8 votos265.
Achando-se diminuída, a oposição regeneradora mostrava pouco empenho, quer
na eleição das comissões parlamentares quer no debate de resposta ao discurso da coroa.
Limitava-se a assistir à luta fratricida em que se debatiam os adversários, por exemplo,
quando Mendes Leal pediu uma comissão de inquérito à sua actuação como ministro da
Marinha; mas o caso foi rapidamente resolvido266. Na Câmara dos Pares é que os
Regeneradores se sentiam mais fortes e assestaram as suas baterias. Foi lá que se
levantou uma interpelação ao ministro da Guerra, por ter concedido medalhas de prata e
de ouro ao general Lobo de Ávila e ter permitido que, em abono deste, os oficiais de
artilharia tivessem feito demonstrações que podiam pôr em causa a disciplina do
exército. Fontes escreveu ao marquês da Fronteira: «A questão, como está posta na
Câmara dos Pares, não importa o julgamento do general Lobo de Ávila, mas a censura
260 Diário da Câmara dos Deputados, 17/1/1865, 159; A Revolução de Setembro, 21/1/1865 261 Jornal do Porto, 11 e 15/1/1865 262 A Revolução de Setembro, 17/1/1865 263 Jornal do Porto, 20 e 22 e 26/1/1865 264 A Revolução de Setembro, 25 e 26/1/1865 265 Diário da Câmara dos Deputados, 17/2/1865, 471 266 Diário da Câmara dos Deputados, 25 e 26/1/1865, 241-242 e 250-254
70
ao Governo»267. E o jornal regenerador escrevia a animar as hostes: «Os governos
raramente caem pela força numérica da oposição. O dever desta não é vencer, é pelejar.
A sua missão é principalmente moral. O resultado manifesta-se por vezes mais
tarde»268. Uma comissão de pares foi eleita, com cinco oposicionistas e dois
governamentais, para resolver se eram permitidas as demonstrações colectivas de
militares e se a portaria que aprovara as medalhas infringira a lei269.
«O ministro da Guerra vai ser fuzilado», previam os Regeneradores270. O mesmo
diziam os Históricos lamentando o «Desmoronamento do ministério aos pedaços»271.
Constava que o duque de Loulé andava «desgostoso da vida pública» e a querer
«recolher ao santuário da vida privada»; disse aos pares que, ou se reconstruía o
ministério ou largava o poder; talvez ele quisesse empurrar os ministros e continuar, tal
como em 1862 e 1864. Na reunião da maioria, declarou ter batido a várias portas, que
encontrou fechadas, porque ninguém queria ficar ligado a Lobo de Ávila; mas este
fazia-se desentendido, invocava o princípio da solidariedade ministerial, como a dizer
que haveria de morrer agarrado ao presidente do Conselho. Loulé pedirá a demissão de
todo o gabinete e verá se é encarregado da nova organização, previa-se272.
É interessante a seguinte comparação feita entre Lobo de Ávila e Loulé: «O
ministro da Fazenda tem elasticidade política, mas revelou demais as suas aspirações e
com imprudente antecipação; enganou-se no cálculo da sua influência política, não
mediu bem as forças com que contava e, pior ainda, as do inimigo; teve de retrogradar».
Quanto ao duque de Loulé, «não faz nada ao acaso; aconselha-se demasiado com o
travesseiro; ele bem sabe o que faz e sabe também o que diz; mas poucas vezes diz o
que sabe e muito menos o que sente». Para a maioria dos Históricos, o preferido era
Loulé, «grande inteligência, natural conciliador»273.
Tal como muitos tinham previsto, o duque de Loulé, depois de pedir a demissão,
apresentou-se na Câmara dos Deputados com um novo Governo: descreveu os seus
contactos com o rei, a quem aconselhara a não aceitar um Governo fora da maioria; que
o rei, falhadas as tentativas junto do marquês de Sá da Bandeira e do conde de Torres
Novas (acabado de chegar da Índia, onde era governador), insistira com ele para 267 Carta de 12/2/1865, em Alberto JG Belo, A Câmara dos Pares e o Segundo Governo Histórico (4.7.1860 – 17.4.1865), tese de mestrado, Universidade Nova de Lisboa, FCSH, Lisboa, 2000, 109 268 A Revolução de Setembro, 9/2/1865 269 A Revolução de Setembro, 18/2/1865 270 A Revolução de Setembro, 16/2/1865 271 Jornal do Porto, 22 e 25/2/1865 272 A Revolução de Setembro, 24 e 25 e 28/2/1865 273 Jornal do Porto, 28/2 e 4/3/1865
71
reorganizar o novo gabinete e que ele julgava trair o seu partido se não fizesse para tal
todos os esforços: «Pode a câmara acreditar que foi somente obrigado pelo dever que
aceitei esta missão». Sá da Bandeira confirmou a consulta do rei, a quem recomendou
que a actual câmara não fosse dissolvida e, perante o duque de Loulé, mostrou-se
«disponível para qualquer pasta, excepto a da Justiça», porque tinham sido «sempre
companheiros, mesmo com divergências»274. No novo Governo, Loulé conservou João
Crisóstomo, recuperou Sá da Bandeira na pasta da Guerra e meteu algumas caras novas,
por exemplo Matias de Carvalho no lugar da cara problemática de Lobo de Ávila.
Mas foi uma «recepção fúnebre» a que o novo Governo obteve do Parlamento:
os deputados da «unha negra» colocaram-se em aberta oposição e Lobo de Ávila
confessou deixar o poder «alvo das setas envenenadas dos meus adversários políticos»,
sem esconder a mágoa: «O sr presidente do Conselho saberá onde estava a lealdade e a
verdade e onde estava a mentira e a intriga. Saio do ministério com a cabeça levantada
porque tenho a consciência de que cumpri o meu dever e fui sempre leal. Não sei se
todos poderão dizer o mesmo». Fontes perguntou se podia o presidente do Conselho
fazer tudo o que lhe aprouvesse; no sistema representativo ninguém era «inviolável e
irresponsável senão o rei», não podia haver «dois reis irresponsáveis»; desde que tomara
conta das rédeas do Governo já lá iam doze ministros, mas o presidente do Conselho
salvava-se sempre na lancha, com mais algum tripulante predilecto e deixando afogar os
seus companheiros de trabalho; era «muito hábil e hábil até no silêncio»275.
Em cinco dias de debate sucederam-se intervenções de todos os quadrantes, em
geral críticas. Uma questão que fez vacilar muitos Históricos foi Loulé ter convidado
membros da oposição – falou-se de Aguiar, de Carlos Bento e do visconde de Gouveia
– como se quisesse regressar à fusão. Mas Loulé só confirmou ter convidado Aguiar e
refutou as acusações de falta de solidariedade ministerial: se tivesse recebido qualquer
voto de desconfiança do Parlamento, é que não poderia apresentar-se. José Luciano fez
uma intervenção reveladora da ambivalência de posições em que andavam os
Históricos: que significava aquela discussão?, discutiam o quê?, o presidente do
Conselho?, a Coroa? Se o rei exercera o poder moderador, como podiam estar ali a
censurar essa escolha livre sem esperarem os actos dos ministros?; não deixou de
censurar Loulé por ter escolhido ministros com pouca experiência parlamentar – era ali,
«nos certames da palavra», que se devia «alcançar um lugar nos conselhos da coroa» – e
274 Diário da Câmara dos Deputados, 6 e 7/3/1865, 611 e 624 275 A Revolução de Setembro, 7/3/1865
72
por ter ido «quase rojar-se aos pés da oposição para entregar a gerência dos negócios
àqueles que tão acrimoniosamente nos tinham combatido»; mas defendeu-o como «o
chefe mais respeitável desse partido a que tenho a honra de pertencer»; quanto ao
Governo, lembrou que também outro ministério, três anos antes, fora «lugubremente
recebido», mas conseguira «depois erguer-se pela actividade e pela energia»276.
Na reunião da maioria, com mais de 80 presenças, Loulé quis saber com que
apoios podia contar, ou ele iria dali ao rei dar a demissão. A resposta foi «unânime e
calorosa», pois, se o ministério desse a demissão, o partido desmoronava-se277. Estranha
situação aquela em que o chefe do Governo duvidava da sua maioria de apoio, que em
três votações nominais venceu com uma votação tripla da da oposição278. O jornal
regenerador não ficou impressionado: «Não faltou maioria à maioria», «mas quanto
mais numerosa menor a sua força»279. De facto, dali a um mês o Governo iria pedir a
demissão, dando razão a quem previra que a «maioria enormíssima» saída das últimas
eleições estava «mais destinada a asfixiar o Governo do que a coadjuvá-lo».
Na Câmara dos Pares, como as demissões de Loulé e de Crisóstomo não tinham
sido publicadas, questionava-se se o Governo era novo ou recomposto. «Como queira,
tome como lhe aprouver», respondeu Loulé com enfado a um par mais insistente280.
Rebelo da Silva, ligado à «unha negra», propôs uma censura ao mesmo Governo que
promovera a sua nomeação na última «fornada». E outra vez se levantou a questão se a
Câmara de Pares tinha competência para fazer censuras ao Governo no mesmo plano da
Câmara dos Deputados. Rejeitada a moção de Rebelo, foi aprovada, por quase
unanimidade, uma moção de António José de Ávila, que a oposição tomou como de
censura e que talvez fosse de «censura in petto», segundo o jornal regenerador, mas que
funcionara como «válvula de segurança do gabinete»281. Observava o mesmo jornal
que, se o ministério estava em maioria nas votações nominais, estava «em minoria nos
corredores, nos colóquios particulares, na praça pública»; face a isso, a oposição o que
tinha a fazer era «guerrear sempre, sem descanso, sem tréguas».
Uma frase dita pelo novo ministro das Finanças, Matias de Carvalho, na
primeira vez em que falara – que no orçamento em vigor, elaborado pelo seu antecessor,
o cálculo da receita talvez estivesse exagerado e o défice fosse maior – foi explorada
276 Diário da Câmara dos Deputados, 8/3/1865, pp. 635-637 e 663 277 Jornal do Porto, 11/3/1865 278 Diário da Câmara dos Deputados, 10/3/1865, 660 279 A Revolução de Setembro, 11/3/1865 280 A Revolução de Setembro, 14/3/1865 281 A Revolução de Setembro, 18/3/1865
73
por Fontes: «Então estamos sem orçamento, porque não há ministro que responda por
ele?»; «O acto adicional há-de cumprir-se, o ministro há-de comprometer-se a trazer um
novo orçamento à câmara». Dois dias depois voltou à carga: uma vez que o ministro da
Fazenda não tomava a responsabilidade do orçamento apresentado às Cortes pelo seu
antecessor, lamentava o desacordo e convidava-o a apresentar o orçamento
rectificado282. Respondeu o ministro que só não tomava a responsabilidade pelo modo
como o orçamento fora feito; mas reservava-se o direito de fazer alterações283.
O caso é que a moção de Fontes alimentou as sessões dos deputados até ao fim
do mês, aproveitando Lobo de Ávila para tentar mostrar que o seu sucessor não tinha
capacidade para o lugar. Mas o que lucrava o país com aquele «duelo financeiro travado
entre o ministro que foi e o ministro que é»?, perguntava José Luciano, que lamentou a
«sizania lavrando entre os antigos amigos», agora «volvidos de repente em adversários
e quase em inimigos implacáveis»; propôs um conjunto de «economias» para diminuir o
défice, que a Fontes se afigurou uma «candidatura a futuro ministro»; e tentando
equilibrar-se entre as facções, tanto disse bem de Lobo de Ávila, «para mim um homem
impecável», como enalteceu a liderança do duque de Loulé, «que é para nós mais do
que um passado glorioso porque é um símbolo do futuro»284.
«Onde está o chefe?», perguntava Fontes: como se podia ser chefe fugindo do
Parlamento?; «o chefe está presente onde o perigo é grande, o chefe tem a bandeira na
mão, tem também a espada e a lança, e se não a sabe brandir, não é digno do lugar que
ocupa»; Loulé não era o chefe do Partido Progressista, que estava morto, era apenas o
chefe do executivo. E Fontes desabafou ter vergonha do que se estava a passar em
Portugal, considerou o ministério «provisório e efémero» e terminou lembrando uma
revolução que houvera em França sobre um Governo também transitório285. Mas, dias
depois, ouviu um jovem deputado, Barjona de Freitas, que, numa estreia brilhante, lhe
«pulverizou o discurso», de tal modo que foi cumprimentá-lo286.
Para Barjona, ser o ministério novo ou recomposto eram «minudências» que
nada valiam; desde quando eram proibidas as recomposições?; não tinha havido, entre
1851 e 1856, 11 recomposições e a saída de 15 ou 16 ministros? Se Fontes falara de
amarguras e desgostos que sofriam os ministros, por que não fazia essa justiça ao
282 Diário da Câmara dos Deputados, 18 e 21/3/1865, 751-753 e 774 283 Diário da Câmara dos Deputados, 21/3/1865, 776 284 Diário da Câmara dos Deputados, 27/3/1865, 828-830 285 Diário da Câmara dos Deputados, 29 e 31/3/1865, 849-850 e 876-880 286 Jornal do Porto, 2/4/1865
74
presidente do Conselho que não estava ali por vontade mas para corresponder às
esperanças do seu partido? Quando Fontes e os colegas saíram do Governo, em 1860,
muitos amigos os censuraram porque os ministros deviam ter força para satisfazer a
dívida a que se obrigaram para com os partidários; talvez por isso ele estivesse com os
seus colegas expiando essa falta no ostracismo do poder. Barjona tanto lamentou a
guerra movida a Lobo de Ávila, baseada não no exame dos seus actos mas ressuscitando
14 anos depois a cruz de Soutulho, como elogiou Loulé que sempre acompanhara «o
movimento popular», à frente do partido, quando da questão das irmãs da caridade,
quando da desvinculação da terra e da abolição dos morgados, quando da liberdade do
tabaco, e jamais se recusara a acompanhar as exigências da sua época. A moção de
Fontes acabou rejeitada em três votações nominais com vantagem da maioria histórica
da ordem dos 70% dos votos contra 30%287. Mas isso não resolveu a sua fragilidade
interna, incapaz de superar os obstáculos colocados pela oposição.
Perante mais uma discussão que se prolongava, o ministro João Crisóstomo
propôs que se julgasse a matéria discutida e se entrasse na ordem do dia. Logo os
deputados da oposição lhe observaram que não era normal esse tipo de proposta vir de
um ministro. Mas ele também era deputado, reclamou. Isso agora é que talvez não fosse,
pois, sendo ministro de um Governo «novo», o seu lugar devia ser considerado vago e
ele ser obrigado a concorrer a uma eleição intercalar. Mesmo assim era deputado
enquanto não fosse declarado vago o seu lugar, retorquiu. Então a Comissão de
Verificação de Poderes que dissesse se o ministro das Obras Públicas perdera ou não o
lugar de deputado, requereu Santana, da «unha negra»288. Desgostoso com os ataques da
«unha negra» e com os discursos insultuosos do regenerador Vieira de Castro, que lhe
chamou «cadáver», e por sentir fraco apoio da maioria, que o achava pouco hábil
perante as «ratoeiras» armadas pelos adversários e não aceitou bem uma proposta sua
sobre cereais, João Crisóstomo pediu a demissão do ministro e meteu-se em casa289.
Essa foi a gota de água que determinou a queda do governo histórico. «É
necessário governar ou morrer», apelou José Luciano à maioria e ao Governo. «Pois
governe apesar da oposição», interrompeu-o Fontes. «Com outras ideias e outra gente»,
acrescentou Santana, causando grande agitação. «É necessário caminhar e passar por
cima da oposição», tornou José Luciano: se a oposição não quisesse deixar trabalhar,
287 Diário da Câmara dos Deputados, 1/4/1865, 893-894 288 Diário da Câmara dos Deputados, 3/4/1865, 907 289 Jornal do Porto, 8/4/1865
75
que a maioria fizesse o mesmo que na última sessão, passando por cima da oposição e
«legando ao país medidas profícuas»290.
As Cortes foram adiadas por duas semanas. Mas o presidente do Conselho não
precisou de tanto tempo para pedir a demissão, dada a insistência de Crisóstomo em
largar a pasta, conforme explicou na reunião da maioria: ele bem avisara que, se algum
dos colegas saísse, ele também sairia «impreterivelmente», pois que se comprometera a
«viverem todos ou morrerem todos»291. Agora só iria diligenciar para que o Governo
seguinte se mantivesse de acordo com a maioria histórica.
De facto, o rei chamou a segunda figura do Partido Histórico, o marquês de Sá
da Bandeira. Parecia uma mudança pequena, mas acabou por ter graves consequências
sobre o conjunto do sistema político, em particular sobre o próprio Partido Histórico,
levando-o a inverter todo o esforço de diferenciação que fizera nos últimos anos.
Desta vez Sá da Bandeira não quis repetir o falhanço em que incorrera, mês e
meio antes. Não desistiu perante a recusa do seu amigo e afilhado político Anselmo
Braamcamp. Convidou Júlio Sanches e António José de Ávila para ministros, levando-
os a uma reunião da maioria histórica, alargada aos dissidentes de 1862 (avilistas) e aos
de 1865 (unha negra). Ali expôs a divergência que o separava dos indigitados ministros,
sendo ele a favor de um gabinete que reflectisse a maioria histórica e os outros a favor
de um Governo de fusão com o Partido Regenerador. Era claro na reunião que havia
muito mais adversários do que adeptos daquela fusão292. Apesar da divergência, Sá da
Bandeira, Sanches e Ávila foram nomeados ministros.
290 Diário da Câmara dos Deputados, 4/4/1865, 916-917 291 A Revolução de Setembro, 9 e 11/4/1865 292 A Revolução de Setembro e Jornal do Porto, 18/4/1865
76
3 – A experiência da fusão (1865-1868)
Em contraste com o período anterior, dominado por uma intensa luta entre os
dois grandes partidos, o novo período caracterizou-se pela conciliação entre os mesmos
partidos. Compreender como se passou do espírito de diferenciação para outro espírito
oposto e como decorreu a experiência da fusão, eis o objectivo deste capítulo.
Trata-se agora essenciamente do «Governo da Fusão», distinguindo nele uma
primeira fase de relativo equilíbrio entre os dois partidos integrantes e uma segunda fase
de domínio flagrante dos Regeneradores. Mas antes desse, houve um Governo de
transição, o chamado Governo Sá/Ávila.
3.1 – O Governo Sá/Ávila, de transição (1865)
O novo ministério apresentou-se com apenas quatro ministros, por causa do
desacordo que entre eles havia quanto ao preenchimento de duas vagas, da Justiça e da
Marinha, que podiam servir de isco em futuras negociações: enquanto Sá da Bandeira
pretendia preencher as vagas buscando os nomes na maioria histórica, os outros, em
especial, o conde de Ávila (ministro da Fazenda e dos Negócios Estrangeiros) e Júlio
Sanches (do Reino), defendiam uma fusão com os Regeneradores. Carlos Bento (nas
Obras Públicas) era amigo político de Ávila, ambos afastados na remodelação de 1862.
Sanches fora remodelado de um Governo do marquês de Loulé, em 1857. Todos tinham
contas a ajustar com o Partido Histórico e o seu chefe.
Se de início os Históricos tinham ficado tranquilos com o marquês de Sá da
Bandeira a formar Governo, em substituição do duque de Loulé, depressa perceberam
que a nova situação se lhes escapava ao controle. Estranhavam que Sá da Bandeira, não
gostando da fusão, se ligasse a quem a queria. Desconfiavam que ele andava a ser
enganado e avisavam que, se se demitisse, não poderia ser Ávila o «chefe de uma
situação verdadeiramente progressista». Sentiam-se desconsiderados, já que lhes
pertencia a maioria dos deputados, e receavam perdê-la se a crise se resolvesse com a
dissolução e novas eleições. Notava-se até no partido uma aceitação crescente da ideia
da fusão, sempre repetida pelos Regeneradores, dada a evidência de nenhum dos
partidos ter força para constituir exclusivamente um governo forte293.
293 Jornal do Porto, 19 e 20/4/1865
77
O jornal regenerador ia juntando comentários que indispunham os Históricos
contra o novo Governo: que era um Governo «da minoria da câmara»; que com Ávila e
Bento estava «restaurada a situação de 1862»; que Sá da Bandeira fizera um gabinete
fora da influência do duque de Loulé para lhe «quebrar a preponderância»; que o
ministério era «inconciliável com a maioria, cujo contacto era como o dos leprosos»;
que a última reunião da maioria fora «a demonstração da morte do Partido Histórico»294.
Os Regeneradores também criticavam Ávila pela «sofreguidão de poder», pois que
entrara no Governo esquecendo a condição de fazer com eles a fusão295 e terá até dito,
no primeiro contacto com Sá da Bandeira: «Entremos e depois conversaremos»296.
Quando o Governo se apresentou no Parlamento, Fontes declarou, em nome dos
Regeneradores, que não lhe dava apoio: a «regra fundamental», em circunstâncias
normais, era que os ministérios fossem compostos de «elementos homogéneos» que
representassem «os princípios dos partidos» a que pertencessem, pois os ministérios
deviam representar partidos e este não representava nenhum; se a maioria não era capaz
de formar o Governo, pertencia à oposição (ou seja, aos Regeneradores), formá-lo. Para
Martens Ferrão, havia «duas soluções possíveis: ou gabinetes novos pela sucessão
vigorosa dos partidos, ou a aproximação desses mesmos partidos num intuito comum»,
sendo esta aproximação das parcialidades do partido liberal a que mais convinha297.
Os Regeneradores não queriam a dissolução; queriam a fusão ou a conciliação
entre as duas fracções, a conciliação entre os velhos partidos cartista e setembrista que o
Acto Adicional de 1852 tinha promovido; mas «Se se inabilitou o Partido Histórico para
continuar a governar, o partido que deveria suceder-lhe era o partido progressista que
militava na oposição [Regenerador], o único que tinha elementos de Governo»298.
Preferiam a fusão dos «partidos liberais», desde que não presidida por Sá da Bandeira
nem por Loulé, como já tinham dito299; ou seja: pretendiam uma fusão com os
Históricos desprovidos dos chefes, portanto, uma fusão dirigida por eles mesmos.
Na apresentação do Governo, José Luciano falou em nome da maioria histórica,
que se considerava «humilhada», porque se julgara representada por Sá da Bandeira e
via-o «ligado aos que representavam a minoria da minoria»; condenava a fusão «nestas
circunstâncias», as fusões não se faziam nos governos, faziam-se primeiro nos partidos;
294 A Revolução de Setembro, 19, 20, 21 e 22/4/1865 295 A Revolução de Setembro, 18/4/1865 296 Jornal do Porto, 27/4/1865; A Revolução de Setembro, 2/5/1865 297 Diário da Câmara dos Deputados, 24/04/1865: Fontes, 1066-1067, Martens Ferrão, 1068-1069 298 A Revolução de Setembro, 28/4/1865 299 A Revolução de Setembro, 18/4/1865
78
«os ministérios da fusão, sem esta homogeneidade de ideias, sem este acordo prévio de
ideias e princípios», significavam «uma hesitação constante no poder, a anarquia no
governo e a desconfiança mútua entre os membros do gabinete»; só acreditava na fusão
desde que fosse «um pacto sincero de ideias, princípios e doutrinas»300.
As ambiguidades e contradições que se podiam detectar nas posições dos
diversos grupos e personalidades tornam difícil de entender esta crise. Lobo de Ávila
deu disso mais um exemplo, por defender, por um lado, a alternância no poder entre
dois partidos, um conservador e outro progressista, ao mesmo tempo que defendia
aquela fusão protagonizada por elementos colocados fora dos partidos301.
A ruptura entre o Partido Histórico e o Governo era iminente. No Parlamento,
face às críticas de José Luciano, os ministros Bento e Ávila desafiaram os críticos a
colocar a questão da confiança no Governo302. Depois, numa reunião da maioria, como
José Luciano tivesse observado a contradição de o Governo se dizer das maiorias e
excluir a maioria e afirmado que os grupos dissidentes (de 1862 e de 1865) em que se
que apoiava o Governo não representavam a maioria nem o Partido Histórico, Ávila,
«irascível, desabrido», rejeitou a exigência de completar o Governo com deputados da
maioria, fez a apologia da sua vida pública de 39 anos, de amor ao progresso, «ninguém
pode ser conservador sem ser progressista»; suscitou o riso de muitos ao defender o
governo de Costa Cabral. Também Barjona observou que o ministério não representava
qualquer partido mas «duas dissidências diminutíssimas» e defendeu a fusão dos dois
partidos mais numerosos. E quando Ávila reafirmou a recusa de se completar o
Governo com deputados da maioria, quase todos os presentes puseram os chapéus e
abandonaram a reunião, na qual só ficaram os da unha negra e os «avilistas», nem dez
no total303. Ávila, «conservador e progressista», tinha a «veleidade de ser chefe de
partido»? Poucos o levavam a sério. Já havia uma lista de 60 deputados dispostos a dar
«chec» ao Governo na primeira questão política que surgisse304.
Os Regeneradores convergiam com os Históricos na rejeição a Ávila, a quem
apontavam a «falta de tacto político», dizendo coisas que depois negava, por exemplo,
que ameaçara com a dissolução; por isso é que os seus discursos no Parlamento não
300 Diário da Câmara dos Deputados, 24/4/1865, 1067-1068 301 Diário da Câmara dos Deputados, 25/4/1865, 1079 302 Diário da Câmara dos Deputados, 26/4/1865, 1094 e 1095 303 Jornal do Porto, 27 e 29/4/1865 304 Jornal do Porto, 28/4/1865
79
eram publicados, porque ele não confirmava as notas dos taquígrafos305. Também não
gostavam de ouvi-lo ufanar-se de ser independente dos partidos e de assim fazer
carreira. «Eu não sou ministro de nenhum partido, eu sou ministro do meu país», repetiu
ele. «Não é ministro de nenhum partido o nobre conde?», perguntou-lhe o deputado
Vieira de Castro; «Não sou, não, senhor»; «Mas o que é ser ministro de um partido
senão ser ministro do seu país? Ser ministro de um partido é ser o representante de uma
ideia, o tradutor de um pensamento, a síntese de uma doutrina propugnada por uma vida
inteira. A ideia, o pensamento, a doutrina, que esse ministro crê, com exclusão de todas
as outras, a melhor e a mais salutar para a felicidade da sua pátria, para o bom futuro do
seu país. Mas o que é ser ministro do seu país sem ser ministro de nenhum partido?»
Fontes concordou: «Apoiado! Apoiado!»306
Os Históricos acabaram por tomar algumas decisões: primeira, negar o apoio
político ao ministério; segunda, nomear uma «comissão de três membros para dirigir a
maioria» (Braamcamp, Coelho do Amaral e Oliveira Baptista); terceira, confiar ao
duque de Loulé os contactos para a fusão com os oposicionistas (Regeneradores)307. Eis
como os Históricos, para não se desligarem do poder a que estavam habituados,
aceitaram submeter-se a uma fusão com os rivais, invertendo todo o esforço que tinham
feito nos últimos anos para se diferenciarem. Até Fontes dirá nunca lhe ter passado pela
mente abraçar-se ao partido a quem fizera vigorosa e longa oposição308, o que mostra
como a «fusão» foi, para os Históricos, algo de reactivo, de acidental.
Sá da Bandeira chorou, quando os três membros que dirigiam a maioria lhe
foram comunicar a oposição do Partido Histórico309. Deve-lhe ter custado ouvir isso de
Braamcamp, de quem se considerava «amigo pessoal e íntimo, para bem dizer, desde
criança»310. Braamcamp informou, que, a convite de Sá da Bandeira, estivera presente
em alguns encontros antes da formação do Governo e que desde logo rejeitara a fusão
que se pretendia, «de todas as parcialidades menos da maioria», mas aceitava a fusão
em que se aproximavam «as duas fracções do mesmo partido», para juntar as suas
forças e dotar o país com todas as reformas de que ele carecia.
Para as negociações da fusão, foram encarregados, pelo lado dos Históricos, o
duque de Loulé, Braamcamp e Mendes Leal, e, pelos Regeneradores, Rodrigues
305 A Revolução de Setembro, 2/5/1865 306 Diário da Câmara dos Deputados, 12/5/1865, 1251 307 A Revolução de Setembro, 3/5/1865 308 D. Câmara dos Deputados, 5/9/1865, em Marques Gomes, História de Portugal (M P Chagas), 239 309 Jornal do Porto, 4/5/1865 310 Diário da Câmara dos Deputados, 10/5/1865, 1233
80
Sampaio, Fontes e Martens Ferrão. Eis como um jornal próximo dos Históricos
observava complementaridades entre os dois partidos e justificava a fusão: o
Regenerador possuía no seu estado-maior «valiosos aderentes mas poucos soldados», só
por si não podia governar e era sensato que aplanasse o caminho para a fusão; o
Histórico ainda era «o grupo com melhores meios e mais recursos» mas não seria de
bom efeito que Loulé entrasse já no poder. Mesmo com «eleições à cabralina», o
Governo não levaria mais de 50 deputados e morreria de esgana nos primeiros dias.
Desconfiava-se que o plano de Ávila era «lançar fora» Sá da Bandeira e Júlio Sanches e
este era o principal motivo por que a fusão se tornava agora indispensável311.
O ministro Ávila apresentou uma proposta de «lei de meios», significando a
ameaça de dissolução. Coelho do Amaral fez uma proposta contrária, equivalente a uma
moção de censura: que a comissão de Fazenda apresentasse o seu parecer sobre o
orçamento e que a câmara se ocupasse desde logo da sua discussão312. Aprovada por 98-
45 votos, esta proposta significou uma derrota do Governo por margem nunca vista.
Quem eram os 45 apoiantes do Governo? Eram os dissidentes de 1862 e de
1865, os amigos de alguns ministros, outros que mostravam deferência com uma
«relíquia do passado» (Sá da Bandeira), mais meia dúzia de «ministeriais por
temperamento»313. Cerca de 35 vinham da grande maioria histórica, da qual sobravam
uns 70 fieis à direcção de Loulé. O presidente do Conselho declarou que a câmara seria
dissolvida e a lei de meios foi aprovada por unanimidade314.
Muitos Históricos duvidavam que Sá da Bandeira estivesse nas melhores
condições intelectuais, por se deixar apagar debaixo da influência de Ávila315. A
verdade é que ele se separou então, definitivamente, do seu partido, contra o qual
realizou, nos cinco anos seguintes, um percurso próprio em que viria a chefiar um novo
partido, o Reformista, e a presidir a vários governos.
Cerca de 110 deputados históricos e regeneradores, antes adversários, reuniram
agora em harmonia. Acordaram que todos se deveriam apresentar à reeleição nos seus
círculos. Elaboraram um manifesto assinado por 98 nomes, dos quais se notavam
algumas ausências. A mais falada foi a de Casal Ribeiro, que achava mais razoável
começar-se por um acordo político deixando a fusão para mais tarde: «nem os partidos
311 Jornal do Porto, 6/5/1865 312 Diário da Câmara dos Deputados, 8/5/1865, 1205 e 1207 313 Jornal do Porto, 12/5/1865 314 Diário da Câmara dos Deputados, 12/5/1865, 1248 e 1254 315 Jornal do Porto, 14/5/1865
81
se criam num artigo de jornal nem se aniquilam com um traço de pena»316. Martens
Ferrão declarou ser a favor de uma «união por aproximações, não por fusões» e preferir
«que os dois centros se conservassem em boas relações mas separados»317.
Uma Comissão Eleitoral Progressista foi formada, sob a presidência conjunta de
Loulé e Aguiar, integrando mais 12 figuras cimeiras dos dois partidos. Também os
apoiantes do Governo constituíram o seu «centro eleitoral» com nomes que se
arrumavam em dois grupos principais, da «unha negra» e «trânsfugas da unha branca»;
mas logo alguns nomes anunciados desmentiram a sua participação318.
Feitas as eleições, os resultados não se apresentaram claros, talvez com uma
pequena vantagem dos governamentais, não se sabia por quantos, porque havia sempre
uma franja de deputados de cor indefinida, ou que aderiam a qualquer Governo, ou que
oscilavam entre a situação e a oposição, ou que raramente apareciam; e ainda havia, no
meio, uns 7 «ecléticos» em torno de Martens Ferrão. Mesmo que se confirmasse uma
maioria de apoio ao Governo, viu-se logo que tal apoio não seria durável, por ser
composta de amigos dos ministros ou de facções mais ou menos inconciliáveis.
Registe-se a não eleição de dois nomes sonantes: José Luciano de Castro e
Joaquim Lobo de Ávila. Tanto um como outro vieram a recuperar os seus lugares em
eleições intercalares. José Luciano justificou a sua derrota pelas restrições que lhe
impôs o ministro Ávila para fazer campanha no círculo de Gaia319, mas, no início de
1866, foi eleito por Viana do Castelo, já com o apoio do «Governo da Fusão». Lobo de
Ávila foi derrotado por Santarém e substituído como chefe do grupo parlamentar da
unha preta pelo deputado Faria Blanc320; e só em Março de 1867, foi eleito por um dos
círculos de Lisboa, já num contexto de grandes protestos contra o «Governo da Fusão».
Junto do rei, não seria grande a credibilidade do Governo, porque ele ofereceu a
presidência ao marechal Saldanha, que, à chegada de Roma, obteve uma recepção
triunfal, sinal de que mantinha a aura de «salvador da pátria». Mas Saldanha só a
aceitaria se o rei lhe desse poderes extraordinários, ou seja, uma ditadura, que o
Parlamento depois ratificaria321; achava a fusão entre Regeneradores e Históricos um
contrassenso ideológico e o Governo em exercício um fraco conjunto de 4 homens.
316 A Revolução de Setembro, 19/5/1865 317 A Revolução de Setembro, 20/5/1865; Jornal do Porto, 21/5/1865 318 A Revolução de Setembro, 19/5/1865; Jornal do Porto, 27 e 28/5/1865 319 Jornal do Porto, 7 e 14/7/1865 320 A Revolução de Setembro, 19 e 21/7/1865 321 Maria de Fátima Bonifácio, «Uma vida feliz», 275; ver carta de Saldanha ao rei, de 8/7/75, propondo uma ditadura como forma de resolver a crise política, em Paulo Jorge Fernandes, D. Luís, 158
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A primeira grande prova da nova maioria fez-se na eleição do presidente da
Câmara dos Deputados: o candidato governamental, Roque Fernandes Tomás, não
obteve maioria absoluta em dois escrutínios e só ao terceiro venceu por 85-74 votos322
Seria suficiente esta vantagem de 11 votos? «O Governo venceu e morreu», «o
ministerialismo sentiu-se moribundo», sentenciou o jornal regenerador323. Constava que
o ministro Júlio Sanches pedira a demissão, com o efeito de desligar do Governo os
deputados a si afectos. Para a «comissão de resposta ao discurso da coroa», a suposta
maioria deixou que fossem eleitos deputados da oposição, entre os quais Fontes324.
Foi o suficiente para Sá da Bandeira pedir a demissão, mas sem informar os seus
colegas previamente, no que terá sido uma vingança sobre Ávila; este, logo que tomou
conhecimento da demissão, escreveu ao rei a classificar esse acto de «inoportuno e
intempestivo»325. O rei chamou os chefes da fusão, Loulé e Aguiar, abrindo a porta a
um novo Governo apoiado pelos dois grandes partidos: era o «Governo da Fusão».
Apreciem-se os últimos desenvolvimentos em termos de dinâmica partidária. As
eleições de 1865 foram as primeiras organizadas fora dos grandes partidos alternantes,
ou fora do bipartidarismo que se vinha consolidando em Portugal. Quem as organizou
foi um Governo apoiado não por um partido mas por pequenos grupos reunidos em
torno dos ministros Sá, Sanches e Ávila e do chefe da «unha preta» Lobo de Ávila.
Mesmo admitindo que venceu, foi uma vitória aparente que poucos dias durou.
Comparando a última votação nominal, antes das eleições, com a votação que
elegeu o presidente da Câmara dos Deputados, depois das eleições, verificou-se um
progresso do conjunto apoiante do Governo Sá/Ávila de 31,5 para 53,5%, o que se
deveu à força própria dos governos e à influência das autoridades por eles controladas
sobre os eleitores; inversamente, os partidos reunidos na «Fusão», pelo facto de estarem
na oposição, baixaram de 68,5% para 46,5%. No entanto, em poucos dias, o «Governo
da Fusão», transformou a sua minoria de 46,5% numa maioria tão sólida que não
precisou de eleições para se manter durante mais de dois anos. Isto, só por si, demonstra
a superior eficácia dos partidos em relação aos grupos ou facções que podiam em certo
momento ser superiores. O problema do «Governo da Fusão» não era que lhe faltasse
maioria, pelo contrário: «Não faltará ao ministério maioria; queira Deus que lhe não
322 Diário da Câmara dos Deputados, 25/8/1865, 1976; Jornal do Porto, 26/8/1865 323 A Revolução de Setembro, 27 e 29/8/1865 324 Diário da Câmara dos Deputados, 30/8/1865, 2010 325 Jornal do Porto, 3/9/1865
83
falte também oposição»326. Alguns meses depois, na primeira votação importante, os
53,5% da maioria eleitoral iriam cair para apenas 39,3%.
Como se pode entender este paradoxo? A explicação estava na falta de um
pensamento, ou de princípios, que unissem as pessoas que integravam os grupos, ou que
unissem os grupos entre si, dando ao conjunto um mínimo de coesão e de disciplina;
não era esse o caso em que os grupos reunidos por circunstâncias fortuitas se
rivalizavam e até se detestavam. Quanto ao conjunto da «Fusão», não admira que fosse
mais dotado da disciplina própria dos partidos; o mais notável é que tal disciplina se
tivesse mantido por mais de dois anos, tendo em conta a intensa luta que, nos anos
anteriores, dera aos dois partidos identidades alternativas.
3.2 – O «Governo da Fusão»: o sistema político sem alternativa (1865-1868)
Quem mandaria no «Governo da Fusão»? O duque de Loulé facilitou ao colocar-
se de fora aconselhando o rei a incumbir Aguiar de presidir à nova situação. O Partido
Regenerador entrou ao mais alto nível, ocupando as pastas mais importantes, as da
Presidência e do Reino, por Aguiar, e da Fazenda, por Fontes. As recusas de Loulé e de
Braamcamp levaram o Partido Histórico a participar com figuras secundárias, como era
ainda Barjona de Freitas, na pasta da Justiça, e o conde de Castro, na das Obras
Públicas. As restantes pastas foram atribuídas a independentes: a da Guerra ao conde de
Torres Novas, com perfil «progressista»; a da Marinha ao visconde de Praia Grande,
mais «ministerial» ou adaptável a qualquer situação.
Apesar da igualdade na distribuição das pastas entre os dois partidos, era notório
o ascendente dos Regeneradores, que os Históricos, após dominarem o Governo durante
largos anos, aceitavam para que agora coubesse a vez aos parceiros, menos gastos e
mais motivados, após cinco anos na disponibilidade. Isto correspondia à ideia corrente
de que os Regeneradores tinham mais elementos de governo e os Históricos mais
soldados. Além disso, para os Históricos mais doutrinários, não seria difícil dar apoio a
um Governo presidido por um ex-ministro de D. Pedro IV e que deixava de fora os
elementos mais conservadores, Casal Ribeiro e Martens Ferrão, avessos à fusão.
O «problema mais urgente» era a situação crítica da fazenda, conforme disse o
presidente do Conselho na sua apresentação na Câmara dos Deputados327. Estava-se no
326 A Revolução de Setembro, 5/9/1865 327 Diário da Câmara dos Deputados, 5/9/1865, 2049
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início de uma crise, que iria afectar gravemente o país e condicionar toda a política, nos
anos seguintes até ao fim da década, coincidindo com a guerra em que o Brasil se
envolveu no Paraguai, afectando as remessas vitais dos nossos emigrantes. A economia
estava parada, como já descrevera o jornal Comércio de Lisboa: «Os logistas não
vendem nada. Os industriais têm despedido muitos oficiais e operários. As transacções
estão completamente paradas328. Fontes, a quem cabia solucionar o «problema mais
urgente», congratulou-se pelo apoio que tinha de um «partido forte», ao qual apelou
para esquecer os «velhos ressentimentos».
O «Governo da Fusão» foi muito bem acolhido, «em ovação», tanto no
Parlamento como nas províncias, exultou o jornal regenerador329. Depois das «paixões
partidárias» que tinham paralizado as acções governativa e legislativa durante mais de
meio ano, era bom respirar a harmonia entre os dois grandes partidos e acalentar a
esperança num futuro de progresso para o país.
No início de Novembro, ainda se respirava confiança: um relance pelos jornais
da capital mostrava não haver nenhum que estivesse em aberta oposição ao Governo330.
Começaram a ser divulgados alguns projectos de lei que os ministros tinham preparado
durante as férias para serem submetidos à apreciação dos deputados: o novo código
civil, que revogava toda a antiga legislação e introduzia a novidade do casamento civil;
uma nova lei que alargava a liberdade de imprensa; uma nova versão da desamortização
aprovada no início do ano, mas que ficara perdida na crise política; a liberdade da barra
do Douro e do comércio de vinhos, etc. Retomava-se o impulso reformador de 1863.
Mas o ambiente ensombrou quando se soube do contrato de 14/10/1865, que o
Governo celebrara com a companhia de caminho-de-ferro do Sueste garantindo-lhe
durante 50 anos um rendimento quilométrico mínimo. Então, em vez de se fazerem
economias para aliviar o tesouro, sobrecarregava-se ainda mais? Esperava-se que o
debate parlamentar esclarecesse as dúvidas sobre aquela «péssima» transação, por ser
impossível atingir o rendimento mínimo que evitasse o Estado de pagar331.
O presidente do Governo, velho de 73 anos, estava doente e mal saía de casa;
ainda por cima ocupava o «laborioso cargo» de ministro do Reino, para o qual não tinha
idade nem saúde próprias. O ministro da Guerra estava às portas da morte e outros dos
ministros revelavam-se fracos. Fontes era o homem forte da situação e a demora em
328 Citado em A Revolução de Setembro, 6/5/1865 329 A Revolução de Setembro, 9/9/1865 330 Jornal do Porto, 1/11/1865, 3 331 Jornal do Porto, 12 e 14/11/1865
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encontrar-se um novo ministro do Reino era interpretada como uma resistência sua a
que entrasse alguém que lhe disputasse os poderes332.
Quando ao falecido ministro da Guerra, um independente progressista, sucedeu
um regenerador, Pinto da França, alguns meios históricos incomodaram-se e passaram a
falar em «restauração regeneradora», já meio arrependidos de terem apoiado a «Fusão».
Sem surpresa, o jornal histórico de esquerda, O Português, declarou-se em oposição333.
E o Jornal do Porto previu, com notável precisão, a meio ano de distância, a
remodelação de Junho de 1866 que iria dar entrada no Governo a Martens Ferrão, Casal
Ribeiro e Andrade Corvo, consagrando o domínio regenerador sobre a fusão; então sim,
seria «uma restauração regeneradora com todos os matadores»334.
O polémico contrato do Sueste acabou por passar na Câmara dos Deputados, já
que o Governo fizera dele «questão ministerial». Livrava o Governo de embaraços
financeiros, mas deixava os encargos para os governos dali a quatro anos. Os
Regeneradores argumentaram com o «papel civilizador» dos caminhos-de-ferro, a par
das reformas da escola, da justiça e da administração. O deputado histórico portuense,
Faria Guimarães, declarou-se a favor dos caminhos-de-ferro, mas não daquele contrato
que dava «lucros certos à companhia e avultados encargos prováveis ao tesouro».
Depois de oportuna reunião da maioria para assegurar a sua «lealdade política», o
contrato foi aprovado por 85-55 deputados335. Outras situações ligadas aos caminhos-
de-ferro passaram no Parlamento, por exemplo, o contrato com o espanhol Salamanca,
que permitia a conclusão da linha do Norte, no Porto, e abria para futuras linhas do
Minho e do Douro, aprovado com mais largueza, por 94-30 votos336.
A lei da liberdade de imprensa, que viria a vigorar até 1890, foi discutida no
final de 1865 e início de 1866. Um ponto polémico, introduzido por Martens Ferrão,
presidente da comissão que elaborou o parecer, incomodou especialmente os deputados
históricos, por prever a prisão de um ano para toda a agressão injuriosa ao sistema
representativo estabelecido na Carta e no Acto Adicional de 1852. Então não se podiam
discutir os preceitos constitucionais? A aprovação do projecto por 57-39 votos indiciava
a ausência de muitos deputados, com o significativo voto contrário de Braamcamp337.
332 Jornal do Porto, 4/11 e 12/12/1865 333Jornal do Porto, 24 e 25/12/1865 334 Jornal do Porto, 29/11/1865 335 Jornal do Porto, 10, 13 e 14/12/1865; A Revolução de Setembro, 12/12/1865 336 Diário da Câmara dos Deputados, 7/2/1866, 411 337 Diário da Câmara dos Deputados, 29/1/1866, 304; Jornal do Porto, 30 e 31/1/1866
86
Uma revolta que falhou em Espanha, comandada pelo general Prim, obrigando
centenas de militares espanhois a refugiarem-se em Portugal, foi trazida ao Parlamento
pelos deputados da «unha negra». Mas só se tornou delicada quando, na sequência de
um manifesto proclamado pelo general Prim, o Governo português entendeu convidá-lo
a procurar asilo noutro país alegando que ele colocara em perigo as boas relações entre
os países vizinhos. Uma votação nominal mostrou um largo apoio do Parlamento à
posição do Governo, por 101-28 votos, tal como se pressentia fosse o apoio por parte da
população, tanto mais que se atribuíam intenções iberistas à revolução espanhola338. De
facto, o caso mobilizou apenas a esquerda radical.
A questão que realmente mais ocupou os jornais neste período foi a do
casamento civil, previsto no projecto de código civil. Contra tal ideia levantaram-se
várias figuras, como o duque de Saldanha, com um livro e uma carta endereçada ao
presidente do governo, em tom ameaçador. A favor do casamento civil aberto a
qualquer cidadão manifestaram-se outras personalidades, como Alexandre Herculano,
com diversas cartas publicadas339. A questão podia separar os partidos da fusão, já que
alguns conhecidos Regeneradores, como Martens Ferrão e Casal Ribeiro, assumiam
posições pelo casamento católico próximas do miguelista Pinto Coelho, ao passo que a
generalidade dos Históricos era pelo casamento civil.
A comissão parlamentar de Legislação aprovou uma proposta favorável ao
casamento civil, deixando em minoria o respectivo presidente, Martens Ferrão. Todavia,
o ministro da Justiça não acolheu bem esta proposta, ou seja: se aceitava, em tese, o
casamento civil, não podia alterar o artigo 6º da Carta que proclamava o catolicismo
como religião oficial do Reino; sendo assim, não prescindia do casamento católico entre
católicos (baptizados), embora consentisse o casamento civil aos não baptizados340. A
comissão parlamentar exigiu do ministro uma posição por escrito. Esboçou-se uma
solução de compromisso que consistia, na prática, em impedir o oficial de registo de
perguntar aos noivos a religião que professavam e atribuir ao casamento que fizessem
todos os efeitos civis; e foi nesse sentido que o ministro apresentou versões modificadas
de diversos artigos. Mas a comissão opôs-se-lhe por oito votos contra seis341.
Esta derrota do Governo tornou mais premente a remodelação ministerial de que
já se falava, mais ainda quando também o segundo ministro da Guerra faleceu. Muitos
338 Diário da Câmara dos Deputados, 21/2/1866, 548; Jornal do Porto, 22/2/1866 339 Jornal do Porto, 17/11/1865 e 11, 18 e 26/1/1866; A Revolução de Setembro, 5/12/1865 340 Jornal do Porto, 9, 10, 11 e 17/3/1866 341 Jornal do Porto, 29/3 e 4 e 22/4/1866
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deputados históricos, embora votassem disciplinadamente, andavam descontentes,
formando grupos nos cantos a desabafar desde que Fontes criticara os governos
históricos por terem recorrido ao crédito. Loulé, «espírito tolerante», era falado para
voltar a ser o presidente do Governo; com seus «modos suaves e brandos», não se
deixava dominar, a «indolência» que lhe atribuíam era «aparente». Pois não seria ele
muito melhor ministro do Reino do que Aguiar, «doente e decrépito»? Fontes é que
decerto não gostava da ideia e utilizava a crítica situação financeira para ser dado como
indispensável342. Loulé participou em numerosas conferências, foi-lhe oferecida a
presidência pelos Regeneradores, só ele tinha prestígio e influência para substituir
Aguiar, mas recusava subir ao poder, decerto para não ter Fontes como colega343.
Esperava-se que a crise não se declarasse antes de a câmara fechar, mas o pedido
de demissão do ministro das Obras Públicas precipitou a remodelação. De um dia para o
outro, apareceu o Governo recomposto com novos ministros Regeneradores,
precisamente Casal Ribeiro e Martens Ferrão que se tinham oposto à fusão, mantendo-
se Barjona e o ministro da Marinha. E já se previa que outro Regenerador, Andrade
Corvo, entrasse em breve. Que se passara?
De acordo com o seu jornal, os Regeneradores tinham feito «esforços repetidos
para que o duque de Loulé entrasse para chefe da situação no lugar de Aguiar», que ele
manifestara vontade de «cooperar para uma boa organização», mas afinal recusara-se,
levando outros Históricos à recusa; ora, como «o gabinete julgou que não se devia votar
à morte», «foi buscar elementos de vida onde os encontrou»; mas, insistiam os
Regeneradores: «Não consideramos rota a fusão»344. Para muitos Históricos, a «Fusão»
tinha acabado. Aquele ministério reconstruído com Martens e Casal, significava a
«ascensão ao poder do Partido Regenerador, exclusivamente», nada que muitos não
tivessem prognosticado. A atitude de Loulé era questionada; mas quando se conheceram
as condições postas por Aguiar e Fontes, para que ele assumisse, além da presidência,
os ministérios da Guerra e dos Negócios Estrangeiros e Braamcamp o ministério da
Marinha e Ultramar, já todos o aprovavam por ter recusado o Governo, pois ninguém
lhe oferecera que organizasse o ministério como entendesse345.
342 Jornal do Porto, 29/3 e 7/4/1866 343 Jornal do Porto, 6 e 8/5/1866 344 A Revolução de Setembro, 10/5/1866 345 Jornal do Porto, 10 e 17/5/1866
88
O «Governo da Fusão» sob domínio regenerador
Na apresentação do Governo remodelado, debateram-se diferentes visões sobre
os partidos346: os Regeneradores entendiam a fusão no sentido literal, muitos Históricos
entendiam-na como uma coligação. «Os velhos partidos desapareceram e os novos, se
têm de se formar, não estão agrupados ainda», disse Casal Ribeiro. Fontes não queria a
ressurreição dos partidos, não queria «ver ressuscitados os dias de luta e aflição em que
por tanto tempo se agitou»; desejava viver dentro da situação realizada pela «fusão»,
«um grande acontecimento neste país». Contra o «acabamento dos partidos» reagiu o
histórico Coelho do Amaral, que também apoiara a «fusão»: «Os partidos são a alma e a
essência do sistema representativo». Santos e Silva, da «unha negra», defendeu posição
idêntica: «Sou partidário da ressurreição dos partidos, mas organizados, cada um com as
suas crenças, porque é deles que está essencialmente dependente o sistema parlamentar
e constitucional»; não acreditava em fusões, queria a ressurreição dos partidos, queria a
honradez e a moralidade do velho Partido Histórico com as ideias e princípios de 1866,
não pedia o tambor do Arsenal nem as lutas de 1838. Braamcamp defendeu a «fusão»
como «uma organização forte» que pudesse dar ao país o progresso. Também José
Luciano lutou por «acabar com todas as antigas dissensões em que de longos anos
andava dividida a família liberal», mas no ano seguinte dirá que o fez com sacrifício das
próprias convicções, por entender que era «uma necessidade política»347.
O jornal regenerador congratulou-se que «a parte histórica da fusão» se tivesse
«conduzido com grande tino e lealdade». Segundo um jornal próximo dos Históricos, o
apoio ao «Governo da Fusão» foi confirmado na reunião da maioria, onde quase 80
deputados deliberaram «não hostilizar o gabinete para evitar nova crise», atendendo à
depressão por que passava a Europa e à «crítica situação do tesouro»348.
Como compreender que os Históricos apoiassem este Governo dominado pelos
Regeneradores, como o fizeram disciplinadamente, durante ano e meio, sob a batuta de
Loulé, aprovando medidas que causaram protesto geral no país e estiveram na base da
revolta da Janeirinha? A troco de quê? Haveria algum entendimento tácito prevendo um
futuro Governo presidido por Loulé com apoio dos Regeneradores?, assim uma espécie
346 Diário da Câmara dos Deputados, 11 e 12/5/1866 347 Diário da Câmara dos Deputados, 7/3/1867, 712 348 A Revolução de Setembro, 13/5/1866; Jornal do Porto, 13/5/1866
89
de rotação sob a capa da fusão? Ou talvez o calculista Loulé esperasse que a crise
financeira amainasse para depois forçar essa mudança?
Quando terminou a sessão legislativa, o jornal regenerador previu que o
Governo iria preparar nas férias «novos cometimentos» que fariam da sessão futura
«uma das mais fecundas». Não havia obstáculos, a oposição era «cordata e
condescendente», dentro do Parlamento não incomodava e fora do Parlamento ora fazia
avisos prudentes ao Governo ora o combatia de «maneira absurda e ignara»349. Ver-se-á
como esta perspectiva sobranceira era enganadora.
No início do ano 1867, alguns sectores próximos do Partido Histórico já
oscilavam no apoio à «fusão». O Jornal do Porto, por exemplo, denunciava as
promessas de reforma não cumpridas, o défice agravado, a insensibilidade do Governo
que não ouvia «os brados da Nação»; quase convidava o Parlamento à rebelião e
observava um «medo mútuo» nas relações entre o Governo e o Parlamento350.
Mas essa mudança mal se notava na Câmara dos Deputados. Para desbloquear o
casamento civil, a comissão de Legislação foi desdobrada em duas: uma dedicada à
legislação penal, para a qual foram despachados os deputados que se tinham oposto à
emenda feita pelo ministro Barjona; outra dedicada à legislação civil, formada por
deputados concordantes com essa emenda351. Entre estes, foi eleito relator-geral do
código civil José Luciano, que já tinha colaborado com o mesmo ministro na elaboração
do projecto da lei de imprensa aprovada na sessão anterior.
Para outros projectos, manteve-se a mesma disciplina dos deputados históricos,
por exemplo, quanto à nova orgânica do ministério dos Negócios Estrangeiros,
aprovada por 90-40 votos. Alguns achavam-na «monstruosa», mas reservavam as suas
críticas para a reunião da maioria, como fez José Luciano explicando por que recusara
assinar na comissão parlamentar uma orgânica tão polémica352.
Dava a sensação de não haver oposição no Parlamento. Numericamente havia os
tais 40 votos expressos na última votação, mais alguns ausentes, mas esses votos não
funcionavam em bloco, estavam retalhados em pequenos grupos sem pensamento
comum. Uma oposição verdadeira devia ser a de um «partido organizado combatendo o
Governo em nome da felicidade pública», só que «nada disto» aparecia na câmara; se
fosse «organizada», a oposição seria a mais forte garantia das liberdades, «válvula de
349 A Revolução de Setembro, 15 e 16/6/1866 350 Jornal do Porto, 3 e 6/1/1867 351 Jornal do Porto, 8 e 11/1/1867 352 Jornal do Porto, 17, 24 e 29/1/1867
90
segurança» do sistema representativo, conforme ensinava Benjamin Constant353.
Oposições organizadas já tinham sido as dos partidos Histórico e Regenerador, um ao
outro, alternadamente, agora porém estavam amarrados na «fusão».
O ministro da Fazenda apresentou um conjunto de medidas financeiras no
Parlamento, justificadas por um relatório em que chamava a atenção para as
«proporções assustadoras» que a crise tomara, baixando os fundos dentro e fora do
país354. A companhia da linha do Sueste cessara o pagamento das letras contratadas e
Fontes foi obrigado a restabelecer a antiga prática, que sempre criticara, de recorrer ao
crédito. Os bancos portugueses declararam-se «inabilitados para auxiliar o Governo».
Algumas economias estavam a ser feitas, outras estavam previstas, mas esperar daí o
equilíbrio era «uma utopia». Tinha de se pedir à Nação, cuja riqueza crescia «a olhos
vistos», que pagasse os elementos da sua prosperidade. Para tal, a medida mais
importante era um imposto do consumo que substituísse o «real d’água» (um imposto
secular que os municípios cobravam sobre a carne e o vinho, com direitos muito
desiguais). Só em Lisboa o real d’água era cobrado, não pelo município mas pela
alfândega, aliás com direitos muito superiores. Propunha-se um novo imposto uniforme
em todo o país, excepto em Lisboa e no Porto onde os direitos deveriam ser maiores,
cobrado directamente pela fazenda (o que não impedia os municípios de lançarem
adicionais), limitado a quatro produtos: carne, arroz, bebidas espirituosas e azeite.
Sem ter oposição, o Governo avançou com os seus projectos de impostos e com
uma reforma administrativa que extinguia numerosos distritos, concelhos e paróquias,
indiferente e sobranceiro aos protestos. Não amaciou a mensagem nem nas vésperas de
uma eleição intercalar em Lisboa, quando se recolhiam assinaturas contra tais medidas e
contra os «desperdícios». O candidato do Governo, Serpa Pimentel, sofreu até uma
surpreendente derrota perante Lobo de Ávila, chefe da «unha negra». Isso não impediu
a aprovação do aumento extraordinário do imposto de viação, por 86-35 votos355.
A vitória eleitoral de Lisboa deu à oposição uma motivação adicional, dentro e
fora do Parlamento. O Porto tomou a iniciativa, o que se compreende por ser lá que
mais se agravava a situação fiscal com o novo imposto, ao passo que em Lisboa a
situação até se aliviava. A Associação Industrial do Porto congregou outras associações
para representarem contra as medidas do Governo e promoveu um meeting. A Câmara
353 Jornal do Porto, 20/1 e 5/2/1867 354 Diário da Câmara dos Deputados, 8/2/1867, 373-379 355 Jornal do Porto, 24/2/1867; Diário da Câmara dos Deputados, 1/3/1867, 619
91
Municipal do Porto aprovou uma representação, apresentada no Parlamento por Faria
Guimarães: o Porto não recusava os impostos, mas apelava às economias; o imposto de
consumo era «um ataque aos direitos de consumo dos municípios, aos quais
pertenceram sempre»; quanto à reforma administrativa, introduzia uma «espionagem
intolerável» sobre os municípios por parte dos administradores do concelho nomeados
pelo Governo. O ministro Martens Ferrão desdenhou a representação: duvidava que
houvesse, além dos dez vereadores que a assinavam, mais dez nomes a defender aqueles
«princípios erróneos». Como tivera o ministro, deputado por Paredes, a «inaudita
temeridade de insultar o Porto»? Pois em menos de dois dias apareceram, não dez, mas
15.000 nomes, a assinar os mesmos «princípios erróneos»356.
Neste choque do Porto com o «Governo da Fusão» esteve um dos momentos
fundadores da revolta da Janeirinha. Para o jornal regenerador era a classe operária
portuense a agitar-se «instigada por maus conselheiros»; para o Jornal do Porto era o
«facto importantíssimo» de se abrir uma «nova época na história constitucional»,
assinalada pela «intervenção directa e pacífica do povo no modo de dirigir os interesses
públicos»357. E o imposto de consumo foi aprovado por largos 100-47 votos358.
Também em Lisboa, aproveitando a dinâmica criada no Porto, foi realizado um
meeting em 24 de Março, promovido por um conjunto de forças oposicionistas bastante
divididas entre si. A primeira resolução tomada consistiu numa moção de louvor à
Câmara Municipal e aos habitantes do Porto. As oposições ligadas das duas cidades
atingiram uma projecção nacional. De tal modo que em breve surgiu a ideia de um
manifesto comum que servisse de programa a um novo partido359.
No meeting de Lisboa foi convidado o duque de Loulé para presidir a uma
comissão encarregada de fazer chegar aos poderes constitucionais as resoluções
aprovadas. Que significava um tal convite se Loulé era um dos esteios da «fusão», se
era em obediência a ele que os Históricos votavam pelo Governo, de tal modo que se ele
anuísse a morte do Governo seria «pronta»?360 Sabia-se que ele andava descontente com
a situação. Os Históricos fizeram uma reunião própria361, significando não terem
perdido a sua autonomia. Os Regeneradores lembravam outros motins populares, como
o de 1861 em que fora posto fogo à residência do duque de Loulé e outro mais antigo,
356 Carlos Guimarães da Cunha, A Janeirinha, 44-47; Jornal do Porto, 12/3/1867 357 A Revolução de Setembro, 12/3/1867; Jornal do Porto, 14/3/1867 358 Diário da Câmara dos Deputados, 16/3/1867, 802 359 Jornal do Comércio, 9/4/1867, em Carlos Guimarães da Cunha, A Janeirinha, 56 360 Jornal do Porto, 27/3/1867 361 Jornal do Porto, 20/3/1867
92
de 1838, em que Sá da Bandeira metralhara as massas362. Em todo o caso, não era nada
provável que Loulé aceitasse a presidência da comissão oposicionista.
Sectores que oscilavam entre o Partido Histórico e a oposição tanto lhe faziam o
apelo lisongeador, «Loulé quer aproveitar a popularidade que ainda tem?», como o
criticavam pela «impassibilidade perante o apelo de 6000 pessoas» e o consideravam
«morto para o partido popular»363. O jornal regenerador zombava dos «meetingueiros»
que andavam em «peregrinação atrás de Loulé», com «lisonjas e blandícias» enquanto
esperavam, mas com «petulância e insultos» desde que se desenganaram364.
Mostrando que não estava desatento nem parado, Loulé fez uma interpelação ao
ministro da Fazenda sobre o estado das finanças públicas e os meios para diminuir o
défice. Obrigou Fontes a reconhecer a necessidade de recorrer ao crédito e a aceitar
nomear uma comissão para estudar a reorganização do sistema financeiro365. O próprio
Loulé passou a presidir à dita comissão. Além disso, manifestou reservas à reforma
administrativa que suprimia vários distritos e estava a suscitar muitas representações;
José Luciano achava esta reforma excessiva e capaz de agitar mais o país que já andava
«insurgido» por causa do imposto do consumo366. A reforma foi aprovada na
generalidade por larga de margem de 105-33 votos367, mas Loulé propôs-lhe alterações
para serem consideradas no debate da especialidade.
Qual o alcance da interpelação de Loulé: uma «farsa combinada», ou a prova de
que ele tinha «o primeiro lugar entre os políticos do país»?368 Seria a tal comissão
financeira uma arma a ser usada para a queda do «Governo da Fusão»?369. Um jornal
histórico dirá, quatro anos depois, que Fontes aceitou a comissão sobre o sistema
financeiro «com o propósito de adiar uma tempestade prestes a rebentar»370. Quer dizer
que teria alguma veracidade o cenário de ruptura entre Históricos e Regeneradores.
Em Abril, por causa da doença do velho presidente do Conselho, terá sido outra
vez oferecida ao duque de Loulé a presidência do Governo e mais um ministério371. No
mês seguinte agravou-se outra vez a saúde de Aguiar, mas agora Loulé encontrava-se
362 A Revolução de Setembro, 22/3/1867 363 Jornal do Porto, 29/3 e 2/4/1867 364 A Revolução de Setembro, 6/4/1867 365 A Revolução de Setembro e Jornal do Porto, 3/4/1867 366 Diário da Câmara dos Deputados, 27/3/1867, 998-1002 367 Diário da Câmara dos Deputados, 5/4/1867, 1028 368 Jornal do Porto, 3 e 4/4/1867 369 Jornal do Porto, 14/11/1867 370 Gazeta do Povo, 13/10/1871 371 Jornal do Porto, 5 e 25/4/1867
93
em viagem pela Itália, a acompanhar a rainha372, ainda com demora de vários meses.
Entretanto, o debate final da reforma administrativa acabou em concordância: «Governo
e proponentes ficaram bem. O Governo acedeu naquilo que não contrariava o seu
projecto e não admitiu aquilo que abalava a sua base»373.
As profundas divisões na oposição de Lisboa não foram resolvidas no meeting
do Campo de Santana. Prova disso foi o facto de Lobo de Ávila não ter sido integrado
na comissão nele eleita, apesar da proeza eleitoral que acabara de protagonizar sobre o
Governo. Nos passos seguintes, nomeadamente nas visitas mútuas que fizeram os de
Lisboa e os do Porto, as divisões continuaram: no banquete oferecido em Lisboa à
deputação do Porto, foram excluídos os amigos de Lobo de Ávila.
Quais eram esses grupos que animavam a oposição de Lisboa? Identificavam-se
melhor pelos seus locais de reunião do que pelas suas ideias. O mais doutrinário era
decerto o do Pátio do Salema, também conhecido como «clube dos Lunáticos», de
tendência republicana, ligado a uma dissidência maçónica, chefiada por Elias Garcia;
mantinha relações com dissidentes históricos que não aceitavam a «fusão», em geral
polarizados em torno de Sá da Bandeira. A «unha negra», chefiada por Lobo de Ávila,
estava ligada a outra dissidência maçónica e reunia na Rua das Flores. Outros
movimentos menos definidos eram o da Travessa da Queimada, no qual sobressaíam
homens ricos como o barão de Fozcôa e Eugénio de Almeida; e o do conde de Peniche,
um fidalgo de velha estirpe, ex-cartista e ex-regenerador fusionista, agora demagogo,
nas margens do sistema, atraindo ao seu palacete sobretudo operários e estratos da
plebe374. Embora ligado ao clube do Pátio do Salema, o Jornal do Comércio, onde
sobressaía o escritor Latino Coelho, assumia posições ordeiras, demarcadas dos
tumultos: não simpatizava com a agitação populista à volta do conde de Peniche, nem
com os tumultos que rebentaram no Porto, em Abril, nem com o chefe da unha negra
desde que ele fora ministro da Fazenda em 1862-1865375.
No início do Verão, foi publicado no Jornal do Comércio376 e logo transcrito nos
outros jornais o manifesto das oposições de Lisboa e do Porto, «Exposição ao país».
Assinavam-no, por Lisboa, os principais nomes dos clubes da Travessa da Queimada e
do Pátio do Salema, também o conde de Peniche, e, pelo Porto, membros do Centro
372 Jornal do Porto, 19, 24 e 25/5/1867 373 A Revolução de Setembro, 24 e 26/5/1867 374 Luís Dória, Correntes do radicalismo oitocentista. O caso dos penicheiros (1867-1872), Lisboa, Imprensa de Ciências Sociais, 2004, 24-27 375 Jornal do Comércio, 26/2/1867, em Carlos Guimarães da Cunha, A Janeirinha, 43 376 Jornal do Comércio, 26/6/1867, em Carlos Guimarães da Cunha, A Janeirinha, 62-63
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Eleitoral Patriótico. Redigido por Latino Coelho, o manifesto pretendia dar consistência
à oposição, de modo a constituir-se na alternativa que o «Governo da Fusão» abafara.
Foi como que a génese do Partido Reformista que veio a ter grande protagonismo nos
anos seguintes. Reconhecia a crise da fazenda como a primeira questão do país, para
cuja solução, em vez de mais impostos, reclamava a realização de «economias», por
exemplo, a redução do número de deputados; repetia a clássica reivindicação da
esquerda, de reforma da Câmara dos Pares abolindo o princípio da hereditariedade, além
de outras propostas aceitáveis pela classe política em geral.
O jornal regenerador não encarava bem a oposição que vinha do Porto. Sobre os
tumultos que lá tinham ocorrido, perguntara: Então o Porto, «berço da liberdade», era
agora «berço da anarquia e da corrupção»? E quando uma deputação do Porto se
apresentou ao rei para que não sancionasse as reformas da fazenda e da administração
aprovadas pelos corpos legislativos, comentou: «Quando a democracia vem pedir ao rei
que dissolva o Parlamento, essa democracia chegou ao último grau da abjecção»,
«Vieram denunciar ao rei a má escolha que tinham feito dos deputados»; é que a actual
maioria não fora feita pelo «Governo da Fusão», mas resultara de eleições anteriores,
em 1865, que «a oposição de hoje» então proclamara «libérrimas»377. Em todo o caso,
os projectos de caminhos-de-ferro do Minho e de Trás-os-Montes, então aprovados
pelos deputados, visavam em grande medida acalmar o Porto378.
A sessão parlamentar foi prorrogada até finais de Junho para dar tempo a que
numerosos outros projectos fossem aprovados, com destaque para o código civil e a
abolição da pena de morte para crimes civis, além do orçamento. «Nunca Parlamento
algum concluiu trabalhos tão grandiosos», embandeirou o jornal regenerador379, talvez
para calar os Históricos que se ufanavam das reformas aprovadas na sessão de 1863.
A questão interessante não é saber qual das sessões foi mais produtiva, se a de
1863 ou a de 1867, mas o que é mais conveniente, se reformas aprovadas perante
intensa oposição, ou reformas aprovadas quase sem oposição e sem debate. De facto, os
críticos falavam de importantes diplomas aprovados «sem respirar», ou aprovados sem
se ler os textos, parecendo uma «feira legislativa» que fazia «descrer do sistema
representativo»; era o caso do código civil, que tanto tempo andara nos jornais e nas
comissões e agora não esteve mais que dois dias no plenário dos deputados, mais um
377 A Revolução de Setembro, 26/4 e 9 e 17/5/1867 378 Marques Gomes, História de Portugal (Manuel Pinheiro Chagas), 238 379 A Revolução de Setembro, 27/6/1867
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dia entre os pares, de modo que a famosa emenda do casamento civil foi aprovada «com
os olhos fechados» para não se atrasar a entrada em vigor do código «tão urgentemente
reclamado»380. A produtividade legislativa da maioria apoiante do «Governo da Fusão»
ficou bem demonstrada; já quanto à qualidade, havia dúvidas, por excesso de confiança
ou falta de oposição organizada que obrigasse a discussão mais profunda. Por vezes, a
oposição fazia-se mais nos corredores do que no plenário381.
Durante o Verão a oposição descansou, dando uma ilusão de acalmia. Mas
reanimou nos últimos meses do ano, na expectativa da entrada em vigor das medidas
mais emblemáticas do «Governo da Fusão»: o imposto de consumo e a reforma
administrativa com nova divisão territorial.
O «Governo da Fusão» avançava, sobranceiro ao descontentamento. Subsidiou a
companhia do caminho-de-ferro do Sueste, que, por ter falido, perdera o seu património
a favor do Estado, significando que o Estado estava a comprar o que já lhe pertencia382.
Publicou a orgânica dos Negócios Estrangeiros, suscitando a «indignação geral» por
essa «vaidosa ostentação diplomática»383. Publicou o regulamento do imposto do
consumo, consumando o «grande vexame», «gravoso para os pobres», embora o jornal
regenerador argumentasse que os ricos e remediados é que teriam de pagar mais, não os
pobres384. E publicou a nova divisão administrativa que resultou na extinção de seis
distritos, de 40% dos concelhos (ficando 177 em 302) e de quase 75% das paróquias
(ficando 1046 paróquias civis num total de 3966; criando o conceito de «paróquias
civis», preservaram-se todas as 3966 «paróquias eclesiásticas»)385.
O que fazia a oposição? Estava desorganizada à falta de chefes? Em Lisboa não
foi capaz de formar uma lista única para enfrentar a lista do Governo na eleição
municipal386. Mas no Porto não se duvidava da «reeleição da câmara que soube tomar
lugar tão distinto na luta nacional contra as medidas insensatas do Governo»387.
E o que se podia esperar do Partido Histórico, sabendo-se do descontentamento
que o minava debaixo da disciplina com que votara todas as medidas daquele Governo
dominado pelos Regeneradores? Muitos protestavam que haviam de «fazer grandes
coisas em Janeiro», quando reabrisse a sessão parlamentar, que iriam «voltar as costas 380 Jornal do Porto, 19, 20 e 22/6/1867 381 Marques Gomes, História de Portugal (Manuel Pinheiro Chagas), 271 382 Jornal do Porto, 19/11/1867 383 Jornal do Porto, 07/12/1867 384 Jornal do Porto, 10/12/1867; A Revolução de Setembro, 15/12/1867 385 Jornal do Porto, 12/12/1867; A Revolução de Setembro, 12/12/1867 386 Jornal do Porto, 22 e 29/11 e 13/12/1867 387 Jornal do Porto, 6/11/1867
96
ao Governo na primeira reunião da câmara»; mas duvidava-se: «vozes não são
nozes»388. Previa-se a futura sessão parlamentar «tempestuosa» e, talvez por isso, a
abertura das Cortes foi adiada para meados de Fevereiro389. E o duque de Loulé, de
quem desde o Verão se dizia que estava «cansado de amparar o Governo»?390 A
comissão a que ele presidia, encarregada de reorganizar o sistema financeiro, não
servira para derrubar o Governo, como alguns tinham esperado, mas fazia reuniões e
constava até que iria propor muitas «reduções de pessoal», «sem sangue»391.
Perto do fim do ano, a agitação cresceu no país. Como se atrasou a divisão
territorial que definia os concelhos e freguesias extintos, as eleições nos novos
municipios foram empurradas para 29 de Dezembro. Os meetings de protesto
espalharam-se pelo país. Em tempo de fome, com um mau ano agrícola, Fontes insistiu
em aumentar os impostos, tal como quando caíra em 1856. Populações opunham-se à
saída dos arquivos das repartições concelhias; «em muita parte» o Governo perdeu as
eleições municipais392. No Porto a câmara oposicionista foi reeleita por 90% dos votos.
O comércio da cidade era «todo acção», lembrava 1846393; os lojistas combinaram
fechar as portas no dia de entrada em vigor do imposto do consumo, sem fazerem os
manifestos que a lei exigia394. O mesmo foi feito em numerosas terras do Norte do país.
Em Lisboa, a oposição, dividida em duas listas (uma do Pátio do Salema e outra
da Travessa da Queimada), não evitou a vitória governamental, na eleição da Câmara
Municipal. Mas lá se animou com as notícias que chegavam do Porto e promoveu, no
primeiro dia de 1868, uma marcha ao Paço de Belém para impedir o adiamento da
abertura das Cortes. Há versões diferentes sobre a importância da marcha e da agitação
popular, que, comandada pelo conde de Peniche e pelo deputado Dias Ferreira, se
chocou com a polícia, sobretudo em Alcântara: o correspondente do Jornal do Porto
achou-a «insignificante», com umas «20 pessoas em Belém» e «mais soldados que
paisanos em Alcântara», os adeptos de Peniche é que pintavam a «coisa» de «cores
medonhas»395. Para os Regeneradores, não passara de uma «entrudada»396. Só por si, a
marcha de Lisboa não seria muito perigosa; mas serviu para avultar o bloqueio dos
388 Jornal do Porto, 5 e 7/12/1867 389 Jornal do Porto, 15 e 21/12/1867 390 Jornal do Porto, 1/8/1867 391 Jornal do Porto, 14 e 26/11/1867 392 Marques Gomes, História de Portugal (Manuel Pinheiro Chagas), 293-294 393 Marques Gomes, História de Portugal (Manuel Pinheiro Chagas), 296-297 394 Jornal do Porto, 31/12/1867 395 Jornal do Porto, 5/1/1868 396 A Revolução de Setembro, 2/1/1868
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comerciantes do Porto e do Norte ao imposto do consumo, dando-lhe força para
derrubar o «Governo da Fusão».
O rei convidou o duque de Loulé para formar outro Governo. Essa era decerto,
em condições normais, a expectativa de Loulé, de presidir ao Governo com o apoio dos
Regeneradores. Mas ele percebeu que as condições estavam mudadas e recusou. Então o
rei pensou em nomes não comprometidos com a «Fusão». O velho marquês de Sá
recusou também, evitando repetir o falhanço do seu Governo de 1865. Mas o conde de
Ávila não recusou o convite de ser o presidente do Conselho; era um homem sem
partido, que, embora com reputação de conservador, sempre mostrara flexibilidade para
se adaptar a todas as circunstâncias e trabalhar com gente de cores diferentes;
«Entremos e depois conversaremos» era uma frase que o caracterizava.
Que lições, ou que aprendizagens, se podem tirar da experiência da «Fusão»?
Antes do «Governo da Fusão», a facilidade com que a minoria de Históricos
mais Regeneradores se transformou em maioria deu prova da superior eficácia política
dos partidos sobre os simples grupos, não pelo número mas pela coesão em torno de
princípios. Então agora a queda desse Governo, que era apoiado pelos dois maiores
partidos, não terá dado uma prova contrária dessa eficácia?
Há duas razões apontadas para a queda do «Governo da Fusão»: uma, que foi o
rei que forçou a demissão do Governo; outra, que foi a agitação da opinião pública. A
primeira razão, o «arbítrio da Coroa», era perfilhada pelo jornal regenerador oficial, sem
esconder algum despeito397. A segunda, além de ser adoptada pelos oposicionistas desse
Governo, foi apontada, mais tarde, por um dos ministros então caídos, Casal Ribeiro:
porque havia no país, não uma revolução, mas uma «veemente agitação da opinião
pública», «à qual não podíamos resistir sem entrarmos talvez num caminho de
repressão»398 Esta razão não destoa de José Miguel Sardica para quem a Janeirinha foi a
primeira vez na Regeneração em que o Governo caiu «por pressão externa e directa da
rua»399. Também nesta linha, Jorge Borges de Macedo considera que o «Governo da
Fusão» não teve na devida conta a «nova opinião pública», que se formava e agia
sobretudo na cidade, já dispondo de uma «lei de imprensa libérrima» (de 1866) e de
comunicações modernas, como o telégrafo, que permitia «estabelecer simultaneidade de
397 A Revolução de Setembro, 21/7/1868; Marques Gomes, História de Portugal (Manuel Pinheiro Chagas), 298 398 Diário da Câmara dos Pares, 15/2/1879, 251-252 399 José Miguel Sardica, Duque de Ávila, 433
98
pressão e de acção em Lisboa e Porto»; foi a classe média consumidora que resistiu às
medidas do Governo «com novos meios e novos responsáveis políticos»; «Passávamos
a estar, de vez, perante a cidade com os seus movimentos específicos de massas, as suas
reivindicações económicas, a sua movimentação típica de rua, com a sua mistura típica
entre activistas, apoiantes e militantes; concluindo: «A Janeirinha é a primeira expressão
desta vaga que crescerá até ao mundo nosso contemporâneo»400.
O «Governo da Fusão» não percebeu que deixou o sistema político sem
alternativa, este foi o seu problema fundamental. Normalmente, face ao Governo
dominado pelos Regeneradores, a alternativa deveria ser a do Partido Histórico. Mas
encontrando-se este partido neutralizado, o poder, sem «oposição organizada», avançou,
cego e sobranceiro, até esbarrar numa desobediência pacífica a Norte e numa fraca
agitação em Lisboa. Sem ter de enfrentar uma oposição organizada, o «Governo da
Fusão» deu fartos exemplos de ilusão de poder, de falta de atenção aos perigos. A
maioria que o apoiava mostrou uma grande produtividade legislativa, mas também
displicência e falta de qualidade e de aprofundamento das soluções legislativas. Tudo
isso explica como muito povo celebrou a sua queda como se se tratasse de uma
libertação, como se tal Governo não fosse legítimo mas uma tirania.
Estas falhas não eram despercebidas dos agentes políticos, pelo menos havia
artigos que as denunciavam, alguns já aqui citados, sobretudo da área do centro-
esquerda: um apontava como «oposição verdadeira» a de um «partido organizado
combatendo o Governo em nome da felicidade pública»; outro invocava a teoria de
Constant, de ser uma necessidade a «oposição organizada», a «válvula de segurança» do
sistema representativo; dando-se o conflito de opiniões «entre o sistema político dos
ministros e os sistemas dos que lhe fazem oposição», terminava sempre «pela mudança
do ministério, sem intervenção da força nem revoluções»401. «Os governos não podem
viver da unanimidade», «mais vale a luta pública do que intrigas subterrâneas»402.
Por outro lado, o ambiente da fusão terá aumentado a «traficância». Todas as
manhãs via-se uma «procissão a pedir graças», «por todas as secretarias», e à tarde
continuava em S. Bento, acercando-se dos bancos ministeriais a entregar o seu
memorial, a pedir o seu favor, como se a Câmara dos Deputados não fosse mais que
400 Jorge Borges de Macedo, «Fontes Pereira de Melo», 31-32 401 Jornal do Porto, 20/1, 5/2 e 13/12/1867 402 Jornal do Comércio, 9/7/1867
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«um ajuntamento de procuradores que solicitam a bem dos interesses particulares dos
seus constituintes» ou dos «eleitores influentes» que lhes arranjavam os votos403.
O «Governo da Fusão» foi uma tentativa de superação da alternância entre
direita e esquerda, que corresponde ao que Bobbio define como «o terceiro inclusivo»,
que tende a englobar os dois polos opostos numa síntese superior404.
Será que o «Governo da Fusão» apagou as identidades histórica e regeneradora?
Na mente de muitos Históricos, não; mas na mente dos Regeneradores, sim – estes
sempre se referiam às «antigas» parcialidades que integravam a «Fusão». Quase todos
os que antes pertenciam a um e a outro partido, se mantiveram depois no mesmo; uma
excepção notável foi Barjona de Freitas, que entrou histórico e saiu regenerador.
Para José Tengarrinha, o fracasso do «Governo da Fusão» não foi mais do que o
consumar dos «distanciamentos» que sobretudo desde 1856 tinham vindo a registar-se
entre os dois partidos e provava a impossibilidade de se confundirem405. Quer dizer que,
do ponto de vista da tese, a «fusão» foi mais excepção do que regra, na dinâmica que
levará à rotação bipartidária das décadas dos anos 70 e 80.
Até que ponto a derrota do «Governo da Fusão» deixou em perigo os partidos
que o apoiavam? O Partido Regenerador sofreu apenas a dissidência protagonizada por
Martens Ferrão e Casal Ribeiro, em 1865, logo resolvida no ano seguinte. Mas o Partido
Histórico correu riscos muito maiores: em 1865, quando se associou ao «Governo da
Fusão», não compreendeu que só desligado do poder, seria visto como alternativa;
perdeu logo um terço dos deputados, que não aceitaram a «fusão»; depois, viu surgir a
alternativa do Partido Reformista no espaço da esquerda que deixara desguarnecido. Se
não fosse a Janeirinha, dirá depois406, teria feito cair o «Governo da Fusão» retirando-
lhe o apoio. Mas já era tarde para mudar a história. Segundo Jorge Borges de Macedo, o
«Governo da Fusão» subalternizou a possibilidade de coligação dos pequenos partidos e
de outras entidades isoladas que, «inesperadamente, puderam constituir uma alternativa
de governo»407. Se esta alternativa resultou ou não já será matéria do capítulo seguinte.
403 Jornal do Porto, 1/4/1866 404 Norberto Bobbio, Direita e Esquerda, 32 405 José Tengarrinha, «Os primórdios dos partidos políticos em Portugal», 40 406 Gazeta do Povo, 13/10/1871 407 Jorge Borges de Macedo, «Fontes Pereira de Melo», 33
100
4 – A experiência dos pequenos partidos (1868-1871)
Depois do «Governo da Fusão», que concentrou o apoio dos grandes partidos,
caiu-se no extremo oposto, em que o poder se pulverizou por pequenos grupos. Se a
experiência da fusão se desviara do processo da rotação por ter amalgamado os partidos
que antes se alternavam, também agora a entrega do poder às margens do sistema
significou um desvio para o lado oposto do mesmo processo rotativo. Em que medida a
alternância bipartidária, que acabará por se impor nas décadas seguintes, resultou da
aprendizagem com o insucesso destas duas experiências?
Em todo o tempo da tese, foi este período, também chamado «dos pequenos
partidos»408, o mais instável, durante o qual, em menos de quatro anos, ocorreram cinco
eleições para deputados, nasceram sete governos e outros tantos morreram. É à medida
destes curtos governos que está organizado o presente capítulo.
4.1 – Governo Ávila/Dias: arrefecer a revolta (1868)
O novo presidente do Conselho, António José de Ávila, era um dos políticos
com mais experiência governativa que não estava comprometido com o «Governo da
Fusão». Mas a sua reputação conservadora também não correspondia ao espírito dos
que tinham contribuído para a «revolução» da Janeirinha. Foi decerto convidado por
isso mesmo, para arrefecer os ânimos revolucionários. Apenas um dos ministros, o da
Fazenda, Dias Ferreira, estivera envolvido no combate ao «Governo da Fusão». Os
restantes eram amigos de Ávila, relativamente desconhecidos na vida política, excepto
um, o visconde de Seabra, na pasta da Justiça.
Mesmo tendo sido relativamente pacíficos, os acontecimentos de Janeiro de
1868 desencadearam uma dinâmica de forte mudança, de tal modo que o Governo não
pôde evitar a revogação das três principais medidas do «Governo da Fusão», que eram
também as mais fortes razões de descontentamento: o imposto de consumo, a reforma
administrativa e a orgânica da secretaria dos Negócios Estrangeiros.
O ver «derrocado esse colosso de poder que parecia inabalável», sustentado
pelos dois grandes partidos, mais animou os homens políticos a tratarem de se agrupar e
organizarem centros que representassem os diversos grupos militantes409. Dias antes da
408 Joaquim de Carvalho, «O regime político dos pequenos partidos», 380-400 409 Jornal do Porto, 10/1/1868
101
eleição da Câmara Municipal de Lisboa, marcada para 9 de Fevereiro, os centros do
conde de Peniche e do Pátio de Salema estiveram em transacções com o Governo para
formar uma lista, receando que, por falta de acordo, a vereação fusionista tornasse a
ganhar. Todavia, mesmo sem acordo, era tal o espírito da população de Lisboa,
«indisposto e adverso à situação passada»410, que não perdeu a primeira oportunidade
para derrotar os autarcas fusionistas que ela mesma elegera 40 dias antes.
Esta eleição camarária foi o prenúncio da derrota geral dos candidatos
fusionistas, fossem eles Regeneradores ou Históricos, nas eleições para deputados, em
Março, mesmo que nenhum deles se tenha apresentado como tal, mas como
oposicionista, tão forte era o sentimento de rejeição à «Fusão».
Da antiga maioria fusionista, 43 deputados tinham divulgado um manifesto em
que não escondiam o seu apoio às reformas do «Governo da Fusão», em particular a do
imposto do consumo, apenas admitindo rectificar a divisão territorial; esperavam que «a
reflexão, o tempo e breves desenganos» fizessem com que o país, no futuro, os
reconsiderasse com justiça411. Mas muitos da antiga maioria não assinaram o manifesto,
em geral pertencentes ao ex-partido Histórico, o qual, dada a ambiguidade em que se
encontrara no tempo do «Governo da Fusão», aparecia agora «esquartejado», a fornecer
elementos para os diversos grupos em formação412.
Havia como que um vazio de poder a ser ocupado pelos candidatos apresentados
à sombra do novo Governo. E como este não tinha um partido mas apenas um grupo de
amigos à volta do conde de Ávila, os grupos políticos procuraram entender-se com ele
para disputarem o melhor quinhão dos 165 círculos existentes (sem contar os coloniais),
em metade dos quais não houve concorrência (ver Quadro nº 5, Gráfico nº 3). No «caos
onde ninguém se entende», que se seguira à diluição dos «velhos partidos», sentia-se a
necessidade de um «partido sério» que desse uma nova «direcção às coisas públicas»413.
A onda era toda a favor da nova situação, ou melhor, contra a situação passada.
A dimensão da nova maioria excedeu a expectativa, calculada em 142 deputados
governamentais (contra 22 oposicionistas), nos círculos do Continente e Ilhas414.
Contando com mais oito eleitos (em 12 possíveis), nos círculos coloniais, os
oposicionistas seriam 30; na verdade, contando com alguns Históricos oscilantes, talvez
410 Jornal do Porto, 2/2 e 18/2/1868 411 Jornal do Porto, 22/1/1868 412 Jornal do Porto, 28/1/1868 413 Jornal do Porto, 25/2/1868 414 Jornal do Porto, 25 e 31/3/1868; Pedro Tavares de Almeida, Eleições e Caciquismo, 224, 230
102
fossem à volta de 40, o que não altera a desproporção dos números. Alguns nomes mais
conotados com as odiadas leis do «Governo da Fusão», tais como, Fontes Pereira de
Melo e José Luciano de Castro, foram derrotados.
Perante tão grande maioria, pode parecer estranho questionar se houve realmente
uma vitória do Governo. É que houve logo quem vaticinasse que ele não iria durar
muito tempo. Muitos deputados «carimbados» como ministeriais não pertenciam ao
ministério e esperavam pelos actos do Governo para definirem a sua posição415. Em
certos círculos, lutaram entre si vários candidatos que reclamavam a mesma protecção
governamental416. Em que medida uma maioria retalhada em pequenos grupos teria
coesão suficiente para dar apoio ao Governo quando tivesse de tomar medidas duras?
Como reagiriam os 85 deputados estreantes (metade do total) que em geral só eram
conhecidos localmente? Era preciso esperar pela abertura do Parlamento para se saber.
Depois das eleições, o Governo viu aumentar a contestação à sua volta, por
causa da grave carestia alimentar que motivou situações de desordem em várias regiões:
no Minho, sobretudo, as populações impediam os cereais de saírem das suas terras,
afectando o abastecimento do Porto e de outras cidades. Quando a imprensa portuense
apelou ao Governo para manter a ordem, o jornal regenerador, que sempre criticara a
revolução da Janeirinha como uma resistência dos comerciantes do Porto a cumprir a
lei, apontou a contradição: «É um atentado proibir o trânsito das pessoas e das coisas,
porque é infringir as leis. Mas atentado era também fechar o comércio as suas portas ao
povo no 1º de Janeiro para o obrigar a insurgir-se contra a lei do consumo»417.
Desde o início os Regeneradores criticavam a nova situação pela falta de
respeito às leis: «A desordem no país não é resultado da situação passada, porque o
povo estava tranquilo; essa desordem apareceu logo que o senhor conde de Ávila tomou
conta do poder». Achavam que os actuais ministros tinham vindo da «lama da rua»418. E
insistiram no mesmo tom: «O país está em anarquia, e os que o lançaram nela vão sendo
envolvidos pela onda que os arrebata. Desafiaram o leão popular e já se horrorizam de
lhe ver as garras. Chamaram soberania à canalha que tumultuava nas ruas de Lisboa e
do Porto, entregaram-lhe o ceptro, um ministério estonteado revogou as leis, uns poucos
de especuladores negaram-se ao pagamento do imposto e sopraram a insurreição. Agora
querem apagar o fogo que atearam e não podem». Como Ávila não podia conter a
415 Jornal do Porto, 23/3 (suplemento) e 31/3/1868 416 Carlos Guimarães da Cunha, A Janeirinha, 98 417 A Revolução de Setembro, 2/4/1868 418 A Revolução de Setembro, 1/2 /1868 e citação no Jornal do Porto, 23/1/1868
103
anarquia, «feita pelos seus amigos», julgavam «quase concluída» a sua tarefa: «A
revolução detesta-o porque lhe conhece a intenção de a contrariar; a legalidade rejeita-o
porque a vendeu e traiu por fraqueza e ambição»419.
Em Lisboa, na Primavera, houve grande agitação, um ambiente de guerra civil,
desencadeada pelo demagogo conde de Peniche, que pelo papel que tivera na revolta da
Janeirinha se achava esbulhado do direito de ser ele a mandar no Governo420. Foram
proibidas as reuniões no seu palácio e ele mesmo preso e sujeito a um processo na
Câmara dos Pares. Afastaram-se dele políticos, como Sá Nogueira, barão de Fozcôa,
Costa Lobo e Eugénio de Almeida421. Por ser solto sem fiança houve protestos pela
flagrante desigualdade na aplicação da justiça, o que forçou à aprovação de uma
amnistia que permitisse a libertação de populares sentenciados pelo mesmo crime422.
Depois de aberta a Câmara dos Deputados, a eleição da mesa confirmou o
fraccionamento da maioria. À primeira volta foi eleito o presidente, J. M. Costa e Silva,
respeitando a indicação dada pelo Governo, com 70 votos em 123. Todavia, para os
lugares de vice-presidente e dos suplentes foram eleitos nomes (Pequito, Sá Nogueira e
Costa Simões) alinhados à esquerda. Era notória a divisão da câmara em vários grupos,
nomeadamente: os «Avilistas», os Fusionistas e os da esquerda próximos do espírito da
Janeirinha. Quanto valiam? Em todo o período da tese, nunca como agora foi tão difícil
identificar as cores de muitos deputados, mesmo recorrendo às votações nominais.
Estimemos que os «Avilistas» fossem os mais numerosos, à volta de 60, por efeito da
atracção do poder, e os outros grupos referidos contassem com cerca de 40 deputados
relativamente fieis, restando 30 e tal oscilantes ou incertos, entre os quais alguns afectos
ao ministro Dias Ferreira. O fraccionamento prolongou-se na eleição das comissões: os
deputados do Pátio de Salema não gostaram de ver nomes da «unha negra» na comissão
de Fazenda; no plenário todos falavam ao mesmo tempo, uma «barafunda»423.
A questão financeira tornava-se dia a dia mais grave sem que se vissem acções
do Governo no sentido de a remediar. Os partidários da «fusão» sempre tinham avisado
que a revogação do imposto de consumo era «caminho infalível da bancarrota»424. O
bill de indemnidade destinado a regularizar os decretos «ditatoriais», em particular os
que tinham revogado as medidas impopulares da «fusão», foi aprovado por 98-08
419 A Revolução de Setembro, 2 e 12/4/1868 420 José Miguel Sardica, Duque de Ávila, 442-443 421 Luís Dória, Correntes do radicalismo, 128 422 A Revolução de Setembro, 27/6/1868 423 Jornal do Porto, 6/5/1868 424 Jornal do Porto, 13/1/1868
104
votos425. Se era fácil arranjar unanimidade na destruição da herança indesejada, muito
mais difícil seria construir as soluções alternativas.
A descrença era geral quando o Governo apresentou um orçamento alterado com
as revogações de Janeiro, deixando o défice a descoberto e sem apresentar propostas. Os
ministros divergiam sobre as deduções nos vencimentos da função pública, o ministro
da Guerra não as queria no exército. Diga-se «a verdade ao povo», apelou o par Rebelo
da Silva: as tão faladas economias não bastavam, as reorganizações dos serviços deviam
ser bem pensadas, não feitas sob a pressão das massas426.
E quando o ministro da Fazenda apresentou um conjunto de 15 propostas, foi a
desilusão para os defensores das economias: era mais imposto, mais empréstimo, mais
autorizações, mas nada de economias! Afinal, era igual aos anteriores um Governo que
seguia «pela estrada velha, não pelo caminho novo». «Se o ministério receia indispor-se
com o funcionalismo, muito mais deve recear indispor-se com a nação, fazendo pesar
sobre ela o encargo de saldar a dívida pública»427. Escrevia o Jornal do Comércio:
«Nem vintém!, dizem os contribuintes, e dizem muito bem»428. Por seu lado, o jornal
regenerador desdenhava: «O programa da revolução de Janeiro é este: economias;
simples. É o programa da inépcia»; «A rua não produziu senão incapacidades. As
medidas financeiras não valem nada, as economias são ou duvidosas ou ridículas»429.
Uma das medidas de austeridade propostas restringia as aposentações, as
jubilações e as reformas. Mas levantou oposição tanto na Câmara dos Deputados como
na imprensa: era uma «economia pequena e injusta». Um deputado propôs generalizar a
todos os empregados o sacrifício exigido aos professores e aos magistrados: seria uma
«economia maior e mais justa». Os deputados aprovaram-na por 115-15 votos430.
Também aprovaram a redução de 10% do subsídio dos deputados e de metade da ajuda
de custo de viagem; mas cercear os subsídios aos representantes da democracia não
traria o risco de entregar o poder legislativo aos ricos, à «plutocracia»?431. Ao gesto dos
deputados juntou-se o de membros da família real de reduzirem as suas dotações432.
Em pontos fundamentais as divergências eram profundas. O Governo empurrou
para a comissão da Fazenda um orçamento legado pelo antecessor com um défice de 425 Diário da Câmara dos Deputados, 15/5/1868, 1041 426 Jornal do Porto, 19, 20 e 23/5/1868 427 Jornal do Porto, 26/5 e 5/6/1868 428 Citado em Marques Gomes, História de Portugal (Manuel Pinheiro Chagas), 315-316 429 A Revolução de Setembro, 7 e 11/6/1868 430 Diário da Câmara dos Deputados, 9/6/1868, 1341 431 A Revolução de Setembro, 26/6/1868 432 Jornal do Porto, 1/7/1868
105
6000 contos, mas a comissão, alegando falta de tempo, empurrou-o para o plenário para
o discutir mesmo sem o seu parecer, o que violava a Carta433. Com a companhia do
caminho-de-ferro do Sueste o Governo fez um novo acordo, sob a pressão dos
financeiros ingleses, em substituição do que fora feito pelo «Governo da Fusão» e
causara tanto escândalo. Mas logo este contrato foi considerado «onerosíssimo para o
país»; as comissões da Fazenda e das Obras Públicas não o aceitavam434.
Os ministros queriam «largar as pastas». Também na Câmara dos Pares, Ávila
sentia dificuldades, mas o rei deu-lhe a entender que não aceitaria uma «fornada». Sobre
o contrato da linha do Sueste, havia 72 deputados que prometiam votar contra435. Uma
proposta de «desamortização», que visava aliviar o sufoco financeiro, lá foi aprovada
por 82-59 votos, apesar das divergências quanto à inclusão dos passais dos párocos436.
Perante a queda iminente do Governo, Loulé era o nome mais falado para lhe
suceder. Desde que em Junho apresentara uma moção para adiamento de uma proposta
do Governo, era visto como estando «em oposição aberta» e procurando «agremiar os
elementos do velho partido progressista»437. Já antes Braamcamp, em carta a José
Luciano, indicava a intenção de Loulé de «reconstruir o Partido Histórico»438. O peso
do chefe histórico está reflectido no seguinte comentário do jornal regenerador: «umas
poucas palavras de Loulé» lançaram a «confusão nos arraiais do ministério»439. Mas
embora alguns achassem prematura a oposição revelada por Loulé, os Regeneradores
garantiam-lhe o apoio da «Fusão» a um Governo que ele formasse440, retribuindo o
apoio que dele tinham recebido em 1866-1867.
A situação «cheirava a defunto». Ávila propôs ao Conselho de Estado o
adiamento das Cortes, mas, perante a rejeição unânime, pediu a demissão. O seu
Governo «ressentiu-se sempre dos defeitos da sua origem», sustentado numa maioria
sem maioria, numa «aliança de tão opostos caracteres, sem união de vontades»441. Eis
como este Governo nem quatro meses durou depois de eleições em que parece ter
obtido uma vitória tão grande (ver Quadro nº 1).
433 A Revolução de Setembro e Jornal do Porto, 19/6/1868 434 A Revolução de Setembro, 1/7/1868; Jornal do Porto, 2/7/1868 435 Jornal do Porto, 3, 4 e 11/7/1868 436 Diário da Câmara dos Deputados, 10/7/1868, 1656 437 Jornal do Porto, 17 e 19/6/1868 438 Carta de 08/04/1868, em Fernando Moreira (org), José Luciano de Castro. Correspondência Política (1858-1911), Lisboa, Instituto de Ciências Sociais, Quetzal Editores, 1997, 80 439 A Revolução de Setembro, 20/6/1868 440 Jornal do Porto, 23/6 e 5/7/1868; A Revolução de Setembro, 7/7/1868 441 Marques Gomes, História de Portugal (Manuel Pinheiro Chagas), 323
106
Loulé foi encarregado de formar novo Governo, mas em breve se noticiou que
enfrentava «sérias dificuldades»442 e resignou. A maior dificuldade vinha do Porto,
donde se anunciava oposição a «qualquer governo por si presidido»; deputados não
fusionistas confirmaram que só apoiariam «um governo dentro do espírito da revolução
de Janeiro»443. Não era ainda o seu tempo. Havia que experimentar um Governo que
encarnasse melhor o tal «espírito da revolução». Mas foi preciso esperar vários dias
antes que aparecesse uma solução governativa, presidida pelo velho marquês de Sá da
Bandeira, figura icónica do setembrismo ordeiro.
Quadro nº 1: Duração dos governos de pequenos partidos, após eleições
Sá/Ávila Ávila Sá/Viseu Sá/Viseu Ávila
Eleição 08/07/65 22/03/68 11/04/69 18/09/70 09/07/71
Queda 04/09/65 22/07/68 11/08/69 29/10/70 13/09/71
Dias após a eleição 58 122 122 40 66
Dias após juramento
(câmara constituída)
09
86
102
04
48
4.2 – O governo Sá/Viseu: a febre das economias (1868-1869)
Finalmente, sete meses depois, chegava ao poder o «espírito da revolta de
Janeiro». Que espírito era esse, para além da revogação, havia muito decretada, das
medidas impopulares do «Governo da Fusão»? Como resistiria à prova da realidade as
grandes esperanças que depositava nas «economias»? Que consistência de princípios,
que coesão de partido apresentava para vencer onde o Governo Ávila falhara?
O mais influente do novo Governo era António Alves Martins, bispo de Viseu.
Emergia como o líder de um conjunto de forças que, expurgadas do populista conde de
Peniche, tentavam formar uma alternativa capaz de ocupar o vazio aberto na esquerda
pelo «Governo da Fusão», que viria a ser corporizada no Partido Reformista. O bispo
assumiu a pasta política do Reino, cabendo a presidência ao marquês de Sá da Bandeira,
velho de 73 anos; na crítica pasta da Fazenda aparecia o «avilista» Carlos Bento e, na da
Marinha, o jornalista Latino Coelho, do grupo do Pátio do Salema.
442 A Revolução de Setembro, 14 e 16/7/1868 443 Jornal do Porto, 17 e 18/7/1868
107
O jornal regenerador denunciava que «O ministério não tem partido nem
doutrinas», com base no currículo contraditório do bispo de Viseu, «o verdadeiro
presidente do Conselho»: desde ter estado contra a revolução de Setembro, ter sido
camarada dos irmãos Passos na Junta do Porto, Regenerador em 1853-1854, tíbio em
1855-1856, Histórico em 1857, defensor das Irmãs da Caridade em 1862, incitador da
anarquia na Câmara dos Deputados contra Ávila, até, enfim, ter jurado aniquilar os
Regeneradores. E questionava se os «democratas da situação» abraçavam o defensor das
Irmãs da Caridade e das ordens religiosas e se o ministro Latino Coelho rasgaria os
artigos que escrevera em 1862 contra o seu colega de hoje: «A câmara é reaccionária
como o bispo de Viseu e liberal como Latino Coelho?»444. E pelo tempo adiante o jornal
continuou bastante agressivo contra o bispo de Viseu, «o frade».
Os Históricos, todavia, não partilhavam esta hostilidade ao Governo, oscilavam
entre ser apoiantes e expectantes445. Aliás, em todo este período, não é fácil classificar o
comportamento de muitos deputados históricos, desde terem hesitado face ao Governo
Sá/Ávila, de 1865, demarcado do «Governo da Fusão» e oscilado face ao Governo
Ávila. Quanto à «unha negra», que se separara com estrondo em 1865, nunca fora bem
aceite pelos outros grupos da esquerda e parecia desejar um regresso a casa.
Antes das férias parlamentares, as câmaras reabriram para deixar resolvidas
algumas questões urgentes, por exemplo: que fazer do contrato feito pelo Governo
Ávila com a companhia da linha do Sueste? «O Governo nada deve à companhia
falida», escreveu um jornal apoiante da nova situação446, dando sinal para a rejeição do
contrato, que se deu pela margem clara de 95-20 votos447. O que ao Parlamento cumpria
resolver, ensinava o jornal regenerador, era se valia mais o confisco já realizado ou
autorizar uma transacção, não para salvar falidos, mas para atender aos nossos próprios
interesses448. Como conseguiria o Governo, sem esse ou outro contrato, obter um
qualquer empréstimo? A desamortização poderia facilitá-lo, mas mantinha-se a dúvida
se devia incluir os passais dos párocos. A proposta do Governo não os abrangia, mas, no
debate na especialidade, foi aprovado um aditamento que os incluía, numa votação
confusa em que tanto os ministeriais como a oposição apareceram divididos449.
444 A Revolução de Setembro, 23 e 29/7/1868 445 Jornal do Porto, 24/7/1868 446 Diário Popular, citado em Jornal do Porto, 28/7/1868 447 Diário da Câmara dos Deputados, 5/8/1868, 1887 448 A Revolução de Setembro, 5/8/1868 449 Diário da Câmara dos Deputados, 6/8/1868, 1909
108
Duvidava-se do apoio que o Parlamento podia dar ao Governo. Mas deu-lhe, de
facto, antes das férias, uma larga autorização para decretar reduções do pessoal e do
material dos serviços450. Eram as famosas «economias», que tanto motivavam os
apoiantes do Governo. Para o jornal regenerador, essa autorização demonstrava a
«incapacidade» da câmara, por ter votado «que o despotismo era mais expedito, e por
isso preferível, que a discussão era inconveniente»; «Reduzir sem estudar é decidir sem
conhecimento de causa. Quem vos disse que se pode reduzir? A opinião pública? Mas o
que é a opinião pública? Como estudou ela?»451 Falava-se em reduzir tudo: o número de
divisões do exército, o número dos distritos; os pares aprovaram a redução do serviço
militar de 5 para 3 anos452. O grupo «reformista», afecto ao bispo de Viseu, ganhou
importância com a fama de ser capaz de tomar «medidas enérgicas, de bota abaixo»453.
Num contexto em que o Governo não tinha maioria própria nem um partido a
apoiá-lo, foram publicados artigos traduzindo diferentes visões do sistema partidário.
Escreveu o jornal regenerador: «Os partidos erram e têm defeitos como os
elementos que os compõem. Mas os partidos são associações políticas onde se juntam
forças individuais, onde se assentam os princípios por que devem dirigir o Governo.
Não julgamos desonroso que alguém não se queira alistar em nenhum partido. Mas não
são os cidadãos isolados quem decide a sorte da pátria, são os exércitos disciplinados e
combatentes»454. Quando se falava num possível Governo Loulé, o mesmo jornal disse
algo ambíguo: «A regeneração acabou, acabou a fusão, acabou o partido histórico», mas
«ressuscite o partido histórico, forme gabinete exclusivo, dê-nos Governo e terá o nosso
apoio». Não se confirmou tal Governo e o jornal elogiou a «fusão» como «um facto
necessário e utilíssimo», que «acabou quando devia acabar»455.
O Jornal do Comércio, apoiante do actual Governo e órgão do futuro Partido
Reformista, confirmava: «não há entre nós os grupos que representem uma certa ordem
de princípios definidos»; mas a respeito do «Governo da Fusão», dava naturalmente
uma opinião contrária à do jornal regenerador, apontando a contradição entre os
partidos que o tinham integrado: «não havia laço político que os prendesse uns aos
outros, nem princípio que fazer triunfar, para tornar sólida a união»456.
450 Diário da Câmara dos Deputados, 12/8/1868, 1991 451 A Revolução de Setembro, 6 e 13/8/1868 452 Jornal do Porto, 22 e 28/8/1868 453 José Miguel Sardica, Duque de Ávila, 451, nota 97 454 A Revolução de Setembro, 28/7/1868 455 A Revolução de Setembro, 19/7 e 20/8/1868 456 Jornal do Comércio, 1/8/1868, citado em Carlos Guimarães da Cunha, A Janeirinha, 119
109
Interessante que o Jornal do Porto (que exprimia o pensamento de sectores
oscilantes entre o Partido Histórico e o Governo Sá/Viseu), já apontasse para a rotação
bipartidária. Reconhecia que os partidos fortemente organizados tinham produzido em
Portugal lutas sangrentas até 1851, mas fora um «erro destrui-los radicalmente»; em
1865, à fusão entre os homens da política de Passos e os da política de Rodrigo, faltara
«um elemento indispensável, uma oposição parlamentar séria»: era «preciso organizar-
se não um partido mas dois», que servissem de apoio um ao outro, «apoio que nasce da
oposição que se fazem. Das forças opostas resulta o equilíbrio». Ora, sendo o actual
gabinete adverso ao «Governo da Fusão», estavam «discriminados os campos». Qual o
campo com que o jornal se identificava? Com o que reunisse o apoio de Loulé,
Braamcamp, Ferrer, Marreca e outros457. Ou seja, o jornal sugeria em vez da fusão com
os Regeneradores, uma aliança dos Históricos com os grupos da esquerda apoiantes do
Governo Sá/Viseu; já antecipava a arrumação partidária consagrada na década seguinte,
separando, com lógica, a esquerda e a direita do regime. Também defendia a rotação, ao
valorizar as oposições como «um elemento de segurança para os governos»: «todas as
oposições devem ter organização e regularidade de ideias e princípios políticos,
formando um sistema de administração e governo que cedo ou tarde possam ser
obrigadas a pôr em prática quando chamadas ao poder por força das circunstâncias»458.
Esperava-se pela prova de fogo do Governo na abertura do Parlamento, no início
do ano. Antes disso, o Governo sofreu uma baixa de vulto, do ministro da Fazenda, o
«avilista» Carlos Bento, porque os seus colegas não aprovaram o empréstimo que ele
negociara em Londres, envolvendo concessões à companhia do Sueste. «Os homens que
souberam demolir são impotentes para edificar», observou o jornal regenerador459.
Havia juros a pagar em Londres; na emergência o Governo convocou banqueiros
portugueses que abriram subscrições em Lisboa e no Porto460. Mas era uma solução de
curto prazo, que não dispensava reformas de fundo para diminuir as despesas do Estado.
Questionavam-se os ministros, davam-se sugestões: havendo três escolas de Medicina,
em Coimbra, Lisboa e Porto, mais outra no Funchal, não bastariam as de Lisboa e do
Porto?; e seriam precisas três escolas de Matemática?; e não se poderia suprimir a
faculdade de Teologia de Coimbra e reservar os estudos eclesiásticos aos seminários?461
457 Jornal do Porto, 28/7/1868 458 Jornal do Porto, 9/7/1868 459 A Revolução de Setembro, 20/12/1868 460 Jornal do Porto, 16, 22 e 23/12/1868 461 Jornal do Porto, 22/12/1868
110
Com a demissão do ministro da Fazenda, o presidente do Governo esteve à beira
de resignar. O duque de Loulé reuniu-se com Braamcamp e outros Históricos, na
iminência de ser chamado. José Luciano fora «convidado e instado para ministro da
Fazenda», mas recusara, «seria suicidar-se». Por fim aceitou a pasta da Fazenda o conde
de Samodães, presidente do Centro Eleitoral Portuense, dado também como «avilista».
Alguns jornais não esconderam as dúvidas: «Pessoalmente é respeitado por todos», mas
«politicamente não tem significação partidária»462; «Samodães não provou nunca saber
alguma coisa de finanças. O país vai pagar talvez um fiasco novo»463.
Entretanto, no uso da autorização legislativa, o Governo realizou numerosas
reformas para reduzir as despesas: extinguiu repartições, como a dos Pesos e Medidas, o
Conselho Geral de Instrução Pública, o Corpo de Engenharia Civil; reduziu as orgânicas
dos ministérios, o número de juízes das Relações de Lisboa e do Porto e o número de
oficiais generais464. Mas os Regeneradores faziam um balanço negativo desse «ano de
dolorosa experiência: aboliram impostos, aboliram reformas de que resultavam
economias, reformaram aparentemente fazendo a mesma ou maior despesa, e por fim
temos o desengano de que não podemos viver sem os tributos que aboliram»465.
No início da sessão legislativa, o Governo, talvez inquieto por muitos deputados
serem funcionários afectados pelas reformas, avisou que fazia «questão política de
tudo», a começar pela eleição do presidente da Câmara dos Deputados466. Mas foi aí,
precisamente, que sofreu uma derrota inesperada, com a eleição do histórico Mendes
Leal, adversário declarado do gabinete, que vinha instando com Loulé para chefiar a
oposição. O bispo de Viseu «saiu estonteado da câmara soltando baboseiras»467. Dias
depois, o Governo apresentou a demissão, que foi aceite pelo rei.
Logo uma onda se levantou nas duas grandes cidades e em diversas regiões,
provando que o Governo tinha uma base social de apoio, que era a mesma que apoiara a
Janeirinha. Começou no Porto, mesmo antes da demissão do Governo, com um grande
meeting a pedir ao rei a conservação do gabinete e a dissolução da Câmara dos
Deputados; os ânimos estavam «alterados contra a restauração fusionista»; em outros
distritos fizeram-se participações análogas. A agitação contagiou Lisboa, com um
meeting, no largo de S. Domingos, promovido pelos amigos do conde de Peniche,
462 Jornal do Porto, 17, 25, 27 e 28/12/1868 463 A Revolução de Setembro, 29/12/1868 464 Carlos Guimarães da Cunha, A Janeirinha, 120-121 465 A Revolução de Setembro, 30/12/1868 466 Jornal do Porto, 3/1/1869 467 A Revolução de Setembro, 5/1/1869
111
donde uma comissão foi a casa do bispo de Viseu e ao Paço; lojas fecharam as portas,
declarando luto pela queda do ministério; não queriam de volta «os gastadores»468. As
galerias do Parlamento encheram-se de populares pedindo a dissolução e gritando
«abaixo a câmara e o duque de Loulé»469. O rei recebeu uma deputação do comércio da
capital, recebeu também uma representação de «capitalistas, comerciantes e
proprietários» do Porto, que louvou o Governo por ter inaugurado «uma nova era de
economias, reformas e moralidade», de acordo com os desejos dos contribuintes.
Petições idênticas também lhe chegaram de numerosas câmaras municipais470.
Este movimento de opinião convenceu o rei a sustentar o Governo demitido. 44
deputados apresentaram uma moção no sentido de se recuperar a situação anterior.
Mendes Leal facilitou, renunciando à presidência da Câmara dos Deputados. E como o
Governo continuasse a ter derrotas nas votações parlamentares, o rei deu-lhe a
oportunidade de organizar eleições, dissolvendo a mesma câmara471.
Entretanto, no início da crise, o rei chamara de Roma o marechal Saldanha para
vir formar Governo. Mas quando resolveu manter o Governo anterior, é claro, mandou-
o suspender a viagem. Sobre esse convite, o jornal regenerador fez um comentário que
decerto foi sentido pelos Históricos como uma facada: que a chamada do marechal, se
não era demasiado parlamentar, era pelo menos «garantia da ordem pública», pois «os
meios suaves de Loulé talvez fossem menos eficazes que os enérgicos, e para estes é
mais azado Saldanha»472. Os Históricos ficaram avisados de como os Regeneradores
agiriam na próxima vez que tivessem de escolher entre Saldanha e Loulé.
Sentindo-se forte com o apoio de parte do país, o Governo Sá/Viseu decretou
deduções nos vencimentos dos funcionários entre 2,5% e 15%. Mas teve de ouvir os
Regeneradores críticarem as deduções como uma «bancarrota parcial», cujos
responsáveis eram «os turbulentos do Porto e de Lisboa», «os especuladores que
bradaram contra os impostos», «os poderes públicos que dissolveram as Cortes e
entregaram o poder à canalha», «os comícios dos patriotas que pediram ao rei o
absolutismo, contra os deputados da nação», «os logistas que fecharam meia porta, que
preferiram a expressão da rua à da urna, a orgia à legalidade»473.
468 Jornal do Porto, 8 e 9/1/1869 469 Jornal do Comércio, 8/1/1869, citado em Carlos Guimarães da Cunha, A Janeirinha, 130 470 Jornal do Porto, 10 e 14/8/1868; Carlos Guimarães da Cunha, A Janeirinha, 131 471 Jornal do Porto, 14 e 22/1/1869 472 A Revolução de Setembro, 9/1/1869 473 A Revolução de Setembro, 2/2/1869
112
Só que a redução dos vencimentos dos funcionários não chegava para equilibrar
o orçamento. Constava que o ministro da Fazenda pensava em propor o imposto do
consumo. Mas isso seria «confessar que se agravou a situação de 1867 e 1868» por se
ter rejeitado o imposto de Fontes, e «isso era inexacto»474. Não, o imposto do consumo
«só em última necessidade», porque eram possíveis muitas outras economias e «mais
perfeitas». Ideias não faltavam. No ensino superior, era possível extinguir faculdades ou
cursos repetidos, três escolas de Medicina num país pobre e pequeno era «um luxo
inútil»; Coimbra poderia perder as faculdades de Medicina e de Teologia, mas
concentrar o Direito, as Ciências Económicas e Administrativas, o Curso Superior de
Letras e o Instituto de Agronomia475.
A aflição do tesouro impunha um empréstimo. Se estivesse ligado a um «arranjo
equitativo» com as companhias do caminho-de-ferro, o empréstimo beneficiaria de um
juro uns 2% mais barato do que num empréstimo independente, explicava o jornal
regenerador: não havia uma «obrigação jurídica» de indemnizar as companhias, mas
uma «obrigação política» do Governo, «no interesse da comunidade». E quando o
Governo acabou por assinar um acordo com a companhia do Sueste, tomando posse de
toda a linha e restituindo à companhia o que ela despendera, o mesmo jornal comentou
com sarcasmo: «Triunfaram os judeus de Paris. Lá se fez o acordo [...] Agora esperem
pelo imposto do consumo. Comam e calem-se»476. Mas era preciso esperar pelas
eleições, pois tanto o acordo como o empréstimo teriam de ser aprovados pelo novo
Parlamento. O Governo só tinha dinheiro para viver até Maio; uma casa bancária
adiantara a juro de 20% para livrar do protesto algumas letras477.
Para as eleições o Governo alterou, por sua conta, a legislação aplicável, no
sentido de reduzir para 100 o número de deputados no Continente e Ilhas, mais sete nos
círculos coloniais. Esta reforma eleitoral provocou largos protestos pelas seguintes
razões principais: por ter sido decretada em «ditadura», ou seja, sem a aprovação prévia
do Parlamento («A economia do subsídio de uns poucos deputados não justifica a
invasão do executivo na modificação da principal lei, da carta dos direitos dos
cidadãos»); por ter suprimido muitos círculos e alargado a dimensão média dos que
ficavam, o que destruía a «influência local» em benefício do poder executivo; por ter
deixado os deputados em menor número do que os pares, o que era um «ataque ao
474 Jornal do Porto, 12/2/1869 475 Jornal do Porto, 19, 23 e 26/2/1869 476 A Revolução de Setembro, 18/2 e 12/3/1869 477 Jornal do Porto, 25/3 e 3/4/1869
113
sistema representativo»; enfim, por ter sido publicada a três semanas das eleições, não
dando tempo à oposição para se adaptar aos círculos alterados478.
Por isso, quase não houve campanha. Mais de 70% dos deputados foram eleitos
em círculos sem concorrência479 (ver Quadro nº 5 e Gráfico nº 3). «A oposição não
concorreu como partido, não se constituiu como centro eleitoral, não elegeu comissões,
não distribuiu listas», queixaram-se os Regeneradores. Quanto aos Históricos, reagiram
divididos e alguns que aceitavam o Governo, candidataram-se como governamentais,
por exemplo, Braamcamp e José Luciano; logo certos meios estranharam a «protecção
absurda» ao relator do imposto do consumo, a não ser que o conde de Samodães
precisasse do auxílio dele, que era director-geral no ministério da Fazenda480.
À primeira vista, contando com os deputados eleitos com o rótulo de ministeriais
(79 em 100 círculos do Continente e Ilhas481), o Governo obteve uma maioria folgada, o
que sustenta a ideia feita de que os governos ganhavam sempre as eleições. Mas, como
logo observou o jornal regenerador: «A vitória irritou os vencedores»482. O que significa
que muitos ditos ministeriais não inspiravam confiança. Na verdade, em poucos meses,
ao choque das medidas tomadas para enfrentar a crise financeira, essa maioria foi-se
esboroando até 50 apoiantes, ou pouco mais.
De início, a oposição mal se manifestou: no «bill de indemnidade» das medidas
do Governo tomadas em «ditadura», limitou-se a 16 votos contrários, a maioria dos
quais Regeneradores, mais uns quatro Históricos e três «unhas pretas»; Braamcamp e
José Luciano votaram a favor483. Tinham estes sido eleitos para a comissão da Fazenda,
mas Braamcamp recusou assumir a respectiva presidência484. José Luciano, apesar de
criticado por não atacar os governos anteriores, também não atacava o Governo actual e
ausentava-se nas votações nominais.
O problema principal do Governo estava nos próprios apoiantes, que andavam
desorientados, por causa dos impostos. É que as medidas financeiras de Samodães em
grande parte coincidiam com as de ministérios anteriores485. Entre a comissão da
Fazenda e o ministro abriram-se divergências por causa das condições «muito onerosas»
do empréstimo, melhor seria dispensá-lo e resolver o problema com a desamortização e 478 A Revolução de Setembro, 3, 10 e 17/3/1869; Jornal do Porto, 10/6/1869 479 Pedro Tavares de Almeida, Eleições e Caciquismo, 252 480 A Revolução de Setembro, 10 e 13/4/1869 481 Pedro Tavares de Almeida, Eleições e Caciquismo, 224, 231 482 A Revolução de Setembro, 15/4/1869 483 Diário da Câmara dos Deputados, 17/5/1869, 116 484 A Revolução de Setembro, 6/5/1869 485 Diário Popular, citado em Jornal do Porto, 23/5/1869
114
o imposto do tabaco. A situação de Samodães era «muito precária»; mas a própria
oposição, embora o criticasse – Fontes «deu uma tosa monumental no empréstimo» –
também não queria a queda do Governo, de tal modo que, se houvesse algum risco de
reprovação do empréstimo, preferia sair da sala para não votar; não lhe convinha agora
o poder e Braamcamp recusava formar um ministério de transição486.
Samodães reconhecia que o empréstimo era «caro, mas foi o melhor que pôde
obter». Os seus discursos não convenceram a maioria e ele pediu a demissão, mas «o
Conselho de Ministros convenceu-o a levar a cruz ao calvário»487. Em duas votações
nominais, na generalidade, o empréstimo foi aprovado, com a relação maioria-oposição
reduzida para 62-29 votos. Alguns dias depois, no debate na especialidade, essa relação
apertou-se mais, para 52-28 votos488. Associado ao empréstimo estava o problema quase
insolúvel da linha do Sueste. Para Fontes havia dois caminhos, o do direito estrito de
confiscar a companhia falida e o da «equidade para melhor defender interesses do
Estado»; a sua preferência era pelo segundo caminho, ou seja, por um acordo, desde que
aceitável. Em duas votações nominais estreitou-se mais a margem da maioria sobre a
oposição, para 52-32 votos e 45-29 votos489.
As divergências entre Samodães e a comissão da Fazenda repetiam-se, gerando
ocasiões em que o ministro revelava falta de experiência política, ou até «ingenuidade».
Escreveu ao bispo a comunicar-lhe a decisão inabalável de se demitir, mas uma reunião
de ministros com a comissão da Fazenda saneou a situação490. Um pagamento falhado à
Societé Générale, implicando uma onerosa penalidade, justificou mais três votações
nominais e mais deserções na maioria. O bispo avisou: se o ministro caísse, todo o
ministério cairia491. Uma proposta de aumento da contribuição industrial passou por
larga margem porque alguns vultos importantes da oposição, como Braamcamp e
Fontes, o aprovaram492. Para o relator da Câmara dos Pares, o empréstimo era
«péssimo» mas, não sabendo se poderia obter-se outro melhor, achava «indispensável a
sua aprovação». Foi aprovado pela margem de um voto, descontando os ministros493.
A maioria já se mostrava resolvida a apoiar um governo de Braamcamp, na
condição de ele não promover a dissolução da câmara. Até estava disponível para 486 Jornal do Porto, 30/5 e 1, 2 e 3/6 /1869 487 Jornal do Porto, 4 e 8/6/1869 488 Diário da Câmara dos Deputados, 10 e 16/6/1869, 302 e 387 489 Diário da Câmara dos Deputados, 19/6/1869, 455 e 458 490 A Revolução de Setembro, 23/6/1869; Jornal do Porto, 24/6/1869 491 Jornal do Porto, 26/6/1869 492 Diário da Câmara dos Deputados, 2/7/1869, 608 493 Jornal do Porto, 3 e 8/7/1869
115
aprovar a moção que se previa Braamcamp apresentasse. Chegou-se a um ponto de
«insurreição iminente na maioria contra Samodães»494. Era uma campanha apoiada pelo
Jornal do Comércio, ligado ao clube do Pátio do Salema495. O bispo tornou a avisar a
maioria que, «se metessem faca aos peitos» para recompor o Governo, todos os
ministros dariam a demissão. Mas os deputados deram 10 dias para afastar o ministro da
Fazenda496. De facto, nesse prazo, foram substituídos os ministros da Fazenda e da
Justiça por Saraiva de Carvalho e Cortez, ambos membros da comissão da Fazenda.
Então Braamcamp apresentou a sua prevista moção de censura, levando meia
dúzia de deputados históricos, entre os quais José Luciano, a manifestar-se pela primeira
vez em oposição, donde se reduziu a margem da maioria para 53-41 votos. A oposição
saiu «robustecida da votação», «mais a crescer que a diminuir»497. E mais se reduziu a
maioria, até quase se anular, com 50-46 votos, numa última votação nominal, altamente
participada, sobre um parecer da comissão da Fazenda para se indemnizar a companhia
do caminho-de-ferro do Sueste498. A queda do Governo era uma questão de dias.
Para tal, a questão ibérica foi como a última gota, por causa das ideias iberistas
de Latino Coelho. O contexto era delicado: em Espanha, a revolução que depusera a
rainha Isabel II, em Setembro passado, já oferecera o trono vago a D. Fernando, pai do
rei português, tendo ele recusado sabendo que tal oferta tinha em vista a união ibérica.
Receava-se que a revolução espanhola evoluísse para um regime de república, a qual,
sendo «naturalmente expansiva, talvez inquieta e provavelmente invasora», colocaria
em perigo a independência de Portugal499. O Governo espanhol insistia e não gostou de
receber um telegrama do Governo português a dizer que D. Fernando não podia aceitar
a coroa de Espanha nem sequer receber uma comissão que pretendia vir a Lisboa; nas
Cortes espanholas, o general Prim, presidente do Governo, achou o telegrama
«inconveniente» mas não um casus belli 500.
Nessa pressão, o duque de Saldanha desempenhava um papel importante:
quando em Janeiro fora mandado regressar a Roma por já não ser necessário para
formar governo, de facto foi nomeado embaixador em Paris, onde o imperador
Napoleão III lhe pediu para influenciar o rei D. Luís a aceitar o trono de Espanha para
494 Jornal do Porto, 7 e 20/7/1869 495 Carlos Guimarães da Cunha, A Janeirinha, 154 496 Jornal do Porto, 22/7/1869 497 Diário da Câmara dos Deputados, 4/8/1869, 1015; Jornal do Porto, 6/8/1869 498 Diário da Câmara dos Deputados, 9/8/1869, 1082 499 A Revolução de Setembro, 16/2/1869 500 A Revolução de Setembro, 11/4/1869
116
evitar que nele se instalasse a dinastia alemã dos Hohenzollern; Napoleão III, Saldanha
e o embaixador espanhol Olozaga formavam uma «troica iberista»; como os espanhois
preferissem D. Fernando, Saldanha escreveu-lhe a pedir-lhe que, a bem de Portugal, de
Espanha e da Europa, aceitasse a coroa espanhola501.
Em Maio, o ministro Latino Coelho, interpelado na Câmara dos Pares como
autor do prólogo de um livro espanhol que advogava a união ibérica, não respondera de
modo a anular as suspeitas502. O Jornal do Comércio, de que ele era redactor, defendia
as mesmas ideias e até publicou, com elogios, uma carta do republicano espanhol
Emílio Castelar503 a convidar os portugueses a aderirem a uma federação ibérica. Outra
vez atacado na Câmara Alta, o ministro deu outra resposta ambígua e o Governo sofreu
uma moção de censura e uma moção antiibérica unânime504.
Sá da Bandeira pediu a demissão do Governo, quatro meses após organizar
eleições (Quadro nº 1), explicando mais tarde que a principal razão estava na situação
financeira, com letras a vencer dentro de cinco dias505. Chamado pelo rei, Braamcamp
convenceu-o a confiar a presidência do Governo a Loulé, em quem reconhecia maior
autoridade. Loulé encontrava-se fora de Lisboa, algo distanciado da política: estaria
melindrado desde que o rei chamara Saldanha em Janeiro? Foi em casa de Braamcamp
que decorreram as reuniões de convite aos novos ministros506.
4.3 – O governo Loulé: reconstruir o Partido Histórico (1869-1870)
A composição do novo Governo presidido pelo duque de Loulé denunciava o
intuito de reconstruir o Partido Histórico, por incluir dois nomes associados à «unha
negra»: Lobo de Ávila, nas Obras Públicas, e Rebelo da Silva, na Marinha; Loulé, além
da presidência, acumulava a pasta do Reino; Braamcamp assumiu a pasta da Fazenda,
José Luciano a da Justiça e Mendes Leal a dos Negócios Estrangeiros.
«O novo gabinete não é de aprendizes, é de homens hábeis e experimentados nos
negócios públicos», escreveu o jornal regenerador507, a marcar a diferença com o
Governo anterior. Acrescentou que Loulé ouvira «os nossos amigos» e achara neles 501 Maria de Fátima Bonifácio, «Saldanha: uma vida feliz», 275; José Miguel Sardica, Duque de Ávila, 455 e nota 118 502 Carlos Guimarães da Cunha, A Janeirinha, 152 503 Jornal do Comércio, 25/7/1869 504 Diário da Câmara dos Pares, 9/8/1869, 388 505 A Revolução de Setembro, 18/8/1869 506 Jornal do Porto, 11/8 e 12/8/1869, 3 507 A Revolução de Setembro, 12/8/1869
117
«abnegação, desinteresse e conselhos patrióticos», significando o apoio regenerador, em
retribuição do apoio histórico ao «Governo da Fusão».
Só o Porto reagiu à mudança de Governo realizando um meeting, do qual saiu
uma moção exprimindo o seu desgosto. Desta vez Lisboa não se mexeu, fosse porque os
«penicheiros» que em Janeiro tinham apoiado o Governo anterior já dele se tinham
afastado, fosse porque era na capital que se concentravam mais funcionários públicos
atingidos pela anterior política de economias508.
A maior urgência do Governo estava no vencimento, dali a cinco dias, de letras
importantes que não podiam ser deixadas ir para protesto. Anselmo Braamcamp
negociou com banqueiros portugueses a reforma das letras pelo prazo de três meses509,
tendo contribuido com o seu património pessoal para a necessária garantia510. Essa
urgência explica a moção de confiança que beneficiou o Governo, por 58-25 votos511.
Comparando com a censura de Braamcamp ao Governo anterior, verificou-se um
aumento dos apoiantes dos Históricos de 41 para 58 e uma redução dos apoiantes do
bispo de Viseu de 53 para 25; estes 25 (mais alguns ausentes, entre eles os ex-ministros
Latino Coelho e Saraiva de Carvalho) eram como que o núcleo duro «reformista» que
restava dos quase 80 obtidos nas últimas eleições.
Nos dias em que as câmaras estiveram abertas, antes de férias, outras medidas
urgentes foram aprovadas: o aumento de 20% na contribuição predial; a desamortização
que o Governo anterior não conseguira fazer votar, agora eliminando o artigo da
proposta de Samodães que previa um fundo de dotação do culto e do clero512. Além
disso, a Câmara dos Deputados concedeu ao Governo uma «lei de meios», uma vez que
não havia orçamento aprovado513, e a autorização para decretar reformas dos serviços
até ao fim do ano; ainda suspendeu um decreto anterior sobre a reforma da instrução
superior. Ou seja: «O Parlamento deu ao gabinete o que ele quis»514.
Durante as férias, afastados do poder, os apoiantes do bispo de Viseu tentaram
compreender as razões do seu fracasso, concluindo que lhes faltara «um partido». «E
agora?», «Aprés la mort le médecin», comentou o jornal regenerador, repetindo, mais
tarde: «A orgia de Janeiro não teve partido e por isso caiu, eis o pecado e a desculpa.
508 Carlos Guimarães da Cunha, A Janeirinha, 162 509 Jornal do Porto, 12 e 15/8/1869 510 Oliveira Martins, «Elogio Histórico de Anselmo José Braamcamp», 75-77 511 Diário da Câmara dos Deputados, 13/8/1869, 1118 512 A Revolução de Setembro, 18/8/1869; Jornal do Porto, 19/8/1869 513 Diário da Câmara dos Deputados, 18/8/1869, 1172 514 A Revolução de Setembro, 19, 22 e 25/8/1869
118
Faça-se um partido novo e a pátria será salva, eis a expiação e a esperança»515.
Encetaram-se esforços para formar o que se chamava então «Partido de Janeiro», que
viria a oficializar-se como «Partido Reformista».
Quanto ao Partido Histórico, nesta fase em que aproveitava para unir as facções
outrora desavindas, lançou como jornal oficial o Gazeta do Povo. No primeiro número,
o novo jornal, além de reconhecer a «gravidade da actual situação política» e a ameaça
dos «perigos externos», enfatizava o estado da fazenda pública, «causa principal dos
nossos males», associando-o à «iniciação sempre difícil nos melhoramentos materiais,
tão reclamados pelo país», aos quais se devia o «incontestável o aumento da riqueza
pública». Anunciava que o recurso ao imposto haveria de ser feito «com máxima
equidade e rigorosa fiscalização» e terminava com «fé de que o nosso país, reservado
nestes últimos tempos para duras provações, sairá triunfante da luta»516.
Em Novembro a subscrição de um empréstimo para pagar as letras reformadas
em Agosto, «não teve completo êxito», em Londres e Amsterdão517. O jornal histórico
criticou o Governo transacto por ter aplicado «um remédio pior do que o mal», com «a
diminuição exagerada de todas as despesas» e a suspensão das obras públicas às quais
Portugal devia o crescimento da sua prosperidade518. O jornal regenerador repetiu as
suas mensagens típicas: «Não esperem a salvação senão do imposto», «paga-se para ter
segurança, liberdade, administração, justiça, viação, comodidades. Dizer ao povo que
deve ser servido de graça é enganá-lo». E, numa referência à «moralidade» apregoada
pelos adeptos do bispo de Viseu, considerava que a «repugnância» que havia sempre em
votar o imposto mas não em votar o empréstimo, isso é que era «imoralidade»519.
Ao abrigo da autorização que recebera do Parlamento, válida até ao fim do ano,
o Governo promoveu numerosas reformas de serviços, em geral inspiradas no intuito de
reduzir despesas. Recolheram o aplauso geral, quer da imprensa governamental quer da
oposicionista, os decretos anunciados no campo da Justiça, com destaque para a redução
do número de dioceses. Outras reformas anunciadas incidiram nos correios, nas pautas
aduaneiras, nas escolas normais e da instrução primária, e ainda na criação de um corpo
de engenharia civil e na reorganização do corpo diplomático e consular.
515 A Revolução de Setembro, 30/9 e 12/10/1869 516 Gazeta do Povo, 14/10/1869 517 Gazeta do Povo, 10/11/1869 518 Gazeta do Povo, 11/11/1869 519 A Revolução de Setembro, 25 e 26/11/1869
119
Em Paris continuavam negociações para o empréstimo, sobre os bens sujeitos a
desamortização. As dificuldades sentidas estavam decerto relacionadas com a incerteza
política resultante da agitação que o marechal Saldanha e os seus apoiantes promoviam
em Lisboa, no início do mês de Dezembro; e quando essa agitação se atenuou, também
se receberam notícias mais «lisongeiras» sobre o empréstimo520.
Além da crise financeira, de Espanha vinha a preocupação maior, relacionada
com as manobras de Saldanha. Nos finais de Setembro, o próprio rei escrevera ao duque
de Loulé uma carta publicada em toda a imprensa, a desmentir as notícias vindas de
Espanha que garantiam ter ele aceitado o trono de Espanha521. O jornal governamental
denunciara que «hoje, como no tempo de Filipe II, a anexação de Portugal é o mágico
devaneio dos partidos da nação vizinha». E o caso ganhou extrema acuidade desde que
o marechal Saldanha chegou a Portugal, no final de Outubro, depois de passar por
Madrid, onde assistira às Cortes e jantara com os generais Prim, presidente do Governo,
e Serrano, regente522. Saldanha foi recebido no paço do rei, numa situação em que Loulé
e os ministros se terão visto «reduzidos à condição de fazer parede». Projectava
demorar-se em Portugal quatro meses. Sabia-se ao que vinha, pois não ocultava a
opinião de que D. Fernando devia ser rei de Espanha: em Setembro, escrevera-lhe que
«há deveres cuja não aceitação implica tal responsabilidade que ninguém pode recusar a
sua aceitação»523. Ao mesmo tempo, o Governo espanhol mostrou relutância em
reconhecer como embaixador português Andrade Corvo, um anti-iberista que fora
membro do Governo que expulsara o general Prim; mas acabou por aceitá-lo524.
No Primeiro de Dezembro, um grupo de oficiais aproveitou uma representação
no Teatro D. Maria II para se manifestar a favor de Saldanha. Aconteceu que os «vivas»
gritados ao marechal foram acolhidos com uma «estrondosa pateada». O jornal
governamental desmentiu os «absurdos boatos» de que o exército iria pronunciar-se a
favor de marechal: «Confiem no Governo todos os homens dedicados à sua pátria e às
instituições liberais, como o Governo confia neles»525. Os oficiais saldanhistas visitaram
o marechal em missão de desagravo, acusando o Governo de ter mandado polícias
disfarçados darem a pateada no teatro. E o Governo ordenou a transferência de perto de
uma centena desses oficiais. Saldanha, que junto do rei vinha insistindo em que se
520 Jornal do Porto, 26/11/1869; Gazeta do Povo, 11/12/1869 521 Carlos Guimarães da Cunha, A Janeirinha, 173 522 Gazeta do Povo, 15 e 24/10/1869 523 Jornal do Porto, 1/12/1869; Carlos Guimarães da Cunha, A Janeirinha, 171 524 Jornal do Porto, 11/11/1869; Gazeta do Povo, 12/11/1869 525 Jornal do Comércio, 2/12/1869; Gazeta do Povo, 4/12/1869 (suplemento)
120
arrancasse o poder das mãos do Governo «incapaz», foi ao Paço, mas o rei, que presidia
então ao Conselho de Ministros, declarou-se «satisfeito com o ministério», que lhe
merecia confiança526. «El-rei deu força ao gabinete e fez bem», disse o jornal
regenerador, apesar de não esconder a sua simpatia por Saldanha: «Somos devotos do
marechal», «a maior glória do país»527. Falava-se que Saldanha agia de acordo com o
imperador Napoleão III para D. Fernando aceitar o trono de Espanha528.
O marechal recusou ordem do ministro dos Negócios Estrangeiros para partir
para Paris e pediu a demissão. Cartas trocadas entre ele e o ministro circulavam nos
jornais: Saldanha sugeria que o rei o convidara a formar governo logo que o actual se
demitisse e até dizia que alguns ministros achavam o presidente do Conselho em
«impossibilidade física», ao que o ministro Mendes Leal respondeu tratar-se de um
«equívoco»529. Pelo menos desejava ser reposto no cargo de «comandante em chefe do
exército», do qual fora retirado no primeiro Governo Loulé, em 1857. Mas este cargo
não era restabelecido, fosse «por economia», fosse porque a lei só o autorizava «nos
casos de guerra ou de rebelião»530. Saldanha foi demitido de embaixador na corte
francesa e mais cartas suas foram publicadas, nas quais se gloriava das suas amizades
com personalidades eminentes da época e das condecorações recebidas531.
O tema interessou aos jornais estrangeiros. O Journal de Genéve dedicou dois
artigos à situação política em Portugal: que Saldanha tratara com Prim e Serrano da
questão ibérica e se aproveitara do descontentamento do exército afectado com as
economias. O Times expôs o receio de que Portugal voltasse «aos tempos em que as
questões políticas se decidiam por meio das armas»532. Em Janeiro de 1870, Saldanha
foi a Paris preparar com Olozaga o golpe que veio a realizar em Maio seguinte533.
Com a reabertura das Cortes no início do novo ano, os Reformistas, que
detinham ainda a maioria, não esconderam a sua hostilidade ao Governo: fizeram eleger
vice-presidente um dos seus, ficaram a dominar as importantes comissões de Fazenda e
de Legislação e anunciaram diversas interpelações sobre as últimas reformas decretadas.
526 Jornal do Porto, 3/12/1869; Marques Gomes, História de Portugal (Manuel Pinheiro Chagas), 359 527 A Revolução de Setembro, 7/12/1869 528 Jornal do Porto, 7/12/1869 529 A Revolução de Setembro, 8/12/1869; Marques Gomes, História de Portugal (Manuel Pinheiro Chagas), 362 530 Jornal do Porto, 8/12/1869; Gazeta do Povo, 16/12/1869 531 Jornal do Porto, 10 e 11/12/1869 532 Gazeta do Povo, 22/12/1869; Jornal do Porto, 28/12/1869 533 Alberto JG Belo, A Câmara dos Pares na Época das Grandes Reformas Políticas (1870 – 1885), tese de doutoramento, Universidade Nova de Lisboa, FCSH, Lisboa, 2012, 110
121
Como o bispo de Viseu viera para Lisboa e conferenciava demoradamente com
Saldanha, o jornal histórico publicou: «Anuncia-se uma aliança do bispo de Viseu com
o duque de Saldanha para derrubar o ministério actual»534. Pelo número de deputados
presentes em duas reuniões da maioria, o Governo percebeu que não poderia contar com
mais do que uns 30 fieis quando tivesse de tomar medidas duras para enfrentar a crise
financeira. Do jornal regenerador chegou um apoio: «Não aconselhamos mas prevemos
a necessidade de uma dissolução»; «As lamúrias da oposição são ineptas: o desejo dela
era que a câmara vivesse para o Governo se desacreditar» e «depois vibrar o golpe»535.
Uma proposta de Sá Nogueira no sentido de obrigar o rei, quando dissolvesse a câmara,
a demitir também os ministros foi o «motivo maior» da decisão da dissolução536.
Nos protestos feitos por 22 deputados reformistas contra a dissolução, havia uma
grande coincidência com as razões antes apresentadas por Saldanha em carta ao rei: que
a dissolução era um «golpe de Estado», um «atentado contra as leis constitucionais»,
uma fuga do Governo a prestar contas pelos actos praticados em ditadura, etc 537.
Na campanha eleitoral foram exploradas as cumplicidades do grupo do bispo de
Viseu com as intenções golpistas de Saldanha, assim como o iberismo de ministros do
anterior Governo e do Jornal do Comércio que o apoiara. D. Fernando escreveu ao rei a
exigir um desmentido categórico ao que o visconde de Alte espalhara em Madrid, de
que aceitara a coroa espanhola, acrescentando que receava mais as manobras de
Saldanha e as influências de Napoleão III do que a república538.
O Partido Histórico obteve uma maioria folgada, com cerca de 55 deputados,
num total de 105539, mas perdeu para os Reformistas os círculos de Viseu e com eles
repartiu os círculos de Lisboa e do Porto. Da maioria faziam parte pelo menos mais 13
Regeneradores eleitos nas listas governamentais; por isso, Sampaio foi eleito para a
vice-presidência da mesa, além de Fontes ter tomado posse como par do Reino. Os
Reformistas ficaram-se por 14 deputados, repartindo-se os restantes pelos grupos de
Ávila, de Dias Ferreira e incertos. A entrega da presidência da comissão da Fazenda a
Dias Ferreira significava o apoio do seu pequeno grupo. Seria esta maioria igual às
anteriores que tinham durado pouco tempo? A prova não chegou a ser feita.
534O Primeiro de Janeiro, 9/1/1870; Gazeta do Povo, 11/1/1870; 535 A Revolução de Setembro, 18/1/1870 536 Gazeta do Povo, 21/1/1870 537 Carta de 19/1/1870, em Paulo Jorge Fernandes, D. Luís, 174; Carlos Guimarães da Cunha, A Janeirinha, 165-166 538 Carta de 1/3/1870, em Paulo Jorge Fernandes, D. Luís, 175 539 Nos dois círculos da Madeira as eleições foram adiadas
122
Depois das eleições correram boatos de mal-estar dos Regeneradores em relação
ao Governo, confirmados por um artigo do seu jornal: «Julgávamos que não havia já
grupo regenerador, que essa combinação política havia passado à história, como todas
as situações transitórias que nascem das circunstâncias especiais de cada época»; «Se
existe porém esse nobre partido, se convém para quaisquer fins que ele exista, se é
mesmo necessário que reviva, para servir de papão, nós seremos o seu legítimo órgão e
não renegaremos a sua fé»; «O governo conhece a situação. É o nosso governo. Tem
medo talvez dos regeneradores, ou metem-lhe medo com ele. É o mesmo. Escolhe quem
o há-de coadjuvar, e receia o nosso concurso. É-nos indiferente»540.
Legitimado pelas eleições, o Governo tratou de enfrentar o problema da fazenda,
tomando como medida mais importante mandar proceder ao «arrolamento da
propriedade», com vista a alargar a aplicação da contribuição predial. Já o mesmo se
tentara no passado, levantando sempre grandes resistências, em geral chefiadas pelos
maiores agricultores influenciando os pequenos, donde podiam resultar assaltos às
repartições de fazenda e queima de documentos. Estaria a população disposta a pagar
agora os impostos que recusara antes? Vários confrontos ocorreram com forças do
exército. Em Arada, perto de Ovar, morreram populares. Os deputados da oposição
propuseram a suspensão dos arrolamentos, registou o jornal governamental observando
que alguns tumultos se deram em localidades sob influência do grupo do bispo de
Viseu, por exemplo, em Castro Daire541. Alguns defendiam o «povo heróico e brioso»,
mas «Povo eram também os soldados que velam pela nossa segurança que não estão
resolvidos a morrer à pedrada», escreveu o jornal regenerador, defensor da ordem; e
mais: «correu o sangue do povo, mas do povo melévolo e turbulento»542.
O Governo venceu largamente uma votação nominal sobre o tema, por 69-11
votos543. Mesmo assim, o ministro da Fazenda propôs emendas para facilitar e abreviar
o arrolamento, o que levou o jornal regenerador a avisar: «Governo sem força não é
governo», insistindo: «Ao direito da insurreição responde o direito da repressão, ao
direito da pedrada o das descargas contra os apedrejadores»544. Com as emendas feitas o
ambiente serenou. E mais uma medida fiscal foi aprovada com larga margem, relativa à
540 Marques Gomes, História de Portugal (Manuel Pinheiro Chagas), 365-366 541 Gazeta do Povo, 19 e 27/4/1870; 542 A Revolução de Setembro, 2, 17 e 26/4/1870 543 Diário da Câmara dos Deputados, 27/4/1870, 213 544 A Revolução de Setembro, 29 e 30/4/1870
123
contribuição industrial545. O episódio confirmou a fragilidade do Estado português na
cobrança de impostos que compensassem as receitas que, no tempo do exclusivo do
Brasil, obtinha sobre o comércio de reexportação.
De súbito, a propósito de tumultos ocorridos nas eleições atrasadas nos dois
círculos da Madeira546, gerou-se no Parlamento um debate agitado e confuso, durante o
qual 12 deputados reformistas saíram, alegando que lhes fora recusada a palavra547. Não
foi evidente a recusa: «A oposição não falou porque não quis e porque largou a palavra
que se lhe deu para fingir que lha tolheram». Criou suspeitas esse abandono dos
deputados: «Está em cena um novo conluio de perturbação e desordem. O que
realmente se quer é a insurreição», denunciou o jornal governamental, «A oposição
parlamentar, desvairada, retirou-se… porque a deixaram falar»548.
O jornal saldanhista Courrier de Lisbonne anunciou: «Na administração que em
poucas horas vai livrar-nos da administração do sr duque de Loulé os nossos desejos são
de ver unidos o nome do sr duque de Saldanha e o nome tão popular do sr bispo de
Viseu»549. Os deputados reformistas pediram a renúncia aos seus cargos.
Decerto relacionado com uma carta de Napoleão III a D. Luís, a insistir que ele
mesmo ou seu pai D. Fernando aceitassem o trono de Espanha550, Saldanha fez uma
última tentativa junto do rei, para demitir o Governo551. Voltou lá, ao palácio da Ajuda,
agora à frente da tropa, na madrugada de 19 de Maio, quando já o castelo de S. Jorge
fora tomado por um grupo de populares chefiados pelo major Pimenta, do núcleo do
conde de Peniche. O Governo estava reunido em casa de Braamcamp e deu uma ordem,
não cumprida, para dominar a situação no castelo; mas foi cumprida a sua ordem para
reforçar a defesa do paço da Ajuda com tropas de Belém. Os ministros transferiram-se
para o quartel do Carmo, onde ficaram, até de madrugada, em contacto telegráfico com
o paço da Ajuda. Devem ter percebido que não tinham a colaboração do comandante do
quartel e transferiram-se para o ministério da Guerra e para o Arsenal da Marinha. E foi
lá que o duque de Loulé recebeu uma carta do rei chamando-o à Ajuda. Donde voltou
para informar os colegas que o ministério estava demitido552.
545 Diário da Câmara dos Deputados, 11/5/1870, 396 546 Gazeta do Povo, 31/5/1870 547 Diário da Câmara dos Deputados, 12/5/1870, 406-412 548 A Revolução de Setembro e Gazeta do Povo, 13/5/1870 549 Citado em Gazeta do Povo, 17/5/1870 550 Carta de 12/5/1870, em Paulo Jorge Fernandes, D. Luís, 175 551 Maria de Fátima Bonifácio, Uma vida feliz, 276 552 Marques Gomes, História de Portugal (Manuel Pinheiro Chagas), 369-373; Luís Dória, Correntes do radicalismo, 128 e 133; José Luciano de Castro, Diário da Câmara dos Deputados, 9/2/1888, 230
124
Na Câmara dos Pares o presidente do Conselho foi instado a dizer o que se
passara. Afirmou ter-se recusado a referendar os decretos da sua exoneração porque o
rei estivera e estava ainda «coacto». Declarou não reconhecer o duque de Saldanha
como seu sucessor, que lamentava a sorte do rei, «excelente e liberal rapaz, mas que era
enganado e estava coacto e nem sabia o que fizesse»553. Na Câmara dos Deputados, o
vice-presidente Sampaio encerrou a sessão, considerando que «não estava ainda
constituído o novo Governo e não podia vir à câmara nenhum acto oficial». No dia
seguinte, 49 deputados votaram por unanimidade um voto de protesto contra o golpe
militar554. A câmara foi adiada para 20 de Junho «e não até dia 1 de Agosto como queria
o ditador», por decisão do Conselho de Estado, ao qual faltaram Loulé e Braamcamp555.
4.4 – Ditadura de Saldanha: o país em perigo (1870)
O pronunciamento militar de Saldanha foi uma excepção em quatro décadas
geralmente caracterizadas por estabilidade e respeito constitucional. Podia ter sido fatal,
mas a rápida recuperação do sistema político mostrou de algum modo a sua força. Essa
experiência proporcionou uma aprendizagem a todos os agentes políticos.
A reacção imediata dos Regeneradores foi de aceitação do golpe, apesar de
sempre terem proclamado o respeito pelos princípios constitucionais. Logo no primeiro
dia, o seu jornal, depois de lamentar que o chefe da revolta (que «respeitamos
altamente») subisse «por tais meios ao poder», pois tinha a revolta «como uma grande
desgraça que agravará o nosso estado», escreveu: «Seja feliz a revolta. Os nossos votos
eram contra ela; mas, reconhecida como facto, pedimos-lhe um governo firme e
seguro». No dia seguinte, justificou a revolta como «consumada», «o que hoje for força
será amanhã direito». Depois, atacou o Governo Loulé que deixara «el-rei sem
conselho, sem amparo e a força que o devia proteger sem instruções», perante «uns
poucos de soldados insubordinados, sem oficiais, sem disciplina»; lamentava o
atentado, mas não lamentava menos «a incapacidade de quem o devia prevenir e não
preveniu. A boa polícia não costuma desculpar-se com a surpresa dos criminosos nem
com a ignorância dos seus planos»556.
553 Esta declaração não consta do Diário da Câmara dos Pares, 20/5/1870, 83, mas vem no Jornal do Porto, 21/5/1870, «Correio d’Hoje», p. 3 554 Diário da Câmara dos Deputados, 20 e 21/5/1870, 510-511 e 526 555 Gazeta do Povo, 22/5/1870 556 A Revolução de Setembro, 20, 21 e 24/5/1870
125
O jornal histórico reagiu: «os soldados não iam sós, iam acompanhados do
primeiro general português»557. A posição dos Históricos foi de clara demarcação face à
nomeação de Sampaio como ministro do Reino: «O nosso posto é no campo contrário
ao dos defensores da actual situação. O vício de origem é de tal ordem que nada o pode
apagar». E logo constituíram uma comissão directora do partido, com Loulé e
Braamcamp, significando a «cisão» definitiva com os Regeneradores558. Sobre os
Reformistas, consideravam-nos cúmplices no golpe: os seus jornais tinham anunciado,
prégado e incitado a revolta contra o Governo de Loulé, «juntos e acordes» com o
saldanhista Courrier de Lisbonne, aproveitando os arrolamentos como pretexto, já que
«só apareceram tumultos onde as facções oposicionistas tinham elementos de
influência: em Viseu, Bragança, Ovar, na Madeira. O marechal precisava dominar e
vingar-se; a facção do sr bispo queria vingar-se e dominar»559.
Quanto ao grupo do bispo de Viseu, que se concertara com o marechal e ajudara
a criar o ambiente propício à insurreição militar, as primeiras reacções dos seus jornais
afectos (Jornal do Comércio e Diário Popular) mostravam duplicidade, por um lado,
aplaudindo o derrube do «nefasto» Governo de Loulé, por outro, desaprovando os
meios utilizados; o Primeiro de Janeiro, aprovou sem reservas560. Convidado para
ministro do Reino, o bispo terá posto condições: mais pastas para o seu partido e a
exclusão do conde de Peniche; terá conseguido a primeira561, mas não a segunda
condição pois Saldanha devia muito ao conde em populares e em militares para o golpe.
Essa recusa atrasou a formação do Governo, expondo a improvisação com que o
marechal avançara, chegando ao ponto caricato de se ter nomeado a si próprio e
assumido todas as pastas. A partir daí o Partido Reformista foi reduzindo o seu apoio ao
Governo de Saldanha até chegar à plena oposição.
Desde logo os Históricos associaram o golpe de Saldanha aos «planos ibéricos».
O dinheiro para corromper a tropa não viera dos nossos vizinhos?, perguntou o seu
jornal, transcrevendo os comentários da imprensa europeia, sobretudo de Espanha: «O
duque operou de acordo com o sr Olozaga»; «os acontecimentos de Portugal não eram
desconhecidos aos srs Olozaga, Fernando de los Rios, Prim e Rivero»562. Mas tanto o
557 Gazeta do Povo, 25/5/1870 558 Gazeta do Povo e Jornal do Porto, 26/5/1870 559 Gazeta do Povo, 29 e 31/5/1870 560 Carlos Guimarães da Cunha, A Janeirinha, 181 561 Luís Dória, Correntes do radicalismo, 37; Paulo Jorge Fernandes, D. Luís, 177; Jornal do Porto, 25 e 26/5/1870 562 Gazeta do Povo, 20, 22 e 22/5/1870 (suplemento)
126
jornal regenerador como o reformista tentaram de início desvalorizar essas notícias que
sugeriam a ligação de Saldanha aos planos de união ibérica563.
Segundo o jornal País, de Madrid, o golpe não chegara ao objectivo pretendido
por falta da adesão da população, e poucas esperanças havia já de que o conseguisse: «a
insurreição militar portuguesa não devia parar onde parou, porque tudo leva a presumir
que o iniciador e o chefe da insurreição havia contraído compromissos formais de a
levar muito mais longe. Que razão teve o impaciente general para parar no meio do
caminho? Não se sabe, mas presume-se. Uma revolução radical, transcendente, como
aquela que havia em projecto, não pode fazer-se unicamente com o exército, ou, para
melhor dizer, com uma parte do exército, sem auxílio do povo, das classes elevadas e
dos homens políticos mais importantes, ainda que é natural que o marechal contasse
com a adesão do sentimento público. E como o povo de todas as classes, segundo as
participações que se conhecem, permaneceram impassíveis, esta indiferença paralisou o
movimento, fazendo-o abortar quanto ao objectivo prometido»564. Também o jornal
France registou o «silêncio glacial dos habitantes de Lisboa», já que a reunião à
Espanha era «antipática à nação portuguesa»; e não valia a pena atribuir a Saldanha um
programa político, «para além do seu ódio contra o gabinete do duque de Loulé». O
Times foi ainda mais reprovador: «Há tamanha extravagância na ideia de uma nação
prostrada aos pés de um general octogenário que a face grotesca do caso chega a fazer
deslembrar a enormidade do crime que este general cometeu sacrificando a liberdade da
sua pátria»565. Cerca de um mês depois, Oliveira Martins achava ter «todas as razões
para afirmar que é verdadeiro o plano que se atribuía ao movimento do marechal
Saldanha, logo no dia em que ele se executou»: Saldanha devia fazer abdicar D. Luís I
em seu filho D. Carlos; Prim deveria tornar impossível a eleição dos pretendentes
conhecidos ao trono de Espanha e propor em seguida o príncipe real português; «Daqui
duas coroas sobre a mesma cabeça. E, na menoridade, duas regências: Saldanha e
Prim»; «Não o concluiu o marechal como fora combinado, ou por falta de audácia, ou
por falta de inteligência; aqui divergem as explicações»566.
Desde início a presença de Sampaio e de Dias Ferreira (ministro da Fazenda) no
Governo suscitara estranheza, até repúdio: «Como pode o sr Sampaio coincidir em
563 A Revolução de Setembro, 29/5/1870, p. 2; Jornal do Comércio, 29/5/1870 564 Transcrito em Gazeta do Povo, 29/5/1870 565 Transcrições em Jornal do Porto, 28/5 e 01/6/1870 566 Oliveira Martins, «O golpe militar de 19 de Maio de 1870 e a ditadura de Saldanha», A República, Junho de 1870, em Política e História, vol I (1868-1878), Lisboa, Guimarães Editores, 1957, 128
127
pensamento com os srs Dias Ferreira e conde de Peniche, dos quais disse que viviam na
lama das ruas?»; «Que circunstâncias podem desculpar a deserção de Sampaio e de Dias
da maioria? Simulavam apoiar o ministério caído»567. Mesmo entre os Regeneradores
não fora pacífica a situação de Sampaio; ao embaixador Andrade Corvo que, de Madrid,
apelidara o golpe de «revolta militar de carácter mesquinho» por trás da qual se
escondiam projectos contra a independência da pátria, respondeu Fontes: «resolvemos
que o Sampaio entrasse se as condições fossem as de governar constitucionalmente,
evitar a revolução no poder, a anarquia nas ruas e a intervenção espanhola»568.
Sobre Sampaio e Dias pesavam «acusações»: «Lendo a lista dos ministros, nasce
a terrível suspeita de que a maioria atraiçoou o Governo passado, ou de que alguns dos
novos conselheiros da coroa pretendem atraiçoar o duque de Saldanha». Eram evidentes
os equívocos gerados com a formação do Governo, que minavam a sua credibilidade. Se
Saldanha hesitara entre o partido do bispo e os Regeneradores, propondo a dois partidos
opostos a aceitação da responsabilidade em que incorrera, isso queria dizer que «ao
duque tudo lhe servia»?569 Alguns dias depois, o jornal regenerador reconhecia a mesma
contradição: «A organização do gabinete foi laboriosa porque não presidia a ela nenhum
pensamento definido», «Convidava-se para fazer parte dele o sr bispo de Viseu e
chamavam-se ao mesmo tempo os seus mais implacáveis adversários»570.
Sampaio, talvez não tenha suportado as pressões dos colegas, ou foram os
colegas que não suportaram as suas resistências e o empurraram. O seu jornal defendeu-
o das acusações de incoerência e apostasia, justificando que «o revolucionário de ontem
se pode tornar o ordeiro de hoje». Acabou por sair justificando-se com o adiamento da
câmara para 31 de Outubro: «O adiamento é a ditadura, não a ditadura determinada pela
necessidade nem pela revolta, mas a ditadura provocada pelo Governo»571.
A partir daí a atitude dos Regeneradores face ao Governo de Saldanha foi de
crescente hostilidade, juntando-se aos Históricos. Acerca de uma circular enviada aos
chefes das missões portuguesas no estrangeiro, disseram que os outros ministros a
ignoravam e sentiram «vergonha» por nesse documento Saldanha ter dito que pedira ao
rei «um Governo que não fosse inimigo dos seus amigos». «Desadoramos a ditadura
567 Jornal do Porto, 26 e 29/5/1870 568 Carta de Corvo, de 25/5/1870, e carta de Fontes, de 26/5/1870, em Luís Dória, Correntes do radicalismo, 135 e 138 569 Comércio do Porto, citado em Gazeta do Povo, 1/6/1870 570 A Revolução de Setembro, 12/6/1870 571 Gazeta do Povo, 5/6/1870; A Revolução de Setembro, 2 e 5/6/1870
128
porque é a supressão do regime constitucional, porque é a proclamação do poder
despótico, porque é a vingança da fraqueza contra a vontade soberana da nação»572.
Em menos de um mês também o partido do bispo de Viseu engrossava a
oposição. O jornal histórico citou os jornais «reformistas» – «Não há governo, não há
programa, não há ideias, não há partido, não há confiança, não há rumo, não há norte,
não há pilotos» (Jornal do Comércio); «Uma ditadura que precisa justificar-se perante o
país, o mundo civilizado e a história, das impurezas da sua origem e das irregularidades
da sua existência», «perdeu o direito de justificar-se» (Diário Popular) – e comentou:
«Registamos estas tardias declarações e o esforço das duas folhas que maior esforço
fizeram para aproveitar as consequências da sublevação militar»573.
Saldanha foi generoso na atribuição de títulos a personalidades envolvidas no
golpe: o conde de Peniche foi elevado a marquês de Angeja; o major Pimenta a barão do
Pomarinho; o visconde de Ouguela a conde de Elvas; o barão de Magalhães a conde de
Magalhães, entre outros. Também agraciou o conde de Ávila com o título de marquês,
que este não recusou, embora recusasse o cargo de ministro. O barão de Rio Zêzere,
todavia, recusou subir a conde574. O nepotismo da nova situação, alargado aos parentes
e amigos de Saldanha, terá contribuído para as «desinteligências» entre Sampaio e os
restantes membros do Governo575. «Vai num mês que se consumiu a revolta: é tempo de
perguntarmos o que tem dado», escreveu Oliveira Martins: «Até agora, um só facto a
caracteriza: a chuva de mercês e nomeações. São estadistas todos os parentes do
marechal. Que admira! Em Roma não houve cônsul um cavalo? São ministros,
governadores civis, embaixadores – os sobrinhos, os primos, os netos»576.
Os decretos que estabeleceram os direitos de petição, de reunião e de associação,
não convenceram as forças políticas: nada traziam de novo, excepto a dispensa de
autorização prévia para o direito de reunião; pretendiam «simular tendências liberais»;
«os ditadores dão-nos o que já tínhamos e restringem-nos o exercício dos nossos
direitos»577. Saldanha estava mais isolado, até apoiantes, como Ávila e Eugénio de
Almeida, recusavam ser ministros ou sequer pertencer às comissões criadas pelo
Governo para estudo das reformas da Câmara dos Pares ou da lei eleitoral578.
572 A Revolução de Setembro, 7 e 10/6/1870 573 Gazeta do Povo, 16/6/1870 574 Gazeta do Povo, 27 e 29/5/1870; Jornal do Porto, 18/6/1870 575 Jornal do Porto, 31/5 e 2/6/1870 576 Oliveira Martins, «O golpe militar de 19 de Maio de 1870 e a ditadura de Saldanha», 125 577 Jornal do Porto, 18 e 19/6/1870; A Revolução de Setembro, 21/6/1870 578 Jornal do Porto, 16/6/1870
129
A ditadura de Saldanha, pela indignação geral que suscitou, deu às forças
políticas uma consciência viva da necessidade de se reorganizarem para evitar que se
repetisse, substituindo o regime de pequenos partidos pelo regime de grandes
agrupamentos apoiados em maiorias homogéneas e constantes579.
Os Históricos eram os mais avançados neste objectivo: a experiência da «fusão»
com os Regeneradores não fora gratificante; o último Governo tivera o intuito de
reconstruir o partido sarando as feridas, mas a atitude de Sampaio após a revolta de
Saldanha convencera-os em definitivo a encetarem um caminho autónomo. Perguntado
«sobre se a fusão estava rota», Loulé disse que «era escusado responder», porque factos
recentes o tinham «demonstrado»580. Ganhava força entre eles a ideia de uma aliança,
não com os Regeneradores, mas com o novo partido que se formava à esquerda, o do
bispo de Viseu581. Os Históricos passaram a realizar reuniões autónomas, por exemplo,
uma com industriais, comerciantes, proprietários, deputados e pares, combinando meios
para derrubar o Governo, e outra para discussão do programa político582.
Os Regeneradores sabiam destas reuniões para que não foram convidados e
ficaram sentidos com esta exclusão, em especial Fontes583. Quando os Históricos os
convidaram para uma reunião, incluindo o grupo do bispo de Viseu, com a ideia de
juntarem esforços no objectivo de «derrubar o Governo e entrar-se em situação
constitucional», não apareceram584. E organizaram a sua própria reunião, com 160
pessoas no centro da rua do Norte, na qual Fontes explicou: «se parte dos cavalheiros
que pertenciam à fusão a declaram rota, cumpre à outra parte afirmar a sua existência
separada e independente por não poder morrer tendo tantos elementos de vida»585.
Talvez não fossem assim tantos, segundo o Jornal do Porto: o Partido Regenerador
«possui gente de talento mas é pouco numeroso e ainda menos popular»586.
Os adeptos do bispo de Viseu recusaram a aliança proposta por Loulé587 e
tratavam de construir uma identidade partidária sobre as facções em que se dividiam.
Tinham presente a lição de ao Governo Sá/Viseu (1868-1869) ter faltado um partido,
pois foi com referência a esse Governo que convocaram a reunião de 27/7/1870 que
579 Joaquim de Carvalho, «Estabelecimento do rotativismo», 401-402 580 Carlos Guimarães da Cunha, A Janeirinha, 186-187 581 Jornal do Porto, 6/7/1870 582 Gazeta do Povo, 3/7/1870 583 A Revolução de Setembro, 5/7/1870; Jornal do Porto, 6/7/1870 584 Jornal do Porto, 7 e 8/7/1870 585 A Revolução de Setembro, 16/7/1870 586 Jornal do Porto, 15/7/1870 587 Gazeta do Povo, 3 e 8/7/1870
130
assinala o nascimento do Partido Reformista588. Nesta reunião sofreram a tentativa de
penetração por um grupo de «penicheiros», com os quais cortaram relações. Em
contrapartida, receberam a visita solidária de uma delegação de Históricos589.
Os partidos, em especial o Histórico, mobilizaram as suas redes de influência
regional, as juntas gerais de distrito e as câmaras municipais, na recusa aos impostos
decretados pela ditadura, em especial o imposto do consumo, agravado em quase todos
os géneros: «Os impostos lançados arbitrariamente por cinco homens que estão fora da
lei e que não acatam o que há de mais sagrado e de mais respeitável em um povo livre,
não se pagam»590. Numerosas representações de câmaras municipais foram publicadas,
pedindo a convocação das Cortes. A Junta Geral do Distrito do Porto recusou exercer a
sua competência de repartir a contribuição predial pelos concelhos591. O jornal
regenerador reforçava: «O ministério tem contra si todo o elemento popular, tem as
Cortes que nem ousa encarar nem ousou dissolver; tem as juntas gerais de distrito, as
câmaras municipais, o comércio, a indústria, todas as forças vitais do país592.
Para melhorar o seu crédito, o Governo fez algumas mudanças. Dias Ferreira,
«ditador em triplicado» por ocupar três pastas, cedeu a da Fazenda ao «penicheiro»
conde de Magalhães – deste se dizia que dera «o dinheiro necessário para subornar a
tropa», «dinheiro de que, segundo é voz pública, foi logo embolsado… naturalmente à
custa dos cofres do Estado»593. A cotação dos nossos fundos, caiu desde o golpe militar
de 35,5% para 31,75%, o nível mais baixo em todo o período da tese (ver Gráfico nº 1).
A grande ideia do novo ministro era um empréstimo; «uma coisa passa como certa, e é
que ninguém se quer despegar dali enquanto não se fizer o empréstimo»594.
A mudança mais significativa consistiu na demissão do conde de Peniche
(marquês de Angeja), inevitável desde a agressão ao Partido Reformista. Era este
ministro o maior factor de descrédito, com «a sua clientela», de bandos de requerentes,
«putativos operários sem trabalho», a invadirem o ministério, ou com a nomeação por
ele feita de uma comissão de inquérito à direcção-geral dos Correios, composta pelos
chefes do seu partido, «os perturbadores do sossego público»595. Saldanha premiou-o
com a embaixada em Bruxelas. Mas Peniche não saiu sem tomar as últimas disposições, 588 Carlos Guimarães da Cunha, A Janeirinha, 188 589 Gazeta do Povo, 28 e 31/7/1870 590 Gazeta do Povo, 2/7/1870 591 Jornal do Porto, 7/7/1870 592 A Revolução de Setembro, 16/7/1870 593 A Revolução de Setembro, 15/7/1870 594 Gazeta do Povo, 8 e 20/7/1870; A Revolução de Setembro, citada em Gazeta do Povo, 31/7/1870 595 O Primeiro de Janeiro, 30 e 31/7 e 2/8/1870, em Luís Dória, Correntes do radicalismo, 148-149 e 151
131
pelas quais não deixou nenhum amigo descontente. «Escândalo dos escândalos», com
uma simples portaria o ex-ministro «delapidou os cofres da nação autorizando muitas
gratificações ilegalíssimas»596. Saldanha confessou que lhe devia «três quartos da
glória» do seu golpe: «não me revoltei, revoltaram-se aqueles; vieram a minha casa
pedir-me que os dirigisse, e aceitei para salvar o país»597.
Como pano de fundo, continuava a pressão internacional sobre D. Fernando para
aceitar a coroa de Espanha, utilizando Saldanha como mediador. D. Fernando já se
afirmara «o maior antagonista da união ibérica» e rejeitara como «inaceitáveis para
qualquer homem leal e honrado» as combinações em que Saldanha estaria metido598. O
desconforto avultou quando o general Prim disse nas Cortes espanholas que «o intuito
do Governo com respeito a Portugal» era «conseguir a federação monárquica
conservando as duas nações as respectivas autonomias»599. A propósito dum telegrama
cifrado confirmando que Prim e Saldanha tinham persuadido D. Luís a abdicar em D.
Carlos, que seria aclamado rei de Portugal e Espanha, ficando Saldanha como regente
de Portugal, D. Fernando escreveu ao rei que não acreditava chegasse a esse ponto «a
loucura criminosa de um homem octogenário»600. A guerra iminente entre a França e a
Prússia, em parte a pretexto da candidatura de Leopoldo de Hohenzollern ao trono
espanhol, deu à pressão sobre D. Fernando a máxima intensidade. Saldanha escreveu-
lhe uma carta dramática, como se dele dependesse a paz na Europa601. O rei D. Luís
escreveu a Napoleão III a recusar a candidatura sua e de seus filhos ao trono espanhol,
bem como a do cunhado, Leopoldo de Hohenzollern, dando conta da relutância de seu
pai602. D. Fernando esteve perto de aceitar, pondo condições, a primeira das quais era
que a Constituição espanhola consignasse que «A sucessão do trono será fixada de
modo que fique garantida a independência das duas nações peninsulares, não podendo
reunir-se as duas coroas na mesma cabeça»603. Os espanhois não aceitaram esta
condição e viraram-se para o príncipe italiano Amadeo, irmão da rainha de Portugal.
A guerra entretanto declarada na Europa aconselhava a Portugal «prudência,
porque o perigo duma guerra civil suscita em todos os corações o da perda da nossa
596 Gazeta do Povo, 2/8/1870; Jornal do Comércio citado em A Revolução de Setembro, 4/8/1870 597 Gazeta do Povo, 4/8/1870 598 Carta ao rei, de 23/5/1870, em Paulo Jorge Fernandes, D. Luís, 176 599 Gazeta do Povo, 12/6/1870 600 Carta ao rei, de 7/7/1870, em Paulo Jorge Fernandes, D. Luís, 177 601 Carta de 9/7/1870, em Joaquim de Carvalho, «O regime político dos pequenos partidos», 394 602 Carta de 15/7/1870, em Paulo Jorge Fernandes, D. Luís, 177 603 Carta de D. Fernando ao embaixador Fernandez de los Rios, de 5/8/1870, transcrita em Correio da Noite, 17/12/1885
132
independência». Havia «o pressentimento de um futuro medonho»: «Não temos
Constituição, não temos leis protectoras porque o poder é arbitrário, não temos moral na
administração porque o patronato nunca foi mais escandaloso, não temos poder
moderador porque o supremo magistrado da nação está coacto e não pode sem arriscar a
coroa e a independência da pátria contrariar a vontade dos dominadores604.
A Câmara dos Deputados fora dissolvida e a reabertura marcada para 3 de
Novembro, um prazo distante que significava o reforço da ditadura. E Saldanha decidiu-
se a publicar 55 promoções de cúmplices do seu golpe605, causando mal-estar no
exército. O Partido Histórico levou ao rei uma representação contra a ditadura. Também
classe comercial do Porto enviou a sua representação. Isto teve como efeito o Governo
decretar a reunião das comissões de recenseamento e marcar a eleição para 4 de
Setembro606. Interessante a atitude menos partidária e mais abrangente do Porto ao pedir
que a sua representação fosse entregue ao rei por Sá da Bandeira, Loulé e Aguiar, como
«presidentes dos três grupos políticos da oposição»607.
O «escândalo da ditadura» produziu pelo menos «um bem», que foi «despertar
contra si todas as classes sociais: o comércio, gente sem partido mas propensa sempre à
liberdade porque não pode viver sem ela», «as corporações que resistem a distribuir o
imposto ilegal»608. Os Regeneradores anunciaram uma representação ao rei pedindo-lhe
o restabelecimento do governo constitucional. Uma comissão do Partido Reformista foi
ao Paço entregar também a sua representação. O duque de Loulé, logo que recebeu a
representação da Associação Comercial do Porto, foi procurar Sá da Bandeira e Aguiar
para irem juntos entregá-la ao rei, o que fizeram no dia seguinte, no mesmo dia em que
uma deputação de Regeneradores entregou ao rei a sua representação609. O rei terá
hesitado em receber os partidos, sendo por isso repreendido por seu pai, para que se não
dissesse que «o rei quando lá foi o Saldanha com um punhado de soldados revoltosos
cedeu, mas quando lá vão dignamente homens sérios e insuspeitos de querer cometer
qualquer acto revolucionário», «não os atende»610.
O ministério não tinha um partido, mas o ministro Dias Ferreira pretendia
organizar um; por isso nunca largou a pasta do Reino; nas últimas eleições já arranjara
604 A Revolução de Setembro, 21/7/1870 605 Gazeta do Povo, 20 e 26/7/1870; Luís Dória, Correntes do radicalismo, 145 606 Gazeta do Povo, 31/7/1870 607 Carlos Guimarães da Cunha, A Janeirinha, 193 608 A Revolução de Setembro, 3/8/1870 609 A Revolução de Setembro, 3 e 7/8/1870; Gazeta do Povo, 6 e 7/8/1870 610 Carta de 6/8/1870, em Paulo Jorge Fernandes, D. Luís, 181
133
um grupo de cinco amigos. Com o aproximar das eleições, o Governo, «sem partido que
o sustentasse, rodeado de aventureiros», não tinha por si «senão a força da autoridade e
a simpatia do mando», dizia o jornal regenerador: «quando havia algum pudor político,
o partido governamental organizava-se, formava os seus centros e comissões, e não
deprezando o auxílio do Governo procurava disfarçá-lo», mas «Hoje tudo é veniaga e
mercancia. Os governadores civis são galopins desprezíveis: em lugar de administrar,
ameaçam quando podem, solicitam indecentemente quando não podem ameaçar»611. «A
galopinagem acotovela-se à roda dos cofres do tesouro», dizia o jornal histórico612.
Falhado o seu papel de mediador ibérico, Saldanha ficou mais fraco. Convidou
os chefes dos três partidos, mais Ávila, sem os ministros, para os consultar sobre a
candidatura de D. Fernando ao trono de Espanha. Nesta altura, o caso estava arrumado,
mas serviu para os chefes partidários afirmarem o desejo da independência do país,
reforçando a posição de D. Fernando613. Nova reunião foi feita, no Paço da Ajuda, na
presença do rei, para exame das questões mais graves e urgentes da governação».
«Parece que o Governo tem os seus dias contados», dizia o jornal histórico: «Que Deus
ilumine o espírito do monarca nesta hora de suprema angústia para todos!»614.
Na iminência da queda, Saldanha tornou-se mais perigoso: no Paço exagerou «a
força e influência do partido republicano», referindo-se decerto à «gente penicheira».
Falava-se nos «planos do marechal», no «segundo acto da emboscada», na segunda
tentativa do «plano de Paris»; «Discute-se nova subversão da ordem pública»;
«Circulam boatos aterradores», «A urgência agora não é de meses, é de poucos dias,
será de horas talvez»; «Andam os amigos do marechal a falar em toda a parte em
república e a insinuar que ele deve ser eleito presidente»; «A realeza coacta parece que
está acenando ao país que a secunde, convidando a oposição que a ampare» e já teria
dado cabo da ditadura se as circunstâncias exteriores lhe não inspirassem o receio duma
guerra civil. Constou que o rei escrevera à rainha Vitória a pedir um tratado que
garantisse a independência de Portugal, como garantira a da Bélgica615.
O jornal histórico passou a fazer duas edições no mesmo dia. Falava-se num
«grande atentado». Insinuava-se «uma abdicação como meio de fortalecer uma dinastia
com uma regência». «Se numa manhã o país ouvir que o seu rei abdicara, creia que foi
611 Revolução de Setembro, 19/8/1870 612 Gazeta do Povo, 19/8/1870 613 Gazeta do Povo, 11 e 12/8/1870; Carlos Guimarães da Cunha, A Janeirinha, 197 614 Gazeta do Povo, 17 e 18/8/1870 615 Gazeta do Povo, 20, 21 e 23/8/1870; A Revolução de Setembro, 20 e 23/8/1870; Luís Dória, Correntes do radicalismo, 155
134
violentado […] creia que a sua abdicação é a venda da nossa independência. Esse
momento seja o de uma insurreição geral». «A surpresa já é impossível. Não arrancarão
de el-rei uma abdicação pretextada por amor à dinastia, porque essa abdicação seria o
sinal para em Madrid se proclamar o príncipe D. Carlos rei de Espanha, para se
estabelecer aqui uma regência… e ficaria assim aplanado o caminho para a guerra civil
e a perda da nossa independência. Não pensem que procuramos pretextos de oposição».
Terá sido no dia 23 de Agosto a tentativa contra o rei, abortada pela oposição do barão
do Rio Zêzere, comandante da Guarda Municipal. Um discurso de Saldanha aos oficiais
do exército, nesse dia, denotava «ou rematada demência ou desaforado cinismo»616.
D. Fernando escreveu ao rei: «sei pela maçonaria que apesar de todos os seus
protestos Saldanha está ligado com Peniche e Valada para o destronar […] a situação é
a mais grave que ainda se apresentou pois que se trata da vida ou da morte do trono e de
mil e mil desgraças que podem cair sobre este pobre país»617.
Corriam boatos de proclamação da república, com Saldanha a presidente e o
bispo de Viseu à frente do Governo. Garantia-se ser «verdade, não dúvida», com base
em cartas do bispo a amigos de Lisboa618. Um novo jornal apareceu, A Revolução de
Maio, apoiando Saldanha a «completar a obra tão felizmente encetada na gloriosa
manhã de 19 de Maio». «Nós suspeitamos, para não dizer que sabemos, o que falta. É a
abdicação de el-rei. Era isso o que se esperava já em Maio, o que se contava no dia 18
em Madrid, e houve lá grande desgosto porque se julgou ter falhado todo o plano»;
«Não se prestou o exército naquela ocasião», «nem o povo o consentirá». Em todo o
lado se dizia que tal revolta fora «uma nódoa indelével na biografia do marechal»619.
Terá sido Sampaio quem convenceu Sá da Bandeira a «oferecer a sua espada ao
rei»620. Só o marquês de Sá da Bandeira tinha prestígio no exército equiparável ao de
Saldanha, de modo a dar tranquilidade ao rei para promover a mudança. E decerto por
isso foi ele encarregado de formar novo Governo. Saldanha saiu com a promessa do rei,
de Ávila e de Sá da Bandeira de que não haveria perseguição aos seus amigos621. E ele
mesmo foi premiado com a embaixada portuguesa em Londres.
616 Gazeta do Povo, 24 e 26/8; Revolução de Setembro, 24, 25 e 26/8; Jornal do Porto, 26/8//1870 617 Carta ao rei, de 25/8/1870, em Paulo Jorge Fernandes, D. Luís, 182 618 Gazeta do Povo, 25/8/1870; Jornal do Porto, 30/8//1870 619 A Revolução de Setembro, 24, 25 e 26/8/1870 620 Jornal do Porto, 27/8//1870 621 A Revolução de Setembro, 2/9/1870; carta de Saldanha ao marquês de Valada, de 30/8/70, em Alberto JG Belo, A Câmara dos Pares na Época das Grandes Reformas Políticas, 113, nota 48
135
4.5 – Governo Sá/Viseu: solução de recurso (1870)
O Governo que se seguiu à ditadura foi uma solução de emergência. Sá da
Bandeira estava com 75 anos, de saúde frágil, só capaz de assegurar uma breve
transição. Levou consigo, na pasta crucial do Reino, o bispo de Viseu, o político mais
popular, que em Lisboa obteve um «regresso triunfal»622. O bispo, de linguagem rude,
era o mais querido do povo, mas os seus hábitos parlamentares não eram compatíveis
com a prudência de um homem de governo623. Entrou ainda o marquês de Ávila, como
que em representação de Saldanha, acompanhado, como sempre, de Carlos Bento.
O jornal regenerador defendia um «governo de conciliação», pois que dos
«esforços combinados de todos os partidos» nascera a nova situação624, devendo
integrar elementos dos outros partidos, Histórico e Regenerador. Em condições ideais,
já do Paço deveria ter saído um tal Governo, ao qual caberia organizar eleições com um
mínimo de equidade, como primeiro passo para o regresso à normalidade constitucional.
Mas as condições não eram ideais, pois Saldanha pusera como condição para sair a bem
que no Governo não entrassem elementos que perseguissem os seus amigos.
As eleições estavam marcadas para dali a uma semana, a 4 de Setembro,
organizadas pelo anterior Governo, em particular por Dias Ferreira, com quem Ávila
estaria entendido para terem 70 candidatos ministeriais, dos quais 41 Avilistas625. Mas
isso seria prolongar a ditadura que se queria lançar no passado. Por isso, o bispo de
Viseu exigiu, com a concordância dos partidos Histórico e Regenerador, adiar as
eleições por duas semanas. Como se opusesse a tal adiamento, Ávila demitiu-se.
Ficou o Governo reduzido a três ministros. Só que o Partido Reformista, vendo-
se a dominá-lo, não quis completá-lo para não perder essa vantagem na organização das
eleições. O Jornal do Comércio passou a defender o exclusivismo, achando a
«alternação» dos partidos «mais salutar do que o seu império simultâneo»626; e
pressionava o bispo para não se aliar aos outros grupos; e o Diário Popular desenvolvia
a teoria («Faz rir», dizia o jornal histórico) de Regeneradores e Históricos serem «um só
partido conservador» e os Reformistas «o verdadeiro partido progressista»627.
622 Jornal do Comércio, 1/9/1870, 2 623 Marques Gomes, História de Portugal (Manuel Pinheiro Chagas), 349 624 A Revolução de Setembro, 2/9/1870 625 Jornal do Porto, 2/9//1870 626 Jornal do Comércio, 6/9/1870 627 Gazeta do Povo, 13 e 14/9/1870
136
Os Históricos achavam que o Governo não estava «solidamente organizado e
defendiam também um governo de conciliação: «A rotação dos partidos, de que tanto se
tem falado ultimamente», seria a melhor ideia «em circunstâncias normais», mas não
«quando o estado das finanças é deplorável e ameaça uma bancarrota próxima, depois
de 100 dias de bacanal»; nesse caso, «o único meio de salvação seria reunir em torno do
trono, talvez ameaçado, os homens prestantes de todas as fracções partidárias»628.
O Governo continuava nas mãos exclusivas do Partido Reformista, mas «não foi
essa a mente do soberano», nem o marquês de Sá poderia falseá-la «sem quebra da sua
lealdade», disseram os Regeneradores, denunciando que o jornal reformista que mais
proclamava o exclusivismo proclamava também «como tipo de governo a forma
republicana»629. É de notar que este debate coincidia com o fim do Império e o início da
República em França depois da marcha triunfal dos prussianos sobre Paris.
As eleições aproximavam-se e os Regeneradores e os Históricos criticavam os
Reformistas por quererem aproveitar-se da falta de representação dos outros no gabinete
para exclui-los da urna o mais possível; essa seria a actuação do bispo de Viseu, contra
a opinião do presidente do Conselho, Sá da Bandeira, «que não preside»630.
Os Reformistas venceram as eleições, mas ficou a dúvida sobre a dimensão da
vitória. Um jornal reformista calculou em 55 o número dos seus eleitos, o que lhes daria
maioria absoluta (num total de 107); mas outros jornais apontavam para cerca de 50
Reformistas eleitos; ou talvez se equivalessem aos oposicionistas, com cerca de 45 de
cada lado, nos círculos do Continente, mas, contando os círculos das Ilhas e do
Ultramar, ficavam em desvantagem631. Os Reformistas não podiam estar satisfeitos,
pois mesmo uma maioria absoluta seria tão exígua que não lhes daria qualquer
segurança, sabendo que a assiduidade dos deputados naquele tempo andava pelos 60%
(ver Quadro nº 6). Apesar disso, continuaram a defender um governo exclusivo, contra
os Históricos e Regeneradores que insistiam num governo de conciliação632.
O jornal regenerador continuava a explorar as divergências entre os ministros. O
bispo de Viseu obstara, «por causa dos que o rodeavam», a que Sá da Bandeira tivesse
completado o Governo; mas o bispo não conquistara o poder, recebera-o «do princípio
conciliador». O jornal distinguia os «bastantes partidários» que o bispo tinha na cidade
628 Gazeta do Povo, 6 e 8/9/1870 629 A Revolução de Setembro, 7 e 13/9/1870 630 A Revolução de Setembro, 11 e 14/9/1870; Gazeta do Povo, 13/9/1870 631 Gazeta do Povo, 20 e 23/9/1870; Carlos Guimarães da Cunha, A Janeirinha, 204 632 Jornal do Porto, 21/9//1870, 3
137
do Porto e se tinham manifestado pela conciliação e, por outro lado, os partidários que
proclamavam o exclusivismo, «os penicheiros de Lisboa e a falange que ia oferecer os
seus serviços ao marechal». O resultado da eleição assustava o poder exclusivo, porque
«a liberdade não pôde ser de todo comprimida». E o jornal avisava que não tardaria que
o bispo, sem maioria, perdesse a sua popularidade, por não poder «nem com o peso do
poder nem com a pressão dos seus famintos»633.
Logo na semana a seguir às eleições os ministros realizaram reuniões, uma com
os Históricos em casa de Sá da Bandeira, outra com Históricos e Regeneradores em casa
de Joaquim António de Aguiar. O jornal histórico registou e aplaudiu que se tratasse de
reconstruir o gabinete com elementos dos partidos Regenerador e Histórico634. Mas logo
chegaram representações das bases reformistas repudiando expressamente qualquer
coligação com os outros referidos partidos635. Na reunião em que participou, Fontes
constatou o desacordo entre os ministros, que impediu se chegasse a conclusões636.
Dias depois, Loulé declarou «rotas as negociações com o Governo», visando a
fusão dos partidos Reformista e Histórico, «como proposto pelos actuais ministros»637.
Começou a constar que Sá da Bandeira pediu a sua demissão; ele mesmo «declara que
recebera do rei a missão de fazer um ministério de conciliação e fica aí», enquanto o
bispo «quer ver-se livre dos seus famintos penicheiros e não tem força para isso», e
Bento «saltita constantemente, promove qualquer acordo e obsta a toda a conclusão»638.
Segundo o jornal regenerador, o duque de Loulé não quis ouvir as propostas do
governo para fazer um ministério de conciliação sem estarem representados os
Regeneradores, o que deixara os Reformistas «furiosos». A par de sectores reformistas
que, nada querendo com os Regeneradores, parecia desejarem dos Históricos a entrada
de Braamcamp como ministro da Fazenda, levando consigo 23 ou 24 deputados639,
outro sector que se exprimia no Jornal do Comércio opunha-se até a uma coligação só
com o Partido Histórico640. O bispo revelava «constantes mudanças de orientação»,
dividido entre a sua própria posição de aceitar uma ligação aos Históricos e a pressão
maioritária do seu partido para que o Governo fosse exclusivo641.
633 A Revolução de Setembro, 22, 23 e 29/9/1870 634 Gazeta do Povo, 23/9/1870; Jornal do Comércio, 24/9/1870 635 Carlos Guimarães da Cunha, A Janeirinha, 206 636 Diário da Câmara dos Pares, 8/10/1870, 44-45 637 Gazeta do Povo, 30/9/1870 638 Gazeta do Povo, 30/9 e 1/10/1870; A Revolução de Setembro, 30/9/1870 639 Jornal do Porto, 9/11//1870 640 Gazeta do Povo e Jornal do Comércio, 24/9/1870 641 Gazeta do Povo, 4 e 12/10/1870
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Havia alguma expectativa em conhecer a força e a intenção reais do Partido
Reformista, o que só seria possível após a abertura do Parlamento. Ora logo no primeiro
dia os Reformistas tentaram fazer eleger listas exclusivas para as comissões de
verificação de poderes e perderam: não evitaram que os outros elegessem listas com
todas as parcialidades, de modo que, na eleição da mesa, já tiveram de se concertar642.
Assim deixaram aumentar a desconfiança de todos os grupos em relação a eles.
Alegando razões de saúde, Sá da Bandeira pediu enfim a demissão. De facto, e
como alguns deputados confirmaram, demitiu-se por não ter alcançado o «governo de
conciliação» que preferia, ao passo que o bispo de Viseu reflectia a posição maioritária
do seu partido contra a ligação a qualquer partido643. E o Governo, após viver com três
ministros, durante dois meses de interinidade, ficou reduzido a dois.
O rei encarregou o bispo de Viseu de formar outro governo. Então, para espanto
geral, em vez do bispo, quem apareceu a presidir ao Governo foi o marquês de Ávila,
acumulando as Obras Públicas e os Negócios Estrangeiros e fazendo-se acompanhar de
três ministros da sua escolha: Bento, na Fazenda; Morais Rego, na Guerra; e Melo
Gouveia, na Marinha; enquanto os ministros reformistas se limitavam ao bispo de
Viseu, na importante pasta do Reino, e a Saraiva de Carvalho, na da Justiça644.
O rei pressionou o bispo645 – decerto no sentido de um ministério de conciliação;
aliás, o rei não devia estar nada contente por os Reformistas não terem feito já tal
ministério e por terem aproveitado as eleições para diminuirem os outros grupos.
Sentindo que ficaria em contradição com o seu partido, o bispo resolveu ir ao Paço
resignar a missão. Sabendo isto, alguns deputados reformistas convenceram-no a não
resignar e a convidar o marquês de Ávila a entrar, pois que Ávila, «sem partido», «à
frente do gabinete não representava senão o Partido Reformista»; outros reformistas,
como Latino Coelho, opunham-se à entrada de Ávila, mas estavam em minoria646.
Mesmo abstraindo que Ávila mantinha um pequeno grupo de amigos, com cerca
de dez deputados, será que os Reformistas não o conheciam como pertencendo a uma
área ideológica conservadora, oposta à sua que se reclamava ser progressista? E sendo
quase maioritários, com cerca de 50 deputados, por que entregaram a maior quota do
poder a quem chefiava um grupo muito menor? É difícil entender.
642 Gazeta do Povo, 18 e 23/10/1870 643 José Luciano de Castro, Diário da Câmara dos Deputados, 12/12/1870, 714; e Francisco de Albuquerque, Diário da Câmara dos Deputados, 28/8/1871, 414 644 Diário da Câmara dos Deputados, 3/11/1870, 55 645 Paulo Jorge Fernandes, D. Luís, 183 646 Francisco de Albuquerque, Diário da Câmara dos Deputados, 28/8/1871, 414
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«O bando reformista está bebendo até às fezes o cálix da amargura», escreveu o
jornal regenerador647. «Ver o marquês de Ávila, antigo colega do ministério do conde de
Tomar, sacerdote hoje da igreja reformista, é coisa que faz rir as pedras e lança sobre as
pretensões democráticas e reformistas do partido um ridículo monumental»648.
Da própria área reformista vieram algumas das análises mais contundentes sobre
a opção tomada, nomeadamente do jornal portuense O Primeiro de Janeiro, cujo nome
evoca a Janeirinha: «O bispo não soube, nem sabe, nem saberá, o que é tino político e
carácter de homem de Estado»; o bispo, na oposição, era «resistência, tenacidade e
coragem», mas, no poder, era «inconstância, fraqueza e frouxidão»; se o próprio chefe
era «o primeiro a denunciar a descrença no programa e nos homens do partido», a
consequência lógica era «a morte do programa e do partido»649.
Ou talvez, como o bispo fora o «senhor da situação» sob a presidência do velho
Sá da Bandeira, pensassem dominar Ávila e descartá-lo, se fosse preciso. Factos
posteriores levam a crer que sim, que depois de se servirem de Ávila planeavam
derrubá-lo e reassumir o poder. Nesse caso, avaliavam mal o «temperamento forte e
autoritário» de Ávila650 e, sobretudo, avaliavam mal a vontade do rei, que não lhes era
favorável. Alguns avisavam: «Tudo nos leva a crer que o sr bispo será eliminado e que a
situação cairá toda nas mãos do sr Ávila», escreveu o «reformista puro» Amorim Viana,
que, além desta previsão certeira, fez outra, a dez meses de distância: que, uma vez
derrubado Ávila, a «próxima ascensão à governação do Estado» seria do Partido
Regenerador, «Para longe vá o agouro»; sintoma disso era o tom «altaneiro» com que
Fontes «alardeara as suas funestas doutrinas»651.
4.6 – Governo Ávila: Reformistas abdicam do poder (1870-1871)
Na apresentação do novo gabinete no Parlamento, «o bispo sumiu-se, deixando o
comando a Ávila». Os Regeneradores respiravam confiança: entendiam não ser
necessário que os outros partidos hostilizassem um gabinete que já tinha em si os
«elementos de dissolução»652. Por parte dos Históricos, Braamcamp afiançou que não
647 A Revolução de Setembro, 29/10/1870 648 Correspondência de Portugal, citado em A Revolução de Setembro, 1/11/1870 649 O Primeiro de Janeiro, citado em A Revolução de Setembro, 1 e 3/11/1870 650 Carlos Guimarães da Cunha, A Janeirinha, 208 651 A Revolução de Setembro, 18/11/1870 652 A Revolução de Setembro, 4/11/1870
140
iria fazer uma «oposição acintosa»653. A eleição das comissões parlamentares decorreu
pacífica, Braamcamp foi eleito presidente da comissão de Fazenda.
No seu discurso «altaneiro», Fontes rebateu a acusação de que as nossas
dificuldades se deviam à política dos «melhoramentos materiais»; e como «os
melhoramentos não são de graça», defendeu o recurso aos impostos avisando para os
«riscos do abuso do crédito»654. O senhor do «Governo da Fusão», tão odiado por causa
dos impostos, podia sentir-se «justificado» com a evolução dos últimos anos, porque
muitos dos que antes o criticavam achavam agora «inevitável» um «considerável
aumento de impostos directos e indirectos»; as medidas financeiras propostas pelo
gabinete actual não tinham pensamento diverso das adoptadas pelos anteriores655. Na
cidade do Porto, da «Janeirinha», como os negociantes de vinhos a retalho resistissem
ao imposto real d’água, o jornal regenerador dizia que eles procediam «logicamente»,
porque o bispo os louvara por não quererem pagar656.
A questão da fazenda era um importante elemento que distinguia os partidos. O
Regenerador reclamava os louros de ter inaugurado «os melhoramentos que há no país»,
de ter proclamado «a necessidade do imposto para fugir aos abusos do crédito e
subsidiar as obras da civilização». Nas suas críticas, visava os Reformistas mas também
os Históricos, seus parceiros no «Governo da Fusão», que na dissidência de 1856
tinham andado a dizer que «o povo não podia nem devia pagar mais»; «Vieram os seus
sucessores, copiaram as suas propostas e abusando do crédito para não recorrerem ao
imposto criaram uma dívida espantosa e um deficit temeroso. Por fim, aí vem o imposto
copiado e agravado»657. Por seu lado, os Históricos acusavam os Reformistas pelos
«descontentamentos com os arrolamentos dos gados e dos prédios», pelas «desgraças de
Maxico, Arada e Castro Daire», «filhas dessa política nefasta de excitações partidárias e
fraudulentas», que tinham antecedido o golpe de Saldanha; os Reformistas tinham
desprezado a questão da fazenda e agora estavam «sem receita»658.
Contudo, o grande debate que então se travou foi sobre a ditadura de Saldanha,
sobre aceitar ou revogar os seus actos. Claro que o Governo não os poderia revogar,
sabendo-se que Ávila, o presidente do Conselho, fora «cúmplice da ditadura»; por isso,
apresentou ao Parlamento uma proposta de «bill de indemnidade» sobre o Governo de
653 Diário da Câmara dos Deputados, 3/11/1870, 56-57 654 Diário da Câmara dos Pares, 8/11/1870, 40-45 655 A Revolução de Setembro, 24 e 29/11/1870; Jornal do Comércio, 25/11/1870 656 A Revolução de Setembro, 17 e 20/1/1871 657 A Revolução de Setembro, 1/1/1871 658 Gazeta do Povo, 1 e 22/1/1871
141
Saldanha. Pelo lado dos Históricos, a posição era oposta, era de rejeição inequívoca,
tanto por uma questão de princípio como porque essa ditadura proviera do derrube do
Governo presidido pelo duque de Loulé. A posição dos Regeneradores era também
contrária à ditadura, depois de a terem aceitado de início. Quanto aos Reformistas, a
posição era mais ambígua, desde a aceitação inicial da ditadura, passando pela sua
rejeição até ao compromisso final com Saldanha de que os seus amigos não seriam
perseguidos e à subalternidade em que se achavam agora perante Ávila.
Na Câmara dos Deputados, o parecer da comissão sobre o bill era no sentido de
se aprovar todos os decretos em execução659. O Partido Histórico atacou a fundo os
Reformistas: José Luciano contou a história do bispo, que não conseguindo fazer a
conciliação com o Partido Histórico cujos chefes eram contrários ao bill, «foi fazê-la
com Ávila que o obrigou a aceitar o bill», foi Ávila «quem triunfou, foi ele quem ditou
a lei»; e na sessão da noite, criticou «os maus partidos, que num dia festejam os triunfos
e as glórias da ditadura e no dia seguinte vêm guerreá-la porque não podem alcançar
quinhão no governo, e acabam depois por sancionar os seus actos e por absolvê-la de
todas as responsabilidades»; «os partidos que num dia aplaudem a saída de Ávila e no
dia seguinte se curvam diante dele, aceitando as humilhantes condições que ele lhe
impôs», «estes partidos fazem descrer a opinião pública»660. A posição dos
Regeneradores foi contrária ao bill, mas matizada por uma visão pragmática: o
compromisso que Ávila, na Câmara dos Pares, confessou ter tomado sobre os actos
ditatoriais de Saldanha, não foi desonroso; «se alcançou uma mudança de situação
pacífica e suave, o negócio foi barato»; e a propósito de um deputado que apelara ao
castigo, ponderaram: «se do castigo vem grave dano à sociedade, o bem público
aconselha o esquecimento, mais conveniente que a severidade»661.
O bill de indemnidade foi aprovado, tanto na Câmara dos Deputados, por 58-30
votos, como na dos Pares, por 29-16 votos662, mostrando que não faltava maioria à
coligação Ávila/Reformistas. Mas poucos esperavam que durasse, pois que lhe faltava
um mínimo de unidade e de pensamento comum; servira para resolver a dificuldade
política do bill e, agora que estava resolvida, ficou à mercê dos seus «elementos de
dissolução». Desde cedo se adivinhava que seriam os próprios «amigos» do Governo a
659 Jornal do Porto, 29/11//1870; Diário da Câmara dos Deputados, 5/12/1870, 294-295 660 Diário da Câmara dos Deputados, 12/12/1870, 438 (579-586) e 439 (717-718) 661 A Revolução de Setembro, 11 e 21/12/1870 662 Diário da Câmara dos Deputados, 12/12/1870, 444; D. Câmara dos Pares, 22/12/1870, 133
142
moverem-lhe «crua guerra»; «O grupo episcopal prepara-se para despedir o marquês [de
Ávila], depois de se ter desembaraçado do marechal que lhe abriu caminho»663.
O que não faltava era questões em que se manifestavam divergências no seio do
Governo: a hereditariedade dos pares, o imposto real d’água, o ministro da Guerra, as
nomeações de pessoal administrativo, as «reformas absurdas» desejadas pelos
Reformistas contra a vontade de Ávila; o Jornal do Comércio admirava-se que, dados
os «defeitos essenciais, originados na viciosa composição do ministério», «a catástrofe,
que era de prever desde os primeiros dias, se fosse adiando»664.
O pomo da discórdia acabou por ser a nomeação do novo patriarca de Lisboa: o
presidente do Conselho preferia o arcebispo de Goa, mas Saraiva de Carvalho, ministro
da Justiça (que com Latino Coelho se opusera à entrega do poder a Ávila665), nomeou o
bispo do Algarve, apresentando primeiro o decreto à real assinatura e só depois
informando os seus colegas666. Os Reformistas «puseram por esta espécie de golpe de
Estado o presidente do Conselho na alternativa de sair ou de conciliar-se», o seu
«propósito era pôr fora o marquês»667. O Jornal do Comércio elogiou a nomeação do
bispo do Algarve como uma vitória dos princípios liberais contra o marquês de Ávila,
que «estava nesta questão ao lado dos partidários da Roma ultramontana» e ficou
«magoadíssimo». Afinal, também o bispo do Algarve, estivera no concílio, «mesmo
sem subsídio, votara pela infalibilidade papal e protestara contra a usurpação de
Roma»668. Mas o rei, ponderando que a queda do gabinete era «a última coisa a desejar
nas difíceis circunstâncias do momento», escreveu ao «magoadíssimo» marquês de
Ávila a recusar-lhe o pedido de exoneração: «o coração do homem político é da
nação»669. E foi o ministro da Justiça, Saraiva de Carvalho, que acabou exonerado,
arrastando consigo o bispo de Viseu, tal como em 1869 contribuíra para a demissão do
conde de Samodães que precedeu a queda do Governo Sá/Viseu.
Os outros partidos não pouparam nas críticas aos Reformistas. Escreveu o jornal
regenerador: «Espiou-se a vontade do presidente do Conselho e procurou-se logo
contrariá-la», «Organizou-se a calúnia, ao marquês de Ávila, ao arcebispo de Goa. Esta
perfídia teve o devido galardão: o Partido Reformista não largou o poder, foi posto fora
663 A Revolução de Setembro, 16/12/1870; Gazeta do Povo, 24/12/1870 664 Gazeta do Povo, 26/01/1871; Jornal do Comércio, citado em Gazeta do Povo, 26/1/1871 665 Marques Gomes, História de Portugal (Manuel Pinheiro Chagas), 389-390 666A Revolução de Setembro, 26/1/1871 667 Gazeta do Povo, 27/1/1871 668 Gazeta do Povo, 26/1/1871; Jornal do Comércio, citado em Gazeta do Povo, 26/1/1871 669 Carta de 25/1/1871, em José Miguel Sardica, Duque de Ávila, 465
143
dele por desleal aos seus colegas». Escreveu o jornal histórico: «É notório que o lance
falhou»; «uma vez que o bispo, quando chamado para formar gabinete, não o pudera
organizar com o seu grupo e por isso recorrera ao marquês de Ávila, era natural
indicação que, dada tal incompatibilidade, o poder ficasse a este»; «Um grupo que
assim procede não pode ser tomado como partido. Os verdadeiros partidos, os partidos
sérios, quando pensam ter crédito, capacidade e força para gerir os negócios do seu país,
aceitam a missão com todas as suas responsabilidades, e não recorrem a essas ínfimas
astúcias que só provam leviandade e inconsciência»670.
No próprio Partido Reformista houve opiniões divididas: o centro de Lisboa
aprovou a demissão dos ministros, por proposta de Elias Garcia, invocando «motivos de
pundonor» que os honravam e elevavam «no conceito público como bons cidadãos pela
sua adesão aos princípios liberais»671. Mas, para o sector que se expressava no Primeiro
de Janeiro, «o bispo de Viseu sucumbiu como chefe», «a questão religiosa nada tinha
com o Partido de Janeiro, que fora criado para reformas económicas, administrativas e
políticas»: «Quem organizou o gabinete? Foi o bispo; logo não é possível fazer maior
censura à sua inabilidade política. Pois um chefe de partido, bafejado pela aura popular
e apoiado nos seus rapazes, é encarregado de organizar governo, e não encontrando para
isso elementos no seu grémio político, abdica o primado, dá o bastão do mando ao
marquês de Ávila, e arranja um ministério em que fica com os seus em minoria?»672.
Na abertura do Parlamento, os deputados reformistas faltaram à reunião da
maioria e organizaram uma reunião separada673. Formavam o grupo mais numeroso,
disposto a bloquear a acção governativa. Então Ávila adiou as câmaras por um mês. «O
grupo reformista […] corre apressadamente à sua dissolução, a que dificilmente
escapará» previu o Primeiro de Janeiro674. A dissolução era a solução preferida dos
Regeneradores, porque o Governo era «impossível com esta câmara»675. Pressentindo o
perigo de tal dissolução, os Reformistas mudaram de atitude: deliberaram dar «apoio ao
Governo nas questões da fazenda e de administração pública»676.
670 A Revolução de Setembro e Gazeta do Povo, 31/1/1871; 671 Jornal do Comércio, 31/1/1871, em Carlos Guimarães da Cunha, A Janeirinha, 215 672 Primeiro de Janeiro, 31/1 e 1/2/1871, em Carlos Guimarães da Cunha, A Janeirinha, 214; Primeiro de Janeiro, citado em Gazeta do Povo, 2/2/1871 673 Gazeta do Povo, 4/2/1871; Jornal do Comércio, 4/2/1871, em Carlos Guimarães da Cunha, A Janeirinha, 216 674 Primeiro de Janeiro, citado em Gazeta do Povo, 9/2/1871 675 A Revolução de Setembro, 9/2/1871 676 Jornal do Comércio, 16 e 18/2/1871; Gazeta do Povo, 17/2/1871
144
Ávila não conseguiu atrair elementos regeneradores e históricos para completar
o ministério e integrou mais dois amigos seus, Sá Vargas na Justiça e visconde de
Chanceleiros as Obras Públicas677. Os Regeneradores não entraram no Governo nem se
puseram na oposição; de um «governo sem partido» só esperavam que fosse de
transição; quanto ao Partido Histórico estava «pronto a entrar, com o exclusivo intuito
de resolver a questão da fazenda», mas, como lhe fosse oferecida apenas uma pasta,
nomeadamente para Braamcamp, recusou, mantendo o apoio678.
Realizou-se uma «conferência financeira» com todos os partidos679. «Todos
estão convencidos da necessidade do aumento dos impostos, já é um progresso», disse o
jornal regenerador sem ilusões: «Todos reconhecem que o povo deve e pode pagar mais,
mas quando chega a hora da provação nega-se na prática o que se concedera na
teoria»680. De facto, «reapareceram os incendiários em Castro Daire, queimaram
matrizes e cadernos de arrolamento»681. Do Porto chegaram protestos contra o aumento
dos impostos; e a ala reformista do Jornal do Comércio apelou à comissão da Fazenda a
«não afrouxar no ardor contra a política financeira do Governo»682. Mas o Parlamento
votou o aumento dos direitos do tabaco; e o rei cedeu parte da sua dotação683.
Foi então que, no debate do orçamento, Latino Coelho, membro destacado da ala
republicanizante reformista, decidiu atacar o Governo. Ávila lembrou: «eu não procurei
ninguém, procuraram-me e empregaram todos os meios para me convencer a entrar
nesta combinação ministerial», e sugeriu a Latino que criticasse o próprio chefe684.
«Latino Coelho agiu à revelia da direcção do Partido Reformista», «nem o sr bispo nem
outros irmãos graduados na confraria simpatizaram com a audácia», denunciou o jornal
reformista do Porto685. Perante tal hostilidade, alargada a outros reformistas, o Governo
apresentou uma proposta de lei de meios686, sinal de que preparava a dissolução. Mas os
Reformistas não pararam na sua marcha suicida: derrotaram propostas do Governo
referentes à extinção do comando geral da Armada e à isenção de impostos a bancos687;
677 José Miguel Sardica, Duque de Ávila, 466; Gazeta do Povo, 23/2 e 2/3/1871 678 A Revolução de Setembro, 9/2/1871; Gazeta do Povo, 3/3/1871 679 Comércio do Porto, em Gazeta do Povo, 21/2/1871 680 A Revolução de Setembro, 15/3/1871 681 Gazeta do Povo, 1/3/1871 682 Jornal do Comércio, 14 e 16/3 e 23/4/1871, em Carlos Guimarães da Cunha, A Janeirinha, 218-220 683 A Revolução de Setembro, 11 e 13/4/1871 684 José Miguel Sardica, Duque de Ávila, 467 685 Primeiro de Janeiro, 20/5/1871, em Carlos Guimarães da Cunha, A Janeirinha, 221 686 Gazeta do Povo, 24 e 28/5/1871 687 Diário da Câmara dos Deputados, 29 e 30/5/1871, 796 e 817
145
defenderam a demissão do Governo, iludidos com a posição do rei688; e condicionaram
a lei de meios a um prazo limitado, numa votação em que só eles participaram, dada a
saída dos restantes deputados689.
A dissolução confirmou-se e novas Cortes foram convocadas para 22 de Julho.
O reformista portuense Primeiro de Janeiro previu que os Reformistas «Foram
enxotados da câmara e talvez para sempre»; «Eles que se inculcam de partido popular
com tamanhas simpatias entre as gentes, têm agora ocasião de mostrar quanto valem e
quanto pesam na balança da opinião»690. Mas o reformista lisboeta Jornal do Comércio
escrevia a favor da experiência da Comuna de Paris, entretanto derrotada num banho de
sangue, «exaltando a força do partido miguelista» e dizendo que «dois perigos ameaçam
a coroa e o país: se escaparmos da república não poderemos evitar a restauração do
sistema absoluto»691. Para os Regeneradores havia no país «dois partidos intoleráveis: o
miguelista e o reformista; o primeiro agride o rei pelo lado da procedência popular,
preferindo o do direito divino; o segundo ameaça o monarca com a guerra civil quando
o não tolera no governo por sua incapacidade e ignorância»692.
Assim decorria a campanha eleitoral, quando o Governo, depois de uma
conferência de Antero de Quental que caiu mal nos meios católicos, encerrou um ciclo
de «conferências democráticas» pouco tempo antes começadas no Casino Lisbonense;
assim deu visibilidade e projectou para a História uma iniciativa que até então suscitara
escassas notícias. O jornal histórico lamentou a proibição das conferências, nas quais
«se apostolaram ideias que não aceitamos» mas que não tinham «força para ameaçar a
ordem pública ou abalar as instituições vigentes», ideias que «alguns moços
inteligentes» «aprenderam nas horas de mal amadurecido estudo», que correspondiam
«mais a ambições literárias do que a planos políticos»693. Todavia, o jornal regenerador
aprovou a decisão do Governo, invocando a Carta, que tanto «diz que a manifestação do
pensamento é livre» como «manda respeitar a religião do Estado»694. As eleições
retiraram publicidade ao caso, que só veio a ser retomado com a nova câmara.
Organizadas por um Governo sem partido, as eleições foram bastante abertas,
com menos interferência das autoridades do que usualmente. Mas não houve muita luta,
688 Jornal do Comércio, 26, 30 e 31/5/1871, em Carlos Guimarães da Cunha, A Janeirinha, 221-222 689 Diário da Câmara dos Deputados, 2/6/1871, 900 690 Primeiro de Janeiro, 3/6/1871, em Carlos Guimarães da Cunha, A Janeirinha, 223 691 Gazeta do Povo, 8/6/1871 692 A Revolução de Setembro, citado em Gazeta do Povo, 24/6/1871 693 Gazeta do Povo, 28/6/1871 694 A Revolução de Setembro, 2/7/1871
146
65 foram eleitos sem concorrência (ver Quadro nº 5 e Gráfico nº 3), ou parte da luta
ocorreu nos bastidores. Os resultados acabaram por ser muito repartidos, notando-se que
os partidos tradicionais estavam a recuperar a sua influência perdida desde a Janeirinha.
Foi mais um exemplo de não ser verdade que os governos ganhavam sempre as
eleições: mesmo juntando os Regeneradores e os «Avilistas», dado que entre eles houve
algum apoio mútuo, em geral «discreto e indirecto»695, o bloco governamental terá
somado 48 deputados, contra 52 dos outros grupos (30 Históricos, 14 Reformistas e 8
Constituintes)696; só contando os círculos coloniais, os dois blocos terão ficado mais
empatados. Quanto aos 48 governamentais, situados em geral no espaço conservador e
apresentando um perfil de votação muito idêntico, não é fácil distingui-los; de início,
talvez houvesse mais Avilistas que Regeneradores, mas depois que Fontes tomou o
poder, aos poucos o grupo inorgânico que era o dos «amigos de Ávila» foi sendo
absorvido pela força de atracção do Partido Regenerador.
Confirmou-se a queda dos Reformistas, que antes detinham quase a maioria
absoluta, com cerca de 50 deputados e agora se ficavam por uma dúzia ou pouco mais.
«Aquele potentado que assombrava o mundo com a sua popularidade, que incitava as
massas, que era aplaudido e festejado, aí está abatido e lazarento […] Como passou
depressa tanta grandeza!», zombou o jornal regenerador, que já antes observara como
não tinham encontrado um círculo para Latino Coelho, «Cremos que foi vingança por
ter levantado a questão política» que causara a dissolução da câmara anterior697.
Assim terminou o protagonismo de um partido que nunca superou as divisões
entre os grupos que se tinham juntado em 1867 no protesto contra o Governo da Fusão,
em especial o grupo do Porto, que não queria pagar mais impostos a sustentar a
burocracia da capital, e o grupo de Lisboa, ligado ao clube do Pátio do Salema, mais
doutrinário, republicanizante, anticlerical, que se exprimia no Jornal do Comércio. Já a
primeira experiência governativa dos Reformistas, o Governo Sá/Viseu, caíra em 1869
por estas divisões internas, na sequência da oposição movida pela facção de Lisboa ao
ministro católico e «avilista», conde de Samodães. Depois da ditadura de Saldanha,
enquanto a facção portuense preferia uma conciliação com as outras forças políticas, a
lisboeta defendeu uma linha exclusivista, acabando por cair-se na estranha entrega do
poder ao minoritário Ávila. Agora a mesma facção lisboeta prosseguiu, para grande
695 José Miguel Sardica, Duque de Ávila, 476 696 Pedro Tavares de Almeida, Eleições e Caciquismo, 225; Carlos Guimarães da Cunha, A Janeirinha, 224-227 697 A Revolução de Setembro, 10 e 12/7/1871
147
desgosto da linha portuense que se exprimia no Primeiro de Janeiro, a linha suicida de
hostilizar o presidente do Conselho, até à dissolução e ao desastre eleitoral.
Em termos gerais, o que sobressaiu das eleições foi a indefinição em que a nova
câmara caiu, dividida em grupos que dificultavam a organização de qualquer governo.
Os Históricos apoiaram o Governo votando a favor da prorrogação da «lei de meios»,
mas, a propósito da eleição no círculo de Vila Verde, exigiram a demissão do
governador civil de Braga, dando a ideia de utilizarem o caso como pretexto para
romper com Ávila698, esperando talvez liderarem um «governo de conciliação». Os
Regeneradores recusaram-se a integrar o Governo mas não o hostilizaram699; parecia
aguardarem que o poder lhes caísse maduro nas mãos; fizeram ver a Ávila a sua falta de
força e que o melhor para ele seria apoiá-los como sucessores. Quanto aos Reformistas,
mantiveram uma oposição radical a Ávila, desde recusarem-lhe a «lei de meios» até
retomarem a questão das Conferências do Casino em termos que levaram Ávila a reagir:
«Eu não esperava que houvesse aqui quem defendesse a Comuna»700.
Na questão das Conferências, os diversos grupos políticos manifestaram-se
arrumados do mesmo modo que, dali em diante, iriam manter a respeito da maioria das
questões: à direita, os Regeneradores e os Avilistas a favor da proibição; à esquerda, os
Históricos e os Reformistas contra a proibição. Um projecto de reforma constitucional
então apresentado pelos Reformistas baralhou de novo essa arrumação partidária.
O projecto constitucional dos Reformistas, apresentado por Francisco Mendes,
baseava-se num relatório (constava que redigido por Latino Coelho), em que se
denotava a preferência pelas constituições de 1822 e 1838 sobre a Carta outorgada de
1826 e se criticava a Câmara dos Pares e o quase arbítrio a que chegava o poder
moderador; no fim propunha que a próxima câmara a ser eleita tivesse plenos poderes
para reformar seis títulos da Carta (ou seja, quase toda) e o Acto Adicional. Foi neste
ponto que os Reformistas se viram quase isolados, só acompanhados dos Constituintes e
de uns poucos Históricos. O projecto não foi admitido à discussão, por 52-23 votos, mas
alguma discussão houve em mais de 30 intervenções701. Muitos que achavam necessário
reformar a Carta pensavam apenas em alguns artigos e não que a reforma fosse tão
ampla e completa, o que poderia ser «funestíssimo e perigoso», segundo José Luciano.
698 Diário da Câmara dos Deputados, 28 e 29/7/1871, 45 e 55-57 (José Luciano de Castro); Gazeta do Povo, 30/7/1871; A Revolução de Setembro, 2/8/1871 699 Carta de Fontes a Ávila, de 6/8/1871, em José Miguel Sardica, Duque de Ávila, 477 700 Gazeta do Povo, 26/8/1871; 701 Diário da Câmara dos Deputados, 29/8/1871: projecto, 434-439; debate, 440-458
148
Outros, como Barjona de Freitas, punham também em causa a oportunidade da reforma,
pensando na crise financeira ou nos processos revolucionários que ocorriam na França e
na Espanha. Tanto José Luciano, pelos Históricos, como Barjona, pelos Regeneradores,
prometeram apresentar projectos mais circunscritos nos artigos a reformar. O jornal
histórico justificou a rejeição do projecto pelo receio de «renovar as lutas políticas» e de
causar «agitação por reformas intempestivas»702.
Nas questões que se seguiram, os Históricos e os Reformistas agiram mais
unidos, sustentando algumas votações apertadas e infligindo até uma derrota à maioria
numa votação que obrigava o Governo a apresentar a conta de gerência do ano findo;
isso serviu aos Regeneradores para insistirem que «o gabinete está sem força, sem
maioria suficiente para calar uma oposição numerosa desde que Partido Histórico
rompeu as hostilidades»703. Os Históricos desconfiaram de uma «combinação secreta»
para os Regeneradores «sucederem ao governo agonizante»704.
O Governo enfrentou, com o apoio dos Regeneradores, «dúzia e meia de moções
de censura, todas rejeitadas», mostrando que «As três oposições reunidas são fracas para
derrotar o Governo, mas fortes para não deixarem governar»705. Os Históricos
lamentaram «que um partido [Regenerador], que inculca possuir grandes elementos de
vida, ter largas vistas e elevadas aspirações, queira morrer abraçado a este cadáver que
se chama Governo»706. E mais um governo de um pequeno partido caiu pouco tempo
depois das eleições que organizou (ver Quadro nº 1).
Dali a dias, um outro Governo emergiu presidido por Fontes Pereira de Melo,
constituído só por ministros Regeneradores e apoiado por Avilistas e por Constituintes.
Faziam-se «cálculos» para a sustentação desta frágil maioria: as últimas votações
davam-lhe 46 votos, a que somava cinco Constituintes, mais cinco vitórias esperadas
em seis eleições suplementares, mais três deputados do Ultramar em substituição de
oposicionistas, mais oito históricos que não hostilizavam o Governo707. E assim
começou, com estreita margem e alguma esperança na disciplina, no engenho e na sorte,
o que viria ser o mais longo Governo da época do Liberalismo em Portugal.
702 Gazeta do Povo, 30/8 e 1/9/1871 703 Gazeta do Povo, 2/9/1871; A Revolução de Setembro, 3/9/1871 704 Gazeta do Povo, 8/9/1871 705 A Revolução de Setembro, 9/9/1871 706 Gazeta do Povo, 10/9/1871 707 Jornal do Porto, 13/9/1871, 3
149
Que lições proporcionou este período especial em que os grandes partidos
tradicionais estiveram quase sempre arredados do poder?
A grande lição foi a da importância dos partidos. Logo no primeiro Governo
Ávila, um jornal próximo dos Históricos que se opusera ao «Governo da Fusão» sentia
«a necessidade» de se organizar um «partido sério», perante o «caos onde ninguém se
entende» que se seguira à diluição dos «velhos e esgotados» partidos708. Também o
jornal regenerador ensinava: Por muitos defeitos que tenham os partidos, pois «erram e
têm defeitos como os elementos que os compõem», é nessas «associações políticas» que
«se assentam os princípios por que se devem dirigir os governos», porque «não são os
cidadãos isolados quem decide a sorte da pátria, são os exércitos disciplinados e
combatentes»709. Quanto aos apoiantes do primeiro Governo Sá/Viseu (1868-1869),
depois do seu fracasso compreenderam que lhes faltava um partido e trataram de formar
o que veio a chamar-se Partido Reformista. Enfim, a ditadura de Saldanha, «cercada de
aventureiros» que odiavam os partidos710, incentivou as várias forças políticas a
reorganizarem-se para evitar que tal se repetisse.
As numerosas eleições realizadas neste período, fora dos partidos rotativos –
uma em cada ano, para além da de 1865 – não deram vitórias consistentes aos governos
que as organizaram, ao contrário do que vulgarmente se diz, muito menos lhes deram
maiorias estáveis, pois todos eles caíram poucos meses depois. Das eleições de 1871
resultou uma câmara tão dividida que tornava difícil a organização de qualquer governo:
ao lado dos velhos partidos, havia novos grupos, «nascidos menos da necessidade da
propaganda de novas ideias do que da fortuita conveniência de formar cortejo em redor
de certas individualidades», conforme observou o jornal histórico, achando que era um
«mal» que o tempo resolveria «naturalmente»: «Cedo ou tarde desaparecem essas
instantâneas e caprichosas agregações»; «Sem o acordo de princípios, sem a
consonância de aspirações, sem a comunidade de ideias tocantes às normas de
administração e de governo, não há partidos nem maiorias parlamentares», afirmou,
confiando que «o tempo», ou o «natural discorrer dos sucessos», iria acabar com «esse
mal» das diferentes «fracções» em que «a política tem dividido os homens públicos»711.
Será que Regeneradores e Históricos, que continuaram relativamente próximos
depois do «Governo da Fusão», mantiveram visões diferentes do sistema partidário?
708 Jornal do Porto, 25/2/1868 709 A Revolução de Setembro, 28/7/1868 710 A Revolução de Setembro, 19 e 21/8/1870 711 Gazeta do Povo, 12 e 14/7/1871
150
Os Regeneradores deixaram de falar da fusão e eram claramente a favor dos
partidos, desde que não se multiplicassem. Criticaram Ávila por querer «governar sem
partido», «nunca foi por isso senão um meteoro no poder», pois «quem não tem partido
não tem fé, não tem crentes, não tem apóstolos, não tem evangelho»; «Os partidos são a
consequência da liberdade e a reunião natural dos homens que pensam da mesma
maneira contra os que pensam de modo contrário. Querer matar os partidos é querer
matar a liberdade; querer multiplicá-los é querer estabelecer a confusão»712.
A rotação entre dois partidos era uma causa defendida na área dos Históricos, ou
próxima. Já em 1865, antes do «Governo da Fusão», havia quem defendesse que os
partidos se deviam revezar para não se perpetuarem no poder, ou que dois partidos, um
conservador e outro progressista, se deviam substituir alternadamente713. Em 1868, um
jornal próximo dos Históricos defendeu que do fracasso da experiência da fusão se
devia tirar a lição de que lhe «faltou um elemento indispensável, uma oposição
parlamentar séria», donde «É preciso organizar-se não um partido mas dois, que sirvam
de apoio um ao outro, apoio que nasce da oposição que se fazem». E o mesmo jornal
sugueriu uma aliança do Partido Histórico, já não com os Regeneradores mas com os
apoiantes do Governo Sá/Viseu714. Depois da ditadura de Saldanha, muito se falava da
«rotação dos partidos», conforme registou o jornal histórico715. Mas a atitude dos
Reformistas face à ditadura e a forma como entregaram o poder a Ávila levou os
Históricos a desconsiderá-los entre os «maus partidos» que «fazem descrer a opinião
pública», e não entre os «verdadeiros partidos, os partidos sérios» que aceitam a missão,
de gerir os negócios públicos, com todas as responsabilidades»716. A aliança dos dois
partidos que concorriam no mesmo espaço da esquerda mantinha-se como um objectivo
que só o «tempo» haveria de tornar possível.
712 A Revolução de Setembro, 9/2 e 4/3/1871 713 Diário da Câmara dos Deputados, José Luciano de Castro, 10/3/1865, 636; e Joaquim Lobo de Ávila, 25/04/1865, 1079 714 Jornal do Porto, 9 e 28/7/1868 715 Gazeta do Povo, 8/9/1870 716 José Luciano de Castro, Diário da Câmara dos Deputados, 12/12/1870, 438 (586) e 439 (717-718); Gazeta do Povo, 31/1/1871
151
5 – A época dourada regeneradora de Fontes Pereira de Melo (1871-1879)
O período 1871-1879 marcou um vivo contraste, em estabilidade governativa,
com o período anterior: enquanto que, em 1868-1871, em menos de quatro anos, se
consumiram sete governos, agora, durante nove anos, praticamente vigorou o mesmo
Governo de Fontes Pereira de Melo, com uma breve e controlada interrupção.
Foi um período relativamente linear, aqui apresentado em cinco fases:
- na primeira (1871-1873), o Governo consolidou as suas condições de poder
(maioria parlamentar, confiança do rei e adesão da opinião pública), aproveitando a
melhoria económico-financeira e a paz interna que contrastavam com a situação
revolucionária nos países vizinhos;
- na segunda (1874-1876), o Governo ganhou uma maioria própria nas eleições e
vincou o seu domínio, abafando a oposição e dando a sensação de não haver alternativa;
- na terceira (1876), caracterizada pelo desgaste do Governo e da sua maioria de
apoio, no fim da euforia económico-financeira, emergiram novas formações partidárias,
quer dentro quer fora do sistema político;
- na quarta (1877-1878), Fontes cedeu o poder a Ávila para descansar;
- na quinta (1878-1879), Fontes reassumiu o poder deparando com uma opinião
pública desejosa de mudança.
5.1 – Paz e prosperidade face à desordem nos países vizinhos (1871-1873)
Fontes formou um Governo homogéneo, uma novidade, assumindo ele mesmo a
Presidência e as pastas da Fazenda e da Guerra; a Sampaio confiou a pasta do Reino, a
Barjona a da Justiça, a Andrade Corvo a dos Negócios Estrangeiros, a António Avelino
a das Obras Públicas, Comércio e Indústria e a Jaime Moniz a da Marinha e Ultramar.
À entrada do Governo, havia uma desilusão geral com os últimos quatro anos de
governos fracos, de instabilidade e de crise económica e financeira, durante os quais a
própria independência do país correra perigo. Ansiava-se por um governo forte. A
experiência ensinara que para sustentar governos fortes eram necessários partidos
organizados e não simples grupos ou facções sem coesão e sem pensamento claro de
administração. Fontes, cuja imagem ficara tão desgastada no «Governo da Fusão»,
aparecia agora como o homem indicado para chefiar o tal governo forte, depois do
fracasso daqueles que mais o tinham criticado, especialmente da esquerda radical.
152
Também o contexto externo era preocupante, sobretudo pela revolução que grassava nos
países vizinhos, Espanha e França.
Fontes estava consciente das precárias condições em que partia, sem maioria
própria, dependente do apoio de outros grupos. Apresentou-se cauteloso no Parlamento.
Rejeitou a ideia de o seu ministério ser uma «restauração», numa alusão ao «Governo
da Fusão» que deixara uma imagem de arrogância e insensibilidade, mostrando-se agora
atento a «escutar os conselhos da experiência e as lições da história». Definiu-se como
«liberal» e empenhado em manter-se «na altura do progresso das ideias do século». Não
apresentou um programa, alegando que o país não se fiava nos programas, mas não
deixou de avançar algumas ideias, por exemplo, a de procurar soluções
descentralizadoras como forma de combater as dificuldades da fazenda, contrariando a
ideia centralizadora da reforma administrativa do «Governo da Fusão»; também
apontou o exército como um sector carecido de reformas no sentido de poder «colocar-
se rapidamente em pé de guerra», o que era compreensível face aos perigos que podiam
surgir do país vizinho; enfim, prometeu realizar economias, e não apenas recorrer ao
imposto, para resolver a questão da fazenda pública717.
Entre os partidos da oposição, o Partido Histórico assumiu, pela voz de José
Luciano, uma atitude moderada, preferindo «aguardar os actos do Governo», ao qual até
disponibilizou «apoio nas questões de fazenda e de administração»; o Partido
Reformista, pela voz de Saraiva de Carvalho, foi mais claro a manifestar desacordo nas
questões política, financeira, administrativa e constitucional718. Vários deputados
«fizeram sentir a inconstitucionalidade do ministério, que não saíra dos bancos da
oposição como requeriam os princípios do sistema representativo»: é que, tendo os
Regeneradores estado sempre ao lado do Governo Ávila, quando este pediu a demissão
por não poder governar com tão numerosa oposição, foram eles que o substituíram719.
Na sua organização não foram fielmente observadas as indicações parlamentares, a
oposição não foi chamada, a missão de constituir ministério foi dada ao grupo que tinha
sido benévolo para com os ministros demitidos720, decerto por vontade do rei.
717 Diário da Câmara dos Deputados, 13/9/1871, 626-627 718 Diário da Câmara dos Deputados, 13/9/1871, 627-628 719 Gazeta do Povo, 14/9/1871 720 Marques Gomes, História de Portugal (Manuel Pinheiro Chagas), 402
153
De imediato, o novo Governo apresentou uma proposta de lei de meios,
aprovada sem dificuldade, por 73-09 votos, com o apoio dos Históricos atendendo ao
adiantado do ano, deixando os Reformistas isolados na sua rejeição721.
Os Históricos ficaram surpreendidos com a solução governativa; esperavam
outro tipo de governo, para o qual os Regeneradores tinham apelado tantas vezes desde
a queda de Saldanha, um «governo de conciliação» no qual tivessem uma posição forte.
Não queriam repetir a «fusão», mas uma «conciliação» que, além dos Regeneradores,
integrasse outros grupos; essa foi decerto a razão por que romperam com Ávila, «desde
que o vimos defender doutrinas reaccionárias na questão das conferências do casino e
abandonar as propostas financeiras». Fontes justificou-se que «não tentara formar um
ministério de conciliação porque em melhores condições havia falhado toda a tentativa
nesse sentido»722.
Uma vez que ficaram arredados do poder, restava aos Históricos o cenário da
bipartidarização, no qual se deviam assumir como o partido «sério e ilustrado» da
oposição que se preparasse para substituir o Governo. Foi esse cenário que inspirou José
Luciano de Castro, na resposta ao discurso inaugural de Fontes, a fazer «votos para que
da existência do Governo actual resulte para o país a organização de dois partidos, […]
um mais ou menos conservador, o outro mais avançado, mais liberal, mais
democrático», para «se alternarem e substituirem no poder»723. Assim ficou definida a
fórmula, doravante tantas vezes citada, da rotação bipartidária que caracterizou o
monarquismo constitucional. Dessa fórmula resultava para cada um dos grandes
partidos um papel especializado: para os Regeneradores o de protagonistas do lado
conservador e para os Históricos unidos aos Reformistas o de protagonistas do lado
progressista. Mas estariam uns e outros dispostos a isso?
Acontece que os Regeneradores rejeitavam o papel de conservadores, quando os
ventos internos e externos sopravam em sentido contrário; preferiam ver-se numa
posição central do campo liberal, capazes de realizar as reformas que «o século»
requeria. Também não queriam ver os Históricos a aproximar-se dos Reformistas e
realçavam a oposição que a tais aproximações fazia o sector reformista do Jornal do
Comércio724 – embora outro sector reformista afecto ao Diário Popular as aceitasse725.
721 Diário da Câmara dos Deputados, 18/9/1871, 709 722 Gazeta do Povo, 22 e 23/9/1871; A Revolução de Setembro, 22/9/1871 723 Diário da Câmara dos Deputados, 13/9/1871, 627 724 A Revolução de Setembro, 10/10 e 9/11/1871 725 A Revolução de Setembro, 11 e 14/11/1871
154
Respondiam os Históricos que tinham agora «menos agravos e ofensas a
esquecer» com os Reformistas do que tiveram «antes da fusão de 1865» com os
Regeneradores726. É interessante que, neste jogo de acusações que mantinha com os
antigos parceiros, o jornal histórico referisse «a fusão, ou antes a regeneração», como se
da sua história quisesse apagar a «fusão», como se tal tivesse sido negócio exclusivo
dos Regeneradores. E em outro artigo lembrou que já «desde o princípio da sessão
legislativa de 1867», «o descontentamento lavrava na fracção do Partido Histórico que
fazia parte da fusão» e que «sem os acontecimentos de Janeiro de 1868, teria acabado o
Governo [da Fusão] com a separação do Partido Histórico»727.
O arranque da sessão legislativa de 1872 ficou marcado por uma corrida, em que
os principais partidos apresentaram projectos próprios de reforma constitucional; mas
foi uma corrida que de repente acabou, longe da meta, assim ficando parada, por largos
anos, apesar dos esforços constantes da esquerda para a retomar.
No «discurso da coroa» de 1872, foram anunciadas intenções, «no intuito de
acompanhar o espírito do século», de «uma proposta de reforma de alguns artigos da
Carta constitucional», «destinada a introduzir nela melhoramentos que a sucessão dos
tempos e o progresso das ideias liberais estão reclamando», além de uma reforma
administrativa728. Os Históricos estranharam: o Partido Regenerador «fez-se
reformista»?, «abraçou hoje a bandeira que ontem repelira em nome da
inoportunidade»?; até prometem «uma reforma administrativa largamente
descentralizadora», eles, Regeneradores, «que morreram abraçados à reforma de
Martens Ferrão em 1868»? Desconfiaram que «o Governo buscava pretextos para
promover questões políticas» e «dissolver a câmara»729.
O deputado reformista Francisco Mendes retomou a iniciativa de apresentar o
projecto de reforma constitucional rejeitado poucos meses antes. Mas uma vez mais não
foi admitido à discussão, por 52-34 votos. Os elementos da maioria tinham feito uma
reunião de preparação, na qual «muitos Regeneradores mudaram de opinião», «diz-se
que compraram os votos avilistas»730. Ao mesmo tempo o Governo apresentou a
proposta de reforma da Carta731, que anunciara no discurso da coroa para «acompanhar
o espírito do século». O jornal regenerador achou-a «altamente liberal», enquanto os
726 Gazeta do Povo, citada em A Revolução de Setembro, 31/10/1871 727 Gazeta do Povo, 20/9 e 13/10/1871 728 A Revolução de Setembro, 3/1/1872 729 Gazeta do Povo, 3, 6 e 13/1/1872 730 Gazeta do Povo, 17/1/1872 731 Diário da Câmara dos Deputados, 15 e 16/1/1872, 67-69 e 73-74
155
Históricos a acharam «acanhada, cautelosa e sem elevação», desconfiando que nela
«havia pensamento reservado e não intuitos sinceros»732. Não podendo ficar atrás em
assunto tão importante, José Luciano, em nome dos Históricos, também apresentou um
projecto de reforma da Carta, que ao jornal regenerador pareceu que «não vai adiante do
projecto regenerador», «só mais a ideia de um senado electivo» e uma «tímida alteração
ao artigo 6º [religião do Estado]»733.
Entre os projectos regenerador e histórico havia convergências, nomeadamente,
na limitação da prerrogativa real de dissolver as câmaras legislativas, no alargamento do
direito de voto, no pôr fim à herediateriedade do pariato, embora o projecto histórico
fosse mais longe no direito de voto e no reforço dos direitos dos cidadãos (por exemplo,
não permitir a prisão senão em flagrante delito, resistir ao imposto não votado pelas
Cortes e consentir o culto particular e doméstico já consentido aos estrangeiros). Ambos
visavam alterações pontuais, precisas, da Carta, ao passo que o projecto reformista, por
ser ilimitado, poderia levar até a uma nova constituição.
Quando chegou a votação da proposta do Governo, como a maioria tivesse
rejeitado as dúvidas colocadas pela oposição sobre os poderes da actual câmara e da
próxima, para efeitos de revisão constitucional, os Históricos abstiveram-se, seguidos
nessa atitude pelos Reformistas, para que nem sancionassem a proposta do Governo
nem se inferisse que eram contra a princípio da reforma734. Para dar parecer sobre a
proposta do Governo, foi até constituída uma comissão especial, que deu logo a ideia de
não ser para levar a sério, por não integrar nenhum dos deputados oposicionistas que
tinham feito propostas, um «procedimento miserável» de não seguir «velhos usos
parlamentares»735. Estava à vista o destino que teria a proposta histórica, de também não
ser admitida à discussão, como não foi, por 47-26 votos736.
Depois, como se suspeitava, a proposta do Governo foi esquecida. «Dorme o
sono do justo a comissão especial que deve dar parecer acerca da reforma da Carta,
porque ainda nem sequer deu parte da sua constituição», denunciou o jornal histórico.
Passados dias, a comissão foi instalada737. Mas nunca trabalho seu foi divulgado.
Dá que pensar este episódio, quer pela intenção do Governo «conservador» em
fazer uma proposta avançada, quer pela decisão de, em menos de um mês, congelar todo
732 A Revolução de Setembro e Gazeta do Povo, 16/1/1872 733 Diário da Câmara dos Deputados, 24/1/1872, 120-126; A Revolução de Setembro, 25/1/1872 734 Diário da Câmara dos Deputados, 26 e 29/1/1872, 136-137 e 156-157 735 Gazeta do Povo, 1/2/1872 736 Diário da Câmara dos Deputados, 5/2/1872, 199 737 Gazeta do Povo, 15 e 18/2/1872
156
o processo. Tudo não terá passado de uma manobra dilatória só para arrefecer os
ímpetos da oposição738; ou terá havido algo mais?
A proposta do Governo concretizava o discurso da coroa e correspondia também
ao discurso inaugural de Fontes, de Setembro passado, e até ao discurso de Barjona, em
Agosto, quando pela primeira vez se rejeitara o projecto dos Reformistas. Parece ter
sido genuína essa intenção de reformar a Carta. Nogueira Soares escreverá que alguns
elementos radicais avisaram Fontes que, se deixasse passar adiante os Reformistas, se
não acompanhasse o espírito do século, eles o abandonariam; que era necessário
anunciar quanto antes a extensão do sufrágio a todos os chefes de família e a todos os
que soubessem ler e escrever, para não deixar esta glória aos Reformistas ou aos
Históricos; Fontes pensou que o elemento radical era indispensável ao seu partido e
promoveu a reforma da Carta com extensão do sufrágio, além da reforma administrativa
anunciada por Sampaio; de tal modo que José Luciano se viu obrigado a ir mais adiante,
inventando «uma bomba que deixou assombrados os radicais regeneradores», o direito
de voto a todos os detentores de direitos civis, em termos tais que podia abranger as
mulheres739. Segundo Rui Ramos, Fontes, «obcecado com a perspectiva de ver 1868
repetir-se», «decidira que não havia inimigos à esquerda»740. Para tal, Barjona de Freitas
foi um dos que mais o influenciou, como o próprio Barjona revelará741.
Mas por que foi tão depressa abandonada essa intenção reformadora? Fontes
percebeu que não era bem acolhida por grande parte do seu partido e dos seus aliados.
Também Joaquim de Carvalho diz que foi por «não contar com uma maioria
homogénea» que o Governo de Fontes «não insistiu nas propostas de significação
política»742. Casal Ribeiro foi um dos Regeneradores que não apreciou a proposta,
quando a conheceu já feita, como ele mesmo dirá, passando a trabalhar para que caísse
no esquecimento743. Aliás também não apreciou o «espírito do século» e estranhou o
discurso de Barjona, custando-lhe a crer que tivesse falado por delegação do chefe do
partido744; ao que Fontes respondeu que ele mesmo o autorizara745. A mesma opinião
negativa devem ter manifestado, quando regressaram de férias, outros deputados
regeneradores e avilistas, fazendo ver a Fontes o risco que corria a frágil maioria que o 738 Carlos Guimarães da Cunha, A Janeirinha, 249 739 D. G. Nogueira Soares, Considerações sobre o Presente e o Futuro Político de Portugal, 538-540 740 Rui Ramos, «A formação da intelligentsia portuguesa», 514 741 Diário da Câmara dos Deputados, 25/1/1884, 134 742 Joaquim de Carvalho, «Estabelecimento do rotativismo», 403 743 Diário da Câmara dos Pares, 21/2/1879, 315 744 Diário da Câmara dos Pares, 2 e 3/4/1884, 302-303 e 309-311 745 Diário da Câmara dos Pares, 4/4/1884, 316-317
157
sustentava. Depois, a agitação «penicheira» de 1872 e o agravamento da situação em
Espanha foram motivos fortes para adiar de vez o processo.
No fim da sessão legislativa, Fontes justificou não ter feito a reforma por «falta
de acordo» por parte da oposição, impedindo que se tivesse feito uma reforma tão
consensual como a de 1852; ainda prometeu fazê-la na sessão legislativa seguinte746, o
que não se confirmou. Mas que mais terá pesado no seu recuo: a falta de acordo com a
oposição ou a falta de acordo dentro da maioria? Seria difícil um acordo com a oposição
dadas as convergências existentes entre os projectos regenerador e histórico?
Todo o processo da frustrada reforma constitucional contribuiu para aumentar a
crispação entre os partidos. «Delimitaram-se os campos», «distanciaram-se as escolas»,
constataram os Históricos747. Os Regeneradores viram reforçada a sua representação
com mais seis deputados, em outras tantas eleições suplementares. E excluíram a
oposição das comissões parlamentares, com excepção de Braamcamp na da Fazenda,
dando preferência sobretudo aos Avilistas. Confirmando a delimitação dos campos, a
maioria agiu sempre com disciplina, desafiada em muitas (34) votações nominais nos
quatro meses da sessão legislativa, sem nunca se deixar apanhar em sério risco (Ver
Quadro nº 4). Nesse bom entendimento de Regeneradores e Avilistas morreu a intenção
de reformar a Carta, intenção que já não constará do discurso da coroa de 1873.
Na esquerda, Históricos e Reformistas vinham esquecendo agravos e estreitando
relações: no início de 1872, instalaram uma «comissão mista», presidida por
Braamcamp, para «resolver assuntos e dar unidade aos trabalhos comuns»748. O jornal
histórico teorizou sobre a lógica bipartidária (antes enunciada por José Luciano): «A
boa prática do sistema constitucional não permite a existência de mais de duas
parcialidades políticas. A nossa história contemporânea testemunha quantos transtornos
advêem à república do excessivo fraccionamento dos partidos»; «É preciso que os
partidos derivem de factos essenciais ao organismo social, estão neste caso as
necessidades constantes de permanência e progressão, origem das opiniões
conservadora e progressista»; e invocaram o «exemplo dos países onde as instituições
representativas mais têm prosperado», em particular da Grã-Bretanha, onde «há séculos
que whigs e tories partilham o governo, sendo um «conservador» e o outro
«progressista», para dizer que «Em Portugal a organização de dois partidos fortes fieis a
746 Diário da Câmara dos Pares, 2/5/1872, 190 747 Gazeta do Povo, 9/1 e 6/2/1872 748 Gazeta do Povo, 13/1/1872
158
estes princípios antitécticos de permanência e progressão, produziria maiores benefícios
que a melhor reforma da Carta e a total reorganização da fazenda»; «Um único partido
progressista reuniria forças para debelar os males acumulados, satisfaria as exigências
do espírito do século. Um único partido conservador impediria que o progresso
degenerasse em revolução»; do bom funcionamento de tal modelo esperava-se volver «a
ordem, a moralidade, a coerência, a estabilidade à gerência pública»749.
Mas os Regeneradores – pelo menos um núcleo envolvendo Fontes, Barjona e
Sampaio – insistiam em considerar-se «hoje representante directo» do «antigo Partido
Progressista». E quando os Históricos lhe contestavam o título de progressistas,
invocavam o seu historial nas obras públicas. Ora, «melhoramentos materiais têm sido
realizados em todos os países por governos de todas as cores», ripostavam os
Históricos, dizendo que faltava o «progresso moral», em especial a instrução750. Por
outro lado, os Regeneradores ridicularizaram os Históricos na tentativa de atraírem os
Reformistas; chamavam-lhes «ex-Partido Histórico», «finado partido», «partido-
apêndice», «larva pendurada no tronco reformista»751. E realçavam as divisões, que a
respeito da fusão com os Históricos, havia no Partido Reformista, aquele partido em que
«as contradições se atropelam mais frequentemente», em que «as opiniões diferem de
jornal para jornal, de indivíduo para indivíduo»752.
A entrada em publicação do novo órgão do Partido Histórico, País, em 1873, em
substituição do Gazeta do Povo, parece integrar-se nos esforços de reorganização
partidária no espaço da esquerda. O País foi anunciado com a «missão» de «representar
as doutrinas da democracia liberal»; assumia-se como «jornal do Partido Progressista»,
invocava a «revolução filosófica e liberal de 1820» e as «lides de 1846» e advogava,
para o funcionamento regular do sistema constitucional, a organização sistemática de
«partidos válidos, militando para realizar no governo e defender na oposição os
princípios conservadores ou progressistas»753. Pelo lado reformista, Francisco Mendes
reconheceu a necessidade de haver «só duas fracções do partido liberal, progressista e
conservadora»754, mas ficou a dúvida se pensava na fusão dos partidos Histórico e
Reformista ou só num acordo mútuo. Era ponto assente que o Partido Histórico passaria
749 Gazeta do Povo, 4/2/1872 750 A Revolução de Setembro, 19/1/1872; Gazeta do Povo, 23/5/1872 751 A Revolução de Setembro, 20, 21, 24 e 26/1 e 1/2/1872 752 A Revolução de Setembro, 12 e 19/1/1872 753 Gazeta do Povo, 29/12/1872; País, 1/1/1873 754 Diário da Câmara dos Deputados, 8/1/1873, 37
159
a apelidar-se «progressista»755; foi anunciada uma reunião do «Centro Histórico-
Progressista»756. Mas os Regeneradores insistiam em identificar-se assim: «nós, os
homens do grande partido progressista e democrático»757.
Os Reformistas continuavam divididos a respeito da aproximação aos
Históricos: o Diário Popular, de Mariano de Carvalho, era favorável, mas o Jornal do
Comércio, de Latino Coelho, era reticente758; esta facção evoluiu para uma crescente
autonomia, fundando, em 1873, um jornal próprio, Democracia. Se Latino rejeitava a
ligação aos Históricos, não deixou de manter boa relação com o Partido Regenerador,
do qual recebera apoio, em 1863, quando renunciara ao seu mandato de deputado,
zangado com o Partido Histórico; agora o Jornal do Comércio até passou a ser apoiante
do Governo de Fontes759. Quanto a Mariano, evoluiu até se juntar aos Históricos no
Partido Progressista, em 1876, do qual veio a tornar-se dirigente destacado.
Postas de lado as reformas políticas, o Governo concentrou-se nas questões da
fazenda. Não retomou o imposto do consumo que levara à queda do «Governo da
Fusão», mas ampliou o velho imposto «real d’água», aprovado por 40-21 votos,
tornando facultativa a cobrança à entrada das localidades, o que para o jornal histórico
era uma «reminiscência feudal»760. O Governo também investiu na contribuição
industrial, contra a opinião de Braamcamp, que achava mais justo o aumento do
imposto predial; Fontes reconhecia que a contribuição predial era «a menos onerosa e a
pior repartida», mas não queria afrontar as resistências dos proprietários que tinham
obrigado Braamcamp a recuar em 1870761. As Cortes foram prorrogadas para dar tempo
a aprovar o orçamento, o que já não acontecia desde 1867.
Uma das razões do poder de Fontes esteve na forma como assegurou a paz
interna face a uma tentativa de revolta no verão de 1872. Em Março corrido rumores de
sublevação militar, do regresso dos «penicheiros» e de ameaça espanhola no contexto
do instável reinado de Amadeu de Sabóia762. Em Julho, a sublevação terá ficado perto
de se concretizar, em ligação com Republicanos espanhois; mas várias transferências
obrigaram-na a adiar. Estavam mobilizados sargentos, operários, logistas e outra gente
755 Marques Gomes, História de Portugal (Manuel Pinheiro Chagas), 410-411 756 País, 8/1/1873 757 A Revolução de Setembro, comentada em País, 29/1/1873 758 Carlos Guimarães da Cunha, A Janeirinha, 247 759 Carlos Guimarães da Cunha, A Janeirinha, 261 760 Diário da Câmara dos Deputados, 4/4/1872, 913; Gazeta do Povo, 5/4/1872 761 Gazeta do Povo, 21/2/1872; A Revolução de Setembro, 7/4/1872 762 Diário Popular, 3 e 4/3/1872, em Carlos Guimarães da Cunha, A Janeirinha, 254-255
160
do comércio, dos mesmos extractos sociais que virão a apoiar a República763. Desde
finais de Julho, o palácio da Ajuda esteve protegido por unidades militares e o palácio
do conde de Peniche cercado764. Mas na oposição duvidava-se da gravidade do caso: era
só uma «comédia ensaiada», ou o Governo a querer «avultar as proporções da
insurreição»765. Peniche negou estar a preparar qualquer revolta militar, mas só a
organizar meetings contra a política «reaccionária» do Governo766. Depois, foram
noticiadas prisões e transferências de militares767.
No final de Setembro, por decreto do Governo, a Câmara dos Pares foi
constituída em tribunal para julgar o conde de Peniche, por ser par do Reino. No
Conselho de Estado realizado no mesmo dia, o duque de Loulé, presidente da Câmara
dos Pares, assim como Anselmo Braamcamp, consideraram ilegal esta convocatória
feita pelo Governo pois devia ser a própria Câmara dos Pares a fazê-lo. Os dois chefes
históricos acharam-se isolados no Conselho de Estado e o duque de Loulé pediu a
demissão de presidente da Câmara dos Pares. A rapidez com que o rei o substituiu neste
alto cargo pelo marquês de Ávila (carta régia de 11/10), dá ideia de que Loulé perdera já
a sua influência. Abriu-se uma querela jurídica: na Câmara dos Pares, uma moção do
histórico Vicente Ferrer contra a legalidade da convocatória foi rejeitada e os históricos
afastaram-se do julgamento. No mês seguinte foi dada a sentença, estando o réu ausente
no estrangeiro, pelo tribunal constituído por 31 pares, quase todos Regeneradores768.
Em 1873 foram absolvidos alguns civis; e em 1874 o conselho de guerra
absolveu todos os réus militares, excepto três: o major Pimenta (barão do Pomarinho) e
dois sargentos769. Donde o jornal histórico concluiu que não houvera tentativa de
revolta; «havia quando muito um punhado de maquinadores insignificantes, sem
influência no exército, sem partido no povo, sem merecimento pessoal, que
representavam as tradições degeneradas dos desprezíveis penicheiros»770.
Fosse como fosse, a revolta chamada «pavorosa» foi muito importante para o
poder de Fontes, por duas razões: primeira, por ter dado uma imagem de energia,
763 Luís Dória, Correntes do radicalismo, 181-195; 764 Carlos Guimarães da Cunha, A Janeirinha, 256 765 Diário Popular, 1/8/1872, em Carlos Guimarães da Cunha, A Janeirinha, 259; Primeiro de Janeiro em Luís Dória, Correntes do radicalismo, 208 766 Jornal do Comércio, 10/8/1872, em Carlos Guimarães da Cunha, A Janeirinha, 256 767 Jornal do Comércio, 15 e 31/8/1872, em Carlos Guimarães da Cunha, A Janeirinha, 256-257; A Revolução de Setembro, 28/8/1872, em Luís Dória, Correntes do radicalismo, 225 768 Alberto JG Belo, A Câmara dos Pares na Época das Grandes Reformas Políticas, 127-135 769 Carlos Guimarães da Cunha, A Janeirinha, 257-258 770 País, 8/2/1874
161
decerto apreciada pela opinião pública e bem vista pelo rei, contrastando com a alegada
imprevidência do Governo de Loulé face ao golpe de Saldanha de 1870; segunda, a
mais importante, por ter colocado a presidir à Câmara Alta, em vez de um adversário,
um aliado, comprometendo-o mais no apoio ao Governo. A partir daí, o presidente do
Conselho pôde influenciar a agenda dessa Câmara Alta, de aristocratas, tantas vezes
incómoda para os governos. No último dia de 1872, Fontes e Ávila jantaram no Paço e
combinaram não fazer reformas políticas e administrativas substanciais771, o que se
reflectiu no discurso da coroa imediato. Os dois chefes políticos escreviam-se para
combinar os trabalhos parlamentares sobre assuntos delicados: por exemplo, Fontes
pediu a Ávila que não deixasse subir à discussão um projecto sobre as carreiras dos
oficiais do exército enquanto ele não pudesse «remover alguns atritos»772.
Na evolução política de Espanha, que obviamente assustou o rei, e na forma
como os partidos se posicionaram perante ela esteve outro elemento que reforçou o
poder de Fontes. A Espanha encontrava-se em pleno «hexénio revolucionário» (1868-
1874). Vago desde 1868, o trono foi entregue no final de 1870 a Amadeu de Sabóia,
irmão da rainha portuguesa Maria Pia, mas ele nunca foi bem aceite; aliás, chegou a
Espanha no próprio dia em que foi assassinado quem mais se batera por ele e deveria ser
o seu maior protector, general Prim. No início de 1872, os Históricos portugueses
receberam a visita de deputados espanhois do Partido Progressista Radical, com o qual
se identificaram e estreitaram relações; e exultaram quando Zorrilla, o chefe desse
partido, subiu ao poder773. Alguns meses depois, todavia, o rei Amadeu abdicou e a
república foi proclamada em Espanha, em Fevereiro de 1873.
O caso repercutiu-se na imprensa portuguesa. Os Reformistas do Jornal do
Comércio saudaram a república na Espanha como «uma necessidade fatal, imposta pela
defesa das liberdades nacionais e pela honra do grande partido liberal»; mais
moderados, os Reformistas do Diário Popular achavam a democracia compatível com
as monarquias constitucionais774. Os Regeneradores insinuavam o republicanismo
tendencial dos Históricos, ou a sua duvidosa fidelidade ao regime, como se estes
partilhassem a responsabilidade pelo fracasso da monarquia espanhola. Os Históricos
negavam ser republicanos, porque «nós temos o que os espanhois não têm: temos uma
dinastia portuguesa que acaudilhou a nossa revolução liberal, foi e é fiel ao sistema
771 Paulo Jorge Fernandes, D. Luís, 189 772 Carta de 26/3/1873, em José Miguel Sardica, Duque de Ávila, 532 773 Gazeta do Povo, 16/6/1872; A Revolução de Setembro, 25/2/ e 1/3/1873 774 Jornal do Comércio, 12/2/1873; Carlos Guimarães da Cunha, A Janeirinha, 269-270
162
representativo»; apelavam à monarquia portuguesa «a que sem detenças se rodeie de
instituições democráticas e se fortaleça realizando pacífica e legalmente as reformas que
a vizinhança da república espanhola impõe moralmente»; «A nossa bandeira está
desfraldada: monarquia-democrática»775; e como o Governo já não pensava na reforma
da Carta, acusavam os Regeneradores de serem conservadores. Por esse tempo, o rei D.
Luís e seu pai, D. Fernando, escreveram à rainha Vitória a pedir auxílio à Inglaterra776.
«Despotismo e desorganização, eis a república na Europa», dizia o jornal
regenerador777 a marcar o contraste com a paz e a prosperidade em que o nosso país
vivia. O défice reduziu-se «a menos de um terço», como «feliz resultado das leis
ultimamente votadas», ao passo que «o Partido Histórico nada fez no último período em
que foi governo»778. Não era muito justa a comparação, já que a prosperidade se devia
ao afluxo das remessas dos nossos emigrantes no Brasil, desde o fim da guerra no
Paraguai, em 1870; só a ditadura de Saldanha e a guerra franco-prussiana tinham adiado
os efeitos benéficos, que chegavam agora em pleno Governo de Fontes.
As receitas fiscais aumentaram, o crédito português nos mercados financeitos
subiu, tornando mais leves os juros dos empréstimos externos; já não era necessário
carregar tanto nos impostos. O Gráfico nº 1 ilustra bem a evolução dos fundos
portugueses, em queda nos anos 1865-1871 e em subida nos anos 1871-1876. O grande
êxito obtido na subscrição de títulos da dívida pública levou o jornal regenerador a
embandeirar: «como é favorável ao desenvolvimento e à prosperidade de um povo a
ordem enlaçada indefectivelmente com a liberdade», «o progresso material e moral de
um país é absolutamente incompatível com as revoluções»779. 1873 foi um «ano de
opulência e de sonhos ridentes. Tudo denuncia que o país vive contente, sem
preocupações e na abastança, o tesouro público não está minguado de recursos; o
dinheiro abunda, os melhoramentos públicos são muitos e variados; os teatros são
numerosos, os folguedos sem conta, as publicações literárias assombram pela
quantidade e as edificações em cada rua atestam, se não sempre o bom gosto, ao menos
a riqueza e, muitas vezes, a vaidade. Não há memória de uma época assim»780.
775 País, 13 e 14/2 e 1/3/1873 776 Cartas de 30/5/1873 e de 28/6/1873, em Maria Filomena Mónica, Fontes, 108-109 777 A Revolução de Setembro, 29/10/1873 778 Gazeta do Povo, 3/5/1872; A Revolução de Setembro, 8/5/1872 779 A Revolução de Setembro, 25/9/1872 780 Pinto Coelho, Os bancos em Portugal em 1875, citado em Joaquim de Carvalho, «Estabelecimento do rotativismo», 405
163
5.2 – A oposição abafada (1874-1876)
Tendo reunido todas as condições favoráveis ao exercício do poder, depois
reforçadas com a vitória eleitoral de 1874, Fontes governou no grau mais elevado do
seu domínio, sem quase conceder espaço à oposição. Fez lembrar os tempos de Costa
Cabral, parecendo ter esquecido a promessa do seu discurso inicial de não querer uma
«restauração» (do «Governo da Fusão»).
Um indicador significativo deste domínio foi a duração das sessões anuais do
legislativas. Ao contrário da prática habitual de prorrogar as sessões por mais um, dois
ou três meses além do mínimo legal de três, sucedeu que nos anos de 1874, 1875 e
1876, as Cortes fecharam inapelavelmente no dia 2 de Abril. Já em 1873 a sessão se
encerrara «precipitada e tumultuariamente», «em quatro dias votou-se o que em oito não
podia ser lido», «nas últimas horas já mal se leu e não se ouviu absolutamente o que se
votou»; «trabalhou-se dia e noite de empreitada»; e como o jornal regenerador tivesse
inventariado os projectos que por falta de tempo não puderam ver votados, perguntara o
jornal histórico: «Porque é que o Governo não prorrogou as câmaras?»781.
O debate entre os principais partidos continuou a ser feito em torno da questão
do regime. Aos Reformistas podiam com alguma razão os Regeneradores acusar de ser
republicanos, mas procuravam envolver os Históricos na mesma acusação. Estes
rejeitavam que os rivais teimassem em inculcá-los como «inimigos da ordem e das
instituições», dizendo que «nessa calúnia» baseavam «a sua influência nas altas
regiões»782. As diferenças entre os partidos da esquerda foram confirmadas em várias
votações sobre as dotações da família real, em Março, votando os Reformistas a favor
da redução das dotações e os Históricos contra783. O que os Históricos questionavam
era a qualidade da monarquia: «O que tem ganho a monarquia com o Governo
conservador? O que tem ganho em retardar a reforma da constituição política no sentido
democrático? Nada, nem a esperança de poder dispensar essa reforma»; e reafirmavam
a necessidade de a monarquia ser democrática, «de se amoldar ao espírito do século,
mergulhando as raízes na soberania popular»784. «São os conservadores que perdem os
tronos, são eles que cavam a ruína das monarquias», acusou José Luciano785.
781 País, 9 e 13/4/1873 782 País, 29/1/1874 783 Diário da Câmara dos Deputados, 11 e 20/3/1874, 737 e 830 784 País, 1 e 25/1/1874 785 Diário da Câmara dos Deputados, 18/3/1874, 827
164
Logo que a sessão legislativa completou três meses, encerrou-se, «cumpriu-se a
formalidade»; justificou-se o Governo que «As circunstâncias graves na Europa não
aconselham a prorrogação»786. Mas disse José Luciano: «Se o Parlamento serve só para
isto», «para votar autorizações ao Governo, para lhe delegar as suas atribuições», «então
pode dispensar-se por inútil»787.
Foi a última sessão da legislatura, depois de um debate sobre se deveria durar até
1874 ou 1875, dependendo de se considerar extraordinária a sessão de 1871. Os
Regeneradores acabaram por impor eleições nesse ano, confiantes de poderem reforçar
a sua representação, ao passo que os partidos da oposição receavam o inverso.
No intervalo, o Governo regenerador promoveu a nomeação de 20 novos pares,
incluindo Braamcamp. Mas este não aceitou, por uma questão de princípio, por achar
«exorbitante» a prerrogativa que a Carta conferia ao rei de criar pares do reino sem
limitação de número; aliás, já por mais de uma vez no passado ele rejeitara a mesma
nomeação, quando oferecida pelos seus amigos políticos788. Além disso, esta «fornada»
contradizia a intenção regeneradora, manifestada em 1872, de reformar a Câmara dos
Pares, conforme denunciou José Luciano789. Era notória a diferença de atitude entre os
dois partidos em relação à Câmara Alta, com os Regeneradores a colocarem nela os
seus mais altos dirigentes e os Históricos a secundarizarem-na, donde depois lhes
advieram sérias dificuldades no Governo presidido pelo próprio Braamcamp.
Nas eleições realizadas no verão de 1874, o domínio de Fontes alargou-se a mais
cerca de 25 deputados, passando a ter a maioria absoluta só com os deputados do seu
partido, sem precisar aritmeticamente dos outros grupos, e reduzindo a menos de
metade a oposição parlamentar. De facto, só o Partido Regenerador se reforçou nas
eleições, já que os grupos Avilista e Constituinte foram respeitados nas dimensões que
tinham, além de que boa parte dos deputados avilistas se foram tornando regeneradores.
A oposição, que antes valia, em conjunto, perto de 40 deputados, ficou bastante mais
fraca, reduzida a 15 (sete Históricos e oito Reformistas); por vontade do Governo ainda
seriam menos, pois que apenas deixou eleger sete sem luta.
Facto interessante destas eleições foi a entrada, como deputados regeneradores,
de «homens novos, avançados» (nomeadamente, Lopo Vaz, Júlio de Vilhena, Marçal
Pacheco), pela mão de Barjona de Freitas, que reforçaram a ala já sinalizada em torno
786 País e A Revolução de Setembro, 31/3/1874 787 Diário da Câmara dos Deputados, 19/1/1874, 827 788 País, 19/5/1874 789 Diário da Câmara dos Deputados, 11/1/1875, 43
165
deste ministro, o que motivou protestos da ala tradicional, conservadora, do partido790.
Também o ministro Sampaio abrigava n’A Revolução de Setembro jovens intelectuais
mais ou menos críticos do regime791. Era como uma variante da estratégia fusionista,
frentista, seguida pelo Partido Regenerador desde os anos 50, pretendendo representar
todo o espaço liberal, pela integração de elementos isolados da esquerda e pelo combate
às organizações da esquerda que podiam constituir a verdadeira alternativa.
O país «sancionou de um modo estrondoso a política sinceramente liberal
seguida pelo ministério regenerador desde que entrou no poder», exultaram os
Regeneradores792, enquanto os Históricos tiveram de reconhecer os «contentamentos
verdadeiros» que a situação motivava; de pouco lhes valera a circular enviada aos
centros da província, a explicar a melhoria da situação económico-financeira pela acção
dos governos anteriores, a melhoria dos mercados e o fim da guerra do Paraguai793.
No fim do ano terminou o «hexénio revolucionário» em Espanha, com o fim da
república e o regresso à monarquia com um novo rei, filho da rainha deposta em 1868.
O país vizinho iniciou um ciclo de concórdia e estabilidade, caracterizado pelo
«turnismo» entre dois grandes partidos. Por cá, o sector republicano dos Reformistas
considerou «funesto» que a Espanha voltasse ao «império do trono e do altar»794. O
jornal regenerador saudou a «nova revolução triunfante em Espanha» e desejou: «Deus
fade bem o trono de Afonso XII e, apagando da mente do jovem príncipe as deploráveis
tradições da sua família, lhe ensine a ser rei constitucional»795.
A ameaça espanhola afastou-se, mas os Regeneradores continuaram a acusar os
rivais de manterem o programa de 1872, «quando saudaram os seus irmãos de Espanha
que puseram fora do trono o rei incauto que lhes entregou o poder. Aqui fariam o
mesmo»796. Os Históricos rejeitavam a intriga repetida «pela milésima vez», embora
reconhecendo: «É certo que nos demos por irmãos, em princípios, dos radicais
espanhóis; se, porém, foram iludidas as esperanças que fundávamos neles, e que eram as
da consolidação e não da ruína do trono de D. Amadeu, os princípios que representavam
salvaram-se dos erros e culpas dos homens»797.
790 Marçal Pacheco, Diário da Câmara dos Deputados, 1/8/1887, 2245-2247 791 Rui Ramos, «A formação da intelligentsia portuguesa (1860-1880)» 792 A Revolução de Setembro, 14/7/1874 793 País, 17/6 e 31/7/1874 794 Jornal do Comércio, 1/1/1875, em Carlos Guimarães da Cunha, A Janeirinha, 273 795 A Revolução de Setembro, 5/1/1875 796 A Revolução de Setembro, 24/1/1875 797 País, 26/1/1875
166
A questão da reforma constitucional voltou à cena parlamentar, tal como nos
anos anteriores. Desta vez, os projectos reformista e histórico foram reapresentados no
mesmo dia. José Luciano tentou abrir brecha na maioria: o Governo era «conservador»
e estava «à mercê de um grupo adverso a todas as inovações políticas», porque a
proposta de reforma que apresentara «teve de a deixar morrer nos arquivos duma
comissão eleita por sua ordem, porque os seus aliados se recusaram a acompanhá-lo». O
jornal histórico corroborou: «a Carta, promulgada há quase 50 anos, pode e deve ser
reformada porque a experiência constitucional de meio século é já bastante para que a
transição se dê por efectuada e a transacção por concluída. Exige-o o espírito do século.
Foi el-rei que o disse»798. Uma carta de Fontes pedia a Ávila «o favor de mandar
insinuar aos seus amigos a conveniência de estarem cedo na câmara», no sentido da
rejeição «in limine» para impedir que se discutisse «um assunto que não julgamos
oportuno»799. As propostas oposicionistas não foram admitidas à discussão por
diferenças de votos (61-13 e 62-13) bem expressivas do desequilíbrio das forças800.
A oposição sentia-se esmagada. Dizia o jornal histórico: «Quem ler o discurso
da coroa suporá o nosso país na raia da perfeição. Já há pouquíssimo que melhorar e
quase nada que alterar». E o jornal regenerador: «O que têm feito os Históricos, ou o
que prometem fazer? Nada»801. Segundo o relatório do ministro da Fazenda, o défice
era o menor dos últimos 18 anos802. A revolução de Espanha fizera transferir fundos
para Portugal. Vivia-se na «febre dos bancos» e no «delírio financeiro»803. A boa saúde
do tesouro permitia satisfazer a despesa interna corrente sem novos impostos e sem
deduzir mais nos vencimentos do funcionalismo804.
Sentindo-se impotente, a oposição remeteu-se ao silêncio. «Na câmara este ano a
oposição deliberou conservar-se muda e impassível», registou o jornal regenerador; «A
oposição abdicou, tanto no Parlamento como na imprensa. Esmagada pela opinião do
país, vencida pelo convencimento da própria incompetência», sem poder «excitar
paixões políticas que debalde por muito tempo procurou inflamar»805. Na ordem do dia
quase não havia debates. O orçamento foi aprovado em poucas sessões. Os Históricos
798 País, 12 e 14/1/1875 799 Carta de Janeiro de 1875, em José Miguel Sardica, Duque de Ávila, 533 800 Diário da Câmara dos Deputados, 25/1 e 1/2/1875, 184 e 190 801 País, 5/1/1875 e A Revolução de Setembro, 12/1/1875 802 A Revolução de Setembro, 13/1/1875; País, 17/1/1875 803 José Miguel Sardica, Duque de Ávila, 529 804 Marques Gomes, História de Portugal (Manuel Pinheiro Chagas), 422; José Miguel Sardica, Duque de Ávila, 529 805 A Revolução de Setembro, 6 e 9/2/1875
167
confirmaram: «Sabemos que a luta dos partidos é da essência do sistema representativo
e que para o regular funcionamento dos negócios públicos é tão necessária a cooperação
das oposições como a iniciativa dos governos»; mas como do sistema representativo só
existia o nome, achavam-se isentos do seu dever de oposição e prometiam:
«Lavraremos apenas protesto contra os vossos continuados escândalos, e nada mais»806.
Um dos assuntos dominantes da sessão legislativa de 1875, o da construção de
caminhos-de-ferro, prestava-se a suspeições. Os Históricos também achavam um
«sacrifício inútil e arbitrário» e uma «despesa supérflua» o empenho de Fontes em
conservarem-se em armas as reservas do exército807. Sobre os caminhos-de ferro,
Braamcamp por diversas vezes denunciou o «despesismo» do Governo, por exemplo, a
propósito da linha férrea do Norte, que era preciso completar conciliando «com os
interesses do tesouro»; também propôs que não houvesse construção simultânea dos
caminhos-de ferro da Beira Alta e da Beira Baixa e «que a sua construção se adiasse até
que o Governo espanhol concluísse as linhas com que há-de entroncar»808.
Em 2 de Abril fecharam-se as Cortes, deixando muitas propostas «sem efeito,
inutilizadas», já aprovadas na Câmara dos Deputados mas sem a aprovação da Câmara
dos Pares; uma delas foi a dos caminhos-de-ferro da Beira Baixa, o que desagradou ao
grupo de Vaz Preto, apoiante do Governo. Por que não houve prorrogação?; porque
«Fontes não quis empenhar-se»809. Entre outros, o Jornal do Porto denunciou: «Os
trabalhos parlamentares foram de uma esterilidade sem igual»810. Podia entender-se a
pressa do Governo em fechar as câmaras quando a maioria era escassa, dentro de uma
política de evitar todas as lutas sem certeza de vencer; mas desde que ganhou uma
grande maioria nas eleições, deixou de entender-se que não fossem discutidos projectos
que o próprio Governo considerara urgentes, a não ser que fizesse parte do programa
governativo de Fontes viver com as câmaras o menos tempo possível811.
Repentinamente, em 23/5/1875, faleceu o duque de Loulé, um dos vultos
políticos mais importantes do regime da Monarquia Constitucional, presidente do
Partido Histórico praticamente desde o seu início, cuja carreira conhecera o seu máximo
entre 1856 e 1865. A sua morte suscitou desenvolvimentos e comentários que merecem
atenção. Por exemplo, surpreende a falta de destaque com que o jornal regenerador
806 País, 18 e 20/2/1875 807 País, 25/3 e 1/4/1875 808 País, 30/1 e 18/3/1875 809 País, 3 e 7/4/1875 810 Jornal do Porto, citado em País, 8/4/1875 811 Marques Gomes, História de Portugal (Manuel Pinheiro Chagas), 416, 426-427 e 433
168
noticiou o caso, sem qualquer título, a meio da segunda coluna812. O habitual em casos
idênticos era dedicar-lhe toda a primeira página com largo título, como dali a poucos
meses sucedeu com a morte do marquês de Sá da Bandeira, primeiro chefe dos
Reformistas. Tratou-se de uma descortezia ostensiva que ilustra, por um lado, o mau
estado das relações entre os dois partidos rotativos, em particular, das relações entre o
duque de Loulé e Fontes Pereira de Melo, como fora patente durante o «Governo da
Fusão», mas também, provavelmente, a perda de influência de Loulé junto do rei.
Nos dias seguintes, as referências do jornal regenerador ao ilustre falecido
continuaram num tom depreciativo, especialmente, na polémica com o jornal histórico
que se manifestava desgostoso por o Governo não ter levado o cadáver para S. Vicente
de Fora, como fora o duque de Terceira813: «Podia ir? Podia, sem dúvida», mas
«Nenhum direito tinha», cortou o jornal regenerador814. É provável que, se os Históricos
estivessem então no poder, o duque de Loulé teria tido essa glória. Nesse caso, quem
sabe se Fontes Pereira de Melo, dali a 12 anos, a não teria também? Do duque de Loulé
ficou para a posteridade uma imagem de «indolência», talvez pela mesma razão como
outros o achavam de «altíssimo bom senso», de «serenidade imperturbável»815.
O mais interessante, para os efeitos da tese, esteve no debate sobre os partidos
políticos. Tratava-se de saber se e em que medida o Partido Histórico sobreviveria à
morte do seu (quase) fundador. A resposta a esta questão foi dada, indirectamente, num
artigo publicado, poucos dias depois, no jornal histórico: «Não são os homens que
formam os partidos, mas as ideias, e são elas que lhes dão razão de ser, que lhes
asseguram consistência, que os tornam superiores aos acidentes das existências
individuais e às vicissitudes dos factos»816. O artigo desenvolvia uma teoria dualista
sobre as ideias políticas e o sistema partidário, que afinal correspondia à rotação
bipartidária defendida nomeadamente por José Luciano de Castro; aliás, com forte
probabilidade, foi escrito por ele mesmo: «como a divisão mais genérica e a mais
natural dessas ideias é em progressistas e em conservadores, […] deve-se acertar por ela
a divisão primária dos grupos, a quem cabe a gerência do Estado». Afirmava ainda que
«Em todos os países, em todos os tempos, em todas as circunstâncias, existem sempre
duas opiniões, em que podem caber todas as que os espíritos individuais formulam: a
812 A Revolução de Setembro, 25/5/1875 813 País, 2/6/1875 814 A Revolução de Setembro, 1, 2 e 3/6/1875 815 Marques Gomes, História de Portugal (Manuel Pinheiro Chagas), 427-428 816 País, 1/6/1875
169
opinião dos que querem apenas conservar as instituições e as leis, isto é, a dos que já
realizaram o seu ideal político, e a dos que desejam progredir»; «Conservação e
progresso são pois dois lemas que nunca se apagam, que nunca perdem oportunidade,
muito embora as suas significações variem no tempo; e são lemas de dois partidos
essenciais no mecanismo do sistema que nos rege e que não deixam fora de si nenhum
voto político»; «Serão necessários mais?», perguntava e logo respondia: «Não só não
são necessários senão que não existe lugar nem posição para eles. Quando se
multiplicam, como entre nós, o que sucede? Que um governa, outro faz-lhe oposição, e
os demais ligam-se e fundem-se com um dos dois».
«O Partido Progressista Histórico não morreu», proclamou o jornal histórico a
propósito da aclamação de Anselmo Braamcamp, como presidente, e de José Luciano,
como vice-presidente do partido817. «O Partido Histórico proclama que continuará a ser
“monárquico, progressista e democrático”, registou um jornal reformista818. Para vincar
a sua identidade em relação aos rivais, o jornal histórico honrou-se da «abolição dos
vínculos como a reforma superior a todas as outras», ao que o regenerador respondeu
que «a abolição dos vínculos foi por consenso unânime de toda a família liberal»; «os
impugnadores foram unicamente os representantes do absolutismo»819.
Nas exéquias do duque de Loulé, numa reunião partidária no salão do S. Carlos,
Braamcamp definiu-se «pela monarquia democrática», para «combater a reacção
religiosa e a política conservadora». José Luciano, algo mais centrista, defendeu
«reformas dentro da legalidade e pela democracia» e que a «missão do Partido
Progressista» era a «aliança da monarquia com a liberdade». O jornal regenerador
apontou logo Luciano de Castro como «coadjutor e futuro sucessor» de Braamcamp820.
Nesta reunião foi também aprovado um novo modelo organizativo: «que o
centro progressista de Lisboa constitua a comissão executiva de todo o partido, podendo
consultar os centros das províncias»; «que os membros dos centros das províncias se
considerem membros natos do centro de Lisboa para o efeito de poderem tomar parte
nas suas deliberações»821. A morte do duque de Loulé favoreceu decerto este avanço
organizativo, que antecipou o outro avanço que virá, no ano seguinte, com a formação
do Partido Progressista, traduzindo uma consciência maior dos dirigentes políticos da
817 País, 3/6/1875 818 Diário Popular, 3/6/1875 819 País, 4/6/1875 e A Revolução de Setembro, 6/6/1875 820 A Revolução de Setembro, 27/6/1875 821 País, 24/6/1875, 2
170
necessidade de democratizar os partidos822; em todo o caso, já nas suas origens, em
1856, o Partido Histórico aprovara uma certa estrutura, com presidente, vice-presidentes
e secretários, uma «comissão eleitoral permanente», uma «comissão de redacção» e
uma «comissão de administração»823.
Também pela morte do duque de Loulé se tornou mais fácil a aproximação entre
os partidos Histórico e Reformista para juntos representarem a ideia «progressista» em
oposição à ideia «conservadora». Para esse efeito, realizou-se então (24/6/1875) uma
reunião no palácio do visconde de Valmor824. Todavia, alguns meses depois, dizia
Braamcamp sobre os Reformistas, em carta dirigida a José Luciano: «não sei o que é
feito de tal partido. Ninguém o vê, ninguém sabe dele», «por muito que batalhemos não
há fusão possível, pelo menos por enquanto»825.
5.3 – 1876, ano de viragem e de novas alternativas
Em 1876 houve um notório desgaste em algumas das condições que sustentavam
o domínio de Fontes. O sinal mais evidente da mudança política foi a passagem para a
oposição dos grupos de amigos de Ávila e de Vaz Preto. De Espanha chegavam notícias
de paz e já não a ameaça que poderia ter justificado a recusa das reformas políticas. A
meio do ano, uma crise bancária, que se projectou na área comercial, anunciou o fim do
ciclo de prosperidade. Fontes ainda iria continuar a mandar no país por uma década,
com interrupções, mas nunca mais no mesmo «estado de graça».
Tal como nos anos anteriores, as oposições reformista e histórica repetiram os
seus projectos de reforma da Carta e a maioria repetiu a sua recusa à discussão; desta
vez nem sequer os admitiu à leitura, alegando não terem recolhido um terço dos votos
presentes826, o que não era prática habitual e pareceu um tique novo de autoritarismo. O
jornal regenerador repetiu não julgar necessária a reforma da Carta, «visto que nenhuma
liberdade pública periclita, nem nenhuma manifestação da soberania popular é
ameaçada», mas também disse desejá-la «sob a condição de se não fazer dela arma
política que desuna as facções liberais e incendeie entre elas o facho da guerra civil», e
que «se a reforma da Carta se tornou inoportuna, deve-se à atitude intransigente dos
822 José Tengarrinha, «Os primórdios dos partidos políticos em Portugal», 43-45 823 José Miguel Sardica, A Regeneração sob o signo do Consenso, 201-202 824 Paulo Jorge Fernandes, D. Luís, 193 825 Carta de 11/10/1875, em Fernando Moreira, José Luciano de Castro. Correspondência Política, 86-88 826 Diário da Câmara dos Deputados, 13 e 15/1/1876, 40 e 52
171
partidos da oposição»827. Se era por falta do acordo da oposição que se não debatia a
proposta do Governo para a reforma da Carta, então, desta vez, Manuel Pinheiro Chagas
(do grupo Vaz Preto), agora a reforçar as oposições habituais, surpreendeu ao adoptar a
proposta do Governo regenerador apresentada em 1872828. Respondeu o jornal
regenerador: «Não pode haver ali convicção de princípios»829. Talvez; mas não haveria
também contradição no Governo e na maioria se recusassem a própria proposta? Assim
aconteceu: quem rejeitou a proposta do Governo foi a maioria e quem a apoiou foram as
oposições! Fontes alegou que o Governo já desistira da sua proposta830.
Na mesma sessão fez-se o debate sobre os partidos. O Partido Regenerador não
era progressista, disse José Luciano, porque «progressistas são os que querem avançar
prudentemente mas sem repouso»; «o Governo representa o partido conservador que
não consente, numa época de paz, a revisão das instituições do Estado», «há quatro anos
disse que o espírito do século exigia a reforma da Carta e agora não tolera que propostas
sejam lidas na mesa e vão à comissão». Fontes invocou o «incontestável progresso e a
prosperidade que não há nacionais nem estrangeiros que não reconheçam», resultantes
dos melhoramentos em estradas, caminhos-de-ferro, escolas, armamento do exército,
etc, e que a tal se devia a «benevolência da opinião pública». Júlio de Vilhena recusou a
classificação de conservador atribuída ao Partido Regenerador: «este é o partido
realmente progressista»; e confessou ter-se filiado «no Partido Regenerador
abandonando o Partido Histórico porque o Partido Histórico é progressista nas palavras
mas é reaccionário nos actos», lembrando, entre outros, o caso das Irmãs da Caridade. O
que motivou José Luciano a insistir que «o Partido Regenerador há muito tempo alijou
os seus princípios progressistas, hoje na prática só defende as doutrinas do credo
conservador», e a enaltecer a identidade progressista do Partido Histórico lembrando os
seus «brazões de glória» (a extinção dos dízimos, ter feito sair do reino as Irmãs da
Caridade francesas, a extinção dos vínculos, a desamortização, a liberdade dos cereais e
a extinção do monopólio do tabaco)831. Confrontavam-se, mais uma vez, a visão
dualista e alternante dos Históricos e a visão unitária dos Regeneradores.
Todavia, o que mais desgastou a maioria e a «benevolência da opinião pública»
para com o Governo foi o debate sobre os caminhos-de-ferro, cheio de suspeições. Já
827 A Revolução de Setembro, 13/1/1876 828 Diário da Câmara dos Deputados, 15/1/1876, 53-54 829 A Revolução de Setembro, 16/1/1876 830 Diário da Câmara dos Deputados, 17/1/1876, 62 831 Diário da Câmara dos Deputados, 17/1/1876: José Luciano, 63 (121-123); Fontes, 63-65; Diário da Câmara dos Deputados, 18/1/1876: Vilhena, 72 (92-95) e José Luciano, 72-76
172
em 1873, perante as censuras da oposição a uma proposta que fazia concessões à
Companhia dos Caminhos de Ferro, os ministros Fontes e Serpa tinham sido forçados a
pedir a demissão de administradores da mesma Companhia832. Depois, em 1875, o
encerramento das Cortes, quando só faltava a aprovação dos pares à construção do
caminho-de-ferro das Beiras indispôs os «amigos de Vaz Preto» contra o Governo.
Agora rebentava uma polémica sobre a concessão do ramal Cacilhas-Pinhal Novo a
favor do deputado regenerador Lourenço de Carvalho, parente de ministros833 e dono de
um jornal onde escreviam ministros. Os Avilistas colocaram-se também na oposição.
Sobre esta «escandalosa concessão», foi feita uma interpelação por Barros e
Cunha834 (oscilante entre os Históricos e os Avilistas). Fontes escreveu a Ávila a
combinar como deviam os partidários dum e doutro comportar-se perante uma proposta
«que implique desconfiança no Governo». Ávila respondeu: «Se eu fosse membro da
câmara electiva, não votaria neste momento uma moção de censura ao Governo, mas
não aprovaria tão pouco qualquer proposta que directa ou indirectamente aprovasse as
concessões a que se alude agora naquela câmara, as quais reputo prejudiciais ao Estado
[…] aprovaria sem hesitação qualquer proposta tendente a provocar o exame de uma
comissão sobre o assunto […] É neste sentido que tenho falado aos meus amigos»835.
Isso não impediu que a concessão fosse aprovada, depois de recusada uma proposta para
que fosse examinada pelas comissões de Legislação e de Obras Públicas, por 61-25
votos. Também na Câmara dos Pares a concessão foi alvo de interpelação, terminando
com uma votação favorável ao Governo por 45-24 votos836.
O Partido Histórico encarou a «abstenção». Bem sabia que «O dever das
oposições é lutar», que o sistema constitucional «não funcionará perfeito se ao exercício
do poder faltar o antagonismo da crítica e censura» e para tal «a oposição é um
elemento indispensável». «Nas circunstâncias normais», portanto, a abstenção é «um
abuso», «um delito», «um erro», de tal modo que «Um partido que se abstém, quando a
legalidade lhe está aberta, é um partido que se suicida». Só que as circunstâncias não
eram normais, diziam os Históricos: «O sistema parlamentar é uma burla, o direito de
crítica e exame uma ficção irrisória»; «Em tal caso a abstenção não é um delito, porque
não ofende o que não existe, o que está perdido e morto; não é um erro nem um abuso,
832 País, 6/3/1873; Diário da Câmara dos Deputados, 26/3/73, 896; A Revolução de Setembro, 27/3/1873 833 País, 27/1/1876 834 País, 1/2/1876 835 Carta de Fontes, de 4/2/1876; carta de Ávila, de 5/2/1876; em José Miguel Sardica, Duque de Ávila, 538-539 836 Diário da Câmara dos Deputados, 5/2/1876, 260; Diário da Câmara dos Pares, 27/3/1876, 295
173
porque é a dura lei da necessidade»837. Os Regeneradores desafiaram: «A oposição quer
ir para a rua. Pois vá […] Avante, paladinos, conspirai, que se realizardes as vossas
ameaças, a polícia e o Limoeiro vos esperam»838.
Por iniciativa do Partido Histórico, foi realizado um meeting no Casino
Lisbonense, no qual Emídio Navarro preconizou «a acusação criminal do actual
ministério»839. Na Câmara dos Deputados, Históricos e Reformistas propuseram a
nomeação de uma comissão de inquérito aos actos de todos os ministros. Como a
proposta não fosse admitida à discussão, por 65-22 votos, os proponentes abandonaram
a sessão840 e não mais compareceram até ao fecho das Cortes, dali a dias. «Entramos em
vida nova e sabemos que o mundo não se fez num dia»; e, num manifesto, justificaram
não poder concordar com a «ficção constitucional» que se vivia841. As câmaras foram
encerradas dali a poucos dias e, apesar de muitos projectos aprovados à última hora, na
Câmara dos Pares ainda ficaram pendentes 33.
A «vida nova» envolveria a união dos dois partidos da esquerda? Nesse mês de
Março, Braamcamp recebeu o mandato para tratar da reconstituição do antigo Partido
Progressista842. Considerava-a uma «necessidade urgente», mas ao reformista Francisco
Mendes esclareceu que «não admitia confusões com o Partido Republicano, aceitando
somente as instituições constitucionais, com todas as aspirações liberais que elas
comportam»843. Referia-se decerto à facção republicana do Partido Reformista que já
então tratava de se autonomizar, realizando com outros grupos republicanos, em
28/3/1876, um jantar de festa pelos resultados eleitorais em França e fundando o Centro
Republicano Democrático, cujo directório foi eleito em 3/4/1876, integrando ex-
reformistas de destaque, tais como Elias Garcia e Latino Coelho.
A união dos dois partidos da esquerda monárquica, todavia, continuava a
enfrentar hesitações: da parte dos Históricos por saberem que «as pessoas reais»
estavam inquietas844; da parte dos Reformistas, por falta de liderança política, dado a
afastamento em que vivia o bispo de Viseu – de facto, já não passavam então de um
837 País, 4/3/1876 838 A Revolução de Setembro, 14/3/1876 839 País, 19/3/1876 840 Diário da Câmara dos Deputados, 24/3/1876, 760 841 País, 28 e 29/3/1876 842 País, 14/10/1876, citado em A Revolução de Setembro, 17/10/1876 843 Carta de Braamcamp a José Luciano de Castro, de 27/3/1876, em Fernando Moreira, José Luciano de Castro. Correspondência Política, 89-91 844 Paulo Jorge Fernandes, D. Luís, 196
174
pequeno grupo parlamentar845. Haveria de ser a crise bancária, declarada primeiro no
Porto, depois em Lisboa, a dar o empurrão decisivo a esse projecto de união.
Então rebentou o caso do adultério cometido pelo ministro Barjona de Freitas. O
escândalo foi gulosamente explorado por vários jornais, em especial o histórico, que a
ele dedicou os meses de Junho e Julho com editoriais diários sob o título «A
libertinagem no poder». Isto mostra até que ponto chegara o ressentimento do Partido
Histórico com alguém que entrara como seu representante no «Governo da Fusão» e se
passara depois para os Regeneradores. A análise do caso interessa sob vários aspectos.
Por um lado, explica em parte a actuação dos ministros da Justiça: José Luciano, em
1869-1870, alterou as medidas de Barjona no «Governo da Fusão», e Barjona, no actual
Governo Fontes, alterou as medidas de José Luciano846. Mostra também como as
críticas da oposição histórica ao todo poderoso Governo de Fontes se colocavam
sobretudo no plano da moral, por falta de capacidade ou de espaço no Parlamento para
as fazer no plano da política. Explica ainda alguma motivação pessoal na actuação de
Barjona como ala esquerda do Partido Regenerador, encaixada na estratégia
ambivalente deste partido, a convidar estudantes com imagem de radicais, tentando
meter dentro do partido o papel que normalmente competiria ao Partido Histórico.
Em Agosto «A crise comercial rebentou novamente»; segundo o Times, esta
«renovada crise» não era senão «a antiga, que rebentara no Porto em Maio»847.
Históricos e Reformistas do Porto concordaram em promover um meeting; «as
circunstâncias não podem ser melhores», disseram a Braamcamp, conforme carta que
este escreveu a José Luciano848: «estão todos exasperados com o Governo porque os
deixou como carapatos na lama», «os agentes dos directores dos bancos que dantes mais
se opunham são hoje os mais entusiastas»; parecia a Braamcamp ser «de facto bom
ensejo», mas ele «pouca fé» tinha nos Reformistas: «apreendo enormes dificuldades e
atritos, muito principalmente se chegarmos a constituir governo; no entanto não
podemos ficar eternamente nesta aliança desconfiada e de dente arreganhado».
Dia 18 de Agosto, «sexta-feira negra» em Lisboa. Fontes explicou ao rei o
«grande terror» que houve, com imensa gente na Rua dos Capelistas: os ânimos
exaltados, todos a pedirem providências, «sem atinarem bem com as que seriam mais
845 José Tengarrinha, «Os primórdios dos partidos políticos em Portugal», 42, nota 22 846 Ver A Revolução de Setembro, 24 e 25/2/1872, comparando os projectos de Barjona, de 1867, de José Luciano, de 1869, e de Barjona, de 1872 847 País, 13 e 30/8/1876 848 Carta de Braamcamp a José Luciano de Castro, de 17/8/1876, em Fernando Moreira, José Luciano de Castro. Correspondência Política, 94-95
175
convenientes»; o Governo, para evitar «sérias desgraças», decretou uma moratória de
dois meses para as transacções entre bancos e particulares; uma demonstração na praça
de Lisboa, «de toda a gente do comércio», devia ter sido preparada pela oposição mas,
ainda que o não fosse, esta iria retirar dividendos políticos na mesma849.
De facto, a oposição lançou sobre o Governo «As responsabilidades» da crise,
enquanto o jornal regenerador apelava: «Não culpemos ninguém»850. Poucos dias
depois Fontes dizia ao rei: «A crise vai passada», o Banco de Portugal conseguira mais
900 contos em Londres, não havia receio de desordem pública, e do Porto tinha as
«melhores notícias»; contudo, previa que «durante algum tempo o comércio, a indústria
e o tesouro hão-de ressentir-se do abalo por que passámos»851. Braamcamp lamentava
«que o ilustre ministro não sofresse alguma vez as torturas por que eu passei em 1869,
pois que se assim fosse Sua Exa decerto havia de modificar muito o génio arrojado com
que tanto se alarga nas despesas públicas»852.
A iniciativa da reunião de 7/9/1876, da qual resultou o «Pacto da Granja», praia
onde Braamcamp se encontrava a passar férias, foi de «vários cavalheiros do Porto
pertencentes aos partidos Histórico e Reformista», motivados pela crise bancária853.
Nela participaram 12 personalidades dos dois partidos, em paridade, que «acordaram
em propor e aconselhar aos seus correligionários a constituição de um novo partido,
com uma só bandeira, uma só divisa, um só programa, uma perfeita unidade de
pensamento e acção, que continue o antigo Partido Progressista de antigas e honradas
tradições»; elegeram uma comissão executiva de seis membros, também em paridade854.
A reunião pareceu conter algum improviso; limitou-se a aprovar as bases do
programa do partido (reforma da Carta Constitucional, descentralização administrativa,
ampliação do sufrágio e representação das minorias, difusão da instrução primária,
melhor legislação tributária, etc.855), a ser aprovado posteriormente. Era preciso
esclarecer os membros dos dois partidos em todo o país: não se tratava de uma nova
fusão, como aquela feita com os Regeneradores de que os Históricos guardavam más
recordações. «Fusão ninguém a quer, o que dá a certeza de que se chegará à unificação
que se deseja», escreveu o jornal histórico, corroborado pelo jornal reformista do Porto:
849 Carta de Fontes Pereira de Melo ao rei, de 19/8/1876, em Paulo Jorge Fernandes, D. Luís, 195 850 País, 18/8/1876; A Revolução de Setembro, 20/8/1876 851 Cartas de Fontes Pereira de Melo ao rei, de 22/8/1876, em Paulo Jorge Fernandes, D. Luís, 195-196 852 País, 22/8/1876 853 Diário Popular, 17/12/1876 854 País, 09/09/1876 855 JF Trindade Coelho, Manual Político do Cidadão Português, 605
176
era «uma necessidade política de há muito reclamada, que as circunstâncias melindrosas
do presente converteram numa necessidade pública»856. O jornal regenerador zombou:
tratava-se do casamento entre um partido que era «filho legítimo de… pais já falecidos»
com outro partido «filho de pais incógnitos»857.
O surgimento do Centro Republicano Democrático era motivo de acusações
mútuas entre os partidos: os Progressistas lembravam que o «Partido Republicano» não
existia antes de 1871. Mas «Quem saudou com entusiasmo a elevação de um ministério
que precipitou a queda do trono de D. Amadeu?», «Quem se propôs a trabalhar
paralelamente aos seus irmãos espanhois e sustentou que as ideias não paravam nas
fronteiras?», «Quem declarou que dispensava facilmente por dispendiosa e inútil a
realeza?», perguntavam os Regeneradores enaltecendo-se com o contraste que o estado
do país agora apresentava comparado com «últimas gerências oposicionistas»858.
Em Novembro, a saída de Barjona de Freitas do Governo era mais um sinal de
erosão do poder de Fontes, ou da «rede regeneradora» na qual estava «o rei envolvido
por todos os lados». A vitória eleitoral do Partido Progressista da Itália foi outro bom
alento para as ambições do partido que em Portugal se identificava com igual nome859.
Em 16/12/1876, realizou-se, em Lisboa, a primeira assembleia-geral do Partido
Progressista, sob a presidência de Anselmo Braamcamp. José Luciano de Castro leu o
projecto de programa com a respectiva Exposição Justificativa, detalhado em 22 pontos,
por si redigido após consulta aos centros históricos e reformistas das províncias e da
capital. O programa foi unanimemente aprovado, depois de ter sido sancionado pelos
centros locais dos dois partidos, separadamente860; assim como foi aprovado um
regulamento interno, proposto por Mariano de Carvalho, prevendo a reunião anual da
Assembleia-Geral e a eleição anual da Comissão Executiva. A primeira Comissão
Executiva foi nomeada por aclamação, com 12 elementos, dos quais dois presidentes
(Braamcamp e o bispo de Viseu) e dez vogais861.
Nos trabalhos dominou um espírito de paridade entre os partidos fundadores,
embora houvesse alguma predominância do ex-Partido Histórico, como se vê pelo local
onde foi realizada a assembleia-geral e pela liderança atribuída a Braamcamp, como era
desejo dos próprios Reformistas, donde a ideia da presidência dupla proposta por José
856 País e Primeiro de Janeiro, 12/09/1876 857 A Revolução de Setembro, 10/09/1876 858 A Revolução de Setembro, 01 e 05/10/1876 859 País, 11 e 15/11/1876 860 Paulo Jorge Fernandes, Mariano, 46, 49 861 Diário Popular, 17/12/1876
177
Luciano não passava de uma deferência com o bispo de Viseu862, algo afastado do
centro da política. Um tal afastamento e a saída da ala republicana mostravam como o
Partido Reformista perdera muito do élan dos tempos que se seguiram à Janeirinha.
A Exposição Justificativa do programa era em grande medida um apelo à
rotação dos partidos por parte de quem havia seis anos estava arredado do poder – nada
por que os Regeneradores já não tivessem passado, antes de 1865. Começava por
afirmar a existência dos partidos como condição do sistema representativo: enquanto
um exercesse as funções de governo, outros deviam criticá-lo, esclarecendo a opinião
«para oportunamente se operar, sem violências, a rotação constitucional do governo». E
apontava para a Europa, onde uma grande nação, a França, ensaiava a experiência de
regime republicano, fazendo crescer entre nós o número dos que «perderam a fé na
eficácia das instituições monárquicas»; mas na Europa havia exemplos certificando
quanto era «conciliável a monarquia representativa com todas as sãs ideias de progresso
e de liberdade». Precisamente era esta conciliação o que pretendia o Partido
Progressista. O problema estava no sistema eleitoral que permitia ao poder executivo e
aos seus agentes pressionarem os eleitores, de maneira que o partido que alcançasse a
preferência do rei conseguia sem dificuldade «alongar indefinidamente a sua
conservação no poder». Ora, «na falta de recursos legais para destruir o governo»,
apelava-se ao chefe da monarquia que fosse «moderador e árbitro entre as opiniões que
se disputam a supremacia política»; mas, se também este «último recurso» falhasse, só
restava «o supremo remédio da revolução»: «Desde esse instante, a responsabilidade
ministerial acabou. Fica em seu lugar a responsabilidade do rei […] Não basta opugnar
o governo para o debelar. É preciso investir directamente com o rei. É o prólogo da
revolução». O principal intento que ressaltava das múltiplas reformas propostas era,
portanto, «conquistar a liberdade eleitoral e com esse preciosíssimo direito transferir
para a nação a responsabilidade do seu governo». Donde as reformas identificadas como
mais urgentes eram «as que tendem a assegurar a verdade e a independência do sistema
eleitoral e o derramamento da instrução elementar»863.
O programa do Partido Progressista foi recebido pelo Partido Regenerador «na
ponta das baionetas»864. Os jornais regeneradores procuraram desacreditá-lo por razões
862 Carta de José Luciano de Castro a António Enes, de 11/9/1876, em Fernando Moreira, José Luciano de Castro. Correspondência Política, 102 863 Exposição Justificativa e Programa do Partido Progressista, Lisboa, Tipografia do Jornal O Progresso, 1877 864 Marques Gomes, História de Portugal (Manuel Pinheiro Chagas), 445
178
em parte contraditórias entre si: «é enorme, contém reformas de grande tomo, que só
num século será possível realizar»; «é revolucionário, republicano e demolidor, não
deixa pedra sobre pedra»; «é todo velho, não tem uma ideia, não tem um pensamento,
não tem nada»865. Desde 1852 até hoje decorrera um período – que os Regeneradores
reclamavam como seu, «um ciclo novo que nos pertence» – que se mostrava
«exuberante em reformas legislativas e sociais»; «Se acaso um dia o novo partido
subisse ao poder, ou havia de embrulhar envergonhadamente o seu programa, ou o país
não saberia qual o seu destino no dia seguinte»866.
O jornal histórico País (prestes a ser substituído pelo jornal O Progresso),
garantia que as reformas do programa progressista eram «desde já realizáveis»; e
chamava «espíritos timoratos» aos que olhando para os 22 artigos do programa
«começaram logo de bradar que o programa era um perigo para a ordem social e que
ameaçava revolver a sociedade nos seus mais indispensáveis fundamentos»867.
Quanto mais o programa progressista era classificado como «subversivo», mais
as massas republicanas e socialistas se impressionavam com ele868.
Estava agora formada uma alternativa mais forte da esquerda progressista, capaz
de se alternar no poder com o Partido Regenerador, num contexto em que esse poder,
depois de atingir um máximo asfixiante para os seus adversários, dava sinais de não ser
eterno. Este foi o grande contributo de 1876 para o sistema partidário português, para
além da criação de grupos políticos adversos ao regime monárquico, o Partido
Socialista, em 1875, e o Centro Republicano Democrático, em 1876.
5.4 – Governo Ávila: uma pausa no domínio regenerador (1877-78)
No início de 1877, o Partido Progressista realizou cerimónias de instalação dos
seus centros de Lisboa e do Porto, nas quais elegeu os respectivos dirigentes, sendo
Braamcamp o presidente do de Lisboa, naturalmente. O novo jornal do partido, O
Progresso, anunciou estar «finalmente reorganizado o Partido Progressista português»,
esclarecendo que não era o mesmo «partido progressista» de que os Regeneradores se
reclamavam ser herdeiros869; «Há dez anos, pelo menos, que acabou em Portugal a
865 Diário Popular, 28/12/1876 866 A Revolução de Setembro, 19, 20 e 22/12/1876 867 País, 19, 20 e 31/12/1876 868 José Tengarrinha, «Progressismo», 106 869 O Progresso, 4/1/1877
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organização dos partidos políticos», disse ainda o jornal dando a entender que as
experiências do «Governo da Fusão» e da posterior fragmentação em que nascera o
Partido Reformista tinham interrompido a «organização dos partidos». Como que a
consagrar a união dos dois partidos da esquerda, o retrato do marquês de Sá da Bandeira
(falecido em 1876) foi colocado ao lado do retrato do duque de Loulé870.
Alguns afastamentos ocorreram, quer no ramo reformista (Francisco Mendes e
Osório de Vasconcelos, por exemplo), quer no ramo histórico (Silveira da Mota), ou por
divergências de ideias ou por não terem cabida nos novos corpos dirigentes.
A nova Comissão Executiva tratou logo de definir uma questão em aberto, de
regressar ou não ao Parlamento, do qual os deputados históricos e reformistas se tinham
ausentado em Março. Significava optar entre uma luta política na rua e a normalidade
institucional; a opinião maioritária foi no sentido do regresso ao Parlamento871.
No início da sessão legislativa, na reunião da maioria, Fontes não perdera o
ensejo de criticar o programa progressista, dizendo que visava «destruir todo o
existente, sem dar nenhumas garantias de melhores e mais sólidas instituições»872. O
jornal progressista reagiu: «O pontífice supremo da grei regeneradora houve por bem
decretar do alto da sua infalibilidade governativa […] que o Partido Progressista
constituía um perigo social e o seu programa uma terrível ameaça de desordem e
anarquia»; e devolveu as insinuações de ser pouco fiel à monarquia: «Quando o sr
Fontes recebeu o poder em 1871 quase não havia um republicano em Portugal»873.
Na Câmara dos Pares, Fontes voltou à carga: detestava o Partido Progressista e
detestava o seu programa, que significava «a dissolução, a destruição dos fundamentos
do regime»; entendia que «agora mais do que nunca» era «seu dever conservar-se no
poder»874. Afinal, dali a pouco mais de um mês estava a pedir a demissão.
Foram as acusações de Fontes, «acusações que nós repelimos com todas as
forças do nosso brio e do nosso patriotismo», como disse Braamcamp875, que
convenceram os Progressistas a regressar ao Parlamento, «para se colocarem frente a
frente com o seu detractor» e «exigirem do acusador as provas do que afirmou»876. Mas
870 Diário Popular, 4/1/1877 871 José Luciano de Castro, Diário da Câmara dos Deputados, 26/2/1877, 443-444 872 A Revolução de Setembro, 3/1/1877; O Progresso, 5/1/1877 873 O Progresso, 6 e 10/1/1877 874 Diário da Câmara dos Pares, 26/1/1877, 57-63 875 Diário da Câmara dos Deputados, 27/1/1877, 186-187 876 O Progresso, 27/1/1877; Diário Popular, 27/1/1877
180
José Luciano ainda teve de explicar a Júlio de Vilhena certas expressões da Exposição
Justificativa, em especial a de que «É preciso investir directamente com o rei»877.
Talvez por isso, o novo jornal O Progresso apareceu com uma linguagem mais
moderada do que a da Exposição Justificativa. O título do jornal «resume o programa
do partido», escreveu-se no primeiro editorial: «no mote progresso, escrito nas
bandeiras e nas consciências», em vez de «revolução», devia ler-se «conciliação»,
«Conciliação das tradições do passado com as necessidades do presente, da soberania da
nação com as prerrogativas da Coroa, da autoridade com a liberdade, […] dos interesses
individuais e de classe uns com os outros e com o interesse colectivo: conciliação, em
suma, das instituições políticas com a razão e o sentimento social, tal é o nosso
progresso». E ainda: «É uma transacção entre as opiniões extremas, destinada a
desarmá-las. Faz derivar a ordem da liberdade. Estabelece uma organização política
susceptível de evolução indefinida, que, portanto, suprime a necessidade de revolução, e
dentro da qual cabem a realeza e a democracia»878.
Mas os Progressistas viam sinais de mudança da opinião pública: «a imprensa
ilustrada e séria, a imprensa que é do povo e que do povo directamente vive, é toda
adversa ao ministério. Ora a imprensa é a grande voz da opinião, num país onde o
Parlamento é filho real dos que governam»; «qual é o estado da opinião, dirigida pelo sr
Fontes e influenciada pela sua política? Inteiramente diferente da que era [há cinco
anos]. Peguem nos jornais e leiam879. Como prova, o jornal invocava a vitória do
Partido Progressista na eleição das comissões de recenseamento nos dois bairros do
Porto880. Essa mudança da opinião devia-se em parte à «deplorável situação financeira»,
que o jornal via reflectida no «triste e contristador» discurso da coroa; de facto, os
fundos portugueses em Londres desceram e, segundo o Times, «baixarão mais»881.
Fontes encontrava-se doente e cansado: em meados do mês, preveniu os seus
amigos de que não podia recebê-los na quarta-feira, à noite, em sua casa, como era
costume882. Ávila, sim, recebia os seus amigos, resolvidos a não darem apoio ao
Governo, «porque este seguia caminho errado na questão da fazenda, o que podia
conduzir a grandes desastres»883. Braamcamp foi a casa de Ávila manifestar-lhe apoio
877 Diário da Câmara dos Deputados, 27/1/1877, 192-194 878 O Progresso, 3/1/1877 879 O Progresso, 4 e 6/1/1877 880 O Progresso, 20/1/1877, 2 881 O Progresso, 3/1/1877; Diário Popular, 25/1/1877 882 A Revolução de Setembro, 17/1/1877 883 Diário Popular, 17/1/1877
181
se ele fosse chamado a organizar Governo, como desde havia muito se previa; a partir
daí, Ávila e o seu grupo resolveram fazer oposição mais enérgica884. Braamcamp
admitiu que os partidos da esquerda talvez se tenham afastado do poder quando se
uniram num só partido885 e isso deve explicar porque deu o apoio a Ávila.
Fontes pediu a demissão, não por nenhuma dificuldade concreta, conforme
escreveu ao rei, mas «porque a doença ou a falta de forças» anulavam temporariamente
alguns ministros; ele mesmo não se confessava vencido, apenas «cansado»886. Ou «foi
sintoma de debilidade ou reconhecimento de contrária opinião pública», segundo um
jornal do Porto887. Fontes recomendou Ávila ao rei como «indicado» para lhe suceder
na direcção dos negócios públicos: «Todos o receberiam bem nesta conjuntura, eu dar-
lhe-ia o meu apoio, e ele faria passar os orçamentos sem necessidade de dissolver a
Câmara dos Deputados». Não o preocupava entregar o poder a Ávila, que, por não ter
partido, não era uma real alternativa como eram os Progressistas.
Um dos ministros mais afectados era o da Fazenda, Serpa Pimentel, que se
queixou de ser abandonado pelos seus colegas e pela maioria888, depois de ser fustigado
por meetings, realizados, no Porto contra o projecto de circulação fiduciária que previa
retirar aos bancos portuenses a capacidade de emissão entregando-a em exclusivo ao
Banco de Portugal889. Mas ao próprio Fontes muito deve ter incomodado o discurso do
seu «antigo amigo» político Casal Ribeiro, a louvar a «lealdade» do Partido Histórico
durante o Governo da Fusão e a lastimar que, em 1870, o Partido Regenerador não
houvesse correspondido com a mesma lealdade no «deplorável parêntesis» do 19 de
Maio (golpe de Saldanha); não quer dizer que Casal se tivesse passado para os
adversários, pois dizia-se «convictamente conservador»890. Muitos Regeneradores,
habituados a tão prolongado Governo, não compreendiam a razão da sua demissão e
alguns mais furiosos inclinavam-se a fazer oposição ao Governo Ávila891.
Ávila formou um Governo à base de amigos seus, incluindo o ex-histórico
Barros e Cunha. Foi recebido no Parlamento «com geral benevolência», apoiado pelos
884 O Progresso e Diário Popular, 7/3/1877; Marques Gomes, História de Portugal (Manuel Pinheiro Chagas), 430 885 Diário da Câmara dos Deputados, 27/1/1877, 187 886 Carta de Fontes Pereira de Melo ao rei, de 2/3/1877, em José Miguel Sardica, Duque de Ávila, 542, e Paulo Jorge Fernandes, D. Luís, 203 887 Comércio do Porto, citado em Marques Gomes, História de Portugal (Manuel Pinheiro Chagas), 455 888 O Progresso, 3/3/1877 889 O Progresso, 30/1 e 9/2/1877; Diário Popular, 1/2/1877 890 Diário da Câmara dos Pares, 27/1/1877, 173-179 891 Diário Popular, 7/3/1877
182
dois partidos principais, Regenerador e Progressista, e hostilizado apenas por deputados
isolados, como Dias Ferreira892. Todavia, entre os dois partidos apoiantes da nova
situação trocaram-se desde logo picardias. Braamcamp apreciou em especial a intenção
de Ávila do equilíbrio entre receitas e despesas públicas, que correspondia ao programa
progressista. E José Luciano explicou que os Progressistas não rasgaram o seu
programa, apenas adiavam «a realização das suas ideias e reformas, para ajudar o
Governo a debelar as dificuldades económicas e financeiras». Sampaio avisou que os
Regeneradores estavam com Ávila enquanto ele «não abraçar o programa da Granja que
revolve toda a sociedade». Ávila colocou-se em posição conciliadora, com a pretensão
de «cooperar com todos os meios» «para que desapareçam quanto possível essas
divergências mais aparentes do que reais que dividem hoje a família liberal»893.
Nos comentários que os partidos faziam ao Governo Ávila confrontavam-se
diferentes perspectivas sobre o que dele esperavam: os Regeneradores, apenas uma
«pausa interina» antes de regressarem ao poder; os Progressistas, uma «ponte» através
da qual esperavam passar da margem da oposição para a do Governo894. Era o que
diziam os Regeneradores dos Progressistas: antes acoimavam Ávila de conservador e
reaccionário e agora prestavam apoio, «àquele que pode abrir a porta do poder»895.
Estava-se no fim de mais uma curta sessão legislativa de três meses; os
deputados foram para as suas terras e ocupações normais; só no início do ano seguinte
haveria alguma luta, consoante as novidades. Fontes partiu tranquilo, em meados de
Maio, para uma longa viagem pela Europa, e tranquilo voltou e mais motivado depois
de ser recebido ao mais alto nível nos vários países que visitou. A um jornal de Madrid
disse estar em viagem «mientras vuelve a la direccion de los negócios de Portugal»,
donde se depreendia atribuir ao Governo Ávila um papel meramente interino.
Mas, ao chegar, em Outubro, Fontes percebeu que Ávila não se conformava com
esse papel; pelo contrário, levava a sério uma estratégia pessoal de se apoiar nos
Regeneradores e nos Progressistas para alargar a sua base de apoio no Parlamento. Por
isso, Fontes terá começado «a dizer aos amigos» que se preparassem para eleições, que
«era provável a dissolução em Janeiro», conforme Mariano avisou Ávila896. O Primeiro
de Janeiro previu que Ávila, «o político mais feliz e mais inábil de quantos nesta terra
892 A Revolução de Setembro, 7/3/1877; O Progresso, 10/3/1877 893 Diário da Câmara dos Deputados, 6/3/1877, 512-526 894 José Miguel Sardica, Duque de Ávila, 545 895 A Revolução de Setembro, 27/3/1877 896 Carta de Mariano de Carvalho a Ávila, de 18/11/1877, em José Miguel Sardica, Duque de Ávila, 548
183
têm […] subido aos conselhos da coroa», repetiria o que em outras ocasiões fizera,
«obtendo dissoluções e fazendo eleições… para os seus adversários»897.
Em Novembro houve eleições municipais, em geral pouco animadas, dada a
natureza apartidária do Governo, cujo significado maior foi o de terem mantido, na
maior parte do país, «o mesmo pessoal administrativo», afecto aos Regeneradores898.
Em Lisboa, o Partido Progressista não concorreu, recomendando aos seus seguidores:
«Vote cada qual como bem lhe parecer», o que permitiu aos Regeneradores dizer: «Em
Lisboa a granjolada reformista não conseguiu fazer triunfar nem um só dos nomes da
sua lista»899. Mas os jornais progressistas denunciaram que «a lista regeneradora era a
republicana»: «se a Granja governasse, Lisboa, que não é uma cidade republicana, não
teria hoje na sua governação três republicanos e que para lá entraram por o serem»900.
A próxima sessão das Cortes previa-se «tormentosa». O grande tema na
imprensa era se haveria ou não dissolução. Dizia um jornal progressista: «Se o Governo
do marquês de Ávila não encontra maioria nas Cortes, deve propor a dissolução e o rei
deve assentir», «Os deputados regeneradores devem escolher entre submeter-se ou
sujeitar-se à dissolução»901. Respondia o regenerador: «nós não nos submeteremos e
não temos por que temer a dissolução»902. A vontade do rei seria decisiva.
Os Regeneradores exploravam frases polémicas da Exposição Justificativa do
programa progressista: que era «preciso investir directamente com o rei», ou que
«reduzida às suas próprias e naturais dimensões, a missão do chefe da monarquia
constitucional é ainda grande, imensa, espinhosíssima»903. Os Progressistas eram
obrigados a contextualizar essas frases e, em troca, reprovavam a aliança dos
Regeneradores com os Republicanos na Câmara Municipal de Lisboa, cujo presidente
empossado era Elias Garcia, membro do directório do Partido Republicano, e o vice-
presidente o regenerador Rosa Araújo; e chamavam a atenção para a cumplicidade do
jornal republicano Democracia com os Regeneradores904.
Na primeira «reunião da maioria» do ano compareceram poucos deputados,
apenas uns 20. Braamcamp manifestou apoio a Ávila; Sampaio, pelos Regeneradores,
foi menos claro: «sem prometer apoio incondicional, que não prometia a ninguém, 897 Citado em A Revolução de Setembro, 23/11/1877 898 O Progresso, 28/11/1877 899 O Progresso, 24/11/1877; A Revolução de Setembro, 28/11/1877 900 Diário Popular e O Progresso, 29/11/1877 901 Diário Popular 3 e 24/12/1877 902 A Revolução de Setembro, 27/12/1877 903 A Revolução de Setembro, 11/12/1877 904 O Progresso, 03/01/1878; Diário Popular, 5/1/1878
184
julgaria das medidas e dos actos do Governo»905. Ávila fez a promessa de apresentar
uma proposta de reforma eleitoral, promessa que cumpriu dali a uns dias, alargando o
voto aos «chefes de família»906. Pode surpreender esta iniciativa de alguém tido como
«conservador», embora correspondesse à proposta regeneradora de 1872 e ficasse
aquém do projecto progressista de alargar o voto a todos os cidadãos no gozo dos seus
direitos. Segundo Nogueira Soares, tratou-se de «um plano hábil» concebido pelos
«regeneradores radicais» com receio de que tal reforma fosse feita pelos Progressistas
uma vez chegados ao poder: «primeiro, encamparam Ávila, depois gritaram que era
uma vergonha ficarem atrás de Ávila»907. Talvez os Regeneradores não tenham
apreciado esse sinal de autonomia por parte de quem achavam um mero interino.
Os Progressistas jogavam no cenário da dissolução e das eleições, que «quanto
mais cedo se realizassem», «menos hipóteses teriam os Regeneradores de regressar ao
Governo»908. Isso entendiam os Regeneradores, que alertavam para o plano progressista
de «iludir o pobre marquês» e de vir a «dispor da eleição geral» a seu «bel-prazer»909. O
«perigo para o rei e para a nação» não estava na dissolução e nas eleições feitas por «um
Governo que não tem partido», mas em que ele desse «encapotada e subrepticiamente
meios de elevar ao poder alguns grupos de aventureiros [os Progressistas]»910.
Os Regeneradores passaram ao ataque: pela linguagem dos seus jornais,
percebeu-se que «a parte irrequieta da Regeneração venceu», «a Regeneração recusa
submeter-se, declara-se oposição, portanto somos inevitavelmente levados à dissolução.
Não pode haver outra solução prática»911. Nas eleições das comissões parlamentares, a
atitude da maioria regeneradora foi clara no sentido de mostrar hostilidade ao Governo e
aos Progressistas e simpatia com o pequeno grupo constituinte: elegeu Dias Ferreira,
adversário do Governo, para a comissão de resposta ao discurso da coroa; não elegeu
Braamcamp para a comissão da Fazenda, nem José Luciano para a de Legislação, como
fizera nos anos anteriores, e nestas comissões colocou Dias e Chagas912.
Os Regeneradores avançavam confiantes. Fontes convocou os pares amigos
políticos para o dia 16, afirmando que el-rei lhe prometera entregar-lhe o poder, quando
o actual gabinete saísse; mas isso seria «inconvenientíssimo» para os Progressistas, que 905 A Revolução de Setembro, 2/1/1878 906 Diário da Câmara dos Deputados, 7/1/1878, 26-28 907 D. G. Nogueira Soares, Considerações sobre o Presente e o Futuro Político de Portugal, 542 908 Diário Popular 3/1/1878 909 Diário Ilustrado, 4, 5 e 9/1/1878, em José Miguel Sardica, Duque de Ávila, 549 910 Diário Ilustrado, 13/1/1878, em José Miguel Sardica, Duque de Ávila, 548, nota 113 911 Diário Popular 8/1/1878 912 A Revolução de Setembro, 12/1/1878; Diário da Câmara dos Deputados, 14 e 15/1/1878, 76 e 94
185
sentiam a opinião pública virar-se a seu favor nas eleições de numerosas comissões de
recenseamento913. Os Regeneradores acusavam «os da Granja» de andarem «a assediar
pela intriga e a dominar pela lisonja o ânimo enfraquecido de um homem honrado, que a
vaidade obceca, tornando-o instrumento dos seus ardis»914.
No dia a seguir à reunião regeneradora já se noticiava que seria Dias Ferreira a
levantar a questão política, com «uma moção de desconfiança redigida anteontem à
noite em casa do sr Fontes», disse um jornal progressista, acrescentando com algum
optimismo: «A crença geral é que tudo isto acabará na dissolução, que a opinião
aprova»915. A censura foi de facto apresentada por Dias, com aplauso dos deputados
regeneradores916. Lopo Vaz acusou Ávila de ter renegado os seus amigos. Vilhena
lembrou os favores concedidos aos Progressistas, o último dos quais era a promessa de
reconstrução ministerial. Ávila respondeu que, se o seu ministério merecia a censura da
Câmara, então o que dizer dos Regeneradores que ainda há dias lhe tinham manifestado
apoio?, onde estava a sua coerência? Mariano apelou para o soberano, a quem competia
acabar de vez com a crise e dissolver o Parlamento917.
Para que lado cairia o rei, depois de aprovada a moção de censura – essa era a
questão. Concedia a Ávila a oportunidade de organizar eleições com os Progressistas,
ou tornava a dar o poder a Fontes? Se «a actual câmara não pôde sustentar um governo
seu, nem dar-lhe por substituto um governo tirado do seu seio», se «o poder moderador
se viu obrigado a formar ministério com elementos exclusivamente tirados da minoria
parlamentar», não podia a maioria «prevalecer contra o Governo na resolução de um
conflito constitucional», escreveu o jornal progressista portuense918. Ávila bem lembrou
que nunca prometera apoiar-se exclusivamente no Partido Regenerador, mas antes
«congraçar todos os membros da família liberal», «e a câmara aceitou-me assim com
aplauso». A moção de censura foi aprovada por expressivos 69-19 votos919.
E o rei optou por Fontes. No mesmo dia, em suplemento, o jornal progressista
reagiu: «Politicamente considerada, a restauração regeneradora é a total abolição do
sistema representativo em Portugal. Acabaram-se as dúvidas. Existe de facto o partido
do rei. […] Preferimos entre todos os sistemas políticos, em tese, a monarquia 913 Diário Popular 13/1/1878; O Progresso, 16/1/1878 914 Diário Ilustrado, 16/1/1878, em José Miguel Sardica, Duque de Ávila, 549 915 Diário Popular 17 e 18/1/1878 916 Diário da Câmara dos Deputados, 18/1/1878, 169-175 917 Diário da Câmara dos Deputados, 19/1/1878; José Miguel Sardica, Duque de Ávila, 549-551; Paulo Jorge Fernandes, D. Luís, 205-206 918 Primeiro de Janeiro, citado em O Progresso, 22/1/1878 919 Diário da Câmara dos Deputados, 26/1/1878, 277
186
representativa…»920. O rei terá dito que não estava disposto a dar posse a gente que ao
longo dos anos o atacara de forma violenta na imprensa; que Braamcamp demonstrava
fraqueza política, por não conseguir controlar os ímpetos mais exaltados dos ex-
Reformistas; que o país não tinha demonstrado desejar um governo progressista921. Se
assim foi, o que levará o mesmo rei a dar posse, dali a ano e meio, ao mesmo partido,
depois de sofrer dele ataques ainda mais violentos?
Fontes formou o seu segundo Governo praticamente com os mesmos
indefectíveis que pertenceram ao seu anterior Governo, acentuando a impressão de que
o Governo Ávila não passara de um simples intervalo. A composição deste Governo
«não foi do agrado geral» do Partido Regenerador, «sobretudo da parte nova»922; mas o
que mais se notou foi o desagrado do Partido Progressista.
5.5 – Domínio regenerador face ao desejo de mudança (1878-1879)
O Partido Progressista reagiu de cabeça perdida à opção do rei de devolver o
poder a Fontes. Nessa luta destacou-se o Diário Popular, a atirar-se não só ao Partido
Regenerador, «A Regeneração deu provas da mais insofrida ambição e da mais insigne
deslealdade», mas sobretudo ao rei, por ter preferido «tornar-se o patrono de uma facção
desacreditada a ser o chefe imparcial de uma monarquia representativa». Foi ao ponto
de lamentar a sorte de umas «louras e inocentes crianças que tendo nascido sob tectos
dourados, só Deus sabe aonde, à força de imprudência, irão terminar os seus dias»923.
Nas fileiras progressistas falava-se de tudo, desde reafirmar o partido como
monárquico, aproximá-lo das camadas populares e radicalizá-lo, republicanizá-lo, até
dissolvê-lo924. Na grande assembleia realizada em Lisboa, todavia, a disposição geral
era de continuar a luta. Os discursos foram todos cheios de indignação; José Luciano foi
dos raros que se demarcou dos ataques ao rei: não aceitava as frases mais severas ali
proferidas, antes recomendava cordura, dedicação pela monarquia e respeito pela pessoa
e pelas vontades de el-rei, embora fosse necessário protestar contra a restauração do
gabinete regenerador, não consentir o poder pessoal e que o partido afirmasse mais os
920 O Progresso, 27/1/1878 921 D. G. Nogueira Soares, Considerações sobre o Presente e o Futuro Político de Portugal, 199; Paulo Jorge Fernandes, D. Luís, 206 922 Júlio de Vilhena, Antes da República, vol. I, Coimbra, França e Arménio, 1916, 47 923 Diário Popular 28/1/1878 924 Marques Gomes, História de Portugal (Manuel Pinheiro Chagas), 472
187
seus princípios e lutasse pelas suas ideias925. Decidiu-se esperar pela opinião dos centros
das províncias; e constatou-se que nenhum era pela abstenção ou pela dissolução do
partido, mas que devia manter-se firme na afirmação da sua existência926.
O Diário Popular prosseguiu a sua campanha contra o rei. «Para nós, o sistema
representativo está suspenso em Portugal. Foi o sr D. Luís que o suspendeu, iludido e
ilaqueado pela camarilha que o cerca. Estamos em pleno governo pessoal, governa o
Partido Regenerador cujo chefe é el-rei». Em outro artigo que deu brado: «o soberano
quis descer da chefia da nação a chefe de um bando político, para que não fossem
descobertas as traficâncias do seu partido. O manto real tornou-se capa de malfeitores e
abrigo de malefícios». Depois: «finalmente o poder moderador pergunta onde estão os
ladrões. Se quiser dar-se ao incómodo de procurar os que escondeu com o seu manto,
escusa de cansar-se com perguntas». E ainda: «o poder moderador entendeu que devia
fazer-se chefe de um partido, que devia emprestar o seu régio manto para encobrir
várias ladroeiras, que devia reinar em vez de governar, que devia converter-se de chefe
da nação em chefe de um partido mal-afamado». Enfim: o rei não era mais que uma
«marioneta nas mãos do sr Fontes»927.
O jornal oficial do partido alinhou no mesmo tipo de artigos: «O chefe do Estado
trocou a sua alta magistratura pela qualidade […] de chefe do Partido Regenerador»; «A
Carta declara o rei inviolável mas não estende a mesma imunidade ao chefe de um
partido»; e explicou que a razão do ostracismo a que o Partido Progressista fora
sentenciado estava na proposta que levara ao Parlamento para inquérito às repartições
do Estado928. Uma das questões que ocupou mais espaço no jornal, sugerindo corrupção
pelo Governo regenerador, era a construção da penitenciária.
Se os jornais ministeriais achavam violentos os jornais progressistas, o Diário
Popular respondia com citações de frases antigas, que achava ainda mais violentas, de
Rodrigues Sampaio contra a rainha D. Maria II929. Os Regeneradores não se
importavam que os Progressistas lhes chamassem «o partido do rei», porque lhes
permitia dizer que o Partido Progressista era «o partido contra o rei»; aliás, recusavam-
925 O Progresso e Diário Popular, 29/1/1878 926 O Progresso, 14/2/1878 927 Diário Popular 29/1, 31/01, 13/2 e 24/2 e 24/3/1878 928 O Progresso, 29/1/1878 929 Diário Popular 30/1, 11/2 e 4/4/1878
188
se a reconhecê-lo como «progressista», chamavam-lhe «o partido que por irrisão se
denomina progressista» ou simplesmente «os da Granja» ou «os granjolas»930.
O Governo apareceu com disposição reformadora: Barjona mostrou-se, perante
os deputados, empenhado na instalação do registo civil e disponível para aceitar a
reforma eleitoral proposta por Ávila; e Fontes, diante dos pares, confirmou a mesma
disponibilidade para discutir a reforma eleitoral de Ávila e a proposta de reforma da
Câmara dos Pares apresentada por Casal Ribeiro três anos antes931. Quanto à reforma
administrativa, que andava em debate desde 1876, conheceu um novo impulso.
Porquê esta súbita mudança do Governo regenerador depois de seis anos de
resistência às reformas? Pois se até o «conservador» Ávila quisera alargar o direito de
voto, difícil seria agora aos Regeneradores, que não gostavam que lhes chamassem
conservadores, deixarem-se ficar atrás. Tanto mais que o alargamento do voto já fora
adoptado por governos moderados da Europa sem grandes sobressaltos, em França
Napoleão dera-se bem com isso932. A ideia que deram, debaixo daquela campanha feroz
dos Progressistas contra o rei, é que faziam as reformas para aliviar a pressão e não por
convicção genuína. Algo de semelhante se verá na década seguinte. Quer dizer que
Fontes, que se enaltecia de ter assinado a maioria das reformas do seu tempo, não seria
antes um reformador contrariado? Se se diz que Fontes, com estas reformas, mostrou
habilidade em roubar bandeiras aos Progressistas, não mostrou também fraqueza? E
como reagiria a opinião pública às reformas?
Os debates das reformas obrigaram ao prolongamento da sessão por mais um
mês – aí estava outra mudança de Fontes para uma atitude mais macia, em vez do
mínimo estrito a que tinha sujeitado o Parlamento nos anos anteriores. Já Casal Ribeiro
lastimara que o parlamentarismo estivesse reduzido ultimamente a esse mínimo
prescrito pela Constituição933. Por parte dos Progressistas, José Luciano aceitou os
avanços mesmo ficando aquém do proposto pelo seu partido; aplaudiu as providências
descentralizadoras da reforma administrativa, mas discordou de outras, por exemplo
sobre a dissolução das câmaras municipais; e defendeu a representação das minorias nos
órgãos eleitos, propondo até um sistema proporcional934. Quanto à reforma eleitoral,
aprovou a ampliação do sufrágio aos chefes de família, embora o seu projecto fosse
930 A Revolução de Setembro, 31/1/1878 931 Diário da Câmara dos Deputados, 30/1/1878, 289-290; Diário da Câmara dos Pares, 30/1/1878, 27 932 Oliveira Martins, Portugal Contemporâneo, II volume, p. 295 933 Diário da Câmara dos Pares, 27/1/1877, 74 934 Diário da Câmara dos Deputados, 18/2/1878, 390-397
189
ampliá-lo a todos os cidadãos no gozo dos seus direitos; mas achou incompleta a
reforma no sentido de emancipar o eleitor da pressão das autoridades; também defendeu
a representação das minorias e que fossem os tribunais, e não os conselhos de distrito, a
julgar os recursos da eleição das comissões de recenseamento935.
Ao patrocinar estas reformas, Fontes agradou à ala «avançada» do seu partido –
Barjona tinha no seu espírito uma grande influência936 –, mas desagradou à ala
«conservadora». Em compensação, deixou seguir a proposta que Casal Ribeiro defendia
desde 1875 para a reforma da Câmara dos Pares, mantendo a orientação estratégica de
dar ao Partido Regenerador uma capacidade ambivalente de representar tanto os valores
da conservação como os do progresso. Manteve-se, todavia, o mal-estar no interior do
partido contra o registo civil desejado por Barjona, o que levará à demissão deste perto
do fim do ano. Com a reforma proposta por Casal ficou o rei limitado a nomear novos
pares dentro de certas categorias socioprofissionais. A crítica progressista incidiu sobre
o facto de se manter ainda a hereditariedade dos pares, quando a própria proposta
regeneradora de 1872 para a reforma da Carta já previa que fosse extinta937.
Também no interior do Partido Progressista havia atritos, entre a atitude
moderada e colaborante de José Luciano e as posições mais radicalizadas da imprensa
do seu partido, atritos que o jornal regenerador tentou explorar: que José Luciano
condenou a imprensa progressista por, em vez de discutir as grandes questões de
administração pública, discutir apenas questões pessoais; e que a sua intervenção sobre
a reforma administrativa não mereceu «sequer uma linha de apreciação, de menção ao
menos, a nenhum dos jornais do seu partido»938 – mas logo o jornal progressista elogiou
o «discurso brilhante e substancioso, verdadeiro discurso de homem de Estado, do sr
Luciano de Castro, que o Partido Progressista respeita como um dos seus chefes e
admira como uma das mais sólidas ilustrações do seu país»939. Mas o jornal regenerador
foi insistindo: que Luciano de Castro já confessou não se responsabilizar pela
propaganda jornalística do seu grupo; e que considerou uma «indecência» e um
«atentado» arrastar a pessoa do rei para os debates políticos940.
Estavam previstas para esse ano de 1878 eleições municipais e legislativas. Os
jornais progressistas coligiam sinais de descontentamento da população: os jornais que
935 Diário da Câmara dos Deputados, 18/3/1878, 681-684 936 Júlio de Vilhena, Antes da República, 22 937 Diário da Câmara dos Deputados, 16/4/1878: José Luciano, 1129-1135 938 A Revolução de Setembro, 19 e 20/2/1878 939 O Progresso, 20/2/1878 940 A Revolução de Setembro, 2, 20 e 28/3/1878
190
mais atacavam o rei, em especial o Diário Popular, aumentavam as suas tiragens941 e
eram imitados por jornais das províncias no ataque ao «poder pessoal» e na denúncia de
«escândalos» e «esbanjamentos». O jornal mais lido nas províncias do Norte, Primeiro
de Janeiro, era oposicionista e o moderado Jornal do Porto, que também vivia do bom
acolhimento do público por não ser subsidiado pelos partidos, defendia que devia ter
havido dissolução e novas eleições942. O Governo encontrava dificuldade em obter
dinheiro na Inglaterra; as notícias agrícolas eram «detestáveis»943. No dia do juramento
do príncipe D. Carlos como herdeiro da coroa, «nem nas Cortes, nem nas ruas, nem no
teatro houve vivas de espécie alguma»944. Mas qual o significado destes sinais dispersos
e como se reflectiriam no eleitorado, em geral permeável às pressões das autoridades,
mais ainda o eleitorado analfabeto que pela primeira vez entrava nas eleições?
Não é fácil avaliar o conjunto dos resultados das eleições locais por haver
informações relativas a poucas cidades e mesmo assim contraditórias. É natural que o
Partido Regenerador, estando no Governo, tenha concorrido com ambições em todo o
país. Quanto ao Partido Progressista, mais uma vez não concorreu em Lisboa onde
recomendou a lista da Associação dos Lojistas e, em geral, deu liberdade às estruturas
locais para decidirem da sua participação945. Mas reclamou vitória em várias cidades e
vilas, em especial no Porto, tomando-a como «a primeira lição aos que negavam a
vitalidade» do partido; esta vitória do Porto representava «a mais eficaz das
propagandas» e festejou-a como um «condenado à morte» que tivesse «a audácia de
viver»946. Mas o jornal regenerador observou que a contagem dos resultados obrigou-o
a «engolir» a afirmação de vitórias em Braga, Viana e Caminha947. Mesmo assim podia
descobrir, nas derrotas nas capitais de distrito, vitórias nas freguesias urbanas; também
o grupo dos «amigos de Vaz Preto» cantava vitória em quase todos os concelhos do
distrito de Castelo Branco, pelo desgosto de verem preterido o caminho-de-ferro da
Beira Baixa em favor do da Beira Alta948. Em Lisboa, os Progressistas tiveram de
reconhecer a vitória da lista regeneradora; mas a vitória no concelho de Belém soube-
lhes melhor por Fontes ter lá andado a fazer campanha949.
941 O Progresso, 29/3/1878 942 O Progresso, 7/2/1878, e Diário Popular, 18/4/1878 943 Diário Popular, 2 e 19/3/1878 944 Diário Popular, 14/3/1878 945 O Progresso, 1 e 4/8/1878 946 O Progresso, 7, 8 e 9/8/1878; Diário Popular, 7 e 8/8/1878 947 A Revolução de Setembro, 9/8/1878 948 Diário Popular, 9/8/1878; Paulo Jorge Fernandes, D. Luís, 210 949 O Progresso, 11, 18, 20 e 25/8/1878
191
Estava-se numa «nova fase da política portuguesa», dizia o Jornal do Porto: «ou
o Governo há-de encetar um novo modo de vida ou terá de sucumbir diante da onda que
cresce […] Não se iludam, não julguem que são manifestações isoladas, de pouca
importância em si e incapazes de terem consequências mais graves»950.
Os «granjolas» proclamavam nos seus comícios que não eram republicanos e
escreviam nos seus jornais que «o monarca foi vencido», disse o jornal regenerador951.
Em resposta, os Progressistas apontavam a continuada ligação dos Regeneradores aos
Republicanos na Câmara Municipal de Lisboa, cujo presidente era agora o regenerador
Rosa Araújo, por troca com o republicano Elias Garcia, que passou a vereador com o
pelouro da Instrução952. «A nossa bandeira é a da monarquia», reafirmava o jornal
progressista, prometendo deixar pregada no Paço «a sentença do povo contra um
Governo odiado, que só nesse Paço tem guarida»953.
Na campanha, que se seguiu, das eleições para deputados, o Diário Popular
continuou a atacar o rei, ou porque «desde 1870» ele contrariava o «princípio da rotação
constitucional»954, ou avultando o boato de que Ávila fora afastado por ter recusado
adiantamentos à Casa Real, o que o próprio Ávila desmentiu955. O ambiente era mais
aguerrido do que nunca: com a nova lei eleitoral o número de círculos aumentou de 100
para 137, mas o número de candidatos aumentou de 126 para 200; e o número de
eleitores quase duplicou, de 291 mil para 524 mil956. Até que ponto se confirmaria a
viragem da opinião a favor da oposição? Ou até que ponto o Governo reforçaria a sua
influência sobre os novos eleitores, grande parte dos quais eram analfabetos?
Os resultados repetiram a habitual supremacia do partido do Governo, com 97
Regeneradores eleitos mais 14 Constituintes eleitos à sua sombra, ficando a oposição
limitada a 22 Progressistas, três Avilistas e um Republicano957. Mas nessa «campanha
vivíssima», Fontes «não quebrantou a oposição»958, como decerto desejava para a punir
pela campanha contra o rei. Pelo contrário, os Progressistas aumentaram bastante a sua
representação, embora tal se devesse em parte ao aumento do número de círculos, como
950 Jornal do Porto, citado em Diário Popular, 18/8/1878 951 A Revolução de Setembro, 13/8/1878 952Diário Popular, 14 e 19/8/1878 953 O Progresso, 19/8/1878; Paulo Jorge Fernandes, D. Luís, 214 954 Diário Popular, 1, 2 e 9/9/1878; Paulo Jorge Fernandes, Mariano, 87 955 Diário Popular, 5 e 12/9/1878; Paulo Jorge Fernandes, Mariano, 88, e D. Luís, 215 956 Pedro Tavares de Almeida, Eleições e Caciquismo, 72, 143 957 Pedro Tavares de Almeida, Eleições e Caciquismo, 225 958 Joaquim de Carvalho, «Estabelecimento do rotativismo», 408
192
logo lembrou o jornal regenerador959. Até gritaram: «Vencemos». Com que base? Com
base no resultado «esmagador», na pesada derrota que inflingiram ao Governo «nas
duas capitais do país», de tal modo que logo ficaram «convencidos» de que as eleições
haviam de «influir valiosa e salutarmente, mais cedo ou mais tarde, na política
portuguesa»960: nos cinco círculos de Lisboa, os Progressistas elegeram três, mais
Barros e Cunha (meio avilista, meio progressista) e os Regeneradores elegeram só um,
tendo estes falhado também a eleição do republicano Elias Garcia que apoiaram; nos
três círculos do Porto, os Progressistas elegeram dois e ainda apoiaram com êxito a
eleição do republicano Rodrigues de Freitas, deixando os Regeneradores em branco.
A aliança eleitoral dos Regeneradores e dos Republicanos em Lisboa motivou
divisões nos dois partidos envolvidos. Da parte dos republicanos, alguns dirigentes
demitiram-se do Centro Republicano Democrático; e dentro do Partido Regenerador
nem todos apreciaram o apoio dado a Elias Garcia em Lisboa (não eleito) e a Fuschini
(eleito por Belém); e, como Fontes se justificasse que distinguia os republicanos
platónicos dos violentos, Casal Ribeiro respondeu-lhe que isso era promover o
recrutamento do Partido Republicano junto da mocidade961.
Em sessão extraordinária os Progressistas celebraram a «esplêndida vitória
moral» da oposição, porque as derrotas ministeriais em Lisboa e no Porto significavam
«a mais clara e palpável condenação da política do Governo», esse era o «veredictum
solene da parte mais ilustrada e independente do país»; e «a mesma significação» tinha
a «perda das eleições na máxima parte das capitais dos distritos»962. Já nas anteriores
eleições municipais os Progressistas tinham dado maior valor às vitórias conquistadas
nos meios urbanos; o que levara então o jornal regenerador a questionar: «As cidades
principais têm privilégio na significação que imprimem aos representantes que elegem?
As candidaturas das cidades valem mais do que as das humildes aldeias do país?»963
Era uma questão interessante. De facto, as eleições em Lisboa e no Porto eram
seguidas com mais atenção, como se reflectissem mais fielmente o estado da opinião
pública. Aliás, não passou despercebido que «O governo não ousou apresentar em
Lisboa e no Porto qualquer ministro ou homem importante do seu partido»964. Seria por
959 A Revolução de Setembro, 16 e 19/8/1878 960 O Progresso, 15/10/1878 961 Fernando Catroga, O Republicanismo em Portugal, 28 e 31; Diário da Câmara dos Pares, 17 e 21/2/1879: Fontes, 269-270, Casal, 312 962 O Progresso, 18/10/1878; Diário Popular, 21/8/1878 963 A Revolução de Setembro, 16 e 18/8/1878; Maria Filomena Mónica, Fontes, 135 964 Diário Popular, 21/8/1878
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ser «mais ilustrada e independente» a parte do país que vivia nas cidades, já que nelas
circulavam mais jornais e mais informação política? Ou por estar mais desenvolvida nas
cidades a consciência individual do cidadão, que tornava os eleitores mais imunes à
influência das autoridades, ao passo que as solidariedades próprias das comunidades
rurais dificultavam o desenvolvimento de um processo de politização965? Ou por serem
mais fortes, nos meios rurais, os vínculos de dependência pessoal e os padrões de
deferência, tornando impossível aos votantes esconder as suas intenções de voto966?
Outra questão relacionada é a seguinte: Afinal, não foi lá porque fizeram as
reformas «avançadas» (alargamento do voto, descentralização, limitação ao poder do rei
na nomeação de pares do reino) que os Regeneradores atraíram maior quota parte dos
eleitores do que tinham antes. Não foi porque «roubaram» as bandeiras aos rivais
Progressistas que lhes roubaram também os eleitores, precisamente os eleitores urbanos
que era suposto serem mais atentos, mais desejosos das reformas. Afigura-se que nestes
eleitores o desejo de mudar os protagonistas era, pelo menos no imediato, mais forte,
mais instintivo, do que o desejo erudito das reformas. Esta parece ser uma característica
fundamental da rotação ou alternância. Muitos eleitores que estavam fartos de Fontes
devem ter tomado essas reformas, que desejavam, como se não passassem de truques
com que ele se apresentou mais moderno para se eternizar no poder.
Sem dúvida que destas eleições saiu fragilizada a situação representada por
Fontes em cumplicidade com o rei. O Jornal do Porto comparou os anos 1878 e 1868,
que se assemelhavam na hegemonia do mesmo protagonista, Fontes, sem alternativa;
mas enquanto 1868 fora ano de «grandes esperanças», o actual era de «grandes
desalentos», além de que em 1868 «todos se curvavam respeitosos diante do rei»967.
Gerou-se uma dinâmica que em meio ano iria levar à demissão do todo poderoso
Fontes. Tavares de Almeida concorda que as derrotas dos candidatos governamentais
nas grandes cidades contribuíram para precipitar a queda do Governo968.
A demissão do ministro Barjona, em Novembro de 1878, por discordância dos
colegas quanto à oportunidade do regulamento do registo civil, foi um sinal de fractura
no Governo e no Partido Regenerador: Casal Ribeiro não achava urgente o registo civil
e receava que fosse pretexto para deixar o clero sem dotação969.
965 José Tengarrinha, «Os primórdios dos partidos políticos em Portugal», 2002, 25-26 966 Pedro Tavares de Almeida, Eleições e Caciquismo, 68 967 Jornal do Porto, citado em O Progresso, 12/11/1878 968 Pedro Tavares de Almeida, Eleições e Caciquismo, 169 969 Diário da Câmara dos Pares, 14/2/1879, 245
194
Logo depois, a concessão de vasta área da Zambézia (incluindo minas, florestas
e terrenos de cultura), a favor de Paiva d’Andrada, por decreto de 26/12/1878, incendiou
os meios políticos e uma opinião pública já relutante. Era este o grande tema explorado
pelos jornais da oposição, à entrada do ano 1879: «Monstruoso escândalo», «verdadeiro
crime de alta traição praticado pelo Governo»; «Mas serão ao menos legais as enormes
concessões feitas ao sr Paiva d’Andrada? Eis o que nos cumpre indagar»970.
Contra a concessão foram convocados meetings, em Lisboa, no Porto e em Vila
Real. O jornal regenerador reagiu: «A granja brinca com a Zambézia e busca
insidiosamente alucinar o espírito público insinuando que se tenta ofender a integridade
do território nacional»; «porque antepõe um episódio à acção principal?»971. Mas a
«acção principal» era a polémica concessão: o Diário Popular esgotou uma edição com
o parecer desfavorável da Junta Consultiva do Ultramar972, repetindo-a no dia seguinte.
Na resposta à interpelação feita pelo marquês de Sabugosa, na Câmara dos Pares, o
ministro da Marinha explicou que «Portugal não tem homens, nem capitais, nem forças,
nem propaganda para civilizar e tornar produtivo o seu domínio colonial»973. As críticas
feitas por Casal Ribeiro974 mostravam que não era só a opinião progressista a
manifestar-se contra a concessão, mas também a conservadora.
A reunião anual do Partido Progressista foi a mais concorrida até então, com 73
centros concelhios, dos quais 30 recentes975. O partido crescia, cheirava a mudança.
Destacou-se o jovem António Cândido com um discurso reproduzido e comentado nos
jornais: elogiou o «Pacto da Granja», dando ao Porto o mérito de ter concertado as
dissidências; justificou a campanha contra o rei como «uma necessidade e um remédio»;
depois da «restauração» regeneradora, «o país aprovou o nosso proceder recebendo-nos
de braços abertos na última campanha eleitoral»; para os Progressistas, que se definiam
como «monárquicos e liberais», a monarquia era «um facto legítimo mas transitório»,
ao passo que a liberdade era «um princípio eterno»; «dos partidos militantes, o
Progressista era «o único» que tinha «pensamento e força, programa e disciplina», capaz
de «afrontar-se» à obra da «reabilitação moral do país»; sem isso, não se distinguiria
dessas «aglomerações efémeras», ou dos «partidos novos» [Avilista e Constituinte], dos
970 O Progresso e Diário Popular, 1/1/1879 971 A Revolução de Setembro, 4/1/1879 972 Diário Popular, 9/1/1879 973 Diário Popular, 11/1/1879 974 Diário da Câmara dos Pares, 11/1/1879, 82-84 975 Paulo Jorge Fernandes, Mariano, 94
195
quais nada havia que esperar «porque os partidos não se improvisam»; enfim, previu
que «de um momento para o outro, sem grande esforço», o ministério havia de cair976.
Na Câmara dos Deputados, os Constituintes, embora eleitos à sombra do
Governo, passaram para a oposição, sem todavia fazerem perigar a larga maioria
regeneradora. Na Câmara dos Pares, a votação com que se encerrou a interpelação sobre
a Zambézia foi favorável ao Governo por 36-21 votos977, graças às fornadas de 39
novos pares antes promovidas pelo Governo regenerador. Mas o facto de nela não terem
participado os pares que eram «empregados dos paços da Ajuda e das Necessidades»
deu para especular que o rei «não quis tomar a responsabilidade moral da concessão», o
que, a ser verdade, deixava o ministério «em situação fraquíssima»978. Já no ano
anterior, um discurso do conde de Linhares, camarista-mor do rei, interpelando o
Governo para tomar providências contra o modo como certa imprensa tratava o rei,
deixara a ideia de algum desgaste na relação do rei com o Governo979.
No mês seguinte, no debate de resposta ao discurso da coroa, Casal Ribeiro fez a
Fontes um «ataque formidável». Era como que um ajuste de contas da ala conservadora
contra a estratégia de Fontes de querer integrar o espaço progressista. Casal discordava
da «restauração dos ministros em 1878», de tal modo que via na situação actual
«grandes analogias com a situação política presidida pelo conde de Tomar», que tivera
«também a cegueira do poder»; também encontrava analogias com o início de 1868,
quando o Governo resignara não perante uma revolução mas perante uma «veemente
agitação da opinião pública»; é que «no sistema representativo só por excepção se pode
governar contra a opinião acentuada do país», e «nem sempre se pode governar mesmo
quando as maiorias nos apoiam e a Coroa nos concede a sua confiança»; perguntou ao
presidente do Conselho: «pondo a mão na sua consciência recta, entende que a opinião
pública o acompanha neste momento?»; criticou-o por se julgar «completamente
indispensável», «e o pior é que o fanatismo do sr Fontes tem-se contagiado a muitos»;
«cuida o sr presidente do Conselho que só ele é capaz de salvar o trono», «pois não
salva o trono porque o trono não precisa de ser salvo»980. Fontes confessou-se
«profundamente ferido», mas, dizendo-se conhecedor dos seus deveres de homem
público, tendo o apoio da maioria e do rei, afirmou: «não hei-de arredar o pé destes
976 O Progresso, 14/1/1879; A Revolução de Setembro, 15/1/1879 977 Diário da Câmara dos Pares, 21/1/1879, 115 978 Diário Popular, 25/1/1879 979 Diário Popular, 24/4/1878; Paulo Jorge Fernandes, D. Luís, 212 980 Diário da Câmara dos Pares, 14 e 15/2/1879, 245-250 e 251-264
196
lugares»981. Casal replicou: se ele «fabricava» os deputados e nomeava os pares «a seu
arbítrio», «que admira dizer o sr presidente do Conselho que não se retira do ministério
enquanto a maioria do Parlamento lhe for favorável?»982
A interpelação feita por Mariano de Carvalho sobre a concessão da Zambézia,
no início de Março, suscitou grande expectativa junto do público, que encheu as
galerias983. Havia suspeitas de favoritismo, porque a concessão beneficiou, sem
concurso, um oficial do exército que acompanhara Fontes na viagem pela Europa no
verão de 1877, um individual que não era sociedade nem companhia organizada. A
larga margem da maioria regeneradora, obtida em votações fortemente participadas, de
89-32 e 91-32 votos, não dissipou todas as suspeitas984.
Na Câmara dos Pares, o «avilista» Carlos Bento fez uma interpelação sobre uns
adiantamentos do Governo ao Banco Ultramarino, em Junho e Dezembro de 1878, que
deviam ser sancionados pelo Parlamento. Casal Ribeiro propôs o envio dos respectivos
documentos à comissão de Fazenda (de que ele era o presidente), o que foi entendido
como um «cheque ao governo»985. A oposição denunciava que as «enérgicas acusações»
de Casal Ribeiro sobre a situação financeira «ficaram sem resposta»986. Abriu-se o
debate sobre a situação financeira, que piorava de dia para dia; os vinhos portugueses
perdiam vantagem no mercado francês987. Fontes, numa sessão agitada, afirmou que a
maioria representava a vontade do país, portanto, a oposição que fizesse a revolução lá
fora e não dentro da câmara988. Dias depois, anunciou que não recebia os amigos em sua
casa, na habitual reunião das quartas-feiras989; o mesmo acontecera nas vésperas da sua
anterior demissão, dois anos antes. O chefe progressista, Anselmo Braamcamp, na
discussão do orçamento, vincou o que separava o seu partido do Governo: a «escola
regeneradora» entendia dever gastar os dinheiros públicos «a torto e a direito»,
aumentando o défice, enquanto a «escola progressista» sustentava os melhoramentos
materiais «sem desperdícios nem loucuras»990. «Somos acima de tudo um partido de
981 Diário da Câmara dos Pares, 15 e 17/2/1879, 264-265 e 268-278 982 Diário da Câmara dos Pares, 21/2/1879, 309-320 983 Interpelação iniciada em Diário da Câmara dos Deputados, 3/3/1879, 648 984 Diário da Câmara dos Deputados, 12/3/1879, 797 985 O Progresso, 18/3/1879 986 Diário Popular, 18/3/1879; O Progresso, 22 e 30/3/1879 987 O Progresso, 28/3/1879; Diário Popular, 28 e 29/3/1879 988 O Progresso, 5/4/1879 989 A Revolução de Setembro, 9/4/1879 990 O Progresso e Diário Popular, 16/4/1879
197
ordem e de governo», que, apesar de tantos anos de «ostracismo», se mantinha «firme
nos seus princípios e unido», proclamou o jornal progressista991.
Nem de propósito, uma proposta do republicano Rodrigues de Freitas, para se
reduzir a dotação da família real, proporcionou a José Luciano o ensejo de proclamar a
sua preferência pela monarquia sobre a república: «A eleição de um chefe de partido
nunca nos dará um árbitro imparcial entre todas as opiniões e um juiz desapaixonado
entre todos os partidos»; «a monarquia é não só garantia da liberdade mas garantia e
penhor de independência nacional»992. Era como dizer ao rei que não receasse confiar o
poder aos Progressistas, apesar de alguns ex-Reformistas, por exemplo Mariano, terem
apoiado a proposta de Freitas. O jornal regenerador até achou «deslocada» a «apoteose
da realeza» feita por José Luciano; também a Democracia, «órgão dos democratas
oportunistas», terá ficado «furibunda» com tais declarações monárquicas993.
Fontes andava arredio, pouco aparecia na Câmara dos Deputados; «Por medo?»,
perguntava o Jornal do Porto; «Não; o que ele não quer é ser discutido. Está muito alto
para isso. O sr Fontes é o poder. O poder não discute, manda. A representação nacional?
A representação nacional fê-la ele como quis e está à sua disposição»994. Os ministérios
regeneradores estavam «tão acostumados a governar sem o apoio da opinião» que se
contentavam com o apoio da Coroa e «a votação de alguns amigos»995. «Se o ministério
desaparecer de um momento para o outro, ninguém se admirará»996.
O último empurrão ao Governo foi-lhe dado por Casal Ribeiro, por causa dos
adiantamentos ao Banco Ultramarino: como o ministro da Fazenda não propusera ainda
o necessário bill de indemnidade, Casal propôs o seu próprio projecto997, o que
significava uma óbvia censura. O ministro despertou e apresentou um projecto igual,
não na Câmara dos Pares mas na dos Deputados. Uma proposta de inquérito ao Banco,
que o Governo socorrera quando se tornaram públicos uns desvios de dinheiro, foi
rejeitada pela margem de oito votos998 – fraca maioria, atendendo aos 39 pares feitos
pelos governos de Fontes. Serpa pediu a demissão; Fontes quis acumular a Fazenda; os
ministros Lourenço e Corvo, que se encontravam contrariados no Governo e julgavam
991 O Progresso, 18/4/1879 992 Diário da Câmara dos Deputados, 25/4/1879, 1368 993 A Revolução de Setembro, 26/4/1879; O Progresso, 27/4/1879 994 Jornal do Porto, citado em Diário Popular, 9/5/1879 995 Jornal do Porto, citado em O Progresso, 15/5/1879 996 O Progresso, 9/5/1879 997 Diário da Câmara dos Pares, 16/5/1879, 772 998 Joaquim de Carvalho, «Estabelecimento do rotativismo», 409
198
que este não podia caminhar, quiseram sair também999. Fontes comunicou ao rei que se
retirava para não acirrar mais os ânimos1000. O rei chamou Braamcamp, enfim.
Por que caiu o Governo? Em parte por causa da crise financeira, «porque estava
sem dinheiro», «O último grande empréstimo nosso encontrou já viva oposição nas
praças estrangeiras», «Enquanto houve dinheiro gastou-se à larga», disse o jornal
progressista, prevendo já a sorte que caberia ao partido: «Venha o Partido Progressista
concertar as finanças, assumindo sobre si o odioso de fazer economias dolorosas e de
aumentar os encargos tributários, e depois…»1001. Mas isso não seria suficiente se o
Governo sentisse a opinião pública a favor; ora a opinião pública mostrara, nas eleições
do ano anterior, sobretudo nas cidades, que estava farta dos mesmos governantes e
entretanto reunira mais motivos para tal, em especial com a polémica concessão da
Zambézia? «Nem sempre se pode governar mesmo quando as maiorias nos apoiam e a
Coroa nos concede a sua confiança», dissera Casal Ribeiro.
Interessante é que o próprio Fontes terá confessado que a «restauração» do seu
poder em 1878 foi «impolítica», o seu «maior erro político», que nunca mais cairia nele,
non bis in idem, e agora via-se «obrigado a sair do poder», o que o terá deixado irritado
e a prometer vingança1002. Eis como a opinião pública impôs a alternância contra a
vontade do rei e de Fontes. Mas era impensável que a rotação se fizesse para qualquer
desses grupos a que chamavam «patrulhas»; pois que, face a um Governo que ocupava
o espaço da «direita», a alternativa era o Partido Progressista que ocupava o espaço da
esquerda, que não perdera vitalidade quando fora mais ostracizado.
Dez anos depois, um jornal progressista lembrava estas eleições que o Governo
de Fontes perdeu em Lisboa, no Porto e nas principais capitais de distritos, que «ficou
ainda com maioria mas nem el-rei nem Fontes se enganaram e a poucos passos o
ministério caiu», para mostrar que não se pode negar que «a opinião pública se
manifesta quando quer e não se engana com ela senão quem pretende ser enganado»1003.
999 Diário Popular, 30/5/1879 1000 José Miguel Sardica, Duque de Ávila, 557 1001 O Progresso, 9/5 e 1/6/1879 1002 D. G. Nogueira Soares, Considerações sobre o Presente e o Futuro Político de Portugal, 191; Bispo de Viseu, Diário da Câmara dos Pares, 21/3/1881, p. 298; O Progresso, 5/4/1881 1003 Diário Popular, 1/11/1889
199
6 – Ascensão e queda da alternativa progressista (1879-1881)
O período 1879-1881 caracterizou-se, do ponto de vista da dinâmica partidária,
pela difícil afirmação da alternativa progressista, vencendo a marginalização imposta
pelo rei entendido com Fontes e formando Governo, que em menos de dois anos caiu.
Neste período distinguem-se as seguintes fases:
- um Governo progressista presidido por Anselmo Braamcamp, que obteve uma
larga maioria de deputados e, apesar disso, caiu frustrando as expectativas de parte do
seu eleitorado (1879-1881);
- um Governo regenerador presidido por Rodrigues Sampaio que conduziu
eleições em termos de quase anular a representação dos rivais progressistas, pondo em
risco a rotação dentro do regime monárquico (1881).
6.1 – Maioria progressista em desarmonia com a Câmara dos Pares (1879-1881)
Na composição do primeiro Governo progressista as pastas mais importantes
couberam ao presidente e ao vice-presidente do partido: Braamcamp na Presidência do
Conselho, acumulando os Negócios Estrangeiros, e José Luciano de Castro na pasta do
Reino; outra pasta delicada, a da Fazenda, coube ao ex-Reformista Barros Gomes; a das
Obras Públicas ao também ex-Reformista Saraiva de Carvalho; a da Justiça a Adriano
Machado; a da Guerra ao general João Crisóstomo; enfim, a da Marinha e Ultramar ao
marquês de Sabugosa. Notava-se a ausência de Mariano de Carvalho e de Emídio
Navarro que mais tinham protagonizado a campanha contra o rei.
Depois de saírem «moralmente vitoriosos dos colégios eleitorais», «a entrada do
Partido Progressista no poder era fatal», disse José Luciano na apresentação do Governo
no Parlamento1004, associando o fim do prolongado poder de Fontes às últimas eleições.
Braamcamp deu toda a urgência à questão da fazenda, de modo que só «em
ocasião oportuna» se poderiam empreender as reformas administrativas e políticas que o
Partido Progressista proclamara quando oposição e estavam inscritas no seu programa.
Obedeceu ao propósito deliberado de arrefecer as expectativas de uma rápida realização
das reformas, mas suscitou também uma incompreensão quer entre os apoiantes
ocasionais quer entre os próprios correligionários.
1004 Diário da Câmara dos Deputados, 2/6/1879, 1954-1956
200
Quanto aos Regeneradores, receberam o Governo com uma moção de censura,
na palavra de Lopo Vaz, alegando diferenças de princípios políticos e de modus faciendi
entre os dois partidos. «Talvez se enganem», disse José Luciano, interpretando que os
Regeneradores queriam precipitar eleições no «breve prazo» que mais lhes convinha,
enquanto funcionasse «o maquinismo administrativo» que tinham «montado em oito
anos em proveito de um partido». Os grupos Avilista e Constituinte declararam, pelas
vozes de Barros e Cunha e de Dias Ferreira, apoiar o Governo. A moção de censura foi
aprovada pela margem de 75-29 votos, significando uma clara incompatibilidade entre o
Governo e a maioria, donde se seguiria ou a queda do Governo ou a dissolução.
José Luciano observou um «desacordo» «evidente» entre a atitude da maioria e
as «palavras dignas» com que Fontes recebeu o Governo na Câmara dos Pares1005. Para
o jornal progressista, essa atitude de receber o novo ministério «na ponta das baionetas»
fora «dirigida pelo sr Barjona, que segundo dizem tomou o comando da rapaziada
fina»1006. A moção de censura significava que muitos Regeneradores não concordavam
com a demissão de Fontes, tal como já não tinham concordado com a passagem do
poder que ele fizera para Ávila em 18771007. Desdenhavam o «modesto programa»
progressista, «que bem longe fica daquele pomposo e fútil programa da granja» e
desafiavam os rivais «para a urna», onde queriam «travar a batalha»1008.
Os Progressistas realizaram uma reunião extraordinária, «concorrida a mais não
poder»1009: era necessário mobilizarem-se para a batalha eleitoral. Mas não havia pressa,
«a crise terá solução institucional em ocasião oportuna», disse José Luciano1010. Para os
Regeneradores isso era uma «covarde morosidade». O Jornal do Porto aconselhava:
«Devagar que tenho pressa», «O ministério não pode nem deve fazer nada sem ter
nomeado primeiro os seus agentes locais e sem que por eles se tenha devidamente
informado das verdadeiras necessidades públicas»1011. O Governo seguiu este conselho,
substituindo os governadores civis e os administradores de concelho e outros
funcionários de nomeação política, antes das eleições marcadas para 19 de Outubro.
Não acreditando na capacidade governativa dos Progressistas, os Regeneradores
interpelavam-nos com arrogância: «É necessário que esgoteis até às fezes o cálix do
1005 Diário da Câmara dos Pares, 3/6/1879, 849 1006 O Progresso, 3/6/1879 1007 José Miguel Sardica, Duque de Ávila, p. 558, nota 159 1008 A Revolução de Setembro, 3/6/1879 1009 O Progresso, 6 e 7/6/1879 1010 Diário da Câmara dos Deputados, 9/6/1879, 1978-1979 1011 A Revolução de Setembro, 11/6/1879; Jornal do Porto, citado em O Progresso, 15/6/1879
201
poder, que vos foi dado por punição, e que mostreis aí, bem evidentemente, em face de
todo o país, a vossa incapacidade e a vossa insuficiência! Estais no poder porque nós
assim o quisémos», «haveis de conservar-vos nele até cumprirdes o vosso triste
fado!»1012. Estas palavras correspondem ao calculismo com que Fontes parece ter
cedido o poder aos rivais, para que fossem estes a enredarem-se nas crises financeira e
colonial. Na questão colonial, além da polémica concessão da Zambézia, o Governo
Fontes assinou, no seu último dia de funcionamento, um tratado com a Inglaterra, sobre
Lourenço Marques, cuja existência o Governo progressista só soube por um jornal
inglês, 15 dias depois, encontrando-o «sumido entre vários outros papeis»1013.
Entretanto, um decreto do Governo a nomear uma comissão de inquérito às
repartições do Estado1014, com o objectivo de encontrar irregularidades na actuação do
Governo regenerador, foi mais uma acha lançada na fogueira da campanha eleitoral.
«Os disparates sucedem-se», disse o jornal regenerador, classificando o decreto como
um «documento de inépcia e de insídia»1015. Os relatórios só seriam conhecidos no ano
seguinte limitando-se a verbas desviadas entre ministérios e a alguns desperdícios1016.
Qual seria o resultado das eleições? Os Regeneradores contavam com a vitória,
pelo menos de início, quando planeavam disputar todos os círculos eleitorais1017. Em
tantos anos de poder tinham consolidado uma vasta rede de influentes em todo o país.
Quanto à rede progressista, que em todos esses anos penara na oposição, conseguiria
melhor do que as duvidosas vitórias obtidas pelos grupos Avilista e Reformista no
período 1868-1871? À medida que as estruturas administrativas foram sendo entregues
a gente afecta aos Progressistas, os Regeneradores perceberam que as coisas não seriam
tão fáceis; aliás, concorreram em menos de metade dos círculos.
Os resultados parece que apanharam todos de surpresa, com 105 Progressistas
eleitos, 22 Regeneradores, seis Constituintes, três Avilistas e um Republicano; a estes
há que acrescentar 12 deputados pelos círculos coloniais, dos quais talvez metade para
os Progressistas e metade para os outros grupos. «Os resultados do apuramento eleitoral
excederam a nossa expectativa» e «a oposição viu por terra os seus melhores cálculos»,
disseram os Progressistas1018; a razão estava numa «força que se não vence: a da opinião
1012 A Revolução de Setembro, 26/6/1879 1013 Correio da Noite, 15/9/1881; Diário da Câmara dos Pares, 30/3/1886, 317 1014 O Progresso, 27/6/1879 1015 A Revolução de Setembro, 27 e 29/6/1879 1016 A Revolução de Setembro, 6 e 7/4/1880; O Progresso, 7, 8 e 16/4/1880 1017 O Progresso, 24/10/1879 1018 O Progresso, 23/10/1879
202
pública», que os ajudara a resistir a oito anos de perseguição; «O partido do poder não é
um partido invencível»; «nas eleições de 1878, o partido do poder não pôde sufocar a
voz de Lisboa e Porto e das cidades mais importantes do país», «diante da força da
opinião pública, que é o que dá as vitórias»1019.
É interessante que nove distritos não deram um único deputado regenerador:
Bragança, Viana, Viseu, Guarda, Leiria, Santarém, Portalegre, Évora e Funchal; o facto
de serem em geral distritos predominantemente rurais, avessos à oposição nas eleições
anteriores (salvo Viseu e Santarém), confirma a ideia de ser o eleitorado rural mais
permeável à influência dos governos, com maiores variações entre eleições1020.
O jornal regenerador aceitou a derrota com desportivismo, decerto reconhecendo
que não tinham sido usados pelos adversários métodos menos recomendáveis que os
seus: «Aceitamos o resultado da urna e respeitamo-lo como expressão da soberania.
Não é infalível o seu juízo, mas devemo-lo considerar como manifestação da sua
vontade e nós preferimos essa vontade, mesmo irreflectida, ao arbítrio do Governo».
Ou: «Escolheu o povo os seus representantes. Se foi bem ou mal inspirado nessa
escolha, o futuro inexoravelmente lho dirá». E ainda: «os eleitores que votaram pelo
Governo foram livres e obedeceram à sua consciência»1021.
Em Janeiro, seguir-se-ia a batalha parlamentar. Num artigo intitulado «Vida
nova», transcrito em todos os jornais, o jornal progressista anunciou uma «política
austera de justiça e de moralidade»1022. Se na Câmara dos Deputados não se previam
dificuldades para o Governo fazer passar a sua política, o mesmo não deveria acontecer
na Câmara dos Pares dominada pelos Regeneradores; era necessária uma «fornada»
para que as duas casas do Parlamento caminhassem em harmonia. No último dia do ano,
o Conselho de Estado deu voto favorável à proposta do Governo para serem nomeados
19 novos pares, em geral progressistas mas incluindo alguns avilistas.
Entre os Regeneradores circulava um espírito de confiança, sem pressa, como se
depreende de uma carta de Hintze a seu irmão Artur: «Sei que Fontes não tem empenho
em deitar esta caranguejola abaixo antes de 1881, pois que se veria nas mesmas
dificuldades que o levaram a pedir a demissão. E nesta parte acho que ele tem razão. A
onda ainda é forte; é mister deixá-la passar»1023.
1019 O Progresso, 21 e 22/10/1879 1020 Pedro Tavares de Almeida, Eleições e caciquismo, 170 1021 A Revolução de Setembro, 21, 23 e 24/10/1879 1022 O Progresso, 28/10/1879 1023 Carta de 14/12/1879, em Maria Filomena Mónica, Fontes, 146
203
No «discurso da coroa» que marcou o arranque do ano parlamentar, foram
previstas reformas, nomeadamente em dois domínios que o programa do Partido
Progressista apontara como prioritários, a instrução pública e a legislação eleitoral1024.
Sobre a instrução, foram apresentadoas cinco propostas de lei (organização e
financiamento da instrução primária; empréstimo para construção de novos edifícios
escolares; associação nacional promotora do ensino popular; instrução secundária; e
conselho superior de instrução pública)1025, que seguiram os seus trâmites, nas duas
câmaras legislativas, até serem consagradas como leis. Quanto à legislação eleitoral,
começou o Governo por apresentar propostas de lei, nos domínios do código
administrativo, do recrutamento e das execuções fiscais, tendentes a reduzir a pressão
das autoridades sobre os eleitores. Outros exemplos de reformas então apresentadas
foram: da responsabilidade ministerial, do Supremo Tribunal Administrativo e das
comarcas1026, além das reformas no domínio da fazenda, adiante referidas.
Em Março, já o jornal progressista escrevia que tinham sido aprovados mais
projectos que na sessão anterior de maioria regeneradora, 19 contra três. E em Junho,
enaltecia a sessão «para sempre memorável nos anais políticos deste país», «exemplo a
seguir»1027. Parece que se queria contrariar as vozes críticas, de dentro e de fora do
Partido Progressista, de que o seu Governo, uma vez no poder, rasgou o seu programa e
renegou as suas promessas – é uma ideia ainda corrente, de ter sido adiada «por motivos
fúteis» a execução do programa radical progressista1028.
Mais difícil para o Governo foi o combate pelas suas propostas financeiras. A
principal novidade era a criação de um imposto de 3% sobre o rendimento. Tratava-se
de uma solução fiscal ensaiada nos países mais avançados, que não tardou a suscitar a
resistência de «jornais de todo país, sem distinção de cores políticas»1029. A imprensa
governamental reconheceu que o novo «imposto do rendimento» estava a impressionar
vivamente o público e a concitar «os ódios e a oposição da parte abastada do país»; e o
pior é que nessa oposição alinhava a Associação Comercial do Porto1030, tradicional
aliada dos Progressistas. Uma das objecções ao imposto era que permitia ao fisco
penetrar «no mais íntimo de todo o cidadão para lhe pedir estritas contas dos seus
1024 O Progresso, 3/1/1880 1025 Diário da Câmara dos Deputados, 31/1/1880, 336-349 1026O Progresso, 8 e 25/2/1880; Diário da Câmara dos Deputados, 5/6/1880, 2485 1027 O Progresso, 6 e 12/3 e 8/6/1880 1028 José Tengarrinha, «Progressismo», 106 1029 A Revolução de Setembro, 5/2/1880 1030 O Progresso, 14, 15 e 17/2/1880
204
dispêndios modestos ou luxuosos; na própria maioria de apoio ao Governo havia
relutância em aceitá-lo1031. «Pois o Porto abandona a Granja?», observou o jornal
regenerador1032, quando a maioria progressista aprovou o imposto do rendimento por
89-20 votos1033. Outras medidas fiscais avançaram, com maior ou menor dificuldade,
relativas ao real d’água, ao imposto do selo e à contribuição predial1034.
Restava a dúvida de como passaria o imposto do rendimento na Câmara dos
Pares. É que nessa chamada «Câmara Alta», o Governo tivera já de alterar a sua
proposta sobre o imposto do selo e não conseguia fazer aprovar a sua proposta de lei de
contabilidade pública, a não ser com grandes alterações1035, pelo que preferia deixá-la
pendente. O que os Regeneradores criticavam no imposto do rendimento era que
abrangesse os títulos da dívida pública; mesmo assim foi aprovado por 39-27 votos1036.
Mas não passou despercebido que tal aprovação só foi possível porque Fontes fizera sair
da sala nove pares da oposição1037. Donde se podia concluir: primeiro, que na Câmara
dos Pares só passava o que Fontes deixava; segundo, que ele só deixou passar este
imposto porque não lhe convinha derrubar a «caranguejola» progressista, ou, como ele
mesmo disse, porque isso ainda não lhe «fazia arranjo»1038.
Na Câmara dos Pares é que os Regeneradores concentravam os seus esforços,
desinteressados da luta na Câmara dos Deputados1039. «A Câmara Alta tem tomado uma
atitude menos compatível com a sua índole conservadora: torna-se mais partidária, mais
intransigente, menos recatada do que a oposição na Câmara dos Deputados, que na
verdade tem aqui mostrado pouca vida, bastante moleza»; «Na Câmara dos Pares tem o
Partido Regenerador o seu quartel-general, estão lá os seus varões ilustres, os seus
estadistas eméritos»1040. Era uma questão a enfrentar antes do próximo ano.
Agora o que mais preocupava os Progressistas era o Tratado de Lourenço
Marques. Em Março já houvera um comício em Lisboa contra o tratado, por conter
cláusulas que significavam uma inaceitável submissão aos ingleses, nos direitos de
fazerem passar tropas pelo território de Moçambique, de policiarem os mares próximos
1031 A Revolução de Setembro, 17 e 24/2/1880 1032 A Revolução de Setembro, 16 e 19/5/1880 1033 Diário da Câmara dos Deputados, 14/5/1880, 2090 1034 Diário da Câmara dos Deputados, 3/2/1880, 363; 19/3/1880, 993; e 3/4/1880, 124; Diário da Câmara dos Pares, 6/3/1880, 197 1035 A Revolução de Setembro, 1 e 16/5/1880 1036 Diário da Câmara dos Pares, 3/6/1880, 899-903 1037 A Revolução de Setembro, 6/6/1880 1038 A Revolução de Setembro, 29/05 e 6/6/1880; O Progresso, 2/6/1880 1039 O Progresso, 5/3/1880 1040 O Progresso, 11/3 e 20/5/1880
205
e de intervirem na organização da pauta colonial portuguesa. Quando o Governo o
submeteu ao Parlamento, em Junho, era tal a relutância sentida na maioria progressista
em aceitar o que fora negociado e assinado pelo Governo Regenerador que resolveu
adiá-lo, infringindo a disciplina partidária – o que levou o Governo, assim
desautorizado, a pedir a demissão ao rei, que o rei não aceitou1041. Saiu por essa altura o
ministro da Marinha, marquês de Sabugosa.
Estáva-se em vésperas do Centenário de Camões, cujas comemorações, de maior
efeito popular, em Lisboa, foram organizadas por uma «comissão da imprensa» de
maioria republicana. Dessa comissão abstiveram-se os jornais progressistas, o que
estava de acordo com a posição assumida pelo ministro do Reino de não se colocar «ao
lado da iniciativa particular», de não decretar uma festa oficial em lugar de uma festa
popular1042. Aqui residiu um erro político dos Progressistas, um erro que deu aos
Republicanos uma tremenda arma de propaganda e de responsabilização das instituições
monárquicas pelos elementos da política colonial que feriam o orgulho nacional, como
eram o Tratado de Lourenço Marques e a concessão da Zambézia. O rei e as entidades
oficiais assistiram à transladação dos restos mortais de Vasco da Gama e de Camões
para os Jerónimos e às manifestações públicas na Praça do Comércio, mas não ao
cortejo cívico que mais mobilizou a população.
O jornal regenerador criticou o ministério por se ter ausentado da festa e por não
ter aconselhado o rei a tomar parte nela1043. O jornal progressista divulgou um rol de
ajudas prestadas à festa – em objectos e parelhas de muares e respectivos condutores
postos à disposição do cortejo, em subsídios aos teatros e para a iluminação das ruas, etc
– e devolveu as críticas aos «farsantes do centenário»: «estiveram caladinhos enquanto
careceram de socorro que largamente pediram», «desde que se apanharam com o
dinheiro e tudo o mais», «desataram a berrar contra o Governo e a morder a mão que os
livrou de fazer figura de sendeiro»1044.
Se os Progressistas perderam parte da opinião pública de Lisboa, isso não se
reflectiu nas eleições intercalares de Setembro, feitas para preencher onze círculos
vagos, pois que os ganharam todos, incluindo dois círculos de Lisboa, contra candidatos
1041 Diário da Câmara dos Deputados, 3/6/1880, sessão secreta, 2468; José Miguel Sardica, Duque de Ávila, 560; Paulo Jorge Fernandes, D. Luís, 220 1042 Diário da Câmara dos Deputados, 10/4/1880, 1352 1043 A Revolução de Setembro, 12/6/1880 1044 O Progresso, 18/6/1880
206
republicanos apoiados pelos Regeneradores1045. Todavia, a saída do general João
Crisóstomo de ministro da Guerra, pelo desacordo dos outros ministros à sua proposta
de reformas dos militares1046, foi mais um factor de desgaste do Governo.
A batalha principal travava-se em torno da Câmara dos Pares. A primeira
«fornada» não se mostrara suficiente para o Governo garantir nela a aprovação das suas
propostas já aprovadas pelos deputados. Precisava de outra «fornada». No fundo, para
além da normal luta pelo poder, confrontavam-se duas concepções sobre a legimidade
do poder legislativo: à esquerda, o Partido Progressista (cujo chefe rejeitara ser
nomeado par, em 1874), avesso a uma câmara aristocratica, não eleita, constituída por
pares hereditários ou nomeados pelo rei, preferia uma câmara eleita pelos cidadãos em
igualdade; à direita, o Partido Regenerador, entre a câmara «filha da eleição popular» e
a câmara «filha da prerrogativa e da tradição hereditária», perguntava: «Quem sabe qual
das câmaras representa melhor os interesses públicos?»1047
Fontes escreveu ao rei: «A nomeação de novos pares nas circunstâncias actuais é
a morte daquela câmara, o que muitos pretendem conseguir»; tal só seria possível «por
uma revolução ou por uma constituinte», que eram «meios violentos», que punham «à
mercê dos acontecimentos imprevisíveis todas as instituições políticas e a paz pública»;
por isso, pedia ao rei convencesse Braamcamp a «não promover agora a nomeação de
novos pares e esperar um voto hostil daquela câmara»1048.
Mas o rei decidiu a favor da proposta do Governo para serem nomeados 16
novos pares, apesar do parecer contrário do Conselho de Estado1049. Os Regeneradores,
que no Conselho de Estado tinham colocado todo o seu estado-maior1050, lastimaram
«com toda a deferência que nos merece a pessoa do rei», que ele tivesse resolvido «a
seu mero arbítrio, desprezando absolutamente o voto do mais alto corpo político»1051.
Fontes, «o sino grande», convocou os seus notáveis (pares, deputados,
jornalistas, etc) para uma reunião, que decorreu «numerosa», na qual sustentou que o
dever do partido era «protestar», fazer «guerra ao ministério», «Hoje o nosso dever e a
nossa aspiração unicamente era combater o ministério, era derrubá-lo. Nada mais»1052.
1045 O Progresso, 7/9/1880 1046 Diário Popular e A Revolução de Setembro, 30/11/1880; Paulo Jorge Fernandes, Mariano, 121 1047 A Revolução de Setembro, 5/1/1881 1048 Carta de 14/12/1880, em Alberto JG Belo, A Câmara dos Pares na Época das Grandes Reformas Políticas, 179-180, e Maria Filomena Mónica, Fontes, 146-147 1049 O Progresso, 31/12/1880 1050 Alberto JG Belo, A Câmara dos Pares na Época das Grandes Reformas Políticas, 178 1051 A Revolução de Setembro, 1/1/1881 1052 A Revolução de Setembro, 4/1/1881
207
O jornal progressista registou a «guerra santa, a guerra de extermínio, a guerra sem
tréguas nem quartel contra a nefanda horda progressista», pregada por Fontes, e expôs
os números: ao longo dos anos 70 os Regeneradores tinham nomeado 40 pares. Eram 39
pares nomeados entre Dezembro de 1871 e 1878, disse o jornal regenerador acusando a
Granja de ter nomeado 42 no espaço de um ano. Mas os 39 pares «foram muitos porque
nomeados sem necessidade», respondeu o jornal progressista, ao passo que «os de agora
não são muitos porque são apenas uma consequência das fornadas anteriores»1053.
Conforme José Luciano explicou aos deputados, o Governo tivera de promover a
nomeação de novos pares porque sem ela não conseguia fazer aprovar as suas propostas,
a não ser entrando em transacções com a oposição, o que não era aceitável a um
gabinete que tinha ideias próprias; sem tal nomeação, «não podia continuar à frente dos
negócios públicos», isso foi dito ao rei, de modo que, se ele a recusasse, «o Governo
sabia qual o caminho a seguir»1054. Quer dizer que foi para evitar a demissão do
Governo que o rei contrariou a opinião maioritária do Conselho de Estado.
Mas os Progressistas deviam estar preocupados com os votos desfavoráveis que
os seus aliados dos últimos anos, Casal Ribeiro e Ávila, tinham dado à fornada de pares
no Conselho de Estado. Casal considerou-a um «suicídio»1055. A posição de Ávila,
presidente da Câmara dos Pares e chefe de um grupo de pares, era ainda mais sensível.
José Luciano dera ordens para ninguém do Partido Progressista «dar pretexto aos
avilistas para se separarem do ministério»1056 e exasperava-se por ver alguns a atacarem
Ávila, por exemplo, Navarro com «artigos inconvenientíssimos» no Primeiro de
Janeiro1057. Os Regeneradores só podiam regozijar-se com esta luta que afastava Ávila
dos Progressistas ao ponto de ele ter sido obrigado a desmentir que alguma vez tivesse
alcunhado de capa de ladrões o manto da realeza1058.
José Luciano lembrou as razões de queixa do Governo em relação à Câmara dos
Pares: estavam lá pendentes de exame a reforma da contabilidade pública e outras
propostas sobre execuções fiscais, o Tribunal de Contas, a reforma administrativa e o
recrutamento; «Portanto, o Governo tem, neste ponto, plenamente satisfeito aos seus
compromissos», afirmou, recusando a constante arguição de faltar às promessas do seu
1053 O Progresso, 5 e 9/1/1881; A Revolução de Setembro, 8/1/1881 1054 Diário da Câmara dos Deputados, 17/1/1881, 140-145 1055 Diário da Câmara dos Pares, 17/5/1884, 672 1056 José Miguel Sardica, Duque de Ávila, 561 1057 Carta de José Luciano ao visconde de Valmor, de 7/1/1881, em Fernando Moreira, José Luciano de Castro. Correspondência Política, 118 1058 A Revolução de Setembro, 8 e 11/1/1881
208
programa. Quanto às reformas da Carta e da Câmara dos Pares, o programa era claro de
que só viriam «em complemento» das reformas em que o Governo estava agora
empenhado; aliás, dependiam de Cortes constituintes e não era chegado o ensejo de
efectuá-las. Em outras ocasiões, na própria Câmara dos Pares, José Luciano repetiu o
mesmo argumento, especificando que as reformas administrativa, das execuções fiscais
e do recrutamento, já propostas no ano passado, visavam todas elas o objectivo maior de
«emancipar o eleitor da tutela da autoridade»1059.
Uma caricatura de Rafael Bordalo Pinheiro mostrava os ministros em visita a um
mausoléu, no dia de finados, com a seguinte lápide: «Aqui jaz o programa da Granja.
Orae por ele. P. N. A. M.»1060. A sátira fazia mossa entre os Progressistas: alguns
achavam que o Governo devia ter atacado logo a Câmara dos Pares, em vez de se
enredar nas fornadas. É o que se depreende do discurso de António Cândido, a exortar o
Governo, uma vez que a questão da fazenda já não era obstáculo, a apresentar sem
demora «as reformas indicadas no programa progressista, principalmente a que procura
garantir a genuinidade do direito eleitoral, incorporando o «princípio da representação
das minorias» que estava ensaiado em vários países, e outra que tem por fim a
transformação radical da Câmara Alta no interesse dela e no do país»1061.
De facto, o pior da crise financeira estava passado, desde o sucesso na obtenção
de um empréstimo1062; mas as piores dores de cabeça do Governo estavam para chegar.
Em Fevereiro e Março, os meetings sucederam-se com intensidade crescente, ora contra
o Tratado de Lourenço Marques, promovidos pelos Republicanos, ora contra o imposto
do rendimento, promovidos pelos Regeneradores. Também houve meetings favoráveis
ao Governo, no Porto e em Braga, a respeito do imposto do rendimento: «pague
impostos o rico como rico e o pobre como pobre»; chegou a haver dois meetings no
Porto, no mesmo dia, com intuitos políticos opostos1063.
Os trabalhos parlamentares ressentiram-se: na Câmara dos Deputados, tratava-se
nomeadamente da reforma administrativa e do Tratado de Lourenço Marques, que
Braamcamp apresentara modificado nas cláusulas mais ofensivas do brio nacional, após
duras negociações com os ingleses1064; na Câmara dos Pares não se parava de discutir
questões meramente políticas. Uma moção de confiança ao Governo passou na câmara
1059 Diário da Câmara dos Deputados, 17/1/1881, 140-145; D. Câmara dos Pares, 31/1/1881, 60 1060 O António Maria, 4/11/1880, 360 1061 Diário da Câmara dos Deputados, 19/1/1881, 180-184 1062 O Progresso, 18, 21 e 22/12/1880 1063 O Progresso, 22/2 e 11 e 12/3/1881; Paulo Jorge Fernandes, Mariano, 123-124 1064 Diário da Câmara dos Deputados, 11/1/1881, 74-78
209
eleita com a larga margem de 77-30 votos1065. Na câmara não eleita, uma moção de
censura do visconde de Seabra suscitou uma emenda do bispo de Viseu, tendo esta
passado pela estreita margem de 55-51 votos1066. Os deputados trabalharam em sessões
diurnas e nocturnas até aprovarem, antes do fim de Março, a reforma administrativa, o
orçamento e outros projectos1067; mas estes já não chegaram à Câmara Alta.
Em Março quase não houve dia sem um meeting, em Lisboa ou em outra terra.
Um meeting republicano realizado em Alcântara contra o Tratado de Lourenço Marques
descambou em tumulto quando, no dia seguinte, se foi entregar no Parlamento a
representação nele aprovada. Os Progressistas criticavam os Regeneradores que tanto
diziam desdenharem os meetings como faziam propaganda a favor deles; e denunciaram
que o grupo promotor do meeting republicano estava «conluiado com a unha preta do
Partido Regenerador e com os democratas oportunistas»1068. Mas o jornal regenerador
respondia: «Não afagamos nem lisongeamos o leão popular»; e criticava «o aparato de
forças» junto ao Parlamento quando o povo se congregara «pacificamente», «para levar
respeitoso protesto à câmara dos seus representantes»1069. O Tratado de Lourenço
Marques foi aprovado por 75-19 votos1070, notando-se que 14 deputados regeneradores
se ausentaram para não votarem sobre o tratado assinado pelo Governo do seu partido.
Num domingo, dia 13/3/1881, realizaram-se dois meetings contra o Governo, em
Lisboa: um no Teatro de S. Carlos, organizado pelos Regeneradores e os Constituintes;
e outro num recinto da rua de S. Bento, organizado pelos Republicanos. Houve
recontros com a polícia e, no dia seguinte, Hintze Ribeiro apresentou na Câmara dos
Deputados uma moção de censura contra o «abuso do emprego da força pública contra
os cidadãos inermes». José Luciano justificou a intervenção da autoridade depois que a
mesa do meeting de S. Carlos (presidido pelo presidente da Câmara de Lisboa, o
regenerador Rosa Araújo) «abandonou o seu lugar e deixou os cidadãos […] entregues a
si próprios, sem direcção e procurando […] constituir outro meeting»1071. Na Câmara
Baixa a censura foi rejeitada sem dificuldade por 64-26 votos.
Todavia, na Câmara dos Pares o caso foi mais complicado para o Governo,
como era de esperar. Barjona apresentou uma moção de censura agressiva, «não
1065 Diário da Câmara dos Deputados, 29/1/1881, 310 1066 Diário da Câmara dos Pares, 12/2/1881, 162 1067 O Progresso, 20/3/1881 1068 O Progresso, 15/2 e 4 e 8/3/1881 1069 A Revolução de Setembro, 8/3/1881 1070 Diário da Câmara dos Deputados, 8/3/1881, 923 1071 Diário da Câmara dos Deputados, 14/3/1881, 910-912
210
julgando o Governo à altura da gravidade das circunstâncias». Respondeu-lhe José
Luciano: «A câmara derrama lágrimas sentidas sobre a sorte dos inocentes
amotinadores, mas não quer saber dos interesses mais graves do país»1072.
O jornal progressista revelou ter-se realizado «uma reunião para ligar o Partido
Republicano às unhas negras»: «a base do pacto proposto era mudar esse partido de
nome, passando a chamar-se Partido Radical, e aceitar para chefe o sr Barjona»; «em
troca os Republicanos receberiam seis candidaturas na primeira situação em que os
unhas negras preponderassem», «com o compromisso de se votar o alargamento e a
secularização completa do registo civil e outras providências»; como os Republicanos
não aceitaram, «fez-se a separação do meeting da rua de S. Bento e a empalmação do
meeting de S. Carlos»; no fim, o jornal desafiava o redactor principal de O Século a
corrigir se as informações eram inexactas1073.
No debate entre os pares, o progressista Pereira Dias fez equivaler a censura de
Barjona à «protecção aos arruaceiros que davam vivas à república»; e o «avilista» Bento
discordou da parte agressiva da moção, propondo que fosse votada em duas partes; logo
Barjona afirmou que a sua moção não tivera origem nos «tumultos de domingo»1074.
Então a que propósito vinha?, haveria de perguntar José Luciano. Fontes confirmou ter
combinado com Barjona a moção que se debatia e que a aprovara, mas reconhecendo
que para muitos podia haver dúvidas, até se a moção não seria uma «justificação» dos
tumultos, redigiu outra, mais suave, fazendo «votos que o Governo se harmonize com
os interesses do país». Algum desacordo havia entre os Regeneradores: Martens Ferrão
considerou «um erro político» a moção de Barjona e nem sequer votaria a censura
«benévola» de Fontes, porque, nas circunstâncias em que o país se encontrava, não
queria «tirar força ao Governo, antes dar-lha» e ainda recomendou ao chefe do partido
que, «de futuro», «guie e não seja guiado, dirija e não seja dirigido». O bispo de Viseu
criticou a censura ao Governo «porque soube manter a ordem» e colocou uma questão
de fundo: «se os pares de nomeação régia podem com seus votos derrubar governos e
levantar outros, fica a anulada a representação nacional na câmara popular». A censura
de Fontes acabou rejeitada à tangente, por 50-49 votos1075.
O Governo progressista venceu a batalha, mas era evidente que não poderia
vencer a guerra. Na batalha, atraíra os votos de Martens, de Bento e de alguns bispos
1072 Diário da Câmara dos Pares, 16/3/1881, 285-289 1073 O Progresso, 16/3/1881 1074 Diário da Câmara dos Pares, 18 e 19/3/1881, 284 e 289-290 1075 Diário da Câmara dos Pares, 21/3/1881, 296-300
211
(além do bispo de Viseu), com os quais não poderia contar normalmente, muito menos
para fazer as reformas políticas inscritas no seu programa. Não foi dessa votação que
veio a crise, disse o jornal progressista, mas da atitude «obstrucionista» da Câmara dos
Pares, que «não trabalhava, recusava-se a trabalhar e protestava manter até ao fim a
inflexibilidade desse sistema. E sendo precisa a sua cooperação para a feitura das leis, é
claro que o Governo não podia trabalhar»1076.
Dali a dias, quando se apresentou no Parlamento outro Governo, Braamcamp
invocou as «graves dificuldades» que enfrentara na Câmara dos Pares, as «discussões
políticas, veementes e prolongadas» que se sucediam, «tornando impossível a discussão
e votação das propostas que nela estavam pendentes»; e, como o rei não tivesse achado
conveniente a «recomposição do ministério» que lhe propusera, pedira a demissão1077.
6.4 – A rotação alvo de extermínio (1881)
O novo Governo regenerador, presidido por Rodrigues Sampaio, suscitou
perplexidades, sobretudo por não ser presidido pelo chefe do partido, dando a ideia de
ser um governo de transição. Fontes já dissera que não sucederia aos Progressistas, em
termos que foram interpretados como aplicando-se a ele mas e ao seu partido. De facto,
aconselhou o rei a chamar Ávila para presidir à nova situação, como em 1877, mas
Ávila recusou por razões de saúde1078 – aliás, veio a falecer dali a poucos meses. Por
que não desejava Fontes assumir a presidência do Governo, nem que o seu partido
governasse sozinho, uma vez que pediu a Dias Ferreira dois ministros do grupo
constituinte, que recusaram? Para que se não dissesse que subira ao poder graças à
«guerra santa» e aos tumultos que tinham derrubado o Governo progressista? A ala
conservadora do seu partido não apreciou, como se viu pelo discurso de Martens Ferrão,
que Fontes tivesse transigido com os revoltosos e que, não os tendo acompanhado até
aos meetings, tivesse consentido em colocar-se à testa deles na Câmara dos Pares1079.
Acabou por ser formado um Governo inteiramente regenerador, com Rodrigues
Sampaio na presidência e na pasta do Reino, Lopo Vaz na Fazenda, Barros e Sá na
Justiça, Miguel Dantas nos Negócios Estrangeiros, Caetano Castro na Guerra, Hintze
Ribeiro nas Obras Públicas e Júlio de Vilhena na Marinha. À excepção de Sampaio,
1076 O Progresso, 23/3/1881 1077 Diário da Câmara dos Deputados, 26/3/1881, 1134 1078 José Miguel Sardica, Duque de Ávila, 564 1079 D. G. Nogueira Soares, Considerações sobre o Presente e o Futuro Político de Portugal, 373
212
todos eram ministros pela primeira vez. Atendendo à juventude de alguns (Vilhena com
34 anos, Lopo Vaz com 32 e Hintze com 31), chamavam-lhes «governo dos meninos».
Vicente Ferrer acusou Fontes de ter faltado ao «seu dever», ao não aceitar a
missão do rei: «desde que um partido ataca o governo de outro partido, o chefe da
oposição tem a obrigação rigorosa de aceitar a missão de organizar governo e
governar»; para António Cândido, Fontes julgava-se «demasiado grande para presidente
do Conselho» e criou «uma situação para si, no espaço que vai do chefe de gabinete ao
poder moderador», fazendo dele «uma verdadeira omnipotência oculta»1080.
Os jovens ministros destacavam-se na nova geração dos Regeneradores, que já
aceitara mal a cedência de Fontes a Ávila, em 1877, e depois, por aceitar mal a cedência
ao Partido Progressista, em 1879, recebera o novo Governo com uma moção de censura,
à revelia do chefe. Eram eles que, segundo o jornal progressista1081, formavam a «unha
preta» do Partido Regenerador, tendo Barjona por seu chefe, que, sem dar a cara,
promovera o meeting no S. Carlos. Talvez Fontes quisesse experimentá-los no Governo,
sob a direcção de alguém da sua confiança; Barjona era suspeito de ter planos de formar
uma ala radical dentro do seu partido, ou até de formar um «Partido Radical» em
ligação com Republicanos envolvidos nos recentes tumultos.
Um ponto comum entre Sampaio e os seus jovens ministros era a concepção que
tinham do Partido Regenerador como um partido «progressista». Sampaio sempre
reclamara a herança «setembrista», como o revela o nome do seu jornal A Revolução de
Setembro, assim como a herança do «Partido Progressista» do início da Regeneração;
nunca aceitara a dissidência, a «deserção», que dera origem ao Partido Histórico, nem
aceitava o nome do actual Partido Progressista. Entre os jovens regeneradores, havia
alguns antigos radicais, recrutados por Barjona e por Sampaio, entre eles Júlio de
Vilhena que, em debates com José Luciano, reclamava que o Partido Regenerador era
mais «progressista» do que o Histórico. Ora Fontes não estava fora desta estratégia
integradora de todo o espaço liberal, orientada para anular o Partido Progressista como
alternativa. Foi isto que, segundo os Progressistas, o Governo Fontes tentou nas eleições
de 1878, seria isto também que o Governo Sampaio viria a empreender nas eleições de
1881. «Este governo da juventude regeneradora em 1881 […] seria a primeira amostra
de uma dureza e audácia de que não havia notícias em Portugal desde o cabralismo»1082.
1080 Diário da Câmara dos Pares, 26/3/1881, 310; Diário da Câmara dos Deputados, 26/3/1881, 1145 1081 O Progresso, 15/3/1881 1082 Rui Ramos, «A formação da intelligentsia portuguesa», 520
213
Na sua apresentação ao Parlamento, o Governo mostrou não ter soluções para os
problemas que mais tinham desgastado o Governo anterior: sobre o Tratado de
Lourenço Marques, Sampaio não se comprometeu alegando que estava em análise entre
os pares; sobre o imposto do rendimento, o ministro da Fazenda pediu tempo para
pensar1083 e, um mês depois, voltou ao velho expediente dos adicionais. «Não fomos
hábeis», desabafou António Cândido traduzindo a frustração dos Progressistas. Logo o
Governo obteve o adiamento das Cortes, evitando debates face à maioria progressista:
«Os novos ministros têm muitos assuntos em que ocupar as suas esclarecidas atenções»
e «Tais ocupações eram incompatíveis com a luta parlamentar»1084.
O Parlamento reabriu por alguns dias, essencialmente para dar ao Governo a lei
de meios. A oposição queria terminar o processo de aprovação do orçamento, ao qual só
faltavam algumas emendas, e, quando, em vez disso, lhe foi anunciada a dissolução,
tumultuou-se1085. Este episódio será por várias vezes lembrado pelos Progressistas para
acusarem os Regeneradores de terem cobrado impostos «em ditadura».
Foi nesse ambiente crispado que o Partido Progressista reuniu a sua 5ª
Assembleia-Geral. Braamcamp recordou que o partido já por «duas vezes» fora
«arrastado ao poder só para saldar pelo odioso dos impostos as responsabilidades
alheias»1086 (englobando o Governo «histórico» de 1869-1870), mas quando voltassem
ao poder deveriam dar «mais atenção às reformas políticas»; assim deixou implícita
uma crítica ao seu próprio Governo, de ter adiado as reformas políticas, confirmando a
crítica que se fazia dentro do partido, visando em especial José Luciano de Castro.
Também o novo jornal progressista, Correio da Noite, alinhou na autocrítica:
que, ao ocupar-se antes de tudo da questão financeira, «o ministério progressista errou
não começando por se ocupar destas reformas [políticas]»1087. Agastado, José Luciano
ausentou-se para a sua casa de Anadia, deixando a outros, em especial aos seus críticos
Mariano e Navarro, a direcção da campanha eleitoral. Em breve, Braamcamp já lhe
notava «a falta que nos faz […] antes de resolvermos qualquer coisa»1088.
Uma das reformas políticas mais faladas era a da Câmara dos Pares. Para muitos
tornara-se evidente, depois da actuação desta câmara no derrube do Governo anterior,
1083 Diário da Câmara dos Deputados, 26/3/1881: Rodrigues Sampaio, 1135; Lopo Vaz, 1138 1084 A Revolução de Setembro, 30/3/1881 1085 Diário da Câmara dos Deputados, 4/6/1881, 1264; O Progresso, 4 e 5/6/1881 1086 O Progresso, 3/6/1881 1087 Correio da Noite, 15/6/1881 1088 Carta de 18/6/1881, em Pedro Tavares de Almeida, Nos bastidores das eleições de 1881 e 1901, Lisboa, Livros Horizonte, 2001, 16
214
que a sua reforma era indispensável, introduzindo um elemento electivo, para evitar o
recurso a constantes fornadas. Os jornais progressistas insistiam nela, naturalmente, mas
até Casal Ribeiro veio de Madrid para dizer que a sua reforma de 1878 não se revelara
eficaz, propondo agora uma comissão para estudar outra reforma mais «adequada a
guardar o equilíbrio indispensável entre os ramos do poder legislativo» e «a facilitar o
turno no poder dos partidos constitucionais monárquicos1089 – note-se como ele vinha
influenciado pelo «turnismo» que fazia o seu caminho em Espanha.
Fontes reforçou o seu estatuto, depois da morte de Ávila, no início de Maio, ao
ser nomeado presidente da Câmara dos Pares (carta régia de 6/5/1881). Para o jornal
progressista, «fez-lhe arranjo deitar abaixo o ministério do Partido Progressista, ficar de
fora para poder apanhar a herança do duque de Ávila»; enquanto para o jornal
regenerador, essa nomeação representava «a homenagem prestada ao primeiro vulto da
tribuna parlamentar»1090. Pouco depois, Fontes foi eleito governador do Crédito Predial
Português, na Assembleia-Geral de 15/6/1881, substituindo Ávila, «num dos lugares
mais fartamente remunerados do nosso país»1091. Ele era o alvo principal dos
Progressistas: «em Portugal quem reina e governa é o sr Fontes»; um dos objectivos das
reformas progressistas prometidas num manifesto ao país era tornar «impossível no
futuro a hegemonia de um partido ou a autocracia de um homem»1092.
A retórica progressista escondia muita desorientação na campanha eleitoral, face
à agressividade do Governo regenerador. «Tudo anuncia que teremos eleições à
cabralina», disse José Luciano numa carta ao seu amigo visconde de Valmor, principal
financiador do partido1093. Em todos os círculos em que tentou candidatar-se,
Braamcamp foi guerreado pelos Regeneradores; e, constando-lhe que José Luciano
andava em negociações com um sobrinho de Fontes para lhe arranjar um lugar,
repudiou qualquer acordo «indecoroso»: «os partidos honestos não podem viver de
favores dos adversários»; «se por si não têm força, retraem-se até que a opinião pública
os levante», e sugeriu: «Não poderia o Centro reunir-se e resolver abstenção?»; e
depois: «repugna-me esse mercadejar», «não pensem mais em mim»1094.
1089 Diário da Câmara dos Pares, 3/6/1881, 367 1090 Correio da Noite e A Revolução de Setembro, 8/5/1881 1091 O Progresso, 18/6/1881 1092 Correio da Noite, 6 e 15/6/1881 1093 Carta de 18/7/1881, em Pedro Tavares de Almeida, Nos bastidores das eleições de 1881 e 1901, 47 1094 Cartas de 25/7/1881, em Fernando Moreira, Correspondência Política, 120-121; e de 10/8/1881, em Pedro Tavares de Almeida, Nos bastidores das eleições de 1881 e 1901, 62
215
José Luciano escreveu a Valmor: «Quero ver se evito o desaire da perda da
eleição do Braamcamp», «O rei está cada vez mais desconceituado e o Partido
Republicano medra assombrosamente»1095. Nesta carta previa ele a eleição de «uns 15 a
18 deputados» progressistas, um resultado já inferior ao de 1878, mas muito superior ao
que iriam alcançar. Em Lisboa, em cinco círculos só disputaram um, e aconselharam os
eleitores a votar em dois candidatos republicanos, a monarquia não morreria por isso e
seria «um aviso salutar e necessário»1096. No Porto, seu grande bastião, nem sequer
fizeram campanha, «não valia a pena empenhar-se numa luta violenta para escolher
representantes a que se não atribuía nenhuma importância constitucional»1097; e só à
última hora Mariano se decidiu a concorrer em um dos três círculos, saindo derrotado.
De 105 deputados que tinha, o Partido Progressista ficou reduzido a cinco (!),
(aos quais se juntou depois Mariano, eleito por Timor). Em nenhuma outra eleição,
passada ou futura, qualquer um dos partidos da rotação sofreu tão pesada derrota1098. «A
derrota foi de bota abaixo», disse Braamcamp em carta a José Luciano1099.
«Promoveu-se contra nós uma guerra de extermínio», disse o jornal progressista,
Fontes tentara o mesmo em 1878, mas agora a perseguição foi «mais violenta e
desaforada»; o rei devia estar «muito pesaroso e magoado» com a «vilania» de se ter
perseguido Braamcamp «de círculo em círculo», «como se aquele vulto venerando fosse
um anarquista perigoso». Em outro jornal progressista a teoria do «extermínio» era
integrada numa estratégia de «divisão do Partido Regenerador em dois grupos,
capitaneados um pelo sr Fontes e outros pelo sr Barjona, a fim de, com uma aparência
de constitucionalismo, se revezarem no poder»1100. A derrota não se devia só ao
Governo regenerador mas à divisão do próprio Partido Progressista, que o levou a
abster-se em círculos importantes. «A nossa força estava muito enfraquecida pelas
generosas mas imprudentes complacências de 22 meses de Governo»1101.
Os Regeneradores exultaram naturalmente com o resultado, como o ilustra a
carta de Fontes a Tomás Ribeiro, felicitando-o pela vitória no Porto1102. Quanto à
«guerra de extermínio», achavam-na uma «tolice» e responsabilizavam os próprios
1095 Carta de 13/8/1881, em Pedro Tavares de Almeida, Nos bastidores das eleições de 1881 e 1901, 63 1096 Correio da Noite, 20/8/1881 1097 O Progresso, 21/8/1881; Alberto JG Belo, A Câmara dos Pares na Época das Grandes Reformas Políticas, 206 1098 Pedro Tavares de Almeida, Nos bastidores das eleições de 1881 e 1901, 13 1099 Carta de 23/8/1881, em Pedro Tavares de Almeida, Nos bastidores das eleições de 1881 e 1901, 68 1100 Primeiro de Janeiro, 24/8/1881, citado em O Progresso, 26/8/1881 1101 O Progresso, 23/8/1881 1102 Carta de 24/8/1881, em Maria Filomena Mónica, Fontes, 149-150
216
Progressistas pela não eleição de Braamcamp, por terem exposto «por culpa sua o chefe
venerando a um desastre certíssimo, enquanto os subchefes dispunham de círculos
seguros», aliás, sabiam que «o Governo, por si, se não podia proteger, também não
hostilizaria a candidatura do sr Braamcamp»1103. Talvez Braamcamp sentisse o mesmo,
no desabafo que deixou em carta a José Luciano: «Se a coroa me deu uma lição severa
que devo aproveitar, não foi menos severa a lição que me deu o partido»1104.
Nas críticas aos Progressistas, o jornal regenerador poupava «o ramo histórico,
onde as tendências monárquicas são leais e características» e atacava os «chefes
secundários» que tinham descuidado a candidatura do chefe e ameaçavam o rei e as
instituições, «com uma audácia burlesca»; e tentava separar dos radicais o ramo fiel à
monarquia: «Sois republicanos? Ninguém o duvida já. Mas então que os homens
honestos se separem dos renegados e traidores»1105.
As divergências entre os Progressistas referiam-se ainda à estratégia seguida no
seu Governo: os 22 meses de «irresoluções e complacências» do Governo progressista
tinham sido «ainda mais fatais» do que os «oito anos de implacável ostracismo», dizia
um dos seus jornais1106. E prolongavam-se sobre a atitude a tomar, de ir ou não ir à
câmara e quais as reformas a fazer: não ir à câmara seria «o pior expediente», achava
José Luciano, que também não acreditava em reformas políticas «sem a prévia reforma
do regimen eleitoral» e esta havia de «levar tempo»1107; outros indicavam como
«bandeiras» do partido «as reformas da Câmara dos Pares e do Conselho de Estado»1108.
No conjunto, foram as eleições nos círculos de Lisboa que assumiram maior
significado: comparando com a eleição anterior, em números redondos, os Progressistas
perderam 5000 votos, os Republicanos ganharam 3000, quintuplicando, e os
Regeneradores ganharam 3000, num total de eleitores que aumentou mil1109. Este
grande aumento da votação republicana causou «terror pânico» no Paço1110, que o jornal
progressista não deixou de explorar: «A grande, a imensa significação política das
eleições» era que o «grupo republicano», sendo já «um partido militante», em breve se
1103 A Revolução de Setembro, 26/8/1881 1104 Carta de 24/8/1881, em PedroTavares de Almeida, Nos bastidores das eleições de 1881 e 1901, 70 1105 A Revolução de Setembro, 2 e 16/9/1881 1106 Correio da Noite, 25/8/1881 1107 Carta ao visconde de Valmor, de 31/8/1881, PedroTavares de Almeida, Nos bastidores das eleições de 1881 e 1901, 75-77 1108 Diário Popular, 10/9/1881, Paulo Jorge Fernandes, Mariano, 156-157 1109 PedroTavares de Almeida, Eleições e caciquismo, 226 1110 Carta de Emídio Navarro a José Luciano de Castro, de 24/8/1881, PedroTavares de Almeida, Nos bastidores das eleições de 1881 e 1901, 71
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converteria num «partido de governo»; «Triunfa a ideia republicana»; «A onda da
opinião […] galga por cima das oposições monárquicas»; o propósito de exterminar um
dos partidos constitucionais era «perigoso» «para as instituições» e «também para o
país»1111. O jornal regenerador desvalorizava esse perigo: «Chore a Granja a sua triste
sorte, mas não receie que os Republicanos, cuja prudência ponha em perigo as
instituições», «Os nossos Republicanos acomodam-se perfeitamente à monarquia»,
«Juntos ou separados, Granja e Republicanos serão sempre o mesmo»1112.
Ou talvez o perigo maior para o regime não estivesse no aumento dos votos
republicanos mas em que o Partido Progressista, desunido e desorientado, se
convertesse ao republicanismo. Era o que sugeria o jornal Progressista, de Coimbra: «O
Partido Progressista pode e deve impor-se à Coroa, em nome da soberania popular,
como um partido constitucional que não precisa das boas graças da monarquia para
assumir a direcção política do país. […] Se o Paço expulsa os partidos do Parlamento,
arrisca-se a que os partidos constituam o Parlamento sem Paço»1113.
Em dois círculos lisboetas, como fosse necessário repetir as eleições, por não ter
havido antes maioria absoluta, o Partido Progressista recomendou aos seus membros
que se abstivessem de votar, o que foi entendido como um apoio implícito aos
candidatos republicanos; mas o jornal progressista lembrou que também os
Regeneradores se tinham abstido, no ano anterior, na disputa eleitoral, em Lisboa, entre
dois candidatos progressistas e dois republicanos»; «Não somos republicanos
disfarçados de monárquicos mas queremos a monarquia com a liberdade e as garantias
da república», «A monarquia constitucional é, no estado actual do nosso país, a que
melhor se adapta aos seus hábitos e às suas aspirações», e «o advento da república não
nos traria novidades nem progressos de que a monarquia não seja susceptível»; e mais
uma vez insinuava que os Regeneradores é que tinham favorecido o republicanismo no
país: «De 1851 até 1871 ninguém em Portugal ouviu falar em república»1114.
Em todo o caso, o primeiro desígnio dos Progressistas, enquanto partido, era
afirmarem a sua posição de parceiro no jogo rotativo do poder. Da contenda eleitoral
saíram feridos mas não destruídos; para matarem o Partido Progressista, seria preciso
«suprimir os seus jornalistas, os seus oradores, os seus homens de Estado e tantos
correligionários que através de mil contrariedades e decepções permanecem abraçados à
1111 Correio da Noite, 22, 23 e 25/8/1881 1112 A Revolução de Setembro, 27/8/1881 1113 O Progressista, citado em A Revolução de Setembro, 01/9/1881 1114 O Progresso, 3 e 18/9 e 12/10/1881
218
bandeira»; «O Partido Progressista não ficou exterminado», «está de pé, unido e forte e
preparado para todas as eventualidades»1115. Aos deputados eleitos Braamcamp
recomendou, em carta a José Luciano: «Serão poucos na câmara, mas de bom quilate»,
«Nunca as mãos lhes doam, mas não se republicanizem demais»1116.
A confiança dos Progressistas baseava-se no que achavam ser «um facto geral e
constante» na política, ou «uma inevitável lei social», a de haver dois partidos
militantes, pleiteando «um pela conservação das instituições e outro pela sua reforma»;
era este o papel que lhes cabia, já que o ministério regenerador era «hoje franca, pública
e oficialmente representante político da ideia da conservação do sistema vigente»1117.
A partir de Setembro começou a falar-se de crise ministerial. Talvez o Governo
se encontrasse desgastado, pela falta de liderança de Sampaio que não evitara que dois
dirigentes, Barjona e Lopo Vaz, tivessem aproveitado as eleições para constituirem cada
um o seu próprio grupo de deputados. Ou talvez fosse o rei que não estava feliz com o
perigo que aparecia agravado para o regime, depois das eleições, não tanto pelo
aumento da votação republicana, mas mais pela divisão em que o Partido Progressista
caíra, vulnerável ao «exemplo contagioso» das eleições também realizadas em França,
consolidando a república, «Aquela propaganda é terrível»1118, pior agora que o risco da
sua desorientação aumentava estando Braamcamp fora do Parlamento.
Era a hora de Fontes regressar ao lugar de comando. Nas eleições municipais,
em Novembro, os Progressistas festejaram a vitória no Porto e os Regeneradores em
Lisboa1119. Logo a seguir, Sampaio pediu a demissão.
Fontes fez um segundo regresso à presidência do Governo (14/11/1881) e talvez
trouxesse instruções do rei para se entender com a oposição progressista no sentido de
realizar reformas equilibradoras do regime, embora de início as negasse. Assim acabaria
por repetir o papel de reformador «contrariado», como sucedera em 1878.
1115 O Progresso, 24 e 27/8/1881; Correio da Noite, 26/8/1881 1116 Carta de 24/8/1881, PedroTavares de Almeida, Nos bastidores das eleições de 1881 e 1901, 70 1117 O Progresso, 17/9/1881 1118 Carta de José Luciano de Castro ao visconde de Valmor, de 31/8/1881, PedroTavares de Almeida, Nos bastidores das eleições de 1881 e 1901, 76 1119 O Progresso, 8/11/1881; A Revolução de Setembro, 10/11/1881;
219
7 – Reformas políticas para maior equilíbrio entre os partidos (1881-1886)
O período 1881-1886 ficou marcado pela realização de reformas políticas que a
queda do Governo progressista e o posterior desastre eleitoral mais tinham feito sentir,
envolvendo o sistema eleitoral e a Carta Constitucional, com especial incidência na
Câmara dos Pares, no sentido de permitir um maior equilíbrio na rotação do poder.
O capítulo prolonga-se até ao fim do Governo Fontes incluindo a luta pela
sucessão de Braamcamp à frente do Partido Progressista. Esta organizado em três fases:
- a primeira, até ao final de 1883, em que um processo confuso de manobras dos
diversos partidos e de divergências no interior deles ocorreu, até se chegar ao acordo;
- a segunda, em 1884 e 1885, caracterizada pelos debates e aprovações das
reformas, em ambiente de desconfiança entre os partidos;
- a terceira, em 1885, em que decorreu a luta pela chefia do Partido Progressista.
7.1 – Manobras para o acordo entre os partidos rotativos (1881-1883)
Fontes, além da presidência do Conselho e da pasta da Guerra, tomou para si a
importante pasta da Fazenda, que Lopo Vaz detinha. Para a pasta do Reino chamou
Tomás Ribeiro. Entre os «meninos» do Governo anterior, aproveitou Hintze e Vilhena,
mantendo o primeiro nas Obras Públicas e promovendo o segundo da Marinha para a
Justiça. Manteve um ministro conotado com o avilismo, Melo Gouveia em substituição
de Barros e Sá. Na formação do Governo, não consultou Barjona, que constava ter mais
aderentes entre os deputados regeneradores do que ele mesmo, chefe do partido1120.
A formação do Governo reforça a ideia de ter sido uma prova de força sobre os
líderes desafiantes, Barjona de Freitas e Lopo Vaz. As preocupações do rei com o futuro
do regime e o descontentamento da velha guarda regeneradora por ver o seu partido
dividido em facções foram decerto razões mais fortes para Fontes ser chamado de volta
do que as divergências entre os ministros a respeito das reformas dos militares, alegadas
pelo jornal regenerador1121. Segundo a imprensa progressista, a mudança de Governo foi
«feita contra a vontade dos ministros jovens, se é que não foi feita contra eles»1122.
1120 Diário Popular, 21/11/1881; Alberto JG Belo, A Câmara dos Pares na Época das Grandes Reformas Políticas, 205 1121 A Revolução de Setembro, 15, 16 e 18/11/1881 1122 Correio da Noite, citado em O Progresso, 13/11/1881
220
Quanto aos Progressistas, procuravam reerguer-se do desastre. Desejavam
«reformas políticas indispensáveis para se restabelecer a pureza do sistema
representativo e assegurar-se o justo equilíbrio dos partidos políticos», tal foi o teor da
moção aprovada numa reunião preparatória da assembleia-geral1123. E rejeitavam a
acusação de o seu Governo do partido ter desprezado o programa (ao qual toda a
primeira página d’O Progresso foi dedicada)1124. Para tal, visando quer os adversários
externos quer os críticos internos, José Luciano promoveu a publicação em volume de
todas as propostas de lei por si apresentadas como ministro do Reino, distinguindo as
que foram convertidas em lei das que não chegaram a sê-lo1125.
Quando o Governo Regenerador promoveu uma «fornada» de pares,
Braamcamp votou a favor no Conselho de Estado, pois que lhe bastava a declaração do
o Governo de não ter maioria na Câmara dos Pares, tal como sucedera com o seu1126.
Pode parecer estranho, mas talvez ele pensasse que o descrédito dessa câmara resultante
do abuso das fornadas obrigaria à sua reforma. Foi assim que o jornal regenerador
interpretou: a oposição progressista «abençoa as fornadas porque julga que elas impõem
a necessidade de reformar a Câmara dos Pares», «não se irrita porque tem uns planos
quaisquer em que julga proveitosa a máscara da moderação»1127.
«É hoje coisa assentada que as reformas hão-de vir, que é indispensável que
venham», insistia o Jornal do Porto, para o qual as reformas políticas já não eram «um
enfeite retórico dos programas dos partidos» mas «uma necessidade», porque as
instituições mostraram ter um «vício orgânico»1128.
A posição dos Regeneradores era diferente: Fontes repetiu que as reformas não
eram oportunas, em especial a da Carta1129. E o seu jornal desdenhava: «As reformas
políticas não as querem os Progressistas quando estão no poder, só as pedem, como
especulação partidária, quando se acham na oposição»1130.
O grupo constituinte mostrou-se muito activo, na nova sessão legislativa, com a
apresentação de projectos de reforma da Carta e de revisão eleitoral1131. Talvez por
1123 Correio da Noite e O Progresso, 20/12/1881 1124 O Progresso, 22/12/1881 1125 José Luciano de Castro, Propostas de lei apresentadas à Câmara dos Senhores Deputados nas sessões legislativas de 1880 e 1881 por José Luciano de Castro como ministro do Reino, Lisboa, Imprensa Nacional, 1881; O Progresso, 28/12/1881 1126 Alberto JG Belo, A Câmara dos Pares na Época das Grandes Reformas Políticas, 273 1127 A Revolução de Setembro, 29/12/1881 1128 Jornal do Porto, citado em O Progresso, 5/01/1882 1129 Diário da Câmara dos Pares, 8/2/1882, 124; Diário da Câmara dos Deputados, 13/2/1882, 323-324 1130 A Revolução de Setembro, 6/1/1882 1131 Diário da Câmara dos Deputados, 20 e 21/1/1882, 62 e 65-67
221
terem oito deputados (abstraindo que foram eleitos sob protecção dos Regeneradores),
pensassem tomar o lugar aos Progressistas, que só tinham seis. Os dois grupos parecia
andarem em competição: o jornal constituinte disse que as ideias do Partido Progressista
eram do Partido Constituinte e os Progressistas responderam que a sina do Partido
Constituinte era «andar sempre a macaquear o Partido Progressista»1132.
José Luciano também apresentou um projecto de reforma eleitoral, o mesmo
que preparara como ministro do Reino; até mandou as provas tipográficas que já
estavam impressas quando caiu o ministério. Previa a representação das minorias, a
repressão dos abusos e fraudes eleitorais, mais garantias dos cidadãos para evitarem a
falsificação do sufrágio e um tribunal para julgar as eleições contestadas; argumentava
que a última eleição fizera crer que a «representação das minorias seria o mais saudável
correctivo à perniciosa interferência dos agentes do governo na eleição»1133.
Os projectos de reforma eleitoral de Dias e de José Luciano foram enviados para
uma comissão especial; mas o projecto de Dias para reforma Carta não foi admitido à
discussão por 87-24 votos1134. O mais interessante desta votação foi ter exposto uma
dissidência, aliás prevista, no seio da maioria regeneradora: dos 24 votos favoráveis à
admissão do projecto, 13 eram de Regeneradores afectos a Barjona de Freitas. Antes da
votação, tinham-se reunido dois grupos de deputados regeneradores, 16 em casa de
Lopo Vaz e 17 em casa de Barjona; Fontes ameaçara demitir-se se o projecto fosse
admitido à discussão1135. Os «lopáceos» acataram, integrados na maioria, mas os
«barjonáceos» destoaram votando a favor, embora nem todos tivessem participado, um
deles até «roeu a corda»1136. Parecia existir um entendimento entre Barjona e Dias no
sentido de disputarem aos Progressistas o espaço da esquerda.
Enquanto não achava oportunas as reformas, o Governo regenerador foi
resolvendo, ou contornando, os problemas que mais tinham afectado o Governo
progressista. O Tratado de Lourenço Marques foi perdendo actualidade: o embaixador
português em Londres aconselhou o presidente do Conselho a não falar nele, pensando
que não era das intenções do Governo britânico abrir de novo essa questão1137; o
ministro dos Negócios Estrangeiros, Serpa Pimentel, confirmou que, em virtude das
1132 A Revolução de Setembro, 22 e 23/12/1881 1133 Diário da Câmara dos Deputados, 31/1 e 1/2/1882, 165-168 e 185-191; O Progresso, 1/2/1882 1134 Diário da Câmara dos Deputados, 3/2/1882, 198 1135 Paulo Jorge Fernandes, Mariano, 164 1136 O Progresso, 4/2/1882 1137 Carta de Miguel Dantas a Fontes Pereira de Melo, de 12/12/1881, em Maria Filomena Mónica, Fontes, 148
222
actuais relações entre a Inglaterra e o Transvaal, o Governo inglês considerava caducas
as cláusulas do Tratado de Lourenço Marques1138. Restava o eterno problema dos
impostos: o Governo insistiu nos adicionais sobre as contribuições existentes; os
Progressistas preferiam o imposto do rendimento por poupar mais os pobres1139,
lamentando que Fontes não tivesse aproveitado as circunstâncias favoráveis do período
1871-1876 para cumprir a promessa de anular o défice1140. Contra o aumento dos
impostos os estabelecimentos comerciais fecharam as portas em Braga e a Associação
de Comerciantes de Lisboa reuniu a assembleia-geral para fazer uma representação1141.
Outro motivo maior de descontentamento foi a «salamancada». Tratava-se de
prolongar o caminho-de-ferro do Douro até Salamanca, via Barca d’Alva, em terreno
tão alcantilado e com tais custos que os espanhóis se recusavam a suportar. Era uma
exigência dos homens de negócios do Norte para evitar que o porto de Leixões perdesse
tráfego para o porto da Figueira da Foz já ligado a Salamanca pelo caminho-de-ferro da
Beira Alta1142. O Governo regenerador empenhou-se na obra, para ganhar o Porto aos
Progressistas, ficando estes divididos entre uns a favor e outros contra.
Enquanto a proposta de lei avançava no Parlamento, realizaram-se meetings em
todo o país, em geral hostis, num ambiente de grande suspeição. Parecia estar-se de
regresso a 1867; Martens Ferrão chegou a ser convidado para substituir Fontes à frente
do Governo1143. Já depois da aprovação na Câmara dos Pares, o rei recebeu delegações
nos dias 14 e 17 de Julho: a primeira contra, dirigida pelos Progressistas, uma das
maiores manifestações de sempre1144; a segunda a favor, com os Regeneradores, mas
integrando o progressista presidente da Câmara Municipal do Porto, Correia de Barros.
Talvez devido ao descontamento geral (excepto no Porto), Fontes mudou de
atitude em relação às reformas políticas: se em Fevereiro fora tão claro a dizer que não
eram oportunas, a partir do Verão já as admitia. Segundo o jornal regenerador, o
Governo procurou saber o que pensava a oposição das reformas e percebeu que não
contaria com o acordo de toda: «a imprensa progressista não poupou as ameaças»; «A
granja pensa em retrair-se; ameaça não vir às constituintes», «promete não discutir as
1138 Diário da Câmara dos Pares, 25/1/1882, 37-38 1139 O Progresso, 28/2/1882 1140 Pereira de Miranda, Diário da Câmara dos Pares, 17/3/1882, 213; O Progresso, 18/3/1882 1141 O Progresso, 18/3 e 4/4/1882 1142 Carta de José Luciano de Castro ao visconde Valmor, de 12/5/1882, em Fernando Moreira, José Luciano de Castro. Correspondência Política, 126-127 1143 Paulo Jorge Fernandes, Mariano, 169-170 1144 Paulo Jorge Fernandes, Mariano, 170-171
223
reformas»1145. Os dois partidos tinham trocado os papéis ou estavam só a fazer
manobras negociais para reformas inevitáveis? De facto, os Progressistas tinham
ameaçado abster-se de eleições e de quaisquer debates sobre as reformas se o Governo
insistisse no seu «primeiro pensamento» de «mandar eleger uma constituinte pela actual
legislação eleitoral»; mas desde que o Governo mudou de «táctica» e prometia a
reforma eleitoral e constituintes «eleitas por outras leis», já admitiam colaborar se a
nova lei eleitoral fosse «completa, com todas as disposições complementares
necessárias», embora desconfiassem que o plano das reformas não passava de «um meio
extremo para prolongar alguns meses a vida de um gabinete agonizante»1146.
No «discurso da coroa» do início de 1883, lá vinham as referências à «reforma
de alguns artigos da Carta» e a uma «lei eleitoral que tenda a assegurar a liberdade e a
independência do voto garantindo ao mesmo tempo dentro de limites razoáveis a
representação das minorias»1147. Na reunião da maioria, Fontes recordou a velha
proposta de reforma da Carta do seu Governo de 1872: não fora então possível o acordo
entre os diferentes partidos, mas agora tinha «a convicção de que nem todos os grupos
oposicionistas combaterão essa medida», o que foi interpretado como significando a
adesão do grupo de Vaz Preto; em compensação, o Governo nomeou alguns
administradores de concelho afectos a Vaz Preto1148, assim fortalecendo a influência
deste terratenente no distrito de Castelo Branco.
José Luciano renovou a iniciativa do seu projecto de reforma da Carta, que
apresentara em 1872 em nome do Partido Histórico. E repetiu que a reforma da Carta
estava subordinada à reforma eleitoral, entendida em sentido amplo, ou seja, incluindo
outras reformas necessárias para reduzir o «predomínio eleitoral» das autoridades.
Também felicitou o Governo por ter inscrito no discurso da coroa o princípio da
representação das minorias, lembrando que fora ele o «patrono» desse princípio, como
«correctivo à preponderância oficial» perante o aumento da massa dos eleitores até
incluir muitos analfabetos, aprovado em 1878. Fontes respondeu que não havia tempo
para aprovar todas essas reformas numa sessão legislativa; e que não era por alterar
todas as leis que se chegaria à perfeita liberdade eleitoral, já que o resultado das eleições
dependia sobretudo dos «costumes públicos»1149.
1145 A Revolução de Setembro, 28/9 e 28/12/1882 1146 Diário Popular, 1/1/1883 1147 Diário Popular, 3/1/1883 1148 Diário Popular, 4 e 10/1/1883 1149 Diário da Câmara dos Deputados, 17/1/1883: José Luciano, 74-75; Fontes, 75-77
224
Agora, finalmente, o projecto de José Luciano para reforma da Carta foi
admitido à discussão e remetido para uma «comissão especial»; o próprio Governo
apresentou a sua proposta de revisão da Carta, semelhante à de 1872, incidindo
sobretudo na Câmara dos Pares1150. Segundo um jornal progressista, «Fontes queria
tanto reformas políticas como o demo quer a cruz», mas temia uma cisão no seu partido,
por parte da «rapaziada fina» que ambicionava ter «mais influência nas pastas»; aliás
também havia «elementos conservadores» quer na Câmara dos Pares quer no Governo
que não queriam reformas políticas; essa a razão por que se demitiu o ministro Melo
Gouveia, substituído por Barbosa du Bocage na pasta da Marinha1151.
A proposta de reforma eleitoral que o Governo apresentou foi logo considerada
«extravagante» pelos Progressistas: como poderia chamar-se «de conciliação» uma
proposta que garantia à oposição um máximo de 12 deputados em 148?1152. Em Março,
percebeu-se que o Governo desistira de fazer as reformas políticas nessa sessão1153.
Seria intransigência ou necessidade de ganhar tempo quer para obter a adesão dos
Progressistas quer para sanar divergências internas?
Os Regeneradores estavam divididos: a facção de Barjona, talvez instruída para
cessar as suas ligações perigosas aos Republicanos, passou a contar com os
Constituintes na mesma ideia de roubar ao Partido Progressista o espaço da esquerda;
mas era contrariada pela facção de Lopo Vaz, que preferia dar força aos Progressistas; a
facção mais numerosa era a que estava ao lado de Fontes confiando no ascendente que
ele mostrava continuar a ter sobre o rei.
Fontes «nunca tivera grande amor às reformas políticas», conforme confessou
numa reunião da maioria, mas parecia-lhe «conveniente satisfazer a opinião que se
manifestava nesse sentido»1154; ou só lhe interessavam na medida em que fossem
«oportunas», e estava disponível para fazer todas aquelas, e só aquelas, a que fosse
«obrigado». No verão de 1882, após dez anos de recusa, passou a defendê-las. Porquê?
Talvez por um misto das seguintes razões: ter uma orientação do rei para travar, talvez
não tanto a expansão dos Republicanos como a radicalização dos Progressistas; sentir a
opinião pública a fugir-lhe; evitar uma cisão no seu partido; ter em conta o exemplo de
Espanha, onde se instalava o «turnismo» num ambiente de bom entendimento entre os
1150 Diário da Câmara dos Deputados, 23 e 30/1/1883, 108-113 e 207-210 1151 Diário Popular, 30 e 31/1/1883 1152 Diário Popular, 22/2/1883 1153 Diário Popular, 12/3/1883 1154 Diário Popular, 3/3/1883
225
partidos com vista às reformas políticas. Depois, era uma questão de manobrar para
ceder o mínimo.
Os Constituintes eram utilizados neste jogo como meio de pressão. Formavam
um pequeno grupo dividido em duas facções diferentes: a de Dias Ferreira, tão radical
que tomava a Constituição de 1838 como modelo, e a de Vaz Preto (que se juntara
desde o final dos anos 70), tão conservador que desejava regressar às eleições indirectas
que já não se faziam havia 30 anos. Tinham pouca força própria, a não ser na região de
influência de Vaz Preto entre Castelo Branco e Coimbra; viviam do espaço que os
Regeneradores lhes toleravam e com esse espaço, mais ainda se unidos à facção de
Barjona, sonhavam substituir os Progressistas no jogo da rotação. Mas os Progressistas
não lhes reconheciam força de partido e previam que eles iriam «curvar-se às
imposições do sr Fontes»; de facto, declararam acatar as reformas que a maioria
regeneradora viesse a aprovar, mesmo que não coincidissem com as suas ideias1155.
A posição dos Progressistas era crucial se se quisesse chegar a reformas com um
mínimo de consenso, como seria o desejo do rei. Dividiam-se sobretudo entre a linha
moderada de José Luciano, aberta a um compromisso com os Regeneradores, na
condição de ser feita uma reforma eleitoral que assegurasse a representação das
minorias e reduzisse a influência das autoridades sobre os eleitores, e a linha
intransigente, inclinada para «ideias exclusivistas», de Braamcamp e da maioria1156.
Diferenciavam-se na avaliação quer das possibilidades de realizarem as reformas
estando no Governo, quer dos riscos de disputarem novas eleições em condições hostis.
José Luciano esperava um bom reforço da representação do partido; mas Braamcaamp
encarava até a ideia de abstenção nas eleições. O jornal regenerador ia-lhes registando
as divergências: o silêncio dos jornais progressistas sobre José Luciano quando ele
apresentou o seu projecto de reforma da Carta; José Luciano «mudo» numa reunião do
partido em que Braamcamp se mostrava «aceso em fúria» contra o projecto de reforma
eleitoral e «rompia no excesso de indicar ao partido a abstenção perante a urna»1157.
José Luciano refundiu o seu projecto de reforma eleitoral, discutiu-o em casa de
Braamcamp, antes de o apresentar no Parlamento, prevendo a representação das
minorias em todos os círculos1158. E no dia em que Fuschini apresentou, por parte da
1155 Diário Popular, 18/1/1883 1156 Carta de José Luciano de Castro ao visconde Valmor, de 24/6/1883, em Fernando Moreira, José Luciano de Castro. Correspondência Política, 130-133 1157 A Revolução de Setembro, 12/1 e 1/3/1883 1158 A Revolução de Setembro, 16/3/1883; Diário da Câmara dos Deputados, 6/4/1883, 65-73
226
maioria, um novo projecto, avisou que, quando o Partido Progressista subisse ao poder,
haveria de fazer todos os esforços para revogar as reformas regeneradoras da Carta e da
lei eleitoral e substitui-las «por outras mais liberais»; Navarro disse que pela mesma
razão se abstivera de assinar o parecer da comissão eleitoral1159.
Em 1883 a imprensa do Partido Progressista encetou mais uma campanha contra
o rei que fazia lembrar a de 1878. Tanto se dizia que «el-rei mais uma vez se
entusiasmou com as ideias salvadoras do seu valido», como que o rei obrigara Fontes a
solicitar o acordo do Partido Progressista, com o «propósito secreto de não realizar o
acordo», para acusar os Progressistas de intransigentes e rebeldes a qualquer conciliação
e assim privá-los do apoio que a opinião pública lhes dava; mas essas reformas eram
uma «burla» ou não passavam de «pseudo-reformas engendradas de conluio pelo rei e
pelo valido»1160. E lá vinham agravos antigos: que o Partido Progressista é que devia ter
sucedido ao Governo Sampaio segundo o princípio da rotação; que só depois da queda
do Governo progressista é que o rei escreveu duas cartas à rainha Vitória para suspender
as negociações do polémico Tratado de Lourenço Marques1161, etc. O que achavam mais
irritante era o favoritismo da «demorada permanência do sr Fontes nos conselhos da
coroa»; mas «o Partido Progressista não se dissolve nem o dissolvem», apesar de ter
«tudo» coligado contra si: o rei, a rainha, o «príncipe valido», o «pequeno partido
constituinte», até o partido republicano o «agride de preferência»; e «por que resiste o
Partido Progressista?»; porque é «o único partido verdadeiramente popular»1162.
José Luciano parecia mais informado da intenção do rei, que era preferir fosse
Fontes a fazer as reformas para «evitar que outras mais radicais fossem feitas pelos
Progressistas»1163. Além dele, outros Progressistas punham reservas à campanha contra
o rei, nomeadamente o portuense Adriano Machado, que achava «tão impolítica como
injusta» a imprensa progressista: «Antes de culparmos o rei devemos olhar para o
estado em que pusemos o partido. Os nossos ataques não servem senão para mostrarmos
os nossos rancores e a nossa fraqueza», «O partido está fraquíssimo, muito pior do que
na hora em que saiu do poder. Deve o seu abatimento à desgraçada direcção que tem
1159 Diário da Câmara dos Deputados, 12/6/1883: Fuschini, 1669-1670; José Luciano, 1670-1672; Navarro, 1674 1160 O Progresso, 26/7 e 2/9/1883; Primeiro de Janeiro, citado em Diário Popular, 24/9/1883 1161 Diário Popular, 2/9/1883; O Progresso, 26/7 e 7/7/1883 1162 O Progresso, 5/8/1883; Primeiro de Janeiro, citado em O Progresso, 7/9/1883 1163 Carta de José Luciano de Castro ao visconde Valmor, de 24/06/1883, em Fernando Moreira, José Luciano de Castro. Correspondência Política, 130-133
227
tido nos últimos tempos»1164. O partido ressentia-se de Braamcamp, «cansado e
doente», estar fora do Parlamento, «bastante afastado do movimento político»1165.
O próprio Braamcamp se sentia desorientado e pedia a José Luciano que
conversasse com Navarro sobre a reforma eleitoral: «o meu amigo e ele representam as
duas tendências diversas do partido e o que assentarem será decerto aceite por todos»,
«temos de dirigir os diversos centros do partido, animá-los ou abrandar-lhes os ímpetos,
etc. Por mim, vejo-me com as mãos presas, sem saber que respostas dar às cartas que
recebo»1166. E confessava a José Luciano estar «completamente desenganado», porque
«O tal acordo que todos têm na boca não passa de palavriado chocho»: «não há
reformas que valham, mas sinto ver o partido numa situação deplorável e quase ridícula,
tão arrogante nas palavras, tão pusilânime nos actos». «Já estou um cangalho velho»,
lamentou-se, um mês depois, quando convocou uma reunião em sua casa «com os
nossos deputados e os pares da oposição», parecendo mais conformado com as
reformas: «A minha opinião é que nos devemos limitar à discussão na generalidade,
tanto na reforma eleitoral como da outra, alargando-se os oradores à vontade, mas
concluindo sempre por um protesto formal contra o projecto. Discuti-lo na especialidade
é […] reconhecer que ele é aceitável com modificações e, uma vez nesse caminho, creio
que temos de sujeitar-nos às decisões da maioria»1167.
Foi talvez essa desorientação do Partido Progressista que motivou Lobo d’Ávila,
conde de Valbom, a regressar. Muito sinuoso fora o seu percurso, desde deputado
regenerador, passando por chefe da «unha preta» do Partido Histórico contra o duque de
Loulé, depois ministro do Governo de Loulé derrubado por Saldanha, de novo junto dos
Regeneradores de quem recebeu o pariato e o Conselho de Estado e a embaixada em
Madrid, mais adiante encarniçado adversário do Governo de Braamcamp, até se colocar
outra vez ao lado dos Progressistas, o que fez o jornal regenerador desconfiar:
«Braamcamp é quem manda, mas Valbom é quem quer mandar»1168. Em todo o caso,
merecem atenção dois discursos que fez na Câmara dos Pares, que publicou em folheto,
na linha dualista defendida pelos Progressistas e que ele mesmo defendera em 1865.
1164 Carta de Adriano Machado a José Luciano de Castro, de 21/07/1883, em Fernando Moreira, José Luciano de Castro. Correspondência Política, 134-135 1165 Carta de José Luciano de Castro ao visconde Valmor, de 24/6/1883, em Fernando Moreira, José Luciano de Castro. Correspondência Política, 130-133 1166 Carta de Braamcamp a José Luciano de Castro, de 7/8/1883, em Fernando Moreira, José Luciano de Castro. Correspondência Política, 136-137 1167 Cartas de Braamcamp, de 25/9 e 26/10/1883, em Fernando Moreira, José Luciano de Castro. Correspondência Política, 138-139 e 142-143 1168 A Revolução de Setembro, 8/6/1883
228
Invocando as «boas doutrinas», nomeadamente de Bluntscli, advogou a existência de
«apenas dois partidos, aptos para se alternarem no poder e realizarem a verdadeira
rotação constitucional»; nesse jogo só o Partido Progressista podia e devia «alternar-se
no poder com o partido conservador», a ele «pertencia propor e realizar as reformas
políticas», e «a inversão destas regras, a usurpação por parte de um partido das ideias e
princípios que constituem o credo político de outro, que ele sempre combateu», era «um
proceder incorrecto». «Um partido não pode subsistir só, é a existência do contrário que
lhe dá força e vida», disse num segundo discurso, condenando a política de «faz tudo»,
«a política funesta e absorvente do sr Fontes, que pretende ser a um tempo conservadora
e progressista, democrática e autoritária, tomando todos os feitios, […] proclamando-se
a única apta para resolver todas as questões»1169.
Esperava-se que na abertura do Parlamento tudo se tornasse mais claro. «Não
queremos transacções nem falsas conciliações», avisava o Primeiro de Janeiro; ao
passo que o Progresso apelava à demissão de Fontes, ele «não pode é triunfar com a
propaganda contra si feita pelos Progressistas»1170. Mas o eterno presidente do Conselho
conseguiu do rei mais uma recomposição do Governo, agora tão larga que integrava os
chefes das facções desafiantes do seu partido, Barjona e Lopo Vaz, e ainda Pinheiro
Chagas e António Augusto de Aguiar, da facção constituinte afecta a Vaz Preto, que se
impusera ao radical Dias Ferreira. Seria caso para os Progressistas se sentirem «em
muito melhor situação», porque «Os campos estão delimitados»?; ou seria caso para se
sentirem ameaçados por uma suposta intenção de el-rei de exterminar de vez o Partido
Progressista e promover a rotação entre, de um lado, Fontes e a direita regeneradora, e
do outro, Dias e a esquerda regeneradora de Barjona?1171
O objectivo principal do Governo remodelado era «levar por diante as reformas
políticas», disse Fontes na abertura do Parlamento. Navarro, a propósito do projecto de
reforma eleitoral de Fuschini, perguntou-lhe se confirmava que a reforma eleitoral
antecedia a reforma da Carta. Quem respondeu foi Barjona, ministro do Reino: não
discordava da doutrina mas da oportunidade do projecto eleitoral, achando que «as
alterações fundamentais devem ser presentes à câmara que vier investida de poderes
constituintes». Fuschini discordou: era preciso «fazer a reforma eleitoral antes de se
reformar a Constituição». Questionado na Câmara dos Pares, Fontes reafirmou o seu
1169 Lobo d’Ávila, Diário da Câmara dos Pares, 12 e 14/6/1883, 511-512 e 516-522; ou folheto de O Progresso, 11/7/1883 1170 Primeiro de Janeiro, citado em O Progresso, 29/9/1883; O Progresso, 16/10/1883 1171 O Progresso, 26/10/1883; Diário Popular, 18/11/1883; Paulo Jorge Fernandes, Mariano, 185
229
compromisso de fazer eleições antes da reforma da Carta1172. Era evidente o
«antagonismo» entre as declarações de Barjona e as de Fontes1173.
No início do debate sobre a reforma eleitoral, os amigos de Barjona conseguiram
fazer aprovar, contra a opinião de Fuschini, o reenvio do projecto para a Comissão
Eleitoral, ao mesmo tempo que fizeram entrar nesta comissão alguns deputados afectos
a Barjona e a Dias Ferreira. Fuschini dirá nas suas memórias que fora eleito relator do
projecto eleitoral por influência de Lopo Vaz, cujas relações com Barjona eram «mais
do que frias, inimigas e até odientas»; que a opinião de Barjona, que se dizia ter
«íntimas relações» com Dias Ferreira com vista a organizarem um «forte agrupamento
que substituísse o desfalecido Partido Progressista na rotação constitucional», era
manterem-se os círculos uninominais sem a representação das minorias1174. Fontes
achava «difícil o acordo absoluto», mas encorajara-o a apresentar o seu projecto à
Câmara dos Deputados, para que a imprensa e o Parlamento o discutissem1175. De volta
à Comissão Eleitoral, Navarro repetiu as propostas progressistas; Barjona pediu à
comissão para nada resolver, pois queria consultar os colegas.
Entretanto, nas eleições municipais, os Regeneradores já não se aliaram com os
Republicanos em Lisboa, pois que os venceram. Os Republicanos tinham realizado, no
Verão, um congresso, discreto, em que elegeram a sua primeira direcção nacional e
lançaram as bases para assumirem a expressão de um partido político moderno1176.
Depois do Natal, foi enfim anunciado na Câmara dos Deputados o acordo entre
os Progressistas e o Governo, numa encenação que parecia combinada: pergunta inicial
de José Luciano, exposição de Fontes e apelo final de José Luciano1177. Disse Fontes
que o acordo resultou de negociação de «poucos dias» entre o Governo e «os membros
mais esclarecidos do Partido Progressista» (presume-se que Braamcamp e José Luciano,
pois Navarro confessou não saber «por que circunstâncias o acordo foi realizado»).
Os termos do acordo, conforme expostos por Fontes, eram os seguintes: 1º, que
na lei eleitoral se introduza o princípio da representação das minorias em todos os
círculos capitais dos distritos, ficando os outros círculos uninominais como actualmente;
2º, que se institua um tribunal para julgar a validade das eleições dos deputados; 3º, que 1172 Diário da Câmara dos Deputados, 17/12/1883, 1729-1732; Diário da Câmara dos Pares, 19/12/1883, 592-593 1173 O Progresso, 20/12/1883 1174 Augusto Fuschini, «Nota sobre o acordo de 1884 e alguns factos subsequentes», O Presente e o Futuro de Portugal, Lisboa, Companhia Tipográfica, 1899, 45-61 1175 Carta de Fontes a Fuschini, de 22/06/1883, em Maria Filomena Mónica, Fontes, 154 1176 Fernando Catroga, O Republicanismo em Portugal, 37-39 1177 Diário da Câmara dos Deputados, 29/12/1883: José Luciano, 1918 e 1922; Fontes, 1918-1919
230
se adopte o pensamento dos artigos 54º a 59º do projecto de José Luciano de Castro a
respeito do recrutamento; 4º, que se adopte o princípio de as execuções fiscais passarem
para o poder judicial. Mais disse Fontes: que não se procederá a nova eleição senão pela
nova lei eleitoral que as Cortes hão-de discutir e votar e que «os membros do Partido
Progressista comprometeram-se a cooperar nas duas leis políticas» e a votar «a
generalidade dessas leis» nas duas casas do Parlamento.
Em resposta, José Luciano disse que as declarações «categóricas e terminantes»
do presidente do Conselho deviam «persuadir o Partido Progressista a renunciar aos
seus propósitos de retraimento e abstenção com respeito à discussão do projecto de
reformas constitucionais e levá-lo a associar-se à maioria e ao Governo no exame desses
projectos», que o Governo assumira o «compromisso solene» de fazer a eleição da
câmara constituinte por uma nova lei, com garantias de liberdade», que estas leis, se não
eram todas, eram pelo menos as «indispensáveis no momento actual para corrigir os
principais defeitos da legislação vigente»; confirmou o compromisso dos Progressistas
«a votar a generalidade dos projectos de reforma eleitoral e de reformas
constitucionais»; e concluiu, perante partidários algo reticentes: «não se abate a nossa
bandeira partidária, não se altera o nosso programa político», «cada um fica no seu
lugar, os Regeneradores e os Constituintes no Governo, nós na oposição».
O jornal progressista exultou: «O que a todos espanta é que, num período em
que parecia predominar abertamente um vento de insânia, pudesse realizar-se, quase que
em poucas horas, a obra de mais bom senso que há muito tempo se tem feito»;
«Provavelmente, se em lugar de levarem poucas horas, as negociações levassem muitos
dias, ia-se tudo por água abaixo». O jornal regenerador, como que a tranquilizar os
desconfiados de ambas as partes, salientou que o acordo «não tolhia a independência
dos partidos nem os coagia a sacrificar os seus princípios»1178.
7.2 – Reformas políticas em ambiente de desconfiança (1884-1885)
O ano de 1884 abriu sob o efeito da concórdia com que terminara o ano anterior.
O jornal regenerador salientou «dois acontecimentos notáveis»: o acordo entre
Regeneradores e Constituintes para um projecto de reformas e o acordo do Governo de
Regeneradores e Constituintes com o Partido Progressista para discutir o mesmo
1178 O Progresso e A Revolução de Setembro, 30/12/1883
231
projecto «em bases e em condições que a todos agradam»1179. Era uma visão que
colocava Fontes no centro a distribuir conciliação para os lados. O Jornal da Noite,
também regenerador, afecto a Andrade Corvo, apresentava uma visão diferente, em que
os Regeneradores se situavam num dos lados a reconhecer aos rivais o lado alternativo:
elogiava o acordo que fechara o ano «com chave de oiro», pelo impulso dado à
«alternância» dos dois partidos participantes e felicitava o Partido Progressista porque
«dentro do nosso sistema não cabem mais de dois partidos» e «improvisar um terceiro
seria perturbar a harmonia constitucional»1180. Quanto aos jornais do Porto: para o
Comércio Português, foi o Partido Progressista que «cedeu mais»; para o Actualidade,
quem cedeu mais foi o Governo e disso era preciso «pedir-lhe contas»; e o Jornal do
Porto achava que era «pouco» ter mais deputados oposicionistas, mas para já não
elogiava nem condenava e preferia aguardar1181. Dizia o jornal regenerador como a
querer convencer os cépticos: «As transacções e as transigências em política não são
humilhantes quando visam ao nobre fim do bom serviço da pátria»1182.
As principais tarefas para a sessão parlamentar eram as seguintes: a aprovação
da nova lei eleitoral para enquadrar as eleições imediatas e, como primeiro passo da
reforma da Carta, a aprovação da «necessidade» de tal reforma de modo a conferir
poderes constituintes à câmara que viesse a ser eleita.
No debate sobre a «necessidade» da reforma da Carta confirmou-se que a
principal mudança incidia na Câmara dos Pares, de modo a extinguir ou atenuar nela o
princípio hereditário e a colocá-la mais de harmonia com a Câmara dos Deputados. E
logo se levantou uma divergência sobre se a própria Câmara dos Pares deveria ou não
entrar nesse debate, com o Governo a dizer que sim e os Progressistas a dizer que não.
Fontes «fez questão ministerial» de os pares cooperarem na revisão da Carta, conforme
lamentou um jornal progressista, «para que fique nas mãos deles a bandeira das
reformas, para que a instituição contra a qual principalmente se arvorou essa bandeira
possa dominar a situação e ditar as condições em que há por bem deixar-se reformar»;
sendo assim, «as coisas ficarão no anterior estado, se não piores», «em tal caso, mais
vale não bulir na Carta», disse outro jornal progressista1183.
1179 A Revolução de Setembro, 1/1/1884 1180 Jornal da Noite, citado em O Progresso, 3 e 4/1/1884 1181 Citações em O Progresso, 5/1/1884 1182 A Revolução de Setembro, 8/1/1884 1183 Correio da Noite, 16/1/1884; O Progresso, 19/1/1884
232
Confrontaram-se então os dois protagonistas principais do acordo. José Luciano
reclamou que as reformas políticas eram uma «vitória do Partido Progressista», a cuja
propaganda se devia a convicção geral da necessidade delas; que o presidente do
Conselho, que tanto se opusera à reforma da Constituição, «teve de converter-se,
cedendo à torrente da opinião»; o estranho era que ele fosse «apropriar-se da ideia
dominante de um partido adverso»; «uma reforma grande» devia ser feita, ou por «um
ministério imparcial e neutro entre os partidos», que fizesse «a conciliação em pontos
fundamentais», ou pelo «partido que fez de tal ideia o principal do seu programa»; e
criticou Fontes por (em 1881) ter levado «a política impeditiva do obstrucionismo» à
Câmara dos Pares, «até se pôr a câmara conservadora ao lado dos desordeiros», a qual
então «lavrou a sua condenação», «os vencedores caíram prostrados na arena, feridos da
sentença invisível da opinião», «os Progressistas soltaram brado que ecoou em todos os
ângulos do país, o brado das reformas políticas» e «os vencidos venceram»1184.
Fontes, que na reunião da maioria, em relação às reformas políticas, reafirmara
que «não as achava uma necessidade absoluta» mas apenas «conveniente que se
realizassem agora», respondeu que o acordo foi de «grande vantagem pública», que
«nem um só partido podia ficar de fora sem que isso produzisse terríveis perturbações»;
todavia, relativizou o papel dos Progressistas, pois a história mostrava que «os partidos
avançados preparam as reformas», mas «são os partidos menos avançados, ou mais
conservadores, como lhes queiram chamar, que as realizam»; quanto ao Governo
progressista, «caiu porque quis» (em 1881), não devia ter dado demasiada significação à
votação dos pares1185. Também Dias Ferreira preferia entregar a tarefa das reformas
políticas aos Regeneradores, não aos Progressistas: «os interesses conservadores não se
alarmam se virem à frente desta empresa o sr Fontes e o seu partido»1186.
Os Progressistas não aceitavam que Fontes, até então «proclamado pela sua
gente como o único amparo da monarquia e o único campeão da ordem e dos interesses
conservadores», fosse agora também proclamado «o único reformador possível das
instituições, o único agente do progresso político»; «Cada um no seu lugar, naquilo para
que nasceu e para que adquiriu competência»1187. Alguns dirigentes desalinhavam das
posições assumidas pelo partido: Mariano discordava da ideia do tribunal para validar
as eleições, que significava «esvaziar o órgão legislativo de uma das suas mais
1184 Diário da Câmara dos Deputados, 19 e 21/1/1884, 96 (155-162) e 104-105 (162-164) 1185 Correio da Noite, 15/1/1884; Diário da Câmara dos Deputados, 21/1/1884, 105-114 1186 Diário da Câmara dos Deputados, 29/1/1884, 169-177 1187 Correio da Noite, 28/1/1884
233
importantes prerrogativas», e achava que a Câmara dos Pares devia intervir na reforma
constitucional1188. Em todo o caso, os Progressistas votaram disciplinados, junto dos
Regeneradores, na votação que aprovou a «necessidade» da reforma da Carta, por 101-5
votos1189, pertencendo estes votos contrários às alas extremas dos deputados, três
ultraconservadores e dois republicanos.
José Luciano estava satisfeito, conforme escreveu a Valmor: «O Fontes lá vai
indo com a ideia das reformas políticas e teve de fazer connosco acordo, para esse fim,
em condições que suponho muito favoráveis para nós. Aceitou-nos algumas das
principais indicações do meu projecto de reforma eleitoral e habilitou-nos a termos boa
representação na futura câmara». Esperava trazer à câmara «entre 25 e 30 deputados»,
nas eleições seguintes, «o que melhorará muito a nossa actual situação»1190.
Dentro do Partido Progressista continuavam a ouvir-se críticas: «Colaborar não
nos prende as responsabilidades à obra aleijada que aí se está gizando»; «As reformas
constitucionais são apenas mais um arranjo partidário dos Regeneradores»1191. O jornal
regenerador observava que parte da imprensa progressista tentava «desacreditar as
reformas» e «atenuar as acções de patriotismo que os estadistas progressistas têm
praticado» no Parlamento; e que em certos jornais progressistas se afirmava «que os
centros da província valem mais do que os chefes de Lisboa» e «que não depende da
vontade daqueles chefes a existência do partido»1192.
O parecer sobre a reforma eleitoral foi apresentado por Fuschini, seu relator, que
para tal fizera reuniões à noite em casa de José Luciano1193. No debate, Navarro
enalteceu o espírito de conciliação que animara todos os intervenientes no acordo, que
por isso nem todas as aspirações do Partido Progressista tinham sido satisfeitas1194. José
Luciano elogiou o acordo como «um acto de conveniência pública», «uma transacção»:
«Se fôssemos intransigentes», «o resultado seria continuarmos em permanente combate,
levantando bandeira contra bandeira, opondo princípios a princípios, sem alcançarmos
nenhum resultado útil»; disse mais, como se respondesse à velha acusação de que
falhara as reformas quando fora governo: «visto que não pudémos executar o nosso
programa quando subimos ao poder, entrámos em leal acordo com os nossos 1188 Diário Popular, 28/1/1884; A Revolução de Setembro, 29/1/1884 1189 Diário da Câmara dos Deputados, 30/1/1884, 189 1190 Carta de José Luciano de Castro ao visconde Valmor, de 2/2/1884, em Fernando Moreira, José Luciano de Castro. Correspondência Política, 147 1191 Correio da Noite, 4 e 7/2/1884 1192 A Revolução de Setembro, 8 e 15/2/1884 1193 Augusto Fuschini, O Presente e o Futuro de Portugal, 53-54 1194 Diário da Câmara dos Deputados, 15/2/1884, 365-366
234
adversários para realizarmos se não todas as nossas aspirações ao menos parte
delas»1195. Mas os Progressistas ainda desconfiavam de um «plano» de Fontes que o
faria perpetuar-se no poder graças a uma maioria regeneradora «vitalícia» do futuro
senado1196. A reforma eleitoral acabou aprovada, por 76-6 votos1197, repetindo-se, nos
votos contrários, a mistura de ultra-conservadores e de republicanos.
Uma frase de Fuschini de que o acordo teve o mérito de trazer o Partido
Progressista para dentro da «órbitra constitucional», «dispensando a necessidade de
criar artificialmente um partido», fez agitar os ânimos. Os Progressistas, é claro,
rejeitavam que o acordo fosse um favor ou uma «amnistia concedida pelo rei ou por
Fontes à sua atitude revolucionária»1198; assumiam ter uma força própria dentro do
modelo dualista conservação-progresso. Contra este dualismo lutavam os Republicanos
e os Constituintes, receando que a representação das minorias favorecesse a hegemonia
dos dois grandes partidos1199; mas o receio dos Republicanos não se justificava, a prova
é que nas eleições seguintes ganharam os dois deputados da minoria por Lisboa.
Nos debates na Câmara dos Pares, Fontes expôs o seu pensamento pragmático
sobre a reforma dessa câmara no sentido de limitar o princípio da hereditariedade: não
que estivesse muito convencido da sua necessidade, mas percebia que «as ideias do
país» seguiam «uma certa corrente» e seria «imprudência» querer resistir a todo o transe
a uma «indicação acentuada» da opinião pública; todo o governo devia ter «em atenção
o princípio da oportunidade», devia «aproveitar as ocasiões»; «vejo de todos os lados,
em todos os partidos políticos, uma opinião tão arreigada, tão manifesta e evidente
contra a hereditariedade, que nenhuma dúvida me resta de que perante a opinião geral
do país esse princípio está condenado»; ele não queria ser o «único obstáculo» a que a
reforma se fizesse e interpelou os pares renitentes: «Pois se não querem fornadas, nem
querem o elemento electivo, então o que querem? Querem uma oligarquia permanente?
Isso não pode ser»; «se a Câmara dos Pares se torna facciosa», «o verdadeiro correctivo
é a introdução do elemento electivo», afirmou; por isso propunha que, em 150 pares, 50
o fossem «por eleição»; e sobre esta parte electiva devia haver o «direito de
dissolução», porque «sem isso não era possível a rotação dos partidos»1200.
1195 Diário da Câmara dos Deputados, 20 e 22/2/1884, 433-436 e 441-446 1196 Correio da Noite, 21/2/1884 1197 Diário da Câmara dos Deputados, 10/3/1884, 586 1198 Correio da Noite, 7/3/1884 1199 Manuel de Arriaga, Diário da Câmara dos Deputados, 1 e 3/3/1884, 491-492 e 496-503; Dias Ferreira, Diário da Câmara dos Deputados, 8/3/1884, 546-562 1200 Diário da Câmara dos Pares, 14/3/1884, 174-177 e 179-190
235
Entre os Progressistas notou-se alguma divergência, por exemplo, entre um
Miguel Osório céptico e um Henrique Macedo convicto. O «constituinte» visconde de
Moreira de Rey foi o mais hostil. Casal Ribeiro mostrou-se um crítico moderado da
reforma da Câmara dos Pares, congregando parte dos votos contrários à reforma
(aprovada por 69-14 votos), numa dinâmica de criação de um novo partido
conservador1201. O debate da reforma eleitoral foi mais pacífico: Casal aceitou-a «no
sentido experimental»; Vaz Preto, apesar de preferir as eleições indirectas, conformou-
se, tal como Tomás Ribeiro, que preferia eliminar os círculos uninominais1202.
Os Progressistas agitaram-se por causa do código penal, que permitia a repressão
violenta da imprensa1203, e por causa da reforma do exército, decretada dois dias após o
encerramento das Cortes; foi tão mal-aceite este acto de «ditadura»1204 que alguns
defendiam a «abstenção» nas eleições, mas prevaleceu a opinião pela «luta legal»1205.
Na campanha eleitoral a luta foi mais reduzida que nas campanhas anteriores
(ver Quadro nº 5 e Gráfico nº 3). Nos círculos das capitais de distrito os eleitos eram
previamente conhecidos, cabendo ao Governo as listas da maioria e aos Progressistas as
da minoria; exceptuaram-se os círculos em que os Republicanos intervieram, vencendo
a minoria em Lisboa, mas perdendo no Porto e no Funchal a favor dos Progressistas.
Dos 79 círculos uninominais apenas numa dezena houve luta, tendo os Progressistas
vencido em metade deles. Quanto aos seis deputados eleitos por acumulação de votos,
os Progressistas ganharam-nos à vontade sobre os Republicanos. No total (excluindo os
círculos coloniais), os Regeneradores ganharam 112 lugares, mais oito Constituintes a
eles associados; a oposição progressista, viu-se elevada de seis para 36 deputados,
ficando os Republicanos limitados aos dois eleitos por Lisboa.
Depois da vitória eleitoral, José Luciano previa que o Governo se conservasse
«até que se façam as projectadas reformas políticas», conforme disse a Valmor1206: «O
Rei não confia essa tarefa senão ao Fontes. Ainda há pouco tempo ele me deixou
entrever essa ideia, em conversa particular»; mas o Governo estava «por tal forma fraco
e gasto que, terminada a campanha das reformas políticas (se o conseguir), não poderá
1201 Diário da Câmara dos Pares, 22 e 28/04/1884, 372-376 e 430 1202 Diário da Câmara dos Pares, 13, 14 e 15/05/1884, 555-575, 579-585 e 600-602; Alberto JG Belo, A Câmara dos Pares na Época das Grandes Reformas Políticas, 287 1203 Correio da Noite, 15/4/1884; Diário da Câmara dos Deputados, José Luciano, 25/4/1884, 1218-1225 1204 Correio da Noite, 20/5/1884 1205 Carta de José Luciano de Castro ao visconde Valmor, de 26/5/1884, em Fernando Moreira, José Luciano de Castro. Correspondência Política, p. 149 1206 Carta de José Luciano de Castro ao visconde Valmor, de 30/8/1884, em Fernando Moreira, José Luciano de Castro. Correspondência Política, pp. 153-154
236
alongar os seus dias». José Luciano mostrava estar bem informado e já previa uma
futura rotação, de tal modo que, na mesma carta, se declarou «assustado» com a
«organização do futuro ministério progressista»: Braamcamp estava «doente» e pouco
resignado «a suportar os encargos e as dificuldades duma nova situação», outros
candidatos levantariam «dificuldades se os colocassem à frente do ministério»; ele
mesmo estava «no propósito de não fazer parte do Governo» e a desejar «sossego»; mas
dizia também: «Ainda tenho alguma confiança nas minhas ideias de administração e de
Governo», «falta-me porém a confiança nos homens, nos que teriam de colaborar
comigo. Têm muito talento, mas são doidos ou ingovernáveis». Parece que o rei já lhe
dera algum sinal de que contava com ele para substituir Fontes.
É provável até que José Luciano conhecesse a opinião do rei, favorável à rotação
dos partidos, conforme a exprimiu a Fontes ao recusar-lhe um pedido de demissão: o rei
apelou aos ministros a que esquecessem as «dissensões mesquinhas» porque a demissão
«Seria desprestigiar os dois partidos constitucionais mais fortes»; e disse mais: «É
necessária a rotação dos partidos, mas constitucional, e é necessário que os que se
sucedem venham com força à nascença e não atrofiados por uma atmosfera que não
criaram»1207. Quer dizer que o rei, se alguma vez alimentara o plano de aniquilar o
Partido Progressista, como lhe fora atribuído, o que pretendia agora era que ele viesse
«com força», quando chegasse a sua vez de suceder aos Regeneradores.
Pela segunda vez, nesta sua permanência no poder desde 1881, Fontes pedia a
demissão. Uma razão forte terá sido a questão dos caminhos-de-ferro, que dividia os
ministros. Esta questão dividiu também seriamente o Partido Progressista, quando
Mariano de Carvalho integrou a administração da Companhia dos Caminhos de Ferro.
O mesmo Mariano, que achava que as reformas políticas tinham colocado o país
«pronto para uma explosão social igual à verificada em Janeiro de 1868»1208, fez então
uma opção pessoalmente lucrativa mas arriscada para a sua carreira política, que foi
aceitar esse alto cargo, só possível graças à protecção do Governo. O caso suscitou tais
críticas e divisões no partido que chegou a recear-se a sua dissolução e Braamcamp
declarou-se «definitivamemte resolvido a retirar-se à vida particular»1209. Navarro foi
1207 Carta do rei a Fontes Pereira de Melo, de 12/10/1884, em Maria Filomena Mónica, Fontes, 163 1208 Diário Popular, 31/10/1884 1209 Cartas de José Luciano de Castro a António Enes, de 13 e 22/10/1884, em Fernando Moreira, José Luciano de Castro. Correspondência Política, 163 e 166
237
um dos mais agressivos nessas críticas até, também ele, integrar, no ano seguinte, por
influência de Mariano, a administração do Caminho de Ferro de Cáceres1210.
A abertura do Parlamento estava prevista para 5 de Novembro, já com os novos
deputados, e havia expectativa sobre qual a posição que o regressado Braamcamp
tomaria. Uma carta que escreveu a José Luciano é bem ilustrativa do seu cepticismo:
«Pois o acordo ainda subsiste? Não acabou com a votação de generalidade do projecto
de lei da reforma? A que mais nos obrigámos? Que vínculos nos prendem ainda para
procurar pretextos de o denunciar como extinto e sem força?»1211. Afinal a abertura do
Parlamento foi adiada para 15 de Dezembro. Então a Comissão Executiva do Partido
Progressista decidiu por unanimidade desligar o partido de todos os compromissos
tomados no acordo, ficando «com inteira liberdade de acção»1212.
No discurso da coroa foram anunciadas uma proposta de novo Acto Adicional à
Carta Constitucional bem como uma proposta de lei para a eleição de novos pares1213.
Mas para o jornal de Mariano, «Não serve absolutamente para nada» a revisão da Carta
e, quanto à Câmara dos Pares, «devia ser de extracção electiva na sua totalidade»,
tratava-se de «um erro sem nenhuma compensação»1214.
Entrou-se em 1885 já longe da concórdia do ano anterior que possibilitara a
realização de eleições pacíficas. Agora a conversa era diferente: «À guerra responde-se
com a guerra», terá dito o presidente do Conselho na reunião da maioria1215. Por parte
dos Progressistas, regressavam protagonistas que tinham estado ausentes durante quatro
anos, nomeadamente, Braamcamp e António Cândido. Este ainda trazia viva na
memória a campanha dos Regeneradores que, «na melhor das harmonias» com
Republicanos e Constituintes, levara à queda do Governo progressista em 18811216.
E Braamcamp anunciou, pela primeira vez oficialmente, a ruptura do acordo
celebrado entre o Partido Regenerador e o Progressista: «o acordo já cessou desde
muito»; «o Partido Progressista obrigou-se a votar a generalidade» «não mais do que a
necessidade» da reforma da Carta; os acordos entre os partidos devem ser breves e
limitados a um «pensamento útil para o país», porque o sistema parlamentar carece de
dois partidos que lutem um com o outro. Logo Fontes respondeu que «se os comentários 1210 Paulo Jorge Fernandes, Mariano, 213 1211 Carta de Braamcamp, de 2/10/1884, em Fernando Moreira, José Luciano de Castro. Correspondência Política, 158-159 1212 O Progresso, 19/12/1884 1213 A Revolução de Setembro, 16/12/1884 1214 Diário Popular, 28/12/1884; Paulo Jorge Fernandes, Mariano, 206 1215 O Progresso, 3/1/1885 1216 Diário da Câmara dos Deputados, 7/1/1885, 16-18
238
de Braamcamp tivessem sido feitos na ocasião em que se celebrou o acordo, não o teria
aceitado»; «não valia a pena para tantos desgostos que trouxe», para as dificuldades que
levantou em ambos os partidos; se Braamcamp prometia «oposição forte e veemente»,
pois «venha a guerra parlamentar», «sou um velho parlamentar, isso não me afecta os
nervos»1217. No mesmo debate, António Cândido acusou Fontes de ter como «única
preocupação», a de «governar, governar sempre, governar só, governar com as suas
ideias e as alheias», «a sua complexa personalidade, excessivamente grande para a
geografia deste país, dava para tudo: para a sustentação dos interesses conservadores,
para a defesa das ideias progressistas, e até, se tanto fora mister, para os primeiros
ensaios da transacção da monarquia com a república»1218.
Mas o que pensava José Luciano, que protagonizara com Fontes o tão discutido
acordo? Não estava ainda presente, pois só depois fez o seu juramento e tomou posse
como deputado eleito1219. E durante mais dois meses esteve quase silencioso, o que
denotava discordância com Braamcamp. Apareceu no debate do bill de indemnidade da
reforma do exército que Fontes decretara em ditadura, dizendo que isso rompera «a
trégua», «à sombra da qual se fez a lei eleitoral e ainda se podia fazer a revisão da
Constituição do Estado com grande proveito do país»; entendia, como Fontes e ao
contrário de Braamcamp, que o compromisso assumido pelo seu partido era de votar, na
generalidade, não apenas a «necessidade» da reforma, já votada, mas também a própria
reforma da Carta. Fontes desvalorizou as acusações a «essa ditadura mesquinha e
insignificante», para a qual não deu qualquer explicação a não ser invocar numerosos
precedentes1220. Mas não há dúvida de que a reforma do exército decretada em ditadura
no contexto do acordo para as reformas políticas, deu mais força àqueles que
desconfiavam de tais reformas, deixando José Luciano mais isolado no seu partido.
Em Fevereiro ocorreu mais uma crise ministerial, motivada por divergências
entre os ministros a propósito das obras do porto de Lisboa ou dos caminhos-de-ferro,
levando à saída de Aguiar e de Lopo Vaz. Já em Dezembro passado, de tão dividido que
estava, o Governo chegara a reunir-se em casa de Lopo Vaz1221; e fortes divisões se
tinham exposto na reunião da maioria então realizada: o «barjonáceo» Marçal Pacheco
1217 Diário da Câmara dos Deputados, 20/1/1885: Braamcamp, 191-194; Fontes, 194-198 1218 Diário da Câmara dos Deputados, 21/1/1885, 209 1219 Diário da Câmara dos Deputados, 23/1/1885, 226 1220 Diário da Câmara dos Deputados, 21/3/1885: José Luciano, 844; Fontes Pereira de Melo, 849. Segundo Alberto JG Belo, A Câmara dos Pares na Época das Grandes Reformas Políticas, 291, talvez Fontes quisesse evitar a resistência de «militares despeitados» que eram membros da Câmara dos Pares. 1221 Paulo Jorge Fernandes, Mariano, 204
239
criticara Lopo Vaz e Fuschini condicionara o apoio a Fontes a ter uma reforma da Carta
«liberal e democrática»; além de que tinham estado ausentes os amigos de Vaz Preto,
eleitos sob a protecção dos Regeneradores1222. Agora, Fontes perguntou a Braamcamp
se aceitava um «ministério de conciliação», caso em que ele mesmo se retiraria, mas
Braamcamp não aceitou. Segundo José Luciano, essa pergunta de Fontes obedecia a
«alguma inspiração superior»1223; talvez o rei não confiasse totalmente que Fontes
levasse a bom termo o projecto das reformas políticas.
A atitude do Partido Progressista face à reforma da Carta não foi de oposição
mas de abstenção. A Comissão Executiva do partido já tomara essa decisão1224, mas só
foi anunciada oficialmente por Braamcamp no início do debate: a proposta do Governo
«não satisfazia nenhuma das aspirações dos partidos liberais», disse ele, salvo a lei
eleitoral, que «foi sem dúvida um progresso de grande importância para o país»; e não
acatou o artigo que proibia uma outra reforma no prazo de quatro anos. Fontes reagiu
irritado: se o Partido Progressista achava insuficiente a proposta do Governo, isso não
seria uma razão para discuti-la?; por esse sistema acabava a discussão parlamentar; e o
mandato constituinte que os eleitores deram aos deputados «não quer dizer nada»?1225
Os jornais progressistas quase nada disseram sobre os debates. Para «simular
alguns debates sobre a reforma», os deputados da maioria desempenhavam o papel de
«cardeais-diabos»1226. No momento da votação, como previsto, os deputados
progressistas abandonaram a câmara. E a reforma da Carta foi aprovada por 86-7
votos1227, o que denota uma forte mobilização dos Regeneradores, com mais 13 votos a
favor declarados na sessão seguinte. Os votos contrários foram de dois republicanos e
de cinco constituintes. A aliança entre Barjona e Dias Ferreira já não existia: o ministro
do Reino «aniquilou quanto argumento Dias Ferreira inventara»1228.
A questão religiosa esteve presente nos debates, mas foi retirada para não expor
mais divisões mesmo no seio da maioria. Já no ano anterior, o ex-histórico e actual
«barjonáceo» Silveira da Mota propusera a liberdade de cultos; José Luciano apenas
queria a liberdade de consciência no sentido de aos nacionais ser permitido o «culto
particular e doméstico» já concedido aos estrangeiros, mas não a liberdade de cultos,
1222 Correio da Noite, 15/12/1884 1223 Diário da Câmara dos Deputados, 21/3/1885, 844 1224 O Progresso, 24/2/1885 1225 Diário da Câmara dos Deputados, 10/4/1885: Braamcamp, 1073-1079; Fontes, 1076-1079 1226 Marques Gomes, História de Portugal (Manuel Pinheiro Chagas), 547 1227 Diário da Câmara dos Deputados, 25/4/1885, 1317 1228 A Revolução de Setembro, 15/4/1885
240
por receio de que o princípio «a Igreja livre no Estado Livre» se tornasse no «Estado
desarmado na Igreja armada»1229. Mas Fontes nem isso aceitara, dado o «perigo de
discussões apaixonadas e de resistências» num assunto que tocava «um dos sentimentos
mais radicados do país»1230. «Fontes era liberal, mas a questão religiosa aterrava-o»1231.
E agora, perante a recusa dos bispos, mandou retirar da reforma da Carta a exigência do
«beneplácito» a que deviam sujeitar-se os decretos de concílios e as pastorais dos
bispos1232. Assim abriu uma divergência no próprio partido, que se reflectiu nos votos
contrários de alguns regeneradores, entre eles Júlio de Vilhena, quando se tratou da
eliminação do artigo referente ao beneplácito, por 68-16 votos1233.
O efeito principal desta reforma (II Acto Adicional à Carta) consistiu na
limitação da hereditariedade do pariato: a Câmara dos Pares passou a ser composta por
100 membros vitalícios, de nomeação régia, mais 50 membros eleitos por seis anos e
pelos «pares por direito próprio» (príncipes, infantes e bispos), além dos «pares por
direito hereditário» ainda existentes. Outras inovações foram: a redução das legislaturas
de quatro para três anos; a restrição do poder moderador, que passou a ser exercido sob
a responsabilidade dos ministros, regulando-se o direito de dissolução; e a consagração
dos direitos de petição e de reunião.
Na Câmara dos Pares, a reforma foi aprovada por 32-11 votos1234, sendo os
votos contrários de pares conservadores; mas 15 pares presentes não votaram, quase
todos progressistas mais o ministro Barjona. O mais importante foi a aprovação de uma
emenda de Vaz Preto, na especialidade, para ser mantida a hereditariedade a favor dos
primogénitos nascidos antes da promulgação da lei. Estropiaram o projecto «para que as
vergônteas enfezadas dos senhores viscondes […] pudessem abrilhantar a sua toilette
com os arminhos de par»1235. Muitos Regeneradores não gostaram da emenda, quando o
projecto voltou à Câmara dos Deputados, como se vê pela votação de 45-7 votos, que,
por falta de vencimento, teve de ser repetida, aprovada enfim por 66-4 votos1236.
Foi ainda feita uma lei específica para a eleição dos pares temporários e então já
os Progressistas apareceram a preencher quase todos os votos contrários, na aprovação
1229 Diário da Câmara dos Deputados, 4/2/1884, 208-209; 1230 Diário da Câmara dos Deputados, 21/1/1884, 113 1231 Júlio de Vilhena, Antes da República, 116 1232 Correio da Noite, citado em O Progresso, 15/2/1885; Primeiro de Janeiro, 15/2/1885; Alberto JG Belo, A Câmara dos Pares na Época das Grandes Reformas Políticas, 311; O Progresso, 5/3/1885 1233 Diário da Câmara dos Deputados, 4/5/1885, 1418 1234 Diário da Câmara dos Pares, 2/6/1885, 471 1235 Correio da Noite, 6/6/1885; Maria Filomena Mónica, Fontes, 179 1236 Diário da Câmara dos Deputados, 25 e 26/6/1885, 2613 e 2628
241
por 74-15 votos1237. Mas esta lei continha uma armadilha porque, ao basear a eleição
dos pares nas corporações locais dominadas pelos Regeneradores, dava-lhes um
domínio na Câmara Alta muito difícil de reverter. Foi talvez um ajuste de contas de
Fontes pela falta de colaboração dos Progressistas, que estes procuraram desfazer logo
que chegaram ao poder.
Na perspectiva da tese, com as reformas de 1884 e 1885 chegou-se a um ponto
alto no reconhecimento do princípio da rotação dos partidos, ou de que devia haver na
oposição um partido alternante sempre em condições de substituir o partido do governo.
E tornou-se mais difícil a hegemonia de um partido, ou de um personagem, ao ponto de
anular o pretendente à alternância. A favor da rotação foram feitas declarações ao mais
alto nível do regime, em 1884, pelo rei e por Fontes, que antes de algum modo a tinham
contrariado, as suas únicas declarações nesse sentido detectadas nos trabalhos da tese.
O princípio da rotação saiu favorecido, não só na nova lei eleitoral, pela
protecção das minorias e por outras disposições que atenuavam a pressão das
autoridades, mas também na reforma da Câmara dos Pares que a tornava mais de
harmonia com a Câmara dos Deputados. A protecção das minorias foi mais generosa em
Portugal do que em outros países1238, o que denota o especial empenho (do rei, decerto)
com que entre nós foi procurado um maior equilíbrio entre os partidos
As reformas de 1884-1885 marcaram o culminar da trajectória relativamente
constante, que o regime da Monarquia Constitucional percorreu desde 1851, no sentido
de mais soberania da nação em detrimento da soberania do rei. Na segunda metade da
década 1880, a esquerda encontrou-se no seu ponto mais avançado em todo o regime
monárquico (sem contar com a utopia do liberalismo vintista).
Todavia, o principal partido da esquerda, o Progressista, não se deu por contente
com tal avanço, ao ponto de se abster nas votações do II Acto Adicional à Carta: queria
reformas mais avançadas, em especial na Câmara dos Pares. E a razão maior do seu
descontentamento terá sido por tais reformas não serem realizadas por si, que mais as
advogara, mas pelo partido da direita que as tinha durante tanto tempo contrariado. Essa
«reforma grande» devia ser feita, como disse José Luciano, ou por «um ministério
imparcial e neutro entre os partidos», que fizesse «a conciliação em pontos
fundamentais», ou pelo «partido que fez de tal ideia o principal do seu programa». A
1237 Diário da Câmara dos Deputados, 11/7/1885, 3109 1238 PedroTavares de Almeida, Eleições e caciquismo, 62
242
verdade é que, para fazer as reformas, o rei só confiava em Fontes, que acabou por
repetir o papel de reformador contrariado, embora disso se gabasse, levando os
Progressistas a não assumirem o que foi um inegável avanço da esquerda.
Este jogo de equívocos agravou as divisões dentro dos partidos, não só no
Progressista, como se viu no isolamento de José Luciano, mas também no Regenerador,
como se via nas facções barjonácea e lopácea desde as eleições de 1881. O próprio
Fontes, em resposta à ruptura anunciada por Braamcamp, se queixou das dificuldades
que o acordo encontrara em ambos os partidos e desabafou: «a disciplina dos partidos
não é hoje a que foi antigamente»; «tem-se hoje o que se chama independência de voto
e de palavra, onde então se chamava obediência partidária»1239. Isto não condiz com a
ideia corrente de ter havido uma evolução constante na disciplina dos partidos pelos
anos 70 e 80, quando, na verdade, houve nos anos 80 um recuo em relação aos anos 70.
Mas Fontes terá tido responsabilidades, na medida em que este recuo resultou da
sua estratégia de abranger todo o espaço liberal, favorecendo contactos com os
Republicanos para entalar os Progressistas, gerindo os choques entre a ala conservadora
de Casal e a ala radical de Barjona, acabando por perder a primeira e quase perdendo a
segunda (que depois da sua morte sairá, de facto). Além disso, este processo afectou a
sua liderança política: depois da época dourada que foi o seu primeiro Governo (1871-
1877), os seus regressos ao poder foram muito menos gratificantes e eficazes, como ele
mesmo reconheceu; as novas gerações já o desafiavam e se não lhe tornaram a vida
mais penosa foi por saberem da influência de que ele dispunha junto do rei; só com esta
influência ele pôde sustentar-se nos anos 80, obrigado a pedir a demissão por duas vezes
e a fazer diversas profundas remodelações do seu Governo.
Das reformas de 1884-1885 resultaram outros efeitos, nomeadamente, o reforço
do poder dos dirigentes centrais dos partidos em detrimento dos influentes locais. Mas
se concretizaram um novo equilíbrio do regime, as reformas também geraram novos
desequilíbrios: por exemplo, em resultado dos esquemas de representação das minorias,
reduziu-se a luta política nas eleições, em especial nas capitais de distrito, dando a
sensação negativa de tudo se resolver em prévias negociatas entre os partidos.
1239 Diário da Câmara dos Deputados, 20/1/1885, 195
243
7.3 – A sucessão no Partido Progressista (1885)
Há uma ideia corrente de que as mortes de Anselmo Braamcamp (1885) e de
Fontes Pereira de Melo (1887) desencadearam as divisões, respectivamente no Partido
Progressista e no Partido Regenerador, quando, na verdade, ainda em vida de um e de
outro, já tais divisões eram sérias. No caso do Partido Progressista, era bem notório
como vivia desunido e desorganizado, com múltiplos grupos e jornais divergindo entre
si, ainda no tempo de Braamcamp, o que não era de admirar sabendo-se que este, além
de doente, estava fora do Parlamento. Em várias ocasiões se falou que ele pretendia
abandonar a política, como ele mesmo confessou, por não conseguir manter unido o
partido. Algumas movimentações de altos dirigentes nos últimos anos já se faziam
tendo em vista a futura sucessão do partido, de que foram exemplos o protagonismo
assumido por José Luciano no acordo que enquadrou as reformas de 1884-1885,
sabendo-se em consonância com o rei, e as demarcações de Mariano de Carvalho
relativamente a esse acordo e às reformas dele decorrentes.
Em 1885 Braamcamp regressou ao Parlamento com um novo fôlego e vontade
de marcar a diferença do seu partido em relação ao Regenerador; para tal, declarou
findo o acordo, divergindo de outros dirigentes, como seria o caso de José Luciano, sem
deixar de reconhecer a importância da reforma eleitoral. Pela primeira vez, em mais de
20 anos de estreita cumplicidade, os dois chefes progressistas aparentavam pública
divergência. José Luciano não afrontou e manteve-se discreto.
Foi nesse contexto que ocorreu a aproximação entre um Braamcamp desiludido
com o regime monárquico liberal que por tanto tempo servira e um Oliveira Martins
desejoso de entrar nesse mesmo regime que tanto criticara num percurso intelectual de
inspiração republicana e socialista. Braamcamp escreveu a Martins: «Que o sistema
constitucional é um sistema de governo puramente artificil, essencialmente dissolvente
e sem força para qualquer empreendimento de maior alcance, é para mim desde há
muito fora de dúvida»1240. Martins foi apresentado como novo membro do Partido
Progressista, no Porto no mesmo dia (25/4/1885) em que os deputados Progressistas se
abstiveram de votar a reforma da Carta Constitucional. O Correio da Noite sentiu como
que reforçada a sua crença, com esta adesão de quem fora «ontem republicano teórico»
e era «hoje progressista prático»: afinal ainda havia espaço para se manter arvorada a
1240 Carta de 16/2/1885, em F. A. Oliveira Martins (ed.), Correspondência de J. P. Oliveira Martins, Lisboa, Parceria A. M. Pereira, 1926, 61-62
244
bandeira progressista, a «simbolizar o equilíbrio entre o princípio conservador e o
princípio revolucionário»1241. O jornal regenerador desdenhou: «É recíproca a
exautoração desses dois homens, que por caminhos opostos se encontram na mesma
hora de contrição. Braamcamp exautora-se como chefe do Partido Progressista e
Martins exautora-se como apóstolo do radicalismo republicano. Um confessa que tem
sido uma incapacidade, o outro confessa que tem sido um visionário»1242.
No Verão, Braamcamp e outros dirigentes foram ao Porto consagrar a adesão de
Martins, apesar da oposição que lhe fazia uma facção local (ligada a Mariano, que por
isso não foi). Braamcamp proferiu então como que o seu testamento político: recordou
os «nobres e gloriosos pergaminhos» do seu partido – ter livrado o país das lutas
religiosas, ter acabado por uma vez com a existência dos vínculos, ter abolido o contrato
do tabaco e ter realizado a extinção do «infando tráfico da escravatura» – que lhe
permitiam ufanar-se «de ter dignamente prosseguido na obra de Mousinho da Silveira e
de Passos Manuel»; ao partido ainda restava «fazer mais» e apontou as «questões
sociais e económicas», «não menos graves, não menos difíceis» do que as questões
políticas dos primeiros tempos, apelando à «dedicação pelas classes trabalhadoras» para
a «resolução dos novos problemas que vão surgindo dia a dia com o espantoso
progresso da civilização, com a constante evolução das condições da sociedade»1243.
José Luciano mantinha contactos com Oliveira Martins, visitou-o depois de
passar na praia da Granja onde Braamcamp estadiava doente; e não lhe escondia um
«modo de pensar» não conforme com o do novo correligionário e do seu movimento
«Vida Nova»: enquanto Martins apelava à realização de reformas económicas e sociais
em contexto de «ditadura», aliás defendia que o último governo progressista já devia ter
assumido a «ditadura», José Luciano lembrava que «o Partido Progressista desde 1851
para cá sempre combateu […] a inconstitucionalidade das ditaduras»; na verdade,
tinham sido feitas «pelos meios legais» «grandes reformas, como as da desamortização,
da abolição dos vínculos, da abolição do monopólio do tabaco e do registo predial e
hipotecário» e «isso prova que o regime parlamentar não é incompatível entre nós com
boas e proveitosas reformas»1244. Concedia, porém, José Luciano, na mesma carta, que
havia uma reforma a ser realizada por processos ditatoriais, «a do maquinismo político»
1241 Correio da Noite, 28/4/1885 1242 A Revolução de Setembro, 28/4/1885 1243 Discurso de Anselmo Braamcamp, 18/6/1885, em Oliveira Martins, «Elogio histórico de Anselmo José Braamcamp», 89-90 1244 Carta de José Luciano a Oliveira Martins, de 10/9/1885, em Fernando Moreira, José Luciano de Castro. Correspondência Política, 181-183.
245
que «depois da última reforma», «ficou pior do que estava» – é um assunto a que se
voltará mais adiante.
A entrada de Oliveira Martins aumentou a complexidade do partido. Trazia um
novo jornal, A Província, a juntar-se aos jornais de Mariano (Diário Popular e outro
recente) e de Navarro (Novidades), este fundado depois de polémicas sobre os jornais
do partido, o «oficial» Progresso e o Correio da Noite 1245. E numerosos outros jornais
progressistas havia, nomeadamente, o Primeiro de Janeiro, do Porto, e o Progressista,
de Coimbra. Alguns jovens talentosos progressistas, como António Cândido e Carlos
Lobo de Ávila, colaboraram no jornal de Navarro, mas quando este caiu sob a influência
de Mariano, passaram para o jornal de Oliveira Martins.
Entre tão variadas visões e ambições, José Luciano foi o único progressista a
assumir-se como candidato à chefia, quando Braamcamp faleceu em Novembro de
1885. Desde muito ele era o natural sucessor1246: desde a fundação do partido era ele o
número dois; no primeiro Governo progressista fora o braço direito de Braamcamp,
donde saiu afectado pelo seu falhanço mas prestigiado pelo grande êxito eleitoral então
alcançado. Foi ele que, perante o desastre eleitoral que se seguiu, melhor soube ler e
aproveitar a oportunidade de relançar o partido quando se tornou evidente a falta que
fazia ao próprio regime como parceiro da rotação. E se o acordo que protagonizou com
Fontes lhe custou desconfianças, também lhe valeu o mérito da reforma eleitoral pela
qual uma trintena de progressistas, incluindo o chefe, regressaram ao Parlamento. Era
ele o «marechal» mais influente na rede de centros regionais do partido. Além disso –
terá sido esse um trunfo decisivo – todos sabiam, incluindo os rivais internos, que era
nele que o rei confiava para cumprir a rotação substituindo o todo poderoso Fontes.
Quanto aos outros marechais, Mariano era quem mais lhe resistia e quem mais
se movimentou, não para ser candidato mas para arranjar candidato alternativo, como
poderia ser João Crisóstomo, ou para de qualquer outro modo lhe condicionar o poder.
Era um político talentoso, exercendo grande influência através do Diário Popular, com
bastantes seguidores na região do Tejo e no Porto, boas relações no meio financeiro a
partir da sua entrada na administração da Companhia do Caminho de Ferro, o que
também lhe custava desconfianças, carregando o ónus, ou o mérito, das campanhas que
fizera contra o rei. João Crisóstomo, era um general prestigiado, mas sem grande peso
1245 Carta de Navarro a Anselmo Braamcamp, de 13/3/1885, em Fernando Moreira, José Luciano de Castro. Correspondência Política, 173-174 1246 Marques Gomes, História de Portugal (Manuel Pinheiro Chagas), 553
246
dentro do partido, aliás, em duas vezes que fora ministro demitira-se em condições que
afectaram o respectivo Governo, em 1865 e 1880. Barros Gomes foi outro candidato
possível, mas desde logo apostou em José Luciano, para quem trabalhou, incluindo a
arregimentar Oliveira Martins na mesma aposta.
A grande preocupação de José Luciano era atenuar o efeito dos críticos internos,
evitar dissidências, conseguir a maior unidade possível. Nas vésperas da assembleia-
geral em que a eleição seria decidida, em Dezembro de 1885, Mariano rendeu-se: «Está
tudo perdido. Votem no José Luciano», disse aos seus apoiantes, entre os quais José de
Alpoim, que contará: «O José Luciano tinha em segredo conseguido pôr o Paço do seu
lado», «Se não o elegêssemos, o rei nunca mais chamava o Partido Progressista»1247.
José Luciano foi eleito, por aclamação, numa assembleia-geral que mostrou uma
grande mobilização, congregando 154 centros regionais, um número próximo do dos
círculos eleitorais, nunca visto nem aproximado desde a fundação do partido1248. Era
toda uma rede integrando ainda velhos militantes das lutas liberais e patuleias, que,
depois de resistir a longas provações na oposição, pressentia aproximar-se um novo
tempo de vitória. Esta eleição revestiu-se de um formalismo inédito, muito diferente das
anteriores ascensões de Loulé, Fontes e Braamcamp. Significou uma evolução
democrática já relativamente avançada que o Partido Progressista tinha atingido, que
não reconhecia ao novo chefe a mesma transcendência concedida aos anteriores.
Antecipe-se que dali a dois anos os Regeneradores irão contrastar pela forma elitista
como irão clarificar a sua liderança, após a morte de Fontes.
É conhecida a própria versão de José Luciano sobre a sua eleição: «Querem
saber como fui escolhido para chefe do Partido Progressista? Nunca me levantando de
onde estava. Os meus correligionários de categoria andavam continuamente de um lado
para o outro, agitando-se, mexendo-se e remexendo-se; eu, sempre quieto, nem ao de
leve esboçava sinal de me levantar. Morre Braamcamp, é preciso um sucessor, olha-se
em volta, só eu estava no meu lugar – fui eu o chefe escolhido»1249. Não terá sido bem
assim, já que participou em negociações e realizou contactos, para prevenir qualquer
«dissidência» e rentabilizar a sua rede de amigos: «convém activar os nossos trabalhos
para evitar qualquer surpresa. De Viana e de todo o país tenho excelentes notícias»1250.
1247 Raul Brandão, Memórias, tomo I, 92 1248 Paulo Jorge Fernandes, Mariano, 219 1249 Eduardo Schwalbach, À Lareira do Passado. Memórias, 122 1250 Carta de José Luciano a Oliveira Martins, de 2/12/1885, em Fernando Moreira, José Luciano de Castro. Correspondência Política, 188-190
247
Em todo o caso, a «versão» de José Luciano revela como, desde muito antes, ele
soubera colocar-se no melhor posicionamento estratégico que levava ao poder, seguindo
sempre uma linha de esquerda moderada que combinava diferença e compromisso com
os adversários e se demarcava de quaisquer ataques directos ao rei.
A chamada dos Progressistas ao poder demorou apenas dois meses, o que
reforça a ideia de que o rei, uma vez cumprida a missão de Fontes de realizar as
reformas políticas, desejava substitui-lo para cumprir o princípio da rotação. E fê-lo,
decerto, com maior convicção depois de ver o dirigente progressista em quem mais
confiava, José Luciano de Castro, ganhar a legitimidade do seu partido.
Era só uma questão de haver um pretexto para a mudança. Na classe política
suspeitava-se de que não tardaria. A opinião pública dava sinais de querer mudar, ao
eleger comissões de recenseamento progressistas em numerosos concelhos1251. Um
projecto de João Franco (para tal entendido com Fontes1252) no sentido de desanexar o
concelho de Guimarães do distrito de Braga sublevou os ânimos nas duas cidades,
obrigou o Governo a recuar e abriu mais brechas na maioria. Enfim, os aumentos de
impostos previstos nas medidas financeiras do Governo suscitaram representações das
associações comerciais de Lisboa e do Porto e meetings de protesto em várias cidades.
Parecia que o Governo estava «resolvido a cair»1253. Mais alguns dias e Fontes pediu a
demissão. José Luciano foi chamado ao Paço no mesmo dia (18/2/1886) em que o rei
decretou a sua nomeação para o restrito órgão consultivo que era o Conselho de Estado.
Especulou-se sobre a causa da queda do Governo: seria a questão Braga-
Guimarães, como disse Fontes no seu regresso à Câmara dos Pares?, ou foram «as
manifestações contra as medidas da fazenda que apareciam em toda a parte do reino»?,
como lhe respondeu Valbom1254? Em carta dirigida ao príncipe herdeiro D. Carlos, o rei
D. Luís expôs a sua razão: «Já saberás que mudei de ministério. Era um passo
necessário em que creio ter seguido a opinião pública»1255.
1251 O Progresso, 13/1/1886 1252 Correio da Noite, 21/1/1886 1253 Novidades, citado em O Progresso, 07/2/1886 1254 Diário da Câmara dos Pares, 23/2/1886, 189-192 1255 Carta de 27/02/1886, em Rui Ramos, D. Carlos, 104
248
8 – Do Governo progressista ao «Ultimato inglês» (1886-1890)
O presente capítulo corresponde essencialmente ao Governo progressista (1886-
1890); prolongado depois do «Ultimato inglês», sob um novo Governo regenerador.
Um governo de quatro anos quase se equiparava aos longos governos de Fontes.
Neste sentido pode dizer-se que a rotação evoluiu até chegar a um maior equilíbrio entre
os partidos participantes. Isto coincide com o fim do arco temporal da tese, como se a
aprendizagem da alternância se tivesse comprovado.
O capítulo está organizado nas seguintes quatro fases:
- a primeira (1886-1887), em que os Progressistas desmontaram o poder
regenerador;
- a segunda (1887), em que os Regeneradores se envolveram na luta pela nova
liderança, após a morte de Fontes Pereira de Melo;
- a terceira (1888-1889), em que o Governo realizou algumas reformas debaixo
de uma oposição muito agressiva;
- a quarta (1889-1890), já sob o reinado de D. Carlos, abrangendo o final do
Governo progressista e o Governo regenerador que se seguiu ao «Ultimato inglês»,
caracterizada por graves crises política, social e financeira que determinaram a abertura
de um novo ciclo político, marcado por menos concórdia e mais afrontamento, que
inverteu a dinâmica progressiva identificada na tese.
8.1 – O poder regenerador desmontado (1886-1887)
A primeira preocupação de José Luciano, ao formar o Governo, foi assegurar a
máxima unidade do seu partido, sabendo como estava ainda fresca e não consolidada a
sua liderança. Além de reservar para si a pasta mais política, do Reino, entregou pastas
importantes aos seus críticos internos, a da Fazenda a Mariano de Carvalho e a das
Obras Públicas a Emídio Navarro, achando preferível tê-os dentro a tê-los fora do
Governo. As restantes pastas confiou-as a dirigentes fieis: a da Justiça a Francisco da
Veiga Beirão, a dos Negócios Estrangeiros a Barros Gomes, a da Marinha e Ultramar a
Henrique Pereira Coutinho e a da Guerra ao visconde de S. Januário. Eram políticos
«bastante experimentados», disse na sua apresentação no Parlamento1256.
1256 Diário da Câmara dos Deputados, 22/2/1886, 480-481
249
José Luciano não integrou a facção mais recente da «Vida Nova», porque
Oliveira Martins recusou a pasta das Obras Públicas; mas logo anunciou, a pensar nele,
a criação do ministério da Agricultura, Comércio e Indústria; Mariano e Navarro
opunham-se a este ministério, Navarro chegou a escrever a Martins, achando-o «muito
verde para ministro» pois «não fizera as provas parlamentares», «no Parlamento era que
as pastas se conquistavam», sugerindo-lhe que entrasse para director-geral de
Agricultura; José Luciano decidiu passar por cima destes seus ministros e convidou
Oliveira Martins, que todavia recusou1257.
A composição heterogénea do Governo – o próprio Mariano dirá que exigiu
plena autonomia no seu ministério, «quem lá manda sou eu e mais ninguém»1258 – veio
a revelar uma flagrante falta de unidade, que os Regeneradores não deixaram de
explorar, obrigando José Luciano a uma intervenção crescente sobre os seus dois
ministros mais autónomos, no sentido de lhes cercear certas iniciativas, ou de limitar os
«estragos» que causavam, implicando frequentes recuos nas decisões tomadas.
Duas questões imediatas se depararam ao Governo: o conflito Braga-Guimarães
e o casamento do príncipe D. Carlos. Sobre a primeira, o presidente do Conselho propôs
a solução de manter a integridade do distrito de Braga e dar alguma autonomia ao
concelho de Guimarães1259, o que implicava alterar o código administrativo. Sobre a
segunda, o ministro da Fazenda propôs elevar a dotação do príncipe para financiar o seu
casamento, o que foi aprovado sem dificuldade, quer na Câmara dos Deputados, por 70-
4 votos (sendo estes votos contrários dos republicanos Elias Garcia e Zózimo Pedroso e
do regenerador Bernardino Machado e do constituinte Dias Ferreira), quer na Câmara
dos Pares, por 87-1 votos (sendo este voto contrário do republicano Latino Coelho1260,
eleito pelo colégio eleitoral «científico» ao abrigo da última reforma).
Sobre esta questão levantou-se um debate interessante, já que os Republicanos,
em particular Latino, logo exploraram a contradição do ministro Mariano em relação às
suas campanhas anteriores contra o rei, embora o mesmo Latino mostrasse também o
percurso contraditório de ter passado pelos partidos Regenerador, Histórico (donde saíra
em litígio) e Reformista, antes de chegar ao Republicano. Latino Coelho fez um
discurso violento contra o regime, que resultou na publicação O Preço da Monarquia,
1257 Carta de Oliveira Martins a José Luciano, de 2/7/1886, em Correspondência de J. P. Oliveira Martins, 99-100; Correio da Manhã, citado em A Revolução de Setembro, 7/7/1886 1258 Diário da Câmara dos Deputados, 12/4/1889, 361-362 1259 Diário da Câmara dos Deputados, 22/3/1886, 680 e 724-725 1260 Diário da Câmara dos Deputados, 24/3/1886, 716; Diário da Câmara dos Pares, 1/4/1886, 330-331
250
mas especialmente violento, até ressentido, contra o Partido Progressista, utilizando
argumentos semelhantes aos de Fontes: que o Partido Regenerador é que alargara o
sufrágio universal e fizera reformas constitucionais no sentido liberal e acabara com a
hereditariedade legislativa; que só havia «dois partidos lógicos e naturais», o
Regenerador, «conservador» e o Republicano, «democrático». Sugeria uma fórmula de
rotação que talvez idealizasse em ligação com Barjona, não entre dois partidos do
sistema mas entre dois sistemas antagónicos. Se assim fosse, respondeu-lhe Mariano, o
Partido Regenerador perpetuar-se-ia no poder, enquanto a república não chegasse1261.
Comparando com o início do anterior Governo progressista em 1879, foi bem
diferente a atitude mostrada agora pelos dois grupos políticos: nem os Regeneradores
aplicaram desde logo uma moção de censura, nem os Progressistas se concentraram na
questão financeira adiando as reformas políticas. O presidente do Conselho não queria
cair na mesma situação de 1879-1881; outra vez deu prioridade à questão da fazenda
mas «sem renunciar às reformas políticas»; mesmo na questão da fazenda, o respectivo
ministro disse que o país não estava preparado para o imposto de rendimento, pelo que
preferia melhorar o processo de arrecadação das receitas1262.
Os Regeneradores, na sua imprensa, desdenhavam o programa do Governo1263,
mas no Parlamento não faziam oposição agressiva. Estava-se em «tréguas», observou o
jornal progressista, algo desconfiado: «Tudo é porém tão extraordinário como
transitório»1264. Certo é que no tempo em que estiveram abertas (até 8 de Abril), as
câmaras de maioria regeneradora aprovaram tudo o que o Governo lhes propôs como
necessário para governar, nomeadamente, a lei de meios e autorizações para tomar
medidas de prevenção contra a cólera e para os exames de instrução secundária1265.
Afinal, que reformas políticas tinha em mente o presidente do Conselho e como
tencionava realizá-las? Neste ou no ano seguinte, haveria dissolução da Câmara dos
Deputados e eleições que dessem ao Governo a sua maioria de apoio. Mas isso não
evitaria que os Progressistas se encontrassem outra vez diante do fantasma de 1881, ou
seja, perante uma Câmara dos Pares de forte maioria regeneradora. Era este o
«maquinismo político» que José Luciano queria reformar por «processos ditatoriais»,
1261 Diário da Câmara dos Pares, 30/3/1886, 316 e 400 1262 Diário da Câmara dos Pares, 23/2/1886, 189 e 194-195 1263 A Revolução de Setembro, 24/2/1886 1264 O Progresso, 5/3/1886 1265 O Progresso, 8/4/1886
251
como dissera numa carta (já referida) a Oliveira Martins1266: «Com a Câmara dos Pares
como ficou, um Governo progressista nunca se pode julgar seguro e desafogado para
fazer alguma coisa útil». Aliás, quando fora encarregado de formar governo, falara nisso
ao rei1267. E na apresentação do Governo ao Parlamento, questionado sobre uma reforma
administrativa a ser decretada em ditadura, respondera, evasivamente: «as ditaduras não
se prometem, nascem de indeclináveis necessidades públicas»1268.
Agora, com as câmaras legislativas encerradas, José Luciano tratou de eliminar a
ameaça que via na Câmara dos Pares, alterando a seu favor os 50 pares electivos,
praticamente todos regeneradores; como estes eram eleitos pelo conjunto dos deputados
e de delegados do poder local, tornava-se necessário alterar o código administrativo de
modo a realizar novas eleições municipais que dessem delegados de maioria
progressista, os quais, juntamente com os deputados a ser eleitos em novas eleições
legislativas, dessem ao Governo os novos pares desejados. Só que esta alteração, para a
qual não podia contar com o acordo dos pares actuais, teria de ser feita em ditadura,
assim contradizendo os valores parlamentares que José Luciano sempre antes defendera.
Era uma questão de sobrevivência, que ele bem sentia, lembrado do que acontecera ao
Governo progressista em 1881, tanto mais que a maioria regeneradora na Câmara Alta
fora entretanto reforçada.
O novo código administrativo foi decretado em Julho de 1886, moldado pela
reforma que José Luciano tentara em 1880 mas não chegara a ser lei, e logo suscitou
comícios, em geral promovidos pelos Regeneradores, donde saíram representações
depois apresentadas ao rei, e também um comício republicano em Lisboa. Todavia, não
foi grande o apoio que receberam, porque no novo código havia um ponto simpático à
população, que era fixar limites à autonomia que as câmaras municipais, as juntas
distritais e até as juntas de paróquia tinham para lançar impostos («adicionais»).
Fontes acusou o Governo de se ter colocado «fora da lei» e propôs aos seus
partidários que organizassem um movimento exigindo do rei que obstasse à violação da
Carta pelos ministros, mas desencorajou-os de qualquer reacção mais aguerrida, já que o
país lhe parecia «nada disposto para tais aventuras». Algumas dissidências que
ameaçavam o partido não o incomodavam, pois estava «farto de ser ministro». Além
disso, tanto como o entristecia a ditadura progressista, entristeciam-no os «planos de
1266 Carta de 10/9/1885, em Fernando Moreira, José Luciano de Castro. Correspondência Política, 181-3 1267 Diário da Câmara dos Pares, 11/8/1887, 933 1268 O Progresso, 23/2/1886
252
insurreição» ou as «alianças dos Regeneradores com Republicanos»1269. Fontes referia-
se decerto a movimentações da facção de Barjona na direcção dos Republicanos, que
aliás se viriam a confirmar no ano seguinte, mas já não estava tão receptivo a essas
alianças como estivera na década anterior, nas eleições em Lisboa.
Na sequência do novo código administrativo, foram realizadas eleições
municipais em Novembro de 1886. Queixaram-se os Regeneradores de que o código
fora elaborado com o fim exclusivo de os expulsar das corporações locais e que o
Governo deu a tais eleições um cunho muito político1270.
Mas era inevitável a dissolução da Câmara dos Deputados: havia um conflito
latente entre a maioria regeneradora e o ministério progressista. No início da sessão de
1887, logo que foi eleito o regenerador Pedro Carvalho para presidente da Câmara dos
Deputados, em vez do progressista Francisco de Campos, reuniu o Conselho de Estado
e foi publicado o decreto da dissolução, convocando a nova câmara para 2 de Abril1271.
As eleições dos deputados foram marcadas para 6 de Março e para 13 de Março as
reuniões das câmaras municipais, das juntas gerais de distrito e dos 40 maiores
contribuintes para elegerem os delegados que deveriam participar, com os deputados, na
eleição de 50 novos pares. E assim ficaria cumprido o plano traçado por José Luciano
de Castro de ter as duas câmaras legislativas «harmonizadas» entre si.
Entre os Regeneradores, foi feita uma reunião política, em casa de Fontes, para
nomear a comissão encarregada de dirigir os trabalhos eleitorais, na qual participaram
os membros «mais graúdos» do partido convidados, o que causou «desgostos e
gritarias» nos excluídos; nela foram escolhidos 30 nomes, entre eles António José de
Ávila (sobrinho) e Pinheiro Chagas1272, significando a integração dos ex-avilistas e dos
constituintes do grupo Vaz Preto. Dizia o jornal progressista que Fontes «abdicou a sua
autocracia na comissão agora nomeada, por já se não poder entender com a distribuição
das candidaturas viáveis». Retenham-se desta notícia dois sinais de interesse: o carácter
elitista do partido regenerador e o afrouxamento da liderança de Fontes.
No dia 22 faleceu o chefe regenerador Fontes Pereira de Melo, com 68 anos –
«um homem cuja morte sobressalta um país inteiro, cuja perda suscita graves problemas
1269 Cartas de Fontes a amigo do Porto, de 6/7/1886, e a Tomás Ribeiro e a José Guilherme [Pacheco], de 2/9/1886, em Maria Filomena Mónica, Fontes, 184 e 185-186 1270 A Revolução de Setembro, 5 e 15/11/1886 1271 Diário da Câmara dos Deputados, 6/1/1887, 8 1272 Correio da Noite, 14/1/1887
253
na política duma nação», escreveu o jornal progressista1273. Os «homens importantes do
Partido Regenerador» nada tinham preparado sobre o futuro do partido, mas já havia um
nome que ia «reunindo, sem ninguém o solicitar, uma maioria de sufrágios», o de Serpa
Pimentel1274. José Luciano dizia o mesmo: «Fala-se no Serpa […] penso que lhe faltará
a força para se impor àquela turba de ambiciosos inquietos e famintos»1275.
No dia 27 reuniu a «grande comissão eleitoral» do partido, antes eleita,
convocada pela respectiva comissão executiva (formada por Barjona, Lopo Vaz, Hintze
e Bivar), tendo sido deliberado, por proposta de Lopo Vaz, completar a comissão
executiva com o nome de Serpa. Mas sendo a comissão executiva delegada da «grande
comissão eleitoral», com mandato limitado aos trabalhos eleitorais, não poderia tomar
decisões de maior alcance1276 – o que significava adiar a questão da chefia do Partido
Regenerador para depois das eleições. «O Partido Regenerador reocupou o seu posto na
política portuguesa», «A morte do seu chefe foi uma grandíssima perda, mas a tradição
que ele lhe lega é indubitavelmente uma poderosíssima força», declarou o jornal
regenerador1277, em termos idênticos aos que o Partido Histórico declarara, após a morte
do duque de Loulé, significando que os verdadeiros partidos se distinguiam por
sobreviverem à morte dos seus chefes.
Quanto à actividade governativa, abriu-se uma questão que iria marcar todo este
período: o decreto do ministro da Fazenda, de 27/1/1887, que pôs fim ao regime livre do
fabrico do tabaco, adoptando o regime exclusivo. Era o regresso do odiado monopólio
do tabaco, que o Governo Loulé extinguira em 1865, protestou a oposição. Mariano
procurava aumentar as receitas públicas sem carregar nos impostos: alterara a forma da
sua cobrança, prorrogara por dois anos os trabalhos de actualização das matrizes
prediais, extinguira o imposto de sal. A melhoria económica ajudava aumentando os
rendimentos das alfândegas, a subida da cotação dos fundos portugueses (vide Gráfico
nº 1) tornava mais fácil a obtenção de empréstimos. «Roda o dinheiro por toda a parte.
Há ouro em barda. Que tentação para todos os especuladores!»1278
Esse mesmo objectivo de aumentar as receitas levava agora o ministro a alterar o
regime do tabaco. Mas agrediu poderosos interesses, ou beneficiou uns em detrimento
1273 Correio da Noite, 23/1/1887 1274 Correio da Noite, 23/1/1887 1275 Carta de José Luciano a Oliveira Martins, de 25/1/1887, em Fernando Moreira, José Luciano de Castro. Correspondência Política, 232 1276 A Revolução de Setembro, em Correio da Noite, 27/1/1887; A Revolução de Setembro, 28/1/1887 1277 A Revolução de Setembro, 29/1/1887 1278 A Província, 21/9/1886; Paulo Jorge Fernandes, Mariano, 260
254
de outros, como Eduardo Burnay, que desde alguns meses movia contra ele uma
campanha na imprensa1279. O jornal regenerador acusou-o de trabalhar em segredo para
favorecer um sindicato financeiro, a Companhia Nacional do Tabaco, «a dos amigos do
sr Mariano de Carvalho», que vinha adquirindo fábricas a fim de beneficiar do
exclusivo na condição de monopolista de facto, ao mesmo tempo que se dificultava a
entrada de tabaco manipulado e se impedia a criação de novas fábricas e o alargamento
da fabricação das que escaparam ao conluio1280. Entre os ministros a solução não era
pacífica, o presidente do Conselho obrigou Mariano a submeter a concurso a atribuição
do exclusivo. Burnay reactivou uma fábrica que tinha fechada. Muitos revendedores de
tabaco reuniram-se contra o novo regime na Associação dos Logistas1281.
Para agravar as suspeições sobre o ministro da Fazenda, a imprensa
regeneradora denunciou um convénio que ele teria negociado para pagar o «empréstimo
de D. Miguel» aos herdeiros dos contratadores do tabaco dos anos 1830-1833. O jornal
governamental negou: «o Governo não entrou nem faz tenção de entrar em negociações
de nenhuma espécie para reconhecer esse empréstimo»1282. Mas foi a oposição que
frustrou o «torpíssimo escândalo», afirmou o jornal regenerador; ou foi o presidente do
Conselho que obrigou o ministro a «engolir» o convénio1283.
Estes temas dominaram a campanha eleitoral, sem afectarem a vitória natural
dos Progressistas, com 113 deputados eleitos. Mas entre eles houve divergências que
requereram a intervenção de José Luciano, por exemplo, prometendo a candidatura a
deputado pelo círculo do Porto a Oliveira Martins, que no ano anterior ameaçara
demitir-se do partido por não ter sido candidato a presidente da Câmara Municipal do
Porto1284. Entre os Regeneradores sem chefia houve grande desorientação: uns
guerrearam-se para obter a preferência do Governo progressista na escolha dos
candidatos por acumulação; em Lisboa, muitos votaram pelos Republicanos dando a
estes os dois lugares da minoria, com grande folga; apesar disso, obtiveram 36
deputados beneficiando dos esquemas de representação das minorias e absorvendo os
Constituintes (que desapareceram como partido)1285.
1279 Correio da Noite, 21/8/1886; Paulo Jorge Fernandes, Mariano, 261-262 1280 A Revolução de Setembro, 30/1 e 6 e 24/2/1887 1281 A Revolução de Setembro, 5/2/1887 1282 Correio da Noite, 13/2/1886 1283 A Revolução de Setembro, 16/2 e 20/3/1887 1284 Cartas de Oliveira Martins a José Luciano, de 5/11/1886, e de José Luciano a Oliveira Martins, de 14/12/1886, em Fernando Moreira, José Luciano de Castro. Correspondência Política, 225 e 228-230 1285 Pedro Tavares de Almeida, Eleições e Caciquismo, 156, 173 e 226
255
Antes do fim do mês, reuniu o colégio eleitoral dos pares temporários, formado
pelos deputados e pelos delegados do poder local, donde resultou a eleição de 47 pares
progressistas e de três pares regeneradores, sendo 45 eleitos pelos distritos
administrativos e cinco pelos estabelecimentos científicos1286. A Câmara dos Pares ficou
mais governamentalizada, ou perdeu independência, ou perdeu alguma
imprevisibilidade que originara algumas crises políticas, e decerto perdeu a capacidade
de derrubar um Governo, contra a maioria dos deputados, como acontecera em 1881.
Agora sim, em consequência da reforma de 1885 conduzida por Fontes, e da
reforma administrativa de 1886, conduzida por José Luciano, estavam as duas câmaras
em harmonia, contribuindo para a estabilidade do Governo. Neste sentido pode dizer-se
que as duas reformas referidas favoreceram a rotação dos partidos.
De imediato, por carta régia de 31/3/1887, foi nomeado o general João
Crisóstomo presidente da Câmara dos Pares, cargo que pertencera a Fontes Pereira de
Melo. Só que agora, por efeito do decreto de 27/1/1887, esse cargo deixava de ser
vitalício, passando a resultar de nomeação no início de cada sessão legislativa. Havendo
então vacaturas na classe dos pares vitalícios, sendo uma delas a de Fontes, propôs o
Governo os nomes de José Luciano de Castro e de Barros Gomes para as preencher.
Outro cargo de Fontes, o de governador da Companhia do Crédito Predial, foi entregue
a José Luciano, por eleição na respectiva assembleia-geral1287.
A desmontagem do poder regenerador deu-se pelos processos normais das
eleições e da substituição de numerosos cargos de confiança política, mas também pelo
acto extraordinário a que José Luciano deitou mão para desarmadilhar a maioria
regeneradora na Câmara Alta e pela ocupação dos altos cargos que Fontes detivera.
Mas outra mudança ocorreu em certas ideias de governação, no sentido de maior
intervenção do Estado na economia em lugar do livre cambismo e da livre concorrência
até então perfilhados. A restauração do exclusivo no fabrico do tabaco era exemplo de
uma nova «escola económica», como observou o jornal regenerador: o Partido Histórico
tinha legado à nação as «conquistas notáveis» da extinção da lei dos morgados e da
extinção do monopólio do tabaco, mas agora a «ideia predominante do Governo» era
«fazer crescer as receitas do tesouro explorando as grandes indústrias que dominam por
um monopólio de facto o mercado de consumo dando-lhes em troca o monopólio de
direito», o que podia trazer «um benefício de momento» mas também a «ruína de
1286 Alberto JG Belo, A Câmara dos Pares na Época das Grandes Reformas Políticas, 329-335 1287 Correio da Noite, 1/4/1887
256
amanhã»1288. Outros exemplos da mesma orientação foram: a atribuição do exclusivo de
emissão de moeda ao Banco de Portugal; a reforma das pautas alfandegárias, no sentido
protecionista, privilégios no sector do vinho do Porto, bem como maiores restrições na
importação de cereais. Interessante é que esta filosofia intervencionista era defendida
por Oliveira Martins e quem mais a punha em prática eram os seus adversários, Mariano
e Navarro. Se neste ponto Martins venceu, perdeu todavia em relação ao projecto de
Fomento Rural1289, em que tanto se empenhou mas não teve seguimento.
8.3 – A sucessão no Partido Regenerador (1887)
Fontes Pereira de Melo foi o político mais importante do período da tese. Do seu
nome deriva o termo «fontismo» com que frequentemente se designa a política do seu
tempo, caracterizada por forte empenho nos «melhoramentos materiais» e por relativa
estabilidade. A sua importância reflectiu-se também no tempo em que exerceu a
presidência do Conselho de Ministros, o mais extenso de todo o regime da Monarquia
Constitucional, como se mostra no Quadro nº 7. Desde novo revelou qualidades
excepcionais para a actividade política, sobretudo desde que foi ministro da Fazenda e
das Obras Públicas, no início da Regeneração: capacidade de realização das suas ideias,
habilidade e cortesia nos debates parlamentares mais agrestes, capacidade de reunir
consensos e de atrair adversários, um agudo sentido do poder. Acedeu à chefia da sua
área política sem qualquer formalismo, como ele mesmo disse: «eu não sou chefe do
Partido Regenerador, nem por eleição, nem por nomeação de ninguém, nem por
aclamação. Dizem alguns que sou, mas eu não o sei»1290. Advogava a fusão dos partidos
para evitar as lutas fratricidas que afectaram as primeiras décadas do Liberalismo; nos
anos 70 teve engenho e sorte para conquistar a confiança do rei e consolidar-se no
poder, contrariando a rotação que o principal partido da oposição reclamava; abandonou
o discurso da fusão e adoptou deste uma variante, deixando crescer no seu partido uma
corrente radical para integrar todo o espaço liberal; o que lhe permitiu ufanar-se de
realizar reformas defendidas pela esquerda, não por convicção mas na dose estritamente
necessária para não perder a opinião pública. A convicção com que se dedicou às obras
públicas e se colocou em posição central para ser o autor das grandes reformas políticas
1288 A Revolução de Setembro, 12/3/1887 1289 Diário da Câmara dos Deputados, 27/4/1887, 246; Correio da Noite, 27/4/1887 1290 Diário da Câmara dos Pares, 24/3/1884, 250
257
faz dele um exemplo da «ilusão tecnocrática» que vê só uma única solução para os
problemas. Nos anos 80 rendeu-se enfim à rotação dos partidos, solicitado pelo rei a
fazer as reformas para esse efeito necessárias. O seu longo poder exasperara não só os
adversários mas também a geração nova do seu partido, que já não mostrava a mesma
«obediência» de outrora; por fim «já não tinha pulso com que pudesse dominar a
corrente dos novos»1291. A sua substituição iria revelar-se bem difícil – esse é um
problema geral das lideranças carismáticas1292.
Depois de Fontes morrer, o Partido Regenerador esperou alguns meses, por
causa das eleições, para tratar da sua sucessão. Só nos jornais adversários ou
independentes se encontram informações sobre tal processo.
Desde as primeiras reuniões do «estado-maior» regenerador, verificou-se ser
difícil chegar a um acordo. O nome de António Serpa, que primeiramente parecia ter
reunido algum consenso, estava agora «lançado às urtigas»; falava-se em outros nomes,
por exemplo, de Andrade Corvo e Martens Ferrão1293. Quem reunia? Algumas vezes
podem ter sido os 30 membros da «grande comissão eleitoral», mas as reuniões
decisivas terão sido confinadas aos que tinham sido ministros nos governos de Fontes.
A casa de Barbosa du Bocage era referida como local de algumas reuniões, onde terão
ocorrido «cenas vergonhosas»: Corvo era posto de lado, desciam os fundos de Serpa,
subiam os de Barjona, congraçavam-se Lopo e Hintze1294. Depois, Serpa recuperou e foi
«investido no mando supremo», graças aos apoios de Lopo e Hintze e às influências do
banqueiro Burnay a quem estava ligado como director político do Jornal do Comércio;
já se falava na repartição das pastas de um ministério futuro1295. No fim de Maio, Serpa
era dado como «novo chefe», mas a sua ligação a Burnay suscitava resistências, em
especial na esquerda do partido, pela qual Barjona era apresentado como alternativa1296.
Lopo Vaz, que no tempo de Fontes já se colocara na oposição a Barjona, era o principal
agente agregador de «elementos numerosos e preponderantes» a favor de Serpa; quando
este se demitiu de director político do jornal de Burnay, pareceu ter chegado o momento
da sua investidura no comando do partido. Mas ainda não foi eleito, em mais uma
reunião em casa de Bocage; o partido estava «a desfazer-se»1297.
1291 Bulhão Pato, Memórias, tomo II, 9-10 1292 Adriano Moreira, Ciência Política, Lisboa, Livraria Bertrand, 1979, 184 1293 Correio da Noite, 18/4/1887 1294 Correio da Noite, 26/4/1887 1295 Correio da Noite, 29/4 e 1/5/1887; Diário Popular, 22 e 30/4/1887 1296 Correio da Noite, 24/5/1887; Diário da Câmara dos Deputados, 25/5/1887, Fuschini, 816 1297 Correio da Noite, 7, 10, 14 e 19/6/1887
258
Só a 20 de Junho, num «conclave» de 12 «cardeais», foi feita a eleição
definitiva. Entre diversas versões da reunião pode dizer-se que a favor de Serpa
Pimentel votaram sete dos presentes, contra ele (a favor de Barjona) votaram três e dois
abstiveram-se; não compareceram sete ex-ministros de Fontes. Barjona, antes de sair
acolitado por dois apoiantes, protestou não aceitar a legalidade da regência, apelou para
a realização de uma assembleia-geral, perante a qual se reservava para fazer valer os
seus direitos e explicar a sua atitude, e ameaçou com a cisão do partido1298. O velho
jornal A Revolução de Setembro, que, durante tantos anos, sob a direcção de Rodrigues
Sampaio, veiculara as posições de Fontes, colocou-se ao lado de Barjona.
As instituições nada lucravam com a divisão interna dos partidos, disse José
Luciano: um dia, quando soasse a hora do Partido Progressista abandonar o poder, a
Coroa teria o Partido Regenerador «a quem entregar os selos do Estado»1299. Fuschini,
agora apoiante de Barjona, disse-se «escorraçado do partido». João Franco anunciou a
sua adesão ao chefe eleito, Serpa Pimentel. Mas outro «barjonáceo», Marçal Pacheco,
perguntou onde é que se fez o chefe do partido?, quem era ele?, dizendo que nada sabia
mas tinha o direito de ser ouvido. E Fuschini reclamou que a eleição do chefe devia ser
feita em assembleia-geral, o seu candidato era Barjona de Freitas, mas a bem da união
do partido aceitaria um directório; só não desejavam esta solução os que imaginavam
«herdar o poder pouco durável nas mãos de um chefe débil e inerte»1300.
No final de Julho foi divulgado um manifesto assinado por 157 apoiantes de
Serpa, entre deputados, pares do reino, governadores civis, etc1301. E o caso saltou para
o Parlamento. Fontes Ganhado, sobrinho do falecido chefe, declarou-se contra o
processo e a oportunidade da escolha do novo chefe. Marçal reafirmou o seu apoio a
Barjona, o homem que mais tempo estivera ao lado de Fontes nos últimos 22 anos, o
Partido Regenerador já morreu, agora só havia dois grupos, um à direita e outro à
esquerda. Não, «o Partido Regenerador não morreu», declarou Lopo Vaz, o partido
continuava com a sua «feição conservadora», «seria oportunista liberal e faria as
reformas que o progresso exigisse»; e reclamou que os apoiantes de Serpa detinham «a
maioria» do partido. Mas onde estava «a prova» de tal maioria?, tornou Marçal1302.
1298 Correio da Noite, 20 e 21/6/1887 1299 Correio da Noite, 15/7/1887 1300 Diário da Câmara dos Deputados, 23/7/1887, 2034-2043 1301 Correio da Noite, 31/7 e 1/8/1887 1302 Diário da Câmara dos Deputados, 1/8/1887, 2241-2248; Marques Gomes, História de Portugal (Manuel Pinheiro Chagas), 568
259
Na Câmara dos Pares, no mesmo dia, Barjona disse que só pelos jornais tivera
conhecimento do manifesto, que na «reunião dos cardeais» pedira a convocação de todo
o partido numa reunião pública, para ser por todos seguida a decisão da maioria, que
esse teria sido o único caminho a seguir para evitar uma cisão; mas, tendo prevalecido a
opinião de nomear desde já um chefe apenas aclamado por alguns membros, não lhe
contestassem o direito de «continuar as tradições liberais do partido», sugerindo a
intenção de criar um novo grupo (que veio a ser a «Esquerda Dinástica»). Tomás
Ribeiro, após lembrar Fontes a dizer, nos seus últimos momentos, «Parece-me que ainda
faço falta», confessou não saber onde estava o partido, pois no manifesto estava apenas
«uma fracção». «Deixar morrer o partido? Nunca!», disse Hintze rejeitando a ideia de
Barjona de levar ao túmulo de Fontes a «certidão de óbito»; queria um Partido
Regenerador, organizado, com um chefe, «para operar a rotação constitucional»; sobre a
reunião pública de todo o partido reclamada por Barjona, como o Partido Progressista
fizera em situação idêntica, Hintze achou-a «impraticável» para um partido «espalhado
por todo o país» e também desnecessária porque no manifesto estavam reunidos aqueles
que «pela sua representação política no partido poderiam traduzir o voto, o sentimento e
a maneira de pensar» dos correligionários1303.
Logo depois, no Congresso Republicano», foi abordada a ideia de uma coligação
com os «barjonáceos» da «Esquerda Dinástica», por proposta de Jacinto Nunes apoiada
por Elias Garcia e outros, rejeitada pela estreita margem de 25-20 votos, significando
uma vitória de Manuel de Arriaga; mas a perturbação terá sido tal que no congresso não
se reelegeu o directório1304. Tanto Jacinto Nunes como o jornal O Século desmentiram
ou rectificaram esta notícia, mas o jornal progressista insistiu que as rectificações não
destruíam o fundo de verdade nem a substância da informação, que o Partido
Republicano atravessava uma «crise gravíssima», e estava «condenado a transformar-se
ou a desaparecer». Um artigo de Latino Coelho n’A Revolução de Setembro apontava
também para a colaboração entre sectores republicanos e monárquicos: «Preferimos
caminhar com a monarquia, se ela se mover para o progresso, a ter de estacionar na
contemplação estéril de um futuro remoto. […] Admitamos a monarquia, mas queremo-
la progressiva e civilizadora. É com esta condição essencial que nós derrogamos
aparentemente as nossas crenças populares»1305.
1303 Diário da Câmara dos Pares, 1/8/1887, 775-782 1304 Correio da Noite, 2, 3 e 4/8/1887 1305 Correio da Noite, 22/8/1887
260
Marçal Pacheco lembrou as eleições de 1874, quando Barjona de Freitas,
professor da Universidade de Coimbra, promoveu a entrada de jovens críticos do
sistema, Júlio de Vilhena, Manuel da Assunção, Lopo Vaz, o próprio Marçal, como
«sangue novo no velho Partido Regenerador». Assim começara a formar-se uma
corrente de esquerda dentro do partido, o que se encaixava na estratégia de Fontes de
atrair jovens radicais que dessem ao seu partido uma dimensão alargada a toda a
«família liberal»; o próprio Barjona era disso exemplo, depois de ter entrado no
«Governo da Fusão» em representação do Partido Histórico. Mas a formação dessa
corrente de esquerda no partido gerou reacções internas hostis, especialmente em 1878,
contra o registo civil (que impediram) e contra a aliança feita com os Republicanos em
várias eleições em Lisboa. Tal aliança serviu para fomentar a agitação nas ruas de
Lisboa no sentido de derrubar o Governo progressista em 1881. E nas eleições desse
ano, Barjona foi ao ponto de tentar o «extermínio» do seu partido de origem, para que a
rotação no poder passasse a fazer-se dentro do mesmo Partido Regenerador. Só que
perante o avanço do Partido Republicano verificado nessas eleições, teve de recuar na
ligação com este partido, passando a ligar-se ao grupo constituinte com o mesmo fim de
disputar aos Progressistas o espaço da esquerda. O acordo entre os Regeneradores e os
Progressistas, que levou à lei eleitoral de 1884, colocou-o na margem.
Agora, com a morte de Fontes, que em parte o protegia nesses esforços
equívocos, Barjona ficou como um peixe fora da água. O resultado lógico da contenda
para a sucessão de Fontes só podia ser o que foi: a vitória da corrente que se identificava
com o espaço da direita que era natural no partido. Perguntava Marçal: dos dois grupos
em que se dividira o Partido Regenerador, «um à direita e outros à esquerda», «quais os
ortodoxos e quais os heterodoxos?»1306 Qual era a dúvida? Os «heterodoxos» eram os
do grupo de Barjona de Freitas. O qual, ou se submetia à maioria ou criava um partido
novo, «à esquerda», que, mesmo reforçado com elementos republicanos, como tentou,
dificilmente poderia competir com o Partido Progressista que já dominava o mesmo
espaço. E tendo falhado, na primeira ocasião regressou à casa regeneradora.
Mas a solução encontrada pelos Regeneradores não era estável. A chefia «débil e
inerte» de Serpa era apenas transitória, sob a qual vários «cardeais» continuavam a
gladiar-se, formando pequenos grupos ou «patrulhas». Era a eles que se dirigia um
artigo do jornal progressista, «Partidos e patrulhas»: «os partidos a valer», «não se
1306 Diário da Câmara dos Deputados, 1/8/1887, 2245-2247
261
inventam nem se fabricam por subscrição nem por votações parciais», também Ávila e
Dias «tiveram a veleidade de formar partido e nenhum deles logrou realizar esse
desejo», «O país está farto de intrigas e patrulhas mais ou menos numerosas, mais ou
menos artificiais»; e «o que deseja, para garantia da ordem e das instituições, é que ao
lado do Partido Progressista se organize outro em condições de seriedade, capaz de gerir
em proveito os negócios públicos e garantido pelo aplauso da opinião»1307.
A primeira intervenção de Serpa Pimentel como chefe do Partido Regenerador
deu-se no debate sobre o «bill de indemnidade» que o Governo Progressista apresentara
para regularizar a sua «ditadura» de 1886-1887. O bill abrangia não apenas o código
administrativo mas 22 decretos ditatoriais envolvendo questões de administração
judiciária, instrução secundária, organização dos ministérios da Fazenda e das Obras
Públicas, engenharia, aposentações, abolição do imposto do sal, etc. O debate já passara
na Câmara dos Deputados, assumindo um carácter técnico, de análise comparativa do
código administrativo de 1886 com o código de 1878: Júlio de Vilhena defendeu o
código de 1878, de que ele fora o relator, criticou o novo código por cercear as regalias
populares e rejeitou a justificação da excessiva autonomia tributária dos órgãos de poder
local. José Luciano enalteceu-se por ter posto fim à anarquia financeira e por submeter à
tutela do poder central certas atribuições do poder local que envolviam matéria de
administração do Estado. Foi corroborado por António Cândido, relator do bill, que
justificou a ditadura pela «necessidade de viver» do Governo face à Câmara dos Pares,
elogiando como um «grande serviço prestado ao país» as restrições postas às faculdades
tributárias das corporações locais, que o próprio Fontes achara necessárias. A votação
não deixou margem para dúvidas, dando uma aprovação de 78-23 votos1308.
Quando o debate do bill chegou à Câmara dos Pares, Serpa fez um discurso
intelectual, elogioso do sistema representativo parlamentar; criticou os 22 decretos
ditatoriais, mas até reconheceu a «boa fé» do presidente do Conselho sobre a
necessidade da reforma administrativa, pois sem ela o Governo estava «necessariamente
enfeudado a um partido»; isso não desculpava as outras medidas ditatoriais: será que
também eram necessárias à rotação dos partidos no poder? Como ainda elogiou o
presidente do Conselho por ter estabelecido o princípio do concurso na atribuição do
exclusivo do tabaco, Serpa deu uma imagem mais cordata do que a agressividade
adoptada depois pelos Regeneradores. José Luciano justificou o recurso à ditadura para
1307 Correio da Noite, 30/8/1887 1308 Diário da Câmara dos Deputados, 11, 12, 15 e 16/7/1887, 1684-1702, 1703-1714, 2012-2018, 1810
262
se defender da «agressão» preparada pelos Regeneradores na Câmara dos Pares, pois
não queria arriscar-se a repetir o falhanço do Governo de 1879-1881; assumiu que
incorrera em contradição com os seus discursos antigos, mas não tinha mais obrigação
de respeitar a legalidade do que os seus adversários que igualmente tinham praticado
«ditaduras». Segundo Hintze Ribeiro, os Regeneradores tinham cometido apenas
«pecados veniais», em comparação com a ditadura progressista. No fim, a proposta do
Governo foi aprovada sem se recorrer à votação nominal1309.
Eis como, após a morte de Fontes, mais dois altos dirigentes regeneradores,
Hintze e Serpa, estando na oposição, reconheceram o princípio da rotação dos partidos.
8.4 – Governo progressista sob intenso combate político (1888-1889)
O período de 1888-1889 caracterizou-se por forte conflitualidade política, que o
Governo progressista aproveitou, no início de 1899, para justificar a dissolução da
Câmara dos Deputados e eleições antecipadas.
Em todo este tempo o rei encontrou-se gravemente doente, vindo a falecer nos
finais de 1889. Já na abertura da sessão parlamentar de 1888, não foi ele que leu o
discurso da coroa, substituído nessa tarefa pelo próprio presidente do Conselho. Era um
discurso cheio de intenções reformadoras, respirando optimismo com base na
«prosperidade» em que vivia o país1310, conforme ilustrado nos gráficos nºs 1 e 2
relativos à cotação dos fundos portugueses e ao crescimento do PIB.
No entanto, em parte do país, havia forte agitação, com motins no Porto e em
outras terras do Norte contra a nova forma de cobrança da contribuição industrial por
meio de licenças e um tumulto em Pombal, com dois mortos, contra o «inquérito
agrícola»1311. A agitação contagiou a Câmara dos Deputados: a custo o presidente impôs
o formalismo inicial da eleição da «lista quíntupla» a submeter ao rei para dirigir a
câmara, tal a pressão de vários pedidos da palavra para «negócio urgente»1312. Na
mesma sessão, o ministro da Fazenda apresentou uma proposta com alterações ao
contestado processo de cobrança da contribuição industrial. João Franco declarou-se
«triunfante», a ver o ministro a «rasgar os seus regulamentos fiscais», a recuar perante
os «numerosos meetings» feitos contra tal medida; e não escondeu ser essa a melhor
1309 Diário da Câmara dos Pares, 11 e 12/8/1887, 922-934, 942-947 1310 Correio da Noite, 2/1/1888 1311 Correio da Noite, 5/1/1888 1312 Diário da Câmara dos Deputados, 7/1/1888, 10
263
ocasião de ataque, na abertura do Parlamento, quando a agitação mais podia «incomodar
o Governo». João Arroio abriu outra frente de ataque a propósito da adjudicação das
obras no porto de Lisboa sobre a qual corriam boatos de imoralidades. O ministro das
Obras Públicas disponibilizou-se para uma comissão de inquérito, logo aprovada.
O jornal ministerial denunciou que os motins do Porto e o de Pombal foram
provocados por «agentes regeneradores», que criticavam as licenças como «ladroeira do
Governo» e o inquérito agrícola como «base para novos impostos»1313. O novo jornal
regenerador Gazeta de Portugal, associado à direcção de Serpa Pimentel, chamou
«calúnia» ao que o novo jornal progressista Dia dissera de que a agitação no Porto fora
«encomendada e paga pelo Partido Regenerador»1314.
Também na Câmara dos Pares, os Regeneradores, sobretudo Vaz Preto e Hintze
Ribeiro, estavam apostados no ataque ao Governo, pelos motivos referidos e também
por graves tumultos ocorridos na Madeira, causados por impostos das juntas de
paróquia, num contexto de grave crise agrícola que deixou os madeirenses em
condições económicas, de pobreza e falta de trabalho – piores do que no país em geral,
como reconheceu o presidente do Conselho1315. Segundo o progressista Francisco
Albuquerque, eram os Regeneradores que alimentavam a agitação no país: «Foi palavra
de ordem para todo o país que era necessária a desordem. Aproveitou-se a conjuntura:
parecia a ocasião oportuna para uma Janeirinha. É necessário que haja lá fora a revolta e
seja alimentada no Parlamento». Hintze desdenhou o Partido Progressista que, em 1881,
estivera «prestes a naufragar», reduzido a uma «minoria insignificante e com dissensões
profundas»; então Fontes e os amigos é que o tinham auxiliado, quando «bastaria um
pequeno esforço» para o «aniquilar»; o que «robusteceu» o Partido Progressista foi o
acordo de 1884 e a lei eleitoral com representação das minorias. Não era a primeira vez
que tal se ouvia dos Regeneradores, como se a eles se devesse a existência do Partido
Progressista, como se a presença dos Progressistas no poder fosse um favor de Fontes.
Na réplica o marquês de Rio Maior lembrou as críticas de Serpa Pimentel ao anterior
Governo Regenerador, no Jornal do Comércio, em especial a Hintze. Serpa,
incomodado, interrompeu-o várias vezes e, na sessão seguinte, fez uma intervenção
muito explicativa das suas participações nos governos de Fontes, da crise financeira de
1876, das suas análises às medidas fiscais do Governo. Rio Maior leu mais artigos dele,
1313 Correio da Noite, 5/1/1888 1314 Gazeta de Portugal, 6/1/1888 1315 Diário da Câmara dos Pares, 13/1/1888, 43-44
264
com os quais Hintze «sofreu muito». Hintze negou que lhe doessem tais críticas e
concluiu que «o melhor serviço» que o Governo podia fazer ao país e às instituições era
«retirar-se quanto antes do poder»1316.
Na Câmara dos Deputados, o chefe da minoria regeneradora, Lopo Vaz, pediu
ao presidente do Governo que mantivesse a ordem num comício programado para
Braga. E tendo José Luciano prometido dar instruções às autoridades locais para
garantir a ordem, Arroio lamentou a «ingenuidade» dos colegas que acreditavam nas
promessas do Governo. Nesta sessão o grande motivo de debate foi a apreensão de
jornais ordenada pelo governador civil de Braga. O progressista Frederico Laranjo leu
injúrias aos ministros no jornal apreendido, Cruz e Espada, «Aqui del-rei, ladrões», e
acusou o Partido Regenerador de ser «cá dentro» mantenedor da ordem e «lá fora»
instigador de tumultos. Intimado a provar a acusação ou a retirá-la, justificou-se com os
jornais regeneradores que propagavam notícias falsas sobre as propostas do Governo ou
exageravam tumultos em certas terras para incitar as outras, por exemplo o Gazeta de
Portugal, que todos os dias gritava: «Avante com a agitação!»1317.
Será pelo Gazeta de Portugal que, nestes últimos anos da tese, serão observadas
as posições oficiais do Partido Regenerador. Este jornal fazia um acompanhamento
crítico das questões económico-financeiras, centrado no ministro da Fazenda, Mariano
de Carvalho, em geral poupando o presidente do Conselho. Sobre a questão dos tabacos,
que depois da primeira fase em que o exclusivo seria atribuído a um grupo privado, já
passara por outra fase em que o exclusivo seria atribuído a um «grémio» de fabricantes,
agora, por vontade do presidente do Conselho, que «não era cúmplice em todo aquele
plano» do ministro da Fazenda, a ideia era colocar o exclusivo por conta do Estado, pelo
sistema da régie1318. O jornal não se cansava de denunciar a falta de unidade, até as
«incompatibilidades morais», que havia dentro do Governo, porque o presidente do
Conselho «congregou no ministério alguns elementos que lhe eram moralmente
repugnantes», por «medo de que não entrando lhe movessem guerra»1319.
Na Câmara dos Deputados, os incidentes repetiam-se, as interrupções, os
melindres, os pedidos da palavra para «negócio urgente», as propostas de adiamento, ou
de votações nominais, as questões prévias, as interpelações, e exigia-se a presença do
presidente do Conselho em quase todas as sessões obrigando-se a parar enquanto ele
1316 Diário da Câmara dos Pares, 16, 17 e 21/1/1888, 48-54, 55-60 e 70-78 1317 Diário da Câmara dos Deputados, 23/1/1888, 218-225 1318 Gazeta de Portugal, 1/2/1888 1319 Gazeta de Portugal, 16/12/1887
265
não chegasse. Em contrapartida, para fazer avançar os trabalhos, a maioria julgava
suficientemente discutida uma questão, ou prorrogava a sessão desse dia até se votar, ou
requeria uma urgência, etc. A proposta do Governo de alterações à cobrança da
contribuição industrial só foi aprovada na generalidade no fim de Janeiro, por 81-28
votos1320, e ainda continuou a ser debatida na especialidade. Boa parte do mês de
Fevereiro foi ocupado com o Código Comercial e então houve como que uma trégua,
decerto em atenção à importância e consensualidade do tema.
Mas quando se tratou de apreciar as emendas acordadas na comissão de Fazenda
à contribuição industrial, o relator pediu urgência; Lopo Vaz alegou desconhecer o
parecer e a sessão foi suspensa por uma hora para se analisar o parecer; quando se
prorrogou a sessão até se votar, foram tais os protestos que outra vez foi suspensa e até
encerrada por continuarem os protestos. E só com mais duas sessões é que a
contribuição industrial foi enfim aprovada, por 75-29 votos1321.
O jornal progressista reagiu indignado contra os «desvairados», os «serpáceos»
que tinham quebrado carteiras e bancadas; mas distinguiu os «amigos» de Barjona, que
se tinham mostrado «correctos»; «Onde pretenderá o grupo regenerador chegar com
esses desmandos pueris e inúteis?»1322. O jornal regenerador respondeu que «a
minúscula representação barjonácea» acompanhara os Regeneradores e os Republicanos
«na afirmação dos direitos da oposição»; dias depois, acrescentou que se tratara de uma
«manifestação de força por parte do Governo», por insistência do ministro da Fazenda,
«apesar dos conselhos prudentes dos seus colegas»1323.
Barjona e o seu grupo faziam uma oposição mais cordata; Barjona até elogiara o
Governo pela rápida aceitação da comissão de inquérito à adjudicação das obras no
porto de Lisboa e apelara a que se acabasse com «o sistema de difamar tudo e
todos»1324; aceitava todos os meios de oposição, discursos parlamentares, artigos na
imprensa e petições, mas lamentava a difamação e a desordem pública e garantiu que a
sua atitude e do seu grupo era de acalmar os tumultos populares; mas não deixou de
criticar o Governo tanto por apreender jornais como por fazer cedências, por exemplo,
suspendendo o inquérito agrícola. O presidente do Conselho elogiou aquela maneira
«elevada» e «serena» de fazer oposição, que contrastava com as «demasias de
1320 Diário da Câmara dos Deputados, 31/1/1888, 275 1321 Diário da Câmara dos Deputados, 25 e 28/2/1888, 596-599, 626 1322 Correio da Noite, 26/2/1888 1323 Gazeta de Portugal, 28/2 e 2/3/1888 1324 Diário da Câmara dos Pares, 9/1/1888, 16
266
linguagem» com que Hintze na sessão anterior criticara os «adicionais» aos impostos,
talvez para «acentuar a sua supremacia» no seu partido, julgando-se «representante dos
agravos populares». Hintze lembrou uma frase de José Luciano contra Fontes, dos seus
primeiros tempos de deputado («um de nós há-de sair daqui desonrado») e apelos à
revolta contra o Governo Sampaio, em 1881. José Luciano declarou-se «arrependido»
da primeira frase, mas honrou-se dos apelos contra a ditadura de Sampaio1325.
O debate de resposta ao «discurso da coroa» só decorreu em Março, quando o
normal é que fosse em Janeiro. Todos os oradores da oposição pediram a queda do
Governo, argumentando com a agitação do país, os adicionais, a questão agrícola, a da
fazenda, etc1326. Em «romaria ao Paço», os Regeneradores insistiram na queda do
Governo, enquanto se realizavam missas pelo restabelecimento do rei1327. Dois
comícios foram feitos no mesmo dia, no Porto, um a favor e outro contra o Governo1328.
Sobre um comício regenerador proibido em Braga, o presidente do Conselho
justificou-se com «conveniências de ordem pública e exigências policiais». Mas Hintze
não aceitou e exigiu «menos ardis e mais leis, menos supterfúgios e mais respeito para
com a vontade popular». Respondeu-lhe o presidente do Conselho que o problema da
oposição era não ter por si a opinião pública, como se vira na eleição suplementar de
Lisboa em que triunfaram os amigos do Governo, apesar do apoio que alguns
cavalheiros da oposição deram à lista republicana. «Prove! Retire a frase! É falso!»,
reagiram os Regeneradores, de tal modo que a sessão teve de ser interrompida por meia
hora. José Luciano repetiu o que dissera, que não significava um patrocínio do Partido
Regenerador à lista republicana. Barjona desvalorizou a questão de alguém monárquico
votar ocasionalmente num candidato republicano, todos os partidos sem excepção se
tinham coligado com Republicanos ou com Legitimistas. Hintze avisou o presidente do
Conselho que não era bom abusar tanto, não provocar, porque então podia ser
necessário recorrer a outros meios que não os legais1329. Seria a Barjona, «que pelos
modos é todo dos republicanos», que o presidente do Conselho se referia quando disse
que a oposição apoiara os Republicanos nas últimas eleições em Lisboa1330.
Estava-se no debate da sensível questão dos tabacos, sobre a última solução a
que se chegara, a do exclusivo do fabrico de tabaco, no Continente, por conta do Estado
1325 Diário da Câmara dos Pares, 7, 8 e 9/2/1888, 178-182, 185-194, 201-203 1326 Correio da Noite, 14/3/1888 1327 Correio da Noite, 18/3/1888 e números seguintes 1328 Correio da Noite, 10, 11, 13/3/1888; Gazeta de Portugal, 13/3/1888 1329 Diário da Câmara dos Pares, 14/3/1888, 396-404 1330 Gazeta de Portugal, 15/3/1888
267
(régie). O jornal regenerador manifestou-se a favor da «completa liberdade de fabrico»
e contra a régie: «O que dará a régie dos tabacos ninguém o sabe. Todos os cálculos são
completamente falíveis. Mas o que quase todos pensam, embora o não digam, é que o
Estado não tirará os lucros que tinha calculado que lhe daria o monopólio, arrematado a
qualquer companhia particular. Esses lucros ao menos eram certos»; e o jornal previu
que a administração por conta do Estado seria «um desastre financeiro», a começar pela
indemnização de 7.200 contos aos antigos fabricantes1331.
Entretanto, o rei melhorara e em acção de graças foi celebrado um Te Deum. O
rei Óscar II, da Suécia, seu amigo, estava em Lisboa a visitá-lo. Os deputados
interromperam um debate sobre as obras do porto de Lisboa para que uma deputação
fosse ao Paço cumprimentar o ilustre visitante1332. Depois voltou-se à agitação.
Arroio não se conformava em que lhe fosse recusada a palavra, a propósito de
um projecto relativo à readmissão de praças da armada; a sessão foi suspensa por meia
hora e como, depois de reaberta, Arroio insistisse nos protestos, foi encerrada. «Gente
estouvada tomou a dianteira do Partido Regenerador», censurou o jornal ministerial,
«Um partido sem chefe, ou com um chefe apenas titular, é um partido que se mata»1333.
No outro dia, por causa da acta sobre o que se passara, repetiu-se a agitação ao ponto de
se quebrarem carteiras. O jornal regenerador criticou a «exibição da mais absurda das
intransigências, pelo mais faccioso de todos os presidentes»1334.
Três dias seguidos sem trabalhos. Na reunião da maioria, convocada «para
concertar nos meios a adoptar», o presidente do Conselho disse que «os acontecimentos
somente prejudicavam quem os promoveu»1335. Mas chamou a conduzir os trabalhos
dos deputados o respectivo presidente, em vez do vice-presidente com que se dera o
conflito. Lopo Vaz fez um discurso conciliador, admitiu o «exagero» da minoria na
reacção aos erros da maioria, em particular do vice-presidente, e fez uma proposta de
repetir algumas votações contestadas, que a maioria aceitou. O vice-presidente pediu a
renúncia ao lugar de deputado, o que os outros deputados, da maioria e da oposição,
recusaram «por aclamação»1336. Também Arroio pediu a sua demissão do partido, mas
Serpa propôs uma comissão para convencê-lo a revogar essa decisão1337.
1331 Gazeta de Portugal, 8 e 10/4/1888 1332 Correio da Noite, 11 e 13/5/1888; Diário da Câmara dos Deputados, 14/5/1888, 1576-1577 1333 Diário da Câmara dos Deputados, 15/5/1888, 1591-1594; Correio da Noite, 15/5/1888 1334 Gazeta de Portugal, 17/5/1888 1335 Correio da Noite, 18/5/1888 1336 Diário da Câmara dos Deputados, 18/5/1888, 1606-1608 1337 Gazeta de Portugal, 22/5/1888
268
Era notória a diferença de atitudes entre Lopo Vaz, mais moderado, e Hintze
Ribeiro, mais agressivo; eram eles os chefes das principais correntes regeneradoras1338.
Mas havia outras, por exemplo, o grupo «Porto Franco», formado alguns meses antes
por Vaz Preto e Tomás Ribeiro, e um novo, organizado em torno do Jornal da Noite,
cuja figura de maior destaque era Andrade Corvo1339. Isto, sem falar dos mais
conservadores, que tentaram formar um partido próprio em torno de Casal Ribeiro; nem
de alguns mais republicanos, como Fuschini e Bernardino Machado, que em anos
seguintes se iriam afastar; nem da Esquerda Dinástica, que já se autonomizara, sob a
chefia de Barjona de Freitas, com algumas aproximações aos Republicanos. Uma tal
fragmentação não terá sido causada pela estratégia polivalente de Fontes?
Também no Partido Progressista havia divisões, evidentes desde mais tempo.
Agora no Governo de José Luciano sabia-se das diferenças entre o chefe do Governo
(ao lado do qual alinhava a maioria dos ministros) e os ministros Mariano e Navarro.
Em grande medida por causa destes ministros gerou-se o descontentamento de alguns
deputados, como Oliveira Martins, António Cândido, António Enes e Carlos Lobo de
Ávila. Os dois últimos fundaram jornais próprios, Dia e Tempo, no final de 1888 e
início de 1889, respectivamente. Todos se foram distanciando até saírem do partido, só
Cândido haveria de regressar a meados dos anos 90. Apesar disso, no período 1888-
1889, a maioria progressista comportou-se em geral de maneira disciplinada, face aos
desafios constantes que foram colocados pela minoria regeneradora.
A sessão anual já ia adiantada, mas havia ainda muito a trabalho a fazer. Era
preciso realizar sessões nocturnas, mas consumiram-se três sessões a discutir o parecer
da comissão do Regimento que habilitava o presidente a designar os dias em que
deviam ser feitas, incluindo uma sessão encerrada após um tumulto de deputados1340.
«Sessões nocturnas! Para quê?», «é querer que nada seja estudado, nada possa ser
discutido seriamente, proveitosamente», criticou o jornal regenerador1341.
Já em Junho, como Arroio se queixasse da grande quantidade de propostas de lei
que chegavam à câmara, o presidente do Conselho esclareceu que nem todas eram para
discussão imediata, não queria votações de surpresa; e, visto o adiantado da sessão,
sugeriu à oposição um «acordo, bem público», para se discutirem os projectos que o
Governo julgava indispensáveis para governar e as oposições não tivessem dificuldade
1338 Correio da Noite, 19/5/1888 1339 Correio da Noite, 21/2/1888; Diário Popular, 5/6/1888 1340 Diário da Câmara dos Deputados, 26, 28 e 29/5/1888, 1752-1761, 1763-1771 e 1776-1780 1341 Gazeta de Portugal, 27/5/1888
269
em votar1342. Combinou-se votar o orçamento rectificado, a lei de meios, uma lei de
expropriação de certas zonas de Lisboa, uma lei de fundos para a instrução primária,
uma lei de direitos sobre os cereais, etc1343. Descontente por não ver integrada neste
conjunto a sua proposta de reforma judiciária, o ministro da Justiça, Veiga Beirão, não
compareceu na reunião da maioria para balanço do ano parlamentar1344.
O acordo foi interpretado de modo diferente pelos vários actores políticos: para
os Progressistas foi «uma derradeira tentativa de paz e conciliação», em resultado do
«apelo ao patriotismo de todos os grupos partidários», feito pelo presidente do
Conselho1345; para Lopo Vaz, foi «uma grande vitória da oposição que obrigou o
Governo a sacrificar as suas propostas mais importantes»; o que José Luciano logo
desmentiu pois o Governo «apenas as adiou para ocasião mais oportuna»; para Dias foi
sinal da «decadência» do sistema parlamentar; o que José Luciano igualmente
desmentiu dando exemplos de acordos em outros parlamentos europeus1346.
Foi «longa mas não improfícua» a sessão parlamentar, concluiu o jornal
progressista, destacando o código comercial, a régie do tabaco, o regime penitenciário, a
cobrança da contribuição industrial, o fundo para o ensino primário, as pautas de
direitos para os cereais e o ensino secundário para o sexo feminino1347. Mas o jornal
regenerador só deu valor ao código comercial: «veio preencher uma lacuna importante
da nossa legislação, que em matéria comercial se regulava pelo código antiquadíssimo
de Ferreira Borges e por leis especiais deficientes e por vezes contraditórias»1348.
Do diálogo travado entre os jornais Repórter e Gazeta de Portugal, resultou
outra explicação, algo maquiavélica, do acordo feito entre a maioria e a oposição para
os últimos trabalhos da sessão parlamentar: é que tenha sido proposto, ou pelo menos
aproveitado, pelo presidente do Conselho «para pôr fora do combate» alguns projectos
mais polémicos dos seus colegas, em especial o arrendamento do caminho-de-ferro do
Sul e Sueste e do porto de Leixões1349. Precisamente eram projectos de cujas receitas o
ministro da Fazenda dizia não poder prescindir, dada a situação «insustentável» da
dívida flutuante, de tal modo que, perante as «dificuldades parlamentares», colocava a
1342 Diário da Câmara dos Deputados, 6/6/1888, 1888-1890 1343 Diário da Câmara dos Deputados, 18/6/1888, 2078 1344 Reunião em 13/07/1888, em Paulo Jorge Fernandes, Mariano, 295 1345 Correio da Noite, 10 e 14/6/1888 1346 Diário da Câmara dos Deputados, 18/6/1888, 2080-2084; Gazeta de Portugal, 19/6/1888 1347 Correio da Noite, 17/6/1888 1348 Gazeta de Portugal, 14/7/1888 1349 Gazeta de Portugal, 17, 20, 22 e 25/7/1888
270
hipótese da sua demissão1350. Terá começado aqui o processo da demissão que veio a
confirmar-se no ano seguinte.
A elevação dos direitos de importação dos cereais foi uma das propostas
aprovadas no âmbito do acordo com a oposição. Era a grande reclamação do Congresso
Agrícola, que se realizara em Fevereiro, no sentido de compensar os lavradores da baixa
de preços sentida desde o início da década e que se atribuía à liberdade de comércio
adoptada desde os anos 50, embora os direitos então vigentes já estivessem entre os
mais proteccionistas da Europa1351. Era mais um exemplo da nova «escola»
proteccionista que se distinguia da «escola» livrecambista que antes vigorara.
Por coincidência, a exportação do vinho, que conhecera máximos em 1885 e
1886, sofreu uma redução drástica quando o principal mercado, a França, recuperou as
suas vinhas afectadas pela filoxera e preferiu outros fornecedores, assim se perdendo
uma alternativa à baixa competitividade dos cereais portugueses. Mas, sendo o vinho o
principal produto da exportação portuguesa, essa quebra contribuiu, entre outros
factores, para o fim do ciclo de prosperidade que caracterizou os anos 80 e para o novo
ciclo de depressão e bancarrota na década seguinte (ver Gráfico nº 2).
Outro exemplo da nova «escola», este inspirado na crise de exportações do
vinho, consistiu no contrato celebrado, em 5/12/1888, entre o Governo e comerciantes e
lavradores da região do Douro, no sentido da criação da Real Companhia Vinícola do
Norte. Para o sector do vinho da região Centro foi celebrado um contrato idêntico, sem
ter, nem de longe, o mesmo impacto que o do «vinho do Porto». É que logo a poderosa
Associação Comercial do Porto se reuniu para manifestar o seu «desgosto profundo»
contra «as concessões» que se pretendiam fazer à projectada companhia vinícola, da
iniciativa do ministro das Obras Públicas. O sempre conciliador chefe do Governo
esclareceu que só às Cortes competia aprovar ou rejeitar o projecto e, no desejo de
conhecer as razões em que se fundava a associação para afirmar que o contrato afectava
«os mais vitais interesses do país», promoveu uma «conferência» consigo mesmo, o
ministro e uma comissão dos comerciantes de vinhos1352. Segundo o jornal progressista,
os comerciantes não conheciam os termos do contrato; mas, segundo o jornal
1350 Carta a José Luciano, de 1/6/1888, em Fernando Moreira, José Luciano de Castro. Correspondência Política, 259 1351 Correio da Noite, 25/2/1888 1352 Correio da Noite, 15 e 18/12/1888
271
regenerador, o Governo assinara o contrato «sem conhecer e apreciar a significação e a
importância de algumas das suas disposições»1353.
No início de 1889, repetia-se a agitação no mundo dos negócios do Norte,
concertada com a agitação no Parlamento, como um ano antes: outra vez o «discurso da
coroa» a respirar optimismo pelo êxito do empréstimo destinado a financiar a compra
das fábricas de tabaco; e outra vez a oposição regeneradora a prometer «guerra a todos
os escândalos do Governo, que são quase todos os seus actos, mas guerra constante e
sem transigências nem acordos»1354. O tom da agressividade era dado pelo Jornal do
Comércio, do banqueiro Burnay: «Há-de proceder como se procede contra os
salteadores em pleno monte. Há-de batê-los em cada pinhal, em cada covil, fuzilando
depois cada um dos facínoras na praça pública»1355.
Logo o primeiro acto do ano parlamentar, a eleição do presidente e do vice-
presidente, foi posto em causa, obrigando ao encerramento da sessão; a maioria aceitou
repetir a eleição, mas novo «sussurro» obrigou a novo encerramento1356. «Maus
princípios», «três dias consumidos em parola e laracha» escreveu o jornal ministerial,
denunciando o propósito de «perder tempo a fazer obstrucionismo»1357. As grandes
frentes de batalha prometiam ser o contrato da Companhia Vinícola do Norte e um
decreto do ministro da Fazenda que obrigava à selagem dos produtos (em especial,
tecidos), na alfândega, para efeitos de controle do contrabando.
Sobre a Companhia Vinícola do Norte, o ministro recebeu o apoio do II
Congresso Agrícola então realizado em Lisboa (10/1/1889). Mas isto pouco atenuava a
oposição radical da Associação Comercial do Porto, que impôs a revogação completa
quer do contrato relativo à Companhia Vinícola quer do decreto da selagem dos tecidos,
sem admitir discussões nem transacções, ao mesmo tempo que promovia a paralização
do comércio da cidade1358. O rei recebeu comissões representativas de interesses
opostos: primeiro, uma «comissão do Porto»; depois, uma comissão de lavradores do
Douro1359. Interpelado no Parlamento por Lopo Vaz, o presidente do Conselho declarou
não aceitar as reclamações do comércio do Porto pelo modo como foram formuladas,
1353 Gazeta de Portugal, 29/12/1888 1354 Gazeta de Portugal, 3/1/1889 1355 Correio da Noite, 2/1/1889; Jornal do Comércio, citado em Correio da Noite, 2/1/1889 1356 Diário da Câmara dos Deputados, 4 e 5/1/1889, 4-5 e 7-12 1357 Correio da Noite, 6/1/1889 1358 Correio da Noite, 20/1/1889 1359 Correio da Noite, 21/1 e 13/2/1889
272
pondo em causa a autoridade do Estado1360. No Porto, os ânimos acalmaram após a
Câmara Municipal se recusar a acompanhar aquele movimento iniciado «com uma
exageração perigosa para a ordem»1361.
Todavia, entre os deputados, passaram a registar-se, em quase todas as sessões
até ao fim do mês, «sussurros» ou «tumultos», com as galerias cheias. Quando um
deputado progressista requereu que se julgasse discutida a questão da selagem, donde
normalmente se seguiria uma votação impondo o fim do debate, alguns regeneradores
puseram-se a falar sobre «o modo de propor»; e desde que outro progressista requereu a
prorrogação da sessão até findar o debate, mais regeneradores se juntaram a falar sobre
«o modo de propor», nisto se gastando quatro sessões1362. O jornal ministerial criticou a
mesa e a maioria por permitirem «essa liberdade», pois «todas as contemplações»
deviam ter um limite; e registou como essa «discussão bizantina sobre o modo de
propor à votação um simples requerimento», decorria ao mesmo tempo que a «greve
dos catraieiros do Douro», que recusavam a carga e descarga das barcaças,
«influenciados pelos opulentos negociantes de vinhos»1363.
Na Câmara dos Pares, enquanto os Progressistas queriam pôr fim ao debate da
selagem prorrogando a sessão, os Regeneradores, comandados por Hintze, queriam
prossegui-lo na sessão seguinte e, não sendo atendidos, abandonaram a sala1364. Era
Hintze «o inspirador» daquela «campanha» regeneradora, dizia o jornal ministerial1365.
«É preciso que se abra um período de tranquilidade e descanso em que as
paixões abrandem e acalmem e chegue a todos a severa compreensão do cumprimento
do dever», escrevia o jornal progressista, num apelo implícito ao adiamento das Cortes.
O jornal progressista Conimbricense era mais violento: «Há o acintoso propósito de
tornar impossível toda a administração pública», «Aquilo já não é um Parlamento, é a
completa exautoração do sistema parlamentar», «Fechem a porta daquela nojenta
sentina»1366. O jornal regenerador reagiu contra a ideia do adiamento, porque, uma vez
terminado, não impediria que se renovasse o conflito; e lembrando que, na questão
Braga-Guimarães, Fontes não obtivera o adiamento, perguntava: «Que direito tem o
Partido Progressista e o sr José Luciano de Castro para obter da Coroa concessões que
1360 Diário da Câmara dos Deputados, 21/1/1889, 170 1361 Correio da Noite, 25/1/1889, 168-170 1362 Diário da Câmara dos Deputados, 26, 28, 29 e 30/1/1889, 216-218, 233-234, 240-241 e 248-249 1363 Correio da Noite, 28, 29 e 30/1/1889 1364 Diário da Câmara dos Pares, 30/1/1889, 90-94 1365 Correio da Noite, 4/2/1889 1366 Correio da Noite, 31/1/1889; Conimbricense, citado em Correio da Noite, 3/2/1889
273
foram negadas ao sr Fontes e ao seu partido?»1367 Ouvido o Conselho Estado, em
1/2/1889, o rei decretou o adiamento das Cortes até 5 de Abril.
É difícil entender a atitude obstrucionista dos Regeneradores, para o seu próprio
interesse, mesmo tendo sido «provocados», como denunciou o seu jornal1368. Tivesse ou
não havido tal provocação, a verdade é que o fecho temporário do Parlamento deu
muito jeito aos Progressistas, sobretudo por ter facilitado a remodelação do Governo, já
antes decidida e que esperou pela boa realização de um empréstimo, como disse o jornal
ministerial e o próprio José Luciano reconheceria na reabertura1369.
Aliás, logo depois de adiadas as câmaras, foi conhecida uma carta dos herdeiros
dos contratadores do tabaco do período 1830-1833, o «empréstimo D. Miguel»,
confirmando terem recebido um pagamento1370. Sabia-se que, nos últimos meses de
1888, o tesouro português sofrera um embargo em Paris, com o fundamento na dívida
de D. Miguel, sendo 35 milhões de francos «arrestados» e o Governo português privado
dos juros, e que, no princípio de 1889, o embargo fora levantado1371. Para os jornais
regeneradores, o pagamento era ilegal. O jornal de Mariano justificou que o Estado não
podia ser «caloteiro reles» e que «havendo sentença a condená-lo como devedor e lei a
autorizar o pagamento, não podia deixar de pagar»1372. Mas um dos credores declarou
ter recebido só metade, ignorando-se para onde fora desviada a outra metade. Tornou-se
insustentável a continuação de Mariano como ministro. Por outro lado, o presidente do
Conselho realizou uma reunião (15/2/1889) com proprietários do Douro, estando
também presentes Mariano e Navarro, que concluiu pela necessidade de se alterar o
contrato para a criação da Companhia Vinícola do Norte, deixando desautorizado o
ministro Navarro que o assinara1373.
Saíram os ministros Emídio Navarro e Mariano de Carvalho, o primeiro
substituído nas Obras Públicas por Eduardo Coelho, o segundo substituído na Fazenda
por Barros Gomes, este, por sua vez, substituído na Marinha por Ressano Garcia.
O caso do pagamento da dívida de D. Miguel iria ser um forte motivo de batalha
na reabertura do Parlamento, além da Companhia Vinícola do Norte, já que os
comerciantes do Porto continuavam a rejeitar o novo contrato, de 15/3/1889, mesmo
1367 Gazeta de Portugal, 1/2/1889 1368 Gazeta de Portugal, 1/2/1889 1369 Correio da Noite, 23/2/1889; Diário da Câmara dos Deputados, 5/4/1889, 275-277 1370 Gazeta de Portugal, 8/2/1889 1371 Gazeta de Portugal, 18 e 28/11/1888; 8/1/1889 1372 Diário Popular, citado em Correio da Noite, 9/2/1889 1373 Paulo Jorge Fernandes, Mariano, 307
274
expurgado dos pontos por eles mais criticados. Como seria a luta política uma vez
reaberto o Parlamento? Seriam os ataques regeneradores menos violentos e agressivos?,
ou o Governo não resistiria aos debates dos primeiros dias da sessão?1374.
Na reabertura, Lopo Vaz assumiu o comando da minoria regeneradora com uma
interpelação sobre o polémico pagamento aos herdeiros dos contratadores do tabaco,
feito pelo ex-ministro Mariano de Carvalho com dinheiro do empréstimo contraído para
expropriar as fábricas do tabaco: era uma falta «gravíssima» por ser «ilegal», acusou,
donde o Governo devia ser substituído por outro que interpusesse recurso. O presidente
do Conselho respondeu que o pagamento estava autorizado pela lei do tabaco e que
havia sentença do Tribunal de Contas (presidido por António de Serpa) a condenar o
Estado como devedor1375. A autorização concedida pela lei do tabaco consistia numa
emenda que fora introduzida na comissão da Fazenda em termos que levaram o
respectivo relator a pedir a sua renúncia ao lugar de deputado e a sua demissão do
Partido Progressista. Além disso, havia a «outra metade» que faltara no pagamento –
julga-se que terá sido desviada para financiar uma viagem da rainha Maria Pia pela
Europa à procura de noiva para o príncipe D. Afonso1376.
A interpelação durou mais de um mês, sempre na base da suspeição; José
Luciano assumiu a responsabilidade do pagamento, mas Mariano reclamou-a como
«minha e só minha», pois «o tesouro português não podia ser caloteiro»1377. Três
votações finais favoráveis à maioria progressista, por 96-40 votos, significaram uma
forte mobilização de ambos os lados. O caso ainda subiu à Câmara dos Pares onde José
Luciano se declarou disponível para uma comissão de inquérito, na condição de até à
sua conclusão se parar com aquela «deplorável questão», pois não era justo que ele
estivesse «a todo o momento obrigado a responder a acusações gravíssimas, embora
gratuitas», que «não tinham por fundamento senão suspeitas vagas e improvadas»1378.
Ao mesmo tempo, no Porto, os comerciantes de vinho, na resistência ao contrato
da Companhia Vinícola, encerraram os armazéns e despediram os trabalhadores, o que
deu azo a vivos debates nas duas casas do Parlamento. Hintze garantia que o novo
contrato era ilegal e que na essência mantinha as mesmas concessões do anterior1379.
Barjona achava que no novo contrato já não havia privilégios nem exclusivos, excepto
1374 Correio da Noite, 2 e 13/3/1889 1375 Diário da Câmara dos Deputados, 8, 9 e 10/4/1889, 288-290, 304-316, 328-335 1376 Paulo Jorge Fernandes, Mariano, 304-313 1377 Diário da Câmara dos Deputados, 10 e 12/4/1889: José Luciano, 328-335; Mariano, 360-361 1378 Diário da Câmara dos Pares, 27/5/1889, 336-342 1379 Diário da Câmara dos Pares, 27/4 e 2/5/1889, 168-171 e 173-182
275
quanto aos depósitos gerais, pelo que conviria estender esta cláusula ao comércio. O
presidente do Conselho aceitou esta ideia, porque a intenção do contrato era «abrir
novos mercados e favorecer assim a um tempo o comércio e a agricultura», mas não
podia admitir que uma classe respondesse aos actos do Governo com a suspensão da sua
indústria ou comércio, «o precedente seria lamentável»1380. Ainda houve um comício
em Gaia, com trabalhadores dos armazéns do vinho; mas o ambiente acalmou, o que
permitiu convocar reuniões em boa relação com o Governo1381.
Em Lisboa realizou-se também um comício, promovido pelo Partido
Republicano, que antes de chegar ao fim foi dissolvido pela polícia. O caso agitou duas
sessões dos deputados e levou ao abandono dos Regeneradores, dos Republicanos e do
grupo de Vaz Preto, pelo que, na votação final de uma moção de confiança ao Governo,
só restaram 70 votos progressistas a favor e 6 votos contra do grupo de Barjona1382.
Os Regeneradores desistiram de derrubar o Governo antes de novas eleições e, a
propósito de uma notícia sobre a criação de uma companhia africana a que o Governo
inglês parecia dar carácter oficial, propuseram na Câmara Alta uma moção conjunta,
sobre o domínio ultramarino, aprovada por aclamação1383: «A Câmara dos Pares,
afirmando mais uma vez os direitos de Portugal na África oriental e central, baseados na
descoberta, conquista e ocupação efectiva ou na exploração comercial e constante
afirmação de influência política durante séculos, formula votos de que o Governo
mantenha com firmeza esses direitos ainda há pouco solenemente reconhecidos e
consignados nos convénios com a França e a Alemanha e procure quanto em si caiba
ressalvar e fazer respeitar os legítimos interesses da nação portuguesa naquelas
regiões». Tomaram uma posição moderada que lhes permitiria cobrar com mais força
qualquer falhanço do Governo em matéria tão sensível.
As últimas semanas, entrando pelo mês de Julho, salvaram o ano parlamentar,
pela aprovação de reformas que em geral reuniam consenso, nomeadamente: a compra
pelo Estado do palácio da Pena em Sintra; a concessão do porto de Leixões, ligado ao
caminho-de-ferro para Salamanca; a construção de um hospital de alienados; a
construção de quarteis; o fomento da indústria vinícola; o orçamento rectificado; a lei de
meios; a reforma judiciária; o fomento da produção de cereais.
1380 Diário da Câmara dos Pares, 6, 10 e 11/5/1889, 201-202, 222-226, 232-233 1381 Diário da Câmara dos Pares, 17/6/1889, 524-7; Diário da Câmara dos Deputados, 22/6/1889, 1350 1382 Diário da Câmara dos Deputados, 20/5/1889, 759-777 1383 Moção proposta por Serpa Pimentel, assinada pelos Regeneradores Serpa Pimentel e Hintze Ribeiro, pelos Progressistas conde de S. Januário e Henrique de Macedo, e pelos Regeneradores dissidentes Tomás Ribeiro e Barjona de Freitas, em Diário da Câmara dos Pares, 6/6/1889, 426-427
276
Sobre os cereais, como a lei de 1888, à base de direitos de importação elevados,
não resultara, dado o grande aumento dos preços no mercado internacional, o Governo
fez agora outra proposta que não satisfazia as reclamações dos congressos agrícolas no
sentido de se proibir a importação de cereal enquanto houvesse cereal nacional e de ser
o Estado o único importador1384; o presidente do Conselho mostrava-se pouco confiante
numa solução que conciliasse os interesses dos produtores e dos moageiros e não
suscitasse uma reacção violenta por parte do consumo1385; afinal foi aprovado um novo
regime1386 que, na essência e sem prejuízo de numerosas alterações, em especial da lei
de 1899, haveria de manter-se em vigor por largas décadas seguintes.
8.5 – Mudança do ciclo político (1889-1890)
As eleições de 1889 decorreram mais combativas que as anteriores: dentro do
quadro pacificador da lei eleitoral de 1884, houve agora luta em bastantes mais círculos
(ver Quadro nº 5 e Gráfico nº 3). Os Progressistas apoiaram a Esquerda Dinástica contra
certos deputados Regeneradores mais agressivos (por exemplo: Arroio, Franco, Ferreira
de Almeida), em círculos uninominais e plurinominais, neste caso «desdobrando» os
votos por listas da maioria e da minoria. Mas perderam nos círculos onde houve luta,
segundo o jornal regenerador, que apontou como «facto culminante» a vitória de Arroio,
no Porto, eleito com maior número de votos que os eleitos progressistas, numa refrega
que deu àquela cidade a taxa de participação eleitoral mais alta de sempre. Foi uma
eleição semelhante à de 1878, em que o partido do Governo obteve uma vitória com
sabor a derrota. Os Progressistas elegeram 104 deputados, menos nove que na eleição
anterior, mal compensados pelos oito eleitos da Esquerda Dinástica. Quanto aos
Regeneradores elegeram 38, mais dois do que tinham antes, com o bónus de elegerem
um pela minoria em Lisboa, à custa dos Republicanos. O deputado que estes perderam
por Lisboa ganharam-no no círculo de Gaia graças aos comerciantes de vinhos1387.
Todavia, o mais importante que então aconteceu foi a morte do rei D. Luís, em
19/10/1889, na véspera do próprio acto eleitoral. Um novo rei seria sempre um
poderoso factor de mudança. Mas outros importantes factores convergiram em pouco
1384 Proposta de lei, Diário da Câmara dos Deputados, 25/5/1889, 878-881 1385 Diário da Câmara dos Pares, 7 e 12/6/1889, 441-442 e 486-491 1386 Diário da Câmara dos Deputados, 1/7/1889, 1505-1516 1387 Pedro Tavares de Almeida, Eleições e Caciquismo, 61, 145, 226 e 228; Gazeta de Portugal, 23, 24 e 25/10/1889 e 10 e 26/11/1889
277
tempo: a proclamação do regime republicano no Brasil, em 15/11/1889; e o «Ultimato
Inglês», à entrada do novo ano, em 11/1/1890. Eis como, em menos de três meses,
sobrevieram três factores que, acumulados com outros já existentes, alteraram a política
portuguesa em termos de se poder dizer, como é consensual entre os historiadores, que
terminou um ciclo (que vinha desde 1851) e outro se iniciou. Esta viragem marca
também, aproximadamente, o fim do quadro temporal da tese.
Estava-se num ponto alto do regime, embora parecesse não haver consciência
disso. Os indicadores da cotação dos fundos portugueses no mercado de Londres e do
PIB per capita a preços constantes tinham atingido máximos que durante várias décadas
não seriam alcançados (Gráficos nºs 1 e 2). No entanto, já havia sinais de se poder
inverter a tendência progressiva e de se entrar numa fase de declínio. A situação
económico-financeira era «excelente», por mérito do ex-ministro da Fazenda, segundo o
jornal Economista (afecto a Mariano de Carvalho); mas o jornal regenerador explicava-
a pela «abundância de capital disponível» e pelo «período de vacas gordas por que tem
passado a Europa», criticando o Governo por não aproveitar para resolver o nosso
problema financeiro, pois que o tornou «de mais difícil resolução» pelo «aumento
extraordinário da despesa do Estado»1388, de que era exemplo o avultado empréstimo
para financiar a compra das fábricas ao abrigo do novo regime do tabaco. Por outro
lado, as exportações dos nossos vinhos, o principal produto de exportação, sofreram
uma quebra drástica. E para agravar a fragilidade das nossas contas públicas, deu-se a
queda do câmbio brasileiro e das remessas dos nossos emigrantes, em resultado da
implantação da república no Brasil, coincidindo com o início de uma depressão
internacional – o fim das «vacas gordas».
Os indicadores de natureza política, embora menos objectivos e mais discutíveis,
mostravam também ter-se chegado relativamente longe nos progressos liberais, quer no
direito de voto (desde 1878 até 1895), quer na liberdade de imprensa (desde 1866 até
1890), quer na soberania da nação, traduzida na sua capacidade de eleger os legisladores
e na redução dos poderes do rei (desde 1885 até 1895). Eça de Queiroz, num artigo em
que invocava o seu passado republicano, reconheceu que estavam realizadas todas as
reformas que ao Partido Republicano cumpriria reclamar1389. Do ponto de vista da tese,
1388 Gazeta de Portugal, 2/4/1889 1389 Eça de Queiroz (Um espectador), «Novos factores da política portuguesa», Revista de Portugal, Abril de 1890, em Textos de Imprensa VI, Lisboa, Imprensa Nacional Casa da Moeda, 1995, 85-86
278
pode dizer-se que se chegara à «época áurea do rotativismo»1390, ao reconhecimento
geral do valor da alternância política, com a adesão do rei e dos regeneradores que antes
lhe eram avessos e com a legislação eleitoral de 1884 e a harmonização das duas
câmaras do Parlamento (desde 1884 e 1887 até 1895).
Todavia, em vez de satisfação pelo funcionamento do sistema representativo,
estava-se perto do desencanto: o mesmo Eça de Queiroz observou como a
conflitualidade das últimas sessões parlamentares contribuiu para o desprestígio do
sistema1391. Era «moda dizer mal do parlamento», «brincam com o fogo», lamentavam
os jornais oficiais dos dois grandes partidos. «É certo que o sistema tem defeitos», mas
«qual é o sistema perfeito?», «se o sistema parlamentar é mau, os sistemas de governo
que ele veio susbstituir eram muito piores, e o que o há-de substituir a ele ainda não está
descoberto», dizia o jornal regenerador1392. O jornal progressista alinhava pelo mesmo,
«entre o Parlamento com todos os defeitos e o cesarismo com todas as virtudes não há
que hesitar»1393, demarcando-se das ideias do seu deputado Oliveira Martins.
Martins era um dos críticos mais influente do liberalismo, desde os tempos da
«Geração de 70», e não deixou de o ser quando aderiu a um tão partido liberal como era
o Progressista e quando o sistema liberal mostrava melhores indicadores. Esteve quase
para ser ministro do primeiro Governo progressista e decerto influenciou algumas
medidas por este adoptadas no sentido de fomentar a economia com mais intervenção
do Estado, à base de ideias do «socialismo catedrático» que colhera em leituras de
teóricos alemães e belgas1394. Todavia, vários artigos que escreveu contra a vida
parlamentar1395, desde 1887, já traduziam um desajuste evidente com o partido que o
fizera eleger deputado e do qual se ia distanciando. Integrou os «Vencidos da Vida»,
uma tertúlia de intelectuais e palacianos ligados ao príncipe D. Carlos, que se reunia
para jantar, nos anos de 1887-1893, incluindo outros progressistas (Cândido e Carlos
Lobo de Ávila) que igualmente se distanciavam do partido1396. Ele que fora republicano,
passou a ver na Coroa uma força de conservação e estabilidade e, por ocasião de uma
1390 José Tengarrinha, «Rotativismo», 695; Sérgio Campos Matos, «A crise do final de Oitocentos», 102 1391 Eça de Queiroz, «Novos factores da política portuguesa», Revista de Portugal, 86-87 1392 Gazeta de Portugal, 25/7/1888 1393 Correio da Noite, 25/7/1888 1394 Sérgio Campos Matos, «A ideia de ditadura no círculo dos Vencidos da Vida», Clio, vol. 5, 2000, Lisboa, Centro de História da Universidade de Lisboa, 89-90 1395 «Res non verba» e «O parlamentarismo», A Província, 2/5 e 11/5/1887; «O parlamento enfermo» e «Reforma parlamentar», Repórter, 16/7 e 25/7/1888 1396 Sérgio Campos Matos, «A ideia de ditadura», 73
279
viagem real ao Porto, propôs um «aperto de mão directo entre o rei e o povo»1397.
Também sugeriu ao rei que, em nome da salvação pública», promovesse a formação de
um partido novo, mesmo «exorbitando das suas funções constitucionais»1398. O jornal
republicano O Século chamou-lhe «valido» do príncipe D. Carlos e disse que o seu
programa era alargar o poder real, suprimir o parlamentarismo e reformar a economia
portuguesa com ideias da Idade Média; o jornal regenerador classificou o «socialismo
de Estado» e o «cesarismo», que ele defendia, como «absolutismo ilustrado»1399.
Foi a este grupo de críticos que o novo rei D. Carlos recorreu para promover
uma remodelação do Governo progressista, logo desde o falecimento de seu pai. O
Governo estava gasto, Barros Gomes, em cima dos Negócios Estrangeiros num contexto
de difíceis relações com a Inglaterra, ainda acumulava a Fazenda; ora foi para esta pasta
que, por iniciativa de D. Carlos, foi chamado Oliveira Martins sobre quem recaíam
grandes expectativas; mas ele declarou só aceitar se para a pasta da Marinha e Ultramar
fosse chamado o seu amigo António Enes, outro crítico, o que envolveria uma mudança
maior do Governo. Durante três semanas andou-se «numa roda viva» até que Martins e
Enes declinaram os convites1400. O Governo foi remodelado de outra maneira, com a
entrada de Augusto José da Cunha para a Fazenda; mas ficou clara a pouca confiança
que nele tinha o novo rei, do qual se dizia que tratava bem todos os inimigos do pai D.
Luís1401. À primeira grande dificuldade que enfrentasse, como foi o «Ultimato Inglês»
dali a dois meses, não deveria o Governo esperar que o rei o sustentasse.
Altamente sensível, a questão colonial já motivara a queda de dois governos, em
1879 e 1881, e aprestava-se a fazer cair mais dois. Pouco espaço de manobra dispunham
os governos entre, de um lado, um contexto externo que, desde a Conferência de Berlim
de 1884-1885, impunha a «ocupação efectiva» dos territórios como único critério aceite
de soberania sem atender aos direitos históricos da descoberta, e, do outro lado, o
contexto interno, em que um sentimento nacional, exacerbado pelas oposições, não
aceitava menos do que a realização de um império correspondente à época gloriosa das
descobertas e tendia a considerar qualquer cedência uma traição
O ministro Barros Gomes, que sempre criticara os Regeneradores por um
excessivo alinhamento com a Inglaterra, impulsionou várias expedições para ocupar
1397 Sérgio Campos Matos, «A ideia de ditadura…», 84; «A visita d’El-Rei», A Província, 5/10/1887 1398 «Intervenção da coroa em nome da salvação pública», Repórter, 7?27/1/1888 1399 O Século, 8/7/1888, in Sérgio C. Matos, «A ideia de ditadura…», 88; Gazeta de Portugal, 1/12/1888 1400 F. A. Oliveira Martins, O Socialismo na Monarquia. Oliveira Martins e a «Vida Nova», Lisboa, Parceria António Maria Pereira, 1944, 262-263 1401 Raul Brandão, Memórias, tomo II, 199
280
territórios situados entre Angola e Moçambique, procurando obter o reconhecimento da
França e da Alemanha. Com a Inglaterra os contactos tornaram-se mais difíceis, a partir
de meados de 1889, quando os exploradores portugueses entraram em choque com
populações que os ingleses reclamavam sob a sua protecção. Nos primeiros dias de
1890 esses contactos tornaram-se tensos até chegarem à quase ruptura, face à intimação
do Governo inglês para que as forças portuguesas retirassem desses territórios, enquanto
as suas esquadras evoluíam perto de pontos nevrálgicos do domínio colonial português,
como a estratégica baía de Lourenço Marques, Quelimame e Cabo Verde1402.
No Conselho de Estado que então se realizou, o primeiro convocado no novo
reinado, formou-se o consenso de se ceder às exigências, embora protestando pelo
direito de se resolver o litígio por uma mediação ou pela arbitragem. O Governo podia
ter resistido e ser «aplaudido pelas multidões exaltadas por sentimentos patrióticos»,
explicou José Luciano depois de exonerado, mas arriscava que «uma ou mais
possessões portuguesas fossem ocupadas e talvez irremediavelmente perdidas»; «a
consciência das enormes responsabilidades que pesariam sobre nós se tentássemos
sustentar uma luta em que teríamos de sucumbir perante a força, levaram-nos a tomar a
resolução de ceder e de pedir em seguida a nossa exoneração»1403.
Do novo ano de 1890, tão crucial para a evolução política do país, importa, para
os efeitos da tese, concentrar a atenção nas diversas dinâmicas partidárias.
Na manhã a seguir ao «Ultimato», a imprensa regeneradora manteve-se
silenciosa, mas, talvez porque a demissão do Governo tardasse, entrou em fúria nos
suplementos da noite: «Infeliz Pátria!», «os traidores e os cobardes têm o seu castigo
neste mundo!», «Que se faça justiça a essa gente e que não haja demoras nem delongas.
Que comece hoje na Câmara dos Pares a expiação para quem é criminoso»1404.
Durou cerca de dois meses a agitação provocada pelo «Ultimato», que sendo
mais intensa em Lisboa, percorreu cidades e vilas em todo o país: promoveram-se
comícios, representações e cortejos cívicos, nos jornais e nas fachadas das lojas
substituiram-se vocábulos ingleses por portugueses, na imprensa provincial tornaram-se
frequentes secções intituladas «Manifestações patrióticas», «Infâmias inglesas», etc1405.
1402 Ver, para mais desenvolvimento: Valentim Alexandre, «Nação e Império», História da Expansão Portuguesa, vol. 4, Lisboa, Temas e Debates, 2000, 90-142; Nuno Severiano Teixeira, «Política interna e externa no Portugal oitocentista de 1890: o Ultimatum Inglês», Análise Social, 98, Lisboa, 1987, 687-719 1403 Diário da Câmara dos Pares, 13/1/1890, 23-24 1404 Gazeta de Portugal, 12/1/1890, suplemento; Correio da Noite, 13/1/1890 1405 Ernesto Castro Leal, «Opinião pública na província em 1890. Elementos de agitação e antropologia do Português durante a crise do Ultimatum Inglês», Clio – Nova Série, vol. 3, Lisboa, 1998, 39-57
281
A crispação entre os partidos da rotação aumentou quando o Governo
regenerador promoveu a dissolução da Câmara dos Deputados, sem passar pelo
adiamento das Cortes, como era usual, abrindo o processo eleitoral. Ressentidos, os
Progressistas ajudaram a avultar a agitação contra o Governo, ao qual pediam contas
dos resultados das negociações com os ingleses, sabendo-se que estes recusavam
sujeitar-se a uma arbitragem, ao que o Governo respondia com o silêncio.
Os Regeneradores procuraram, na formação do Governo, equilibrar as facções
de Lopo Vaz e de Hintze Ribeiro, ficando o primeiro com a pasta da Justiça e o segundo
com a dos Negócios Estrangeiros, deixando a cobiçada pasta do Reino acumulada na
presidência de Serpa Pimentel. Todavia, por doença de Serpa, foi Lopo Vaz quem leu o
discurso de apresentação do Governo na Câmara dos Pares, indiciando ser dele, apesar
de tudo, o maior ascendente. Por outro lado, os Regeneradores trataram de convencer
Barjona de Freitas a abandonar a sua posição dissidente em troca da sua nomeação
como representante português nas negociações em Londres.
«Mandam-no para Londres para se verem livres dele. Os soldados, esses ficam e
naturalmente vão quase todos parar ao Partido Regenerador», previu o jornal
progressista, satisfeito porque isso deixava «em campo e no exercício da legítima
rotação só os dois partidos» que tinham «largas tradições e fortes raízes – o progressista
e o regenerador»; e o jornal não terminou sem uma alfinetada: «Não damos os parabéns
ao sr Barjona, a quem profetizamos que não voltará de Londres com os seus créditos
acrescentados»1406. O Jornal do Porto, agora afecto aos Regeneradores, congratulou-se
com a ida de Barjona para Londres, prevendo que se conseguissem dois fins: «a solução
do problema anglo-português e a consolidação do Partido Regenerador»1407.
O grupo de Barjona elegeu uma «grande comissão» para o dirigir durante a
ausência do chefe e recusou a ideia de que só os dois grandes partidos tivessem «o
direito de partilhar entre si a honra e a responsabilidade de governar o país», atendendo
aos seus defeitos, que apontou: o Partido Regenerador por repelir a «escola
conservadora» que devia simbolizar e querer para si «o liberalismo puro»; e o Partido
Progressista, com o qual mantivera até então boas relações, porque «renegou todas as
suas tradições» liberais e «descambou no conservadorismo extremo»1408. Dali a dois
1406 Correio da Noite, 24/1/1890 1407 Jornal do Porto, 28/1/1890 1408 A Revolução de Setembro, 31/1/1890
282
meses já este grupo não concorreu como tal às eleições, nas quais alguns membros da
dita «grande comissão» foram eleitos como Regeneradores.
Os Republicanos viviam numa situação interna conturbada, com várias facções
em aberto conflito, desde o Congresso de 1887 em que por pouco falhara a sua fusão
com a Esquerda Dinástica. O Directório foi colhido de surpresa pelo Ultimato sem nada
organizado para aproveitar o abalo produzido no espírito público1409. Não foram eles
quem mais contribuiu para exacerbar aquele contexto de desgaste do regime monáquico.
Durante a campanha eleitoral, o que de mais polémico aconteceu nas relações
entre os partidos, para além da substituição de Progressistas por Regeneradores em todo
o país, foi a dissolução da Câmara Municipal de Lisboa (um bastião progressista
presidido pelo ex-regenerador Fernando Palha), decretada em Março por alegada
«resistência a determinações do Governo»1410. Isto determinou a estratégia eleitoral dos
Progressistas em Lisboa, os quais, vendo-se entalados entre os Regeneradores e os
Republicanos, resolveram recomendar apenas o nome de Fernando Palha, numa lista de
quatro nomes, deixando aos partidários a liberdade de votarem só nesse ou de votarem
em mais três nomes para completarem a lista1411. Os Regeneradores propuseram quatro
candidatos «africanistas» e denunciaram o efeito da estratégia progressista que era dar a
vitória à lista republicana, «um crime» que teria «em Espanha por prémio o garrote» e,
entre nós, devia ter pelo menos «um desterro perpétuo»: «o sr José Luciano de Castro
tem de dizer claramente ao país se fez acordo com os Republicanos e se vai à urna de
camaradagem com os inimigos da monarquia», pois em caso de vitória republicana,
«terá de ser forçosamente apeado de chefe do Partido Progressista, como nós há muito
tempo vaticinamos»1412. Entre os Progressistas opuseram-se à sua estratégia eleitoral os
jornais Novidades, de Emídio Navarro, e o Tempo, de Carlos Lobo de Ávila. Segundo
as Novidades, o triunfo republicano em Lisboa, em vez de causar a demissão do
Governo, só poderia ter como resultado «estreitar mais intimamente a Coroa com os
Regeneradores» e «agravar o nosso afastamento do poder»1413.
Os Progressistas conseguiram que o nome mais votado fosse o seu candidato, à
frente de três eleitos Republicanos, aos quais se seguiram os Regeneradores com apenas
dois eleitos pela «minoria». O jornal progressista reconheceu que a sua «candidatura de
1409 Amadeu Carvalho Homem, Da Monarquia à República, Viseu, Palimage Editores, 2001, 96-97 1410 Correio da Noite, 11/3/1890 1411 Correio da Noite, 19/3/1890 1412 Gazeta de Portugal, 15 e 22/3/1890 1413 Novidades, 24/3/1890
283
protesto contra o Governo» resultou num «desastre para a monarquia», mas reafirmou
não ter feito acordo com os Republicanos. O jornal regenerador meteu a toda a largura
da primeira página: «o conselheiro d’Estado José Luciano de Castro, grã-cruz da Torre e
Espada, de Valor, Lealdade e Mérito, chefe do partido monárquico-progressista,
atraiçoou a monarquia, bandeando-se com os inimigos das instituições»1414. José
Luciano não foi apeado de chefe do Partido Progressista, mas a verdade (decerto não
apenas por isto) é que viria a estar sete anos sem ser chamado a formar Governo.
No país em geral, a vitória pertenceu aos Regeneradores, como era esperado, e o
Governo sentiu-se à vontade para publicar, ainda sem o Parlamento, um conjunto de
decretos sobre o direito de reunião, sobre a imprensa e sobre a organização judiciária,
que, segundo o jornal progressista, constituíam um «sistema completo de repressão»,
incluindo nomeadamente uma «lei das rolhas» que «retrocedeu até antes de 1853»1415.
No mês seguinte, já com o novo Parlamento, submeteu estes decretos «ditatoriais» ao
bill de indemnidade. A aprovação por 77-34 votos1416 dá ideia da margem confortável
com que a maioria regeneradora enfrentou outras votações, em especial a que aprovou
um adicional de 6%, por 87-32 votos1417, para atender à crise financeira.
A grande prova do Governo estava, porém, na solução que havia de conseguir
para o conflito luso-britânico: com ele subira ao poder, com ele iria cair. Quando se
conheceu o tratado assinado com a Inglaterra, em 20/8/1890, estabelecendo as fronteiras
de Moçambique, a oposição atacou-o como «funesto, monstruoso, compêndio de
roubos, de quimeras, de vexames e de irrisões»1418, enquanto nas ruas foi retomada a
agitação, idêntica à que se seguira ao Ultimato de Janeiro.
Todavia, na oposição progressista, quem mais atacou o tratado foram alguns
desalinhados, como Carlos Lobo de Ávila, António Enes e Navarro; aliás, era aos
respectivos jornais Tempo, Dia e Novidades que a Gazeta de Portugal mais se ocupava
a responder1419. A direcção do partido não se expôs tanto: Francisco Beirão achava
«menos próprio» ir apresentar-se num comício organizado pelos Progressistas do Porto
«a discutir um tratado que se alega ser resultado das políticas adoptadas» pelo gabinete
1414 Correio da Noite, 31/3/1890; Gazeta de Portugal, 1/4/1890 1415 Correio da Noite, 7, 9, 10 e 11/4/1890 1416 Diário da Câmara dos Deputados, 19/6/1890, 762 1417 Diário da Câmara dos Deputados, 11/7/1890, 1163 1418 Correio da Noite, 22/8/1890 1419 Gazeta de Portugal, 24, 26, 27 e 28/8/1890
284
de que ele fora ministro1420; José Luciano estava em férias e disso foi criticado pelo
jornal de Mariano (por sua vez nomeado comissário régio em Moçambique), por ter
abandonado o partido «na expectativa, no assombro, na desorientação»1421.
Quando o ministro Hintze Ribeiro apresentou o tratado na Câmara dos
Deputados, só conseguiu lê-lo após duas interrupções da sessão. Não houve votação do
tratado, mas votações, unânimes, para declarar «beneméritos da Pátria» os exploradores
africanos, um dos quais estava presente, Serpa Pinto, afirmado-se «regenerador e
monárquico» mas empenhado em «combater o tratado com todas as forças». O ministro
da Marinha e Ultramar, Júlio de Vilhena, com intenção ou inabilidade, manifestou-se de
acordo com estas declarações de «beneméritos da Pátria», referindo o nome de Serpa
Pinto, o que significava demarcar-se da posição de Hintze em assunto tão
melindroso1422. Confirmava-se o que a Gazeta de Portugal desmentira no próprio dia da
assinatura do tratado: que Vilhena estava em desacordo com os colegas por causa do
convénio com a Inglaterra e por isso iria sair do ministério1423.
Durante quatro dias Lisboa «viveu em transe»; aliás, quando o tratado foi
apresentado no Parlamento, o edifício foi cercado pela polícia, o que não impediu que
populares se juntassem nas galerias. As lojas fecharam, algumas fábricas pararam, as
bandeiras das associações foram postas a meia-haste. A multidão apedrejou a polícia,
centenas de civis foram presos, as garantias foram suspensas na capital, o que piorou as
coisas. Mas, segundo Rui Ramos, não foi a oposição progressista nem a anarquia nas
ruas que fez cair o Governo; foi mais a divisão entre os ministros, um golpe interno,
conduzido por Lopo Vaz, para ser ele mesmo a presidir a um novo Governo1424.
Serpa pediu a demissão mas só quase um mês depois, em 13/10/1890, subiu ao
poder, um governo extra-partidário, confirmando estar-se em presença de um ciclo
político diferente do ciclo caracterizado pelo avanço da rotação até aqui analisado.
É o momento de dar por findo o percurso cronológico da presente tese.
1420 Carta a José Luciano de Castro, de 5/9/1890, em Fernando Moreira, José Luciano de Castro. Correspondência Política, 293-294 1421 Diário Popular, 13/9/90 1422 Diário da Câmara dos Deputados, 15/9/1890, 1852-1860 1423 Gazeta de Portugal, 20/8/1890 1424 Rui Ramos, A Segunda Fundação, 152-156
285
9 – Os partidos entre a direita e a esquerda
A partir dos elementos recolhidos na tese, propõe-se agora caracterizar os
partidos de um tempo crucial para a formação da modernidade política em Portugal.
Houve toda uma evolução com sucessivas fases de repulsa e de aceitação dos
partidos. Nos primeiros tempos liberais predominava um desejo de unidade, avesso aos
partidos então conotados com a ideia negativa de facções e divisão. Só quando se
distinguiram das facções, pelos anos 40, é que os partidos passaram a ser aceites como
instrumentos úteis de acção política organizada. Mas era tanta a violência que a
Regeneração se inspirou numa ideia de fusão dos partidos; e a luta política passou a ser
feita dentro de limites que asseguraram razoável estabilidade, sem eliminar uma tensão
crescente entre a ideia de fusão e o anseio de alternativa. Donde se gerou o contexto
que, nos anos 60, proporcionou experiências tão diferentes como as da diferenciação, da
fusão e da pulverização dos partidos. Até se chegar à conclusão de que a política devia
ser exercida com base não em pequenos grupos mas em partidos fortes e distintos: «não
são os cidadãos isolados quem decide a sorte da pátria, são os exércitos disciplinados e
combatentes»1425. Nos anos 70 passou a ser mais claro o domínio de dois partidos, à
sombra dos quais outros grupos menores continuavam a existir.
Esta evolução não destoou da que decorria em outros países europeus, fundada
em teorias divulgadas entre nós por livros e jornais, publicados na década de 1880,
alguns já referidos na Introdução1426. «Os partidos são a expressão e a manifestação
natural e necessária dos grandes movimentos ocultos que animam um povo. Aparecem
em toda parte onde a vida política se desenvolve livremente. A sua ausência é sinal de
incapacidade ou de opressão», disse Bluntschli, pensador influente1427. Nos anos 80
deu-se um recuo no prestígio dos partidos em Portugal: tornou-se «moda amesquinhar
todos os partidos políticos», observou Fontes: «se não existissem os partidos políticos,
viria a política das individualidades e com ela ou o ominoso despotismo dos antigos
tempos ou a revolução»1428. E tornou a avultar o desprestígio dos partidos, por culpas
próprias e pelas críticas de alguns intelectuais, como foi o caso de Oliveira Martins, algo
frustrado pelo escasso êxito da sua adesão ao Partido Progressista.
1425 A Revolução de Setembro, 28/7/1868 1426 D. G. Nogueira Soares, Considerações sobre o Presente e o Futuro Político de Portugal; António de Serpa Pimentel, Questões de Política Positiva: da Nacionalidade e do Governo Representativo; António Cândido Ribeiro da Costa, Princípios e Questões de Filosofia Política 1427 Citado por Nogueira Soares, Considerações sobre o Presente e o Futuro Político de Portugal, 340 1428 Diário da Câmara dos Pares, 14/3/1884, 175
286
A comparação entre os partidos do século XIX é tema de controvérsia, com uns
autores a vincarem a indistinção entre eles e outros mais sensíveis às suas diferenças. A
ideia de que os «partidos da rotação» não se distinguiam entre si vem talvez do espírito
fusionista e unitário que dominou os anos 50 e se consagrou no «Governo da Fusão» de
1865. E sendo difícil sustentá-la nos anos 70, quando se formou o Partido Progressista,
tornou a justificar-se no ambiente de acordos favorecido pela reforma eleitoral de 1884
e sobretudo na cumplicidade com que os partidos rotativos se defenderam das cisões, já
no século XX, permitindo aos seus adversários (Republicanos e Franquistas) acusarem-
nos de serem como duas caras do mesmo partido, só diferentes nas clientelas.
Os dois partidos principais correspondiam ao modelo de «partidos de notáveis»,
construídos a partir de cima, com uma orientação dominante para as tarefas eleitorais e
parlamentares, com escassa definição doutrinária. Mas era o tipo de partidos que nessa
época surgiram em todos os países liberais. Aliás, foram formados em Portugal com
motivações e características e num tempo próximos dos primeiros partidos que
igualmente se formaram nos países mais avançados da Europa. Em 1850, segundo
Duverger, em nenhum país da Europa havia partidos políticos no sentido moderno do
termo: havia tendências de opiniões, clubes populares, associações de pensamento,
grupos parlamentares, mas nenhum partido propriamente dito1429.
A fundação do Partido Progressista, em 1876, marcou, pelo programa e pelo
regulamento organizativo, um inegável progresso no sistema partidário, uma diferença
assinalável em relação ao partido rival, Regenerador. O seu modelo de organização,
com uma «comissão executiva» eleita anualmente em «assembleia-geral», já tinha
antecedentes no início do Partido Histórico, em 1856, com uma estrutura organizativa
então aprovada e reuniões de eleitores para a escolha prévia dos candidatos a deputados
do partido nas eleições desse ano1430. Por contraste, o Partido Regenerador continuou
sem qualquer organização formalizada, de modo que as grandes orientações eram
decididas num núcleo restrito, composto pelos membros com estatuto de ministro, em
torno do eterno chefe, nunca eleito, Fontes Pereira de Melo.
O contraste entre os dois partidos não se ficava por aí: enquanto Fontes, ao
assumir pela primeira vez o cargo de presidente do Conselho, declarou não ter um
programa de Governo, os Progressistas, no momento da sua fundação, vincularam-se
com um programa detalhado, o que lhes valeu votos pelas expectativas que criou, mas
1429 Maurice Duverger, Os partidos políticos, Rio de Janeiro, Zahar Editores, 1980, 19-20 1430 José Miguel Sardica, A Regeneração sob o signo do Consenso, 201-203
287
também desilusões por tal programa não ter sido realizado ao ritmo e ao modo que
muitos esperavam. Com o seu programa, que logo os adversários rotularam de
subversivo, o Partido Progressista confirmou o seu pendor mais doutrinário.
A organização mais democrática dos Progressistas correspondeu à visão que eles
tinham de si mesmos como partido. Ainda como Históricos, achavam-se «o grupo com
melhores meios e mais recursos», em comparação com o Partido Regenerador que
possuía «valiosos aderentes mas poucos soldados», ou «gente de talento» mas «pouco
numeroso e ainda menos popular»1431. É claro que, nos anos 70, com a longa
permanência no poder, os Regeneradores reforçaram a sua rede de influentes locais.
Nos anos 80, os Progressistas atribuíam ao facto de serem «o único partido
verdadeiramente popular» a sua resistência diante do domínio regenerador1432; segundo
alguns jornais seus, os centros da província valiam mais que os chefes de Lisboa, e não
dependia da vontade daqueles chefes a existência do partido1433; e orgulhavam-se dos
seus militantes da província, onde «há ainda claro e enérgico o sentimento da política
partidária, e se afirma, intratável e honrada, a paixão das pelejas eleitorais»1434. Sem
essa rede regional, o Partido Progressista não teria resistido ao longo ostracismo na
década de 1870, não teria apesar disso conseguido vitórias nas eleições das cidades em
1878, nem teria, depois no Governo, montado em poucos meses um novo «maquinismo
administrativo» que lhe permitiu a grande vitória eleitoral de 1879.
Quando se tratou de substituir Braamcamp e Fontes, em 1885 e 1887, as
diferenças entre os dois partidos foram evidentes: enquanto para a eleição de José
Luciano de Castro em todo o país o Partido Progressista se mobilizou, juntando 154
centros locais em assembleia-geral, a escolha de Serpa Pimentel foi feita em reuniões
restritas, cabendo o «conclave» final a 12 «cardeais». Como diz Rui Ramos, o Partido
Progressista era uma república, enquanto o Partido Regenerador era uma monarquia1435.
Ramalho Ortigão e António Cabral descreveram a Figueira da Foz, nos inícios
dos anos 70 e 80, dando a imagem de uma população influenciada pela política num
dualismo exacerbado: todos os seus habitantes eram ou Regeneradores ou Progressistas,
formando dois grupos que, embora pouco se distinguindo, se gladiavam e odiavam e
separavam em duas assembleias recreativas, em duas praças, tendo cada um deles a sua
1431 Jornal do Porto, 6/5/1865 e 15/7/1870 1432 Primeiro de Janeiro citado em O Progresso, 7/9/1883 1433 A Revolução de Setembro, 15/2/1884 1434 Correio da Noite, 3 e 4/9/1888 1435 Rui Ramos, D. Carlos, 131
288
banda de música, o seu teatro, o seu jornal, as suas farmácias, os seus barbeiros, etc1436.
O retrato caricatural não seria representativo de toda a população mas pelo menos da
gente de classe média/média alta que no Verão se juntava neste centro balnear.
Como evoluíram os partidos em termos de coesão e disciplina? Nos anos 50,
havia muita indisciplina, com muitos deputados a reclamarem-se independentes; nesse
quadro, os Históricos tendiam a ser mais indisciplinados que os Regeneradores, como
efeito da oposição desde início movida por uma ala radical à linha centrista do marquês
de Loulé. Nos anos 60, a oposição interna reflectia-se nas votações, não tanto por votos
contrários à linha oficial mas por abstenção. Quando o Partido Histórico aderiu ao
«Governo da Fusão», perdeu cerca de um terço dos seus deputados; mas os que ficaram
votaram com bastante disciplina as medidas polémicas então adoptadas. Depois, nos
anos 70, a característica geral foi de maior disciplina de voto nos diversos partidos e
grupos, quer da maioria quer da oposição. Todavia, nos anos 80, observou-se algum
recuo na disciplina das votações, até no Partido Regenerador: em 1882 a facção
barjonácea contrariou a orientação do chefe do partido de não admitir à discussão a
proposta de Dias Ferreira de reforma da Carta e, em 1885 e 1886, ocorreram outras
votações rebeldes no campo regenerador, a propósito do beneplácito recusado pelos
bispos, contra a emenda de Vaz Preto para prolongar a hereditariedade dos pares e
contra o aumento da dotação para financiar o casamento do príncipe D. Carlos.
A indisciplina correspondia à existência de facções dentro dos partidos. No
Progressista, as divisões tanto resultavam da origem do partido, pela união do elemento
histórico mais institucional e do elemento reformista mais radical, como de diferentes
leituras sobre as condições de pôr fim ao longo domínio de Fontes e, uma vez chegado
ao poder, de realizar as reformas desejadas. Com a entrada de Oliveira Martins
aumentou a divergência doutrinária. José Luciano venceu com naturalidade a luta pela
sucessão a Braamcamp, mas não evitou que depois algumas facções ou marechais se
afastassem sem regresso (salvo António Cândido, que regressou).
No Partido Regenerador, começou por se declarar uma ala doutrinária,
protagonizada por Casal Ribeiro, adepta da matriz conservadora do partido, em
oposição à linha centrista pragmática de Fontes, logo na formação do «Governo da
Fusão». Nos anos 70 e 80, essa oposição acentuou-se desde que uma ala radical,
chefiada por Barjona, procurou realizar reformas de acordo com o «espírito do século»,
1436 Ramalho Ortigão, As Farpas Completas, 1º vol, ed. Ernesto Rodrigues, Círculo de Leitores, 2006, 142-144; António Cabral, Cinzas do Passado, Livraria Popular Francisco Franco, 1929, 75-78
289
que mais competiriam à esquerda (alargamento do sufrágio, fim da hereditariedade do
pariato, registo civil); a ala conservadora, além de criticar estas reformas, também
criticava as ligações aos Republicanos com vista a roubar espaço ao partido rival. O
resultado acabou por ser a saída (pelo menos temporária) das duas alas extremadas.
Direita e Esquerda
Em que medida é que o dualismo dos «partidos da rotação» correspondia aos
conceitos de «direita» e «esquerda»? Antes de mais é necessário definir estes conceitos.
Os termos direita e esquerda já eram utilizados nas décadas de 1830-1850, como
efeito da aprendizagem dos liberais no exílio1437. Mas na época da tese, os mais
utilizados, para identificar o antagonismo político, com significados próximos de direita
e de esquerda, eram os termos «conservador» e «progressista». Não eram termos
assumidos consensualmente, como se via no desconforto com que alguns
Regeneradores, a começar por Fontes, ouviam chamar-lhes conservadores.
Segundo Norberto Bobbio, «direita» e «esquerda» são dois termos antitéticos
que há mais de dois séculos costumam ser utilizados para exprimir a oposição das
ideologias e movimentos em que o universo, eminentemente conflitual, do pensamento
e das acções políticas está dividido1438. É uma metáfora espacial que pode coincidir,
num dos seus significados mais frequentes, com a metáfora temporal traduzida pelos
termos «conservador» e «progressista»1439. Entre vários critérios propostos para
distinguir a direita da esquerda, para este autor o mais adoptado é a diferença de atitude
em relação ao ideal da igualdade: a esquerda é mais igualitária e a direita mais
inigualitária1440. Sem ignorar que os seres humanos são tão iguais como desiguais, a
esquerda dá mais valor àquilo que os une e a direita mais valor à sua diversidade. A
esquerda parte da convicção de que as desigualdades são sociais e como tal elimináveis,
ao passo que a direita considera-as naturais e como tal inelimináveis1441. André Freire,
1437 Ver, por exemplo: História de Portugal, dir. Damião Peres, vol. VII, 248, referindo-se à formação em 1835 de um «Governo de esquerda», «nome com que então já era etiquetada a facção radical»; António L. de Seabra, sobre «esquerda», «direita» e «centro», D. Câmara dos Deputados, 15/2/1839, 284-285; e José Estêvão dizendo-se «antigo deputado da extrema-esquerda», D. Câmara dos Deputados, 23/5/1857, 571 1438 Norberto Bobbio, Direita e Esquerda, 1994, 27 1439 Norberto Bobbio, Direita e Esquerda, 1994, 55 1440 Norberto Bobbio, Direita e Esquerda, 1994, 76, 82 1441 Norberto Bobbio, Direita e Esquerda, 1994, 83-84
290
cuja obra incide na actualidade, em geral concorda com Bobbio e com o critério em
torno da igualdade1442.
Julga-se ser possível compatibilizar, ou fazer convergir, este critério da
«igualdade» com os termos «conservador» e «progressista» mais correntes no século
XIX: no período da tese procurava-se consolidar um regime político liberal, baseado na
igualdade dos cidadãos, em oposição ao Antigo Regime absolutista, por natureza
inigualitário. Nesta óptica, é possível distinguir e classificar as forças políticas
consoante procuravam manter-se mais próximas do passado inigualitário, mais
próximas da soberania do rei, portanto mais «conservadoras», ou procuravam avançar
para novas soluções mais igualitárias, com mais soberania da nação em detrimento da
soberania real, portanto mais «progressistas».
Analise-se a atitude das duas forças políticas face a diversas questões em
diversas conjunturas. Mas, para tornar a análise o mais possível objectiva, convém
frisar, com faz Bobbio, que os termos direita e esquerda são relativos, não envolvem um
juízo de valor, até assumem diferentes conteúdos consoante as épocas e as situações1443.
Donde o que se pretende é apenas situar, à direita ou à esquerda do espaço político, as
tendências básicas, igualmente dignas, que animam cada força política. Já António
Cândido dizia: «Pode-se ser conservador sem vergonha da profissão, e mal vai a política
de um país que não tem um partido destinado a moderar com prudência o primeiro
ímpeto das revoluções. E do mesmo modo lhe vai mal, muito mal, se não tem outro
organizado em boas condições de disciplina e de força, que sirva para demonstrar por
actos e palavras que na infinita série do tempo todos os momentos variam […] Este, o
partido progressista, é tão necessário, é tão legítimo como aquele, o partido
conservador». O mesmo autor definia assim os partidos: «o conservador aceita e
defende a acção imediata dos princípios estabelecidos e das instituições fundadas; o
outro coloca-se na parte mais evolucionária desses princípios e instituições»1444.
Antes do período da tese, mesmo sem haver partidos organizados, a luta política
já se fazia entre dois polos representando o que já se chamava direita e esquerda:
primeiro, entre o absolutismo e o liberalismo; depois da vitória liberal, entre a direita
defensora da Carta outorgada pelo rei e a esquerda defensora de uma Constituição
aprovada pelos representantes da Nação; a partir da restauração da Carta por Costa
1442 André Freire, Esquerda e Direita na Política Europeia, 45 e 51 1443 Norberto Bobbio, Direita e Esquerda, 1994, 73 1444 Diário da Câmara dos Deputados, 19/1/1881, 180-184, e 15/7/1887, 2012
291
Cabral, entre a direita defensora de uma Carta intangível e a esquerda defensora da
Carta reformada no sentido de mais soberania da Nação (com eleições directas e mais
atribuições do Parlamento). Com a aceitação destas reivindicações da esquerda, no I
Acto Adicional à Carta, em 1852, os dois polos conflituantes aproximaram-se: dominou
então um espírito de fusão, que aceitava mal as divergências, mas o anseio irreprimível
de uma alternativa gerou uma dinâmica de diferenciação entre as forças que começavam
a estruturar-se como partidos, sem pôr em causa o compromisso constitucional.
Segundo Rui Ramos, «nunca foi ideologicamente clara» a clivagem antes da
Regeneração e, mesmo depois, o que poderia chamar-se «direita» e «esquerda» na
monarquia constitucional andaram «misturadas, tornando difícil qualquer narrativa do
ponto de vista da bipolarização»1445. Mesmo assim, segue-se a avaliação das atitudes
dos dois principais partidos em relação a diversas questões ao longo do tempo.
A questão religiosa, em torno das Irmãs da Caridade francesas, serviu para esse
efeito: forças mais ou menos radicais, a pretexto de lutarem contra a «reacção», contra o
regresso ao passado absolutista, contra o «imperialismo papal» antiliberal, contra as
classes privilegiadas que as protegiam na Câmara dos Pares, obrigaram o Governo
histórico a clarificar-se à esquerda, até à expulsão das religiosas, em 1862.
O Partido Histórico reforçou a sua identidade com a realização de importantes
reformas, embora consensuais (extinção dos morgados, abolição dos passaportes
internos, liberalização do sector do tabaco, desamortização, etc). Mas, enfraquecido por
divisões internas, deixou-se submeter ao Partido Regenerador, no «Governo da Fusão»,
recuando na diferenciação e desguarnecendo o espaço da esquerda, no qual o anseio de
alternativa fez surgir um novo partido, mais radical, Reformista.
Desta experiência aprenderam os Históricos a conveniência de haver dois
partidos, «um mais ou menos conservador» e «outro mais avançado, mais liberal, mais
democrático». Isto implicava uma união dos partidos da esquerda, cuja necessidade
também os Reformistas sentiam, a fim de formarem uma alternativa capaz de fazer
frente à direita, instalada no poder sob o comando do Partido Regenerador. Mas a união
dos partidos da esquerda demorou, mesmo quando o contexto revolucionário por que
passavam os países vizinhos podia acentuar a sua comum identidade face à direita. O
Partido Histórico, se por um lado insistia na fórmula bipartidária, com base nos lemas
da conservação e do progresso, «dois lemas que nunca se apagam, que nunca perdem
1445 Rui Ramos, «Órfãs da História?: As direitas e a historiografia em Portugal», 19-21
292
oportunidade», «lemas de dois partidos essenciais no mecanismo do sistema que nos
rege»1446, por outro, hesitava na união com os Reformistas tidos como demasiado
radicais. E só 1876 os dois partidos se uniram formando o Partido Progressista.
Pelo seu lado, os Regeneradores rejeitaram ficar confinados ao espaço
conservador: o seu apego ao progresso material dava-lhes a «tónica tecnocrática», que
desejavam, distinta da «maior tónica social» dos Progressistas», segundo Ernesto Castro
Leal1447. Assim desenvolveram uma estratégia de hegemonia, como que uma variante da
antiga ideia da fusão dos partidos, que incluía a realização de reformas no sentido da
esquerda (por exemplo, o alargamento do sufrágio e a descentralização administrativa),
tornando mais confusas as diferenças entre os partidos. Mas durante largos anos, por
divergências internas e pelo contexto externo em que avultavam as experiências
revolucionárias na França e na Espanha, nem sequer admitiram à discussão as reformas
por eles propostas e muito menos os projectos dos partidos da esquerda.
O mesmo contexto externo revolucionário era motivo para os Históricos e os
Reformistas reclamarem reformas no sentido de tornar a monarquia «cercada de
instituições democráticas» e isto evidenciava a distinção entre direita e esquerda. E
quando formaram o Partido Progressista, invocaram, no respectivo programa, «a
experiência de regime republicano» que se ensaiava «numa grande nação», a França,
fazendo crescer o número dos que «perderam a fé na eficácia das instituições
monárquicas», e apresentaram-se com o propósito de associar todos os que «ainda
crêem na possibilidade e na conveniência de conciliar a forma tradicional do governo
monárquico com as sisudas e racionáveis aspirações da moderna democracia»1448. Ou
seja, afirmavam-se como um partido de esquerda moderada, integrado no sistema
monárquico, a propor-se realizar reformas pacíficas quando por perto espreitava o
perigo da revolução republicana; aliás, uma facção que se recusou a integrar o Partido
Progressista contribuiu para criar então o Centro Republicano Democrático. E não seria
marca de esquerda a organização mais democrática adoptada pelos Progressistas, face à
marca de direita inscrita na organização elitista dos Regeneradores?
Afinal, foram os Regeneradores que, em 1878, fizeram algumas das reformas
igualitárias, que eles mesmos tinham proposto no início dos anos 70 (e logo congelado)
1446 O País, 1/6/1875 1447 Ernesto Castro Leal, «Vida política (1850-1910)», Dicionário de Eça de Queiroz (org. A. Campos Matos), Lisboa, Caminho, 1988, 936 1448 Partido Progressista, Exposição Justificativa e Programa, 1877, 1-4
293
e que os Progressistas e seus antecessores vinham reclamando, em especial o quase
sufrágio universal masculino. Onde estavam agora a direita e a esquerda? Os
Regeneradores, ou o seu pragmático chefe, Fontes Pereira de Melo, fizeram as reformas
num contexto de feroz campanha progressista contra o rei e quando parte da opinião
pública dava sinais de querer uma mudança. Ou seja, agiram não por convicção mas
como reformadores pressionados. Mas isso não parece ter alterado a percepção que a
opinião pública tinha dos grandes partidos: a avaliar pela venda de jornais e pelos
resultados das eleições a seguir realizadas, os Progressistas viram a sua popularidade
aumentada, em especial nos meios urbanos. O que permite a interpretação de que parte
crescente da opinião pública, desejava pôr fim ao longo domínio da direita.
Quando colocados na oposição, a partir de 1879, os Regeneradores serviram-se
da grande influência que detinham na Câmara dos Pares para bloquear o Governo
presidido por Braamcamp. Ao fazerem prevalecer a maioria dos pares (não eleitos)
sobre a maioria dos deputados (eleitos), puseram em evidência a sua identidade de
direita. Em relação à Câmara Alta, a esquerda, pelo contrário, sempre manifestara
reservas e o mesmo Braamcamp por diversas vezes recusara ser nomeado par, a última
das quais em 1874, por oferta do Governo de Fontes.
Quanto às reformas de 1884-1885, pode dizer-se o mesmo que a respeito das
reformas de 1878: tratou-se de reformas igualitárias, longamente reclamadas pelos
Progressistas, no sentido da representação das minorias atenuando o domínio do partido
do Governo nas eleições, ou no sentido de pôr fim ao princípio da hereditariedade dos
pares ou de limitar certos poderes do rei de dissolução da Câmara dos Deputados.
Também neste caso, Fontes, como ele mesmo declarou, fez reformas, que não julgava
necessárias, no mínimo indispensável para não perder a opinião pública; ou seja: agiu
como um reformador pressionado pela opinião pública ou pela vontade do rei. Rui
Ramos coloca Fontes numa lista de nomes de direita em Portugal e o duque de Loulé,
Braamcamp e José Luciano de Castro na «esquerda da monarquia constitucional»1449.
Outras situações havia reveladoras de distinção entre os dois partidos. Na
política fiscal, a aposta que os Progressistas fizeram na contribuição predial e no
imposto do rendimento, invocando razões de equidade, podia caracterizá-los como de
esquerda em relação aos Regeneradores que preferiam tributar o consumo. O mesmo se
diga das medidas, tomadas pelo Governo progressista de 1886-1890, que davam mais
1449 Rui Ramos, «Órfãs da História?: As direitas e a historiografia em Portugal», 29 e 40
294
intervenção do Estado na economia, em vez do livre-cambismo adoptado pelos
Regeneradores. A marca de esquerda podia também ser vista na maior propensão dos
Progressistas para o parlamentarismo, face à maior propensão dos Regeneradores para o
poder executivo, embora tal marca fosse contrariada pela larga «ditadura» progressista
de 1886-1887. Um republicanismo tendencial poderia ainda distinguir os Progressistas,
não fossem as alianças dos Regeneradores com os Republicanos para entalar os rivais.
Julga-se suficiente o conjunto de exemplos dados para dizer que os dois partidos
que mais tempo ocuparam o poder eram diferentes entre si, em termos de representar
um o espaço da direita e o outro o espaço da esquerda. Mas não eram grandes as suas
diferenças. Mesmo na questão religiosa, que fora tão usada para acelerar a diferenciação
entre os partidos, verificou-se depois haver proximidade entre as facções moderadas
que, num e noutro, comandavam o jogo político. Além disso, várias reformas
importantes (abolição dos morgados, desamortização, código civil, etc) foram feitas em
ambiente de relativo consenso entre os dois partidos. Significa que a parte maior
representada por cada um, em cada lado, era moderada, próxima do centro.
Os outros grupos políticos
Centrada a análise até agora nos dois grandes partidos, cabe compará-los com os
outros grupos políticos que actuaram no período da tese.
Segundo Duverger1450, há dois tipos de pequenos partidos: de personalidades e
de minorias permanentes. Como partidos de personalidades, ou simples grupos
parlamentares sem organização partidária real no país, classificam-se os Cabralistas (em
torno de Costa Cabral, ou marquês de Tomar), os Avilistas (em torno do duque de
Ávila), os Penicheiros (em torno do conde de Peniche), os Constituintes (em torno de
Dias Ferreira e de Vaz Preto) e a Esquerda Dinástica (em torno de Barjona de Freitas).
Como partidos de minorias permanentes, correspondendo a uma fracção da opinião
pública, classificam-se os Miguelistas, ou Legitimistas, na extrema direita, os
Socialistas e os Republicanos, na extrema-esquerda do espaço político. Com
características híbridas podem considerar-se os Reformistas, por um lado girando em
torno do tão popular bispo de Viseu, por outro representando parte da opinião pública
da esquerda radical próxima dos Republicanos.
1450 Maurice Duverger, Os partidos políticos, 324-333
295
Normalmente, estes grupos tinham escassa expressão parlamentar e mesmo essa
deviam-na em geral a serem utilizados nas lutas que os partidos maiores travavam entre
si. Ocasionalmente podiam assumir grande importância quando eram indispensáveis na
maioria parlamentar, como aconteceu com os Avilistas em 1871-1874. A importância
dos Penicheiros verificou-se durante a breve ditadura de Saldanha (1870). No período
de grande fragmentação do poder (1868-1871), alguns destes grupos foram chamados a
dominar governos e a organizar eleições. Isto aconteceu com os grupos Avilista e
Reformista, cada um deles por duas vezes. Mas verificou-se em todas as situações que
estes grupos não conseguiram obter maiorias absolutas nem sustentar governos por mais
do que escassos meses (ver Quadro nº 1). Isto, por um lado, relativiza a ideia de que
todos os governos ganhavam as eleições; por outro, comprova a mais fraca consistência
dos pequenos grupos em comparação com os partidos rotativos, por não terem como
estes redes de influentes onde recrutar os candidatos e os agentes para o «maquinismo»
administrativo necessário a ganhar eleições com maiorias duradouras.
Os «partidos de personalidades» quase por definição tiveram vida efémera. Em
geral evoluíam na dependência dos partidos maiores, oscilando nas suas definições
doutrinárias conforme as conveniências. Os Avilistas provinham da direita cabralista,
afirmaram-se, nos anos 50 e 60, junto do partido da esquerda (Histórico) e acabaram por
assumir o espaço conservador originário, contíguo ou sobreposto ao espaço dos
Regeneradores, de tal modo que aos poucos, nos anos 70, foram sendo por estes
absorvidos até desaparecerem com a morte do duque de Ávila, em 1881.
Os Penicheiros eram um grupo turbulento, pouco apreciado pelos outros grupos,
constituído sobretudo por gente das camadas baixas, em torno do conde de Peniche
(depois marquês de Angeja); destacaram-se no período 1867-1872, primeiro, na
constestação ao «Governo da Fusão» e ao governo de Ávila que se seguiu, depois no
apoio à ditadura de Saldanha; ainda protagonizaram a tentativa de golpe chamada
«pavorosa», em 1872, dominada na fase de preparação, o que motivou suspeitas se o
governo regenerador não lhes teria exagerado a importância.
O Partido Constituinte era de mais difícil classificação: fundado em 1871 pelo
radical Dias Ferreira, associado ao conde de Peniche desde a contestação ao «Governo
da Fusão» até à ditadura de Saldanha, foi acrescentado no final dos anos 70 com o
grupo de amigos de Vaz Preto, terra-tenente conservador da Beira Baixa. De facto, eram
dois grupos, cada um associado a personalidades contrastantes, o primeiro adepto da
Constituição de 1838 e o segundo adepto do regresso às eleições indirectas. E esse
296
contraste tornou-se evidente nos anos 80, a respeito da participação do Governo
regenerador e a respeito das reformas políticas. Este pequeno partido, mais conhecido
como «patrulha», durante década e meia elegeu deputados, em geral sob a protecção do
Partido Regenerador e aproveitando a influência de Vaz Preto na zona centro do país,
até desaparecer como grupo em 1887; mas Vaz Preto formou depois um outro pequeno
grupo de influência, chamado «Porto Franco».
Também o Partido Regenerador gerou pequenos grupos, ainda no tempo de
Fontes, nos anos 80: na sua direita, declarou-se uma dissidência, no sentido de se formar
o Partido Conservador Liberal, em torno de Casal Ribeiro, que não chegou a confirmar-
se; na sua esquerda, já depois da morte de Fontes, uma outra dissidência se declarou, a
Esquerda Dinástica, a qual já tinha antecedentes, como facção radical dentro do Partido
Regenerador desde os anos 70; tal como esta facção mantivera então alianças com uma
certa ala republicana, também a Esquerda Dinástica, logo que se formou em 1887,
esteve perto de obter a adesão do Partido Republicano reunido em congresso. Foi curta
a sua vida (1887-1890), já pela ambiguidade da sua origem no partido da direita, já por
ter sido formado quando o tradicional ocupante do espaço da esquerda, o Partido
Progressista, se encontrava na posição do poder: nas eleições de 1889 foi utilizado
contra o seu partido de origem, ao qual todavia regressou poucos meses depois, logo
que as condições políticas se inverteram com o «Ultimato Inglês».
Na extrema-direita do espectro político, situavam-se os Miguelistas,
representando uma fracção da opinião pública tradicionalista e avessa ao regime liberal.
Eram vistos como uma força do passado, contudo algumas das suas ideias vieram a ser
recuperadas no século XX, nomeadamente pelo Integralismo Lusitano e em parte
adoptadas no Estado Novo1451. Mantiveram uma presença discreta no palco político,
por meio do jornal A Nação e de uns poucos deputados eleitos, em geral na região do
Minho, em associação com o Partido Regenerador, embora dentro do partido houvesse
uma ala que se opunha a essa forma «urneira» de integração no regime.
Situado na esquerda, o Partido Reformista deixou uma imagem de radical, já nas
margens do sistema político. Não era bem um partido, mas uma aliança de várias
facções, seguindo princípios entre si conflituantes: clerical ou anticlerical, burguesa
(sobretudo no Porto) ou socialista utópica (sobretudo em Lisboa), monárquica ou
1451 Luís Reis Torgal, «Do tradicionalismo antiliberal ao “nacionalismo integral” e à “terceira via” dos “Estados Novos”, e Maria Alexandre Lousada, «Portugal em guerra: a reacção antiliberal miguelista do século XIX», in Ideias e percursos das direitas portuguesas, coord. Ricardo Marchi, Alfragide, Texto Editores Lda, 2014, 225-243; e 81-112
297
democrática e até republicanizante. Foi esta falta de unidade interna que, por duas
vezes, em 1869 e 1871, determinou a queda de situações governativas às quais dava
apoio como principal força parlamentar. Neste período ganhou tal força que pareceu
poder roubar ao Partido Histórico o papel de maior representante da esquerda. Entre
estes dois partidos havia uma contiguidade evidente, em termos de um ganhar em
detrimento do outro. Aliás, o Partido Reformista nasceu quando o Partido Histórico
integrou o «Governo da Fusão», desguarnecendo a esquerda, e desde logo acolheu
alguns Históricos dissidentes. Depois, nas relações entre os dois partidos actuaram tanto
elementos de rivalidade como de aproximação. A facção reformista que então mais se
opôs a qualquer aproximação aos Históricos foi o Centro do Pátio do Salema, ou Clube
dos Lunáticos, de tendência republicana, que, em 1876, se recusou a integrar o Partido
Progressista, preferindo contribuir, com outros grupos, para a fundação do Centro
Republicano Democrático, embrião do futuro Partido Republicano.
Em 1875 e 1876, num contexto de crescente politização na opinião pública
urbana e perante os desenvolvimentos revolucionários nos países vizinhos, surgiram
dois «partidos de minorias permanentes» na esquerda: o Partido Socialista e o Centro
Republicano Democrático (embrião do futuro Partido Republicano). Verificou-se porém
entre os dois uma diferença significativa de implantação: de facto, o Partido Socialista
nunca alcançou votações próximas de eleger qualquer deputado1452.
Ao Partido Republicano justifica-se conceder aqui maior relevo, mais do que aos
outros grupos políticos, pela grande importância que veio a assumir no futuro, com base
na sua forte implantação na região politicamente crítica de Lisboa. Era visto como
antecipando o futuro: muitos monárquicos acreditavam que mais cedo ou mais tarde o
regime evoluiria para a república; e essa ideia era reforçada pelas reformas realizadas no
período da tese, todas no sentido do aumento da soberania da nação em detrimento da
soberania do rei. Aguardando que, à força de instrução, acabariam por conquistar o voto
do povo, os Republicanos eram em geral gradualistas no método de alcançar o poder;
todavia, sobretudo depois do «Ultimato Inglês», ganhou força uma ala extremista
defensora do método revolucionário e violento para impor os seus valores.
O Partido Republicano teve, em parte, os Reformistas como antecessores e,
como eles, mantinha uma contiguidade com o partido monárquico da esquerda, o
1452 Fernando Catroga, O Republicanismo em Portugal, 18
298
Progressista, de tal modo que ganhava ou perdia força consoante este enfraquecia ou
fortalecia a sua posição. Quando foi criado, o Centro Republicano Democrático não
encontrou muito espaço favorável à sua afirmação porque a dinâmica da esquerda era
então dominada pelo novo Partido Progressista, cujo programa ganhou fama de
«subversivo» e cuja campanha violenta movida contra o rei em 1878 perturbou as
massas apoiantes de Republicanos e Socialistas1453. Ao passo que o Centro Republicano
Democrático se debatia com divergências internas, entre uma ala «democrata» ou
«guarda avançada dos reformistas», habituada à colaboração com os monárquicos, que
preferia chamar-lhe apenas «democrático», e outra ala, chamada «federalista», mais
intransigente, que achava obrigatório identificá-lo como «republicano». E mais se
agravaram essas divergências em 1878, quando Elias Garcia, depois de participar nas
eleições para a Câmara Municipal de Lisboa em lista conjunta com Regeneradores,
recebeu o apoio regenerador nas eleições para deputados, por um círculo de Lisboa, sem
ser eleito aliás1454. De tal modo que 1879, estando os Progressistas no poder rodeados
de grandes expectativas, os Republicanos obtiveram apenas 6% dos votos por Lisboa.
Enquanto alguns autores, como José Tengarrinha, aceitam 1876 como ano da fundação
do Partido Republicano1455, outros, como Fernando Catroga, entendem que não era
ainda partido um movimento então dominado por fortes divergências doutrinárias e
pessoais e pelo autonomismo clubista. Só depois do falhanço do Governo progressista
de 1879-1881 é que aos Republicanos se deparou a grande oportunidade de alargarem a
sua implantação e de superarem os seus localismos, elegendo uma direcção nacional e
lançando as bases de um partido político moderno no Congresso de 18831456.
Em 1880 os Republicanos tinham aproveitado habilmente as comemorações do
Tricentenário de Camões, associadas ao polémico Tratado de Lourenço Marques, como
arma de propaganda e de luta contra a Monarquia, assim recuperando eleitores perdidos
no ano anterior. E em 1881, já com o novo jornal O Século e depois dos meetings de
Março contra a política colonial, que em conluio com uma certa ala regeneradora
ajudaram a derrubar o Governo progressista, quintuplicaram os votos e elegeram um
deputado em Lisboa. Alguns monárquicos, como José Luciano de Castro, deram-se
conta do «perigo»: «o Partido Republicano medra assombrosamente»; «A corrente hoje
1453 José Tengarrinha, «Progressismo», 106 1454 Fernando Catroga, O Republicanismo em Portugal, 28 e 31 1455 José Tengarrinha, «Os primórdios dos partidos políticos…», 2002, p. 44 1456 Fernando Catroga, O Republicanismo em Portugal, 12-13 e 37-38
299
em todo o país é republicana. A ideia caminha com assombrosa rapidez. Não é só nas
cidades, é mesmo nas províncias», «No Paço entrou o medo»1457.
Isso determinou uma mudança importante na política, no sentido de assegurar
maior equilíbrio entre os dois partidos rotativos para que a alternativa de esquerda
continuasse dentro, e não caísse fora, do campo monárquico. Os Republicanos deixaram
de ser usados pelos Regeneradores na luta contra os Progressistas e passaram a ser alvo
de maior vigilância e perseguição na sua imprensa, assim como obrigados a submeter às
autoridades os respectivos estatutos1458. Foi portanto com muito mais cuidado e
discrição que prosseguiram as suas actividades, em especial a aprovação do Projecto de
Organização Definitiva do Partido Republicano, redigido por Manuel de Arriaga, em
1882, com base no qual se tomaram as decisões do Congresso, realizado de 18 a
21/8/1883, em Lisboa1459. Entre 1880 e 1884, instalaram a sua rede de centros, que veio
a vigorar nas décadas seguintes, sobretudo em Lisboa. Confirmando essa forte
implantação, os Republicanos ganharam aos Progressistas os dois deputados da
«minoria», por Lisboa, nas eleições de 1884. De tal modo que os Progressistas,
derrotados e mergulhados em graves divisões, recearam pelo seu futuro e recobraram
ânimo com a adesão do prestigiado ex-republicano Oliveira Martins.
Já quando os Progressistas estavam outra vez no poder, os Republicanos
dividiram-se, em 1887, perante o cenário de se fundirem com a Esquerda Dinástica de
Barjona de Freitas que se destacara do Partido Regenerador depois da morte de Fontes;
era ainda a velha tensão entre uma ala que vivia de colaborar com os partidos
monárquicos e outra que recusava tal colaboração; foi preciso realizar dois congressos
(em Agosto e Dezembro) para se apurar, por estreita margem, a vitória dos que
rejeitavam a fusão com um partido monárquico1460. Em 1889, perderam um dos
deputados que tinham por Lisboa. E em 1890 não tiraram toda a vantagem que
poderiam ter tirado do ambiente que lhes era tão favorável depois do «Ultimato Inglês»;
apesar disso, foram «a única força política que claramente capitalizou dividendos em
1457 Cartas ao visconde de Valmor, de 13/08 e 31/08/1881, em Pedro Tavares de Almeida, Nos bastidores das eleições de 1881 e 1901. Correspondência política de José Luciano de Castro, pp. 63 e 76 1458 Fernando Catroga, O Republicanismo em Portugal, 34-35; Pedro Tavares de Almeida, Eleições e caciquismo, 128 1459 Fernando Catroga, O Republicanismo em Portugal, 37 1460 Sobre o Partido Republicano Português, ver também, de Amadeu Carvalho Homem, «O avanço do Republicanismo e a crise da Monarquia Constitucional», História de Portugal, dir. José Mattoso, vol. 5, Lisboa, Editorial Estampa, 1998, 109-121
300
termos de opinião pública nacional»1461, como se viu nas eleições imediatas, em que
ganharam três (de quatro) deputados pela «maioria» em Lisboa, numa aliança informal
com os Progressistas que ganharam o quarto elemento.
Já para além do período da tese, a revolta republicana do 31 de Janeiro de 1891,
no Porto, não foi um sinal de força, tanto mais que em grande medida fugiu ao controle
da direcção nacional do partido. Nas eleições de 1892 e 1894, num contexto de grave
crise financeira, os Republicanos obtiveram bons resultados em Lisboa. Todavia, a
partir de 1895, quando o Partido Progressista protagonizou a guerra da esquerda contra
a «ditadura» de Hintze/Franco, ao ponto de se recusar a participar nas eleições, o
Partido Republicano, que também não participou nessas eleições, entrou em grave
declínio. E só dali a dez anos, quando o Partido Progressista sofreu uma grave
dissidência e especialmente durante a «ditadura» de João Franco, de 1907-1908, é que o
Partido Republicano retomou uma trajectória ascendente, obtendo grandes e crescentes
votações em Lisboa, até à revolução vitoriosa.
Em que medida a implantação do Partido Republicano em Lisboa e no Porto se
deveu aos apoios que lhe deram os grandes partidos monárquicos? Isso aconteceu
sobretudo em Lisboa, primeiro ao abrigo da aliança entre a facção regeneradora de
Barjona e a facção republicana dos «democratas oportunistas», mais visível no período
1878-1881, depois pelos apoios eleitorais dos Progressistas aos candidatos republicanos
em 1881 e 1890. No Porto, este tipo de apoios foi menos frequente e intencional, quase
limitado ao que os Progressistas deram, em 1878, para eleger Rodrigues de Freitas de
grande prestígio pessoal. Além desta, outras vitórias eleitorais republicanas no Porto
deveram-se a circunstâncias especiais, como foi a pneumónica de 1899. Por isso e por
razões de natureza cultural, só em Lisboa e na região próxima é que a implantação do
Partido Republicano era forte e lhe dava capacidade para disputar a vitória.
No conjunto do país dominava desde muito o dualismo partidário, abrangendo as
forças moderadas que representavam uma o centro-direita e outra o centro-esquerda. A
seguir se fará o balanço de como entre elas funcionou o mecanismo da rotação.
1461 António Ventura, Anarquistas, Republicanos e Socialistas em Portugal. As Convergências Possíveis (1892-1910), Lisboa, Edições Cosmos, 2000, 15
301
Conclusão
Afinal, o que foi a rotação dos partidos, o famoso rotativismo?
Foi «um mecanismo pouco usado», diz Rui Ramos, com base em que apenas
quatro de 23 transições de governo, no período 1860-1897, ocorreram entre os dois
partidos rotativos. Mas há uma memória histórica de ter havido um quase monopólio
destes partidos a assegurar o governo do país, memória que se confirma tendo em conta
a duração dos governos. De facto, no período 1851-1890, em 39,5 anos apenas quatro
foram governados fora dos dois partidos rotativos. Ou seja: no período de referência da
tese, quase 90% do tempo de governo foi assegurado por estes partidos; e a partir de
Janeiro de 1878, o domínio governativo dos partidos rotativos foi de 100%.
O Quadro nº2 foi feito para dar uma imagem perceptível da alternância entre
direita e esquerda pelos governos que se sucederam nas quatro décadas de 1851-1890.
Verifica-se ter havido uma repartição de tempo quase equilibrada entre as forças da
direita e as da esquerda, já que, no total, cerca de 50% do tempo foi ocupado por
governos de direita, 40% por governos de esquerda e 10% por duas situações centristas,
de «frente» ou de «fusão», ambas sob ascendente da direita.
Evidente no Quadro é também a sucessão de períodos de domínio de certos
políticos – Loulé em 1856-1865 e Fontes em 1871-1886 – o que leva a pensar se o
ascendente destes políticos junto do rei não contou mais para a alternância do que os
partidos. Mas terá sido por acaso que estes políticos eram chefes dos grandes partidos
alternantes? A verdade mais completa deve estar na influência conjunta dos dois
factores: a chefia do partido a justificar a confiança do rei e a confiança do rei a
favorecer a chefia partidária. Também o duque de Ávila foi chamado a presidir a vários
governos, em conjunturas de crise ou de transição, os quais, por não serem sustentados
num partido próprio, não passaram de experiências efémeras.
Observe-se ainda que a excepção dos governos organizados fora dos partidos
rotativos (assinalados em itálico no Quadro) aconteceu sobretudo num pequeno período
crítico, entre 1868 e 1871; é lá que se podem contar quase todas as mudanças de
governo ocorridas fora do mecanismo da rotação. O mesmo acontecerá no período
crítico (1890-1893) que se seguirá ao «Ultimato Inglês», o que sugere que a rotação
bipartidária não se dá bem, ou é posta em causa, nas crises políticas.
302
Quadro nº 2 – Repartição dos Governos entre Direita, Centro e Esquerda (1851-1890)
1851-1852 Frente «Partido Nacional»
Saldanha
1853-1856 Saldanha
1856-1859 Loulé
Loulé/Ávila
1859-1860
1860
Terceira
Aguiar
1860-1862
1862-1865
Loulé/Ávila
Loulé/Sá/«unha preta»
Loulé/«unha preta»
1865 Sá/Ávila
1865-1868 «Governo da Fusão»
Aguiar/Fontes
1868-1869
1869-1870
1870
1870-1871
1871
Sá/Viseu
Loulé
Saldanha
Sá/Viseu
Ávila/Dias
Ávila/Viseu
Ávila
1871-1877 Fontes
1877-1878 Ávila
1878-1879 Fontes
1879-1881 Braamcamp
1881
1881-1883
1883-1886
Sampaio
Fontes
Fontes
1886-1890 José Luciano
1890 Serpa
191 meses = 40,5% 47 meses = 10% 235 meses = 49,5%
NB: Assinalados em itálico os governos organizados fora dos partidos rotativos
303
Em que factores se baseou a rotação dos partidos? O Quadro nº 2 ajuda a
responder à questão mostrando as causas das 23 mudanças de governo ocorridas no
período 1851-1890. O quadro está organizado em função dos principais factores de
sustentação dos governos, ou seja: a confiança do rei, as maiorias parlamentares
(deputados e pares), o próprio governo e a opinião pública. É de notar que nem sempre
são evidentes as causas, dando azo a diferentes interpretações. Nas mudanças para que
várias causas concorreram, estão assinaladas a bold as consideradas mais importantes.
A intervenção do rei era sempre necessária, se não para a queda de um governo,
pelo menos para a solução que se seguia; mas no Quadro só aparecem os casos em que a
intervenção real foi decisiva. Foi decisiva e a mais importante logo na primeira em que
houve mudança de cor, em 1856, quando o próprio rei assumiu que só ele poderia evitar
a «tirania permanente» de um partido. Também foi a mais importante em 1870, a par
das pressões de todas as forças políticas para pôr fim à ditadura de Saldanha; em 1878,
quando contrariou a rotação ao optar pelo Partido Regenerador em desfavor do
Progressista; em 1881, quando chamou Fontes para pôr ordem no seu partido e preparar
reformas equilibradoras do regime; em 1883, quando manteve um Fontes desgastado
para que este levasse por diante as reformas favoráveis à rotação; e em 1886, quando
pôs fim ao longo domínio de Fontes, achando «ter seguido a opinião pública». Outras
intervenções reais, sendo decisivas, não foram as mais importantes: em 1860, quando o
rei optou por Loulé face aos Regeneradores divididos; em 1868, no fim do «Governo da
Fusão», em 1868, quando deu vazão ao grande movimento de opinião que foi a
Janeirinha; em 1871, quando optou por Fontes perante a falta de maioria iminente sobre
o Governo Ávila. Quanto a este Governo Ávila (1870-1871), a intervenção do rei fez-se
notar não tanto no seu início, perante a renúncia do bispo de Viseu de organizá-lo, mas a
manter Ávila, alguns meses depois, quando lhe faltou o apoio reformista.
A falta de maioria dos deputados determinou a queda de sete governos, todos
eles de pequenos partidos, entre os quais se inclui a ditadura de Saldanha (1870), que
reunia a hostilidade de todos os partidos e que só não caiu no Parlamento por este se
encontrar encerrado. Todos estes governos, excepto dois, organizaram eleições, mas em
poucos meses perderam o apoio de maiorias nelas construídas (ver Quadro nº 1). Há
ainda o caso do primeiro Governo Loulé, que, não tendo caído no Parlamento, em 1859,
foi afectado por votações hostis, num tempo em que o Partido Histórico estava ainda
mal estruturado. Não se confirma, pelo menos no período 1865-1878, a ideia corrente da
irrelevância do Parlamento na queda dos governos no regime liberal oitocentista,
304
sustentada nomeadamente por Marcelo Caetano; Paulo Jorge Fernandes sustenta a
mesma ideia, mas baseado num estudo reportado ao período 1878-19101462.
A falta de maioria dos pares, que contribuiu para a queda dos governos em 1856,
1869 e 1881 (com dúvidas em 1879), não deve ser confundida com a falta da maioria
dos deputados, pois era em grande medida alheia ao próprio Governo afectado, como
uma herança hostil; o facto de um corpo não eleito se sobrepor ao corpo eleito, pode até
ser considerada uma disfuncionalidade do sistema liberal, que justificou a sua reforma.
Uma outra causa frequente da queda de governos consistiu no seu desgaste
interno, sem que tal envolvesse a perda da maioria de deputados. Conforme assinalado
no Quadro, esta causa foi importante na substituição de governos (todos dos grandes
partidos), em 1859, 1860, 1865, 1877, 1879, 1881, 1883 e 1890.
Finalmente, a opinião pública foi também causa da mudança de governos, sendo
por vezes difícil determinar em que medida foi a causa principal. Por exemplo, a queda
do todo poderoso «Governo da Fusão» diante da pouco violenta revolta da Janeirinha,
em 1868, deveu-se, segundo Casal Ribeiro, à força da corrente de opinião que se opôs à
cobrança de um novo imposto. A força da opinião pública foi também a causa principal
da transição de 1879, depois das severas derrotas eleitorais que impusera ao Governo
Fontes nas cidades e depois dos meetings contra a política colonial. Na transição de
1886 a importância da opinião pública foi reconhecida pelo próprio rei. Os motivos de
agitação que mais ajudaram a derrubar governos foram, numa primeira fase, sobretudo
os impostos, por exemplo em 1856, 1868 e 1881, e, mais tarde, sobretudo a questão
colonial, em 1879, 1881 e em 1890. No verão de 1868 a opinião manifestou-se a favor
de um governo inspirado no espírito da Janeirinha; e em 1870 alguma opinião deu força
aos partidos e ao rei para se pôr fim à ditadura de Saldanha.
Que hierarquia se pode estabelecer entre os factores da rotação?
O factor mais importante era sem dúvida a intervenção do rei, porque dele
dependia a nomeação dos governos, os quais, por sua vez, tinham normalmente meios
de influenciar as eleições que lhes proporcionavam as maiorias parlamentares… até que
o rei nomeasse outro governo. Só os governos dos pequenos partidos mostraram não ser
capazes de utilizar as eleições para construir maiorias estáveis. Relativamente autónoma
do rei era a opinião pública, que foi mostrando força crescente ao longo do tempo, mais
a derrubar governos do que a determinar as soluções governativas nas eleições.
1462 Marcelo Caetano, Manuel de Ciência Política e Direito Constitucional, 382; Paulo Jorge Fernandes, «O Sistema Político na Monarquia Constitucional, 1834-1910», 38-39
305
Quadro nº 3 – Factores da transição dos Governos (1851-1890)
PCM Data Intervenção do rei
Falta/erosão da maioria
Desgaste interno,
mantendo a maioria
Opinião pública, agitação social
Outras causas
Saldanha > = Saldanha
07/07/51 Ajustamento
Saldanha > Loulé
06/06/56 X (pares) X
Loulé > Terceira
16/03/59 X? X
Terceira > Aguiar
01/05/60 Morte do PCM
Aguiar > Loulé
04/07/60 X X
Loulé > Sá da Bandeira
17/04/65 X
Sá Bandeira > Aguiar
04/09/65 X
Aguiar > Ávila
04/01/68 X X
Ávila > Sá da Bandeira
22/07/68 X X
Sá Bandeira > Loulé
11/08/69 X (+ pares)
Loulé > Saldanha
20/05/70 Golpe militar
Saldanha > Sá Bandeira
29/08/70 X X (partidos)
X
Sá Bandeira > Ávila
29/10/70 X X
Ávila > Fontes
13/09/71 X X
Fontes > Ávila
05/03/77 X
Ávila > Fontes
29/01/78 X X
Fontes > Braamcamp
01/06/79 (pares?) X X
Braamcamp> Sampaio
25/03/81 (pares) X
Sampaio > Fontes
14/11/81 X X
Fontes > = Fontes
24/10/83 X X
Fontes > J. Luciano
20/02/86 X X
J. Luciano > Serpa
14/01/90 X Ultimato Inglês
Serpa > J. Crisóstomo
14/10/90 X X
306
Numa fase inicial, a sociedade era muito dependente, por não ter suficiente
autonomia para vencer a influência das autoridades governativas, mostrando-se incapaz
de utilizar as eleições para gerar a alternância. Por isso, se dizia que os governos
ganhavam sempre as eleições. A dependência dos eleitores era maior nos meios rurais,
sobretudo desde que foi alargado o direito de voto aos chefes de família analfabetos.
Legalmente o voto era secreto; na prática, o voto rural era comunitário, conhecido de
todos; só nas cidades cada vez mais eleitores votavam como indivíduos autónomos. Não
que o voto rural fosse pouco esclarecido, já que, ao seguirem as autoridades
governativas, confiavam ser com elas que o seu voto seria melhor retribuído.
A concorrência eleitoral era fraca. Desde a década de 1850, a consolidação do
aparelho do Estado foi aumentando a penetração territorial com reflexo no predomínio
das candidaturas ministeriais1463. Sob a reforma de 1859 que introduziu os círculos
uninominais, conseguiu-se manter a concorrência em mais de 50% dos círculos, no
período 1860-1868 (Quadro nº 5 e Gráfico nº 3). Mas as reformas eleitorais seguintes
foram enfraquecendo as influências locais, ora alargando a dimensão dos círculos
(1869-1874), ora duplicando a massa dos eleitores embora reduzindo essa dimensão
(1878-1881), ora introduzindo círculos plurinominais nas capitais de distrito em termos
que facilitavam os acordos entre as cúpulas partidárias (1884-1894). O Quadro nº 5 e o
Gráfico nº 3 mostram uma correlação entre as reformas eleitorais e a concorrência, sem
abrangerem as eleições no período 1852-1858 sob a reforma de 1852.
Estava aqui, na dependência das autoridades governativas, o principal problema
das eleições, não na fraude do tipo «chapeladas», como vulgarmente se pensa. Na
maioria dos círculos nem havia protestos, o que em vez de honestidade mais depressa
significava falta de competição. Normalmente só havia protestos quando havia luta,
mais ou menos fundamentados e relevantes para o resultado eleitoral.
Os protestos eram analisados pelos deputados, em comissões de verificação de
poderes, antes de jurarem e de ser constituída a Câmara. A apreciação dos casos mais
polémicos podia depois arrastar-se por meses, pendente de relatórios detalhados, até
terminar por uma votação (em geral, por esferas). O Quadro nº 5 mostra, o número de
círculos cuja eleição acabou decidida por votação dos deputados: no máximo atingiu
sete círculos, no período 1860-1881; a partir de 1884, estas decisões passaram para um
1463 Pedro Tavares de Almeida, «Reformas Eleitorais e Dinâmica Política no Portugal Liberal (1852-1910)», O Sistema Político Português, Séculos XIX-XXI, Continuidades e Ruturas, org. André Freire, Edições Almedina, 2012, pp. 51-62
307
tribunal especializado. Era difícil que alguma irregularidade grave acontecida não
chegasse aos deputados e a uma destas votações decisórias. Não se nega que houvesse
irregularidades e até votações erradas, mas não se pode generalizar e reduzir a nada a
importância das eleições do Portugal liberal, pelo menos no período da tese1464 1465.
Dada a grande dependência dos eleitores em relação aos governos, se não
houvesse uma intervenção exterior, o mesmo partido eternizava-se no poder. Foi para
evitar a «tirania permanente» de um partido que o rei D. Pedro V promoveu a rotação
nos anos 1856, 1859 e 1860, assumindo-se como «guardião da liberdade».
Na década de 1870, perante o prolongado poder do Partido Regenerador, de
Fontes, o programa do Partido Progressista denunciava que a Câmara dos Deputados era
eleita não pelo País mas pelos agentes do poder executivo, de tal modo que a facção que
alcançasse a preferência real conseguia sem dificuldade alongar indefinidamente a sua
conservação no poder; na falta de recursos legais para destruir o governo, levantavam-se
os olhos para o poder moderador» e, se este último recurso falhasse, só restava «o
supremo remédio da revolução»; o programa propunha reformas no sentido de reduzir a
pressão das autoridades e conquistar a liberdade eleitoral; e apelava ao rei a que fosse
«moderador e árbitro entre as opiniões que se disputam a supremacia política»1466.
Da permeabilidade do eleitorado face à influência das autoridades decorriam
grandes variações no número de deputados eleitos pelos partidos, consoante se
encontrassem no poder ou na oposição, sobretudo desde que foi alargado o direito de
voto, em 1878, a muitos novos eleitores analfabetos, como se mostra no Quadro nº 4.
Quadro nº 4: Número de deputados eleitos em eleições sucessivas
1878 1879 1881
Regeneradores 97 21 122
Progressistas 22 106 6
Outros 18 10 9
Fonte: Pedro Tavares de Almeida, Eleições e Caciquismo, 225
1464 Opinião idêntica manifesta Maria de Fátima Bonifácio, «O maior patrono de Portugal», Estudos de História Contemporânea de Portugal, Lisboa Imprensa de Ciências Sociais, 2007, 206 1465 Em períodos anteriores houve eleições que podiam merecer uma suspeita generalizada, por exemplo a de 1838, cuja legalidade não foi suficientemente verificada (ver Seabra contra a aprovação em bloco de todos os círculos, excepto o de Braga, Diário da Câmara dos Deputados, 5/1/1839, 58-60) 1466 Exposição Justificativa e Programa do Partido Progressista, 1877
308
Segundo Pedro Tavares de Almeida, essas variações entre nós eram maiores nos
meios rurais do que nas cidades, naturalmente; e, comparadas com as de outros países,
eram semelhantes às de Espanha, mas muito maiores do que na Inglaterra1467.
Tornou-se então mais premente o debate sobre a opinião pública. Todos os
políticos liberais falavam dela, naturalmente na perspectiva que mais lhes convinha: os
do governo afirmando que a opinião pública estava reflectida na maioria parlamentar
que resultara das eleições; os da oposição dizendo que a pressão das autoridades sobre
os eleitores impedia que a maioria representasse fielmente a opinião pública.
Aqui estava uma questão crucial para a justificação do regime monárquico
constitucional: se o eleitorado era incapaz de por si só gerar alternância, tinha de haver
alguém colocado acima do jogo político que interpretasse as demonstrações da opinião
pública e desempenhasse o papel de árbitro para assegurar algum pluralismo. Não era
uma característica específica de Portugal a permeabilidade do eleitorado à mobilização
clientelista dos governos, pois, em graus variados, era geral nos países europeus; talvez
não por acaso, em quase todos vigoravam monarquias.
Uma «boa lei eleitoral» era desejada pelos políticos liberais, por isso se fizeram
tantas reformas. A de 1884 visava assegurar maior representação das minorias e reduzir
a pressão das autoridades sobre os eleitores, contribuindo para dar maior equilíbrio aos
partidos e tornar mais viável a rotação. Mas Fontes não escondia o cepticismo de que os
problemas se resolvessem só com legislação: «o resultado das eleições depende mais
dos costumes públicos do que de todas as leis»; «não é possível evitar todos os abusos e
defeitos»1468. Posição idêntica já a expressara Serpa, futuro chefe regenerador, ao
destacar «a falta de ilustração» e «os costumes públicos da maioria dos eleitores» (antes
das leis administrativas e da vontade dos governos) entre as causas da falta de
independência eleitoral1469. Ou seja: muito dependia da evolução da sociedade.
Entretanto, a opinião pública ia evoluindo.
Ao longo da tese prestou-se atenção à participação política, que foi evoluindo a
par da dinâmica partidária, desde o início liberal. Se nas primeiras décadas, o exercício
da cidadania decorreu em condições de violência, na segunda metade do século XIX já
decorreu em condições de concórdia, envolvendo mais população, com eleições directas
1467 Pedro Tavares de Almeida, Eleições e Caciquismo, 161-165, 170 1468 Diário da Câmara dos Deputados, 17/1/1883, 75-77 1469 António de Serpa Pimentel, Questões de Política Positiva, 240-241
309
desde 1852, círculos uninominais desde 1860 e o quase sufrágio universal masculino
desde 1878. Nos anos 60, a novidade dos meetings foi instrumento de um protesto
social mais politizado: em 1867 e 1868, parte da população do Porto e de Lisboa, à base
da classe média, foi capaz de derrubar o «colosso» do «Governo da Fusão» apoiado
pelos dois partidos principais; e em 1869, a mesma população convenceu o rei a
reconduzir um governo que já estava demitido. Fontes Pereira de Melo, símbolo
principal do «Governo da Fusão», quando foi chamado a presidir ao Governo em 1871,
disse estar mais atento à opinião pública e prometeu reformas condizentes com «o
espírito do século», embora depois tivesse tardado muito a concretizá-las.
O apoio que o Partido Progressista recolheu de parte da população, quando
promoveu uma campanha violenta contra o rei, em 1878, reflectindo-se na imprensa, em
meetings e sobretudo nas eleições desse ano, em Lisboa, no Porto e em outras cidades,
mostrou que afinal o eleitorado urbano revelava ter mais autonomia do que se supunha.
A opinião pública urbana revelou-se o factor mais poderoso para a queda do Governo de
Fontes; mais do que isso: determinou, contra a vontade dos grandes poderes, a solução
de alternância para o Partido Progressista. Mas quando, dali a dois anos, parte dessa
opinião de Lisboa se desiludiu com o Governo progressista, tornou a mostrar a sua
autonomia virando-se para uma alternativa fora do regime, em 1881.
Era nas cidades que a opinião pública se mostrava mais independente e imune à
influência das autoridades, por estar nelas mais desenvolvida a consciência individual
do cidadão, própria do liberalismo, ao passo que as solidariedades próprias das
comunidades rurais dificultavam o desenvolvimento de um processo de politização1470.
Tal evolução da opinião pública era consistente com outros avanços, tais como:
uma grande expansão da imprensa; a modernização no sistema partidário, de que foi
exemplo a formação do Partido Progressista, em 1876; a expansão das redes de
caminhos-de-ferro, estradas e telégrafo, reduzindo o isolamento rural; o crescimento
económico (PIB); o aumento da classe média. A imprensa atingiu então, a partir da
década de 1870, uma dimensão industrial, muito graças à lei de 1866, que assegurou
grande liberdade até 1890. Foi nesta época que o jornalismo exerceu mais vincada
influência na opinião pública, segundo José Tengarrinha: imprensa e sociedade
estabeleceram desde meados do século XIX um inovador complexo de relações de
influência recíproca que foi o arranque para o processo que se desenvolverá com maior
1470 José Tengarrinha, «Os primórdios dos partidos políticos em Portugal», 2002, 25-26
310
amplitude nos tempos contemporâneos. Algumas das características, tal como nós hoje
as conhecemos, foi então que começaram a definir-se1471.
A opinião pública, bem ou mal traduzida nos resultados eleitorais, estava no
topo das dignidades veneradas pelos políticos liberais, acima do rei: o povo era «o
verdadeiro soberano» e a opinião pública «o grande e único tribunal em que havemos de
ser julgados todos, câmaras, governos e reis», disse José Luciano1472. Também o grande
Fontes acreditava na opinião pública, mesmo dizendo não saber «qual ela é, nem onde
se encontra. O certo porém é que ela existe e que nenhum Governo pode manter-se
muito tempo no poder, desde que o apoio da opinião pública lhe falte, ainda que tenha
grandes maiorias no Parlamento; porquanto é incontestável que quase todos os governos
caem perante grandes maiorias […] A opinião pública é que há-de dominar resolver
estas questões. E como as resolve? Resolve-as pela influência do Parlamento, pela
imprensa e por meio de uma atmosfera que ninguém sente e que todos respeitam»1473.
Parecia estar a lembrar-se de como caíra em 1879 ao fim tanto tempo de domínio.
Foi para satisfazer a opinião pública que Fontes aceitou realizar reformas que
não achava necessárias; e disse o mesmo Fontes que era dever do rei «conhecer pelos
meios que tiver ao seu alcance qual o movimento da opinião pública, apreciá-la e
examiná-la segundo o seu critério»1474. José Luciano disse algo aproximado: «a coroa
tem de ir buscar indicações muitas vezes não às maiorias parlamentares mas às
manifestações da opinião pública, aos meetings, aos comícios, à imprensa, enfim a
todos os meios pelos quais a opinião pública se exprime»1475.
De facto, o rei seguiu a opinião pública, como ele mesmo disse, quando deu a
vez a um Governo progressista, em 18861476. Depois, este Governo sentiu a força da
opinião pública ao perder em alguns círculos em que se empenhou, como no Porto, nas
eleições de 1889. E em 1890, no contexto do «Ultimato Inglês», a opinião pública deu
mais uma demonstração, alargada a todo o país, conforme estudo de Ernesto Castro
Leal1477, de ser uma força que devia ser tomada em conta no jogo político.
1471 José Tengarrinha, História da Imprensa Periódica Portuguesa, Lisboa, Editorial Caminho, 1989, 183-184 e 205; e «A imprensa na evolução da sociedade oitocentista portuguesa», Nova História da Imprensa Portuguesa. Das Origens a 1865, Lisboa, Círculo de Leitores, 2013, 875-880 1472 Diário da Câmara dos Deputados, 25/4/1879,1367; e 3/6/1881, 1223 1473 Diário da Câmara dos Pares, 12/5/1883, 378 1474 Diário da Câmara dos Pares, 14 e 24/3/1884, 176 e 248 1475 Diário da Câmara dos Deputados, 24/2/1886, 504-505 1476 Carta do rei D. Luís ao príncipe D. Carlos, de 27/2/1886, em Rui Ramos, D. Carlos, 104 1477 Ernesto Castro Leal, «Opinião pública na província em 1890…»
311
A opinião pública é tema da Ciência Política, não isento de controvérsia. Em
geral é considerada um fenómeno da época moderna, em que numa sociedade livre e
articulada, distinta do Estado, há centros que permitem a formação de opiniões não
individuais, tais como jornais e revistas, clubes e salões, partidos e associações, bolsa e
mercado1478. E foi sobretudo no liberalismo que, em Portugal como em outros países da
Europa, proliferaram esses centros formadores de opinião.
A dificuldade de medir a «força misteriosa e inexplicável da opinião pública»,
que, «em cada Estado», «predomina nos conselhos dos reis e nos senados»1479, levava
alguns a duvidar da sua existência, por exemplo, em certa sessão da Câmara dos Pares,
suscitando de José Luciano de Castro a seguinte réplica: «mais pode essa opinião
pública que ninguém vê, mas cujos efeitos todos sentem, do que as votações
parlamentares», «uma força que muitas vezes ninguém percebe», «não vinculada a
nenhum partido, ou colectividade, nem a nenhum indivíduo»; «A opinião pública é a
maioria das opiniões individuais e, quando ela está disposta a manifestar-se em certo
sentido, não há governo que lhe resista»1480.
Quando começou a rotação dos partidos?
Antes da concórdia estabelecida em 1851-1852, não faz sentido falar de rotação.
Observava-se já o dualismo em que se estrutura naturalmente a competição política,
entre forças ocupantes dos espaços da direita e da esquerda, mas não o ambiente de
tolerância que é indispensável para funcionar uma alternância, como ensinam Duverger
e Bobbio1481. Esse ambiente, em que as facções moderadas da direita e da esquerda
prevaleceram sobre as facções extremistas, só foi possível a partir do compromisso que
resolveu o conflito constitucional, no Acto Adicional à Carta, celebrado em 1852. Mas a
rotação não começou logo, pois não havia sequer duas forças alternantes mas apenas
uma frente anticabralista (Partido Nacional ou Partido Progressista).
Também é duvidoso considerar como rotação a transição de 1856, do Governo
Saldanha para o Governo Loulé, promovida pelo rei D. Pedro V com o fim de evitar que
o país suportasse «o jugo de um partido com a total exclusão dos outros»: porque tal
transição foi mais para a personalidade do marquês de Loulé do que para o Partido
1478 Nicola Matteucci, «Opinião Pública», Dicionário de Política, 842-845 1479 Citação de Erskine May, em D. G. Nogueira Soares, Considerações sobre o Presente e o Futuro Político de Portugal, 236 1480 Réplica de José Luciano ao conde de Bertiandos, Diário da Câmara dos Pares, 21/12/1891, 6 1481 Maurice Duverger, Os partidos políticos, 250; Norberto Bobbio, Direita e Esquerda, 42-52
312
Histórico, que só nas eleições seguintes havia de se estruturar; e porque o novo
presidente do Governo declarou continuar a mesma política de melhoramentos do
Governo anterior. Mas essa transição de 1856 não foi alheia à dinâmica bipolar que iria
levar à rotação: porque aconteceu depois de as forças de oposição (Cabralistas e
Históricos) terem promovido uma «representação-monstro» contra mais impostos, num
contexto de fome e agitação social; e porque o rei, ao procurar o presidente do novo
Governo, teve de ter em conta as forças de oposição que o poderiam apoiar, em especial
os Históricos que constituíam a alternativa de esquerda ao Governo de Saldanha (os
Cabralistas já não contavam para o novo dualismo, dada a geral convicção de que o seu
chefe caíra para sempre1482). Aliás, a declaração de Loulé de querer manter a mesma
política anterior foi logo contestada pelos Históricos a exigirem uma política diferente.
Nas transições governativas seguintes, de 1859 e 1860, D. Pedro V deu
experiência de poder às duas formações políticas, de Regeneradores e Históricos, que
eram ainda fluidas nas suas organizações e imprecisas nas suas linhas programáticas, e
ajudou a reforçar as respectivas identidades. Se tais transições não constituíram uma
real alternância, foram pelo menos como que um ensaio da rotação que mais adiante se
irá afirmar entre as mesmas forças de centro-direita e de centro-esquerda.
O Partido Histórico demorou a resolver a tensão existente no seu interior,
mesmo depois de Loulé se tornar o seu presidente; essa tensão foi-se agravando, em
torno da questão das Irmãs da Caridade francesas e por causa da composição do
Governo, até Loulé ser obrigado, em 1862, a dispensar os ministros conservadores, a
fazer sair do país as religiosas. Encetou-se então uma experiência de diferenciação, que
sendo em parte bem conseguida, mais agravou a divisão dos Históricos, ao ponto de
recuarem no processo de diferenciação e caírem na experiência oposta, submetidos aos
rivais Regeneradores, no «Governo da Fusão», em 1865. Como deixasse o sistema
político sem alternativa, o «Governo da Fusão» não conseguiu impor medidas
impopulares num contexto de grave crise financeira e, no espaço da esquerda que
deixou desguarnecido, viu surgir um grupo radicalizado; enfim, não evitou que outra
experiência contrastante se seguisse, de pulverização dos partidos (1868-1871).
Tornou-se então evidente, para grande parte da classe política, a conveniência de
haver alternância entre dois partidos fortes. Isso traduzia um grau mais alto de
aprendizagem, que José Luciano de Castro fixou na conhecida fórmula de rotação, entre
1482 D. G. Nogueira Soares, Considerações sobre o Presente e o Futuro Político de Portugal, 363
313
um partido «mais ou menos conservador» e outro «mais avançado, mais liberal, mais
democrático». Seria nesta fórmula que a esquerda desunida teria de recompor a sua
identidade, formando uma alternativa mais forte ao Partido Regenerador que, sob a
liderança de Fontes, se instalava no poder. Mas isso ainda havia de demorar largos anos.
Só perante o longo Governo que Fontes chefiou (1871-1877), aproveitando o receio do
rei pelos processos revolucionários que decorriam nos países vizinhos, bem como a
satisfação da opinião pública pela paz e pela prosperidade a que o país chegou depois da
aflição da década anterior, é que a oposição se viu obrigada a robustecer-se para poder
suceder-lhe1483, unindo-se e formando o Partido Progressista, em 1876.
O novo partido lançou um programa de reformas, logo classificado como
«subversivo», o que suscitou grandes expectativas. E fez um apelo ao rei para promover
a alternância e evitar a perpetuação do mesmo partido no poder, já que o eleitorado não
se mostrava capaz de, só por si, vencer a influência das autoridades governativas nas
eleições. Fontes, numa situação de desgaste, manobrou para passar o poder a Ávila,
dentro do mesmo espaço conservador, o que não era uma verdadeira alternância pois
não afectou a maioria parlamentar nem a rede de poder local possuídas pelos
Regeneradores. E como os Progressistas se propusessem como alternativa, em 1878, o
rei D. Luís recusou a rotação e devolveu o poder a Fontes.
No contexto da campanha agressiva que os Progressistas moveram contra o rei,
o Governo regenerador, no intuito de absorver o protesto, realizou reformas que os
rivais reclamavam. A opinião pública, todavia, não deu sinais de se contentar, pelo
contrário: aumentou a compra de jornais que atacavam o rei e, nas eleições municipais e
legislativas desse ano, aumentou os votos na oposição infligindo derrotas ao Governo
nas grandes cidades: em oito círculos de Lisboa e do Porto, o Governo venceu apenas
um. Poucos meses depois, em 1879, o todo poderoso e eterno Fontes foi obrigado a
pedir a demissão e, enfim, os Progressistas foram chamados ao poder.
Esta foi a primeira transição governativa directa entre os dois grandes partidos
desde 1860, 19 anos antes. Mas a partir de 1879 até 1890 todas as transições foram
feitas entre os dois grandes partidos. Faz sentido, portanto, assinalar, a transição de
1879 como o início da rotação dos partidos em Portugal, significando uma alternância
baseada em níveis mais elevados de opinião pública e de organização partidária, e não
tanto sob o comando do rei, como as transições do período 1856-1865. Neste sentido,
1483 Joaquim de Carvalho, «Estabelecimento do rotativismo», 402
314
pode dizer-se que a alternância de 1879 já decorreu em grande medida determinada pelo
eleitorado, ou seja, em condições próximas das alternâncias actuais.
Nas eleições de 1878, a opinião pública em Portugal mostrou uma força nova,
pela ampla derrota que pela primeira vez infligiu a um governo dos grandes partidos,
embora circunscrita às cidades. E isso aconteceu ao fim de sete anos de poder quase
ininterrupto do mesmo partido, com toda a máquina administrativa montada a seu favor.
Foi o anseio de alternativa manifestado pela opinião pública urbana a razão mais forte
da mudança de governo dali a poucos meses; foi a opinião pública que impôs a rotação,
contra a força do Governo e vencendo a relutância do rei.
A rotação de 1879 não foi consensual. Os Regeneradores ficaram decerto
surpreendidos com o Governo progressista pela rapidez com que alterou o «maquinismo
administrativo» a seu favor e pela amplidão da vitória que obteve, valendo-se da rede de
influentes locais que tinham resistido ao ostracismo da década de 1870. Esperaram que
o Governo progressista se enredasse na questão colonial e na crise financeira e, em
1881, derrubaram-no utilizando a maioria que tinham na Câmara dos Pares.
Regressados ao poder pela mão da nova geração radicalizada, exacerbaram a sua atitude
oposta à rotação, organizando eleições em termos que deixaram os Progressistas
reduzidos a seis deputados, segundo uma estratégia de atrair a rotação para dentro do
próprio Partido Regenerador, entre a velha guarda e a nova geração.
O grande aumento da votação republicana em Lisboa mostrou o risco de, ao
destruir-se a alternativa de esquerda dentro do regime, vê-la emergir fora do regime. O
risco não viria tanto da maior popularidade dos Republicanos como da frustração de
muitos Progressistas que poderiam converter-se ao republicanismo.
Fontes foi chamado pelo rei para controlar a geração radicalizada do seu partido
e acordar com os rivais a realização de reformas que dessem maior equilíbrio entre os
partidos e viabilizassem a alternância. Até ao final de 1883 desenvolveu manobras para
envolver no acordo as facções em que se dividiam os partidos. Em 1884, tanto o rei
como Fontes se manifestaram a favor da rotação dos partidos1484, significando enfim a
aceitação geral do valor da rotação, que um e outro tinham antes contrariado. O facto de
Fontes ter feito aprovar reformas em que não acreditava plenamente e o facto de ter sido
bastante generoso com a oposição, na representação das minorias, reforçam a ideia de
estar a cumprir uma iniciativa do rei, como pensava José Luciano. A lei eleitoral foi
1484 Discurso de Fontes, Diário da Câmara dos Pares, 14/3/1884, 189; Carta do rei D. Luís a Fontes Pereira de Melo, de 12/10/1884, em Maria Filomena Mónica, Fontes, 163
315
alterada de modo a garantir maior representação das minorias e a atenuar a influência
das autoridades; e a Câmara dos Pares foi reformada, com a inclusão de uma parte
electiva, de modo a ficar harmonizada com a Câmara dos Deputados. A transição de
1886 foi a primeira baseada no reconhecimento geral do valor da rotação dos partidos.
Em síntese: o período da tese (ampliado em alguns anos do período anterior)
pode ser dividido nas seguintes fases, do ponto de vista da dinâmica rotativa:
- a primeira fase, de 1856 a 1865, que foi como que um ensaio de rotação, por
incluir várias transições governativas, sob o impulso do rei D. Pedro V, já entre as duas
forças políticas, de centro-direita e centro-esquerda, da futura rotação;
- a segunda fase, de 1865 a 1879, que foi de rotação suspensa, por não incluir
qualquer transição entre as duas forças rotativas e ser preenchida por experiências
opostas: de fusão, de pulverização dos partidos e de predomínio de um partido;
- a terceira fase, de 1879 a 1886, que foi já de rotação, em grande medida
impulsionada pela opinião pública urbana e não tanto, ou não apenas, pelo rei.
Esta evolução justifica a escolha do quadro temporal da tese.
Que avaliação se pode fazer da rotação, ou rotativismo?, que legado deixou?
A resposta a dar aqui só pode ser parcial, pois que a tese não abrange toda a
vigência da rotação. Ora é inegável que o período da tese ficou marcado por importantes
progressos, não apenas os «melhoramentos materiais», em estradas e quase toda a rede
ferroviária hoje existente, assim como o desenvolvimento económico (ver Gráfico nº 2),
mas também a modernização da legislação, traduzida em diversos códigos
duradouros1485, e também uma evolução constante no sentido de mais soberania da
nação, que permitiu a crescente afirmação da opinião pública face ao poder régio.
Foi um período de três décadas progressivas em que a opinião pública foi
disputando espaço crescente à intervenção do rei. No ciclo de 1851-1890 pela primeira
vez foram entre nós praticados, de forma pacífica e continuada, regras e valores que são
correntes nas actuais democracias (separação de poderes, eleições, parlamento,
liberdade de imprensa, partidos, etc). Foi o ciclo iniciador da modernidade política em
Portugal, um dos melhores períodos da nossa História Contemporânea.
Os liberais celebravam por se verem chegados ao patamar mais elevado da
civilização: se por volta de 1830 a liberdade era uma excepção, 50 anos depois ela
1485 António Pedro Barbas Homem, Manuel Joaquim Pinheiro Chagas, 130
316
existia em todas as nações da Europa, salvo na Turquia e na Rússia, as únicas onde
vigoravam ainda monarquias absolutas1486. O próprio Antero de Quental, sendo crítico
do liberalismo, reconheceu, ainda antes da fase dos maiores progressos nos anos 80, que
Portugal foi «o país onde o liberalismo triunfou mais completamente»1487.
Os progressos deveram-se à estabilidade conseguida a partir do compromisso
com que se resolveu o diferendo constitucional em 1852, tornando possível a rotação
entre opções moderadas, de centro-direita e de centro-esquerda. Não quer dizer que a
rotação fosse um revezar de dois partidos no poder por mero acordo dos chefes, como
um jogo cordato e combinado; na verdade, o que se verificou foi uma luta áspera entre
um partido que contrariava a rotação e outro que lutava por ela, uma luta tão áspera que
não excluiu conjunturas em que o primeiro tentou neutralizar o segundo. Acabou por
vencer a visão bipartidária defendida pelo partido da oposição, com apoio da opinião
pública, significando a vitória sobre o predomínio de um partido. Se a rotação foi efeito
da estabilidade, também foi factor da estabilidade, pelo equilíbrio que deu aos partidos,
pelo escape que deu às tensões, pela respiração que deu ao sistema político.
Mas a rotação não podia fazer-se entre opções extremadas representando
sistemas antagónicos, não era possível entre Liberais e Absolutistas, nem entre
Monárquicos e Republicanos. Nem por isso foram excluídos os adversários do sistema
político, pois houve quase sempre Miguelistas e Republicanos na Câmara dos
Deputados e, facto nada comum nas outras monarquias liberais da Europa, a direcção do
Partido Republicano Português era dominada por altos funcionários públicos1488.
A estabilidade está reflectida na duração média dos governos que, no período
1851-1890, foi de quase dois anos, bastante mais do que nos períodos anterior e
posterior; e só não foi maior por causa da crise de 1868-1871 (ver Quadro nº 8).
No entanto, a historiografia dominante sobre o sistema rotativo é negativa.
Porquê? Em parte por ser tão identificativo do extinto regime monárquico. E também
porque a partir de 1890 o sistema político recuou nos progressos antes conseguidos.
De facto, o processo evolutivo era precário, inacabado, sujeito a recuos. A par
dos avanços, também havia atrasos: na instrução, na industrialização e na urbanização.
As próprias reformas, que trouxeram progressos, também trouxeram efeitos negativos:
1486 António de Serpa Pimentel, Questões de Política Positiva, 143-151; e D. G. Nogueira Soares, Considerações sobre o Presente e o Futuro Político de Portugal, 49 1487 Carta a Oliveira Martins, de Novembro de 1879, em Antero de Quental, Cartas I, org. Ana Maria Almeida Martins, Lisboa, Editorial Comunicação Lda / Universidade dos Açores, 1989, 478 1488 Fernando Catroga, O Republicanismo em Portugal, 28
317
por exemplo, a integração dos analfabetos no sistema eleitoral (1878) aumentou a
influência das autoridades, a representação das minorias (1884) foi feita em termos pré-
fixados que reduziram a competição e o poder de escolha do eleitor. De tal modo que
um dos grandes construtores desta última reforma, José Luciano de Castro, poucos anos
depois, no seu Governo, já se propunha alterá-la, o que em parte repetiu mais tarde num
opúsculo, por exemplo pela supressão das candidaturas por acumulação de votos, que a
prática revelara favorecer a «combinação entre os dirigentes eleitorais»1489.
Se este era um exemplo de críticas e soluções apontadas para melhorar o
sistema, outras críticas e soluções puseram em causa as suas bases, a sua natureza
parlamentar, os partidos, o compromisso. O mais destacado desses críticos radicais foi
Oliveira Martins, que embora tenha aderido a um dos partidos mais representativos do
sistema parlamentar, acabou por fazer apelos a maior intervenção do rei. O conjunto de
crises, política, económico-financeira e social, que se seguiu ao «Ultimato Inglês» e
dominou os anos 90, deu contexto favorável à aplicação de reformas inspiradas nestes
críticos que significaram um severo golpe no modelo rotativo e no compromisso em que
ele se baseava e um recuo flagrante nos progressos políticos antes conseguidos. Foi
alterado o balanço entre soberania do Rei e soberania da Nação e daí resultou um
desajuste com a opinião pública mais evoluída que poderá explicar em parte as
atribulações por que passou o regime monárquico nos seus últimos tempos. Portugal
destoou dos progressos continuados em outros países europeus.
A má reputação do «rotativismo» que hoje perdura, vem sobretudo deste tempo
posterior à tese, em que os partidos rotativos, já no início do século XX, deram uma
imagem de grande cumplicidade, como autodefesa perante as cisões e dissidências neles
abertas ou ameaçadas; como que fecharam o sistema perante novas dinâmicas; foi neste
contexto, aliás, que João Franco lançou o termo «rotativismo» com intuito pejorativo.
O sistema rotativo ficou como marca identificativa do regime monárquico
extinto há mais de 100 anos. Joaquim de Carvalho foi um caso raro de historiador
republicano que elogiou o «rotativismo», «cuja maturidade assegurou a Portugal um
período de plena paz pública e de nobres competições ao serviço do progresso»,
também apontou D. Luís como «modelo de monarcas constitucionais, servido por uma
plêiade notabilíssima de homens públicos», e demarcou-se da «geração notável [de 70],
que, por singular paradoxo, se tornou crítica e destrutiva das condições vitais que a
1489 Correio da Noite, 4/1/1888; e José Luciano de Castro, Legislação eleitoral anotada, Lisboa, Livraria Ferrin, 1892
318
geraram e desenvolveram»; mas diagnosticou que do «desgaste e ruína» do rotativismo
resultaram «a agonia e a morte da Monarquia Constitucional»1490.
Será que o rotativismo foi uma simples marca do regime da Monarquia
Constitucional? Não terá sido algo mais do que isso? Por que não integrar o rotativismo
no processo mais amplo de evolução dos sistemas representativos de matriz europeia,
dos quais uma característica essencial é a alternância entre direita e esquerda1491?
É claro que o sistema político do século XIX tinha de adequar-se às condições e
circunstâncias da época. Além dos Monárquicos, também alguns Republicanos
entendiam o papel arbitral do rei ou a necessidade de uma monarquia transitória. Latino
Coelho confiava que a monarquia se poderia «mover para o progresso» e nesse caso
preferia caminhar com ela «a ter de estacionar na contemplação estéril de um futuro
remoto»1492. Em 1890, Eça de Queiroz achava que todas as reformas que aos
Republicanos cumpriria reclamar já estavam realizadas pelo liberalismo monárquico1493.
Isso dava alento aos Republicanos, e a muitos Monárquicos também, para sonharem que
a sociedade evoluiria ao ponto de, um dia, ser capaz de dispensar o rei/árbitro. Não seria
assim tão linear o processo histórico português, mas pode dizer-se que esse sonho está
realizado no actual regime democrático.
A rotação analisada na tese, foi, portanto, a primeira expressão, em Portugal, da
alternância hoje praticada em Portugal e na maior parte dos países da Europa.
1490 Joaquim de Carvalho, «Estabelecimento do rotativismo», 402 e 411 1491 Norberto Bobbio, Direita e Esquerda, 52 1492 Revolução de Setembro, citado em Correio da Noite, 22/8/1887 1493 Eça de Queiroz (Um espectador), «Novos factores da política portuguesa», 85-86
319
Gráfico nº 1
20%
30%
40%
50%
60%
70%
1850 1860 1870 1880 1890
Evolução da cotação dos títulos portugueses na Bolsa de Londres(1850-1890)
Fonte: António Lopes Vieira, em Rui Ramos, «O sistema fontista», Portugal Contemporâneo, dir. António Reis, vol II, Lisboa, Publicações Alfa, 1989, p. 135
20%
30%
40%
50%
60%
1890 1900 1910 1915
Cotações anuais de Lisboa sobre Londres (curso médio)(1890-1915)
(*)
(*) Valor referente ao 2º semestre já em regime de curso forçado Fonte: António de Oliveira Salazar, “O ágio do ouro. Sua natureza e suas causas (1891-1915)”, em Inéditos e Dispersos II. Estudos económico-Financeiros
320
Gráfico nº 2 – Evolução do PIB per capita (a preços de 1914) (médias trienais centradas)
40
50
60
70
80
90
100
110
120
130
140
Unidade: escudosRepública
Fonte: Médias trienais calculadas a partir de Nuno Valério, Avaliação do Produto Interno Bruto de Portugal, ISEG, Documento de trabalho nº 34/2008.
NB: As médias trienais têm o efeito de atenuar as oscilações de ano para ano, tornando mais evidente a tendência essencial
321
Quadro nº 5 – Eleições: Concorrência e votações sobre eleições protestadas
(1860-1890) Ano Nº de
círculos Círculos com concorrência - % Eleições decididas por
votações na CD 1860 165 102 - 62% 2 1861 165 87 - 53 2 1864 165 83 - 51 4 1865 165 86 - 52 3 1868 165 83 - 51 6 1869 100 28 - 28 1 1870 100 28 - 28 5 1870 100 26 - 26 2 1871 100 26 - 26 4 1874 100 26 - 26 1 1878 137 63 - 46 7 1879 137 80 - 58 1 1881 137 55 - 40 4 1884 100 20 - 20 Tribunal 1887 100 17 - 17 Tribunal 1889 100 36 - 36 Tribunal 1890 100 42 - 42 Tribunal
Fontes: Pesquisa do autor e Pedro Tavares de Almeida, Eleições e caciquismo no Portugal oitocentista (1868-1890)
Gráfico nº 3 – Percentagem dos círculos com luta, por eleição (1860-1890)
322
Quadro nº 6
VOTAÇÕES NOMINAIS (1860-1890)
Ano Nº de
votações
Assiduidade
média (%)
Ano Nº de
votações
Assiduidade
média (%)
1851 --- 1871 14 72,4
1852 11 61,6 1872 34 67,4
1853 08 55 1873 35 69
1854 08 52,2 1874 28 65,4
1855 06 46 1875 10 66,4
1856 11 58 1876 14 65,3
1857 19 67,1 1877 05 50,8
1858 20 60,4 1878 11 49,3
1859 09 58 1879 20 55,7
1860 18 59,7 1880 14 57,4
1861 15 54,4 1881 07 60
1862 09 68 1882 21 55,1
1863 52 63,2 1883 09 49,6
1864 25 58 1884 04 55
1865 13 70 1885 23 65
1866 08 57,7 1886 11 48,3
1867 15 60,6 1887 17 59,8
1868 14 68,2 1888 16 55,7
1869 21 73,3 1889 09 57,8
1870 05 69,4 1890 11 58,3
323
Quadro nº 7
PRESIDENTES DO CONSELHO DE MINISTROS (1834-1910)
Nome Duração (meses)
Fontes Pereira de Melo
José Luciano de Castro
Duque de Saldanha
Hintze Ribeiro
Duque de Loulé
Duque de Terceira
Marquês de Sá da Bandeira
Joaquim António de Aguiar
Duque de Ávila
Costa Cabral (Marquês Tomar)
Anselmo José Braamcamp
João Franco
Conde de Bonfim
João Crisóstomo
José Dias Ferreira
Duque de Palmela
Ferreira do Amaral
Serpa Pimentel
Rodrigues Sampaio
Wenceslau de Lima
Barão de Sabrosa
Francisco Beirão
J. J. Loureiro
Campos Henriques
Teixeira de Sousa
Conde de Lumiares
Dias Oliveira
Conde de Linhares
Sebastião Teles
133
105
102
101
100
71
46
38
28
22
22
21
19
15
13
12
11
9
8
8
7
6
5
5
4
2
2
1
1
(1871-77; 1878-79; 1881-1886)
(1886-90; 1897-1900; 1904-06)
(1835; 1846-49; 1851-56; 1870)
(1893-97; 1900-04; 1906)
(1856-59; 1860-65; 1869-70)
(1836; 1842-46; 1851; 1859-60)
(1836-37; 1837-39; 1865; 1868-69)
(1841-42; 1860; 1865-68)
(1868; 1870-71; 1877-78)
(1849-51)
(1879-81)
(1906-08)
(1839-41)
(1890-92)
(1892-93)
(1834-35; 1842; 1846)
(1908)
(1890)
(1881)
(1909)
(1839)
(1909-10)
(1835-36)
(1908-09)
(1910)
(1836)
(1837)
(1835)
(1909)
324
Quadro nº 8
DURAÇÃO MÉDIA DOS GOVERNOS (1834-1910)
(considerando que se mantém o Governo se continua o presidente do Conselho)
Período Duração
(meses)
Nº de
governos
Duração
média
Período total (1834-1910)
914
54
17
1º período (1834-1851)
2º período (1851-1890/Ultimato)
3º período (1890/Ultimato-1910)
200
464
250
19
20
15
10,5
23
17
Só no 2º período (1851-1890/Ultimato)
Duração
(meses)
Nº de
governos
Duração
média
2º período total (1851-1890/Ultimato)
464
20
23 meses
1º subperíodo (1851-1868/Janeirinha)
2º subperíodo (1868/Janeirinha-1871)
3º subperíodo (1871-1890/Ultimato)
199
45
220
7
6
7
28,4
7,5 meses
31,4 meses
325
Fontes e Bibliografia
I - Fontes
I.1 – Periódicos
O Correio da Noite, Lisboa, 1881-1890
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Gazeta de Portugal, Lisboa, 1887-1890
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O Jornal do Porto, Porto, 1859-1870, 1890
O País, Lisboa, 1873-1876
O Progresso, Lisboa, 1877-1886
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