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A Liga Progressista e a Construção do Estado Imperial, 1860-1868 Lucas Roahny CURITIBA AGOSTO DE 2013 UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ SETOR DE CIÊNCIAS HUMANAS DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS SOCIAIS (DECISO)

A Liga Progressista e a Construção do Estado Imperial

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Page 1: A Liga Progressista e a Construção do Estado Imperial

A Liga Progressista e a Construção do

Estado Imperial, 1860-1868

Lucas Roahny

CURITIBA AGOSTO DE 2013

UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ SETOR DE CIÊNCIAS HUMANAS

DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS SOCIAIS (DECISO)

Page 2: A Liga Progressista e a Construção do Estado Imperial

LUCAS ROAHNY

A LIGA PROGRESSISTA E A CONSTRUÇÃO DO

ESTADO IMPERIAL, 1860-1868

Monografia apresentada ao Curso de Graduação

em Ciências Sociais, Setor de Ciências

Humanas, Universidade Federal do Paraná,

como requisito parcial à obtenção do título de

Bacharel em Ciências Sociais.

Orientador: Prof. Dr. Alexandro Dantas Trindade

CURITIBA

2013

Page 3: A Liga Progressista e a Construção do Estado Imperial

Para meus pais

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Agradecimentos

Muitos foram aqueles que, direta ou indiretamente, contribuíram para a realização

deste trabalho. Deixo aqui a minha mais sincera gratidão aos amigos e amigas do curso de

Ciências Sociais com os quais convivi durante o decorrer dessa caminhada, especialmente aos

colegas do Programa de Educação Tutorial, grupo no qual tive meu primeiro contato com o

universo da pesquisa acadêmica. Não poderia deixar de mencionar os companheiros(as) que

comigo compartilham o mesmo GRR (2009), sem cuja companhia, amizade e ponderações ao

longo desses quatro anos e meio nada disso seria concebível.

Àqueles de fora da área cultural reitoriana, agradeço especialmente a F. M. e H. L. R.

que, ao suportarem muitas vezes meu “sociologuês” grosseiro, auxiliaram-me na difícil tarefa

de aprender a traduzir o conhecimento especializado numa linguagem mais acessível – e de

encontrar aí o verdadeiro valor de todo o saber possível.

Por fim, mas não menos importante: agradeço aos professores(as) sem cujo auxílio,

atenção e, principalmente, paciência, meu crescimento intelectual teria sido nulo – Luís

Claudio Symanski, por ter me introduzido na pesquisa arqueológica (pois se hoje dela me

distancio, não o faço sem carregar para sempre os seus vestígios); Simone Meucci, pelos anos

compartilhados no Programa de Educação Tutorial; Alexandro Trindade, cuja orientação

dedicada possibilitou a realização desta pesquisa; Carlos Lima, por ser quem primeiramente

me incentivou – sem sabê-lo – a transpor as fronteiras disciplinares entre a história e a

sociologia.

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Resumo

Este trabalho tem como objetivo empreender uma análise da trajetória da Liga (e depois

Partido) Progressista do Império, articulada entre os anos de 1860 e 1868 por indivíduos

provenientes dos dois partidos tradicionais (Conservador e Liberal) do sistema político

monárquico. Busca-se delinear as condições que permitiram a emergência de uma coligação

tecida na contramão do dualismo partidário do Império, bem como o sentido dessa nova

agremiação no contexto político da década de 1860. A trajetória da Liga é aqui iluminada

através da diferenciação entre seus objetivos e aqueles expressos na atuação dos estadistas

“saquaremas” (i.e., conservadores) que estiveram à frente da direção do Estado imperial a

partir de 1837, num movimento que ficou conhecido como a política do “regresso”. Por meio

deste contraponto, foi possível identificar que a especificidade da alternativa progressista não

residia na defesa de um projeto nacional que rompesse com o status quo monárquico

consolidado pelos saquaremas; ao contrário, ela visava contribuir para o seu aperfeiçoamento

mediante um reformismo de natureza jurídica capaz de neutralizar os “excessos” da obra

regressista e garantir a continuidade da tarefa de construção do Estado nacional brasileiro,

adequando o exercício da autoridade local com as exigências do poder central que emanava

da Corte. O objetivo de avançar o processo de integração das elites provinciais aos quadros

institucionais do Estado foi, todavia, limitado pela incapacidade crônica da Liga em

operacionalizar a maioria parlamentar que deteve a partir de 1864, sendo definitivamente

enterrado quando a própria tarefa de aperfeiçoamento do consenso político entre a classe

proprietária tornou-se inócua diante do enfraquecimento de um dos principais laços que

atavam os interesses senhoriais ao status quo monárquico: a perpetuação do regime de

trabalho escravo.

Palavras-chave

Brasil monárquico; história política do Império; Liga Progressista.

Page 6: A Liga Progressista e a Construção do Estado Imperial

Abstract

This work pursues a historical analysis of the Progressista League (or Party) of the

Empire, which was articulated between the years of 1860 and 1868 by politicians of both

traditional parties (Liberal and Conservative) from the Brazilian monarchy. Here it is sketched

out the conditions that made it possible the emergence of a coalition contrary to the bipartisan

structure of the imperial political system, as well as the significance of this new party to the

political context of the 1860’s. The League’s history is glimpsed through the difference

outlined between its objectives and those particular to the saquaremas (i.e., conservatives)

statesmen that were in head of the imperial government since 1837, associating themselves

with a political movement known as “regresso”. By this contrast it was possible to verify that

the specificity of the progressista alternative did not lie in the formulation of a national

project contrary to the imperial establishment consolidated by the saquaremas; in actual fact,

the progressistas aimed to contribute for the improvement of that establishment through a

legal reformism capable of neutralize the “excesses” associated with the regressista politics,

in order to assure the continuity of the state building task in which the exercise of local

authority should be made compatible with the demands of the central power emanating from

the imperial court. Nonetheless, the objective of advancing the process of provincial elite’s

integration inside the state’s framework was limited by the League’s inability to manipulate

its parliamentary majority emerged in 1864; moreover, this objective was definitely

annihilated when the task itself of improving the political consensus between the imperial

elite became meaningless as one of the strongest ties linking the ruling classes’ interests to the

imperial establishment started to get loose: the slave work system maintenance.

Key-words

Brazilian monarchy; Empire of Brazil (political history); Progressista League.

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Sumário

INTRODUÇÃO ............................................................................................................... 08

1. DA CONCILIAÇÃO AO PROGRESSO ................................................................ 12

1.1 A CONSOLIDAÇÃO DO ESTADO NACIONAL E SEUS

DIVIDENDOS ............................................................................................................ 13

1.2 A POLÍTICA DA CONCILIAÇÃO: PRÉ-HISTÓRIA DA LIGA

PROGRESSISTA ........................................................................................................ 21

2. A FORMAÇÃO DA LIGA PROGRESSISTA ....................................................... 32

2.1 O MINISTÉRIO FERRAZ E AS ELEIÇÕES DE 1860 ............................................. 33

2.2 DE CAXIAS A ZACARIAS: A TRANSFORMAÇÃO DA LIGA

EM PARTIDO ............................................................................................................ 56

3. O ESCOPO DO PROGRESSO ................................................................................ 70

3.1 OLINDA E O INÍCIO DO PREDOMÍNIO PROGRESSISTA .................................. 70

3.2 O PARTIDO PROGRESSISTA E SEU PROGRAMA .............................................. 75

4. OS LIMITES DO PROGRESSO ............................................................................. 89

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ........................................................................ 101

ANEXO .......................................................................................................................... 106

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8

Introdução

Na trajetória política do Brasil monárquico, a década de 1860 aparece como uma

espécie de ponte que liga duas extremidades muito distintas: de um lado, a experiência de

estabilidade sociopolítica construída nos anos 1840 e desfrutada nos anos que se seguem; de

outro, o declínio da legitimidade do próprio regime que, de 1870 em diante, se vê contestado

por uma miríade de posições críticas ao status quo monárquico, cujas demandas o sistema

político do Império não é capaz de absorver. Neste sentido, a dinâmica política na década de

1860 pode ser reveladora dos destinos do Império.

Em termos mais precisos, a emergência e os desdobramentos desta “nova” agremiação

partidária – a “Liga” (e depois Partido) Progressista do Império –, composta por uma

coligação entre indivíduos provenientes do Partido Liberal e a dissidência formada no seio do

Partido Conservador, entre 1862 e 1868, fazem a conexão entre o apogeu político do Segundo

Reinado e o princípio de seu declínio. O horizonte de atuação dos progressistas, as

transformações pensadas para o aperfeiçoamento do arranjo institucional da monarquia

brasileira, e também o malogro de seu projeto, constituem o objeto desta pesquisa.

Assim é que, num primeiro momento, procuro esboçar as condições gerais que tornaram

possível a emergência da Liga Progressista. No Capítulo 1 debruço-me sobre o processo de

consolidação do Estado nacional brasileiro, com especial atenção aos eventos que permitiram

a cristalização da primeira condição necessária ao surgimento da Liga: a quebra do

antagonismo partidário entre liberais (conhecidos como “luzias”) e conservadores (também

chamados de “saquaremas”), elemento fundamental para que uma aliança entre indivíduos

provenientes de ambos os grupos fosse selada. A abordagem de “sobrevoo” que faço a

respeito dos eventos relacionados a esse processo que tiveram lugar entre 1830 e 1840 é

contrabalanceada pelo olhar mais detido sobre a década seguinte, na qual os antecedentes

imediatos da situação progressista são localizados. Com efeito, a tendência política de

condução do Estado imperial na contramão do dualismo partidário (saquaremas x luzias),

característica perseguida pelos progressistas, é identificada como uma herança recebida de um

movimento político anterior: a chamada “conciliação” partidária da década de 1850, iniciada

pelo marquês de Paraná em 1853 e continuada por seus “discípulos” políticos após sua morte

prematura três anos mais tarde.

Posteriormente a isso, procuro investigar o processo de formação da Liga Progressista.

Nesse ponto distancio-me ligeiramente do marco historiográfico tradicional que vê no

intervalo entre as sessões legislativas de 1861 e 1862 os primeiros passos da Liga (e.g.,

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HOLANDA, 2010). Procuro demonstrar no Capítulo 2 que a possibilidade de uma articulação

entre liberais e conservadores dissidentes (possibilidade que se mostrou viável através da

experiência da conciliação), apareceu antes disso, mais precisamente na sessão legislativa de

1860 e, de modo especial, durante as disputas eleitorais (para a vereança e a deputação)

ocorridas naquele ano. Para elucidar esses pontos, apoio-me na análise da cobertura feita pela

imprensa sobre os pleitos de 1860, enfatizando o papel das folhas liberais no processo de

rearticulação das posições políticas fora da órbita de polarização ente saquaremas e luzias,

após o fim do projeto conciliador que também havia buscado tal objetivo. Em seguida,

concentro-me sobre os conflitos políticos que se desenrolam na Câmara após a renovação

sofrida por ocasião das eleições, conflitos que acabam por precipitar a transformação da liga

oposicionista em partido político e conduzem-na à (efêmera) experiência de poder sob a

liderança de Zacarias de Góis e Vasconcelos no ano de 1862.

A situação de conflito constante entre saquaremas e progressistas no parlamento do

Império, depois que a Liga ultrapassa a condição de coligação de oposição para disputar o

papel de protagonista na direção do Estado, tem seu fim no ano de 1864, quando as eleições

do ano anterior conduzem à Câmara uma ampla maioria favorável aos novos atores

partidários de então. Os anos de 1863 e 1864 consolidam, pois, a preeminência da Liga no

parlamento, ratificando a sua transformação num partido de fato – o Partido Progressista. Esse

processo é acompanhado pelo primeiro exercício de explicitação de ideias políticas associadas

a um dos partidos do Império: em 1864 vem a público o programa do Partido Progressista, o

qual foi concebido um ano antes, por ocasião do pleito de 1863. Documento privilegiado para

que se compreendam as intenções básicas que moviam os progressistas a se contrapor à

hegemonia política saquarema1, dedico o terceiro capítulo deste trabalho a uma análise a

respeito das implicações daquele programa no que tange às possibilidades de ação que se

apresentavam à classe política imperial nos anos iniciais da década de 1860.

O objetivo de clarificar a natureza da alternativa progressista em relação à atuação dos

estadistas saquaremas levou-me a adotar uma abordagem comparativa, cujo foco é menos os

pontos específicos do programa em questão do que a contraposição das ideias ali contidas

com o horizonte de atuação dos dois partidos tradicionais do Império. Assim, a reflexão sobre

os objetivos concretos da política progressista visa também contribuir para a discussão a

respeito das diferenças existentes entre liberais e conservadores no Império do Brasil –

1 Pela importância desse texto resolvi reproduzi-lo na íntegra, conforme ele aparece na obra de Américo

Brasiliense (1878). O programa encontra-se na seção “Anexo”.

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partindo do pressuposto de que as divergências existiam e eram significativas para os rumos

futuros da tarefa de construção do Estado imperial.

No quarto e último capítulo procuro delinear os obstáculos que se colocaram frente à

concretização da opção progressista. Interessa-me aqui entender como as lideranças do novo

partido, a despeito do predomínio parlamentar que detiveram entre 1864 e 1868, foram

incapazes de avançar o processo de aperfeiçoamento das instituições estatais para além dos

marcos consolidados pelos conservadores no período que antecede a emergência da

conciliação (1837-1850). Essa ineficácia associada aos ministérios organizados durante a

maioria progressista na Câmara fez com que nenhuma das bandeiras encampadas por ambos

os grupos coligados (liberais e conservadores “moderados”) fosse levada adiante. A

incapacidade dos progressistas em operacionalizar sua própria base de apoio é trabalhada no

Capítulo 4 sob a perspectiva de duas hipóteses que contribuem para iluminar o próprio

esfacelamento do Partido Progressista no ano de 1868: 1) o caráter incompleto da

transformação da liga oposicionista em partido efetivo, expresso na ausência de lideranças

provenientes de ambos os grupos que compunham a situação progressista e que poderiam

impelir as facções a uma maior unidade de ação – fato que precipitou o rompimento entre

liberais e conservadores dissidentes, e 2) o avanço progressivo da Coroa sobre o terreno

reservado à disputa partidária, desestabilizando as bases sobre as quais se assentava a política

monárquica – ameaça que passa a ser sentida com a insistência de d. Pedro II em dar

encaminhamento ao problema da escravidão no Brasil. A introdução deste tema na Fala do

Trono de 1867 (reiterada na Fala do ano seguinte), juntamente com as discussões no Conselho

de Estado sobre a emancipação gradual da escravidão e a iniciativa de libertação dos escravos

da nação para servirem na Guerra do Paraguai, rompia o consenso escravista tecido entre a

classe proprietária, do qual a instituição monárquica era, afinal, a grande fiadora. Nesse

contexto, o projeto progressista de aperfeiçoamento do Estado imperial perdia seu sentido: a

ideia de avançar o processo de integração das elites regionais aos quadros do Estado tinha

como fundamento reforçar o controle da classe proprietária sobre os rumos da política – o que

passou a ser ameaçado diretamente na medida em que o imperador encaminhava o tema da

escravidão à margem da instituição parlamentar na qual os interesses senhoriais detinham

maior representatividade.

Portanto, a ideia aventada anteriormente de que a trajetória da Liga Progressista serve

de ponte entre dois períodos muito distintos do Segundo Reinado, baseia-se na hipótese de

que a queda do último ministério progressista em 1868 não representou apenas o fim de um

partido que mal havia se organizado, mas também deu início ao ocaso do Império. O

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reformismo “dentro da ordem” associado aos progressistas ancorava-se num consenso que

perpassava as fileiras dos Partidos Conservador e Liberal, dos “conciliados” dos anos 1850 e

dos “ligueiros” da década seguinte; fica claro, pois, que as divergências entre os diversos

atores políticos não se davam no plano da formulação de projetos nacionais distintos, uma vez

que todos eles estavam envolvidos numa mesma tarefa: a construção de um Estado liberal de

matriz federalista, isto é, que visava adequar a dominação política ao nível local com a

absorção das elites regionais ao poder que emanava da Corte (DOLHNIKOFF, 2005, p. 27).

Nesse sentido, as diferenças programáticas se faziam sentir menos quanto aos objetivos do

que quanto aos meios que cada um desses grupos encarava como mais adequados à

consecução de um projeto nacional que detinha a anuência de todos. No entanto, ao abalar o

consenso socioeconômico do status quo monárquico tocando em um de seus pilares

fundamentais (a instituição escravista), a Coroa desestabilizava a continuidade da tarefa de

aperfeiçoamento do consenso político entre a classe proprietária, a qual estava assentada sobre

aquela dimensão. Assim, o fim da alternativa progressista de direção do Estado imperial

assinala também o início das divergências entre os interesses senhoriais e a razão de Estado,

encerrando uma fase marcada pelo consenso ideológico e inaugurando outra, na qual o

discurso político crítico não incidirá somente contra a “oligarquia” saquarema, mas

questionará a própria legitimidade do regime monárquico.

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Capítulo 1

Da Conciliação ao Progresso

Se a chamada Liga Progressista ganha uma forma concreta no intervalo entre as sessões

legislativas de 1861 e 1862, mediante uma articulação entre políticos – tanto liberais quanto

conservadores – insatisfeitos com o gabinete liderado pelo então marquês (e depois duque) de

Caxias, um olhar mais detido revela, contudo, que sua concepção e seu formato apresentam

traços curiosamente anacrônicos. Com efeito, aquela característica tão peculiar, pelo menos

em teoria, aos gabinetes progressistas que se formaram entre os anos de 1862 e 1868 – a

saber, o objetivo de constituir uma nova agremiação política que, na dicção de um de seus

principais articuladores, José Tomás Nabuco de Araújo, pudesse reunir “os homens políticos

de todas as origens” (apud NABUCO, 1949 [1897], p. 238) –, essa característica a política

imperial já tinha presenciado na década de 1850, quando Honório Hermeto Carneiro Leão,

futuro marquês de Paraná e líder do ministério formado em 1853 dissera à época que “não há

mais Saquaremas nem Luzias” (apud HOLANDA, 2010, p. 57). Aqui, contudo, a indistinção

entre “saquaremas” (conservadores) e “luzias” (liberais) está longe de significar aquela

imprecisão ideológica satirizada no provérbio imperial “nada tão parecido com um saquarema

como um luzia no poder” (MATTOS, 1990 [1987], p. 103); pois a ideia por trás da frase

enunciada por Paraná – a ideia da “conciliação”, do esquecimento das antigas divisões

partidárias e de seus exclusivismos – aponta menos para uma falha no sistema partidário do

que para um objetivo a ser perseguido: a unificação política da classe proprietária após duas

décadas de dissensões e conflitos. Foi este o impulso básico por trás da política idealizada por

Paraná na década de 1850, e são suas reverberações que, a partir de 1862, ecoam novamente

na dinâmica política do Império – agora não mais sob a bandeira da “conciliação”, mas sim

sob a do “progresso”.

Compreender, portanto, os temas e tendências presentes na política da “conciliação”

fornece um caminho preliminar para a abordagem da política do “progresso”, articulada

alguns anos após aquela. Para isso, pretendo realizar neste primeiro capítulo dois movimentos

distintos, porém complementares: 1) definir as condições que tornaram possível a condução

da política nacional na contramão do dualismo partidário (conservadores x liberais) do

Império brasileiro e 2) descrever a cena da “conciliação” a fim de reconstituir a trama da qual

a Liga Progressista emerge como uma solução desejável para setores importantes da classe

política imperial.

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1.1. A consolidação do Estado nacional e seus dividendos

O mero fato de que um político ligado ao núcleo duro do Partido Conservador – a

poderosa aristocracia cafeeira fluminense –, como o foi Paraná, tenha dito que a divisão entre

conservadores e liberais é assunto passado já merece, por si só, uma análise mais detalhada

quanto às condições políticas que tornaram esta enunciação possível. No que diz respeito aos

objetivos desta pesquisa, tal análise mostra-se imprescindível uma vez que, conforme

assinalado acima, toma-se aqui como pressuposto básico a respeito da política progressista a

sua dívida para com a “conciliação” orquestrada por Paraná em 1853. Nesse sentido, a

resolução do aparente paradoxo presente na frase de Paraná – um político rechaçando os

próprios termos pelos quais se construía a identidade política nas décadas iniciais do Segundo

Reinado – é conditio sine qua non para a elucidação dos motivos e intenções básicas que

orientaram a busca progressista por uma política separada das antigas lutas partidárias.

A estranheza causada pelas palavras de Paraná emerge quando voltamos nosso olhar

para um dado histórico assaz conhecido: há menos de cinco anos de distância daquela data

(1853), conservadores e liberais não só existiam como ainda se digladiavam ferozmente nos

mais diversos cantos do território nacional. De fato, tanto o período regencial dos anos 1830

quanto o primeiro decênio do reinado de Pedro II, após a antecipação de sua maioridade

(1840), foram marcados por intensas convulsões sociais nas províncias, associadas quase

sempre à força centrífuga das oligarquias locais que buscavam maior autonomia frente ao

poder que emanava do Rio de Janeiro2. Os esforços na contramão da centralização concebida

a partir da Corte emergem logo após a abdicação de Pedro I em favor de seu filho, no ano de

1831 (DOLHNIKOFF, 2005, p. 26); na esteira desse acontecimento as elites provinciais,

encabeçando um projeto nacional de caráter federativo3, avesso à política centralizadora que

marcara o reinado de Pedro I, aprovaram um conjunto de medidas legais que fortaleceram o

exercício do poder ao nível local: dentre tais medidas destacam-se a submissão da escolha dos

juízes municipais ao poder da Câmara Municipal e a eleição para o cargo de juiz de paz que, a

partir de então, passa a exercer funções policiais juntamente às judiciais (GRAHAM, 1997

[1990], p. 73). Todavia, a fragmentação do poder político ao nível municipal não dura muito

tempo. A proliferação de disputas entre os oligarcas locais – não raro violentas e que

frequentemente fugiam ao controle – em torno de cargos agora eletivos, geraram um clima de

2 A mais notória exceção a tais revoltas cujo impulso inicial provinha “de cima” talvez seja a chamada Revolta

dos Malês deflagrada em Salvador no ano de 1835, a qual fora arquitetada por escravos e africanos libertos. 3 “Federalismo entendido como conjugação entre autonomia provincial e participação das elites provinciais no

governo central, a fim de ampliar o papel político das elites tanto nas suas províncias como na Corte”

(DOLHNIKOFF, 2005, p. 27).

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instabilidade perene que, somadas às desconfianças dos liberais no poder em relação às

demandas “localistas” dos municípios, teve sua resposta numa emenda à constituição do

Império: o chamado Ato Adicional de 1834 (GRAHAM, 1997 [1990], p. 74; DOLHNIKOFF,

2005, p. 86). Sem dúvida ainda profundamente comprometido com o desejo por autonomia

que irradiava das províncias, o Ato Adicional, contudo, opera uma transformação

fundamental na dinâmica de poder durante as Regências: ao instituir o sufrágio para as

Assembleias Provinciais e submeter as decisões das Câmaras Municipais ao seu escrutínio,

esta legislação acaba por retirar dos municípios seu protagonismo enquanto arena política

legítima e transferir este papel às instituições provinciais (GRAHAM, 1997 [1990], p. 74).

Trata-se, pois, de um primeiro passo, embora sutil, daquilo que posteriormente seria chamado

de “regresso” à centralização política do Império4.

Sob a égide do Ato Adicional, contudo, o desequilíbrio sociopolítico não foi debelado,

mas antes se metamorfoseou, mostrando-se inclusive mais intenso e perigoso, pois passou a

incendiar a vida política das províncias. Tais revoltas ligadas ao período das Regências

tinham como impulso básico a disputa pelo poder ao nível regional, mas todas elas visavam

em alguma medida “uma maior liberdade do Rio de Janeiro (seja através de uma monarquia

federal ou de uma república)” (GRAHAM, 2001b, p. 26). O modus operandi visto nessas

sublevações seguiu um padrão que tendeu a se repetir, seja na Cabanagem irrompida na

Belém de 1835, na Balaiada maranhense de 1838 a 1841 ou no movimento Praieiro que

eclodiu em 1848: uma articulação inicial de proprietários insatisfeitos é seguida pela adesão,

geralmente estimulada, de segmentos populares cuja participação acaba por fugir ao controle

daqueles que buscavam instrumentalizá-la para a consecução de seus objetivos particulares.

Tal enredo, reencenado inúmeras vezes no embate político centrado nas províncias, acabou

por gerar aquilo que Richard Graham (2001b, p. 26) chamou de “espectro da desordem

social”, cujo efeito prático foi a moderação do desejo de autonomia local pelo reconhecimento

de que a fragmentação do poder, enquanto estímulo ao conflito, enfraquecia a autoridade da

classe proprietária. Assim, o fracasso das elites regionais em conduzir os impulsos

4 A ideia de uma adesão progressiva ao centralismo por parte das classes proprietárias durante o processo de

constituição do Estado imperial – visão defendida neste trabalho – é amplamente desenvolvida por Richard

Graham em seu Clientelismo e Política no Brasil do Século XIX, texto ao qual devo boa parte da síntese histórica

empreendida nesta seção. Mais recentemente, Miriam Dolhnikoff (2005), embora rejeitando a própria dualidade

entre centralização/descentralização na política imperial (cf. Idem, pp. 82-83; p. 127), sistematizou uma visão

próxima à de Graham sobre a formação do Estado nacional brasileiro ao sustentar a tese de que as elites

regionais foram parte ativa na construção das instituições políticas do Império, e não meras espectadoras de um

processo que teria sido monopolizado desde a Corte. Tal semelhança com as teses que Graham vem esboçando

desde pelo menos a década de 1980 (cf. GRAHAM, 2001a [1985]), porém, parece não ter sido reconhecida pela

própria autora; as ideias do historiador norte-americano não são discutidas por Dolhnikoff em seu livro O Pacto

Imperial, e seus textos nem sequer constam da bibliografia consultada.

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revolucionários sob o pulso firme de sua própria direção5 ensejou sua unificação, por via do

horror ao desequilíbrio social, em torno da bandeira da “ordem” (GRAHAM, 1997 [1990], p.

77; MATTOS, 1990 [1987], p. 141). Dava-se, com isso, mais um passo decisivo em direção à

centralização política.

O golpe que feriu de morte o projeto político descentralizador, tal como fora consagrado

no Ato Adicional de 1834, deu-se no último biênio da década de 1840. A supressão do

movimento Praieiro em Pernambuco, em 1848 – a última revolta liberal, de tendências

separatistas e antimonárquicas, que o sistema político do Segundo Reinado experimentou –,

significou a virtual pacificação interna do Império e coroou a obra do “Regresso”

(MARTINS, 2007, p. 80). Obra esta que vinha sendo orquestrada desde pelo menos 1840

quando, ainda sob o governo regencial de Pedro de Araújo Lima (mais tarde marquês de

Olinda), Paulino José Soares de Sousa, o futuro visconde de Uruguai, concebeu a primeira de

suas grandes manobras jurídico-políticas: a interpretação do Ato Adicional; juntamente com a

reforma do Código de Processo Criminal em 1841 (GRAHAM, 1997 [1990], pp. 78-79), este

reformismo às avessas (porquanto ligado a um projeto de revisão das reformas orquestradas

na década de 1830) permitiu converter os “excessos” da liberdade em dividendos da ordem,

consolidando o poder imperial ao mesmo tempo em que fortalecia a preeminência social e

política da classe proprietária. Por fim, em 1849 as eleições chefiadas pelo gabinete Olinda6 –

o mesmo que, ainda na função de regente em 1837, dava início à obra regressista – confirmam

a vitória dos arquitetos da centralização também no campo da representação política; a

Câmara que dali emerge não contará senão com um único membro do Partido Liberal,

Bernardo de Sousa Franco, isolado em meio a 110 conservadores (CARVALHO, 2003

[1980/1988], p. 256; HOLANDA, 2010, p. 57). Esta esmagadora maioria parlamentar fornece

a energia extra necessária ao gabinete de 1848 para, no limiar da década seguinte, promover

um conjunto de medidas que de certa forma dão o toque final aos esforços de consolidação

das instituições políticas do Império brasileiro (GRAHAM, 2001a [1985], pp.809-810). Não

por coincidência talvez, os atores que a finalizam foram também os principais responsáveis

por seu início: não apenas o líder que organiza o gabinete é o mesmo (Olinda), mas também

dois outros protagonistas do Regresso de 1837 voltam ao centro da cena política no gabinete

de 1848 – Paulino (visconde de Uruguai) e Joaquim José Rodrigues Torres (visconde de

5 A exceção que confirma a regra aqui é o caso da Farroupilha na província do Rio Grande do Sul. Por dez anos

(1835-1845) os estancieiros gaúchos conseguiram imprimir sua marca própria ao movimento insurgente, sem

que o mesmo sofresse a transmutação para uma revolta de caráter popular (GRAHAM, 2001b, p. 29). 6 Note-se, porém, que a 8 de outubro de 1849 Olinda é substituído na presidência do conselho de ministros por

José da Costa Carvalho, o visconde de Monte Alegre, chefe da pasta do Império (BARÃO DE JAVARI, 1979

[1889], p. 104).

Page 16: A Liga Progressista e a Construção do Estado Imperial

16

Itaboraí). Somados a Eusébio de Queirós neste novo gabinete, estes três homens compõem o

fulcro do Partido Conservador – a chamada “trindade saquarema”; operando desde a pujante

província cafeeira do Rio de Janeiro, este grupo deteve imensa relevância no movimento

regressista, exercendo uma sólida liderança que fez da “trindade” um dos grandes

protagonistas no processo de consolidação do Estado imperial brasileiro (MATTOS, 1990

[1987], p. 108)7.

Contudo, a dimensão do chamado “regressismo” dos anos 1840 deve ser analisada com

cuidado, uma vez que a centralização encetada por este movimento pouco tinha a ver com a

política centralizadora de dom Pedro I, e sequer significou uma ruptura completa com os

termos do Ato Adicional (DOLHNIKOFF, 2005, p. 77; p. 130). De acordo com Miriam

Dolhnikoff (Idem, p. 150), a centralização que caracterizou o movimento do Regresso

limitou-se à esfera do aparato judiciário, “para permitir ao governo central um controle

efetivo sobre ele”, não avançando por completo sobre os princípios federalistas que dotavam

as províncias de certa autonomia frente à Corte – princípios esses consagrados no Ato

Adicional de 1834. Nesse sentido, a “revisão conservadora” (Idem, p. 125) que emerge em

1837, intimamente ligada ao próprio surgimento do Partido Conservador na cena política do

Império, não é tanto um verdadeiro regresso às instituições anteriores ao período regencial

quanto uma tentativa de aperfeiçoamento do sistema federativo impulsionada pela

“constatação de que as reformas liberais haviam falhado no que dizia respeito à organização

judiciária” (Idem, p. 130). Não há dúvida de que o argumento de Dolhnikoff sobre a

centralidade da reforma judiciária não pode ser dissociado da ameaça de desordem social

aventada acima, a qual teve sua origem nas revoltas provinciais durante as Regências. Esta

relação, contudo, é praticamente ignorada pela própria autora: ao discutir a “revisão

conservadora” dos anos 1840, Dolhnikoff (2005, p. 126) limita-se a uma escassa referência de

um parágrafo sobre as revoltas provinciais – e isso com o intuito de negar-lhes, com a exceção

7 Embora aceitando a tese geral formulada por Ilmar Rohloff de Mattos (1990 [1987]) de que a consolidação do

Estado imperial e da unidade da classe proprietária constituem um único e mesmo processo, rejeito, todavia, o

corolário que daí extrai o autor (1990 [1987], p. 108) quando afirma que estes fenômenos foram arquitetados

exclusivamente pelo núcleo fluminense do Partido Conservador, representado pela “trindade saquarema”. Antes,

acredito que a atuação desse grupo – cuja importância não nego – no processo de centralização estatal precisa ser

relacionada ao crescimento gradual da percepção entre as elites regionais de que o poder central não era

contrário ao exercício da autoridade local, mas antes fornecia as bases que o tornavam possível. Ora, se esta

relação entre poder central e autoridade local é enfatizada, tal como venho fazendo nesta seção, torna-se claro

que, para além de uma elite regional privilegiada (os cafeicultores fluminenses) refletida no sistema político do

Império através da direção saquarema do Partido Conservador, havia também um conjunto mais amplo de atores

políticos sem os quais o processo de centralização dificilmente teria obtido o mesmo sucesso: os proprietários

rurais dispersos pelo território brasileiro (GRAHAM, 2001b, p. 35). Nesse sentido, não encaro aqui a “trindade

saquarema” como o ator político por excelência na obra “regressista”; antes, vejo-a como uma dentre as várias

forças centrípetas que, da metade dos anos 1830 até o final da década de 1840, exerceram pressão consistente

com vistas a uma maior concentração de capital político na corte do Império.

Page 17: A Liga Progressista e a Construção do Estado Imperial

17

da Farroupilha, o estatuto de insurgências compromissadas com os interesses das elites

provinciais. Contrariamente a essa posição, acredito que a perda de controle dos rumos das

sublevações dos anos 1830-1840 por parte das classes abastadas acarretou efeitos profundos

em suas concepções a respeito da “correta” condução dos conflitos políticos entre os setores

antagônicos da elite imperial (GRAHAM, 1997 [1990], p. 77); foi essa transformação na

percepção senhorial que, em última instância, deu ensejo à centralização judiciária de que fala

Dolhnikoff, visto que uma reforma nesse plano parece apontar para o projeto de constituição

do Estado imperial como o detentor do monopólio legítimo da força – projeto pouco

compreensível fora do quadro de instabilidade social criado pelas revoltas nas províncias.

De qualquer modo, cabe reter aqui a ideia de que o “arcabouço institucional” construído

pelos liberais entre 1832 e 1837 não é desfeito pela interpretação de 1840 ou pela reforma do

Código de Processo Criminal um ano mais tarde: “a revisão conservadora, apesar de seu nome

e sua fama, não alteraria fundamentalmente esse arcabouço” (DOLHNIKOFF, 2005, p. 134).

Tratava-se, isso sim, de revisá-lo, de aperfeiçoá-lo no interesse da própria preservação das

classes proprietárias regionais como detentoras exclusivas do poder político, delimitando de

modo mais claro as efetivas atribuições e o campo de atuação dos governos provinciais frente

ao governo central (Idem, p. 150).

Note-se que é sob a liderança dos homens do regresso, responsáveis por esse

aperfeiçoamento institucional frisado por Dolhnikoff, que, já em 1850, o Brasil passará por

transformações significativas em seu ordenamento jurídico por meio da aprovação de medidas

que não eram consensuais entre a classe proprietária. Com efeito, tais medidas só puderam ser

levadas adiante devido àquela peculiar confluência de fatores politicamente positivos para os

regressistas, cujo resultado foi a concentração de volumoso capital político nas mãos do

gabinete conservador de 1848. Assim é que finalmente tornou-se possível dar um fim à

crescente pressão inglesa em relação ao comércio escravista no Brasil, o que se efetivou

através da supressão do tráfico atlântico pela Lei Eusébio de Queirós; concomitante a isso, foi

também aprovado um código comercial para o Império brasileiro, regulando a atividade

empresarial no país e possibilitando o fluxo de capitais – agora abundantes em razão da

abolição do tráfico –, ainda que com restrições à atuação das sociedades de responsabilidade

limitada (GRAHAM, 1968, p. 222); outra questão espinhosa à qual o gabinete de 1848 pôde

dar um ponto final foi a da legislação fundiária, aprovando uma lei que dispunha sobre a

posse de terras públicas e visava difundir a prática de agrimensura dos lotes; por fim, a

reversão do caráter eletivo do oficialato da Guarda Nacional – obra do Código de Processo

Criminal de 1832 – ratifica a preeminência da autoridade “sóbria” do centro sobre os

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18

“particularismos” das oligarquias locais: a nomeação para os cargos de oficial da Guarda

passa a ser prerrogativa do ministério no poder, e a própria corporação passa a ser

cuidadosamente controlada pela pasta da Justiça. De fato, não é exagerada a afirmação de

José Murilo de Carvalho (2003 [1980/1988], p. 257) ao dizer que “o ano de 1850 pode ser

considerado marco entre duas fases de implantação do Estado Nacional”, uma vez que as

políticas promovidas pela “trindade saquarema” no poder parecem ter efetivamente concluído

“a tarefa de estabelecer as instituições de um poder central firme, que se conservaram

inalteradas até o fim do Império em 1889” (GRAHAM, 1997 [1990], p. 81).

O sentido das transformações orquestradas pelos conservadores no ano em que d. Pedro

II comemorou a primeira década de seu longo reinado adquire maior inteligibilidade se visto

também a partir de suas implicações no plano econômico. Com efeito, a suspeita de que o

ressurgimento ministerial de figuras como Uruguai e Itaboraí significa mais que uma feliz

coincidência aos partidários da “ordem” confirma-se quando a cotejamos com a trajetória

ascendente daquele fruto ao qual, seja pelo matrimônio ou pelo sangue, tanto as carreiras

políticas de Paulino, de Rodrigues Torres e de Eusébio estavam inextricavelmente ligadas: o

café. Já na década de 1830 a produção cafeeira superara o açúcar como principal produto na

pauta nacional de exportação8; a meteórica ascensão do café na economia brasileira, com sua

produção centrada no Vale do Paraíba fluminense9, atinge afinal o ponto simbólico de ser

responsável “por quase a metade de todas as receitas brasileiras de exportação” (GRAHAM,

2001a [1985], p. 774) no ano de 1850, aquele mesmo ano que, também no plano político,

indicava a inflexão pela qual passava o Império do Brasil. Se por um lado, contudo, as

repercussões de natureza estritamente econômica resultantes da promulgação do Código

Comercial ou da liberação de capitais antes empregados no tráfico negreiro já indicam o

compromisso do reformismo saquarema com a expansão da atividade agroexportadora (cf.

GRAHAM, 1968, p. 25), por outro é preciso abdicar do raciocínio econômico stricto sensu

para melhor compreender este reformismo, à maneira do que já foi feito com a explicação

puramente social ou política. O Regresso não é produto exclusivo seja da expansão cafeeira,

seja do pavor à instabilidade social, mas antes emerge no interstício de ambos. A acumulação

de capital político possibilitada pela pacificação interna do Império e a acumulação de capital

econômico ligada ao desenvolvimento da lavoura cafeeira são como o anverso e o reverso de

8 Graham (1997 [1990], p. 77) afirma que “as exportações de café triplicaram entre 1822 e 1831, e até 1840

aumentaram outras duas vezes e meia”. 9 A hegemonia valparaibana, a despeito do desenvolvimento da plantação cafeeira no oeste paulista a partir da

metade do século, só é de fato quebrada já na década de 1870, após a consolidação das estradas de ferro que

permitiram uma conexão mais rápida e segura do oeste com o litoral para o escoamento da produção agrícola

(GRAHAM, 2001a [1985], p.775).

Page 19: A Liga Progressista e a Construção do Estado Imperial

19

um mesmo fenômeno, a saber: o processo de consolidação do Estado imperial, orquestrado –

mas, conforme argumentei aqui, certamente não imposto – desde o centro político do Império

brasileiro. Nesse sentido, é possível concluir, seguindo Graham (1997 [1990], pp.100-101),

que:

A centralização, ao invés de ser imposta da capital, consolidou-se pela participação

ativa dos proprietários em todos os níveis da política, mesmo os mais altos. Os

homens de posses sabiam que as lutas em favor da autonomia regional ameaçavam

muitas vezes desestabilizar sua posição de superioridade sobre outros. Em

consequência, resolveram esse dilema jogando sua força nas instituições da

autoridade central, enquanto mantinham cuidadosamente seu controle sobre elas.

Para manter a ordem, estabeleceram sólidos vínculos para além das fronteiras

regionais, apesar das lealdades locais. [...] Essa aliança entre o governo central e os

que detinham o poder local explica a longevidade do sistema. Após 1840 ou 1850,

deve-se duvidar que tenha ocorrido qualquer divisão entre Estado e a elite

econômica nas diferentes províncias; naquela época, a maioria dos potentados rurais

em todo o Brasil passou a reconhecer o valor da autoridade central, até porque esta

reforçava a deles.

Na metade do século XIX, portanto, o Estado brasileiro adentrava sua fase áurea de

estabilidade, fundamentado num arranjo institucional e em dispositivos legais cuja arquitetura

esboçou-se nos anos iniciais de 1830, sendo posteriormente aperfeiçoada no período que vai

de 1837 a 1850. O arcabouço institucional-legal que daí emergiu gozou de um consenso

virtualmente unânime entre a classe proprietária até pelo menos o final da década de 1860,

quando a súbita queda do último gabinete progressista em 1868 “encerra o período do

esplendor [da monarquia] e abre o das crises que levarão à sua ruína” (IGLÉSIAS, 2004

[1967], p. 139). É, enfim, no embalo deste clima de vitória sobre as “paixões” locais, fruto da

“sobriedade” característica da boa administração da coisa pública, que a vida política imperial

adentra a década de 1850. Três anos após o programa de reformas levado a efeito pelos

conservadores de 1848, contudo, um peculiar rearranjo partidário, chamado por seus

contemporâneos de “conciliação”, tomará conta da cena parlamentar, impedindo que o

“partido da Ordem” colha sozinho os dividendos políticos da obra na qual seus adeptos, desde

1837, empenharam-se com tanto afinco. O fato é que a consolidação do Estado nacional

permitia finalmente que se empreendessem esforços deliberados com vistas ao fortalecimento

do sistema de representação política do Império, de modo a trazer para o interior do

parlamento disputas que antes se desdobravam nas ruas, não raro por meio das armas. O mote

clássico do liberalismo político – a garantia de representação das minorias como defesa contra

a “tirania da maioria” – próprio aos regimes de governo que se consolidaram no bojo das

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20

“revoluções burguesas”10

euro-americanas ecoou também no Brasil de meados do século

XIX, quando um grupo expressivo de atores políticos da época, do campo conservador ao

liberal, voltou-se à tarefa de replicar o recém-consolidado consenso em torno das “regras do

jogo” ao nível da articulação governamental explícita; buscava-se, enfim, fazer da política

uma prática eficaz para “dirimir os conflitos internos das elites” (MARTINS, 2007, p. 81).

O gabinete da “trindade saquarema”, responsável pelo conjunto de reformas legais

orquestradas no ano de 1850, mantém-se firme por quase quatro anos, tornando-se assim o

mais longo que o sistema político do Segundo Reinado experimentara até então (IGLÉSIAS,

2004 [1967], p. 30), o que dá a medida de seu poder e da centralidade assumida por ele no

processo de consolidação do Estado imperial. Em maio de 1852 a incumbência de organizar

um novo ministério é assumida pelo então ex-titular da pasta da Fazenda e futuro visconde de

Itaboraí, Joaquim José Rodrigues Torres. O indício de que este gabinete seria tão “ordeiro”

como o seu antecessor não é fornecido apenas pela permanência de Itaboraí: dos três nomes

fortes do núcleo saquarema que figuraram na composição de 1848 – Eusébio, Itaboraí e

Uruguai – apenas o primeiro está ausente do novo ministério; o gabinete Itaboraí é, para todos

os efeitos, um prolongamento da situação de predomínio conservador que se instaurara quatro

anos antes. Todavia, o clima parlamentar já é inteiramente diverso e, se o ministério é

solidamente conservador, não parece sê-lo a Câmara: a maioria parlamentar que o sustenta

não possui a mesma coesão de outrora, e a votação da resposta à Fala do Trono, ainda no

início da sessão parlamentar de 1852, sinaliza que a situação é de fato outra. Os 22 votos

contrários provêm mais da própria bancada conservadora do que da ínfima representação

liberal então existente (IGLÉSIAS, 2004 [1967], p. 37). Ao longo da sessão a divisão entre os

conservadores se aprofunda; cabe notar que este cisma é peculiar não só por advir das bases

do próprio partido no poder, mas também (e talvez ainda mais) pela natureza da reivindicação

básica por trás desta dissidência que, em poucos meses, acabará por inviabilizar a própria

manutenção do gabinete: não se trata de garantir uma hegemonia ainda mais sólida para seu

próprio partido – antes, exige-se o contrário. Nas tribunas do Senado ou da Câmara, políticos

egressos das fileiras conservadoras, como os baianos José Tomás Nabuco de Araújo e José

Antônio Saraiva, ventilam a ideia de que o Brasil necessita de um governo que lute pelo fim

10

Este termo, sujeito a muitas interpretações conflitantes, é aqui empregado no sentido que lhe dá Barrington

Moore Jr. (1975 [1967]) ao mobilizá-lo para compreender as vias de transição democrática para o mundo

moderno, a saber: as revoluções inglesa, francesa e a guerra civil norte-americana. Na dicção deste autor (1975

[1967], p. 491), o caráter “burguês” destes movimentos reside menos em seu papel na implantação de uma lógica

econômica mercantil/capitalista do que em sua importância à consolidação das instituições políticas

democrático-liberais, próprias ao mundo burguês moderno. Assim, para Moore o conceito de “revolução

burguesa” não é diferente do de “revolução liberal”, sendo mesmo sinônimo deste.

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21

dos exclusivismos de partido, pelo esquecimento das lutas do passado (IGLÉSIAS, 2004

[1967], pp. 37-40) – expressam, enfim, o desejo de “conciliação” e congraçamento entre a

classe política. Neste ambiente contemporizador, em que não só as ameaças internas à coesão

do Império haviam sido debeladas, mas também parte substancial dos atritos externos –

especialmente o fim da pressão inglesa sobre o comércio escravista no Brasil e o

arrefecimento dos conflitos platinos com a queda do mandatário argentino Juan Manuel de

Rosas (COSTA, 1996, p. 105; HOLANDA, 2010, p. 45) –, parece não mais haver espaço ao

férreo domínio saquarema, agora sob a direção de Itaboraí. O ministério perdura ainda por um

bom tempo, mas cai afinal, um ano e quatro meses após sua formação:

É nesse clima em que os conservadores estão no poder, com maioria esmagadora na

Câmara, em que há uma oposição parlamentar, formada sobretudo por

conservadores, que não apoia o gabinete; em que os liberais se agitam, mas estão

dispostos a uma composição conciliadora, por certo esgotamento nas lutas em que se

empenharam e pela ausência prolongada do poder, que o Gabinete de 11 de maio de

1852, presidido por Joaquim José Rodrigues Torres, chega ao fim, em 6 de setembro

de 1853. Vai ter início nova situação, marcada pelo ideal conciliador, há muito

acalentado como fórmula para os problemas nacionais. Inaugura-se a fase da

chamada Conciliação. (IGLÉSIAS, 2004 [1967], p. 41-42)

1.2. A política da conciliação: pré-história da liga progressista

O projeto político conciliador que emerge em 1853 gozava de longa maturação por

parte dos setores moderados tanto do Partido Liberal quanto do Conservador. Desde pelo

menos a proclamação da maioridade de Pedro II (1840), disseminava-se entre os articuladores

políticos o ideário de que “na origem de todos os vícios de nosso sistema político se achavam

as contendas entre as facções e a acirrada disputa pelas posições” (HOLANDA, 2010, p. 39);

já em 1841, a formação de um ministério composto por liberais que lutaram pela antecipação

da maioridade e por conservadores que a ela se opuseram demonstrou o desejo pela

conciliação política – desejo este que, no gabinete de 1844, emerge pela primeira vez como

programa de governo ao se conceder anistia aos artífices das revoltas liberais de Minas Gerais

e de São Paulo ocorridas dois anos antes (BARÃO DE JAVARI, 1979 [1889], p. 92;

IGLÉSIAS, 2004 [1967], p. 53). No entanto, se desde os anos iniciais do Segundo Reinado é

possível perceber um progressivo aglutinamento das facções políticas em torno da construção

da estabilidade sociopolítica após o turbulento período regencial (MARTINS, 2007, p. 77),

cabe notar que, fora algumas iniciativas isoladas como a da concessão de anistia aos rebeldes

de 1842, pouco foi realmente feito – menos pela suposta má vontade da classe política do que

pelas condições objetivas que, na década de 1840, não favoreciam o esquecimento das velhas

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contendas de partido. Como procurei demonstrar na seção anterior, foi apenas no limiar dos

anos 1850 que a solidez do sistema político imperial tornou-se uma realidade palpável; esse

fator, aliado a outros não menos importantes, como a expansão da economia agroexportadora

e a diminuição dos conflitos externos, permitiu que a pacificação concreta entre as facções

partidárias se tornasse enfim um projeto político plausível – uma vez que desejável ele já o

era há muito tempo, especialmente por parte do próprio monarca (NEEDELL, 2006, p. 172)11

.

A percepção contemporânea de que a condução da política na contramão das contendas

partidárias era uma necessidade premente foi sistematizada na pena do jornalista conservador

Justiniano José da Rocha (2009 [1956], p. 160), cujo célebre panfleto Ação; Reação;

Transação, publicado em 1855, afirmava que, após décadas de luta entre os elementos

“monárquico” e “democrático” (leia-se: conservadores contra liberais), “chegamos à fase da

transação; muitos espíritos refletidos o haviam compreendido; compreenderam os estadistas

chamados pela coroa à direção dos públicos negócios”. Não obstante as reservas que Rocha

possuía em relação à política conciliadora iniciada dois anos antes12

, não há dúvida de que ele

reconhecia no gabinete montado pelo então visconde – e mais tarde marquês – de Paraná a

expressão viva da “fase da transação” que o Império do Brasil atravessava. Afinal, também os

políticos presentes neste ministério compreendiam bem que o momento devia ser marcado por

concessões aos setores alijados do poder durante o predomínio saquarema dos anos

precedentes.

Com efeito, essa foi a marca principal da política da conciliação iniciada pelo gabinete

Paraná em 1853. O ideal contemporizador e o desejo de abrandar os ânimos partidários já

eram perceptíveis no próprio processo de formação do ministério: parte substancial dos

políticos que o compõem são jovens e/ou figuras de pouco compromisso com as tradições

luzia ou saquarema (IGLÉSIAS, 2004 [1967], p. 55; NEEDELL, 2006, p. 175). A aversão ao

partidarismo e às posições intransigentes mostra-se como verdadeiro princípio a guiar o

ministério; a busca por um ponto de equilíbrio entre os princípios da “ordem” (conservação) e

11

Assim, não ignoro a confluência entre os rumos tomados pela política da conciliação e o fortalecimento da

atuação de d. Pedro II, enfatizada por Jeffrey Needell no trabalho citado acima e largamente desenvolvida por

Sérgio Buarque de Holanda (cf. 2005 [1972], pp. 71-93; 2010, pp. 39-69). Todavia, acredito que para além da

preferência pessoal do imperador por uma política afastada das contendas partidárias, interessa compreender

como esta tendência à contemporização materializou-se num momento preciso da política imperial (a década de

1850), mostrando-se inviável antes disso. A meu ver, essa questão não pode ser explicada apelando-se às

intenções mais ou menos “ocultas” da política monárquica, mas antes exige um enfoque – que procurei efetuar

nas páginas anteriores – capaz de demonstrar quais foram as condições sociopolíticas objetivas que permitiram

que a política contemporizadora enfim emergisse como um projeto viável. 12

Para Rocha (2009 [1956], pp. 160-161) a política inaugurada pelo gabinete formado em 1853 pecava por não

avançar o suficiente no congraçamento entre os partidos, reduzindo a conciliação de ideias e projetos a um mero

arranjo entre indivíduos: “os dias da transação vão passando e não têm sido utilizados; [...] ainda é tempo,

todavia; os anos de 1855 e de 1856 ainda podem ser aproveitados; aproveitemo-los”.

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23

da “liberdade” (progresso), de modo a escapar tanto do imobilismo social quanto da anarquia,

é de suma importância não somente à retórica dos “conciliados” de 1853; pois, conforme

argumentarei adiante, também para os progressistas da década seguinte tratava-se de efetuar

uma mediação entre esses dois extremos. No que tange aos homens da conciliação, o projeto

de equilíbrio entre os polos da ordem e da liberdade é explicitamente enunciado por Paraná

(apud IGLÉSIAS, 2004 [1967], p. 56) em seu primeiro discurso na tribuna do Senado como

líder ministerial:

[...] pelo que toca à política interna pertencemos à opinião que se tem apelidado

conservadora; porém essa opinião, tal qual eu e os meus nobres colegas [de

gabinete] a professamos, não exclui o progresso; pelo contrário, entendemos que não

há boa conservação sem que haja também progresso. Entendemos, pois, que

devemos procurar melhoramentos, não só materiais, mas também intelectuais e

morais.

Também o então deputado Nabuco de Araújo (apud IGLÉSIAS, 2004 [1967], p. 65),

responsável pela pasta da Justiça durante o gabinete Paraná e figura central na emergência da

Liga Progressista anos mais tarde, afirma em 1854 perante seus colegas na Câmara que a

conciliação:

[...] é a combinação do princípio conservador com o progresso refletido e justificado

pela experiência; o princípio conservador como base, o progresso como acessório;

certamente, o progresso não é incompatível com o princípio conservador, porque o

princípio conservador não é a inércia, o abandono; não conserva quem não melhora.

Mas não só no domínio discursivo se orquestrava a conciliação entre os diferentes

segmentos e princípios que organizavam a vida política do Império. O ano de 1855 presenciou

um avanço significativo no debate sobre a legislação eleitoral, e o empenho pessoal de Paraná

em dar prosseguimento a uma matéria emperrada no parlamento há anos parece responder

positivamente ao panfleto de Justiniano José da Rocha, quando este apela para que os “dias da

transação” sejam enfim aproveitados com sabedoria (cf. nota 12). Afinal, o projeto de lei (que

ficou conhecido, após sua aprovação, como a Lei dos Círculos) encaminhado pelo gabinete

representou uma tentativa concreta – e bem-sucedida – de induzir a renovação política do

parlamento e de transformá-lo num espaço efetivo de representação das minorias

(DOLHNIKOFF, 2009, pp. 48-49). Ao instaurar um regime de incompatibilidade na

apresentação de candidaturas para magistrados e funcionários públicos e instituir o voto

distrital no qual cada distrito elege um único candidato (IGLÉSIAS, 2004 [1967], pp. 67-70),

a Lei dos Círculos foi eficaz na quebra do controle quase absoluto do governo sobre as

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24

eleições por ele presididas; fragmentando o processo eleitoral por diversas regiões das

províncias, essa nova lei diminuiu a capacidade do partido no poder em criar Câmaras

compostas unanimemente por políticos de seus próprios quadros, assegurando assim que o

parlamento também fosse capaz de representar os interesses de setores que de outra forma

estariam alijados da esfera institucional da luta política (GRAHAM, 2001a [1985], pp. 805-

806). Aqui é possível recorrer uma vez mais àquele panfleto que tão bem condensa o

momento de conciliação da política imperial; pois também Rocha (2009 [1956], p. 204)

intuíra, no mesmo ano em que a legislação eleitoral é recolocada no centro do debate político,

que apenas o fortalecimento da legitimidade do regime parlamentar enquanto esfera de

representação autêntica dos diversos setores das classes abastadas seria capaz de garantir a

recém-conquistada estabilidade sociopolítica do Império:

[...] não receamos errar profetizando que a era lamentável de convulsões pela qual

têm necessariamente de passar as nações novas que tratam de organizar-se, estará

concluída, para nunca mais ser renovada: então entregues as questões de política, de

governo, de alta administração ao jogo legítimo de um regime representativo com

prudência equilibrado, poderá a nação brasileira caminhar segura para os grandes

destinos que a esperam.

Todavia, o desfecho dos debates, a esperada aprovação da Lei dos Círculos, tão central

ao programa dos conciliados de 1853, Paraná não pôde acompanhar em vida. Honório

Hermeto Carneiro Leão – o temido marquês de Paraná de cujo imenso poder os panfletos e

periódicos contemporâneos satirizavam ao nomeá-lo “el-rei Honório” (NEEDELL, 2006, p.

194; HOLANDA, 2010, p. 44) –, falece subitamente no ano de 1856, em pleno auge de sua

trajetória política. O gabinete por ele organizado mantém-se ainda por um tempo, agora sob a

presidência de Luís Alves de Lima e Silva (futuro duque de Caxias), até então Ministro da

Guerra. Trata-se de uma sobrevida justificada pela necessidade de finalização da reforma

eleitoral e pela organização das primeiras eleições sob sua égide, no início de 1857. Com

efeito, esse pleito seria responsável pela coroação do projeto conciliador orquestrado por

Paraná desde 1853, uma vez que seu resultado prático foi exatamente aquele esperado pelos

artífices da nova legislação eleitoral agora em vigor: a quebra da hegemonia de um único

partido na Câmara, com um aumento expressivo no número de deputados liberais eleitos sob

o regime dos círculos13

(IGLÉSIAS, 2004 [1967], pp. 74-75).

13

Três anos mais tarde, porém, a Lei dos Círculos sofreria alterações: dentro de cada distrito não mais seria

eleito apenas um único candidato, mas sim três. A despeito de tal mudança, a representatividade do Partido

Liberal não diminui nas eleições de 1860: pelo contrário, o número de liberais eleitos foi ainda maior que o do

pleito de 1857, com ampla vitória destes nos centros urbanos do Império (NEEDELL, 2006, p. 213; HOLANDA,

2010, pp. 68-69).

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25

Realizada a eleição e iniciado o ano legislativo de 1857, o gabinete chefiado

interinamente por Caxias se retira para dar lugar a outro. No mês de maio organiza-se o novo

ministério sob a responsabilidade de um conhecido expoente do Partido Conservador: Pedro

de Araújo Lima, o marquês de Olinda. Apesar de ter sido um dos principais opositores na

tribuna do Senado à conciliação de Paraná, ao ser encarregado da organização do novo

gabinete pelo imperador, Olinda mostra-se mais do que disposto a pôr em prática o ideal

conciliador do esquecimento das rixas de outrora; de fato, ele mesmo procura fazer tabula

rasa de suas (nem tão) antigas críticas quando, ao anunciar o programa do gabinete por ele

presidido perante a Câmara (apud BARÃO DE JAVARI, 1979 [1889], p. 117), afirma que o

ministério atual continuará a política “proclamada do alto do trono” que pautara as ações do

ministério precedente:

Encarregado de tão árdua como honrosa tarefa da organização ministerial, eu

entendi que o Gabinete devia ser a expressão da primeira das nossas atuais

necessidades públicas. Aquela necessidade é a expressão franca e leal dessa política,

que proclamada do alto do trono e levada à execução, tem conseguido fazer tender

os espíritos para a concórdia e moderação.

A conciliação, portanto, mantém-se viva como política de governo sob a direção de

Olinda, seu antigo opositor e agora prosélito. O elíptico discurso proferido a 6 de maio, se

deixa dúvidas quanto à sinceridade desta conversão, é confirmado, porém, pela composição

ministerial levada a efeito dois dias antes da apresentação do programa do ministério: nela

figurava aquela estrela solitária do Partido Liberal na Câmara unanimemente conservadora de

1850, Bernardo de Sousa Franco, bem como José Antônio Saraiva, conservador desde há

muito conciliado (BARÃO DE JAVARI, 1979 [1889], p. 118). O empenho de Olinda em

mobilizar políticos com trajetórias e alianças tão distintas fez com que Sérgio Buarque de

Holanda (2010, p. 57) não hesitasse em afirmar que “o chefe do 4 de maio [de 1857] ainda foi

mais longe do que seu antecessor na ação conciliatória”. Não há dúvida, pois, de que a busca

pela contemporização entre as facções rivais manteve-se firme ainda durante o gabinete

Olinda de 1857.

Um ano mais tarde, porém, cai este gabinete para dar lugar a outro, organizado por

Antônio Paulino Limpo de Abreu, o visconde de Abaeté. Por trás da dissolução do ministério

liderado por Olinda estava a política financeira conduzida por Sousa Franco, responsável pela

pasta da Fazenda (HOLANDA, 2010, pp. 62-63). Ao instaurar a pluralidade bancária,

retirando das mãos do Banco do Brasil o monopólio da emissão, a atuação de Sousa Franco

permitiu que se criasse uma verdadeira bolha de crédito, com emissões muito acima do

Page 26: A Liga Progressista e a Construção do Estado Imperial

26

volume de capital real dos bancos; essa política francamente contrária à ortodoxia financeira

do Império gerou uma oposição contundente ao gabinete Olinda durante a sessão legislativa

de 185814

, impossibilitando assim sua continuidade (IGLÉSIAS, 2004 [1967], pp. 84-85).

A formação de um novo ministério sob a chefia do visconde de Abaeté demonstra mais

uma vez aquela peculiar característica que, afinal, perpassa a totalidade dos ministérios

conciliados da década de 1850: a convocação de políticos com trajetórias muito diversas.

Abaeté era um luzia de longa data que participou das sublevações do ano de 1842, mas que

agora flertava com o credo saquarema; sob a incumbência de organizar o gabinete, mostra-se

de todo disposto a avançar a conciliação na mesma linha de seu antecessor, porém em sentido

inverso: se Olinda, saquarema de origem, serviu-se no gabinete de 1857 de grande número de

figuras associadas ao Partido Liberal, o antigo luzia Abaeté organiza um ministério

majoritariamente conservador (HOLANDA, 2010, p. 63). Também aqui a já citada frase do

marquês de Paraná, artífice da conciliação, parece encontrar acolhida – assim como as

situações de 1853 e de 1857, a composição ministerial empreendida por Abaeté não destoa da

práxis conciliadora de indistinção entre os elementos advindos do Partido Conservador e do

Liberal15

; Paraná (1853), Olinda (1857) e Abaeté (1858) são igualmente eficazes, quando no

poder, em concretizar as palavras do primeiro quando este afirmara que agora “não há mais

Saquaremas nem Luzias” (apud HOLANDA, 2010, p. 57).

A substituição de Olinda por Abaeté significou também a mudança nos rumos da

política econômica do governo: no lugar do liberal Sousa Franco a pasta da Fazenda passa a

ser ocupada por um dos principais críticos às medidas heterodoxas que caracterizaram a

condução das finanças no gabinete Olinda – Francisco de Sales Torres Homem (futuramente

visconde de Inhomirim), antigo liberal notório pelo panfleto O Libelo do Povo e agora

integrado aos saquaremas. Desnecessário dizer que no ministério Abaeté, portanto, a política

econômica vai na contramão das tendências liberalizantes do gabinete precedente; as medidas

14

Já no projeto de resposta à Fala do Trono que abrira os trabalhos da Câmara neste mesmo ano, era perceptível

a preocupação reinante a respeito do encaminhamento da política econômica dada pelo gabinete:

Esta situação econômica, ainda lisonjeira pela abundância e facilidade das receitas, será

mantida se na direção dos negócios predominar, como é de esperar, a prudência que premune

a fortuna pública contra as contingências de inovações sem apoio na experiência [...]

(CÂMARA DOS DEPUTADOS, 1872, p. 499; grifos meus). 15

Por isso rejeito aqui a periodização elaborada por Francisco Iglésias (2004 [1967], pp. 88-89) a respeito do

término da conciliação iniciada em 1853: segundo este autor, o domínio conservador no gabinete Abaeté

sinalizaria o fim da política da conciliação e o retorno do predomínio saquarema. A meu ver, o problema com

esta visão é sua gritante parcialidade: pois se Olinda, antigo conservador, pôde organizar um gabinete conciliado

com maioria liberal, por que Abaeté, antigo liberal, não poderia formar um ministério no espírito da conciliação

composto por expressivo número de políticos egressos das fileiras conservadoras? Considero, pois, que o

gabinete montado por Abaeté expressa ainda o impulso de transcender os cismas de partido que caracterizou a

política conciliadora dos anos 1850.

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27

que Torres Homem propõe para pôr um fim à “farra” do crédito instaurada por Sousa Franco

geram intensos debates na Câmara – o projeto de sua autoria é por fim aprovado, mas com a

diferença de apenas 11 votos a favor, indicando a clara fragilidade do gabinete e os possíveis

impasses que ainda o esperavam (HOLANDA, 2005 [1972], p.30). Tal como o ministério de

Olinda, este, liderado por Abaeté, também vai ao encontro do imperador em São Cristóvão

devido à dificuldade em lidar com a questão financeira; ao se defrontar com o resultado

vitorioso mas pouco animador da votação, Abaeté pede a exoneração do gabinete à d. Pedro

II, antes que o ministério dos conservadores conciliados sob a liderança de um luzia complete

seus 8 meses de existência (IGLÉSIAS, 2004 [1967], pp. 94-95).

O fim do gabinete Abaeté organizado a 12 de dezembro de 1858 coincide com a morte

da política conciliadora, idealizada por Paraná em 1853, sob os auspícios da Coroa. Com

efeito, durante os dois ministérios seguintes liderados por figuras provenientes do Partido

Conservador – Ângelo Muniz da Silva Ferraz (1859), futuro barão de Uruguaiana,

responsável pela formação de novo ministério após a queda de Abaeté, e Luís Alves de Lima

e Silva (1861), então marquês de Caxias –, os esforços no sentido do enfraquecimento da

solidariedade partidária em prol da solidariedade governamental foram freados, dando lugar a

tentativas de rearticulação das posições de partido. Sob Ferraz, o encaminhamento da questão

econômica de acordo com a política ortodoxa elaborada por Torres Homem e a discussão a

respeito da alteração da Lei dos Círculos – magnum opus do primeiro gabinete conciliado –,

ocorridas no ano de 1860, novamente polarizaram as posições de conservadores e de liberais

(NEEDELL, 2006, p. 207; HOLANDA, 2010, p. 67). Por sua vez, durante o gabinete Caxias

foi a própria composição ministerial que, absorvendo políticos das diversas tendências

reunidas sob o partido da “Ordem”, visou reagrupar os elementos dispersos do Partido

Conservador após a sangria que este sofrera com as conciliações de outrora (HOLANDA,

2010, p. 75).

Está claro, pois, que o reavivamento das tensões partidárias ressurge com força no início

da nova década, ameaçando assim a obra da conciliação; como que em resposta,

simultaneamente a esse processo despontará no parlamento nova articulação política entre os

homens “moderados” de ambos os partidos: entra em cena a chamada “Liga Progressista”.

Trata-se uma vez mais, a exemplo da situação observada no tempo de Paraná, de extirpar as

posições extremadas, trilhando uma espécie de “caminho do meio” capaz de assegurar a

representatividade das posições minoritárias no espaço institucional da política (o parlamento

do Império) e, ao mesmo tempo, utilizar esse espaço como instrumento efetivo de unificação

da classe proprietária, detentora exclusiva dos direitos políticos. Ambicionando ver

Page 28: A Liga Progressista e a Construção do Estado Imperial

28

concretizada a possibilidade do congraçamento que parecera tão real durante a conciliação,

Nabuco de Araújo (SENADO DO IMPÉRIO, 1862, sessão de 20 de maio) afirmava da

tribuna do Senado, pouco antes do advento do primeiro gabinete “ligueiro”, a necessidade de

união da classe política:

O desideratum seria que os homens liberais e os homens moderados, os homens

conservadores que não estão contentes com esse estado de coisas, com esses

partidos pessoais, se reunissem para formar um grande partido. Eu vejo, senhores,

que não há na sociedade brasileira, como eu tenho dito, elementos para um

antagonismo profundo e duradouro; mas porventura não há ideias que sirvam de

campo comum? O sistema representativo porventura está tão regular que a sua

regularidade não seja um belo empenho para os esforços comuns?

Ainda naquele ano de 1862 o parlamento responderia positivamente à pergunta de

Nabuco de Araújo, instilando novo vigor à política contemporizadora que na década de 1850

chamou-se “conciliação” e, agora, é rebatizada de “progresso”. O legado de Paraná sobrevive,

pois, menos como reprodução inerte do que já fora feito antes do que como inspiração a guiar

a conduta de conservadores e liberais, unidos por um ideal comum de moderação política e

pelo projeto de buscar novo equilíbrio entre os polos da ordem (conservação) e da liberdade

(progresso).

A importância da política da conciliação (1853-1859) na vida parlamentar da década

que sucede ao seu fim pode ser observada em dois fenômenos que são no fundo

complementares: 1) parte substancial dos atores que abraçaram a causa progressista a partir de

1862 estivera envolvida com a conciliação – tal é o caso de um dos maiores expoentes da Liga

Progressista, o já citado Nabuco de Araújo, e de seu conterrâneo José Antônio Saraiva; 2)

ideologicamente, a organização da Liga não é senão um desdobramento tardio de tendências

políticas que estiveram por trás do surgimento da conciliação em 1853 – essas tendências

mantiveram-se relativamente firmes ao longo da década de 1850 e sobreviveram à

desarticulação do projeto conciliador sob Ferraz e Caxias. Refiro-me aqui às novas

possibilidades de negociação política que a consolidação do Estado nacional engendrou, já

abordadas acima: a conciliação, expressão viva do novo momento de estabilidade

sociopolítica do Império, ao obliterar as antigas divisões de partido e os radicalismos de

saquaremas “empedernidos” ou de luzias “rebeldes”, operou profunda transformação na vida

política dos anos 1850 e permitiu que pela primeira vez o parlamento do Império surgisse

como espaço de arbítrio legítimo dos conflitos intraelite. Foi este impulso de unificação da

classe proprietária sob a égide de um reformismo contemporizador, aderente ao status quo

monárquico, o legado da conciliação à política do progresso. Esta, tal como aquela, organiza-

Page 29: A Liga Progressista e a Construção do Estado Imperial

29

se segundo o mote de Paraná quanto ao fim das divisões entre saquaremas e luzias, ideia que

foi esmerilada alguns anos mais tarde por Torres Homem, quando ele afirmou (CÂMARA

DOS DEPUTADOS, 1857, sessão de 12 de junho; grifos meus) que a conciliação não era

senão a consequência natural de uma situação política na qual conservadores e liberais não

mais se opunham como nos idos de 1830 e 1840, mas antes uns realizavam a obra almejada

pelos outros – o que fazia da conciliação “a única [política] possível, a única sensata, a única

que exprime e satisfaz as necessidades da situação”; segundo Torres Homem, os tempos são

realmente novos, uma vez que:

Os grandes princípios que nos dividiam, o princípio de ordem e o princípio de

liberdade, cessaram suas lutas e descansam em mole paz; e o país rir-se-ia de ver

armar-se paladinos para defender instituições livres que ninguém ameaça, ou para no

meio de uma tranquilidade profunda, como a que existe, sustentar a ordem que

ninguém ataca e todos defendem. [...] O partido liberal governou cinco anos16

; e nos

conselhos da Coroa, na tribuna do corpo legislativo iniciou trabalhos, organizou

projetos em que transluz o espírito de sua política [...]. Ora, senhores, o que é que aí

encontramos? Encontra-se o voto bem pronunciado pela reforma da lei de 3 de

dezembro de 1841 [reforma do Código de Processo Criminal]; pela reforma

parlamentar e eleitoral; encontram-se ainda algumas tendências incertas de

descentralização nos graus ínfimos da escala administrativa. Há alguma coisa mais?

Não; a isto se limitaram seus projetos de melhoramento das instituições. [...] qual foi

a fortuna dessas reformas moderadas? Foram aceitas pela maioria conservadora que

as tinha precedentemente combatido. Desde o momento que uma Câmara dos

Deputados conservadora alterou em seus pontos fundamentais o sistema da lei de 3

de dezembro e operou a reforma eleitoral e parlamentar, desde esse momento

apagaram-se as cores exclusivas e rivais das bandeiras dos partidos! As condições

morais de sua existência como partidos desapareceram; o progressista ficou sem

programa, e o conservador, que realizara essas reformas em nome do progresso,

perdeu não só o seu programa, como até o seu nome, sem harmonia com o caráter da

missão que acabava de desempenhar.

O fato de as antigas contendas entre os princípios da liberdade e da ordem terem

cessado abre espaço para que a prática política seja agora construída com base nas posições

consensuais que sobreviveram àqueles embates. Esse distanciamento frente às paixões

partidárias e aos posicionamentos políticos combativos é uma marca que a conciliação

imprime no seu sucedâneo da década de 1860: em ambos os casos ambiciona-se afastar a arte

de governo do terreno político, eivada de parcialidades e antagonismos, e aproximá-la da

esfera administrativa, espaço “neutro” que permite a boa condução da coisa pública longe dos

exclusivismos de partido capazes de obstruir o progresso nacional. De acordo com Ilmar

Rohloff de Mattos (1990 [1987], pp. 189-190) essa oposição entre política e administração foi

constitutiva da mentalidade dos homens de Estado no Brasil oitocentista, servindo como uma

16

O orador refere-se aqui ao chamado “quinquênio liberal” que abrange os anos de 1844 a 1848, período no qual

os gabinetes foram compostos por gente egressa majoritariamente das fileiras do Partido Liberal.

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30

espécie de princípio binário através do qual a arte de governo poderia ser avaliada pelo

desdobramento de suas ações ao longo de um continuum que vai do extremamente político

(visto negativamente) ao puramente administrativo (encarado positivamente). Nas palavras de

Mattos (1990 [1987], p. 189; grifos no original):

Teríamos, então, num dos extremos os deputados gerais; seguir-se-iam os

presidentes de Província, os ministros de Estado, os senadores e os conselheiros de

Estado; no outro extremo, o imperador. No primeiro dos extremos, o máximo de

política, entendida como “paixões partidárias”, incontroláveis porque ligadas aos

interesses locais [...]; no outro extremo, a ausência de política, o predomínio da

razão, dos interesses gerais que se confundem com os interesses da Pátria. [...] À

medida que seguimos pelo continuum, os cargos, as instituições e as próprias

pessoas parecem sofrer um aperfeiçoamento.

Importa reter aqui que esse binarismo que funcionava implicitamente como princípio

hierarquizante da prática política foi articulado de modo explícito durante os anos da

conciliação, sendo herdado pelos articuladores do progresso; ao excluir do campo

governamental as posições extremadas e as rusgas partidárias, a contemporização política que

na transição dos anos 1850-1860 abandona a forma conciliadora para assumir a do progresso

chama para si a tarefa de fazer da arte de governo um exercício de sóbria administração da

coisa pública, afastando-a da dependência de partidos incapazes de encarar as necessidades da

nação sem que a elas seja anteposta a consideração das lutas políticas passadas ou presentes.

Assim, como procurei demonstrar ao longo deste capítulo, o ideal de congraçamento

entre os partidos só pôde ser articulado pelos setores moderados dos Partidos Conservador e

Liberal quando a estabilidade sociopolítica do Império mostrou-se como fenômeno real e

tangível, capaz de, para usar uma vez mais as palavras de Sérgio Buarque de Holanda (2010,

p. 45), remover possíveis “barreiras a uma ação política intrépida e consequente”. O projeto

de constituição do parlamento como esfera legítima de arbítrio dos conflitos intrínsecos à

classe proprietária – o projeto de contemporização – emerge como possibilidade política

plausível a partir do momento em que o arranjo institucional-legal sobre o qual se assenta o

status quo monárquico recebe seus “retoques finais”, com o programa de reformas de 1850; a

partir daí, nessa data que sinaliza um ponto de inflexão no processo de construção do Estado

nacional, a tarefa de tecer um consenso entre a classe proprietária, apagando os vestígios das

antigas lutas entre saquaremas e luzias, é levada a cabo por um conjunto de atores políticos

que, apelando ao abandono das “mesquinharias” de partido em nome da boa administração

dos negócios de Estado, faz da contemporização entre os antigos antagonistas o meio de

construção deste consenso; um consenso que fora perseguido durante os anos da conciliação,

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31

arrefecido entre 1859 e 1861 e reavivado a partir do ano de 1862, com a consolidação de uma

nova “liga” entre liberais e conservadores dissidentes.

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Capítulo 2

A Formação da Liga Progressista

O ano de 1859, conforme apontado anteriormente, assistiu ao fim da política

conciliadora em razão da queda do ministério presidido pelo visconde de Abaeté e de sua

substituição, no dia 10 de agosto, pelo gabinete organizado por Ângelo Muniz da Silva

Ferraz. A morte do projeto conciliador, contudo, é sinalizada não tanto pelo homem que passa

a presidir o conselho de ministros, mas antes pelo reavivamento das posições partidárias que

os gabinetes da conciliação souberam, com maior ou menor sucesso, coibir. De fato, já vimos

que foi durante o gabinete Ferraz, mais precisamente no ano de 1860, que os sensíveis temas

da condução da política econômica imperial e da reforma do sistema eleitoral instaurado pela

Lei dos Círculos foram novamente trazidos ao centro da cena política; as opções binárias que

então apareciam como as únicas soluções possíveis a ambas as questões não poderiam senão

produzir um racha no seio do parlamento do Império, desfazendo assim a calmaria política

orquestrada pela conciliação. No que tange à questão econômica, a polarização se deu no

sentido da liberdade ou da restrição bancária e do crédito; por sua vez, a discussão da reforma

na legislação eleitoral consagrada nas eleições de 1857 opunha os defensores do modelo

vigente àqueles que enxergavam a necessidade de alterações na definição dos distritos

eleitorais (também chamados de “círculos”), isso quando não sustentavam a abolição mesma

do sistema. O antagonismo que perpassava esses temas tendeu a seguir as antigas divisões

partidárias que todos já davam como mortas: de um lado, luzias contrários às medidas

restritivas em economia e a favor da manutenção integral da Lei dos Círculos tal como fora

concebida originalmente; de outro, políticos saquaremas favoráveis ao “choque ortodoxo”

promovido por Ferraz e entusiastas de uma reforma no sistema eleitoral.

Ao fim da sessão legislativa de 1860, porém, ficava claro para os atores políticos coevos

que o realinhamento partidário em operação não mais seguia as velhas divisões entre os

sectários da ordem e os da liberdade. A polêmica em torno das questões econômica e eleitoral

trazidas à tona pelo gabinete Ferraz produziu, em realidade, dois movimentos distintos entre

os parlamentares do Império: se o problema da liberdade/restrição bancária pôde efetivamente

reaglutinar os conservadores – salvo a exceção de uma pequena parcela “heterodoxa” em

matéria econômica – em torno de uma bandeira comum, oposta àquela de seus antigos

antagonistas, o mesmo não ocorreu em relação à reforma eleitoral, ou seja, ao problema

político propriamente dito. Não há dúvida de que a polarização ressurgia após o longo exílio

ao qual a conciliação a condenara, mas entre os batalhões saquarema e luzia infiltrava-se

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agora um novo e estranho elemento, desconhecido das antigas lutas que precederam a subida

do marquês de Paraná ao poder – trata-se da dissidência conservadora, fiel ao legado da

política da conciliação e, por isso mesmo, avessa a alterações na Lei dos Círculos

(HOLANDA, 2010, p. 68). Já foi aventado alhures que a articulação entre os elementos

dissidentes do Partido Conservador e os políticos liberais está na base da criação da Liga

Progressista em 1862, ano em que Zacarias de Góis e Vasconcelos organizará o primeiro

gabinete sob o auspício desta nova agremiação política. Assim, depois de termos explorado

seus antecedentes mais remotos, expressos na política da conciliação, cabe agora investigar as

condições concretas que, após o fim desta, permitiram que o realinhamento partidário

posterior à “trégua” da década de 1850 se desse à margem da oposição entre saquaremas e

luzias que caracterizara o período regencial e os anos do regresso.

2.1. O ministério Ferraz e as eleições de 1860

A importância do ministério de 10 de agosto de 1859 na transformação da atmosfera

política do Império tem no tratamento das questões econômica e eleitoral sua causa principal,

mas não a única. A sagacidade política de seu presidente também teve aí um importante papel,

inclusive na produção daquela causa. À época de sua escolha para a presidência do ministério,

Ferraz era um notório (e controverso) político baiano que, a despeito de sua forte oposição ao

programa da conciliação, era identificado com a ala “moderada” do Partido Conservador, uma

vez que não mantinha relações próximas com os saquaremas fluminenses (NEEDELL, 2006,

p. 207). Os antecedentes de Ferraz indicavam bem de onde se esperava que surgisse o apoio

ao gabinete: a retirada de Abaeté e de sua política econômica restritiva, encabeçada pelo

ministro Torres Homem, gerou a expectativa, nutrida pela bancada liberal e por uma minoria

conservadora que flertava com a liberdade bancária, de que o encaminhamento da questão

econômica sofreria agora nova inversão de sentido; dentro desse quadro, tanto a atuação de

Ferraz quanto o apoio de tais setores do parlamento eram fenômenos dados como certos. Nada

mais ilusório, porém, do que supor tamanha previsibilidade de ação em um político

sabidamente imprevisível, ao qual seus contemporâneos lhe atribuíam uma “falta de senso

comum” (HOLANDA, 2010, p. 78) tão notória quanto a inteligência que nele reconheciam.

De fato, já nos primeiros meses de sua administração, Ferraz realiza um movimento de

aproximação com um grupo político que pouco ou nada dele esperava, ao nomear para a pasta

do Império – a qual ele estava comandando interinamente – o conservador João de Almeida

Pereira Filho, deputado fluminense pelo distrito de Campos. A nomeação de Almeida Pereira

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inaugura uma aliança do gabinete com o Partido Conservador – aliança que, no ano de 1860,

revelaria sua centralidade no processo de rearticulação do antagonismo político. O aceno para

o grupo saquarema era muito claro: Almeida Pereira não era apenas “mais um” dentre a vasta

maioria conservadora na Câmara do quatriênio 1857-1860; tratava-se de um político com

relações privilegiadas com aquele que era tido como o chefe por excelência do partido da

“Ordem”: Eusébio de Queirós. Relações essas que transcendiam a esfera exclusivamente

política, uma vez que tais homens estavam também ligados por laços familiares – Almeida

Pereira era tio da esposa de um dos filhos de Eusébio (NEEDELL, 2006, p. 207).

A entrada do deputado campista para o ministério significou, pois, a adesão dos

saquaremas à política do gabinete de 10 de agosto. Ferraz, por sua vez, não decepcionou aos

seus recém-aliados no que tange ao tema mais sensível daqueles anos: a condução da política

econômica. Contrariando as expectativas de inversão do plano ortodoxo que o gabinete

Abaeté aventou, mas que não pôde implementar de fato, Ferraz acabou por levar adiante a

política ortodoxa de seu antecessor (Torres Homem) na pasta da Fazenda17

: após refletir sobre

a questão financeira no intervalo das sessões legislativas de 1859 e 1860 (NEEDELL, 2006, p.

207), ele apresenta à Câmara um conjunto de medidas de alto teor restritivo, limitando, por

exemplo, a atividade das sociedades anônimas ao atrelar o seu funcionamento à anuência

prévia do Conselho de Estado (GRAHAM, 1968, p. 224; HOLANDA, 2010, pp. 65-66). Os

debates acalorados que o projeto suscita e a respectiva polarização das posições em jogo,

seguindo as divisões partidárias, representam o primeiro dos dois duros golpes que o clima

“contemporizador”, o qual reinara no parlamento da época da conciliação, sofre naquele ano

de 1860; a ampla maioria dos conservadores na Câmara garante, todavia, fácil aprovação à

nova legislação que, não por acaso, passa a ser conhecida como a “Lei Ferraz”. O outro golpe

que fere de morte a obra da conciliação refere-se à reforma da legislação eleitoral, à qual fiz

referência no início deste capítulo. Trata-se de tema que, pelas consequências diretas na

reorganização do campo político do Segundo Reinado, exige que dediquemos mais tempo em

sua apreciação.

Conforme ressaltado anteriormente, a grande aquisição concreta da política conciliatória

levada a efeito por Paraná foi a aprovação de um novo marco legal em matéria eleitoral: a

chamada Lei dos Círculos. Vimos que o sistema do voto distrital inaugurado por essa lei teve

seu primeiro teste no ano de 1857, e o resultado foi extremamente positivo para aqueles que

advogavam pela causa da contemporização entre saquaremas e luzias: pela primeira vez desde

17

Além do cargo de presidente do conselho de ministros, Ferraz também exerceu durante todo o seu ministério a

chefia da pasta da Fazenda.

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35

o fim do “quinquênio liberal” (1844-1848), após a queda do ministério de Francisco de Paula

Sousa e Melo, o Partido Liberal conseguia eleger uma bancada minimamente expressiva em

termos numéricos. O ideal de representação das minorias como condição da estabilidade

parlamentar almejada por setores da classe política parecia garantido pelo sistema eleitoral

que então se consagrava, o qual tinha sua contraparte na formação de ministérios cuja

organização passava à margem das antigas lideranças políticas dos tempos de combate entre

os partidos.

Contudo, a nova legislação eleitoral também produziu seus descontentes. O grupo que

mais sofreu seus efeitos negativos foi o saquarema, a fração majoritária do Partido

Conservador que tinha nas figuras de Itaboraí, Uruguai e Eusébio seus principais chefes. A

fragmentação do processo eleitoral em múltiplos distritos no interior das províncias quebrou a

férrea unidade de comando dos homens do partido “ordeiro”, visto que seus líderes agora não

mais poderiam acompanhar com igual dedicação as eleições em todos os pontos do Império.

Na verdade a aprovação da Lei dos Círculos só vinha agravar a situação de desmantelamento

da hegemonia saquarema que começara com a formação mesma do gabinete Paraná em 1853,

pois sua composição, ao não contemplar os homens fortes do Partido Conservador,

privilegiando figuras desligadas das velhas lutas partidárias, já orquestrava a desagregação do

principal mecanismo por trás das avassaladoras maiorias que haviam sustentado o predomínio

saquarema durante os anos do regresso: a ampla e irrestrita intervenção governamental nas

eleições (GRAHAM, 2001a [1985], p. 806). Não que ela tenha cessado, é claro: apenas não

estava mais a serviço da reprodução do partido no poder, servindo antes à manutenção de uma

política ministerial que se pretendia estar acima dos partidos políticos. Daí a importância do

primeiro pleito realizado após a promulgação da Lei dos Círculos no esfacelamento da

liderança saquarema durante os anos da conciliação: competindo por sua própria conta e tendo

como adversários candidatos revestidos da proteção moral – e, principalmente, material – do

ministério, nem sequer em seu tradicional reduto eleitoral, a província do Rio de Janeiro, foi

possível obter um resultado animador; dos doze deputados eleitos no pleito de 1857, apenas

cinco possuíam ligações estreitas com a fração não ministerial (i.e., avessa à conciliação) do

Partido Conservador (NEEDELL, 2006, p. 198).

Não há dúvida, portanto, de que a situação política consubstanciada na nova legislação

eleitoral exerceu um papel crucial na criação de um racha entre, de um lado, os conservadores

“conciliados” e, de outro, aqueles que não transigiram com a política inaugurada por Paraná.

No ano de 1860, o encaminhamento da questão financeira por parte do gabinete Ferraz

parecia capaz de fornecer as condições de superação dessa cisão insólita no seio de um partido

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36

que sempre fora reconhecido por sua coesão interna e unidade de ação; no entanto, não foi

preciso esperar muito tempo para perceber que o aglutinamento entre as duas facções não

aconteceria no transcorrer daquela sessão legislativa – a discussão da reforma da Lei dos

Círculos efetuada nesse mesmo ano acirrou uma vez mais o conflito nas fileiras do Partido

Conservador. Com efeito, a proposta de alteração dos distritos eleitorais fora de iniciativa da

fração “não conciliada” dos conservadores; na defesa do projeto argumentava-se com a

mesma crítica pela qual esse grupo havia se oposto à lei na ocasião de sua apresentação por

parte do gabinete Paraná: a criação de distritos dispersos pelo interior das províncias

facilitaria a eleição das “notabilidades de aldeia”, figuras de pouca ou nenhuma expressão

política fora do âmbito local ao qual deviam sua eleição (DOLHNIKOFF, 2009, pp. 48-49). A

proposta de que cada distrito passasse a eleger três e não apenas um deputado, encampada por

Ferraz no decorrer do debate, ocasionou uma fissura entre os parlamentares: de um lado,

unânime oposição por parte da deputação liberal que, afinal, devia sua própria existência à lei

que se pretendia agora alterar; de outro, apoio da maioria conservadora, a qual a Lei dos

Círculos diminui certamente, mas que não foi capaz de desagregar. Todavia, a linha divisória

que separou opositores e defensores da reforma estava longe de seguir à risca o velho

dualismo entre saquaremas e luzias: no espaço intersticial que separava os dois antagonistas a

conciliação conseguira introduzir um novo elemento, inteiramente ausente dos confrontos

políticos anteriores a 1853. Falo aqui de um grupo de políticos pouco expressivo

numericamente, mas cuja autoridade pessoal sem dúvida suplantava a falta numérica: a fração

do Partido Conservador formada ou “convertida” pela experiência da conciliação. De fato, aos

liberais que se opuseram – sem sucesso, pois o projeto acabaria sendo aprovado – à reforma

da Lei dos Círculos somou-se um conjunto de políticos egresso das fileiras conservadoras, tal

como Nabuco de Araújo ou o próprio marquês de Olinda “que, fiéis muitas vezes à memória

de Paraná, preferiam manter incólume sua obra” (HOLANDA, 2010, p. 68).

A despeito dessa dissidência crescentemente antiministerial no seio do Partido

Conservador, a coloração saquarema da administração Ferraz foi amplamente reconhecida

pelos atores políticos coevos. Ao se acompanhar o balanço produzido pelos periódicos da

Corte sobre a sessão legislativa de 1860, finalizada no mês de setembro, fica claro que a

aproximação de Ferraz com os conservadores refratários ao legado da conciliação não passou

despercebida a ninguém. Nesse sentido, é possível encarar o retorno do antagonismo político

no ano de 1860 como uma resposta à reaproximação, sob Ferraz, entre os políticos

saquaremas e a máquina governamental – movimento visto como perigoso aos olhos dos

liberais e dos conservadores “conciliados”, uma vez que a cumplicidade dos saquaremas

Page 37: A Liga Progressista e a Construção do Estado Imperial

37

frente ao aparato estatal estivera na base da hegemonia política conservadora pré-1853. A

centralidade do apoio saquarema na sustentação da política ministerial de Ferraz foi ressaltada

pela folha política conservadora O Regenerador, fundada e dirigida pelo jornalista Justiniano

José da Rocha, com o qual já topamos no capítulo anterior. Em artigo intitulado “O governo e

os conservadores” publicado pouco depois da finalização do trabalho das câmaras naquele

acalorado ano de 1860, o Regenerador (02/10/1860, edição nº 86; grifos meus) afirmava que:

O ministério não pode deixar de estar identificado com o partido conservador: com

quem achou-se ele no parlamento? Com os conservadores: não lhe deram esses

somente um apoio ineficaz, que lhe servisse para arrastar uma inglória existência;

ajudaram-no a erguer um padrão de glória de eterna duração nos anais brasileiros.

[...] Hoje o Snr. Ferraz não é simplesmente um dos nossos primeiros estadistas, é um

vulto histórico da altura dos mais elevados: associa seu nome a um complexo de

medidas que hão de exercer na política, nas finanças, na moralidade pública,

duradoura, mais do que secular influência. E a quem deve o gabinete essa imensa

glória? Não fosse a exemplaríssima devoção que lhe prestaram os homens

conservadores, essa constância dos seus esforços pela causa ministerial, essa

identificação completa em que viveram, feliz deveria reputar-se o ministério se

houvesse conseguido a adoção da quarta parte das suas propostas. Mas os

conservadores, apoiando o ministério, dando-lhe o triunfo, serviam as suas ideias.

Sim, mas o que se segue daí? É que o gabinete Ferraz foi a mais genuína

identificação das ideias conservadoras da atualidade.

A relação entre a política ministerial de Ferraz e os anseios atuais da bancada

conservadora era, pois, visível. Diagnóstico um pouco mais distorcido, porém igualmente

significativo do clima de crescente antagonismo político, é fornecido pela folha liberal

“moderada” simpática à administração de Ferraz: o Correio da Tarde. No dia 9 de outubro

(edição nº 228) o Correio publica uma colaboração anônima na qual a polarização das

posições parlamentares durante a sessão legislativa daquele ano é creditada menos ao

posicionamento do ministério frente aos temas em discussão do que à má vontade de uma

parcela da bancada liberal que, já no início dos trabalhos da Câmara em 1860, travou renhido

combate ao gabinete, destoando da atuação que pautara o Partido Liberal durante os

ministérios da conciliação:

O rompimento de alguns liberais novos, contra o ministério, na câmara dos

deputados, foi um grande erro, uma precipitação, talvez um simples capricho, em

que não funcionou a razão política. [...] O ministério Paraná, que declarou-se

firmemente conservador, o ministério Olinda, que aventurou-se a dizer: que não só

era conservador, como havia de sê-lo sempre, mereceram o apoio do partido liberal;

entretanto o ministério Ferraz, declarando solenemente não pertencer a partido

algum, sofre, nos primeiros reencontros, de alguns deputados liberais novos, a

guerra crua, e injuriosa. A irritação dos conservadores foi-se adoçando, e as suas

suspeitas contra o gabinete se modificando, à proporção que esse pequeno grupo de

liberais novos agredia em crescente calor e excesso o ministério. [...] O grupo liberal

da oposição era em muito pequeno número. Três ou quatro, quando mais de 16

Page 38: A Liga Progressista e a Construção do Estado Imperial

38

prestaram o seu apoio ao gabinete! [...] A oposição do grupo liberal novo, na

câmara, foi tão violenta, tão imprevista, que acanhou grande número de liberais, e

fez o governo pender mais para o lado oposto.

De fato, intensa foi a oposição ministerial por parte de um grupo de “liberais novos”

que, em razão da Lei dos Círculos, pela primeira vez ascendia à deputação nacional18

. Mas

esta oposição que se formou no ano de 1860 não pode ser encara como fruto do capricho de

poucos; afinal, foi o encaminhamento dado por Ferraz às polêmicas questões da política

financeira e da reforma do sistema eleitoral o verdadeiro propulsor da reorganização das

posições políticas no parlamento do Império, a qual envolveu muito mais do que uns poucos

luzias fervorosamente antiministeriais.

Em resumo, o balanço feito até agora da situação política durante o ano de 1860 permite

afirmar que três são as razões pelas quais o gabinete Ferraz deve ser visto como o principal

ator por trás da rearticulação do antagonismo partidário, posto que sob novos matizes, após a

experiência conciliatória: em primeiro lugar, temos o seu aceno aos políticos saquaremas logo

na formação do ministério, com a nomeação de Almeida Pereira para a pasta do Império; a

oposição “saquaremas x luzias” é reforçada no encaminhamento dado à questão econômica,

com a aprovação da política restritiva que ficou conhecida pelo epíteto de “Lei Ferraz”;

simultaneamente a este fator, e operando em sentido contrário a ele, o apoio de Ferraz ao

projeto de reforma da Lei dos Círculos proposto pelos conservadores teve o efeito de diluir a

solidariedade intrapartidária em formação, criando uma situação de confronto político que

confundiu a conhecida divisão entre saquaremas e luzias em razão da existência de uma

facção conservadora “dissidente” que atuou ao lado dos representantes liberais. Meses mais

tarde, com os preparativos para as primeiras eleições sob o regime dos círculos de três

deputados, essa coligação entre liberais e conservadores dissidentes seria encarada como a

fórmula capaz de impedir a perpetuação de um predomínio político que, no dizer da imprensa

liberal de época, era o predomínio de uma “oligarquia”.

Antes, porém, das eleições para a deputação que aconteceriam entre 30 de dezembro e

30 de janeiro de 1861, ocorrera um outro evento político importante no processo de

18

Dentre os “três ou quatro” deputados liberais aos quais o Correio faz referência, destacou-se a atuação

oposicionista do novato Martinho Álvares da Silva Campos, eleito pelo distrito de Vassouras para a legislatura

de 1857-1860. Com a reforma da Lei dos Círculos, contudo, a ampliação do 3º distrito da província do Rio de

Janeiro para além do município de Vassouras impediu sua reeleição: das cinco localidades que passaram a

integrar o distrito, apenas em Paraíba e Vassouras Martinho Campos ficou entre os três candidatos mais votados

(CORREIO MERCANTIL, 01/02/1861, edição nº 32). Não obstante a isso, ele toma assento na Câmara em

junho de 1861, substituindo a Teófilo Ottoni como um dos três representantes pelo 1º distrito do Rio de Janeiro,

uma vez que este optara por representar o 2º distrito da província de Minas Gerais pelo qual também havia sido

eleito (BARÃO DE JAVARI, 1979 [1889], p. 331).

Page 39: A Liga Progressista e a Construção do Estado Imperial

39

reavivamento das posições partidárias depois da trégua conciliatória: as eleições de

vereadores nos municípios do Império. Com efeito, o pleito municipal que se deu no mês de

setembro funcionou como um primeiro teste em relação às eleições de dezembro, e isso tanto

para o governo quanto para os partidos: seria de se esperar, em relação ao ministério, que sua

propalada (e insólita) política de não intervenção nas eleições para a Câmara naquele ano

fosse confirmada ou desmascarada através da atitude que as autoridades públicas tomariam

durante o pleito municipal; no que tange aos partidos, o anúncio de abstenção do gabinete

Ferraz frente ao processo eleitoral impelia-os à reorganização de sua própria base de apoio –

tratava-se de um momento no qual o voto, deixado à “opinião pública”, poderia dar a medida

da força dos partidos nos mais diversos pontos do Império (NEEDELL, 2006, p. 210). Nesse

contexto, é emblemático que os resultados das eleições municipais tenham sido

significativamente favoráveis ao Partido Liberal, não tanto por ele ter suplantando aos

saquaremas no território nacional como um todo, mas antes por ter levado vantagem sobre

eles em localidades importantes do Império, como foi o caso do próprio município neutro do

Rio de Janeiro. Ora, a vitória oposicionista no centro político da nação demonstrava a efetiva

disposição do governo em se abster do processo eleitoral que lhe cabia conduzir. Mais do que

isso, o fato de que o sucesso das chapas oposicionistas tenha ocorrido em um ambiente no

qual a intervenção direta das autoridades fora rechaçada pelo próprio gabinete instilava novo

ânimo nas fileiras do Partido Liberal, recrudescendo a competição partidária pouco antes do

importante pleito de dezembro. Isso porque a inesperada vitória dos liberais foi por eles

interpretada como uma demonstração de que atualmente a “opinião nacional”, quando não

coagida pelo poder das autoridades, pendia para os homens do progresso e não para os da

conservação. Depois de conhecido o resultado das eleições na Corte, uma das “publicações a

pedido”19

do Correio da Tarde (18/09/1860, edição nº 210; grifos no original) expressou essa

ideia ao afirmar o seguinte:

Os homens que sustentam a necessidade da intervenção do governo nas eleições,

conhecem perfeitamente que sem essa intervenção eles perdem sempre; porque o

país detesta o seu domínio exclusivo nos negócios públicos. Deixem ao povo o livre

exercício de seus direitos, e verão como triunfam em grande maioria os candidatos

do grande partido nacional, que tomou por divisa [a expressão] – Progresso

moderado.

19

Grande parte dos periódicos de época dedicava uma seção especial para a publicação de textos cuja autoria não

era da redação, mas sim de seus leitores. Tais publicações a pedido, quando versavam sobre política, eram

normalmente feitas sob anonimato, indicando-se no máximo um pseudônimo qualquer (e.g., “o liberal”, “o

verdadeiro conservador”, “um votante”, etc.).

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40

Muito mais incisiva seria a folha liberal A Atualidade, dirigida por Lafayette Rodrigues

Pereira e Flavio Farnese, luzias que no início da década de 1870 passarão a integrar a

dissidência republicana. Na sua leitura (22/09/1860, edição nº 100), o pleito municipal

indicava o renascimento glorioso do Partido Liberal, proscrito da vida pública desde o fim

traumático do ministério Paula Sousa em 1848:

O resultado até aqui conhecido das eleições municipais em diversas localidades do

império, vai denunciando um acontecimento da mais súbita importância. O partido

liberal, que de 1849 para cá tem vivido ora adormecido na modorra do desânimo,

ora acalentado nos braços soporíficos da conciliação, e sempre comprimido pela

pesada e ciosa mão do poder central, renasce cheio de vigor e esperança, desenrola

seu estandarte em todos os ângulos do império, e cônscio de sua força arroja-se na

liça com denodo e resolução. [...] A experiência vai mostrando de um modo

irrecusável que são baldadas todas as tentativas que se fazem para que as ideias

liberais não prosperem e frutifiquem entre nós. Nem a violência e a compressão,

nem os afagos da corrupção, poderão impedir que as doutrinas liberais germinem e

se infundam pelo vasto império de Santa Cruz.

A centralidade dos resultados obtidos em setembro na preparação de saquaremas e

luzias para as eleições de deputados que então se aproximava foi percebida com clareza pelos

redatores do Atualidade. O pleito municipal indicava que os partidos estavam vivos

novamente20

; além disso, a vitória liberal evidenciava um fato francamente favorável àqueles

que dela se beneficiaram: o discurso da conservação parecia perder o seu apelo de outrora,

com parte do “povo” (leia-se: da elite socioeconômica do Império) passando a flertar com os

partidários do progresso. Esse parecia ser o caso dos setores urbanos emergentes que, desde a

década de 1850, cresciam em tamanho e importância; tal espécie de “aburguesamento” de

parte da classe proprietária, impulsionado pelo processo de modernização socioeconômica

gerado pela expansão da atividade agroexportadora (cf. GRAHAM, 1968), teria sido

responsável pela formação de uma base de apoio para liberais e conservadores “moderados”

entre os anos de 1850-1860, a qual teve sua contrapartida num reformismo característico dos

anseios políticos dessas duas décadas: proposição de reformas no plano jurídico (supressão

dos dispositivos legais que restringiam a liberdade individual, consolidados durante a política

“regressista”) e, principalmente, no campo econômico (expansão da livre iniciativa e defesa

da liberdade bancária) (NEEDELL, 2006, p. 203). De fato, apenas uma readequação do

equilíbrio de forças entre as bases políticas dos partidos imperiais explicaria a derrota

saquarema no Rio durante o exercício de um ministério que, nas palavras do Regenerador,

20

“O resultado dessa eleição provou aos mais incrédulos que a conciliação havia tocado a seu derradeiro

momento de existência, e que os partidos, como que por encanto, levantavam a pesada lousa que sobre eles

colocara a mão poderosa do finado marquês de Paraná. Cheios de seiva nova, mais forte e mais fecunda, ei-los

prontos a disputar a direção dos negócios públicos” (A ACTUALIDADE, 17/10/1860, edição nº 103).

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41

“foi a mais genuína identificação das ideias conservadoras da atualidade” (cf. p. 37). O

gancho entre as eleições que se finalizaram e as que estavam por vir é feito pelo Atualidade

em artigo do dia 17 de outubro (17/10/1860, edição nº 103; grifos meus):

[Durante as eleições municipais] Muitos que outrora pertenceram à falange

conservadora, convencidos que esse partido tinha já feito todas as possíveis

conquistas, que sua existência não tinha um objeto real, e que todos os brasileiros

aceitavam a ordem como uma condição de progresso e de liberdade, foram-se alistar

nas falanges do partido liberal, na qual hoje descansam as esperanças do país. Esta

crença geral é o que explica razoavelmente o triunfo das ideias liberais por toda a

parte. O povo não confia mais no partido que se denomina ordeiro, porque está

convencido que todos os brasileiros, antigos liberais e antigos conservadores,

querem a ordem. O que o povo vê muito claramente é que os chefes do partido da

ordem, de certo tempo para cá exploram suas posições políticas em seu particular

benefício. O que a ninguém tem escapado é que hoje a ordem está consolidada e a

liberdade em perigo. Se os cidadãos conservarem-se na indiferença em que têm

estado, nossas instituições livres continuarão a sofrer os repetidos golpes que lhe

desfecha a grei oligárquica, e afinal serão completamente sacrificadas.

É nesse clima, pois, de reavivamento das posições de partido que se procederá às

eleições para a deputação nos meses de dezembro de 1860 e janeiro de 1861. Os resultados

favoráveis ao Partido Liberal no pleito de setembro e a confirmação de que o gabinete Ferraz

manteria sua promessa de não intervenção acirram a disputa entre os velhos antagonistas;

simultaneamente a isso, contudo, tem-se a estranha impressão de haver um elemento que se

interpõe entre os partidos de outrora, impedindo que a polarização atual assuma a forma do

conhecido binarismo “saquaremas x luzias”: trata-se da experiência da conciliação. Assim é

que, após o fim do pleito municipal, os primeiros movimentos no sentido da rearticulação

partidária com vistas às eleições de dezembro são encarados pela imprensa de maneira

ambígua: o retorno dos partidos é saudado com entusiasmo, embora se reconheça que seus

chefes, suas ideias e seus objetivos concretos, após mais de cinco anos de contemporização,

não podem e nem devem ser os mesmos de antes. Não é por outro motivo que a notícia dada

pelo Jornal do Commercio a 27 de setembro sobre o encontro de lideranças saquaremas na

casa do deputado Sergio Teixeira de Macedo no dia anterior repercutirá intensamente nos

órgãos liberais da Corte. Nessa mesma data o Correio da Tarde (27/09/1860, edição nº 218),

referindo-se à informação dada por aquele periódico e complementando-a com a notícia de

que também as lideranças oposicionistas haviam se reunido anteriormente, aplaude o retorno

das posições partidárias, tributando-a à “política da não intervenção da autoridade nas

eleições”. Dois dias mais tarde, o editorial do Correio Mercantil (29/09/1860, edição nº 270;

grifos no original) – folha sob a direção de Francisco Otaviano de Almeida Rosa, liberal que

assumirá importante papel no pleito de dezembro e na Câmara que dele emergirá – traz à tona

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42

a questão do desconhecimento, para além do círculo restrito dos chefes saquaremas, das ideias

“em nome das quais se pretende restaurar um partido”. A referência aos anos da conciliação,

embora indireta, é visível; mencionando uma fala de Eusébio de Queirós no Senado daqueles

tempos, o Mercantil questiona, não sem alguma ironia:

Qual é o símbolo dos apóstolos que se reuniram no templo do Sr. Sergio [Teixeira]

de Macedo? É pergunta que fazem todos os conservadores com quem temos

conversado. Lembrando-se do que disse no senado há pouco tempo o Sr. Eusébio de

Queirós, quando declarou que ele estava hoje mais próximo das ideias de seus

antigos adversários do que de seus aliados de outrora; lembrando-se de que S. Ex.

confessou que a necessidade sentida hoje pelos partidos de boa fé era de mais

liberdade prática – os conservadores de boa fé desejam saber se a reunião eleitoral

tem por fim mandar ao parlamento propugnadores dessa liberdade prática que se

aproximem dos antigos adversários do Sr. Eusébio.

Para este como para outros observadores coevos, o problema que se colocava era o da

reconstrução das posições partidárias após um longo período no qual as diferenças entre

saquaremas e luzias haviam sido elididas em nome de uma condução política que se fez à

margem dos partidos. Todavia, a quebra do consenso conciliatório e o retorno do antagonismo

político pressupunham condições que pareciam não se efetivar naquele momento: a existência

de lideranças autorizadas para falar em nome das agremiações e, principalmente, princípios e

propostas que pudessem servir de bandeira exclusiva deste ou daquele partido. Com efeito, a

conciliação havia empanado a ambos, de forma que o momento político atual exigia esforços

no sentido tanto da recomposição dos homens quanto das ideias – não era crível supor que as

linhas divisórias entre liberais e conservadores ainda fossem as mesmas de antes, uma vez que

até mesmo o “papa”21

do credo saquarema – Eusébio de Queirós – passava a advogar “mais

liberdade prática”. É nesse sentido que se pronunciará o Mercantil do dia seguinte

(30/09/1860, edição nº 271; grifos no original), questionando a própria existência de uma

liderança conservadora capaz de tomar a palavra em nome do partido como um todo. A

referência à política da conciliação é agora explicitada com clareza:

Onde estavam os chefes quando o Sr. marquês de Paraná, compreendendo bem a

situação dos espíritos, quis acabar com a divisa de liberais e conservadores, e fazer

um só partido? Estavam acalentando a prole que já começava a reclamar fubá. Os

tais chefes calaram-se, correram atrás do carro do marquês, e só depois do carro ter

ido parar ao cemitério é que voltaram de cabeça erguida e com presunção de

21

O termo foi cunhado por Francisco Otaviano no Correio Mercantil. No ano de 1860, com o acirramento das

tensões partidárias, esta folha passa a se referir aos antigos chefes do Partido Conservador (Itaboraí, Uruguai,

Eusébio) como os integrantes do “consistório” saquarema. Rememorando sua estreia no jornalismo político

naquele mesmo ano, Machado de Assis (2009 [1898], p. 141; grifos no original), então redator do Diário do Rio

de Janeiro, afirma sobre essas expressões que: “[Eusébio era] o papa; Itaboraí, Uruguai, Sayão Lobato e outros

eram cardeais, e todos formavam o consistório, segundo a célebre definição de Otaviano no Correio Mercantil”.

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valentes! [...] Chefes! De quê? Se não há luta, se não há divergências, se não há

partidos – de que é que os tais senhores se aclamaram chefes?

Também preocupado com a necessidade de esclarecimento público a respeito dos

objetivos atuais dos partidos que ora vão se reorganizando, o Correio da Tarde de 1º de

outubro – um dia após o texto do Mercantil, portanto – dedica extensa reflexão ao problema.

No artigo intitulado “Reuniões eleitorais”, publicado na coluna Espelho (01/10/1860, edição

nº 221; grifos meus), tem-se nova referência ao papel da experiência conciliatória na

construção do momento político atual, em tudo diferente aos anos em que a oposição

“saquaremas x luzias” estruturava o campo da luta política; aqui, contudo, a exigência da

clarificação dos princípios que atualmente estariam guiando os partidos é ampliada para além

das fileiras conservadoras – também o Partido Liberal necessita dizer em que consiste a sua

plataforma, e como ela difere daquela de seus antagonistas:

O país, que deve dar breve sua sentença no grande pleito em discussão, tem

indisputável direito de ouvir a um e a outro partido, de saber de onde vem, e para

onde vão os seus diretores. O passado dos dois partidos não precisa de explicação,

porque o país inteiro o conhece. [...] Mas é certo que, depois da renhida luta e de

dolorosos conflitos, os partidos como que fizeram tréguas; sujeitaram-se, posto que

murmurando, à política conciliadora, que os foi obrigando a transigir; e por fim

sofreram os efeitos da lei da decomposição. [...] Dos antigos chefes uns foram

ceifados pela inexorável Parca; outros retiraram-se, e guardaram pertinaz silêncio,

esperando os acontecimentos, e alguns receberam posições oficiais da política

conciliadora, dando assim uma prova de modificação em suas ideias, e de

disposições para a fusão dessas mesmas ideias em um sistema mais moderado, e

menos exigente. Neste estado de coisas não basta, para satisfazer ao país, para

ilustrá-lo e conduzi-lo no voto que tem de proferir, que o liberal ou conservador se

erga e diga: “eu sou quem sou”. Se tomou parte nas passadas lutas, se as

acompanhou, ou dirigiu, urge que nos venha dizer o que pretende e como quer

superar as dificuldades presentes e solver as questões que se ventilam. Se pugnar

pelo passado, diga-nos isto mesmo com franqueza. Se modificou essas ideias, pelas

quais marchava com fanatismo ao combate, diga quais são essas modificações. [...]

Se da política conciliadora surgiram homens novos para constituírem os partidos, e

dirigi-los neste ou naquele sentido, por maior força da razão cumpre que se

expliquem perante o país, que ainda os não conhece.

A exigência feita pelo Correio no dia 1º de outubro representa um ponto de inflexão no

processo de reorganização das forças políticas no ano de 1860. Passadas as primeiras

impressões quanto aos resultados do pleito municipal e às chamadas “reuniões eleitorais” de

ambos os partidos – eventos ocorridos no mês anterior –, as lideranças liberais reunidas na

Corte passam a se dedicar intensamente aos preparativos para as eleições que então se

aproximavam; nesse processo, contam com um elemento novo na dinâmica da luta partidária:

a dissidência conservadora que, com o fim da experiência conciliatória, torna-se uma

importante força política naquele ano de recrudescimento do antagonismo partidário. Já foi

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apontado que a discussão da reforma da Lei dos Círculos durante a sessão legislativa de 1860

ocasionou uma polarização que não seguira a divisão entre saquaremas e luzias, visto que, ao

lado destes e contra aqueles, estivera uma fração do Partido Conservador que não aceitava a

alteração da maior conquista legal realizada pelo falecido marquês de Paraná. Ora, o fato de

que a oposição conjunta naquele momento não tenha reunido forças suficientes para impedir a

alteração dos círculos de deputados não ocasionou o fracasso da aliança em seu momento

mesmo de nascença – pelo contrário, a experiência comum da derrota parece antes ter

fortalecido a união entre liberais e conservadores dissidentes. A evidente identificação do

ministério Ferraz com as bandeiras conservadoras daquele momento – restrição bancária e

alteração da legislação eleitoral – fazia com que a oposição tivesse todos os motivos possíveis

para duvidar de que o programa de não intervenção nas eleições de dezembro fosse de fato se

concretizar. O procedimento das autoridades no pleito municipal e a vitória liberal em

diversos pontos do Império não alteravam fundamentalmente essa suspeita; ao contrário,

esperava-se que a derrota dos conservadores os jogasse ainda mais nos braços do governo,

uma vez que o apoio deste poderia impedir que o fato se repetisse em um contexto muito mais

nocivo ao poder e influência desse grupo: as eleições para a Câmara. Foi precisamente por

esse prisma que a reforma eleitoral aprovada passou a ser encarada: a alteração da legislação

em pleno ano eleitoral, proposta pelos saquaremas e com a chancela do gabinete, não poderia

ser senão “um recurso pelo qual a oligarquia saquarema buscava fortalecer-se”

(BEIGUELMAN, 1967, p. 101). Assim, o racha no seio das fileiras conservadoras, que já se

formara à época da discussão do projeto de reforma da Lei dos Círculos, torna-se ainda mais

intenso na medida em que se aproximam as eleições de dezembro.

O resultado desse processo na reorganização do campo político em operação é de suma

importância para a elucidação das razões que levaram à formação de uma “liga” entre liberais

e conservadores nos anos iniciais da década de 1860. O quadro que venho desenhando até

aqui demonstra que o recrudescimento da disputa política em 1860 não pôde ser canalizado

pelas vias já consagradas da prática política no Brasil imperial, ou seja, pelos dois partidos

políticos então existentes. O legado da conciliação permitiu que se formasse um grupo de

atores que operava à margem da semântica partidária através da qual a história política do

período regencial e da primeira década do reinado de d. Pedro II adquirira inteligibilidade.

Nesse sentido, a crescente polarização que estava em curso durante os meses que precederam

às eleições para a Câmara naquele ano foi capaz de forjar um arranjo político novo que,

embora remontando à experiência da conciliação, não se reduzia a ela; afinal, se a política de

Paraná foi um programa concebido “de cima” (i.e., nascida como plataforma ministerial), a

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45

aliança tecida entre liberais e conservadores dissidentes em 1860 se faz na condição de

aliança de oposição: trata-se de combater um inimigo comum a ambos os grupos, qual seja, a

“oligarquia” saquarema encastelada no aparelho estatal, ciosa de suas próprias posições e

vantagens, não disposta a transigir em nome da realização efetiva dos ideais parlamentarista e

representativo que pressupunham, respectivamente, a alternância do poder entre as diferentes

agremiações e a garantia da representação das minorias no espaço institucional da política.

Ao se iniciar o mês de outubro, portanto, já estava claro aos setores oposicionistas a

disposição dos políticos conservadores em sustentar – se não ampliar – a maioria que

detinham no parlamento; a reforma da legislação eleitoral por um governo claramente

identificado com o Partido Conservador, aliada às precoces movimentações por parte das

lideranças saquaremas no sentido de organizar a base partidária para as eleições de dezembro,

eram fatores que reiteravam a necessidade de que a aliança entre liberais e conservadores

dissidentes, formada durante os trabalhos da Câmara naquele ano, fosse estendida à campanha

eleitoral que então principiava22

. Não por acaso, o discurso da imprensa liberal sofre rápida

mudança de tom nesse mês: a exigência de clarificação dos princípios que atualmente

norteariam os partidos dá lugar ao apelo para que a rearticulação saquarema seja respondida

com a união entre os grupos que ora se encontram em oposição ao ministério e aos seus

aliados no parlamento. Respondendo a um artigo publicado no Jornal do Commercio do dia

anterior, no qual seu autor buscava definir os princípios do atual Partido Conservador, o

editorial do Correio Mercantil de 2 de outubro (02/10/1860, edição nº 273) argumenta que a

questão de princípios torna-se secundária na ausência da luta partidária constante; pois o

combate que agora se trava parece ser menos de partidos e ideias abstratas do que de homens:

Em política quem diz partido diz luta de princípios. A luta existe por acaso? Existe,

sim, a luta, mas é entre os homens sinceros e os tartufos; os primeiros não se

importam com as designações de liberal ou conservador, contanto que o governo do

país seja um objeto sério e não um negócio de meia dúzia de Coburgos, Gothas; eles

querem, todos, o governo representativo, a monarquia constitucional, e a verdadeira

liberdade prática [...].

22

A importância do mês de outubro na reorganização das posições políticas naquele ano é ressaltada por um

outro evento, este proveniente do campo liberal: a divulgação da famosa Circular aos eleitores mineiros,

redigida por Teófilo Ottoni. Expoente do Partido Liberal, figura central na revolta mineira de 1842, Ottoni havia

se retirado da política desde 1851, ano em que passara a se dedicar à exploração e colonização do rio Mucuri em

Minas Gerais. Retornando à atividade política em 1860, sua Circular – denso panfleto que mescla a biografia do

autor à história política do Império –, concebida no mês de setembro, só é tornada pública em outubro, gerando

acalorados debates sobre seu conteúdo nos periódicos da Corte (ARAUJO, 1999, pp. 174-175). O impacto da

Circular entre os entusiastas do Partido Liberal foi grande, transformando-se em verdadeiro “alcorão para os

liberais nos primeiros anos da década de 1860” (Idem, p. 179); nesse sentido, ela também contribuiu para o

retorno do antagonismo partidário de então, fazendo de Ottoni “um aglutinador de forças entre os liberais”

daquele período (Idem, p. 178).

Page 46: A Liga Progressista e a Construção do Estado Imperial

46

A linha argumentativa que passa a ser adotada pelo Mercantil não é exclusividade desta

folha. De fato, na medida em que se aproximam as eleições também cresce a percepção, da

parte dos setores oposicionistas, de que apenas uma ampla coligação “antissaquarema” seria

capaz de impedir que a aproximação entre os conservadores e o ministério Ferraz se

traduzisse numa expressiva vitória eleitoral para os primeiros. Alguns dias após o texto do

Mercantil, o Diário do Rio de Janeiro – agora sob a direção de Joaquim Saldanha Marinho,

depois de ter passado dois anos (1858-1859) sem ser editado – também se pronuncia

(08/10/1860, edição nº 195; grifos meus) a favor de uma união entre todos os homens

insatisfeitos com o atual predomínio “oligárquico” dos chefes saquaremas:

A comissão central dos grandes senhores, incansável e desabusada, não cessa de

preparar o terreno eleitoral para seu triunfo. E o que faz a oposição? A oposição que

é geral, que é sincera e forte nos seus recursos constitucionais? [...] A união é a

força. Se os oligarcas se unem para a satisfação de seus interesses de família, porque

não reunir-se a oposição a cuidar por sua vez do sagrado interesse comum, da causa

que pertence a todos? [...] Una-se a oposição e, dentro da esfera de seus recursos,

tenha coragem para poder crer que ainda não está perdida a derradeira esperança.

Mais do que um direito, essa manifestação constitui na atualidade um sagrado dever.

Cumpra a oposição a sua patriótica incumbência. Não esmoreça ante o arrojo da

oligarquia. [...] Reúna-se, pois, a oposição. Salve o interesse de todos ainda com

sacrifício do seu. No desinteresse e na dedicação aos princípios, é que residem a

força e a virtude dos partidos. Nós precisamos e nós queremos os partidos. [...] O

grande partido de que o país carece, é o partido dos homens de bem contra os

aventureiros políticos; o partido da probidade contra o escândalo. Coliguem-se

pois todos os elementos da oposição nacional.

Importa ressaltar aqui a relevância deste discurso de união dos elementos contrários à

hegemonia saquarema para a reorganização do campo político nos anos 1860. O

ressurgimento das tensões partidárias no início desta década, na medida em que se produziu

em um ambiente no qual sua absorção pelo bipartidarismo de então não era mais possível

(devido à existência de um grupo interposto entre saquaremas e luzias), exigia novo arranjo de

forças entre os atores políticos ali envolvidos; a homologia de interesses entre o Partido

Liberal de então e a dissidência conservadora, consubstanciada na defesa das “liberdades

práticas” consagradas pela Constituição, mas neutralizadas pelo arcabouço jurídico dos anos

do regresso (e.g., a reforma do Código de Processo Criminal efetuada em 1841), fornecia as

bases para que tal arranjo pudesse ser efetivado; além disso, a experiência da conciliação já

demonstrara a viabilidade de um projeto político que precisasse ser costurado à margem dos

partidos, funcionando assim como uma espécie de quadro ideal a partir do qual nova aliança

entre a classe política poderia ser forjada. Nesse contexto, torna-se compreensível que a

reorganização da disputa partidária, iniciada no parlamento e transposta para o terreno da

Page 47: A Liga Progressista e a Construção do Estado Imperial

47

campanha eleitoral, não tenha sido capaz de reavivar os ânimos dos antigos entusiastas dos

partidos da “Ordem” e da “Liberdade” segundo os moldes pelos quais se dava a disputa antes

da ascensão de Paraná, em 1853; a defesa por parte dos órgãos liberais de uma ampla

coligação oposicionista é sintomática deste novo momento político no qual as linhas

divisórias entre saquaremas e luzias não podiam mais ser traçadas com a clareza de outrora.

Mais do que isso, a própria existência de uma dissidência no seio do Partido Conservador

demonstraria a impossibilidade de uma rearticulação completa de suas bases sob a antiga

liderança saquarema:

Conservadores e conservadores, na atualidade não se conhecem mais ou se

guerreiam desabridamente. Entre a facção desse partido que se denomina moderada

e a outra que é conhecida pela [designação de] vermelha, a distância é longa e a

distinção profunda. Uns combatem por um princípio, e outros apenas lutam por se

constituírem os senhores absolutos de todas as posições oficiais, para reparti-las por

si e pelos seus. [...] Como é pois que querem tomar para si, os oligarcas e seus

sequazes, toda a responsabilidade, todas as dores pelo grande partido conservador,

ora dividido e militante sob duas bandeiras distintas? Quem são os chefes desse

partido imaginário? Os vermelhos ou os moderados, os que se conciliaram ou os que

renegam da conciliação, mais por lhes haver quebrantado a influência que por ter

sido um sistema corruptor? (DIÁRIO DO RIO DE JANEIRO, 11/10/1860, edição nº

198; grifos no original)

O argumento de que a dissidência conservadora demonstraria a exaustão da velha lógica

bipartidária, barrando assim a reorganização dos partidos, é levado adiante pelo periódico A

Atualidade no mês seguinte (24/11/1860, edição nº 107). A “morte” atual dos partidos a

despeito da tendência de reavivamento do antagonismo político é encarada pelos redatores

desta folha como o indício de que uma nova agremiação partidária forçosamente deverá

emergir, articulada por todos os homens descontentes com o longo predomínio do Partido

Conservador:

O antigo partido conservador assim como o liberal foram dissolvidos. Existem

atualmente na população, tendências muito pronunciadas para a reorganização dos

partidos, mas por ora essa reorganização ainda não se operou. [...] Na confusão em

que se acham homens e ideias, os cardeais [referência aos chefes do Partido

Conservador] não podem apelar para os seus correligionários, porque ninguém sabe

quem eles são. Grande número, a maior parte do pessoal do antigo partido

conservador mostra-se descontente com a direção que tem tomado as coisas

públicas. Todos esses, com grande parte do antigo partido liberal, terão

provavelmente de fazer parte de um novo partido que naturalmente ter-se-á de

organizar.

E, com efeito, àquela altura já se haviam iniciado os esforços necessários à

concretização desse objetivo. Na realidade, a organização conjunta dos grupos oposicionistas

Page 48: A Liga Progressista e a Construção do Estado Imperial

48

começara nas “reuniões eleitorais” que se seguiram ao fim do pleito municipal em setembro.

Como que em resposta aos movimentos de rearticulação das bases do Partido Conservador

por parte das lideranças saquaremas, liberais e conservadores dissidentes passam a articular

uma chapa conjunta a ser apresentada ao 1º distrito do Rio de Janeiro (a Corte do Império).

Essa aliança ficou conhecida como a Liga Constitucional e, naquele momento, tinha nos

liberais Teófilo Benedito Ottoni e Bernardo de Sousa Franco e no conservador d. Manuel de

Assis Mascarenhas seus principais articuladores (CORREIO DA TARDE, 15/01/1861, edição

nº 10). O confronto político que então se aproximava não mais oporia, portanto, liberais e

conservadores, saquaremas e luzias; de modo muito significativo, uma das maiores vozes

liberais daquele período – O Diário de Saldanha Marinho – recusa aos próprios significantes

“liberal” e “conservador” a capacidade de darem conta da luta que ora se trava, uma vez que

tais termos não possuem “a mesma significação política de há 20 anos” – o que atualmente

existe transcende o antigo binarismo; está em formação “um novo partido inimigo do

regresso, da inépcia, do abuso, da corrupção, do absolutismo, da oligarquia enfim” (DIÁRIO

DO RIO DE JANEIRO, 11/01/1861, edição nº 11).

A primeira fase do processo eleitoral se inicia no dia 30 de dezembro, ao se proceder à

eleição dos eleitores que, um mês depois, deveriam eleger seus representantes na Câmara

temporária. A força da recém-criada “liga” entre liberais e conservadores dissidentes no

município neutro tinha aí o seu primeiro desafio concreto: derrotar as listas de eleitores

alinhadas ao gabinete e ao Partido Conservador “puro”. Durante o processo de apuração dos

votos nas diversas freguesias do Rio, a adesão dos votantes ao programa da Liga

Constitucional de barrar a perpetuação do predomínio “oligárquico” saquarema vai se

delineando com clareza: a vitória das listas de eleitores da Liga é saudada pelos órgãos

liberais ao longo do mês de janeiro – uma vitória que é revestida de grande simbolismo em

razão das proporções que acaba assumindo. Isso porque, nessa primeira fase das eleições, a

articulação oposicionista consegue derrotar seus dois antagonistas: o ministério e os chefes

saquaremas. A vitória sobre aquele é anunciada pelo Correio Mercantil do dia 13 de janeiro

(13/01/1861, edição nº 13): pela primeira vez nenhum dos ministros logram figurar na lista de

eleitores das freguesias nas quais concorreram. Até o próprio Ferraz, líder do ministério, fica

de fora da lista na sua freguesia (Sacramento), conseguindo apenas a reles posição de

penúltimo suplente; a exclusão de Ferraz no Sacramento representou, para usar expressão do

próprio Mercantil, o “último esquife” na longa série que compôs a derrota ministerial naquela

eleição. No que toca os adversários conservadores, a vantagem da oposição na Corte foi

igualmente significativa: os principais nomes do Partido “ordeiro” fluminense ficaram de fora

Page 49: A Liga Progressista e a Construção do Estado Imperial

49

das listas de eleitores, como foi o caso dos viscondes de Uruguai e de Itaboraí, de Eusébio de

Queirós, além do próprio presidente da província do Rio de Janeiro, Inácio Francisco Silveira

da Motta. A dimensão da vitória oposicionista não poderia ser maior; a Liga provava, assim,

sua capacidade de articular os setores descontentes com a hegemonia saquarema em torno de

um objetivo comum, a saber, a garantia da representatividade das opiniões dissonantes no

parlamento – opiniões essas que, atualmente, não mais provinham apenas das fileiras do

Partido Liberal. O sucesso da oposição, pouco concebível meses atrás, quando a relação entre

o gabinete e os conservadores parecia estreita o suficiente para impedir qualquer brecha a sua

atuação, não podia deixar de causar espanto até mesmo entre seus beneficiários diretos. Assim

se pronunciou um liberal mineiro em carta ao Diário do Rio (25/01/1861, edição nº 25), após

saber da surpreendente vitória da Liga na composição do colégio eleitoral da Corte:

O Sr. Eusébio derrotado na sua freguesia, e figurando como suplente!!! Santíssimo

nome de Jesus! O Sr. Ferraz derrotado no Sacramento, e como penúltimo suplente!!!

Meu Deus! Santos fortes, santos imortais! E ainda derrotados os Srs. [visconde] de

Uruguai e [barão] de Muritiba! E ainda derrotado o Sr. presidente [da província do

Rio de Janeiro] Silveira da Motta! Que revolução foi essa nas altas regiões? Será isto

um sonho?

A relevância dos resultados obtidos pela aliança entre liberais e conservadores

dissidentes no Rio em seu primeiro desafio concreto, as eleições de 1860, não deve ser

subestimada. Por mais concentrada que a vitória fosse – e demonstrarei na sequência que não

foi esse o caso –, é preciso ter em mente que a capital imperial não era um ponto qualquer do

Império: tratava-se não só de um espaço de concentração de capital econômico e social no

Brasil oitocentista, mas do centro mesmo a partir do qual novas realidades políticas poderiam

ser forjadas. A costura dos partidos imperiais até então existentes fora feita a partir dali

(NEEDELL, 2006, p. 218); o sucesso da Liga Constitucional do Rio de Janeiro demonstrava,

pois, a emergência de uma nova via de ação política na qual, à maneira da conciliação,

estadistas de todos os matizes (antigos saquaremas ou luzias, assim como os homens mais

novos, formados no bojo da experiência conciliatória) poderiam atuar conjuntamente, fora do

quadro de antagonismo político que caracterizara a direção do Estado imperial prévia ao ano

de 1853. A previsão de que a vitória da oposição coligada na Corte indicava,

simultaneamente, o ocaso da hegemonia saquarema e o esgotamento da estrutura bipartidária

de então, foi feita pelo Atualidade no mês de janeiro, antes mesmo da confirmação da chapa

Page 50: A Liga Progressista e a Construção do Estado Imperial

50

“ligueira”23

pelo colégio eleitoral no dia 30. Segundo esta folha (22/01/1861, edição nº 114;

grifos meus), a vitória prenunciaria a formação de um novo partido que transcendia as antigas

divisas entre saquaremas e luzias, uma vez que o sucesso oposicionista não se associava aos

esforços exclusivos dos conservadores “moderados” ou dos liberais:

Em regra, o governo vence sempre as eleições nesta cidade: mas as oposições

também conquistam bom número de votos. Agora o governo e a oligarquia são

derrotados por uma maioria extraordinária. Muitos poucos votos puderam obter em

todo o distrito eleitoral. [...] Nunca se viu, nunca se esperou uma derrota tão

completa, tão estrondosa. As freguesias mais populosas, mais ricas, mais ilustradas

da cidade do Rio de Janeiro repeliram unanimemente o governo e os oligarcas seus

protetores. Um triunfo tão esplêndido [...] não pode ser atribuído unicamente ao

prestígio dos chefes, e aos recursos dos cabalistas. Não; aí há a manifestação franca

e estrondosa da opinião pública, há a intervenção direta do povo, que por fim

compreendeu que já é tempo de entrarmos em um regime regular. A vitória que

tanto aplaudimos não é devida unicamente aos homens que outrora militaram nas

fileiras liberais; é a obra da união de todos os brasileiros patrióticos que se ligaram

com o fim de repelir as pretensões absurdas de dominação da oligarquia, e de

conduzir o Brasil ao progresso por meio da prática sincera do regime liberal da

nossa constituição. É pois o triunfo que acabamos de obter a manifestação de novas

ideias, de um novo partido do progresso, que se apresenta cheio de vida a disputar

o governo da sociedade brasileira.

Se a derrota ministerial e saquarema mostrava-se plena de consequências em razão de

sua amplitude no âmbito da Corte, tornou-se ainda mais emblemática ao se confirmarem os

resultados do pleito para a deputação nas províncias do Império. Com efeito, importantes

localidades pareciam repetir o feito conseguido pela oposição no Rio de Janeiro, rechaçando

as chapas do Partido Conservador e/ou aquelas alinhadas ao gabinete. Na medida em que se

torna mais claro o caráter nacional do sucesso oposicionista, vai tomando forma nos órgãos da

Corte a ideia de que a vitória, em razão de seu caráter suprapartidário, é fruto do nascimento

de uma nova agremiação que se gestava no processo mesmo da campanha eleitoral: o “partido

do progresso”, capaz de unificar indivíduos antes separados pelas divisas de “liberal” e

“conservador”. De fato, para além da Corte, ao norte do Império cidades como Belém, São

Luís, Maceió e Recife presenciaram a vitória de candidatos liberais – Salvador, outro

importante centro urbano, teve a votação repartida entre “liberais e conservadores, porém

conservadores progressistas, adversos à oligarquia da corte” (CORREIO MERCANTIL,

04/02/1861, edição nº 35); ao sul, as capitais das províncias do Rio de Janeiro, São Paulo,

Minas Gerais e Rio Grande do Sul também depositaram a maioria de seus votos nas chapas

23

No dia 17 de janeiro, os articuladores da Liga se reuniram na residência de d. Manuel de Mascarenhas para a

definição de uma chapa unificada, composta de apenas três nomes (equivalente ao número de vagas estipulado

pela reforma da Lei dos Círculos): Teófilo Ottoni, Saldanha Marinho e Francisco Otaviano (CORREIO DA

TARDE, 18/01/1861, edição nº 14). Os três foram eleitos à deputação no dia 30.

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51

oposicionistas. Dessa constatação o Correio Mercantil (04/02/1861, edição nº 35) extrai o

seguinte corolário: o voto aos liberais nas cidades mais “ilustradas” do Império indicava que,

onde foi possível escapar à influência das autoridades no pleito, a opinião publica manifestou-

se favorável aos princípios liberais e contrária ao predomínio saquarema – se a política de não

intervenção propalada pelo gabinete Ferraz tivesse sido respeitada em todas as localidades, a

vitória oposicionista seria mesmo completa:

Tudo denuncia que nos lugares onde a compressão policial é neutralizada pela

ilustração e riqueza a política do filhotismo não pôde encontrar apoio. Querem-no

mais claro? Se hoje, por exemplo, variassem as circunstâncias; se o Sr. Eusébio e

seus amigos, em vez de estarem no governo, estivessem na oposição, perderiam a

eleição em todo o resto do império, visto que aí a eleição quer dizer polícia; seriam

derrotados ainda vergonhosamente, como o foram nas cidades independentes e

ilustradas. Nós, em oposição, podemos ter a quarta parte da representação nacional;

o Sr. Eusébio e seus amigos não poderiam ter um só representante.

É preciso, todavia, cautela quanto a esse ponto. Apesar da indubitável vitória da

oposição em diversas capitais provinciais que, somadas ao sucesso da Liga Constitucional na

Corte, apontava para o princípio de um novo momento da política imperial, não é factível

supor que a sólida base de apoio do Partido Conservador, constituída ao longo de décadas,

tivesse simplesmente esvanecido ou fosse agora sustentada apenas pelo domínio dos

aparelhos de repressão do Estado. Em realidade, o sucesso oposicionista louvado pelos órgãos

da Corte deve ser encarado com reticência: a vitória das listas liberais na província do Rio de

Janeiro – por exemplo, nos municípios de Campos e de Niterói (capital da província) – não foi

suficiente para impedir que em todos os distritos da província, à exceção do 1º (município

neutro do Rio de Janeiro), os candidatos saquaremas obtivessem as vagas que estavam em

disputa (NEEDELL, 2006, p. 213)24

. Por outro lado, é necessário observar que a vitória de

liberais e conservadores “moderados” nos emergentes centros urbanos do Império nada tem

de fortuito; ao contrário do que supõe o Mercantil, ela sequer deriva da maior capacidade

desses locais em neutralizar a influência das autoridades por sua “ilustração e riqueza”, mas

antes remonta a razões sociológicas profundas que alteravam o tecido social e a realidade

política do Império desde o início da década anterior, não podendo, portanto, ser subsumida à

pontualidade das lutas políticas travadas no ano de 1860. Falo aqui do processo de

modernização socioeconômica cuja importância já foi assinalada quando discuti as

implicações do pleito municipal para a reorganização do cenário político; a confirmação, nas

24

Segundo Jeffrey Needell, fora os nomes de Ottoni, Saldanha Marinho e Otaviano, dentre os 12 representantes

fluminenses eleitos em 1860 apenas Luís Pedreira do Couto Ferraz (futuro visconde de Bom Retiro) não possuía

vínculos estreitos com as lideranças saquaremas.

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eleições de dezembro, daquele padrão de dispersão dos votos que também fora observado no

mês de setembro (i.e., apoio às candidaturas liberais nas grandes cidades e vitória dos

conservadores no interior das províncias) aponta para o fato de que as transformações

estruturais pelas quais passava o Império do Brasil – seja na esfera econômica (ampliação da

atividade agroexportadora), no plano jurídico (aprovação de um código comercial) ou no

âmbito social (expansão do modo de vida urbano) – não poderiam deixar de marcar a vida

política imperial. Os atores sociais mais diretamente ligados e beneficiados pela

modernização que se principia com as reformas legais orquestradas em 1850 estavam sem

dúvida concentrados nos espaços urbanos que, a partir daquele ano, crescem em tamanho e

importância, de modo que o sucesso das chapas liberais nessas localidades parece estar

relacionado à emergência e expansão dos grupos urbanos e de um modus vivendi que lhes é

próprio.

Já possuímos condições de discutir algumas hipóteses a respeito dessa homologia entre

o espaço social urbano e o fenômeno da ampliação da base de apoio de um liberalismo

“moderado”, igualmente disseminado entre luzias e conservadores dissidentes. Explorarei

aqui duas variáveis que, antes de serem antagônicas, se complementam: as transformações na

esfera econômica e o alargamento do horizonte ideológico da camada senhorial. Em relação

ao primeiro ponto, o apelo de uma plataforma liberal entre as camadas urbanas pode ser

compreendido pelo viés da política econômica que caracterizaria os grupos conservador e

liberal, gerando interesses distintos e conflitantes entre os agentes de mercado: de um lado, a

política de restrição bancária e de crédito e, de outro, a liberdade quanto a ambos os pontos.

De fato, as duas maiores autoridades em matéria econômica durante o Segundo Reinado, o

visconde de Itaboraí e Bernardo de Sousa Franco (o primeiro conservador e o segundo

liberal), opunham-se nessas matérias: Itaboraí professava uma concepção ortodoxa que

atrelava o crédito às reservas de capital, e estas às reservas em ouro; por outro lado, Sousa

Franco desconfiava das vantagens econômicas do padrão lastro-ouro como parâmetro à oferta

de crédito (NEEDELL, 2006, pp. 202-203). Ora, se a manutenção do crédito em taxas

relativamente fixas, seguindo a lógica do lastro-ouro, era vantajosa aos setores diretamente

vinculados à agroexportação (i.e., aos grandes plantadores que tinham em Itaboraí um de seus

principais porta-vozes), ela não o era para os grupos mais dinâmicos envolvidos no processo

de modernização – por exemplo, àqueles que investiam na expansão das estradas de ferro,

atividade dependente de uma oferta de crédito mais generosa (Idem, pp. 203-204). Também a

melhoria da infraestrutura urbana estava enormemente vinculada à liberalização do crédito de

modo a viabilizar empreendimentos de maior vulto: é plausível supor, portanto, que os setores

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53

urbanos encontrassem nas ideias de Sousa Franco um maior apelo do que naquelas

encampadas por Itaboraí, aproximando-os assim do Partido Liberal. Contudo, mais do que

uma opção teórica ou uma preferência abstrata pela “escola” da liberdade do crédito, é preciso

lembrar que o período que se estende de 1857 a 1860 – ou seja, que vai da chefia da pasta da

Fazenda por Sousa Franco à aprovação da política restritiva de Ferraz – foi particularmente

propício à reavaliação das opções partidárias por intermédio do raciocínio econômico, devido

aos debates concretos suscitados pelo dilema da liberdade ou restrição bancária e creditícia.

Que tais questões provocaram uma troca de posições nas bases dos partidos nos dá prova o

Correio Mercantil quando afirma que foi a classe comercial carioca “quem deu o primeiro

rebate na oligarquia”, engrossando as fileiras oposicionistas no ano de 186025

. Por fim, quanto

ao segundo ponto, ao falar de um “alargamento ideológico” tenho em mente a abertura de

novos horizontes do pensar e do agir políticos que estaria se desdobrando durante as décadas

de 1850 e 1860 e que teria favorecido o projeto encampado por liberais e conservadores

dissidentes; nesse sentido, já esclareço um possível mal-entendido de princípio: não se trata

aqui de uma suposta “conversão” de parte da classe proprietária a um discurso liberal pré-

fabricado, cujas “verdades” se revelariam no bojo do processo de modernização; o que está

em jogo, antes de tudo, são os próprios limites e possibilidades futuras de um projeto liberal

de Estado-nação no qual a classe proprietária esteve imersa desde que foi necessário lançar as

bases institucionais do Brasil independente.

Para esclarecer esse ponto, será preciso retomar alguns argumentos pelos quais já

passamos. No primeiro capítulo, vimos que o esgotamento do projeto regressista no início da

década de 1850 e a emergência da política conciliatória de Paraná são, sociologicamente

falando, o anverso e o reverso de um mesmo fenômeno: afinal, foi a consolidação do Estado

imperial no ano-chave de 1850 que permitiu a construção de uma política consensual e

contemporizadora, que tivesse em seu horizonte o apaziguamento dos conflitos intraelite e

que fosse capaz de enterrar as antigas lutas entre saquaremas e luzias; nesse ponto, o ideal da

representatividade das minorias como um primeiro passo à efetiva realização do regime

parlamentar e à consequente unificação política da classe proprietária aparecera como o

objetivo concreto a ser perseguido. Ora, o reavivamento do antagonismo partidário no limiar

25

“Para o revés de que se julgam [os conservadores] ameaçados, todo o pretexto lhes serve. Depois de se

elevarem ao papel de vítimas de sociedades secretas, expõem-se ao ridículo dando-se como vencidos pelos

agiotas da praça! Esses agiotas eram antigamente condecorados com o título de honesto e digno corpo comercial

do Rio de Janeiro; mas cometeram a imprudência de depositar confiança no Sr. Ottoni e seus amigos, e portanto

não passam de miseráveis agiotas. Tem razão o Sr. Eusébio: foi o comércio quem deu o primeiro rebate contra a

oligarquia; foi o comércio quem nos ensinou a rejeitar imposições caprichosas; foi o comércio quem nos animou

na oposição aos economistas visionários [...]” (CORREIO MERCANTIL, 06/01/1861, edição nº 06; grifos no

original).

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54

da nova década se mostrava como uma ameaça de retrocesso aos atores direta (saquaremas

“conciliadores”) ou indiretamente (luzias “conciliados”)26

afetados. Tal ameaça provinha do

fato de que o aperfeiçoamento do consenso intraelite não era ele mesmo um projeto

consensual: ao longo dos anos nos quais a política conciliatória predominou, um setor

expressivo do Partido Conservador que tinha na “trindade saquarema” seus principais chefes

perdera grande parte de sua influência e poder (CARVALHO, 2002, p. 26). Quando, sob

Ferraz, a conciliação dá seus últimos sinais de vida, consolida-se então uma encruzilhada na

trajetória política do Império: de um lado, os saquaremas descontentes com a desestruturação

de seu próprio partido tendem a impulsionar o processo de polarização das posições

partidárias; de outro, os conservadores formados ou convertidos à causa da conciliação

rejeitam a interrupção da pax instaurada pela política de Paraná e, no contexto da luta

legislativa – e, posteriormente, eleitoral – que então se travava, aliam-se aos liberais para

conter a rearticulação do partido “ordeiro”. O contraste entre essas duas vias não deve ser

subestimado, pois do ponto de vista da construção do Estado imperial, colocavam-se ali duas

opções muito distintas: desmantelar, através do reavivamento da diferença entre saquaremas e

luzias, a obra da conciliação que confundira os homens e os princípios, de modo a resguardar

o arranjo institucional consolidado pela política do regresso (opção saquarema); ou então

impedir a rearticulação do Partido Conservador por meio de uma “liga” entre os setores que

atualmente se encontravam em oposição ao gabinete, com vistas a avançar a agenda de

construção da unidade política da classe proprietária (opção progressista).

O conflito entre duas concepções distintas sobre a natureza, os limites e as

possibilidades futuras de aperfeiçoamento do Estado imperial marcou a primeira década do

Segundo Reinado através da diferença entre os partidários da ordem e os da liberdade; após se

consolidar a preeminência daqueles sobre estes, a emergência da conciliação aparecia então

como um desafio de avançar o projeto de aperfeiçoamento do Estado liberal no Brasil

integrando ao sistema político os conflitos internos à classe proprietária: tornava-se

necessário, pois, que saquaremas e luzias deixassem de existir para que fosse tecido um

consenso intraelite. No entanto, aos atores políticos que estiveram diretamente envolvidos na

obra de consolidação do Estado nacional – as lideranças saquaremas e as elites rurais

regionais –, o avanço na agenda proposto pela conciliação não só se mostrava como um

desafio a sua própria preeminência política, mas também parecia ameaçar, ao retirar a

26

A preeminência do elemento conservador na política da conciliação não deve ser ignorada. Seus principais

nomes saíram das fileiras saquaremas, como era o caso de Paraná, Nabuco de Araújo e do então marquês de

Caxias. Era, pois, da iniciativa desse grupo que provinha o impulso inicial para a produção de um novo

equilíbrio entre as forças da “conservação” e as do “progresso”.

Page 55: A Liga Progressista e a Construção do Estado Imperial

55

condução do governo das mãos dos homens fortes do partido da “Ordem”, a grande obra dos

anos do regresso: a estabilidade sociopolítica do Império. De outro lado, foi precisamente em

nome dessa estabilidade que o projeto conciliatório buscou trilhar um “caminho do meio”

capaz de promover um equilíbrio entre os princípios da ordem (conservação) e da liberdade

(progresso).

No ano de 1860, o desmantelamento da conciliação explicitava novamente a existência

de duas vias que refletiam concepções muito distintas a respeito dos rumos que a política

imperial deveria seguir: a “opção saquarema”, gestada durante o mal-estar produzido pela

experiência conciliatória nas bases do Partido Conservador, apontava para os limites atuais do

Estado liberal brasileiro ao enfatizar a necessidade de se resguardar os ganhos institucionais

operados pela política do regresso; tal projeto tinha como fundamento social a grande

propriedade agrária e sua expressão política se dava na ação dos estadistas saquaremas

(alijados do poder pela conciliação). Por sua vez, a “opção progressista”, filha da experiência

conciliatória que foi acolhida pelos setores moderados do Partido Conservador e pelos luzias,

apostava na possibilidade de avançar o processo de construção do Estado imperial através de

um reformismo que, ao neutralizar os “excessos” de autoridade da política regressista, seria

capaz de efetivar os princípios liberais consagrado na Constituição de 1824 e aprimorados

com o Ato Adicional dez anos depois27

; à diferença da “opção saquarema”, o projeto de

aliança entre os setores que rechaçavam o retorno dos homens do regresso tinha grande apelo

entre os grupos urbanos que crescem em número e importância conforme o processo de

modernização socioeconômica avança. De acordo com os resultados das eleições gerais de

1860, percebe-se que esses grupos encontram sua expressão política concreta na aliança entre

liberais e conservadores dissidentes forjada naquele ano, na qual os órgãos liberais da Corte

entreveem a formação de uma nova agremiação política: o “partido do progresso”.

2.2. De Caxias a Zacarias: a transformação da Liga em partido

27

Que os dispositivos jurídico-políticos do Ato Adicional tenham sido encarados como o suprassumo do

liberalismo no Brasil oitocentista nos dá prova a Circular de Teófilo Ottoni, talvez uns dos mais influentes

políticos liberais do Brasil monárquico. Ainda em 1860, Ottoni via no Ato Adicional o modelo institucional ideal

para o Império brasileiro; recordando a época de sua aprovação, afirma (2002 [1972], p. 272) que:

O ato adicional era no meu entender uma vitória memorável da democracia pacífica. Se fosse

lealmente executado, eu pensava que o sistema representativo se tornaria entre nós uma realidade,

que devia por largos anos satisfazer as aspirações dos amigos da liberdade. E que, acastelados em

tão belo reduto, mais deviam os liberais confiar no progresso da razão pública do que nas lutas

revolucionárias.

Page 56: A Liga Progressista e a Construção do Estado Imperial

56

As eleições de 1860 sob a nova lei dos círculos de três deputados não foi capaz de

recuperar aos saquaremas o terreno perdido durante a conciliação, especialmente após o pleito

de 1857. A oposição coligada, em muitas das grandes cidades do Império, conseguiu impedir

que o impulso de reorganização das bases do Partido Conservador por parte das lideranças

saquaremas se traduzisse numa maioria absoluta na Câmara que se reuniria em 1861. A

alteração da legislação eleitoral não produziu os resultados esperados por seus entusiastas: ao

contrário de diminuir, a representação liberal no parlamento aumentou significativamente em

relação à legislatura de 1857-1860 (HOLANDA, 2010, p. 68). O resultado foi que a

manutenção do gabinete Ferraz já não se mostrava mais possível; antevendo a cerrada

oposição que enfrentaria no retorno dos trabalhos legislativos em 1861, Ferraz pede a

exoneração de seu ministério antes mesmo da nova Câmara se reunir. Em seu lugar d. Pedro

II nomeia Luís Alves de Lima e Silva, então marquês (e depois duque) de Caxias.

A nomeação de Caxias para a formação de novo ministério será de crucial importância

nos rumos da “liga” entre liberais e conservadores dissidentes, a qual saía fortalecida das

eleições a despeito de ainda constituir uma minoria dentro do parlamento. Recordemos que

Caxias, apesar de firmemente conservador, esteve associado à experiência da conciliação,

assumindo inclusive a presidência do conselho de ministros após a morte de Paraná em 1856.

O novo chefe de governo não era execrado por nenhum dos lados (saquaremas e

oposicionistas coligados) que haviam se oposto durante o ano de 1860: a própria escolha de

Caxias pelo monarca parecia indicar que Pedro II não queria fomentar uma maior polarização

política que aquela já experimentada no ano anterior (NEEDELL, 2006, p. 214). De fato, ao

se passar em revista alguns dos nomes que compõem o novo gabinete, percebe-se aí a marca

da moderação, ou seja, a tentativa de contemplar os grupos em conflito como forma de

amenizar o antagonismo crescente; o ministério que se forma a 3 de março de 1861 contempla

em seus quadros, por exemplo: Francisco de Paula de Negreiros Sayão Lobato (futuro

visconde de Niterói), saquarema fluminense que assume a pasta da Justiça; José Antônio

Saraiva, antigo “conciliado” que figurara no ministério do marquês de Olinda em 1857,

responsável pela pasta do Império; José Maria da Silva Paranhos (posteriormente visconde de

Rio Branco), parceiro de Paraná no gabinete de 1853, passa a gerir a Fazenda (BARÃO DE

JAVARI, 1979 [1889], pp. 125-126).

Assim, a composição ministerial orquestrada por Caxias antecipava-se à oposição que o

gabinete poderia sofrer tanto do lado saquarema quanto do “moderado”. Não se trata, todavia,

de “nova” conciliação: o aceno dado pelo marquês por ocasião da nomeação dos ministros

tinha como destinatário as duas alas em que se dividira o Partido Conservador durante os

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57

debates legislativos e as eleições do ano de 1860, não contemplando os representantes liberais

no parlamento. Com efeito, antes de transigir, Caxias parecia buscar a reconstrução do Partido

Conservador através de uma “unificação dos vários matizes do partido oriundo do ‘regresso’”

(HOLANDA, 2010, p. 81). Ao absorver nomes que possuíam ligações seja com os

conservadores “conciliados”, seja com os saquaremas adversos à política do marquês de

Paraná, Caxias iniciava, após o fracasso de seu antecessor, nova tentativa de reorganização do

partido “ordeiro” por intermédio do governo. Agora, porém, ao invés de buscá-la com a ajuda

de apenas um dos lados, era a ambas as facções de seu partido que Caxias apelava.

O objetivo de unificação das tendências atuais do Partido Conservador sob a direção do

gabinete de 3 de março pode ser entrevisto em seu programa, genérico o suficiente para não

desagradar a nenhum dos grupos em conflito; ele é anunciado por Caxias (apud BARÃO DE

JAVARI, 1979 [1889], p. 125) na tribuna do Senado:

Os princípios do Gabinete estão bem indicados pelos precedentes das pessoas que

dele fazem parte. Os meus colegas e eu somos conhecidos; por isso penso que me

posso dispensar de dizer qual o sentido em que dirigimos os negócios da

governança. Entendo que presentemente o País quer, sobretudo, a rigorosa

observância da Constituição e das leis e a mais severa e discreta economia dos

dinheiros públicos, atentas as circunstâncias do nosso atual estado financeiro. Os

atos, senhores, devem valer mais do que as palavras, e peço a todos que nos julguem

por nossos atos.

No entanto, o caráter lacônico deste programa, que apelava à autoridade pessoal dos

integrantes do ministério, dava margem a uma crítica talvez ainda mais nociva do que a

discussão baseada em proposições específicas: a rejeição in totum de seu conteúdo. Com

efeito, se ela não veio da parte dos atores políticos que se viam contemplados pelo governo, a

totalidade da representação liberal na Câmara – alijada da composição ministerial – estava

mais do que disposta em combater o gabinete. Já na discussão da Fala do Trono que abrira a

sessão legislativa em 1861, a oposição liberal questionou o escopo de um governo que traça

como seus principais objetivos a “rigorosa observância da Constituição” e a “discreta

economia dos dinheiros públicos”. Tomando a palavra por parte da deputação liberal, Teófilo

Ottoni (CÂMARA DOS DEPUTADOS, 1861, sessão de 27 de junho), que acabava de

retornar da política depois de dez anos dedicados à empresa de colonização no rio Mucuri em

Minas Gerais, apontaria a fraqueza das palavras de Caxias enunciadas perante o Senado:

O que disse o nobre presidente do conselho no senado? Que estava na intenção de

não violar a constituição e de não defraudar o tesouro nacional, ou por outra, fazer

economias e respeitar a constituição! Pois isto é programa? O nobre presidente do

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58

conselho e seus colegas julgaram por ventura que lhes era necessário dar arras do

seu respeito para com a constituição, e para com os dinheiros do Estado?

A acerba oposição liberal ao gabinete recém-formado, expressa já nos primeiros

momentos de sua existência, não suscita, porém, qualquer problema ao ministério para que o

voto de graças à Fala do Trono fosse aprovado na Câmara (HOLANDA, 2010, p. 79). A razão

para isso é muito simples: a bancada do Partido Liberal estava isolada novamente. De fato, a

composição ministerial orquestrada por Caxias fora um recurso capaz de unificar, ao menos

naquele momento, os dois setores do Partido Conservador que haviam se hostilizado no ano

anterior. A coesão da “liga” entre liberais e conservadores dissidentes, passada a ameaça de

ressurgimento do poder “oligárquico” durante o período eleitoral, esvanecia diante da

absorção de nomes importantes do grupo “moderado” do Partido Conservador pelo gabinete

de 3 de março. A unidade na oposição, pois, não se consolidara para além dos momentos de

perigo experimentados pelos dois grupos minoritários, como parece ter sido o caso nos

debates sobre as questões eleitoral e financeira promovidos por Ferraz, e principalmente

durante as eleições de 1860.

A suspensão da hostilidade intrapartidária após a formação de um novo gabinete pode

ser entrevista nos discursos proferidos no parlamento do Império por dois importantes nomes

da facção dissidente do Partido Conservador: os baianos José Tomás Nabuco de Araújo e

Zacarias de Góis e Vasconcelos, peças-chave na consolidação da Liga Progressista um ano

mais tarde. Durante a discussão de um projeto chegado ao Senado após a organização do

gabinete Caxias que versava sobre o aumento dos vencimentos dos magistrados, Nabuco de

Araújo (SENADO DO IMPÉRIO, 1861, sessão de 15 de junho; grifos meus) aproveita o

ensejo para esclarecer a sua posição frente ao novo governo:

Em relação ao presente, que é a questão que nos ocupa ou deve ocupar, isto é, o

ministério ou a oposição, tendes o direito de perguntar-me: o que é que sou? Sr.

presidente, parece-me que a política está em perfeita calmaria, porquanto o

ministério atual não apresentou senão um programa que é comum a todos os

ministérios e apelou para os seus atos futuros, e ainda não apareceu oposição. Ora,

nestas circunstâncias eu sou ministerial, ministerial si et in quantum. Alguns nobres

senadores têm dito na casa que esperam os atos para serem ministeriais; mas eu,

pela confiança que tenho nos ilustres membros do ministério, sou desde já

ministerial.

Entre o discurso de Nabuco de Araújo e o de Ottoni a diferença é visivelmente grande.

Para este, o programa anunciado por Caxias no Senado não se sustenta em razão de seu

caráter genérico e pouco preciso; para aquele, todavia, essa característica é antes algo a ser

louvado: o programa, por ser “comum a todos os ministérios”, expressaria a “perfeita

Page 59: A Liga Progressista e a Construção do Estado Imperial

59

calmaria” em que descansa a política atual. Mais do que a apreciação das palavras proferidas

por Caxias, porém, o que realmente estava na base dessa diferença que não era só entre dois

indivíduos, mas sim entre dois grupos (liberais e conservadores “moderados”) que estiveram

coligados durante o último ministério, era a percepção de se estar ou não contemplado pela

atual composição do governo: ao que tudo indica, não havia razão alguma para a bancada

liberal prestar seu apoio a Caxias; a dissidência do Partido Conservador, porém, via-se

representada pela absorção de alguns de seus nomes pelo novo ministério. A questão era, pois,

de homens, como deixa entrever Nabuco de Araújo ao derivar seu “ministerialismo” da

confiança que então depositava “nos ilustres membros do ministério”. No mês seguinte, ao

prorromper a oposição liberal durante a discussão da Fala do Trono na Câmara temporária, é

Zacarias quem nos dá a oportunidade de compreender um pouco mais as razões da quebra da

unidade oposicionista entre liberais e conservadores dissidentes. Ao falar sobre o problema

dos partidos na atualidade, Zacarias (CÂMARA DOS DEPUTADOS, 1861, sessão de 5 de

julho) entende que tanto o Partido Conservador quanto o Liberal ainda detêm aquela grande

prerrogativa que marcou suas histórias durante a trajetória política do Império: zelar,

respectivamente, pelos princípios da “ordem” e do “progresso”, de cujo equilíbrio depende a

boa condução dos negócios públicos. Nesse sentido, a ideia de “liga” é um contrassenso –

pode valer momentaneamente, mas nunca como um recurso durável, capaz de sustentar os

governos:

É necessário, pois, que estejam estes dois partidos sempre presentes e mutuamente

se fiscalizem. Mas como se conseguirá isso? Será por meio do que chamam [de]

liga? Será por meio da fusão dos dois partidos? Não, senhores. A liga, se conta na

alta administração do Estado número igual de homens de um e outro partido, nada

produz que seja de préstimo; [...] Se na liga entram mais homens de Estado de uma

crença que de outra, a minoria é levada a reboque pela maioria, e sacrifica-se. Eu só

compreendo liga, Sr. presidente, como uma combinação transitória e de

circunstância, e nada mais: pode havê-la entre nós, como tem havido em todos os

países; mas não é combinação própria do estado normal das sociedades.

O momento legítimo da liga havia ficado para trás. Após a realização do fim comum de

neutralização da hegemonia saquarema que unificara liberais e conservadores dissidentes no

ano anterior, cada qual deveria, agora, tratar de se reorganizar de acordo com os princípios

que professavam. O retorno da comunhão entre os partidários da “ordem” obedecia, pois, à

marcha “natural” das sociedades, e caberia também aos sequazes da “liberdade” se rearticular

em torno das bandeiras que lhes são exclusivas. Feito isso, as divisas da conservação e do

progresso poderiam, enfim, disputar o apoio da opinião nacional, alternando-se os grupos no

poder conforme esta pendesse para um ou para o outro polo.

Page 60: A Liga Progressista e a Construção do Estado Imperial

60

Entretanto, não demoraria muito para que o projeto de transformar a disputa entre

conservadores e liberais num sucedâneo tropical da prática política inglesa (Whigs x Tories)

mostrasse os seus limites concretos. A própria discussão em torno da resposta à Fala do

Trono, se não conseguiu impedir que sua aprovação fosse tranquila, trouxe para o debate, por

iniciativa da oposição liberal, o problema do equilíbrio ministerial entre dois grupos que, no

fundo, não teriam deixado de se antagonizar. Apesar de a insinuação ter sido rechaçada pela

agora unida bancada conservadora, dias mais tarde a questão retornaria com força por ocasião

de um evento pleno de consequências ao futuro do gabinete Caxias: a renúncia dos ministros

José Antônio Saraiva (Império) e Antônio Coelho de Sá e Albuquerque (Estrangeiros) em 9

de julho, um dia após a aprovação do voto de graças na Câmara (HOLANDA, 2010, p. 79).

Tanto Saraiva quanto Sá e Albuquerque, deputados nortistas sem maiores vínculos com os

saquaremas fluminenses, eram nomes identificados com a chamada ala “moderada” do

Partido Conservador; a renúncia de ambos significava que, do grupo menos cioso das antigas

tradições do partido “ordeiro”, não restava mais ninguém, uma vez que Paranhos – antigo

“conciliado” – já dava sinais de se bandear para o lado saquarema (NABUCO, 1949 [1897],

p. 81). Se a renúncia por si só talvez não constituísse motivo suficiente para interromper o

processo de unificação nas fileiras do Partido Conservador, a explicação exigida pela

oposição liberal na Câmara acaba por expor de vez a incipiência do movimento articulado por

Caxias: a suspeita de que por trás da retirada de Saraiva e Sá e Albuquerque estivessem

divergências com o ministro Sayão Lobato, principal representante do grupo saquarema no

gabinete, foram confirmadas quando Saraiva subiu à tribuna da Câmara explicar que “em sua

opinião, tinha o direito, até o dever, de abandonar um ministério onde não se sentia bem”

(HOLANDA, 2010, p. 80). O mal-estar, compartilhado por Sá e Albuquerque, não poderia

também deixar de produzir desconforto semelhante na ala moderada do Partido Conservador,

que através destes homens depositara a sua confiança no atual ministério. Para Caxias, a

situação tornou-se particularmente crítica quando da nomeação dos novos ministros para as

pastas do Império e de Estrangeiros: José Ildefonso de Sousa Ramos (futuro visconde de

Jaguari) e Benevenuto Augusto de Magalhães Taques, respectivamente; com efeito, as

escolhas não fortaleciam nenhum dos laços que até então sustentavam o governo, pois nem

Sousa Ramos nem Taques associavam-se aos saquaremas, além de não terem grande apelo

entre a dissidência do partido “ordeiro” (Idem, p. 82).

O afastamento de Saraiva e Sá e Albuquerque revela a fragilidade em que repousava os

esforços de rearticulação do Partido Conservador sob a liderança do marquês de Caxias. O

antagonismo entre os dois grupos, o saquarema e o dissidente, não havia cessado em absoluto:

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61

a trégua nos primeiros meses de 1861 após os conflitos do ano anterior tinha como causa e

razão única a composição “eclética” do ministério de 3 de março. Ao primeiro sinal de

desequilíbrio no jogo de forças entre as facções do partido no poder, o grupo que se sentiu

prejudicado não hesita em se afastar de um governo que aparentava não mais representá-lo.

Nesse movimento, a reminiscência das lutas comuns que a dissidência conservadora travara

junto com os liberais para debelar o fortalecimento da hegemonia saquarema não poderia

deixar de prestar aí o seu papel; de fato, na medida em que a facção dissidente passa a gravitar

fora da órbita do governo, ela inevitavelmente encontra apoio entre aqueles que, desde que

Ferraz havia cedido lugar a Caxias, já se achavam em oposição ao gabinete: os representantes

liberais no parlamento. Trata-se, uma vez mais, de aproximação feita na tentativa de impedir

que o processo de identificação do governo com a ala saquarema se traduzisse em maiores

ganhos políticos para esta, à custa tanto de liberais quanto de conservadores da facção

contrária. A ideia da “liga” entre os dois grupos de oposição ressurgia num momento no qual

era novamente preciso unir forças para derrotar a “oligarquia” saquarema.

A situação parlamentar, contudo, era muito distinta daquela de 1860, durante a qual a

coligação entre liberais e conservadores dissidentes foi primeiramente articulada. Naquele

momento, quando, sob o gabinete Ferraz, foi necessário unir forças para se opor à reforma da

Lei dos Círculos, os dois grupos oposicionistas constituíam não mais que uma minoria,

conquanto fosse uma minoria numerosa; não por acaso, a reforma foi aprovada sem grandes

dificuldades. Agora, porém, o pleito de 1860 havia trazido à Câmara não só um maior número

de liberais, mas também um grande contingente de deputados identificados com a fração

“moderada” do Partido Conservador. O fato de que, após a renúncia de Saraiva e Sá e

Albuquerque, esses grupos passem a atuar conjuntamente em sentido contrário ao do

gabinete, apresentava riscos efetivos à manutenção de Caxias no poder. A maioria

parlamentar do ministério se tornava frágil, ainda mais quando até mesmo os saquaremas não

se mostravam extremamente entusiasmados com o gabinete desde que Caxias decidira nomear

Sousa Ramos e Taques no lugar dos ministros demissionários. É neste clima de grande

incerteza quanto aos rumos futuros do ministério de 3 de março que a sessão legislativa de

1861 termina.

Todavia, o ano de 1862 não se mostraria mais fácil para Caxias e seus apoiadores. Pelo

contrário, já no reinício dos trabalhos legislativos foi possível comprovar que o intervalo entre

as sessões de 1861 e 1862 só servira para fermentar ainda mais o descontentamento

oposicionista. A primeira prova de que o gabinete agora se sustentava com uma maioria

parlamentar exígua foi dada por ocasião da eleição da mesa da Câmara no dia 5 de maio, na

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62

primeira sessão após as reuniões preparatórias. Como era de praxe, esperava-se que o

candidato ministerial – neste caso, Pedro Francisco de Paula Cavalcanti e Albuquerque, o

visconde de Camaragibe – derrotasse o nome da oposição “ligueira”: Zacarias de Góis e

Vasconcelos. Foi o que aconteceu, de fato. Contudo, a pequena vantagem obtida por

Camaragibe sobre Zacarias apontava as dificuldades futuras do ministério: a diferença de

votos entre um e outro candidato foi de apenas quatro (34 votos contra 30). Entre os órgãos

oposicionistas não faltou quem lesse o resultado agourento obtido pelo gabinete como o

presságio de sua queda iminente: “o ministério está morto”, diria o A Atualidade (08/05/1862,

edição nº 215) três dias após a votação que dera a vitória a Camaragibe, “a eleição da mesa foi

o golpe de honra no moribundo que andava por aí se arrastando, rindo, chorando e tirando o

chapéu até abaixo”.

Mas a “morte” do ministério teria de aguardar mais alguns dias. A ocasião propícia ao

evento se dará no dia 19 de maio, durante a discussão do voto de graças à Fala do Trono

proferida no início da sessão legislativa daquele ano. Os deputados da liga oposicionista não

aceitam o projeto de resposta à Fala elaborado pela comissão da Câmara; Zacarias, que

naquele momento já despontava como o líder dos conservadores “moderados” coligados à

bancada liberal, apresenta uma emenda ao projeto original – emenda essa que é concebida

como uma “censura” ao gabinete. Estava instaurada, pois, uma questão de desconfiança

parlamentar frente ao ministério liderado por Caxias. Assim entendem a emenda não só a

oposição que a apresentou, mas também o próprio ministério; na continuação dos debates no

dia seguinte, o ministro da Justiça Sayão Lobato (CÂMARA DOS DEPUTADOS, 1862,

sessão de 20 de maio) afirma perante a Câmara que o ministério aceita tomar a emenda de

Zacarias como uma moção de desconfiança:

Sr. presidente, em qualquer outra circunstância seria muito indiferente a aceitação da

emenda; considero-a, encarando por um lado, somente como mera redação, e

portanto não duvidaria aceitá-la; porém na intenção e circunstâncias com que ela foi

formulada, é um verdadeiro voto de censura e condenação, e como tal o ministério a

aceita; e a aceita requerendo a cada um dos dignos membros desta câmara que muito

conforme à sua consciência se exprima a tal respeito (Muito bem, muito bem!).

O rompimento da coesão partidária, cara aos saquaremas, foi tema levantado logo em

seguida ao discurso de Zacarias no qual se apresentou à Câmara a emenda oposicionista. Um

dos responsáveis pela elaboração do projeto original, Antônio Gonçalves Barbosa da Cunha,

deputado conservador pela província de São Paulo, tomou a palavra após Zacarias para

expressar seu desconforto com a quebra da unidade conservadora, agora que parte de seus

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63

correligionários encontravam-se ao lado dos “antigos e naturais adversários”, ou seja, ao lado

da bancada liberal (CÂMARA DOS DEPUTADOS, 1862, sessão de 19 de maio). A questão

reaparece nos dois dias seguintes nos quais a resposta à Fala do Trono ainda tomou conta da

pauta da Câmara; no dia 21, outro dos redatores do projeto original, o deputado João

Capistrano Bandeira de Mello (CÂMARA DOS DEPUTADOS, 1862, sessão de 20 de maio;

grifos meus), dirige-se a Zacarias para censurar-lhe a participação numa aliança cujas

consequências futuras são imprevisíveis:

O Sr. Bandeira de Mello: [...] Lamento, senhores, sinceramente esta divergência.

Estava acostumado a trabalhar com os nobres deputados...

O Sr. Zacarias: Em 1852 V. Ex. esteve separado, quando os destinos do país

estavam confiados a conservadores. Nessa ocasião ouvi muitas coisas que ainda

tenho na memória.

O Sr. Bandeira de Mello: Eu darei a respeito uma explicação ao nobre deputado; no

entretanto direi ao nobre deputado que muito grave, muito séria é a responsabilidade

que os nobres deputados assumem por esta divergência nas circunstâncias em que

nos achamos.

O Sr. Zacarias: Não é preciso lembrar: temos a mesma liberdade que V. Ex. teve em

1852.

[...]

O Sr. Bandeira de Mello: Sr. presidente, os nobres deputados fizeram uma liga com

antigos adversários; mas as consequências de uma liga são demasiado graves,

sacrificam-se à necessidade de um dia ideias que representam a necessidade de

todos os dias, isto é, os princípios que sustentam uma certa ordem que temos

consagrado como indispensável.

O fato é que a unidade intrapartidária que parecia possível na sessão legislativa do ano

anterior já não mais se mostrava como uma realidade concreta em 1862. Com efeito, as

censuras dirigidas à dissidência conservadora da parte da bancada saquarema que, nas

palavras de Barbosa da Cunha (CÂMARA DOS DEPUTADOS, 1862, sessão de 19 de maio),

mantinha-se “sob a bandeira de nossos chefes naturais”, demonstra o desconforto sentido pelo

setor hegemônico do Partido Conservador frente ao fracasso da política de reunificação

orquestrada por Caxias. Por trás desse insucesso, porém, não estava a má vontade de um

grupo minoritário de descontentes, mas a própria impossibilidade atual de recomposição da

sólida unidade que caracterizara o partido da “Ordem” antes do advento da conciliação. A

articulação de uma “liga” entre os grupos descontentes com a longa hegemonia saquarema

expressava a quebra da comunidade de interesses que havia caracterizado o Partido

Conservador, a qual se fundava em um consenso quanto às necessidades presentes do

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Império; o avanço do processo de modernização que se dava concomitantemente à

experiência conciliatória embaralhou as antigas posições políticas fundadas na oposição

“saquaremas x luzias” – nesse processo, a emergência da liga nos anos iniciais da década de

1860 não expressava uma articulação política ad hoc ou momentânea, mas sim uma

alternativa que se contrapunha à atuação dos saquaremas fundada na preservação da obra

regressista como condição básica para a garantia da estabilidade sociopolítica do Império.

Além de expor uma vez mais o racha no interior das fileiras conservadoras, a discussão

da Fala do Trono ratifica por fim a impossibilidade de manutenção do gabinete, já sentida na

sessão legislativa anterior e confirmada durante a eleição da mesa da Câmara. Ainda no

terceiro dia de discussão da emenda oposicionista, após Francisco Otaviano abdicar da

palavra e o representante do gabinete, o ministro Paranhos, aceitar o fim da discussão,

procede-se à votação do texto de Zacarias, o qual é aprovado pela diferença de um voto: 43

contra 42. A matéria, que foi tratada como questão de gabinete pelo próprio ministério, não

podia senão produzir a queda de Caxias: naquele mesmo dia os ministros dirigem-se a São

Cristóvão e pedem sua exoneração ao imperador. Antes, porém, Caxias lançou mão de um

último recurso: a dissolução da Câmara e a realização de nova eleição, visto que a divisão

atual do parlamento gerava uma situação de ingovernabilidade. Todavia, o “apelo ao país

real”, como colocou eufemisticamente a questão o ex-ministro Paranhos dias mais tarde

(CÂMARA DOS DEPUTADOS, 1862, sessão de 27 de maio), não foi aceito por d. Pedro; o

responsável pela emenda que derrubou o gabinete, o deputado Zacarias, é chamado, assim, a

compor um novo ministério – pela primeira vez a coligação entre a dissidência conservadora e

os liberais chegava ao poder. O simbolismo dessa transição da condição de liga oposicionista

à de coligação governamental é enunciado com entusiasmo por Saraiva – o ministro

demissionário do gabinete Caxias – no dia em que Zacarias apresenta o programa do novo

ministério à Câmara. O triunfo da liga representaria a vitória de um grupo que deseja “que as

reformas úteis sejam realizadas por todos os seus sacerdotes, quer se chamem eles liberais ou

conservadores” (CÂMARA DOS DEPUTADOS, 1862, sessão de 27 de maio); mais do que

isso, a vitória comprovaria também que a divisão entre liberais e conservadores já não possui

mais sentido; agora já é possível falar em um novo partido composto de homens provenientes

de ambos os grupos – o “Partido Progressista do Império”:

“Senhores, nós, conservadores moderados e liberais, ou antes nós que formamos

hoje o partido progressista do Império... (Murmúrio).

(O Sr. Paranhos e outros riem-se.)

Page 65: A Liga Progressista e a Construção do Estado Imperial

65

O Sr. Saraiva: Podem rir-se os nobres deputados. Acostumados nestes últimos anos

a outros sucessos, devem seguramente rir-se em presença do espetáculo mais sério e

mais grandioso que o país tem presenciado. Não quero continuar [o discurso]

(Apoiados; muito bem. O orador é cumprimentado por grande número de Srs.

deputados).

As risadas da parte do grupo saquarema evidenciavam, porém, que a transformação da

liga em partido ainda haveria de enfrentar desafios para que fosse levada a sério. Naquele

mesmo dia, antes até do emblemático discurso proferido por Saraiva, Francisco de Sales

Torres Homem (CÂMARA DOS DEPUTADOS, 1862, sessão de 27 de maio) indicou a frágil

estrutura sobre a qual se sustentava o primeiro ministério “ligueiro”. Fragilidade essa que,

aliás, já havia solapado a manutenção do ministério anterior:

Há três dias, senhores, que um gabinete abandonou a direção dos negócios públicos

pelo fundamento muito racional e legítimo de que nenhum gabinete deve manter-se

sem possuir no parlamento uma maioria suficientemente numerosa que o habilite ao

desempenho de suas árduas funções. [...] Dissolvido porém o gabinete, o que

sucedeu? O poder passou para as mãos da oposição, que, por um laço armado à

fortuna, se havia achado em maioria de um voto (Apoiados; reclamações). Maioria

de um dia, maioria de algumas horas talvez, maioria contestada como filha da

surpresa (Apoiados). A superioridade numérica de um voto, eis o título de seu

triunfo; eis a fonte única da sua pretensão de mudar a face política do país

(Apoiados).

De fato, a situação do recém-formado ministério Zacarias não era mais vantajosa do que

aquela de Caxias em seus piores momentos. Pois se a queda do gabinete Caxias se deu em

razão da inexistência de uma maioria parlamentar sólida, a votação que fornecera a

oportunidade de formação do novo ministério também anunciava que ele padeceria da mesma

doença. A composição do gabinete havia absorvido cinco deputados da Liga, contando o

próprio Zacarias (cf. BARÃO DE JAVARI, 1979 [1889], p. 129) – estava claro que a estreita

maioria que havia dado ensejo à formação ministerial talvez já nem existisse. Não por acaso,

na primeira ocasião em que a Câmara teve a oportunidade de analisar um projeto de lei (a

saber, no dia seguinte à apresentação do ministério), a bancada saquarema propôs o adiamento

da discussão até que ficasse comprovada a confiança da Câmara no atual gabinete. Instaura-se

uma questão de confiança que é rejeitada pelo ministro Zacarias, uma vez que o projeto em

questão, o qual regulava as promoções na Armada, não teria a importância que lhe queria dar

a oposição (CÂMARA DOS DEPUTADOS, 1862, sessão de 28 de maio). Todavia, a questão

foi aceita por parte dos deputados da Liga e, com o encerramento da discussão requerido e

aprovado naquele mesmo dia, a votação comprovou a inviabilidade do ministério que mal

havia se organizado: o adiamento do projeto foi aprovado por 49 votos contra 43.

Page 66: A Liga Progressista e a Construção do Estado Imperial

66

Qual era, porém, o desenlace lógico de tal evento? O fato é que a Câmara se mostrava

cindida em duas metades praticamente iguais, das quais nenhuma delas possuía uma maioria

capaz de formar um governo. No mesmo dia da queda do ministério Zacarias, o A Atualidade

(28/05/1862, edição nº 219) resume a situação de “crise” em que se encontra o parlamento; a

dissolução despontava como a única saída possível:

A moção motivada pelo Sr. Sales [Torres Homem] e sustentada pelo Sr. Paranhos e

Pedreira [do Couto Ferraz] passou por 49 votos contra 43. Não estavam presentes os

Srs. Mello Franco e Nunes Gonçalves, ambos ministeriais, e o Sr. Ferreira Lage que

provavelmente daria o seu voto ao gabinete. Ficavam pois 46 votos contra o

ministério dos Srs. Sayão [Lobato], Taques e Paranhos contra 46 do lado de SS.

EExs. [...]. Que significação tem pois a surpresa de hoje? Nenhuma a não ser que

com a câmara atual não podem governar nem uns nem outros dos partidos

organizados, e que a não haver alquimista tão hábil que manipule composição

diferente, a dissolução é indeclinável.

No entanto, tal como acontecera dias antes, d. Pedro não consentirá com o novo pedido

de dissolução, dessa vez da parte de Zacarias. O primeiro ministério “ligueiro” cai, pois,

apenas quatro dias após sua formação e um dia após a transformação da Liga em partido.

Tratava-se nada menos do que “o governo de mais breve existência na história do Segundo

Reinado” (HOLANDA, 2010, p. 89), o qual, pela morte “prematura” que teve, ficará

conhecido como o ministério de “anjinhos” (IGLÉSIAS, 2004 [1967], p. 110). A organização

do novo gabinete ficará sob a responsabilidade do marquês de Olinda – esse decano da

política imperial que figurou como chefe ministerial nos anos do regresso e da conciliação,

além de ter sido regente durante a menoridade de Pedro II.

A apreciação do momento formativo da Liga Progressista durante a sessão legislativa

de 1862 – momento no qual, ao passar da condição de liga oposicionista à de coalizão

governamental, ela se torna um novo partido – permite que se faça alguns reparos nas

hipóteses formuladas até aqui. Já foi frisado que, no processo de esfacelamento da obra

conciliatória durante o gabinete Ferraz, as eleições de 1860 representaram um movimento de

rearticulação das posições políticas impulsionado pelo avanço da modernização

socioeconômica do Império: a vitória de liberais e conservadores moderados nas principais

cidades de então expressaria uma homologia entre os anseios dos grupos urbanos e um

reformismo encampado pelos agentes políticos que se contrapunham à hegemonia saquarema

consolidada durante o regresso. Contudo, agora que conhecemos os principais nomes

responsáveis por canalizar essa insatisfação com aquilo que Nabuco de Araújo (SENADO DO

IMPÉRIO, 1862, sessão de 20 de maio) chamou, dias antes da queda de Caxias, de “uti

possidetis do Partido Conservador” em relação às altas posições do Estado, não é possível

Page 67: A Liga Progressista e a Construção do Estado Imperial

67

ignorar que grande parte deles não despontam na política como representantes de um genérico

“mundo urbano” emergente, mas sim de um espaço concreto e específico: a região norte do

Império. Com efeito, parte substancial das figuras com as quais trabalhei até aqui tinha, por

exemplo, sua base ou formação política na província da Bahia: é o caso de Nabuco de Araújo,

de Saraiva e também de Zacarias. É significativo notar, aliás, que dos sete ministros do

gabinete Zacarias de 1862 apenas três deles (José Pedro Dias de Carvalho, José Bonifácio de

Andrada e Silva, “o moço”, e Manuel Marques de Sousa, barão de Porto Alegre) não

provinham das províncias setentrionais (cf. BARÃO DE JAVARI, 1979 [1889], p. 129); e, no

entanto, mesmo aí é possível encontrar um padrão pleno de sentido para que se compreenda

melhor a emergência da Liga Progressista: nenhum dos três políticos em questão era

fluminense.

Por diversas vezes afirmei que a coligação entre os grupos liberal e conservador

“moderado” se deu em contextos nos quais a união de forças mostrava-se como a única

maneira possível de se contrapor à hegemonia saquarema: a Liga foi produto dessa

necessidade que se fez presente no ano de 1860, arrefeceu em 1861 e voltou com força no ano

seguinte, quando a coligação é então alçada ao poder. A existência de uma base de apoio

urbana foi uma das condições que permitiram que a Liga se expressasse com força ao nível do

parlamento, engrossando a bancada oposicionista mediante nomes como os dos três deputados

liberais pelo município neutro do Rio de Janeiro: Teófilo Ottoni, Francisco Otaviano e

Joaquim Saldanha Marinho; entretanto, para além desse componente urbano, receptivo ao

reformismo liberal, é preciso igualmente ressaltar uma outra dimensão que parece ter

impulsionado a articulação da Liga Progressista: a marcha da economia imperial. Desde o

segundo quartel do século XIX as atividades agroexportadoras e o ganho material dela

proveniente ensejaram vantagens diferenciadas para as diversas regiões do Império, as quais

podem ser inferidas a partir da participação de dois produtos na economia de exportação

brasileira: o açúcar e o café. Durante a década de 1830 a participação do açúcar nas receitas

de exportação declina com a mesma rapidez com que aumenta a do café; como já frisado

alhures, no início de 1850 o café responderá por quase 50% das receitas auferidas com a

exportação no país (GRAHAM, 2001a [1985], p. 774; HOLANDA, 2010, p. 51). Ora, a

localização dessas culturas em regiões específicas – a saber, o norte do Império e o Vale do

Paraíba fluminense, respectivamente – indica-nos um processo de diferenciação crescente

entre elas no qual, no caso da província do Rio de Janeiro, a concentração de capital

econômico esteve conjugada à de capital político, dada as estreitas relações entre os homens

de Estado e os homens de negócio, enquanto a antiga pujança econômica do norte declinava

Page 68: A Liga Progressista e a Construção do Estado Imperial

68

gradativamente. O processo de expansão e modernização da economia agroexportadora

criava, assim, um descompasso entre as duas regiões, impossibilitando a manutenção de um

consenso político que se fundava num compartilhamento não só de interesses, mas,

especialmente, de vantagens e lucros que deixam de se distribuir de maneira equilibrada na

medida em que a indústria açucareira nortista perde espaço no mercado mundial do produto

(GRAHAM, 2001a [1985], p. 772) e é suplantada internamente pela crescente riqueza gerada

pelo café valparaibano fluminense.

A diferenciação econômica não pode e nem deve explicar a cisão política, mas decerto a

ilumina. Com efeito, o predomínio do partido da “Ordem” não foi constituído apenas pela

ação de políticos fluminenses, mas, ao contrário, a consolidação do Estado nacional pelas

mãos saquaremas teve o importante e indispensável concurso das elites proprietárias dispersas

pelas províncias do Império. Dentre elas, a base do Partido Conservador concentrava-se

naquelas que se associavam mais estreitamente à economia de exportação, ou seja, além do

Rio de Janeiro, as províncias de Pernambuco e da Bahia (CARVALHO, 2003 [1980/1988], p.

213). Parece claro, pois, que a coesão partidária, elemento central do predomínio político

saquarema, possuía um inegável fundamento econômico. O surgimento de uma liga

antissaquarema nos anos 1860 na qual parte substancial de seus articuladores provinha não

apenas da região norte, mas especialmente da província da Bahia, é um indício de que a troca

de posições políticas operadas durante a conciliação não pôde se cristalizar em nova

polarização partidária em razão da crescente diferenciação de interesses, cuja homogeneidade

de outrora ligava os saquaremas entre si e os opunha aos luzias. A expansão da economia

agroexportadora e o processo de modernização à que ela dava impulso criavam cisões no

tecido social do Império que concorriam para inviabilizar a retomada de um projeto que fora

hegemônico anteriormente, mas que não parecia mais se adequar às demandas atuais dos

setores provinciais que lhe deram sustento, tampouco às aspirações dos grupos urbanos

emergentes. Nesse sentido, a construção política de um consenso intraelite, intenção que

perpassou a experiência da conciliação, retorna nos anos 1860 sob roupagem um tanto

distinta: tecer a unidade da classe proprietária exigirá então um pouco mais que a mera

redução do poder concentrado nas mãos dos saquaremas (o que podia ser obtido pela absorção

parlamentar e governamental do grupo liberal afastado da direção do Estado desde 1848);

agora, a insatisfação de setores provinciais que antes gravitavam ao redor do núcleo

saquarema do Partido Conservador vai se somar às novas demandas dos setores urbanos e

desembocar no projeto de reforma do arranjo institucional associado à obra do regresso. A

“opção progressista”, ou seja, o ideal de avanço no processo de construção do Estado imperial

Page 69: A Liga Progressista e a Construção do Estado Imperial

69

para além dos limites dados pela política do regresso é, pois, o novo caminho a ser trilhado

pelos detentores do poder a partir de 1862; o aperfeiçoamento da unidade política da classe

proprietária será buscado por meio da proposição de reformas capazes de efetivar o programa

liberal consagrado na carta constitucional de 1824, cuja dimensão, aos olhos de liberais e

conservadores dissidentes, tinha sido estreitada durante o longo predomínio político

saquarema.

Page 70: A Liga Progressista e a Construção do Estado Imperial

70

Capítulo 3

O Escopo do Progresso

A efêmera experiência de governo que os partidários da Liga desfrutaram entre os dias

24 e 28 de maio de 1862 acabou produzindo um impasse: a atual Câmara eleita em 1860, após

a breve experiência de reunificação saquarema nos primeiros meses do ministério Caxias,

havia se cindido em duas metades que não eram capazes de sustentar um governo. Essa

realidade foi primeiramente observada na queda de Caxias em razão de uma moção de

desconfiança do parlamento, fato inédito na política imperial (HOLANDA, 2010, p. 86); a

incapacidade da Liga que derrubou o ministério Caxias em garantir a manutenção de Zacarias

no poder explicitava ainda mais esse problema, até porque d. Pedro novamente não anuiu à

proposição de dissolução da Câmara por parte do governo. Sem esse instrumento, como,

porém, contornar a atual divisão parlamentar em duas facções antagônicas que possuíam

forças semelhantes e que, por isso mesmo, se anulavam mutuamente?

De fato, a situação de divisão entre os deputados em razão da emergência de uma liga

entre liberais e conservadores dissidentes assumia feições mais estáveis (e por isso mesmo

mais críticas) com a ascensão e queda de Zacarias ao poder. Assim, tudo indicava que a

articulação entre esses grupos se afastava cada vez mais do modelo de coligação momentânea

que pautara suas primeiras manifestações, ainda no ano de 1860. Apesar do riso entre a

bancada saquarema provocado pela fala de Saraiva ao anunciar o nascimento de um novo

partido – o Partido Progressista –, parecia haver alguma razão em suas palavras, por mais que

tenham sido enunciadas um dia antes do naufrágio da primeira experiência dos homens da

Liga no governo; afinal, tanto o processo de formação do gabinete Zacarias quanto a trágica

experiência de vê-lo sucumbir tão cedo foram eventos que fortaleceram a união entre os

grupos liberal e conservador dissidente (NABUCO, 1949 [1987], p. 96; HOLANDA, 2010, p.

94), de forma que o impasse não parecia poder ser resolvido por nova tentativa de

reaglutinamento da bancada conservadora. Se o imperador não aceitava a dissolução e se os

dois grupos em que se dividia a Câmara não estavam dispostos a dar seu apoio a um governo

que não surgisse de suas próprias fileiras, seria preciso então encontrar uma “terceira via”

para solucionar esse dilema.

3.1. Olinda e o início do predomínio progressista

Page 71: A Liga Progressista e a Construção do Estado Imperial

71

A escolha do marquês de Olinda para suceder a Zacarias representava essa opção

momentânea por abrandar a disputa entre ambos os grupos, os conservadores e os homens da

Liga. Olinda, apesar de ter defendido a obra de Paraná se opondo à reforma da Lei dos

Círculos, estava desde há muito afastado das disputas partidárias, figurando assim como um

personagem alheio à recente divisão política que teve lugar na Câmara. A formação de novo

ministério por ele liderado seguirá essa tendência sobranceira frente aos partidos cuja

personificação era o próprio Olinda: os homens convocados para compô-lo são quase todos

políticos nortistas da ala moderada do Partido Conservador, igualmente alheios às querelas de

partido, aos quais se somam um antigo liberal pernambucano, Antônio Francisco de Paula de

Holanda Cavalcanti de Albuquerque, o visconde de Albuquerque, além de um nome

simpático à Liga, João Lins Vieira Cansansão de Sinimbu (NEEDELL, 2006, p. 217). Trata-

se, pois, de uma tentativa de abafar o atual estado de divisão da Câmara apelando para

estadistas cujo valor não era negado por nenhum dos grupos de então – não por acaso, o

governo ficará conhecido como o “Gabinete dos Velhos” (IGLÉSIAS, 2004 [1967], p. 110) e

contará com apenas um deputado (Joaquim Raimundo de Lamare) em seus quadros (BARÃO

DE JAVARI, 1979 [1889], pp. 130-131). No dia de apresentação do programa ministerial à

Câmara, Saraiva (CÂMARA DOS DEPUTADOS, 1862, sessão de 31 de maio) resume bem a

significação do novo ministério ao fazer a seguinte pergunta:

O que temos, senhores? Um ministério, no qual a liga progressista tem garantias,

porque tem amigos que ainda há pouco defendiam seus princípios, acoroçoavam

suas aspirações (Muitos apoiados). É certo que os ilustres cavalheiros a que me

refiro estavam fora da luta e hoje ocupam um terreno neutro. Mas não será isso um

triunfo? E não será ainda um triunfo do parlamento? Creio sinceramente que o é

(Numerosos apoiados da liga). Em lugar de termos um ministério parcial, um

ministério votado aos interesses de um partido, temos a fortuna de encontrar um

ministério neutro, que de certo defenderá nossos legítimos interesses (Apoiados;

muito bem); que saberá manter a liberdade do voto em toda a sua pureza, porque se

acha numa posição sobranceira a todas as paixões (Apoiados; muito bem).

Todavia, os “numerosos apoiados” que provinham de uma parcela específica dos

ouvintes de Saraiva indicavam que o “triunfo do parlamento” não era igualmente saudado por

todos os seus integrantes. Em realidade, entre os próprios “ligueiros” havia dúvidas quanto à

legitimidade do gabinete recém-formado: antes do discurso de Saraiva indicando o apoio dos

progressistas a Olinda, o liberal Martinho Álvares da Silva Campos havia subido à tribuna

para expressar seu descontentamento com um ministério que falseava o verdadeiro “governo

representativo”, uma vez que nele “a câmara dos deputados é absoluta e inteiramente alheia!”

(CÂMARA DOS DEPUTADOS, 1862, sessão de 31 de maio). Porém, mais do que o

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72

descontentamento residual que medrava no interior dos grupos coligados, a reação dos

conservadores “puritanos” ao gabinete de então parecia ser mais de tolerância que de apoio:

ao discursar naquele mesmo dia, Torres Homem – deputado responsável pela moção que

derrubou o primeiro gabinete da Liga – afirmou (CÂMARA DOS DEPUTADOS, 1862,

sessão de 31 de maio) que o novo ministério certamente merecia a confiança dos deputados

pelos nomes que o compõem, apesar de não poder “ser considerado como expressão genuína

da maioria dessa casa”; vendo-se, pois, ainda na posição de “maioria”, os conservadores não

podiam senão prestar um fraco apoio a Olinda – o qual decerto não representava tal maioria.

Com efeito, o afastamento frente ao partido “ordeiro” por parte do marquês que havia

comandado o poderoso gabinete de 1848 já vinha se manifestando há tempo: consolidara-se

nos anos da conciliação, quando Olinda formou o ministério de 1857, comprovando-se mais

recentemente na discussão a respeito da reforma da Lei dos Círculos, momento em que Olinda

posicionou-se contrário à alteração proposta pelos saquaremas. Ora, se num primeiro

momento os conservadores apoiaram, posto que sem entusiasmo, ao ministério organizado

por um de seus “trânsfugas”, a razão disso está no raciocínio de que a “solução Olinda” talvez

fosse o melhor arranjo no momento capaz de impedir a formação de um novo governo sob os

auspícios da Liga (HOLANDA, 2010, p. 101).

Como se vê, o gabinete Olinda se sustentava pelo apoio de ambos os grupos da Câmara,

embora não detivesse a adesão irrestrita de nenhum deles. Este equilíbrio difícil, ainda mais

depois das lutas renhidas entre a Liga e os conservadores durante os eventos que levaram ao

fim do ministério Caxias e à ascensão e queda de Zacarias, demonstrava a fragilidade do

governo atual; a perda do apoio de um dos lados poderia a qualquer momento inviabilizar a

manutenção da “terceira via” representada por Olinda. Mas o velho marquês não esperaria

muito tempo para buscar fortalecer a sua própria posição nesse imbróglio: ao final do

primeiro mês de governo, Olinda realiza uma substituição ministerial plena de repercussões à

disputa política que então se travava na Câmara: Sinimbu, o homem da Liga no ministério, é

realocado da politicamente insignificante pasta da Agricultura, Comércio e Obras Públicas

para a da Justiça, principal mecanismo governamental de intervenção no processo eleitoral

(BARÃO DE JAVARI, 1979 [1889], pp. 130-131; NEEDELL, 2006, p. 218). A partir daí,

Sinimbu passa a agir claramente a favor da Liga, substituindo em postos judiciários e policiais

(peças-chave no sucesso eleitoral de um grupo) os conservadores por homens próximos da

Liga Progressista. Apesar de a substituição promovida por Olinda e, principalmente, a atuação

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73

de Sinimbu terem enfurecido as lideranças conservadoras28

, a bancada saquarema na Câmara

não passa à confrontação direta com o ministério; as transformações na organização do

gabinete não eram apenas um aceno para a Liga, mas também constituíam um claro sinal aos

conservadores: a realocação de Sinimbu para a pasta da Justiça indicava que, se o ministério

não conseguisse mais se sustentar e obtivesse a anuência de d. Pedro II para dissolver a

Câmara, as próximas eleições seriam realizadas sob o controle dos homens da Liga

(NEEDELL, 2006, p. 218).

Assim é que, ao se iniciar a sessão legislativa de 1863, Olinda, apesar de tudo, não sofre

grandes ataques da parte dos conservadores, crescentemente insatisfeitos com o seu governo.

Antes, porém, da discussão do projeto de resposta à Fala do Trono, ocorre um evento que terá

por resultado a transformação daquela calmaria de superfície que tomava conta da Câmara

temporária: a eleição da mesa diretora. A derrota do candidato ministerial é tomada por

Olinda como questão de gabinete, sendo levada perante o imperador; com base nesse fato,

indício da notória polarização entre os deputados, Olinda pede a d. Pedro a dissolução da

Câmara para dar término à situação de ingovernabilidade que se instaurara ali desde pelo

menos 1861 (HOLANDA, 2010, pp. 107-108). Agora, ao contrário do que ocorrera com

Caxias e Zacarias, o monarca aprova a ideia, dando assim carta branca a Olinda (e,

consequentemente, também a Sinimbu) para a reordenação do espaço político polarizado que

havia se consolidado na atual legislatura – reordenação essa que pela primeira vez seria feita

sob clara influência dos progressistas (NEEDELL, 2006, p. 218).

Com o aparelhamento dos cargos policiais e judiciais via pasta da Justiça e a prática da

patronagem agora sob o controle da Liga, as eleições de 1863 não poderiam senão produzir

um resultado altamente favorável à nova agremiação que disputava o poder. De fato, a

Câmara surgida deste pleito iria consagrar a Liga Progressista como força política capaz de

estender sua rede de influência pelas diversas províncias do Império: o resultado das eleições

foi a constituição de uma avassaladora maioria “ligueira”, agora completamente protegida das

possíveis ameaças que poderia sofrer por parte dos conservadores “puros” – esses, na

28

Em 1864, meses após a retirada do gabinete Olinda, a folha conservadora Constitucional (18/06/1864, edição

nº 69; grifos no original) fez um balanço da atuação de Sinimbu no ministério que demonstra bem como os

saquaremas encararam a administração do político alagoano:

Ingrato inconsiderado, audacioso, violento, odiento e prevaricador, o Sr. Sinimbu foi nos seus

dois últimos ministérios da Agricultura e Justiça uma calamidade, um escândalo! Demissões em

massa nos cargos policiais, nomeações vergonhosas ou inconvenientes para a polícia e guarda

nacional, nomeações e remoções desgraçadas e acintosas na magistratura, compromissos

ruinosos e ilegais a companhias de estradas de ferro e aposentadorias forçadas de membros da

alta magistratura do país, com violação flagrante da constituição, formam a coroa cívica desse

ministro fatal [...].

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74

legislatura que então se iniciava, não chegavam a constituir sequer uma minoria de dez

indivíduos; mais do que isso, até mesmo em seu reduto eleitoral por excelência, a província

do Rio de Janeiro, a derrota se mostrou completa: nenhum dos doze candidatos fluminenses

eleitos possuía vínculos com os saquaremas (NEEDELL, 2006, p. 219; cf. BARÃO DE

JAVARI, 1979 [1889], p. 338). Iniciava-se, assim, o predomínio progressista na Câmara dos

deputados, que iria persistir até a queda do último ministério da Liga em 1868.

Terminado o processo eleitoral, Olinda entendeu que sua missão também já estava

cumprida e preferiu retirar seu ministério de cena em janeiro de 1864, durante as reuniões

preparatórias da Câmara para o retorno dos trabalhos legislativos. A partir daí, o caminho

estava aberto para a organização de novo gabinete sob a liderança do mais novo partido do

Império, o Partido Progressista – agora com a garantia de que seria possível contar com o

apoio de uma maioria sólida entre a deputação nacional. Assim é que, a 15 de janeiro de 1864,

será organizado o segundo ministério presidido pelo deputado baiano Zacarias de Góis e

Vasconcelos. Tudo se passa como se finalmente fosse possível dar sequência a uma situação

que havia ficado em suspenso desde 1862, quando o primeiro gabinete liderado por Zacarias

foi ejetado do governo com a mesma rapidez com que tinha ascendido a ele:

O Sr. Zacarias (Movimento de atenção. Profundo silêncio): Sr. presidente, há quase

dois anos que, encarregado pela coroa da honrosa tarefa de organizar o gabinete de

24 de Maio [de 1862], coube-me expender aqui um programa que então mereceu, e

que os acontecimentos ulteriores persuadem que continua a merecer o assentimento

do país. Chamado, pois, agora, em consequência do desenlace desses

acontecimentos, a organizar o gabinete que no dia 15 do corrente sucedeu ao de 30

de maio [de 1862], venho com os meus colegas [de gabinete] declarar à câmara,

como nos cumpre, que as normas por que se tem de reger o novo ministério na

gerência dos negócios públicos estão em geral designadas no programa aludido.

(CÂMARA DOS DEPUTADOS, 1864, sessão de 18 de janeiro)

À diferença, contudo, de que o momento atual não mais exige que o gabinete peça o

auxílio de “duas opiniões políticas” distintas para que se sustente; a Câmara que atualmente

assiste à recondução dos progressistas aos conselhos da Coroa pouco tem a ver com aquela de

1862, pois agora antigos conservadores e antigos liberais estão reunidos num único e mesmo

partido:

Em 1862 o ministério aludia ao concurso de duas opiniões com que contava para

levar por diante o seu pensamento político. As duas opiniões políticas, porém, que

este salão viu naquela quadra, após debates públicos e solenes, aliaram-se, sem

quebra de princípios, nem da dignidade de ninguém (Muitos apoiados), formam hoje

uma só opinião (Muitos apoiados), um só partido, cujo alvo é promover

sinceramente, sem nada alterar na constituição do Império, a prosperidade do país

(Muitos apoiados). (CÂMARA DOS DEPUTADOS, 1864, sessão de 18 de janeiro)

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75

Progredir, pois, “sem nada alterar na constituição do Império”. A construção de uma

robusta maioria parlamentar por parte da Liga permitia enfim que seu ideal de temperamento

da conservação pelo progresso possa ser posto em prática, aperfeiçoando assim o arranjo

institucional do Estado brasileiro consolidado nos anos do regresso. A união entre liberais e

conservadores “moderados”, realizada para desalojar os saquaremas de seu “uti possidetis”

das altas posições oficiais, apresentava agora a oportunidade de precisar o seu real escopo, de

explicitar qual o sentido que se deveria imprimir à direção do Estado imperial para que este

avançasse no processo de aperfeiçoamento do ordenamento institucional-legal da monarquia

brasileira. Portanto, impunha-se agora delinear os retoques necessários à efetiva realização

das diretrizes de matriz liberal já contidas na constituição do Império; este reformismo, ainda

vago e incipiente, constituía o único intuito “positivo” que detinha consenso entre os dois

grupos formadores do Partido Progressista após a realização de seu objetivo “negativo”: a

quebra da hegemonia política saquarema.

A luta comum aos conservadores “emperrados”, termo cunhado por Zacarias para

designar seus antigos correligionários (HOLANDA, 2005 [1972], p. 30), havia absorvido

inteiramente os esforços dos homens da Liga antes do triunfo nas eleições de 1863. Nesse

sentido, pouco ou nenhum caso fizeram os “ligueiros” em explicitar (para si mesmos e para os

outros) quais eram os ideais e os objetivos concretos que os impelia à aliança de então; a visão

conservadora e/ou ministerial sobre a Liga à época dos gabinetes Ferraz e Caxias tinha, assim,

um quê de correta: a oposição coligada parecia de fato combater o governo apenas para

desalojá-lo do poder, “sem acordo para o dia seguinte ao do seu desejado triunfo” (CORREIO

DA TARDE, 20/05/1862, edição nº 103). Todavia, o reordenamento do cenário político a

partir da dissolução da Câmara em 1863 e da organização, um ano mais tarde, de um novo

gabinete sob os auspícios da Liga, fornecia as condições para que os progressistas, agora

organizados sob a forma de um partido político, explicitassem a natureza e amplitude das

reformas pensadas como um modo de dar continuidade à tarefa de construção do Estado

imperial. Quase que totalmente desarticulados programática e ideologicamente durante os

primeiros anos de sua existência (NABUCO, 1949 [1897], pp. 99-100), na esteira da vitória

de 1863 o Partido Progressista clarifica para si mesmo e para seus adversários as intenções

básicas que moviam seus adeptos a se contrapor ao projeto saquarema de preservação das

bases institucionais-legais lançadas pela política do regresso.

3.2. O Partido Progressista e seu programa

Page 76: A Liga Progressista e a Construção do Estado Imperial

76

É durante o segundo gabinete liderado por Zacarias que vem à lume o programa do

Partido Progressista29

, documento que assinala uma inflexão no modo de proceder dos

partidos políticos imperiais. Com efeito, a exposição dos princípios e ideias que guiavam os

progressistas vem a ser o primeiro documento partidário no qual se explicitam as ideias de um

partido do Império, inaugurando uma prática que será adotada por outras agremiações nos

anos finais na década de 1860, após a desarticulação do Partido Progressista (CARVALHO,

2003 [1980/1988], p. 206). Trata-se, nesse sentido, de valioso material no processo de

diferenciação da recém-consolidada coligação entre liberais e conservadores “moderados”

frente ao projeto político saquarema. Assim, para que melhor se compreenda a distinção entre

as duas opções de condução do Estado imperial que se apresentavam durante a década de

1860, buscarei nesta seção elencar algumas das propostas e princípios consagrados no

programa, contrastando-o com a política saquarema característica dos anos do regresso.

Em primeiro lugar, cabe ressaltar que o programa do Partido Progressista é tornado

público pelas mãos de seus adversários, e isso muito depois de ter sido redigido: em sessão do

Senado no dia 06 de junho de 1864, o senador conservador José Inácio Silveira da Motta

serve-se de um exemplar do programa para tecer críticas ao ministério Zacarias durante a

discussão do projeto de resposta à Fala do Trono, assinalando que a não publicação do

documento indicava as divergências internas do Partido Progressista entre os grupos distintos

que o compunham (SENADO DO IMPÉRIO, 1864, sessão de 06 de junho). Os comentários

de Silveira da Motta ao programa e sua hipótese de que o mesmo não gozava do

consentimento de todos os progressistas, levam à tribuna do Senado diversos nomes ligados

ao novo partido, gerando um grande debate que se estende durante toda a discussão do voto

de graças; o desencontro entre as informações fornecidas pelos progressistas Nabuco de

Araújo (principal redator do programa), Zacarias (líder do ministério) e Ottoni (recém-

nomeado senador pela província de Minas Gerais), que não se acertam quanto à aprovação ou

rejeição do programa, só é esclarecido no dia 10 daquele mês, com o discurso do senador

progressista d. Manoel de Assis Mascarenhas. Segundo d. Manoel (Idem, sessão de 10 de

junho), o programa teria sido elaborado ainda durante a campanha eleitoral de 1863 que se

seguiu à dissolução da Câmara temporária; de fato, não houve consenso quanto a diversos

pontos “minoritários” – todavia, em uma das reuniões em que o texto foi discutido, ele acabou

por ser aprovado30

. A falta de um consenso tornava inconveniente sua publicação, por isso

29

O programa do Partido Progressista é aqui reproduzido na íntegra e encontra-se na seção “Anexo”. 30

“Na primeira reunião [de discussão do programa], em casa do nobre presidente do conselho [Zacarias], achou-

se o Sr. Nabuco, que foi até quem nos presidiu; na segunda, em minha casa, creio que presidiu o Sr. Sousa

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77

preferiu-se apenas remeter cópias do programa às províncias, para que as ideias do partido

fossem melhor conhecidas por ocasião da campanha eleitoral de então. Assim, apesar de ele

aparecer apenas agora na Corte e ser conhecido pela oposição conservadora, sua concepção e

divulgação nas fileiras progressistas se dera um ano antes, durante as eleições de 1863.

Percebe-se, portanto, que o programa, sendo parte integrante da campanha eleitoral, foi peça

importante na construção do predomínio do Partido Progressista na Câmara que emergiu

daquele pleito.

Para compreender a especificidade do projeto progressista que então se tornava

hegemônico após o sucesso eleitoral de 1863, é imprescindível atentar às ideias consagradas

no programa do partido, as quais, a despeito das ressalvas de alguns correligionários,

constituíam um plano comum de ação aos conservadores dissidentes e aos liberais de então.

Dentre os cinco pontos negativos (o que “o Partido Progressista não quer”) e os quase vinte

pontos positivos (o que “o Partido Progressista quer”) (cf. Anexo) especificados no texto, é

possível identificar um fio condutor em cada uma dessas seções: 1) em relação àquilo que o

Partido Progressista não quer, observa-se uma rejeição às reformas constitucionais e a

alterações bruscas no cenário político do Império (como a introdução do sufrágio universal);

2) já quanto àquilo que o Partido Progressista tenciona fazer, há uma clara ênfase nas

reformas legais como instrumentos capazes de assegurar as liberdades individuais (e.g.,

regulação da prisão preventiva e separação das funções policiais e judiciárias, sobrepostas

pela reforma do Código de Processo Criminal) e também de aperfeiçoar o ordenamento

institucional do Império (revisando-se a lei de interpretação do Ato Adicional para que este

fosse executado fielmente segundo suas disposições originais).

É possível levar esse binarismo (o que o partido quer x o que ele não quer) presente no

programa adiante, utilizando-o para determinar com maior precisão onde residiria a diferença

entre os projetos saquarema e progressista: de um lado, percebe-se que o rechaço a alterações

na Constituição e a transformações mais profundas no sistema sociopolítico aproxima os

grupos – por aqui fica claro que ambas as tendências políticas que então se combatiam

prezavam pela manutenção da ordem monárquico-constitucional; de outro, a proposição de

reformas que garantissem a ampliação das liberdades individuais e uma maior autonomia

administrativa das províncias e municípios frente ao poder central, na medida em que toca em

dois dos principais produtos da política do regresso (i.e., a reforma do Código de Processo

Franco, não me recordo, mas enfim aprovamos o programa. É verdade que algumas pessoas que estavam

presentes e algumas de fora impugnavam algumas ideias do programa; mas uma imensa maioria o aprovou.”

(SENADO DO IMPÉRIO, 1864, sessão de 10 de junho).

Page 78: A Liga Progressista e a Construção do Estado Imperial

78

Criminal e a interpretação do Ato Adicional, respectivamente), demonstra a diferença entre os

conservadores e os progressistas no que tange aos seus respectivos projetos de condução do

Estado imperial naquele momento.

Ora, a apreciação desses pontos aponta para um fato que exige maior esclarecimento: a

proximidade entre as “opções” saquarema e progressista. Até aqui procurei frisar como a

experiência conciliatória e a crescente diferenciação socioeconômica, impulsionada pelo

processo de modernização, constituíram, no limiar da década de 1860, dois projetos políticos

distintos: de um lado, a preservação do arranjo institucional-legal consolidado pelos

saquaremas; de outro, a ampliação das bases sobre as quais repousavam o Estado imperial

para além do marco regressista dos anos 1840. Contudo, ao chegarmos à consideração dos

objetivos concretos associados à opção progressista, não é possível deixar de reconhecer a

ligação entre dois projetos que deveriam ser, afinal, em tudo antagônicos; pois a rejeição

programática às reformas constitucionais e às alterações mais amplas no panorama político do

Império faz com que a opção progressista comungue de princípios que são também

compartilhados pelos saquaremas – como bem percebeu, ironicamente, um periódico

conservador da Corte (CONSTITUCIONAL, 09/06/1864, edição nº 65):

Mas que programa, justo Deus! A constituição sem alterações, isto é, a última

expressão da política conservadora, o mérito, a glória, a conquista dessa política.

Longe de nós exprobrarmos aos nossos adversários o terem aprendido conosco a não

aspirar a mais outras liberdades que as consagradas no nosso pacto fundamental.

Sentimos apenas que o não tivessem feito há mais tempo, que há mais tempo não

houvessem compreendido a verdade e o patriotismo de nossas aspirações.

Mesmo nos pontos de discordância, a saber, na proposição de reformas legais que

ampliassem as liberdades individuais e as liberdades provinciais/municipais, há de se

reconhecer que o ponto de partida é, para ambos os grupos, o mesmo: a adesão ao status quo

monárquico inaugurado pela Carta de 1824. Assim, para os liberais e os conservadores

“moderados” coligados no Partido Progressista, a “radicalização” das posições (i.e., a

proposição de reformas que afetassem as estruturas socioeconômicas em que se assentava o

regime imperial) não constituía uma bandeira plausível; aqui, tal como já acontecera durante

os anos da conciliação, a contraposição à política saquarema não se dá pela quebra do

princípio da ordem, símbolo da atuação do Partido Conservador, mas antes pela defesa de que

este princípio “é conciliável com o progresso e, de fato, mal pode subsistir por longo tempo

sem o progresso” (HOLANDA, 2010, p. 98). É emblemático nesse sentido o que afirmou

Zacarias por ocasião da discussão no Senado do programa progressista – rejeitando a

Page 79: A Liga Progressista e a Construção do Estado Imperial

79

necessidade peremptória de um partido possuir um programa escrito, o então líder ministerial

declarou (SENADO DO IMPÉRIO, 1864, sessão de 8 de junho; grifos meus) que o essencial

nas reuniões em que se debateu o programa foi menos a adesão aos princípios ali consagrados

do que o reconhecimento tácito de que as divergências entre liberais e conservadores são,

afinal, ilusórias:

Dos trabalhos concernentes ao programa, das conferências que houve, o essencial,

no meu sentir, não era um programa escrito para ser exposto à crítica publica,

contendo a solução de todas as medidas que se pretendessem realizar, a norma do

partido em todas as emergências. O essencial em meu conceito era fazer nascer do

contato de liberais e conservadores e de seus debates por assim dizer em família a

convicção de que o conservador era verdadeiro liberal como o liberal era

verdadeiro conservador, e de que para um e outro o respeito à constituição era um

artigo de fé. Conseguido isso, como se conseguiu, o mais era fácil e viria

naturalmente.31

Não haveria, pois, diferenças entre progressistas e saquaremas, entre os liberais e os

conservadores? É preciso cautela quanto a esse ponto. Desde pelo menos as pesquisas de José

Murilo de Carvalho (cf. 2003 [1980/1988], pp. 207-224) a respeito das diferenças partidárias

no Brasil imperial sabe-se que tanto o Partido Conservador quanto o Liberal possuíam não só

bases sociais distintas, como também uma distribuição geográfica diferenciada – a

possibilidade de que essas diferenças se traduzissem ao nível da prática política não deve ser

negada, sob o risco de neutralizarmos as singularidades dos grupos sociais e das realidades

regionais expressas na preferência partidária. Assim, assumindo aqui a ideia de que a

diferença entre os partidos era real e séria, como dar conta tanto do reconhecimento de que o

programa progressista não é essencialmente distinto da política conservadora, quanto das

afirmações coevas que não viam grandes distinções entre saquaremas e luzias, depois que a

experiência da conciliação apagara o antigo antagonismo entre os grupos?

Uma primeira alternativa para dar conta desse dilema é o que chamo de concepção

“abortiva”, a qual consiste no seguinte raciocínio: a distinção programática entre liberais e

conservadores foi uma realidade no Brasil imperial – no entanto, a opção liberal foi capaz de

se constituir apenas “idealmente”, não se concretizando na prática, uma vez que, quando no

poder, os liberais inevitavelmente “retrocediam” às posições políticas características dos

31

A ideia de que na base de ambos os partidos do Império não haveria divergências profundas era também

compartilhada pelos saquaremas. Podia ser reconhecida implicitamente ao vincular-se a defesa da ordem

constitucional à bandeira das liberdades políticas, como o fez Sayão Lobato em 1862 quando (CÂMARA DOS

DEPUTADOS, 1862, sessão de 21 de maio), discutindo na tribuna com Otaviano, afirmou que “as verdadeiras

ideias liberais são dos conservadores, porque o maior liberalismo existe na nossa constituição”; ou então de

modo explícito, ao afirmar-se, por exemplo, que “não há ideia verdadeiramente liberal e prática que não seja

essencialmente conservadora, como não há ideia conservadora que não seja essencialmente liberal” (O

REGENERADOR, 09/10/1860, edição nº 89).

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conservadores, abortando assim a implementação de um projeto nacional liberal sempre que

detinham a oportunidade concreta de realizá-lo. A concepção “abortiva” do liberalismo

imperial, largamente difundida na literatura sobre o tema, parte de um axioma que muitas

vezes não é reconhecido explicitamente – o de que o ideário liberal, na medida em que se

constitui em oposição ao imaginário político, às estruturas sociais e ao arcabouço institucional

de Antigo Regime, traz em si um projeto político “emancipador” ou “progressista”:

Onde o Estado nacional emergente se converte em fator de preservação da

escravidão, do império da dominação senhorial e da transformação da Monarquia

constitucional em cômoda transação das elites senhoriais, isso se dá acima,

independentemente e contra as “ideias” e os “princípios” liberais. (FERNANDES,

2006 [1975], p. 66)

Haveria, assim, uma profunda cisão entre a teoria e a prática liberal no Brasil, cisão que

se expressaria não só na constatação de que os liberais brasileiros “degeneravam”, quando no

poder, a uma política conservadora e antidemocrática (COSTA, 1999 [1977], p. 165), de

caráter essencialmente “instrumental” (ADORNO, 1988, p. 47), mas que também se

manifestaria na patente incapacidade em dar vazão concreta às tendências “inclusivas” do

pensamento liberal, de modo que “o nosso liberalismo esteve assim apenas à altura do nosso

contexto” (BOSI, 1988, p. 8). Nesse sentido, a concepção “abortiva” compreende a diferença

entre conservadores e liberais como uma realidade meramente teórica que, quando atualizada

ao nível da prática, recai sempre nos quadros do conservadorismo: a persistência de um

ordenamento social tradicional impediria, pois, a vigência do liberalismo político “clássico”,

uma vez que as condições estruturais nacionais e a especificidade da dominação política de

caráter “estamental” (FAORO, 1993, p. 29) tornariam infecundas quaisquer tentativas de

aplicação dos ideais liberais ao contexto brasileiro. Dentro desse esquema, seria possível

encarar a aliança entre liberais e conservadores dissidentes, consubstanciada na cartilha de

princípios do Partido Progressista, como a expressão dessa impossibilidade secular de

realização dos ideais constitutivos do liberalismo político, o qual teve, assim, de se manter no

terreno estrito das liberdades constitucionais e da representatividade monárquica em que se

encerrara o antigo Partido Liberal (ALONSO, 2002, pp. 63-64).

Contrapondo-se, porém, à concepção “abortiva” sobre a diferença entre liberais e

conservadores, há uma outra alternativa que creio mais fecunda porquanto é capaz de escapar

ao anacronismo e ao juízo de valor implícito na narrativa que equaliza o liberalismo com um

projeto nacional de caráter “progressista” ou “inclusivo”: chamemo-la de concepção

“suspensiva”, uma vez que sua principal marca vem a ser a suspensão tanto do anacronismo

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quanto do juízo de valor característicos da primeira alternativa. Com efeito, este segundo

modo de compreender a distinção entre liberais e conservadores parte de um raciocínio muito

distinto: as diferenças programáticas entre os dois grupos são igualmente encaradas como

uma realidade; todavia, reconhece-se um elemento que a primeira alternativa parece encobrir:

os partidos Liberal e Conservador não se opunham porque um detinha o monopólio do

discurso liberal enquanto o outro encerrava valores políticos do Antigo Regime, mas sim

devido às diferentes formas concretas pelas quais cada um dialogava com o ideário liberal

oitocentista. De fato, os membros de ambos os partidos do Império lançavam mão do

liberalismo – a questão que os diferenciava não era, pois, projetos nacionais radicalmente

distintos, mas antes divergências pontuais no que tange à maneira de realizar um único e

mesmo projeto, a saber: a construção de um Estado liberal que incluísse as diversas elites

provinciais dentro de seus quadros, compatibilizando assim o domínio local/regional com o

fortalecimento da autoridade central (DOLHNIKOFF, 2005, p. 285). A pretensa dimensão

“inclusiva” do liberalismo, avessa à circunscrição de sua esfera ao nível da transação entre os

grupos dominantes, não é senão uma falácia anacrônica que confunde a trajetória posterior (e

contingente) dos Estados liberais novecentistas em direção ao ideal democrático com o seu

ponto de partida; contudo, em seus primórdios o Estado liberal não só não exigia maior

absorção das camadas subalternas ao jogo político (BOBBIO, 1994 [1988], p. 7), como

parecia mesmo demandar o contrário, uma vez que o ideal de representatividade liberal no

século XIX foi antes o exclusivismo seletivo que visava “garantir a qualidade dos

representantes” do que a universalização da cidadania política que passa a ser valorizada tão

somente no final do oitocentos (DOLHNIKOFF, 2009, pp. 42-43). Nesse sentido, a política

liberal deve ser encarada como um atributo próprio aos governos guiados por uma

“aristocracia” dos mais capazes (LOSURDO, 2011 [2006], p. 244); aquela especificidade

identificada por Florestan Fernandes – a saber, o liberalismo brasileiro como um “privilégio

social”, uma ideologia unicamente vigente entre as camadas dominantes – mostra-se, nessa

chave, um pré-requisito geral do liberalismo oitocentista, e não uma característica peculiar de

nossa (má) formação social: o liberalismo do “senhor cidadão” (FERNANDES, 2006 [1975],

p. 61), a celebração da liberdade numa comunidade particularizada e restrita de homens livres

(LOSURDO, 2011 [2006], p. 122) e a circunscrição do governo a uma elite dotada das

condições materiais e intelectuais necessárias ao exercício do poder (HESPANHA, 2012, pp.

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82

387-388) perfazem o terreno comum da reflexão liberal em seus três primeiros séculos (sécs.

XVII, XVIII e XIX) de vida32

.

A concepção “suspensiva” permite, pois, que a distinção entre saquaremas e luzias,

entre a política do Partido Conservador e a do Liberal seja buscada em outro domínio que

aquele de uma diferenciação meramente “teórica” ou “ideal”. De fato, partir da ideia de que

ambos os grupos comungam dos pressupostos liberais coevos exige que seja possível

distinguir de algum modo entre formas ou estilos de liberalismo que possam ser identificados

com cada um desses setores – os epítetos dos partidos (“conservador” x “liberal”) não

indicariam, assim, sua filiação a teorias políticas radicalmente distintas, mas antes apontariam

para divergências internas a uma mesma tradição que detinha a hegemonia nas esferas da

reflexão e da prática política no século XIX: a tradição liberal. Esse liberalismo oitocentista

encontra sua especificidade nos efeitos de um evento que o marcara profundamente: os

desdobramentos da Revolução Francesa, vista como filha direta do relacionamento entre as

ideias liberais e os princípios democráticos. Com efeito, os “excessos” revolucionários dos

anos do Terror francês, debitados à linhagem espúria concebida naquela relação, produziram

uma forma específica de (re)pensar a temática das liberdades individuais, dando origem às

correntes conservadoras, críticas do arbítrio do legislador e da absolutização do princípio da

soberania popular que “destrói” as liberdades e direitos constituídos historicamente

(HESPANHA, 2012, pp. 380-381); esse revisionismo conservador afetou profundamente o

liberalismo do século XIX (PEIXOTO, 2001, pp. 24-25) e teve repercussões relevantes no

imaginário político da classe proprietária brasileira, a qual estava engajada na obra de

construção do Estado nacional após o processo de Independência.

Já nos primeiros momentos de vida política do Brasil pós-colonial delineia-se um tipo

particular de práxis liberal, intimamente ligada às demandas de construção do Estado que

então se colocavam. A preocupação em consolidar as bases da nação independente por via das

instituições estatais, de modo a garantir a unidade territorial do Império, forneceu as lentes

pelas quais o ideário liberal deveria ser filtrado: assim, a construção de um Estado nacional se

32

Distingo aqui, pois, o pensamento francês dos philosophes setecentistas da tradição liberal stricto sensu. De

acordo com Domenico Losurdo (2011 [2006], p. 167), o pensamento liberal de um Constant ou de um

Tocqueville nada tem a ver com a filosofia política de autores como Condorcet ou Diderot, os quais seriam antes

“radicais” do que liberais. De fato, a grande diferença entre esses grupos está no horizonte da reflexão sobre a

liberdade: o radicalismo, ao contrário do liberalismo, não celebra apenas a liberdade encerrada na comunidade de

“senhores cidadãos” – não por acaso, somente o radicalismo compreendera a Revolução Haitiana como uma

insurreição libertária, enquanto que para o pensamento liberal ela não passava de uma experiência tenebrosa cuja

repetição era preciso evitar a todo custo (LOSURDO, 2011 [2006], p. 168). O corte entre essas duas tradições

reside, pois, na atribuição de capacidade política positiva aos grupos subalternos e às populações coloniais:

característica peculiar ao radicalismo e inteiramente ausente da reflexão liberal.

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83

mostrava como condição mesma da concretização do Estado liberal no Brasil – uma coisa

estava completamente vinculada à outra e dela dependia (SANTOS, 1978, p. 81). Durante os

primeiros anos que se seguiram ao rompimento do pacto colonial, a tarefa de consolidação do

poder estatal forneceu as condições para a cristalização de um liberalismo no qual a liberdade

era encarada como um atributo próprio à ordem social que então tomava forma (NEVES,

2001, p. 90) – a semântica da liberdade se dava por meio da gramática da conservação, uma

vez que defender aquela era colocar-se ao lado da “conservação das liberdades”

intraoligárquicas consagradas pela Independência (BOSI, 1988, p. 8); esse liberalismo

“moderado”, influenciado pelos desdobramentos do movimento revolucionário francês,

culminará na promulgação da Carta constitucional de 1824, concebida sob os princípios de

“uma ampla defesa da propriedade, um sistema representativo restrito e uma monarquia

constitucional apoiada em um poder de caráter arbitral [o Poder Moderador]” (MARTINS,

2007, p. 63).

A abdicação de d. Pedro I em 1831 forneceu a primeira oportunidade, após o marco

constitucional de 1824, de avançar o processo de aperfeiçoamento do Estado imperial em

bases liberais. De fato, o 7 de abril significava a vitória de um projeto liberal-federalista

compromissado com a ampliação da representação política das elites provinciais no aparato

estatal, projeto que tinha na centralização característica do Primeiro Reinado o seu principal

entrave (DOLHNIKOFF, 2005, p. 18). Não por acaso, naquele mesmo ano se iniciaram as

discussões parlamentares que culminariam no Ato Adicional de 1834, o qual, através da

criação das Assembleias Provinciais e da extinção do Conselho de Estado, permitia um maior

controle das decisões de governo por parte das elites regionais (Idem, pp. 93-94). A vitória

liberal durante os anos iniciais das Regências, expressa na aprovação do Ato Adicional,

sofreria uma revisão durante a vigência da política regressista que se inicia em 1837 e se

estende até o início da década de 1850 (cf. capítulo 1) – entretanto, o arranjo institucional de

cunho liberal-federalista não seria alterado profundamente; tratava-se apenas de aperfeiçoá-lo

em razão das demandas presentes por maior estabilidade sociopolítica, a qual parecia então

ser incompatível com o excesso de autonomia regional consagrada no Ato Adicional:

[...] a oposição que se organiza a partir de 1837 tinha seu programa formatado pelas

mesmas preocupações que nortearam os reformadores de 1832, entre os quais

estavam muitos dos que comporiam as forças regressistas. Não se tratava de

implementar uma mudança de fundo e muito menos defender uma maior inclusão

política. Era apenas uma correção de rumos a fim de garantir a viabilidade do

arranjo estabelecido a partir de 1831. (DOLHNIKOFF, 2005, p. 77)

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Aqui novamente impõe-se a pergunta: onde residiria, afinal, a diferença entre luzias e

saquaremas, uma vez que ambos estariam igualmente compromissados com um projeto

nacional de cunho liberal e federalista? Segundo uma visão corrente na historiografia sobre o

tema, o nascimento da política regressista a partir da atuação de políticos claramente

identificados com a militância liberal durante a Independência e os eventos que levaram à

Abdicação (Bernardo Pereira de Vasconcelos sendo o mais célebre exemplo, e principal peça

nesse processo), indicaria o momento no qual o projeto liberal teria sido “abortado”, dando

lugar a uma política conservadora e antidemocrática (COSTA, 1999 [1977], pp. 147-148;

ADORNO, 1988, p. 47). Nessa chave, a diferença entre liberais e conservadores é encarada

como uma realidade que teria impactado os primeiros anos da vida política do Brasil

independente, atingindo seu auge no início das Regências e finalmente sucumbindo à

tendência conservadora que se torna hegemônica a partir de 1837. Contudo, partindo da

premissa estabelecida acima (a saber, que tanto luzias quanto saquaremas se enquadram

dentro da tradição liberal do oitocentos), é preciso encontrar uma outra alternativa para dar

conta das diferenças presentes nos dois grandes partidos do Império – ao fazer isso, será

possível compreender melhor em que sentido a “opção” política consubstanciada no programa

do Partido Progressista se distanciava da “opção saquarema”.

Para entender o que distinguia os partidos no que tange as suas concepções a respeito da

melhor maneira de assegurar o projeto político liberal-federalista, o qual se assentava sobre

um tenso equilíbrio entre os polos da ordem (conservação) e da liberdade (progresso), é

necessário atentar às nuanças do ideário liberal no século XIX. Uma dessas peculiaridades já

foi frisada acima: a construção do Estado nacional impunha um filtro pelo qual as ideias do

liberalismo político tinham de ser destiladas, uma vez que o projeto de consolidação das

instituições estatais pelo vasto território do Império se mostrava como pré-condição à

emergência de uma ordem política liberal. Outra peculiaridade que deve ser ressaltada aqui

diz respeito ao fato de que, ao longo do processo de independência das nações latino-

americanas, a tarefa de construção do Estado nacional esteve profundamente ligada à vertente

constitucionalista do liberalismo europeu, presente na obra de autores como Jeremy Bentham

e Benjamin Constant; as primeiras décadas de vida política independente na América Latina

teriam presenciado um verdadeiro “entusiasmo pelos esquemas constitucionais”, de cuja

arquitetura racional dependeria a boa ordem social e o progresso moral e material da nação

(HALE, 2002 [1986], p. 337). Atentando especificamente ao caso brasileiro, o impacto do

constitucionalismo pode ser entrevisto não apenas na Carta de 1824, mas também e

principalmente no Ato Adicional dez anos mais tarde – a intenção de obter melhoramentos no

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85

ordenamento institucional do Império por meio de um novo artefato jurídico indica o apelo

desse ideário entre a classe política brasileira. É, no entanto, precisamente durante a década de

1830 que, segundo Charles Hale (2002 [1986], p. 337), o “constitucionalismo clássico”

adentra o seu ocaso tanto no continente europeu quanto no americano; o declínio dessa

ideologia política que advogava que a boa condução da coisa pública dependia da existência

de uma ordem legal racionalmente elaborada é contemporâneo da emergência de um

liberalismo descrente dos esquemas universalistas e abstratos, característicos daquilo que

António Manuel Hespanha (2012, pp. 340-341) chamou de imaginário sociopolítico da

modernidade – a intelligentsia liberal de ambos os continentes passa a se importar mais com

as peculiaridades históricas e sociais da nação do que com a aplicação de princípios racionais

capazes de garantir um optimum político (HALE, 2002 [1986], p. 338).

Ora, se os ideais constitucionalistas estiveram por trás da condução da política nacional

durante o período inicial das Regências, é por outro lado inegável que a política regressista

inaugurada em 1837 parece partilhar dessa mesma aversão aos esquemas jurídicos racionais e

abstratos que acompanha o declínio do constitucionalismo na década de 1830. Com efeito, o

regresso não foi senão uma readequação do ordenamento institucional-legal consagrado no

Ato Adicional de 1834, cuja “perfectibilidade” teórica aparentava não mais se conformar a

um contexto no qual a exigência de estabilidade sociopolítica mostrava-se incompatível com

uma autonomia local vista agora como excessiva. Aquele “liberalismo conservador” de que

nos fala Hale (2002 [1986], pp. 335-336) ao se debruçar sobre o imaginário político da

América hispânica após 1870, centralizador e intolerante às insurreições regionais que

ameaçavam o governo nacional, o Brasil parece já ter experimentado décadas antes quando,

na transição dos anos 1830-1840, a política do regresso inaugura um movimento de

diminuição das autonomias regionais e de fortalecimento da autoridade central como

contraposição ao “espectro da desordem social” (GRAHAM, 2001b, p. 26) que grassava no

Império. Todavia, o projeto liberal-federalista não é abortado nesse processo: toma novos

rumos, é certo, porém mantém-se como o horizonte de ação política da classe proprietária

nacional.

Com essas considerações em mente, já é possível repensar o problema da diferenciação

entre os partidos Liberal e Conservador na monarquia brasileira. Se o corte entre eles não

pôde ser feito lançando-se mão da suposta distinção autoevidente trazida por seus epítetos,

então impunha-se perscrutar a própria tradição liberal para localizar em que ponto luzias e

saquaremas se aproximavam e onde eles se distanciavam. Ao fazê-lo, vimos que ambos os

grupos estiveram ligados ao processo de construção de um Estado nacional de matriz liberal e

Page 86: A Liga Progressista e a Construção do Estado Imperial

86

federalista, capaz de assegurar a representatividade das elites regionais em seus quadros; por

outro lado, também verificamos a existência de divergências quanto ao encaminhamento

desse projeto: o Ato Adicional, produzido sob a influência de um modelo liberal

constitucionalista, teve como resposta a revisão de seus pontos alguns anos mais tarde,

revisão essa que buscou readequá-lo às exigências concretas de uma ordem social que parecia

em perigo33

. Ora, é exatamente no bojo deste revisionismo ligado aos dilemas políticos

durante as Regências que surge a distinção entre dois partidos que, posteriormente, passarão a

ser conhecidos como o Partido Liberal e o Partido Conservador (cf. NEEDELL, 2009, pp. 8-

16). Assim, a grande diferença entre liberais e conservadores parece estar localizada numa

compreensão peculiar a cada um desses grupos no que tange às possibilidades futuras de

condução do Estado imperial após a consolidação de seus fundamentos básicos na

Constituição e no Ato Adicional: o avanço do processo de integração das elites regionais às

instituições estatais aparentava, para os saquaremas, chegar a um ponto máximo em que se

tornava necessário fortalecer o poder central para assegurar a própria manutenção do status

quo monárquico; de outro lado, a crítica luzia às tendências regressistas que despontam na

política imperial a partir de 1837 tinha como horizonte assegurar os ganhos obtidos com o

Ato Adicional na compatibilização da dominação regional com o exercício da autoridade

estatal. Todavia, o processo mesmo de adequação do domínio regional com o poder que

emanava do centro do Império não era colocado em xeque por nenhum dos grupos em

33

É nesse sentido, por exemplo, que as célebres palavras de Bernardo Pereira de Vasconcelos (principal

articulador do partido da “Ordem”) na Câmara de 1838, explicando seu “regressismo” após uma longa militância

liberal, devem ser compreendidas. Longe de revelar uma “faceta antidemocrática e conservadora” (COSTA,

1999 [1977], p. 148) outrora encoberta, os rumos que um conjunto expressivo de políticos liberais tomou durante

o turbulento período regencial demonstra aquela bifurcação produzida no ideário liberal oitocentista que

acompanhou o “declínio do constitucionalismo clássico” (HALE, 2002 [1986], p. 338). Além de Vasconcelos,

outro caso emblemático desse processo pode ser encontrado nas ideias de seu “discípulo” político, o visconde de

Uruguai: sua admiração pelo self-government norte-americano (talvez o principal modelo de organização

sociopolítica liberal) era ponderada pela percepção de que o mesmo não se adequava às particularidades da

ordem social monárquica, sendo pois contraproducente empregá-lo como modelo para a organização do Estado

imperial, por mais teoricamente defensável que ele fosse (FERREIRA, 1999, p. 82). O apego à realidade

concreta e às particularidades da nação, culminando na rejeição a pensar reformas de longo prazo (FERREIRA,

1999, p. 165), aponta precisamente àquele matiz de liberalismo que, segundo Hale (2002 [1986], p. 338), forma-

se na esteira da “erosão das doutrinas liberais clássicas” que sustentavam o ideário constitucionalista; esse

liberalismo que repele a reflexão universalista e mostra-se mais preocupado com a “organização concreta da

liberdade” (MACEDO, 1979, p. 216) do que com sua proclamação genérica, parece ter conformado a ideologia

política dominante nas fileiras do partido “ordeiro”. Por mais “conservadora” que tal ideologia seja (e sem

dúvida o era), sua filiação ao conjunto mais amplo da tradição liberal, porém, não deve ser diminuída, sob pena

de se perder de vista o porquê das diferenças entre saquaremas e luzias terem sido tão tênues pelo menos até a

radicalização do repertório político imperial a partir da década de 1870 (cf. ALONSO, 2002). Afinal, como bem

compreendeu Jeffrey Needell (2009, p. 14) ao constatar o fundo liberal que perpassou ambos os grandes partidos

do Império, “o liberalismo como ideologia é espaçoso como uma mansão para abrigar um grande número de

variações legítimas”.

Page 87: A Liga Progressista e a Construção do Estado Imperial

87

questão: a divergência residia na capacidade ou não de dar continuidade e avanço a um

projeto nacional que detinha a anuência tanto de uns quanto de outros.

Feitas essas reflexões, é possível se debruçar novamente sobre a questão mais particular

da diferença existente entre as duas opções políticas que se colocavam no início dos anos

1860: de um lado, a opção saquarema e, de outro, a opção progressista. A compreensão de

que ambos os grupos (conservadores “puros” x liberais/conservadores dissidentes)

partilhavam de uma mesma ideologia política que pautaria sua atuação concreta, desfaz o

enigma da “indiferenciação” partidária em que o programa do Partido Progressista e a fala de

Zacarias haviam nos colocado anteriormente. Com efeito, a plena adesão ao status quo

monárquico e a limitação programática “a uma série de providências, de natureza mais

jurídica que social” (IGLÉSIAS, 2004 [1967], p. 117) demonstra a (meia) verdade de que,

efetivamente, os progressistas não se diferenciavam em absoluto da política consagrada pelos

saquaremas; a outra faceta dessa verdade, porém, encontramo-la na distinção entre duas

formas de se operar com o ideário liberal (constitucionalismo x liberalismo conservador), as

quais implicavam em encaminhamentos diferenciados para uma mesma tarefa: a construção

do Estado imperial no sentido da melhor integração das elites regionais aos seus quadros. O

primeiro desses modelos mantém-se vivo ao longo da trajetória do Partido Liberal,

expressando-se claramente na insistência dos luzias em defender a ideia de que a revisão dos

marcos legais regressistas de acordo com os parâmetros consolidados na legislação pré-1837

garantiria um incremento na organização institucional e na vida política do Império34

: ao

exigir “a sincera e efetiva execução do Ato Adicional” (BRASILIENSE, 1878, p. 17), ao

propor a separação das funções judiciárias e policiais e ao advogar a diminuição do arbítrio da

autoridade (expressa, por exemplo, no uso irrestrito da prisão preventiva), o programa do

Partido Progressista demonstra sua dívida com a tradição luzia que sempre buscou construir

“uma sociedade regida por normas constitucionais que se prestariam a organizar as relações

sociais a partir de instâncias jurídicas dotadas de equilíbrio” (ADORNO, 1988, p. 67),

direcionando seus esforços à liquidação do legado regressista.

Contudo, a retomada desses temas no programa de um partido composto não só de

antigos liberais como Ottoni e Sousa Franco, senão também de indivíduos que antes

34

A totalidade da oposição liberal à política conservadora parece ter ficado inteiramente restrita, pelo menos até

a composição do grupo liberal-radical em 1868 (cf. BRASILIENSE, 1878, pp. 23-32), àqueles princípios

consagrados no Ato Adicional de 1834, especialmente se levarmos em conta as disposições de seu projeto

original que continham demandas como o fim da vitaliciedade do Senado e a extinção do Poder Moderador

(DOLHNIKOFF, 2005, p. 97). Poderia ser dito, pois, que o Partido Liberal nunca avançou suas bandeiras além

daquilo que os liberais do período regencial haviam proposto, restringindo-se à crítica da obra regressista que

aniquilara as aquisições políticas dos primeiros anos da década de 1830.

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88

compunham as fileiras do Partido Conservador (Zacarias, Nabuco de Araújo, Saraiva),

demonstra a existência de uma guinada política que não pode ser reduzida à mera vitória

tardia dos velhos ideais luzias. De fato, a desarticulação do partido “ordeiro” indica um

desgaste no modelo saquarema de condução do Estado imperial, desgaste que emergira com a

experiência conciliatória e que fora impulsionado pela diferenciação socioeconômica

decorrente da expansão das atividades agroexportadoras; no limiar da década de 1860, a cisão

entre os conservadores se consolida na forma de uma “liga” entre os elementos descontes com

a hegemonia saquarema; por sua vez, a formação de um plano comum de ação a ambos os

grupos coligados durante a campanha eleitoral do pleito que consagra a transformação da Liga

em partido (1863), assinala a existência de uma intenção conjunta, superior ao simples intuito

de romper o “uti possidetis” conservador. Com efeito, o conteúdo programático do Partido

Progressista demonstra a cristalização de uma outra alternativa de condução da política

imperial, a qual havia apenas se esboçado nos dois primeiros anos da década de 1860 em que

liberais e conservadores moderados estiveram unidos; a opção progressista à política

saquarema, ao circunscrever o seu escopo à revisão da obra do regresso, aparece como um

projeto de produção de novo equilíbrio entre os polos da ordem (conservação) e da liberdade

(progresso), assumindo como princípio a necessidade de atualizar essa relação que ainda se

mantinha nos mesmos marcos em que havia sido posta na década de 1840 – apenas

parcialmente retocada pelos ganhos da conciliação em sua tarefa de integrar os conflitos

intraelite ao sistema político. A criação de uma maioria na Câmara após a dissolução

promovida por Olinda garantia, enfim, as condições concretas para que a opção progressista

tomasse as rédeas do processo de aperfeiçoamento do Estado imperial, levando-o para além

do patamar estabelecido pela política do regresso – nesse processo, porém, os progressistas

haveriam de se defrontar com uma série de dificuldades capazes de obstar a concretização de

tal projeto.

Page 89: A Liga Progressista e a Construção do Estado Imperial

89

Capítulo 4

Os Limites do Progresso

Se a organização do segundo gabinete liderado por Zacarias indicava o início do

predomínio do progresso, ancorado agora numa sólida maioria parlamentar, ainda naquele

mesmo ano de 1864 a Câmara presenciaria os percalços inerentes à tarefa de transformar a

coligação entre liberais e conservadores dissidentes numa nova agremiação orgânica e

unificada. A coligação entre os dois setores adversos à hegemonia saquarema havia se

fortalecido pela experiência comum de ascensão e súbita queda do poder no ano de 1862; a

“trégua” representada pelo gabinete Olinda, formado após o malogro da primeira experiência

progressista de governo, permitiu a perpetuação da aliança no mesmo formato oposicionista

pelo qual ela havia sido gestada – uma oposição, porém, que se fazia menos ao “ministério

dos velhos” que se encontrava no poder do que aos saquaremas que poderiam sucedê-lo. A

inevitável dissolução da Câmara cindida entre duas metades (saquaremas x progressistas) veio

por fim, mas a situação que daí se organizou enfrentaria suas próprias divisões internas, a

despeito do virtual aniquilamento dos conservadores no pleito de 1863; o Partido Progressista

mostrou-se incapaz de produzir um verdadeiro amálgama entre seus elementos formativos,

impedindo assim que o predomínio progressista na Câmara se traduzisse na formação de

governos suficientemente fortes para avançar a agenda de construção do Estado imperial para

além do arranjo consolidado pela política do regresso.

De fato, o gabinete Zacarias organizado a 15 de janeiro de 1864 não demoraria muito

para revelar a precipitação das palavras de seu presidente, quando este afirmara à Câmara que

a fusão entre liberais e conservadores “moderados” estava agora consolidada. A organização

do ministério dera clara preferência àquelas figuras que, como Zacarias, haviam se desligado

do Partido Conservador para compor a nova situação progressista – diferentemente do breve

gabinete de 1862 que abrigara os liberais Carlos Carneiro de Campos, José Bonifácio de

Andrada e Silva (“o moço”) e Francisco José Furtado, o novo governo liderado por Zacarias

parecia só contar com o segundo para contrabalançar a ascendência conservadora de seu novo

gabinete (cf. BARÃO DE JAVARI, 1979 [1889], p. 129; pp. 135-136). Sem dúvida alguma, o

próprio fato de a vida política pregressa dos candidatos ministeriais ser objeto de especulação

quanto às tendências “conservadoras” ou “liberais” do governo já indica o frágil acordo

existente entre as facções que compunham a nova situação política.

Não demoraria muito para que tais especulações resvalassem sobre a união da maioria

progressista na Câmara temporária. O domínio quase que completo do novo partido sobre esta

Page 90: A Liga Progressista e a Construção do Estado Imperial

90

casa mostra-se, nos meses que se seguem, ser uma ficção: apesar do exíguo número de

deputados declaradamente oposicionistas (i.e., pertencentes à bancada saquarema), o gabinete

não consegue levar adiante os projetos que toma como relevantes, os quais são

frequentemente deixados de lado em razão da introdução de outros temas na pauta da Câmara

por iniciativa dos próprios deputados; a virtual inoperância do ministério atinge níveis

máximos no mês de agosto, quando a substituição de uma proposta da parte do executivo para

a autorização de operações de crédito é realizada com a introdução, em seu lugar, de um

projeto que versava sobre a linha de navegação entre o Rio de Janeiro e Nova Iorque, ao qual

o gabinete não reputava urgência alguma. Conforme José Bonifácio, responsável pela pasta

do Império, explicou a situação após a queda do gabinete (CÂMARA DOS DEPUTADOS,

1864, sessão de 1 de setembro), parecia haver aí um claro sinal de desconfiança da Câmara

em relação a sua autoridade, pelo que ele foi imediatamente pedir sua exoneração a Zacarias –

o imperador, todavia, não consente com a reorganização do gabinete, implicando assim na

retirada do segundo ministério progressista, após sete meses de difícil convivência com uma

Câmara quase que inteiramente composta por gente de seu próprio partido (IGLÉSIAS, 2004

[1967], pp. 118-119).

A queda do segundo gabinete Zacarias ratifica o estado de divisão da Câmara, onde os

setores componentes do progresso distanciam-se cada vez mais um do outro. A

impossibilidade de uma rearticulação estável entre liberais e conservadores moderados fica

ainda mais clara na organização do novo gabinete sob a presidência de Francisco José

Furtado, primeiro líder ministerial proveniente do Partido Liberal desde o fim do gabinete

Paula Sousa em 1848 (Idem, p. 119). Com efeito, se o ministério de Zacarias pendia

claramente para o lado conservador, o de Furtado é dominado pelos liberais que haviam sido

alijados da composição ministerial anterior; a tendência liberal do novo gabinete é acentuada

pela exposição do programa feita por Furtado (CÂMARA DOS DEPUTADOS, 1864, sessão

de 1 de setembro), no qual antigas demandas do grupo luzia (e.g., a reforma da Guarda

Nacional) são elevadas ao nível de prioridade pelo gabinete. Percebe-se o fim da unidade de

um partido que mal havia ascendido ao poder na própria autoidentificação dos grupos: no

interior das fileiras do partido do progresso instaura-se uma divisão capaz de ser tão explosiva

quanto o foi aquela existente na Câmara entre 1861 e 1863 – a coligação se fragmenta entre os

parlamentares identificados com o Partido Liberal, chamados de “históricos”, e aqueles

ligados à dissidência conservadora, que passam a ser os únicos detentores do epíteto de

“progressista” (NABUCO, 1949 [1897], p. 128); se já sob Zacarias a divisão era patente, sob

Furtado fica ainda mais claro que a união entre os setores adversos ao predomínio saquarema

Page 91: A Liga Progressista e a Construção do Estado Imperial

91

vai sucumbindo frente às velhas divergências partidárias que a ideia de uma “liga” visava

superar. Na ausência do inimigo comum – o elemento saquarema –, são os próprios

integrantes do progresso que se combatem para impedir que um setor predomine sobre o

outro.

O gabinete Furtado é organizado nos momentos finais da sessão legislativa de 1864,

mais precisamente no dia 31 de agosto. Sua queda durante a retomada dos trabalhos da

Câmara em 1865, no início do mês de maio, faz com que ele não sobreviva sequer um mês

inteiro de atritos com o legislativo – a queda do ministério por um escrutínio secreto no

retorno das câmaras em 1865 (NABUCO, 1949 [1897], p. 231) enterrou prematuramente a

experiência de formação do primeiro gabinete de tendências liberais em mais de quinze anos;

além disso, contribuiu para o aprofundamento do fosso que então começava a distanciar os

“progressistas” dos “históricos”, pois confirmou a falta de interesse desses setores em

contribuir para a manutenção de um gabinete que não tivesse a sua marca própria. Fora o

estado de antagonismo crescente que Furtado herdou de Zacarias e ajudou a aprofundar, sua

queda foi sem dúvida precipitada por dois fatores que passam então a tomar conta das

preocupações políticas de época: o início dos conflitos na região platina, com a invasão

paraguaia à província do Mato Grosso em dezembro de 1864 (COSTA, 1996, p. 134), e a

deterioração da situação econômica do Império após a falência de J. Alves Souto & Cia.,

principal casa bancária do Rio de Janeiro (IGLÉSIAS, 2004 [1967], p. 120).

O crescente antagonismo entre dois grupos que há pouco constituíam uma sólida

maioria capaz de levar adiante as reformas encampadas pelo programa progressista parecia a

reencenação de um conflito já visto antes: a divisão da Câmara entre saquaremas e

progressistas entre 1861 e 1863. Assim como durante aqueles anos a polarização parecia

impedir a permanência de qualquer governo surgido de um dos grupos, também agora o

mesmo parecia suceder; não por acaso, a solução momentânea aventada ao problema é a

mesma: novamente o marquês de Olinda é chamado para organizar um ministério capaz de se

colocar acima da profunda divisão política em que se encontrava a deputação nacional.

Assim, Olinda procura compor o ministério tanto com nomes desligados de ambas as facções

como com representantes de cada um dos grupos, buscando com isso montar um gabinete de

“unidade nacional” para lidar com o grande dilema que então se colocava: a Guerra do

Paraguai, cujo fim é, segundo o próprio Olinda (apud BARÃO DE JAVARI, 1979 [1889], p.

141), “o grande programa do Governo”. Todavia, a trégua esboçada não será completa: a

percepção de terem sido traiçoeiramente destituídos do poder afasta os históricos da

composição deste ministério: Francisco Otaviano, por exemplo, rejeita a indicação para a

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92

pasta de Estrangeiros (BARÃO DE JAVARI, 1979 [1889], p. 141); de modo semelhante a

pasta da Fazenda, que seria destinada a algum representante liberal, tem de ser ocupada por

outro nome em razão do rompimento entre progressistas e históricos (NEEDELL, 2006, p.

221). Se Olinda mantém-se no poder por mais de um ano, só retirando-se em agosto de 1866,

isso se deve menos à efetividade de seu projeto de apaziguamento do que a uma manobra

política que lhe garante a estabilidade necessária para a manutenção do ministério durante

todo esse tempo: no mês de julho de 1865 os trabalhos da Câmara são encerrados e seu

retorno é adiado para março do ano seguinte, com a justificativa da viagem de d. Pedro II a

Uruguaiana para acompanhar as operações das forças aliadas contra as tropas do presidente

paraguaio Solano López que haviam sitiado a cidade (IGLÉSIAS, 2004 [1967], p. 123;

COSTA, 1996, pp. 172-173).

O fim do cerco de Uruguaiana e o retorno do imperador à Corte marca a retomada do

ritmo político “normal” – o que significou o recrudescimento do antagonismo político que

ficara momentaneamente apaziguado com o adiamento da sessão legislativa. Com a

percepção de que a guerra não seria finalizada tão cedo, a situação do gabinete Olinda passa a

ficar insustentável, uma vez que seu programa se restringia ao trato da questão platina e, por

isso mesmo, tornava o ministério inteiramente alheio à dinâmica política interna. A

necessidade de organizar um novo gabinete, mais condizente com a coloração política do

parlamento, é confiada uma vez mais a Zacarias de Góis e Vasconcelos: conforme o deputado

expôs à Câmara durante a apresentação do programa ministerial (CÂMARA DOS

DEPUTADOS, 1866, sessão de 6 de agosto), Zacarias relutou em aceitar a responsabilidade

em razão “do fracionamento em que se achava esta augusta Câmara, fracionamento que

colocou do lado oposto à maioria que sustentou o Gabinete de que fiz parte, amigos que

estimei e continuo a estimar”. Diante da insistência de d. Pedro, contudo, Zacarias acaba por

aceitar a tarefa. O fracionamento da Câmara era de fato notório: ainda no dia de apresentação

do programa do ministério recém-formado a oposição liberal propõe uma moção de

desconfiança que assinala a fraca maioria de que dispunha o gabinete: foram 48 votos a favor

e 53 contrários (OPINIÃO LIBERAL, 14/08/1866, edição nº 17). Era essa exígua maioria de

cinco votos que deveria sustentar Zacarias até a realização das próximas eleições previstas

para aquele ano.

A breve exposição feita até aqui a respeito da trajetória política do Partido Progressista

entre o segundo e o terceiro gabinete organizado por Zacarias (1864-1866) revela um dos

principais motivos por trás da incapacidade da coligação “ligueira” em avançar o processo de

construção do Estado imperial além dos marcos da política regressista. A unificação entre

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93

liberais e conservadores dissidentes, feita na condição de oposição ao predomínio saquarema,

não possuía uma homogeneidade de interesses ou de coordenação política suficiente para

sustentar a coesão entre os dois grupos quando no poder – conditio sine qua non para

assegurar que a vitória eleitoral de 1863 se traduzisse em ganhos efetivos na reforma do

arranjo institucional-legal da monarquia brasileira. Com efeito, apesar de possuírem um

programa que delineava as bases gerais de atuação e o escopo do novo partido, aquelas

divergências “menores” que afinal impediram a sua publicação pareciam não ser tão

irrelevantes quanto os líderes progressistas buscaram frisar ainda em 1864: se, de um lado,

havia realmente um consenso quanto à dissolução do legado regressista, de outro as

divergências quanto aos meios de atingir tal objetivo impediam que a intenção comum se

traduzisse em ações concretas que assegurassem a transformação dos pontos em que ambos os

grupos entendiam ser necessário efetuar mudanças, como parecia ser o caso das leis de

interpretação do Ato Adicional e da reforma do Código de Processo Criminal. É emblemático

perceber que, entre os anos de 1864 e 1868 (momento em que a situação progressista se

esfacela por completo), os quatro ministérios que estiveram no poder não avançaram em

nenhum desses dois pontos nos quais tanto a dissidência conservadora quanto os liberais

reconheciam a necessidade de transformações. Assim, o desgaste da própria coligação

progressista parece derivar da impossibilidade crônica em traduzir anseios que provinham de

ambos os grupos numa ação política unificada e efetiva, visto que esta foi reiteradamente

sacrificada, ao longo do predomínio do partido na Câmara (1864-1868), ao juízo quanto à

tendência mais “conservadora” ou “liberal” do gabinete no poder. Nesse processo no qual a

situação progressista literalmente se autodestruiu, parece ter pesado o estilo político

eminentemente não partidário e personalista daquele que foi o líder de três dos quatro

gabinetes organizados pela Liga entre os anos de 1862 e 186835

: Zacarias de Góis e

Vasconcelos (NEEDELL, 2006, p. 219).

A forma como Zacarias organizou os três ministérios que presidiu indica que a

instabilidade da situação progressista pode ter suas raízes num processo no qual a fuga às

antigas divisões partidárias não se fez pela costura de uma coesão e lealdade próprias ao novo

partido, mas antes teve como centro a própria figura do deputado baiano – assim é que, nas

três composições ministeriais que levou a efeito, nem uma só vez Zacarias se preocupou em

contemplar aqueles homens que, juntamente com ele, compunham o núcleo da nova situação:

35

Não conto aqui os dois gabinetes organizados pelo marquês de Olinda (1862 e 1865), uma vez que estes

tiveram um caráter mais de arbítrio entre as facções que se combatiam do que de compromisso direto com a

política progressista.

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94

Nabuco de Araújo, Saraiva e Ottoni. O fracasso da constituição da Liga em um partido coeso

sem dúvida alguma remonta à preferência por uma atuação mais pessoal que partidária, fato

que deve ter influenciado especialmente o distanciamento do grupo liberal ou “histórico”,

visto que este nunca vira em Zacarias um de seus representantes legítimos.

Não obstante os problemas de instabilidade ministerial enfrentados pelo Partido

Progressista até o ano de 1866, ele sobrevive ainda sob a liderança de Zacarias, chegando até

o momento no qual uma nova inflexão política poderia enfim ocorrer: as eleições para a

Câmara programadas para aquele ano. Os esforços do gabinete em impulsionar as

candidaturas progressistas em detrimento daquelas ligadas aos liberais históricos foram

visíveis durante o pleito (NEEDELL, 2006, p. 221) – sem dúvida alguma, Zacarias buscava

emergir dali com uma maioria parlamentar mais segura do que aquela com a qual conseguira

ultrapassar a sessão legislativa de 1866. Apesar de ter atingido o objetivo em questão e ter

ampliado a sua base de apoio, o preço pago foi o rompimento completo da coligação que

sustentava a situação progressista: a disputa eleitoral acirrada travada nas províncias teve

como efeito a eleição de uma Câmara que não se constituía mais de um partido fracionado em

duas metades, acompanhado por uma inexpressiva minoria saquarema; o último gabinete

Zacarias (que será também o último gabinete a levar o epíteto de progressista) enfrentará a

partir de 1867 uma Câmara dividida em três partidos: o progressista, composto pelos

conservadores dissidentes que apoiavam o ministério, e as minorias liberal e conservadora

cuja adversidade em comum as unifica no contexto da luta legislativa (Idem, p. 221). Além

disso, nessa fase final de desagregação da situação progressista, um fato inesperado jogará um

papel decisivo: os primeiros passos no encaminhamento da emancipação da escravatura no

Brasil.

De fato, desde meados da década de 1860 d. Pedro II mostrara-se preocupado com a

manutenção da escravidão no Império – esse desconforto parece ter derivado da percepção de

que, com o fim do escravismo no sul dos Estados Unidos, o Brasil seria a única nação

independente na América a manter esse regime de trabalho servil (Idem, p. 234). No ano de

1865, a viagem do imperador a Uruguaiana proporcionaria outra ocasião para reforçar a visão

de isolamento da nação brasileira em decorrência da manutenção do escravismo: ali d. Pedro

percebera claramente que a escravidão aparecia não só ao inimigo paraguaio como também

aos aliados na guerra como uma “mancha” pela qual o Brasil era frequentemente malvisto

perante seus vizinhos republicanos (COSTA, 1996, p. 183; CARVALHO, 1998, p. 57). A

disposição em dar encaminhamento à emancipação da escravidão é materializada ainda

naquele ano, quando o imperador encarrega o senador e conselheiro de Estado José Antônio

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Pimenta Bueno, o visconde (e depois marquês) de São Vicente, de estudar a questão servil e

propor medidas para que ela seja discutida perante o Conselho de Estado (BEIGUELMAN,

1967, p. 110). Os projetos de Pimenta Bueno, que são encaminhados ao Conselho por

Zacarias no início de 1867, significam os primeiros movimentos concretos sobre a questão da

escravidão desde o fim do tráfico negreiro em 1850 – o rompimento dessa “cortina de

silêncio” (CARVALHO, 1998, p. 52) erigida desde então causará uma grande agitação nos

meios políticos, a qual fora inclusive prenunciada por Olinda na primeira sessão confidencial

do Conselho de Estado em que o tema é tratado: “uma só palavra que deixe perceber a ideia

de emancipação, por mais adornada que ela seja, abre a porta a milhares de desgraças”

(CONSELHO DE ESTADO, 1867, ata de 02 de abril).

De fato, a primeira das “desgraças” temidas pelo conselheiro Olinda seria explicitada no

mês seguinte, quando a introdução do tema da escravidão na Fala do Trono daquele ano36

causou um imenso desconforto até mesmo na base de apoio de Zacarias, servindo como mais

um ingrediente de deterioração das relações entre o governo e a Câmara (NABUCO, 1949

[1898], p. 54). Do lado da oposição, a menção à causa da emancipação produziu um

estreitamento das relações entre saquaremas e luzias contra o gabinete progressista, como se a

mera disposição em romper o consenso escravista então existente fosse o suficiente para

abrandar as antigas divisões entre os grupos e uni-los contra o ímpeto reformista proveniente

da Coroa e encampado por Zacarias. Assim é que, durante a discussão da Fala do Trono,

ocorre a estranha cena em que o liberal Martinho Campos interrompe seguidamente o

discurso de uma das principais lideranças saquaremas na casa, o deputado fluminense Sayão

Lobato (CÂMARA DOS DEPUTADOS, 1867, sessão de 13 de junho) – não para desferir

críticas, mas sim apoiá-lo:

Fala-se no elemento servil, indica-se a ideia de emancipação para ser oportunamente

considerada, sem a mínima atenção para as reais circunstâncias do país! O governo

recomenda oportunidade acerca desta gravíssima matéria, quando tão impertinente e

inoportunamente aventa semelhante questão [...]. De sua natureza é ela assim

exposta uma faísca elétrica que levará o pasmo, consternação e abalo a todo o país,

aumentando os perigos e riscos em que já estão os nossos concidadãos, que vivem

isolados, e que a experiência demonstra que são tantas vezes vitimados.

O Sr. Martinho Campos: Apoiado.

36

“O elemento servil no Império não pode deixar de merecer oportunamente a vossa consideração, provendo-se

de modo que, respeitada a propriedade atual, e sem abalo profundo em nossa primeira indústria – a agricultura –,

sejam atendidos os altos interesses que se ligam à emancipação” (CÂMARA DOS DEPUTADOS, 1872, p. 591).

Page 96: A Liga Progressista e a Construção do Estado Imperial

96

Já do lado da maioria progressista, a menção ao tema da emancipação trazia o perigo de

desagregação da base parlamentar que assegurava a manutenção de Zacarias naquele

momento. Se os problemas ligados à condução da Guerra do Paraguai e à crise bancária já

eram suficientemente explosivos para pôr em xeque a estabilidade do ministério, a introdução

da questão servil ao abrir-se a sessão legislativa de 1867 tornava a situação ainda mais crítica:

a própria emenda oposicionista proposta pelo liberal Bernardo Avelino Gavião Peixoto, a qual

tocava neste ponto do projeto de reposta à Fala do Trono37

, contava com o apoio de um

número expressivo de deputados progressistas, e especulou-se mesmo que se o ministério

tomasse a emancipação como “questão de gabinete” haveria defecções na bancada governista

(CORREIO MERCANTIL, 06/06/1867, edição nº 156).

Se Zacarias trazia à tona o espinhoso tema da escravidão, fazia-o menos por um pendor

abolicionista do que pelas exigências concretas relacionadas à dinâmica da Guerra do

Paraguai. Com efeito, acima já foi dito que a própria disposição do imperador em dar

encaminhamento ao tema estava relacionada às peculiaridades da guerra; todavia, para além

de uma preocupação com a “honra” nacional e com a posição do Brasil frente às outras

nações americanas, a guerra colocava dilemas a uma dimensão do Estado imperial cuja

organização fora sistematicamente solapada até então: a dimensão coercitiva encarnada pelas

Forças Armadas. A organização de um exército regular moderno, baseado na conscrição

universal, tinha seu limite na existência de um ordenamento escravista que não só excluía a

população cativa do recrutamento, mas também parte substancial da população livre cuja

mobilização era necessária para a manutenção de uma vigilância perene sobre os escravos

(COSTA, 1996, p. 242). No primeiro momento no qual a contradição entre a ordem escravista

e o monopólio estatal da violência poderia tornar-se patente – a saber, durante os eventos que

levaram à independência –, o fato de não ter ocorrido uma guerra prolongada entre os colonos

rebeldes e as tropas metropolitanas contribuiu para que a conservação da ordem escravista

fosse possível (Idem, p. 41); nesse processo, a “opção monárquica” representada pela

manutenção de um descendente da Casa de Bragança na chefia do novo Estado nacional

brasileiro deteve um papel crucial, exercendo uma espécie de força “centrípeta” que tinha

como base a conservação da unidade nacional e a defesa dos interesses senhoriais ligados à

propriedade escrava (Idem, p. 36). Assim, a monarquia aparecia como o símbolo de uma

37

“A câmara dos deputados, senhor, está profundamente convencida de que só o tempo, o progressivo aumento

da riqueza nacional e a prosperidade estável das finanças públicas poderão determinar a época de atender-se à

antiquíssima instituição servil, que as leis do Estado reconhecem, sem abalos bruscos do valor e segurança de

toda a fortuna pública, e sem detrimento grave dos mais elevados interesses brasileiros [...]” (CÂMARA DOS

DEPUTADOS, 1872, pp. 594-595).

Page 97: A Liga Progressista e a Construção do Estado Imperial

97

transação entre a classe proprietária, na qual a construção do Império do Brasil ligava-se à

manutenção de um regime de propriedade e de trabalho herdado da condição colonial rompida

(politicamente) pela independência.

O prolongamento da Guerra do Paraguai demandava efetivos para a campanha militar

que conflitavam diretamente com as necessidades de segurança interna relacionadas à ordem

escravista. A principal faceta desse divergência se dá na relutância da Guarda Nacional em

participar da guerra – não tanto pelo seu despreparo enquanto força militar (que sem dúvida

era grande), mas antes por sua estreita ligação com os interesses privatistas dos senhores de

escravos que dela dependiam para exercer controle efetivo sobre a escravaria (COSTA, 1996,

p. 234). Por isso mesmo a impossibilidade de executar um recrutamento ostensivo entre a

população livre fez com que o governo lançasse mão de um recurso extremo: a mobilização

dos escravos da nação para a guerra. Discutida no Conselho de Estado antes mesmo do

encaminhamento dos projetos de Pimenta Bueno sobre a questão servil, a libertação de

escravos, enquanto iniciativa do próprio Estado brasileiro, revelava os limites que a ordem

escravista impunha à organização de um Estado moderno – além disso, em tal medida

tornava-se explícito pela primeira vez uma dissociação entre os interesses senhoriais ligados à

escravidão e os interesses de Estado, consubstanciados na campanha militar contra o Paraguai

(Idem, p. 248). O terceiro gabinete Zacarias coincide, assim, com a experiência de

distanciamento entre a razão de Estado e a razão privatista, cujo impulso básico proveio dos

desafios impostos pelo conflito platino, os quais se mostraram capazes de promover o

“desnudamento das contradições sociais e políticas do Império” (Idem, p. 244).

Do que foi dito até aqui fica claro que a introdução do tema da escravidão na Fala do

Trono em 1867 não caiu de paraquedas entre a classe política do Império; a menção ao tema

apenas tornava mais aguda uma situação que vinha se desenhando desde pelo menos 1865: o

afastamento entre a lógica de ação da Coroa e os interesses materiais da classe proprietária.

De qualquer modo, a referência à emancipação feita na mensagem imperial ao parlamento

representava, em última instância, uma “ameaça às premissas políticas básicas da própria

monarquia” (NEEDELL, 2006, p. 238; tradução livre), uma vez que esta tinha na ordem

escravista um dos pilares sobre os quais a opção monárquica no pós-independência havia

adquirido a adesão das elites regionais. O fato de que a introdução deste tema perante o

parlamento tenha estreitado os vínculos oposicionistas e produzido um desconforto entre a

maioria progressista indica-nos que o consenso escravista entre a classe proprietária

representava um dos limites máximos em que a situação progressista poderia tocar; aliada à

instabilidade ministerial que minou a unidade da Liga desde o segundo gabinete organizado

Page 98: A Liga Progressista e a Construção do Estado Imperial

98

por Zacarias, a intenção de produzir transformações na ordem escravista colocava em xeque,

perante o conjunto da classe política, a viabilidade de manter a opção progressista na direção

do Estado imperial. Na medida em que não passava despercebido a ninguém que os impulsos

de emancipação provinham do alto do trono imperial, a crise política que põe um fim ao

Partido Progressista em 1868, reconduzindo os conservadores ao poder sob a liderança do

visconde de Itaboraí38

, inicia também a crise do próprio regime monárquico; as críticas que

daí se avolumam à influência do “poder pessoal” de d. Pedro – o qual foi escancarado pela

inversão partidária que a transição de Zacarias a Itaboraí engendrou39

(HOLANDA, 2005

[1972], pp. 124-125) – reverberam a percepção de um gradativo afastamento entre a Coroa e

os interesses da classe proprietária, afastamento que se expressou, durante os anos finais da

década de 1860, no “sentimento da perda de controle sobre o processo de emancipação”

(COSTA, 1996, p. 254) que parecia ser então monopolizado pelo imperador.

Nesse contexto de perene instabilidade na base parlamentar progressista (rompida a

coligação que dera razão a sua existência) e de avanço do tema da emancipação, a opção

política expressa pelo Partido Progressista perdia completamente a força que aparentava deter

anteriormente, ao emergir na Câmara como maioria inconteste no ano de 1864. Essa opção

tinha como fundamento a produção de um novo equilíbrio entre os polos da ordem

(conservação) e da liberdade (progresso), objetivo que seria perseguido através da busca por

um rearranjo do legado regressista que os líderes saquaremas haviam consolidado nos anos

1840; assim, a alternativa progressista à política encampada pelos conservadores partia de um

terreno que era comum a ambos os grupos: o consenso em torno do ordenamento

sociopolítico do Império, consagrado no projeto nacional de um Estado liberal-federalista

38

Para um relato mais detalhado acerca dos eventos que cercaram o fim do terceiro gabinete Zacarias,

intimamente relacionados ao problema do comando das tropas brasileiras no conflito platino, ver especialmente

(COSTA, 1996, pp. 243-257). 39

Destacou-se na crítica à influência pessoal de d. Pedro na política a folha Opinião Liberal, fundada em 1866 e

que serviu até 1870 de veículo às ideias dos liberais “radicais” que haviam se dissociado da coligação

progressista e que possuíam ideias mais “avançadas” do que o grosso da bancada liberal. Nos artigos publicados

por este periódico a atuação do imperador era frequentemente comparada àquela do monarca britânico Jorge III

(conhecido por seus conflitos com o parlamento), ou então era tachada de “imperialismo” e “cesarismo”,

contrária à prática parlamentar “sincera”. A própria perpetuação dos progressistas no poder era encarada pelo

Opinião como fruto exclusivo dos “caprichos” do imperador; a queda abrupta de Zacarias em 1868 serviu para

reforçar essa visão que em breve seria compartilhada por outros órgãos de imprensa. Dois dias após a ascensão

de Itaboraí, eis o que afirmou o Opinião (18/07/1868, edição nº 72; grifos no original) sobre a situação política

de então:

O grande partido progressista, em quase totalidade na câmara dos deputados; o ministério

algoz dos liberais sinceros; o orgulhoso e onipotente Sejano que o presidia; todos esses

instrumentos de descrédito da ideia liberal caíram – sob a conspiração do desprezo de

palácio... Os instrumentos, completada a obra da traição e do extermínio, foram arrojados ao

pó da ignomínia! Coitados!... Será este, pois, o epitáfio do pobre progressismo, que acaba de

sepultar-se na vala do ridículo: VIVERAM DOS FAVORES DO REI, MORRERAM DE

DESPREZO DO REI.

Page 99: A Liga Progressista e a Construção do Estado Imperial

99

capaz de integrar as elites regionais em seus quadros. A restrição do programa progressista a

um reformismo de natureza eminentemente jurídica explicita que sua divergência em relação

à opção saquarema não residia na proposição de um projeto nacional radicalmente distinto,

mas antes se dava numa compreensão específica a respeito das possibilidades de avanço no

processo de construção do Estado imperial – o que contrastava com a percepção saquarema de

que o status quo monárquico estaria melhor preservado se mantido o ordenamento político

delineado durante os anos do regresso. Ora, a impossibilidade crônica dos progressistas em

operacionalizar a maioria parlamentar que detinham para a produção de aperfeiçoamentos no

arranjo institucional do Império, ocasionada pelo duelo de força entre os setores que

compunham o novo partido, levou à implosão da própria alternativa encampada pelos setores

liberal e conservador dissidente coligados contra a perpetuação da hegemonia política

saquarema. Nesse processo, a deterioração da situação econômica e a deflagração da guerra

no Prata tiveram uma influência decisiva, visto que colocavam a dinâmica política interna sob

a influência das necessidades urgentes relacionadas com esses eventos. Quanto a tais pontos,

sobressai aqui a pressão que a guerra exerceu sobre a ordem escravista, alterando a lógica de

coerção privatista que impedira a organização de um Exército regular estruturado, além de

trazer à tona o problema da emancipação do elemento servil. Assim, o reformismo jurídico

dos progressistas sucumbe ao inesperado impulso de reforma social proveniente da Coroa, o

qual implicava numa reorganização das bases socioeconômicas do Império que nenhum dos

grupos políticos dominantes (conservadores, liberais ou progressistas) estava disposto a

empreender.

A quebra do consenso escravista por iniciativa do próprio imperador indica os primeiros

sinais de esgotamento da solução monárquica encampada pela classe proprietária no processo

de independência do Brasil. Intimamente ligada aos objetivos de conservação da unidade

territorial e defesa dos interesses escravistas, o rompimento de um desses laços significava o

enfraquecimento do vínculo que ligava a grande propriedade agrária ao regime monárquico.

Ao assumir a posição de uma espécie de monarca “ilustrado” capaz de encaminhar o

problema da emancipação da escravatura, d. Pedro passava por cima das prerrogativas

constitucionais associadas ao Poder Moderador que ele encarnava (NEEDELL, 2006, p. 235),

o que colocava em xeque a estrutura mesma do sistema político do Império. Com efeito, a

plena adesão ao status quo monárquico por parte tanto de saquaremas quanto de luzias era

indissociável da tarefa de “empoderamento” das elites regionais nos aparelhos de Estado –

processo que tinha como objetivo a concentração de um maior controle dos rumos nacionais

nas mãos desses grupos. A iniciativa da Coroa em relação à escravidão não feria apenas

Page 100: A Liga Progressista e a Construção do Estado Imperial

100

interesses estritamente econômicos da classe proprietária (o que já seria muito), mas aparecia

também como um elemento que desequilibrava o quantum de poder distribuído entre os atores

políticos associados à direção do Estado imperial. No que tange aos rumos da situação

progressista, a alternativa de avançar o processo de construção do Estado através do

aperfeiçoamento do arranjo institucional consolidado pelos saquaremas perdia aqui a sua

razão de ser; a possibilidade de um consenso em torno de tal tarefa, se já estava sendo

gradativamente minada pela instabilidade do predomínio parlamentar progressista, esfacela-se

por completo diante do rompimento de um acordo tácito sobre o qual ela repousava: a

garantia monárquica de perpetuação do trabalho escravo. A ideia de construção de um terreno

consensual no plano político tinha seu fundamento no consenso prévio quanto às bases

socioeconômicas do Império – o abalo nesta dimensão desestruturava o projeto nacional em

que estiveram envolvidos saquaremas, luzias, conciliados e progressistas, projeto no qual o

aperfeiçoamento da relação entre o Estado e as elites regionais estava indissociavelmente

ligado à preservação da instituição escravista que organizava a grande propriedade agrária.

Page 101: A Liga Progressista e a Construção do Estado Imperial

101

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Page 106: A Liga Progressista e a Construção do Estado Imperial

106

Anexo

PROGRAMA DO PARTIDO PROGRESSISTA

(apud BRASILIENSE, 1878, pp. 15-21)

“O partido progressista é um partido novo. Não toma sobre si a responsabilidade das crenças e

tradições dos extintos partidos a que pertenceram os indivíduos que o compõem, e aceita sem

distinção, e qualquer que fosse o seu passado, o concurso de todos os que o quiserem

acompanhar no pensamento de fazer realizar na administração publica do país os princípios e

regras consagradas no seguinte programa.

O partido progressista não quer:

1º A reforma da constituição política, à qual, como ao imperador e à sua dinastia, consagra o

maior respeito e adesão.

2º A eleição direta.

Não sendo possível realizá-la por meio do sufrágio universal, à base do imposto, ou de

qualquer outra distinção de classes sociais, privaria a muitos cidadãos brasileiros do exercício

de seus direitos políticos.

3º A descentralização política, que considera incompatível com a integridade e força do

império.

4º O exclusivismo nos cargos públicos.

Reconhece que todos os brasileiros tem a eles direito igual, sem outra distinção mais que a

proveniente dos seus talentos salvos os de confiança necessários à manifestação e execução de

seu pensamento político.

5º A jurisdição administrativa em matéria penal nem nas questões cíveis concernentes à

propriedade.

O partido progressista quer:

Page 107: A Liga Progressista e a Construção do Estado Imperial

107

1º A regeneração do sistema representativo e parlamentar pela sincera execução e amplo

desenvolvimento do dogma constitucional da divisão dos poderes políticos para que não

sejam uns absorvidos ou anulados por outros.

Assim tem como máximas sagradas:

A responsabilidade dos ministros de estado pelos atos do poder moderador;

A verdade do orçamento.

2º A realização pratica da liberdade individual em todas as suas relações. Assim consagra a

liberdade individual como regra, e a atribuições da autoridade, a tutela do estado e as

restrições no interesse coletivo como exceções, que só devem ser determinadas por evidente

utilidade, expressas e literais.

3º A defesa dos direitos e interesses locais da província e do município.

Assim tem como máximas sagradas:

A sincera e efetiva execução do Ato Adicional;

A descentralização administrativa necessária à comodidade dos povos.

4º A economia dos dinheiros públicos combinada com as necessidades demonstradas do

serviço e sem prejuízo da honra, crédito e dignidade nacionais.

5º A responsabilidade efetiva dos empregados públicos.

6º A severa punição dos crimes.

7º A reforma e sincera execução da lei eleitoral de modo que as qualificações sejam

verdadeiras e a eleição a expressão real da vontade nacional.

Como meios tendentes a este fim:

As incompatibilidades;

A representação necessária das minorias.

8º A reforma e organização judiciária sob as seguintes bases:

1ª Julgamento definitivo dos juízes de Direito no crime e cível – Por consequência

julgamento em 2ª instância competindo exclusivamente ás Relações – Relações em

todas ou na maior parte das províncias.

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2ª As funções dos juízes municipais reduzidas ao preparo e execuções dos processos

crimes e cíveis.

3ª Garantias necessárias para a nomeação, substituição e independência pessoal dos

magistrados.

4ª Criação e organização do ministério público no crime e no cível.

9º Separação da polícia e justiça neste sentido:

A polícia prende o criminoso, faz o corpo delito, colige as provas e remete-as à autoridade

judiciária. Os juízes municipais formam culpa exclusivamente nos crime inafiançáveis e nos

afiançáveis cumulativamente com os juízes de paz – O juiz de direito pronuncia e julga.

10º Competência do júri para julgar todos os delitos, compreendidos os dos empregados

públicos não privilegiados e os excetuados pela lei de 2 de Julho de 1850.

Excetuam-se desta regra aqueles, cuja pena no máximo não exceder a 1 ano de prisão,

desterro ou degredo, e a 1:000$000 de multa.

Os crimes de responsabilidade, porém, e os de abuso de liberdade de imprensa qualquer que

seja o máximo da pena, serão sempre julgados pelo júri.

11º As absolvições do júri, vigorando, não obstante as nulidades do processo, cujo efeito será

somente no interesse da lei, para correção e responsabilidade dos que a elas deram causa

salva, todavia, a disposição do art. 79 §1º da lei de 3 de Dezembro.

12º Código civil. É disposição do art. 179 §18 da constituição. Organizar-se-á quanto antes

um código civil.

13º Reforma hipotecária e sucessivamente a organização do crédito territorial.

14º Revisão do Código Comercial, especialmente na parte relativa ás falências, às sociedades

e aos seus julgamentos.

15º Reforma municipal, separando-se a deliberação da execução, pertencendo aquela à

câmara e esta ao seu presidente.

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16º Nos municípios cuja renda exceder de 100:000$, as assembleias provinciais, e na Corte a

assembleia geral, poderão criar e retribuir administradores municipais pagos pelos cofres das

câmaras, eleitos como os vereadores e substituídos por estes. Art.10 §§ 4º e 7º do Ato

Adicional.

17º Reforma da guarda nacional para que seja devidamente qualificada, sem prejuízo do

exercito e armada, e aliviada quanto ser possa do serviço ativo.

18º Em favor da liberdade individual: prisões preventivas, decretadas somente no caso

facultativo do art. 175 do código do processo e pelos juízes de direito.

As fianças reguladas por uma tabela calculada somente na proporção da pena do crime, na

qual se fixe o máximo e o mínimo, dentro dos quais e atendendo a possibilidade dos réus e as

condições domiciliárias deverá o juiz julgar a fiança.

Ficam salvos os meios cíveis quanto ao valor do dano causado e das custas do processo, o

qual é demandado por ação cível, conforme a lei de 3 de Dezembro.

O tempo de detenção computado na pena, logo que exceder de 3 meses.

A fiança mais extensiva para os domiciliários.

19º A educação e regeneração do clero.

Finalmente o partido progressista aceita a administração pública como um fato comum e

respeitável para todos os partidos, salvas as alterações que a conformidade dos princípios

políticos, a experiência do serviço público e as necessidades correntes houverem de

justificar.”