Comer feijoada é bompara perder peso?
Portugueses comem menos leguminosasdo que o recomendado. Universidadede Lisboa organiza conferência amanhãpara discutir como será possívelaumentar o consumo e a produção
AlimentaçãoAlexandra Prado CoelhoQuando a nutricionista Isabel doCarmo sugere a um dos seus pa-cientes que coma, por exemplo,uma feijoada ou um prato de rachonum regime alimentar em que o
objectivo é perder peso, recebemuitas vezes um olhar surpreen-
dido. Feijoada não é um prato queassociemos a dieta. E, no entanto,diz, "tanto o feijão como o grão são
bons para perda de peso".Porquê? "Têm menos calorias,
para o mesmo peso, do que massaou arroz", explica. O que significa
que se pode comer uma quanti-dade um pouco superior, ficandomais saciado. "Dão maior sacieda-de e, portanto, maior satisfação".
Isabel do Carmo, fundadora daSociedade Portuguesa para o Estu-do da Obesidade, é uma das orado-ras na mesa-redonda da l. a Confe-rência Anual do Colégio F 3(Food,Farming and Forestry), que decor-re amanhã no Salão Nobre da Rei-toria da Universidade de Lisboa,com o tema "Produção e Consumode Leguminosas: um passado comfuturo?", onde vai defender preci-samente um "regresso ao futuro"que passa por "feijoadas, ranchose outras almoçaradas".
Os portugueses comem menosleguminosas do que o recomenda-
do - estas deveriam representar4% da roda dos alimentos e nãorepresentam mais do que 0,7%.Isabel do Carmo nota resistências
quando fala no tema, sobretudoda parte dos jovens. "Quando as
leguminosas são secas, têm umaconfecção mais morosa porque é
preciso pô-las de molho na véspe-ra, e esse foi um factor que levouas pessoas a abandoná-las." Há,contudo, os enlatados, que "per-dem alguma qualidade mas aindaconservam bastante".
Depois há a questão do tempo.Feijoada não éfastfood. É um pra-to que se come devagar e que se
digere devagar. "0 feijão tem ami-do resistente, que, como o nomeindica, resiste à acção das enzimas
digestivas. E isso não só dá umamaior sensação de saciedade co-mo diminui a absorção dos hidra-tos de carbono", explica a nutri-cionista.
Consumo de carne aumentaMas, atenção, a ideia não é comeruma daquelas feijoadas cheias decarnes e em que o feijão é apenasum acompanhamento. É funda-mental que o aumento do consumode leguminosas seja acompanhadopor uma diminuição do consumode proteína animal. O que trouxeum grande desequilíbrio à nossa
alimentação nas últimas décadasfoi precisamente o enorme aumen-to da carne.
Numa tese sobre os benefícioseconómicos e ambientais da ex-pansão da produção de feijão e
grão-de-bico, Maria da PiedadeMalheiro, do Instituto Superiorde Agronomia da Universidade deLisboa, traça um quadro que nospermite perceber o que aconteceu:entre 1970 e 2000, o consumo decarne aumentou cerca de 70% e ode leguminosas caiu 55,5%.
Ou seja, a proteína vegetal foisubstituída - e ultrapassada emmuito - pela animal. E juntamen-te com a proteína animal vem a
gordura animal, que hoje consu-mimos em excesso. A par disso,comendo menos leguminosas, in-
gerimos também menos fibra.
O tremoço e a sojaApesar de o feijão e o grão seremos mais consumidos em Portugal,as lentilhas, as favas e as ervilhassão também recomendadas porIsabel do Carmo. "Temos neces-sidade de aminoácidos essenciais
que o organismo não fabrica. As
leguminosas são ricas nisso, em-bora não tanto como a carne ou oleite. Mas pode-se conjugar as duascoisas numa dieta equilibrada."
E depois há o tremoço, bastantepopular em Portugal, que tem a
vantagem de ter, no nosso orga-nismo, "uma absorção muito pe-quena de hidratos de carbono emrelação ao seu volume, o que sig-nifica uma diminuição da absorçãode açúcar". Já a soja - que Portugalnão produz - não entusiasma a nu-tricionista. "Nós, povos da Europa,da Península Ibérica, não temos os
organismos habituados ao consu-mo de soja", como acontece comalguns povos asiáticos. Por isso,diz, não faz muito sentido intro-duzi-la agora com um papel impor-tante na nossa alimentação.
Objectivo das Nações UnidasCom Isabel do Carmo na mesa-re-donda da l. a Conferência Anual do
Colégio F 3(entre as lOh e as 13h)estarão Helder Muteia, represen-tante em Portugal da Organizaçãopara a Alimentação e a Agriculturadas Nações Unidas (FAO), Charles
Godfray, professor na Universidadede Oxford e director do programaFuturo da Alimentação, EduardoDiniz, director-geral do Gabinetede Planeamento e Políticas do Mi-nistério da Agricultura, Florestase do Desenvolvimento Rural, e Ví-tor Martins dos Santos, director doCentro de Biologia Sintética e deSistemas da Universidade de Wa-
geningen, na Holanda.À tarde, entre as 14h e as 17h30
haverá um workshop no qual vários
investigadores da Universidade deLisboa apresentarão trabalhos liga-dos ao desafio do aumento de con-sumo e produção de leguminosas- um objectivo anunciado pelasNações Unidas para 2016, Ano In-ternacional das Leguminosas.
0 Colégio F 3- que integra 12 es-colas da Universidade de Lisboa
nas áreas de ciências naturais esociais e que visa promover o co-nhecimento transdisciplinar liga-do à alimentação, agricultura e flo-
restas, associa-se assim à iniciativadas Nações Unidas. A conferênciaé aberta ao público, com inscriçãogratuita mas obrigató[email protected]
Temos necessidadede aminoácidosque o organismonão fabrica.As leguminosassão ricas nissoIsabel do Carmo N utricion ista
Entre 1970 e 2000,o consumo decarne aumentoucerca de 70%e o de leguminosascaiu 55,5%O que têm asleguminosas quever com as algas?
Para
além das vantagenspara a saúde humana,as leguminosas são
preciosas do ponto devista ambiental, porque fixam,de forma natural, o azoto nossolos. Essa função foi, nasúltimas décadas, substituídapelos adubos azotados."Hoje são fábricas que fazemo mesmo que as bactérias
que trabalham nas raízesdas leguminosas faziam",explica José Lima Santos,professor do Instituto Superiorde Agronomia, em Lisboa.E, com isto, "mais do queduplicámos o ciclo do azoto",e "os ecossistemas ficaramencharcados". Além disso, as
leguminosas "libertavam oazoto lentamente, enquantoos adubos, se forem postosde uma só vez, perdem -se emparte e esse excesso vai paraas águas, dado que o azoto émuito solúvel". O resultado?Chama-se eutrofizaçãocosteira e significa que as
algas se desenvolvem muitocom o azoto, disponível emexcesso vindo dos terrenosagrícolas, e quando morremdecompõem-se num processoque usa o oxigénio, o queleva à morte de peixes. Estaé, sublinha o professor, "umadas principais causas da perdade biodiversidade nas zonascosteiras".
"Não foi por faltade consumo que a produçãocaiu abruptamente"
Os números são muito claros: se oconsumo de leguminosas foi caindoem Portugal desde os anos 70, já aprodução caiu a pique. "A produçãoem 1970 era de um pouco mais de50 mil toneladas e actualmente anda
pelas três mil toneladas [por ano]",resume José Lima Santos, professordo Instituto Superior de Agronomia(ISA) e membro do Colégio 3F da Uni-versidade de Lisboa (ver texto ao la-
do), citando números de uma tese
que orientou, da autoria de Maria daPiedade Malheiro, centrada no feijãoe grão-de-bico em Portugal.
0 facto de o consumo ter caído me-nos do que a produção leva a que o
país tenha hoje de importar legumi-nosas. "Não foi por falta de consumo
que a produção caiu abruptamente",afirma Lima Santos. Para este espe-cialista, a reforma da Política AgrícolaComum (PAC) em 1992 pode ajudara explicar em parte o fenómeno, porter privilegiado o cultivo de cereaisem detrimento das leguminosas.
Houve também, a partir da décadade 70, uma enorme quebra de mão-de-obra na agricultura - e culturas
tradicionais como as que, no Nortedo país, juntavam o feijão e o milhoexigiam muitos braços para trabalhar.Por fim, a introdução dos adubos azo-tados de fabrico industrial veio subs-
tituir aquela que é uma das grandesfunções das leguminosas: ajudar afixar o azoto no solo, de forma natu-ral (ver caixa). Os agricultores deixa-ram de precisar delas e, dado que não
eram economicamente competitivas,abandonaram-nas .
Eduardo Diniz, director do Gabi-nete de Planeamento e Políticas doMinistério da Agricultura, Florestas e
do Desenvolvimento Rural, confirmaa queda aparatosa da área agrícoladestinada às leguminosas. "Temosactualmente dez mil hectares, o querepresenta uma queda de quase 90%,sobretudo na Beira Litoral e EntreDouro e Minho." Houve, por outrolado, uma "reconfiguração geográfi-ca" com um aumento relativo da áreano Alentejo. E enumera os países dos
quais Portugal mais importa: Argen-tina, China e Canadá, "os grandesprodutores mundiais".
"As leguminosas secas foram sem-
pre uma cultura secundária, geral-mente associada aos cereais, e o gran-de baque das leguminosas acompa-nha o dos cereais", diz. Entretanto, a
PAC sofreu novas reformas e a últimavaloriza mais a componente ambien-
tal, obrigando os produtores a reser-var uma área para fins ambientais.
Eduardo Diniz vê aí uma oportu-nidade, já que os produtores podemaproveitar essa área "ambiental" paraplantar leguminosas que vão fixar oazoto nos solos. E acredita, por outrolado, que a União Europeia continua-rá a evoluir nestas questões. "Tal co-mo já se integraram mais questõesambientais, no futuro vão integrar-sepreocupações ligadas à alimentação."
Quais deverão então ser as apostasde Portugal para aumentar a produ-ção? Lima Santos refere a possibili-dade de criar um imposto sobre as
emissões de gases nocivos pelo uso deadubos azotados, mas reconhece queé difícil monotorizar cada produtor.Taxar os adubos pode também ser
injusto, porque "há formas de usaro adubo criando pouca poluição".Outra possibilidade seria a criação
de apoios agro-ambientais para quemintegrasse leguminosas na produção.
Eduardo Diniz afirma, por seu la-
do, que a aposta tem de ser numa"dupla estratégia": desenvolver ni-chos de qualidade, diferenciadores,que podem passar por variedadestradicionais e, nas zonas com maisterreno, apostar numa produção emmaior escala que possa vir a ser con-correncial com as leguminosas queimportamos actualmente. A.P.C.
Área agrícolapara leguminosasé agora de dez milhectares, o querepresenta umaredução de 90%desdel97O