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américa latinaintegração e interlocução

lívia reis e Eurídice Figueiredoorganizadoras

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Apresentação

Os textos deste livro foram apresentados em forma de conferências plenárias no jalla Brasil 2010 (Congresso Internacional Jornadas Andinas de Literatura Latino-americana), “América Latina: integração e interlocução”, realizado de 2 a 6 de agosto de 2010 no Instituto de Letras da Universidade Federal Fluminense (Niterói, Brasil), com exceção dos dois últimos. Estes abordam as duas áreas temáticas – sobre os bicentenários e sobre o Caribe – que não tiveram mesas plenárias.

O jalla Brasil 2010 teve excelente receptividade, que se configurou na apre-sentação de cerca de seiscentos trabalhos dos quais 382 foram publicados em cd e serão colocados on-line no novo site do jalla juntamente com mais setenta textos que foram enviados após o congresso. A acolhida que o jalla – Brasil 2010 recebeu por parte da academia tanto hispano-americana quanto brasileira é motivo de enorme satisfação, pois demonstra que o jalla, que nasceu nos paí-ses andinos, extrapolou a região para obter repercussão mais amplamente lati-no-americana. Assim, a realização do jalla no Brasil marca uma nova etapa nos estudos latino-americanos feitos na América Latina, o que enseja a possibi-lidade de repensar essa área de estudo, e o próprio conceito de América Latina, sua literatura e sua cultura.

Avaliamos que o conjunto de 452 textos de comunicações que ficam disponi-bilizados no site http://www.jallaonline.org, mais este livro com 12 textos de espe-cialistas apresenta uma importante mostra das pesquisas que vêm sendo reali-zadas nas áreas de Estudos literários e de Estudos de cultura latino-americana. Poucas vezes houve a chance de conseguir juntar tal quantidade de textos de pes-quisadores, sejam eles professores ou alunos de Pós-Graduação, oriundos de paí-ses distintos, propiciando, dessa forma, uma vasta radiografia dos estudos latino-americanos no ano de 2010.

A área temática “O entre-lugar do intelectual latino-americano” conta com a participação de Hugo Achugar e Silviano Santiago, intelectuais de produção muito variada, pensadores da cultura, com intervenção direta na vida pública. Ambos ocupam não só esse entre-lugar do escritor latino-americano como refle-tiram e publicaram muitos ensaios sobre essa questão. Foi o artigo de Silviano,

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“O entre-lugar do discurso latino-americano”, escrito em 1971 e publicado no livro Uma literatura nos trópicos, em 1978, que nos inspirou a propor esse tema para o Congresso. Nesse artigo, um dos mais citados pela crítica brasileira, ele denunciava a obsessão pelo estudo das influências, em que se privilegiava a ori-gem, a fonte europeia da literatura periférica. Por outro lado, ele observava que o escritor tinha de aprender primeiro “a falar a língua da metrópole para melhor combatê-la em seguida”, mostrando que o “modelo original” não era o único possível. Ele apontava assim para este entre-lugar em que vivia o intelectual lati-no-americano, “entre o sacrifício e o jogo, entre a prisão e a transgressão, entre a submissão ao código e a agressão, entre a obediência e a rebelião, entre a assimi-lação e a expressão”. No seu artigo aqui presente “Destino: globalização. Atalho: nacionalismo. Recurso: cordialidade”, Silviano lê o atual momento, em que as vozes de descendentes de africanos e de indígenas, que estavam silenciadas – ou não eram ouvidas pelas elites – começam a aparecer com maior destaque e a mudar a cena nacional. Já o ensaísta uruguaio Hugo Achugar pergunta se existe um lugar para o intelectual latino-americano, primeiro distinguindo vários tipos de intelectuais, em seguida questionando o lugar e o estatuto do intelec-tual num mundo em que a Internet parece dominar a vida dos cidadãos, tor-nando-a ao mesmo pública e, de certa forma, anônima. O autor questiona, por exemplo, a confiabilidade da Wikipedia, a enciclopédia on-line feita por todos, inclusive por aqueles que preferem colocar informações falsas.

Dois artigos contemplam a área temática “América Hispânica e Brasil: diálo-gos culturais e literários”: “Un Proceso Conjunto: Las Culturas Amazónicas”, da estudiosa chilena Ana Pizarro e “A memória de Borges”, da pesquisadora brasi-leira Eneida Maria de Souza. No primeiro, Ana Pizarro trata da Amazônia como área cultural, cuja característica principal seria o intenso trânsito de populações de origens diferentes, que trouxeram contribuições importantes para forjar um imaginário amazônico. Destaca, ainda, que na região vivem muitas tribos indí-genas, que continuam falando suas línguas e praticando suas culturas ancestrais, algumas delas quase sem contato com a cultura ocidental. Ao analisar a região amazônica, à qual ela dedicou sua última interessante pesquisa, Ana Pizarro compara-a ao Caribe, área que também se caracteriza pelo encontro de muitas diferentes etnias e culturas. Eneida Maria de Souza, por seu lado, analisa as dife-rentes leituras e reinterpretações de Borges feitas por escritores contemporâneos como o espanhol Vila-Matas e o marroquino Ben Jelloun, sugerindo que talvez o melhor tributo a Borges seria retomar aquele Borges que apreciava o popular em

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vez de explorar o artificioso de Borges, como é o caso de Vila-Matas. Ela lembra também que Silviano, naquele artigo sobre o entre-lugar do intelectual latino-americano, inspirava-se no caso emblemático de Borges, que ocupava esse entre-lugar: o escritor devorador de livros, sempre escrevendo em um segundo grau, como seu personagem Pierre Ménard, o (pretenso) autor do Quixote.

Na área temática “Tradução como mediação cultural”, o livro apresenta textos de caráter bem distinto. Raúl Bueno, professor peruano que trabalha nos Estados Unidos, e grande especialista na questão, traça as interseções entre tra-dução, transculturação (Ortiz/Rama) e heterogeneidade (Cornejo Polar). No artigo “Mediaciones transculturales: traducciones”, ele conclui que as trans-culturações são todas mediadas por traduções de algum tipo ou nível; que toda tradução é um discurso (texto) heterogêneo, tanto no sentido dado por Cornejo Polar quanto no sentido dado por Derrida; que toda tradução é parte do processo de transculturação e é uma parcial transculturação em si mesma; que a tradução hoje em dia traduz culturas (sistemas culturais, representações ideológicas, interpretações), não meramente textos; que as transculturações de maior interesse consistem em cadeias de traduções que gradualmente redu-zem a distância e a estranheza cultural. Já em “Anotações sobre o ofício de tra-duzir”, Eric Nepomuceno dá um depoimento sobre sua enorme experiência, afirmando que o trabalho de tradutor é semelhante ao ofício de escritor. Ele destaca que o ritmo é um aspecto primordial em sua escrita, seja ela fruto de tradução ou de sua própria produção literária.

Para a área temática “Afro-Indo-Latino América: interlocuções”, apresen-tamos o ensaio “El Retorno de los Bárbaros”, do escritor e professor boliviano Guillermo Mariaca Iturri, que trata do encontro – ou antes do choque – dos europeus com os indígenas na América. Ele considera que os conquistadores não podiam compreender e incorporar a diferença dos povos autóctones da América. Tiveram, então, de inventar, pela primeira vez na história da humani-dade, a colonização, cujo objetivo não se limitava a evangelizar, a anular a dife-rença, mas pretendia dar um nome a essa diferença para, então, poder falar dela a fim de representá-la. Ele reflete sobre o percurso transcorrido até os dias de hoje, em que a Bolívia tem um presidente índio. Já o pesquisador brasileiro Julio Cesar de Tavares analisa a herança africana em três países do continente, Brasil, Peru e Colômbia, no artigo “Diáspora Africana: articulando singularidades na globalidade”. A diáspora africana imprimiu marcas visíveis nas sociedades em que foi transplantada. Segundo o autor, os “traços mais frequentes são encon-

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trados na música (através da força do ritmo), na dança (através dos movimen-tos assimétricos), na culinária, nas curas (sabedoria da fauna e flora tropicais), na expressão religiosa, na organização familiar e nas formulações de uma esté-tica que celebra a intensidade”.

A área temática “Subalternidades, resistências e alternativas na cidade glo-balizada da América Latina” contempla duas situações bastante distintas: no artigo ‘“El ojo que llora’: Bio-política, nudos de la memoria y arte público en el Perú de hoy”, Mabel Moraña, pesquisadora uruguaia radicada nos Estados Unidos, analisa as repercussões e implicações do monumento “El ojo que llora”, feita no Peru, para homenagear os mortos no período 1980-2000. Segundo os dados da Comisión de la Verdad y Reconciliación no seu Informe Final publi-cado em 2003, o número de vítimas da violência política que arrasou o país no período atinge cifras espantosas. Em 12 tomos e 7 anexos, a cvr concluiu que o número de vítimas da violência era de quase 70 mil pessoas. Também menciona o número de órfãos, superior a 40 mil, e cerca de 600 mil habitan-tes deslocados de seus territórios em consequência da guerra interna que opôs o Sendero Luminoso e as forças policiais. Já Adriana Facina se debruça sobre o fenômeno do funk nas favelas cariocas em “‘Eu só quero é ser feliz’: quem é a juventude funkeira no Rio de Janeiro?” A pesquisadora da Universidade Federal Fluminense denuncia a política de combate ao funk, afirmando que a associa-ção entre artistas do funk e “traficantes” mostra a incompreensão do caráter lúdico dos chamados “proibidões”, músicas em que os bandidos aparecem como heróis da juventude favelada. Segundo ela, não se trata de apologia ao crime, como afirma a grande imprensa a partir das informações da polícia, mas de posição de rebeldia própria da situação de excluídos da sociedade.

Como as áreas temáticas “Os bicentenários das independências de países hispano-americanos” e “O Caribe como área cultural” não foram contemplados por mesas plenárias no congresso, duas pesquisadoras foram convidadas a escre-ver sobre elas a fim de suprir a lacuna. Em “Una poética de La Mancha para los centenarios. La narrativa hispánica de Carlos Fuentes”, a professora argen-tina Carmen Perilli afirma que o escritor mexicano Carlos Fuentes busca suturar qualquer ruptura que ameace uma cultura que ele imagina como um espaço sim-bólico em que se realiza a montagem de uma totalidade derivada de uma mes-cla assimétrica. Seu projeto intelectual revela a preeminência da herança espa-nhola em detrimento das tradições indígenas. Segundo Perilli, a “pedra angular de seu edifício é a analogia que busca transformar a cultura em lugar de encon-

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tros, diluindo a existência de conflito”. Já em “O Grande Caribe: mestiçagem e barroco, memória e história”, Eurídice Figueiredo considera que esta macrorre-gião é uma área societal que não tem fronteiras precisas tendo em vista a dimen-são histórica (plantações, escravidão, mestiçagens de múltiplos povos coloca-dos em contato) e a dimensão geográfica, que faz com que as Antilhas (as ilhas, pequenas e grandes), apesar das diferenças de colonização, criaram alguma inte-ração, alguns laços, devido à sua situação arquipélica. Com as crescentes migra-ções que projetam o Caribe para dentro dos grandes centros hegemônicos, novos fatores de comunicação e novas identidades surgem. O barroco, fruto das mesti-çagens, é uma característica forte da literatura produzida na área.

Como o congresso foi realizado nas duas línguas – português e espanhol – decidimos conservar os artigos nas línguas dos autores. Com isso, visamos tam-bém estimular o intercâmbio e a interlocução entre brasileiros e hispânicos por-que acreditamos que, com um pequeno esforço e, sobretudo, com a prática, se pode entender as duas línguas, sem ter de recorrer à tradução e sem ter de, neces-sariamente, aprender a língua do outro.

Lívia Reis Eurídice Figueiredo

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