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ANSIEDADE
Aspectos gerais das escalas de avalição de ansiedade
Laura Helena S. G. Andrade 1 e Clarice Gorenstein 2
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RESUMO
Neste artigo são revisados o conceito de ansiedade e os instrumentos
utilizados para a sua avaliação. São comparadas as características das escalas
clínicas e de auto-avaliação de ansiedade mais utilizadas, tendo como
referência os tópicos avaliados: humor, cognição, comportamento, estado de
hiperalerta, sintomas somáticos e outros, além da separação ansiedade, traço
e estado. O modelo de três partes de Watson e Clark (1984), e os conceitos de
afeto negativo e afeto positivo são apresentados como uma proposta para
entender a superposição e correlação entre escalas para avaliação de
ansiedade e depressão.
Unitermos: Escalas de Avaliação; Ansiedade-Traço; Ansiedade-Estado; Afeto
Positivo; Afeto Negativo
ABSTRACT
General Aspects of Anxiety Rating Scales
The authors reviewed the anxiety construct and instruments design to assess it.
Comparisons of the features of self and clinical rating scales currently in use
with reference of topics as mood, cognition, behaviour, hiper arousal, somatic
symptoms and others, as well as the trait-state constructs. The tripartite model
proposed by Watson e Clark (1984) and the concepts of negative and positive
affects are presented to better understand the correlation of anxiety and
depression assessment instruments.
Key words: Rating Scales; State- Anxiety; Trait- Anxiety; Positive Affect;
Negative Affect
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O QUE É ANSIEDADE
A ansiedade é um estado emocional com componentes psicológicos e
fisiológicos, que faz parte do espectro normal das experiências humanas,
sendo propulsora do desempenho. Ela passa a ser patológica quando é
desproporcional à situação que a desencadeia, ou quando não existe um
objeto específico ao qual se direcione.
Os transtornos de ansiedade estão entre os transtornos psiquiátricos mais
freqüentes na população geral, com prevalências de 12,5% ao longo da vida,
7,6% no ano e 6% no mês anterior à entrevista (Andrade et al., 1998). Além
dos transtornos serem muito freqüentes, os sintomas ansiosos estão entre os
mais comuns, podendo ser encontrados em qualquer pessoa em determinados
períodos de sua existência. Aubrey Lewis (1979), após uma longa revisão
sobre a origem e o significado da palavra ansiedade, lista as seguintes
características:
1. é um estado emocional, com a experiência subjetiva de medo ou outra
emoção relacionada, como terror, horror, alarme, pânico;
2. a emoção é desagradável, podendo ser uma sensação de morte ou colapso
iminente;
3. é direcionada em relação ao futuro. Está implícita a sensação de um perigo
iminente. Não há um risco real, ou se houver, a emoção é
desproporcionalmente mais intensa;
4. há desconforto corporal subjetivo durante o estado de ansiedade. Sensação
de aperto no peito, na garganta, dificuldade para respirar, fraqueza nas pernas
e outras sensações subjetivas.
Além disso, Lewis (1979) salienta que existem manifestações corporais
involuntárias, como secura da boca, sudorese, arrepios, tremor, vômitos,
palpitação, dores abdominais e outras alterações biológicas e bioquímicas
detectáveis por métodos apropriados de investigação. Esse mesmo autor lista
alguns outros atributos que podem ser incluídos na descrição da ansiedade. A
ansiedade pode:
1. ser normal (p.ex. um estudante frente a uma situação de exame) ou
patológica (p.ex. nos transtornos de ansiedade);
2. ser leve ou grave;
3. ser prejudicial ou benéfica;
4. ser episódica ou persistente;
5. ter uma causa física ou psicológica;
6. ocorrer sozinha ou junto com outro transtorno (p.ex. depressão);
7. afetar ou não a percepção e a memória.
Como pode notar, o conceito de ansiedade não envolve um construto unitário,
principalmente no contexto psicopatológico. A ansiedade pode ser generalizada
ou focada em situações específicas, como nos transtornos fóbicos. A
ansiedade não-situacional pode ser pervasiva, podendo ser um estado de início
recente ou uma característica persistente da personalidade do indivíduo.
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COMO MEDIR A ANSIEDADE
Como vimos, o termo ansiedade abrange sensações de medo, sentimentos de
insegurança e antecipação apreensiva, conteúdo de pensamento dominado por
catástrofe ou incompetência pessoal, aumento de vigília ou alerta, um
sentimento de constrição respiratória levando à hiperventilação e suas
conseqüências, tensão muscular causando dor, tremor e inquietação e uma
variedade de desconfortos somáticos conseqüentes da hiperatividade do
sistema nervoso autonômico. Algumas escalas tentam cobrir todos esses
aspectos da ansiedade, mas a maioria enfatiza um ou outro.
Quando uma determinada escala for escolhida para medir a ansiedade, deve-
se ter em conta quais aspectos a escala em questão estará medindo. Existem
escalas que medem a ansiedade normal e escalas que medem a ansiedade
patológica. Uma outra distinção importante está entre escalas ou instrumentos
com finalidade diagnóstica e escalas de quantificação de intensidade ou
gravidade em sujeitos já diagnosticados, utilizadas para avaliação de
tratamentos. A interpretação dos resultados pode ser muito diferente se uma
escala ou outra for utilizada. É necessário dispor-se das informações básicas a
respeito dos valores normativos em diferentes grupos (idade, sexo, grupo
étnico, presença ou não de diagnóstico) e sensibilidade da escala a mudanças.
Porém, em muitos estudos a escolha das escalas é feita aleatoriamente, sem
qualquer referência ao que se pretende medir e às propriedades psicométricas
das escalas utilizadas.
Numerosos esforços têm sido feitos na tentativa de definir operacionalmente e
avaliar o construto ansiedade. Segundo Keedwell e Snaith (1996), as escalas
de ansiedade medem vários aspectos que podem ser agrupados de acordo
com os seguintes tópicos:
Humor – a experiência de uma sensação de medo não associado a nenhuma
situação ou circunstância específica; a apreensão em relação a alguma
catástrofe possível ou não identificada;
Cognição – preocupação com a possibilidade de ocorrência de algum evento
adverso a si próprio ou a outros; pensamentos persistentes de inadequação ou
de incapacidade de executar adequadamente suas tarefas;
Comportamento – inquietação, ou seja, incapacidade de se manter quieto e
relaxado mais do que alguns minutos, andando de um lado para o outro,
apertando as mãos ou outros movimentos repetitivos sem finalidade;
Estado de hiperalerta – aumento da vigilância, exploração do ambiente,
resposta aumentada a estímulos (sustos), dificuldade de adormecer (não
devida à inquietação ou à preocupação);
Sintomas somáticos – sensação de constrição respiratória, hiperventilação e
suas conseqüências, tais como espasmo muscular e dor (sem outra causa
conhecida), tremor; manifestações somáticas de, p.ex., hiperatividade do
sistema nervoso autônomo (taquicardia, sudorese, aumento da freqüência
urinária);
Outros – esta categoria residual pode incluir estados como despersonalização,
baixa concentração e esquecimento, bem como sintomas que se referem a um
desconforto, não necessariamente específico de ansiedade;
Além disso, tanto em sujeitos normais, como em pacientes, é útil a distinção
entre ansiedade–traço e ansiedade–estado. A concepção dualística de
ansiedade como traço e estado foi proposta primeiramente por Cattell e
Scheier (1961) e é a base do Inventário de Ansiedade Traço-Estado de
Spielberger et al. (1970). A distinção entre ansiedade traço e ansiedade estado
pode ser feita tanto em normais como em pacientes. É de particular
importância que se determine se uma escala vai medir traço, i.e., uma condição
mais permanente, característica do indivíduo, ou se a avaliação do estado
ansioso será feita em um determinado instante, diante de determinada
situação. As instruções devem ser precisas a esse respeito.
O estado de ansiedade é conceituado como um estado emocional transitório ou
condição do organismo humano que é caracterizada por sentimentos
desagradáveis de tensão e apreensão, conscientemente percebidos e por
aumento na atividade do sistema nervoso autônomo. Os escores de
ansiedade–estado podem variar em intensidade de acordo com o perigo
percebido e flutuar no tempo.
O traço de ansiedade refere-se a diferenças individuais relativamente estáveis
na propensão à ansiedade, isto é, a diferenças na tendência de reagir a
situações percebidas como ameaçadoras com intensificação do estado de
ansiedade. Os escores de ansiedade–traço são menos sensíveis a mudanças
decorrentes de situações ambientais e permanecem relativamente constantes
no tempo.
Convém lembrar que os autores que trabalham com essa distinção consideram
o construto ansiedade unidimensional. Numerosos estudos utilizando o IDATE
confirmaram a presença dos dois fatores ansiedade–traço e ansiedade–estado,
tanto em amostras clínicas, como em não-clínicas (Oei et al., 1990). Por outro
lado, Tenenbaum et al. (1985), usando um modelo de variável latente, não
encontraram uma diferenciação precisa entre traço e estado devido à alta
correlação de determinados itens que compõem as escalas.
Escalas mais utilizadas:
Keedwell e Snaith (1996) fizeram um levantamento a respeito das escalas de
ansiedade mais utilizadas nos últimos anos. Dentre elas estão:
A. escalas de avaliação clínica:
• escala de ansiedade de Hamilton (HAM-A; Hamilton, 1959);
• escala de ansiedade de Beck (Beck et al., 1988);
• escala clínica de ansiedade (Clinical Anxiety Scale—CAS; Snaith et al., 1982);
• escala breve de ansiedade (BAS; Tyrer et al., 1984)
• escala breve de avaliação psiquiátrica (BPRS; Overall et al., 1962)
B. escalas de auto-avaliação:
• o inventário de ansiedade traço-estado (IDATE; Spielberger et al., 1970,
STAI)
• escala de ansiedade de Zung (Zung, 1971)
• escala de ansiedade manifesta de Taylor (Taylor, 1953)
• subescala de ansiedade do Symptom Checklist (SCL-90; Derogatis et al.,
1973)
• POMS (Profile of Mood States—POMS; Lorr e McNair, 1984)
• escala hospitalar de ansiedade e depressão (HADS; Zigmond e Snaith, 1983)
De acordo com os estudos revisados por Keedwell e Snaith (1996), as escalas
de Hamilton e de Beck estão entre as escalas de avaliação clínica mais
utilizadas. O IDATE e a subescala de ansiedade do "Symptom Checklist" (SCL-
90) são os instrumentos de auto-avaliação mais utilizados.
Examinando estas escalas mais atentamente, de acordo com os diferentes
aspectos da ansiedade medidos por elas, observamos que a escala de
Hamilton, Zung e a de Beck têm construtos semelhantes, com ênfase nos
aspectos somáticos da ansiedade (figura 1). Já o IDATE tem uma grande
proporção de seus itens medindo aspectos inespecíficos que podem estar
presentes em qualquer situação de estresse. A única escala que dá ênfase aos
aspectos cognitivos da ansiedade é a subescala do BPRS. Os itens da CAS se
distribuem-se de maneira uniforme nos diferentes aspectos.
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PROBLEMAS NA AVALIAÇÃO DA ANSIEDADE: COOCORRÊNCIA DE
SINTOMAS ANSIOSOS E DEPRESSIVOS
Uma das dificuldades mais comumente encontradas na avaliação da ansiedade
está na superposição desta com sintomas depressivos. Muitos pesquisadores
têm dificuldade em separar ansiedade e depressão, tanto em amostras clínicas
(Prusoff e Kerman, 1974) quanto não-clínicas (Gotlib, 1984), e sugerem que os
dois construtos podem ser componentes de um processo de estresse
psicológico geral.
Uma outra possibilidade é que essa superposição seja devida a limitações
psicométricas das escalas utilizadas. Por exemplo, Endler et al. (1992),
aplicando várias escalas de ansiedade e depressão em uma amostra de 605
estudantes universitários, encontraram uma alta correlação entre depressão e
ansiedade medidas pelo Inventário de Depressão de Beck (BDI) e o IDATE
(correlação variando de 0,35 a 0,70). Por outro lado, utilizando uma escala
multidimensional de ansiedade (EMAS—ver abaixo) e o BDI, a correlação foi
consideravelmente menor (correlação variando de – 0,4 a 0,4). Outros autores,
replicando os achados de Gotlib (1984), concluem que essa superposição é
devida a um terceiro fator, um fator inespecífico presente nos dois construtos.
Clark e Watson (1990) resumem as limitações encontradas na avaliação da
ansiedade e da depressão:
1. escalas de auto-avaliação de ansiedade e depressão apresentam uma
correlação que está entre 0,40 e 0,70, tanto em amostras de pacientes como
em normais;
2. escalas de ansiedade correlacionam-se tanto com escalas de depressão
como com outras escalas de ansiedade e as escalas de depressão também
apresentam essa falta de especificidade;
3. a avaliação clínica de ansiedade e depressão também mostra essa
superposição;
4. somente a metade dos pacientes com ansiedade e depressão apresenta
quadros puros.
O modelo que parece melhor explicar a superposição (alta correlação e baixa
validade discriminante) entre escalas que quantificam ansiedade e depressão é
o modelo de três partes proposto por Watson e Clark (1984), que pressupõe os
conceitos de afeto negativo e afeto positivo:
Afeto negativo representa o quanto uma pessoa pode sentir-se constrangida,
desconfortável e insatisfeita ao invés de sentir-se bem. Congrega vários
estados aversivos como constrangimento, raiva, culpa, medo, tristeza, desdém,
desgosto e preocupação. Estar calmo e relaxado representa ausência de afeto
negativo.
Afeto positivo representa o quanto uma pessoa sente entusiasmo, energia e
prazer pela vida. A ausência de afeto positivo pode ser representada por
sintomas como perda de energia e prazer, apatia, cansaço e desesperança.
De acordo com o modelo de Watson e Clark (1984), a ansiedade pode ser
diferenciada da depressão pela presença de sintomas de hiperestimulação
autonômica. Já a depressão pode ser discriminada da ansiedade pela
presença de anedonia ou ausência de afeto positivo. O afeto negativo estaria
presente nos dois construtos, portanto inespecífico, o que explicaria a alta
correlação encontrada. A gravidade dos quadros depressivos e ansiosos e a
comorbidade interagem de forma que os quadros mais leves apresentam maior
superposição devido ao fator inespecífico, enquanto casos de maior gravidade
se diferenciam pela predominância dos fatores específicos. Os autores utilizam
esse modelo para propor a inclusão do diagnóstico de transtorno misto
depressivo–ansioso nas classificações. Esses pacientes apresentariam
sintomas inespecíficos como desmoralização, irritabilidade, alterações leves de
sono e apetite, distração e sintomas somáticos leves, sendo muito comum
encontrá-los em atendimentos de cuidados primários.
Utilizando o conceito de modelo de três partes de Watson e Clark (1984),
algumas escalas foram desenvolvidas para avaliar ansiedade, levando-se em
conta a multidimensionalidade da ansiedade e da superposição de sintomas
ansiosos com sintomas depressivos. Entre elas, podemos destacar a MASQ
(Mood and Anxiety Symptom Questionnaire –Watson et al., 1995), a PANAS-X:
Positive and Negative Affect Schedule – Expanded form (Watson e Clark,
1994), a EMAS: Endler Multidimentional Anxiety Scales (Endler et al., 1991) e a
DASS: Depression anxiety stress scales (Lovibond e Lovibond, 1995), as quais
estão melhor descritas abaixo.
MASQ (Mood and Anxiety Symptom Questionnaire –Watson e Clark, 1991;
tradução para o português: Andrade e Gorenstein, em preparação)
Utilizando o modelo de três partes, os autores criaram um instrumento com
duas subescalas, de ansiedade e depressão, com um bom grau de
discriminação dos dois construtos, além de três subescalas medindo sintomas
relativamente inespecíficos. As três subescalas inespecíficas são: a)
desconforto geral (general distress): sintomas mistos contendo 15 itens que
aparecem tanto em critérios diagnósticos para transtornos de ansiedade, como
de transtornos depressivos, tais como sentimentos de irritação e confusão,
insônia e dificuldade de concentração; b) desconforto geral: sintomas ansiosos
com 11 itens, incluindo sintomas ansiosos relativamente inespecíficos, como
incapacidade para relaxar, diarréia, desconforto estomacal; c) desconforto
geral: sintomas depressivos incluindo sintomas depressivos inespecíficos como
sentimentos de desapontamento e falha, auto-acusação e pessimismo. As
escalas específicas são: a) ativação autonômica com 17 itens, incluindo
sintomas de hiperatividade autonômica e tensão, como boca seca, tremor,
taquicardia, mãos frias e suadas; b) depressão/anedonia com 22 itens, 14
medindo afeto positivo e 8 medindo perda de interesse.
PANAS-X: Positive and Negative Affect Schedule (Watson e Clark, 1994) –
Expanded form
Esta escala baseia-se em dois amplos fatores gerais: afeto positivo (PA) e
afeto negativo (NA). Esses fatores emergiram de forma consistente em vários
estudos como as duas dimensões dominantes da experiência emocional. A
PANAS-X mede 11 afetos específicos: medo, tristeza, culpa, hostilidade,
acanhamento, cansaço, surpresa, jovialidade, autoconfiança, atenção e
serenidade. É uma escala de auto-avaliação. Estudos com análise fatorial
(validade de construto) demonstraram dois fatores: 1. afeto negativo (medo,
tristeza, culpa, hostilidade e acanhamento, cansaço e surpresa); 2. afeto
positivo (jovialidade, autoconfiança, atenção, surpresa, serenidade; fadiga é um
marcador de afeto positivo baixo)
EMAS: Endler Multidimentional Anxiety Scales (Endler, Edwards e Vitelli, 1991)
Esta escala foi desenvolvida para avaliar ansiedade traço e estado, como
construtos multidimensionais. A EMAS-T (EMAS Trait Anxiety Scale) tem
quatro subescalas para avaliar a predisposição a experienciar o estado de
ansiedade em quatro tipos de situação: avaliação social, perigo físico,
ambigüidades e rotinas diárias. Os itens de ansiedade (por exemplo:
taquicardia, sentir-se incomodado) são idênticos para cada tipo de situação. A
EMAS-S (EMAS State Anxiety Scale) tem duas subescalas (sintomas
autonômicos emocionais e cognição-preocupação). Estudos com análise
fatorial dessas duas escala, em populações não-clínicas confirmam a
separação traço-estado e a multidimensionalidade desse dois sub-
componentes (Endler e Parker, 1991).
DASS: Depression anxiety stress scales (Lovibond e Lovibond, 1995)
Esta escala é composta por três subescalas, medindo aspectos específicos de
ansiedade e depressão e sintomas relacionados ao estresse. A subescala
depressão mede perda de auto-estima e incentivo, associada a uma baixa
percepção da probabilidade de serem atingidas metas significativas na vida de
uma pessoa. (Disforia, desesperança, desvalorização da vida, auto-
depreciação, perda de interesse, perda de prazer, inércia). A subescala
ansiedade enfatiza a ligação entre estado permanente de ansiedade e resposta
aguda de medo, com sintomas somáticos e subjetivos, além de medir
ansiedade situacional (sintomas autonômicos, efeitos músculo-esqueléticos,
ansiedade situacional, experiência específica de afeto ansioso). A subescala
estresse mede um estado persistente de elevação autonômica e tensão, com
baixo limiar para frustração (dificuldade para relaxar, nervosismo, irritação,
impaciência, facilidade para frustração, agitação, hipereatividade).
Em um estudo em que se determinou os componentes principais dessa escala
(Lovibond e Lovibond, 1995) os autores encontraram uma grande superposição
entre as escalas ansiedade e estresse, e concluíram que o ponto de divisão
entre elas pode ser arbitrário. Os itens que apresentaram maior superposição
foram os itens medindo nervosismo (tensão nervosa e "energia nervosa"). Essa
superposição sugere que existe uma continuidade natural entre as síndromes
avaliadas pelas escalas ansiedade e estresse. Os autores concluem que a
superposição, que também ocorre com a escala depressão, não é resultado de
baixa discriminação da escala, mas sim de um fator de vulnerabilidade comum
como neuroticismo (Eysenck e Eysenck, 1964) ou afeto negativo (Watson e
Clark, 1984) e/ou um desencadeante ambiental comum.
Análise fatorial do IDATE – traço e do inventário de depressão de Beck em
uma amostra de estudantes universitários
Na tentativa de estudar a associação entre ansiedade e depressão, aplicamos,
em uma amostra de 1.080 universitários (845 mulheres e 235 homens; idade
média de 24,1 anos, dp = 6,4 anos) da cidade de São Paulo, o IDATE – traço e
o inventário de depressão de Beck, e efetuamos análise fatorial de
componentes principais com rotação varimax, nos 41 itens conjuntos do IDATE
e Beck. Essa análise revelou dois fatores: o primeiro fator, ao qual chamamos
cognitivo-afetivo e somático, explicou 26% da variância e foi composto por 17
itens do Beck (exceto irritabilidade, distorção da imagem corporal, perda de
peso e perda de libido) e por quatro itens do IDATE – traço (sentir-se bem,
feliz, deprimido, contente). O segundo fator, chamado de humor-preocupação
foi composto por 17 itens do IDATE-traço (exceto cansar-se facilmente,
descansado, evitar crises ou dificuldades). Nenhum item do Beck esteve
presente nesse fator. Assim, aparentemente, pudemos, em uma amostra não-
clínica, separar ansiedade de depressão.
Para corroborar a hipótese de que o fator 1 estaria medindo depressão e o
fator 2, ansiedade, observamos os resultados sob a ótica do modelo de três
partes proposto por Watson e Clark (1984), e comparando cada item do
IDATE-traço e do Beck presente nos dois fatores com os itens de cada
subescala da MASQ verificamos que a maioria dos itens do Beck que compõe
o fator 1 são considerados sintomas específicos (3) e inespecíficos de
depressão (8), enquanto os itens que ficam fora referem-se a sintomas
considerados por Watson e Clark como inespecíficos tanto de ansiedade como
de depressão. Além disso, os 4 itens do IDATE que fazem parte desse fator
são itens que medem afeto positivo. Assim, o fator 1 parece realmente estar
relacionado à depressão.
Já para o fator 2 (humor-preocupação) nossa hipótese não pode ser
confirmada, pela própria estrutura da escala IDATE – traço. Dos 20 itens do
IDATE – traço, nenhum avalia sintomas específicos de ansiedade: dois medem
sintomas inespecíficos de ansiedade, 10 medem sintomas inespecíficos que
podem estar presentes tanto na ansiedade como na depressão, 3 medem
sintomas depressivos inespecíficos e 5 medem sintomas relacionados à
diminuição do afeto positivo. Na verdade, o desenvolvimento do IDATE – traço
foi amplamente influenciado pela escala de ansiedade manifesta de Taylor
(Taylor, 1953), e tanto um como o outro têm alta correlação com escalas de
emocionalidade e neuroticismo (por exemplo, a escala N do inventário de
personalidade de Eysenck; Eysenck e Eysenck, 1964). Assim, concordamos
com Lader e Marks (1974) em que ao utilizarmos essas escalas na verdade
estamos obtendo uma medida de tendência geral de resposta emocional, mas
não ansiedade como conceituamos neste artigo.
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