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SO Senado na Histria do Brasil
Volume 1
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De segunda a sexta-feira, a verso
impressa do Jornal do Senado
distribuda gratuitamente em
diferentes pontos do Congresso
Nacional, da Rodoviria do Plano
Piloto e do Aeroporto de Braslia. Asnotcias publicadas permitem aos
cidados conhecer em detalhes
os trabalhos desempenhados
pelos senadores diariamente, tanto
no Plenrio quanto nas vrias
comisses.
O Jornal do Senado, que
comeou a circular em maio de
1995, soma-se ao Portal de Notcias,
TV Senado e Rdio Senado para
compor os veculos de comunicao
que contribuem para tornar a Casa
um exemplo de transparncia no
poder pblico.
OJORNAL DO SENADO
O Jornal do Senadotambm
pode ser lido na internet:
www.senado.leg.br/jornal
O ARQUIVO S
A seoArquivo S, publicada pelo
Jornal do Senadodesde 2014, revela um
pouco da riqueza dos documentos hist-
ricos que esto sob a guarda do Arquivo
do Senado. A cada ms, um episdio da
histria do Brasil escolhido para ser nar-rado a partir dos pronunciamentos e dos
projetos de lei dos senadores da poca.
Por meio dessas reportagens, percebe-se
que o Senado sempre foi protagonista da
histria nacional.
A seoArquivo S, resultado de uma
parceria entre o Jornal do Senadoe o Ar-
quivo do Senado, publicada na primeira
segunda-feira de cada ms e vem acom-
panhada de vdeos do Portal de Notcias
e de programas da Rdio Senado.
OArquivo Stambm pode
ser lido na internet:
www12.senado.leg.br/jornal/arquivo-s
Personagens da capa (em sentido horrio):
Getlio Vargas, Jos Sarney, Pel, Joo Figueiredo, duque de Caxias,
kaiser Guilherme II, dom Pedro II, Deodoro da Fonseca,
Tancredo Neves, Juscelino Kubitschek, Solano Lpez e Ruy Barbosa
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S
O Senado na Histria do Brasil
Volume 1
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R W
B B
O Senado na Histria do Brasil
S
Volume 1
SENADO FEDERAL
Mesa
Binio 20152016
Senador Renan Calheiros
PRESIDENTE
Senador Jorge Viana
PRIMEIRO-VICE-PRESIDENTE
Senador Romero Juc
SEGUNDO-VICE-PRESIDENTE
Senador Vicentinho AlvesPRIMEIRO-SECRETRIO
Senador Zeze Perrella
SEGUNDO-SECRETRIO
Senador Gladson Cameli
TERCEIRO-SECRETRIO
Senadora ngela Portela
QUARTA-SECRETRIA
SUPLENTES DE SECRETRIO
Senador Srgio Peteco
Senador Joo Alberto Souza
Senador Elmano Frrer
Senador Douglas Cintra
___________________
Ilana rombka
DIRETORA-GERAL
Luiz Fernando Bandeira
SECRETRIO-GERAL DA MESA
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A histria do Brasil passa, h quase dois sculos, pelo Senado, primei-
ramente Senado do Imprio, depois Senado Federal.
Reuniu-se o Senado a 5 de maio de 1826, sob a presidncia do Mar-
qus de Santo Amaro, composto por 50 senadores nomeados pelo impera-
dor. No havia, naquele tempo, homens com qualquer experincia parla-
mentar. Apenas alguns dos senadores haviam vindo da Constituinte, onde,
como deputados, traziam a alma impregnada das mais generosas ideias.
Havia o desejo e a noo do Parlamento. Mas ningum sabia o que era um
Parlamento.
Apesar de um ou outro foco de resistncia na Independncia e, mais
tarde, de revoltas e revolues, esta nao foi feita sob a gide do poder
poltico, que a sntese de todos os poderes. Fomos feitos atravs da cons-
truo de instituies que nasceram na Cmara e no Senado.
Capistrano de Abreu, um de nossos maiores historiadores, teve aoportunidade de fixar bem isso quando disse que duas instituies foram
responsveis pela unidade nacional, pela construo deste grande pas,
mantendo a sua unidade: o Poder Moderador do imperador e vamos
pensar como h dois sculos, e no como hoje e a vitaliciedade do Se-
nado, que para ns parece um absurdo. Ambos tinham como base o pen-
samento de Benjamin Constant, que dizia que essa era a casa da dura-
o, onde existia a ideia da perenidade, da estabilidade. Foram justamente
o Senado e o Poder Moderador que conseguiram, ao longo do Imprio,
construir a unidade nacional. Foram esses dois instrumentos que identifi-
camos, hoje e ao longo da nossa histria, como to importantes.
O Senado ajudou a construir o Brasil
Prefcio
Jos Sarneyex-presidente da Repblicae ex-presidente do Senado
SECRETARIA DE COMUNICAO SOCIAL
Diretora:Virgnia Malheiros Galvez
Diretora-adjunta: Edna de Souza Carvalho
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SECRETARIA AGNCIA E JORNAL DO SENADO
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JORNAL DO SENADO
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Juliana Rebelo, Juliana Steck, Pedro Pincer,
Ricardo Westin e atiana Beltro
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E DOCUMENTAO
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Vasconcelos
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e Leonardo Pereira dos Santos
Colaborao: Jefferson Dalmoro (Rdio Senado),
Biblioteca do Senado, Servio de Pesquisa e
Atendimento ao Usurio e Servio de Pesquisa
Legislativa
Expediente
Westin, Ricardo.
Arquivo S / Ricardo Westin, textos ; Bruno Bazlio, ilustraes.
Braslia : Senado Federal, 2015.
121 p. : il. (O Senado na histria do Brasil ; v. 1)
Reportagens publicadas em 2014 e 2015 pelo Jornal do Senado
com base no acervo do Arquivo do Senado Federal.
1. Brasil. Congresso Nacional. Senado Federal, histria. 2. Poder
legislativo, histria, Brasil. I. tulo. II. Srie
CDD 328.8109
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O Parlamento , em cada lugar, um reflexo da sua poltica. Um reflexo
que se faz nos homens e nas transformaes. O Senado Federal tem, ento,
essa grande posio na histria poltica brasileira. Grandes nomes por ele
passaram. Quase todos os grandes polticos brasileiros nele estiveram. O
outro reflexo do pas na poltica no campo das transformaes, das ideias
transformadas em atos que conduzem evoluo da prpria sociedade.
Muitas vezes, ns nos esquecemos do que foi a construo poltica do Bra-
sil, das ideias que fizeram este pas. Ao longo do tempo, as ideias civilistas,
os ideais democrticos e os ideais de liberdade construdos no deixaram
frutificar as ideias ditatoriais. Fazem parte da alma e do povo brasileiro.
Por meio de qu? Por meio da pregao dos homens pblicos que tivemos.
O Congresso, como expresso do liberalismo, ao longo do tempo, so-
freu as modificaes da poltica.
O velho Senado funcionava como um freio conservador, no sentido
no exclusivamente partidrio do termo, ao mpeto da Cmara temporria.
O Senado a Casa da Federao. Desde o princpio do pas, falava-se
em Federao. O Imprio era um Estado unitrio. Os imprios sempre fo-
ram Estados unitrios. Dizia-se que isso era essencial unidade nacional.
Mas essa ideia comeou a crescer. E Ruy Barbosa se tornou o grande patro-
no da ideia do federalismo, junto com Joaquim Nabuco. De tal modo que
ele, que fora monarquista e ainda no havia aberto o ideal para ser republi-
cano, dizia: Faamos o federalismo com monarquia ou sem monarquia.
O advento da Repblica redefiniu a funo do Senado. Formalmen-
te, como instituio, no houve modificao essencial em sua estrutura e
prerrogativas. Politicamente, porm, e do ponto de vista doutrinrio, seu
peso cresceu de ponto. O Senado tornou-se o guarda da Federao. Nele serepresentam paritariamente os interesses permanentes dos estados. am-
bm era assim no Imprio. Mas a Monarquia, forma centralizada de Esta-
do, impunha a prevalncia da corte sobre as provncias, dando ao Senado a
funo de um conselho privilegiado, que, apesar de ter altura poltica, no
desempenhava essencialmente funes polticas.
Ao longo do tempo acabou-se o Senado antigo, da poca do discur-
so. O Poder Legislativo passou por profundas modificaes. Porm, a nos-
talgia dos tempos gloriosos no deve jamais obscurecer a importncia do
Congresso nos nossos dias e, principalmente, do Senado.
O nosso Congresso pode orgulhar-se de ser parte importante da vida
brasileira, e o pas nasceu dentro dele, com seus defeitos e suas virtudes.
A instituio parlamentar, hoje, um patrimnio do pas, do seu estilo de
vida, do seu destino poltico.
A verdade que sem Parlamento no h democracia, sem democracia
no h liberdade e sem liberdade o homem apenas uma aspirao de en-
gordar. Para indcios de que vivemos uma poca de transio h sintomas
de restaurao.
Hoje o Parlamento brasileiro tem uma singular particularidade. Seus
debates tm a fiscalizao diria, o acompanhamento imediato, em tempo
real, de todos. As decises so abertas e delas participa a opinio pblica
mobilizada e atenta, engajada e apaixonada, sem necessitar da saturao do
tempo. As reunies so televisionadas pelos nossos rgos de comunicao
interna, que passam a ter uma importncia nunca pensada. As televises
privadas so obrigadas a seguir o nosso ritmo para no perder audincia.
Os fatos imediatamente so construdos e as evidncias se realizam diante
de todos.
A ideia do Parlamento, da representatividade, , sem dvida, o cora-
o da democracia. Desde a primeira vez em que se falou em democracia,
desde o discurso de Pricles aos mortos da Guerra do Peloponeso, at hoje,
podem dizer tudo do Parlamento, mas no se descobriu instituio melhor
para se exercer o processo democrtico. Churchill dizia que a democracia
muito ruim, mas no temos nada melhor.
No Parlamento o Brasil foi criado, a Federao foi formada pelo tra-
balho dos polticos brasileiros. No Parlamento encontram-se todas as so-
lues dos nossos problemas, pois ele o lugar em que o povo pode ques-
tionar tudo, inclusive o prprio Parlamento.O Congresso Nacional a instituio do povo. Com a simples fora
das palavras e das ideias, a nao existe, vive e representada. Quando o
Parlamento se fecha, baixa o silncio sobre todos os direitos, porque o povo
no tem aquela expresso da Casa qual recorre a fim de reivindicar seus
direitos e formar sua conscincia.
Finalmente, a grandeza da instituio legislativa a sua essncia. Nin-
gum descobriu at hoje outra que a substitusse. Quanto aos homens, se-
nadores, eles passam. Mas a soma de todos menor que a instituio.
A glria legislativa feita de lampejos, de instantes, de momentos fu-
gidios. Da vaidade de um discurso, de um parecer, de uma emenda, de
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uma lei, de um momento de brilho que, em seguida, sepultado nos anais.
Mas a instituio sempre um sol. Quando ele se apaga ou sua luz
esmaece, a escurido ou a penumbra cai sobre os povos.
E hoje, quando o Brasil cresceu, desenvolveu-se, tornou-se o pas que
, ns s temos o Senado como expresso da unidade nacional, porque
aqui, falando em nome de todos os estados, ns somos todos iguais: trs re-
presentantes de cada estado. No h diferenas. O centro-sul, por exemplo,
tem a hegemonia poltica, tem a hegemonia econmica, tem a hegemonia
de recursos humanos. O nico ponto de coeso o Senado Federal, no
qual esto representantes iguais de cada um dos estados. Nele se defende o
menor estado que seja. Nele o senador defende uma lei na qual seu estado
no pode ser prejudicado; isso assegura a unidade nacional.
Por quatro vezes exerci a Presidncia do Senado Federal sob o com-
promisso de sempre modernizar a Casa. Foi um desafio em que contei com
o apoio do corpo de funcionrios que reputo dos melhores do Brasil e
com a dedicao de senadoras e senadores.
Ao corrigir os problemas de divulgao de nossas atividades, tarefa
essencial para a publicidade, que um postulado que vem da Constituio
de 1824 (artigo 70), senti a necessidade de modernizar o nosso contato com
a sociedade. Criamos ento, em respeito transparncia e para a cidada-
nia, a V Senado, pioneira na transmisso da atividade parlamentar. Com
ela o prprio comportamento dos senadores se modificou, com aumento
significativo de suas participaes em Plenrio e comisses, tambm co-
bertas por nossos ser vios de V. Mas o mais importante que o cidado
pode acompanhar, continuamente, o essencial do debate parlamentar, com
a exposio dos assuntos de interesse dos estados e da Federao pelos se-nadores, com a discusso e votao de resolues, projetos de lei, medidas
provisrias, emendas constitucionais.
A partir dessa tomada de posio, prosseguimos na busca contnua
de transparncia dos trabalhos legislativos e das prprias atividades-meio
da Casa. Assim, criamos o complexo de meios da Secretaria de Comu-
nicao Social Jornal, V, Rdio, Agncia, revista Em Discusso!, Al
Senado, DataSenado, programa de visitao, servio de Publicidade, Portal
de Notcias , que atende a milhes de brasileiros. A V Senado e a Rdio
Senado funcionam 24 horas por dia. H uma intensa e frtil interlocuo
com a sociedade.
O Jornal do Senadopublica, desde 2014, uma seo mensal, o Ar-
quivo S, com reportagens sobre a histria do Brasil que, reunidas, so aqui
apresentadas. Elas utilizam os arquivos do Senado Federal para mostrar os
principais acontecimentos dos ltimos 190 anos.
As reportagens, feitas por Ricardo Westin, resgatam o acervo do Ar-
quivo do Senado e trazem a anlise de historiadores e o testemunho de
contemporneos dos acontecimentos.
A memria das instituies preservada no apenas para fins formais
e tcnicos, mas, sobretudo, para servir de referncia para o presente e o fu-
turo. Sem ela no poderamos saber como os acontecimentos se passaram,
suas causas e consequncias. Divulg-la , assim, tarefa essencial.
Arquivo S O Senado na histria do Brasil uma contribuio im-
portante ao acesso da populao matria armazenada em nossos arqui-
vos e participao do Senado Federal nos principais momentos da for-
mao de nosso pas.
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Sumrio
Introduo
Imprio - Falas do trono - 1823 a 1889
Imprio - Guerra do Paraguai - 1864 a 1870
Repblica da Espada - Criao da bandeira nacional - 1889
Repblica do Caf com Leite - 1 eleio presidencial direta - 1894
Repblica do Caf com Leite - 1 Guerra Mundial - 1914 a 1918
Repblica do Caf com Leite - Palcio Monroe - 1925 a 1976
Repblica de 46 - Fundao da Petrobras - 1953
Repblica de 46 - Suicdio de Getlio Vargas - 1954
Repblica de 46 - 1 ttulo do Brasil em Copa do Mundo - 1958
Repblica de 46 - Mudana da capital para Braslia - 1960
Nova Repblica - Morte de Tancredo Neves - 1985
Uma viagem pela memria do Senado e do Brasil
Discursos do imperador iam da abolio ao tombo da imperatriz
150 anos depois, guerra ainda ferida aberta no Paraguai
Bandeira nacional enfrentou resistncias at ser aceita
No fim do sculo 19, pouco eleitor e muito candidato
Senador foi crucial para entrada do Brasil na 1 Guerra
Que fim levou o Palcio Monroe?
Criao da Petrobras rachou o Senado em 1953
Senado ficou perplexo ante suicdio de Getlio, em 54
Senadores vibraram na conquista da 1 Copa
Oposio fez campanha contra mudana para Braslia
Em 1985, a madrugada mais longa da Repblica
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Desde 2014, o Jornal do Senadopublica uma seo mensal com basenos documentos antigos e de valorincalculvel que esto guardados no
Arquivo da Casa e ajudam contar osprincipais episdios da histria do pas
Uma viagempela memriado Senado e
do Brasil
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uando os primeiros senadores do Brasil tomaram posse, em
1826, eles t iveram de fazer um juramento pblico aos Santos
Evangelhos, no Pao do Senado, no Rio de Janeiro. Cada um
deles prometeu ser leal ao imperador e manter a religio
catlica apostlica romana.
Escrito h dois sculos, com caneta tinteiro, o documento original
contendo o juramento dos senadores do Imprio um dos inmeros pa-
pis de valor incalculvel que esto sob a guarda do Arquivo do Senado,
em Braslia. Est entre os documentos mais antigos do acervo.
Em 2014, o Jornal do Senadocriou uma seo mensal que explora
a riqueza histrica desses papis. A seo Arquivo S publicada sempre
na primeira segunda-feira de cada ms, com reportagens que apresentam
documentos importantes que esto guardados no Arquivo do Senado e
ajudam a compreender a histria do Brasil.
O acervo est protegido em salas com controle de temperatura e umi-
dade, de modo a impedir a proliferao de fungos que, com o passar do
tempo, danificam os papis. So documentos to delicados que s podem
ser tocados com luvas.
O Arquivo do Senado preserva o pronunciamento que dom Pedro I
fez na abertura dos trabalhos do Senado e da Cmara dos Deputados, numa
cerimnia na manh de 6 de maio de 1826, um sbado, no Pao do Senado.
No discurso, ele disse que sentira pesar em 1823 ao dissolver a Assembleia
Nacional Constituinte.
A Assembleia foi criada com o objetivo de redigir a primeira Consti-
tuio do Brasil, um ano aps a Independncia. No anteprojeto em gesta-
o, porm, os constituintes dariam ao imperador menos poderes do que
ele esperava. Dom Pedro I reagiu ordenando s tropas que invadissem a
Assembleia. O episdio entrou para a histria como Noite da Agonia. Ele,
ento, formou uma comisso com gente de sua confiana para propor um
texto constitucional exatamente a seu gosto prevendo, ao lado do Exe-
cutivo, do Judicirio e do Legislativo, o Poder Moderador, que garantia
poderes absolutos ao monarca.
O Poder Legislativo, que havia sido extinto em 1823, aps poucos
meses de existncia, s voltaria a nascer naquele sbado de 1826, quando
o imperador fez o discurso no Senado. Explica Antonio Barbosa, con-
sultor legislativo aposentado do Senado e historiador da Universidade de
Braslia (UnB):
No de se estranhar que dom Pedro I tenha dito que havia dis-
solvido a Assembleia com pesar. O discurso poltico sempre foi assim. O
imperador participava da instalao do Poder Legislativo e, naturalmente,
falou tudo o que pde em louvor ao Legislativo. Ele se penitenciou de ter
fechado a Assembleia, mas no de ter feito uma Constituio do seu jeito.A penitncia nada mais foi do que uma retrica do jogo poltico.
Entre os documentos mais valiosos guardados no Arquivo do Sena-
do, est a Lei urea, de libertao dos escravos, assinada em 1888 pela
princesa Isabel. ambm esto nas salas climatizadas do Arquivo os pro-
jetos de lei que tramitaram nestes quase 200 anos de histria da Casa, as
atas de reunies dos senadores e os relatrios produzidos pelas comisses
parlamentares de inqurito (CPIs).
Se todos os papis do Arquivo fossem enfileirados, como numa estan-
te de livros, eles se estenderiam por 16 quilmetros seis vezes a exten-
so da Avenida Paulista, quatro vezes a da Praia da Copacabana ou toda aFuncionria do Arquivo do Senado mostra documentos do Imprio: enfileirados comolivros numa estante, acervo completo cobriria seis vezes a extenso da Avenida Paulista
Q
LIADEPAULA/AGNCIASENADO
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extenso do Plano Piloto de Bra-
slia. Em cada ms, a seo Ar-
quivo Strata de um episdio his-
trico diferente.
Wnis de Almeida Batis-
ta, coordenador do Arquivo do
Senado, diz que os documentos
arquivados servem tanto ao Se-
nado quanto histria:
Os documentos que
guardamos so produzidos como
parte das atividades legislativas e
administrativas do Senado. Com
o passar do tempo, eles acabam
se transformando em retratos
histricos do Senado e, mais do
que isso, do Brasil.
De acordo com Jorge Vivar,
coordenador do curso de Arqui-
vologia da Universidade Federal
do Rio Grande do Sul (UFRGS),
arquivos como o do Senado, alm
de preservarem a memria do
pas, so agentes proativos de ci-
dadania:
Com as recentes Comisses da Verdade, que se debruaram sobrea ditadura militar, os arquivos ganharam uma importncia imensa. Por
meio dos papis que eles guardam, a sociedade pde conhecer a verdade e
fazer justia.
Documento histrico do Arquivo do Senado que contm ojuramento de posse dos primeiros s enadores, e m 1826
Um senador do Imprio pintado peloartista francs Jean-Baptiste Debret
H muitas diferenas entre o Senado do Imprio e o de hoje. Cabia ao
imperador decidir qual dos trs mais votados em cada provncia se tornaria
senador (a eleio agora direta). Os senadores s eram substitudos quan-
do renunciavam ou morriam (hoje h mandato, de oito anos).
Para tornar-se senador, o poltico precisava ter pelo menos 40 anos
(atualmente so 35 anos) e comprovar no mnimo 800 mil ris de renda anu-
al (a exigncia de renda foi extinta). O juramento de posse tambm era dis-
tinto. Os primeiros senadores, segundo um documento da poca guardado
no Arquivo do Senado, diziam o seguinte: Juro aos Santos Evangelhos cum-
prir fielmente as obrigaes de senador, manter a religio catlica apostlica
romana, a integridade do Imprio, observar e fazer observar a sua Constitui-
o Poltica, ser leal ao imperador e promover o bem geral da nao.
Hoje, no h referncia a religio. Explica o historiador Antonio Bar-
bosa, da Universidade de Braslia (UnB):
O catolicismo era a religio oficial do Brasil. O Estado no era lai-
co. Para ocupar cargos pblicos, votar e ser votado, o cidado tinha que ser
catlico. Como comparao, o que ocorre hoje no Ir. O pas se chama
Repblica Islmica do Ir. O Brasil s deixou de ter religio oficial ao se
tornar Repblica.
REPRODUO
ARQUIVODOSENADO
O Senado ontem e hoje
Oua udio da Agncia Senado: http://bit.ly/AntonioBarbosa
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Com discursos solenes, chamados de falas dotrono, os imperadores Pedro I e Pedro II e osregentes abriam e encerravam o ano de trabalhodos senadores e deputados. Os papis originaisesto no Senado e foram tombados pela Unesco
Discursos doimperador iamda abolioao tombo daimperatriz
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O imperador dom Pedro II retratado na falado trono pelo pintor Pedro Amrico: coroa, cetro,manto e mura de penas de papo de tucano
Sempre no primeiro dia do ano legislativo, o presidente da Repbli-
ca cumpre o dever imposto pela Constituio e envia ao Congres-
so Nacional a mensagem presidencial. rata-se do documento em
que o governo faz um balano do ano que se encerrou e enumera
as prioridades do pas para o ano que se inicia.
O ritual mais antigo do que se imagina. Foi dom Pedro I quem o
inaugurou, dois sculos atrs, em 1823. O documento se chamava fala do
trono. Hoje, o presidente da Repblica apenas remete a mensagem ao Po-
der Legislativo. No perodo imperial, o monarca comparecia ao Palcio
Conde dos Arcos, a sede do Senado, no Rio, e proferia a fala do trono
numa concorrida cerimnia, deixando claro o que esperava dos senadores
e deputados naquele ano.
Na abertura dos trabalhos legislativos de 1826, por exemplo, dom Pe-
dro I pediu aos parlamentares:
Deve merecer-vos sumo cuidado a educao da mocidade de am-
bos os sexos.
O Brasil oferecia escola apenas para os meninos. A palavra do impe-
rador foi decisiva. No ano seguinte, o Senado e a Cmara aprovaram uma
lei determinando que se instalassem escolas de primeiras letras para me-
ninas nas cidades mais populosas.
Dom Pedro II herdou a tradio das falas do trono. Em 1853, ele apre-
sentou outra prioridade:
Recomendo-vos a criao de um banco, solidamente constitudo,
que d atividade e expanso s operaes do comrcio e indstria.
Naquele momento, apenas bancos privados operavam no Imprio. O
Banco do Brasil, fundado por dom Joo VI em 1808, no suportara as pol-pudas retiradas feitas pela corte portuguesa antes do regresso para Lisboa
e acabara indo bancarrota em 1829. Faltava um banco estatal. Passados
dois meses da fala do trono, os senadores e deputados avalizaram a criao
do segundo Banco do Brasil, o mesmo que existe at hoje.
Nos nove anos entre a abdicao de dom Pedro I e a subida de dom
Pedro II, os pronunciamentos foram proferidos pelos regentes, entre eles o
padre Feij. Nas ocasies em que o segundo monarca esteve fora do Brasil,
a misso de falar aos parlamentares coube princesa Isabel. Os discursos
invariavelmente comeavam com o vocativo augustos e dignssimos se-
nhores representantes da nao.
Pouco antes da queda da
Monarquia, as folhas lidas pelos
imperadores e regentes foram
encadernadas num volume ni-
co. Hoje amarelada pelo tempo,
a verso original do livro Falas
do rono est sob a guarda do
Arquivo do Senado, em Braslia,
protegida numa sala com con-
trole de temperatura e umidade.
A Unesco (brao da Orga-
nizao das Naes Unidas para
a educao, a cincia e a cultu-
ra) reconheceu em 2014 o valor
histrico do livro Falas do rono
e o incluiu na lista brasileira do
Programa Memria do Mundo.
S entram na lista docu-
mentos e arquivos que sejam
nicos ou raros, tenham grande
significado social, meream ser
difundidos e exijam cuidados de conservao para no se perderem.
No Brasil, a Unesco tambm reconhece, por exemplo, o dirio das
viagens de dom Pedro II, o acervo documental da Guerra do Paraguai e os
arquivos de Machado de Assis.
O Programa Memria do Mundo repetido em vrios pases. Na Ale-manha, a Unesco tombou a Bbliade Gutenberg. Em Portugal, a carta de
Pero Vaz de Caminha narrando a descoberta do Brasil.
A leitura das falas do trono leva a uma viagem panormica pelas qua-
se sete dcadas do Brasil monrquico. Alm das prioridades para o ano,
o soberano falava da situao interna do Imprio e das relaes com ou-
tros pases. Em 1826, dom Pedro I citou a guerra pela provncia Cisplatina
(atual Uruguai):
A provncia Cisplatina a nica que no est em sossego, pois
homens ingratos e que muito deviam ao Brasil contra ele se levantaram e
hoje se acham apoiados pelo governo de Buenos Aires, atualmente em luta
REPRODUO
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contra ns. A honra nacional exige que se sustente a provncia Cisplatina,
pois est jurada a integridade do Imprio.
Em 1831, dom Pedro I abdicou e voltou para Portugal. O prncipe
dom Pedro II, um menino de apenas 5 anos, no poderia ser coroado. Ins-
talou-se, ento, um governo de regentes, que conduziria o Imprio at a
maioridade. Na primeira fala do trono no perodo, os trs regentes pro-
visrios frisaram o fato de Pedro II ser brasileiro, e no portugus como
Pedro I, o que permitiria a consolidao da Independncia:
No foi s solene esse dia [o da aclamao de Pedro II]. Ele se fez
tambm memorvel pelo contentamento geral e demonstraes no equvo-
cas do intenso amor e respeito com que o povo sada o seu novo monarca,
ainda infante, genuno brasileiro e sagrado objeto da sua patritica venerao.
Na dcada dos regentes, as falas do trono abordaram as rebelies que
incendiavam o pas. A Cabanagem, no Gro-Par, e a Guerra dos Farrapos,
no Rio Grande do Sul, foram citadas pelo padre Feij em 1836. De acordo
com ele, o vulco da anarquia ameaava devorar o Imprio:
Do Par, faltam notcias modernas. Por bem ou por mal, ser a
cidade de Belm arrancada s feras que a dominam. A sedio [insurrei-
o] de Porto Alegre foi to rpida que em poucos dias compreendeu a
provncia inteira. O governo tem deixado entrever aos sediciosos que, no
caso de contumcia [insistncia], por em movimento todos os recursos
para sujeit-los obedincia.
As convulses do perodo acabaram forando a antecipao da maio-
ridade de dom Pedro II. Apostava-se na figura do jovem monarca como
capaz de pacificar o Imprio. Em vez dos 18 anos, ele assumiu o poder aos
14, em 1840. Dom Pedro II fez seu primeiro pronunciamento aos senado-
Dom Pedro l assinava as falas do trono identificando-se s como imperador, sem o nome
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DOSENADO
res e deputados no final daquele ano as falas do trono eram proferidas
tambm no encerramento do ano legislativo.
A resoluo, por vs tomada e aplaudida pelos meus fiis sdi-
tos em todo o Imprio, de apressar a poca de minha maioridade, confio,
senhores, que produzir os mais salutares efeitos para a causa pblica
disse ele.
A Guerra do Paraguai foi o tema dominante nas falas do trono entre
1865 e 1870. Em 1866, dom Pedro II comemorava o avano das tropas
aliadas sobre o solo paraguaio:
Deploro profundamente as vidas preciosas sacrificadas nesta guer-
ra, mas indizvel meu orgulho contemplando o herosmo que acompanha
o nome brasileiro e a glria que imortaliza a memria de tantos bravos. As
bandeiras aliadas j tremulam no territrio inimigo. Espero ver em pouco
tempo terminada a guerra.
A previso no se confirmou. A Guerra do Paraguai ainda se arrasta-
ria por mais quatro anos.
A gradual eliminao da escravido, o tema mais sensvel da Monar-
quia, apareceu em diversas falas do trono. Chama a ateno o uso dos eu-
femismos. Diante dos parlamentares, dom Pedro II se referia aos negros
como elemento servil.
O elemento servil no Imprio no pode deixar de merecer opor-
tunamente a vossa considerao, provendo-se de modo que, respeitada a
propriedade atual e sem abalo profundo em nossa primeira indstria, a
agricultura, sejam atendidos os altos interesses que se ligam emancipao
afirmou ele em 1867.
O excessivo cuidado com as palavras tem explicao. Os ouvintes dafala do trono senadores, deputados, ministros e nobres eram, em
grande parte, latifundirios, a quem no interessava a emancipao do
elemento servil. Dom Pedro II no podia atropelar a classe social que dava
sustentao ao Imprio. Os parlamentares aprovariam a Lei do Ventre Li-
vre s em 1871. A Lei dos Sexagenrios, em 1885. A Lei urea, em 1888.
O termo fala do trono no apenas metafrico. O imperador lia o
discurso de um trono posicionado com destaque no Palcio Conde dos
Arcos. Era uma das poucas ocasies em que dom Pedro II se paramentava
com a coroa, o cetro, o manto e a mura feita de penas de papo de tucano.
Havia todo um cerimonial. Uma delegao de senadores e deputados
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recepcionava o monarca na porta do palcio. A famlia imperial era aco-
modada num camarote direita do trono. Ao contrrio de outros rituais,
como o beija-mo, que acabaram sendo abandonados com o passar das
dcadas, a fala do trono resistiu at o fim do Imprio.
De acordo com Marcos Magalhes, historiador e consultor legislativo
do Senado, o ritual das falas do trono foi importante na consolidao do
Brasil, recm-emancipado, como nao:
Para se consolidar, uma nao precisa ser construda tambm no
imaginrio coletivo. As imagens e os rituais, como as falas do trono, so
fundamentais nesse processo.
At mesmo episdios hoje menores da histria surgiam nas falas do
trono. Em 1875, dom Pedro II comentou a Revolta do Quebra-Quilos, em
quatro provncias do Nordeste. O Imprio havia adotado o sistema mtrico,
mas parte da populao se recusou a abandonar as incontveis e ultrapassa-
das medidas usadas desde a Colnia, como a braa, a lgua, o gro e a ona.
Bandos sediciosos, em geral movidos por fanatismo religioso e
preconceitos contra a prtica do sistema mtrico, assaltaram as povoaes,
destruindo os arquivos de algumas reparties pblicas e os padres dos
novos pesos e medidas. Felizmente, sufocou-se de pronto o movimento
criminoso.
De acordo com o historiador da Universidade Federal do Paran
(UFPR) Juarez Jos uchinski dos Anjos, autor de um estudo sobre as ques-
tes educacionais nas falas do trono, o tom dos pronunciamentos deixa
transparecer que os dois monarcas tinham temperamentos quase opostos:
Dom Pedro I, que conduziu a Independncia do Brasil e enfrentou
muita oposio, tinha um esprito centralizador e autoritrio. Dom PedroII, que chegou ao poder em meio a revoltas e agitaes polticas, mostrava-
se apaziguador e conciliador.
Isso fica claro na reao dos imperadores s crticas. Em 1829, dom
Pedro I queixou-se aos parlamentares do excesso de liberdade de imprensa
no Imprio e pediu que se reprimissem os abusos dos jornais. Dom Pe-
dro II, ao contrrio, sabia conviver com a imprensa hostil. Eram frequentes
nas pginas da Revista Ilustrada charges mostrando o monarca senil, de-
sinteressado da poltica e manipulado por seus conselheiros. Nem sequer
as falas do trono escapavam da pena zombeteira da revista.
Pelas falas do trono, percebe-se a paixo que o segundo imperador
nutria pelas novidades tecnolgicas. Em 1872, anunciou que seria instala-
do um cabo telegrfico submarino conectando o Brasil Europa. Ele cha-
mou o telgrafo de to maravilhoso instrumento da atividade do nosso
sculo. Em 1873, comentou a participao brasileira na Exposio Uni-
versal de Viena, onde o Imprio exibiu seus adiantamentos e a riqueza
do territrio.
Sempre que havia notcias na famlia imperial, elas eram anunciadas
nas falas do trono. Em 1826, a imperatriz Leopoldina morreu. Dom Pedro
I disse que uma dor veemente se apoderara de seu imperial corao.
Quatro anos depois, ele comunicaria aos parlamentares que havia acabado
de se casar com sua segunda mulher, a serenssima princesa dona Am-
lia. Em 1845, nasceu o primeiro filho de dom Pedro II, dom Afonso. O
imperador anunciou:
Este primeiro fruto com que o cu abenoou o meu imperial tla-
mo [casamento], enchendo de delcias o meu corao, j como pai, j como
monarca, satisfez igualmente os ardentes votos de toda a nao brasileira,
que me ama e sinceramente deseja a perpetuidade da dinastia do fundador
do Imprio.O prncipe dom Afonso, porm, morreria com apenas 2 anos de ida-
de. Em 1847, o imperador deu a notcia aos parlamentares afirmando que
seu paternal corao estava ulcerado.
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A assinatura delicada da princesa contrasta com a letra firme do pai e do avA assinatura de Pedro II numa fala do trono: defensor perptuo do Brasil
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REPRODUO
Charges da Revista Ilustrada: a fala do trono redigida pelos ministros pedom Pedro II em situao embaraosa; Isabel pede a aprovao da Lei urea;ministro l discurso no lugar da princesa; e a religio como tema recorrente do monarca
No final de 1885, a imperatriz eresa Cristina levou um tombo e que-
brou um brao. Na abertura dos trabalhos do ano seguinte, dom Pedro
II avisou que ela j se achava, felizmente, restabelecida e agradeceu os
testemunhos de afeto.
As referncias a Deus eram constantes. Em 1850, o imperador afir-
mou que uma febre epidmica se espalhava pelo litoral e pediu divina
misericrdia que livrasse para sempre do Brasil semelhante flagelo. Em
1860, ele disse que a grave seca que castigava parte das provncias do Norte
como se chamava o Nordeste vinha diminuindo graas providn-
cia divina.
O historiador Mauro Henrique Miranda de Alcntara, professor do
Instituto Federal de Rondnia, fez um estudo sobre as referncias escra-
vido nas falas do trono. De acordo com ele, ainda h nesses pronuncia-
mentos farta e inexplorada matria-prima espera dos pesquisadores:
Os historiadores que se dedicam ao Imprio sempre recorrem s
falas do trono para buscar informaes sobre pontos muito especficos,
como a abolio da escravido. Por um lado, h questes recorrentes nos
pronunciamentos que ainda no foram esmiuadas, como as epidemias e
as secas. Por outro lado, falta uma pesquisa mais ampla, que esquadrinhe
todo o conjunto das falas do trono.
Assista a vdeo da Agncia Senado: http://bitly.com/falasdotrono
Oua reportagem da Rdio Senado: http://bit.ly/radio_falas
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150 anos depois,guerra ainda ferida abertano Paraguai
No pas, ditador Solano Lpez, que deuincio ao conflito contra Brasil, Argentinae Uruguai, adorado como heri nacional.Segundo historiadores, imagem deturpada
foi criada pelas ditaduras militares que sesucederam em Assuno no sculo 20
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Pintura de Victor Meirelles retrata a Batalha do Riachuelo, um dos embates decisivos da Guerra do Paraguai
ta. O Paraguai cultivava estreitas relaes com
o Uruguai, pois o comrcio exterior paraguaio
dependia do porto de Montevidu, mas manti-
nha um p atrs em relao ao Brasil e Argen-
tina, vistos como expansionistas.
O frgil equilbrio se rompe em outu-
bro de 1864, quando o Brasil invade o Uru-
guai para intervir numa guerra civil local. O
Paraguai protesta, temendo perder o aliado.
Como dom Pedro II ignora as reclamaes, o
mariscaltoma duas medidas radicais. Em no-
vembro, confisca o navio brasileiro Marqus
de Olinda, que navegava pelo Rio Paraguai, na
altura de Assuno, rumo a Cuiab. Em dezembro, manda suas tropas ata-
carem a provncia de Mato Grosso. A guerra est declarada.
No Uruguai, a guerra civil termina com a queda do governo pr-Para-
guai. A Argentina se v envolvida no jogo em abril de 1865, aps tropas pa-
raguaias invadirem a provncia de Corrientes. Em maio, o Brasil, a Argenti-
na e o Uruguai formam a rplice Aliana, com o intuito de derrubar Solano
Lpez. No Paraguai, o conflito chamado de Guerra da rplice Aliana.
O mariscalchega a obter vitrias no incio, mas logo passa a colecio-
nar apenas derrotas. No final, ele se v obrigado a convocar at crianas e
ancios s armas.
Documentos guardados no Arquivo do Senado, em Braslia, mostram
que os senadores do Imprio descreviam Solano Lpez como tirano e o
comparavam a Napoleo Bonaparte, o imperador francs que tentou do-minar a Europa.
Numa sesso em 1868, um senador leu um documento em que o pa-
raguaio aparecia como marechal Lpez. Houve risos. Os senadores sa-
biam que ele fora alado por decreto ao degrau mais alto da hierarquia
militar. Preferiam cham-lo de general Lpez.
Em janeiro de 1869, as tropas brasileiras ocupam Assuno. Em mar-
o de 1870, Solano Lpez descoberto nas montanhas do norte do pas e
morto na Batalha de Cerro Cor.
erminado o conflito, a lembrana que os paraguaios, traumatizados,
guardaram de Solano Lpez foi a do dspota que arrastou o pas para uma
Para os paraguaios , no existe heri maior do que Francisco Sola-
no Lpez, o ditador que h 150 anos invadiu o Brasil e deflagrou
a Guerra do Paraguai (18641870). As deferncias se espalham
pelo pas. Solano Lpez d nome a cidade, rodovia, ruas, praas,
hospitais, colgios.
A principal via de Assuno a Avenida Mariscal Lpez (mariscal
o termo em espanhol para marechal). As homenagens vo de academia de
tae-kwon-do a parque de diverses, de shopping center a time de futebol.
O rosto do ditador aparece na moeda de mil guaranis. Faz sucesso
entre os adolescentes uma camiseta que, numa licena histrica, retrata o
mariscale Che Guevara lado a lado.
Solano Lpez se transformou numa religio cvica resume He-
rib Caballero Campos, historiador da Universidade Nacional de Assuno
e autor do livro El Pas Ocupado(sem edio em portugus).
um culto contraditrio. A herana de Solano Lpez foram a derro-
ta e a humilhao. O pas ficou em runas, e pedaos do territrio foram
perdidos para os pases vencedores. Estima-se que 75% da populao pa-
raguaia tenha morrido nos cinco anos do conflito, seja no front, seja por
fome e doenas. A Guerra do Paraguai o conflito mais sangrento j visto
na Amrica Latina.
A guerra derivou das tenses diplomticas na regio do Rio da Pra-
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URUGUAI
ARGENTINA
BRASILBOLVIA
Assuno
Humait
CerroCor
PARAGUAI
reasperdidasaps aguerra
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O mariscalSolano Lpez aparece comoheri em selo dos correios do Paraguai
guerra catastrfica. A imagem oposta seria idealizada mais tarde, pelos di-
tadores que se sucederam em Assuno ao longo do sculo 20. O mariscal
passou a ser incensado como um bravo lder que lutou por anos para de-
fender os compatriotas e no final deu a prpria vida em sacrifcio.
Era a ditadura moderna buscando se legitimar por meio da ditadu-
ra do passado. O ditador do momento se apresentava como a continuidade
da luta de Solano Lpez pela soberania do Paraguai explica Tomas
Whigham, historiador da Universidade da Gergia (EUA) e autor de La
Guerra de la riple Alianza(sem edio em portugus).
Em 1936, a ditadura do coronel Rafael Franco inaugurou o Panteo
Nacional dos Heris e nele abrigou os restos mortais do mariscal. Em 1978,
o general Alfredo Stroessner patrocinou as filmagens do pico Cerro Cor,
que cristaliza a imagem de mrtir. O cartaz promocional anuncia uma
histria de amor, coragem e sacrifcio. O filme exibido at hoje na V.
A mesma viso romantizada chegou ao Brasil e Argentina nos anos
1960. Argumentava-se que a guerra fora tramada por Londres, que supos-
tamente no estava gostando de ver o Paraguai se industrializar sem de-
pender das manufaturas inglesas. A rplice Aliana teria sido usada como
marionete da Inglaterra.
A verso foi ensinada nas salas de aula brasileiras e argentinas at
os anos 1990, quando os historiadores enfim se deram conta de que ela
no passava de fico. Primeiro, o Paraguai no tinha nenhuma indstria
relevante. Depois, se a Inglaterra queria transformar o pas em mercado
consumidor, no fazia sentido incitar uma
guerra que dizimaria a populao. Por
fim, as relaes diplomticas entre o Brasile a Inglaterra estavam rompidas quando
a guerra estourou, por causa da chamada
Questo Christie.
Hoje se entende que essa interpreta-
o era uma forma sutil de atacar as dita-
duras que, apoiadas pelos Estados Unidos,
governaram o Brasil e a Argentina nos anos
1960 e 1970. Por um lado, atingia-se o im-
perialismo o ingls e o americano. Por
outro, criticavam-se os militares tanto
os que destroaram o Paraguai quanto os que haviam tomado o poder em
Braslia e Buenos Aires.
O Paraguai se tornou um pas democrtico em 1989, com a queda de
Stroessner. No entanto, o culto a Solano Lpez permanece. Uma explicao
o fato de os horrores do conflito estarem at hoje presentes na memria
coletiva, como uma ferida no cicatrizada. A existncia de um heri, ainda
que irreal, serve de alento.
Outra explicao o fato de no ter havido liberdade acadmica du-
rante os 35 anos da ditadura Stroessner. Professores e pesquisadores que
questionaram a verso oficial da histria chegaram a ser presos e exilados.
Os alunos paraguaios sabem de cor o nome das batalhas. provvel
que conheam mais que os brasileiros o conde dEu o marido da prince-
sa Isabel foi comandante das tropas do Imprio. Entre as datas oficiais do
Solano Lpez retratado como viloem caricaturada revista A VidaFluminense, em 1869
REPRODUO
REP
RODUO
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Em julho de 1870, o duque
de Caxias, senador vitalcio pelo
Partido Conservador desde 1845,
subiu tribuna do Senado para
fazer uma prestao de contas de
seu trabalho como comandante
das tropas aliadas na recm-con-
cluda Guerra do Paraguai.
Na prtica, tratou-se mais
de uma resposta s inmeras acu-
saes feitas pelos senadores do
Partido Liberal enquanto ele este-
ve na guerra. Os adversrios cri-
ticaram, por exemplo, a lentido
com que os soldados tomaram a
Fortaleza de Humait e ocuparam
Assuno. Caxias disse:
Senhores, no h nada
mais fcil do que criticar operaes e indicar planos mais vantajosos de-
pois de os fatos estarem consumados, de longe e com sangue frio. Mas o
mesmo no acontece a quem se acha no teatro das operaes, caminhando
nas trevas, em um pas inteiramente desconhecido e inado de dificuldades
naturais.No pronunciamento, Caxias lembrou que no existiam mapas do Pa-
raguai nem pessoas de confiana que conhecessem os acidentes geogrfi-
cos do pas:
preciso que os nobres senadores se convenam de que a Guerra
do Paraguai, desde o seu comeo, foi feita s apalpadelas. S se conhecia o
terreno que se pisava. Era preciso ir fazendo reconhecimentos e explora-
es para poder dar um passo.
Caxias era um militar brilhante, clebre por sufocar movimentos re-
voltosos como a Balaiada, no Maranho, e a Revoluo Farroupilha, no Rio
Grande do Sul. Quando foi convocado para comandar as tropas na Guerra
Conito foi feito s apalpadelas,
armou Caxias no Senado
Caxias: senador atuou na guerra
pas, esto o Dia dos Heris Nacionais, 1 de maro, quando Solano Lpez
foi morto, e o Dia das Crianas, 16 de agosto, quando centenas de meninos
soldados morreram na Batalha de Acosta u.
Em 2014, um grupo de deputados do Paraguai apresentou um projeto de
lei que, sendo aprovado, agregar mais uma data cvica ao calendrio: o Dia de
Luto Nacional pelo Genocdio do Povo Paraguaio, em 12 de agosto, quando se
travou a Batalha de Piribebuy.
O ponto mais conhecido da batalha o incndio de um hospital para-
guaio que resultou na morte dos que estavam internados. De acordo com
a verso paraguaia, o conde dEu ordenou o atentado. Para historiadores
brasileiros, as chamas foram provocadas pelas fascas das armas e se espa-
lharam pelas paredes de madeira do hospital.Afirma o deputado Ricardo Gonzlez, um dos autores do projeto de lei:
Os paraguaios gostam de refletir sobre o passado. O mariscalL-
pez e a Guerra da rplice Aliana so temas onipresentes.
Na avaliao do historiador Ricardo Salles, autor de Guerra do Pa-
raguai escravido e cidadania na formao do Exrcito (editora Paz e
erra), a populao paraguaia foi, sim, aniquilada, mas no se pode falar
em genocdio:
Ainda que tenham ocorrido degolas, fuzilamentos e outras bar-
baridades, o Brasil no atacou o Paraguai com o objetivo de exterminar a
populao. Foi uma guerra. E as mortes no podem ser creditadas integral-
mente ao Brasil. No final, Solano Lpez recrutava qualquer um que tivesse
entre 12 e 60 anos. Pessoas morreram de fome porque soldados dos dois
lados confiscaram o gado e a colheita.
O historiador Francisco Doratioto, autor deMaldita Guerra novahistria da Guerra do Paraguai(Companhia das Letras), diz que absurdo
ver Solano Lpez como heri:
Ele sacrificou um pas inteiro inutilmente. O heri foi o povo para-
guaio, que acreditou na histria de que a independncia do pas era amea-
ada pelo Brasil e pela Argentina. O paraguaio atendeu convocao para
pegar em armas e lutou bravamente, mas pagou um preo alto demais.
GOUPIL
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do Paraguai, em 1866, era marqus. O ttulo de duque seria dado por dom
Pedro II em 1869.
O senador foi chamado para os campos de batalha porque o coman-
do anterior dava mostras de que no conseguiria vencer Solano Lpez.
No discurso no Senado, Caxias disse que encontrou as tropas num estado
lamentvel. Elas estavam divididas em dois corpos completamente dife-
rentes, inclusive com soldos, critrios de promoo e uniformes prprios.
Segundo ele, pareciam pertencer a naes diferentes.
O comandante resolveu o problema da falta de cavalos para os solda-
dos e providenciou lugares seguros para se trancafiarem os prisioneiros de
guerra. Antes, contou ele no Senado, os detidos eram simplesmente man-
tidos no meio do campo, cercados de sentinelas. Com a guerra em curso,
Caxias fez uma reforma no Exrcito.
Aps a tomada de Assuno, na virada de 1868 para 1869, Caxias,
com a sade debilitada, retirou-se da guerra.
Naquele momento, os militares cotados para a misso ocupavam pos-
tos polticos. Se dom Pedro II escolhesse um liberal, provocaria a ira dos
conservadores e vice-versa.
O imperador acabou optando pelo conde dEu, marido da princesa
Isabel, por ser uma figura politicamente neutra. Nascido na Frana, ele
havia adquirido experincia militar em campos de batalha no Marrocos,
antes de se mudar para o Brasil.
Bisneto de Solano Lpez pede
ao Brasil que devolva canhoMiguel Solano Lpez um dos bisnetos de Francisco Solano Lpez,
o presidente paraguaio na poca da guerra. De acordo com ele, para que
as feridas se cicatrizem no Paraguai, o Brasil precisa devolver um canho
que foi levado como trofu de guerra e atualmente est exposto no Museu
Histrico Nacional, no Rio de Janeiro. A arma conhecida como canho
cristo, por ter sido feita com o metal dos sinos das igrejas de Assuno.
O Itamaraty, porm, afirma que no h negociao em curso sobre o
assunto ou pedido oficial por parte do governo do Paraguai.
Miguel Solano Lpez o embaixador do Paraguai em Londres. Na
entrevista ao Jornal do Senado, ele fez questo de frisar que falava no
como diplomata, mas como descendente do personagem mais famoso da
histria do Paraguai. A seguir, trechos da entrevista:
Considero a expresso Guerra do Paraguai ofensiva, porque d a en-
tender que foi o Paraguai que provocou o conflito. Prefiro chamar o con-
flito de Guerra da rplice Aliana. O paraguaio se sente ofendido at o
fundo da alma quando se insiste em dizer que ele foi o culpado e que os
aliados foram inocentes. O conflito foi provocado pelo Brasil.
Francisco Solano Lpez era um homem de paz, tanto que sempre
buscou assegurar a independncia do Uruguai. O Paraguai enfrentava pro-
blemas para usar o porto de Buenos Aires. Por isso, o acesso ao porto de
Montevidu era questo de vida ou morte. O Paraguai tinha um acordo
com o Brasil pelo qual ambos se tornaram garantidores da independnciado Uruguai. Em 1864, com a revoluo, subiu ao poder em Montevidu
um governo apoiado pela Argentina. O Brasil, porm, negou-se a garantir
a independncia uruguaia. ento que surge a situao de guerra entre
Brasil e Paraguai.
A guerra no foi favorvel ao Paraguai, mas os paraguaios veem o
duque de Caxias com profundo respeito, porque ele era um homem inte-
gramente militar. Quando as tropas aliadas tomam Assuno, Caxias con-
sidera a guerra terminada. Para dom Pedro II, porm, a guerra s acabaria
com a morte de Francisco Solano Lpez. ento que chega o conde dEu,
que comandou as tropas no ltimo ano da guerra. Foi nesse ano que o
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O canho, hoje no Rio, foi feito com metal de igrejas de Assuno
Paraguai foi completa-
mente destroado.
Quando me per-
guntam por que os
paraguaios conhecem
mais a guerra que bra-
sileiros, argentinos e
uruguaios, a resposta
simples: o Paraguai
nunca conseguiu se
recuperar completa-
mente de toda aquela
destruio. Compare com a 2 Guerra Mundial. Os aliados, logo depois,
fizeram um esforo para recuperar os pases derrotados. A Alemanha e o
Japo ressurgiram em poucos anos. No caso do Paraguai, mesmo passados
150 anos, isso nunca aconteceu.
O Uruguai e a Argentina j deram passos importantes em direo
reconciliao. Em Montevidu, existe uma esttua de Francisco Solano
Lpez a cavalo. O presidente argentino Juan Domingo Pern devolveu rel-
quias ao Paraguai. Recentemente, Cristina Kirchner batizou um regimento
do Exrcito argentino com o nome de Francisco Solano Lpez.
O Brasil, no governo de Joo Figueiredo, restituiu a espada que So-
lano Lpez tinha na mo no momento de sua morte. Mas falta entregar o
canho cristo, que, dos trofus de guerra, o mais caro aos paraguaios.
Quando isso ocorrer, no tenho dvidas de que as cicatrizes no Paraguai
se cicatrizaro. A iniciativa da reconciliao deve partir do Brasil, que foi ovencedor, no do Paraguai.
Assista a vdeo da Agncia Senado: http://bit.ly/GuerraParaguai
Oua reportagem da Rdio Senado: http://bit.ly/radio_guerradoparaguai
DIVULGAO/MUSEUHISTRICO
NACIONAL
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Ao longo das primeiras dcadas da Repblica, vriosprojetos de lei tentaram desfigurar o modelo atual dabandeira, feito em 1889. Principal crtica era aos dizeresOrdem e Progresso, lema da Igreja Positivista
Bandeira nacionalenfrentouresistncias
at ser aceita
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Em junho e julho de 2014, a bandeira verde e amarela se mul-
tiplicava pelo Brasil. Era plena Copa do Mundo e ela surgia
nos muros, nos carros, nas roupas, nas janelas das casas. Pou-
cas imagens conseguem ser to fortes a ponto de mexer com a
emoo dos brasileiros. Nem sempre foi assim. A bandeira, criada no final
do sculo 19, levou dcadas at cair de vez no gosto do pas.
Em 19 de novembro de 1889, quatro dias aps o golpe que enterrou a
Monarquia, o presidente Deodoro da Fonseca assinava um decreto com a
descrio da sucessora da bandeira imperial. por isso que o Dia da Ban-
deira se festeja em 19 de novembro. O modelo era praticamente idntico
ao atual. Em vez das 27 estrelas de hoje, havia 21 o nmero dos estados
de ento mais a capital do pas.
Documentos guardados no Arquivo do Senado, em Braslia, mostram
que as crticas no tardaram. Em dezembro de 1890, um ms aps a aber-
tura do Congresso Constituinte, encarregado de aprovar a primeira Cons-
tituio da Repblica, o deputado Francisco Coelho Duarte Badar (MG)
subiu tribuna para queixar-se:
Na bandeira se encontra um atentado contra as nossas tradies.
Criminosamente lanaram nela um dstico que no quadra com as nossas
ideias, que pertence a uma seita absurda.
Badar se referia aos dizeres Ordem e progresso. rata-se da mxi-
ma do positivismo, mistura francesa de religio com filosofia bastante em
voga entre os militares que destronaram dom Pedro II. Para o deputado,
era inadmissvel a meno seita:
Essa provocao tem impedido que o povo brasileiro, desde as pri-
meiras at as ltimas camadas, corra a abraar a bandeira.Desde ento, apareceram vrios projetos de lei querendo redesenhar
a bandeira, quase todos apagando a legenda. Argumentava-se at que os
embaixadores brasileiros passavam vergonha no exterior, pois eram insis-
tentemente questionados se o positivismo havia virado a religio do pas
com a Repblica, na realidade, o Estado tornou-se laico e o catolicismo
perdeu o status oficial.
o antinacional divisa impopulariza a Repblica. uma provoca-
o aos cristos, quase unanimidade da populao do Brasil criticou
o senador Coelho Rodrigues (PI) em 1896, ao apresentar uma proposta
que trocava Ordem e progresso por Lei e liberdade. Nenhum projeto do
tipo, porm, conseguiu prosperar.
Segundo o consultor legislativo do Senado Joanisval Gonalves, es-
pecialista em relaes exteriores, a bandeira s comearia a vencer as re-
sistncias em 1922, quando os festejos do centenrio da Independncia
despertaram uma onda de patriotismo.
A bandeira precisou de tanto tempo para ser aceita porque a pr-
pria Repblica no era consenso. O regime foi implantado sem o respaldo
da populao. Ao longo das primeiras dcadas, havia muita gente desejan-
do a volta da Monarquia explica.Alberto Santos Dumont, o criador do avio, pregava a restaurao.
Ele, que era prximo da famlia imperial, voava com uma simples flmula
verde e amarela atada a suas invenes, e no com a bandeira republicana.
O modelo atual , na realidade, uma adaptao da bandeira do Imp-
rio, que havia sido desenhada por dom Pedro I em 1822, logo depois da In-
dependncia. No lugar do crculo azul, repousava o braso da Monarquia.
O verde e o amarelo no foram uma escolha aleatria nem tinham o
ingnuo objetivo de representar as matas e o ouro. O verde remete ao pr-
prio dom Pedro I a cor da famlia Bragana, que reinava em Portugal.
O amarelo, sua primeira mulher, a austraca Leopoldina a cor da
O quadro Ptria, pintado por Pedro Bruno em 1919, mostra mulheres costurando a bandeira do Brasil
REPRODUO
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As bandeirassempre tiveram
verde e amarelo: ade 1822, desenhada
por dom Pedro I;a provisria da
Repblica, que foicopiada dos EUA
e s durou quatrodias; e a atual
dinastia de Habsburgo, que governava a ustria. O losango, alm disso,
a figura geomtrica tradicionalmente feminina. De qualquer forma, o im-
perador no rechaava a verso que enaltecia as riquezas naturais do pas.
Em 15 de novembro de 1889, proclamada a Repblica, os novos do-
nos do poder correram para eliminar os smbolos do Imprio. A bandeira
escolhida no mesmo dia foi uma imitao dos Estados Unidos, porm ver-
de e amarela. Ela viajou hasteada no navio que levou dom Pedro II para o
exlio. Ante a averso generalizada, resistiu s quatro dias.
Uma gigantesca bandeira nacional pende continuamente no mastro
da Praa dos rs Poderes, em Braslia. Feita de nilon paraquedas, ela tem
20 metros de comprimento e 14 metros de altura. So 280 metros quadra-
dos. Desde 2000, uma empresa de Cascavel (PR) confecciona a bandeira,
que trocada todo ms. Diz Srgio omasetto, proprietrio da fbrica:
Grande parte das bandeiras tem o preto e o vermelho, que indicam
que o pas enfrentou guerra. A nossa no. O verde e o amarelo formam
uma combinao singular, que torna a nossa bandeira bela, emocionante
e inconfundvel.
Os dois rascunhos da bandeira brasileira, desenhados logo aps o golpe de 1889,descobertos na Igreja Positivista, no Rio de Janeiro, em 2014
Dois papis histricos de valor inestimvel foram descobertos em
2014 no Rio. So os rascunhos que deram origem bandeira do Brasil,
riscados em novembro de 1889, aps a Proclamao da Repblica, pelo
engenheiro Raimundo eixeira Mendes.
Em ambos os papis se veem a esfera, as estrelas e os dizeres Ordem
e progresso. O primeiro um papel milimetrado que permitiu a eixeira
Mendes posicionar e dimensionar cada estrela com preciso. O segundo
um papel vegetal onde esto os traos definitivos.
Os desenhos estavam na centenria Igreja Positivista, no bairro da
Glria, esquecidos dentro de uma caixa. Foram descobertos por acaso,
quando se limpavam os armrios do ltimo presidente da igreja, que mor-
rera semanas antes. No final de 2014, os papis estavam nas mos de res-
tauradores. A ideia era depois exp-los ao pblico.
Encontramos um tesouro que pertence a todos os brasileiros
afirma o atual presidente da Igreja Positivista, Alexandre Martins.
O material estava na igreja porque o positivismo exercia forte influ-
ncia sobre os republicanos brasileiros do final do sculo 19. Criado pelo
francs Auguste Comte, o positivismo usa a cincia para explicar o mundo.
Hoje ultrapassada, essa viso era vanguardista para a poca.
Esquecidos 125 anos, desenhos
originais so encontrados
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Na 1 eleio direta para presidente daRepblica, em 1894, os analfabetos e asmulheres no votaram. Lista com resultado
final da votao trouxe 205 nomes
No fm do sculo 19,
pouco eleitore muito candidato
Foi o positivista Benjamin Constant, ministro da Guerra do novo
regime, que aprovou o desenho de eixeira Mendes, tambm positivista.
Amor, ordem e progresso formavam o trip da religio.
Os desenhos recm-descobertos serviram de base para uma pintura a
leo, tambm de 1889, do artista Dcio Villares, outro seguidor da igreja.
Foi o molde para que as costureiras confeccionassem as primeiras ban-
deiras. A pintura ficou exposta na Igreja Positivista at 2010, quando foi
roubada. Parte do telhado havia desabado, o que permitiu a entrada dos
ladres. A Polcia Federal e a Interpol foram acionadas, mas a obra at 2015
no havia sido recuperada.
Pintura a leo feita por Dcio Villares em 1889: molde da primeirabandeira foi roubado em 2010 e at hoje no foi encontrado
Assista a vdeo da Agncia Senado: http://bit.ly/arquivoSbandeira
DIVULGAO/IGREJAPOSITIVISTA
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Em 1894, os brasileiros tiveram a primeira experincia de ir s
urnas para escolher o presidente. Quem compara aquela hist-
rica eleio com as votaes de hoje, porm, no mximo divisa
uma vaga semelhana. A comear pelos candidatos. Na primei-
ra eleio presidencial direta, a lista com o resultado elencou nada menos
que 205 nomes.
O vencedor foi Prudente de Moraes, mas os documentos da votao
que esto guardados no Arquivo do Senado, em Braslia revelam que
os eleitores tambm fizeram escolhas esdrxulas.
No final da longa lista, surge uma multido de desconhecidos. Dos
205 presidenciveis, 116 tiveram um voto s. Machado de Assis decifrou
o estranho fenmeno. Numa crnica, o escritor atribuiu a existncia de
tantos lanterninhas annimos a votantes que usaram a urna para singela-
mente homenagear os amigos.
As leis eleitorais eram frouxas em 1894. No era necessrio filiar-se a
partido nem oficializar candidatura. O eleitor tinha liberdade para escrever
qualquer nome na cdula, inclusive o dele prprio ou o de um cidado que
no fosse candidato.
Ganharam votos at os prncipes Pedro de Alcntara e Augusto de
Saxe-Coburgo-Gotha. Foram votos desperdiados: eles eram netos de dom
Pedro II e haviam sido expulsos do pas com a famlia imperial em 1889.
Parte do eleitorado queria o visconde de Ouro Preto na Presidncia da
Repblica. Como ex-primeiro-ministro do Imprio, ele tampouco obteria
autorizao para tomar posse.
Floriano Peixoto, o presidente de ento, ficou em 16 lugar. Foi outro
caso curioso: a Constituio de 1891 era categrica ao proibir a reeleio.Na prtica, Prudente foi aclamado dos 351 mil votos totais, obteve
291 mil. Afonso Pena, o segundo colocado, em momento nenhum repre-
sentou perigo amealhou apenas 38 mil votos.
Logo abaixo apareceram figuras como Cesrio Alvim, bisav mineiro
do msico Chico Buarque, e Silveira Martins, piv acidental da queda da
Monarquia. Ruy Barbosa recebeu votos em todas as eleies at morrer, em
1923, embora s tenha concorrido oficialmente duas vezes.
Segundo o cientista poltico Jairo Nicolau, autor de Histria do Voto
no Brasil(Jorge Zahar Editor), a vitria foi arrasadora porque a poltica era
um jogo de cartas marcadas. Nem sequer era preciso fazer campanha. Nos
primeiros 40 anos da Repblica, a oposio nunca venceu.
As elites ditavam quem seria o presidente. As eleies eram apenas
uma forma de referendar uma deciso poltica j tomada, e no o momen-
to em que a populao efetivamente escolhia seus governantes.
O eleitorado era irrisrio. Numa populao de 14,3 milhes de pes-
soas, s 800 mil estavam habilitadas a votar (5,6%). Hoje, mais de 70% dos
brasileiros podem ir s urnas. O direito era negado a mulheres, analfabe-
tos, mendigos, soldados rasos e religiosos sujeitos a voto de obedincia. O
eleitor devia ter ao menos 21 anos. Eram restries brutais. As mulheres
respondiam por metade da populao. Os negros, recm-beneficiados pelaLei urea, eram quase todos iletrados. Mesmo entre os brancos, poucos
liam e escreviam naquele Brasil rural.
Walter Costa Porto, ex-ministro do ribunal Superior Eleitoral (SE)
e autor deA Mentirosa Urna (Martins Fontes), ressalta que a Constituio
de 1891 no vedava o voto feminino explicitamente:
No precisava estar escrito. Era um tempo em que a mulher no
tinha direito nem liberdade. Primeiro, ela era subordinada ao pai. Depois,
ao marido. Quando ficava viva, ao filho mais velho.
Para piorar, a absteno era altssima. Mais da metade dos eleitores
inscritos no apareceu para votar em 1894. O voto no era obrigatrio.
Floriano, que deixava o poder, e Prudente, o eleito, na Revista Ilustradaem 1894:em nome dos brasileiros, o semanrio joga-lhes um punhado de flores
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As elites dispunham de dois instrumentos para vencer. O primeiro
eram as fraudes. Entre as artimanhas, estavam depositar cdulas extras nas
urnas e adulterar as atas com as apuraes. O segundo era o Congresso,
que organizava as eleies federais. Os senadores e deputados tinham o
poder de coroar os aliados e barrar os inimigos. A logstica das votaes
agora cabe Justia Eleitoral, fora da influncia poltica.
Diz a historiadora Dulce Pandolfi, da Fundao Getulio Vargas:
Enquanto em outros pases a Repblica era associada a eleio,
partidos, interesse pblico e imparcialidade da lei, aqui era identificada
com fraude, corrupo, interesse particular e ausncia do povo. A Repbli-
ca fora implantada para acabar com os vcios do Imprio, mas, pelo menos
nas primeiras dcadas, fracassou.
Em crnica, Machado mostra
que absteno foi elevada
Leia, a seguir, a crnica publicada por Machado de Assis na Gazetade Notcias, do Rio, em 4 de maro de 1894, sobre a primeira eleio:
Quando eu cheguei seo onde tinha de votar, achei trs mesriose cinco eleitores. Os eleitores falavam do tempo. Contavam os maiores
veres que temos tido; um deles opinava que o vero, em si mesmo, noera mau, mas que as febres que o tornavam detestvel. A quanto noia a amarela? Chegaram mais trs eleitores, depois um, depois sete, que,pelo ar, pareciam da mesma casa. Os minutos iam com aquele vagar docostume quando a gente est com pressa. Mais trs eleitores. Nove horase meia. Os conhecidos faziam roda. [...]
Nove e trs quartos. rinta e cinco eleitores. Alguns almoados. Osalmoados interpretavam o regulamento eleitoral diferentemente dosque o no eram. Da algumas conversaes particulares a meia-voz, di-zendo uns que a chamada devia comear s dez horas em ponto, outrosque antes.
Meus senhores, vai comear a chamada disse o presidente da
mesa.
Eram dez horas menos um minuto. Havia quarenta e sete eleitores.Abriram-se as urnas, que foram mostradas aos eleitores, a fim de que eles
vissem que no havia nada dentro. Os cinco mesrios j estavam senta-dos, com os livros, papis e penas. O presidente fez esta advertncia:
Previno aos senhores eleitores que as cdulas que contiverem no-mes riscados e substitudos no sero apuradas; disposio da lei nova.
Quis protestar contra a lei nova. Pareceu-me (e ainda me parece)opressiva da liberdade eleitoral. Pois eu escolho um nome para presi-dente da Repblica, suponhamos; ou senador, ou deputado que seja; emcaminho, ao descer do bonde, acho que o nome no to bom como ooutro, e no posso entrar numa loja, abrir a cdula e trocar o voto? Noposso tambm ceder a um amigo que me diga que a nossa amizade cres-cer se eu preferir o Bernardo ao Bernardino? Que ento liberdade? o verso do poeta: E o que escrevo uma vez nunca mais borro? Peloamor de Deus! al liberdade puro despotismo, e o mais absurdo dos
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despotismos, porque faz de mim mesmo o dspota. Obriga-me a novotar, ou a votar s dez e meia em pessoa que, pouco depois das dez, jme parecia insuficiente. No que eu tivesse de alterar as minhas cdu-las; mas defendo um princpio.
inha comeado a chamada e prosseguia lentamente para no darlugar a reclamaes. Nove dcimos dos eleitores no respondiam por istoou por aquilo.
Antnio Jos Pereira chamava o mesrio. Est na Europa dizia um eleitor, explicando o silncio. Pncio Pilatos! Morreu, senhor; est no Credo.Um eleitor, brasileiro naturalizado, francs de nascimento, disse-me
ao ouvido: Por que no se pe aqui a lei francesa? Na Frana, para cada elei-
o h diplomas novos com o dia da eleio marcado, de maneira que sserve para esse. Se fizssemos isto, no chamaramos o senhor Pereira,que desde 1889 vive em Paris, 28 bis, rua Breda, nem o procurador daJudeia, pela razo de que eles no teriam vindo tirar o diploma, oito diasantes. Compreendeis?
Compreendi; mas h tambm abstenes. No haveria absteno de votos. Os abstencionistas no teriam
diplomas.A chamada ia coxeando. Cada nome, como de regra, era repetido,
com certo intervalo, e eu estava trs quarteires adiante. Queixei-me dis-to ao ex-francs, que me disse:
Mas, senhor, tambm este mtodo de chamar pelos nomes de-susado.
Como ento? Chama-se pelas cores? Pelas alturas? Pelos nme-ros das casas?
No, senhor; abre-se o escrutnio por certo nmero de horas; oseleitores vo chegando, votando e saindo.
Srio? Srio. No creio que nos Estados Unidos da Amrica...Outro eleitor, brasileiro naturalizado, norte-americano de nasci-
mento, acudiu logo que l era a mesma coisa.
A mesma coisa, senhor. No se esquea que o time is moneyinveno nossa. No seramos ns que iramos perder uma infinidade detempo a ouvir nomes. O eleitor entra, vota, retira-se e vai comprar umacasa, ou vend-la. s vezes mais, vai casar-se.
Sem querer saber do resultado da eleio? Perdo, o resultado h de ser-lhe dito em altos brados na rua ou
em grandes cartazes levados por homens pagos para isso. J tem acon-tecido a um noivo estar dizendo noiva que a ama, que a adora, e serinterrompido por um pregoeiro que anuncia a eleio do presidente daRepblica. O noivo, que viveu dois meses em meetings, bradando contraos republicanos, se democrata, ou contra os democratas, se republica-no, solta um hurrahcordial e repete que a ama, que a adora...
Padre Diogo Antnio Feij! prosseguia o mesrio.Pausa. Padre Diogo Antnio Feij!Pausa.Eu gemia em silncio. Consultei o relgio; faltavam sete minutos
para as onze, e ainda no comeara o meu quarteiro. Quis espairecer,levantei-me, fui at a porta, onde achei dois eleitores, fumando e falandode moas bonitas. Conhecia-os; eram do meu quarteiro. Um era o far-macutico Xisto, outro um jovem mdico, formado h um ano, o doutorZzimo. Feliz idade!, pensei comigo; as moas fazem passar o tempo; eda talvez j tenham almoado...
Enfim, comeou o meu quarteiro; respirei, mas respirei cedo, por-que a lista era quase toda composta de abstencionistas, e os nomes dos
ausentes ou mortos gastam mais tempo, pela necessidade de esperar queos donos apaream. Outra demora: cinco eleitores fizeram a toilettedascdulas boca da urna, quero dizer que ali mesmo que as fecharam,passando a cola pela lngua, alisando o papel com vagar, com amor, qua-se que por pirraa. Para quem guarda Deus as paralisias repentinas? Ascongestes cerebrais? As simples clicas? No me pareciam homens quepusessem os princpios acima de uma pontada aguda. Mas Deus gran-de! Chegou a minha vez. Votei e corri a almoar. Relevem a vulgaridadeda ao. artufo, neste ponto, emendaria o seu prprio autor:
Ah ! Pour tre lecteur, je nen suis pas moins homme[Ah! Um eleitor,mas nem por isso menos homem].
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udo indicava que a sesso do Congresso transcorreria em paz. Cabia
aos senadores e deputados apenas oficializar a vitria de Prudente de Mo-
raes, dono de avassaladores 83% dos votos na primeira eleio presidencial
direta do Brasil. A sesso, porm, acaba se transformando numa das mais
caticas daquele incio de Repblica. No centro da confuso est o deputa-
do Flavio Arajo (BA), de 31 anos. Ele sobe tribuna e, para espanto geral,
pede que a eleio seja anulada.
Enquanto o jovem deputado fala, os demais parlamentares, exaltados,
rechaam o colega aos gritos. O senador Ubaldino do Amaral (PR), que pre-
side a sesso, aciona a campainha diversas vezes, na tentativa de restaurar
a ordem. A sesso corre no Palcio Conde dos Arcos, a sede do Senado, no
Rio de Janeiro. Prudente de Moraes (SP) senador, mas no est presente.
Para Arajo, a eleio deveria ser anulada por trs motivos. Em pri-
meiro lugar, o Sul do pas no votou. Rio Grande do Sul, Santa Catarina e
Paran foram impedidos de ir s urnas por causa do estado de stio impos-
to em reao Revoluo Federalista.
O resultado que o primeiro magistrado eleito por sufrgio direto, o
honrado doutor Prudente de Moraes, vir a ocupar a alta posio sem o pres-
tgio popular necessrio para afrontar a crise que atravessa a ptria diz.
Em segundo lugar, outros quatro estados (So Paulo, Rio de Janeiro,
Pernambuco e Paraba) e o Distrito Federal (cidade do Rio) votaram aps
um estado de stio que s acabou na vspera da eleio. A causa foi a Re-
volta da Armada. Ele argumenta: No estado de stio, estiveram suspensas a liberdade de imprensa e
as garantias constitucionais dos cidados. No houve meio de os divergen-
tes da opinio vencedora exercerem o seu direito. Como que os ilustres
congressistas entendem que houve liberdade para concurso de todas as
opinies s urnas?
Em terceiro lugar, o deputado cita a absteno. O voto facultativo.
O Brasil conta 800 mil eleitores, mas s 351 mil votaram. A cidade do Rio,
como comparao, tem nesse momento 522 mil habitantes. Ele atribui a
ausncia s fraudes, frequentes na poca, o que teria levado muitos a crer
que o jogo j estava decidido.
Deputado v falha na votao e
tenta anular vitria de Prudente
Fonte: Anais do Congresso Nacional
P M
A P
C A
R B
A C
L S
S M
O resultado da votaoDos 351 mil votos totais, Prudente recebeu 291 mile elegeu-se presidente em 1894
82,9%dos votos
senador de SP quando vence a eleio para ser o 3 presidente do Bra-sil e o 1 escolhido pelo voto direto. Foi deputado provincial e deputadogeral no Imprio e governador na Repblica.
10,9% o governador de MG e mais tarde seria o 6 presidente do pas. Mor-reu em pleno mandato presidencial, em 1909, por causa de uma pneu-monia. Suas origens eram monrquicas foi ministro de dom Pedro II.
1% senador de MG. No Imprio, foi governador do RJ. Na Repblica,governador de MG, ministro do Interior e prefeito do Rio. Seu descen-dente mais famoso o bisneto Chico Buarque.
1% senador da BA. Polivalente, jurista, advogado e diplomata. Foi de-putado e ministro. Mais tarde, ajudaria a criar a Academia Brasileirade Letras. Enquanto viveu, at 1923, recebeu votos em todas as eleiespresidenciais.
1% o prefeito de Salvador. No Imprio, governou SP e BA. Ocupando esteltimo posto quando Pedro II foi deposto, ele organizou uma reaodos baianos imposio da Repblica.
0,6%Governa o PA. Em 1891, foi o nico governador que se ops a Deodoroquando o presidente dissolveu o Congresso. Entre 1904 e 1905, senador
do DF, passou dez meses preso por insuflar militares contra a vacinaocompulsria no Rio.
0,4%Ex-governador do RS, inimigo de Deodoro desde que disputaramuma mulher. Deodoro, em 1889, pretendia s derrubar o gabinete do
visconde de Ouro Preto, mas decidiu ir mais longe e acabar com a Mo-narquia ao ouvir que dom Pedro II daria o gabinete a Silveira Martins.
0,7%O
Mais 198 nomes foram votados.
1,5% V
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Prudente de Moraes passou quatro anos extenuantes na Presidncia
da Repblica. As turbulncias comearam antes mesmo da posse, em 1894.
Sado de Piracicaba (SP), ele no encontrou recepo nenhuma ao desem-
barcar do trem no Rio. Foi o primeiro sinal de que o presidente Floriano
Peixoto no estava feliz por entregar o poder.
As hostilidades continuaram. Floriano no quis receb-lo para tratar
da transio, alegando falta de horrio na agenda. No dia da posse, o pre-
sidente no enviou carruagem oficial ao hotel onde o sucessor se hospeda-
va. Prudente teve de alugar uma carroa s pressas para chegar ao Palcio
Conde dos Arcos, a sede do Senado.
Aps o juramento, o novo presidente rumou para o Itamaraty, o pa-
lcio presidencial, mas achou o prdio s moscas aberto, sujo e sem
funcionrios. Floriano no estava, pois se negara a transmitir-lhe o cargo.
Foi pirraa resume o jornalista J. Natale Netto, autor de Floria-
no, o Marechal Implacvel(Novo Sculo).
O marechal Floriano no viu com bons olhos a chegada dos civis ao
poder. Afinal, foram os militares que em 1889 proclamaram a Repblica.
Prudente tinha um currculo respeitvel. Havia sido governador de
So Paulo e, como senador, presidido a Assembleia Nacional Constituin-
te. Na primeira eleio presidencial, indireta, em 1891, ficara em segundo
lugar os parlamentares deram vitria ao marechal Deodoro da Fonseca,
que meses depois renunciaria e seria sucedido por Floriano, seu vice.
Em 1894, o Sul se ensanguentava na Revoluo Federalista. Em 1896,explodia a Guerra de Canudos, na Bahia. No primeiro conflito, Prudente
costurou o acordo de paz. No segundo, massacrou os revoltosos.
Prudente no conseguiu grandes feitos econmicos ou sociais. Sua
proeza foi pacificar o pas. Com ele, encerrou-se a transio da Monarquia
para a Repblica e o novo regime se consolidou de vez explica a historia-
dora Renata Gava, diretora do Museu Prudente de Moraes, de Piracicaba.
O presidente tinha um inimigo insuspeito. Era Manoel Victorino, seu
prprio vice. Em 1896, Prudente teve que se afastar do cargo por causa
de uma cirurgia nos rins. Victorino assumiu o poder e foi tomado pela
ideia de no devolver o cargo. rocou ministros e transferiu a Presidncia
Prudente: birra do antecessor,
trama do vice e at atentadoFlavio Arajo, ento, apresenta uma emenda determinando que se
anule a eleio de maro e se convoque outra para setembro, garantidas
as liberdades a todo o territrio da Repblica. A confusa sesso se d em
junho de 1894.
Sua Excelncia [Prudente], um dos prceres da Repblica, deveria
ser o primeiro a apelar para a opinio calma e sensata, independente e livre
do pas e viria a conquistar no cento e tantos mil [102 mil votos dos estados
que no tiveram estado de stio], mas a quase unanimidade de votos diz.
Um dos mais enfurecidos o deputado Nilo Peanha (RJ), mais tarde
o stimo presidente do pas. Ele corta o orador e esbraveja:
A eleio foi to livre que oposicionistas lograram triunfar [nas
eleies para o Senado e a Cmara, simultneas eleio presidencial].
Os jornais informam que o Senado virou palco de uma tempestade
e classificam a emenda do deputado de infelicssima.
At os taqugrafos, acostumados a tomar nota em meio a sesses aca-
loradas, ficam desnorteados. As pginas dos Anais do Congresso trazem
expresses vagas como um senhor deputado (quando os taqugrafos no
conseguiram apontar o autor de uma fala) e muitos apartes (quando no
entenderam o que os parlamentares disseram).
Arajo, numa tentativa extrema de convencer os colegas, chega a de-
clarar que a ditadura melhor que a democracia sem apoio popular:
Sou democrata, mas, nas circunstncias atuais, prefiro um gover-
no forte a um governo fraco. S um governo forte, honesto, sensato pode
salvar a dignidade nacional. O atual [o de Floriano Peixoto] j tem dado
provas de que o , coisa que no pode conseguir um governo fraco, sem
prestgio, sem apoio da opinio nacional [o de Prudente de Moraes].Ante os ataques incessantes, Flavio Arajo finalmente se d por ven-
cido e abre mo de sua emenda. Sem esconder o ressentimento, avisa:
Espero que no futuro no tenha de recordar aos ilustres congressis-
tas, que me acolheram to pouco generosamente, as minhas previses quan-
to aos perigos que corre a Repblica e quanto sorte dos governos que no
se apoiam no sufrgio da opinio e nas simpatias do corao de um povo.
nimos apaziguados, o parecer que reconhece a eleio de Prudente
aprovado. Ningum vota contra. Num editorial sobre o histrico dia, o
jornal Gazeta de Notciasse queixa de que faltou pompa ou aparatosa
solenidade sesso do Congresso.
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Prudenteem chargede 1895:presidente quenunca cai nascovas abertaspelos inimigos
do Itamaraty para o Catete. Ciente da trama, Prudente, que se tratava em
erespolis (RJ), decidiu voltar de surpresa e Victorino, sem tempo para
reagir, no teve opo seno entregar a cadeira presidencial.
Em 1897, Prudente enfrentou a ltima turbulncia. Durante uma ce-
rimnia, um soldado encostou uma pistola em seu peito. O presidente foi
rpido e, com a cartola, conseguiu afastar a arma. O soldado, ento, sacou
uma espada e matou o ministro da Guerra, marechal Carlos Machado Bit-
tencourt. Prudente saiu ileso. Victorino foi processado como mandante do
atentado. Ante a falta de provas, o vice acabou sendo inocentado.
Assista a vdeo da Agncia Senado: http://bit.ly/eleicoes1894
Oua reportagem da Rdio Senado: http://bit.ly/radio_1aeleicao1894
REPRODUO
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7/25/2019 Arquivo - Senado-vol1
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Ruy Barbosa foi conselheiro dopresidente Wenceslau Braz e usou
talento retrico para convencer colegasdo Senado a aprovar a entrada doBrasil no conflito, que foi travado
na Europa entre 1914 e 1918
Senador foi crucialpara entrada doBrasil na 1 Guerra
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Documentos guardados no Arquivo do Senado lanam luzes sobre
um episdio esquecido da histria: a participao do Brasil na 1
Guerra Mundial, travada um sculo atrs, entre 1914 e 1918. Os
registros mostram que as opinies de Ruy Barbosa (18491923),
senador na poca, foram cruciais para que o Brasil decidisse declarar guerra
aos imprios centrais e enviar homens e navios para a Europa.
enho sido acusado de estar pregando a guerra no continente ameri-
cano em paz discursa Ruy Barbosa (PRL-BA) em maio de 1917, no Pal-
cio Conde dos Arcos, a sede do Senado, no Rio. No, senhores senadores,
no preguei at hoje a guerra. A guerra no matria de arbtrio, deliberao
ou escolha, mas uma situao criada pela Alemanha, que, envolvendo todos
os pases neutros na mesma situao dos beligerantes na guerra naval, no
deixa aos neutros outro caminho seno o de aceitar a guerra que ela declara.
A Alemanha era um dos imprios centrais, ao lado do Imprio Aus-
tro-Hngaro e do Imprio urco-Otomano. Esse grupo estava em guerra
contra os chamados aliados Reino Unido, Frana, Rssia e, mais tarde,
Estados Unidos.
Quando a guerra deflagrada, o Brasil opta pela neutralidade. A situ-
ao muda depois que submarinos alemes torpedeiam navios comerciais
brasileiros. Inconformado, o senador Ruy Barbosa insiste que o pas no
pode tolerar a ofensiva do enxame de submarinos:
A Alemanha arroga a si o direito estupendo, inominvel e infernal
de matar indistintamente, como carga nos navios que destroem, os seus ca-
pites, os seus tripulantes e os seus passageiros. ilgico, absurdo sustentar
a neutralidade brasileira. Quando uma nao chega ao extremo, misria de
no ter meios de se defender, de ser obrigada a tolerar em silncio absolutoe resignao ilimitada todos os atos contra o seu direito, a sua honra e a sua
existncia, essa nao perdeu o direito de existir.
A gota dgua o torpedeamento do navio Macau, em outubro de 1917,
na costa espanhola. Antes de a embarcao ir a pique, dois tripulantes foram
capturados como prisioneiros de guerra. Dias depois, o governo brasileiro
finalmente declara guerra.
Ruy Barbosa tem papel decisivo. Por um lado, um dos mais influentes
conselheiros do presidente Wenceslau Braz. Antes de tomar a resoluo, o
mandatrio se rene com o senador. Por outro lado, Ruy Barbosa combina
seus conhecimentos de direito internacional com seu poder retrico para
convencer os colegas
do Senado a aprovar
no mesmo dia a decla-
rao de guerra pro-
posta pelo presidente
da Repblica.
No obstante
a nossa relativa pe-
quenez, a nossa no-
tria ausncia de re-
cursos, [ao aprovar o
estado de guerra] daremos o passo mais grave, mais extraordinrio dos anais
do Parlamento brasileiro. O mundo nos comear a olhar como nao capaz
de virtudes e herosmos.
Ruy Barbosa uma das figuras brasileiras mais admiradas de todos os
tempos. Alm de senador, foi advogado, jurista, jornalista, diplomata, mi-
nistro, deputado, ensasta e at presidente da Academia Brasileira de Letras
(ABL). Foi ministro da Fazenda logo no primeiro governo da Repblica. A
passagem pelo Senado foi longeva, de 1890 a 1921. Candidatou-se duas vezes
Presidncia da Repblica, sem sucesso.
Ele representou o Brasil na Conferncia de Pa