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ATIVIDADE DO BRINCAR, EXPERIÊNCIA ESTÉTICA E PROTAGONISMO
INFANTIL: A COMPLEXIDADE DA ROTINA PEDAGÓGICA NA
EDUCAÇÃO INFANTIL
Daniela Gomes de Moura Melo (SEEDF)
Débora Cristina Sales da Cruz Vieira (SEEDF)
Genilce Sousa Cardoso (SEEDF)
Andréia dos Santos Gomes Vieira (SEEDF)
Este painel pretende colaborar com a discussão sobre a complexidade da rotina
pedagógica da Educação Infantil, enfocando diferentes olhares e ações pedagógicas.
Nesse sentido, assumimos a rotina pedagógica na Educação Infantil como organização
espaço-temporal oposta ao caráter exclusivamente normativo composto por práticas
ritualísticas do cotidiano escolar. A presente proposta apresenta três pesquisas
concluídas realizadas por professoras pesquisadoras da Secretaria de Estado de
Educação do Distrito Federal no curso de Especialização em Docência na Educação
Infantil da Universidade de Brasília que se alinham na compreensão de que as rotinas
pedagógicas são organizações espaço-temporais que interferem na constituição do
sujeito como mediadora da cultura escolar; são recortes de uma realidade social e
cultural na qual a instituição está inserida; trazem concepções pedagógicas embutidas na
sua própria constituição. O primeiro trabalho “Brincadeiras de criança: a atividade do
brincar na rotina da Educação Infantil” analisa situações da atividade do brincar
presentes na rotina pedagógica de uma turma de 1º período da Educação Infantil,
enfocando a brincadeira como atividade-guia no desenvolvimento das crianças. O
segundo trabalho “Sutilezas de criança: a experiência estética de crianças com literatura
na rotina da Educação Infantil” analisa a experiência estética expressa nas narrativas e
registros gráficos de crianças sobre o projeto de leitura “Senta que lá vem história” de
uma instituição pública de Educação Infantil do Distrito Federal, apontando uma
proposta de organização do trabalho pedagógico com enfoque na literatura infantil. O
terceiro trabalho “As crianças falam: a rotina pedagógica da sala de aula na perspectiva
de crianças” analisa percepções de crianças de uma instituição pública de Educação
Infantil acerca da rotina pedagógica em que estão inclusas durante o período escolar,
apontando a necessidade de que os docentes considerem o protagonismo infantil na
elaboração e implementação de rotinas pedagógicas.
Palavras-chave: Educação Infantil. Rotinas Pedagógicas. Prática docente.
XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira
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BRINCADEIRAS DE CRIANÇA: A ATIVIDADE DO BRINCAR NA ROTINA
DA EDUCAÇÃO INFANTIL
Daniela Gomes de Moura Melo – Secretaria de Estado de Educação do Distrito Federal
(SEEDF)
Débora Cristina Sales da Cruz Vieira - Secretaria de Estado de Educação do Distrito
Federal (SEEDF)
A prática pedagógica na Educação Infantil privilegia a organização do ambiente escolar
por meio de rotinas pedagógicas, sendo defendida por uns e repudiada por outros. As
rotinas pedagógicas são constituídas por concepções, crenças, questões ideológicas e de
personalidade próprias de cada educador. Porém, é inegável a presença da atividade do
brincar na rotina pedagógica da Educação Infantil. A brincadeira se constitui atividade-
guia no desenvolvimento das crianças pequenas e é o objeto de estudo do presente
artigo. O aporte teórico sobre a atividade do brincar está fundamentado na psicologia
histórico-cultural (ARCE 2006, ELKONIN 2006, PRESTES 2010, TUNES 2001,
VIGOTSKI 2008) e em (BARBOSA 2006) sobre as rotinas pedagógicas. O presente
artigo trata-se de uma pesquisa qualitativa de abordagem etnográfica e caráter
interpretativista (BORTONI-RICARDO 2008) cujo objetivo é analisar situações da
atividade do brincar presentes na rotina pedagógica de uma turma da Educação Infantil.
A pesquisa foi realizada em uma instituição pública de Educação Infantil do Distrito
Federal localizada numa cidade satélite na região periférica do Distrito Federal. Os
sujeitos participantes da pesquisa foram uma turma de 1º período, composta por 21
crianças com a faixa etária entre 4 e 5 anos de idade e a professora regente. Os
instrumentos utilizados foram: observação participante com gravação de áudio e vídeo e
registros do diário de campo. Observamos que na organização da rotina pedagógica da
instituição de Educação Infantil pesquisada foram promovidas atividades diversificadas,
pois na diversidade de espaços que as crianças interagiram foram oportunizadas a
brincadeira, a aprendizagem e o de desenvolvimento das crianças. Ressaltamos ainda
que a atividade do brincar constitui-se atividade-guia na infância, por promover as
“revoluções” no desenvolvimento infantil, de acordo com a psicologia histórico-
cultural. A atividade do brincar, enquanto produção simbólica, promove a interação
social das crianças por meio da aquisição de ferramentas culturais via linguagem oral na
rotina da Educação Infantil.
Palavras-chave: Educação Infantil. Rotina pedagógica. Atividade do brincas
Introdução
A prática pedagógica na Educação Infantil privilegia a organização do ambiente
escolar por meio de rotinas pedagógicas, sendo defendida por uns e repudiada por
outros. As rotinas pedagógicas são constituídas por concepções, crenças, questões
ideológicas e de personalidade próprias de cada educador. Porém, é inegável a presença
da atividade do brincar na rotina pedagógica da Educação Infantil. A brincadeira se
constitui atividade-guia no desenvolvimento das crianças pequenas e é o objeto de
estudo do presente artigo.
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777ISSN 2177-336X
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As Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil (2010)
preconizam que as práticas pedagógicas devem ter como eixos norteadores as interações
e a brincadeira. Sendo que estas farão parte das experiências vivenciadas de maneira
integrada pelas crianças segundo a proposta curricular da instituição. Segundo o mesmo
documento, a proposta pedagógica da Educação Infantil deve se constituir em três
princípios: éticos, políticos e estéticos. A observação da rotina pedagógica de uma
instituição de Educação Infantil nos permite perceber se estes princípios fazem parte da
organização da proposta pedagógica.
O presente artigo trata-se de uma pesquisa qualitativa de abordagem etnográfica
e caráter interpretativista (BORTONI-RICARDO 2008) cujo objetivo é analisar
situações da atividade do brincar presentes na rotina pedagógica de uma turma da
Educação Infantil. A pesquisa foi realizada em uma instituição pública de Educação
Infantil do Distrito Federal localizada numa cidade satélite na região periférica do
Distrito Federal.
Os sujeitos participantes da pesquisa foram uma turma de 1º período, composta
por 21 crianças com a faixa etária entre 4 e 5 anos de idade e a professora regente. Os
instrumentos utilizados foram: observação participante com gravação de áudio e vídeo e
registros do diário de campo.
Rotinas pedagógicas na Educação Infantil
Rotina é uma categoria pedagógica que os responsáveis pela Educação Infantil
estruturam para, a partir dela, desenvolver o trabalho cotidiano nas instituições de
Educação Infantil. (BARBOSA, 2006 p.35). Contudo, a rotina apresenta a possibilidade
de constituir uma identidade da instituição de Educação Infantil, explicitando o
atendimento da educação e do cuidado. De certo modo, a rotina sintetiza o projeto
pedagógico e a proposta de ação docente, funcionando muitas vezes como cartão de
visitas da escola, Barbosa (2006). Segundo essa autora, com a rotina o professor
organiza essencialmente o tempo para atendimento dos alunos, elencando as atividades
mais significativas e atendendo as necessidades dos alunos. As rotinas podem ser vistas
como produtos culturais criados, produzidos e reproduzidos no dia a dia, tendo como
objetivo a organização da cotidianeidade, Barbosa (2006).
Sendo cultural, a rotina de uma escola é também um recorte de uma realidade
social e cultural na qual a instituição está inserida. As rotinas trazem concepções
pedagógicas embutidas na sua própria constituição. Portanto, a observação da sua
construção e do comprometimento dos atores envolvidos no seu cumprimento se tornam
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fundamentais para organização, tendo em vista o risco de se tornarem uma prática
alienante. As críticas ao trabalho com rotina, tratando-a como prática ritualística,
reforçam como prática alienante. Além disso, a rotina apresenta relações com outras
manifestações humanas tais como rituais, aos hábitos e às tradições e a ideia de
repetição, com caráter normatizador. Estes aspectos, sobretudo a repetição e
normatização recuam em relação ao novo e nem sempre deixam espaço para a reflexão.
As rotinas podem tornar-se uma tecnologia de alienação quando não
consideram o ritmo, a participação, a relação com o mundo, a realização, a
fruição, a liberdade, a consciência, a imaginação e as diversas formas de
sociabilidade dos sujeitos nela envolvidos; quando se tornam apenas uma
sucessão de eventos e pequenas ações, prescritas de maneira precisa, levando
as pessoas a agir e a repetir gestos e atos em uma sequência de procedimentos
que não lhes pertence nem está sob seu domínio. (BARBOSA, 2006 p.39)
Por outro lado, o valor estruturante da rotina confere uma ordem para a
experiência confusa da criança, ajuda-a a orientar-se, quando transforma a experiência
de viver em um mundo que é, ao menos em parte previsível e, consequentemente, mais
tranquilo e seguro, Barbosa (2006). A criança inserida em uma rotina com essa
qualidade apresenta estabilidade emocional e favorece a interação com o ambiente
escolar.
Na palavra rotina, está embutida uma noção de espaço e de tempo, pois a rotina
trata de uma rota de deslocamentos espaciais conhecidos previamente e de uma
sequência que ocorre com determinada frequência temporal, afirma Barbosa (2006).
Dessa forma podemos observar que a rotina pedagógica é “um elemento estruturante da
organização institucional e de normatização da subjetividade das crianças e dos adultos
que frequentam os espaços coletivos de cuidados e educação” (BARBOSA, 2006, p.
45).
Barbosa (2006) aponta os elementos constitutivos da rotina como: o uso do
tempo, a organização do ambiente, a seleção e as propostas de atividades; a seleção e a
oferta de materiais. Estes definem o modo de pensar e de prescrever uma rotina,
apresentando sua função padronizadora. Os usos do tempo sempre se fizeram presentes
no universo da educação. Escolano (apud Barbosa, 2006) afirma que a subdivisão dos
tempos escolares, apresenta um conjunto de valores culturais e sociais que define e
institui um discurso pedagógico determinado, ou seja, não é uma decisão neutra. Este,
relata que a escola, infantil ou não com suas repetições, com seus ritmos e durações
ensinam a “aprendizagem da ordem do tempo.”. O conceito de construção do tempo, se
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configura como um conceito que necessita de muito “tempo” para ser desenvolvido,
com uma série de vivências para ser apropriado pela criança.
A duração das atividades aparece na rotina sempre relacionadas à hora do
relógio, sobretudo as atividades que envolvem espaços coletivos. Seria este o melhor
modo de organizar o ambiente escolar? Um recurso utilizado pelos educadores da
Educação Infantil para marcar a transição de uma atividade para outra é o uso de
canções, acompanhadas de gestos ou não, Barbosa (2006). “O espaço físico é o lugar do
desenvolvimento de múltiplas habilidades e sensações e, a partir da riqueza e
diversidade, ele desafia permanentemente aqueles que o ocupam” (BARBOSA, 2006, p.
120). A autora afirma que a organização do ambiente é fundamental na constituição do
sujeito por seu caráter mediador cultural. Para as crianças pequenas, sua importância é
ampliada, devido ao tempo de permanência das mesmas nas instituições.
Contudo, é necessário explorar o outro lado da rotina, que a cada dia oferece a
oportunidade de novas aprendizagens, de fazer as mesmas coisas de modo diferenciado,
de estabelecer vínculos com os pares adultos e crianças, nesta jornada do saber, relata
Barbosa (2006).
É possível pensar a rotina sob a forma de um cotidiano, prestando atenção às
práticas, os motivos pelos quais se fazem as coisas de um jeito ou de outro,
criar contrapoderes, mudar a vida. Para isso é preciso sair da visão
adultocêntrica, que “sabe o que é melhor para as crianças”, e estabelecer novas
relações entre adultos e crianças, não pautadas por visões essencialistas, mas
sim pela ideia de que se está permanentemente reconstruindo com as práticas
de vida. (BARBOSA, 2006, p.205)
Na organização da rotina de Educação Infantil, o professor necessita promover
atividades para o desenvolvimento da oralidade, incentivando sempre que possível a
interação verbal em sua turma. A oralidade permeia toda a rotina, se tornando um
elemento de expressão dos sujeitos envolvidos na prática pedagógica, estabelecendo
vínculos entre os mesmos. Um dos momentos do cotidiano das turmas de Educação
Infantil, onde a oralidade se manifesta livremente é na hora de brincar.
Brincando e aprendendo na Educação Infantil
A brincadeira é uma recordação real, ou seja, ela é mais uma memória do que a
criança vive, do que a imaginação por si só. (Vigotski, 2008) A brincadeira de faz de
conta ocupa um lugar privilegiado no universo infantil. Vigotski (2008) afirma que a
brincadeira não deve ser relacionada ao princípio do prazer, pois existem situações que
proporcionam mais satisfação à criança, como sugar uma chupeta e alguns jogos
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esportivos trazem insatisfação às crianças quando perdem, ficando frustradas, situações
como estas trazem descontentamento.
Um aspecto importante da discussão sobre a atividade do brincar, pois é
indiscutível como a criança satisfaz seus desejos com a brincadeira e como há
especificidades de interesses para cada faixa etária, o que atrai um bebê não atrai uma
criança maior e vice-versa.
A criança brinca sem estabelecer um plano de desenvolvimento das ações. E é
ao longo da brincadeira que, combinando situações vividas ou histórias
ouvidas, a criança começa a compreender (tomar consciência) as relações que
existem entre os mais diferentes fenômenos. Isso reflete-se diretamente em sua
capacidade de criar e tem uma importância fundamental para o
desenvolvimento mental. (PRESTES, 2010, p. 7).
Na dinâmica da brincadeira, surgem as regras implícitas, pertinentes aos papéis
estabelecidos, as ações e diálogos que fazem parte deste momento de criação da criança
e tem uma forte importância para o desenvolvimento mental. O caráter simbólico da
brincadeira, se desfaz por não ser abstrato, ou seja, a brincadeira se utiliza de elementos
da realidade, situações vividas, para ampliar para as situações imaginárias.
Segundo Prestes (2010), a brincadeira não tem tempo nem espaço determinado
para acontecer, pois a invenção e a regulação é de autoria da criança, ou seja, ela decide
como, quando e onde vai acontecer a brincadeira. É um espaço de liberdade, mesmo que
ilusória, mas é um espaço de construção de identidade, pois se apoia em elementos da
vida real e do cotidiano da criança. A brincadeira é uma atividade livre e a regulação
nas ações devem ocorrer por meio das outras crianças brincantes.
O papel do adulto na brincadeira se revela de suma importância. Tunes (2001)
afirma que o interesse da criança por determinado objeto, passa pelo interesse que ela
percebe que o adulto tem por este objeto. O adulto “inicia” a criança na brincadeira de
faz de conta, quando brinca com ela, atribuindo significado a determinados objetos. A
atividade de brincar de faz de conta é um microcosmo da cultura na qual a criança está
inserida.
O significado do brincar para o desenvolvimento mental da criança nessa idade
tem muitos aspectos. O mais importante encontra-se no fato de que, no brincar, a
criança assume o papel do adulto, o trabalho e as funções do adulto na sociedade.
(ELKONIN 2009). A criança ao brincar representa o mundo que a cerca, assumindo os
papéis que ainda pertencem somente ao adulto e neste movimento, se desenvolve
mentalmente, criando e recriando com sua imaginação. Tunes (2001) afirma que a
criança brinca por necessidade.
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Os mamíferos são seres sociais, devido à necessidade dos filhotes ficarem mais
tempo sob cuidados maternos, tendo necessidade de toque, carícias e contato físico com
outras pessoas. O bebê tem interesse pelos objetos à sua volta e pelo adulto, que tem
papel primordial na transição da atenção da criança da pessoa para o objeto, o interesse
da criança pelos objetos é socialmente constituído. Ao envolver-se com os objetos, a
criança tenta repetir o que os demais fazem, Tunes (2001). Apenas quando a criança
inaugura a fase do faz-de-conta, consegue atribuir valor a brinquedos que imitam
objetos da vida real, no período anterior a este, tais brinquedos não despertam seu
interesse, pois somente os objetos reais utilizados pelos adultos o fazem.
O importante papel do adulto como promotor da aquisição de novas formas
culturais de uso dos objetos. Ao inaugurar novas possibilidades de atenção da
parte da criança, o adulto acaba por desencadear novos processos
motivacionais na criança, outros movimentos dela em direção ao mundo ao seu
redor. (TUNES, 2001, p.7)
Procedimentos metodológicos
A pesquisa qualitativa procura entender e interpretar os fenômenos sociais
inseridos num contexto, sem buscar possíveis causas ou consequências para os
acontecimentos, nem ter generalizações sobre os fatos. Esta pesquisa qualitativa de
abordagem etnográfica e caráter interpretativista (BORTONI-RICARDO 2008) tem
como objetivo analisar situações vividas da atividade do brincar presentes na rotina de
uma turma da Educação Infantil.
A pesquisa foi realizada em uma instituição pública de Educação Infantil do
Distrito Federal localizada numa cidade satélite na região periférica do Distrito Federal.
Os sujeitos participantes da pesquisa foram uma turma de 1º período, composta
por 21 crianças (onze meninos e dez meninas) com a faixa etária entre 4 e 5 anos de
idade e a professora regente. Os nomes das crianças e da professora são fictícios para
preservar a identidade dos sujeitos.
O processo empírico teve duração de seis semanas, período em que foram
construídos os dados dessa pesquisa. Os instrumentos utilizados foram as observações
participantes com gravação de áudio e vídeo, diário de campo, entrevista
semiestruturada realizada com a professora e também dinâmica conversacional.
E as crianças? Fazem o quê? Elas brincam!
Na observação do cotidiano da de Educação Infantil, a brincadeira se constituiu
parte essencial da rotina das crianças, pois a principal forma de expressão das crianças é
o brincar. E quando as crianças brincam? Basicamente o tempo todo, pois todo e
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qualquer tempo livre é o utilizado por elas para brincar e elas criam as mais diversas
brincadeiras: jogos musicais, brincadeiras com o corpo, com as mãos, com os pés,
jogos imaginários e até mesmo com amigos imaginários. Observar as crianças
brincando é observar a maneira como elas veem e compreendem o mundo, o brincar é
uma atividade-guia da criança. Descreveremos algumas situações da atividade do
brincar observadas na rotina da turma pesquisada.
Parque: espaço-tempo de liberdade do movimento e da imaginação
Quando as crianças foram brincar no parque de areia, a professora relembrou os
combinados da turma sobre como utilizar os brinquedos do parque e as crianças
escolhiam como brincar nesse espaço. Percebemos que elas não só brincaram com a
areia, mas também brincavam de mamãe e filhinha, faziam de conta que eram cachorros
e iam passear com seus donos, faziam de conta que a areia era dinheiro ou comidinha,
enfim, elas aproveitavam o tempo e brincavam com o material que tinham disponíveis
(baldes, pás, peneiras, rastelos e forminhas) e também ressignificavam os brinquedos ao
utilizá-los para outras funções como panela e prato para fazer comida.
A brincadeira caracteriza-se por uma atividade espontânea, livre, na qual a
criança trabalha, estabiliza e ressignifica o que já conhece, interiorizando de
forma criativa e elaborando de forma particular o mundo a sua volta, suas
emoções, ou seja, construindo o seu “eu” na relação com o outro. (ARCE,
2006, p. 103)
No diálogo abaixo podemos perceber como a imaginação permeia toda a
situação da brincadeira. Desde a separação de papéis até ao material utilizado na
atividade do brincar.
1. Gabriela - Vamos brincam de mamãe e filhinha?
2. Amanda - Vamos!
3. Janaína - Eu posso brincar também?
4. Gabriela - Pode sim. Pega aqui esse dinheiro para ir ao mercado!
(Responde a pergunta entregando areia para Janaína.)
5. Janaína - E é prá comprar o quê?
6. Gabriela - Bolo.
Pudemos observar as crianças brincando de mamãe e de filhinha, onde a criança
assume o papel de mãe e recria situações que vive em casa, o modo que a mãe cuida
dela, que cuida da comida e de todas as coisas da casa. Isso acontece também quando
elas brincam de escola onde uma criança é a professora e as outras crianças são os
alunos e que acabamos por nos rever nas atitudes das crianças ao brincar. Quando as
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crianças estão brincando de escola, elas imitam até os gestos que a professora faz, usam
as mesmas palavras para dar aula e fazer as atividades com os colegas, o que nos mostra
claramente como as crianças enxergam os adultos.
É importante ressaltar que a brincadeira não é uma atividade instintiva da
criança, mas objetiva, enquanto atividade na qual a criança se apropria do mundo real
dos seres humanos (ARCE 2006). A autora explica que na psicologia histórico-cultural,
a brincadeira é compreendida por ações reais e sociais e por meio delas apreende a
realidade.
A fantasia, a imaginação, que é um componente indispensável à brincadeira
infantil, não tem a função de criar para a criança um mundo diferente do
mundo dos adultos, mas sim de possibilitar à criança apropriar-se do mundo
dos adultos a despeito da impossibilidade de a criança desempenhar as mesmas
tarefas que são desempenhadas pelo adulto. (ARCE, 2006, P. 108)
Outra situação observada no parque retrata Mateus sentado na areia e parecia
estar digitando alguma coisa, pois executava o mesmo gesto de uma pessoa que está
sentada à mesa utilizando um computador. Segue o breve diálogo entre a criança e a
pesquisadora:
1. Pesquisadora - O que você tá fazendo aí?
2. Mateus - Trabalhando tia!
3. Pesquisadora - Trabalhando de quê?
4.Mateus - No computador né...(
5.Pesquisadora - Então tá, vou deixar você trabalhar.
É interessante que durante as observações pude perceber que as crianças se
interessavam mais por essas brincadeiras de faz de conta, de representar papéis do que
brincar propriamente com os brinquedos disponibilizados. Na realidade, os brinquedos
eram acessórios da brincadeira do que a brincadeira propriamente dita e que as crianças
inventavam e reinventavam brincadeiras.
Amigos para sempre: a criação coletiva de uma brincadeira
Outro episódio observado retratou a capacidade das crianças da turma em
inventarem e reinventarem brincadeiras durante períodos aparentemente ociosos na
rotina da Educação Infantil.
Geralmente, após terminar o lanche, a professora Margarida saía com sua
turma para que as crianças pudessem ir ao banheiro e também beber água. Ela
pedia para as crianças esperarem sentadas enquanto os colegas iam ao banheiro
e bebiam água. Nesse momento, as crianças ficavam sentadas como foi pedido,
mas os pequenos grupos se formavam: algumas meninas brincam de Adoleta,
outras cantam música e um grupo maior, formado de meninos e meninas
brincam de “Amigos para sempre”. A brincadeira “Amigos para sempre”
consistia em colocar uma parte do corpo no centro da roda e levantar a parte do
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corpo falando “Amigos para sempre”. Nos primeiros dias das observações, as
crianças brincavam revezando mão e pé no centro da roda. Nos últimos
encontros, elas já inovavam falando para colocarem a cabeça no centro da roda
e depois foi o ombro. As crianças aproveitaram o tempo livre para criar e
recriar uma brincadeira inventada por elas e que ajudava as crianças a
perceberem as partes do seu corpo. (NOTAS DO DIÁRIO DE CAMPO, maio
de 2015)
As crianças criaram a brincadeira e as regras que constituíam a atividade, sendo
que essas regras poderiam ser flexibilizadas ou mudadas pelo próprio grupo. Elkonin
(2009, p.243) explica que durante a brincadeira “surgem regras internas não escritas,
mas obrigatórias para os que jogam, provenientes do papel e da situação lúdica” ou seja,
quanto mais desenvolvido for o jogo, maior é o número de regras internas.
Além das brincadeiras espontâneas e das atividades realizadas nos diferentes
espaços da escola, as crianças brincavam em atividades dirigidas com a professora
como: as cantigas de roda como a 'Linda Rosa Juvenil' e também brincavam com o jogo
da memória gigante. O objetivo desses jogos gigantes é proporcionar que as crianças
conheçam as regras do jogo e como brincar, para depois jogarem nos pequenos grupos,
dando a oportunidade para as crianças ensinarem umas às outras.
Considerações finais
Observamos que na organização da rotina pedagógica da instituição de
Educação Infantil pesquisada foram promovidas atividades diversificadas, pois na
diversidade de espaços que as crianças interagiram foram oportunizadas a brincadeira, a
aprendizagem e o de desenvolvimento das crianças.
Ressaltamos ainda que a atividade do brincar constitui-se atividade-guia na
infância, por promover as “revoluções” no desenvolvimento infantil, de acordo com a
psicologia histórico-cultural. A atividade do brincar, enquanto produção simbólica,
promove a interação social das crianças por meio da aquisição de ferramentas culturais
via linguagem oral na rotina da Educação Infantil.
Referências bibliográficas
ARCE, Alessandra. A brincadeira de papéis sociais como produtora de alienação no
Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil. IN: ARCE, Alessandra e
DUARTE, Newton (orgs.). Brincadeira de papéis sociais na educação infantil:
contribuições de Vigotski, Leontiev e Elkonin. São Paulo: Xamã, 2006.
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BRASIL. Ministério da Educação. Secretária de Educação Básica. Diretrizes
Curriculares Nacionais para a Educação Infantil. Secretária de Educação Básica-
Brasília, DF: MEC, 2010.
ELKONIN, Daniil B. Psicologia do jogo. Tradução de Álvaro Cabral. São Paulo:
Editora WMF Martins Fontes, 2009.
TUNES, Elizabeth e TUNES, Gabriela. A brincadeira, o adulto e a criança. In:
Revista Em Aberto, v.18, nº 73, p. 78-88, jul. 2001
PRESTES, Zoia Ribeiro. A escolarização da brincadeira de faz-de-conta. 2010,
mimeo.
VIGOTSKI, Lev Semionovitch. A brincadeira e o seu papel no desenvolvimento
psíquico da criança. Tradução do russo e prefácio de Zoia Ribeiro Prestes. Revista
Virtual de Gestão de Iniciativas Sociais. COOPE/UFRJ, junho/2008.
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SUTILEZAS DE CRIANÇA: A EXPERIÊNCIA ESTÉTICA DE CRIANÇAS
COM LITERATURA NA ROTINA DA EDUCAÇÃO INFANTIL
Genilce Sousa Cardoso – Secretaria de Estado de Educação do Distrito Federal
(SEEDF)
O contato com a literatura infantil pode promover ricos encontros, momentos de
interação, despertar o gosto pela leitura e contribuir significativamente para
desenvolvimento integral das crianças. Quando pensamos em uma proposta pedagógica
ancorada na literatura infantil como eixo organizador não podemos deixar de destacar o
valor das experiências vividas e construídas no decorrer dos menus oferecidos e
saboreados nos espaços escolares da Educação Infantil. Assim, proporcionar
experiências em que a arte literária seja de fato saboreada pelas crianças na Educação
Infantil, contribui para o desenvolvimento integral das crianças. Esta pesquisa pretende
analisar a experiência estética expressa nas narrativas e registros gráficos de crianças
sobre o projeto de leitura “Senta que lá vem história”. O aporte teórico deste trabalho
está fundamentado em (ABRAMOVICH 1991, MACHADO E ROCHA 2011,
VIGOTSKI 2003) sobre literatura infantil e experiência estética. É uma pesquisa
qualitativa de abordagem etnográfica e caráter interpretativista (BORTONI-RICARDO
2008), foi realizada em uma instituição pública de Educação Infantil do Distrito Federal.
Os sujeitos participantes da pesquisa foram um grupo de nove crianças com faixa etária
entre 5 e 7 anos de idade. Os instrumentos utilizados para a construção das informações
foram as rodas de conversa e os registros pictóricos realizados pelas crianças nas rodas
de conversa. Os registros pictóricos revelaram a experiências estética que cada história
proporcionou às crianças. Destacamos que uma rotina com o trabalho pedagógico
desenvolvido a partir da literatura infantil possibilita a vivência de uma diversidade de
experiências que despertam sentidos e significados distintos para cada sujeito.
Experiências essas que tenham a missão de nos paralisarem e ao mesmo tempo nos
mobilizarem, que nos ofereçam a oportunidade de parar para olhar e olhar de novo,
proporcionando uma aprendizagem significativa.
Palavras-chave: Educação Infantil. Rotina pedagógica. Experiência estética.
Introdução
A literatura infantil pode provocar uma descoberta do mundo, ela tem a magia
de contribuir significativamente, desvendando horizontes de possibilidades através da
literatura oral ou da literatura escrita, podemos conhecer a história das culturas, o modo
como elas foram sendo repassadas de geração para geração. Segundo Coelho (2000,
p.15) “É ao livro, à palavra escrita, que atribuímos a maior responsabilidade na
formação da consciência de mundo das crianças e dos jovens.”
Este artigo é um recorte da monografia “Senta que lá vem história”: narrativas
da experiência estética de adultos e crianças apresentada como trabalho de conclusão
de curso da Especialização em Docência na Educação Infantil pela Universidade de
Brasília. É uma pesquisa qualitativa de abordagem etnográfica e caráter interpretativista
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(BORTONI-RICARDO 2008), tem como objetivo analisar a experiência estética
expressa nas narrativas e registros gráficos de crianças sobre o projeto de leitura “Senta
que lá vem história”.
A pesquisa foi realizada em uma instituição pública de Educação Infantil do
Distrito Federal localizada em região periférica do Distrito Federal. Os instrumentos
utilizados para a construção das informações foram as rodas de conversa e os registros
pictóricos realizados pelas crianças. Os sujeitos participantes da pesquisa foram um
grupo de nove crianças com faixa etária entre 5 e 7 anos de idade.
Sabores da escola
A escola é um lugar que precisa ser preparado pelo professor de forma a
incentivar, aguçar, provocar e estimular as crianças a embarcarem na viagem ao mundo
encantado e divertido que as histórias podem oferecer. Como nos coloca Abramovich
(2004, p.18) “[...] contar uma história é uma arte... é tão linda! É ela que equilibra o que
é ouvido com o que é sentido. As histórias podem nos oferecer uma infinidade de
riquezas entre as principais; ler por prazer e ainda inúmeras aprendizagens. Assim, antes
de apresentarmos para as crianças, devemos conhecer a história, perceber que tipo de
emoção ela nos proporcionou e permitir que as crianças deixem exalar suas emoções ao
ouvir as histórias.
É importante que o educador seja um leitor ativo, que conheça as histórias que
serão contadas, assim poderá envolver, encantar, ter brilho no olhar, provocar a
imaginação, se emocionar. Enfim, tem que fazer com que seja um momento de
encantamento e gostosura. O professor poderá fazer uso das diversas técnicas para
contar as histórias, apenas com livro nas mãos, ou de forma espontânea, dramatizar,
memorizar, usar dedoches, fantoches, filmes, etc. É fundamental e enriquecedor que o
professor diversifique as estratégias para aguçar o interesse e fascinar o leitor/ouvinte
para ele se torne um leitor ativo.
A esse respeito as autoras afirmam:
É fundamental que a escola seja um ambiente propício a uma
sensibilização para a leitura, a uma intimidade maior com bons
textos, a uma leitura de qualidade. E isso é muito difícil porque tal
prática não faz parte da formação do professor. Então como o
professor vai sozinho conseguir fazer isso se, ao longo de seus anos
de estudo, ele mesmo não foi estimulado para a leitura como
deveria? (MACHADO E ROCHA, 2011, p.38)
Hoje as instituições de ensino são espaços privilegiados para promover uma boa
leitura, porém é necessário organizar o trabalho pedagógico, garantindo aos estudantes
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o acesso às leituras que façam sentido. A esse respeito Machado e Rocha (2011, p.34)
nos convidam a refletir “[...] Em vez lerem algo que alimente o espírito, ficar lendo
“chiclete’: mastigam, mastigam , mastigam e não recebem alimento algum.” E para
alimentar cada vez mais o universo de leitores, é necessário incentivar desde muito
pequeno e depois com a Educação Infantil que é um momento fértil, rico em
curiosidades, onde explosões de descobertas surgem, momento onde a criança se forma,
se conhece melhor.
A literatura dada para essas crianças pequenas seja bem rica- no sentido de
fazer referência a muitas coisas, de sair dos assuntos mais comuns, mais
piegas e mais óbvios para assuntos diferentes, ou que explore m assuntos
inusitados do trivial. (MACHADO E ROCHA, 2011, p.39)
É relevante que a literatura infantil disponibilize elementos que contribuam e
sejam importantes para formação dos pequenos. As histórias podem estimular a criança
a ter coragem, a defender e lutar pelos seus direitos, a reclamar, fazer suas escolhas,
provocar uma aproximação com a situação narrativa.
Ela acaba propiciando a todos nós como bagagem para levar pela vida, numa
busca pelo sentido da vida, além de todo o aprofundamento que permite, é
essa formação de repertório de experiências variadas de outras pessoas em
outras situações, que são os personagens.” (MACHADO E ROCHA, 2011, p.
43)
Apesar desse caminho tão rico que a literatura infantil pode proporcionar temos
um caminho a percorrer e garantir que as crianças experimentem cada vez mais as
gostosuras que as histórias podem oferecer. Gostosuras essas, onde a fantasia, a
imaginação, o faz-de-conta, o fantástico, o mágico, o maravilhoso, o poético poderão
nos levar por lindas viagens, valiosas aprendizagens e doces descobertas.
As rotinas que convidam a ficar
Quando pensamos nas rotinas para as crianças pequenas como espaços e
ambientes aconchegantes e acolhedores, estamos convidando os pequenos a ficarem e
experimentarem as gostosuras e bobices que cada espaço e cada ambiente pode
proporcionar dentro propostas pedagógicas. A rotina é uma ação utilizada pelos
responsáveis da Educação Infantil para organizar o trabalho diário nas instituições da
Educação Infantil. Os espaços e ambientes que acolherão e promoverão as
aprendizagens das crianças são ações pedagógicas essenciais e evidenciam as
concepções de educação e cuidados, a rotina demonstra como são concebidos dentro do
espaço pedagógico. A esse respeito Barbosa (2006, p. 35) nos diz que, “É possível
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afirmar que elas sintetizam o projeto pedagógico das instituições e apresentam a
proposta de ação educativa dos profissionais.”
A organização da rotina foi um ponto relevante para estruturação do projeto
“Senta que lá vem história”, as contribuições dessa organização são essenciais para as
conquistas que se alcançam com o projeto. As rotinas são organizações espaço-
temporais que interferem na constituição do sujeito, por ser um mediador da cultura
escolar. O planejamento para cada espaço-tempo requerer cuidados especiais, pois
apresentam diversos significados e provocações que são percebidas pelas crianças
pequenas de diferentes maneiras. Segundo Oliveira (2011, p. 196). “[...] as pesquisas
são claras em demonstrar a importância da significação que a criança pequena empresta
ao ambiente físico, que pode lhe provocar medo ou curiosidade, irritabilidade ou calma,
atividade ou apatia.”
Assim, nenhum espaço é neutro no que diz respeito ao comportamento humano,
especialmente os sujeitos que nele estão envolvidos. A esse respeito Oliveira (2001, p.
196) nos propõe a refletir “Indivíduos que habitam o mesmo ambiente diferem em seus
atributos e assumem comportamentos que também são diferentes”. Cada sujeito é
tocado de uma maneira única e isso poderá refletir no seu desenvolvimento. Para isso,
faz necessário pensarmos e planejarmos uma proposta pedagógica que contribua
significativamente para que se possibilite o movimento e a interação nos espaços e
ambientes.
A organização da rotina acaba por revelar como se estruturam a proposta
pedagógica da instituição, como nós educadores entendemos a infância. Barbosa (2006,
p. 122) acrescenta “A organização do ambiente traduz uma maneira de compreender a
infância, de entender seu desenvolvimento e o papel da educação e do educador.”
Tecer experiências, memórias e narrativas
Quando pensamos em uma proposta pedagógica ancorada com a literatura
infantil como eixo organizador. Não podemos deixar de destacar o valor das
experiências vividas e construídas no decorrer dos espaços escolares da Educação
Infantil.
Experiências que façam sentido e sejam despidas dos excessos. As experiências
tecidas com o projeto “Senta que lá vem história” revelam por meio das narrativas que
literatura infantil tem elementos que enriquecem as experiências e as memórias, nos
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possibilitando entender o mundo, as relações, as diferentes culturas, a reorganizar
nossos sentimentos e emoções.
Segundo Bondía (2002):
A experiência, a possibilidade de que algo nos aconteça ou nos toque, requer
um gesto de interrupção, um gesto que é quase impossível nos tempos que
ocorrem: requer parar para pensar, parar para olhar, parar para escutar, pensar
mais devagar, olhar mais devagar, e escutar mais devagar, parar para sentir,
sentir mais devagar, demorar-se nos detalhes, suspender a opinião, suspender
o juízo, suspendera vontade, suspender o automatismo da ação, cultivar a
atenção e a delicadeza, abrir os olhos e os ouvidos, falar sobre o que nos
acontece, aprender a lentidão, escutar aos outros, cultivar a arte do encontro,
calar muito, ter paciência e dar-se tempo e espaço. (BONDÍA, 2002, p.24)
Experiência acolhida e vivida de maneira significativa, paralisante e ao mesmo
tempo pulsante, que o sujeito da experiência tenha disponibilidade para se deixar
conduzir apreciando cada momento que as experiências podem provocar. Segundo
Bondía (2002, p. 25) “É incapaz de experiência aquele a quem nada lhe passa, a quem
nada lhe acontece, a quem nada lhe sucede, a quem nada o toca, nada lhe chega, nada o
afeta, a quem nada o ameaça, a quem nada ocorre.”
O sujeito da experiência se arrisca, traz os medos na bagagem, mas também
muita coragem e uma variedade de possibilidades que poderão conduzi-lo por caminhos
diversos. Segundo Bondía (2002, p.25) “O sujeito da experiência tem algo desse ser
fascinante que se expõe atravessando um espaço indeterminado e perigoso, pondo-se
nele à prova e buscando nele sua oportunidade, sua ocasião.”
As memórias são preciosidades que enriquecem e eternizam o que foi
experienciado, elas podem contribuir para que sejamos mais criativos, mais ousados,
possibilitam que compartilhemos as experiências através das narrativas. A respeito da
memória Benjamin (2012, p.227) nos diz, “A memória é a faculdade épica por
excelência. Somente uma memória abrangente permite à poesia épica apropriar-se do
curso das coisas [...]”.
Vivenciar uma variedade de experiências significativas poderá contribuir para
que a memória também abarque uma diversidade de possibilidades que permita o
sujeito tecer novas conquistas. Segundo Bruner (2014, p.103) “Por meio da narrativa
nós construímos, reconstruímos, e de alguma forma reinventamos o ontem e o amanhã.
Memória e imaginação amalgamam-se nesse processo.”
As narrativas são expressões de cultura carregadas de significados que nos
constituem. Vamos alinhavando gestos, movimentos, falas, ações, sonhos, enfim, vamos
entrelaçando histórias. Tecendo narrativas que podem nos levar por lugares
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desconhecidos, a trocar experiências, edificar laços de coletividade, manter tradições e
também atribuir novos significados.
De acordo com Girardello (2003):
Durante a narração, a troca não ocorre apenas no plano da linguagem, mas
também através do ar: pelo sopro compartilhado em que vibra a voz de quem
fala no ouvido, de quem escuta, pelo calor físico gerado pelos gestos de quem
conta e de quem reage, pela vibração motriz involuntária- arrepios, suspiros,
sustos. (GIRARDELLO, 2003, p. 2)
As narrativas possibilitam que as experiências sejam partilhadas e continuem
vivas na memória, possibilitando que novos caminhos sejam trilhados com novas cores
e significados.
Procedimentos metodológicos
A pesquisa qualitativa foi a abordagem metodológica selecionada como
percurso, uma vez que, a proposta da pesquisa qualitativa busca construir sentidos e
significados sobre o tema. Logo, este trabalho é uma pesquisa qualitativa de abordagem
etnográfica e caráter interpretativista (BORTONI-RICARDO 2008), na qual o
pesquisador está inserido no espaço de pesquisa e produz suas interpretações sobre as
informações geradas no processo empírico.
A pesquisa foi realizada em uma instituição pública de Educação Infantil do
Distrito Federal localizada em região periférica do Distrito Federal. A escola funciona
em sistema de rodízio de espaços externos, com atividades em dois tempos fora e dentro
de sala, sendo duas horas e meia em cada tempo, assim outros espaços foram criados
para atender esse diferencial.
Os instrumentos utilizados para a construção das informações foram as rodas de
conversa que foram gravadas e posteriormente foram transcritas, selecionadas e
analisadas, e os registros pictóricos realizados pelas crianças durante a realização das
rodas de conversa. Os sujeitos participantes da pesquisa foram um grupo de nove
crianças com faixa etária entre 5 e 7 anos de idade. Os nomes das crianças são fictícios e
foram escolhidos pelas próprias crianças pela questão ética do processo empírico.
Assim, optamos por analisar quatro registros pictóricos produzidos pelas
crianças durante as rodas de conversa com intuito de analisar através dos registros as
experiências estéticas que foram vividas por elas de maneira mais significativa.
Durante as rodas de conversa com as crianças foram oferecidos elementos que
pudesse avivar as memórias tais como: vídeos, fotografias, fantasias e livros que
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fizeram parte das histórias contadas durante o projeto “Senta que lá vem história” em
2014.
Sutilezas de crianças
As experiências que são expressas pelas crianças, trazem memórias diferentes
das que são observadas nos adultos. A esse respeito,
Sabemos que a experiência da criança é bem mais pobre do que a do adulto.
Sabemos, ainda, que seus interesses são mais simples, mais elementares, não
possuem a complexidade, a sutileza e a multiplicidade que distinguem o
comportamento do homem adulto e que são fatores importantíssimos na
definição da atividade da imaginação. (VIGOTSKI, 2009, p.44)
Porém, não podemos deixar de considerar a criança como um sujeito único, que
tem maneira singular de lidar com a aprendizagem e necessita ser respeitado dentro de
suas potencialidades e particularidades.
A pouca experiência vivida pelas crianças não pode ser vista como barreira para
as nossas observações e ações para as crianças que estão em processo constante e
dinâmico de desenvolvimento. Segundo o autor,
Toda a experiência da criança ainda tem um caráter instável, não-acabado e
não-elaborado e, portanto, toda nova recordação será, até certo ponto,
deformada e inexata. Apesar de toda a sua boa intenção e desejo, a criança
não está em condições de reproduzir exatamente todos os detalhes de sua
experiência real. Sempre ocorrerá uma involuntária tergiversação dos
detalhes, porque a criança não se percebeu ou porque os inventou sob a
influência do sentimento. (VIGOTSKI, 2003, p.156)
As rodas de conversa das crianças foram permeadas de valiosas experiências,
mas destacamos a musicalidade, a imaginação e criatividade que foram expressas pelas
crianças nas narrativas, gestos, expressões e os registros pictóricos feitos pelas crianças
durante as rodas de conversa.
As crianças no momento que reviviam as histórias através dos elementos que
foram oferecidos pareciam voltarem naqueles dias de contação. A cada história, uma
melodia embalava os lábios, cada um com seu canto possibilitou que as narrativas e os
registros das experiências fossem compartilhados.
A musicalidade propiciou que as histórias fossem cantadas. Na contação de
histórias, a presença da musicalidade contribuiu para o despertar das memórias, frescor
às lembranças e embalou os lábios e fez o corpo todo reviver as experiências vividas
com o projeto. Segundo Bergmann e Torres (2009, p.197), unir “[...] histórias e
músicas, possibilita ao aluno explorar sua autonomia, desenvolvendo e exercitando sua
memória, seu raciocínio, sua capacidade de percepção e sua criatividade”.
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Sempre que uma imagem de alguma história surgia, Capitão América, sempre
com brilho no olhar cantarolava uma música que embalou a história. E todos
começavam a cantar juntos, foi impossível não se arrepiar e reviver tantas emoções
sentidas. “Camaleão foi se casar com uma calça sem botão chegando lá na igrejinha a
calça dele caiu no chão, segura meu bem segura, segura o seu calção.” (Música
brinquedo cantado para a história “Bom dia todas as cores” da autora Ruth Rocha).
Segundo Pederiva (2013, p.185) “[...] que a música, em seu estágio primário, elementar
é igualmente o veículo comunicativo de expressão das emoções.”
A musicalidade presente nas contações de história se revelou extremamente
enriquecedora e contribuiu para que as memórias fossem recordadas. Ela serviu de fio
condutor aproximando as crianças das imagens, transformando e enriquecendo as
experiências já vividas pelas crianças.
A musicalidade expressa pelas crianças durante as rodas de conversa contribuiu
significativamente para o despertar das memórias, estabeleceu interações entre os
sujeitos propiciou prazer em relembrar experiências vividas com projeto “Senta que lá
vem história!” A imaginação e criatividade caminharam lado a lado e através dos
registros podemos observar e refletir sobre a beleza desenhada e revelada em cada traço.
Os registros pictóricos possibilitam que criança reorganize suas vivências,
supere desafios e conquiste novas possibilidades de aprendizagens.
O desenho infantil sempre é um fato educativamente prazeroso, ainda que às
vezes também seja esteticamente feio. Ele sempre ensina a criança a dominar
o sistema de suas vivências, a vencê-las e superá-las e, segundo uma
excelente expressão, ensina a psique a se elevar. (VIGOTSKI, 2003, p. 236).
Os momentos dos registros realizados pelas crianças foram instantes
enriquecedores durante toda pesquisa, pois elas interagiam entre si com uma
cumplicidade que só poderia ser experimentada por quem de fato participou ativamente
dos momentos das contações de histórias com o projeto “Senta que lá vem história”.
As experiências estéticas vividas pelas crianças foram registradas em forma de
arte com os registros pictóricos, cada um à sua maneira escolheu a história/contação que
mais se identificou. O registro pictórico da Juju apresenta elementos da história
'Charalina'.
Figura 1 - Registro pictórico de Juju ( 7 anos)
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Fonte: material empírico
Com muitas cores e delicadeza da criança durante seu registro recontava a
história nomeando os elementos presentes na história. Sua imaginação deu asas a sua
criatividade, expressões dos olhos e bocas representados em cada utensílio revelaram
que fantasia e imaginação têm papel de destaque nos registros das crianças. “A chaleira
ficou velha, a velhinha jogou ela no quintal, ai entrou um sapo, choveu muito e entrou
muita terra nela, ai nasceu flores”(Juju, na roda de conversa).
As crianças, apesar da sua pouca experiência com a imaginação, utilizam o que
foi vivido com mais confiança e ousadia. A esse respeito Vigotski (2009. p. 46), “A
criança é capaz de imaginar bem menos do que um adulto, mas ela confia mais nos
produtos de sua imaginação e os controla menos” Sendo assim, a criança se lança e dá
asas à sua imaginação vivendo o irreal e o inventado de maneira muito intensa.
A Tetê em seu registro trouxe uma brincadeira cantada “Quando eu era nenê”,
dramatizada durante as contações por professores e alunos.
Figura 2 - Registro pictórico de Tetê (7 anos)
Fonte: material empírico
Uma brincadeira cantada carregada de significados possibilitou a criança a
passar por todas as fases da vida sem deixar de ser uma criança. O real e o imaginário se
entrelaçaram o tempo todo. Enquanto registrava, Tetê e o Capitão América
cantarolavam, gargalhavam e fazia gestos representando os personagens registrados:
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“Quando era nenê eu era assim, quando era criança eu era assim...”, e assim cuidaram
para que nenhum personagem fosse esquecido. Segundo Smolka, 2009, p.106 “[...] um
movimento da criança se torna gesto significativo e como esse gesto, passível de ser
uma escrita no ar, pode se fixar no papel.” Um bailar feito no ar e registrado no papel.
Em meio a muitas gargalhadas das crianças colaboradoras da pesquisa, o
Homem Aranha teceu seu registro, por entre os galhos a sua imaginação e criatividade
foram brotando, nos possibilitando vivenciar em sua companhia as traquinagens daquele
macaco sapeca que roubava e comia as bananas da pobre velha, mas depois de um belo
castigo aprendeu lição.
Figura 3 - Registro pictórico do Homem Aranha (5 anos e 7 meses)
Fonte: material empírico
Fonte: material empírico
A explicação do desenho: "Tia Nice, foi a história mais engraçada que ouvi, por
isso escolhi. Quando a velhinha caiu no poço foi legal”. “O macaco está no meio das
árvores olhando a velha”. (Capitão América, roda de conversa)
Os registros e as narrativas das crianças nos possibilitaram ver através dos olhos
delas, a cada detalhe que elas registraram nos oportunizaram perceber os momentos
mais significativos vividos por elas. A Lelê optou pela história “Menina bonita do laço
de fita” da autora Ana Maria Machado.
Figura 4 - Registro pictórico de Lelê (5 anos e 5 meses)
Fonte: material empírico
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O registro traz momentos únicos e impregnado de significado, podemos observar
pela expressão dos dois personagens, o Coelhinho e a Menina Bonita. A criatividade e a
imaginação estampada na cena do registro revela as observações carregadas de
sentimentos e emoções feitas pela criança, aqui representadas tão nitidamente nas
expressões faciais dos personagens. As experiências que foram vividas pelas crianças a
cada contação contribui para nutrir a memória com criatividade e imaginação.
O instante em que a Lelê revelou sua escolha pela história foi imediato a
presença musicalidade novamente e todos em coro embalaram seus lábios com a
melodia “Menina bonita do laço de fita qual é seu segredo pra ser tão pretinha?”.
Todos começaram a cantarolar e representavam com gestos momentos
significativos da história, “Ah! Quando eu era pequena comia muita jabuticaba, o
coelho foi lá e comeu jabuticaba, não ficou pretinho, fez cocozinho de cabrito.” Eles
imitavam o coelho como se estivessem fazendo os cocozinhos, a presença marcante do
faz de conta, são elementos imprescindíveis para que as crianças re-criem suas
vivências cotidianas.
Diante das experiências estéticas vividas pelos sujeitos colaboradores da
pesquisa no projeto “Senta que lá vem história”, podemos destacar as preciosidades que
cada história traz consigo. Quando temos a oportunidade de conviver diariamente com
as contações de histórias, percebemos que não somos mais os mesmos de antes, somos
atravessados e tocados e provavelmente vivenciaremos uma diversidade de experiências
estéticas que poderão nos formar e nos transformar de maneira significativa.
Considerações finais
Com a realização da pesquisa podemos destacar as possibilidades
proporcionadas pela literatura infantil. O contato com a literatura poderá proporcionar
ricos encontros, momentos de interação, despertar o gosto pela leitura e contribuir
significativamente para desenvolvimento e aprendizagens mais prazerosas.
A literatura infantil pode ser apreciada dentro do contexto familiar onde a
criança poderá ter seu primeiro contato com as gostosuras oferecidas pela literatura
infantil e a escola lugar que precisa ser preparado pelo professor de forma a incentivar,
aguçar, provocar e estimular as crianças a embalarem no mundo encantado e divertido
que as histórias podem oferecer.
Destacamos que uma rotina com o trabalho pedagógico desenvolvido a partir da
literatura infantil possibilita a vivência de uma diversidade de experiências que
despertam sentidos e significados distintos para cada sujeito. Experiências essas que
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tenham a missão de nos paralisarem e ao mesmo tempo nos mobilizarem, que nos
ofereçam a oportunidade de parar para olhar e olhar de novo, proporcionando uma
aprendizagem significativa.
Referências bibliográficas
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BARBOSA, Maria Carmem Silveira. Por amor e por força: rotinas na Educação
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BONDÍA, Larossa Jorge. Notas sobre a experiência e o saber da experiência. Revista
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BORTONI-RICARDO, Stella Maris. O professor pesquisador: Introdução a
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BRUNER, Jerome. Fabricando Histórias: Direito, Literatura, Vida. [tradução
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GATTI, Angelina Bernardete. Grupo focal na pesquisa em Ciências Sociais e
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GIRARDELLO, Gilka. Voz, presença e imaginação: a narração de histórias e as
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OLIVEIRA, Zilma de Moraes Ramos. Educação Infantil: Fundamentos e Métodos.7ª
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PEDERIVA, Patrícia Lima Martins. TUNES, Elizabeth. Da atividade Musical e sua
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VIGOTSKI, Lev S. Tradução SCHILLING, Claudia. Psicologia pedagógica. Edição
Comentada. Porto Alegre: Artmed, 2003.
_______________. Apresentação e comentários SMOLKA, Ana Luiza. Tradução
PRESTES, Zoia. Imaginação e criação na infância. São Paulo: Ática, 2009.
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AS CRIANÇAS FALAM: A ROTINA PEDAGÓGICA DA SALA DE AULA NA
PERSPECTIVA DE CRIANÇAS
Andréia dos Santos Gomes Vieira – Secretaria de Estado de Educação do Distrito
Federal (SEEDF)
Este artigo é parte de uma pesquisa sobre rotinas pedagógicas realizada como trabalho
de conclusão do curso de Especialização em Docência na Educação Infantil pela
Universidade de Brasília. Considerando as rotinas pedagógicas como categoria central
na Educação Infantil, como produtos e produtoras de conhecimentos, ideias, princípios,
condutas, compartilhados em um contexto específico, organizando e orientando práticas
docentes. O presente trabalho tem como objetivo compreender as percepções das
crianças acerca da rotina pedagógica em que estão inclusas durante o período escolar.
Temos como aporte teórico em rotinas pedagógicas (ALMEIDA 2011, BARBOSA
2006, BATISTA 2003). Este estudo utilizou a abordagem qualitativa de base
exploratória, por considerar mais apropriada as particularidades da pesquisa. Os sujeitos
participantes deste estudo foram 10 crianças com faixa etária entre 5 e 6 anos,
estudantes da turma na qual a pesquisadora é regente, em uma instituição pública de
Educação Infantil do Distrito Federal. O instrumento utilizado foi um roteiro de
entrevista semiestruturada aplicado às crianças e gravado em áudio. A análise dos dados
foi realizada com base na análise do conteúdo Bardin (2004). Diante das informações,
inferimos que as crianças participantes perceberam a rotina escolar como uma sequência
de atividades, elaboradas pela professora, e pontuaram que todos os dias algumas
atividades são fixas e poucas são as mudanças, porém, também identificam
diversificação nas atividades. Para as crianças, a brincadeira está muito presente na
rotina pedagógica, como a atividade mais apreciada. Essa importância dada ao brincar é
ressaltada quando a brincadeira emerge como atividade principal na efetivação da rotina
pedagógica, indicando ainda evidências de como a aprendizagem pode se desenvolver
na escola ao indicar que se aprende brincando.
Palavras-chave: Educação Infantil. Rotina pedagógica. Protagonismo infantil.
Introdução
A organização do trabalho pedagógico é norteada por uma série de fatores que
guiam as propostas educativas, entretanto são as escolhas dos professores, alimentadas
pelas próprias ideias e por suas concepções, a base para o trabalho desenvolvido
diretamente com as crianças. Entre os elementos fundantes da organização do trabalho
pedagógico na Educação Infantil, destacamos as rotinas pedagógicas, objeto de estudo
desta pesquisa e questão central na Educação Infantil.
Embora ainda restritas as pesquisas sobre o tema, o aporte teórico de Barbosa
(2006), Batista (2003) e Almeida (2011), contribuem para o debate acerca das rotinas
pedagógicas, apresentando a necessidade de analisar e refletir as rotinas pedagógicas
das quais vivenciam cotidianamente adultos e crianças em instituições educacionais de
Educação Infantil.
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As rotinas pedagógicas na Educação Infantil têm se mostrado cada vez mais
presentes na organização do trabalho pedagógico, não apenas como organizadoras da
práxis educativa, mas também como produtora e produto de conhecimentos, ideias e
comportamentos que são disseminados e reproduzidos entre os envolvidos com a
educação das crianças pequenas.
Como categoria pedagógica na Educação Infantil, tendo em vista sua significativa
presença no trabalho pedagógico, sistematizando o trabalho das instituições, as rotinas
engendram pensamentos, ações e práticas, produzem e reproduzem a cultura de um
grupo escolar específico, tornando-se referência dentro da unidade educativa.
No processo organizacional do trabalho pedagógico, o professor tem papel crucial
na articulação dos elementos constitutivos da organização pedagógica. É por meio de
suas ações e consequentemente da sua intencionalidade pedagógica, que podem ser
favorecidas ou não, as aprendizagem das crianças e seus processos de interação.
Compreendendo que são as crianças conjuntamente como seus professores que
vivenciam a rotina pedagógica diariamente em seu cotidiano escolar, ouvir as
percepções das mesmas durante o processo de pesquisa, tornou-se crucial.
Barbosa (2006) define as rotinas pedagógicas como: “produtos culturais criados,
produzidos e reproduzidos no dia a dia, tendo como objetivo a organização da
cotidianeidade.” (p.37). Diante desse conceito, optamos por nortear nosso estudo a
partir do seguinte questionamento: Quais são as percepções das crianças acerca das
rotinas pedagógicas em que estão inclusas?
Na busca por responder essa questão de pesquisa, estabelecemos como objetivo
compreender as percepções das crianças acerca das rotinas pedagógicas em que estão
inclusas durante o período escolar.
Para o alcance do objetivo, este estudo foi realizado na perspectiva da abordagem
qualitativa de base exploratória. O instrumento utilizado foi uma entrevista
semiestruturada, registrada em áudio, onde as crianças puderam colocar suas impressões
acerca da rotina pedagógica vivenciada. A análise dos dados foi realizada com base nos
princípios da análise do conteúdo de Bardin (2004), cuja enfoque permitem ao
pesquisador utilizar o tratamento das mensagens inferindo conhecimentos sobre o
emissor e elaborando suas interpretações acerca da codificação dos dados gerados.
Foram sujeitos participantes da pesquisa um grupo composto por dez crianças
com a faixa etária entre de 5 e 6 anos, estudantes da turma na qual a pesquisadora é
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regente, em uma instituição pública de Educação Infantil do Distrito Federal localizada
em uma Região Administrativa situada na região periférica do Distrito Federal.
As Rotinas Pedagógicas no campo da Educação Infantil
A Educação Infantil foi marcada em sua trajetória por diferentes concepções, e
as práticas pedagógicas recorrentes ao atendimento das crianças pequenas estiveram, ao
longo dos anos, atreladas a compreensão de criança e infância da sociedade e ainda,
vinculadas ao lugar que a criança ocupava dentro desta em seus diferentes momentos
históricos.
No campo educacional por anos as rotinas pedagógicas permearam o campo da
Educação Infantil, embora não exatamente com o termo rotina pedagógica mas,
utilizando-se de outras denominações como: horário, sequência de ações, entre outros,
cujo sentido se indica para o modo pelo qual se organizava o tempo pedagógico e o
trabalho cotidiano a ser realizado com as crianças.
Embora pareça um tema relativamente recente, mais visível em propostas
contemporâneas e apontado por alguns autores como uma categoria com poucas
pesquisas teóricas e necessária ascensão acadêmica, os estudos de Barbosa (2006)
indicam que em textos de Rousseau (1712-1778), Pestalozzi (1746 - 1827), Froebel
(1782-1852) e Montessori (1870 -1952), embora não se apresentassem a nomenclatura
rotinas pedagógicas, essas se faziam presentes nas propostas idealizadas de
moralização, hábitos, atividades de vida diária e socialização, conceitos que ainda estão
presentes nas propostas escolares contemporâneas da Educação Infantil.
Para Barbosa (2006) algumas práticas surgidas nas escolas foram incorporadas
pelas creches e pré-escolas e podem auxiliar na compreensão da organização do
trabalho nestas instituições. São exemplos delas:
"[...] as classificações das crianças por grupos etários, a separação ou a
classificação das crianças por critérios de bons e maus, inteligentes e
deficientes, a ideia de que a cada grupo etário corresponde uma parte do
conteúdo; a repetição como estratégia de aprendizagem; a tutela e a
infantilização das crianças; a normatização dos alunos; o saber escolar como
algo desconectado da realidade social e política; o monopólio do professor no
planejamento e na organização dos cursos; a ideia de neutralidade e de
objetividade dos conhecimentos escolares; a organização do espaço
(rigidamente ordenado e regulamentado) e do tempo (com recortes) como
modos de disciplinarização e a educação moral, como falar baixo, sentar-se
corretamente, ficar imóvel por longos períodos de tempo ,etc." (BARBOSA,
2006, p. 67)
Do exposto podemos perceber que ao longo de sua trajetória as rotinas foram se
constituindo em diferentes momentos históricos e em diferentes campos da sociedade
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até chegar ao âmbito educacional, e embora as creches e pré-escolas não fizessem parte
do sistema educacional a priori, foram influências pela concepção social dominante.
No contexto brasileiro ainda são poucos os estudos e pesquisas relacionados a
prática pedagógica das rotinas, tendo em vista a centralidades dessas nos contextos das
instituições educativas da infância. Entretanto buscamos em Barbosa (2006), Almeida
(2011) e Batista (2003) pressupostos teóricos que pudessem subsidiar nosso trabalho.
Almeida (2011) relata que as culturas infantis são múltiplas que devida a
diversidade de suas experiências e vivências, as rotinas pedagógicas não podem se
centrar em um único modelo de rotinas, indicando que essas devem variar entre de
acordo como contexto sócio histórico de atuação e as crianças da qual se trabalha.
Para tanto, há de se desenvolver uma postura que implique em:
Conhecer os espaços de ação, as crianças com as quais trabalhamos, a
realidade social em que a Instituição está inserida, os recursos que estão
disponíveis e aqueles que podem ser adquiridos para trabalhar. Além disso, é
preciso criar alternativas que viabilizem a participação das famílias, para que
o coletivo da Instituição possa – de fato – organizar as rotinas de trabalho,
sempre lembrando que elas podem ser alteradas, à medida que são vividas no
dia a dia da Instituição. (ALMEIDA, 2011, p. 188)
A autora enfatiza a importância dos profissionais que trabalham com as crianças
colocarem suas ações pedagógicas em uma relação dialógica entre a teoria e a prática,
onde as rotinas se estabeleçam a partir própria reflexão do professor em consonância
com seus alunos e o contexto vivido.
Batista (2003) reflete com base em suas pesquisas, que a ideia de rotina
pedagógica nas creches, tem sido concebida como uma estrutura pré-definida,
hierárquica, onde o tempo linear se sobrepõe ao tempo subjetivo dos sujeitos envolvidos
no ato educativo, sejam os adultos, sejam as crianças. Ou seja, a rotina está para além
dos indivíduos que fazem parte do contexto onde é exercida.
Deste modo acredita-se que as rotinas ideais sejam as organizadas em função das
possibilidades criadas para as crianças fazerem e viverem juntamente com os adultos
nas instituições de Educação Infantil.
As rotinas pedagógicas que referem-se a Educação Infantil são múltiplas assim
como as concepções de rotinas, sugerindo rotinas diferenciadas mas também com
alguns pontos de comuns, cujas bases estão nas concepções que os educadores e
profissionais da educação tem ao que concerne a criança, a infância, a educação, a
sociedade e os conhecimentos adquiridos na trajetória em que se constituíram
professores de Educação Infantil.
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As crianças falam
A infância, ou melhor, as infâncias, são uma construção social da qual se referem
a fase na qual a criança vive um momento especifico de sua vida, onde existem
experiências provenientes das infâncias diversificadas com vivências particulares em
contextos distintos, mesmo com a mesma idade cronológica, que vão se encontrar e
conviver dentro de um espaço coletivo que é a escola e isso deve ser considerado pelo
professor.
Sujeito de direito com peculiaridades e saberes distintos, inerentes a seu
conhecimento de mundo, a criança é um ser humano completo, que está em uma fase de
desenvolvimento singular e que possui vivências e experiências diversificadas e
diferenciadas.
A Educação Infantil, no contexto brasileiro, ainda não se tornou uma prática que
vislumbre de fato a emancipação das crianças. Embora haja momentos de interação, de
construção de conhecimento em atividades de colaboração e cooperação, a Educação
Infantil ainda tem traços na tradição escolar centrada no professor.
Refletindo sobre a minha própria prática pedagógica, observo que o professor é o
parceiro mais experiente, principal organizador do tempo e do espaço pedagógicos para
que a aprendizagem e o desenvolvimento possam ser favorecidos (VIGOTSKI 2010),
entretanto, enfatizamos que o protagonista das rotinas ainda é o professor quanto
deveria ser a criança.
Há uma real necessidade de escuta as crianças, de modo que possam elas
conjuntamente com o professor, opinar sobre as rotinas pedagógicas e todas as
atividades que são submetidas. Neste sentido, escutar as crianças possibilitando que
opinem e expressem aquilo que pensam, o que sentem, faz-se necessário para fortalecer
os laços entre as crianças, seus pares, os adultos e a instituição.
Cerqueira e Sousa (2011) afirmam:
A escuta é um processo fundamental nas relações interpessoais. Ela propicia
uma maior aproximação destes sujeitos que se relacionam. A escuta
proporciona o reconhecimento do outro, a aceitação, a confiança mútua entre
quem fala e quem escuta. A escuta é uma das pontes que permitem a
aproximação dos sujeitos, que estabelece a confiança para as relações
interpessoais entre quem fala para ser escutado e quem se permite escutar.
(CERQUEIRA, SOUSA, 2011, p.20)
Entendendo a importância de escutar o que as crianças, como discorrem as
autoras, como um elo de aproximação entre os sujeitos, no processo pedagógico de
elaboração das rotinas, torna-se imprescindível escutar as crianças porque são as
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crianças os principais atores afetados pela experiência escolar de rotina pedagógica nas
instituições de Educação Infantil.
Procedimentos metodológicos
Essa pesquisa qualitativa caracteriza-se um estudo exploratório. Os sujeitos
participantes da pesquisa foram um grupo de 10 crianças de 5 anos estudantes da turma
na qual a pesquisadora é regente em uma instituição pública de Educação Infantil do
Distrito Federal, em uma Região Administrativa localizada na região periférica do
Distrito Federal.
A pesquisadora utilizou o gravador do smartphone para a gravação dos diálogos
com as crianças norteado pelo roteiro de entrevista semiestruturada, na qual as crianças
responderam livremente as questões abordadas.
Após o término dos diálogos, as gravações foram transcritas e organizadas em
blocos para a análise: 1. Descrição das atividades da rotina pedagógica diária e 2.
Estruturação de uma rotina pedagógica. Entendemos que ambos tópicos refletem o
objetivo proposto neste artigo.
Analisando as rotinas pedagógicas pelo olhar das crianças
Abordado as percepções produzidas pelas crianças acerca da rotina pedagógica da
instituição pesquisada, buscamos verificar as impressões e os sentidos produzidos pelas
crianças acerca de atividades realizadas em sala de aula.
Quanto a roda de conversa as crianças colocaram:
"Tem um monte de rodinha que você fala." (M, informação em áudio)
"Conta uma história." (I, informação em áudio)
"A gente dança de musiquinha." (EV, informação em áudio)
"Na rodinha a gente conversa sobre tudo, sobre o dia, você lê o Bebê
Maluquinho" (ME, informação em áudio)
"Na rodinha, fala, fala com os amigo, fala com nós mesmo, canta, brinca" (LU,
informação em áudio)
As crianças entendem a roda de conversa como um espaço para relatar
experiências vividas, contar histórias, brincadeiras, cantar, dançar entre outros. Observa-
se que as atividades referem-se aos usos da linguagem oral prioritariamente.
Em relação ao parquinho registraram:
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"A gente brinca com a brincadeira.. Toma cuidado com o corpo e não se
machucar e nem empurrar o coleguinha" (EM, informação em áudio)
A gente brinca de pega pega, pique alto, de pular (LE, informação em áudio)
"Eu brinco de carro, fingindo que aquilo o é um carro ... é um balanço... é sério
"( P, informação em áudio)
"A gente brinca. A gente brinca do jeito que a gente que." (M, informação em
áudio)
"A gente brinca nos brinquedo, tia a gente brinca de toro. A ME fica atrás da
gente e dá chifrada. Se ela te dá uma chifrada depende de tu se o toro, dá uma
chifrada. É porque todo dia é assim... Todo dia ela é o toro, se ela dá uma
chifrada em cada um, cada um vai se o toro. E ela vira humana como a gente."
(EM, informação em áudio)
Na fala das crianças percebe-se que o espaço do parque é gerenciado pelas
crianças e a brincadeira é a principal atividade. Percebe-se também a negociação
proposta por Vigostki (2008) onde afirma que na brincadeira da criança a liberdade é
ilusória, pois as crianças se deparam situações imaginárias que contém em si regras de
comportamento, proveniente de vivências reais que a crianças têm em seu cotidiano e
negociam esses comportamentos durante as brincadeiras.
Quanto às atividades coletivas as crianças apontaram:
"Tem que fazer com os colegas, tem que fazer com os colegas mesmo." (LU,
informação em áudio)
"Ah! Tem que ajudar. A gente fez com tudo mundo, juntinhos com os
amigos"(EM, informação em áudio)
"É... Tem vezes que o outro não presta atenção e pergunta pro outro. E a gente
ensina." (M, informação em áudio)
"A gente vai fazer a atividade em grupo. Tem também uma coleguinha que
quando não entendeu a gente pergunta pra ela. (EV, informação em áudio)
Almeida (2011) afirma que para uma atividade ser coletiva sua realização tem que
envolver todo o grupo, onde a produção do todo é consequência das sugestões ou ideias
que vão se complementando na troca ou na interação dos envolvidos. Segundo a autora,
quando estão realizando atividades em grupo as crianças estabelecem relações de
reciprocidade e de trocas que "suscitam a construção de pontos de vista próprios e
possibilitam que elas aprendam a aceitar o ponto de vista dos colegas e dos adultos
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envolvidos na situação, mesmo que, para isso, seja necessário superar alguns conflitos."
(ALMEIDA, 2011, p. 192)
Observa-se que as crianças percebem que a atividade em grupo como um
momento de partilhar, de ensinar e aprender com os colegas, entendendo que para essa
atividade o critério é o trabalho coletivo.
Sobre as atividades de lanche e higiene, indicaram:
"A gente lava as mãos, bebe água e lanchar." (EM, informação em áudio)
"Pra lancha faz a higiene. É lavar a mão." (M, informação em áudio)
"A gente também escova os dente." (VG, informação em áudio)
"Tem pouco tempo pra lanchar e pra higiene" (EV, informação em áudio)
Observa-se que nessas atividades as crianças indicam que dentro da rotinas há
espaços para as atividades relativas ao cuidado como corpo, derivadas tanto das
necessidades fisiológicas de se alimentar, beber água, quanto de natureza cultural como
lavar as mãos, escovar os dentes.
O que nos chama atenção é a fala do EV ao mensurar que o tempo destinado para
a alimentação e a higiene é pouco. Isso pode ser visto na regulamentação da rotina
institucional que prevê horários fixos para o lanche, para o tempo destinado em
refeitórios e para o recolhimento dos utensílios utilizados no lanche, caso específico da
escola pesquisada.
Sobre os brinquedos utilizados em sala com as crianças pontuaram:
"A gente brinca de muitas coisas." (EM, informação em áudio)
"A gente brinca de, todos os dias, de Nicolândia. Depois de história, bonecos"
(LU, informação em áudio)
"A gente brinca de bonequinha. Tem de boneca, de menino, que é de carro, a
gente brinca de mamãe e filhinha." (JU, informação em áudio)
"Tem muitos brinquedos. Eles ficam na caixa, no armário da tia. Não pode ir lá
pega, depois na hora de brincar tem muitos. (EV, informação em áudio)
"Eu gosto muito, muito de brinquedo. Eu escolho, eu brinco que do que eu
quiser. (I, informação em áudio)
Os brinquedos constituem-se objetos privilegiados da educação das crianças, por
dar suporte as brincadeiras infantis e ainda por se configurarem em ferramentas
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culturais na brincadeira. Dada a importância do brinquedo e da brincadeira no processo
pedagógico e na construção simbólica da criança, sua organização e acessibilidade
deve ser um ponto a ser observado pelos professores responsáveis na organização do
espaço pedagógico na efetivação do brincar nas rotinas pedagógicas.
A falta de acesso ao local onde estão acondicionados os brinquedos restringe a
autonomia da escolha e o conhecimento dos materiais que as crianças tem
disponibilizados na sala para o enriquecimento do enredo das brincadeiras. EV informa
que os brinquedos ficam dentro do armário da professora, isso não impede as crianças
de brincarem, como é evidenciado nas falas de outras crianças, entretanto o acesso, a
disposição e o tempo para o uso do brinquedo fica condicionado à professora, e não às
crianças.
Quanto à avaliação as crianças se posicionaram da seguinte maneira:
"É assim: sim... sim.. sim... se tá triste ou feliz (JU, informação em áudio)
"Tem a carinha feliz e a mais ou menos." (LU informação em áudio)
"Avalia se gosta ou não, se quebrou os brinquedos. Aí é que avalia tia, porque se
tiver quebrado tá mais ou menos, se não tivé quebrado os brinquedos tá muito bem. Aí
sem quebrar é carinha feliz." (EM, informação em áudio)
"Avalia que... que... se você fez coisa errada ou se ficou quieto." (I, informação em
áudio)
“Não. Avalia os colegas, as rotinas... As rotinas também." (LU, informação em
áudio)
A avaliação é uma ferramenta indispensável no processo educativo, e pelo que
pudemos observar nas falas das crianças a participação no processo de avaliação em
sala e indicam uma das ferramentas utilizadas "carinha feliz e a mais ou menos".
Destacamos que as falas nos levam a compreender que o processo avaliativo no qual as
crianças participam não visam apenas comportamentos, mas outros aspectos que fazem
parte do cotidiano da sala de aula, como afirma LU ao indicar a rotinas como um dos
aspectos a serem avaliados.
Tradicionalmente as avaliações têm como protagonista o professor e sua visão
acerca das crianças, um dos pontos fortes dentro da tradição escolar são as avaliações de
comportamento, que diante do que as crianças descrevem ainda estão presentes. O
diferencial nesta situação pesquisada pode se dar ao fato de que as crianças tem a
oportunidade de vivenciarem o processo de forma participativa.
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Os registros ainda revelam que as questões de comportamento ainda mostram-se
marcantes para a turma, citada por 4 das 5 falas, mostrando que essas podem ser as que
mais mobilizam as crianças, o que pode ser interpretado por estarem diretamente
vinculadas ao próprio sujeito, demandas internas, própria da sua atuação e não da de
outrem, ou ainda por estarem as questões de comportamento arraigadas a cultura escolar
difundida socialmente.
Se eu fosse o professor...
Esse bloco de falas retrata as rotinas pedagógicas que as crianças elaboraram
quando proposto a elas que se colocassem no lugar do professor e descrevessem as
atividades que realizariam.
"Quando eles chegassem a gente ia dá o dever, aí depois do dever era, era o
lanche, depois do lanche, escova os dentes e depois de escovar os dentes, brincar e
depois de brinca é, é... Fazer outra tarefa individual. Hum... e depois a história e depois
ir embora e ir pro parquinho que eu esqueci. Mais tempo pro parquinho e pra o
brinquedo. Mais pouco tempo pra... pra rodinha." (EM, informação em áudio)
"É... ia chegar aí, aí a gente ia fazer ... A gente ia pro parquinho, aí a gente quando
voltar, ia brincar, contar história, ir pra rodinha, escovar os dentes e também ir pro
parquinho. Mais tempo pro parquinho, lanche e brinquedo." (EV, informação em
áudio)
"Eu ia... ia mudar... pro parque, muito pouco. Ia fazer história, vai, vai... uma
tarefa, hum... a gente ia fazer outras tarefas, escovar os dentes, brincar. (M,
informação em áudio)
"Atividade no quadro, ir embora pra chegar em casa (...) ia dar brinquedo e
pronto." (LU, informação em áudio)
Nas propostas de rotinas pedagógicas das crianças a brincadeira aparece como um
elemento importante do qual circula boa parte da rotina. As atividades escolares
também são contempladas, porém, o que se sobressai é a atividade do brincar.
Essa é uma questão a ser refletida enquanto professora regente e pesquisadora.
Embora na rotina da sala de aula as atividades tenham buscado contemplar as
necessidades da faixa etária das crianças. Observa-se que a necessidade quanto à
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brincadeira e ao tempo destinado a ela são questões levantadas pelas crianças,
demonstrando que os desejos das crianças ouvidas é que os espaços e os tempos
pedagógicos privilegiem a atividade do brincar.
Quanto a relação entre rotinas pedagógicas e a brincadeira Almeida (2011) sugere
que "o dia não deveria ser tão rigidamente estruturado a ponto de ser essencialmente
caracterizado como uma longa situação de brincadeira livre do tipo recreativo."
(ALMEIDA, 2011, p. 191).
Se as rotinas pedagógicas oferecem segurança e estabilidade ao estruturar o tempo
didático, elas também têm que oferecer situações educativas significativas, de modo
que as crianças possam compreender as rotinas como espaços de experimentação e
brincadeira, e consequentemente a escola como um local onde se aprende brincando.
Considerações Finais
O objetivo deste trabalho foi compreender as percepções de crianças acerca da
rotina pedagógica em que estão inclusas durante o período escolar. Percebemos que as
crianças apresentaram diferentes vivências e diferentes interpretações sobre a
instituição educacional, as rotinas das quais participam e sobre as atividades que
realizam. Entretanto, suas opiniões pouco são consideradas na elaboração e efetivação
das ações pedagógicas, uma vez que prevalece a interpretação adultocêntrica do
professor sobre essas questões.
Neste sentido, cabe ao professor tornar-se um pesquisador, ouvir as crianças, seus
relatos, suas vivências, suas histórias com a família, as formas de brincar e de
interpretar o mundo. No entanto, não basta apenas viabilizar espaços para que as
crianças falem, mas também é preciso valorizar essa participação, entendendo a
educação como um processo democrático, dialógico, formada por sujeitos participantes
e ativos.
Partindo-se do princípio de que as rotinas pedagógicas são produtos culturais
criados, produzidos e reproduzidos, é necessário que haja maior aproximação das
crianças e de professores na elaboração, gerência e compartilhamento das rotinas
pedagógicas. Ter as crianças como parceiras e colaboradoras dos processos educativos
viabilizarão um trabalho muito mais concreto no atendimento de suas reais
necessidades.
Deste modo, enfatizamos que o protagonismo das crianças nas rotinas
pedagógicas ainda se constitui um desafio, ao mesmo tempo em que apontamos que é
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uma necessidade para a prática educativa na Educação Infantil e para a emancipação das
crianças. Ouvir as crianças foi importante não somente para que a consistência da
pesquisa acadêmica, mas principalmente para que essa pesquisadora e professora
pudesse refletir sua prática pedagógica a partir da escuta sensível das crianças.
Observou também que as crianças participantes percebem a rotina como uma
sequência de atividades elaboradas pela professora, e pontuam que todos os dias
algumas atividades são fixas e que são poucas as mudanças, ao mesmo tempo em que
identificam a diversificação nas atividades.
Nas vozes das crianças, a atividade do brincar e a brincadeira estão muito
presentes, constituindo a atividade mais apreciada na rotina pedagógica. Todos os
participantes destacaram a brincadeira como atividade principal para a efetivação da
rotina pedagógica, indicando ainda, evidências de como a aprendizagem deve se
desenvolver na escola, ao indicar que se aprende brincando.
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