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Pontifícia Universidade Católica de São Paulo

PUC-SP

Daniel Rodrigues Aurélio

Bibliografia Básica

A coleção Grandes Cientistas Sociais e a relação o entre mercado editorial e a expansão do

ensino superior brasileiro nas décadas de 1970 e 1980.

MESTRADO EM CIÊNCIAS SOCIAIS

Dissertação apresentada à Banca Examinadora

da Pontifícia Universidade Católica de São

Paulo, como exigência parcial para a obtenção

do título de Mestre em Ciências Sociais, sob a

orientação da Profa. Dra. Maria Celeste Mira.

São Paulo

2014

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AURÉLIO, D.R. Bibliografia básica. A coleção Grandes Cientistas Sociais e a relação entre o mercado editorial e a expansão do ensino superior brasileiro nas décadas de 1970 e 1980, 2014, 145 p. Mestrado em Ciências Sociais. Programa de Estudos Pós-Graduados em Ciências Sociais da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PEPGCSO-PUC-SP), São Paulo, 2014.

ERRATA

Página Linha Onde se lê Deve-se ler

1 6 “o entre mercado editorial”

“entre o mercado editorial”

6 13 “Programa de Pós-Graduação em

Ciências Sociais”

“Programa de Estudos Pós-

Graduados em Ciências Sociais”

(PEPGCSO) 10 3 “Projeto” “Dissertação”

10 19 “moderno parque gráfico”

“parque gráfico”

38 Subtítulo 1.1 “Reforma de 1968” “Reforma Universitária de

1968” 87 Subtítulo 2.4 “Os organizadores” “Perfil dos

organizadores” 94 Subtítulo 2.5 “os autores

selecionados” ‘ “análise dos autores

selecionados” 118 9 “anos 1990...” “anos 1970...” 121 29 (12ª Ref.

Bibliográfica da página)

“Ed. Unesp, 2011” “Ed. Unesp, 2012”

124 1 (1ª Ref. Bibliográfica da

Página)

“(2005)” Excluir “(2005)”, pois foge ao padrão adotado no texto.

125 23 (11ª Ref. Bibliográfica da

página)

“(2004)” Excluir “(2004)”, pois foge ao padrão adotado no texto.

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Folha de Aprovação

Banca Examinadora

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Agradecimentos

Verão de 1998. Subi em um ônibus Praça Ramos / Jd. Líbano - 8677-10, e sai da

minha casa, na periferia de São Paulo, para uma entrevista de emprego em uma

copiadora especializada em trabalhos de graduação e pós-graduação localizada na Rua

Ministro Godói, em Perdizes, em frente ao chamado Prédio Novo da Pontifícia

Universidade Católica de São Paulo. Ao chegar lá, deparei-me com um pequeno espaço,

hoje sequer em funcionamento, mais ou menos do tamanho do quartinho que dividia

com meu irmão quatro anos mais velho. Alguns alunos e a própria dona do

estabelecimento acharam graça de ver um jovem de 17 anos, recém-saído do ensino

médio, vestido em trajes sociais, camisa uns dois números acima, calças largas presas

por um cinto preto. Transpirava muito, estava tenso, precisava daquele emprego, mas a

minha imagem, para eles pitoresca, foi motivo de riso discreto dos clientes e de certa

compaixão da dona da lojinha: ela me avisou que ter experiência no ofício era

fundamental (eu não tinha), que agradecia minha presença, quem sabe na próxima...

Respirei fundo, bem fundo mesmo, limpei o suor do rosto, cravei o olhar no

prédio da PUC-SP, rodeado por muitos alunos da minha faixa etária, e senti pela

primeira vez percorrer em mim o desejo de entrar em uma faculdade, algo até então

utópico para um aluno medíocre no ensino médio e que não tinha recursos financeiros

para bancar as mensalidades. Desci a Ministro Godói meio triste, mas jurando, sabe-se

lá por qual motivo, que um dia entraria naquela universidade. Pela porta da frente.

Fevereiro de 2012. Lá estava eu, em uma sala no quinto andar do Prédio Novo

da PUC-SP, preparado para assistir a minha primeira aula como aluno do programa de

Mestrado em Ciências Sociais. Tão nervoso quanto naquela tarde quente de 1998. Pela

porta da frente jurei entrar. Pela porta da frente entrei.

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Eu não queria cair aqui na armadilha da narrativa autobiográfica, sempre um

tanto melodramática, mas acho que ao menos nos agradecimentos posso me permitir

uma breve, brevíssima, concessão. Será que posso? Imaginei que, ao me matricular na

pós-graduação da PUC-SP, sentiria vingança pelas gozações contidas daquela molecada

de anos atrás, depois de construir uma trajetória aos trancos, barrancos, leituras,

incontáveis leituras, madrugadas insones, boas notas na graduação e nas duas pós-

graduações lato sensu cursadas na Fundação Escola de Sociologia e Política de São

Paulo. Mas essas pessoas desapareceram do horizonte da minha existência. Sequer me

lembro de seus rostos. Quanta bobagem seria destilar ódio e ressentimentos tardios! Eu

os compreendo: era coisa de meninada. A eles agradeço pelo estímulo involuntário. E,

convenhamos, o que seria de mim se excluísse aquele dia de meus pensamentos?

Sinto orgulho do que construí, tenho otimismo por aquilo que pretendo fazer

daqui em diante, mas ao refletir seriamente sobre minha vida até este momento não

consigo simplesmente me ver como um exército (de um homem só) invencível, ainda

que se fosse menor a minha disposição para o bom combate talvez tivesse capitulado

diante do primeiro, ou do segundo, dos percalços que surgiram nesse tempo de luta pelo

conhecimento. Apenas olho para trás e penso: “ultrapassei mais uma barreira”. E sigo

em frente. Minha caminhada não terminou. Nem os percalços.

Essas barreiras não foram vencidas sozinhas. Meus pais, mesmo sem entender

direito do que se tratava essa tal Sociologia – “Você vai ser presidente da República?”–

não impediram o meu ingresso, em 2002, no curso de Sociologia e Política na FESPSP.

Até porque era uma oportunidade de diploma superior. Mas angustiaram-se, como pais

remediados, com a ausência de retorno financeiro imediato. Enquanto meu irmão

prosperava como analista de sistemas, eu patinava em empregos de operador de

telemarketing, vendedor de loja, estagiário em editoras, ou passava longas temporadas

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desempregado. Sou honestamente grato por quem eles são, por seus valores e práticas,

que somente agora compreendo sociologicamente, pois assim pude entender melhor

quem eu sou, minha origem social e, principalmente, aquilo com que preciso romper

para me tornar um cientista social e um ser humano melhor, sem rancores, traumas e

excessiva autodefesa, apesar de ter fraquejado algumas vezes nessa tarefa.

Gostaria de agradecer nominalmente a todos os professores da FESPSP e da

PUC-SP por incentivarem um aluno cujas virtudes são o esforço e a teimosia para

superar as limitações. Nunca fui o aluno mais promissor da minha geração, tampouco

aquele com as perguntas e argumentos mais criativos e estimulantes, mas tirava notas

altas porque a cada livro a ser fichado, a cada prova ou trabalho, depositava todas as

minhas esperanças. Era vencer ou vencer. É como escreveu Ricardo Lísias em um

romance: “só morro mais uma vez”. Está certo, admito, é piegas, não consegui resistir, é

assim que me motivo e penso minha história. E nela passaram grandes professores:

Eliana Asche, Paulo Fontes, Carlos Alberto Bello, Rosemary Segurado, Roseli Coelho,

Francisca Severino, Eduardo Brandão, Paulo Levorin, Rogério Schmitt, Fernando

Antonio Pinheiro Filho, Ronaldo Rômulo de Almeida, Luiz Carlos Jackson, Maria

Palmira da Silva, Aldo Fornazieri, Clarice Cohn, Marcia Tosta Dias, Ana Bellan,

Rogério Baptistini, Fraya Frehse, Gabriel Pugliese, Carla Diéguez, Caroline Freitas,

Fábio Cardoso Keinert, Daniela Ribas, Fernando Megale, Magdalena Nigro, Sérgio

Braghini (FESPSP), Silvia Borelli, Maura Pardini Bicudo Véras, Mariza Werneck,

Josildeth Gomes Consorte, Carmen Junqueira e Miguel Wady Chaia (PUC-SP).

Sobre o processo de produção desta dissertação de Mestrado, agradeço

imensamente aos integrantes da banca de qualificação, os professores Guilherme

Simões Gomes Jr. (PUC-SP) e Alessandra El Far (Unifesp), pelas críticas e sugestões.

Incorporei várias delas na redação final – espero que da maneira como imaginavam.

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Outras tantas, excelentes, decidi guardar para um futuro doutorado ou talvez para uma,

quem sabe, versão em livro destas páginas. Tive ainda o privilégio de ter como

professora e orientadora Maria Celeste Mira, cujo rigor metodológico e contenção nos

elogios me desconcertava, mas a ideia era essa: fazer com que me concentrasse no

núcleo da pesquisa, sem desviar o foco, mas com a mente aberta para receber e

assimilar novas informações. É preciso exaltar a paciência monumental com a qual Mira

lidou com este orientando tão agitado e ansioso. Fica aqui minha gratidão. Também

aproveito para saudar os entrevistados Fernando Paixão, Roberto DaMatta, Edson

Passetti e Edgard de Assis Carvalho, que contribuíram para esclarecer dúvidas.

Esta pesquisa foi viabilizada com o apoio da bolsa concedida pela Coordenação

de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), obtida em maio de 2012

em processo seletivo organizado pela Comissão de Bolsas do Programa de Pós-

Graduação em Ciências Sociais da PUC-SP. Agradeço também aos funcionários do

PPGCS, Kátia e Rafael, pela gentileza e atenção.

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Para Isa, minha linda companheira, e

Gabriel, obra-prima do artesanato de nosso amor.

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Resumo

Esta pesquisa tem como objetivo empreender uma análise da Grandes Cientistas

Sociais (Ática), coleção com 60 títulos publicada entre 1978 e 1990, relacionando-a

com o contexto do mercado editorial de livros de sua época e com o processo de

expansão do ensino superior decorrente da Reforma Universitária de 1968, Lei 5.540. A

proposta inclui examinar em que sentido a coleção serviu – e de certo modo ainda serve

– como suporte para a formação de cientistas sociais, e mesmo de graduandos de áreas

correlacionadas, e como se realiza a articulação entre os campos editorial e acadêmico,

enfatizando o papel do editor como mediador, representado na coleção da Ática pelo

cientista social Florestan Fernandes (1920-1995). Os “efeitos paradoxais” decorrentes

dessa conjuntura também estarão presentes ao longo desta dissertação.

Palavras-chave

I. Mercado Editorial II. Ciências Sociais III. Educação IV. Brasil

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Abstract

This research aims to undertake an analysis of "Grandes Cientistas Sociais"–

Great Social Scientists (Ática Publisher), collection of 60 titles published between 1978

and 1990, relating it to the context of the publishing market of books of its time and the

process of the expansion of higher education due the Brazilian 1968 University Reform

Law #5540. The proposal includes examining in what sense the collection has been

serving as support for the training of social scientists, and even undergraduates in

related areas, and how the link between the editorial and academic fields works,

emphasizing the editor role as mediator, represented in the collection of Ática by social

scientist Florestan Fernandes (1920-1995). The "paradoxical effects" resulting from this

situation will also be present throughout this dissertation.

Keywords

I. Publishing II. Social Sciences III. Education IV. Brazil

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Sumário

Introdução, pg.12.

Apontamentos sobre a gênese deste projeto, pg. 17.

Mercado editorial, Ciências Sociais e ensino superior, pg.20.

Metodologia adotada e estrutura da pesquisa, pg.25.

CAPÍTULO 1

Ciências Sociais, Educação e Mercado Editorial nos anos 1970 e 1980, pg.32.

1.1 Educação e autoritarismo: as “consequências paradoxais” da Reforma Universitária

de 1968, pg.38.

1.2 A expansão na oferta de cursos superiores e as Ciências Sociais nesse contexto,

pg.46.

1.3 A política das coleções e o mercado de obras educacionais durante a ditadura, pg.51.

1.4 Arma subversiva ou consumo elitista? As lacunas no sistema de censura aos livros,

pg.57.

1.5 Ciência e política: a difusão de livros e revistas de conhecimento durante a Abertura

Política, pg.60.

CAPÍTULO 2

A história da coleção Grandes Ciências Sociais (1978-1990), pg.63.

2.1 Do mimeógrafo ao moderno parque gráfico: a trajetória da editora Ática, pg.65.

2.2 Um agente fundamental: funções e significados do editor, pg. 71.

2.3 O editor-mediador Florestan Fernandes e o nascimento da Grandes Cientistas

Sociais, pg.76

2.4 Mapa da coleção I: o perfil dos organizadores, pg.87.

2.5 Mapa da coleção II: análise dos autores selecionados, pg.94.

CAPÍTULO 3

“Está tudo na ementa”: A coleção GCS na atualidade, pg. 105.

3.1 Na pasta da copiadora: um suporte didático para professores e alunos, pg. 106.

3.2 A atualidade da GCS: a orientação da Abril Educação e o destino da coleção,

pg.109.

3.3 O tempo não para: as novas coleções de Ciências Sociais, pg.113.

Considerações finais, pg.117.

Referências Bibliográficas, pg.120.

Anexos, pg.129.

Caderno de imagens, pg.138.

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O cientista do passado viu-se, quase sempre, como produtor ou

criador de uma espécie de saber. Mas, o cientista não é só isso.

Ele também é o agente humano de uma nova concepção de

mundo, que pretende fazer da ciência um novo padrão de

medida das coisas, do homem e do futuro da humanidade. Cabe

ao cientista o dever de propagar, defender e expandir essa

concepção de mundo, isto é, de aceitar e atribuir-se papeis

intelectuais relacionados com a sua condição de agente

humano de um modo de ser, pensar e agir.

- Florestan Fernandes. A sociologia numa era de revolução

social

O intelectual precisa ter uma tarefa crítica, ele goste ou não.

Aliás, tarefa crítica não é só uma, que só se exerce quem pensa

como eu. Existem várias maneiras de reagir. A omissão é que é

injustificável.

- Florestan Fernandes. Entrevista à Folha de S. Paulo,

24/06/1977.

Faz parte da minha pequena utopia privada que a sociologia

seja orientada no sentido de reintegrar à vida social dos

cidadãos reflexivos, racionais e conscientes, e deixe a

pretensão de ser uma área do saber isolada. O cerne da

Sociologia só faz sentido no momento em que não só o

conhecimento que ela produz como também o tipo específico de

sensibilidade para o mundo social que lhe é própria forem

incorporados pelo conjunto da cidadania.

- Gabriel Cohn. Conversas com sociólogos brasileiros.

Se a cientificidade socialmente reconhecida é uma aposta tão

importante é porque, embora não haja uma força intrínseca de

verdade, há uma força de crença na verdade, da crença que

produz a aparência de verdade: na luta das representações, a

representação socialmente reconhecida como científica, isto é,

como verdadeira, contém uma força social própria e, quando se

trata do mundo social, a ciência dá ao que detém, ou que

aparenta detê-la, o monopólio do ponto de vista legítimo, da

previsão autovericadora.

- Pierre Bourdieu. Homo Academicus

Quem gosta de livros evidentemente gosta de edição.

- José Mindlin. Depoimento para o doc. José Mindlin, editor.

Quem será o verdadeiro produtor do valor da obra (...) o

escritor ou o editor?

- Pierre Bourdieu. A produção da crença.

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Introdução

Desde que iniciei minha trajetória como cientista social na Fundação Escola de

Sociologia e Política de São Paulo, instituição pela qual me graduei em Sociologia e

Política (2005), com pós-graduação em Globalização e Cultura (2007), o mercado

editorial na área de livros tem sido objeto das minhas pesquisas e reflexões. Ambas as

monografias defendidas na Fespsp versavam sobre a temática. No bacharelado, procurei

analisar o discurso de cidadania produzido pelos autores de literatura infantojuvenil

durante a Abertura Política1; na especialização, a abordagem concentrou-se no processo

de mundialização do mercado editorial brasileiro, intensificado no final dos anos 1990.

Em considerável medida, o interesse por esse universo advém das observações e

inquietações suscitadas por minha experiência profissional no ramo editorial/livreiro.

No percurso iniciado em novembro de 1998, aos 18 anos, trabalhei como atendente nas

redes de livraria Siciliano e Saraiva; preparador de originais, assistente editorial, redator

de orelhas e quarta-capas; resenhista de lançamentos; editor de coleções, consultor de

redação, revisor técnico e autor. As circunstâncias fizeram-me conhecer de perto as

etapas da produção, distribuição, divulgação e comercialização do objeto-livro.

Não há, porém, motivo plausível para temer esta assumida proximidade com o

objeto pesquisado: quando tratada com equilíbrio e rigor, ela tende a produzir resultados

convincentes, conforme preconizam, entre outros, Todorov (2013)2 e Thiollent (1981).

Ao questionar o pressuposto da neutralidade, Thiollent defende o estabelecimento de

1 Uma versão revisada, rebatizada e atualizada desta monografia foi publicada em livro,

intitulado Transgressão e adaptação: discurso de cidadania e literatura infantojuvenil na

Abertura Política (Editora Ixtlan, 2013, 96 p.), cujo exemplar foi entregue aos funcionários da

Biblioteca Nadir Gouvêia Kfouri, no campus Monte Alegre, para inserção no catálogo.

2 Indagado a respeito de seus critérios de pesquisa, Tzvetan Todorov afirmou preferir tratar de

fatores ligados à sua “experiência pessoal”. “No domínio das ciências humanas”, ratificou

Todorov, é “essencial uma relação entre o objeto de trabalho e o sujeito que o faz”. (2013:48).

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formas renovadas de interação e reflexão entre o pesquisador e seu objeto. Para o crítico

da ortodoxia metodológica, não devemos com isso solapar princípios éticos; o que o

autor propõe é a criação de alternativas metodológicas capazes de superar a falsa

premissa da neutralidade científica, tratada como um mito por Japiassu (1975).

Radicalmente contrária à fixidez metodológica e empírica dos manuais, Limoeiro

Cardoso (1971) corrobora a exposição de Thiollent e Japiassu ao afirmar que “fazer

ciência transforma incessantemente o método” (1971:16). Já o filósofo da ciência Paul

K. Feyerabend (1924-1994) radicalizava diante dos paradigmas e das regras do método

já tão questionados por Todorov, Thiollent e Limoeiro Cardoso. Para Feyerabend, a

ciência seria um “empreendimento essencialmente anárquico.” (2007:31).

Não acredito, sinceramente, que esta dissertação de mestrado seja resultado de

uma atitude de pesquisa movida por uma espécie de anarquia metodológica, tal como

sugere o autor de Contra o método, mas não recuo da minha temática em favor de outro

assunto, como se a guinada para um novo objeto ou especialidade significasse um

distanciamento impassível, “equilibrado”, pretensamente “necessário”. Do contrário,

assegura Todorov, “o trabalho corre o risco de se tornar apenas uma reprodução do que

já existe”. (2013:48). Um caso famoso de enfrentamento do familiar é a tese de Gilberto

Velho (1945-2012), defendida em 1975 e publicada em 1998, Nobres e anjos – um

estudo sobre tóxicos e hierarquia. Velho estudou seu círculo boêmio de amizades

formado por artistas, acadêmicos e profissionais liberais. Nessa pesquisa, o antropólogo

realizou, na expressão consagrada por Clifford Geertz (1926-2006), uma descrição

densa das práticas de lazer, consumo, sexualidade, sociabilidade e fruição estética desse

grupo, preservando apenas as identidades, para evitar os dissabores da repressão.

Então, com o transcorrer do tempo, e convicto da validade de continuar a

pesquisar o mercado editorial, passei a cogitar a hipótese de investigar livros que

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contribuíram (e ainda contribuem) para a formação de cientistas sociais. Faltava, porém,

um objeto e um recorte com os quais pudesse elaborar uma intersecção amadurecida

entre as Ciências Sociais e o mercado editorial. Uma declaração de José de Souza

Martins, professor emérito do Departamento de Sociologia da Universidade de São

Paulo (USP), enfim despertou minha atenção para uma coleção de livros cujos

principais volumes3 integram desde o final dos anos 1970 a bibliografia básica de

cursos em nível de graduação e pós-graduação nas áreas das Ciências Humanas e

Sociais: refiro-me a coleção Grandes Cientistas Sociais4, lançada pela Editora Ática.

Composta por 60 títulos, 58 deles publicados entre 1978 e 1986, a GCS esteve sob o

comando do cientista social e professor Florestan Fernandes (1920-1995), cuja função

foi creditada nas capas como Organizador, no expediente como Consultoria Geral e no

texto padrão da contracapa como responsável pela Supervisão Geral5.

No depoimento publicado no livro de entrevistas Conversas com sociólogos

brasileiros (Bastos et. al., 2006), José de Souza Martins recordava a negativa de sua

proposta para um volume dedicado a Robert Nisbet (1913-1996) 6, sociólogo americano

associado ao pensamento conservador7. Entre 1978 e 1986, Nisbet colaborou com o

think tank American Enterprise Institute (AEI), um dos vetores teóricos e programáticos

3 Dentre os quais cito os números sobre Durkheim, Weber, Adorno, Radcliffe-Brown, Mauss,

Bourdieu, Malinowski, Marx, Keynes e Benjamin.

4 A partir daqui denominada pela sigla GCS, exceto no início de cada capítulo.

5 Tratarei no capítulo 2 sobre a importância do editor/mediador.

6 Segundo a versão de José de Souza Martins, “(...) quando propus ao professor Florestan

Fernandes que incluísse um volume sobre [Robert] Nisbet na sua coleção de clássicos da

Editora Ática [Grandes Cientistas Sociais], fui procurado por Octavio Ianni. Insistiu ele comigo

para que eu desistisse de propor esse autor, um desconhecido, explicou-me, um sociólogo

“menor”. De fato, a antologia de Nisbet acabou não sendo incorporada ao programa editorial

coordenado por Florestan Fernandes.” (2006: 150).

7 Autor de Conservatism: Dream and Reality (1986) Nisbet influenciou neoconservadores e

liberais. Em 1980, porém, a Zahar lançou no Brasil História da análise sociológica. Neste livro,

Nisbet realizou uma salutar parceria com um sociólogo ligado ao marxismo, o britânico Thomas

“Tom” Bottomore (1920-1992). A edição integra a Biblioteca de Ciências Sociais.

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do neoconservadorismo. Situado em Washington, DC, a organização é uma das fontes

de inspiração do Instituto Millenium (Imil), entidade de orientação liberal-conservadora

sediada no Rio de Janeiro, com patrocínio de conglomerados de mídia – ex-presidente

do Banco Mundial, e secretário de Defesa durante o governo de George W. Bush, Paul

Wolfowitz, um dos tecnocratas do Partido Republicano, é professor visitante na AEI. O

veto, ao que tudo indica, teve razões ideológicas. Curiosamente, porém, Nisbet foi

citado logo na primeira nota de rodapé de “A sociologia de Durkheim” (1978:7), texto

de abertura do volume um da GCS, assinado pelo professor da Universidade Federal de

São Carlos (UFSCar) José Albertino Rodrigues (1928-1992), também responsável pelo

número sobre o sociólogo e economista italiano Vilfredo Pareto (1848-1923).

Antes de apressar-me em conjeturas dessa natureza, e reduzir o assunto a uma

cizânia político-ideológica entre Octavio Ianni (1926-2004) e José de Souza Martins, é

preciso entender quais motivações e sentidos urdiram e orientaram as articulações que

projetaram e viabilizaram o empreendimento da GCS, isto é, os diálogos entre as

lideranças acadêmicas e as tratativas de Florestan com a cúpula da Ática, empresa com

marcante presença na área educacional desde os anos 1960. Mapear e compreender as

relações entre os agentes dos campos acadêmico e editorial, no significado consagrado

por Bourdieu (1930-2002) 8, complementado pela noção de “pluralidade de campos”

editoriais trabalhada por Thompson (2013:10), coloca em questão o desafio de examinar

a nossa própria área de formação. Desafio, aliás, capaz de abrir veredas importantes.

Um exemplo: ao justificar a opção por utilizar livros como “material empírico” em sua

tese sobre a “vocação das ciências sociais no Brasil”, Gláucia Villas Bôas afirma que

8 O conceito de campo é um dos esteios da teorização bourdiana. Cito, para exemplificar, o livro

Homo academicus (2011) e “O campo intelectual: um mundo à parte”, entrevista publicada em

Coisas ditas (1990). O campo seria, em uma definição bastante didática de Pierre Bourdieu

proferida em um congresso para pesquisadores da área de agronomia, um “espaço relativamente

autônomo” e “um microcosmo dotado de leis próprias” (2004: 20).

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o registro escrito é, sem dúvida, um elo

indispensável entre a produção e a recepção das

ideias. Ao materializar o saber adquirido, a

publicação completa uma etapa do saber,

evidenciando o interesse em divulgá-lo para um

público mais amplo (...) o uso do livro delimita

um tipo específico de procedimento. Com o

decorrer do tempo, não só guarda e acumula

ideias, como registra a memória de ações e a

maneira de pensar de seus autores. (2007:31)

Produção e recepção, etapa do saber, memória, pensamento. A autora debruçou-

se sobre uma lista de 872 títulos classificados na categoria Ciências Sociais, publicados

entre 1945 e 1966 e catalogados no acervo da Biblioteca Nacional, localizada no Rio de

Janeiro. Seu esforço oferta aos leitores um levantamento histórico de publicações

lançadas em um momento crucial para a institucionalização das Ciências Sociais no

país, a despeito do caráter diletante, e por vezes aventureiro, de parcela daquelas obras.

Gláucia Villas Bôas registra o momento da troca de guarda do ensaio

interpretativo de aspirações totalizantes e, em certos casos, literárias, para uma ciência

social em busca de afirmação teórica e metodológica – ou seja, em busca de afirmar sua

legitimidade científica9. Em seu argumento, a socióloga detectou ainda uma noção

abrangente de Ciências Sociais; um significado para além da hoje regulamentar tríade

Antropologia, Ciência Política e Sociologia. Essa percepção elástica das Ciências

Sociais esteve também na base das premissas editoriais da GCS, pois a coleção

dispunha de volumes nas áreas de Economia (oito títulos), Geografia (três), Psicologia

(cinco) e História (sete) 10

. Nesse e em outros aspectos, esta dissertação tem como um

de seus faróis teórico-metodológicos o trabalho de Villas Bôas.

9 Alessandra Santos Nascimento propõe uma interessante análise, que não deve deixar de ser

mencionada, sobre o processo de institucionalização das Ciências Sociais no Brasil, ressaltando

a presença marcante de Fernando de Azevedo desde a década de 1930, e não apenas a atuação

de Florestan Fernandes, oferecendo uma visão diferente de como se configurou “a imbricação

entre a valorização da Sociologia (...) e sua institucionalização” (2012:14).

10 Para uma compreensão sobre os “ramos disciplinares” das Ciências Sociais ver Ortiz (2002).

Encontram-se também reflexões sobre a abrangência desse campo em Wright Mills (2009) e

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17

Sendo assim, não se trata aqui apenas de revisitar a trajetória de uma coleção de

livros, encerrada em 1990 com volumes sobre Ratzel e Bukharin, mas de resgatar,

embora com alcance modesto, um capítulo da história da difusão e recepção da teoria

social no Brasil, em um período marcado pela elevação das vagas no ensino superior,

fato decorrente da Reforma Universitária de 1968, e de um movimento de abertura

conciliada, “lenta, gradual e segura”, proposta pelo governo de Ernesto Geisel (1907-

1996), presidente da República entre o início de 1974 e o primeiro trimestre de 1979.

Esta abertura, segundo Raymundo Faoro (1925-2003), seria um “caminho controlado”

com vistas a manter a “base ideológica” que sustentou o regime ditatorial (2008:27-28).

Apontamentos sobre a gênese desta dissertação

Em sua origem, isto é, de meados do ano de 2009 até a apresentação do projeto

de pesquisa à banca examinadora da PUC-SP em novembro de 2011, esta pesquisa tinha

o intuito de se concentrar nos embates no interior do campo das Ciências Sociais, a

partir de um olhar sobre o processo de seleção dos títulos e dos organizadores da

coleção GCS. A ideia original era entender como a coleção seria representativa do

triunfo de Florestan Fernandes e de seu círculo de alunos e interlocutores. Nas palavras

de Sylvia Garcia, o objetivo de Florestan, homem de origem humilde, mas que em

diversos momentos da vida obteve o auxílio de detentores de capital cultural, social e

mesmo econômico, era “dominar a cultura dominante pela razão, não se entregando a

ela, mas dominando-a a partir de outra posição” (2002: 28).

Em 1978, quando foram lançados pela editora paulistana os primeiros volumes

da GCS Florestan Fernandes já era um nome consagrado, uma autoridade moral na sua

Dahrendorf (1991). Ambos os autores discutiram, em suas obras, o papel do cientista social no

final dos anos 1950, em debate com a sociologia proposta por Talcott Parsons (1902-1979).

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18

área, apesar de cassado pela ditadura civil-militar11

. Ele havia conseguido, dentro e fora

do universo das Ciências Sociais produzidas em São Paulo, impor-se como uma

referência, quer como sistematizador rigoroso da teoria e do método sociológico,

período no qual sobreleva seu livro Fundamentos empíricos da explicação sociológica

(1959), quer em sua militância mais intensa na práxis marxista, acentuada nos anos que

se seguiram à sua aposentadoria compulsória da USP, momento refletido com nitidez

nas escolhas dos autores e organizadores da coleção da Ática.

Como não poderia deixar de acontecer, tais questões aparecem ao longo de toda

esta dissertação, até porque estão intrinsecamente relacionadas a qualquer menção que

se faça ao cientista social, educador e político paulistano nascido em 1920. Aos poucos,

porém, fui convencido a ajustar o recorte inicial ao qual me propus, e não por causa de

sua ausência de pertinência e vitalidade. As palavras dos professores Luiz Eduardo W.

Wanderley (integrante da banca examinadora para ingresso no PPGCS), Silvia Borelli,

Josildeth Gomes Consorte, Carmen Junqueira e, claro, da minha orientadora Maria

Celeste Mira, foram convergentes no sentido de apontarem para a dificuldade que teria,

no exíguo tempo de um Mestrado, de reconstituir esta história espinhosa, repleta de

rusgas delicadas, sobretudo porque muitos desses agentes faleceram e pouco ou

absolutamente nada deixaram de depoimentos sobre a GCS.

Observar a coleção pelo prisma originalmente pensado é altamente sedutor, mas

certamente deixaria vazios e, na melhor das hipóteses, seu resultado seria equivalente ao

11

O termo “civil-militar” está em consonância com a avaliação de historiadores como Kushnir

(2004) e Aarão Reis (2012), segundo os quais mesmo com as Forças Armadas no centro do

poder, havia vasto apoio de políticos, empresários e religiosos antijanguistas, de parte da classe

média urbana e até no aparato burocrático do Estado, todos a serviço da sustentação aos

militares, desde a preparação para o golpe de 1964 até a ação conciliada da abertura “lenta e

gradual”. Preeminentes ministros de Estado durante a ditadura, como Luis Antônio da Gama e

Silva (1913-1979), Armando Ribeiro Falcão (1919-2010), Alfredo Buzaid (1914-1991),

Antonio Delfim Netto e Roberto de Oliveira Campos (1917-2001) não eram militares de

carreira. Ressalto, todavia, que esta não é uma classificação consensual.

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de outros trabalhos desenvolvidos com indiscutível competência sobre as “versões

conflitivas” do fazer ciências sociais, a exemplo das produções de Miceli (2001),

Jackson (2004; 2007), Pulici (2008) e outros de elevada categoria. Seria, enfim, apenas

a variação sobre o mesmo tema, ainda que merecedor de toda a atenção.

A decisão de recortar o meu problema sociológico para o papel da Ática e,

especificamente, da coleção GCS, dentro do contexto de expansão do ensino superior

decorrente da Reforma de 1968, lançando à baila as conexões entre mercado editorial,

Ciências Sociais, educação superior e política foi, a meu ver, a decisão mais acertada no

esforço conjunto com a orientadora desta dissertação, autora de respeitada pesquisa

sobre o mercado editorial de revistas (2001). Entender a GCS sob o ângulo do ensino

superior de sua época consolidou-se como um recorte viável, produtivo e

intelectualmente estimulante. Afinal, conforme escreveu o historiador Rodrigo Patto Sá

Motta a respeito da universidade em tempos de ditadura:

(...) As universidades constituem espaço

privilegiado para observar os entrechoques das

diferentes forças que moveram o experimento

autoritário brasileiro. Elas eram lugares

importantes para a modernização do país, bem

como campo de batalha entre os valores

conservadores e os ideais de esquerda e de

vanguarda; instituições que o regime militar,

simultaneamente, procurou modernizar e

reprimir, reformar e censurar (2014:57-58)

Com a nova proposta, abraçada com entusiasmo, pude movimentar a bibliografia

disponível e todos os dados estatísticos e históricos que consegui coletar para produzir

um material sociologicamente relevante – ao menos em sua intencionalidade – acerca

do impacto das políticas educacionais, em um momento histórico determinado, na

dinamização do mercado editorial de livros, tendo como mote a GCS.

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Mercado editorial, Ciências Sociais e ensino superior

Em linhas sumárias, este trabalho analisa a relação do mercado editorial,

representado pela Ática e sua GCS, com a expansão do ensino em nível superior

decorrente da Lei 5.540, datada de 28 de novembro de 1968, denominada Reforma

Universitária, revogada, mas na prática não totalmente abandonada, em 20 de dezembro

de 1996, com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei 9.394). A LDB de

1996 teve como relator o senador pelo PDT-RJ Darcy Ribeiro (1922-1997) 12

. A

propósito, em um texto de 1962 sobre a Universidade de Brasília Ribeiro afirmava que a

palavra adequada para os clamores pela reformulação do sistema de ensino

universitário, apropriados pela ditadura em 1968, era “instauração”, e não “reforma”,

afinal, “tão pouco há de universitário em nosso ensino superior” (2007:17).

A hipótese, portanto, é a de uma correlação entre o aumento no número de

instituições de ensino superior (públicas e, principalmente, privadas) e a urgência do

mercado editorial em atender a um público-leitor formado por professores, estudantes e

até mesmo vestibulandos 13

. Já estabelecida no segmento de didáticos e paradidáticos, e

com os cofres abastecidos, os diretores da Ática vislumbraram a oportunidade de se

destacar perante a concorrência, como a Abril Cultural fizera cinco anos antes com a

sua coleção de Humanidades Os pensadores (Pereira, 2010). Daí porque optei, no

processo de pesquisa, por focalizar o editor Florestan Fernandes. Naquele momento de

12

Darcy Ribeiro, senador, e Florestan Fernandes, deputado federal, divergiram acerca da

redação final da LDB. Vice-presidente da Comissão de Educação, Florestan apoiava o texto

formulado pela Câmara ratificado pelo senador Cid Saboia, então relator da pauta, mas Ribeiro

fez valer seu status de relator das comissões de Educação e de Justiça e Cidadania e, com uma

rápida manobra política, vetou o projeto da Câmara, considerado inconstitucional, apresentando

em seguida um substitutivo aprovado no plenário do Senado. (Soares, 1997; Sereza, 2005;

Heckert, 2005). Em artigo publicado na Folha de S. Paulo, Florestan Fernandes lamentava a

atitude de quem considerava um “amigo íntimo” (Sereza, 2005: 199).

13 A aparente contradição entre a mercantilização do ensino superior do após-1968, focado em

cursos de maior rentabilidade, e o surgimento de uma coleção de natureza crítica e, por conta de

alguns volumes, tida até como subversiva, será problematizada nos próximos capítulos.

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tímida abertura política, o acadêmico e intelectual paulistano foi percebido pela

contratante como uma grife de altíssimo valor simbólico, pois, para Bourdieu,

a eficácia quase mágica da assinatura não é outra coisa

senão o poder, reconhecido por alguns, de mobilizar a

energia simbólica produzida pelo funcionamento de

todo o campo, ou seja, a fé no jogo e lances produzidos

pelo próprio jogo (2008:28)

Florestan Fernandes, por sua vez, não desperdiçou a oportunidade de colocar as

suas ideias para circular, com uma proposta editorial bastante crítica, mobilizando para

tanto um grupo de renomados acadêmicos, entre os quais os sociólogos Octavio Ianni,

Gabriel Cohn e Evaristo de Moraes Filho, o economista Paul Singer, os historiadores

Sérgio Buarque de Holanda (1902-1982) e Jacob Gorender (1923-2013) e os

antropólogos Roberto DaMatta e Julio Cezar Melatti. Além de ser utilizada como

material bibliográfico, a GCS caracterizou-se por auxiliar no processo de vulgarização

do conhecimento produzido pelas Ciências Sociais - vulgarizar na acepção de

“popularizar”, para o bem e para o mal, os autores selecionados.

Não se pode ainda excluir dessa questão o panorama sócio-político e histórico

no tocante ao concerto das nações e à conjuntura antidemocrática do Brasil, bem como

os duelos para saber qual seria a ciência (ou teoria) social “adequada” para ser

retransmitida aos estudantes, docentes e pesquisadores. O período era de radicalização

política e ideológica. Na geopolítica, a arena diplomática permanecia cindida em dois

blocos: capitalistas versus socialistas. OTAN versus Pacto de Varsóvia. No Brasil, a

ditadura perdia gradativamente a sua força por conta de um princípio de turbulência

após o “milagre econômico”, instabilidade agravada pela repercussão da morte, em

1975, de Vladimir Herzog, diretor de jornalismo da TV Cultura de São Paulo, ocorrida

nos porões do DOI-CODI, na Rua Tutóia, Vila Mariana, zona sul da capital, junto ao

QG do II Exército, comandado pelo general Ednardo D´Ávila Mello (1911-1984).

Ednardo D´Ávila foi exonerado do cargo no dia 19 de janeiro de 1976, três dias após a

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captura, tortura e assassinato do operário Manoel Fiel Filho, funcionário da fábrica

Metal Arte Indústrias Reunidas, localizada na Mooca, bairro da zona leste paulistana.

As greves na região do ABC, comandadas pelo torneiro mecânico Luiz Inácio da Silva,

o Lula, na ocasião dirigente do Sindicato dos Metalúrgicos e futuro presidente da

República [2003-2010] 14

, contribuíam para pressionar as autoridades, mas ainda assim

as Forças Armadas e seus apoiadores civis continuavam a dar as cartas. E essa

efervescência obviamente afetava o cotidiano nas universidades.

Essa polarização política se refletia também no âmbito das Ciências Sociais,

mormente na Sociologia, e se deu por muitos anos entre o pensamento de Gilberto de

Mello Freyre (1900-1987), com suas ideias tropicológicas e a declarada adesão aos

golpistas de 1964 e a sociologia crítica liderada por Florestan Fernandes, opositor do

regime, aposentado compulsoriamente de seu posto de professor catedrático na USP por

meio de um decreto datado de 25 de abril de 1969, publicado no Diário Oficial da União

três dias depois15

. Essa competição pelo “trono das ideias” teve um saldo problemático,

segundo o jurista e historiador Joaquim Falcão, colaborador de Gilberto Freyre na

Fundação Joaquim Nabuco (FJN), em Pernambuco: “O resultado da radical politização

é óbvio. Um é cego do outro. A luta não tem fim. Mutuamente se acusam de produtores

e reprodutores de ideologias” (2001: 160). Para Falcão, aquela dicotomia ideologizada,

a despeito de ter sido intelectualmente criativa e reveladora de dilemas nacionais,

ergueu muros e fronteiras, suspendeu diálogos, e só nos últimos anos parece ser mais

bem resolvida pelos pesquisadores, pois estes já possuem “certo distanciamento para

poder se ver melhor” (2001:164). As divergências entre Florestan Fernandes e Gilberto

Freyre não impediram manifestações de respeito mútuo, intercaladas por alfinetadas.

14

Sobre os movimentos grevistas e sindicais ver, entre outros, Karepovs & Leal (2008).

15 Cf. ASSOCIAÇÃO DE DOCENTES DA USP. O Controle ideológico na USP (1964-1978).

São Paulo: ADUSP, 2004, p. 46-47.

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A atitude de Florestan perante seus antagonistas, projetada na própria linha

editorial da coleção GCS, é radicalizada por um de seus seguidores, o historiador Carlos

Guilherme Mota – organizador do volume dedicado a Lucien Febvre (1878-1956) –,

expressa em sua tese de livre-docência defendida em 1975 e lançada pela Ática em sua

coleção Ensaios em 1977 16

. A obra de Mota operava como um marcador de posição de

seu grupo. O “Senhor de Mello e Freyre” seria, nas palavras do historiador, propagador

de uma “ideologia da cultura brasileira”, sob a égide de um “estamento dominante,

embora em crise”. Casa grande & Senzala (1933) conteria, em sua “visão senhorial do

mundo”, uma “perspectiva modernizante, conjugada ao mandonismo do senhor de

engenho” (1994: 54-55). Aglutinados na Escola Paulista de Sociologia, denominação

rejeitada por Florestan17

, os intelectuais e professores “progressistas” insurgiram-se

contra as ideias gilbertianas, núcleo pensante de uma modernização conservadora18

.

Embora o conceito de ciência social de Florestan tenha em geral triunfado em seu

tempo, dentro ou fora da USP, não é despropositado lembrar que a luta dentro do campo

é contínua e que “a história do campo é a história da luta pelo monopólio da imposição

das categorias de percepção e apreciação legítimas” (Bourdieu, 2008: 88).

Em que pesem os elogios e as reavaliações a posteriori, tais como as de Araújo

(1994), Vianna (2001), Burke & Pallares-Burke (2009) e Cardoso (2013), o confronto

16

O livro foi reeditado em 2008 pela Ed. 34. No ano de 2000, durante conferência no Instituto

de Estudos Avançados da USP (“A universidade brasileira e o pensamento de Gilberto Freyre”),

Mota suavizou a contundência de suas críticas ao autor de Casa Grande & Senzala. Talvez o

clima tenha contribuído para a polidez, mas o historiador parecia empenhado em rever certas

posições, sem abrir mão de suas restrições à análise gilbertiana da “cultura brasileira”.

17

Entrevistado por José Albertino Rodrigues para a revista Ciência Hoje (1983), depoimento

reproduzido em livro de entrevistas concedidas por Florestan (2008), o autor de A revolução

burguesa no Brasil foi enfático: “Quando falo que não existiu uma escola paulista de sociologia,

na verdade não estou contra nada, apenas repudio uma ideia inadequada” (2008:150).

18 Credita-se o conceito de modernização conservadora ao cientista político americano

Barrington Moore Jr, autor de As origens sociais da ditadura e da democracia (1966).

Barrington Moore tinha o intuito de examinar o desenvolvimento do “capitalismo tardio” na

Alemanha e no Japão (Domingues, 2002; Pires & Ramos, 2009).

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Freyre versus São Paulo se repetia na arena do mercado editorial voltado para o

segmento universitário. Mas havia espaço suficiente para as duas faces daquela moeda.

Enquanto os livros de Freyre rompiam com as barreiras da segmentação e extrapolavam

as fronteiras nacionais, os departamentos de Ciências Humanas e Sociais do sistema

universitário, especificamente nas principais instituições de ensino superior do Estado

de São Paulo (USP, PUC-SP, Unicamp, UNESP), optaram pela vertente do grupo de

Florestan. No artigo “A necessidade do pluralismo sociológico”, publicado na edição de

18/05/1982 do jornal Folha de S. Paulo, Freyre disparava contra o predomínio das

“supersociologias” ou “sociologias monolíticas”, em óbvia alusão aos adversários 19

.

De polêmica em polêmica, e a cada instituição ou curso superior privado

aprovado pelo Ministério da Educação (Martins, 1988), as editoras aproveitaram para

aumentar a sua lucratividade e prestígio, disputando entre si a fração de leitores das

obras rotuladas de Ciências Sociais, embora cursos desse tipo fossem combatidos pelos

arautos das graduações “aplicadas”, com foco no atendimento às ofertas do mercado de

trabalho. Mesmo diante desse cenário adverso, Renato Ortiz demonstra que a

institucionalização das Ciências Sociais esteve, sim, atrelada ao alargamento da “rede

universitária” do após-1968: “A institucionalização das Ciências Sociais se consolida

nos anos 70 e 80 com a expansão das universidades e a emergência de um sistema

nacional de pós-graduação” (2002: 26). A Associação Nacional de Pós-Graduação e

Pesquisa em Ciências Sociais (Anpocs) foi fundada em 1977 e desde então mantém

encontros anuais ininterruptos. Além do mais, no dia 10 de dezembro de 1980, foi

sancionada pelo presidente João Figueiredo (1918-1999) a Lei 6.888, regulamentando a

19

Neste artigo, incluído no livro O imperador das ideias (2001), Gilberto Freyre comenta

entusiasmado sobre a 6ª edição de seu compêndio Sociologia – introdução ao estudo dos seus

princípios, que preparava para a Ed. Globo, obra com a qual acreditava ter “aberto nova

perspectiva brasileira a esse difícil estudo” (2001:260).

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profissão de sociólogo. É precisamente esse contexto contraditório, portanto não

facilmente apreensível, que pretendo abordar nos próximos capítulos.

Metodologia adotada e estrutura dos capítulos

As citações dos livros de Robert Darnton e Roger Chartier, dois dos maiores

historiadores contemporâneos, realizadas no transcurso da dissertação, não representam

uma maneira polida de inserir outra área de conhecimento nestas páginas. A História

desempenha uma função primordial nesta pesquisa. Como, por exemplo, compreender a

iniciativa da GCS sem resgatar o momento histórico que a fez surgir? É correto ou não

associar o crescimento da Ática, e do sistema editorial no ramo da Educação, com os

efeitos da Reforma de 1968 – e das leis subsequentes – e do ulterior processo de

transição política moderada e conciliada? Como ignorar os embates políticos e o

acirramento ideológico presentes no meio universitário daqueles tempos?

Embora não esteja formalmente vinculado ao campo da História, o pesquisador

inglês Laurence Hallewell, doutor pela University of Sussex, produziu um material de

densidade indiscutível, não obstante pequenos equívocos que trarei à baila nas

passagens oportunas. A versão econômica (com o texto integral, mas sem as ilustrações)

de O livro no Brasil, sua história, possui 1.015 páginas de informações coletadas a

partir de fontes primárias e secundárias; acesso a materiais e documentos de difícil

localização; e um elaborado cotejamento de dados. Bibliotecário, Hallewell é um autor

incontornável para quem pretende estudar a história do livro e do mercado editorial

brasileiro, sejam quais forem o campo de conhecimento e o olhar do pesquisador.

Realizar uma sociologia da leitura ou do mercado editorial requer o auxílio de

todo o instrumental desenvolvido pela História e posto a serviço das mais diferentes

áreas disciplinares. As pesquisas de Borelli (1996), El Far (2006), Bôas (2007) e

Jackson (2004; 2007), entre tantas outras, recorreram ao acesso, coleta, organização e

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mensuração de documentos históricos; visitas sistemáticas a bibliotecas; entrevistas

narrativas e outras técnicas relacionadas ao ofício do historiador. Em um ensaio sobre o

assunto, Octavio Ianni foi taxativo ao observar que “a análise sociológica sempre se

depara com o problema de historicidade do seu objeto” (2011: 185). Para Ianni, o

diálogo entre esses campos não seria apenas uma questão de método, mas um vigoroso

problema epistemológico: “as teorias sociológicas efetivamente apanham a história [em]

distintas formas: formulam muitas ou várias histórias” (2011:188).

É, pois, no mínimo uma atitude contraproducente isolar a tríade disciplinar das

Ciências Sociais e transformá-las em guardiãs de um saber abstrato, a-histórico e até

anti-histórico, ranço de uma leitura rudimentar, pedestre e equivocada do estruturalismo

lévi-straussiano. Os pesquisadores mencionados nesta monografia sabem-se cientistas

sociais, e a praticam com zelo, mas não renegam a força da interdisciplinaridade teórica

e metodológica. Esse caráter gregário é um dos primados do pensamento complexo

proposto pelo filósofo, educador e sociólogo francês Edgar Morin (2011), autor

admirado por uma esquerda não ortodoxa; e está na essência da teoria de Ralf

Dahrendorf (1929-2009), sociólogo liberal alemão, discípulo de Karl Popper (1902-

1994) e pouco conhecido no Brasil, para quem

certamente a sociologia é uma ciência do homem, mas

nem é a única de tal tipo, nem terá condições de atacar

o problema humano em sua extensão e profundidade. O

homem total não só foge das dimensões de uma única

disciplina, como provavelmente deverá permanecer

sempre uma figura esquemática ao fundo do esforço

científico (1991:39).

O historiador Peter Burke (2012) decidiu enfrentar o que supõe ser um “diálogo

de surdos” entre historiadores e sociólogos e escreveu um livro-manifesto no qual

pretende demonstrar a ambos os lados os benefícios de “se libertar de diferentes tipos de

paroquialismo.” (2012:17). Admirador confesso de Gilberto Freyre, a ponto de incluir

Casa-grande & Senzala na lista de clássicos da história cultural (2005:179), Burke

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advoga a prática interdisciplinar, sublinha as similaridades entre história e antropologia

e aconselha os “empréstimos de disciplina”, pois

os historiadores, como os etnógrafos, oferecem

advertências sobre a complexidade e a variedade da

experiência humana e das instituições que a teoria

inevitavelmente simplifica (...) o que a teoria social

pode fazer, por outro lado, é sugerir novas perguntas

para os historiadores formularem acerca da “sua” época,

ou novas respostas a perguntas bem conhecidas

(2012:278)

Compreendo o sentido da proposta de Burke, no entanto, ao menos nos trabalhos

relativos à minha esfera de pesquisa e atuação, História e Teoria Social “ouvem” e se

“fazem ouvir” sem maiores ruídos comunicativos. Darnton e Chartier, dois ícones da

história da leitura e do livro20

, apropriaram-se muito bem de categorias sociológicas e

antropológicas. Chartier, inclusive, estabeleceu vínculo de colaboração com Bourdieu,

do qual resultou O sociólogo e o historiador (2011), livro baseado em entrevista do

sociólogo ao historiador concedida em 1988 e reproduzida em uma série de cinco

programas na Radio France Culture, frequência 93,5 MHz no dial parisiense.

No caso específico deste trabalho, creio não ter sucumbido aos vícios da revisão

histórica e bibliográfica maçante, à maneira das duas caricaturas apontadas por Alves-

Mazzotti & Gewandsznadjer (2000): as revisões summa e arqueológica. Afinal, é

desnecessário regressar a Johannes Gutenberg (1398-1468) para analisar o mercado

editorial da virada dos anos 1970 e 198021

. No entanto, sem um levantamento

consistente a respeito do mercado editorial brasileiro e da trajetória da GCS, em

cruzamento com o período da reforma universitária e da transição política, a dissertação

20

Darnton escreveu livros como Os best-sellers proibidos da França pré-revolucionária

(Companhia das Letras, 1998), A questão dos livros (Companhia das Letras, 2010) e desde 2007

dirige a biblioteca da Harvard University. Chartier publicou, entre outras, as obras Práticas de

leitura (Estação Liberdade, 2011); e Cultura e escrita: literatura e história (Artmed, 2000).

21 Em relação à história do livro no Brasil, além do tratado de Hallewell, há obras mais sucintas

e de leitura agradável, como O livro e a leitura no Brasil (2006), de Alessandra El Far.

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não se sustentaria. Ou seja, somente a partir de uma compilação preliminar, obtida na

leitura e fichamento de biografias, artigos, indicadores sociais e arquivos de revistas e

jornais, é que poderei tentar juntar as peças, confrontar ideias, comparar fontes, elaborar

hipóteses, lançar mão de teorias e atribuir significados.

Desde o início da elaboração do projeto, as entrevistas com os agentes dessa

história transformaram-se em um ponto delicado. Os dois principais nomes do projeto

GCS, Anderson Fernandes Dias e Florestan Fernandes, respectivamente o diretor-

presidente da Ática e o coordenador da coleção, já faleceram, assim como o autor do

primeiro volume (José Albertino Rodrigues) e o escudeiro de Florestan na elaboração da

GCS (Octavio Ianni). Contando Ianni, Albertino Rodrigues e Florestan, 19 dos 53

organizadores dos volumes morreram. Outros estavam impossibilitados de responder ao

meu questionário por motivos de saúde ou compromissos profissionais.

Restaram, portanto, um número reduzido de organizadores dos volumes e

editores identificados com essa fase da Ática, como José de Granville Ponce e Fernando

Paixão22

. Granville Ponce – soube durante a pesquisa – está com a saúde fragilizada, ao

passo que Paixão, atualmente docente no Instituto de Estudos Brasileiros (IEB/USP),

gentilmente concedeu-me entrevista em seu escritório, situado na zona oeste de São

Paulo, na tarde do dia 16 de maio de 2013. O depoimento de Paixão complementou as

fontes bibliográficas sobre a Ática, tais como o subcapítulo “A Ática e outras novas

editoras didáticas”, presente na obra de Hallewell; os escritos de Silvia Borelli a respeito

da editora, capítulo em que entrevista personagens como Jiro Takahashi e Ponce (1996);

e o caderno especial incluído em Momentos do livro no Brasil (2005), coordenado por

Fernando Paixão, com participação de Maria Celeste Mira.

22

Responsável pela preparação de originais e pelos contatos com autores e tradutores, a

coordenadora interna da coleção GCS, Maria Carolina de Araújo, não foi localizada.

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Organizadores de volumes foram contatados, sobretudo após a generosa

sugestão da professora e pesquisadora Alessandra El Far durante o exame de

qualificação. Como amostra, procurei entrevistar cinco participantes (Heloísa

Fernandes, filha de Florestan, Edgard de Assis Carvalho, Roberto DaMatta, Edson

Passetti e Gabriel Cohn), para acrescer suas experiências ao depoimento de Renato

Ortiz (volume sobre Bourdieu) concedido ao CPDOC/FGV 23

. O antropólogo e

professor da PUC-SP Edgard de Assis Carvalho, articulador do número sobre o

antropólogo francês Maurice Godelier, concedeu-me respostas esclarecedoras por e-

mail, em arquivo word.doc enviado para minha caixa-postal eletrônica na tarde do dia

cinco de novembro de 2013. Roberto DaMatta, igualmente gentil e por mensagem

eletrônica, respondeu meu breve questionário seis dias após Assis de Carvalho. Edson

Passetti enviou seus comentários no início de 2014. Gabriel Cohn e Heloísa Fernandes

não me deram retorno. Evidentemente, como adverte Bernardo Sorj, “entrevistas com

cientistas sociais constituem um desafio particular” e não pelas razões acima expostas.

Eles – escreve Sorj – “nos oferecem permanentemente sua própria interpretação

sociológica dos acontecimentos” (2001:8). Os depoimentos a mim concedidos

resvalaram na nostalgia, na memória afetiva, mas tinham, sim, caráter interpretativo.

Outro problema encontrado no percurso da pesquisa foi a quase ausência de

dados concretos sobre o período. IBGE, Inep e Anpocs nos fornecem um material não

desprezível, porém, insuficiente. É notável como as estatísticas dos anos 1990 para cá

são mais elaboradas, organizadas, especificadas. Mesmo nos documentos oficiais da

Anpocs não é possível determinar quais foram os participantes do I Encontro Anual.

Mas, ainda assim, acredito que os números obtidos, combinados aos depoimentos,

abrem perspectivas para a compreensão do que foi, e como se procedeu, esse processo.

23

O depoimento de Renato Ortiz, transcrito de uma entrevista em vídeo aos pesquisadores do

CPDOC/FGV, está parcialmente reproduzido no capítulo 2.

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30

Um dos objetivos deste trabalho é deixar para os futuros pesquisadores uma

fonte de pesquisa satisfatória sobre uma coleção de livros lançada em um momento

político agitado. Primordial para a formação de novos quadros de docência e pesquisa, a

GCS é raríssimas vezes mencionada, como objeto de análise, em artigos, livros,

dissertações e teses, mas os volumes da coleção são inúmeras vezes citados nas

referências bibliográficas de obras dessa natureza. Reiteradas consultas às bibliotecas

(físicas e digitais) de universidades públicas e privadas, à Plataforma Lattes (CNPq), à

rede Scielo.org e ao Google Acadêmico surpreendentemente não retornaram resultados

a respeito de pesquisas sobre a coleção GCS, razão pela qual optei por realizar uma

revisão minuciosa em torno de datas, eventos, conexões, trajetórias, apesar de ter

encontrado diversos problemas para a obtenção de dados confiáveis sobre, por exemplo,

a tiragem e a vendagem de cada volume – Edson Passetti esclarece um pouco este

aspecto ao informar que a tiragem inicial do volume sobre Proudhon saiu com dois mil

exemplares. A troca de controle acionário da Ática, assunto a ser discutido no capítulo

3, contribuiu para a dispersão dos dados e das estatísticas oficiais.

A estrutura deste presente trabalho está organizada em três capítulos, além desta

introdução, das considerações finais, referências, anexos e caderno de imagens.

Intitulado “Ciências Sociais, Educação e Mercado Editorial nos anos 1970 e 1980”, o

primeiro capítulo procura realizar um exercício de resgate dos fatores políticos, culturais

e educacionais que propiciaram o nascimento e desenvolvimento da GCS. A Reforma

Universitária de 1968, com sua nova maneira de organizar os cursos superiores será

analisada em comparação à dinamização do mercado editorial, centrado nas vendas de

didáticos e paradidáticos e na proliferação de séries, coleções e selos editoriais para o

nível universitário. Neste diapasão, as publicações acadêmicas e de divulgação

científica teriam ou não se transformado em arma de denúncia e politização, ainda que

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de potencial restrito quando comparadas aos meios de comunicação de massa

controlados pela repressão? Como funcionava o sistema de censura às editoras?

Na sequência, “A história da coleção Grandes Cientistas Sociais (1978-1990)”

narra os antecedentes, o surgimento, a trajetória, a seleção de organizadores, autores e

tudo aquilo que envolve a coleção. Para completar, o terceiro capítulo, “Está tudo na

ementa: a importância da GCS na atualidade” examina a herança da GCS e procura

verificar se existem no mercado coleções que podem ser consideradas sucessoras da

iniciativa de Florestan Fernandes e da direção executiva e editorial da Ática.

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[Capítulo 1]

Ciências Sociais, Educação e Mercado Editorial nos anos 1970 e 1980

Domingo, cinco de novembro de 1978. A edição de número 18.113, ano 57, do jornal

Folha de S. Paulo reportava o clima pesado às vésperas das eleições legislativas em um

país ainda sob o chicote da ditadura civil-militar. A manchete da edição dominical

(“Figueiredo condena apelo do PC”) repercutia o repúdio do general Figueiredo, ex-

chefe do Serviço Nacional de Informações (SNI), escolhido por Geisel para “concorrer”

nas eleições indiretas para a sua sucessão, às declarações de Luiz Carlos Prestes (1898-

1990), principal integrante do banido PCB. Exilado na União Soviética, o veterano líder

comunista pedia o apoio dos eleitores aos candidatos do MDB ao Congresso Nacional e

às assembleias legislativas estaduais. Temerosos de uma eventual repercussão negativa

desse apelo em meio à Guerra Fria, próceres do MDB minimizaram a fala de Prestes.

No editorial “Sufrágio e Ordem”, o diário pertencente, diga-se, a um grupo de

mídia acusado de colaborar regularmente com o regime autoritário (Kushnir, 2004),

repelia as articulações palacianas para evitar a derrota dos arenistas nas urnas24

: “Há

sinais de evidência de que os processos eleitorais do situacionismo pretendem reduzir o

sentido livre e democrático do pleito”, acusou o jornal em sua editoria “Opinião” (1978:

2). Em termos de eleições para cargos executivos, a população seguia alijada do direito

a votar em seus representantes. Tutelada em nível municipal, estadual e federal por

governos impostos, ditos biônicos, o povo brasileiro seguia, na expressão do jornal, em

24

Vacinado pelo resultado das eleições de 1974, quando o MDB faturou 16 das 22 cadeiras do

Senado, e para evitar a perda da maioria no Congresso Nacional, o governo Geisel lançou, em

13 de abril de 1977, um conjunto de decretos para manter o controle do poder legislativo,

independentemente do resultado nas urnas em 1978: entre outras medidas, o Pacote de Abril

instituiu a figura do senador biônico, eleito indiretamente pelas respectivas assembleias

estaduais, e cujo nome era levado para a chancela do presidente. Mesmo diante desse quadro

regressista, o MDB obteve vitórias estratégicas em estados como São Paulo, Minas Gerais, Rio

de Janeiro, Rio Grande do Sul, Paraná, Goiás e Paraíba, embora a Arena tenha conservado a sua

supremacia numérica no Congresso – insuficiente, todavia, para obter no Senado dois terços de

vantagem sobre a oposição (42 cadeiras arenistas contra 25 dos mdebistas).

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“estado de menoridade”. Quatro editoriais auxiliares traziam a expectativa do sufrágio

em Brasília, Rio de Janeiro, São Paulo e Belo Horizonte.

Quanto ao noticiário internacional, a Folha destacava a promessa do líder

oposicionista iraniano, Ruhollah Khomeini (1902-1989), de promover uma guerra civil

em Teerã, enquanto na cidade de Moscou representantes da URSS e do Vietnã

divulgavam os termos do Tratado de Amizade e Cooperação. Situação bem diversa das

rusgas entre Argentina e Chile, países controlados por governos ditatoriais que

reivindicavam a soberania sobre o Canal de Beagle, estreito pelo qual navegou a bordo

do HMS Beagle Charles Darwin (1809-1882). A matéria informava a recusa dos

argentinos à proposta chilena de submeter o caso à Corte Internacional de Haia.

Naquele domingo de notícias acaloradas, a editoria “Livros” trazia uma pequena

matéria (cf. “Movimento editorial”) em que eram mencionados lançamentos a

contrapelo do ideário anticomunista e antidemocrático. Os quatro primeiros parágrafos

do texto divulgavam a noite de autógrafos de Medicina e política (Cebes/Hucitec), do

médico psiquiatra e professor italiano Giovanni Berlinguer, militante do Partido

Comunista Italiano (PCI). O evento seria realizado no dia seguinte, às 20 horas, no

Teatro Ruth Escobar; logo depois, é citado o livro Lições sobre o fascismo, escrito pelo

dirigente comunista Palmiro Togliatti (1893-1964). Na sequência, em um único

parágrafo, o redator anunciava o nascimento de “uma inciativa editorial de peso”:

Iniciativa editorial de peso é a coleção Grandes

Cientistas Sociais, coordenada pelo professor Florestan

Fernandes e editada pela Ática, que se destina a colocar

ao alcance do grande público, textos dos mais

importantes cientistas sociais do século 20. Cada autor

foi entregue a um especialista de categoria, responsável

pela seleção dos textos e por uma apresentação inicial.

Até agora, foram publicados Radcliffe-Brown, por Julio

Cesar Melatti; Wolfgang Köller, por Arno Engelmann;

Lenin, por Florestan Fernandes; Durkheim, por José

Albertino Rodrigues; Comte, por Evaristo de Morais

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Filho; Keynes, por Tamás Szmrecsanyi; e Lucien

Febvre, por Carlos Guilherme Mota (1978:59). 25

A exposição resumida das notícias narradas pelo jornal do Grupo Folha revela

de modo exemplar o contexto sócio-histórico e político na ocasião do lançamento da

coleção GCS. As manchetes da Folha sobre as eleições legislativas, o teor do editorial,

e a sequência de livros anunciados naquela edição exibiam as frestas paulatinamente

concedidas pelo sistema de vigilância governamental a determinados veículos de mídia

impressa. No entanto, a concretização da Abertura Política seguia nos passos vagarosos

propostos por Geisel. Revogado em 13 de dezembro daquele ano, o AI-5 permaneceria

em vigência até o dia 1o de janeiro de 1979. Além disso, a instauração da Lei Falcão, em

1976, e o Pacote de Abril de 1977 foram dois golpes traiçoeiros contra a expectativa de

distensão gradual. O Departamento de Censura continuava ativo e a vertente “linha-

dura” dos militares, alimentada pelos discursos do general Sylvio Frota (1910-1996),

ministro do Exército exonerado por Geisel em 1977, ameaçava endurecer o regime.

Projeto de “fôlego”, realizado a partir da união entre o maior sociólogo brasileiro

e uma poderosa editora do ramo de livros educacionais, a GCS respondia aos impulsos e

demandas de sua época. A proposta dos volumes assumia uma atitude politizada,

expressa desde o layout das capas, assinado pelo premiado artista Elifas Andreato, com

imagens alusivas a movimentações populares, até a escolha de alguns dos autores

contemplados com um volume. A materialidade do livro, como adverte Chartier (2003),

produz sentidos e representações – por isso, o design de Andreato, e a produção gráfica

de Virgínia Fujiwara e Eliazar Sales convergiram para dar uma aparência capaz de

equilibrar um perfil acadêmico, político e popular para os volumes da coleção. A forma

25 A íntegra desta edição da Folha de S. Paulo está disponível no site especial Acervo Folha:

<http://acervo.folha.com.br/fsp/1978/11/05/2> Acesso em: 04 abr. 2013.

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como os livros da GCS foram desenvolvidos materialmente (capa, gramatura do papel,

tipografia, organização) reforçava um sentido de unidade e rápida identificação.

A coleção da editora Ática, por sinal, vinha ao encontro de uma juventude

universitária ávida por transformações e autores associados ao pensamento crítico ao

sistema vigente. No final da década de 1970, o movimento estudantil voltava a se

reagrupar e a promover manifestações, como o III Encontro Nacional de Estudantes (III

ENE), em fins de setembro de 1977, sediado na PUC-SP. O Ato Público em

comemoração à realização, após inúmeras tentativas, do encontro, foi reprimido

duramente pela polícia comandada pelo coronel linha-dura Antonio Erasmo Dias (1924-

2010), secretário de Segurança Pública de São Paulo (Cancian, 2010).

Ainda que o desejo da Ática, insinuado na brevíssima matéria, fosse de alcançar

o “grande público”, a GCS posicionava-se na prática como um instrumento pedagógico

consideravelmente útil para professores de cursos superiores em fase de franco

crescimento. Autoritária em sua gênese, modernizante em sua promessa e privatista em

sua consequência, a Reforma de 1968 produziu “efeitos paradoxais”, nos dizeres de

Benedito Martins (2009:16-17). Ao eliminar, de forma abrupta, os supostos

“superpoderes” dos catedráticos, a reforma universitária propiciou condições para o

desenvolvimento da carreira de docentes e pesquisadores, pois ratificava a integração

entre ensino, pesquisa e extensão26

, mas trouxe na esteira instituições preocupadas

unicamente em auferir lucros com suas graduações de qualidade duvidosa (Martins,

1988; Chaui, 2001; Tragtenberg, 2004; Cunha, 2007).

Segundo Maurício Tragtenberg (1929-1998), “o Estado pós-64 reabsorve as

pressões de professores e estudantes para a reestruturação do ensino superior,

26

Pimenta & Anastasiou (2010:141) esclarecem os tipos de instituição de ensino superior

existentes: universidade, centro universitário, faculdades integradas, institutos e escolas

superiores. Nem todas tem a obrigação de prover a tríade ensino, pesquisa e extensão, mas é

altamente aconselhável que procedam internamente como nas universidades.

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especialmente das camadas médias urbanas, deflagrando o processo de expansão pela

privatização” (2004: 116). Na visão de Tragtenberg, a formalização da nova lei relativa

ao ensino superior “institucionalizava” uma estratégia gradualmente adotada pelos

militares, com o aval das elites econômicas, desde os primeiros dias do golpe. Nessa

mesma linha, o educador Paulo Roberto Carvalho de Sousa afirma que o objetivo da

Reforma Universitária de 1968 “era relacionar educação e mercado de trabalho” de tal

maneira que o “sistema educacional deveria preparar a força de trabalho para o sistema

produtivo, de acordo com a Teoria do Capital Humano.” (2008: 120) 27

.

É seguro afirmar que a maioria das vagas abertas no ensino superior após 1968

correspondiam às graduações com maior inclinação para o mercado de trabalho dentro

do modelo capitalista: administração, economia, direito, ciências contábeis, cursos

tecnológicos. Como, então, relacionar uma coleção de Ciências Sociais, repleta de

autores e organizadores vinculados à esquerda (a começar pelo coordenador, socialista

aposentado por decreto), com esse período de expansão incentivado pela ditadura?

A resposta está na grade curricular desses cursos de apelo mercadológico e na

amplitude temática da GCS. Administradores leem Weber e Marx; a formação de

economista exige a leitura, além dos teóricos citados, dos escritos de Keynes, Malthus,

Kalecki e Furtado, contemplados com um volume. Frankfurtianos como Habermas e

Adorno são estudados em cursos variados (jornalismo, direito, pedagogia, publicidade,

psicologia, um pouco em economia) e assim por diante. O ensaio de apresentação,

assinado pelo organizador de cada coletânea, contribuía para elucidar dúvidas dos

alunos e, principalmente, servia como roteiro para a aula a ser preparada pelos

27

Em uma entrevista reproduzida em Microfísica do poder, o filósofo francês Michel Foucault

(1926-1984) tem uma percepção cética sobre aqueles que bradam contra a mercantilização do

ensino. “Não é possível que o poder se exerça sem saber, não é possível que o saber não

engendre poder. ´Libertemos a pesquisa científica das exigências do capitalismo monopolista´ é

talvez um excelente slogan, mas não será jamais nada além de um slogan” (1986: 142).

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professores. A introdução de Gabriel Cohn ao volume de Adorno, por exemplo, é até

hoje tida como uma primorosa interpretação sobre a Teoria Crítica. Dessa forma,

incentivada pela distensão negociada, e pelo interesse na divulgação científica, a Editora

Ática conseguiu fazer circular sua coleção dentro e fora dos muros da academia.

O desconforto do governo autoritário com as Ciências Sociais não foi seguido de

uma exclusão sumária do curso das universidades e demais instituições superiores.

Houve perseguições, cassações, vigilância dentro e fora das salas, mas as graduações

existentes foram mantidas, inclusive com o desenvolvimento de um sistema de pós-

graduação, como já mencionado neste texto a partir das palavras de Renato Ortiz. Desde

que “não transpusesse os muros da universidade”, escreve Sá Motta, “maiores as

chances de ser tolerado e de não atrair medidas repressivas” (2014: 59). Uma das

características da modernização conservadora à brasileira era sua capacidade de

negociar, acomodar, dosar repressão violenta com concessões. A estratégia foi aplicada

à tradicional Escola de Sociologia e Política de São Paulo, criada em 1933 como Escola

Livre de Sociologia e Política de São Paulo (ELSP). Perseguições a professores e alunos

foram sistemáticas desde 1964, com agentes infiltrados, ameaças constantes e eventuais

portões fechados. No entanto, a graduação em Sociologia e Política não foi suprimida

pelo MEC. A asfixia financeira à fundação mantenedora, uma forma menos explícita de

perseguição, levou a instituição a entrar em crise nos anos 1970, de tal maneira que a

Fespsp teve seu programa strictu sensu descredenciado na década de 1980.

Em 2013, foi instalado na Fespsp a sua própria Comissão da Verdade para

apurar, entre outros assuntos pendentes, a presença de integrantes do Comando de Caça

aos Comunistas (CCC) no corpo diretivo da instituição e as razões para o ingresso como

aluno da escola do capitão do exército americano, Charles Rodney Chandler, suposto

instrutor de tortura do Dops. Chandler foi assassinado em 1968 por integrantes das

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futuras Ação Libertadora Nacional (ALN) e Vanguarda Popular Revolucionária (VPR).

O episódio da morte do oficial dos EUA é relatado no livro Combate nas trevas, de

Jacob Gorender, publicado pela Ática em 1987.

O tratamento da ditadura às Ciências Sociais seguiu, portanto, a mesma lógica

política instaurada pelos militares com o suporte das elites civis conservadoras. Voltarei

a este ponto em outra passagem. Na fachada, concessões para manter a situação nas

rédeas e um véu de legalidade, ainda que por meio de atos institucionais impostos; nos

subterrâneos, vigilância e repressão. Em tempo: os programas de pós-graduação em

Ciências Sociais seguiram os ditames da Reforma de 1968, significando que existiu, de

fato, um aumento gradativo na oferta de mestrados e doutorado. O site da Anpocs, no

qual estão disponibilizados documentos históricos, não fornece estatísticas precisas

sobre esse crescimento, mas a própria data de fundação da organização (1977) aponta

para essa tendência. Os dados entre 1977 e 1983 estão agrupados e apontam para a

presença, no total, de 293 participantes dos encontros, mas não especifica quais

programas foram representados nem os dados anuais. Somente a partir de 1984

consegue-se obter informações detalhadas de ano a ano. Sequer o “Livro dos Nomes da

Anpocs” foi capaz de trazer esclarecimentos sobre os primórdios da associação.

Com enfoque no ensino superior, abordarei a seguir a educação durante o regime

civil-militar, marcada pelo polêmico acordo MEC-USAID. Compreender essa história,

a reação dos educadores frente à imposição do governo, e suas consequências em curto,

médio e longo prazo, nos permite entender o período de desenvolvimento da GCS.

1.1 Educação e autoritarismo: as “consequências paradoxais” da Reforma de 1968

“Na hierarquia dos problemas nacionais, nenhum sobreleva em importância e

gravidade o da educação”. Assim começa o Manifesto dos Pioneiros da Educação

Nova, lançado em 1932, e subscrito por educadores da estirpe de Fernando de Azevedo

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(1894-1974) e Anísio Teixeira (1900-1971). A presença entre os signatários do

manifesto do empresário de imprensa Júlio de Mesquita Filho (1892-1969), herdeiro do

jornal O Estado de S. Paulo, esclarece o objetivo daquele grupo de defensores da Escola

Nova. Diretor de um jornal liberal-conservador, Mesquita Filho jamais concederia seu

aval caso o manifesto dos educadores fosse um texto de viés francamente socialista, mas

ele estava convencido de que a displicência dos governos republicanos com relação à

Educação, em todos os seus níveis, constituía um obstáculo ao desenvolvimento social e

econômico do Brasil. A Constituição de 1891, ainda vigente em 1932, praticamente

ignorava o tema. Apenas na Seção II (Declaração de Direitos), art.72, § 6, a carta possui

assertividade: “Será leigo o ensino ministrado nos estabelecimentos públicos” – e ainda

assim a prerrogativa muitas vezes foi descumprida no cotidiano das salas de aula, com a

anuência de professores e diretores escolares. A rigor, a palavra “Educação” sequer

aparece na Carta de 1891. Assim, a escola pública, um pilar do ideário republicano,

manteve-se como privilégio das elites. Iniciativas progressistas, como a Escola Normal

Secundária de São Carlos, eram exceções (Arce & Nery, 2011).

A luta por uma escola pública de qualidade e modernizadora, difundida para o

conjunto da população, atravessou as primeiras décadas do século XX e teve os mesmos

protagonistas: Anísio Teixeira e Fernando de Azevedo, expoentes da Escola Nova e não

por acaso criadores da Biblioteca Pedagógica Brasileira, da Companhia Editora

Nacional, coleção de livros sobre a qual tratarei adiante. O debate entre correntes

progressistas e conservadoras permanecia tenso, à espera de uma legislação clara e

objetiva. Escola laica versus Igreja Católica, “educadores profissionais” versus

“pensadores autoritários” (Miceli, 2001:219). Na década de 1920, por exemplo, o

Estado brasileiro, constitucionalmente laico, estava nas mãos das instituições de ensino

confessionais, sobretudo aquelas de orientação católica. Segundo Miceli,

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nas condições em que se encontrava o sistema

de ensino na década de 1920, o Estado não

poderia estender sua tutela à esfera educacional

sem negociar as reformas previstas com a Igreja

Católica, que era o principal investidor e

concorrente nessa área (2001:222).

O panorama não se alterou significativamente nas décadas seguintes, de modo

que a Educação não era exatamente um problema recente por ocasião do conjunto de

regras estabelecidas ao longo das décadas de 1960 e 1970, a saber, a Lei de Diretrizes e

Bases da Educação Nacional (LDB), identificada pelo número 4.024 e datada de 20 de

dezembro de 1961, sancionada pelo presidente João “Jango” Goulart (1919-1976); a já

mencionada Reforma Universitária de 1968; e a versão de 11 de agosto de 1971 da LDB

(n. 5.692), ordenada pelo Governo Médici no pináculo da repressão política.

No referente ao foco desta pesquisa, isto é, o ensino superior, um primeiro e

menor processo de expansão, observado por Miceli (2001) e Fávero (2006), delineou-se

a partir das reformas empreendidas durante o governo Vargas, implantadas pelo seu

ministro da Educação, o jurista Francisco Campos (1891-1968), artífice de um

pensamento nacionalista autoritário (Fausto, 2001). Se as normas para a abertura de

cursos superiores, especialmente na área de Ciências Jurídicas, eram um tanto confusas

no transcurso da denominada República Velha, os decretos voltados para o ensino

superior, quais sejam, o Estatuto das Universidades Brasileiras (Lei 19.851/31) e o

Conselho Nacional de Educação (Lei 19.850/31), assinados por Vargas e Campos,

enfim pareciam anunciar o esboço de um “projeto universitário” pelo governo federal

(Fávero, 2006:23). Miceli demonstra que o aumento na oferta de cursos fazia com que o

diploma superior perdesse na década de 1930 seu “símbolo de apreço social” para os

filhos de proprietários de terra, transformando-se em um instrumento utilizado para

obter “vantagens de caráter profissional” para as famílias emergentes (2001:119).

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Em um país com alto índice de analfabetismo, cuja população negra permanecia

apartada de facto de seus direitos elementares, inclusive de professar suas crenças

religiosas e realizar suas práticas culturais, conforme previa o Código Penal de 1890 28

,

falar em uma “popularização” do ensino superior após os decretos acima mencionados é

um erro crasso de interpretação. A expansão realmente existente beneficiou, e de

maneira parcial, membros das camadas médias, e permaneceu como fator de distinção,

não somente de uma elite latifundiária – herdeiros do baronato do café –, mas de uma

geração de especialistas para um nascente mercado de trabalho no âmbito industrial. O

Manifesto dos Pioneiros é taxativo na sua crítica à precariedade da escola brasileira em

sua base e não recebe com otimismo as estratégias do Governo Vargas para a Educação.

Em resumo, as instituições de ensino no Brasil, sejam elas públicas ou religiosas,

ignoravam o axioma do filósofo e sociólogo Theodor W. Adorno (1903-1969), segundo

o qual “a exigência da emancipação parece ser evidente numa democracia”. (2011:169),

premissa de um ideal iluminista que, a propósito, seu livro A Dialética do

esclarecimento, escrito em parceria com Max Horkheimer (1895-1973), colaborou para

apontar as incoerências. Ora, tanto os decretos dos anos 1930, o que inclui a menção à

necessidade de uma LDB na Constituição Federal de 1934 (criação, porém, protelada

por quase três décadas), quanto à Reforma Universitária de 1968 e a versão de 1971 da

LDB ocorreram em governos de exceção, autoritários, com nenhum apreço por

democracia e emancipação em suas acepções utópico-modernas. Além disso, como

pensar o ensino superior se na Educação de base a situação era insatisfatória?

28

No capítulo XIII do Código de 1890 prevê-se um conjunto de punições a “Vadios e

Capoeiras” [grifo meu]. O jogo da capoeira era considerado como prática criminosa, vadiagem.

No art. 402, era proibido: “fazer nas ruas e praças publicas exercícios de agilidade e destreza

corporal, conhecidos pela denominação capoeiragem”, uma prova documental da permanência,

no bojo da República, de preconceitos étnico-culturais contra a população negra.

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O sociólogo Howard S. Becker e o antropólogo Clifford Geertz, ambos nascidos

nos anos 1920 explicaram, em entrevistas e textos autobiográficos, de que forma

ocorrera o alargamento do ensino universitário dos Estados Unidos, fundado no

aumento da oferta de vagas (via incentivos governamentais) e na ambição, nem sempre

triunfante, de explorar a interdisciplinaridade. Foi um processo de natureza diferente da

ocorrida no Brasil e não apenas por conta das características locais. Os depoimentos de

Becker e Geertz, marcados ora pela memória afetiva, ora pela crítica severa, servem

aqui como uma comparação que apenas reforça o caráter autoritário e conservador das

mudanças empreendidas pelo governo brasileiro, sobretudo após a Reforma de 1968.

Nos EUA, ao final da Segunda Guerra Mundial, ex-combatentes e jovens oficiais das

Forças Armadas foram beneficiados por uma lei cujo intuito era reintegrá-los, via

universidade, ao cotidiano de trabalho dentro da sociedade norte-americana. Oferecia-se

a eles, a partir da concessão do diploma superior, uma porta para recomeçar. “Quando

dei baixa da marinha americana em 1946, salvo por pouco – pela Bomba – de ser

obrigado a invadir o Japão”, relembra Geertz, “mal começara o boom do ensino

universitário dos EUA” (2001:15). Ainda de acordo com o antropólogo

a enxurrada de veteranos de guerra, quase dois

milhões e meio de combatentes decididos que

invadiram os campi universitários na segunda

metade da década de 1940, mudou por

completo, repentina e definitivamente, a face do

ensino superior no país. Estávamos mais velhos,

tínhamos passado por uma experiência que a

maioria dos colegas e professores desconhecia

(...) e não estávamos absolutamente

interessados nos rituais e máscaras acadêmicas.

(Idem: 16).

Howard S. Becker oferece um depoimento similar ao de Geertz:

Em 1946, logo após o término da guerra, havia

uma grande expansão nas universidades

americanas. Os jovens que haviam servido o

Exército durante a guerra tiveram o direito de ir

para a universidade, recebendo ajuda financeira

para pagar as anuidades e se manter. Muitos se

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43

aproveitaram desse benefício, sem o qual

jamais poderiam fazer um curso universitário.

(2004: 85).

Clifford Geertz e Howard S. Becker convergem no sentido de demonstrarem que

parcela expressiva dos “jovens/ veteranos” da Segunda Guerra decidiu-se pelas Ciências

Sociais – o Departamento de Sociologia da University of Chicago recebeu cerca de 200

calouros, segundo Becker (Idem: 85). Ou seja, tanto a expansão universitária norte-

americana dos anos 1940 quanto a brasileira a partir dos anos 1930 e, mais

acentuadamente, no final dos anos 1960, com efeitos nas décadas subsequentes,

partiram de leis e incentivos governamentais, mas com características e resultados

bastante distintos. A orientação brasileira determinou uma elevação de faculdades e

centros universitários ligados aos interesses de mercado, mas nos EUA, pátria do

espírito self made man, esse tipo de preocupação não se colocava; embora no rescaldo

da crise de 1929 e após a Segunda Guerra Mundial, havia um sistema de ensino superior

razoavelmente consolidado, graduações de diversas naturezas, com variadas

expectativas de projeção de carreira e rentabilidade, e o sentido da expansão era mesmo

o de reintegrar os soldados à vida no país.

Nas recordações de Becker, houve em um primeiro momento desconforto e

confusões para docentes antes acostumados a classes reduzidas, mas Geertz observou

que a medida transformou “a composição de classes, étnica, religiosa, e mesmo racial

até certo ponto, do corpo discente americano” (2001: 16) 29

. No caso brasileiro, é

indiscutível que o sistema universitário abriu suas portas para os estratos sociais médios,

porém, a má distribuição de renda, a concentração dos cursos no eixo Sul-Sudeste, as

elevadíssimas taxas de analfabetismo e mortalidade infantil, e as caraterísticas das

29

Clifford Geertz esbanja sarcasmo ao ironizar a pretensão dos empresários americanos que

apoiaram a lei dos ex-combatentes, pois evidentemente eles não tinham o intuito de gerar um

novo perfil de corpo docente no futuro, com atitudes mais progressistas e simpáticas à

elaboração de pesquisas de caráter interdisciplinar. (2001:16).

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instituições de ensino apoiadas política e financeiramente pela ditadura são fatores que

singularizam as mudanças em nosso ensino superior. Portanto, o único elo visível entre

o boom universitário nos EUA e no Brasil é a existência de um conjunto de leis

formulado para responder a uma situação sócio-política específica. Contudo, na

medida em que os três poderes do Estado são as entidades formuladoras e guardiãs das

leis, sequer esse ponto comum pode ser tratado como uma aproximação singular.

Mesmo assim, a comparação entre as situações internas de Brasil e EUA faz

sentido e merece comentários. Às vésperas do AI-5, a Reforma Universitária de 1968

(Lei 5.540, de 28 de novembro de 1968) foi formalizada pelo Congresso Nacional no

bojo do acordo do Ministério da Educação (MEC) da ditadura civil-militar com a

United States Agency for International Development (Agência dos Estados Unidos para

o Desenvolvimento Internacional), órgão fundado em 1961 por iniciativa da Casa

Branca, sob a presidência do democrata John F. Kennedy (1917-1963), na época de

maior tensão da Guerra Fria – a Crise dos Mísseis de Cuba ocorreria em 1962. O

Acordo MEC-USAID, um dos principais focos de descontentamento da oposição,

conciliava os interesses dos governos brasileiro e norte-americano de afastar a “ameaça

vermelha” do comunismo e incorporar os valores de consumo e mercado entre os

brasileiros. Se a expansão do ensino superior nos dois países seguiram rumos

aparentemente diferentes, a política externa dos EUA era rigorosa ao introduzir e

uniformizar nos países da Operação Condor (Dinges, 2005) seu conjunto de ideias a

partir de produtos culturais de massa (televisão, cinema, rádio) e da Educação.

Ratificado em 1966, o acordo MEC-USAID visava, sobretudo, abarcar o que

atualmente denominamos ensinos fundamental e médio, com a assessoria direta de

técnicos e pedagogos americanos, mas naquele momento intelectuais e educadores de

viés progressista, que bradavam por melhorias na Educação pública de base, também

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pretendiam reformular o sistema universitário. A ditadura incorporou à sua maneira

parte das demandas dos opositores (Tragtenberg, 2004), para em seguida desfechar seu

ataque ao corpo docente das universidades brasileiras, em uma “caça às bruxas” à moda

macarthista na tentativa de eliminar os focos de resistência à Reforma. A modernização

conservadora do ensino superior provocou, em médio e longo prazo – entre os anos

1970 e 1980 –, a elevação no número de faculdades, cursos e alunos matriculados e

desenvolveu um mercado editorial para a área, no qual se inserem as iniciativas da

editora Ática. É por isso que recorro à ideia de “efeitos paradoxais”, proposta pelo

sociólogo e educador Carlos Benedito Martins.

Em um subcapítulo dedicado aos livros para o ensino superior (Cf. §121 “Livros

de nível universitário”), Hallewell defende que a “expansão realmente significativa” do

ensino superior “teve início no governo de Juscelino Kubitschek, quando aumentou o

envolvimento direto do Governo Federal” (2012:416). A opinião de Hallewell ampara-

se no aumento das instituições federalizadas, mas as medidas durante o Governo JK não

dilataram significativamente a oferta de vagas no que diz respeito à proporção

população/alunos matriculados; tiveram pouco impacto no ramo privado; e não se

ancoravam em uma legislação específica para o setor, tal como ocorrera com a Reforma

Universitária de 1968. Ora, sequer havia uma LDB nos Anos JK. Portanto, a tese central

aqui colocada se mantém, embora seja imperioso ressaltar o caráter processual de toda

mudança cultural e socioeconômica, daí porque regressei à década de 1930 para

apresentar um primeiro ensaio de expansão no plano educacional30

.

30

Hallewell relata que no início da década de 1950, anos por ele denominados de “República

Populista”, período anterior ao desenvolvimentismo romantizado do Governo JK, as matrículas

de estudantes em universidades dobraram, saltando para 44.097 (2012:416). O pesquisador,

porém, se equivoca em dois aspectos: 1) não esclarece bem com qual época faz a comparação e

2) ignora estatísticas sobre a população brasileira, pois em sua argumentação ele não recorre,

tampouco cita dados censitários.

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1.2 A expansão na oferta de cursos superiores e as Ciências Sociais nesse contexto

Em sua resenha reflexiva de Sobre a universidade: o poder do Estado e a dignidade

da profissão acadêmica, de Max Weber, um dos ensaios compilados na obra Sobre a

universidade, à época lançada pela editora Cortez (1989), o sociólogo Mauricio

Tragtenberg, com seu peculiar estilo a um só tempo erudito nas referências e sem

rodeios no tom, definia assim o sistema de ensino universitário brasileiro à época da

ditadura: “Se houve instituição que no período da ditadura militar sofreu arranhões

profundos na sua dignidade acadêmica foi a universidade brasileira” (2012: 139). Para

Tragtenberg, que no momento em que escrevera o texto, relançado pela Ed. da UNESP

em 2012, observava as consequências da Reforma de 1968 quase vinte anos depois, “o

resultado foi a proliferação de faculdades isoladas pelo país, sem tradição de pesquisa,

quando democratização de ensino converte-se em ensino pago”(Idem: 140).

Como se sabe, Tragtenberg foi, ao lado de Florestan Fernandes, um dos autores

dos dois contundentes prefácios31

que abrem o livro de Carlos Benedito Martins, Ensino

pago: um retrato sem retoques, dissertação de mestrado de Martins defendida na PUC-

SP, publicada pela Global Editora em 1981 e relançada pela Cortez em 1988 – esta a

edição que utilizo. Benedito Martins analisa sociologicamente a trajetória de uma

instituição de ensino superior considerada modelar das ambições do regime autoritário:

a Faculdades Metropolitanas Unidas (FMU), centro universitário fundado em São Paulo

em 11 de julho de 1968, poucos meses antes da formulação do conjunto de leis da

Reforma Universitária, e que é tomado pelo autor como símbolo da expansão, seguindo

a lógica da mercantilização do ensino superior e de seu nivelamento por baixo,

decorrente das medidas adotadas pela ditadura. Para tanto, Martins cunhou o termo

“empresa cultural”, como tantas outras que surgiram pelo país entre os anos 1970 e

31

O prefácio de Florestan chama-se “Robotização pedagógica”; o de Tragtenberg, “A Escola do

regime” – este relançado no livro Educação e burocracia, de 2012.

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1980, período que circunscreve minha pesquisa32

. A FMU é uma empresa cultural que,

lembra Tragtenberg, destacando dados obtidos por Martins, elevou seu patrimônio e

número de matriculados de forma excepcional em um espaço de dez anos – de 800

alunos em 1968 passou para 30 mil em 1978! (2004:117).

Como observam, entre outros pesquisadores, Tragtenberg (2004), Cunha (2007)

e Martins (2009), a Reforma Universitária de 1968 não era simplesmente uma “reforma

universitária dos militares”, pois trazia em seu corpo de artigos um conjunto expressivo

de demandas “gestadas no âmbito das próprias instituições de ensino” (Cunha, 2007: 9-

10). Havia, assim, uma mescla de anseios autoritários de militares, reitores, empresários

do ramo educacional, pedagogos de orientação conservadora, temperada por um

reformismo consentido. Assim como os políticos de linhagem populista absorvem e

instrumentalizam as demandas da base da pirâmide, os formuladores da lei 5.540

souberam atender as necessidades oriundas dos setores progressistas, tais como a

supressão do regime de cátedras nas universidades, substituída pela constituição de

departamentos, com projetos modernizadores de extensão, pesquisa e ensino, mas

fizeram calando vozes estudantis e cassando professores com atos institucionais.

A Reforma Universitária de 1968 começou a ser elaborada em julho, quando o

decreto 62.937 institui que o presidente da República escolheria onze membros para

compor um colegiado no MEC, para a produção de um esboço do projeto de lei com as

diretrizes básicas, cujas discussões e resultados são bem explicados no capítulo “A

produção da lei da reforma universitária”, do livro A universidade reformanda, de Luiz

Antonio Cunha (2007). O fato é que, como esclareceu Benedito Martins, “a Reforma de

1968 produziu efeitos paradoxais no ensino superior brasileiro” (2009:16). Dentre os

fatores positivos, o autor destaca o fim das cátedras vitalícias, a integração entre ensino

32 Não vou adentrar as discussões sobre a proliferação dos cursos superiores nos anos 1990 em

diante por não ser o objeto nem o objetivo desta dissertação.

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e pesquisa que instituiu condições para uma carreira docente e, ao menos em teoria,

atrelou a progressão nos quadros internos à titulação acadêmica. Todavia, a lei abriu

caminho para a abertura indiscriminada de centros de ensino privados, que prometiam

expandir a oferta de cursos profissionalizantes, acarretando o sucateamento das

premissas de uma universidade crítica, criativa, voltada para a população como

instrumento transformador, e não para vender-lhes a ilusão de oportunidades de

emprego. Ninguém de boa-fé se opõe à ideia de uma população com acesso crescente à

Educação e ao ensino superior, mas a maneira como a Reforma foi articulada e

conduzida proporcionou consequências desastrosas para a construção de uma

universidade plural, produtora de saber, questionadora, cientificamente vigorosa. O

resultado acarretou na criação de faculdades “especializadas” em mercado de diplomas,

um ramo sedutor para uma população que, de acordo com os dados censitários, estava

em crescimento e com taxas de analfabetismo formal em levíssimo declínio. De acordo

com as estatísticas publicadas pelo IBGE (Livro 1979, Cap. 22, Indicadores de Ensino),

o índice total de analfabetos da chamada “idade escolar” no país caiu de 32,4% em 1970

para 21, 5% em 1976, embora tal constatação seja relativizada pelo aumento de 1,6% na

taxa de analfabetos com idades entre sete e nove anos. Neste censo comparativo, o

percentual de frequentadores do ensino superior subiu de 3,3% para 5,1%.

Segundo Marilena Chaui, “desvinculando educação e saber, a reforma da

universidade revela que sua tarefa não é produzir e transmitir a cultura (...) mas treinar

indivíduos a fim de que sejam produtivos para quem for contratá-los”. Chaui então

arremata na mesma sentença: “a universidade adestra mão de obra e fornece força de

trabalho” (2001:52). Com os críticos silenciados, quer por algumas reivindicações

atendidas, quer pela censura a seus artigos, a ditadura alimentou entre as classes

populares o sonho, por si legítimo e desejável, de chegar à matrícula universitária. E não

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foram poucos aqueles que, de fato, obtiveram sucesso nas carreiras que optaram (um

país em desenvolvimento necessita de mão-de-obra técnica, oferecida pelos cursos

superiores “aplicados”). O que se questiona é o tipo de ensino superior instituído.

A Reforma de 1968 já estava comprometida desde a sua origem, com os

diversos acordos firmados entre o MEC e o USAID entre 1964 e 1968. Em um dos

convênios, afirma Carlos Benedito Martins, “uma comissão mista de cinco educadores

brasileiros e cinco norte-americanos” receberam “a missão de determinar o que poderia

constituir um sistema ideal de ensino superior no Brasil” (1988:60). O autor cita um

artigo de 1967, assinado pelo pesquisador Ted Goertzel, que foi professor de sociologia

da Rutgers University New Jersey. Goertzel identificou na ideologia do USAID teóricos

ligados à economia da educação, que concebem o sistema da educação como elemento

fundamental para a formação de “recursos humanos para incremento da atividade

industrial”. Martins resgata no texto de Goertzel a visão que esses pensadores influentes

para o USAID tinham das Ciências Humanas, cuja função era, para eles, de treinamento

de profissionais para “atender necessidades específicas do setor privado e público”

(1988:60). Isso me faz recordar de uma declaração de Bourdieu que se encaixaria a

esses propósitos: “é notável que as mesmas pessoas que olham com suspeita as Ciências

Sociais, e entre elas a Sociologia, acolham com entusiasmo as pesquisas de opinião, que

frequentemente são uma forma rudimentar de Sociologia” (1990: 221).

Esta, digamos, função destinada às Ciências Humanas e Sociais explicam, em

parte, as razões pelas quais elas não foram simplesmente abolidas pela ditadura civil-

militar, embora seu ensino fosse vigiado de perto para tentar evitar uma “doutrinação

comunista” entre os alunos. Até mesmo a regulamentação da profissão de Sociólogo é

datada do período ditatorial, mas isso não deve ser entendido como um diálogo entre

Estado e lideranças acadêmicas, mas como uma tentativa de enquadramento à diretrizes.

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O regramento visava o adestramento. Mas no interior das instituições de ensino com

cursos de Humanidades a contestação continuou a dar o tom, reprimida quando

ameaçava ultrapassar os muros acadêmicos. Como as Ciências Humanas e Sociais não

foram proscritas do ensino superior 33

, e outros cursos necessitavam de material auxiliar

desses campos, a coleção GCS veio atender a uma fração do mercado. E mercado era

uma palavra sagrada para o acordo MEC-USAID.

Para efeito estatístico, Franco (2008) apresenta dados sobre a oferta de vagas no

ensino superior em um espaço de tempo de vinte anos entre 1965, no início da vigência

da ditadura civil-militar, porém antes da Reforma de 1968, e o ano de 1985.

Oferta de vagas no Ensino Superior – Dados comparados (1965 e 1985)

Ano Instituições públicas Instituições privadas Total de vagas

1965 182.986 (56,2%) 142.386 (43,8%) 325.082

1985 556.680 (40,7%) 810.929 (59,3%) 1.367.609

Fonte: FRANCO, Alexandre de Paula. “Ensino superior no Brasil: cenário, avanços e contradições”

(2008), com base no Censo do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais – INEP/2005.

Os números, coletados a partir de uma fonte pública (INEP), são contundentes em

apontar o aumento no número de vagas e de instituições de ensino superior. Um

observador que pretenda contestar os dados provavelmente utilizará como argumento

que a população brasileira também cresceu no período, mas a tabela acima é

inquestionável sobre a inversão de papeis entre as instituições públicas e privadas, com

vantagem para as últimas (de 43,8% em 1965 para 59,3% em 1985) embora o fator de

distinção continuasse a ser o ingresso nas universidades públicas, cujos cursos de maior

rentabilidade para os formandos continuavam a ser um loteamento das elites.

33

A expansão privatista do ensino das Ciências Sociais data de um período recente, como

resultado da Lei 11.684, de dois de junho de 2008, assinada pelo presidente em exercício José

Alencar (1931-2011) tornando obrigatório o ensino da Filosofia e da Sociologia no Ensino

Médio. Para atender a demanda de profissionais, surgiram cursos de licenciatura oferecidos por

instituições de ensino particulares.

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O historiador Sá Motta, em artigo para uma coletânea sobre os 50 anos do Golpe de

1964, apresenta informações que reforçam o caráter da expansão, amparada por uma

“modernização conservadora autoritária”, do sistema de ensino superior após 1968:

Para se ter uma ideia da mudança em números, alguns

exemplos: em 1964, havia 23 cursos de pós-graduação no

Brasil, enquanto em 1974 eles passaram a quatrocentos; o

número de universitários subiu de 400 mil em 1964 para 1

milhão e 300 mil em 1979; as bolsas de pós-graduação

financiadas pelas agências federais (Capes e CNPq) passaram

de aproximadamente mil em 1964 para cerca de 10 mil em 1976

(2014:57)

De qualquer maneira, se foi criado um mercado de diplomas, com elevação na oferta

de vagas, outro mercado relacionado, qual seja, o mercado editorial no setor de livros

universitários, com suas estratégicas coleções, igualmente teve suas publicações e lucros

elevados, e dentro dessa lógica a Ática era uma das forças – inclusive no plano das

políticas educacionais e culturais, de modo que a GCS esteve amparada e se tornou

bibliografia básica mesmo com a postura a rigor subversiva de alguns de seus títulos.

1.3 A política das coleções e o mercado de obras educacionais durante a ditadura

Desde os primórdios do mercado editorial, as coleções de livros constituem uma

prática comum no Brasil e no mundo. Elas ajudam a orientar compradores (atacado e

varejo), uniformizar linhas editoriais, popularizar ao máximo a “cultura do livro” 34

e,

no que tange às obras educacionais, facilita a escolha dos educadores integrantes de

comitês avaliadores de órgãos governamentais e privados. Como esta dissertação versa

sobre uma coleção educacional publicada em nosso país, é necessário lembrar que tal

prática não se iniciou durante a ditadura civil-militar; as ideias escolanovistas oriundas

da Europa e dos EUA desde meados do século XIX, e reivindicadas nos primórdios da

34

Alessandra El Far cita a Biblioteque Bleue, “composta pelos impressores de Troyes, na França

do século XVII” como uma tentativa de popularização da leitura. Segundo a autora, “essa

coleção de livros brochados de capa azulada foi, por décadas a fio, bem recebida nas áreas

rurais.” (2006:28). O barateamento do papel e a prensa a vapor, ofertadas no século seguinte ao

da coleção de Troyes, facilitou o desenvolvimento do mercado editorial na Europa.

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nossa República, impulsionaram a produção de pequenas coleções de livros, boa parte

delas editada pelos próprios centros de ensino, nos quais as premissas de uma pedagogia

moderna, reflexo das revoluções burguesas do final do século XVIII, fazia-se presente.

O livro Ideias pedagógicas em movimento (2011), organizado por Alessandra

Arce, docente do Departamento de Educação da UFSCar, e Ana Clara Bortoleto Nery,

livre-docente em História da Educação pela UNESP de Marília, apresenta ao menos

dois artigos em que são analisadas coleções incluídas na biblioteca da Escola Normal

Secundária de São Carlos, fundada em 1911 e reconhecida como um dos baluartes de

uma educação progressista: a primeira é a Escola Nova Brasileira, série de cinco

volumes escrita por José Scaramelli, lançada nos anos 1930 (Baldan & Arce, 2011); a

outra é a Biblioteca da Educação, publicada entre 1927 e 1947, com o apoio de Manuel

Bergströn Lourenço Filho (1897-1970), também pautada pelo espírito escolanovista.

Lourenço Filho publicou quase uma dezena de obras pela Ed. Melhoramentos (Oliveira

& Arce, 2011). Não é minha intenção ignorar as séries de livros chanceladas por

conceitos tradicionais de educação, mas sim de demonstrar que na história das coleções

educacionais à qual se filia a GCS, o ideário da Escola Nova ocupa uma posição de

destaque. Trata-se, a meu ver, de uma linha de continuidade.

As duas referidas coleções, Escola Nova Brasileira e Biblioteca da Educação, se

inscrevem em um momento histórico de afirmação da luta dos “pioneiros” da Educação

Nova. Elas foram lançadas um pouco antes, um pouco depois, do Manifesto dos

Pioneiros da Educação Nova de 1932, que fora por sua vez precedido pela mais

importante coleção de obras educacionais do Brasil nos anos 1930, a Biblioteca

Pedagógica Brasileira, lançada em 1931 pela Companhia Editora Nacional (CEN), com

a participação ativa de Fernando de Azevedo e Anísio Teixeira. A promessa da

Revolução de 1930, depois afundada por violenta ditadura capitaneada por Getúlio

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Vargas e sua polícia política, incentivou os educadores vinculados à Escola Nova a

baterem de frente com os conservadores, embora estes dominassem o sistema de ensino,

até por conta das lacunas deixadas pela Constituição federal de 1891.

No artigo “Companhia Editora Nacional e a política de editar coleções”, Maria

Rita de Almeida Toledo, doutora em Educação pela PUC-SP e professora da Unifesp de

Guarulhos, define com clareza a função das coleções de livros, que são

compreendidas como modalidade específica de

impresso, que carrega em sua materialidade dupla

estratégia de intervenção cultural: a intervenção

editorial, que, por meio da reorganização dos textos,

objetiva a ampliação do mercado do livro; a intervenção

no campo da cultura, que é fruto da seleção e adaptação

do conjunto de textos e autores, assim como da

prescrição de seus usos em um programa para a

formação do leitor destinatário da coleção. (2010: 139).

De acordo com a pesquisa de Toledo, “a Nacional [CEN] converteu as coleções

em instrumento de organização de seu fundo editorial” (Idem: 140). A CEN, com o

perdão do trocadilho, fez sua escola, e é por isso que Hallewell ressalta a importância de

Octalles Marcondes Ferreira e Monteiro Lobato (1882-1948) na constituição do campo

editorial brasileiro e na prática, em geral bem-sucedida, de organizar coleções. Ora, se o

sentido da política de coleções da CEN era de “intervenção cultural”, ainda que

assentada na necessidade de lucratividade, nada melhor do que lançar, no ano de 1931,

em meio ao debate sobre os rumos da Educação brasileira, a Biblioteca Pedagógica

Brasileira (BPB), com a organização de um professor como Fernando de Azevedo.

Assim, “a editora participou ativamente dos embates estabelecidos na década de 1930,

em torno da reforma da cultura pela reforma da escola” (Toledo, 2010: 147). Havia à

época um duelo ferrenho entre católicos e escolanovistas, embora não se possa

enquadrar todas as instituições e educadores católicos como furiosos reacionários. O

catálogo da BPB era formado por cinco séries: I, dedicada à literatura infantil; II, de

Livros Didáticos; III, formada por Atividades Pedagógicas; IV, especializada em

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Iniciação Científica e, claro, o volume V, a Brasiliana, atualmente com seu catálogo de

415 volumes pertencente ao acervo da UFRJ, com apoio da FAPERJ 35

.

A Brasiliana é tema de um elucidativo artigo de Eliana de Freitas Dutra (2006),

o qual visa relacionar a formação desta “biblioteca ideal” como componente de um

projeto maior de nação. Segundo Dutra, “a Coleção Brasiliana pretendeu disponibilizar

para um público amplo, de maneira compacta e enciclopédica, títulos raros e novos

lançamentos – antes restritos aos privilegiados” (2006: 304-305). A Brasiliana

subdividia-se em vários campos disciplinares, da Antropologia à Botânica, da Educação

à Medicina e Higiene. Autores considerados “intérpretes” do Brasil tiveram suas obras

editadas pela CEN, via Brasiliana, a exemplo de Gilberto Freyre, Oliveira Viana (1883-

1951) e Alberto Torres (1865-1917). Percebe-se, por esses autores acima arrolados, que

o caráter progressista da iniciativa da CEN não excluía pensadores com alguma noção

renovadora, mas que hoje seriam enquadrados como politicamente conservadores.

Prenunciada pelos títulos acima mencionados, o mercado editorial baseado em

uma política de coleções recebeu impulso após as reformas empreendidas pela ditadura

nos anos 1960 e o surgimento e/ou desenvolvimento de editoras didáticas voltadas para

as Humanidades. Como informa Laurence Hallewell, o subsídio aos livros didáticos, a

ser detalhado no capítulo 2, ajudou a estabelecer um modelo de obras didáticas

organizadas por coleções, facilitando a análise do comitê do Programa Nacional do

Livro Didático (PNLD) e, no âmbito do estado mais rico do país, da Fundação para o

Livro Escolar de São Paulo (2012:612). Para uma melhor compreensão do crescimento

da Ática, e do mercado de livros didáticos de uma forma geral, os dados referentes ao

setor serão explorados no capítulo subsequente.

35

Cf. Brasiliana UFRJ <www.brasiliana.com.br> Acesso em: 09 nov.2013.

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É indispensável lembrar que parcela expressiva do mercado editorial auxiliou a

ditadura, por meio de aporte financeiro a uma organização da sociedade civil de

característica muito similar ao Instituto Millenium: o Instituto de Pesquisa e Estudos

Sociais (IPES). Nas palavras de Hallewell, “entre as editoras (...) ofereceram apoio

financeiro a Agir, Paulo de Azevedo (Francisco Alves), Globo, Kosmos, LTB,

Monterrey, Nacional, José Olympio e Vecchi”, enquanto “a Saraiva cuidou de

publicações e forneceu espaço de publicidade na TV” (2012:607). Institutos como o

GEIPAG (indústria gráfica) e GEIL (indústria editorial) – esta extinta em 1971 por

Médici – foram criados pelo governo para facilitar a expansão da produção e comércio

de livros, com foco evidente nas obras educacionais, setor fundamental para a

concretização da hegemonia do regime.

O contexto descrito acima provocava um efeito reverso ao desejado pelos órgãos

de repressão, ou seja, abria espaço para a edição de livros combativos, nem sempre

censurados, em especial as coleções de Ciências Sociais, favorecido pela demanda após

a Reforma Universitária. A GCS fora lançada no período de transição política, mas o

fato, que será demonstrado no próximo tópico, é que a coleção da Ática vivenciou um

instante de maior atenção do sistema de censura aos livros, aponta Reimão (2010). Até

porque o mercado estava aquecido e, consequentemente, com maior visibilidade.

Na página seguinte, para finalizar este tópico, e a título de caracterização do

espírito paradoxal da época, segue uma lista sumária com coleções de Ciências

Humanas e Sociais lançadas entre 1960 e 1980. Elas estavam a serviço das escolas

públicas e privadas, do ensino médio ao universitário.

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56

Outras Coleções de livros com títulos na área de Ciências Sociais – Anos 1960 a 1980

Título Editora Lançamento Áreas Descrição

Os pensadores

Abril Cultural

1972-1973

Filosofia,

Psicanálise,

Linguística,

Pedagogia e

Ciências Sociais.

Livros em capa dura,

papel especial, com

textos de grandes

pensadores ocidentais.

Receberam várias

reedições ao longo das

décadas, as últimas

pela Nova Cultural. A

coleção do Abril

Cultural lançou

volumes sobre

Durkheim, Marx,

Weber e Benjamin.

Biblioteca de

Ciências Sociais

Zahar Editores

1968

Ciências Sociais

A coleção agregava

livros de autores como

Charles Wright Mills,

Karl Mannheim e

Samuel Koenig. O

antropólogo Gilberto

Velho chegou a dirigir

a coleção.

Recentemente, a Zahar

lançou a Nova

Biblioteca de Ciências

Sociais.

Biblioteca Tempo

Universitário

Tempo Brasileiro

1969

Diversas.

Com o slogan “A

coleção reclamada

pelas universidades

atuais da Universidade

Brasileira”, a

biblioteca publicou

títulos de Ralf

Dahrendof, Herbert

Marcuse, Claude Lévi-

Strauss, entre outros.

Primeiros Passos

Brasiliense

1979-1980

Diversas.

Livros com

características de

introdução, sempre

iniciados com o título

“O que é...”. As obras

eram assinadas por

intelectuais

renomados.

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1.4 Arma subversiva ou consumo elitista? As lacunas no sistema de censura aos

livros

Em 1970, meses depois de decretado o AI-5, o crítico literário e sociólogo de

orientação marxista Roberto Schwarz escreveu um ensaio intitulado “Cultura e política,

1964-1969”, inicialmente uma comunicação proferida na França e reeditada em diversas

compilações de ensaios e artigos do autor. No texto, Schwarz demonstra que, naquele

espaço de tempo determinado com clareza no título, “apesar da ditadura de direita”, do

ponto de vista cultural e artístico havia “uma relativa hegemonia (...) de esquerda no

país” (2009: 8). Isso não significava, todavia, que a esquerda saia-se vencedora no

debate de difusão de ideias para a população em geral, pois essa produção de livros,

cinema e teatro era elaborada e consumida por e para “grupos diretamente ligados à

produção ideológica”, ou seja, um campo que se retroalimentava.

O poder de alcance dessas obras estava limitado em função das restrições

político-policiais. As cassações nas universidades em 1969, o recrudescimento da

repressão nos anos Médici e o estabelecimento de um sistema de censura prévia, além

da eficiência dos meios de contrainformação e propaganda do governo (vide o ufanista

slogan “Brasil, ame-o ou deixe-o” e as canções e marchas de teor nacionalista)

combateram com virulência o “terrorismo cultural de esquerda” (Idem: 17) 36

. Dessa

forma, peças teatrais, exposições de arte e, acima dessas manifestações estéticas,

novelas, filmes, notícias e a crescente indústria fonográfica (isto é, os produtos culturais

de massa) passaram a sofrer cortes violentos e, por vezes, intervenção direta e interna.

36

Integrante dos “Seminários Marx”, Roberto Schwarz recorda que a caça aos membros do

Partidão fez com que o “estudo acadêmico” das obras de “Lênin e Marx” ganhasse respiro e

“vitalidade” dentro do ambiente intelectual (2009:18), apesar das aposentadorias compulsórias.

A densidade teórica do marxismo praticado em ambiente acadêmico, combinado ao

estruturalismo, ao existencialismo e a outras referências teórico-metodológicas confundiam de

certa forma aqueles que pretendiam combater a ameaça comunista da militância armada.

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Segundo Sandra Reimão, no tocante à censura aos livros durante os primeiros

anos da ditadura civil-militar, “entre o golpe militar de 1964 e a decretação do AI-5, em

1968”, vigorava uma “atuação confusa e multifacetada, pois, além de apresentar

ausência de critérios, mesclava batidas policiais, apreensão, confisco e coerção física”

(2010:271-272). Ênio Silveira, da Civilização Brasileira, era o “alvo predileto dessa

atuação aleatória das forças de repressão”. (Idem: 272). Silveira foi preso várias vezes,

mas é preciso lembrar que ele era um veterano de outras batalhas contra o arbítrio.

Renato Ortiz (2014:117) faz um brevíssimo comentário a respeito dos títulos censurados

nesse período atabalhoado da censura aos livros. Títulos como A universidade

necessária, de Darcy Ribeiro, A revolução brasileira, Caio Prado Jr., e História militar

do Brasil, de Nelson Werneck Sodré (1911-1999) foram “interditados” 37

. A fama do

trio de autores com certeza contribuiu para a perseguição, enquanto outros títulos, de

teor similar ou até mais radicais, passaram incólumes.

Reimão, porém, demonstra que apesar dessas ações pontuais, não se consolidou

“um sistema único de censura a livros”. (Idem: 272). O decreto-lei número 1077/70

regulamentava a censura prévia a livros (em especial os artigos 1º e 2º) em que se batia

na tecla do atentado à “moral e os bons costumes”. Ainda assim, quando comparado ao

cerco realizado aos veículos de massa, o controle à publicação de livros era um tanto

quanto relapso nos anos mais duros do regime (1968-1974) e tornou-se, veja só, mais

atento quando se iniciou o processo de abertura “lenta e gradual”, isto é, nos anos em

que a Ática lançou suas coleções Ensaios e GCS (1975 a 1979), como demonstrado em

tabela compilada por Reimão (2010:280), com índices de “livros vetados” que ficaram

na casa dos 82% (1975), 61% (1976 e 1977), 73% (1978) e 80% (1979). Essa situação,

37

Utilizo-me aqui de um artigo do autor, “Revisitando o tempo dos militares”, que condensa

ideias trabalhadas com maior vigor em outras obras mais conhecidas, entre elas Cultura e

identidade nacional (1985) e A moderna tradição brasileira (1988), resultados de uma

autodeclarada “inquietação intelectual” de Renato Ortiz (2014:112).

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evidentemente, vai ao encontro das premissas desta pesquisa, pois o aumento da censura

prévia nesse período se deve a uma melhor estruturação do mercado editorial brasileiro,

sobretudo no referente a livros voltados ao meio universitário.

No entanto, esse crescimento deve ser matizado, pois muitos livros com fortes

elementos de militância foram liberados, o que demonstra aleatoriedade e lacunas do

regime, que estava mais preocupado com as grandes produções – daí porque novelistas

como Dias Gomes (1922-1999) transformaram-se em campeões no quesito perseguição

e retaliação. O livro é tido como um produto destinado ao consumo de uma elite letrada,

detentora de elevado capital cultural, este conceito-chave na obra bourdiana.

Andreucci (2006), quando relata a situação dos intelectuais em outra ditadura

brasileira [1930-1945], apresenta, como faz Reimão sobre a ditadura civil-militar, um

número relativamente pequeno de livros apreendidos, mas mostra que o governo Vargas

preocupava-se muito com obras que fizessem referência ao comunismo – eram

consideradas “prova de crime” (Andreucci, 2006: 225). Em certo momento, até os livros

de autores da extrema-direita, como os integralistas Miguel Reale (1910-2006), Gustavo

Barroso (1888-1959) e Plínio Salgado (1895-1975) passaram a ser vigiados e

recolhidos, embora em menor índice (36% contra 9,8%). Já no levantamento de Sandra

Reimão sobre os anos de 1964 a 1985, percebe-se que romances e peças teatrais

publicadas em formato livro, e que apresentavam violência e promiscuidade (critérios

mais morais do que propriamente políticos) eram objetos de análise e apreensão, às

vezes posteriores ao lançamento, por meio da denúncia de leitores indignados.

À parte a autocensura das editoras, não muito diferente do ocorrido nas redações

de jornais e revistas, conclui-se que os livros não eram o problema principal para a

ditadura. Alguns antigos combatentes de esquerda ironizam os censores ao dizer, em

tom de galhofa, que eles tinham preguiça de ler. O certo, porém, é que mesmo os

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volumes de Política da GCS conseguiram convencer a vigilância – alguns sequer foram

avaliados – possivelmente por sua aparente proposta didática. E, para um governo que

expandia seu sistema universitário, talvez as vistas grossas não fossem de todo mal.

1.5 Ciência e política: a difusão de livros e revistas de conhecimento durante a

Abertura Política.

A efetiva aproximação da ciência com os movimentos políticos teve uma espécie

de marco inicial. Em julho de 1977, a 29ª Reunião da Sociedade Brasileira para o

Progresso da Ciência (SBPC) recebeu a presença de estudantes organizados. Juntos,

pesquisadores e estudantes criaram o Comitê 1º de Maio (Cancian, 2010: 84). No ano

seguinte, entre os dias 9 e 15 de julho, foi realizada na Universidade de São Paulo a 30ª

Reunião da SBPC. O tema do encontro, “Os dilemas da produção científica no Brasil”,

teve participação ativa de cientistas sociais, incluídos na SBPC desde o início dos anos

1970, apesar das pressões do governo autoritário. Na época o presidente da organização

era o físico Oscar Sala (1922-2010), nascido em Milão, mas que construiu sua carreira

acadêmica no Brasil como docente do Instituto de Física da USP. Sala comandou a

SBPC entre 1973 e 1979 e foi presidente da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado

de São Paulo (FAPESP) entre 1985 e 1995. A participação de acadêmicos das

Humanidades ainda era tímida no corpo diretivo da SBPC no ano de lançamento da

coleção GCS, mas as preocupações com a relação ciência e política eram debatidas.

Afinal, como conciliar um país sob a custódia da ditadura, ainda que em fase

inicial de abertura, com os deveres de cidadania dos pesquisadores de alto nível? Qual

deveria ser o modo de agir do cientista em face à realidade? Ele deveria ou não se abster

desse debate? A homenagem feita ao médico e jornalista José Reis (1907-2002), que por

décadas manteve uma coluna de divulgação científica na Folha de S. Paulo, era um dos

indicativos de que a SBPC estava disposta a se aproximar dos anseios de popularização

da ciência e, subjacente a isso, a uma vontade de agir em prol da democracia.

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No entanto, a guinada para uma maior articulação entre ciência e sociedade se

sucedeu a partir da 34ª Reunião da SBPC, organizada no campus da Universidade

Estadual de Campinas – Unicamp entre os dias 6 e 14 de julho de 1982. O presidente da

associação era o biólogo Crodowaldo Pavan (1919-2009), professor na USP e na

Unicamp. A participação de cientistas sociais na composição do corpo diretivo da SBPC

ficou mais expressiva, com a presença de José Albertino Rodrigues como secretário-

geral da organização. Nessa reunião, segundo Luiz Rosalvo Costa (2010), foi lançada a

revista Ciência hoje. Segundo o autor,

Ciência hoje é interpretada (...) como expressão de um

marco dialógico por meio do qual a SBPC, articulando

determinações de sua própria história com as injunções

da realidade histórico-social, busca afirmar ante o

grande diálogo travado na sociedade brasileira do

período uma posição concernente tanto à divulgação

científica no país quanto às relações da ciência e dos

cientistas com o cidadão comum e a população em

geral, refletindo e refratando, nesse processo, as mais

importantes posições ideológicas em interação e disputa

no panorama discursivo no país. (2010:17).

Costa identifica quatro posições ideológicas em franco embate naquele momento

de transição política (quais sejam, a autoritário-tutelar; a legal-representacionista; a

basista-diretista; e a revolucionária) e examina como a revista Ciência hoje adota uma

linha editorial segundo a qual o povo38

se torna não meramente um “objeto”, mas

“sujeito” da história. (2010:88-92). Essa intencionalidade da Ciência hoje, porta-voz da

SBPC, de estar atenta aos movimentos sociais e às novas configurações históricas, está

nitidamente presente nos editoriais da publicação, analisados minuciosamente por Costa

em sua dissertação transformada em livro, e também na histórica entrevista concedida

por Florestan Fernandes, publicada em 1983.

38

Para uma visada histórica do pensamento sociológico sobre as “classes populares”,

recomendo a leitura do artigo de Sader & Paoli (1986).

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O projeto acima destacado é uma espécie de marco simbólico de uma atitude

propositiva dos pesquisadores brasileiros, e que se expressa em outras iniciativas

editoriais, notadamente coleções de livros como a Primeiros passos, da editora

Brasiliense, que conta com a colaboração de vários acadêmicos, e da GCS, que de

maneira alguma está excluída desse contexto de luta política em que a divulgação

científica exerce função primordial.

A academia vê-se na contingência de abrir as portas dos laboratórios e salas de

aula e, enfrentando ameaças da linha-dura do regime, falar a uma população para eles

capaz de transformar a História. Não é por coincidência que uma firme aliança entre

acadêmicos, políticos, jornalistas, figuras públicas (atores, músicos, radialistas,

jogadores de futebol) e os ditos “cidadãos comuns” sairá às ruas pelas “Diretas Já” em

gigantescos comícios entre 1983 e 1985, até que, após a rejeitada Emenda Dante de

Oliveira, o Colégio Eleitoral, pela via indireta, elegeu o primeiro presidente civil desde

1964, Tancredo Neves (1910-1985).

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[Capítulo 2]

A História da coleção Grandes Cientistas Sociais (1978-1990)

“[As editoras] Ática e Moderna criaram o livro didático da nova era”. A frase de

Fernando Paixão, em depoimento para esta pesquisa, não contém nenhum exagero

retórico, como comprovam os escritos de Hallewell (2012) e Borelli (1996). Para

Hallewell, a Ática foi um “dos mais conspícuos exemplos de sucesso entre os que se

iniciaram no campo do livro didático após a “revolução” de 1964” (2012: 618).

Testemunha do exponencial crescimento da editora paulistana, na qual ingressou em

1972 e da qual se desligou em 2007, Paixão, poeta, editor e professor do IEB/USP

admitiu a este pesquisador que, apesar de ideologicamente conservadora, as reformas

educacionais promovidas pela ditadura contribuíram para a ampliação da rede de ensino

e, por consequência, aumentaram a procura por livros didáticos.

Impulsionadas pelo golpe de 1964, a Ática (1965) e a Moderna (1968), como

outras editoras do segmento de didáticos e paradidáticos, aproveitaram com inteligência

os subsídios provenientes do Programa Nacional do Livro Didático (PNLD), cuja

Comissão Nacional do Livro Técnico e Didático (Colted), instituída pelo decreto

número 59.355, assinado a 04 de outubro de 1966, ficara incumbida de analisar, aprovar

e selecionar para a aquisição as obras do PNLD (Hallewell, 2012:613) 39

. O

financiamento do governo era distribuído a partir das prerrogativas do MEC-USAID,

acordo considerado pelos críticos, muitos deles associados à campanha em defesa da

escola pública entre os anos 1950 e 1960, uma negociação altamente nociva à soberania

39

Em novembro de 1966, o governo publicou o decreto-lei n. 74, instituindo o Conselho Federal

de Cultura (CFC). A tarefa do comitê composto por 24 membros nomeados pelo presidente da

República seria de “formular a política cultural nacional”, dentre as quais as diretrizes para o

setor livreiro. O Conselho tomou posse em fevereiro de 1967 e tinha entre seus primeiros

integrantes Gilberto Freyre, Raquel de Queiroz (1910-2003) e João Guimarães Rosa (1908-

1967). O CFC foi extinto em 1990. O decreto-lei pode ser acessado no site da Câmara, por meio

do link <http://www2.camara.leg.br/legin/fed/declei/1960-1969/decreto-lei-74-21-novembro-

1966-375931-republicacao-35524-pe.html> Acesso em: 13 jul. 2013.

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nacional. A interferência do USAID era uma forma de “imperialismo cultural”, nos

dizeres do jornalista e deputado federal pelo MDB Márcio Moreira Alves (1936-2009).

Hallewell apresenta em seu livro uma estimativa, publicada na edição de

maio/junho do Correio do Livro, informando que em 1968 aproximadamente 2.500

livros didáticos estavam à venda no Brasil, dos quais 80% foram lançados por 16

editoras. Ática e Moderna ainda não constavam nessa lista (2012:612). Em 1969,

relatório do Sindicato dos Editores de Livros (SNEL), à época presidida pelo fundador

da Ed. Agir, Cândido Guinle de Paula Machado (1918-2000), demonstrou uma

extraordinária elevação no número de publicações de didáticos: 5.986. Os números mais

do que dobraram em menos de um ano. A propósito, a presença de Cândido Guinle

como ator estratégico do mercado editorial naquele período de afirmação do ramo

didático/ paradidático é revelador das intenções do governo. Ao contrário de outros ex-

presidentes da SNEL, conhecidos pelos perfis intelectualizados e combativos, casos

emblemáticos de José Olympio (1902-1990) e Ênio Silveira (1925-1996) 40

, Cândido

Guinle estava ligado ao mercado financeiro, tendo atuado como diretor do Banco

Boavista. Era, portanto, um nome confiável para o regime ditatorial.

Existem duas justificativas para essa explosão de títulos. A primeira é oferecida

por Hallewell e diz respeito às traduções de obras “universitárias e técnicas”

estimuladas pela Colted. Hallewell cita a opinião do sociólogo franco-belga Armand

Mattelart, conselheiro do governo de Salvador Allende (1908-1973) no Chile e

consultor da Organização das Nações Unidas (ONU). Para Mattelart, a intenção da

Colted era favorecer a publicadora americana McGraw-Hill (Hallewell, 2012: 614). A

segunda explicação, a meu ver, está no surgimento da Moderna e na consolidação da

Ática, pois estas editoras trouxeram inovadoras técnicas produtivas, como esclarece

40

Ênio Silveira formou-se em Ciências Sociais pela USP e militou no PCB.

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Paixão. Em 1971, a Colted foi substituída pelo Instituto Nacional do Livro, de modo

que a difusão de didáticos em nível primário e secundário terminou, segundo Hallewell,

suplantada por um modelo com supostas características de livre-mercado proposto por

Jarbas Passarinho, ministro da Educação do governo Médici e um dos signatários do

AI-5. Essa visão de mercado ampliava a força e a lucratividade das maiores editoras,

pois, além de não cessar as compras do poder público, logrou potencializar as vendas

para famílias com condições de arcar com os custos do material didático.

É indiscutível que a Editora Ática beneficiou-se dessa circunstância propícia à

realização de ótimos negócios com governos e instituições particulares, mas é curioso

pensar que tanto seus fundadores como parcela nada desprezível de seus diretores e

funcionários tinham inclinações à esquerda ou, no mínimo, antiautoritárias. Este é um

dos “paradoxos” das reformas educacionais realizadas pela ditadura. Vinte e dois anos

transcorreram entre o surgimento do embrião da empresa – a abertura do Curso de

Madureza Santa Inês em 1956, no alvorecer dos anos desenvolvimentistas de Juscelino

Kubitschek (1902-1976) – e o lançamento, em 1978, dos primeiros volumes da coleção

Grandes Cientistas Sociais. Eis a história que este capítulo pretende narrar.

2.1 – Editora Ática, do mimeógrafo ao parque gráfico

Brasil, décadas de 1940 a 1960. As perspectivas de oportunidades de emprego

em um país em processo de industrialização e modernização institucional encontrava

barreira no difícil acesso à matrícula escolar. O sistema de ensino brasileiro permanecia

insuficiente para atender aos anseios de uma população urbana em busca de formação

básica e instrução técnica para assumir os postos de trabalho à disposição. Para não

deixar de fora aqueles que pretendiam retomar o ciclo escolar surgiram os cursos de

Madureza41

, ainda desprovidos de regulamentação, o que só aconteceria por meio do

41

A nomenclatura “Madureza” seria substituída, na década de 1970, por “Curso Supletivo”.

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art. 99 da LDB de 1961, mas já com a aquiescência do poder público. Um dos mais

famosos beneficiários desse expediente, Florestan Fernandes obteve seu diploma em

1941, após realizar madureza no Ginásio Riachuelo, habilitando-se depois dos exames a

ingressar no curso de Ciências Sociais da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da

USP. (Garcia, 2002; Sereza, 2005).

Nesse vácuo do ensino público, os irmãos Anderson e Vasco Fernandes Dias,

descendentes de portugueses, juntaram economias com Antônio Narvaes Filho, colega

de Anderson na Faculdade de Medicina da USP, e fundaram em São Paulo, no dia 15 de

outubro de 1956, o Curso de Madureza Santa Inês. O trio de sócios-professores

escolheu a data comemorativa do Dia dos Professores para o início de suas atividades.

É, porém, improvável que imaginassem que aquele negócio, inaugurado com uma classe

de alunos e na esteira dos anos JK, tornar-se-ia uma das maiores editoras do ramo

educacional no Brasil. Aliás, a ideia de elaborar apostilas didáticas, escritas pelos

docentes do Santa Inês e rodadas “num “paleolítico” mimeógrafo a álcool” (Paixão et.

al., 1995: 213) era somente uma maneira de reduzir os custos dos alunos.

A pedagogia adotada pelo professorado, e a necessidade de ampliação da rede

escolar estadual, foram fatores decisivos para o sucesso do empreendimento. Em poucos

anos, o Curso de Madureza Santa Inês saltou para três mil alunos matriculados, e o

processo de edição das apostilas passou a ser feito por funcionários equipados com

mimeógrafos elétricos. Logo os sócios-professores perceberam que havia se

prenunciado um nicho de mercado tão ou mais lucrativo que a escola. Em 1962, nascia

a Sociedade Editora Santa Inês Ltda. – Sesil, departamento criado “exclusivamente para

a publicação e aprimoramento das apostilas” (Idem, 1995: 213). Em curto espaço de

tempo a Sesil já conseguia produzir material didático para outras instituições de ensino,

apoiada pela reputação de excelência dos seus professores-autores.

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Ciente das necessidades geradas pela LDB de 1961, e da promessa de expansão

educacional após o golpe civil-militar, Anderson F. Dias, empreendedor de origem

modesta, nascido no ano do Manifesto dos Pioneiros, professor e médico infectologista,

encabeçou o projeto de uma editora de livros didáticos, gestado no interior do Curso

Santa Inês e concretizado em 1965. Borelli (1996:94) afirma que a editora nasceu no dia

3 de junho de 1965; na obra coordenada por Paixão (1995:214), porém, o dia não é

especificado, mas os leitores são informados de que o marco inicial seria agosto daquele

ano. Hallewell, por sua vez, comete um deslize ao escrever que a editora foi “fundada

em 1964” (2012: 616). Após o encaminhamento do projeto, seguramente firmado em

196542

, restava batizar a empresa de Anderson, Vasco e Antônio43

.

De acordo com a obra Momentos do livro no Brasil, a sala de professores do

Santa Inês era palco de “discussões acaloradas em torno de sugestões” (1995:214). Em

uma dessas reuniões, os debatedores chegaram a um primeiro consenso de que o nome

da editora deveria fazer referência à Grécia Antiga. Teria partido de um professor de

História a proposta, aceita prontamente pelos sócios, de batizá-la como “Ática”, em

referência à Península Ática, região na qual se localiza Atenas, cidade-símbolo do

conhecimento por sua importância para a história do pensamento ocidental.

Todavia, a ideia de uma editora denominada Ática não era sacada original do

docente. Em 1930, Luiz de Montalvor, pseudônimo do cabo-verdiano radicado em

Lisboa Luis Filipe de Saldanha da Gama da Silva Ramos (1891-1947) fundou em

Portugal a Editora Ática, detentora dos direitos sobre os livros de Fernando Pessoa

(1888-1935) de 1942 até a entrada em domínio público das obras do poeta lisboeta. Não

42

O ano de 1965 é reconhecido no site da editora <http://www.atica.com.br/SitePages/A-

editora/Conheca-nossa-historia.aspx?Exec=1> e na página dedicada à Ática na enciclopédia

virtual Wikipédia <http://pt.wikipedia.org/wiki/Ática_(editora)>. Acesso em: 29 ago. 2013.

43 Em nenhum dos livros, depoimentos e fontes oficiais encontram-se esclarecidos o momento e

as razões para que Anderson Fernandes Dias adquira o protagonismo nesse empreendimento.

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é possível determinar se os professores do Santa Inês perceberam essa coincidência,

mas a editora de Montalvor jamais atingiu a projeção de sua homônima brasileira.

Sediada na Rua da Assembleia, no bairro da Liberdade, a Ática começava suas

atividades herdando o catálogo da Sesil. Entre os livros-apostilas figuravam os títulos

Geografia do Brasil (Antonio Narvaes Filho) e Noções de literatura brasileira (Y.

Fujyama). Nos anos de transição da produção quase artesanal da Sesil à estrutura

profissionalizada da Ática, coexistiram apostilas mimeografadas e livros impressos em

gráficas contratadas44

. Já se fazia presente uma arrojada estratégia comercial, com

divulgação em colégios e cursos preparatórios, distribuição de exemplares para

apreciação e contatos com professores. “Essa atividade intensa” – informa o capítulo do

livro coordenado por Paixão –, “permitiu a formação de um expressivo cadastro de

professores (...) onde constavam informações sobre a disciplina ministrada, as séries de

atuação, o endereço, o telefone e até a data do aniversário” (1995:215).

Em depoimento para a pesquisa de Borelli, o editor José de Granville Ponce

confirma que um dos diferenciais da Ática sempre foi o relacionamento direto com os

professores, inclusive após a sua modernização produtiva e de mentalidade corporativa.

A Ática nunca abandonou sua estratégia inicial de destinar uma remessa da tiragem dos

livros didáticos para seu cadastro de professores: “grande parte do seu sucesso no

campo dos livros didáticos resulta dessa prática”, explica Ponce (apud Borelli, 1996:

97). Em entrevista para Borelli, concedida em fevereiro de 1995, José Bantim Duarte

explicitava que a editora “caminha no sentido da informatização e da modernização”,

com um estilo de administração “mais autônomo, descentralizado, participativo”

(1996:102), movimento iniciado após a morte de Anderson Fernandes Dias em 1988.

44

Segundo o editor Jiro Takahashi, “os livros eram editados com textos mimeografados, mas

capa e acabamento de livro brochurado (...) entre 1967 e 1968, alguns já são compostos em

tipografia, pelo sistema de linotipia” (Takahashi apud Borelli, 1996: 95-96).

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Volto, pois, no tempo para tratar de um episódio considerado como divisor de

águas na história da empresa. Ainda ostentando a logomarca do Panteão com as letras

EA interligadas – símbolo substituído em meados da década de 1970 – a Ática deu um

salto arriscado no ano de 1970, ao enviar à gráfica AGGS a ordem de serviço para a

impressão de 400 mil exemplares do Estudo dirigido de português, do professor

Reinaldo Mathias Ferreira, obra que condensava os pressupostos didáticos sonhados

pelo “Professor Anderson”, isto é, um livro capaz de agradar tanto aos professores

(conteúdo qualificado) quanto aos estudantes (por sua escrita leve e informal).

Inicialmente, o Estudo dirigido de português teve recepção modesta. No entanto,

após dois pareceres sobre a versão da obra para a 5ª série, um deles feito pela Comissão

do Livro Didático do Estado de São Paulo, e o outro por avaliadores da Ática, foram

detectados problemas de organização do conteúdo. Então, autor e editora tomaram uma

decisão que mudaria de vez os rumos e o estatuto da editora: dividir o livro em duas

partes, uma com técnicas e exercícios de redação e leitura e a outra dedicada à

gramática. Enfim, com o aval da comissão do Estado, o Estudo dirigido transformou-se

em obra referencial e vendeu mais de um milhão de exemplares (Paixão et. al., 1995:

216-217). Daí em diante, nos dizeres de Jiro Takahashi, deflagrou-se a “moda

pedagógica do estudo dirigido” (Borelli, 1996: 97), com Estudos Dirigidos de diversas

disciplinas e alto índice da adoção nas escolas públicas e privadas, o que permite a

Fernando Paixão declarar o protagonismo da Ática na elaboração do moderno livro

didático. Opinião similar à de Borelli, para quem “a Ática cria um padrão e compartilha

com outras editoras” (1996: 105).

No transcurso da década de 1970, a Ática demonstrou sua força ao criar coleções

até hoje nas prateleiras das livrarias, como a série Bom Livro, com obras clássicas da

literatura em língua portuguesa com o suporte de um encarte de exercícios; a Vaga-

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lume, com romances dedicados aos leitores infantojuvenis; e a Para Gostar de Ler, com

crônicas, contos e poesias de autores consagrados. Assim, a editora paulistana

consolidou sua liderança no mercado de paradidáticos. E os números da editora falam

por si. De acordo com Hallewell, “a produção anual saltou de nove livros, em 1968,

para 22 em 1970 e para 180 em 1980” (2012: 617). Nos anos 1980, a editora teve

dinheiro em caixa suficiente para comprar a concorrente Scipione, dinamizar seu parque

gráfico e ingressar no mercado externo, sobretudo nos países lusófonos. Um dos

diferenciais da publicadora, para Laurence Hallewell, seria a aposta em autores

nacionais, correspondendo a até 95% de seus títulos.

A expansão do ensino superior após a Reforma de 1968 atiçou nos editores o

desejo de voltar-se para o público universitário. Soma-se a esta ambição comercial as

convicções político-ideológicas do editor Granville Ponce que, com o aval da diretoria,

tocou adiante a proposta, fruto de bate-papo com Antonio Candido, de uma coleção

destinada a publicar teses acadêmicas da área de Humanidades (Paixão et. al., 1995:

230). Surgia dessa forma a Ensaios, cujo catálogo era selecionado por um conselho

editorial de notáveis do mundo acadêmico, entre os quais o crítico literário Alfredo Bosi

e o sociólogo Ruy Coelho (1920-1990). Dois livros renomados da coleção são No calor

da hora (1975), de Walnice Nogueira Galvão, título inaugural da série, e Ideologia da

cultura brasileira (1977), de Carlos Guilherme Mota, sucesso improvável de vendas.

Portanto, o excelente desempenho da Ensaios abriu caminho para o lançamento da

coleção tematizada nesta dissertação: a GCS.

Longe de pretender esgotar o assunto, entendo ser adequado elaborar na

sequência comentários sobre uma figura-chave para o gerenciamento dessa complexa

rede: o editor como mediador, personificado, na GCS, por Florestan Fernandes.

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2.2 Um agente fundamental: funções e significados do editor

Endereçada ao escritor e tradutor Godofredo Rangel (1884-1951), uma carta de

Monteiro Lobato demonstra toda a sua euforia com o desempenho da Companhia

Editora Nacional (CEN), fundada no ano de 1925 em parceria com Octalles Marcondes

Ferreira: “a nossa nova empresa editora vai com todos os ventos favoráveis”, exultava

Lobato, apresentando como evidência ao amigo um significativo aumento na tiragem

inicial dos lançamentos, para depois arrematar: “editar é fazer psicologia comercial”

(Lobato apud Toledo, 2010:141). A agressiva divulgação da CEN, com anúncios

exibidos nas maiores cidades do Brasil, seria uma “psicologia comercial” capaz de

provocar um efeito desnorteador – e o verbo desnortear parece mesmo ajustar-se às

intenções de Monteiro Lobato e Octalles Ferreira: “O público tonteia, sente-se asfixiado

e engole tudo” (Idem, 2010:141).

A nova casa publicadora surgia em substituição à Monteiro Lobato & Cia, criada

em 1919 e atirada à falência em função de um contexto desfavorável. Após adquirir

uma gráfica de grande porte, com a expectativa de dinamizar e elevar a produção,

Lobato e Ferreira viram-se diante de um cenário de conflagração civil em São Paulo – a

Revolução de 1924 – somado à política econômica de Artur Bernardes (1875-1955),

“baseada na retração de créditos” (Toledo, 2010:141). Das cinzas daquela massa falida

surgira a CEN. Para Hallewell, o empreendedorismo de Lobato serviu como um norte

para os editores brasileiros: “o que realizaram editoras posteriores (...) somente foi

possível porque puderam trilhar o caminho que Lobato já havia explorado” (2012: 363).

A maneira como Lobato descrevia a função do editor estava em sintonia com as

técnicas de produção, circulação e divulgação do ramo livreiro. Embora fosse escritor

renomado, voz forte e ativa da intelectualidade brasileira, sua visão do livro como

negócio, afinado com a opinião de Octalles Ferreira, aproximava-se do conceito de

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Publisher, na prática o editor com funções de administrador de empresas45

. Essa

imagem do editor como gerenciador de um negócio, ou como um comerciante, remete

às figuras do “livreiro-editor” e do “gráfico-editor”, atuantes entre os séculos XVI a

XVIII – anteriores, portanto, à consolidação do chamado moderno mercado editorial.

Nas palavras do historiador Roger Chartier, “primeiro se é livreiro, primeiro se é

impressor e, porque se é livreiro ou gráfico, se assume uma função editorial” (1998:53).

A definição acima é, sem dúvida, uma das maneiras apropriadas de classificar o

trabalho de um editor; editar, porém, na linguagem corrente do segmento, igualmente

remete ao delicado exercício de “carpintaria” do texto, tarefa destinada a preparadores

de originais, revisores e, não raramente, ghost-writers. De uma perspectiva formal,

retomando a etimologia da palavra, Targino & Garcia informam que o editor é “o

responsável pela supervisão e preparação de textos em distintas publicações” (2008:41).

O editor opera, assim, como agente designado para ser o intermediário entre o

objeto-livro, com todas as suas particularidades materiais e de conteúdo, e seu conjunto

potencial de leitores. Conhecedor das estratégias do campo (ou dos campos, segundo

Thompson), ele aciona sua autoridade para avaliar, avalizar, legitimar e distinguir, em

um duplo movimento intelectual e comercial. Uma função, aliás, comum no meio

livreiro desde o terço inicial do século XIX. Para Chartier,

nos anos 1830, fixa-se a figura do editor que ainda

conhecemos. Trata-se de uma função de natureza

intelectual e comercial que visa buscar textos, encontrar

autores, ligá-los ao editor, controlar o processo que vai

da impressão da obra até a sua distribuição. O editor

pode possuir uma gráfica, mas isto não é necessário e

(...) não é isto que fundamentalmente o define. [grifo

meu] (1998:50) 46

.

45

Thompson elenca as seis funções do Publisher: “1- aquisição de conteúdo e construção do

catálogo; 2- investimento financeiro e avaliação de riscos; 3- desenvolvimento de conteúdo; 4-

controle de qualidade; e 5 – gerenciamento e coordenação; 6- vendas e marketing.” (2013: 25). 46

Roger Chartier adverte que as “transformações do capitalismo mundial (...) provocaram um

certo enfraquecimento desse vínculo que unia a figura do editor e a atividade de edição.”

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Nesse sentido, ser editor não é somente ter o voluntarismo de um proprietário ou

o plano de negócios de um diretor-executivo, com o olhar atento aos fluxos e influxos

do mercado; o editor ou, em nomenclatura alternativa, coordenador editorial pode,

mesmo sem possuir vínculos societários ou empregatícios formais, assumir a condição

de selecionador e mediador, e realizar o ajuste fino entre a obra, a editora e o leitor

(Lima & Mariz, 2010). E pensar nesses termos de modo algum significa igualar as

vantagens obtidas pelo editor/proprietário às do editor técnico/ mediador. A ideia deste

tópico é justamente sublinhar tais diferenças. O editor especialista é elemento vital para

atender aos interesses conjunturais – no limite, o editor não é necessariamente quem

assina o cheque, mas certamente é detentor de um carimbo de qualidade 47

. Para

Bourdieu, “o editor faz parte dos padrinhos prestigiosos (...) que garantem os

testemunhos obsequiosos de reconhecimento” (2008: 22-23). Em opinião muito

parecida à do sociólogo francês, o historiador Robert Darnton informa que

como insistem os historiadores do livro, autores

escrevem textos, mas livros são produzidos por

profissionais do livro, e esses profissionais exercem

funções que vão muito além de manufaturar e difundir

um produto. Editores são guardiões de portais,

responsáveis por controlar o fluxo do conhecimento. Da

variedade sem limite de material suscetível de ser

tornado público, selecionam o que, acreditam, irá

vender ou deve ser vendido [grifo meu] (2010:16).

É a partir desse sentido do editor como mediador que se compreende o papel

decisivo de Florestan Fernandes ao colocar, no final da década de 1970, sua posição de

líder intelectual e moral das Ciências Sociais a serviço do projeto editorial GCS da

(1998:53). É nesse vácuo que surgem os coordenadores de coleção, editores técnicos e demais

profissionais especializados, com a missão de recompor esse papel de legitimador. 47

Octavio Ianni manifesta a seguinte opinião a respeito da atividade do editor de livros: “O livro

é uma mercadoria como outra qualquer. Mesmo que [o pesquisador] tenha escrito por

diletantismo, ou para revolucionar ciências e filosofias, nas mãos do editor o trabalho intelectual

se transforma em mercadoria, produz lucro.” (2011:206).

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Ática, gigante do ramo educacional em fase de crescimento, conforme ressalta Borelli:

“[o] projeto editorial da Ática [foi] bem sucedido comercialmente por desenvolver um

esquema produtivo que responde, oportunamente, aos sinais enviados pela realidade do

mercado em transformação” (1996:104). Borelli assinala ainda a capacidade dessa

editora de mobilizar com agilidade seu corpo editorial para responder aos estímulos do

sistema educacional, “pensado como totalidade, do 1º ao 3º graus”.

A articulação entre os elos primordiais da cadeia atende a interesses pragmáticos

(retorno financeiro) e simbólicos (distinção da marca) da editora contratante48

, mas nada

é efetivado sem a devida negociação e acomodação entre os agentes situados no panteão

hierárquico dos diferentes campos acionados. O renome do cientista social e mediador

Florestan Fernandes, isto é, seu acúmulo de respeitabilidade como cientista, educador e

militante político, garantiu à Ática a legitimidade e a repercussão da coleção, lançada

em uma ocasião comercial e política oportuna; por outro lado, a editora ofereceu ao

cientista social, então professor na pós-graduação da PUC-SP, condições para propor

critérios teóricos e orientações de fulcro ideológico. Basta uma vista rápida na lista dos

60 volumes da GCS, em especial aqueles classificados na série de Política, para

verificar quais eram as suas convicções como militante político49

.

Tal liberdade o ajudava também a valorizar (ainda mais) sua posição no âmbito

da política acadêmica e intelectual50

. Para Gerárd Leclerc, “a entrada e a pertença ao

48

Sobre essa relação entre o comercial e o simbólico daqueles que Bourdieu denominou, em A

produção da crença, de “banqueiros culturais” (entre eles o editor de livros e o marchand) é

importante lembrar-se da ideia de denegação, que não se trata absolutamente de “negação real

do econômico”, nem de simples “disfarce ideológico”, mas de uma composição na qual se

levaria em conta na narrativa de apelo para aquisição aspectos essencialistas e pretensamente

“desinteressados” próprios da “produção e circulação dos bens culturais”. (2008:21).

49 Ver a lista completa de títulos da coleção GCS no subitem 2.5.

50 Um resumo sobre a definição do intelectual encontra-se em Pinheiro Filho (2011). O livro de

Fuller (2006), ainda que pretenda historiar e analisar o perfil do intelectual tem como objetivo

alcançar o público leigo com uma linguagem bem-humorada.

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mundo da edição fornece aos (...) seus beneficiários uma espécie de “poder

intelectual”.” Em resumo, “dirigir uma coleção numa editora” é, no limite, “um meio de

avaliar, controlar e administrar a produção de seus pares” (2004:78). Detentor de um

discurso autorizado, Florestan Fernandes a um só tempo legitimava seu time de

organizadores e reafirmava, como coordenador editorial, seu poder legitimador. Para

completar a simbiose editora-editor, a militância de Florestan Fernandes era vista com

simpatia por figuras influentes dentro da editora Ática, como o jornalista e ex-preso

político José Adolfo de Granville Ponce, um homem com “formação política de

esquerda” (Paixão et. al., 1995: 230). Granville Ponce é um dos autores/ organizadores

do livro Tiradentes, um presídio da ditadura (Scipione, 1998) e personagem decisiva

para a criação da coleção Ensaios, lançada no ano de 1975.

Em matéria publicada no “Segundo Caderno” do jornal O Globo de 19 de agosto

de 1995, alguns dias após a morte de Florestan Fernandes (cf. “A origem da rebeldia”),

o então gerente editorial da Ática, José Bantim Duarte51

, destacava a contribuição do

cientista social para o êxito da coleção GCS: “Era ele [Florestan] quem lia e indicava

textos, sugeria tradutores, enfim, fazia quase o papel de editor” (1995:5). A expressão

“quase” na fala de Bantim Duarte não deve ser interpretada como uma negação de que

Florestan seria o verdadeiro editor da GCS, mas sim como uma forma de demarcar a

hierarquia interna da editora, afinal, o autor de A revolução burguesa no Brasil (1975)

não era funcionário registrado, tampouco gozava de poderes administrativos na Ática.

O refinamento intelectual e a radicalização do socialismo de Florestan naquele

final dos anos 1970, início dos 1980, encontraram a sua síntese na coleção da Ática.

Como se verá a seguir, um dos pontos de partida da GCS foi uma seleta de escritos de

Lênin, compilada por Florestan em 1972 (Soares, 1997), provavelmente a pedido de

51

José Bantim Duarte deixou a gerência editorial da Ática para fundar, em 2002, a Disal.

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Octalles Ferreira, da CEN, o primeiro entusiasta do projeto da GCS. Com a morte de

Ferreira, a crise financeira e a “estatização” da editora, via BNDE, em 1974, o projeto

foi transferido para a Ática, explica Hallewell (2012:418). Dessa forma, a ação política,

acadêmica, editorial e comercial beneficiaria às partes envolvidas, servindo para

reafirmar posições dentro dos respectivos campos.

2.3 O editor-mediador Florestan Fernandes e o nascimento da coleção Grandes

Cientistas Sociais.

Desde o início de suas atividades como acadêmico e militante político, Florestan

Fernandes realizou constantemente trabalhos editoriais. Para bem exercer a ciência e a

política uma das prerrogativas é a utilização adequada das publicações impressas – e

atualmente também das plataformas digitais. Livros, panfletos, jornais e revistas

(científicas ou não) servem como meios para comunicar resultados de pesquisas,

ideologias políticas e informações diversas. Mas o ato de publicar, como escreve Villas

Bôas, não apenas “completa uma etapa do saber”; deter um papel dentro do sistema

editorial é, em si, uma maneira de contribuir para o processo de difusão do

conhecimento e, evidentemente, confere ao agente poder legitimador.

O editor-mediador tem sido uma função desempenhada por vários cientistas

sociais nas últimas décadas. Para Leclerc, esta é uma forma de “promover a obra dos

colegas, influenciar sua produção, agir sobre a notoriedade dos pares” (2004:78).

Complemento o argumento de Leclerc com a convicção de que dirigir uma editora ou

editar/ coordenar uma coleção é um meio para afirmar o que é ou não é considerado

legítimo, clássico, recomendável, digno de atenção. O desconforto de Martins com Ianni

após o imbróglio Nisbet segue nessa linha. Florestan Fernandes não é um caso isolado

de cientista social na condição de editor. No próximo quadro, apresento uma breve lista

com profissionais gabaritados das Ciências Sociais, de diferentes países, que

enveredaram pelo mundo editorial:

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Cientistas sociais como editores/ coordenadores: alguns exemplos

Cientista Social Posição Editorial

Ricardo ANTUNES Coordena a coleção Mundo do Trabalho, da

Boitempo Editorial.

Pierre BOURDIEU (1930-2002) Desenvolveu para a Le Éditions de Minut o selo

editorial Le sens commun.

Anthony GIDDENS Dirigiu a Polity Press, de Cambridge, editora

especializada em obras de ciências humanas.

Bernard LAHIRE Coordena, desde 2002, a coleção Laboratoire des

Sciences Sociales, da Éditions la Découverte.

John B. THOMPSON Diretor editorial da Polity Press.

Gilberto VELHO (1945-2012) Coordenou as coleções Biblioteca de Ciências

Sociais e Antropologia Social, da Zahar.

No mercado editorial de livros, a primeira atuação de Florestan representaria a

simbiose teoria-ação que décadas mais tarde consagraria o cientista social paulistano.

Em um trabalho orientado pelo Partido Socialista Revolucionário (PSR), agremiação

dirigida pelo jornalista trotskista Hermínio Sacchetta (1909-1982), editor da Folha da

manhã, Florestan Fernandes traduziu e escreveu o texto introdutório de Contribuição à

crítica da economia política, de Karl Marx, livro publicado em 1946 pela Flama, braço

editorial do PSR (Soares, 1997; Sereza, 2005). Esta teria sido a “tarefa de maior

envergadura da militância trotskista de Florestan” (Sereza, 2005: 75). Colaborador

regular da Folha, Florestan fora convencido pelo amigo Sacchetta para a ação

revolucionária, concomitantemente ao seu mergulho na pesquisa antropológica sobre os

tupinambá, tese de mestrado realizada e defendida na Escola Livre de Sociologia e

Política de São Paulo (ELSP). Naquela época, Florestan dava seus primeiros passos na

trajetória docente como segundo-assistente da cátedra de Sociologia II na FFCL/USP.

Embora tenha posteriormente optado pela carreira acadêmica na USP, com o

alegado consentimento dos dirigentes do PSR (Sereza, 2005; Sacchetta, 2011),

Florestan Fernandes jamais deixou de reconhecer o efeito de sua militância de esquerda,

ideologia política da qual jamais se afastou, conforme demonstram Soares (1997),

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Souza Martins (1998) e Garcia (2002) 52

. Nunca houve uma cisão absoluta entre o

“Florestan cientista” e o “Florestan político”, apenas períodos em que a balança pendeu

para um lado ou para o outro 53

. Segundo o jornalista Vladimir Sacchetta, filho de

Hermínio, a origem do conflito íntimo de Florestan 54

, que nos anos 1940 estava

dividido “entre duas forças não antagônicas, mas igualmente absorventes representadas

pelo PSR e pela Universidade”, seria plenamente resolvido na década de 1980, com a

filiação, em 1986, ao Partido dos Trabalhadores (PT), agremiação com a qual tinha

divergências (Cerqueira, 2004); as aulas e palestras proferidas em universidades,

seminários e cursos livres no Instituto Sedes Sapientiae55

; nos discursos como deputado

constituinte entre 1987-1988; e nos artigos publicados na Folha de S. Paulo, quando

“tornara-se o homem-síntese que, aliando teoria à prática, personificava a ciência como

instrumento transformador” (2011: 9). A meu ver, o “homem-síntese” a qual Sacchetta

se refere encontra-se em sua atuação como coordenador editorial da coleção GCS.

A experiência de Florestan Fernandes na editora Flama colocou-o em contato

com a literatura marxista (Marx, Engels, Trotsky, Lênin), de modo a suprir uma

insuficiência das Ciências Sociais, então dominada pela sociologia americana

(funcionalismo parsoniano, Escola de Chicago), fonte bebida por Florestan na ELSP e

no debate com Donald Pierson (1900-1995); e pela tradição francesa representada por

52

De acordo com Garcia, a amizade de Florestan com Hermínio Sacchetta foi uma “referência

fundamental” para a abertura de horizontes de combate e diálogo intelectual (2002: 115).

53 Retomando neste tópico a famosa discussão weberiana sobre as “duas vocações”, pode-se

afirmar que, em Florestan Fernandes, ciência e política são vocações que não se repelem; antes

se entrecruzam. “O predomínio da ciência natural acabou excluindo a ciência da esfera do

político”, argumenta Florestan: “Esta perspectiva não pode ser mantida após o aparecimento das

ciências sociais”, completa. (2006:44).

54 Nas palavras de José Paulo Netto, “num processo de dilaceramento intelectual e emocional,

cuja dramaticidade é cristalina em seus depoimentos retrospectivos, [Florestan Fernandes] opta

por uma carreira acadêmica stricto sensu (...)” (2004:204).

55 Sobre o Instituto Sedes Sapientiae, ver <http://sedes.org.br/site/>.

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Durkheim e Mauss, orientação teórica vivida intensamente por ele em sua relação com

Roger Bastide (1898-1974) na USP. Entre as duas vertentes, havia espaço para autores

de outras bandeiras, como Weber e Mannheim, e Glaucia Villas Bôas é segura ao

afirmar que havia “interesse pelos autores alemães, assim como boas traduções e

publicações”, desde o processo de institucionalização das Ciências Sociais no Brasil

(2006:17), relativizando a visão consagrada de sociologia brasileira como uma

combinação entre a sociologia americana e francesa. Mas, nos anos 1940, Karl Marx era

pouquíssimo lido fora dos círculos das organizações de esquerda. Para Florestan,

os debates eram sérios e profundos [dentro da

organização trotskista PSR]; a documentação

externa, vinda do movimento internacional,

alargava a visão dos problemas da revolução

mundial e dos seus entraves. Era nisto e nos

lançamentos da editora Flama que se

concentravam os verdadeiros vínculos com a

aprendizagem marxista e o processo

revolucionário como aspiração política decisiva

[grifo meu] (Florestan apud Garcia, 2002: 115).

O contato de Florestan Fernandes com os mecanismos de imprensa fornecia um

espaço estratégico para que transmitisse a sua, na adequada definição de Sereza,

“inteligência militante”. Sobretudo quando a ditadura retirou à força o autor de

Mudanças sociais no Brasil (1960) da FFCL/USP na Rua Maria Antônia. Mas já em

seus primeiros anos como intelectual na década de 1940, Florestan colaborava nas

mencionadas Folha da manhã e Flama, via Hermínio Sacchetta; no Estado de S. Paulo,

incentivado pelo crítico literário, jornalista e agitador cultural Sérgio Milliet (1898-

1966), um dos fundadores da ELSP; e no extinto Jornal de São Paulo. Como

pesquisador bastante produtivo, Florestan publicava ainda artigos em revistas

acadêmicas como Sociologia, Anhembi e Revista do Arquivo Municipal. No ano de

1949, lançou seu primeiro livro, derivado de seu mestrado, intitulado A organização

social dos tupinambá (Instituto Progresso Editorial).

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Pouco depois de ser “aposentado compulsoriamente” de sua cátedra na USP em

1969, Florestan Fernandes aceitou lecionar na University of Toronto, posição de

prestígio com a qual nunca se acostumou, enquanto vários de seus colegas cassados,

muitos deles ex-alunos do próprio Florestan, optaram por fundar o Centro Brasileiro de

Análise e Planejamento (CEBRAP), com subsídio da Ford Foundation, uma das razões

alegadas para a recusa de Florestan participar do projeto conduzido por, entre outros,

Fernando Henrique Cardoso, Octavio Ianni, que ingressou no instituto no ano posterior

à sua fundação56

, Francisco de Oliveira, Ruth Cardoso (1930-2008) e Paul Singer.

Assim como os integrantes do CEBRAP criaram a revista Novos Estudos,

Florestan investiu seus esforços em iniciativas editoriais, quer na autoria e organização

cada vez mais frequente de livros, quer na codireção, entre 1972 e 1978, das revistas

Debate & Crítica e Contexto, em conjunto com José de Souza Martins, Jaime Pinsky e

Tamás Szmrecsányi (1936-2009). Nas conversas em torno dessas publicações, afirma

Souza Martins em depoimento para o livro Conversas com sociólogos brasileiros, “a

USP cassada se encontrava com a USP não cassada, em torno de um trabalho intelectual

de grande relevância acadêmica”. (2006:157). Em tempo: Pinsky utilizou o nome

Contexto para a sua editora de livros fundada em 1987, situada no bairro da Lapa, zona

oeste da cidade de São Paulo, com um catálogo voltado para as Ciências Humanas.

Nos anos 1970 e 1980, Florestan Fernandes lançou ou reeditou seus livros por

nada menos do que doze editoras: Nacional, Difusão Europeia do Livro, Hucitec, Zahar,

Vozes, Alfa-Ômega, T.A Queiroz, Paz e Terra, Brasiliense, Estação Liberdade, Cortez e

Ática. Ao circular por todas essas casas publicadoras, Florestan emprestou seu prestígio

intelectual e, em troca, alargou suas instâncias de legitimação. Na Hucitec, além de

publicar livros de sua autoria, dirigiu a coleção Pensamento Socialista.

56

Segundo Bernardo Sorj, “Octavio Ianni, que no início não participou da criação do CEBRAP

– pois se opunha ao financiamento da Ford –, veio, um ano depois, a integrar-se” (2001: 32).

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Florestan Fernandes compreendeu com argúcia a dinâmica do campo editorial e

soube desatar as amarras da censura justamente na época em que assumia de vez sua

convicção socialista e a sua vocação de militante. Radicaliza, assim, a sua postura de

“pedagogo da revolução”, esboçada entre “1964 e 1968”, quando “ultrapassa o terreno

da Sociologia (...) e franqueia a fronteira do socialismo revolucionário”. (Netto, 2004:

207). E os campos acadêmico e editorial encaixavam-se aos seus propósitos. No

“terreno” editorial, escreve José Paulo Netto,

é notável a sua contribuição à dinamização da

produção editorial, especialmente através das

chancelas Hucitec e Ática – nesta última, avulta

o empreendimento da coleção “Grandes

Cientistas Sociais”. (2004:215, n. 20).

A coleção GCS, citada por Netto, não surgiu na mesma velocidade de sua

profusão de títulos lançados, especialmente no período entre 1978 e 1986. Começou

timidamente no princípio dos anos 1970, quando Florestan Fernandes, cada vez mais

apaixonado pela teoria marxista-leninista, decidiu realizar leituras sistemáticas dos

textos de Vladimir Lênin. A admiração pelo autor de O que fazer? (1902), expoente da

Revolução Russa, é declarada em carta datada de 26 de outubro de 1972 a uma amiga e

confidente, a socióloga Barbara Freitag, graduada, mestra e pós-doutora pela Freie

Universtität Berlin e que viria a organizar, em parceria com o marido, o filósofo e

diplomata Sergio Paulo Rouanet, o volume sobre Habermas da GCS (1980):

Ando relendo Lênin... Volto a um universo que

me fascina, hoje ainda mais que no passado.

(...) O mundo perdeu um “scholar” completo e

apaixonado. Espanta-me como aos 23 e aos 24

anos já tinha um domínio profundo de Marx e

plena segurança no manejo do método dialético

(Fernandes apud Soares, 1997: 78).

Não é difícil vislumbrar no discurso de Florestan Fernandes, revelado pela carga

emotiva característica de suas missivas escritas à Freitag, o sentimento de ter

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encontrado na figura de Lênin um “homem-síntese” da teoria e da ação, tal como

Vladimir Sacchetta definiria, anos depois, Florestan. O retorno ao – e em certo sentido a

redescoberta do – pensamento leninista tinha ganas de divulgação teórica e ação

revolucionária. O cientista social paulistano preparava naquele ano de 1972 uma

compilação de escritos de Lênin. “Em 1972”, informa Eliane Veras Soares, “[Florestan]

preparou um livro de leituras básicas de Lênin, que viria a ser publicado em 1978.”

(1997: 78). Era este o quinto volume da coleção GCS, mas o hiato de seis anos entre a

elaboração da coletânea e sua definitiva publicação nos permite brechas para investigar

as razões para tamanha demora, na medida em que Florestan Fernandes continuava a ter

reputação dentro do sistema editorial de livros para o mercado universitário.

A resposta com maior coerência e consistência para esta questão parte da pena

de Hallewell. A ideia, em princípio, era que Florestan Fernandes fosse o supervisor de

uma coleção de livros de “estudos universitários”, mais precisamente de Ciências

Sociais, a ser editada pela Companhia Editora Nacional, dirigida por Octalles

Marcondes Ferreira. Como Hallewell afirma que as tratativas eram diretas entre

Florestan e Ferreira, e as conversas se deram “pouco antes” da morte deste último57

,

presume-se que o volume sobre Lênin entraria nessa série de livros cujo nome estava

definido. Seria denominada de Grandes Cientistas Sociais. O falecimento de Octalles

Ferreira, e a crise financeira da CEN, fizeram com que o projeto fosse abortado, ainda

mais com o cenário claustrofóbico do governo Médici. A descrição do bibliotecário é

primorosa, mas novamente peca por um erro: ao contrário do que está transcrito no livro

de Hallewell, a Ática lançou a coleção em 1978, e não em 1980. (2012: 418).

57

Há controvérsias sobre o ano de nascimento e morte de Octalles Marcondes Ferreira. Alguns

livros e sites colocam sua data de nascimento e morte como 1889-1972 ou 1901-1972; outros

como 1901-1973; e ainda 1900-1973. Nem o livro de Hallewell (2012), nem o estudo de Toledo

sobre a CEN (2010), arriscam-se a precisar tais datas, uma praxe em pesquisas históricas. É,

porém, seguro afirmar que em 1974 Octalles Ferreira já havia falecido.

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Na entrevista que me concedeu em maio de 2013, o editor Fernando Paixão não

conseguiu precisar quando a coleção começou a ser realmente ventilada pelos

corredores da editora Ática, mas o projeto “provavelmente” foi gestado por volta de

1975, um ano após a crise financeira na CEN, que redundaria na “estatização”, via

BNDE, da histórica editora, após a frustrada tentativa de aquisição por parte da Livraria

e Editora José Olympio. Em 1980, o catálogo da Companhia Editora Nacional foi

comprado pelo Instituto Brasileiro de Edições Pedagógicas (IBEP).

Ao perceber que o projeto seria suspenso por tempo indeterminado pela

turbulenta CEN, Florestan Fernandes iniciou rapidamente conversas com os diretores da

editora Ática, que, cientes da expansão do ensino superior, buscavam justamente

aproximar-se do público universitário, em diálogo iniciado com a coleção Ensaios,

gerenciada por Granville Ponce e colocada nas prateleiras das livrarias em 1975.

Quando a coleção GCS foi, enfim, lançada com a chancela da Ática no ano de

1978, sete títulos saíram de forma quase simultânea e pela seguinte ordem numérica:

Durkheim, Febvre, Radcliffe-Brown, Köhler, Lênin, Keynes e Comte. E apesar da

resposta tímida da imprensa – foram escassas as matérias – os primeiros números de

vendas foram, segundo a lembrança de Paixão, favoráveis. Além disso, nenhum dos

títulos sofreu censura prévia. Em parte, porque o caráter de coleção didática voltada

para o ensino superior inibia os órgãos de repressão a fazer reparos. E havia em jogo,

claro, todo o poderio de negociação e produção da editora Ática. Boa parte dos livros,

publicados em etapas, foram elaborados pelos organizadores anos antes do acerto de

Florestan Fernandes com a Ática, demonstrando que a coleção estava em andamento

pela CEN. Lançado em 1982, o volume sobre Karl Mannheim foi organizado por

Marialice Mencarini Foracchi, falecida em 1972.

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Interessada tanto na lucratividade quanto na distinção que a marca GCS poderia

lhe conferir, em situação parecida à ocorrida com a Ed. Abril Cultural e sua coleção Os

pensadores ou, décadas antes, o prestígio acumulado pela CEN com sua Brasiliana, a

Ática conseguiu lograr a não interferência do governo no lançamento dos livros. E, para

completar, a coleção GCS saía da gráfica com se já tivesse passado por cinco instâncias

de legitimação: 1) o peso do selo editorial Ática; 2) a grife do coordenador Florestan

Fernandes; 3) a respeitabilidade e titulação acadêmica dos organizadores; 4) o projeto

gráfico de um artista prestigiado, Elifas Andreato; 5) o autor abordado em cada volume.

Acompanhar os livros escritos e organizados por Florestan Fernandes desde o

final dos anos 1940 até seus últimos dias de vida, é ter uma visão clara das

preocupações do cientista social em cada momento de sua carreira. Quando descrevi

que uma separação entre o “Florestan cientista” e o “Florestan militante” era imprecisa

e simplória, em consonância com a opinião da maioria de seus comentadores (Soares,

1997; Souza Martins, 1998; Cerqueira, 2004; Sereza, 2005; Ianni, 2011; Sacchetta,

2011), deixei como adendo que o movimento era pendular, e durante parte expressiva

de sua trajetória, a ambição de ser o “inventor” e autoridade legitimadora da, nos dizeres

de Miceli (2012), “sociologia científica” no país também o motivou intensamente.

A Ática evidentemente estava interessada nesta faceta, apresentada por ele nos

seus livros entre 1949 e 1975, ainda que fossem outras as circunstâncias por ocasião do

lançamento da GCS. Leitor de Lênin, Trotsky e orador de discursos socialistas,

Florestan Fernandes antes investiu seus esforços para vencer batalhas internas e

externas à USP e afirmar e regrar as Ciências Sociais. Ninguém assina uma obra com

traços biográficos com o título de A sociologia no Brasil (1977), em postura meio

arrogante, se não tivesse essa pretensão de ser o sistematizador teórico, metodológico e

mesmo burocrático-administrativo das Ciências Sociais, e da Sociologia em particular

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no Brasil. É uma marca de abnegação e combatividade que Garcia (2002), Cerqueira

(2004) e Sereza (2005) querem revelar em várias passagens de seus respectivos livros.

Garcia, por sua formação e linha de pesquisa, tinha maior inclinação a desconfiar dessa

narrativa heróica. Cerqueira e Sereza embarcam facilmente na exaltação. O menino

engraxate que enfrentava a concorrência dos grandalhões, o atendente de bar que lia

vorazmente no balcão e no sacolejar dos bondes, o sociólogo de alto nível que recusava

subsídios estrangeiros. O começo, o meio, o fim. Em “A ilusão biográfica”, Bourdieu é

taxativo em sua crítica a esse tipo de narrativa:

Essa propensão a tornar-se ideólogo da própria

vida, selecionando, em função de uma intenção

global, certos acontecimentos significativos e

estabelecendo entre eles conexões para lhes dar

coerência, como as que implica a sua condição

como causas ou, com mais frequência, como

fins, conta com a cumplicidade natural do

biógrafo que, a começar por suas disposições

como profissional da interpretação, só pode ser

levado a aceitar essa criação artificial de sentido

(1996: 184-185).

Em meu ponto de vista, as considerações bourdianas são convincentes – embora,

no livro Esboço de autoanálise, Bourdieu tenha procurado sociologizar e explicar sua

história, disfarçando-a habilmente com uma linguagem intrincada e a epígrafe “Isto não

é uma autobiografia”. No entanto, para efeito desta pesquisa, os livros de depoimentos

de e sobre Florestan são uma fonte da qual não posso fugir. Elas são reveladoras

inclusive naquilo que ocultam. Assim sendo, a certa altura dos fatos, o projeto oficial de

Florestan era fazer da Sociologia uma ciência digna e austera, sem interferência de

militância política explícita. Os livros Fundamentos empíricos da explicação

sociológica (1959), Ensaios de Sociologia Geral e Aplicada (1960), Elementos da

Sociologia Teórica (1970), além das coletâneas que organizou para a CEN Comunidade

e sociedade no Brasil: leituras básicas de introdução ao estudo macrossociológico no

Brasil (1972) e Comunidade e sociedade: leituras sobre problemas conceituais,

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metodológicos e de aplicação (1973) nos mostram um acadêmico imbuído do espírito

de cientista, mesmo após sua cassação. E ele incentivava seus alunos na prática: Homem

e sociedade: leituras básicas de Sociologia, organizado por Fernando Henrique Cardoso

e Octavio Ianni em 1961, possui essa marca. Dai porque separar Florestan em esferas,

ou romantizar sua biografia como guerrilheiro de ideias e ideais, é um desserviço e

dificulta o entendimento da complexidade e das contradições, de sua vida e obra. Netto

(2004) não está equivocado ao chamá-lo de “pedagogo da revolução”, mas às vezes

Florestan revelou-se um conservador em termos de teoria e método sociológico (e essa

ambivalência progressismo-conservadorismo é uma discussão que vale, quem sabe, uma

tese de doutorado). Por melhor que fossem suas intenções, como o desejo de reduzir o

descompasso entre a modernização institucional do país e os comportamentos políticos

e culturais retrógrados, ele também se apegava aos analistas positivistas, como pontuou

Freitag a respeito dos trabalhos de Florestan antes de sua cassação:

Como conclusão de minha dissertação defendida em

1967, deparei-me com um paradoxo. Por um lado,

Fernandes recorria a uma sociologia positivista, com

teorias baseadas em Durkheim, Weber, Radcliffe-

Brown, Mannheim e Hans Freyer, essencialmente

"acadêmicas" e "conservadoras"; e, por outro, o nosso

autor demonstrou ser um cientista social crítico e

engajado, que na Campanha em defesa da Escola

Pública (1962), voltada para os oprimidos, excluídos e

marginalizados, defendeu com veemência uma causa

política, quebrando a "neutralidade" do cientista,

exigida pelo positivismo (2005:235)

Essa capacidade de Florestan apontada por Freitag, o trânsito do sociólogo nos

campos editorial e acadêmico, foram absorvidas na GCS e conferiu à coleção uma

autoridade única, em que ciência e política, teoria e crítica, caminhavam juntas.

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2.4 – Mapa da coleção I: Os organizadores

Como esclarece Gerard Leclérc (2004), em passagem citada anteriormente, o

trabalho de edição e coordenação editorial confere ao acadêmico um “poder intelectual”

que invariavelmente extrapola o campo universitário. Ao tomar a frente da coleção GCS

nos anos 1970, Florestan Fernandes atuava como um agente legitimador de um conjunto

de intelectuais, jovens ou veteranos, delegando a eles a responsabilidade de estabelecer

a mediação dos clássicos das Ciências Sociais com seu público-leitor. Essa decisão de

ordem editorial implica em questões profundas.

Tome-se como exemplo qualquer um dos autores contemplados com um volume

na GCS. Dificilmente podemos questionar as credenciais do organizador designado,

porém, parece-me acertado dizer que existem outros pesquisadores/ acadêmicos tão ou

mais versados nesse mesmo autor. Em uma editora, diariamente é preciso driblar

circunstâncias como disponibilidade de tempo para o trabalho; problemas familiares e

de saúde do profissional sondado; contratos firmados com outras casas publicadoras; e

assim por diante. Seria leviano excluir fatores dessa monta no processo de seleção dos

organizadores, mas não resta dúvida, de acordo com o levantamento realizado, que

Florestan Fernandes privilegiou, ao menos nos volumes de maior magnitude,

acadêmicos/ intelectuais com quem mantinha afinidade teórica e política.

Na medida em que a coleção estava em curso antes de a editora Ática bater o

martelo e lançá-la no mercado (e a presença de uma organizadora falecida seis anos

antes como Foracchi comprova esta assertiva), Florestan procurou compor seu time

central com ex-alunos, colaboradores, companheiros de militância política, docentes da

USP e da PUC-SP. Isso implicou em afastamentos, mal-entendidos e discordâncias com

velhos amigos. O depoimento de José de Souza Martins, ex-aluno, e autor de uma

laudatória biografia de Florestan é cristalino nesse sentido. Robert Nisbet, que para

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Souza Martins mereceria um volume, foi cortado da lista por sugestão de Octavio Ianni

e concordância de Florestan Fernandes.

Em relação a Fernando Henrique Cardoso, outro ex-aluno e colega de docência,

a razão provável de sua não participação na GCS se deve à guinada política que o levou

a candidatar-se à suplência do senado pelo MDB. Quanto a Antonio Candido, gozando

do status de maior crítico literário do país, o artigo de Jackson (2007) é revelador de

uma tensão também trabalhada por Pulici (2008), quando a autora se refere às “versões

conflitivas” sobre a “condição de sociólogo” no ambiente uspiano no período das

cátedras de Sociologia I e II. Havia, para Jackson, uma diferença significativa entre a

“sociologia científica” de Florestan e a “cultura humanística” de Candido. “Os dois

encarnavam pontos de vistas quase opostos, expressos em textos decisivos nas décadas

de 1940, 1950 e 1960” (2007:35). A amizade de décadas permaneceu intocada, mas

aparentemente não havia espaço para Candido na coleção. No prefácio à obra de Pulici,

Brasilio Sallum Jr. faz menção a uma dicotomia dentro da FFCL entre “saber

interessado contra engajado, valorização da literatura, da filosofia e do ensaio versus

afirmação da ciência e da sociologia como disciplina autônoma” (2008:17).

Em termos regionais, também fica evidenciado, no quadro geral, que Florestan

Fernandes optou por organizadores vinculados a instituições paulistas, entre elas a USP,

a UNESP, a UFSCar, a Unicamp e a PUC-SP, salvo exceções como Evaristo de Moraes

Filho, Francisco Iglesias (1923-1999), Roberto DaMatta e Barbara Freitag – com esta

última, Florestan mantinha um vínculo afetuoso, cúmplice, comprovado pelas cartas

apresentadas no livro de Soares (1997). Em tempos pré-internet, a opção por

pesquisadores fisicamente próximos era um facilitador para o trabalho da equipe

editorial da Ática, liderada cotidianamente por Maria Carolina de Araújo, profissional

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incumbida de gerenciar o fluxo de produção, realizar contato com tradutores e revisores,

negociar com editoras estrangeiras e cobrar os textos introdutórios dos organizadores.

De todo modo, o elenco de organizadores da GCS reflete as disputas no campo

das Ciências Sociais e minimizar este aspecto é tapar as vistas para uma problemática

tão comum ao universo acadêmico, conforme esclareceu Bourdieu em dois livros: um

de inquestionável vigor teórico (Homo academicus, 2011) e outro com experiências

pessoais (Esboço de autoanálise, 2010). Sobre o embate com Gilberto Freyre, não resta

muito a comentar. Sua visão política e a própria linha metodológica do autor de Casa-

grande & Senzala não se afinava com a perspectiva teórico-metodológica de Florestan,

e essa separação acentuou-se por conta das críticas contundentes de discípulos uspianos,

que fizeram Freyre ser proscrito por décadas do sistema universitário. Sabe-se, todavia,

que ao se atribuir a função de sistematizador da linguagem sociológica dita científica

(Miceli, 2012), Florestan jamais deixou de reconhecer a grandeza gilbertiana na

conversão da “análise histórico-sociológica da sociedade brasileira (...) em investigação

positiva”. Esse movimento se completa “nas contribuições de Gilberto Freyre,

considerado por muitos o primeiro especialista brasileiro com formação científica”

(Fernandes apud Ianni, 2011: 25).

Em suma, o ensaísmo de Freyre – e de Caio Prado Jr. (1907-1990) e Sérgio

Buarque (1902-1982) – diferia de outras contribuições de caráter diletante, viés literário,

e com insights aproveitáveis, mas com pouca consistência metodológica. A versão fac-

simile de uma carta datada de 15 de maio de 1961, inserida no livro O imperador das

ideias – Gilberto Freyre em questão (2001) enfatiza o respeito de Florestan por Freyre.

O primeiro insistia para que o “mestre de Apipucos” participasse de bancas de

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doutoramento na USP58

. As frequentes recusas parecem ter aprofundado discórdias,

aumentadas após o Golpe de 1964. Para se diferenciar, a sociologia da USP precisava de

um paradigma a combater. E este paradigma atendia pelo nome de Gilberto Freyre.

Outros dois centros de referência em Ciências Sociais localizavam-se no Rio de

Janeiro e em Brasília. No Rio, havia o Museu Nacional, mas o norte era mesmo o

Instituto Superior de Estudos Brasileiros (ISEB), fechado após 1964, e seus sociólogos

Hélio Jaguaribe e Alberto Guerreiro Ramos (1915-1982). A excessiva politização dos

ex-isebianos não era vista com tanto desdém pelo “cientista” Florestan, mas a falta de

maior contato os teria afastado da coleção. Fernando Henrique Cardoso, em depoimento

a Sorj definia a sociologia paulista como “anti-ISEB” (2001:14). Mas Gláucia Villas

Bôas coloca-os em certa paridade ao declarar enfaticamente que todos pertenciam a uma

mesma “geração de mannheimianos”. Segundo a autora,

O interesse dos editores na publicação de livros

de Mannheim é um indicativo relevante da

repercussão de suas ideias no Brasil. (...) Na

revista Sociologia, artigos de Emílio Willems,

Roger Bastide, Antonio Candido, Florestan

Fernandes e Costa Pinto atestam que havia uma

leitura exploratória da obra do autor. (...) Na

Revista do Serviço Público, no final da década

de 1940, Guerreiro Ramos analisava diversos

autores e temas da sociologia numa seção

chamada “Bibliografia crítica”, referindo-se

com propriedade a conceitos atribuídos a

Mannheim [grifo meu] (2006:89).

A contenda com a Universidade de Brasília (UnB) tem raízes, diria,

institucionais. De acordo com a fala do sociólogo e ex-presidente da República

Fernando Henrique Cardoso, em documentário sobre sua trajetória (cf. “A Construção

de Fernando Henrique”, 2012), Darcy Ribeiro teria tentado levar todo o núcleo de

Ciências Sociais da chamada Escola Paulista de Sociologia para a capital federal. Após

a negativa, as relações teriam ficado estremecidas.

58

Na carta, Florestan Fernandes afirma ao “prezado amigo”: “devemos quebrar velhas barreiras

e estreitar a nossa cooperação, para favorecer o desenvolvimento da sociologia em nosso país”.

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Diante dessa rede de implicações e complicações, a equipe de organizadores da

GCS enfim se estabeleceu. E pensar neles é entender que, como Florestan, foram eles os

mediadores, muitas vezes em primeira mão, de uma série de teorias e pesquisas recém-

traduzidas. A leitura crítica que fizeram nos textos de abertura influenciaram gerações.

Para Goulemot, “ler é (...) constituir, e não reconstituir um sentido”, pois “a leitura é

uma revelação pontual de uma polissemia do texto” (2011:108). Ora, o Walter

Benjamin mediado por Flavio Kothe, organizador de tal volume, seria o mesmo se o

organizador fosse outro, ainda que por coincidência escolhessem textos idênticos para

compor o volume? Bourdieu completa o raciocínio ao lembrar a existência de uma

“divisão do trabalho intelectual” entre o lector/ crítico e o auctor/ escritor (2011: 232).

A seguir, confira a lista com o mapeamento dos organizadores da GCS:

Coleção Grandes Cientistas Sociais – Organizadores dos volumes (A-G)59

Nome Volumes Posição acadêmica à época

Amazonas Alves Lima

(? -1993)

Klein Psicanalista sem vínculos institucionais

com a academia. Ex-mulher do cineasta

Sergio Muniz, que possuía ligações com

Vladimir Herzog e Thomas Farkas.

Anna Maria Martinez Corrêa Mariátegui e Bolívar Professora de História na UNESP, campus

de Marília.

Antonio Carlos Robert de

Moraes

Ratzel Professor do Departamento de Geografia

da USP.

Arno Engelmann Köhler Professor do Departamento de Psicologia

da USP.

Barbara Freitag Habermas Professora do Departamento de Sociologia

da UnB.

Carlos Guilherme Mota Febvre Membro da Sociedade de Estudos

Históricos (SEH) e consultor da Editora

Abril. Seria nomeado professor da USP em

1983.

Ciro Marcondes Filho Prokop Professor de Comunicação na USP.

Edgard de Assis Carvalho Godelier Professor de Antropologia na PUCSP

Edson Passetti Proudhon Professor de Política na PUCSP

Emir Sader Mao Tse-Tung e Fidel Castro No período entre os dois volumes, foi

professor na Unicamp (1984-85). Tornou-

se professor da USP em 1988 e da UERJ

em 1993.

Eunice Durham Malinowski Professora do Departamento de

Antropologia da USP.

59

Os números sobre Klein, Habermas e Proudhon foram escritos em parceria.

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Evaristo de Moraes Filho Comte e Simmel Aposentado compulsoriamente em 1969,

quando lecionava Sociologia na Faculdade

Nacional de Direito, não retornou à

universidade após a anistia. Recebeu da

UFRJ o título de professor emérito em

1983.

Fábio Hermann

(1944-2006)

Klein Psicanalista, doutor em Psiquiatria pela

Unicamp e integrante da Sociedade

Brasileira de Psicanálise de São Paulo

(SBPSP), da qual seria eleito presidente em

1985.

Flavio Kothe Benjamin Professor de Teoria Literária na PUCSP

(1978-1983) e na PUC-Campinas (1980-

1983) preparava-se para assumir o cargo de

professor na UFG

Florestan Fernandes

(1920-1995)

Lenin e Marx & Engels Ex-professor titular da cadeira de

Sociologia I na USP, da qual foi

aposentado por força da ditadura em 1969,

ocupava o posto de professor de Sociologia

na PUCSP. Era o coordenador da coleção.

Francisco de Oliveira Celso Furtado Professor de Teoria Econômica na PUCSP.

Sociólogo e um dos fundadores do

CEBRAP, ele esteve entre os intelectuais

que ajudaram a fundar o Partido dos

Trabalhadores em 1980.

Francisco Iglesias

(1923-1999)

Caio Prado Júnior Professor livre-docente da Faculdade de

Ciências Econômicas da Universidade

Federal de Minas Gerais (UFMG).

Aposentou-se naquele ano de 1982.

Gabriel Cohn Weber e Adorno Professor do Departamento de Sociologia

da USP. Em 1987, migraria para o

Departamento de Ciência Política.

Heloísa Fernandes Wright Mills Com doutorado defendido em 1978,

orientada por Luiz Pereira, Heloísa

Fernandes seria professora de Sociologia

na USP. Filha de Florestan Fernandes.

Isaías Pessotti Pavlov Professor de Psicologia na USP

Grandes Cientistas Sociais – Organizadores dos volumes (J-W)

Nome Volume Posição acadêmica à época

Jacob Gorender

(1923-2013)

Bukharin Historiador autodidata, sem

vínculos estreitos com a academia,

Gorender destacou-se pela

militância política no PCB.

Januário Francisco Megale Sorre Doutor em Geografia Humana pela

USP.

José Albertino Rodrigues

(1928-1992)

Durkheim e Pareto Professor de Sociologia na UFSCar.

José Paulo Netto Engels, Lukács e Stálin. Professor no Instituto Superior de

Economia em Portugal (1978-

1979), no Maestría Latinoamericana

de Trabajo Social na Argentina

(1980) e no Instituto dos Arquitetos

do Brasil (1982).

Jorge Miglioli Kalecki Professor de Sociologia e Economia

na Unicamp.

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Juarez Brandão Lopes

(1925-2011)

Deutscher Professor da FEA-USP. Foi um dos

fundadores do Cebrap.

Julio Cezar Melatti Radcliffe-Brown Professor do Departamento de

Antropologia da UnB.

Lenina Pomeranz Lange Professora da FES-USP.

Leon Pomer Sarmiento Historiador argentino, Pomer foi

professor da Unicamp – instituição

na qual lecionava na época -,

PUCSP e Universidade de Buenos

Aires. Publicou diversas obras pela

editora Brasiliense no início dos

anos 1980.

Manoel Lelo Bellotto

(1932-2011)

Mariátegui e Bolívar Professor de História da UNESP de

Assis. Foi por duas vezes reitor

daquele campus.

Manuel Correia de Andrade

(1922-2007)

Reclus Professor de Geografia Econômica

da UFPE.

Maria José Garcia Werebe

(1925-2006)

Wallon Era professora de Pedagogia na

USP quando, em 1968, foi

declarada persona non grata. Foi

trabalhar em instituições na França,

como o CNRS, e atuava como

consultora da UNESCO.

Maria Isaura Pereira de Queiróz

Bastide Professora do Departamento de

Sociologia da USP.

Maria Odila Leite da Silva Dias Sérgio Buarque de Holanda Professora do Departamento de

História da USP.

Marialice M. Foracchi

(1929-1972)

Mannheim

A obra foi publicada postumamente.

Marta Elena Alvarez Ho Chi Minh

-

Nilo Odália

(1929-2004)

Varnhagen Professor de História na Unesp de

Assis e presidente da Associação de

Docentes da Unesp. Participou

também com livros nas coleções

“Tudo é história” e “Primeiros

Passos”.

Octavio Ianni

(1926-2004)

Florestan Fernandes e Marx. Ex-professor da USP, aposentado

após o decreto do AI-5, era

professor da PUCSP. Voltou, anos

depois, à universidade pública, na

Unicamp. Hoje em dia a Biblioteca

do IFCH/Unicamp leva seu nome.

Orlando Miranda Trotsky -

Paul Singer

Marx (Economia) Nascido na Áustria, Singer teve seu

percurso na USP interrompido pela

cassação após o AI-5. Era então

professor de Economia na PUCSP.

Um dos intelectuais fundadores do

Partido dos Trabalhadores.

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Paula Beiguelman

(1926-2009)

Joaquim Nabuco A cientista política da USP foi

aposentada compulsoriamente pela

ditadura civil-militar em 1963, mas

em 1982 já retomara sua trajetória

universitária uspiana.

Paulo Edgard Resende

(1933-2011)

Proudhon Professor do Departamento de

Política da PUCSP e ligado à

Teologia da Libertação.

Paulo Silveira Poulantzas Professor de Sociologia da USP.

Rachel Kerbauy Keller Professora do Instituto de

Psicologia da USP.

Renato Ortiz Bourdieu Professor de Sociologia na UFMG.

Ingressaria depois, respectivamente,

na PUCSP e na Unicamp.

Roberto DaMatta Leach Professor da UFRJ. Também

lecionava em universidades

americanas como Wisconsin,

Berkeley e Harvard.

Roberto Cardoso de Oliveira

(1928-2006)

Mauss Professor de Antropologia Social da

UnB. Teve, nos anos 1970,

divergências com a diretoria do

Museu Nacional-UFRJ.

Rolf Kuntz Quesnais Professor do Departamento de

Filosofia da USP

Sergio Buarque de Holanda

(1902-1982)

Ranke Autor de Raízes do Brasil, Sérgio

Buarque foi professor da USP até

1969. Um dos fundadores do

Partido dos Trabalhadores e

reputado como um dos maiores

intelectuais brasileiros.

Sergio Paulo Rouanet Habermas Doutor em Ciência Política pela

USP e diplomata de carreira.

Tamás Szmrecsányi

(1936-2009)

Keynes e Malthus Professor de Economia na

Unicamp.

Walnice Nogueira Galvão Euclides da Cunha Professora do Departamento de

Teoria Literária da USP

Wilcon Joia Pereira

(1936-1996)

Della Volpe Formado em filosofia pela USP,

lecionava na Unesp (em Assis e

depois Marília). Era, no entanto,

conhecido por seus

experimentalismos estéticos e sua

aversão aos formalismos

acadêmicos.

2.5 – Mapa da Coleção II: os autores selecionados

Dentre os depoimentos sobre a coleção GCS, aquele que melhor esclarece os

métodos e a dinâmica autorizados por Florestan Fernandes, incluindo suas afinidades

eletivas, é o de Renato Ortiz, hoje professor na Unicamp, para o projeto “Cientistas

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Sociais de Língua Portuguesa: Histórias de Vida”, produzido pelo Centro de Pesquisa e

Documentação de História Contemporânea do Brasil da Fundação Getúlio Vargas

(CPDOC/FGV). A transcrição abaixo, extraída de trecho do 7º bloco da entrevista de

Ortiz, concedida a Helena Bomeny e Arbel Griner, em vídeo de 1h14min dividido em

onze blocos e gravado no dia 13 de julho de 2009 fala literalmente por si. Confira:

A abordagem do Bourdieu me parecia muito criativa no

contexto da sociologia francesa e mesmo internacional.

Foi aí que eu propus ao Florestan Fernandes fazermos

um livro sobre o Bourdieu. Porque, a rigor, o Florestan

queria que eu fizesse um livro sobre o Frantz Fanon,

porque achava que eu era negro, e queria que eu fizesse

um livro sobre o Georges Balandier, porque o Balandier

era um antropólogo conhecido e eu havia cruzado com

o Balandier na França, por causa do Bastide. Eu gosto

dos trabalhos do Balandier, mas eu propus a ele –

naquela época, eu estava lendo muito Bourdieu –

fazermos um livro sobre Bourdieu. Ele não gostou da

ideia, o Florestan, porque ele achava que o Bourdieu era

um representante do estrutural funcionalismo. Porque

no Brasil, naquela época, se opunha estrutural

funcionalismo a uma teoria do conflito, e essa teoria do

conflito seria o marxismo. E o Florestan, naquele

momento, ou seja, no final dos anos 70 – isso foi em

1977, mais ou menos –, ele já estava em um processo

de politização muito grande, anterior à formação do

próprio PT, que é de 1980 ou 1981. E o Florestan

estava... E essa divisão era muito comum no Brasil.

Hoje, ninguém mais fala nisso, como se tivesse um

estrutural funcionalismo, que era estático e uma série de

coisas assim, e uma outra coisa que seria a dinâmica,

pensaria a mudança, e em particular, quem faria isso

melhor era o marxismo. Então o Florestan estava nesse

tipo de dicotomia. Eu argumentei com ele que não era

bem assim, que o Bourdieu estava propondo um outro

tipo de teoria. Bom, ele aceitou a minha proposta,

embora ele nunca tenha se convencido. Ele nunca

gostou mesmo do Bourdieu. Mas ele achou ótima a

introdução. E até ele me escreveu... Tem uma carta

dizendo que ele... dizendo: “Você fez um trabalho

maravilhoso, uma introdução... A introdução é uma

reflexão”, e me elogiou muito. Mas, no fundo, eu ainda

acho que ele é um representante do estrutural

funcionalismo (Transcrição, 2009: p.28).

Ortiz prossegue na fala e revela a participação do próprio Bourdieu na coletânea:

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Eu escrevi para o Bourdieu, para montar o livro, e ele

me respondeu. O próprio Bourdieu me deu uma

sugestão de lista de textos e me enviou os textos e eu

peguei aqueles textos e montei o livro. Eu, na verdade,

tinha alguma ideia e fui montando. Sugeri com ele e ele

fez esse tipo de coisa. Então, eu fiz... O livro ficou

pronto em 1979. Só que a coleção teve problemas, tanto

que não saiu o texto do Fanon, que eu fiz em seguida.

(...) Eu já tinha terminado o texto do Bourdieu. O

Bourdieu não tinha entrado ainda no Collège de France.

E foi nesse contexto que, digamos, o livro saiu aqui no

Brasil, na coleção Grandes Cientistas Sociais

(Transcrição, 2009: 28-29).

A fala de Ortiz demonstra que Florestan Fernandes estava disposto a incluir o

máximo possível de autores que considerava de esquerda, marxistas, “teóricos do

conflito”. Florestan aceitou Bourdieu a contragosto, e sem compreender as intenções

teóricas desse autor. O hiato de quatro anos entre a finalização e a publicação do livro é

ilustrativo dessa hesitação. E, a despeito dos supostos problemas com a GCS, o volume

foi lançado após a entrada de Pierre Bourdieu na Collège de France em 1982. Não

havia, portanto, razões técnica, burocrática, teórica e mercadológica para manter o livro

na gaveta. Nesse sentido, Florestan Fernandes apresentou uma faceta menos autoritária

e consentiu com as necessidades da editora Ática, afinal, Sergio Miceli já havia

introduzido Bourdieu ao leitor brasileiro e os cursos de Ciências Sociais abriam espaço

para novas intepretações como a produzida por Ortiz.

O estranho nessa exposição de Renato Ortiz é que Florestan Fernandes, embora

cada vez mais inclinado ao marxismo militante, não era um inimigo total do estrutural-

funcionalismo. Segundo Florestan, “a análise estrutural-funcional que pratiquei foi

instrumental em todas as suas direções” (2008:42), isto é, como cientista social, ele

mobilizou essa metodologia sempre quando preciso, com pragmatismo e bom senso,

mas jamais acreditou nela como uma doutrina teórico-metodológica. De todo modo, o

estrutural funcionalismo não era alvo de sua predileção naquele final dos anos 1970.

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Percebe-se, pois, que o processo de escolha dos autores não era estanque. Em

geral, como para Edgard de Assis Carvalho e seu volume sobre Godelier, o pedido

vinha do próprio Florestan: “O convite partiu direto de Florestan, pois trabalhávamos

juntos na pós-graduação em Ciências Sociais na PUC-SP”, explicou-me Carvalho. Em

outros, como de DaMatta, eram interlocutores de Florestan que realizavam o trabalho de

seleção: “O convite veio do meu professor e mentor, Roberto Cardoso de Oliveira que

foi aluno do Florestan e era cunhado do Fernando Henrique. A coleção foi comandada

pelo Florestan, mas ele pediu a Ruth Cardoso organizar a parte de antropologia.” Pode-

se supor, portanto, que havia certa liberdade para sugestões, seguidas de comentários

positivos ou negativos, e não se deve cravar que os 60 volumes da GCS significaram

aquilo que Florestan Fernandes considerava o melhor das Ciências Sociais. Segundo

Carvalho, a recomendação do coordenador [Florestan] era para que os textos

selecionados e a introdução abrangessem o “itinerário intelectual” do autor. A sua

opinião vai ao encontro da proferida por Edson Passetti, que informou que “Florestan

Fernandes estava atento às mudanças que ocorriam no Brasil” e conhecia o vínculo de

Passetti, que organizou com Paulo Resende, o volume sobre Proudhon, “com o Centro

de Cultura Social de São Paulo, associação anarquista fundada em 1933”.

Por mais críticas que à época tivesse aos trabalhos de Talcott Parsons e Claude

Lévi-Strauss60

, para ficar em dois autores não incluídos, é embaraçoso explicar que

ficaram de fora apenas porque Florestan assim o quis. E mais: por que não existiu um

número sobre o marxista Antonio Gramsci? Ora, porque há questões de direitos autorais

e burocráticas envolvidas. E o coordenador editorial deve lidar com elas, e frustrar-se ou

surpreender-se com os resultados. Existem ainda organizadores e tradutores que não

60

Edgard de Assis Carvalho informou-me que Florestan Fernandes chegou a sondá-lo para

elaborar um volume sobre Lévi-Strauss, mas o projeto não foi adiante. Carvalho lamenta a

ausência de um autor “universal”, que para ele está muito acima do mero e limitador

“antropologismo” atribuído ao autor das Mitológicas.

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entregaram trabalhos no prazo estipulado. Editoras que desistiram de ceder textos.

Traduções melhores lançadas por outras casas publicadoras. Mas, sem dúvida, Florestan

conseguiu concretizar, na média final, seus critérios e realizar um casamento entre o

engajamento político e sua sofisticação como cientista social. Assim, “conviveram” na

mesma seleção Émile Durkheim e Che Guevara, Georg Simmel e Ho Chi Minh,

Radcliffe-Brown e Mariátegui, Max Weber e Fidel Castro.

Coleção Grandes Cientistas Sociais – Todos os títulos

Volume Título/Autor Organizador Lançamento Área

01 Émile Durkheim José Albertino

Rodrigues

1978 Sociologia

02 Lucien Febvre Carlos Guilherme

Mota

1978 História

03 Alfred Radcliffe-

Brown

Julio Cezar Melatti 1978 Antropologia

04 Wolfgang Köhler Arno Engelmann 1978 Psicologia

05 Vladimir Lenin Florestan

Fernandes

1978 Política

06 John Maynard

Keynes

Tamás

Szmrecsányi

1978 Economia

07 Auguste Comte Evaristo de Moraes

Filho

1978 Sociologia

08 Leopold Von

Ranke

Sérgio Buarque de

Holanda

1979 História

09 Francisco

Varnhagen

Nilo Odália 1979 História

10 Karl Marx Octavio Ianni 1979 Sociologia

11 Marcel Mauss Roberto Cardoso

de Oliveira

1979 Antropologia

12 Ivan Pavlov Isaias Pessotti 1979 Psicologia

13 Max Weber Gabriel Cohn 1979 Sociologia

14 Galvano Della

Volpe

Wilcon Joia

Pereira

1980 Sociologia

15 Jürgen Habermas Barbara Freitag e

Sérgio Paulo

Rouanet

1980 Sociologia

16 Michal Kalecki Jorge Miglioli 1980 Economia

17 Friedrich Engels José Paulo Netto 1981 Política

18 Oskar Lange Lenina Pomeranz 1981 Economia

19 Che Guevara Emir Sader 1981 Política

20 Georg Lukács José Paulo Netto 1981 Sociologia

21 Maurice Godelier Edgard de Assis

Carvalho

1981 Antropologia

22 Leon Trotski Orlando Miranda 1981 Política

23 Joaquim Nabuco Paula Beiguelman 1982 Política

24 Thomas Malthus Tamás

Szmrecsányi

1982 Economia

25 Karl Mannheim Marialice M.

Foracchi

1982 Sociologia

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26 Caio Prado Júnior Francisco Iglesias 1982 História

27 José Carlos

Mariátegui

Manoel Lelo

Belloto e Anna

Maria Martinez

Correa

1982 Política

28 Issac Deutscher Juarez Brandão

Lopes

1982 Política

29 Josef Stálin José Paulo Netto 1982 Política

30 Mao Tse-Tung Emir Sader 1982 Política

31 Karl Marx Paul Singer 1982 Economia

32 Melaine Klein Fábio Herrmann e

Amazonas Alves

Lima

1982 Psicologia

33 Celso Furtado Francisco de

Oliveira

1983 Economia

34 Georg Simmel Evaristo de Moraes

Filho

1983 Sociologia

35 Domingo Faustino

Sarmiento

Leon Pomer 1983 Política

36 Karl Marx e

Friedrich Engels

Florestan

Fernandes

1983 História

37 Roger Bastide Maria Isaura

Pereira de Queiroz

1983 Sociologia

38 Edmund Leach Roberto DaMatta 1983 Antropologia

39 Pierre Bourdieu Renato Ortiz 1983 Sociologia

40 Simon Bolivar Manoel Lelo

Belloto e Anna

Maria Martinez

Correa

1983 Política

41 Fred Keller Rachel Kerbauy 1983 Psicologia

42 Ho Chi Minh Marta Elena

Alvarez

1984 Política

43 Vilfredo Pareto José Albertino

Rodrigues

1984 Sociologia

44 François Quesnais Rolf Kuntz 1984 Economia

45 Euclides da Cunha Walnice Nogueira

Galvão

1984 História

46 Max Sorre Januário Francisco

Megale

1984 Geografia

47 Nicos Poulantzas Paulo Silveira 1984 Sociologia

48 Charles Wright

Mills

Heloísa Fernandes 1985 Sociologia

49 Élisée Reclus Manuel Correia de

Andrade

1985 Geografia

50 Walter Benjamin Flávio Kothe 1985 Sociologia

51 Sergio Buarque de

Holanda

Maria Odila Leite

da Silva Dias

1985 História

52 Henri Wallon Maria J. Garcia

Werebe

1986 Psicologia

53 Dieter Prokop Ciro Marcondes

Filho

1986 Sociologia

54 Theodor Adorno Gabriel Cohn 1986 Sociologia

55 Bronislaw

Malinowski

Eunice Durham 1986 Antropologia

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56 Pierre Joseph-

Proudhon

Paulo Edgard

Resende e Edson

Passetti

1986 Política

57 Fidel Castro Emir Sader 1986 Política

58 Florestan

Octavio Ianni 1986 Sociologia

59 Friedrich Ratzel Antonio Carlos

Robert de Moraes

1990 Geografia

60 Nicolai Bukharin Jacob Gorender 1990 Economia

Sobre a abrangência da coleção, fica claro que o conceito de Ciências Sociais

adotado pela parceria Florestan Fernandes e Ática considerava não só a Sociologia, a

Política e a Antropologia, matrizes curriculares do referido curso de graduação, embora

elas sejam dominantes na somatória (37). História e Economia, e um pouco menos

Psicologia e Geografia, foram incorporadas à GCS, até porque estão em interface com a

tríade das Ciências Sociais. E também porque um pensador como Marx possuía várias

dimensões de abordagem: histórica, econômica, política...

A distribuição por campo disciplinar ficou então assim:

Coleção Grandes Cientistas Sociais – Divisão por campo disciplinar

Disciplina Número de Títulos

Antropologia 05

Economia 08

Geografia 03

História 07

Política 14

Psicologia 05

Sociologia 18

Em termos de lançamentos anuais, a GCS seguiu, conforme demonstra a tabela

na sequência, uma média sustentável entre 1978 e 1986 – exceto 1980, com apenas três

títulos lançados. Mas o dado mais interessante, talvez uma coincidência, é que a coleção

foi interrompida em 1986, quando Florestan Fernandes candidatou-se (e foi eleito)

deputado constituinte e retomada com dois números em 1990, por ocasião das eleições

para o legislativo, quando Florestan foi reeleito. Depois disso, o cientista social

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paulistano adoeceu61

e outros fatores, que serão explorados no próximo capítulo,

contribuíram para o declínio e o encerramento da coleção. Mas não deixa de ser

instigante observar que nenhum número saiu enquanto Florestan cumpria seu mandato

legislativo em Brasília, para o qual foi eleito com o célebre lema “contra as ideias da

força, a força das ideias”62

. Em 1982, ano de eleições estaduais diretas, e antes da

filiação do cientista social ao PT, a GCS bateu o recorde de lançamentos, com 10

títulos, seguido de perto por 1983, com nove. Confira o índice de lançamentos/ ano:

Coleção Grandes Cientistas Sociais – Lançamentos/Ano

Ano Número de lançamentos

1978 07

1979 06

1980 03

1981 06

1982 10

1983 09

1984 06

1985 04

1986 07

1990 02

Em 1986, Florestan Fernandes foi contemplado com um número sobre sua

própria obra, compilação realizada por Octavio Ianni, certamente o intelectual com

maior envolvimento com a coleção, a ponto de decretar vetos e eventualmente assumir o

comando da GCS, como ocorreu nesse volume especial, em que, por motivos óbvios, o

nome de Florestan Fernandes não aparece na capa como Coordenador. Pela ordem

numérica (58), foi o último título antes da suspensão da coleção, retomada em 1990.

Não obstante o fato de a coleção ter, em seu saldo final de 60 volumes, muito da

feição intelectual e política de seu coordenador, há na GCS uma série de autores que

61

Em 1972, Florestan Fernandes contraiu Hepatite do tipo C após una transfusão de sangue no

Hospital do Servidor Público de São Paulo, e desde então sua saúde fragilizou-se. (Cerqueira,

2004: 124). Para a maioria de seus amigos e biógrafos, a sequência de péssimos atendimentos,

cirurgias e transplantes desastrosos apressou sua morte, em 1995.

62 Sobre seu período no Congresso Nacional, no qual era tratado pelos colegas de “Professor”,

recomendo a leitura de Cerqueira (2004) e Sereza (2005).

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aparentemente não se encaixariam em um projeto da área, ao menos não dentro dos

padrões consagrados pela consolidação do campo operada justamente por Florestan

entre os anos 1940 e 1960. Em páginas anteriores, ressaltei o caráter “abrangente” das

Ciências Sociais – sem dúvida um norteador das ações entre Florestan e Ática, mas esta

pode ser na visão de alguns leitores uma resposta demasiado aberta, de sorte que é

preciso reordenar os títulos, para que se possa ter um olhar esquadrinhado da coleção.

Em uma classificação alternativa à de segmentos disciplinares destacados nas

capas, agrupei em cinco segmentos os títulos da coleção: 1) revolucionários políticos de

esquerda; 2) latino-americanos (teóricos ou homens de ação); 3) cientistas sociais

clássicos; 4) teóricos marxistas diversos e da teoria crítica; e 5) outros. Essa tabela nos

ajuda a entender as motivações políticas de Florestan Fernandes; sua herança como

cientista social de guarda-pó e ligado nos clássicos e aos autores que formaram sua

cabeça de professor e pesquisador; e aponta para horizontes que o próprio organizador

não sabia ao certo definir, mas que julgava relevante por serem de uma nova geração ou

traziam temáticas “da moda”. Naturalmente, alguns dos autores escolhidos se

enquadram em mais de uma categoria – como Fidel Castro, Che Guevara, Mariátegui,

Lênin, Marx, Engels, Caio Prado Jr, Habermas –, mas em linhas gerais tal organização

ajuda a iluminar certos aspectos e representações presentes na formulação da coleção.

Parece-me acertado relatar que a militância socialista e o ideal de união latino-

americana contra as ditaduras na região orientaram escolhas da GCS, enquanto outros

autores representavam discussões teóricas mais ou menos identificadas com as

predileções do cientista Florestan Fernandes.

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Mapeamento dos títulos da coleção*

Em negrito, aqueles que entrariam em mais de um grupo.

Grupo Autores

Revolucionários Lênin, Ho Chi Minh, Fidel Castro, Che

Guevara, Mariátegui, Proudhon, Reclus, Stálin,

Mao Tsé-Tung, Bukharin, Trotsky, Marx e

Engels.

Latino-americanos Simon Bolívar, Sarmiento, Celso Furtado, Sergio

Buarque de Holanda, Euclides da Cunha, Joaquim

Nabuco, Varnhagen e Caio Prado Jr.

Clássicos das Ciências Sociais/ Formação Teórica

de Florestan Fernandes

Weber, Durkheim, Comte, Mannheim, Mauss,

Simmel, Radcliffe-Brown, Roger Bastide,

Malinowski, Keynes, Pareto.

Teóricos marxistas/ Teoria Crítica Della Volpe, Poulantzas, Benjamin, Lange,

Adorno, Wallon, Lukács, Deutscher, Habermas,

Godelier, Kalecki.

Outros/ Modismos/Nova Geração Prokop, Wright Mills, Bourdieu, Klein, Febvre,

Ratzel, Quesnais, Sorre, Ranke, Pavlov, Malthus,

Khöler, Keller, Leach.

A quantidade de autores grifados em negrito na tabela acima não deixa margem

para questionamentos sobre a fluidez dessa ordenação. A classificação acima é apenas

indicativa e, de acordo com o olhar e o contexto, pode simplesmente mudar os autores

de posição. Não existe uma só ordenação capaz de ser definitiva. Por isso, a distribuição

proposta por Florestan em campos disciplinares é mais lógica e de fácil compreensão

para os leitores. De qualquer maneira, observar os agrupamentos demonstra que os

pensadores de esquerda – do marxismo militante à teoria crítica frankfurtiana (da

primeira à segunda geração), passando pelos anarquistas e economistas alinhados ao

reformismo social – eram os protagonistas da coleção. Cerca de dois terços dos

selecionados enquadram-se claramente nessa categoria. Mas Florestan Fernandes não

deu as costas para os autores os “analistas sociais clássicos”, formadores do campo e do

cânone, como adequadamente definia-os Charles Wright Mills. Exceto pela ausência de

Charles de Montesquieu (1689-1755) e Alexis de Tocqueville (1805-1859), os

pensadores listados pelo filósofo e sociólogo liberal francês Raymond Aron (1905-

1983), antagonista de Jean-Paul Sartre (1905-1980), em As etapas do pensamento

sociológico (2008), aparecem na coleção GCS, seja qual for a sua orientação política:

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Comte, Durkheim, Weber, Pareto e Marx. A vinculação com Karl Mannheim também

não desaparece. Nem o apreço por antropólogos funcionalistas.

O incentivo à leitura de autores latino-americanos, contudo, não obscurece o fato

do Florestan sociólogo ainda estar fortemente ligado à produção das, por assim dizer,

nações centrais das Ciências Sociais. Pensadores que produziram em língua alemã,

francesa e inglesa aparecem, como comprova a lista de 60 títulos, em maior número,

apesar do índice considerável de brasileiros e autores do Leste Europeu63

.

Isso tudo significa que, defesa do socialismo e da América Latina à parte,

Florestan não se omitiu em relação a determinados consensos das Ciências Sociais. Já

em relação às áreas específicas da Psicologia, da História e da Geografia e em alguns

tópicos da Economia, o coordenador pareceu inclinado a aceitar modismos (a

psicanálise de Klein, a psicologia da educação de Wallon) e consagrados (o historiador

Ranke, o geógrafo Ratzel e o economista Keynes). Em suma, coleções possuem a marca

de seu coordenador, mas estão sujeitas a casualidades, desvios de rota, convencimentos.

63

Quanto à questão de gênero, Florestan não fugiu à regra e incluiu apenas uma autora na lista

de 60 volumes (Melanie Klein), em que pese o número até razoável de organizadoras (14). Um

trabalho consistente sobre as “trajetórias intelectuais” das professoras de Ciências Sociais no

âmbito da USP é o de Spirandelli (2011), fruto de sua tese de doutoramento que, por tabela,

também ressalta o desejo de Florestan e seu grupo de instituir um determinado tipo de fazer

sociologia, oposto ao praticado por outros professores da FFCL (2011:149), assunto discutido

com profundidade por Pulici (2008).

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[Capítulo 3]

“Está tudo na ementa!”: A importância da GCS na atualidade

Sábado, dia 3 de novembro de 1990. Folha de S. Paulo, Caderno Letras, página F2. Na

seção “O que precisaria ser reeditado”, três intelectuais foram convidados a sugerir,

sucintamente, livros ou coleções que mereceriam ser relançados 64

. O pequeno boxe

estava posicionado à direita de um artigo de Umberto Eco e logo acima do ranking

semanal de mais vendidos no Brasil e nos EUA – a lista brasileira era dominada por

Paulo Coelho, com suas obras Brida, O alquimista e Diário de um mago ocupando

respectivamente os 1º, 3º e 4º lugares. Os filósofo e professor da USP Renato Janine

Ribeiro, e os escritores José J. Veiga (1915-1999) e Fernando Sabino (1923-2004)

revelaram aos editores da Folha seus maiores desejos de reedição.

Janine Ribeiro, em especial, sugeria a volta de duas coleções: uma de literatura,

publicada pela Cultrix nos anos 1960, e a Grandes Cientistas Sociais, da editora Ática,

cujos últimos dois volumes foram às livrarias, sem maior alarde, naquele ano de 1990.

Nas palavras do filósofo uspiano, “(...) A editora Ática poderia dar continuidade à

coleção dos grandes cientistas sociais, que era dirigida por Florestan Fernandes. Foram

lançados uns cinquenta títulos [o número exato é 60], mas ainda tem muito material”.

Jovem professor de filosofia da USP quando a coleção se destacava no setor de

publicações para o segmento universitário, Renato Janine Ribeiro apresentava em seu

depoimento à Folha um duplo aspecto: sentimental e profissional. Sentimental no

sentido de que a GCS fora representativa de uma época de luta política, divulgação

científica e de uma atitude pedagógica transformadora, mesmo diante da vigente

ditadura civil-militar; e profissional porque a coleção certamente o auxiliou em seus

cursos na graduação. Janine Ribeiro, que futuramente escreveria títulos para a coleção

64

Cf. Acervo Folha <http://acervo.folha.com.br/fsp/1990/11/03/342/> Acesso em: 14 ago. 2013.

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Folha explica (Publifolha) lamenta ainda a ausência de outros nomes na lista de

volumes. Vou, então, fixar-me em apenas um pensador excluído, objeto das teses de

mestrado e doutorado do filósofo uspiano: o inglês Thomas Hobbes (1588-1679), autor

contratualista de leitura obrigatória nas disciplinas de filosofia e ciência política, que

não mereceu um volume no selo Política da coleção, embora aparecesse como um dos

números mais procurados d´Os pensadores, da Abril Cultural. A ideia de que a GCS

contemplava apenas autores do século XX, como reportava a matéria da Folha em

1978, era incorreta, na medida em que havia volumes sobre, entre outros, Simón Bolívar

(1783-1830), Auguste Comte (1798-1857), Leopold Von Ranke (1795-1886) e Karl

Marx (1818-1883). Thomas Hobbes não ficaria jamais deslocado.

A nostalgia precoce de Janine Ribeiro se explica: apesar dos dois títulos

lançados em 1990, a coleção perdia seus sinais vitais em função de diferentes fatores,

alguns anteriormente esboçados e outros que serão destacados na sequencia, dentre os

quais a sucessão de planos econômicos malogrados e a frustração dos intelectuais de

esquerda e centro-esquerda com a vitória de Fernando Collor (PRN) sobre o candidato

petista Luiz Inácio Lula da Silva no segundo turno das eleições presidenciais de 1989.

Mas, afinal de contas, qual seria o real legado da GCS? A proposta deste

capítulo é examinar a relevância e a influência da coleção desde o final dos anos 1990

até o início deste século XXI, período em que a Ática deixou de publicar novos volumes

e estabeleceu em 60 o número de títulos da coleção coordenada por Florestan.

3.1 – Na pasta da copiadora: um suporte didático para professores e alunos

“Paradoxo” é, definitivamente, uma palavra-chave aqui. Lidei com vários efeitos

paradoxais em cada um dos capítulos. Carlos Benedito Martins foi feliz na expressão,

embora eu a tenha desdobrado para outros sentidos além da Reforma Universitária de

1968. Assim como outros produtos do mercado editorial destinado ao segmento

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universitário, a GCS sofreu com as consequências do próprio êxito como difusora de

saber. Ainda que jamais tenha realizado grande esforço ao divulgar os lançamentos da

coleção, a Ática obteve resultados satisfatórios de vendas, principalmente em relação

aos volumes dedicados aos autores de maior destaque, entre eles Marx, Marx & Engels,

Adorno, Benjamin, Keynes e os ainda hoje reimpressos Durkheim e Weber.

Comprada pelo Grupo Abril, e incorporada a Abril Educação, assunto sobre o

qual tratarei no próximo tópico, a atual controladora da editora não quis repassar a este

pesquisador o número oficial de vendas de cada livro da coleção. Os telefonemas foram

infrutíferos. Provavelmente tais dados sequer estão disponíveis na base de dados da

Ática. Muita coisa mudou na administração da casa publicadora, como afirmava Bantim

Duarte a Silvia Borelli antes mesmo da aquisição da marca e do catálogo pela empresa

administrada pelos Civita. Na entrevista concedida a este pesquisador, Fernando Paixão

igualmente não soube precisar o desempenho da GCS, mas recorda-se de que ela não

era deficitária e cumpria as suas metas financeiras e, sobretudo, simbólicas, projetadas

pela diretoria. De qualquer forma, como declara Paixão, a “cultura do xérox” prejudicou

a viabilidade comercial da coleção. Mas eis o paradoxo: por causa de seus excelentes

ensaios introdutórios, e por trazer alguns textos inéditos no Brasil, os professores

incluíam, como ainda incluem, no ementário dos seus cursos, isto é, na bibliografia

básica das disciplinas, capítulos dos livros em suas pastas.

Consagrada pelo costume, a “cultura do xérox” lida com uma problemática de

ordem jurídica, um conflito interminável entre os direitos autorais/de publicação e o

direito ao conhecimento. Não me cabe tecer comentário sobre matéria que não tenho

domínio técnico – a área jurídica –, mas posso reproduzir aqui o que é facilmente

constatado por qualquer aluno de graduação. A frase “o texto está na pasta [x] na

copiadora” é um dado da realidade (por mais que os professores insistiam em sugerir a

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compra dos volumes) e neste ponto Fernando Paixão tem razão ao ressaltar que este foi

um dos motivos do declínio da GCS como produto do catálogo da Ática. Declínio no

sentido das vendas, claro, pois do ponto de vista didático a coleção coordenada por

Florestan segue como um selo de qualidade. Como apenas os volumes de Weber e

Durkheim continuam reimpressos pela editora, vide o catálogo disponível online, criou-

se uma espiral que em nada facilita o renascimento dos antigos volumes da coleção nas

livrarias. Impossível de ser comprado pelos canais de maior visibilidade, como as

grandes redes de livraria, só existem duas soluções para o aluno desfrutar de uma leitura

que permanece básica e essencial: a compra em sebos, por valores que variam conforme

a raridade e o estado do exemplar, e a aquisição de trechos em copiadoras.

Apesar da profusão de novos títulos lançados pelas editoras, com traduções

vertidas diretas da língua original, muitas delas superiores às cotejadas pela Ática, a

coleção GCS segue na ementa das disciplinas não apenas por trazer textos dos autores

que hoje são amplamente editados no Brasil, mas pelos ensaios introdutórios. Mesmo

neste curso de mestrado em Ciências Sociais, iniciado em fevereiro de 2012, trinta e

cinco anos depois do nascimento da GCS, ementários dos cursos traziam as introduções

de Gabriel Cohn sobre Theodor Adorno; Émile Durkheim, por José Albertino

Rodrigues; e Pierre Bourdieu, nas palavras de Renato Ortiz. Estes escritos são três

clássicos da análise sociológica praticada por brasileiros, que em nada devem aos

melhores “explicadores” do pensamento teórico-metodológico dos respectivos autores.

Em suma, a relevância da GCS como suporte didático – preparação das aulas

dos professores, leitura básica para os alunos – segue inalterada. A reação empolgada ou

crítica dos professores quando, na apresentação dos alunos, eu mencionava meu objeto

de pesquisa, atesta que a coleção da Ática não foi um projeto editorial qualquer. Todos

tinham histórias para contar, e dois professores do atual quadro do PPGCS da PUC-SP

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participaram do projeto (Edgard de Assis Carvalho e Edson Passetti) e essa memória

ajudou-me a aperfeiçoar a pesquisa e lançar olhar para ângulos antes ignorados. Para

Carvalho, “o legado da coleção foi e continua a ser de extrema importância para a

formação de cientistas sociais”. E completa afirmando que a GCS “dialogiza vida e obra

e apresenta itinerários intelectuais que demonstram que as ideias que professamos e

defendemos tem a ver com nossa subjetividade”.

3.2 – A atualidade da GCS: a orientação da Abril Educação e o destino da coleção

Entre 1986 e 1994, durante a denominada Nova República, os principais focos

de luta da política econômica brasileira era domar a inflação galopante e, se possível,

amortizar a dívida externa. Em 1989, a inflação anual foi de 1.973%65

. No ano seguinte,

no mês da posse de Fernando Collor, quebrou-se o recorde inflacionário mensal (82%).

Os versos do samba “Saco de feijão”, cantados por Beth Carvalho, simbolizavam o

período: “De que me serve um saco cheio de dinheiro/ pra comprar um quilo de feijão”.

Tentativas para conter esses números superlativos não faltaram. Viviam-se os

tempos dos “planos” e das esperanças que se converteram em estelionato eleitoral.

Plano Cruzado, Plano Bresser, Plano Verão, Plano Collor, Plano Real. Apenas o último

conseguiu reverter o quadro. O mercado editorial não escapou às crises. Editoras

surgiam no auge de um plano, para quebrarem tempos depois. Como se sabe, os índices

de leitura no Brasil são baixos, de modo que o livro é um produto supérfluo e

dispensável em tempos de “vacas magras”. A Ática escapou com leves escoriações

desse período, porque mantinha seu faturamento basicamente concentrado nas compras

de livros didáticos e paradidáticos, tanto por parte do poder público, como das

instituições privadas de ensino. Mas nem por isso a editora deixou de realizar escolhas

65

Cf. Informação contida na reportagem de Heraldo Ceravolo Sereza intitulada Complete o

título do filme de Maílson da Nóbrega: “O Brasil Deu Certo. E…”. In: Blog Ágora, Revista

Samuel. Disponível em <http://revistasamuel.uol.com.br/blogs/agora/complete-o-titulo-do-

filme-de-mailson-da-nobrega-o-brasil-deu-certo-e/> Acesso em: 27 set.2013.

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para o ajuste de seu catálogo. Em 1990, durante o Governo Collor, insistir em uma

coleção como a GCS era uma aposta arriscada. Os melhores volumes circulavam

livremente pelas máquinas de xérox, ao passo que os dois mandatos legislativos,

seguidos do adoecimento do septuagenário Florestan Fernandes, forçaram o afastamento

do coordenador-grife simbólica dessa atividade. A morte de Anderson Fernandes Dias

em 1988 e a saída da coordenadora operacional Maria Carolina de Araújo, eram outros

baques nada desprezíveis para a sobrevida da coleção. A queda do Muro de Berlim, em

novembro de 1989, e o colapso iminente da URSS (concretizado em 1991) tornaram

vários volumes obsoletos para os arautos do “fim da história” propagado pelo cientista

político Francis Fukuyama, porta-voz do neoconservadorismo.

Assim, no início dos anos 1990, o destino da GCS estava selado. Nenhum outro

título foi lançado e as reimpressões foram progressivamente diminuindo com o passar

dos anos. A estabilidade do Plano Real e a consolidação da expansão do ensino

superior, por sua vez, incentivaram editoras de Ciências Humanas a publicarem obras,

com os direitos autorais devidamente comprados, das quais foram extraídos, com muita

negociação, capítulos selecionados pelos organizadores da GCS. Essa concorrência de

certa forma diminuiu o poderio da coleção até inviabilizá-la comercialmente. Do início

dos anos 1990 até os primeiros anos do século XXI, editoras como a Companhia das

Letras, Grupo Editorial Record, Editora 34, Jorge Zahar, Cosac Naify, Boitempo,

Contexto e as editoras universitárias (Edusp, Editora da Unicamp, Editora da UNESP,

Editora UFMG) passaram a lançar sistematicamente, com tradução vertida do original e

prefácios e posfácios de primeira linha, os livros dos pensadores que, até então, tinham

como principal, e às vezes único, meio de contato, a seleção patrocinada pela Ática.

O modelo organizacional da editora Ática modernizou-se após a morte de

Anderson Fernandes Dias, com o fortalecimento de um conselho administrativo

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formado pelos acionistas Vasco Fernandes Dias, Antonio Narvaes Filho e Marcelo

Fernandes Dias, filho de Anderson, e mais três diretores de departamento. Cresceram,

pois, em importância os setores de divulgação, marketing e comercialização.

Segundo Borelli, a editora organiza-se “ao redor de diretorias especializadas que

vão adquirindo, com o passar do tempo, maior poder de decisão” (1996:100). Desse

conselho administrativo, informa a autora, desdobra-se uma diretoria editorial que por

sua vez se ramifica em seis gerências editoriais, três voltadas para os didáticos; uma de

literatura infantil; outra de literatura juvenil; e a sexta para o segmento de universitários.

O organograma segue o modelo capitalista descentralizado, de modo que o terreno

estava preparado para a Ática ingressar no processo de mundialização do mercado

editorial – mundialização de acordo com a argumentação de François Chesnais (1996).

“A nova racionalidade [da Ática]”, demonstra Borelli a partir da fala de Granville

Ponce, “privilegia o sentido das mercadorias ao priorizar setores de comercialização e

divulgação” (1996:99). Com a transição política consolidada, o esvaziamento do sentido

de confronto com a ditadura, o fim da Guerra Fria e o furor neoliberal que tomou conta

do mundo, certos (supostos?) idealismos editoriais ficaram para trás.

Com as planilhas apresentando dados desfavoráveis, a coleção GCS perdeu seu

espaço para produtos com maior rentabilidade e possibilidade de compras pelo governo,

o que representa a maior fatia do faturamento das editoras didáticas. Outro paradoxo:

organizada ao menos desde o início dos anos 1990 como uma empresa adepta do livre-

mercado, com padrões flexíveis de trabalho, e organograma que desfavorece decisões

centralizadoras e paternalistas, a Ática possui curiosamente uma dependência do Estado

provedor, ainda que o então gerente editorial José Bantim Duarte tentasse, em 1995,

estabelecer uma simetria entre compras particulares e públicas (Borelli, 1996: 102).

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Em 1999, a editora Ática foi comprada pelo Grupo Abril, em parceria com o

grupo francês Vivendi. A multinacional da França vendeu, em 2002, seu braço editorial

para a Lagardère, mas as suas ações da Ática não entraram no negócio. Dois anos

depois, a Abril finalmente comprou a parte da Vivendi e assumiu todo o catálogo da

Ática, o que incluía o selo editorial Scipione. A editora Ática, então, passou a integrar a

Abril Educação, empresa, com outras do Grupo Abril, turbinadas a partir de 2006 com

aporte financeiro do grupo sul-africano Naspers, organização acusada de colaborar com

o apartheid. A conhecida orientação da empresa da família Civita, associada a um

grupo de mídia com tal fama internacional, foi o tiro de misericórdia na coleção GCS. E

a própria Ática passou a ser uma entre outras empresas do setor educacional controladas

pelo Grupo Abril, incluindo editoras (Ática, Scipione), sistemas de ensino (Anglo, SER,

Maxi, pH) e instituições de ensino (ETB, Anglo Vestibulares e pH Cursos)66

. A Abril

Educação está hoje com suas ações abertas para compra e venda na Bolsa de Valores e é

considerado pelos executivos do Grupo Abril um dos seus negócios mais lucrativos.

Para um grupo de mídia cujo carro-chefe é uma publicação como a Revista

Veja, de perfil abertamente à direita, nada mais elementar do que manter no catálogo da

Ática apenas os dois volumes que preenchem os seus requisitos ideológicos e

comerciais, ou seja, os números dedicados a Max Weber e Émile Durkheim, dois

clássicos da sociologia, lidos obrigatoriamente no ensino médio e na graduação (isto é,

são capazes de gerar vendas contínuas), mas autores que não estão atrelados a uma

concepção relacionada à teoria e práxis de esquerda. Questionada sobre esse ponto, uma

funcionária da Ática, que não identificarei por princípio ético, negou essa prática.

66

Cf. Grupo Abril/Abril Educação, aba “Empresas do Grupo”. Disponível em

<http://www.abrileducacao.com.br/empresas_do_grupo.html>. Acesso em: 27 set. 2013.

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Alguns dos 58 títulos excluídos do catálogo foram cedidos aos organizadores,

que realizaram atualizações, revisões, e relançaram em 2ª edição por outras casas

publicadoras. São exemplos dessa prática os livros A sociologia de Pierre Bourdieu, por

Renato Ortiz (Editora Olho´d Água, 2003) e Florestan Fernandes: sociologia crítica e

militante (Expressão Popular, 2011), de Octavio Ianni. Outros títulos, em especial

aqueles de maior carga militante, ao feitio do socialismo de Florestan Fernandes, são

encontrados apenas em sebos e bibliotecas de universidades.

3.3 – O tempo não para: as novas coleções de Ciências Sociais

A GCS refletia e respondia à conjuntura histórica, política, cultural e intelectual

de sua época de criação, isto é, era uma coleção ajustada ao período de transição da

ditadura para o regime democrático. Combinava teoria e combatividade, pensadores

clássicos com textos escritos por líderes de esquerda. Dificuldades de comunicação,

produção editorial e de recursos também não devem ser desconsiderados. A ousadia da

Ática tinha precedentes no ramo, mas o conteúdo desafiador dos livros, a estrutura

interna dos volumes e a estratégia adotada tornavam o empreendimento uma ferramenta

interessante para professores e alunos, com reflexos ainda notórios.

A estabilidade econômica desde o governo FHC até a gestão de Dilma Rousseff,

o patrocínio de órgãos estatais ou de economia mista (Petrobras, CEF etc.), de

instituições privadas (Fundação Bradesco, Instituto Ethos) e de fomento à pesquisa e

produção (Fapesp, Capes, CNPq), as facilidades propiciadas pela comunicação via

internet e pelas técnicas de design e produção gráficos, com seus softwares de ponta,

complementados por um período de abertura política, a proliferação de selos editoriais –

apesar de, pouco a pouco, terem sido comprados e concentrados em um número

reduzido de majors do ramo, com aporte financeiro de grupos estrangeiros –, e a

especialização profissional de tradutores, professores, editores transformaram coleções

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mais centralizadas como a GCS em investimentos um tanto arriscados, a despeito de

serem muito lidos “via xérox”. Uma coletânea com textos de Pierre Bourdieu

praticamente é inviabilizada, na medida em que quase toda a sua obra está traduzida

para a língua portuguesa por editoras de diferentes níveis: universitárias (Ed. da UFSC,

Ed. da UNESP, Edusp), gigantes do ramo (Companhia das Letras, Bertrand Brasil, esta

pertencente ao Grupo Editorial Record), editoras prestigiadas de médio porte (Zahar,

Autêntica, Perspectiva, Brasiliense, Vozes) e até pequenas casas publicadoras (Zouk).

No entanto, a configuração contemporânea do mercado editorial, mundializado e

altamente tecnológico, não impede as editoras de eventualmente de lançarem coleções

voltadas para as Ciências Sociais, como pode ser conferido na sequencia:

Novas coleções de Ciências Sociais

Título Editora Proposta

Aldus Unisinos Transdisciplinar, com livros

de sociólogos, historiadores,

pedagogos e psicanalistas. O

título da coleção é uma

homenagem ao criador do

formato pocket book, o editor

veneziano Aldus Pius

Manutius (1450?-1515).

Entre os títulos, livros de

Gerard Leclérc e Peter Burke.

Antropologia Hoje Terceiro Nome Parceria com a NAU/USP, a

coleção promove novas

pesquisas no campo da

antropologia social, com

ênfase nos “processos sociais

contemporâneos”.

Ciências Sociais Editora Appris A editora curitibana publica

ensaios, dissertações e teses

de ciências sociais de jovens

pesquisadores.

Claro-Enigma Companhia das Letras Na verdade, um selo editorial

da editora Schwarcz, criado

com a intenção de oferecer

um material paradidático

professores, com especial

ênfase em ciências sociais,

pedagogia e teoria literária.

Também funciona como

ensaios para o público leitor

não ligado à academia.

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Descobrindo o Brasil Zahar Introdução a temas da

sociologia, da ciência

política, da história,

psicologia centrados nas

questões brasileiras, redigidos

por especialistas no tema.

Estado de Sítio Boitempo Editorial Livros de filósofos e

cientistas sociais que

propugnam formas

renovadoras de intervenção e

transformação social. São

autores alçados ao posto de

grandes nomes do

pensamento contemporâneo,

como Agamben e Zizek.

Nova Biblioteca de Ciências

Sociais

Zahar Com coordenação de Celso

Castro, procura resgatar a

tradição da famosa Biblioteca

de Ciências Sociais.

Mundo do Trabalho Boitempo Editorial Com foco na temática do

trabalho, e com coordenação

do sociólogo Ricardo

Antunes, publica os melhores

trabalhos sobre o tema dentro

de uma linha de esquerda.

Trans Editora 34 Embora a maioria dos autores

desta coleção sejam filósofos

pós-estruturalistas,

contemporâneos ou teóricos

da cibercultura, eles são

muito estudados por

sociólogos, antropólogos e

cientistas políticos. Jacques

Rancière, Pierre Levy, Bruno

Latour e Gilles Deleuze

(1925-1995) estão entre os

pensadores que transitam por

esses diferentes campos.

Cumpre destacar alguns pontos para complementar as informações:

1- Algumas coleções lançadas no contexto social e político da GCS – quase todas

com viés paradidático – continuam a ser editadas e/ou reimpressas, a exemplo da

Primeiros Passos, com vendas expressivas para seu público-alvo;

2- Editoras têm apostado em edições caprichadas das obras completas de autores

agora editados no Brasil em traduções vertidas diretamente da língua original

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por profissionais experientes. É o que a Editora da UNESP tem feito com os

livros de Theodor Adorno e Jürgen Habermas e a Zahar com Zigmunt Bauman;

3- Várias editoras de pequeno e médio porte especializaram-se em editar livros

acadêmicos a partir do auxílio à publicação, autorizados por fundações de

amparo à pesquisa. Entre essas editoras, a Annablume e a Alameda Editorial;

4- As facilidades propiciadas pela era da informação e os mecanismos produtivos,

das gráficas que imprimem em pequenas quantidades aos softwares de

diagramação, facilitaram a autopublicação ou a publicação por editoras voltadas

para livros por demanda, sejam impressos, seja para visualização em leitores

digitais, entre os quais o Kindle e o Kobo.

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Considerações finais

Uma frase de Carlos Benedito Martins, utilizada como uma expressão-chave

nesta dissertação, que apontava para os “efeitos paradoxais” da Reforma de 1968

acabou, em novos desdobramentos, caindo como luva para descrever como a coleção de

livros Grandes Cientistas Sociais, com uma proposta tão crítica, e que levava em seu

título um campo do conhecimento desprezado pelos paladinos da mercantilização do

ensino, conseguiu espaço em um ambiente de instabilidade política, com a censura ativa

e um crescente aumento na oferta de vagas no ensino superior privado, com foco no

atendimento de demandas para o mercado de trabalho menos afeito às Humanidades. O

preconceito contra as Ciências Sociais, e em maior medida contra a Sociologia, não era

exclusividade do cenário de um Brasil acossado por um regime autoritário de direita.

Pierre Bourdieu descreve algo semelhante na França – a pátria de Comte, Durkheim,

Tarde, Mauss – de meados do século XX. Segundo o autor,

ciência plebeia e vulgarmente materialista das coisas

populares, a sociologia é comumente percebida, em

especial nos países de antiga cultura, como vinculada a

análises grosseiras de dimensões mais vulgares,

comuns, coletivas, da existência humana (2010: 51).

Em meio à luta política, a dupla abertura para as Ciências Sociais (ao se

estabelecer com área de saber e ainda se “fazer ler” via mercado editorial) é um êxito

que não se deve furtar nem de figuras de proa como Florestan, nem das editoras – e elas

não eram escassas (veja a lista nos anexos). A coleção GCS terminou fulminada

ironicamente pelo próprio êxito que, além de gerar a “cultura do xérox” nas faculdades,

proporcionou a abertura de novas alternativas editoriais, com compilações e traduções

muitas vezes superiores às oferecidas pela Ática. A fundação das editoras do porte da

Companhia das Letras (1986) e da Cosac Naify (1997) e o aperfeiçoamento das editoras

universitárias elevaram o padrão de qualidade gráfico/ editorial. A GCS apresentava,

por um lado, cortes inexplicáveis em alguns textos. Mas, por outro, as introduções,

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escritas com esmero pelos organizadores, com supervisão de Florestan, são celebrados

pela excelência ao conjugar vida e obra do autor selecionado. Conforme visto no

capítulo 3, a morte de Anderson Fernandes Dias (1988) e Florestan Fernandes (1995),

seguido da aquisição da editora Ática pela empresa Abril Educação e da renovação da

estrutura organizacional da editora foram fatores determinantes para o fim da GCS.

Os dados estatísticos e as tabelas apresentadas aqui são fontes seguras para

afirmar que a coleção abordada nesta pesquisa surgiu na esteira da expansão do ensino

superior e ajudou no processo de formação de muitos cientistas sociais desde o final dos

anos 1990 até os dias de hoje. À parte os eventuais erros de tradução e revisão, e o

caráter militante e/ ou efêmero de algumas escolhas, a GCS reuniu méritos suficientes

para enquadrá-la como um instrumento de considerável valor didático para professores

e alunos. E compôs e compõe a bibliografia básica dos mais variados cursos. E é, por

sinal, motivo de orgulho para seus organizadores, como me revelou Roberto DaMatta:

Acho uma bela coleção. Hoje não fazemos mais essas coisas

com a desculpa que tudo está na net. Um erro. Eu adorei

participar, fiquei orgulhoso e quando passei uma breve

temporada em Cambridge como Visiting Scholar e conheci o

Leach pessoalmente ele me escreveu uma nota carinhosa e

emocionada pela coleção que reuni. Foi um momento muito

gratificante da minha vida acadêmica.

Edson Passetti adota tom semelhante ao de DaMatta:

A coleção é importante e permanece atual. Ela apresenta os

autores por meio de estudos sempre convincentes, segundo a

perspectiva adotada pelo organizador do volume, introduz o

leitor à obra destes pesadores e às suas marcas políticas, instiga

a conhecê-los detalhadamente e à história das ciências sociais

(não só europeia e estadunidense, mas principalmente latino-

americana). Enfim, a coleção corresponde ao que se pretende ao

apresentar pensadores marcantes das ciências sociais no Brasil.

Este trabalho permitiu ainda lançar luz sobre a relação comercial e simbólica

entre o sistema educacional e o mercado editorial, na qual ambas as partes obtém

benefícios. As instituições de ensino têm sua demanda atendida pelas editoras, que por

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sua vez obtém lucro e capital simbólico. No caso específico da Ática, ela conseguiu se

estruturar ao atingir todas as pontas da Educação, do ensino básico à pós-graduação. Ao

lado da coleção Ensaios, a GCS pavimentou uma via para a incorporação da editora no

ramo universitário e, se não popularizou, ao menos ajudou a divulgar para um público-

leitor mais amplo autores das Ciências Sociais, dos teóricos clássicos às novidades.

Some-se a ela uma coleção como Os pensadores e os opúsculos introdutórios lançados

pela Brasiliense (Primeiros Passos, Tudo é história) – e aqui não se coloca opiniões

pessoais acerca da qualidade desses produtos – e verifica-se uma aproximação do

mercado editorial com as demandas do momento histórico, cultural e político do Brasil.

Espero, enfim, que este trabalho sirva aos futuros pesquisadores como uma

contribuição para um debate maior sobre a importância das coleções para a seleção e

constituição dos cânones e, claro, para a legitimação como autoridade acadêmica de

organizadores. E que venham outros trabalhos nesta linha, pois a difusão de

conhecimento, mesmo com o avanço dos mecanismos digitais, não vai perder esse

aspecto de ordenação para um melhor entendimento de educadores e alunos. Seja em

apostila, brochura, áudio-book ou leitores digitais, as coleções seguirão com sua função

de nos ajudar a entender o mundo em que vivemos e as ideias que nos inspiram.

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Associação Nacional de Livrarias <www.anl.org.br>

Câmara Brasileira do Livro (CBL) <www.cbl.org.br>

Cientistas Sociais – Língua Portuguesa (CPDOC/FGV) <cpdoc.fgv.br/cientistassociais>

Editora Ática <www.atica.com.br>

Fundação Biblioteca Nacional <www.bn.br>

Fundação Getúlio Vargas (CPDOC) <www.cpdoc.fgv.br>

Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) <www.ibge.gov.br>

Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (INEP) <www.inep.gov.br>

Sindicato Nacional dos Editores de Livros (SNEL) <www.snel.org.br>

Depoimentos concedidos para esta pesquisa

Edgard de Assis Carvalho [por e-mail], dia 05 de nov. 2013.

Roberto DaMatta [por e-mail], dia 11 de nov.2013.

Fernando Paixão [Presencial], dia 13 de mai. 2013.

Edson Passetti [por e-mail], dia 09 de fev. 2014.

Documentários/ Programas de Entrevistas

Florestan Fernandes, o mestre. Direção: Roberto Stefanelli. Depoimentos de

Fernando Henrique Cardoso, Antonio Candido, Florestan Fernandes Filho, José Dirceu,

Ivan Valente, Jarbas Passarinho. Brasília, TV Câmara, 2004.

<http://www2.camara.leg.br/camaranoticias/tv/materias/DOCUMENTARIOS/162

709-FLORESTAN-FERNANDES---O-MESTRE.html> Acesso em: 08/02/2013

A construção de Fernando Henrique. Direção: Roberto Stefanelli. Depoimentos de

Clóvis Carvalho, Leôncio Martins Rodrigues, Boris Fausto, José Arthur Giannotti.

Gustavo Franco. Brasília, TV Câmara, 2012, 56min51. Disponível em < http://www2.camara.leg.br/camaranoticias/tv/materias/DOCUMENTARIOS/414641-A-

CONSTRUCAO-DE-FERNANDO-HENRIQUE.html> Acesso em: 10/09/2013.

José Mindlin, editor. Entrevista a Tereza Kikuchi. Direção: Raimo Benedetti. São

Paulo: Edusp, 2004.

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129

ANEXOS

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Editoras não universitárias com títulos na área de Ciências Sociais

(entre 1968 e 1988)

Editora Fundação

Artmed 1973

Abril Cultural 1968

Ática 1965

Brasiliense 1943

Civilização Brasileira 1932

Companhia das Letras 1986

Cia Editora Nacional 1925

Contexto 1987

Cortez Editora 1980

Cultrix 1956

Difusão Européia do Livro – Difel 1951

Duas Cidades 1954

Edições Loyola 1958

Global 1973

Globo 1909*

Guanabara Koogan 1932

Hucitec 1971

Jorge Zahar Editor 1956**

José Olympio 1931

L&PM 1974

LTC Não informado

Nova Fronteira 1965

Paz e Terra 1966

Pioneira Não informado

Perspectiva 1965

Papirus 1982

Summus Editorial 1974

T.A Queiroz Não informado

Tempo Brasileiro 1962

Vozes 1901

*Adquirida em 1986 pelas Organizações Globo

**Tornou-se Jorge Zahar Editor em 1985

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Cronologia: O Brasil e o mundo entre 1978 e 1990

1978

- A Frente Nacional de Redemocratização lança como candidato à sucessão de Ernesto

Geisel o general moderado Euler Bentes Monteiro (1917-2002), tendo como vice na

chapa o senador e jurista Paulo Brossard.

- No espaço de poucos meses, ocorreram dois Conclaves no Vaticano. No primeiro, em

26 de agosto, o cardeal italiano Albino Luciani foi eleito o Papa João Paulo I, mas sua

morte, em 28 de setembro, resulta em uma nova eleição que aponta o triunfo do polonês

Karol Josef Wojtyla (1920-2005), consagrado Papa João Paulo II.

- Oito países da América do Sul viviam naquele momento ditaduras militares com apoio

explícito de setores civis conservadores: Argentina, Bolívia, Brasil, Chile, Equador,

Paraguai, Peru, Uruguai. Guiana e Suriname haviam recentemente obtido sua

independência, respectivamente, de Reino Unido e Holanda, enquanto a Guiana

Francesa permanecia como um departamento ultramarino da França e as Ilhas

Falklands/ Malvinas pertenciam ao Reino Unido, mas com a reivindicação da

Argentina. Apenas Venezuela e Colômbia viviam em regimes ditos democráticos.

- No dia 13 de outubro, o Ato Institucional n.5 (AI-5) é revogado, em decreto assinado

por Geisel. As novas determinações entrariam em vigor no dia 1º de janeiro de 1979.

1979

- O general João Baptista Figueiredo assume a Presidência do Brasil. Ele seria o último

presidente-militar da história do Brasil.

- É deflagrada a Revolução Iraniana. O xá Reza Pahlavi é deposto e em seu lugar

assume o aiatolá Ruhollah Khomeini. O Irã transforma-se em uma república islâmica.

- Líder do Partido Conservador, Margareth Thatcher (1925-2013) assume em maio

posto de primeira-ministra do Reino Unido, cargo que ocupa até 1990.

- Refundação no Brasil da União Nacional dos Estudantes (UNE)

- Com as garantias constitucionais após a anulação do AI-5, diversos políticos e

intelectuais retornam do exílio, entre eles o sociólogo Herbert de Souza, o Betinho

(1935-2007) e Leonel Brizola (1922-2004). Abre-se também a brecha para a legalização

e criação de novos partidos políticos.

- A União Soviética invade o Afeganistão no final de dezembro, crise que se transforma

no motivo principal para o boicote de países alinhados aos EUA aos Jogos Olímpicos de

Moscou-1980.

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1980

- Robert Gabriel Mugabe assume o poder do Zimbábue. Ele permanece até hoje como

ditador do país africano.

- No dia 10 de fevereiro é fundado em São Paulo o Partido dos Trabalhadores (PT), sob

a liderança do sindicalista Luis Inácio Lula da Silva e a adesão de sindicatos,

movimentos sociais e intelectuais vinculados a um pensamento de esquerda.

- Em agosto é fundado o Solidariedade, sindicato polonês liderado por Lech Walesa,

prêmio Nobel da Paz em 1983.

- Morre o músico John Lennon, assassinado por um fã em Nova York.

- Um ano marcado pelo falecimento de importantes intelectuais, entre eles o filósofo

francês Jean Paul Sartre, o teórico da comunicação canadense Marshal McLuhan, o

semiólogo francês Roland Barthes e os escritores brasileiros Nelson Rodrigues

(dramaturgo, cronista) e Vinicius de Moraes (poeta).

1981

- Em 20 de janeiro, o republicano Ronald Reagan (1911-2004) assume a Presidência

dos Estados Unidos da América.

- Morre o cineasta brasileiro Glauber Rocha, diretor de Deus e o diabo na terra do Sol

(1963) e Terra em Transe (1967).

1982

- Argentina invade as Ilhas Falklands e declara-a como sua propriedade (Ilhas

Malvinas). O Reino Unido responde com vigor e, em pouco mais de dois meses de

Guerra, retoma o território.

- Eleições para governadores no Brasil. Em São Paulo, é eleito André Franco Montoro

(PMDB). No Rio de Janeiro, após um rumoroso caso de fraude eleitoral (Proconsult),

Leonel Brizola (PDT) obtém nas urnas a vitória.

- Morre o historiador Sérgio Buarque de Holanda, autor de Raízes do Brasil (1936).

1983

- Fim da ditadura na Argentina. Assume a presidência o advogado Raúl Alfonsín (1927-

2009), da União Cívica Radical.

- É fundada no Brasil a Central Única dos Trabalhadores (CUT).

1984

- A Apple Computers Inc. lança a primeira versão do computador pessoal Macintosh, o

Mac, tendo à frente do projeto o empresário e inventor Steve Jobs (1955-2011).

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- Ocorrem no Brasil diversos comícios em favor da Emenda Dante de Oliveira que

solicitava o retorno às eleições diretas para presidência da República. Milhões de

brasileiros vão às ruas das cidades, sobretudo das capitais, pelas Diretas Já. A Emenda é

rejeitada pelo Congresso Nacional no dia 25 de abril.

- Daniel Ortega, da Frente Sandinista pela Libertação da Nicarágua (FSLN) vence as

eleições no país. O triunfo é um marco simbólico da luta das esquerdas na América

Latina e é inspiradora para muitos militantes no Brasil.

- Em resposta ao boicote a Moscou-1980, o bloco socialista não participa dos Jogos

Olímpicos de Los Angeles-1984.

1985

- Mikhail Gorbachev assume o posto de Secretário-Geral do Partido Comunista da

União Soviética e inicia as reformas que propiciam a abertura política e econômica.

- É lançado pela Microsoft, de Bill Gates, o sistema operacional Windows 1.0.

- Tancredo Neves, do PMDB, vence Paulo Maluf nas eleições indiretas no Colégio

Eleitoral em 15 de janeiro. Enfrenta, logo em seguida, uma dramática luta contra uma

doença e não resistiu e faleceu no Hospital das Clínicas, em São Paulo, no dia 21 de

abril. Assume a presidência o seu vice, José Sarney.

1986

- Acidente nuclear em Chernobyl, na Ucrânia, é considerado o maior desastre radioativo

da história e atingindo, além da Ucrânia, outras nações que compunham a URSS, tais

como a Rússia e a Bielorrússia.

- É criado o Plano Cruzado, sob a presidência de José Sarney e o ministro da Fazenda

Dilson Funaro. Participaram do plano André Lara Resende, Pérsio Arida, Edmar Bacha

e João Sayad. Em princípio, o Plano surte um efeito de otimismo. O mercado

fonográfico, por exemplo, atinge números impressionantes e o mercado editorial entra

na onda. Meses depois, porém, após as eleições para governadores, com vitória

esmagadora do PMDB, o Plano Cruzado naufraga.

1987

- Toma posse a Assembleia Nacional Constituinte, eleita em 1986 e incumbida da tarefa

de elaborar uma Constituição Federal. Entre os congressistas, nomes como Florestan

Fernandes, Vladimir Palmeira, Plinio Arruda Sampaio e Lula, Fernando Henrique

Cardoso, Ulisses Guimarães, Michel Temer, José Serra, Fernando Lyra, Delfim Netto,

Aloysio Teixeira, Guilherme Afif Domingos, Teotônio Vilela Filho, Mario Covas,

Marco Maciel, Afonso Arinos e Itamar Franco.

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1988

- Promulgação, a cinco de outubro, da Constituição da República Federativa do Brasil,

com discurso do presidente do Congresso Ulysses Guimarães. A Constituição, embora

influenciada pela guinada do bloco Centrão, é denominada Constituição Cidadã.

- Assassinato, em dezembro, do líder seringalista Chico Mendes.

- EUA e URSS finalmente se reúnem nos Jogos Olímpicos de Seul, embora o evento

não esteja imune a boicotes de Cuba e Coreia do Norte.

1989

- URSS retira, enfim, suas tropas do Afeganistão, uma derrota político-militar de alto

impacto para o futuro do bloco socialista.

- Carlos Menem é eleito presidente da Argentina e George Bush assume o poder nos

EUA. Carlos Andrés Perez reassume o poder na Venezuela e o general Alfred

Stroessner é deposto no Paraguai.

- Queda do Muro de Berlim prenuncia o fim da Guerra Fria e da Política de Blocos. Na

Romênia, a revolução pede a cabeça de Nicolae Ceauscescu.

- Fernando Collor de Mello, do PRN, vence no segundo turno petista Luis Inácio Lula

da Silva nas primeiras eleições diretas para presidente da República Federativa do

Brasil. A disputa é marcada por golpes baixos e por manipulações televisivas.

1990

- O Kuwait é anexado ao Iraque, estopim da I Guerra do Iraque.

- No dia 11 de fevereiro, Nelson Mandela (1918-2013) é libertado da prisão na Africa

do Sul. O regime do apartheid se aproxima de seu fim.

- O Plano Collor, anunciado poucos dias após a posse do presidente, confisca poupanças

e gera pânico na população. É mais um plano econômico fracassado.

- Situação na Europa: Reunificação da Alemanha, Lech Walesa eleito presidente da

Polônia e URSS em situação delicada.

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Reportagens sobre a coleção Grandes Cientistas Sociais*

*Páginas digitalizadas extraídas dos acervos dos respectivos jornais.

Nota publicada na seção “Letras”, Folha de S. Paulo, 5/11/1978.

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Matéria do jornalista e professor Nilo Scalzo (1929-2007) sobre o volume Benjamin, organizado por

Flávio Kothe. Estado de S. Paulo, 20/10/1985.

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Matéria sobre coletânea inédita de Florestan Fernandes – O Globo, 19/08/1995.

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CADERNO DE IMAGENS

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Figura 1 - Capa do primeiro volume da coleção Grandes Cientistas Sociais - Durkheim, 1978.

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Figura 2 - Exemplo de capa e contracapa da coleção, padronizada para todos os volumes.

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Figura 3 - Volume sobre Roger Bastide, professor de Florestan Fernandes.

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Figura 4 – Volume sobre Lenin, organizado por Florestan Fernandes

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Figura 5 - Florestan Fernandes (1920-1995), coordenador editorial da coleção Grandes Cientistas

Sociais. Crédito da foto: Sérgio Berezovski Fonte: Educar para Crescer, Ed. Abril.

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Figura 6 - Organizador de três volumes, José Paulo Netto foi um dos principais colaboradores da

coleção Grandes Cientistas Sociais. A foto acima foi extraída do site do PCB (www.pcb.org.br)

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