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Page 1: Curso de Direito Processual Civil - v.3 (2014) - 12a edição: Revista, ampliada e atualizada

Fredie Didier Jr.Professor-associado da Faculdade de Direito da Universidade Federal da Bahia (graduação, mestrado e doutorado). Coordenador do curso de graduação da Faculdade Baiana de Direito, Membro da Associação Internacional de Direito Processual (IAPL), do Instituto Iberoamericano de Direito Processual, do Instituto Brasileiro de Direito Processual e da Associação Norte e Nordeste de Professores de Processo. Mestre (UFBA), Doutor (PUC/SP), Livre-docente (USP) e Pós-doutorado (Universidade de Lisboa). Advogado e consultor jurídico. www.frediedidier.com.br

Leonardo Carneiro da CunhaMestre em Direito pela UFPE. Doutor em Direito pela PUC/SP. Pós-doutorado pela Universidade de Lisboa. Professor adjunto da Faculdade de Direito do Recife (UFPE), nos cursos de graduação, mestrado e doutorado. Membro do Instituto Iberoamericano de Direito Processual e do Instituto Brasileiro de Direito Processual. Diretor de Relações Ins-titucionais da Associação Norte e Nordeste de Professores de Processo. Procurador do Estado de Pernambuco. Advogado e consultor jurídico. www.leonardocarneirodacunha.com.br

12ª ediçãoRevista, ampliada e atualizada de acordo com as súmulas do STF, STJ e TST, as Leis Federais n. 12.016/2009, 12.153/2009, 12.322/2010, 12.431/2011, 12.529/2011 e 12.594/2012, a Lei Complementar 132/2009, a Emenda Regimental n. 31/2009-STF (mudanças no plenário virtual sobre a repercussão geral no recurso extraordinário), as Resoluções do STF n. 450/2010 e 451/2010 e a Resolução do STJ n. 12/2009 (regu-lamento das reclamações contra decisão de turma recursal em Juizado Estadual con-trária ao entendimento predominante no STJ).

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MEIOS DE IMPUGNAÇÃO ÀS DECISÕES JUDICIAIS E PROCESSO NOS TRIBUNAIS

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TEORIA DOS RECURSOS

C IT R

Sumário • 1. Conceito de recurso – 2. O princípio do duplo grau de jurisdição – 3. O recurso no sistema dos meios de impugnação da decisão judicial – 4. Classifi cação: 4.1. Quanto à extensão da matéria: recurso parcial e recurso total; 4.2. Quanto à fundamentação: fundamentação livre e fundamentação vinculada – 5. Atos sujeitos a recurso e recursos em espécie: 5.1. Introdução – considerações sobre as mudanças feitas pela Lei Federal n. 11.232/2002, em relação à defi nição dos pronunciamentos judiciais; 5.2. Sistematização – 6. Desistência do recurso – 7. Renúncia ao direito de recorrer e aquiescência à decisão – 8. Juízo de admissibilidade e juízo de mérito do recurso: 8.1. Juízo de admissibilidade e juízo de mérito: distinção; 8.2. Generalidades sobre o juízo de admissibilidade; 8.3. Objeto do juízo de admissibilidade; 8.3.1. Consideração introdutória; 8.3.2. Cabimento. Princípio da fungibilidade. Regras da singularidade e da taxatividade dos recursos: 8.3.2.1. Princípio da fungibilidade dos recursos; 8.3.2.2. Regra da unici-dade, unirrecorribilidade ou singularidade; 8.3.2.3. Regra da taxatividade; 8.3.3. Legitimidade (art. 499, CPC); 8.3.4. Interesse: 8.3.4.1. Generalidades; 8.3.4.2. Interesse recursal e formação do precedente judicial; 8.3.5. Inexistência de fato impeditivo ou extintivo do poder de recorrer; 8.3.6. Tempestividade; 8.3.7. Regularidade formal. A regra da dia-leticidade dos recursos; 8.3.8. Preparo; 8.4. Natureza jurídica do juízo de admissibilidade; 8.5. Juízo de mérito; 8.5.1. Conceito de mérito do recurso; 8.5.2. A causa de pedir recursal: o error in procedendo e o error in iudicando; 8.5.3. Cumulação de pedidos no recurso 8.5.4. Julgamento rescindente e julgamento substitutivo. O efeito substitutivo dos recursos – 9. Princípio da proibição da reformatio in pejus. Vedação ao “benefício comum” do recurso – 10. Efeitos dos recursos: 10.1. Impedimento ao trânsito em julgado; 10.2. Efeito suspensivo; 10.3. Efeito devolutivo: extensão e profundidade (efeito translativo); 10.4. Efeito regressivo ou efeito de retratação; 10.5. Efeito expansivo subjetivo (extensão subjetiva dos efeitos) – 11. O recurso adesivo.

1. CONCEITO DE RECURSO

Recurso é o “remédio voluntário idôneo a ensejar, dentro do mesmo processo, a reforma, a invalidação, o esclarecimento ou a integração de decisão judicial que se impugna”1. É preciso fazer algumas anotações a esse conceito.

a) O conceito de recurso não pertence à teoria geral do processo. Trata-se de concei-to jurídico-positivo, que depende, pois, do exame de um dado ordenamento jurídico. A teoria geral do processo tem por objeto o estudo da decisão judicial, mas a criação dos meios de impugnação dessa decisão e o delineamento de suas características são tarefas do direito positivo.

É por isso que, no direito brasileiro, recurso é remédio voluntário, o que exclui do âmbito de incidência do seu conceito a remessa necessária, que é regulada em dispositivo que se encontra fora do título do CPC que cuida dos recursos (CPC, art. 475).

b) O recurso prolonga o estado de litispendência, não instaura processo novo. É por isso que estão fora do conceito de recurso as ações autônomas de impugnação, que dão origem a processo novo para impugnar uma decisão judicial (ação rescisória, manda-do de segurança contra ato judicial, reclamação constitucional, embargos de terceiro etc.).

1. MOREIRA, José Carlos Barbosa. Comentários ao Código de Processo Civil. 11 ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Forense, 2003, v. 5, p. 233.

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FREDIE DIDIER JR. E LEONARDO CARNEIRO DA CUNHA

c) O recurso é “simples aspecto, elemento, modalidade ou extensão do próprio direito de ação exercido no processo”2. O direito de recorrer é conteúdo do direito de ação (e também do direito de exceção), e o seu exercício revela-se como desenvolvimento do direito de acesso aos tribunais.

d) O direito de recorrer é potestativo3, porque produz a instauração do procedimento recursal e o respectivo complexo de situações jurídicas dele decorrentes, como, por exemplo, o direito à tutela jurisdicional recursal (direito à resposta do Estado-Juiz, que deve ser qualifi cado pelos atributos do devido processo legal) e o dever de o órgão julgador examinar a demanda. O direito à tutela jurisdicional recursal é um direito a uma prestação4.

O direito ao recurso é conteúdo do direito fundamental de ação. À semelhança do que ocorre com este, o direito ao recurso possui também um conteúdo complexo. Sobre o assunto, ver o v. 1 deste Curso.

2. O PRINCÍPIO DO DUPLO GRAU DE JURISDIÇÃO

O princípio do duplo grau de jurisdição está garantido pela atual Constituição Federal? Eis a pergunta que se pretende responder neste item.

Questão que divide a doutrina é a que se refere à natureza constitucional do princí-pio do duplo grau de jurisdição. A Constituição Federal de 1988, no inciso LV do art. 5º, assegurou a todos os litigantes em processo administrativo ou judicial o direito ao contraditório e à ampla defesa, com todos os meios e recursos a ele inerentes; todavia, expressamente, não aludiu ao duplo grau de jurisdição, mas sim aos instrumentos ine-rentes ao exercício da ampla defesa. Por esse motivo, autorizada doutrina pátria repele que o duplo grau de jurisdição esteja alçado à categoria de princípio constitucional5.

Luiz Guilherme Marinoni, ao tratar do caráter constitucional do duplo grau de jurisdi-ção, afi rma que o aludido inciso do art. 5º garante os recursos inerentes ao contraditório, vale dizer, o direito aos recursos previstos na legislação processual para um determinado

2. MOREIRA, José Carlos Barbosa. Comentários ao Código de Processo Civil. 11 ed. cit., p. 236, com inúmeras referências bibliográfi cas. Também neste sentido, com ampla fundamentação, NERY Jr., Nelson, Princípios funda-mentais – Teoria geral dos recursos, 5 ed. São Paulo, RT, 2000, p. 184-206.

3. Assim, também, AMORIM, Aderbal Torres de. Recursos cíveis ordinários. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005, p. 19.

4. Há, pois, dois direitos (duas situações jurídicas processuais): o direito ao recurso e o direito à tutela jurisdicional recursal, que decorre do exercício do primeiro. Com outra visão, considerando o direito ao recurso como um direito a uma prestação, pois o “Estado tem de prestar para satisfazer o direito ao recurso – prestar tutela jurisdicional”, OLIVEIRA, Carlos Alberto Alvaro de; MITIDIERO, Daniel. Curso de Processo Civil. São Paulo: Atlas, 2012, v. 2, p. 164, nota 2.

5. MOREIRA, José Carlos Barbosa. Comentários ao Código de Processo Civil. 11 ed. cit., p. 239-40; NERY JR., Nelson. Princípios do processo civil na Constituição Federal. 6 ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: RT, 2000, p. 169-172. Pontua este autor que, muito embora o duplo grau de jurisdição, no tocante ao processo civil, não seja princípio constitucional, quanto ao processo penal, por força do disposto no §2º do art. 5º da CF/88, o Pacto de San José da Costa Rica – art. 8º, n. 2 – teria incluindo no rol de direitos e garantias voltadas ao acusado no processo penal o direito ao duplo grau de jurisdição, porquanto a norma do tratado aluda ao “direito de recorrer da sentença a juiz ou tribunal superior” – p. 172.

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TEORIA DOS RECURSOS

caso concreto, ressalvando que, para uma certa hipótese, pode o legislador infraconstitu-cional deixar de prever a revisão do julgado por um órgão superior.6 Registra, ainda, os inconvenientes causados pelo duplo grau de jurisdição, mormente no tocante ao princípio da oralidade e à credibilidade do Judiciário.

Há aqueles que pugnam pelo perfi l constitucional do princípio do duplo grau de jurisdição: Nelson Luiz Pinto7, Calmon de Passos8, Luiz Rodrigues Wambier e Teresa Arruda Alvim Wambier9.

O primeiro parte da premissa segundo a qual a referência a “recurso” que consta do inciso LV do art. 5.º da CF não se refere ao sentido estrito do termo, ao sistema recursal processual, mas à possibilidade, em tese, de que toda decisão comporte im-pugnação por vias autônomas (mandado de segurança, ações rescisórias etc.), de que os atos de poder, praticados pelo Judiciário, possam ser submetidos a controle pelas partes. Este seria o sentido amplo dado ao termo recurso utilizado pela Constituição, abrangendo tanto os recursos stricto sensu como as ações autônomas de impugnação, os quais atenderiam ao princípio do duplo grau de jurisdição, dando a este o caráter constitucional10.

Luiz Rodrigues Wambier e Teresa Arruda Alvim Wambier ponderam que, sem embar-go de não vir expresso no texto constitucional, o princípio do duplo grau de jurisdição é considerado de caráter constitucional em virtude de estar umbilicalmente ligado à moderna noção de Estado de Direito11, que, por sua vez, exige o controle, em sentido duplo, das atividades do Estado pela sociedade. Asseveram que o duplo grau desempenha controle nos dois planos: a sociedade, que, em cada processo, está “fi gurada” pelas partes, exerce o controle da atividade estatal por meio do manejo de recursos; e, no plano interno do Poder Judiciário, os órgãos hierarquicamente superiores “controlam” as decisões pro-manadas dos inferiores12.

Advertem, entretanto, que o princípio do duplo grau de jurisdição, conquanto de cunho constitucional, comporta limitações, cujo exemplo está no § 3º do art. 515, do CPC, que permite ao Tribunal, no julgamento de apelação interposta contra sentença terminativa, conhecer diretamente do mérito, dês que a causa verse exclusivamente sobre questão de direito e esteja pronta para julgamento; nesse caso, mesmo não havendo

6. Tutela antecipatória, julgamento antecipado e execução imediata da sentença. 2 ed. São Paulo: RT, 1998, p. 217-8.7. Manual dos Recursos Cíveis. 3 ed. 2ª tir. São Paulo: Malheiros, 2003, p. 85-87.8. Direito, Poder, Justiça e Processo. Rio de Janeiro: Forense, 2000, p. 69-70; “O devido processo legal e o duplo grau

de jurisdição”. Revereor – estudos jurídicos em homenagem à Faculdade de Direito da Bahia (1891-1981). Saraiva: 1981, p. 83-96.

9. Breves Comentários à 2ª Fase da Reforma do Código de Processo Civil. 2 ed. São Paulo: RT, 2002, p. 131-41.10. Manual dos Recursos Cíveis. 3 ed. São Paulo: Malheiros, 2003, p. 86.11. Neste sentido as ponderações de Nelson Luiz Pinto: “toda decisão é um ato de poder e, como tal, deve comportar

controle por parte dos jurisdicionados, como princípio basilar do Estado de Direito”. (Manual dos recursos cíveis, cit., p. 86).

12. Breves Comentários à 2ª Fase da Reforma do Código de Processo Civil. 2 ed. cit., p. 140.


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