CÂMARA DOS DEPUTADOS
DEPARTAMENTO DE TAQUIGRAFIA, REVISÃO E REDAÇÃO
NÚCLEO DE REDAÇÃO FINAL EM COMISSÕES
TEXTO COM REDAÇÃO FINAL
COMISSÃO DE RELAÇÕES EXTERIORES E DE DEFESA NACIONALEVENTO: Audiência Pública N°: 385/2002 DATA: 8/5/2002INÍCIO: 14h44min TÉRMINO: 17h38min DURAÇÃO: 2h54minTEMPO DE GRAVAÇÃO: 2h57min PÁGINAS: 75 QUARTOS: 36REVISÃO: Madalena, Odilon, WaldecíriaSUPERVISÃO: Cláudia Luiza, Lívia, Márcia, Myrinha, Yoko, ZuzuCONCATENAÇÃO: Débora
DEPOENTE/CONVIDADO – QUALIFICAÇÃO
CIRO GOMES – Ex-Prefeito de Fortaleza, ex-Governador do Ceará e ex-Ministro da Fazenda,pré-candidato à Presidência da República.
SUMÁRIO: Debate com o pré-candidato à Presidência da República, Ciro Gomes, sobre políticaexterna e defesa nacional do Brasil no século XXI.
OBSERVAÇÕES
Há intervenção inaudível.
CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINALNome: Comissão de Relação Exteriores e de Defesa NacionalNúmero: 0385/02 Data: 8/5/2002
1
O SR. PRESIDENTE (Deputado Aldo Rebelo) – Havendo número regimental,
declaro abertos os trabalhos da presente reunião da Comissão de Relações
Exteriores e de Defesa Nacional.
Convido para tomar assento à mesa o ex-Prefeito, ex-Governador do Ceará e
ex-Ministro da Fazenda, Dr. Ciro Ferreira Gomes (palmas); o Senador Roberto
Freire, Presidente do PPS e Líder da bancada do partido nesta Casa; o Sr.
Deputado João Herrmann Neto e o Dr. José Carlos Martinez, Presidente do PTB.
Registro a presença do Presidente Nacional do Partido dos Trabalhadores,
José Dirceu.
Sras. e Srs. Deputados, prezados amigos, a presente reunião de audiência
pública resulta da decisão da Comissão de Relações Exteriores e de Defesa
Nacional de ouvir os pré-candidatos à Presidência da República.
Temos a honra de receber o pré-candidato Ciro Ferreira Gomes, primeiro a
confirmar sua vinda.
Os demais pré-candidatos, o Senador José Serra, o Sr. Luiz Inácio Lula da
Silva e o ex-Governador Anthony Garotinho, já confirmaram presença.
A presente reunião tem como finalidade ouvir os pré-candidatos à Presidência
da República sobre política externa e defesa nacional do Brasil no século XXI, temas
de relevante interesse para a sociedade brasileira, porque esta depende cada vez
mais da política e da atitude dos governos nas relações externas, principalmente o
setor ligado à economia, e, por razões óbvias, interessa-se por dados geopolíticos
do Brasil em relação à América do Sul e ao mundo.
Solicito a todos silêncio e peço desculpas, porque não temos lugares para
que todos permaneçam sentados.
CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINALNome: Comissão de Relação Exteriores e de Defesa NacionalNúmero: 0385/02 Data: 8/5/2002
2
Antes de passar a palavra ao Sr. Ciro Gomes, devo dizer que é uma
satisfação muito grande recebê-lo nesta Casa, pois se trata de velho amigo, ainda
da época do movimento estudantil. Dr. Ciro Gomes participou da reconstrução da
União Nacional dos Estudantes, foi Deputado pelo Estado do Ceará e, ainda muito
jovem, Prefeito da cidade de Fortaleza, Governador do Estado do Ceará, Ministro da
Fazenda do Governo Itamar Franco. Tem sua trajetória ligada à escola pública, à
universidade pública. Classificou-se em primeiro lugar no exame para o Curso de
Direito; foi professor da Universidade de Fortaleza; foi professor da Universidade do
Vale do Acaraú, na cidade de Sobral, onde tem originariamente sua base política e
de cujo Prefeito, seu irmão, faz elogiada administração.
Dr. Ciro Gomes, depois do exercício do Ministério da Fazenda, dedicou-se,
além da atividade política, à atividade intelectual, escrevendo regularmente para os
jornais brasileiros e produzindo, em parceira, livros sobre o presente e o futuro do
nosso País.
A presença do ex-Governador Ciro Gomes no cenário político do Brasil
demonstra a capacidade que o País tem de renovar seus quadros políticos, de
reciclar suas lideranças políticas. Entre outros, o seu nome, naturalmente, firma-se
como importante liderança política do nosso País, que contribui não apenas no plano
da ação político-partidária, mas também no plano das idéias, das opiniões e do
pensamento renovador sobre os caminhos e o futuro da nossa Pátria.
Com muita alegria, com muita honra, passo a palavra ao amigo, ao ex-
Ministro, ex-Governador e pré-candidato da Frente Trabalhista ao Governo do Brasil,
Dr. Ciro Gomes. (Palmas.)
CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINALNome: Comissão de Relação Exteriores e de Defesa NacionalNúmero: 0385/02 Data: 8/5/2002
3
O SR. CIRO GOMES – Caro Presidente da Comissão de Relações Exteriores
e de Defesa Nacional da Câmara dos Deputados, meu estimado amigo, Deputado
Aldo Rebelo; caro Senador Roberto Freire, companheiro e Presidente do meu
partido; caro Deputado José Carlos Martinez, companheiro e Presidente Nacional do
PTB; caro Deputado João Herrmann, Líder do meu partido nesta Casa; Sras. e Srs.
Deputados membros desta Comissão, honrado por aqui estar, rogo permissão para
destacar o companheiro Deputado Neiva Moreira, integrante ilustre do Partido
Democrático Trabalhista, e em seu nome saudar, fraternalmente, as Srs. e os Srs.
Deputados Federais.
Sr. Presidente, Sras. e Srs. Deputados, considero da mais sensível
importância a iniciativa do Parlamento brasileiro de, por intermédio desta Comissão,
convocar os que postulam a suprema honra de servir ao País como seu presidente
para discutir a questão internacional, as relações externas do País, e a nossa
modelagem de defesa nacional. E assim o considero a despeito de não ser
praticável isto que lhes vou mencionar.
Países de dimensão continental como aquela que possui o Brasil, países
como a China, Rússia, Indonésia e Índia, de grande contingente populacional e
cujas fronteiras são largas, acabam por gerar no imaginário das suas populações a
percepção equivocada de que poderíamos imaginar a construção dos nossos
destinos de forma autárquica. Isso nunca foi definitivamente verdadeiro.
Nos tempos modernos, há uma sensibilidade grave quanto aos componentes
de poupança financeira, distribuídos no mundo de forma assimétrica, e aos domínios
tecnológicos, também de forma ultra-assimétrica distribuídos no mundo, em que as
plataformas comerciais tomam relevo central na rotina de cada uma das nações do
CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINALNome: Comissão de Relação Exteriores e de Defesa NacionalNúmero: 0385/02 Data: 8/5/2002
4
mundo, seja na defesa dos seus mercados internos em relação à perfuração de
standards de produção oriundas do centro de excelência mundial, seja na busca
ansiosa de perfuração de mercados externos para construção de escala para as
respectivas economias.
Enfim, o que quero ponderar é que nunca foi e hoje dramaticamente não é
possível racionar o País, compreender mesmo seus problemas, qualquer que seja
seu caráter rotineiro, qualquer que seja a simplicidade com que ele explode no dia-a-
dia da nossa sociedade, da nossa comunidade; que não é mais possível imaginar a
compreensão dos problemas, muito menos a solução estrutural deles, sem
entender, com a complexidade necessária, a interação internacional do País. Da
forma como o Brasil se insere no mundo derivará um constrangimento mais ou
menos central, mais ou menos grave, potencialmente favorável ou explosivamente
destrutivo das perspectivas de nos afirmarmos como Nação soberana integrada ao
mundo.
Por isso — quero dizer, mais uma vez, como expressão de gratidão —, anda
com grande e especial acerto o Parlamento brasileiro, mostrando a sua cada vez
mais intrínseca relação com os destinos da sociedade, especialmente por esta
Comissão de Relações Exteriores e de Defesa Nacional, quando convoca este
debate. Nós precisamos popularizar a discussão sobre a relação internacional do
País.
Minha contribuição, modesta que seja, explicitará para V.Exas. um conjunto
de convicções submissas ao debate, mas não omitirá um conjunto de perplexidades,
dado que o tema exigirá uma expressão muito mais coletiva de ajuizamento, e eu
CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINALNome: Comissão de Relação Exteriores e de Defesa NacionalNúmero: 0385/02 Data: 8/5/2002
5
não creio em mentes iluminadas que solitariamente saibam de tudo ou conheçam,
solitariamente, a verdade.
Não creio, Excelências, que haja política externa ou de defesa nacional
praticável se ao País faltar um projeto interno que traga coesão e que hegemonize a
sociedade. Afirmo isso, categoricamente, porque os padrões de consumo das
sociedades modernas, tanto mais no mundo ocidental, vulneram nossas populações
a um padrão, volto a dizer, de consumo. A despoupança interna, crônica como está,
vulnera nosso País, e o gap tecnológico extenso, de três gerações, como há hoje, e
médio, na produção brasileira, vulnera também nosso País. Há um estágio agudo de
dependência da relação internacional.
A globalização, vendida para nós como ciência e que, a meu juízo, não passa
de ideologia de quinta categoria — se V.Exas. me permitem, quero destacar a
presença do Ministro Francisco Dornelles, que muito me honra —, não é um jogo de
iguais. Uma inserção passiva nessa federação de vanguardas que o mundo hoje
chama de globalização destrói um país com as características do Brasil, pela
simples circunstância de que a condição de empreender, de trabalhar, de produzir
não é global.
Sabem muito bem V.Exas. que a condição de empreender e produzir é
intrinsecamente nacional, e é uma variável que depende fundamentalmente da taxa
de juros — desculpe-me se vou entrar no tema por essas concretudes, que parecem
distantes do assunto, mas não o são. A taxa de juros internacional hoje é em média
de 0,5% ao ano no Japão, 1,75% ao ano nos Estados Unidos e 4% ao ano na
Europa. Como V.Exas. sabem, desconta-se uma duplicada no Brasil a 4% de juros
ao mês.
CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINALNome: Comissão de Relação Exteriores e de Defesa NacionalNúmero: 0385/02 Data: 8/5/2002
6
O Brasil está três gerações tecnológicas, em média, defasado em relação à
ponta mundial, e nos últimos cinco anos o déficit na conta de transferência
tecnológica cresceu no Brasil 1.400%, revelando estágio agudo de dependência
tecnológica, o que também é uma outra variável de dependência externa sobre a
qual devemos nos debruçar.
Por fim, a variável de escala das economias.
Ninguém precisa ser economista para entender que uma megaescala
relativiza de tal forma seus custos de produção e dramatiza de tal maneira seus
preços, podendo ganhar meio centavo de lucro numa unidade de bem ou serviço,
que o preço final de um produto produzido em megaescala é invariavelmente mais
barato no mundo do que custa produzi-lo em pequena escala. No caso brasileiro,
sete em cada dez empregos têm origem na pequena empresa, que, por definição,
opera em pequena escala. Foram essas três variáveis de dependência concreta,
essas assimetrias competitivas, que produziram para o Brasil — para que possamos
refletir teoricamente, a futuro, a partir de um diagnóstico mais consentâneo com a
realidade contemporânea brasileira — um estágio extremamente delicado nas suas
relações internacionais.
O Brasil tem hoje o maior passivo externo líquido da sua história.
Concretamente, isso vai aterrizar em necessidades de financiamento externo tais
que, só para fechar a conta externa brasileira neste exercício fiscal de 2002, nos
obrigarão a catar no estrangeiro 47 bilhões de dólares. Vinte bilhões de dólares, em
números redondos, é o tamanho do déficit em transações correntes no Brasil. Outros
27 bilhões de dólares são a quantia a ser amortizada no nosso endividamento
externo este ano.
CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINALNome: Comissão de Relação Exteriores e de Defesa NacionalNúmero: 0385/02 Data: 8/5/2002
7
Isso explica, por exemplo, por que a taxa de juros brasileira mantém-se como
a mais alta do mundo ao longo dos últimos dez anos — descontem-se
sazonalidades que nos tomam o pódio, como a crise que está destruindo este
grande país irmão, que é a Argentina. O Brasil, consistentemente, se obriga por este
enorme passivo externo, enquanto se mistifica internamente que a taxa de juros aí
está nesse nível em razão de uma metodologia de política econômica chamada
internacionalmente de inflation target, que entre nós tomou o nome de “meta de
inflação”. Certamente, parte do processo é interno. Mas devo lembrar a V.Exas.:
parece-me próximo de criminoso, data maxima venia de quem pensa diferente, que
a atual quadra de poder no Brasil indexou ao câmbio um terço da dívida interna
brasileira.
Em regime de câmbio flutuante, como é o atual regime de câmbio no País,
com déficit em transações correntes desse volume, indexar ao câmbio uma
volatilidade cambial certa significa transferir o ônus certo para algum momento —
não sei se ainda neste exercício ou no próximo — de desvalorização da nossa
moeda, com impacto fiscal absolutamente erosivo, inclusive da nossa expectativa de
manutenção de estabilidade da moeda.
Reparem, aqui está o nó traumático da transição daquilo que a meu juízo é
uma política de inserção passiva do Brasil nessa chamada ordem internacional, que,
na verdade, é uma ordem internacional monopolar, que não interessa às tradições
tão caras à diplomacia brasileira e que, perpassa os mais diversos regimes, desde
os períodos autoritário e democrático, com Getúlio, e exuberantemente democrático
com Juscelino Kubitschek, perpassando, inclusive com variações e nuanças, o
período militar, até o Governo Itamar Franco. A diplomacia brasileira guiava-se no
CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINALNome: Comissão de Relação Exteriores e de Defesa NacionalNúmero: 0385/02 Data: 8/5/2002
8
mundo por uma atitude ativa, presa a princípios que, creio, são mais modernos e
contemporâneos do que nunca, antes ditados por uma ética e agora ditados por uma
ética e por uma dramática necessidade estratégica. Refiro-me aos princípios
sistematizados da diplomacia brasileira de autodeterminação, de solução pacífica
dos conflitos, de não-intervenção em assuntos de terceiros e pela atuação nas
agências multilaterais que fortaleciam a visão de um mundo multipolar. Inclusive há
episódios na história brasileira, generosos, em que o Brasil desconsidera o
comercialismo que avilta as relações internacionais e aproxima-se da África
reconhecendo, primeiramente no processo de descolonização européia, os países
de língua portuguesa e, logo em seguida, os outros países das colônias francesa,
italiana, argelina e outras.
Esses princípios guiarão minha conduta, acaso seja a mim que toque o
privilégio de servir a esta grande Nação como seu Presidente. Mas como lhes disse,
isso não se guia apenas pela profunda consciência ética que deriva de alguns
princípios de eqüidade jurídica das nações no planeta, mas também por uma
necessidade estratégica aguda. É muito recente, mas muito poderosa, na prática, a
especulação acadêmica, nos países ricos, centralmente na Europa e nos Estados
Unidos, da idéia despudorada de que os conceitos de soberania nacional estariam
ultrapassados. Defende-se já, à luz do dia, nos ricos países do G-7, um conceito de
soberania relativa. Defende-se já, com clareza e despudor, a idéia de que é possível
se estabelecer um hegemonismo relativo, naturalmente com o pólo de hegemonia
situado nas nações do Atlântico Norte.
Nós, brasileiros, temos estratégico papel nisso, e, talvez, nossa modéstia não
nos tenha permitido vê-lo inteiramente. O Brasil tem a indeclinável responsabilidade
CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINALNome: Comissão de Relação Exteriores e de Defesa NacionalNúmero: 0385/02 Data: 8/5/2002
9
de afirmar sua posição pelos princípios da boa relação diplomática e da integração
internacional, que queremos e deveremos continuar buscando, subordinando-a,
entretanto, à recuperação e ao resgate do conceito de interesse nacional. Mas o
Brasil, pela forma com que se comportar, terá, imediatamente, a influência nossa
pela especificidade de sermos 170 milhões de nacionais e de sermos o segundo
maior PIB da América Latina. Digo isso com certa vergonha, porque há 200 anos o
Brasil era o primeiro PIB da América Latina e, nos últimos quatro anos, perdemos
pela primeira vez essa precedência para o México. O Brasil tem fundamental papel,
enfim, para a humanidade, penso eu, dependendo da forma com que se comportar.
Não há espaço aqui para arroubos, para agressividades, para uma retórica
provocativa que desconheça os limites de afirmação soberana do interesse nacional
brasileiro. Mas se não podemos, nem devemos nos comportar com arroubos, com
exageros nacionalistas, com atitudes agressivas ou com retóricas tão barulhentas
quanto ocas de conteúdo, nada mais justifica que o Brasil mantenha atitude passiva.
Nesse sentido, quero crer que o Brasil tem de olhar para o mundo
simultaneamente, dada nossa especificidade, rompendo qualquer idéia de
alinhamentos automáticos seja com este ou aquele pólo universal. É flagrante que
nossa primeira relação — e temos grave tarefa a desenvolver em ambiente hostil —
é o estreitamento do nexo sul-americano. Nesse nexo, a tarefa inadiável é acudir
nossos irmãos argentinos, tanto individualmente como País bilateral, quanto atuando
firme e inequivocamente nas agências multilaterais e junto aos países do G-7. É
preciso lutar por um socorro imediato e incondicional aos nossos irmãos argentinos.
Não é tolerável que um democrata, um ser humano, assista à destruição da
governabilidade das instituições democráticas ou da condição mesma de
CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINALNome: Comissão de Relação Exteriores e de Defesa NacionalNúmero: 0385/02 Data: 8/5/2002
10
sobrevivência de extensas multidões num país com a escolarização da Argentina,
país cuja renda per capita era o dobro da brasileira. Não podemos, por qualquer
tipo de ortodoxia, aceitar o equívoco de que a questão argentina é mero peso na
mão de ajuste fiscal ortodoxo que alcance, agora, a cessação dos direitos
adquiridos, dado que o problema fiscal argentino, 42% dele pelo menos, atinge os
aposentados, constrangendo, evidentemente, um direito com a volta da inflação,
potencialmente uma volta hiperinflacionária.
O Brasil tem dado sinais desde os regimes preferenciais de compra do trigo,
do petróleo, e desde quando o atual Governo, a meu ver com grande acerto,
removeu restrições às cláusulas de equilíbrio no regime automotriz. É nosso dever, e
é emergencial, acudir a Argentina, porque será um claro sinal do Brasil em direção à
remoção das desconfianças de uma pretensa, e nunca desejada, na sua prática,
hegemonia ou constrangimentos coloniais ou imperiais na América do Sul. Esse
sinal o Brasil precisa dar, seja porque a Argentina precisa desse socorro, seja
porque nossos outros irmãos sul-americanos precisam da clara demonstração da
verdadeira intenção de com eles todos comungar por complementaridades que são
óbvias.
Quem vai ao Norte e reclama pela projeção da nossa infra-estrutura, seja pelo
que já está feito no gasoduto da Bolívia, seja pelo que está por fazer, como a
projeção da nossa BR-364 ou outros canais de interligação com o Pacífico,
evidentemente sabe que esse é um desejo que não mais pode ser adiado.
No segundo passo, retóricas à parte e olhando a história, o Brasil precisa
reafirmar, em outros valores, nossa tradicional amizade pan-americana. Claro que
há hoje muitas reservas, à medida que, conjunturalmente, ações unilaterais da
CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINALNome: Comissão de Relação Exteriores e de Defesa NacionalNúmero: 0385/02 Data: 8/5/2002
11
potência do Norte geram inseguranças, medos, constrangimentos, e à medida que
omissões, como o recém-intentado golpe de Estado na Venezuela, geram-nos
dissabores e constrangimentos. Não podemos desfocar a história das nossas
relações pan-americanas, e devemos negociar, discutir, realinhar as relações com a
América do Norte, sem pudores, medos, preconceitos ou vacilações e,
evidentemente, sem subalternidades e sem aceitações passivas do que não é
discutido ou partilhado com nossos valores.
Mas é preciso levantar essa questão agora, não só, como quero permear todo
meu depoimento, do ponto de vista do comercialismo, vetor importante das relações
internacionais, mas também das relações internacionais de um país como o Brasil,
que não podem ser aviltadas. Não é possível preocupação apenas com a questão
comercial, que é grave e centralmente importante, sem dúvida. Mas não basta. Há
outras questões, por exemplo, na relação pan-americana, como direitos humanos, a
cláusula democrática, a questão das drogas, especialmente quando nosso modelo
de defesa se inquieta com a execução do Plano Colômbia. Um trabalho de
assistência técnica e financeira para combate às drogas e ao narcotráfico deve ter a
concordância do Brasil. Mas que fique bastante claro o incômodo para nós,
brasileiros, que seria, o que sempre é negado, o deslocamento de efetivos militares
para nossas fronteiras a pretexto do que for.
Nessas relações pan-americanas, além da questão comercial, há outras
cláusulas e outro temário gravemente importante que serão levantados já nos
primeiros quinze dias do próximo Governo.
Considero uma temeridade, e um avanço em relação à suprema deliberação
que a sociedade brasileira vai tomar agora, um fato que irá acontecer: está marcada,
CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINALNome: Comissão de Relação Exteriores e de Defesa NacionalNúmero: 0385/02 Data: 8/5/2002
12
para o dia 15 de janeiro, uma rodada de inteligência estratégica para a ALCA. Seria
o caso de esta Casa ponderar ao atual Governo sobre a imprudência, para um ele,
que se sediará com apenas quinze dias, de já ter que se sentar à mesa de uma
intrincada relação. Intrincadíssima, Excelências, devo dizer, porque o fast track
pedido aos sucessivos governantes norte-americanos, em direção a uma autoridade
para negociação comercial — agora ele tem outra sigla, outro nome: TPA, Trade
Promotion Authority —, foi recentemente concedido, por maioria exígua, inclusive
com uma certa caricatura no modo como se deliberou — pareciam aquelas sessões
da Câmara Municipal de Sobral, ocorridas há trinta anos. Por pouquíssimos votos,
na verdade um voto apenas, o TPA, antigo fast track, foi autorizado. Depois eles
mantiveram a votação aberta e alguns alteraram os votos.
Visitei alguns Parlamentares que têm interesse nessa questão do Brasil, em
recente viagem aos Estados Unidos. Reparem bem que qualquer de nós que se
debruçar sobre o que provavelmente será a lista de exceções para uma possível
área de livre comércio com as Américas encontrará ali o que seria provável: um
conjunto de produtos, que são intrinsecamente aqueles que colocam o Brasil em
situação competitiva, e aos quais se opõem restrições às exportações brasileiras,
tradicionalmente ou pela recente medida tomada pelos norte-americanos.
Basta que eu diga a V.Exas. que há, hoje, uma discussão na América do
Norte para permitir o uso de etanol como complemento comburente nos seus
automóveis, o que nos abriria um extraordinário mercado, ajudando-nos a resolver
problemas de sazonalidade, de excesso de produção do setor sucroalcooleiro
brasileiro, sempre com traumas, sempre, no fim, espetando a conta no Tesouro
Nacional. Seria uma saída extraordinária. Temos um local para alocar os
CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINALNome: Comissão de Relação Exteriores e de Defesa NacionalNúmero: 0385/02 Data: 8/5/2002
13
excedentes, permitindo-nos, inclusive, expandir. Pois não é que, mesmo ainda em
discussão a lei que permite o uso de etanol, já há um lobby para colocar o produto
nesta lista de exceções? Mas ali estão aços planos, calçados, suco de laranja. O
subsídio agrícola que se condena, na retórica, nas práticas de comércio
internacional, foi recentemente agravado de 27 para 38 bilhões de dólares na
agricultura norte-americana, ao lado de um punhado de restrições de natureza
fitossanitária.
Ainda se quer colocar também a cláusula do dumping social. V.Exas. sabem
bem que isso significa a teórica faculdade a um país de opor restrições tarifárias às
exportações de outro país, pelas circunstâncias de que aquele outro país praticasse
salários acima do que arbitrariamente se possa considerar razoável. A título de
ilustração, o salário mínimo norte-americano é de 5 dólares e 15 centavos por hora,
enquanto o brasileiro aproxima-se de 75 dólares ao mês. Por aí, todas as nossas
exportações ficariam, num momento qualquer, submissas a uma restrição, pela
cláusula do dumping social.
Entretanto, o Brasil não pode se omitir a essa discussão. A meu juízo, o
preconceito, o medo, o justo temor da condição desigual de estarmos à mesa com
os demais países não nos deve retirar dela, por uma simples circunstância: no
futuro, o comércio mundial será franco. Essa é uma tendência positiva da
humanidade. Na esteira da mundialização do comércio, também prosperam valores
outros, como os valores democráticos, os valores da proteção ao meio ambiente, da
proteção aos direitos humanos, do rito democrático, da intersecção de culturas.
Tudo isso é positivo, portanto não devemos ter medo do princípio que nos leve a
uma mesa de negociação que tenda a franquear o comércio.
CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINALNome: Comissão de Relação Exteriores e de Defesa NacionalNúmero: 0385/02 Data: 8/5/2002
14
Num primeiro momento, estamos refletindo sobre as relações pan-americanas
e o eixo mais urgente da nossa agenda, mas devemos sentar-nos a esta mesa —
digo mais uma vez, comovidamente — quando estivermos coesos em torno de um
projeto nacional de desenvolvimento que consiga identificar com forte legitimidade,
premissa da coesão nacional, o que é o interesse nacional brasileiro. Antes disso, é
temerário.
Creiam V.Exas., nossa questão não é pura e simplesmente "retirar o bode da
sala", para usar um dito popular da minha cidade, Sobral, no interior do Ceará.
Francamente, não nos iludamos: não é questão de o Brasil, na ALCA, apenas pedir
aos norte-americanos que eliminem as restrições às exportações de aço, de
calçados, de suco de laranja, ou as restrições fitossanitárias às nossas exportações
agrícolas. Não é isso. Isso é muito pouco, não é suficiente para que o Brasil celebre
uma área de livre comércio, no lapso de 2005, com brutal assimetria na nossa
condição de empreender, produzir e trabalhar.
Para que tenhamos essa negociação em equilíbrio, um outro foco tradicional
das nossas relações é a Europa, que também tem refletido muito sobre o mundo
unipolar, que não lhe convém. A exacerbação nacionalista, que infelizmente está
tomando o caminho da direitização de amplos setores da sociedade européia,
creiam, nada mais é que a expressão radicalizada do sentimento de que um mundo
unipolar, que esmague as especificidades de uma Europa recém-unificada, que
imponha à Europa instituições políticas, culturais e padrões de consumo que não
são os de sua tradição, gera entre os europeus incômodos tão ou mais graves —
pelo menos sob o ponto de vista popular — do que aquilo que ainda é a
preocupação central da sociedade brasileira.
CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINALNome: Comissão de Relação Exteriores e de Defesa NacionalNúmero: 0385/02 Data: 8/5/2002
15
É a oportunidade de o Brasil reciclar seu relacionamento com a Europa — de
novo, não apenas numa agenda comercialista. Temos de insistir e exigir o fim das
restrições aos produtos brasileiros pelos europeus, que pregam o livre comércio, que
participaram das privatizações brasileiras, que repatriam lucros a uma razão de 350
ou 400 milhões de dólares, no exercício de 2002, para a praça européia, que são
origem da segunda maior fonte de investimento direto estrangeiro no Brasil. Não há
razão mais substantiva que justifique as restrições que a Europa impõe aos produtos
brasileiros, especialmente às nossas commodities. É preciso que sejamos mais
enfáticos em relação a isso. É preciso que o Brasil tenha a capacidade de, por meio
de uma diplomacia mais agressiva, convencer os europeus dos prejuízos da
intolerável restrição à expansão do nosso comércio com a região européia.
Como já disse a V.Exa., e volto a insistir, permeando todo meu depoimento,
não nos basta uma agenda comercial. Pelas tradições brasileiras, pelo legado
colonial que o gênio português nos ofereceu, mantendo intacta a América
portuguesa, ao passo que a América espanhola se pulverizou, temos aí uma frente
de alianças táticas para uma atuação conjunta nos organismos multilaterais, em
todas essas questões.
O Protocolo de Kyoto, por exemplo, recém-repudiado pelos norte-americanos,
tem na Europa adesão franca — não extensa, não unânime, mas uma franca
adesão. E o Brasil pode assumir um papel muito ativo nessa questão ambiental,
porquanto sediamos, em 1992, a reunião das Nações Unidas, no Rio de Janeiro.
Direitos Humanos — cláusula democrática, mais uma vez, e por uma política
que olhe a África. Como o comercialismo dominou de forma quase asfixiante as
relações internacionais, o mundo está fazendo de conta que não há uma tragédia
CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINALNome: Comissão de Relação Exteriores e de Defesa NacionalNúmero: 0385/02 Data: 8/5/2002
16
humana ocorrendo no continente africano. Nós brasileiros, que somos mestiços, que
devemos aos negros a construção da própria cultura brasileira, não podemos, a
pretexto de que há uma relação comercial pobre entre a África e o Brasil, deixar de
ali atuar, como já o fizemos no passado. Há, sim, dissabores, há problemas. Mas o
Brasil precisa redescobrir e animar, com centralidade na sua política externa, uma
agenda africana.
Por fim, creio que a grande novidade — acho que já me excedi um pouco no
entusiasmo — que nós brasileiros precisamos experimentar nas nossas relações
internacionais, neste começo de milênio, é uma aproximação franca, estreita, sem
reservas, em todos os campos de relacionamento, com os chineses, os indianos, os
russos e o povo da Indonésia. O Brasil exporta para a América do Norte 24% do
total das suas exportações; 27% para a Europa; 21% para a América Latina. As
complementaridades produtivas, tecnológicas, o conjunto de votos similares nas
Nações Unidas (desde que elas foram fundadas, temos os brasileiros principalmente
com os chineses, mas sem desconsiderar a Índia, que é, como nós, um país de
dimensões gigantescas, que não se acomoda a esta ordem internacional de
monopolizar) recomendam-nos claramente o concerto em um outro patamar para
esse relacionamento.
Excelências, o atual Presidente da China já veio ao Brasil duas vezes neste
Governo sem que isso despertasse maior comoção. Os chineses estão vendo com
clareza que importância estratégica tem esse relacionamento para as relações
bilaterais.
Recentemente fiz duas visitas à China. Os chineses, gabando-se do seu
estágio de avanço, procuravam demonstrar a atração que é o mercado chinês, e
CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINALNome: Comissão de Relação Exteriores e de Defesa NacionalNúmero: 0385/02 Data: 8/5/2002
17
faziam ensaios caricatos. Dizia meu interlocutor na China: se um chinês passar a
comer 3,5 quilos de frango a mais do que come por ano, só esse excedente de
consumo absorverá 100% da atual produção de frangos do Brasil. E olhem que o
Brasil é um dos maiores produtores mundiais de frango!
Quando olhamos para esse gap tecnológico brasileiro e olhamos para o
estágio de maturidade tecnológica, especialmente em informática, na Índia, de novo
vamos ver quão importante é o Brasil perscrutar esses caminhos novos, ainda
desconhecidos, de uma cultura bastante diferente da nossa. São relações que têm
que ser construídas sem maiores tradições. O método tentativa/erro é sempre
temerário. Não há ilusões que possam ser alimentadas nesse tipo de
relacionamento. Mas acho que está mais do que na hora de o Brasil concertar,
tornar mais complexa e profunda esta relação, não só porque nos interessa
bilateralmente, mas porque poderemos passar a atuar em conjunto com as agências
multilaterais, ou pela criação de novas agências multilaterais, que aperfeiçoem uma
nova ordem internacional multipolar, marcada pela cultura da paz, do respeito à
dignidade, à identidade cultural, à soberania e à autonomia nacionais de todas as
nações em que se reparte o planeta.
Uma palavra derradeira, para mencionar a questão da defesa: parecem-me
flagrantes, dadas as ações unilaterais recentes, as intervenções bélicas, também
unilaterais e sem audiência, das Nações Unidas. Não é fora de moda, como se tenta
desmoralizar, que o País se preocupe com seu modelo de defesa. Naturalmente, o
Brasil deve preocupar-se com seu modelo de defesa na ambiência daquilo que
sempre foi nossa mais cara tradição: desde quando encerramos os conflitos no
Cone Sul, ou, num episódio mais caricato, quando brigamos por lagosta mais ao
CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINALNome: Comissão de Relação Exteriores e de Defesa NacionalNúmero: 0385/02 Data: 8/5/2002
18
norte, é vocação brasileira, é cultura das nossas Forças Armadas, é diretriz
afirmativa da Nação brasileira uma Força Armada meramente defensiva. Nós não
temos nem devemos procurar ter qualquer vocação belicista, qualquer vocação para
sair das nossas fronteiras, e isso recomenda-nos um conjunto de passos,
especialmente com nossos parceiros na região.
O Brasil precisa avançar na profissionalização das suas Forças Armadas. O
efetivo já não é grande, mas a guerra moderna demonstrou, em episódio muito
recente e doído para nós, ocorrido nas Malvinas, mais eloqüência na questão de que
não é efetivo naquilo que de fato gera uma força dissuasória de defesa: a
sofisticação do equipamento, o estágio de maturidade tecnológica. O Brasil já tem
um efetivo razoável, ponderável, e não creio que haja necessidade de expandi-lo.
Nem será decisão simples para o Brasil contrair maior efetivo do que já contraiu.
Precisamos, urgente e inadiavelmente, de um processo de reequipamento e
modernização tecnológica do nosso aparato de defesa. Não é razoável aquilo que
vem como notícia, sem confirmação, de que mais de um terço da frota da Força
Aérea esteja amarrada ao chão por falta de peças de reposição. Não é razoável que
quartéis numa fronteira, como o das FARCs na Colômbia, opere a meio expediente,
tal como testemunhou comigo o Deputado João Herrmann, em visita à fronteira no
Acre. Não é razoável também, compreendendo as coisas modernas do Brasil — isso
já está acontecendo, mas precisamos ter segurança de que essa diretriz é a correta
—, que o País tenha como geopolítica a imaginação de um pseudo-inimigo ao Sul.
Não precisamos imaginar pseudo-inimigo algum, mas o alvo estratégico hoje a ser
defendido é o Norte. Precisamos redesenhar o Projeto Calha Norte e retirar dele a
concepção militarista, assim como retirar a concepção militarista de defesa da
CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINALNome: Comissão de Relação Exteriores e de Defesa NacionalNúmero: 0385/02 Data: 8/5/2002
19
Amazônia. No entanto, é preciso ocupar a Amazônia com vistas a um projeto
nacional de desenvolvimento sustentável, que compreenda que ali existem 16
milhões de pessoas que, embora convivam com 17% da biodiversidade do planeta,
passam fome, e que ocorreram 650 mil casos de malária nos últimos quatro anos.
Como já lhes disse, não há projeto externo sem coesão doméstica. E não
haverá coesão doméstica enquanto houver uma reserva ianomâmi contígua ao
território da Venezuela, um território pelo qual a sociedade brasileira não puder
transitar, enquanto estrangeiros, muitos deles bem intencionados e bem-vindos,
como os missionários, já outros não, vierem praticar a biopirataria, que acontece
ante a impotência e poderia ser atenuada pela entrada em funcionamento do Projeto
SIVAM, cujas plataformas de informática têm origem na engenhoca tecnológica que
compramos da Raytheon norte-americana. O Brasil precisa, como modelo de
defesa, fazer isso.
Quero crer que a engenharia das nossas Forças Armadas também precisa
ser inovada, porque há um papel estratégico muito sensível para ela neste
momento.
Gostaria, Sr. Presidente, Sras. e Srs. Deputados, desculpando-me desde já
por ter excedido um pouco o tempo regimental, que, por generosidade, foi esticado
pelo Sr. Presidente, de deixar pinceladas gerais daquilo que compreendo devam ser
as diretrizes básicas de uma relação internacional — sempre lembrando —
subordinada à coesão interna de um projeto nacional de desenvolvimento, esse,
sim, que afirme o Brasil não como potência militar, mas como potência democrática,
cultural, comercial, tecnológica e agrícola que o mundo inteiro aprenderá a respeitar.
Muito obrigado. (Palmas.)
CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINALNome: Comissão de Relação Exteriores e de Defesa NacionalNúmero: 0385/02 Data: 8/5/2002
20
O SR. PRESIDENTE (Deputado Aldo Rebelo) – A Presidência agradece, em
nome da Comissão, ao pré-candidato a Presidente da República e ex-Governador
Ciro Gomes a exposição. Considera que a exposição representa contribuição
importante a este debate e já acertou com a Editora Paz e Terra, em São Paulo, que
essas exposições serão publicadas em edição especial na revista Política Externa,
editada pelo Dr. Fernando Gasparian, com o conteúdo destas audiências públicas.
Registro, com alegria, a presença na Mesa dos trabalhos do Líder do PDT,
Deputado Miro Teixeira, e do Líder do PTB, Deputado Roberto Jefferson. Agradeço
a V.Exas. a presença no nosso debate.
Srs. Deputados, passarei à fase das perguntas e creio que, por economia de
tempo, seria conveniente fazê-las em bloco, sendo três indagações, com três
minutos para cada Parlamentar.
Portanto, passo a palavra ao primeiro inscrito, Deputado Rubens Bueno.
O SR. DEPUTADO RUBENS BUENO – Sr. Presidente, Deputado Aldo
Rebelo, membros da Mesa, acompanhamos pela imprensa a viagem do Dr. Ciro
Gomes, na semana passada, aos Estados Unidos, quando falou à Câmara de
Comércio Brasil/Estados Unidos.
Gostaria que o Dr. Ciro Gomes aprofundasse o que foi discutido naquela
visita, porque as informações que nos chegaram foram tão econômicas quanto
aquilo que estamos vendo com relação ao tamanho do nosso salário mínimo. Pediria
ainda que V.Sa. se aprofundasse mais no debate sobre a relação passiva da
diplomacia brasileira exposta naquele encontro.
Outra questão divulgada recentemente foi o encontro dos 183 países
membros do Fundo Monetário Internacional e do Banco Mundial. Em meados de
CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINALNome: Comissão de Relação Exteriores e de Defesa NacionalNúmero: 0385/02 Data: 8/5/2002
21
abril, o Banco Mundial e o FMI fizeram declaração, que tomou conta dos jornais, que
funcionou como um puxão de orelha ao Governo brasileiro, quando lá estava
presente o nosso Ministro Pedro Malan.
Dr. Ciro Gomes, gostaria de saber ainda sua posição com relação à dívida
externa brasileira, que corresponde a 237 bilhões de dólares, cerca de 10% da
dívida mundial, o que nos chama a atenção porque perfaz um total de 323% das
exportações brasileiras. Esse número, repito, nos chama a atenção porque o
razoável seria o limite de 220%. Pediria ao Dr. Ciro que se aprofundasse nessa
questão que consideramos um tanto grave.
Outro ponto refere-se à questão das barreiras. O Dr. Ciro Gomes sugeriu a
substituição desses produtos no Brasil para enfrentar a situação.
Também quanto ao índice de nacionalização dos produtos brasileiros, algo
que também vai se agravando e que precisamos saber como tratar, tendo em vista
que no mundo industrial também há muita gente se opondo a esse tipo de
discussão.
Finalmente, o Dr. Ciro Gomes apresentou a questão da China, da Índia e da
Rússia, países emergentes, que, em função de seus crescimentos econômicos,
estão realizando reuniões de forma independente perante organismos
internacionais. Além da questão econômica e daquilo que se fala das relações
comerciais, gostaria de saber se há também intenção de ter uma relação política
com eles e com outros tantos países emergentes no foro internacional.
Era o que tinha a dizer.
O SR. PRESIDENTE (Deputado Aldo Rebelo) – Com a palavra o Deputado
Claudio Cajado.
CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINALNome: Comissão de Relação Exteriores e de Defesa NacionalNúmero: 0385/02 Data: 8/5/2002
22
O SR. DEPUTADO CLAUDIO CAJADO – Em primeiro lugar, gostaria de
saudar V.Sa., o presidenciável e ex-Governador Ciro Gomes, assim como o Sr.
Presidente e demais membros da Mesa e, posteriormente, tecer algumas
considerações do ponto de vista das políticas de direitos humanos. Perguntaria ao
Sr. Ciro Gomes como analisa o xenofobismo crescente na Europa, as guerras que
estão a acontecer, principalmente sob a conotação de fundamentalismo religioso, a
incidência de genocídios, enfim. Qual seria a postura da diplomacia brasileira no seu
Governo frente a tais fatos?
De igual forma, gostaria de obter informação sobre como, internamente,
teríamos condições de melhorar os recursos orçamentários e financeiros que hoje
são distribuídos para Marinha, Exército e Aeronáutica. É conhecida a restrição
financeira por que passam o Ministério da Defesa e as Forças Armadas de nosso
País, e investir em tecnologia na área militar custa muito caro. De que forma V.Sa.
pensa agir para melhorar esse quadro?
Do ponto de vista comercial, gostaria de ouvir de V.Sa. até que ponto esse
avanço do México na relação com os Estados Unidos, por integrar o NAFTA, pode
ter levado esse país a passar o Brasil na produção interna bruta. E de que forma
poderíamos ter uma relação comercial bilateral com os Estados Unidos, a Europa e
inclusive o mercado asiático? Qual é a visão de V.Sa. quanto a esse outro pujante
mercado no mundo?
O SR. PRESIDENTE (Deputado Aldo Rebelo) – Muito obrigado, Deputado
Claudio Cajado.
Com a palavra o Deputado Haroldo Lima.
CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINALNome: Comissão de Relação Exteriores e de Defesa NacionalNúmero: 0385/02 Data: 8/5/2002
23
O SR. DEPUTADO HAROLDO LIMA – Sr. Presidente, senhores membros da
Mesa, Dr. Ciro Gomes, quero, em primeiro lugar, saudar V.Sa. pela intervenção. Foi
muito boa, na minha opinião. V.Sa. levantou problemas importantes relacionados
com os interesses do nosso País, de forma equilibrada, salientando a necessidade
de termos uma posição de independência. Expôs idéias tais, como: é necessário
romper com o alinhamento automático; fazer um estreitamento maior do nexo sul-
americano; não aviltar a política externa brasileira a um comercialismo; reorientar
nossa política externa no sentido de nos aproximarmos, sem reservas, de países
como China, Rússia, Índia, Indonésia — e acrescento a África o Sul.
Quero, de passagem, salientar que os pontos de vista que V.Sa. expôs, Dr.
Ciro Gomes, correspondem muito aos do programa de Lula, de cuja elaboração
tenho participado, o que salienta a convergência de pontos de vista sem dúvida
alguma muito interessantes e que, quem sabe, podem levar a conseqüências
posteriores muito positivas para nosso povo.
Gostaria de dizer, Dr. Ciro Gomes, que hoje de manhã tivemos nesta
Comissão um encontro com o Embaixador do Brasil nos Estados Unidos, Dr.
Rubens Barbosa, que disse, em determinado instante, a seguinte frase: “A ALCA é
um programa de Estado americano ante o qual nós, brasileiros, não podemos fazer
muita coisa.” Discordei energicamente. Acho que se é um programa de Estado
americano precisaríamos saber qual é o programa de Estado brasileiro.
A propósito do assunto, V.Sa. disse mais ou menos o seguinte: não devemos
sair da mesa de negociação da ALCA, entretanto, participar disso quando
estivermos coesos em torno de um projeto nacional. Esse é o seu ponto de vista.
CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINALNome: Comissão de Relação Exteriores e de Defesa NacionalNúmero: 0385/02 Data: 8/5/2002
24
Gostaria de compreender melhor que conseqüência V.Sa. tira desse ponto de
vista, porque as negociações estão em curso. Não temos ainda, segundo a
compreensão que obtive de suas palavras, uma visão coesa de projeto nacional. Se
é assim, não deveríamos participar das negociações. Então, seguramente V.Sa.
propõe que nos afastemos das negociações da ALCA. Seria isso?
Outra pergunta: realmente está prevista rodada de negociação para o dia 15
de janeiro. Significa, como demonstrou V.Sa., que, quinze dias após a posse do
futuro Presidente da República, o Brasil participará de nova rodada, na qual,
eventualmente, as novas forças que assumirão a Presidência da República não
terão tido tempo de examinar a nova proposta sobre o assunto. Estaríamos
seguindo o caudal que se está realizando de forma irreversível etc. Então, quero
saber a opinião de V.Sa. sobre se deveremos participar ou não dessa reunião do dia
15 de janeiro e com que espírito.
Por último, caso se concretize a pretensão do Brasil em obter assento no
Conselho de Segurança da ONU, o que seguramente elevaria a estatura do País a
um novo patamar etc., como V.Sa. vê as exigências feitas para esse cargo, do ponto
de vista do fortalecimento da política de defesa nacional brasileira?
O SR. PRESIDENTE (Deputado Aldo Rebelo) – Com a palavra o Dr. Ciro
Gomes.
O SR. CIRO GOMES – O Deputado Rubens Bueno fez um conjunto de
questionamentos e me honra com sua participação. S.Exa. é um dos melhores
quadros do meu partido na Câmara dos Deputados.
O que chamo de diplomacia passiva não quer particularizar a conduta de
nenhum dos nossos diplomatas. Por regra, temos um quadro funcional no Itamaraty
CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINALNome: Comissão de Relação Exteriores e de Defesa NacionalNúmero: 0385/02 Data: 8/5/2002
25
de alta excelência. Se há uma ilha de excelência no serviço público brasileiro é o
Itamaraty. Acho que há na Polícia Federal e na Receita Federal núcleos de
excelência, mas o Itamaraty, certamente, é um dos nossos mais qualificados centros
de servidores públicos no Brasil.
Portanto, não particularizo ninguém. O que falta ao País, quero crer, é,
primeiro, essa visão estratégica nacional. Reparem, como lhes disse na introdução,
até quero repetir, se temos um tipo de modelo interno que acredita passivamente no
mercado como o grande caminho de eficientização dos ganhos de produtividade, da
excelência na qualidade dos preços dos produtos e do consumo, isso impõe certa
diplomacia como esta que aí está. Uma diplomacia passiva, que vai tentar arrancar
uma ou outra concessão comercial e que perdeu a veleidade completa para
qualquer outro tipo de ação mais pró-ativa no mundo. Discordo flagrantemente,
porque isso é explosivamente insustentável.
O Brasil precisa se estruturar internamente ao redor de um projeto nacional
de desenvolvimento, e essas palavras não podem ser mera expressão de retórica.
Projeto quer dizer planejamento estratégico; projeto quer dizer coordenação e
parceria estratégica entre um setor público saneado, moralizado, enriquecido e
parceiro da iniciativa privada nacional brasileira.
Há confusão no sentido de que o capital não tem pátria. Tem, sim, porque o
déficit de transações correntes estabelece a diferença. O empreendedor nacional faz
sua contabilidade em reais. O empreendedor bem-vindo aqui — investimento direto
estrangeiro na produção — faz sua contabilidade em dólar e isso gera toda essa
seqüência de situações que já lhes demonstrei, que são necessidades externas de
financiamento, explosivamente insustentáveis, na medida em que foram sustentadas
CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINALNome: Comissão de Relação Exteriores e de Defesa NacionalNúmero: 0385/02 Data: 8/5/2002
26
por ciclos once for all, ciclos finitos, que acontecem uma vez e não se repetem;
privatizações, compra de pedaços do mercado brasileiro, como foi com a Lacta,
Metal Leve etc., e que não geram excedentes exportáveis. Ninguém exporta pulso
telefônico, ninguém exporta quilowatt, e todo o resto da contabilidade passiva é em
dólar.
Isso nos reporta à questão seguinte, que o Deputado Rubens Bueno nos
apresentou. É preciso ter noção da diplomacia ativa — e isso é conflituoso —
porque, novamente, a coesão interna é fundamental. Uma diplomacia ativa, rebelde
a essas ortodoxias, desperta antagonismos e conflitos internacionais, e o Brasil deve
estar coeso para suportá-los. Senão, essas energias derrubam um presidente. Não
derrubam por atitudes paranóicas de CIA ou Mossad. Se assim fosse, seria uma
caricatura fácil de enfrentar. Mas derrubam pela instabilidade econômica mesmo,
pelo aumento dos preços, pelo colapso na oferta de energia elétrica, por uma série
de ocorrências que impopularizam um presidente da República, que ainda vai virar
um criador de caso, vai ser desenhado como inábil, briguento ou coisas tais. Não
duvidem.
O que está acontecendo com o Hugo Chávez, na Venezuela, é basicamente
isso. Conheço de perto a crença nacionalista, voluntarista, moralista do coronel
Chávez. Ele pediu para freqüentar esse grupo de políticos e acadêmicos latino-
americanos de centro-esquerda, que freqüentei durante alguns anos, entre 1995 e
1998, e recusamos sua filiação pela sua origem golpista. Mas isso é bem a
revelação. Moralismo, nacionalismo de goela e falta de coesão interna, falta de
projeto doméstico nacional, ao redor do que concretudes se estabeleçam, para que
a sociedade se torne coesa, viram instabilidade, não duvidem disso.
CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINALNome: Comissão de Relação Exteriores e de Defesa NacionalNúmero: 0385/02 Data: 8/5/2002
27
O que desestabilizou Hugo Chávez não foi uma política agressiva de
alinhamento instantâneo, de tomada de posições até mais agressivas do que os
países árabes em matéria de petróleo, sendo a Venezuela o quarto produtor mundial
de petróleo e o maior exportador de petróleo para os Estados Unidos. Não foi isso.
Isso já seria suficiente para ele angariar muitas antipatias. O que fragilizou Chávez
— e permanece frágil, a meu juízo — foi a falta de projeto para a sociedade
venezuelana.
Por isso, ponderando sobre a pergunta do Deputado Rubens Bueno, volto a
dizer: não haverá diplomacia, não haverá relação externa pró-ativa se o País não se
celebrar internamente ao redor de um projeto nacional, com hegemonia clara em
relação ao que queremos fazer.
Isso nos leva a algumas questões que também estão pontuadas no inteligente
conjunto de perguntas do Deputado Rubens Bueno.
Como se elimina a dependência que nos torna passivos, obrigados a essa
agenda do bom moço internacional, que é o receituário de Washington, chamado
Consenso de Washington? É basicamente a superação do estrangulamento externo.
É isso que o Brasil tem de fazer. É uma tarefa nacional.
Agora, os remédios que vamos ter de usar estão todos em processo de
desmoralização, por essa retórica pseudomoderna que, volto a lhes dizer, sendo
ideologia de quinta categoria, nos vendem como ciência. E ganharam cabeças
importantes na sociedade brasileira, que precisam passar por um processo de
desintoxicação, tanto são os preconceitos das pessoas.
Por exemplo: como superar déficit externo? Lei do menor esforço, está todo
mundo dizendo. Precisamos exportar mais. Porém, exportar mais significa encontrar
CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINALNome: Comissão de Relação Exteriores e de Defesa NacionalNúmero: 0385/02 Data: 8/5/2002
28
o mercado externo hostil, restrito, opondo barreiras, restrições alfandegárias,
fitossanitárias. Está é a realidade.
Claro, primeiro movimento é mandar até lá nosso diplomata agudizar nosso
antagonismo a essas restrições. Essa é a lei do menor esforço. Mas creiam, com a
experiência que acumulei, e não é o caso que o meu bom amigo, Deputado Haroldo
Lima mencionou, sei que isso não será suficiente.
E aí começarão os traumas. O Brasil precisa inaugurar um ciclo de
substituição de importações, mas isso internamente quer dizer um debate em que
certos setores do consumo nacional precisam aceitar, por exemplo, uma elevação
transitória de preços. Substituir importação significa impor, ainda que
transitoriamente, alguma ineficiência no processo de produção nacional, algumas
delas causadas sistemicamente pelo marco macroeconômico explosivamente hostil
que vamos receber. O próximo Presidente da República vai receber, quando
assumir o Brasil, juro, câmbio para cima, juro para cima, liquidez internacional
restrita, a economia mundial esfriando, está marcado um conflito também para os
primeiros dias do próximo Governo.
Despudoradamente, parece verdade que os norte-americanos vão invadir o
Iraque. Caso isso aconteça, não duvidem, teremos também uma crise de petróleo,
com forte conseqüência no balanço de pagamento brasileiro e num conjunto de
políticas tarifárias que vincularam as tarifas de energia elétrica, de gasolina etc., ao
dólar. Tudo isso é a bomba que está armada para o próximo Governo desarmar,
com urgências quase imediatas.
Quero, entretanto, dizer que ainda assim, porque demanda prazo, o ciclo de
substituição de importação não será suficiente. O que me parece indicar uma
CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINALNome: Comissão de Relação Exteriores e de Defesa NacionalNúmero: 0385/02 Data: 8/5/2002
29
agenda extraordinariamente conflituosa para a qual, novamente, a coesão
doméstica é fundamental, que é a atitude de retaliar, bilateralmente, sem retórica,
sem discurso, sem carnaval, sem valentias de goela, países que oponham restrições
às exportações brasileiras. Não há alternativa.
De novo, esse não é caso para João valentão. Quando se faz isso,
eventualmente, os preços desses produtos sobem também internamente no Brasil.
Não quer dizer inflação, mas, por setor, um ou outro produto sobe. Ou há coesão
lúcida, crítica da sociedade brasileira, ou se desfinanciará a popularidade e,
portanto, a legitimidade operacional do próximo Governo muito precocemente. E eu,
por exemplo, não quero ser um Fernando de la Rúa, prefiro servir ao País, na
Oposição, se não construirmos uma equação para essa questão.
O Deputado Rubens Bueno pontuou o mais delicado item do nosso déficit em
transações correntes: serviço da dívida externa. O Brasil hoje é devedor de 10% da
dívida externa do planeta. Está devendo 323% da sua plataforma exportadora. Pelos
indicadores dos expert em economia, quando se passa de 200% das suas
exportações, entra-se na faixa crítica da insustentabilidade desse passivo.
A nossa sorte divide-se em duas. Uma é que o galope da dívida externa
brasileira foi feito muito mais por motor privado do que por motor público. Então,
esse galope não fez com que a dívida externa brasileira saísse dos 128 bilhões de
dólares, quando eu era Ministro da Fazenda. Ao passar o cargo para o atual Ministro
Pedro Malan, dia 2 de janeiro de 1995, ela era de 128 bilhões de dólares, hoje
aproxima-se de 240 bilhões de dólares. Este galope é basicamente de titularidade
privada. Noventa bilhões de dólares são débito público, que estão razoavelmente
bem compostos, devo dizer ainda, porque conseguimos o que eles chamam asset
CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINALNome: Comissão de Relação Exteriores e de Defesa NacionalNúmero: 0385/02 Data: 8/5/2002
30
liability management, que é o que estou falando em relação à dívida interna e que
aqui é satanizado como calote, mas, na verdade, é uma lógica de mercado em que o
Brasil conseguiu alongar para trinta anos toda dívida que estava exigível à vista, e
conseguiu se afirmar lastreado nessa série especial de spreads americanos, com
juro médio de 6% ao ano. Isso é bastante razoável. A dívida externa do setor
público.
A dívida externa do setor privado, quero ponderar do meu ponto de vista,
privada é. O que estou querendo dizer? Já é do mercado que quando alguém
contrata um crédito com uma empresa privada, de qualquer país offshore nas
praças de origem desse capital, eles fazem um estudo da viabilidade desse
empréstimo e incluem todas as cláusulas de riscos, chamadas spreads, que variam
de país a país. O brasileiro já é o maior do mundo.
E colocam ali cláusulas de garantia e fóruns de eleição. Elegem um fórum,
normalmente é o de Nova York. Se há inadimplência, um default, diz-se no jargão
internacional, privado, não há nenhuma razão séria que justifique que o país saque
do Tesouro ou das suas reservas cambiais, para fazer frente a esse débito privado.
Na Argentina, por exemplo, antes da hecatombe final, vários defaults
privados aconteceram e nada provocaram, senão a execução das garantias etc.,
como qualquer débito privado. Neste País já há vários casos, inclusive uma tentativa
mais recente de tornar público o custo do default privado.
Por exemplo, o Banco Econômico, que tirou do País 600 milhões de dólares
para fundar um banco nas Ilhas Cayman, meses antes da intervenção tinha um
débito com um banco europeu de 300 milhões de dólares. Não pagou, e
CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINALNome: Comissão de Relação Exteriores e de Defesa NacionalNúmero: 0385/02 Data: 8/5/2002
31
incrivelmente o atual Governo pagou, com dinheiro público, esse débito ao banco
estrangeiro. Isso no meu Governo vai acabar.
Repito, não é caso para João valentão, creiam. Quando isso acontece na
transição, o que se tem? Uma pressão cambial, uma pressão de desvalorização da
moeda por causa da falta de liquidez, que eles chamam hedge público para
endividados privados.
O Deputado Claudio Cajado fez algumas ponderações, e até comentei com o
Presidente, das quais, pela minha vocação pacifista, falei muito rapidamente. Mas
mentalizei aqui um momento para refletir sobre os pontos de instabilidade ou de
guerra que estão acontecendo no planeta, para apresentar uma opinião em relação
a como o Brasil deveria proceder. E, fundamentalmente, o Deputado me permite,
então, suprir essa omissão que involuntariamente cometi.
A questão do fundamentalismo religioso e da exacerbação racial são energias
explosivamente negativas, que estarão na agenda das relações internacionais,
agravadas, a meu juízo, nos próximos anos. O doído já é o confronto entre
palestinos e israelitas no Oriente Médio.
Assim entendo por uma clara afirmação de que há direito a um Estado
palestino, com a capital em Jerusalém dividida. Sou pelo reconhecimento do Estado
de Israel pelos árabes, como está nos planos do príncipe Fahd. Sou pelo imediato
cumprimento das resoluções da ONU em todos os seus termos, em relação ao
conflito árabe israelense, e acho que aí o Brasil tem de atuar mais ativamente, até
porque somos um raro caso no mundo, em que judeus e árabes convivem em
grande harmonia e até fazem apologia disso em várias áreas.
CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINALNome: Comissão de Relação Exteriores e de Defesa NacionalNúmero: 0385/02 Data: 8/5/2002
32
Lembro-me aqui do Saara, no Rio de Janeiro, mas poderia me lembrar de Foz
do Iguaçu, poderia me lembrar da 25 de março, em São Paulo, onde convivem
árabes e judeus.
A agenda de direitos humanos já é uma tradição brasileira que temos de
continuar aperfeiçoando, o compromisso, mas sempre, quero crer, guiados por
aqueles princípios gerais de não intervenção e solução pacífica dos conflitos. Por
quê? Porque, de acordo com a teoria da soberania relativa, que mencionei no início,
que começa despudoradamente a circular em ambientes na América do Norte, tanto
entre acadêmicos quanto entre tomadores de decisão na burocracia americana, uma
das cláusulas que autorizaria a relativização da soberania nacional seria autorizar
intervenção externa, o desrespeito aos direitos humanos.
Então, evidentemente é preciso garantir o respeito aos direitos humanos,
atuar multilateralmente para que sejam garantidos, mas, em hipótese alguma,
admitir intrusões unilaterais seja de quem for, para policiar e guardar esses direitos
públicos.
Em Kosovo, por exemplo, deu-se uma intervenção. Havia razões
humanitárias para fazê-la, mas ela ocorreu à revelia das Nações Unidas. O que, por
exemplo, poderia acontecer se amanhã alguém entendesse que estamos praticando
genocídio com populações indígenas — o que não é de todo distante da verdade —
e autorizasse uma intervenção militar estrangeira no Brasil, para assegurar que esse
genocídio não aconteceria. Então, para mim, é preciso deixar isso bastante claro.
O eminente Deputado referiu-se a uma questão específica em relação ao fato
que fez o México ascender à primeira economia latino-americana. Certamente foi a
CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINALNome: Comissão de Relação Exteriores e de Defesa NacionalNúmero: 0385/02 Data: 8/5/2002
33
presença do México no NAFTA que permitiu àquele país, explosivamente, fazer
crescer seus números de exportação, e aí é que há a diferença.
O Brasil exporta 52 bilhões de dólares, o México está exportando 180 bilhões
de dólares. Agora, é preciso lembrar duas coisas. Primeiro, o México possui uma
atipia intransplantável, que é a sua contiguidade territorial com o território dos
Estados Unidos, que tem criado falsa interpretação dos números mexicanos, porque
eles não são transplantáveis. Na prática, estão burlando ou tangenciando restrições
ambientais, trabalhistas, inclusive custo de salário, fiscais, o sistema de taxação de
impostos, muitos empreendimentos maquiladores com baixíssimo valor agregado
estão atravessando o Rio Grande, do Norte para o Sul, e se baseando em Laredo,
olhando a fronteira do México do outro lado.
Ali, as pontes são 24 horas por dia ocupadas por caminhões. Então, monta-
se, do lado de cá, tendo como ficção ser outro país, apenas para fins de restrições
ambientais, sanitárias, trabalhistas, de sistema tributário, sendo que 87% das
exportações são destinadas ao mercado americano.
Isso quer dizer — argumento número dois — que a capacidade do México de
se autodeterminar está extraordinariamente relativizada. Além disso, está se
gerando um apartheid, cujo sintoma mais doído pode ser visualizado no fato de que
o México, tendo uma população de cem milhões de habitantes, possui 18 milhões de
pessoas migradas ilegalmente para os Estados Unidos. Dezoito por cento da
população mexicana migraram ilegalmente para a América do Norte. Lá, são
tratados como cidadãos de quinta categoria, sofrendo todo tipo de constrangimento
e humilhação. Enquanto isso, a fronteira norte do NAFTA está se diluindo. Já se faz
CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINALNome: Comissão de Relação Exteriores e de Defesa NacionalNúmero: 0385/02 Data: 8/5/2002
34
alfândega, para se entrar nos Estados Unidos, no aeroporto canadense, porque há
simetria competitiva na legislação do Norte e há brutal assimetria aqui no Sul.
Todos os dias morrem muitas pessoas que tentam migrar ilegalmente para os
Estados Unidos. E vergonhosamente estão construindo barreiras físicas, como cerca
elétrica e muro de aço. As ONGs estão deixando, com sinal da bandeira das Nações
Unidas, potes de água no deserto do Arizona, porque muitos morrem de sede e de
fome na tentativa de atravessar o deserto, onde não há barreira física.
Evidentemente, não queremos isso para o Brasil. A não ser — provocação —
que, para discutir a assimetria, peçamos liberdade para migrar. Nesse caso, eles
próprios entenderão que essa assimetria não é conveniente para estabelecer uma
relação.
Por fim, o Deputado me fez uma pergunta, que, de todas, é a que mais me faz
perder o sono ultimamente: de onde vem o dinheiro para reequipar as Forças
Armadas Brasileiras? Milagres não há. Aprendi isso com minha experiência de
Ministro, Governador de Estado e Prefeito da quinta cidade brasileira. Sou virgem
em déficit, nunca tive um dia sequer de déficit público. Ao contrário, eu me odeio,
mas devo ser o único caso de governante brasileiro que liquidou, com 15 anos de
antecedência, 100% da dívida mobiliária do Estado, pela simples circunstância de
trabalhar com 27% de superávit primário. Ninguém fez nada parecido no País, nem
atingiu à metade desse índice. Tenho grande apego a isso.
O Brasil não pode fazer nenhuma mudança sem um conceito sólido de
responsabilidade fiscal. Devemos evitar a tentação de soluções que tragam de volta
a inflação. A estabilidade da moeda é fundamental, e já conversamos muito sobre
isso. Não é possível autarquizar o Brasil, separá-lo do mundo. Devemos promover a
CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINALNome: Comissão de Relação Exteriores e de Defesa NacionalNúmero: 0385/02 Data: 8/5/2002
35
integração internacional, como outra variável de organização das relações, que é o
respeito aos contratos e ao Estado de Direito Democrático. Essas são as premissas
da mudança profunda que advogo para o País.
Entretanto, quero crer, Deputado, que temos de discutir, como brasileiros, o
conflito distributivo. Apresento a V.Exa. — desconheço os números das Forças
Armadas, que, para mim, hoje não estão atualizados — os números da Educação,
que, sei, comovem V.Exa. tanto quanto a mim por ser uma das centralidades do
drama brasileiro. A União Federal, este ano, consignou 12 bilhões de reais para o
Orçamento da Educação e 92 bilhões e 700 milhões para o serviço da dívida interna.
Portanto, não temos um problema propriamente de recurso, mas de conflito
distributivo. O Brasil possui a maior carga tributária do mundo em desenvolvimento,
ou seja, 34,5% do PIB, e já é maior do que a de dois países do G7, Estados Unidos
e Japão.
Há solução orçamentária para isso? Na minha convicção, sim. Ela não é
mágica. O problema não será resolvido com truculências, rupturas nem com golpes
de voluntarismo, como, às vezes, vejo algumas pessoas fazerem. Mas se o Brasil
tomar quatro providências, duas estruturais e duas conjunturais, cada qual mais
complexa, mais difícil, cada qual a exigir uma transição, a exigir muita serenidade
para não dar passo falso, encadeadas, logicamente, geraremos crescentes
excedentes para financiar essas necessidades de estratégias para o Brasil.
Primeira providência: a refundação do nosso modelo tributário. O gol aqui não
é aumentar receita, já não é mais possível, mas incrementar a competitividade
sistêmica da economia. A idéia que advogo — não é bem esse contexto, mas serei
telegráfico — é desonerarmos a cadeia produtiva e os salários, no sentido de se
CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINALNome: Comissão de Relação Exteriores e de Defesa NacionalNúmero: 0385/02 Data: 8/5/2002
36
construir uma dinâmica de formação de poupança doméstica, transferindo o peso do
financiamento sadio do Estado, que não pode resultar nesse passo empobrecido,
para o consumo e para a apropriação de ganhos de capital e propriedade.
A providência número dois, de novo, vai exigir muita ponderação,
especialmente uma transição extraordinariamente complexa de ser feita e
financiada, muita maturidade, muito espírito público, porque se trata de ferir
interesses contemporâneos para privilegiar novas gerações. Trata-se da refundação
da matriz previdenciária brasileira, que está quebrada não por causa da despesa,
como anuncia a propaganda oficial, mas por problemas estruturais na receita, que, a
meu juízo, são três: malversação — a Dra. Jorgina de Freitas levou 100 milhões de
dólares da Previdência Social e aquele órgão só tomou conhecimento pelos jornais
—; o envelhecimento acelerado da média demográfica brasileira, tendência mundial
que passamos a experimentar recentemente; e a mais brutal informalização do
mercado de trabalho de que se tem notícia na história econômica brasileira. Estima-
se que há 57 brasileiros, a cada 100, na informalidade.
Se há um regime de repartição cuja base de incidência é a folha de
pagamento, entende-se, instantaneamente, que a Previdência não está quebrada
por causa da despesa. Costumou-se tomar um argumento falacioso de que há
injustiça com o servidor público, que é privilegiado frente ao aposentado do setor
privado. É verdade que há um ou dois privilegiados. Legal e eticamente temos de
manter um combate sem tréguas a esses privilégios, mas a média de proventos e de
aposentadorias do setor público brasileiro é de 1 mil e 300 reais, não é uma
exorbitância, enquanto 13 milhões de aposentados do setor privado ganham, agora,
CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINALNome: Comissão de Relação Exteriores e de Defesa NacionalNúmero: 0385/02 Data: 8/5/2002
37
200 reais, este mês ainda ganham 180 reais. Evidentemente, não é por isso que a
Previdência está quebrada.
Proponho um regime de capitalização público para permitir uma repartição por
dentro, 20% das contas mais ricas cedem uma parte para 20% das mais pobres.
A terceira providência é conjuntural e já comentamos aqui. O Brasil precisa
superar o mais rápido possível seu déficit em contas externas. Trata-se de um
punhado de providências, como exportar mais, substituir importações, retaliação
bilateral, trazer mais turistas de fora. Mas não basta, temos de superar esse
estrangulamento externo em todas as suas rubricas, fazendo o que for possível,
como o tratamento fiscal e tributário privilegiado para retenção de lucros e
dividendos. Há uma série de idéias que podem ser feitas.
Quarto passo: defendo, com todo o custo que isso tem-me causado, que uma
dívida interna que saltou de 23% para 55% do PIB em sete anos, período no qual a
carga tributária saltou de 27% para 34,5%, e se desmobilizaram 70 bilhões de
dólares de privatização e se torrou essa montanha de dinheiro, com termo médio de
vencimento de 36 meses, os últimos lotes estão saindo com 13 meses — V.Exa. vai
me desculpar, mas é para me proteger da especulação e da intriga —, precisa entrar
naquilo que o mercado chama de asset liability management.
Precisamos obter, negociadamente, sem ruptura, sem quebra de contrato,
sem unilateralismo, um alongamento gradual dos prazos de vencimento. E não é só
mais prazo, dado que a atual quadra de poder no Brasil indexou ao câmbio mais 1/3
da dívida interna brasileira, ela agora está virando dívida externa.
Com a escassez de dólares e a tendência de desvalorização de nossa
moeda, estruturalmente posta por causa do déficit externo, está se plantando uma
CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINALNome: Comissão de Relação Exteriores e de Defesa NacionalNúmero: 0385/02 Data: 8/5/2002
38
bomba que pode levar o Brasil, se mal gerida a questão, a uma situação semelhante
à da Argentina. Precisamos, portanto, desarmar essa bomba enquanto é tempo.
Tomadas essas quatro providências, poderei então dizer de onde virá o
dinheiro não só para financiar o reequipamento gradual das nossas Forças Armadas
— nada espetacular será feito em um único dia —, como também para fazer um
punhado de outras coisas, como criar fundo federal de valorização e retreinamento
do magistério de primeiro e segundo graus, disponível aos professores que queiram
passar por reciclagem e atingir boa avaliação.
Por fim, eminente Deputado Haroldo Lima, sinto-me muito honrado com sua
menção e com a concordância com meus pontos de vista. Para mim, a questão
básica é que, no Brasil, as coisas têm sido postas de forma passional: ser contra ou
a favor da ALCA. Essa é uma falsa questão. Não me parece que devamos, no
mérito, ser contra providências que liberalizem o comércio mundial, por princípio,
pelos motivos que já expus.
O comércio mundial é bom e tende a ser franco em todo o mundo. Marx já
imaginava o mundo sem fronteiras, e assim será, ainda que com menos pressa do
que imaginavam os que leram Marx no leninismo — presto aqui homenagem a meu
velho companheiro e amigo...
(Intervenção inaudível.)
O SR. CIRO GOMES – Refiro-me aos que o leram interpretando, porque Marx
não tinha práxis revolucionária, que foi construída por Lênin e seus seguidores.
Gosto de Gramsci porque é uma releitura mais contemporânea, mais moderna e
mais ocidental.
CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINALNome: Comissão de Relação Exteriores e de Defesa NacionalNúmero: 0385/02 Data: 8/5/2002
39
Como dizia, não há razão para que nos oponhamos, em princípio, à
liberalização comercial. O que há são razões sobradas para nos posicionarmos
contrariamente ao estabelecimento de uma área de livre comércio com data certa
para começar, 2005, com assimetria de condições de empreender, de produzir e de
trabalhar tão profundamente causada pela injustiça da ordem internacional que os
parceiros do Norte nos impõem. Não sei se me fiz entender.
Vejam bem. No dia em que houver taxas de juro equipotentes; no dia em que
nos clusters, nas cadeias produtivas que empregam a sociedade brasileira tivermos
atingido maturidade tecnológica — que faz parte de uma estratégia de
desenvolvimento com que tenho compromisso, porque, volto a afirmar, não há
projeto externo sem projeto interno —, no dia em que tivermos ensinado ao pequeno
empreendedor brasileiro o caminho do comércio exterior — o que se consegue por
meio de consórcios e assistências gerencial, financeira, de marketing externo para
o pequeno empreendedor, tecnifica-se sua gestão, enfim, parcerias com o pequeno
produtor, que já experimentamos muito no Ceará, inclusive com artesãos —, nesse
dia poderemos estabelecer área de livre comércio com as Américas.
Portanto, abandonar a mesa, não. O que eu ponderei como Poder do Estado
brasileiro, que V.Exas. são — eu sou só um postulante —, é que está sendo feita à
sorrelfa, o povo brasileiro não sabe o impacto que terá no seu quotidiano uma
negociação malfeita ou precipitada no calendário uma área de livre comércio com as
Américas. O povo brasileiro não está advertido para isso. E esta Casa pode
perfeitamente ponderar ao atual Governo brasileiro sobre a impertinência de se
estabelecer uma rodada importante de negociações no dia 15 de janeiro, apenas
uma quinzena após a posse do novo governante do País.
CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINALNome: Comissão de Relação Exteriores e de Defesa NacionalNúmero: 0385/02 Data: 8/5/2002
40
Agora, sempre poderemos nos sentar à mesa e desfazer uma negociação
malfeita. É mais difícil, mas será feito, sendo eu Presidente do Brasil. Eu disse isso
em recente viagem aos Estados Unidos. Fui recebido muito bem, com muito
respeito, até mesmo fora de agenda, pelo Departamento de Estado, visita em que
me fiz acompanhar dos diplomatas brasileiros, para que se desse em regime de
absoluta transparência. Encontrei-me também com o Sr. William Rhodes, do
Citibank, que foi negociador da dívida externa brasileira, e com o Sr. Stanley Fisher,
que foi Vice-Presidente do FMI e agora está aprendendo a ser banqueiro. Tive uma
palestra na Universidade de Columbia, com muitas pessoas, com o Prof. Fishlow,
brasilianista que já conhecia. Receberam-me com muito respeito. Contudo, viram-me
como um herético, quando falo sobre passivo externo líquido, substituição de
importações etc. Muito delicadamente ponderaram que talvez esse não seja o
melhor caminho etc., etc. Mas abriu-se ali pelo menos um ambiente de franqueza.
Em relação à Argentina fui também muito enfático em todos os eventos.
Quanto ao déficit externo brasileiro também fui muito claro. Lá fora, fiz
questão de expor ao máximo a coesão nacional, que qualquer que fosse o candidato
iria assumir o compromisso de superar o estrangulamento externo do Brasil pelos
caminhos naturais.
Acho que a pretensão do Brasil de encontrar um lugar no Conselho de
Segurança das Nações Unidas está mal discutida entre nós. O eminente Deputado
lembrou muito bem. Na hora em que ganhamos status, um assento no Conselho de
Segurança das Nações Unidas, recebemos também uma série de constrangimentos
e encargos. Não sei se já pesamos e medimos bem se vale a pena o Brasil assumir
tantas e tão graves responsabilidades e ônus no Conselho de Segurança, com
CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINALNome: Comissão de Relação Exteriores e de Defesa NacionalNúmero: 0385/02 Data: 8/5/2002
41
poder de veto na mão de algumas poucas nações. Não estou dizendo que não
queremos. Essa questão precisa ser discutida mais transparentemente.
O SR. PRESIDENTE (Deputado Aldo Rebelo) - Muito obrigado. Vamos
chamar mais três Srs. Deputados inscritos.
Deputado Airton Cascavel, com a palavra V.Exa.
O SR. DEPUTADO AIRTON CASCAVEL - Sr. Presidente, companheiro Ciro
Gomes, 90% dos brasileiros não conhecem a Amazônia, incluam-se aí 90% dos
dirigentes deste País, que tratam a Amazônia como uma região igual às demais, ou
a vêem de um ponto de vista simplista, pelo seu gigantismo territorial, pelo seu
desmatamento, sob o ponto de vista xenófobo de internacionalização ou, pior ainda,
sob o ponto de vista de representatividade política no Congresso Nacional, ou o
pulmão do mundo. De forma geral, é isso que o Brasil pensa da Amazônia.
Há quatro anos V.Sa., de forma peregrina e humilde — lembro-me bem —,
dizia que queria conhecer a Amazônia andando, vendo de perto, conversando e
sentindo que era um potencial e uma solução para o Brasil para este milênio.
Em Curitiba, há meses, ouvi V.Sa. e agora, aqui, em suas ponderações, com
a apresentação de um ponto de vista correto — no meu entendimento leigo — sobre
a Amazônia, falando da exploração dos recursos minerais de forma sustentável,
como é o caso da reserva Ianomâmi, que pode suprir exportações brasileiras nesse
campo, das matrizes energéticas abundantes existentes na Amazônia, do potencial
extraordinário que é a pesquisa da biodiversidade. Aí, sim, substituir a Amazônia do
ponto de vista militarista pelo ponto de vista da pesquisa, investimento maciço na
formação de recursos humanos para essa pesquisa, que é deficiente. O povo
CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINALNome: Comissão de Relação Exteriores e de Defesa NacionalNúmero: 0385/02 Data: 8/5/2002
42
brasileiro talvez não saiba que o petróleo consumido na Amazônia é produzido no
meio da floresta, sem prejudicar o meio ambiente.
Ouvi aqui também a preocupação que se deve ter quando se refere à
Amazônia, ao cidadão, ao indivíduo inserido na selva, aos 17 milhões de brasileiros
que estão lá. Seria esse, Ministro, talvez o caminho nessa sua prioridade — no seu
aprendizado acho que aprendeu demais, porque poucos brasileiros conhecem —,
talvez a criação do Ministério da Amazônia, e tratá-la não como uma região, mas sim
como patrimônio deste País, transformá-la do 26º produtor de peixes no maior
produtor de peixes no mundo? Talvez seja esse o caminho?
O SR. PRESIDENTE (Deputado Aldo Rebelo) - Muito obrigado, Deputado
Airton Cascavel.
Com a palavra o Deputado de Velasco.
O SR. DEPUTADO DE VELASCO - Sr. Presidente, senhores membros da
Mesa, Presidente Ciro Gomes, lembro-me que, da primeira vez que nos
encontramos, eu o chamei de Presidente. V.Sa. disse-me: “Vá espalhando, que vou
me acostumando com a idéia.”
Diz Salomão, no seu Livro de Provérbios, que a esperança adiada faz
adoecer o coração. Lamentavelmente, essa esperança dos brasileiros, Ministro, vem
desde 1810, com um tratado que nos trouxe, talvez, alguma semente dessa dívida
que se avoluma de maneira espantosa.
Vimos, pela sua exposição, e usando de uma alegoria — citada por V.Sa. —
que estávamos diante de um corpo doente. Não quero usar a palavra enfermo,
porque etmologicamente quer dizer “a doença que leva à morte”. Mas, em
compensação, ouvimos também um médico cheio de entusiasmo. Isso é muito bom.
CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINALNome: Comissão de Relação Exteriores e de Defesa NacionalNúmero: 0385/02 Data: 8/5/2002
43
Partindo da alegoria de um corpo doente sobre a mesa de cirurgia, há
algumas hemorragias. V.Sa. as descreveu com mestria. Qual seria a primeira
cirurgia a ser encetada, os antibióticos a serem aplicados e os medicamentos —
palavra usada por V.Sa. — tópicos e aqueles de uso interno?
O SR. PRESIDENTE (Deputado Aldo Rebelo) - Muito obrigado, Deputado.
Com a palavra o Deputado Silas Câmara. (Pausa.) Ausente.
Com a palavra o Deputado Jair Bolsonaro.
O SR. DEPUTADO JAIR BOLSONARO – Sr. Ciro Gomes, confesso que
estou muito satisfeito com o seu pronunciamento. V.Sa. foi o primeiro dos
presidenciáveis a tocar nesses assuntos tão importantes, que são os relacionados
com as Forças Armadas.
Nunca, a não ser num Governo como este, as Forças Armada estiveram tão
largadas, a ponto de sermos achincalhados na mídia, como mostra um recorte que
encaminhei ao Deputado Aldo Rebelo há pouco: está faltando papel higiênico na
Marinha.
É um alento. Pode ter certeza que os companheiros das Forças Armadas vão
tomar conhecimento desse seu posicionamento. Somos simpáticos a V.Sa. e não é
de hoje.
Os temas abordados no tocante às reservas indígenas, o reaparelhamento
das Forças Armadas, digo mais, o prestígio que V.Sa. pode dispensar às Forças
Armadas — além dos pontos levantados por V.Sa. nesta sala, — terão um critério,
sim, na escolha do Ministro da Defesa. Em qualquer país sério é o ministério mais
importante, porque é aquele que dará retaguarda para que V.Sa. possa, ao ver
CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINALNome: Comissão de Relação Exteriores e de Defesa NacionalNúmero: 0385/02 Data: 8/5/2002
44
começar a falhar sua diplomacia, fazer valer não sua posição pessoal, mas o anseio
de um povo.
Não vamos falar na volta dos ministérios militares, mas quero deixar claro que
os militares sentem a ausência ao não participar da mesa política do Presidente da
República. Fomos desleixados por este Governo. Qualquer país da África tem seu
Ministério da Defesa, mas não deixa de ter sua Casa Militar. E sequer temos uma
Casa Militar.
Complementando, e para finalizar, um governo — como este que temos —,
de costas para as Forças Armadas, consegue desagradar a todos até na hora de
anunciar um reajuste. V.Sa. não encontra um só coronel, comandante de batalhão,
comandante da aeronáutica, capitão-de-mar-e-guerra da Marinha, satisfeito com
essa proposta de nova lei de remuneração que tivemos há pouco. O atual Ministro é
completamente inábil, e poderia estar em qualquer outro lugar, muito bem,
trabalhando, menos com o seu passado de advogado de banqueiros.
Louvo V.Exa. por esse pronunciamento. Sinto-me reconfortado e confiante na
sua candidatura. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Deputado Aldo Rebelo) – Srs. Deputados, ao arbítrio
da Presidência, estenderemos o prazo para perguntas, a fim de que todos façam,
sucintamente, seus questionamentos ao Dr. Ciro Gomes.
Concedo a palavra ao Deputado José Carlos Martinez.
O SR. DEPUTADO JOSÉ CARLOS MARTINEZ – Sr. Presidente, Sr. Ciro
Gomes, confesso que vejo caírem por terra alguns dos meus medos em relação ao
seu futuro Governo. Quando começamos a sonhar com as mudanças que V.Sa.
pretende implementar na economia e na história do Brasil, por vezes, discutimos que
CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINALNome: Comissão de Relação Exteriores e de Defesa NacionalNúmero: 0385/02 Data: 8/5/2002
45
seria necessário fossem implementadas logo no início do novo Governo e da nova
Legislatura do Congresso Nacional.
Vejo que me engano. Sinto, pela reação da platéia, que seus projetos
tomaram conta dos sonhos do consciente e do inconsciente das pessoas que vivem
neste País. V.Sa. tem conseguido, pelos olhares, pelos sorrisos e pela atenção
verificados, tomar conta da platéia. E quem toma conta neste momento — algo
muito bonito que vejo neste Congresso — não é a palavra fácil, mas a palavra real, a
verdade de um país que vive com as suas virtudes e seus defeitos.
Sr. Ciro Gomes, V.Sa. falou muito bem sobre a necessidade de o Brasil
alcançar novos mercados, visto que temos grande capacidade de comércio com a
América do Norte e com a Europa, mas nenhuma com o Oriente, que representa
hoje metade da população mundial, conseqüentemente, tem grande demanda de
consumo. O Oriente participa do mundo em desenvolvimento, portanto, com menos
restrição aos produtos brasileiros do que boa parte do mundo desenvolvido.
No entanto, o Brasil ainda persegue o caminho para as Índias, mas não vai ao
Pacífico, por incrível que pareça. Temos alternativas: via Paranaguá—Antofagasta;
via Uruguaiana—Antofagasta; via Cruzeiro do Sul; via Santa Cruz de la Sierra. Há
várias alternativas capazes de levar o Brasil ao comércio com o Oriente.
Infelizmente, ainda não conhecemos o caminho para as Índias. Parece-me que não
o conhecemos porque o Governo brasileiro ainda não teve a coragem de construir
ferrovias e rodovias que nos levem ao Pacífico. Não acredito que a construção de
700 quilômetros de ferrovia seja incompatível com a economia nacional.
CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINALNome: Comissão de Relação Exteriores e de Defesa NacionalNúmero: 0385/02 Data: 8/5/2002
46
Quero lhe fazer uma pergunta e gostaria que não a entendesse como
grosseria. O seu Governo terá a coragem de fazer o caminho do Brasil para as
Índias?
O SR. PRESIDENTE (Deputado Aldo Rebelo) – Concedo a palavra ao
Deputado Francisco Dornelles.
O SR. DEPUTADO FRANCISCO DORNELLES – Cumprimento o Sr.
Presidente, Deputado Aldo Rebelo, por ter convidado a falar na Comissão de
Relações Exteriores, da qual tenho a honra de participar, os pré-candidatos à
Presidência da República.
Em segundo lugar, quero cumprimentar V.Sa., Sr. Ciro Gomes, pela
exposição clara, objetiva, transparente e abrangente. Depois da manifestação do
Deputado-general Jair Bolsonaro, deu-me até certo medo de nocaute político. V.Sa.
iniciou sua exposição falando sobre juros, relação dívida externa/PIB e déficit em
conta corrente com muita precisão; analisou, na parte comercial, o problema da
substituição de importação, de forma muito precisa. E estou de pleno acordo com a
diretriz traçada por V.Sa., que demonstrou preocupação com o petróleo, com
possíveis crises externas. Ao analisar o déficit de conta corrente, estimado em 20
milhões, disse que é, geralmente, formados por três itens de grande peso: taxa de
juros, sobre a qual o Governo brasileiro tem pouca influência porque é ditada pelo
mercado externo; dividendos, sobre os quais o Governo pode ter alguma influência,
não limitando remessas — hoje ninguém pensa nisso, mas é possível estimular o
reinvestimento; e o frete, que tem sido muito pouco debatido no Brasil. Não existe no
País a Marinha Mercante, e o problema pode até se ampliar em decorrência das
dificuldades das empresas aéreas nacionais.
CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINALNome: Comissão de Relação Exteriores e de Defesa NacionalNúmero: 0385/02 Data: 8/5/2002
47
Estamos diante da seguinte situação: quanto maior o nosso movimento
comercial — ainda que tenhamos sucesso em diminuir esse déficit, seja pela
substituição de importação, seja pelo aumento de exportação —, em contrapartida,
maior será a pressão pelo aumento da conta de serviços.
Faço a V.Sa. duas perguntas objetivas: na parte comercial, quando fala de
substituição de importação e de seu receio em relação ao petróleo, qual a sua
posição em relação ao PROALCOOL? V.Sa. considera importante, na conta de
serviços, a política de Marinha Mercante? Isso é levado em consideração nos seus
planos, como um dos itens para alcançar melhor resultado na nossa conta de
serviços e, conseqüentemente, no nosso déficit de conta corrente?
Muito obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Deputado Aldo Rebelo) – Muito obrigado, Deputado
Francisco Dornelles.
Com a palavra o Dr. Ciro Gomes.
O SR. CIRO GOMES – Quero, honrado, agradecer ao Deputado Airton
Cascavel, ilustre companheiro a quem aprendi a querer bem e a admirar de longa
data e que me tem dado lições importantes sobre o grande mistério chamado
Amazônia. De fato, os brasileiros precisam conhecê-la um pouco mais e irem além
dos preconceitos e dos modismos.
Não creio, entretanto — não sei se vou lhe decepcionar com isso; estou
aberto a discussões —, que a questão da Amazônia seja propriamente tratada em
um Ministério. Pelo contrário: se imaginarmos que a Amazônia é responsabilidade
institucional do organograma federal de um Ministério específico, estaremos
“guetificando” a questão.
CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINALNome: Comissão de Relação Exteriores e de Defesa NacionalNúmero: 0385/02 Data: 8/5/2002
48
Francamente, não creio que haja soluções regionais num organograma
pequeno para a região nordestina. O Brasil precisa celebrar, na inteireza, aquilo que
ponderei aqui: um projeto nacional de desenvolvimento. E aí tão mais excelente, tão
mais legítimo, tão mais forte será esse projeto nacional de desenvolvimento quanto
mais centralmente nele estiver presente o rebatimento do modelo novo que se
pretende implantar na questão das regiões, por assim dizer — e me dói muito dizê-lo
—, periféricas, se considerarmos o centro industrial do País.
Essa é a minha compreensão, submissa a discussão mais aprofundada, que
o companheiro sempre terá oportunidade de fazer.
Fico muito agradecido e honrado também, eminente Deputado De Velasco,
pela introdução. E V.Exa. me pede algo que eu não gosto muito de fazer, ou seja,
essa ansiedade jornalística — e não é o seu caso — de saber qual é a primeira
providência que vai tomar o candidato quando assumir a Presidência da República.
Creia, quem responder assim muito rapidamente a essa pergunta, das duas uma: ou
está mentindo, ou não sabe o que está dizendo. Sabe V.Exa. que bem governar, a
meu juízo, é executar um planejamento; e bem governar, do ponto de vista do
Executivo, é reger uma orquestra em que todos os instrumentos têm de estar
cumprindo a pauta, ou seja, o planejamento estratégico, de forma harmônica,
coerente. Se sai o bumbo tocando na frente, ou a zabumba, ou o trombone,
isoladamente, isso se transforma em barulho e não em música.
Entretanto, posso, com muita vontade de ficar na metáfora de dizer qual seria
a primeira cirurgia, quais seriam os antibióticos, informar a V.Exa. que tenho claro
um objetivo estratégico, que parece um truísmo, aliás. Se compararmos com o que
está acontecendo hoje no Brasil, concretamente, V.Exa. verá que é um truísmo que
CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINALNome: Comissão de Relação Exteriores e de Defesa NacionalNúmero: 0385/02 Data: 8/5/2002
49
precisa ser reposto. O objetivo estratégico do Brasil é o crescimento da economia,
ao menos, em 5% ao ano. Ou o Brasil cresce a um piso de 5% ao ano, ou todos
esses imensos passivos que podem ser visualizados em mil ângulos vão explodir.
Do ponto de vista popular, o Brasil põe 1 milhão e 700 mil jovens por ano no
mercado de trabalho à procura do primeiro emprego. Do ponto de vista da
economia, o Brasil está, a meu juízo, de forma equivocada, imitando os padrões de
produtividade norte-americanos. Claro que ganhar produtividade é valor
fundamental, é o caminho sustentável do crescimento, da ampliação da margem
para os salários, sem o efeito inflacionário. Mas estamos imitando forma de ganho
de produtividade da economia norte-americana. Isso, na prática, para nós,
significado trocar gente por máquina em todos os processos produtivos, alguns
deles inúteis. Por exemplo: qual a utilidade de ganhar 50% de produtividade em um
ônibus, do ponto de vista do funcionário, trocando-se um cobrador por uma catraca
eletrônica? Qual a utilidade prática de ganhar produtividade numa bomba de
gasolina utilizando o sistema self-service?
Mas o concreto é que o Brasil, há oito anos, tem ganhado produtividade como
nenhuma outra economia do planeta. Isso é fenomenal. Temos ganhado
produtividade a uma razão média na economia de 3% ao ano. Ninguém está
fazendo nada parecido. A despeito de estarmos caindo no ranking da produtividade
absoluta do mundo, os nossos níveis eram tão ineficientes que estamos ganhando
em produtividade. E, a despeito do ganho de produtividade na indústria, por
exemplo, a uma razão de 10% nos últimos cinco anos, a massa salarial está
encolhendo quase que na mesma proporção. Isso, fundamentalmente, é causado
pela questão que mencionei a V.Exa.
CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINALNome: Comissão de Relação Exteriores e de Defesa NacionalNúmero: 0385/02 Data: 8/5/2002
50
O objetivo estratégico da política brasileira hoje não é o de fazer crescer a
economia. Isso pode ser visualizado, desculpem-me o truísmo, quando se analisa o
eixo da política econômica, o que se chama no jargão internacional de inflation
target, algo muito pouco praticado no mundo, inclusive, e que se traz para o Brasil
como a grande mágica, a grande forma de resolver nossos problemas econômicos.
O que é isso na prática? De todas as variáveis econômicas, estabelece-se um
tabelamento, por assim dizer, antecedente da inflação, e se obriga todas as outras
variáveis de política econômica a se acomodarem a essa que é tabelada. Então,
para que seja praticável, dado que a inflação será de tanto — o que se procura
saber com um ano de antecedência —, a isso se adaptem a política cambial, a
política monetária (leia-se taxa de juros), a política fiscal (leia-se dívida pública), a
reforma patrimonial e a privatização ou não privatização, dessa ou daquela forma
(leia-se valor da moeda brasileira em comparação com a moeda internacional).
Portanto, preços relativos, poder de compra dos salários e crescimento, tudo
fica como variável dependente daquela.
Isso é um erro técnico, não é ideológico. Como disse a V.Exa., controlar
inflação é uma virtude. Não podemos deixar que se confundam as coisas. Manter a
inflação baixa e a estabilidade da moeda há de ser um vetor de qualquer política
econômica, porque inflação alta nunca foi boa coisa para ninguém. A inflation
target — uso a expressão em inglês, porque não é o que o nome quer dizer — não
é o controle da inflação, mas uma fórmula técnica de como praticar o controle da
inflação, e é a pior de todas.
Precisamos ter — estou procurando um nome — uma taxa de desconforto.
Talvez a idéia seja a de estabelecer um teto para o desemprego e um teto para a
CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINALNome: Comissão de Relação Exteriores e de Defesa NacionalNúmero: 0385/02 Data: 8/5/2002
51
inflação; somarmos os dois e anunciar essa taxa com antecedência de um ano, para
que, no mundo econômico, os empreendedores possam planejar-se. De maneira
que, se o desemprego aumentar, a inflação terá de cair.
Então, estabelece-se uma meta de crescimento com um teto de inflação, e
rodam as outras variáveis. Isso é tecnicamente viável e, no Brasil, quero crer, é a
saída para fazermos o País crescer sem o falso preconceito inserido no debate e na
propaganda oficial de que crescer é sinônimo de volta da inflação. Não é.
Quero lembrar que, em dezembro de 1994, o Brasil trouxe a inflação para
zero e, àquela data, crescia a 6,5% ao ano, com o desemprego em 4,2%. E
compreendemos o porquê. Trata-se de equação de poupança — investimento —,
um daqueles quatro passos que mencionamos.
O objetivo estratégico é esse. Os remédios, a cirurgia e os antibióticos são,
mais ou menos, esses aí.
Eminente Deputado Jair Bolsonaro, agradeço a V.Exa., apesar dos
constrangimentos que causou ao ilustre Deputado Francisco Dornelles. (Risos.) Não
quero causar cizânia, já tenho muitas em minha área e em minha família. Fico muito
agradecido pelo depoimento de V.Exa, de quem recebi contribuições muito úteis em
matéria de política de salário, de aposentadoria e de reforma de militares. Agradeço
também a V.Exa. as expressões de estímulo com que me brindou.
Se V.Exa. me permite — e não sei se o estarei frustrando —, quero dizer que
temos um Ministério da Defesa, e este é um avanço institucional. Creio que V.Exa.
concorda.
A política de defesa do País há de ser administrada de forma mais ampla que
uma visão estritamente militar. Essa é a razão por que estrategicamente evoluiu a
CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINALNome: Comissão de Relação Exteriores e de Defesa NacionalNúmero: 0385/02 Data: 8/5/2002
52
humanidade para o estabelecimento de um Ministério da Defesa. Mas, acredito,
como V.Exa. também, que há de haver a Casa Militar.
Governei o Ceará, onde havia Casa Militar, naturalmente com funções muito
restritas. Esse órgão é necessário até porque é preciso um locus institucional onde
a liderança militar das Forças Armadas possa ter interlocução com o Presidente da
República sem intermediação.
Em qualquer cenário, conhecendo a alma do estamento militar, não se
nomeará para o Ministério da Defesa alguém — e não quero concordar com V.Exa.
em relação ao atual Ministro, mas apenas estabelecer uma diretriz minha para o
futuro — que não seja mais do que funcionalmente o chefe, mas um líder respeitado
pelas Forças Armadas. Esse que procurarei para ser Ministro ou Ministra da Defesa.
(Palmas.)
Eminente Deputado José Carlos Martinez, V.Exa. me desvanece com as
palavras sempre generosas e calorosas, e em nada me sinto ofendido quando
V.Exa. me faz uma pergunta específica dessas que tento evitar, porque não sei
ainda que o êxito haverá nessas medidas preparatórias para dar ao País excedente
de poupança capaz de dar conteúdo concreto aos planos.
Tenho muita restrição ética para sair semeando falsas promessas, até porque
essa é a semente da desautorização precoce. Mas saiba V.Exa., de quem tenho tido
o privilégio de privar da intimidade e da amizade, que não é uma questão só de
coragem, mas de compromisso. O Brasil precisa abrir seus caminhos ao Pacífico.
Posso assumir um compromisso específico, porque se trata da projeção de 90
quilômetros de rodovias, a BR-364. Basta projetar esses 90 quilômetros, e
imediatamente encontraremos, a oeste, um mercado de 8 milhões de consumidores,
CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINALNome: Comissão de Relação Exteriores e de Defesa NacionalNúmero: 0385/02 Data: 8/5/2002
53
eliminando de Rondônia, do Acre e da Amazônia ocidental o constrangimento de se
comunicarem pelo Atlântico. Passaremos, então, a fitar o Pacífico com todas as
perspectivas.
Esse é um dos raros compromissos que já celebrei com a população do Acre.
Devo dizer mais uma vez que isso foi prometido e que não foi feito ainda porque há
enorme polêmica internacional a pretexto de degradação ambiental. Flagrantemente,
não há razão científica ou ecológica que não permita que rasguemos 90 quilômetros
de estrada com toda a preservação, com todo o cuidado ecológico que se deve ter
— e certamente eu terei.
Os interesses, porém, são outros, e é preciso que o Brasil tenha capacidade
de praticar esses interesses, o que nos remete de novo à eliminação estrutural do
nexus de dependência, obrigando-nos a ser — entre aspas — “bom moço
internacional”.
Eminente Ministro, Deputado Francisco Dornelles, é uma honra especial mais
uma vez mencionar a presença de V.Exa. Minha opinião mudou em relação ao
PROALCOOL.
Como vim de região fortemente semi-árida, no Ceará foi muito fácil para mim
cevar um preconceito contra o setor sucroalcooleiro. O único usineiro do Ceará
replicava totalmente toda a mitologia que, preconceituosamente, desqualificava o
usineiro na minha cabeça de jovem preocupado em apreender. Hoje, depois de
conversar, de procurar apreender mais um pouco, a minha opinião mudou. Acredito
que o PROALCOOL precisa ser adaptado e emulado novamente. Sou a favor disso,
embora imagine que tenhamos de planificar um pouco mais centralmente essa
expansão e qualificação.
CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINALNome: Comissão de Relação Exteriores e de Defesa NacionalNúmero: 0385/02 Data: 8/5/2002
54
Refiro-me a soluções técnicas, por exemplo, como aquela que se diz — e não
tenho convicção de ser ou não viável — que se poderia usar álcool no motor a diesel
para o transporte de cargas. Será isso tecnicamente viável?
Também é preciso, na ambiência de uma política agrícola no País, ponderar
os estoques de ótimas terras brasileiras que devem estar primordialmente ocupadas
em produzir alimentos em vez de energia renovável. Trata-se de conflito de uso que,
a pretexto de preços conjunturais, não deveria deixar o Brasil descuidar da
estratégia de não ocupar terras de bom uso ou de logística, retirando a produção de
alimentos para alocar combustível renovável.
Salvo essas variáveis, afora outras que, certamente, preciso aprender, tenho
simpatia por um programa de energia renovável, ambientalmente limpa e que possa,
dada a possibilidade de compra de excedente pelos Estados Unidos, dar ao Brasil
rapidamente liberdade na conta do petróleo, se tecnicamente viável for.
A resposta à segunda pergunta é: comovidamente, sim. Como disse, há algo
a fazer sobre todas as rubricas do déficit externo. A lei do menor esforço é uma
obviedade, exportar mais, por exemplo, investir no turismo. Mencionei que o Brasil
tem extraordinário potencial na área de turismo, hoje subexplorado, embora tenha
melhorado muito com a administração do Ministro Caio Carvalho.
O Brasil, estrategicamente, precisa fazer algo, primeiro, em relação aos
royalties. Mencionei que o déficit na conta de royalties no Brasil aumentou 1.400%,
nos últimos cinco anos. O déficit na conta de transferência tecnológica não é só um
problema financeiro, de gravame no déficit externo, mas algo absolutamente
sensível do ponto de vista estratégico. Segundo, em relação ao frete. V.Exa. tem
toda a razão, mesmo o mais ortodoxo dos neoliberais prevê para o Brasil a
CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINALNome: Comissão de Relação Exteriores e de Defesa NacionalNúmero: 0385/02 Data: 8/5/2002
55
necessidade de ampliarmos a presença do País, nas duas colunas, no comércio
externo.
Precisamos tanto exportar quanto importar mais. A participação do País no
comércio mundial, que já foi de 1,4%, hoje está aquém de 1%. Chega a ser ridículo
esse índice se comparado, por exemplo, ao mexicano, para não confrontarmos com
o da China, o que seria constrangedor.
O Brasil precisa ampliar seu comércio externo. Um dos graves elementos que
deve ser removido é o pagamento de praticamente 100% dos fretes a empresas
estrangeiras. Podemos ter uma política casada de retomada do processo de
Marinha Mercante. Não digo que precise ser estritamente estatal, mas novos modos
de operar, joint venture, uma estatal a ser privatizada ou uma estatal que quebre a
inércia no setor, casada com lógica de planejamento da indústria naval. Isso seria
interessante. O Rio de Janeiro tem extraordinária vocação nesse sentido; em
Fortaleza também há uma pequena unidade que pode ajudar o País a ter
novamente uma frota mercante.
O SR. PRESIDENTE (Deputado Aldo Rebelo) - Srs. Deputados, já fomos
avisados do início da Ordem do Dia na sessão da Câmara dos Deputados. Solicito a
quem não registrou sua presença em plenário que, por favor, o faça, a pedido do
Presidente Aécio Neves.
Para esta última rodada de perguntas, peço aos Srs. Deputados que sejam
sucintos, a fim de que possamos encerrar nosso debate dentro do prazo previsto.
Com a palavra o Deputado Gerson Gabrielli.
O SR. DEPUTADO GERSON GABRIELLI – Eminente amigo e ex-Ministro
Ciro Gomes, sempre lúcido e competente, meus cumprimentos.
CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINALNome: Comissão de Relação Exteriores e de Defesa NacionalNúmero: 0385/02 Data: 8/5/2002
56
Permita-me, oportunizando sua presença, focar tema que V.Sa. sabe ser
recorrente em minha ação empresarial e parlamentar: a pequena e microempresa.
Segundo dados do SEBRAE, somos 4,5 milhões de pequenos empresários
em 7,5 milhões de pontos de venda e geramos mais de 15 milhões de empregos.
Houve alguns avanços com o Estatuto da Micro e Pequena Empresa e
programas que, de alguma forma, motivaram o setor, como o Projeto Brasil
Empreendedor, um paliativo mais motivacional, um remendão chamado REFIS, que
sinalizou um equacionamento do passivo nacional das micro, pequenas, médias e
grandes empresas. Depois, houve um retrocesso, que estamos tentando
equacionar.
Esse segmento vive terrível drama. Nos últimos 20 anos, todo esse
descompasso que V.Sa., com muita clareza, apresentou gerou problemas
econômicos para o setor. V.Sa., que é muito próximo de nós, vem acompanhando a
situação com atenção e zelo.
Pergunto: num País de pequenos e microempresários, onde há crescimento
da informalidade de maneira intensiva e existe geração de empreendedores à
margem do processo, qual seria a política correta para que esses milhares de
pequenos empreendedores pudessem ajudar na retomada do desenvolvimento?
Numa conta simplíssima e até simplória, se somos 7,5 milhões de pequenos
empresários, se tivéssemos favorável ambientação de juros, carga tributária e
crescimento, se gerássemos um emprego em cada estabelecimento, geraríamos
imediatamente 7,5 milhões de postos de trabalho. Se esse crescimento fosse
recorrente, poderíamos gerar dois empregos e, imediatamente, estaríamos
CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINALNome: Comissão de Relação Exteriores e de Defesa NacionalNúmero: 0385/02 Data: 8/5/2002
57
respondendo, no campo e na cidade, por 15 milhões de empregos. Com certeza,
haveria diminuição da violência no Brasil.
Gostaria de saber qual o projeto de V.Sa. para esses milhares e milhares de
empreendedores, pequenos empresários do Brasil?
O SR. PRESIDENTE (Deputado Aldo Rebelo) – As inscrições estão
encerradas, Srs. Deputados.
Com a palavra o Deputado José Thomaz Nonô.
O SR. DEPUTADO JOSÉ THOMAZ NONÔ – Inicialmente, quero penitenciar-
me, pois estava no Conselho de Ética e não assisti à exposição do ilustre
presidenciável. Então, perdoe-me V.Sa. se alguma coisa for mal colocada.
Em primeiro lugar, com absoluta franqueza, quero dizer que me sinto
gratificado. Apesar de não tão velho quanto João Herrmann e Roberto Freire, mas
um pouco mais antigo nessa militância política, poucas vezes nossos caminhos se
cruzaram. Tenho de V.Sa. apenas a imagem distante que a mídia ou amigos
comuns projetaram ao longo de todos esses anos. A maneira de V.Sa. responder às
questões levantadas sensibilizou-me profundamente, porque também sou
extremamente franco.
É muito importante transitarmos pelo campo do “diziam”, porque V.Sa. está
em campanha política para Presidente da República, não é apenas um tecnocrata a
responder questões objetivas. Diziam que V.Sa. se parece com o Collor. Eu não
gosto do Collor e, portanto, não gostaria de V.Sa. Deve V.Sa. empenhar-se nessa
separação conceitual, com certeza, terá muito a ganhar na sua campanha com isso.
Suas respostas nos sensibilizam por serem consistentes, embasadas e
distintas. Aqui ouvimos muitos presidenciáveis. Aliás, há excesso de presidenciáveis
CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINALNome: Comissão de Relação Exteriores e de Defesa NacionalNúmero: 0385/02 Data: 8/5/2002
58
por metro quadrado. Alguns, evidentemente, já foram detonados no curso do
processo, outros estão em vias de, mas a campanha eleitoral é sempre fascinante.
(Risos.)
Ouvi de V.Sa. claro enfrentamento das questões nacionais. E me pareceu
uma nota extremamente positiva ver subsumido no seu raciocínio visão positiva da
sociedade brasileira. Às vezes, ouço algumas vozes claramente angelicais, mas
anjos do mal, vozes eclesiásticas mais voltadas para o cataclismo. Outras vezes,
ouço vozes, digamos assim, frias, geladas, catadupas de dados que nos levam, às
vezes, a adoecer, quando, na realidade, o que queremos neste Brasil é nos curar.
V.Sa. nos traz uma perspectiva de alento, de esperança positiva. Isso é
salutar, sobretudo nesta Casa tão plural, tão diferente, tão mal compreendida.
Vou fugir do tema específico, apenas instigado pela pergunta do companheiro
Dornelles. A exemplo de V.Sa., venho também de um pequeno Estado nordestino,
mas que é um imenso canavial. Essa é a nossa deformação, diferente da do Ceará.
Começamos e terminamos no canavial, desde Duarte Coelho.
A pergunta que faço a V.Sa. diz respeito a esse tema.
Primeiro, enfrentamos algumas multinacionais — não a dos remédios, mas
muito mais nocivas — que evidentemente fazem prevalecer o seu juízo de mercado
globalizado em detrimento de peculiaridades nacionais.
Cito um exemplo: em simpósio técnico realizado em São Paulo foi destacado
que a empresa Bosch desenvolveu uma bomba ejetora que permite a um automóvel
funcionar concomitantemente a álcool e a gasolina, em qualquer proporção. Por
exemplo, 10% de gasolina e 90% de álcool. Isso espanta o fantasma número um do
PROALCOOL, a ameaça de dasabastecimento, com a incerteza do cidadão de
CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINALNome: Comissão de Relação Exteriores e de Defesa NacionalNúmero: 0385/02 Data: 8/5/2002
59
comprar um carro incentivado por programa de Governo. Como, normalmente, os
nossos governos são amnésicos, num determinado curso da história esquecem do
seu comprometimento social, gastam fortunas com subsídios, fazem uma operação
brutal no sistema econômico e deixam o povo indignado. Mas, há soluções técnicas
para o PROALCOOL.
Concordo com o tratamento equivocado dado à cana-de-açúcar. O Deputado
João Herrmann Neto vem de região sobejamente canavieira e sabe do que estou
falando. O imperialismo paranaense faz desse Estado o segundo produtor nacional
de cana-de-açúcar. É uma questão muito mais deles do que nossa. V.Sa. está
cercado de imperialistas paranaenses que poderão esclarecer essa matéria.
Mas a questão não é essa, ela é filosófica. Como enfrentar o poderio de
empresas que, repito, não traduzem interesses transnacionais, mas delas próprias,
de mercado?
Só o Brasil, partindo da matriz cana, e os Estados Unidos, partindo da matriz
milho, podem fazer o combustível álcool em volume suficiente, fora disso, não é
interessante. Na França, citada recentemente pelos Deputados João Herrmann Neto
e Paulo Delgado, o álcool é vendido nitidamente como remédio, nunca como
combustível.
Essa é a primeira questão má. A segunda, a meu ver, é muito mais delicada:
a mídia. Quero tratar da mídia porque, nos 20 anos que estou nesta Casa, observei
que, em relação aos governos, ela tem uma equação constante: o governo é bom no
seu começo, sofrível no seu tempo médio e péssimo no fim. Lamentavelmente, isso
é regra. O Congresso Nacional nunca soube enfrentar com competência e,
sobretudo, com senso de oportunidade a questão. Se a mídia censura acerbamente
CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINALNome: Comissão de Relação Exteriores e de Defesa NacionalNúmero: 0385/02 Data: 8/5/2002
60
o Congresso Nacional, este de imediato brada com uma lei de imprensa que jamais
se materializa porque eivada de cunho revanchista.
A questão, porém, não é esta, e sim como permitir a democratização da
informação, respeitando parâmetros palatáveis para todos os envolvidos: para o
dono do jornal, que tem o seu negócio; para o jornalista, que quer expressar a
opinião da sociedade brasileira, embora às vezes a confunda com a sua própria, e
sobretudo para todos os entes políticos. V.Sa. é um candidato em campanha e,
melhor do que ninguém, sabe o que digo, do tratamento díspar, por vezes, oferecido
aos agentes nesse processo.
Minha pergunta é a mais genérica possível: como seu governo operaria nesse
campo que, a meu ver, deixa muito a desejar na sociedade brasileira, sem que se vá
evidentemente a nenhum tipo de obscurantismo do passado e, muito menos, sem
confundir liberdade com libertinagem, que são dois conceitos absolutamente
distintos?
Por último, peço vênia ao meu conterrâneo Aldo Rebelo — que é o maior
produto de exportação de Alagoas, aliás S.Exa. se recusa a isso, mas é verdade —
para pedir a V.Sa. que se aprofunde um pouco mais na questão da matriz
previdenciária, porque esta é uma questão humana, política, delicada e complexa,
mas imediata. Milhares e milhares de pessoas andam à procura de resposta
consistente para ela.
Na conformação oficial do Governo, sou daquele partido que o Senador
Roberto Freire, lamentavelmente, não quer. Já votei em S.Exa. para Presidente, e
S.Exa. foi meu eleitor na faculdade de Direito de Recife por muito tempo. Sei que
S.Exa. se refere a outros PFLs: o PFL é plural, nós temos o A, o B, o C, o N.
CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINALNome: Comissão de Relação Exteriores e de Defesa NacionalNúmero: 0385/02 Data: 8/5/2002
61
Estamos agora absolutamente disponíveis para um contato mais aprofundado com
quem quer que seja.
A questão previdenciária, repito, é uma angústia. Nós que estamos em
campanha política no interior — e isso vale para tanto para Pernambuco, como para
o Ceará, São Paulo etc. —, nesse ponto, não precisamos de subsídio, de
equalização nem de políticas diferenciadas. A encrenca é absolutamente a mesma,
do Oiapoque ao Chuí. Aliás, para não ofender os puristas, eu aprendi nesta
Comissão que o Brasil não começa no Oiapoque, mas sim em Uiramutã. Foi lá que
recebi lições didáticas sobre segurança, dadas pelo Deputado Bolsonaro, que tem
pelo Ministro Quintão especial apreço.
Toda a argumentação de V.Sa. sobre o Ministério da Defesa foi brilhante, mas
a única coisa que o Deputado Bolsonaro queria ouvir era a seguinte: o Quintão fica
ou sai? Eu acho que S.Exa. já ficou tranqüilo quanto à resposta.
Desculpem-me se formulei minhas perguntas de forma um tanto humorada,
mas são questões que realmente me preocupam.
Quero cumprimentá-lo publicamente pela clareza e pela maneira franca de
falar, pouco afeita aos subterfúgios tradicionais de quem não quer se expor. A minha
militância política foi, a vida inteira, de exposição, mesmo nas heresias, nos erros.
Acredito que V.Sa. fez isso hoje com muita propriedade.
Muito obrigado. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Deputado Aldo Rebelo) – Concedo a palavra ao
Deputado Walfrido Mares Guia.
O SR. DEPUTADO WALFRIDO MARES GUIA - Sr. Presidente, caros
membros da Mesa, Sr. Ciro Gomes, Sras. e Srs. Deputados, nesta semana,
CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINALNome: Comissão de Relação Exteriores e de Defesa NacionalNúmero: 0385/02 Data: 8/5/2002
62
realizou-se no Rio de Janeiro seminário que já se repete há vários anos sob a
liderança do ex-Ministro Reis Veloso. O assunto mais palpitante foi abordado em
conferência sobre a chamada economia do conhecimento, em que se mostrou a
dominação dos países centrais, sobretudo dos países do Atlântico Norte, sobre o
resto do mundo, sem uso de armas, apenas por ter galgado os degraus da
educação, da ciência e do seu desdobramento na tecnologia, dominando o
conhecimento de maneira absolutamente impositiva para o resto do mundo.
Há menos de três décadas, o Brasil comprava uma refinaria completa.
Pagava o preço, e a refinaria era montada, ali estava embutida toda a tecnologia.
Dessa maneira, comprava-se uma fábrica de cimento ou de automóveis. Em menos
de três décadas, o conhecimento humano, que era uma montanha, virou várias
montanhas. Os futurólogos, que estudam o futuro, ao contrário dos futurologistas,
que adivinham o futuro, dizem que muito em breve, talvez na próxima década, todo
o conhecimento humano vai dobrar a cada dois anos. Estimam que atualmente o
conhecimento dobra a cada quatro anos.
O Brasil tem vencido dificuldades na área da educação. Em 1930, havia
pouco mais de 3 ou 4 milhões de estudantes matriculados nas escolas primárias;
hoje, são 54 milhões de brasileiros estudando, mas ainda temos muito a fazer no
caminho da educação básica para que todos os brasileiros vão não apenas à escola
e possam comer, mas também obtenham sucesso, completem as oito primeiras
séries, continuem os estudos do ensino médio, de tal forma que, aos 18 anos, por
cidadania, por necessidade do mundo e do trabalho, respondendo à competição e
ao conhecimento, cumpram uma escolaridade de 11 anos e consigam emprego pelo
qual recebam o equivalente a 500 ou 600 reais hoje. Cumpre ressaltar que a maioria
CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINALNome: Comissão de Relação Exteriores e de Defesa NacionalNúmero: 0385/02 Data: 8/5/2002
63
quer chegar ao ensino superior e que, atualmente, apenas 11% dos brasileiros entre
18 e 24 anos conseguem fazê-lo; portanto, 89% dos brasileiros entre 18 e 24 anos
ainda não conseguiram chegar ao ensino superior.
Como sabe V.Sa., os cursos de mestrado e doutorado dão o conhecimento
mais próximo da ponta, para que as tecnologias apareçam e virem produtos,
serviços, remédios, etc. Aí está a arma da dominação e a economia do
conhecimento.
Estamos numa Comissão de política externa e de defesa do País, não só de
defesa armada e militar, mas de defesa do futuro, e a questão tecnológica é
fundamental. O conhecimento faz com que alguns países dominem os demais,
porque não é possível comprar uma fábrica de computador, por exemplo, que possa
fazer um bilhão de contas num chip do tamanho de uma unha. Não é possível
comprarmos um supercomputador que faça todas as operações de estratégia militar
para um país.
V.Sa. acabou de nos dizer que os equipamentos do SIVAM, ao fotografar a
Calha Norte, darão informações para quem o construiu. Essa é também uma agenda
fundamental para o próximo Presidente da República. Na condição de seu
admirador e amigo, torço para o seu sucesso, e tenho certeza de que V.Sa. tem o
assunto como prioridade no seu programa de governo. Gostaria que o conhecimento
da questão e o desejo de enfrentá-la fossem compartilhados com os demais
presentes.
Aproveito para congratular-me com V.Sa. pelo excepcional brilho de sua
palestra, ao apresentar as questões com clareza e coragem, sem tergiversações e
sem qualquer composição que pudesse dizer que este ou aquele não o conhece.
CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINALNome: Comissão de Relação Exteriores e de Defesa NacionalNúmero: 0385/02 Data: 8/5/2002
64
Pelo contrário, V.Sa. traz a colaboração de sua brilhante experiência, não obstante
sua juventude, o que me emula mais como brasileiro e político a suportar a
candidatura de V.Sa. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Deputado Aldo Rebelo) – Concedo a palavra ao Dr.
Ciro Gomes, para suas considerações finais.
O SR. CIRO GOMES – Eminente Deputado Gerson Gabrielli, agradeço a
V.Exa. a intervenção. De fato, é muito agradável rever o amigo, agora feito
Parlamentar, mas, outrora, o mais expressivo líder lojista brasileiro.
V.Exa. me pergunta sobre aquilo que entende mais do que ninguém. Oitenta
e sete por cento dos microempresários brasileiros estão inadimplentes, se forem
verdadeiros os dados levantados pelo SINPE, em São Paulo. Quando 10%, 15%,
20% de um grupo social se põem inadimplentes, é uma exceção. É preciso ir à
SERASA, ao CADIN e ao SPC, no caso do consumidor brasileiro. Mas quando 87%
estão com alguma forma de inadimplência, evidentemente o marco regulatório
macroeconômico e o ambiente estão errados. Não faltam evidências que
demonstrem isso.
V.Exa. pontuou inteligentemente sua pergunta. E toda pergunta inteligente
traz em si o germe da resposta. Existem alguns problemas. O sistema tributário
brasileiro é impraticável. Ele, puxado à letra da lei, obriga a economia brasileira — e
quero lembrar que sete de cada dez empregos são gerados por pequenos
empresários — a pagar 46% do PIB como carga tributária. Essa é a carga tributária
nominal, ou seja, aquilo que está escrito nas leis, que deveria se transformar em
tributo. A carga tributária efetiva aproxima-se de 35% do PIB. A diferença está nas
diversas formas de elisão: desde o planejamento tributário, que são fórmulas legais
CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINALNome: Comissão de Relação Exteriores e de Defesa NacionalNúmero: 0385/02 Data: 8/5/2002
65
de evasão fiscal, até a sonegação pura e simples, que estabelece desigualdade na
condição de formal e não-formal, impossível de ser mantida. Dado que a
rentabilidade média dos negócios situa-se ao redor de 7%, estamos falando de 34%
para 46%, estamos falando em 12%. Essa diferença já tiraria a rentabilidade média.
Temos um grande sorvedouro à informalidade que deriva do modelo tributário do
Brasil.
Lembro que isso exige transição e mediação de grandes conflitos. São quatro
as grandes expressões de conflito distributivos no País, por isso não avançamos
numa reforma tributária mais lúcida. Nos últimos oito anos, a carga tributária passou
de 27% — quando eu era Ministro — para 34,5%. Então, alguma reforma tributária
aconteceu na direção oposta. Mas não conseguimos ainda estabelecer, no lócus
próprio, que é o Congresso Nacional, o debate a respeito, porque estamos com
medo — e não faltam razões para tanto — de encarar objetivamente essa expressão
do conflito distributivo no Brasil.
Primeiro, parece truísmo, uma bobagem filosófica, mas não é. Qual é o
modelo de Estado que nós, brasileiros, queremos? Quanto ele custa? Está ou não a
sociedade brasileira disposta a honrar esses custos? Aquilo é uma antecedência,
parece filosofia, mas não é; porque, quando o Constituinte de 1988, por exemplo,
dividiu as tarefas funcionalmente, e aqueles mais sensíveis ao temário social foram
ali se concentrar em desenhar um modelo de seguridade social, de educação, de
segurança pública etc., fundaram um Estado a um modo semelhante ao welfare
state europeu. Entretanto, quando aqueles outros mais especializados na
engenhoca econômica, na modelagem da economia política, no modelo tributário,
CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINALNome: Comissão de Relação Exteriores e de Defesa NacionalNúmero: 0385/02 Data: 8/5/2002
66
nas finanças nacionais, separados no trabalho, foram consertar esse modelo,
fizeram um outro país. E aquele não é compatível com este.
Posso chamar a atenção de V.Exas. para alguns elementos. Por exemplo, a
política de salário mínimo. Está dito e elencado na Constituição Federal que o
salário mínimo brasileiro tem de honrar as necessidades básicas de uma família.
Chega ao despudor de lembrar o lazer, depois de citar comida, roupa, transporte etc.
Nossa matriz de seguridade social, quando fala em saúde pública, anuncia
que “saúde é um direito da sociedade e um dever do Estado”. Quando anuncia
educação, anuncia-a em todos os níveis de complexidade pública e gratuita. E
também tem o despudor de garantir qualidade.
Eminente Deputado, V.Exa. sabe muito que é possível ponderar os custos.
Há estandartes internacionais. A OMS diz quanto custa um padrão sanitário mínimo;
a UNESCO tem padrões razoáveis de um país com perfil de renda per capita como
a brasileira. Pode-se perfeitamente ponderar isso. Como temos problemas de infra-
estrutura, o que é perfeitamente ponderável. Há estudo que demonstra — e V.Exas.
precisam saber disso, se é que já não o sabem, evidentemente — que o Brasil tem
de gastar no próximo Governo 10 bilhões de dólares em geração e transmissão de
energia elétrica, ou haverá um apagão ainda mais grave do que o que já tivemos.
Que isso fique registrado nos Anais da Casa. Dez bilhões de dólares é quanto custa
a geração de 3,5 mil megawatts por ano, sem o quê, o País não conseguirá crescer
a 4% em hipótese alguma.
Esse problema de energia se revelará no ano que vem. Para tudo isso, há
ponderações. Setenta por cento da malha rodoviária federal brasileira, segundo
relatório oficial do DNER, está classificada entre regular e crítica (leia-se
CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINALNome: Comissão de Relação Exteriores e de Defesa NacionalNúmero: 0385/02 Data: 8/5/2002
67
completamente esburacada). Recuperar um quilômetro de estrada custa entre 80 e
120 mil dólares, se for uma pista simples, e naturalmente o dobro, se pista dupla,
isso se não houver comprometimento de base e sub-base, quando esses custos
podem subir sabe-se lá para quanto. Estamos com 70% da malha rodoviária
destruída. Isso impacta em frete. O frete rodoviário brasileiro, que é
substantivamente nossa modalidade de transporte, é três vezes mais caro do que o
do nosso competidor internacional.
Vejam que há todo um conjunto de dramas que esse conflito distributivo terá
de resolver.
A segunda expressão do conflito distributivo também é complexa. A matriz
nacional desenvolvimentista que organizou o modelo moderno de Brasil que temos
— esse Brasil industrializado que começamos a praticar a partir do fim da 2ª Guerra
Mundial —, sem nenhuma maldade, mas por uma logística de preço uniforme,
baseou a indústria no Sudeste, na praia. De maneira que 42% da produção industrial
do País está em São Paulo e outros 40% entre Minas Gerais, Rio de Janeiro e Rio
Grande do Sul, restando 18% da produção industrial para ser disputada, a tapas, por
23 Estados brasileiros, na guerra fiscal. Não há reforma tributária que não passe
pela mediação desse conflito, porque, concretamente, os modelos de tributação são
na origem ou no destino. Tínhamos um modelo tributário imposto pelo período
autoritário que docemente foi agasalhado pela Constituição cidadã de 1988 e que
cobre tributos na origem, pelo sistema de créditos, do ICMS. Quebrar isso,
desfinanciará São Paulo — numa noção de grande magistratura, equilíbrio e
negociação.
CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINALNome: Comissão de Relação Exteriores e de Defesa NacionalNúmero: 0385/02 Data: 8/5/2002
68
Por isso a reforma tributária tem, no Brasil, inadiável centralidade, porque não
se trata só de arrecadar, mas de como essa economia vai ter o mínimo de condições
de competir. Se tivéssemos o condão de ajuizar, seria diferente — e isso não é
Governo contra Oposição, jamais será.
Essas instituições por aí afora — daqui a pouco vou comentar o modelo
previdenciário — só saíram em guerra civil, revoluções ou séculos de consolidação.
Nós, brasileiros, precisamos fazer pelo caminho da transição negociada, sem
revoluções ou guerra civil, do meu ponto de vista, com pressa, porque não é mais
sustentável para a economia brasileira estar com 57 em cada 100 empreendedores
na informalidade. É absolutamente insustentável. Quebra tudo, não se sustenta
nada. Isso tem de ser discutido, e há um modelo pelo qual podemos claramente
avançar. Por exemplo, desgravar a cadeia produtiva. Se depender da minha idéia,
espetacularmente, sem vacilação, porque a teoria de rosto de livro do pensamento
progressista brasileiro diz que tributo bom é o tributo direto e que a tributação
indireta, por regressiva — e é verdade que é regressiva — é injusta, mas isso é a
orelha do livro. O que vamos perceber mergulhando na experiência empírica do
mundo e estudando um pouco mais o assunto é que toda cunha tributária do
processo produtivo é custo, e, como tal, vai embutido no preço das coisas. Trata-se
do pior dos mundos, porque o cidadão paga e não sabe. Portanto, não adquire a
consciência de contribuinte que o faz cidadão que não aceita prepotência,
desmandos e corrupção, por saber que está contribuindo para a sociedade. O
modelo é regressivo, sim. Temos de assumir.
Também está demonstrado na experiência humana que o que distribui renda
não é a progressividade mais ou menos radical do modelo tributário, mas, sim, a
CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINALNome: Comissão de Relação Exteriores e de Defesa NacionalNúmero: 0385/02 Data: 8/5/2002
69
seletividade da despesa pública. Quem distribui renda é a qualidade da despesa
pública, o foco da despesa pública.
Advogo claramente o modelo — cujos detalhes não citarei, porque não vou
abusar aqui da paciência do Presidente — de sistema que desgrave a produção,
desgrave os salários e, progressivamente, grave o consumo. Isso permitiria tirar,
vamos dizer assim, um terço das causas da informalidade.
Segundo terço, a incidência previdenciária brasileira. O modelo previdenciário
está quebrado — e não quebrou ontem, ele vem quebrando desde quando foi
fundado em regime de repartição e a contribuição era de 3% do empregador, porque
havia uma sociedade muito jovem e muito formal. Eram seis pessoas ocupadas para
uma aposentada, e uma expectativa de vida inferior a 60 anos. Com o passar do
tempo, fomos envelhecendo, houve malversação, maior informalidade no mercado
de trabalho, e aqueles 3% viraram hoje um ônus. É de cerca de 16%, podendo, em
certos aspectos atípicos, chegar a 102% o encargo previdenciário, tendo por lógica
de incidência a folha de pagamento.
Ora, se a folha de pagamento é a base de incidência, se essa base de
incidência fica completamente insuportável, o que acontece? Patrão e empregado
estão se acertando lá fora para se evadir da Previdência, porque o empregador está
com a sensação de que paga muito; o empregado, de ganhar pouco, e ambos com a
razão. A diferença é o cunho previdenciário. Então, a idéia é transitar, e para tudo
isso se exige gradualidade, não há espetáculo.
Já tentando responder ao eminente Deputado José Thomaz Nonô, que
também muito me honrou com sua intervenção, o Brasil precisa construir um regime
de capitalização pública. V.Exas. sabem como funciona: repartição, arrecada-se
CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINALNome: Comissão de Relação Exteriores e de Defesa NacionalNúmero: 0385/02 Data: 8/5/2002
70
uma fração da folha de pagamento aqui e reparte, imediatamente, acolá;
capitalização, a idéia é que transitoriamente o País comece a desgravar a folha de
pagamento na proporção em que passe a gravar o faturamento líquido das
empresas, começando pelos setores robotizados, automatizados, o que é uma
obviedade. Uma construção civil que emprega muitos brasileiros paga uma fortuna;
uma empresa robotizada que tem um cachorro, que toma conta das máquinas, e um
homem, que dá água e comida para o cachorro, não paga nada. Na medida em que
o modelo começa a funcionar, porque se recolhe dessas fontes alternativas, aplica-
se no investimento produtivo e se extrai dessa dinâmica de crescimento da
economia, do incremento da taxa de poupança e investimento doméstico do País o
extra de que se precisa para dar dignidade ao aposentado.
A gestão deveria sair da mão do Governo, stricto sensu, permanecendo
pública, para ser controlada de forma descentralizada por conselhos de
trabalhadores, empresários, aposentados e com representação do Governo,
institucionalmente obrigados a vincular esses acervos de poupança doméstica
compulsória, que é o previdenciário, ao investimento produtivo, para vedar a
tentação de se especular.
Isso exige toda uma mudança na legislação societária, transparência dos
balanços, governança, enfim, garantia de acionistas minoritários, uma coisa
necessariamente casada com a outra, e não há como fazê-las diferente.
Além do mais, o que se tem de fazer é aproximar o Governo do pequeno, o
que pode acontecer por meio de experiências que até já conhecemos, mas que
podem ser incrementadas muito pesadamente, acertando um pouco o SEBRAE,
para que seja mais empresa e menos Governo. Enfim, a questão é: capacitação
CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINALNome: Comissão de Relação Exteriores e de Defesa NacionalNúmero: 0385/02 Data: 8/5/2002
71
gerencial; linguagens de marketing; esforço de associação com o pequeno; crédito,
fundamentalmente, sem o que não há como expandir, e concorrência cooperativa,
conceito novo que estou tentando aperfeiçoar e que permite ao pequeno ganhar em
algumas etapas.
Fizemos isso, por exemplo, com a indústria de confecções do Estado do
Ceará. O pequeno confeccionista não consegue sobreviver. Ele não tem como
agregar valor, não tem como trazer o estilista francês e não tem, enfim, como
exportar. Criamos uma central da microempresa e conseguimos reuni-los. Eles
passaram a comprar seus insumos juntos, ganhando escala, portanto redução de
custos, e, também juntos, passaram a freqüentar o mercado externo com um único
custo fixo. Contrataram um estilista francês, já conseguiram a concretização de um
curso de moda na universidade. E o pólo de confecções do Estado do Ceará tornou-
se realidade, agregando valores. Não há a menor dúvida de que isso funciona.
Respondendo às perguntas formuladas pelo eminente Deputado José
Thomaz Nonô, quero dizer que já me magoei muito com comparação de estereótipo
em relação ao seu conterrâneo, mas quero crer que isso é...
O SR. DEPUTADO JOSÉ THOMAZ NONÔ – Gostaria de fazer uma
correção: ele é carioca, não é meu conterrâneo. (Risos.)
O SR. CIRO GOMES – Eu não o satanizaria nessa ocasião, francamente. A
sociedade brasileira tem de comparar. Repito: comparar. Com a maturidade
chegando, acabei percebendo que é muito alvissareiro, sendo eu ex-Ministro, ex-
Governador, ex-Prefeito de Capital e Deputado por duas vezes, o fato de que tudo o
que se tem a dizer contra mim seja relativo ao meu estereótipo — e, ainda assim,
por ser relativamente jovem e nordestino.
CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINALNome: Comissão de Relação Exteriores e de Defesa NacionalNúmero: 0385/02 Data: 8/5/2002
72
Então, quem quiser comparar que o faça e resolva a questão.
Quanto ao enfrentamento das multinacionais, não vejo, até porque não é a
minha vontade nem o meu estilo, a idéia de confrontação retórica, xenófoba ou
exacerbadamente nacionalista. Os passos devem ser dados com moderação, mas
com segurança. Por exemplo, se há essa bomba de injeção alternativa, que funciona
automaticamente com uma chave — eu presumo —, trata-se de regulamento, o que
é muito mais função do Parlamento brasileiro.
Deixe-me citar um exemplo: há, no Brasil, um carro chamado Voyage.
Quando morei nos Estados Unidos, fiquei impressionado: lá encontrei esse mesmo
carro, mas com outro nome — Fox. E a diferença não estava só no nome: o Fox que
circulava nas ruas de Manhattan contava com 67 itens a mais relativos a segurança
e à questão ambiental, que a ele foram adicionados em função regulamentos norte-
americanos. Isso é perfeitamente factível no Brasil, sem maiores confrontações.
Quero lembrar que também se faz muita injustiça com o ex-Presidente Itamar
Franco, esse grande brasileiro, atual Governador de Minas Gerais. S.Exa., numa
atitude debochada, tomou iniciativa que, inclusive, deu à indústria automobilística
daquele Estado o primeiro lugar em vendas. Enquanto a sociedade era distraída
com piadas a respeito do fusca, S.Exa. criou novo regime automotriz por meio de
algumas ferramentas, como a renúncia fiscal para carros de até 1.000 cilindradas.
Enquanto ironizávamos o fusca, o FIAT Uno, produzido em Minas Gerais, passou a
ser o carro mais vendido do País, o que fez a FIAT expandir sua produção, pois
ganhou escala, passando o Brasil a produzir 1 milhão de unidades daquele modelo.
O caminho é este: confrontar, sim, mas por meio de linguagem civilizada e
coesa. Ao invés de valentão na Presidência, discussão entre a sociedade e o
CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINALNome: Comissão de Relação Exteriores e de Defesa NacionalNúmero: 0385/02 Data: 8/5/2002
73
Parlamento, não havendo fissura para explorar graves ameaças. E essa questão me
remete a uma outra exposta por V.Exa: a mídia.
No Brasil há um problema grave em relação à democratização da informação
e à pasteurização da nossa diversidade cultural, uma das nossas maiores virtudes.
Na unidade nacional, temos, por exemplo, a diversidade cultural da Amazônia, a
cultura pernambucana, a baiana, a cearense etc. É impressionante a diversidade
cultural brasileira inserida na nossa unidade nacional. E isso está sendo
pasteurizado como linguagem por um tipo de monopólio de emissão num único
centro regional. Então, os cearenses já estão falando “exquina”. Eu, por razões mais
particulares (risos), não cometi esse abuso ainda, mas é impressionante como
acontece. Então, temos de nos preocupar com isso.
Diante disso, tenho preocupação estrutural, conceitual e ideológica. A melhor
intervenção que o Governo faz na mídia é não intervir de maneira alguma. Eu disse
bem: o Governo, sim. O Congresso Nacional, como santuário da democracia —
minha formação é no Parlamento, antes de qualquer coisa aprendi ali as virtudes da
discussão, da tolerância, do pluralismo, da humildade de ouvir o outro, ter o tempo
limitado, do qual, até hoje, generosamente, tenho abusado — é o lugar correto para
se travar essa discussão.
Quero crer que menos pelos traumas de uma legislação regulatória e punitiva
do que por aquele outro caminho que o Constituinte imaginou, o Conselho Nacional
de Comunicação, de forma socialmente controlada — não pelo Governo da época —
possa estimular o debate sobre o que pode e deve ser feito pela democratização da
informação e da produção cultural.
CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINALNome: Comissão de Relação Exteriores e de Defesa NacionalNúmero: 0385/02 Data: 8/5/2002
74
Comparecerei a esse debate com algumas poucas idéias. Uma delas também
o Constituinte já imaginava, mas pretendo dar conteúdo prático. Trata-se do
estabelecimento — e não há nada de intrusão nisso — de horários para exibição de
produção regional nas redes nacionais, tanto de informação quanto de
entretenimento e de programação cultural. Isso já está na Constituição. Precisamos
apenas dar conteúdo prático à matéria.
Segundo, financiarmos cooperativas de artistas e jornalistas para a criação de
centros alternativos de difusão, tanto cultural quanto da informação. São modestas
contribuições com as quais comparecerei ao debate, cuja sede própria é o
Congresso Nacional, não a Presidência da República.
Não sei se ainda precisaria abordar um pouco mais a questão previdenciária.
Muito honrado e agradecido pela generosa expressão do meu companheiro e
amigo querido Deputado Walfrido Mares Guia, tentei chamar a atenção aqui, muitas
vezes — e vou fazê-lo para concluir — de três variáveis fundamentais para
empreender, produzir e trabalhar: a variável do financiamento, da qual já tratamos
muito amiúde; a de escala, sobre a qual já houve a oportunidade de refletir, e a
crescentemente central, que é a tecnológica. Nessa área não há milagres de curto
prazo. Mas é inadiável que o Brasil comece a tomar o caminho o correto para obter
resultados estruturais em 20, 30 anos, como fez a Coréia, que é o mais recente
experimento de inversão de lógica, em que o próprio paradigma pedagógico sofreu
transformação para pôr ênfase em matemáticas, linguagem básica da tecnologia.
No caso brasileiro, o que podemos fazer para abreviar um pouco esse esforço
estrutural de qualificação e de ênfase orçamentária no gasto com educação, ciência
e tecnologia é termos política de repatriação de talentos brasileiros.
CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINALNome: Comissão de Relação Exteriores e de Defesa NacionalNúmero: 0385/02 Data: 8/5/2002
75
Nos últimos cinco anos, o Brasil perdeu um de cada três mestres e doutores
das universidades públicas. E não foi propriamente para o estrangeiro. Eles não
estão a serviço de qualquer visão estratégica pública de qualquer coordenação de
projeto. Essa é a primeira providência: trazer os brasileiros que estão no estrangeiro
e mandar muitos brasileiros aceleradamente treinarem no estrangeiro, em cadeias
que nos podem, inclusive, taticamente por lei do menor esforço, focar naquelas
tecnologias de intermediária complexidade, onde estamos pagando royalties e
poderíamos nos autonomizar. Dessa forma, depois, encontraríamos as cadeias
produtivas que o interesse nacional defina e em relação às quais o Brasil quer ser
ponta mundial, como, por exemplo, a biotecnologia e a engenharia genética, pelo
fato de sermos sede de 17% da biodiversidade do mundo. Anima-nos o fato de que
o brasileiro, tendo oportunidade, é capaz de qualquer arte que o talento humano
algum dia revelou.
Concluo, Sr. Presidente, Sras. e Srs. Deputados, muito honrado e agradecido
por este privilégio e muito desvanecido com as palavras de V.Exas. para comigo.
Muito obrigado a todos. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Deputado Aldo Rebelo) - Em nome da Comissão de
Relações Exteriores e de Defesa Nacional, agradeço ao Dr. Ciro Gomes a presença
e a brilhante exposição com que brindou a nossa primeira audiência pública
destinada a tratar do tema “Relações Exteriores e Política de Defesa Nacional”.
Muito obrigado a todos.
Nada mais havendo a tratar, declaro encerrada a reunião.