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Jornal Laboratório do Curso de Comunicação Social - Jornal ismo - 6 o Semestre/2002 Edição nº 24 - 15 de Outubro de 2002

Trabalho informal:opção ou alternativa

A tarefa de descascar e limpar peixes e camarões se

tornou fonte de renda para mulheres de Barra do Sul.

Leia a matéria nas. Páginas 8 e 9

Geral

Não ter horário de

trabalho e nem pa-

trão. Este é o sonho

de muitas pessoas.

Profissionais avali-

am as vantagens

de estar no merca-

do informal e tra-

balhar por conta

própria. Página 10

Os guardadores

de carro, ou sim-

plesmente flane-

linhas, oferecem

segurança nos

estacionamentos

centrais.

Contracapa.

Cotidiano

Sacoleiros viajam semanal-

mente e driblam a fiscaliza-

ção para garantir sustento.

Página 13

Burocracia atrapalha pequenas empresas

familiares. Página 5

Saiba o que o legislativo municipal tem fei-

to (ou não) pelo trabalho informal. Página 6

Políticas Públicas

Kennedy Nunes

Gabriela Nicllau

Kennedy Nunes

Keltryn Wendland

Kennedy Nunes

Primeira Pauta

Primeira Pauta

Joinville/SC, 15 de Outubro de 2002

2

Opinião

Um quadro cada vez mais

comum no Brasil e em outros

países é a grande quantidade de

trabalhadores na chamada eco-

nomia informal. Este setor já é

responsável por mais de 40% do

PIB brasileiro, aproximadamen-

te R$ 400 milhões do total de

R$ 1,08 bilhão gerados em 2001.

Nas grandes e pequenas ci-

dades, lá estão eles: o camelô, o

flanelinha, o vendedor ambulan-

te. Mas o que estes trabalhado-

res têm em comum? Nosso de-

safio foi retratar a realidade de

trabalhadores que desenvolvem

possibilidades singulares para a

situação do desemprego. A ven-

da de produtos cosméticos para

colaborar na renda mensal –

uma forma parcial de

informalidade; trabalhos tempo-

rários – conhecidos como “bi-

cos” – enquanto aguardam a

recolocação no mercado formal

ou através da coleta de materiais

recicláveis – que para muitos se

constitui a única fonte de renda.

Ou ainda, a dura realidade das

descascadeiras de camarão de

Barra do Sul. As mãos sujas e

machucadas pela tarefa diária de

descascar, limpar peixes e cama-

rões. É o caso de mulheres

como dona Maria Aparecida,

que divide seu tempo entre os

serviços domésticos, a banca de

peixes e, às vezes, o trabalho de

diarista.

Conheça alternativas como o

Programa Integrar, projeto que

investe na capacitação profissio-

nal e o Sine (Sistema Nacional

de Empregos), órgão que

intermedia mão-de-obra e tam-

bém oferece cursos para o tra-

balhador. E saiba a opinião de psi-

cólogos sobre as vantagens e des-

vantagens do trabalho informal.

Garantir a própria sobrevi-

vência guardando carros é a ta-

refa de muitos “flanelinhas” no

centro da cidade. Eles atuam nas

ruas de maior movimentação ou

perto de casas noturnas e

shoppings. Histórias como a de

Cláudio Felipe, o Cacá, de 18

anos, parecem indicar uma reali-

dade sem volta: “É o único jeito

de ganhar alguma coisa”.

Pequenas empresas e profis-

sionais autônomos, que fabricam

ou comercializam produtos

como churros ou cachorro-

quente, estão sujeitos a licença e

legalização de órgãos como a

Vigilância Sanitária, Corpo de

Bombeiros, Fatma ou Ibama.

Contudo, a realidade joinvilense

revela que ainda há muito por

fazer.

Enquanto dados apontam

que, no Brasil, cerca de 7 milhões

de crianças executam atividades

de trabalho em idade precoce,

em Joinville, 445 crianças cadas-

tradas no Peti - programa cria-

do pelo Governo Federal - mu-

daram sua rotina e tem seu aces-

so e a permanência garantidos na

escola.

Nas eleições deste ano, não

muito diferente das anteriores, a

principal bandeira levantada é a

“geração de empregos”. Contu-

do, o que o legislativo e o poder

público municipal em Joinville,

tem feito neste sentido? Como é

tratado esse setor responsável

por mais de 60% da geração de

empregos em todo o Brasil? Na

Câmara de Vereadores, são dis-

cutidas a regulamentação e rein-

tegração do trabalhador ao mer-

cado formal. No entanto, ainda

nenhum projeto saiu do papel.

“Não há ajuda pública da Pre-

feitura ou de outro órgão, não

há investimento algum na situa-

ção dos trabalhadores informais,

pois a questão não gera votos”,

avalia um ex-vereador e atual

candidato.

O trabalho informal surge

num contexto marcado pela fal-

ta de políticas públicas de desen-

volvimento e criação de empre-

gos, custos elevados de encargos

trabalhistas, perda de direitos, e,

por outro lado, o processo de

automação tecnológica e a

terceirização. A grande questão

permanece: é possível ou neces-

sário reverter o quadro da

informalidade no Brasil?

Keltryn Wendland, editora

O trabalhador que perdeu

seu emprego formal encontra no

mercado informal uma solução

para sobreviver. De um lado os

trabalhadores autônomos e, tam-

bém, os empregadores e empre-

gados de pequenas firmas. De

outro, temos os trabalhadores

que exercem o trabalho sem car-

teira assinada.

Uma questão de sobrevivên-

cia devido à perda de emprego

formal ou a uma opção de vida

de alguns trabalhadores que pre-

ferem desenvolver seu “próprio

negócio”. Há muita força de tra-

balho informal no Brasil, de cada

dez brasileiros, seis estão no mer-

cado informal.

Em Joinville, as filas nas uni-

dades do Sistema Nacional de

Emprego (Sine) não param de

crescer. De outro lado, as agên-

cias de emprego encontram di-

ficuldades para preencher as va-

gas disponíveis. A falta de mão

de obra qualificada: tanto em-

pregadores quanto agenciadores

são unânimes em apontar a fal-

ta de escolaridade como o prin-

cipal motivo. O que traz um au-

mento no trabalho informal.

No Brasil, o capitalismo tem

sido marcado por um grande de-

senvolvimento produtivo e

tecnológico. Este desenvolvi-

mento ocorre rapidamente, o

que nem sempre é positivo para

o empregado, trazendo um au-

mento de desemprego e dificul-

dades para empresários se man-

terem no mercado formal.

A empresa, devido ao eleva-

do custo de ter um funcionário

registrado, não disponibiliza va-

gas para futuros empregados.

Desta forma, a solução para o

desemprego acaba sendo o tra-

balho informal.

Nas atividades informais, os

que estão desempregados espe-

ram obter melhores condições de

trabalho e de vida. Não somen-

te isso, mas a realização profis-

sional, o que envolve diversos

fatores como felicidade, criati-

vidade, relações pessoais e liber-

dade.

Apesar de manter o trabalha-

dor afastado dos benefícios da

legislação trabalhista, o trabalho

informal nem sempre permite

uma melhoria nas condições de

trabalho e no padrão de vida.

Mesmo assim, esse trabalho de

meninos de rua, catadores de

lixo, vendedores ambulantes e

outros é uma realidade numéri-

ca significativa na sociedade atu-

al.

Essas atividades fora do tra-

balho tradicional são o resulta-

do da alternativa mais imediata,

criada pelos próprios trabalha-

dores. Quem sabe um dia vamos

poder superar os problemas do

mundo, trazendo para economia

informal mais dignidade.

Economia informal A busca por trabalhoPor Suzana Ferreira

Jornal Laboratório do

Curso de Comunicação

Social –Jornalismo – do

Instituto Superior Luterano

de Santa Catarina – Ielusc

www.ielusc.br

Diretor Geral:

Tito L. Lermen

Diretor do Curso:

Edelberto Behs

Professor responsável:

Juciano de S. Lacerda

DRT-PB 1.177

Editora:

Keltryn Wendland

Secretária:

Suzana Ferreira

EDITORIAS

Políticas Públicas

Shirlei Paterno

Ana Paula Bueno

Sérgio Leal Nunes

Juliana Bertolini

Cotidiano

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Alessandra Kupas

Marino Braga Jr.

Aline Anacleto

Manoela de Borba

Francisco Carlos Farias

Sara Fernanda Coelho

Geral

Giovana H. Pereira

Juliana Kock

Gabriela Nicolau

Samara A. Zucchetti

Economia

Peterson Izidoro

Diagramação:

Adilson Luiz Girardi

Escreva para nós: Cur-

so de Comunicação Soci-

al- Jornalismo. Rua Alexan-

dre Dohler, 56, centro

89201-260, Joinville

Tel: (47) 4330155

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EXPEDIENTE

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br

Primeira Pauta

Joinville/SC, 15 de outubro de 2002

3

Economia

O avanço do trabalho infor-

mal em Joinville está atingindo

em cheio a arrecadação de tri-

butos municipais. A constatação

é do chefe da Divisão de Tribu-

tação da Secretaria da Fazenda

de Joinville, Luiz Henrique Lima,

que avaliou os resultados da pes-

quisa elaborada pela Fundação

Municipal Albano Schmidt

(Fundamas), com dados de

2001. O levantamento ouviu cer-

ca de 25 mil famílias, quase um

terço da população joinvilense.

Os números apontam que 13%

dos entrevistados vivem do em-

prego informal, ou seja, sem car-

teira de trabalho assinada.

De acordo com Lima, ao

driblar os concorrentes formais,

se livrando de impostos e dos

altos preços cobrados nos alu-

guéis dos pontos comerciais, os

empreendedores informais tor-

naram-se um dos principais cau-

sadores da queda de arrecada-

ção da Prefeitura de Joinville.

Com a economia clandestina,

podem vender produtos mais

baratos ou cobrar menos por

serviços oferecidos. “Aboca-

nham a maior fatia do mercado

dos formais”, constatou o chefe

da divisão.

A Fundamas aponta que a

maioria dos prestadores de ser-

viços sem regularização incluídos

na pesquisa, perto de 45%, está

na construção civil, do pintor ao

auxiliar de pedreiro. O levanta-

mento também revela que 14%

dos entrevistados são motoris-

tas e outros 10% atuam em ven-

das, sem a abertura obrigatória

de empresa, conforme exige a

legislação brasileira. A pesquisa

foi feita com alunos das escolas

municipais, que levaram um re-

latório para ser respondido pe-

los pais.

A informalidade pode pro-

vocar demissões no comércio e

na indústria, segundo o presiden-

te da Associação de Joinville e

Região da Micro, Pequena e

Média Empresa (Ajorpeme),

Volnei Francisco Batista. A con-

corrência desleal, com a redução

dos preços adotados pelos infor-

mais, afeta a venda do comércio

e a produção industrial, ocasio-

nando demissões. “É um risco

iminente”, afirma o empresário.

A prefeitura tenta reverter o

problema e pretende tornar mais

efetiva a fiscalização até o final

deste ano. O número de fiscais

em Joinville deve crescer de oito

para 30 ainda neste semestre,

garantiu o secretário municipal da

Fazenda, Roberto Busch. Ainda

é pouco. Pelos cálculos de Luiz

Henrique Lima, da Divisão de

Tributação da Secretaria da Fa-

zenda. Três microindústrias já

operam na informalidade em

Joinville. Boa parte dos informais

são ex-funcionários da indústria

que foram demitidos. “Preferem

montar o próprio negócio, mes-

mo que seja informal, a recorrer

a empregos no comércio”, com-

pleta. A alta tributação é uma das

causas de o pequeno empreen-

dedor optar pela não regulamen-

tação de sua empresa.

Uma das alternativas da

Ajorpeme para combater a

informalidade na microempresa

é a adesão da Prefeitura ao Sim-

ples, o imposto com tarifa única

para os pequenos empreende-

dores. Na análise do presidente

da entidade, haveria diminuição

dos encargos e incentivaria os

informais a regulamentarem o

negócio. O reflexo seria o au-

mento da base da arrecadação

municipal. O projeto tramita na

Câmara de Vereadores.

Informalidade reduz arrecadaçãoPesquisa da Fundamas revela quemilhares de joinvilenses vivem do

emprego informalPeterson Izidoro

Profissão ambulante: novos postos são inferiores ao crescimento da população ativa

Foto: Kennedy Nunes

O emprego sem carteira as-

sinada funcionou como amorte-

cedor para suprir, nos doze me-

ses encerrados em abril, a neces-

sidade de trabalho de pelo me-

nos 20 mil catarinenses que en-

traram no mercado e não tive-

ram suporte na economia tradi-

cional, conforme dados do Ca-

dastro Geral de Emprego e De-

semprego (Caged), do Ministé-

rio do Trabalho. Um cenário oti-

mista para 2002 garante a aber-

tura de 30 mil novos postos de

trabalho no Estado, o mesmo

número dos últimos dois anos.

O problema é que o cresci-

mento da população economi-

camente ativa em Santa Catarina

é de 2% ao ano (contra 1,6% de

toda a população). Isso represen-

ta a entrada de 50 mil pessoas

ao ano no mercado de trabalho,

mas como o setor formal da

economia só emprega mais 30

mil, os outros 20 mil são obri-

gados a optar pela informalidade

Trabalho informal amortece a ausênciade novas vagas na economia tradicional

para sobreviver. O comércio,

responsável por 9,9% dos traba-

lhadores com carteira assinada

(equivalente a 259.388 trabalha-

dores), é um dos setores que não

espera crescimento significativo

do volume de empregos for-

mais neste semestre.

Os números do Departa-

mento Intersindical de Estatísti-

ca e Estudos Sócio-Econômicos

(Dieese), referentes aos primei-

ros cinco meses do ano, indicam

que o emprego com carteira as-

sinada continuou aumentando

nas regiões industriais do estado

- Joinville e Blumenau - com

6,74% e 5,83% de elevação, res-

pectivamente.

Em Florianópolis, onde pre-

domina o setor terciário, o cres-

cimento foi bem menor: 2,63%.

A indústria da transformação no

Estado, por exemplo, criou cin-

co mil empregos, sendo que 2,4

mil, quase a metade, em apenas

dois segmentos: alimentação e

têxtil. [PI]

Crescimento da populaçãoeconomicamenteativa em 2002 (média de 2% ao ano)

Abertura de novos postosde trabalho no Estado

Número de novostrabalhadores sememprego

50 miltrabalhadores

30 milvagas

20 mildesempregados

Saldo negativo

Primeira Pauta

Joinville/SC, 15 de Outubro de 2002

4

Políticas públicas

Dos trabalhadores informais

encontrados nas ruas de Joinville

vendendo alimentos, apenas 30 são

cadastrados junto à Vigilância Sani-

tária e cumprem com a legislação

fiscal, trabalhista e previdenciária.

Nem os consumidores andam aten-

tos ao alvará de regulamentação.

Eles afirmam não observar esta

questão, mas consideram a higiene

do local importante.

Márcia Santana de Paula faz

parte do grupo de trabalhadores

informais. Ela trabalha há vários

anos na rua. Começou como

guardadora de veículos, agora ven-

de churros em frente ao shopping

e está regulamentada. Trabalha de

segunda à sexta das 10h30 às 20h.

Quando chove muito não costuma

ir, pois o abrigo do carrinho é pe-

Informalidade não é fiscalizada em JoinvilleFalta de fiscalização faz com que a irregularidade aumente e que número de ambulantes cresça

Ana Paula Bueno queno e o movimento é menor. Os

churros custam um real e as ven-

das costumam ser de mais de trinta

churros ao dia.

Valmor Manoel Valentina tam-

bém é trabalhador informal. Ao

contrário de Márcia ele não tem

alvará sanitário e de localização. Seu

ramo é a venda de cachorro-quen-

te em um estacionamento de uma

ótica, no centro. Valmor paga ape-

nas o que consome de luz no local.

Para equilibrar o orçamento, sua es-

posa faz marmitas durante o almo-

ço e ele sai para entregá-las. Nas

noites de sábado a quinta-feira, tra-

balha com a venda de cachorro-

quente. Só não comparece se tiver

algum evento em Araquari, local

que reside. O ambulante vende em

média cinqüenta cachorros-quentes

por noite e seu lucro é de 43 a 45%

do valor do alimento, que varia de

R$ 1,50 a R$ 2,30. A venda de churros complementa a renda na família Santana de Paula

Vendedores zelam pela higieneGisele Cristiane Moser nunca pa-

rou para observar a questão do alvará

sanitário em nenhum dos lugares em

que já comeu, porém observa a higiene

do local. Tanto Márcia, que vende

churros, quanto Valmor que vende ca-

chorro-quente, garantem cuidar do ma-

nuseio dos alimentos. Usam sempre lu-

vas, chapéus, jaleco, além de estarem sem-

pre limpando o carrinho.

O argumento dos ambulantes não

convence muito Paulo Roberto

Halssemann: “Não gosto de comer na rua,

já comi, mas prefiro comer em casa”. Paulo

se contradiz ao lembrar que não resiste à

maçã-do-amor, alimento muito encontra-

do no mercado informal e ao comentar que

o ato de comer na rua é cultural: “As pessoas

interagem umas com as outras”.

Quanto ao alvará de licença, Paulo

também nunca observou, mas já tinha

uma opinião formada sobre o assunto:

“Não é justo uns pagarem impostos e

outros não, mas é melhor que fique tudo

desregulamentado do que gente por aí

desempregada ou roubando”.

Carlos Eduardo Bier vendia sorve-

te na rua. Hoje, além de sorvete, vende

cachorro-quente e caldo-de-cana. Com

algumas economias, ele conseguiu alu-

gar um terreno, construiu uma cozinha

e colocou mesas e cadeiras para melhor

servir seus clientes. Trabalhando neste

local há seis meses, Carlos já ganha para

pagar as contas, que somam mil e tre-

zentos reais por mês. Tem um funcio-

nário e trabalha das 17h30 às 23h, de

segunda a segunda.

A Vigilância já esteve no local, e

Carlos precisou fazer alguns reparos para

continuar trabalhando. O micro-empre-

sário terá algumas taxas fixas a serem

pagas mensalmente além do imposto

de 3% do valor de cada alimento. Mes-

mo tendo seu negócio regulamentado,

sua opinião não mudou em relação aos

trabalhadores informais: “As dificulda-

des para aqueles que trabalham na rua

são grandes, eu sei como é, não conde-

no quem não paga impostos”.

Vigilância Sanitária

Em Joinville não existe um órgão

que fiscalize o trabalho informal. Se o

vendedor de cachorro-quente não tem

alvará sanitário, a responsabilidade não

é só dele. Segundo o fiscal sanitarista,

Luciano José de Farias Junior, essa de-

veria ser a obrigação da Companhia de

Desenvolvimento e Urbanização

(Conurb) que concede o alvará de lo-

calização aos trabalhadores.

Luciano diz que o papel da Vigilân-

cia nesta questão da informalidade é vis-

toriar os ambulantes que estão cadastra-

dos junto à prefeitura e a Conurb. Na

cidade há 30 ambulantes regulamenta-

dos e todos trabalham no centro.

Os trabalhadores muitas vezes não

procuram a legalização por achar que seu

trabalho vai ser interrompido ou que as

taxas são altas demais para o seu rendi-

mento. Outro fator contribuinte para a

não regulamentação é a baixa escolarida-

de: muitos têm medo de serem logra-

dos ou não entenderem o processo.

Luciano explica que a regulamentação

não é tão complicada. O primeiro passo

é procurar a Conurb, com os documen-

tos básicos: identidade, CPF, compro-

vante de residência e pagar uma taxa de

0,2 UPMs que custa próximo de R$

19,00. Depois o trabalhador será enca-

minhado para prefeitura e para a vigilân-

cia, que farão a devida inspeção.

O alvará concede ao informal o di-

reito de trabalhar de modo legal como

prevê a lei, além de oferecer confiança para

o consumidor.

Gisele Cristiane Moser trabalha nocentro de Joinville. Próximo ao seulocal de trabalho tem um carrinhode lanche. “Quando a fome bate,

comer na rua é muito bom”, diz.

Regulamentaçãoda atividadetrouxebenefíciospara osnegócios deCarlos

Fotos Kennedy Nunes

Primeira Pauta

Joinville/SC, 15 de outubro de 2002

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Shirlei Paterno

Políticas públicasPequenos negócios ajudam renda familiar

As pessoas procuram alternativas para ficar mais tempo em casa e obter ganho extra

Ter um negócio próprio em

casa, aumentar a renda familiar e

ainda educar os filhos vêm se

tornando comum a cada dia.

Empresas familiares como

telemensagens, docerias entre

outros, ocupam cada vez mais o

ramo de industrias informais.

Alguns desses estabelecimentos

não são legalizados por opção.

Os proprietários asseguram que

os lucros não seriam suficientes

para pagar os impostos.

Para que se possa fabricar e

comercializar produtos é pre-

ciso legalizar o pequeno negó-

cio e obter licença de alguns ór-

gãos como Vigilância Sanitária,

Corpo de Bombeiros, Fatma

ou Ibama. Caso a legalização

não ocorra, a empresa é consi-

derada informal. A legislação

considera informal “a pessoa

que exerce alguma atividade

produtiva não registrada nos

órgãos competentes e que não

cumpre a legislação fiscal, tra-

balhista e previdenciária”.

Além de pequenas empre-

sas informais, o que se pode

observar são os profissionais

autônomos, especialmente, os

de profissões não regulamen-

tadas, ou seja, doceiras, vende-

dores de cachorro-quente, am-

bulantes. Essas pessoas não pre-

cisam trabalhar informalmen-

te, pois para que sejam regula-

rizadas, elas precisam do cadas-

tro como profissional autônomo.

A burocracia e o custo le-

varam Mauro Roberto

Segundo o site especializado

www.geranegocio.com.br, criado para

orientar quem deseja abrir uma

pequena empresa, para que

Mauro possa legalizar a pequena

empresa, há algumas etapas prin-

cipais que deveria cumprir. De-

pois de esclarecido o fato de não

se tratar de um profissional au-

tônomo e sim de um pequeno

negócio, é preciso definir de que

natureza é a empresa. Ela pode

ser: de sociedade anônima, de

sociedade por quota de respon-

sabilidade limitada, individual ou

de sociedade civil.

No caso de Mauro, a empre-

sa seria de sociedade individual,

ou seja, ela é individual porque

existe apenas um dono. Nesse

caso, o proprietário é responsá-

vel por todos os atos e compro-

missos praticados na empresa.

Para esse tipo de empresa é pre-

ciso procurar a Junta Comercial

Kricheldorf, 48 anos, a não re-

gulamentar seu negócio. Apo-

sentado como mecânico há

cerca de 10 anos, Mauro ven-

de leite. Todo o processo é in-

dustrial, o leite é retirado atra-

vés de ordenha mecânica, pas-

teurizado e empacotado. O leite

chega aos seus mais de oitenta

clientes como se tivesse saído

de uma grande empresa, com

uma diferença, a pequena em-

presa é informal e o pacote do

leite não exibe nenhuma mar-

ca. Mauro afirma que decidiu

trabalhar por conta própria

para aumentar a renda famili-

ar. Ele não fez a legalização e

justifica: “Se o negócio for le-

galizado, a lei toma conta e o

proprietário não ganha nem

pra pagar os impostos”.

e verificar se não há nenhuma

empresa com o mesmo nome.

Feita a verificação, entra-se

com o pedido de liberação e

aprovação do local do funcio-

namento da empresa, na Prefei-

tura. A resposta leva de dois a

três dias. Depois de aprovado o

local, deve-se dar entrada no

Alvará de funcionamento, que

depende da licença de vários

outro órgãos. (Veja endereços no

quadro ao lado)

Com a aprovação do local, a

empresa deve ter registrada a fir-

ma na Junta Comercial. Para isso,

é preciso além de diversos do-

cumentos pessoais, declarações

como o DARF e o DNCR, que

são adquiridos em qualquer pa-

pelaria e pagas em qualquer agên-

cia bancária. A seguir registra-se

a empresa na Receita Federal e

INSS. Além de precisar de licen-

ça, que pode ser ambiental, sani-

tária ou do Corpo de Bombei-

ros.

Depois de obter a licença e o

Alvará de localização é necessá-

rio se inscrever na Secretaria da

Fazenda Estadual, para que se

faça a contribuição do ICMS. Fei-

to isso, a empresa pode dar en-

trada ao processo de emissão de

nota fiscal da Fazenda Estadual

e na Inscrição Municipal, que

dará direito a emissão de nota

fiscal Municipal (ISS).

Legalizado tudo, obrigatori-

amente, a empresa precisa ser

inscrita no sindicato patronal da

categoria. Dependendo do pro-

duto que será fabricado é preci-

so o certificado do Inmetro, além

do registro de marca no Institu-

to Nacional de Propriedade In-

dustrial (INPI). Vale salientar que

essas são apenas as principais eta-

pas de todo processo, entre cada

etapa dessa existem outras. [SP]

Rachel Phais, 42 anos, éum exemplo de profissionalautônoma. Balconista há seteanos resolveu trabalhar porconta própria. Ela faz e ven-de salgadinhos, bolos e do-ces para padarias. Rachel de-cidiu trabalhar de forma au-tônoma para poder cuidardos filhos, educar e dar maisatenção às crianças. Ela estáregulamentada como profis-sional autônoma, mas traba-lhou de maneira informal du-

rante dois anos e meio. A re-gularização ocorreu porque,segundo Rachel, existe “mui-to dedo duro”. E acrescenta:“Não achei a regularizaçãoburocrática, mas para o ‘bol-so’ o processo não vale apena”. O profissional autô-nomo precisa todo ano efe-tuar o pagamento do Impos-

to Sobre Serviços de Qual-

quer Natureza (ISSQN) e a

Taxa de Licença para Locali-

zação e Permanência (TLL).

INSS - Instituto de Seguridade Social

Rua: 9 de março 241 – Centro

Fone: (47) 433-1912 / 451-1500

Delegacia Receita Federal Joinville

Rua: Mário Lobo 180 – Centro

Fone: (47) 431-6300

Inmetro – Instituto Nacional de Metrologia

Normalização e Qualidade

Rua: Abdon Batista 189 – Centro

Fone: (47) 422-6269

Junta Comercial – Jucesc

Rua do Príncipe 330, sala 103 – centro

Fone: (47) 433-5599

Sociedade Corpo de Bombeiros

Rua: Jaguaruna 13 – Centro

Fone: (47) 431-1112

Secretaria Fazenda

Rua: Dona Francisca 364 – Centro

Fone: 433-4200

Vigilância Sanitária

Rua: Itajaí 50 – Centro

Fone: 431-4551

Profissional autônomoprioriza educação dos filhos

Dicas para criar ou regularizar empresa Onde encontrar:

Primeira Pauta

Joinville/SC, 15 de Outubro de 2002

6

Políticas públicas

A situação dos trabalha-

dores informais em Joinvi-

lle é debatida mais uma vez

em época de eleições. Se-

gundo discussões na Câma-

ra de Vereadores da cida-

de, as possibilidades seriam

as de regulamentar a profis-

são do trabalhador informal

ou reintegrá-lo ao mercado

formal. Nenhum dos pro-

jetos saiu do papel ainda no

legislativo municipal.

Trabalho informal demanda atenção políticaVereadores de Joinville e trabalhadores informais aguardam iniciativa do Legislativo federal

Juliana Bertolini

Dentinho critica os ór-gãos responsáveis pela fis-calização do trabalho in-formal na cidade. “Seusfiscais são autoritários eanti-sociais”, comenta. Oex-vereador Getúl ioFerreira considera que oobjetivo desses órgãos éacabar com o trabalho in-formal em Joinville.

A fiscalização do traba-lho informal é feita pelaConurb (Companhia deDesenvolvimento e Urba-nização de Joinville). Se-gundo o fiscal RogérioCrespim, o comércio am-bulante não é licenciadoatualmente. “O Estadoconcedeu essa licença aosambulantes por dois anos,mas hoje já venceu”, expli-ca. O fiscal diz que quan-do o trabalhador informalé flagrado pela fiscalização,ele é notificado para dei-xar o local em 24 horas. Seapós o prazo de um dia oambulante continuar nolocal, terá, então, sua mer-cadoria apreendida pelos

fiscais da Conurb. A mer-cadoria é mantida no pró-prio órgão público. O tra-balhador pode reaver seusprodutos através do paga-mento de uma multa. “Àsvezes a multa é maior queo valor dos artigos e o am-bulante prefere abandoná-los”, explica. Se a merca-doria é perecível e não érecuperada dentro de 48horas, será doada.

Rogério Crespim lem-bra que não há projetos po-líticos na área do mercadoinformal no momento, masenfatiza que se a situaçãodo trabalhador informal deJoinville for legalizada dealguma forma, a Conurbcertamente respeitará a lei.A Conurb fiscaliza todos ostipos de comércio ambu-lante na cidade. A fiscaliza-ção pode ser feita pelaSeinfra (Secretar ia deInfraestrutura), mas atual-mente sua divisão de fisca-lização verifica somente seos estabelecimentos possu-em alvará. [JB]

Getúlio Ferreira atribui a

competência sobre o tema aos

deputados federais. Ele diz não

haver um projeto de lei federal

em relação ao trabalhador in-

formal atualmente. Ferreira de-

fende a regulamentação do tra-

balho informal como uma pro-

fissão. “É necessário regula-

mentar a profissão do traba-

lhador informal com urgência

e, para isso, é preciso buscar

parcerias com deputados fede-

rais com idéias semelhantes”,

conclui. Wilson Vieira, vereador

do PT, também diz que os ve-

readores não podem fazer

muito pelo trabalho informal.

Segundo o vereador Mar-

cos Aurélio Fernandes, do

Partido dos Trabalhadores (PT),

no momento não há ne-

nhum projeto ou mobiliza-

ção no legislativo em relação

aos trabalhadores informais

da cidade. “Isto é devido à

legislação, que depende mais

do âmbito federal do que

m u n i c i p a l ” , c o m p l e t a

Marquinhos, como é conhe-

cido popularmente.

Getúlio Ferreira, ex-vere-

ador do Partido da Frente Li-

beral (PFL), enfatiza que sim-

plesmente não há interesse

da maioria dos vereadores

pelo assunto. “Não há ajuda

pública da Prefeitura ou de

outro órgão, não há investi-

mento algum na situação dos

t raba lhadores in fo r mai s,

pois a questão não gera vo-

tos”, diz ele. Falta uma po-

lítica pública para lidar com

a situação, o que, segundo

Ferreira, seria fundamental

para regularizar quem está na

informalidade. Enquanto não

surgem propostas efetivas, o nú-

mero de informais aumenta.

Ele considera que a iniciativa

teria de partir do poder exe-

cutivo. O vereador conta que

já houve mobilização de alguns

vereadores sobre a questão,

mas os projetos surgidos não

foram aprovados pela Câma-

ra dos Vereadores ou foram

vetados pela prefeitura. De

acordo com Vieira, eleito depu-

tado estadual no último dia 3, o

PT tem projetos para o traba-

lhador informal, mas encontra

dificuldades para colocá-los

em prática. “O objetivo do

partido é tirar o trabalhador

das ruas e ajudá-lo a conseguir

um emprego formal, reinte-

grando-o ao mercado”, diz o

vereador, também conhecido

como Dentinho. Para ele, o

principal obstáculo seria con-

seguir apoio da Prefeitura. Se-

gundo o vereador, o PT tenta

colocar em prática o projeto

“Simples Municipal” com o

objetivo de extinguir o traba-

lho informal, garantindo um

emprego no setor formal para

todas as pessoas. Para Dentinho,

seria possível parcelar as dívi-

das e multas dos trabalhadores

informais e regularizar sua si-

tuação. A bancada do PT dis-

cute o projeto com contabilistas

e comerciantes de Joinville. [JB]

Ex-vereador defende busca de parceriasfederais para efetivar regulamentação

Fiscalização é criticadapor setores do Legislativo

Dia 18 de outubro

14 às 22 horas

Bom Jesus/Ielusc

PARTICIPE!

Primeira Pauta

Joinville/SC, 15 de outubro de 2002

7

Políticas públicas

Organizar a informalidade,

apesar da aparente contradição,

é possível. Em Joinville três

exemplos provam isto: a Asso-

ciação dos Camelôs de Joinville,

a Associação dos Artesãos de

Joinville e a Recicla Cooperativa

de Reciclagem, formada pelos

catadores de papelão e papel. A

Associação dos Camelôs de

Joinville foi criada em 1983, de-

pois que a prefeitura fez o atual

terminal de ônibus. No local, os

camelôs se concentravam ante-

riormente. Como a fiscalização

da prefeitura passou a dificultar

a atuação nas calçadas, 58 came-

lôs associaram-se e, com o apoio

de um advogado, conseguiram

regulamentar a atividade no cen-

tro da cidade.

Os pontos permitidos na pra-

ça foram sorteados, ainda com

o tradicional esquema das

barraquinhas. Posteriormente a

prefeitura fez um local especifi-

co: o camelódromo. Antes o es-

paço era localizado no inicio da

rua XV de novembro, hoje está

na praça Castelo Branco. Os 33

boxes do local tornaram-se pro-

priedade familiar, a documen-

Organizar a informalidade é possívelAssociações de trabalhadores informais em Joinville dão maior segurança aos participantes

Sergio Leal Nunes tação passa de pai para filho.

O presidente da Associação

dos Camelôs de Joinville, Rui

Santos, afirma que trabalhar nas

ruas seria melhor para as vendas,

mas considera que o local tem

suas vantagens como a relativa

segurança e o abrigo das varia-

ções climáticas. O conforto tem

seu preço. No Camelódromo,

cada associado paga um alvará

de licença para a prefeitura e faz

uma contribuição mensal para a

associação. Todas as despesas de

manutenção das instalações são

bancadas pelos camelôs e o que

sobra das contribuições fica no

caixa da associação que funcio-

na em uma sala no local.

Garantia de loja

Na organização dos camelôs

há uma aproximação com a

maneira de agir dos comercian-

tes formais.“O camelô quer se

aperfeiçoar mais”, comenta Rui

Santos. No camelódromo já

existem boxes que adotam pro-

cedimentos comuns às lojas

como garantia dos produtos,

vendas parceladas e consultas de

cheques. “Os camelôs até aceita-

riam pagar impostos como um

lojista normal em troca de me-

lhores condições de trabalho e

de um espaço mais estruturado,

o atual sequer tem uma porta”,

desabafa o presidente da associ-

ação.

A Recicla Cooperativa de

Reciclagem foi fundada pelo seu

atual presidente, Marcos

Demarchi, há cerca de dois anos.

Cristiane, sua esposa e também

cooperada, lembra que Marcos

diariamente levava os filhos para

a escola e notou que no trajeto,

durante vários dias, uma garrafa

ficou jogada no chão sem que

ninguém a recolhesse. “Marcos

sentiu a necessidade de fazer algo

para resolver o problema, fun-

dou uma cooperativa”, conta

Cristiane, que também ajuda na

administração.

Os vinte cooperados iniciais

passaram a trabalhar juntos na

coleta de papel, isopor, plásticos

e, agora, até pneus. Os

“carrinheiros” - catadores asso-

ciados - entregam o que coletam

para a cooperativa que negocia

diretamente com as empresas

recicladoras, aumentando assim

a renda dos cooperados. A mai-

or parte dos cooperados são

desempregados.“Antigos coope-

rados hoje voltaram a trabalhar

formalmente, mas ainda conti-

nuam contribuindo com a

Recicla de alguma maneira”, afir-

ma Cristiane. A prefeitura ajuda

a cooperativa cedendo gratuita-

mente o local que serve de de-

pósito para o material coletado,

mas todas as despesas de manu-

tenção do depósito são de res-

ponsabilidade da Recicla. O

galpão está localizado na rua

Aubé,850, onde funcionava uma

antiga fabrica de motores marí-

timos. O local poderia até servir

de abrigo para os catadores que

moram na rua.“Devido ao risco

de incêndio ser muito grande,

em razão dos materiais guarda-

dos, foi feito um acordo entre

os cooperados em que não é

permitido passar a noite na

Recicla”, justifica Cristiane.

Caminho sem volta

A economia informal - que

gera renda mas não paga impos-

tos nem seguridade social - não

é irrisória em suas estatísticas e

quem nela ingressa nem sempre

faz o caminho de volta. Recente

levantamento feito pelo IBGE

(Fundação Instituto Brasileiro de

Geografia e Estatística) mostra

muitos brasileiros satisfeitos em

trabalhar sem patrão e sem car-

teira assinada. Já são 38,6% dos

trabalhadores. Entre os

pesquisados, 85% dos que dei-

xaram o trabalho assalariado e

passaram a ter seu próprio ne-

gócio informal não querem mu-

dar de ramo ou buscar o

reemprego no mercado formal.

São as pessoas que foram de-

mitidas das indústrias por serem

trabalhadores menos qualifica-

dos. Ao ingressarem na econo-

mia informal de serviços ou

produtos, constatam que sua

renda aumenta em relação à si-

tuação anterior. Em Joinville,

segundo a coordenadora do

projeto Integrar, Viviane

Schumacher Bail, desenvolvido

pela CUT (Central Única dos

Trabalhadores), 30% da popu-

lação está na informalidade ou

desempregado.

Os carrinheiros conseguem vender o material coletado por melhores preços na Recicla

Catadores entregam o que coletam para a cooperativa

Fotos: Kennedy Nunes

8 Primeira

Geral

A pesca considerada amadorano Balneário Barra do Sul, a 40km de Joinville, é o principalmotivador do trabalho informallocal. Por não existir legalmenteregistro profissional e demais di-reitos para os pescadores do mu-nicípio, a tarefa de descascar e lim-par peixes e camarões se tornoufonte de renda para as mulheres.Diariamente elas estão nas bancasde pesca.

Maria Aparecida Cândido Sil-va, de 37 anos, é um exemplo daluta pelo sustento da família. Casa-da com o pescador José Silva, de40 anos, e mãe de cinco filhos, elaassume as responsabilidades dacasa no período em que o maridoestá no mar.

Filha de pescadores, MariaAparecida divide seu tempo comserviços de sua casa, a banca depeixes e, às vezes, o trabalho dediarista. Ela gosta do trabalho, masreclama das condições em que oexecuta, e sente que não tem pers-pectiva de melhorar sua vida. “Jáestou velha para conseguir um tra-balho melhor, eu não sei fazer ou-tra coisa”, ressalta.

No mesmo caminho de Mariaestá a filha Fabiana Silva, de 20anos, que trabalha nas bancas des-de criança. Casada desde os 15anos e mãe do garoto LucasAlmeida, de 3 anos, ela também éresponsável pelas despesas da casano período em que o marido saicom o barco. Na última viagem atrabalho, ele permaneceu por 45dias no litoral paulista.

Com as mãos manchadas emachucadas pelo serviço diário,Fabiana sente por não ter dadocontinuidade aos estudos. “Eu sem-pre pensei que não precisava estu-dar, que trabalharia como minhamãe, mas hoje eu sei como estavaerrada”, desabafa.

O trabalho nas bancas não é

Pesca é fonte de renda para mulheres de balFalta de regulamentação é um dos motivos para a procura do trabalho informal em Barra do Sul, n

Gabriela Nicolau nada fácil. Assim que os primeirosbarcos chegam com o camarão eo peixe, tudo é dividido entre asmulheres para começarem a lim-peza. Após o dia de trabalho, elasrecebem R$ 0,80 por quilo de ca-marão limpo e R$ 2,50 para cadacaixa com 20 kg de peixe limpo.

Porém, no momento de rece-ber pelo serviço, elas enfrentamum grave problema. Se trabalhampara donos de barcos o pagamen-to é imediato. Se o trabalho forpara peixarias, principalmente as deJoinville, elas recebem pouco, comatraso e lhes são oferecidas cestasbásicas como forma de pagamen-to.

Em relação à regulamentaçãoo presidente da Colônia de PescaZ-3, Esmael Cabral, de 45 anos,explica que apenas treze das mu-lheres possuem carteira de pesca-dor. A maior dificuldade é duranteo período de “defeso” do cama-rão, quando é proibida a pesca.Anualmente, entre os dias 25 defevereiro a 28 de junho, nenhumpescador deve montar redes ou sairpara o mar. Neste período, as mu-lheres trabalham como diaristas,roçam quintais, entre outras ativi-dades.

Salário defesoCabral explica que, nesta épo-

ca, o associado da colônia recebe aquantia de R$ 200,00, e se o pes-cador tiver filhos com menos de 5anos de idade, ele recebe R$ 15,00por mês. Para ter direito ao “salá-rio defeso”, Cabral ressalta que opescador deve estar com a anuida-de de R$ 45,00 pagos à colônia emdia, deve possuir carteira de pes-cador há pelo menos três anos emais dois anos como agricultor.

O presidente da Colônia dePesca Z-3 afirma que as mulheresque trabalham para seus maridosnão são contratadas por peixarias.Fato negado por Cecília Rocha, de32 anos, que trabalha para uma daspeixarias existentes no município.

Cecília tem três filhos, e seu mari-do, o pescador Carlos Rocha, de39 anos, trabalha para um donode barco.

Com a ajuda de seu filho Eduar-do Rocha, de 18 anos, ele fica emmédia vinte a trinta dias longe decasa e, quando retorna, tudo quepescou é vendido. Uma parte davenda vai para o dono do barco e,a outra, para os pescadores dividi-rem entre eles. No caso de Rocha,a divisão é entre ele e o filho.

Apesar do trabalho não propor-cionar conforto para a família,Cecília prefere trabalhar nas ban-cas a ser diarista. Para ela, um diade trabalho pode lhe render até R$30,00, mesmo no inverno. “Se euestivesse trabalhando como empre-gada doméstica não ganharia maisque R$ 15,00, e ainda correria orisco de não receber”, justifica.

Cecília está cadastrada na co-lônia, juntamente com seu maridoe filho. Quanto aos estudos, ela la-menta não ter concluído o primei-ro grau. O mesmo acontece com

seu filho Eduardo, que interrom-peu os estudos ainda na 5ª série,para trabalhar na pesca. “Meusoutros filhos mais novos estão es-tudando, mas o Duda não quer. Elediz que não precisa. Eu temo porseu futuro, que passe necessidades”.

As mãos sujas e marcadas pelotrabalho diário são resultado daprática e rapidez com que são des-cascados até 20 kg de camarão emapenas meio dia de trabalho. Fatocomprovado por Joana Lima Cas-tro, de 57 anos, e viúva há oito.Elareclama do que recebe por seu tra-balho. Após limpar doze caixas depeixe com 20 kg cada, em oito dehoras de trabalho, recebeu R$17,50. “É muito pouco, mas nãoposso parar de trabalhar, não souaposentada. Eu morreria de fome”.

Além do trabalho nas bancas,existe uma outra opção para com-pletar o orçamento familiar. Du-rante a noite, algumas mulherescom a ajuda dos filhos, e até mes-mo do marido, colocam o “puçar”,uma armadilha para pegar siri e

retiram pela manhã. O siri é cozi-do, sua casquinha é retirada e ven-dida a R$ 1,00 a dúzia. A carne,apreciada por donos de restauran-tes da região, custa em média R$8,00 a R$ 10,00 o quilo.

Se o pescador possuir barco, alémdo peixe vendido para as peixarias,sua esposa vende as sobras nas ban-cas ou até mesmo em casa. O mes-mo acontece com o camarão. “Des-ta forma não preciso dividir com ou-tros pescadores e consigo ter lucro.Se eu vendo o quilo do camarão sujopor R$ 4,50, limpo ele irá custar R$8,00”, destaca o pescador MarcosSouza, de 31 anos.

Marcos trabalhou vários anoscomo empregado, e conseguiu com-prar um pequeno barco há quasetrês anos. Sua esposa Carmem Sou-za, de 28 anos, afirma que somentecom a compra do barco eles passa-ram a ter melhores condições finan-ceiras. “Antes éramos explorados,tudo que meu marido pescava eradividido, não dava para pagar as des-pesas”, comenta.

Ao final de cada dia de trabalho as mulheres recebem R$ 2,50 por 20Kg de peixe limpo

Gabriela Nicolau

Joinville/SC, 15 de

9eira Pauta

Geralalneáriol, no norte do Estado

Para divulgar a qualida-

de dos pescados no muni-

cípio, assim como intensi-

f icar o f luxo de tur istas

durante o inverno, a Colô-

nia de Pesca Z-3 com o

patrocínio do comércio lo-

c a l c r i ou , em 1998 , a

FESCAM, a Festa do Ca-

marão. A festa está em sua

quinta edição e será reali-

zada no sa lão da Igre ja

Nossa Senhora dos

Navegantes, ao contrário

dos anos anteriores em que

ocorria no Ginásio de Es-

porte, na Boca da Barra.

A 5° FESCAM acontece

no mês de setembro, com

quatro d ias de duração,

onde o morador e o turis-

ta do balneário podem par-

ticipar de shows musicais,

bailes e ter acesso à pra-

ça de al imentação. Tam-

bém há parque de diver-

sões, pratos típicos e, no

domingo de encerramento,

tem o concurso “A melhor

descascade i r a de cama-

rão”.

Durante a festa do ca-

marão, ocorre a feira de ar-

tesanatos feitos pelas mu-

lheres dos pescadores. O

visitante encontra na fes-

ta peças decorativas cons-

truídas com conchas, es-

trelas do mar, siris, cama-

rões, entre outros.

Festa do Camarãoatrai turistas nabaixa temporada

Juntas, mãe, filha e netatrabalham para ajudar noorçamento fami l iar. ElzaSeverino Lopes, 44 anos,desde os 15 confecciona em-balagens para presentes e chi-nelos de crochês. A f i lhaFab i ana , 22 anos , u s a acriatividade para riscar mol-des para bordado. Ponto aponto, os desenhos vão to-mando formas e cores queencan t am o comprador.Beatriz, a netinha de apenas3 anos e meio, percebe cadamovimento e tenta repeti-loscom toda ingenuidade deuma criança.

A família que mora na ruaAfonso Moreira, no Conjun-to Hab i t a c iona l AdemarGarcia, em Joinville, passapor dificuldades financeiras,mas acredita que, além deajudar no orçamento famili-ar, o trabalho que as mulhe-res realizam em casa faz par-te de uma cultura artísticapassada de geração para ge-ração. “São quatro geraçõesapaixonadas por trabalhosartesanais. Minha mãe aindaestá viva e continua confec-c ionando p rodu tos pa r avender e ajudar a família”,comenta Elza. Apesar dosdiscursos freqüentes de quea mulher está conquistandoespaço no mercado formalde trabalho, muitas mulherescomo dona Elza, ainda fa-zem parte da fatia femininamal-remunerada e de poucaascensão social na economia.O Relatório do Desenvolvi-mento Humano das NaçõesUnidas, divulgado esse ano,confirma a degradação dasituação das mulheres em ní-vel mundial. Elas represen-

tam 70% do total do que vi-vem em situação de misériaabsoluta.

Para Elza, que garanteum rendimento em torno deR$ 250,00 por mês com avenda de seus produtos, alémde ser um trabalho informale uma forma de ajudar noorçamento, é também umadiversão e um meio de es-quecer as dif iculdades dodia-a-dia. Assim como ela,centenas de outras mulheresque acumulam as funções demãe, esposa e dona de casaconseguem fazer parte deum mercado de t raba lhoque se constrói às margensda formalidade. Há poucasquadras da casa de Elza, épossível encontrar uma gran-de quantidade de produtosf e i to s com qua l i d ade ,criatividade, bom gosto ecom um preço acessível.

Fabiana é a única, entre ostrês filhos, que tem um con-ta to per manente com ospais. Ela e o marido atual-mente estão desempregadose conseguem manter os gas-tos com a pequena Beatriz ea manu t enção da c a s a ,construída nos fundos doterreno de dona Elza, ape-nas com a venda de artesa-nato. O marido de Elza tra-balha com uma máquina dedescascar camarão. Juntandoo ganho no f im do mês ,Elza e seu marido, pagam ascontas de água, luz, IPTU ealimentação. “Em datas es-peciais, como Dia das Mães,as vendas aumentam. Umchinelo custa R$ 5,00 e en-tre as embalagens a maiorcusta R$ 1 ,20 e a menorR$1,00”, comenta.

Elza enfatiza a importân-cia do trabalho na vida de

uma mulher. “A gente se sen-te valorizada”. Apesar detodas as dificuldades finan-ceiras, há vários anos a Fa-mília Lopes demonstra so-lidariedade em datas festi-v a s como a Pá scoa , porexemplo. Este ano eles se-pararam R$ 100,00 do or-çamento familiar para mon-tar cestas que foram distri-

A força feminina no mercado informalElas acumulam a função de mãe, dona-de-casa, sustentam o lar e ajudam outras pessoas

bu ída s pa r a c r i ança s noMorro do Amaral, umas dascomunidades mais carentesde Joinville. “Não gostamosde fazer propaganda disso.A gente confecciona os pro-dutos com muito amor, e épreciso comparti lhar estesent imento. Quando nãopodemos vender, doamos”,salienta.

Keltryn Wendland

Além do emprego formal, mulheres acumulam tarefas do lar

Sara Fernanda Coelho

de Outubro de 2002

Primeira Pauta

Joinville/SC, 15 de Outubro de 2002

10

Geral

Condições de trabalho às

vezes precárias, insegurança de

um emprego sem carteira assi-

nada ou sem seguro saúde são

preocupações dos que estão no

mercado de trabalho informal.

Mas é possível permanecer nes-

se segmento e tirar o melhor

proveito dessa escolha? Traba-

lhar informalmente pode ter al-

gumas vantagens. É preciso va-

lorizar essa escolha, planejar a

vida a partir desta nova opção.

Carlos Roberto Muller, de

47 anos, faz oito viagens por

dia, na sua bicicleta, do Jardim

Paraíso ao Bom Retiro e cen-

tro da cidade. Ele é um dos

muitos catadores de papel de

Joinville. O peso que ele carre-

ga varia de 35 até 80 quilos, de

cada vez. E o rendimento va-

ria de R$ 50,00 a R$ 60,00 re-

ais por semana.

Na informalidade traba-

lha-se muitas horas. Carlos co-

Informalidade pede criatividadeEstar no mercadoinformal requer umreplanejamentodo cotidiano

Giovana H. Pereira

meça seu dia às 6h30 e só ter-

mina às 20h30, dependendo

das condições climáticas.

“Quando chove complica

tudo. Não dá para sair. O pa-

pelão molha, fica pesado na

bicicleta. E não tenho lugar para

esperar ele secar”, explica.

A alternativa que o catador

A bicicleta facilita a rotina de Carlos na coleta de papelão

Kennedy Nunes

É possível ter vantagens no

trabalho informal. “Pode-se ter

autonomia para escolher o que

se vai fazer e como e quando

trabalhar” observa a psicólo-

ga Daisy Gassenferth. A esco-

lha do local e da atividade per-

mitem conciliar outros com-

promissos e responsabilidades.

O ganho financeiro, às vezes,

também compensa. “Sempre

valorize sua escolha, seja o lo-

cal de trabalho ou a ativida-

de”, orienta a psicóloga a

Trabalho informal oferece vantagensAutonomia para escolher o que se vai fazer, comoe quando trabalhar são vantagens da formalidade

quem trabalha informalmente.

Mas nem sempre a opção

pelo trabalho informal é espon-

tânea, às vezes acontece por ne-

cessidade de sobrevivência. “In-

dependentemente das causas que

levem alguém a trabalhar na

informalidade, esta pessoa deve-

rá estar atenta para pontuar seus

aspectos positivos”, ressalta

Daisy.

No vínculo empregatício há

benefícios que os informais ge-

ralmente não têm. Para se

conviver sem estes benefícios

é preciso aprender a lidar e a

resgatar estas ausências. A psi-

cóloga sugere ao indivíduo

planejar e administrar seu ne-

gócio, qualquer que seja.

“Deve-se ficar atento

para respeitar o limite de tem-

po de trabalho e preservar o

descanso. O desgaste pode le-

var ao estresse e a situações

negativas, tanto físicas como

emocionais”, completa a psi-

cóloga. (GHP]

de papel encontrou para não

voltar do centro à sua casa com

quilos e quilos de papelão é

deixá-los na casa dos sogros,

no bairro Bom Retiro. É lá tam-

bém que ele almoça algumas

vezes.

Carlos fala sobre as dificul-

dades em trafegar com a bici-

cleta carregada de papelão no

meio do trânsito. “Arriscar a

vida no meio dos carros todos

os dias é um desafio. Os ôni-

bus buzinam, passam raspan-

do. Ninguém te respeita, nin-

guém tem paciência”, desaba-

fa o catador.

O sonho de Carlos é traba-

lhar numa empresa e não pre-

cisar mais correr risco na rua,

ter a garantia de um salário fixo

e demais benefícios que sua fa-

mília poderia usufruir, como

seguro-saúde. Sobre isso, ele

comenta: “Nem eu nem minha

família temos qualquer garan-

tia em caso de doença. Depen-

demos do SUS e usamos o

posto de saúde do bairro”.

Restrições

O último emprego de

Carlos com carteira assinada foi

na Embraco, onde trabalhou

como operador de retífica.

Sobre trabalhar no mercado

formal de novo, ele comenta:

“Está cada vez pior. Quando

vou às agências de emprego, já

de cara me informam que, pela

idade, é difícil conseguir traba-

lho”. Ele não vê uma solução

a curto prazo para o seu caso.

Carlos estudou até a sétima sé-

rie do ensino fundamental.

“Para continuar os estudos é

preciso ter pique. E após um

dia inteiro a pedalar e carregar

peso, de onde tirar forças?”,

questiona.

A família de Carlos é com-

posta de mulher e quatro filhos,

com idade entre 12 e 22 anos.

A filha mais velha, de 22 anos,

está desempregada e ajuda a

mãe nos afazeres domésticos.

A segunda filha de Carlos, de

18 anos, tem necessidades es-

peciais. Sua mulher não pode

trabalhar, dedica-se à garota e

a casa. Os dois filhos menores,

de quinze e doze anos, estu-

dam. A esperança do catador é

dar condições para que seus fi-

lhos tenham melhores chances.

Marilete de Oliveira

Fernandes tem 33 anos e tra-

balha como mensalista de se-

gunda à sexta-feira. E, aos

sábados, como diarista em

outra casa.

Ela já trabalhou com car-

teira assinada em uma ma-

lharia, onde atuava como

revisora e também no setor

de embalagem. Seu último

emprego foi recente e ficou

nele por três meses. Marilete

trabalhava em uma empresa

de limpeza que presta servi-

ços a terceiros. Foi dispensa-

da por medidas econômicas.

Atualmente a vida de

Marilete se divide entre o seu

trabalho e aos três filhos. Eles

vivem do salário dela e da

pensão alimentícia que rece-

be do ex-marido. “Meu fi-

lho mais velho, o Maurício,

está trabalhando numa grá-

fica e será registrado quan-

do fizer 16 anos, em outu-

bro. Ele trabalha durante o

dia e estuda à noite”, conta.

Já o filho do meio,

Fernando, de 13 anos, é alu-

no do Balé Bolshoi, em Jo-

inville. Deixou a capoeira e

se apaixonou pelo balé. Fez

o teste, passou e sua rotina

mudou completamente.

“Ele estuda no período da

manhã e, à tarde, vai ao

Bolshoi, onde está no segun-

do ano. Ele adora! A televi-

são entrevistou-o este ano,

no Festival de Dança”, orgu-

lha-se ela.

Marilete estudou até a oi-

tava série do ensino funda-

mental. “Eu estudei à noite,

fiz o curso para adultos. Te-

nho consciência de que, para

mudar minha vida e é o que

espero, preciso voltar aos es-

tudos”. Ela ainda não sabe

quando, e justifica: “O

Juliano, de dois anos, ainda é

muito pequeno, não tenho

com quem deixá-lo. [GHP]

Trabalharpara umavida melhor

Primeira Pauta

Joinville/SC, 15 de outubro de 2002

11

Geral

O Programa Integrar é uma

alternativa para o trabalhador ou

desempregado voltar ao mercado

de trabalho. Implantado no muni-

cípio em julho de 1998, o projeto

investe na capacitação profissio-

nal de pessoas com mais de 25

anos, desempregadas ou

ameaçadas de perder o emprego

por não possuírem o 1o grau com-

pleto. “O programa é desenvolvi-

do pela Confederação Nacional

dos Metalúrgicos, filiada à CUT,

e visa a formação educacional

para o trabalho e a busca pela ci-

dadania”, declara a coordenadora

técnica do projeto em Joinville,

Viviane Bail Schumacher.

Viviane apresenta dados for-

necidos pelo Integrar, que apon-

tam que 30% dos trabalhadores

Projeto capacita pessoas para o mercadoSamara A. Zucchetti

Cursos gratuitos são alternativa conseguir novo empregona cidade estão desempregados ou

na informalidade. “O desempre-

go não é um problema particular

do cidadão e sim do sistema polí-

tico vigente”, desabafa.

A falta de perspectiva e a von-

tade de arrumar outro emprego

encaminharam Marina Borgmann

da Rosa, 30 anos, até o progra-

ma. Ela trabalhava como domés-

tica e agora com os estudos em

andamento pretende melhorar a

renda familiar. “Estou com meu

curso em andamento, mas ainda

desempregada. Mesmo assim,

acredito que sem as aulas do In-

tegrar seria pior. Mais do que fa-

zer contas, eu aprendo a praticar

a minha cidadania”, diz Marina.

As dificuldades para se man-

ter no mercado de trabalho leva-

ram a repositora de estoques,

Ivanilde Alves de Mello, 38 anos,

a procurar o projeto. “Ouvi falar

do curso do Integrar na associa-

ção de moradores do meu bairro.

Me interessei, pois não conseguia

acompanhar as aulas dadas no

supletivo”, comenta. Ela está no

módulo do Ensino Fundamental.

Com a ajuda do curso, Ivanilde

pretende terminar o 2o grau e es-

tudar enfermagem. “Os professo-

res do Integrar dão um grande

incentivo, me sinto renovada des-

de que comecei a fazer parte des-

te programa”, diz.

Hoje o programa está com as

aulas interrompidas devido a de-

mora do repasse das verbas. “A

verba é distribuída pela Secretá-

ria de Estado do Desenvolvimen-

to Social e da Família, portanto

essa distribuição não é tão imedi-

ata, essa é a causa da interrupção

das aulas. Devemos voltar aos tra-

balhos agora no segundo semes-

tre”, explica Viviane.

Todos os dias Idalina Gomes Pi-

res, 11 anos, acordava cedo para tra-

balhar com a mãe, Sarita Marcondes

Gomes, 41 anos. Às sete horas já es-

tava nas ruas de Joinville, catando pa-

pelão e latinhas de alumínio, antes que

o caminhão de lixo passasse e levasse

tudo. Há um ano e meio, Idalina está

no Programa de Erradicação do Tra-

balho Infantil (Peti).

O programa foi criado pelo Go-

verno Federal para possibilitar o aces-

so, a permanência e o bom desempe-

nho de crianças e adolescentes na es-

cola. O objetivo é eliminar todas as

formas de mão-de-obra precoce, con-

forme a coordenadora do projeto em

Joinville, Tereza Soares.

Para a educadora Elizangela Valério,

este projeto é uma iniciativa positiva,

porém ainda não previne o trabalho

infantil. “O número de crianças no

programa é insatisfatório, se levar em

consideração que Joinville é a maior

cidade do estado, com cerca de quinhen-

tos mil habitantes”, afirma.

O Peti tem 445 crianças inscritas,

com idade de 7 a 15 anos. Tiago

Brisdo, 9 anos, morador do bairro

Jardim Paraíso, também é uma des-

tas crianças. Hoje ele participa de ou-

tra jornada dupla. De dia vai para a

escola, Maria Berezoski, no Jardim

Paraíso, e, à tarde, para o programa,

no Centro Educacional Dom Bosco.

Há um ano e meio, Tiago trabalhava

nas ruas com seu irmão vendendo

picolé. Segundo ele, era para ajudar

seus pais e não ficar sozinho em casa.

Sua família trabalha no lixão de Join-

ville, catando papelão para poder so-

breviver. Tiago falou que sua maior

alegria é poder estar no programa,

porque agora ele pode estudar e con-

tinuar ajudando sua família com os

R$40,00 mensais que recebe.

Conforme a educadora

Elizangela, Tiago é umas das crianças

que mudaram muito depois da en-

trada no programa. De uma criança

agressiva e solitária, para um garoto

educado e amigável com todos. Seus

PETI: uma saída para otrabalho infantil

pais sentem a mesma reação em casa.

Segundo sua mãe, Maria Elizete

Brisdo, 41 anos, seu comportamen-

to mudou bastante. “Ele está mais

calmo e agora pode freqüentar a esco-

la que tanto desejava”, assegura ela.

Nem todas as crianças têm a mes-

ma chance que Tiago e Idalina tive-

ram. A exploração do trabalho parece

uma realidade distante no mercado

joinvilense, onde a indústria exige

mão-de-obra qualificada. Mas, indu-

zidos pela pobreza, desigualdade e ex-

clusão social existente em Joinville e

em todo o país, muitas crianças tro-

cam o banco das escolas pelo traba-

lho nas ruas. Em busca de alguns tro-

cados para ajudar na renda familiar,

ignoram atividades perigosas, que re-

presentam sérios riscos para sua saú-

de e seu desenvolvimento.

O trabalho infantil é uma dura

realidade não apenas no Brasil. Esti-

ma-se hoje que haja 180 milhões de

crianças submetidas a ameaças físicas

e psicológicas.Ou seja, uma em cada

oito crianças é forçada a realizar tarefas

diárias em áreas não recomendáveis.

No tráfico de drogas e na prostitui-

ção, a Unicef, órgão das Nações Uni-

das, estima que hoje estejam envolvi-

das cerca de 8 milhões de crianças.

Segundo padre Felício, da Paróquia

Bom Jesus, no Aventureiro, não há

dúvida de que o problema decorra de

causas econômicas e sociais, onde a de-

sigualdade social vem sendo cada vez

mais ampliada sendo preciso estabele-

cer diretrizes e objetivos capazes de re-

duzir a péssima distribuição da riqueza.

No Brasil, quase 7 milhões de cri-

anças executam atividades em idade

precoce. Segundo o Relatório da Or-

ganização Internacional do Trabalho

(OIT), órgão das Nações Unidas, o

trabalho infantil no Brasil teve uma

redução de 23% entre 1992 e 1999.

Nos três anos seguintes, em razão de

campanhas nacionais desenvolvidas

pela Igreja Católica e pelo governo fe-

deral, a queda do trabalho infantil che-

gou a 13,6%. Mas voltou a baixar

consideravelmente daí para frente,

hoje mantendo um índice médio de

2,4% entre os anos de 1998 e 1999.

O Sistema Nacional de Em-

prego (Sine/SC), além de

intermediar mão-de-obra, ofere-

ce cursos para a qualificação e

requalificação do trabalhador. O

sistema funciona através de um

cadastramento do desemprega-

do. Neste cadastro, ele inclui o

último emprego e a área que pre-

tende trabalhar. Os cursos acon-

tecem de acordo com as neces-

sidades do cadastrado, visando

a recolocação do desempregado

no mercado. O número de pes-

soas que conseguem um empre-

go após um curso é variável. E

o registro deste número não é

possível de ser contabilizado pelo

sistema.

O Sine é um órgão que rece-

be recursos do Fundo de Am-

paro ao Trabalhador (FAT) do

Governo Federal. Os cursos es-

tão paralisados porque as verbas

ainda não foram distribuídas,

mesmo assim a procura é inten-

sa. Odenir da Silveira, 28 anos,

fez cadastro há mais de um ano,

já passou por três empregos tem-

porários. Ele já trabalhou como

garçom, chapeiro e recepcionis-

ta. Apesar de não conseguir um

emprego fixo, ele quer fazer um

curso através do Sine para ob-

ter um emprego imediatamente.

“Pretendo fazer um curso de vi-

gilante, pois está área vem cres-

cendo em Joinville”, comenta.

Os cursos mais procurados são

os relativos ao comércio e pres-

tação de serviços. “O número de

pessoas que procuram o setor de

serviços é grande. Se o desem-

pregado faz um curso de quali-

ficação, o Sine tem condições de

intermediar e recolocá-lo no mer-

cado de trabalho”, revela a co-

ordenadora regional do Sine em

Joinville, Isabel Cristina Almeida

do Amaral.

O número de pessoas que

têm cursos técnicos e acabam

migrando para outras áreas é um

fato freqüente apontado pelo

Sine. “O curso técnico exige uma

maior especialização de conhe-

cimentos, por isso poucas pes-

soas podem preencher vagas

neste departamento. Já o setor

de serviços sempre está em ex-

No Brasil, quase 7 milhões de crianças trabalhamnas ruas. Em Joinville, o Peti tirou das ruas 445

Juliana Kock

Sine orienta e cadastra desempregados

CadastroInstituto Integrar de Santa

Catarina

Rua do Príncipe, n° 838 - 1°

Andar - Fundos - Centro

Telefones: (47) 433- 5826 /

433- 6258

Sine/SC

Rua: Mário Lobo, n° 214 –

Centro

Telefone: (47) 422- 4255

pansão. Além disso, os cursos

deste campo são mais rápidos e

tem maior demanda do merca-

do”, garante Isabel.

A coordenadora afirma, en-

tretanto, que um curso não é ga-

rantia de emprego imediato. “O

mercado quer um profissional

qualificado e atualizado, os cur-

sos oferecidos são gratuitos basta

a pessoa se empenhar e batalhar

por um objetivo”, avalia. [SAZ]

Primeira Pauta

Joinville/SC, 15 de Outubro de 2002

12

Os carrinhos de cachorro-

quente têm se tornado bastante

populares. Espalhados em inú-

meros cantos da cidade, nor-

malmente no período que vai

da noite até a madrugada, os

“dogueiros”, preparam cada

lanche com todo o requinte e

criatividade, almejando con-

quistar ao máximo os seus fre-

gueses.

Pedro Steffens, 47 anos, na-

tural da cidade de Ituporanga,

SC, desde 1999 comercializa

cachorro-quente num dos pon-

tos estratégicos da avenida

Jerônimo Coelho. Casado, pai

de dois filhos, Pedro veio para

Joinville em 1974 como ope-

rário de indústria Após passar

por várias empresas de gran-

de porte, como Cia. Hansen,

Comfloresta e Embraco, sem

possibilidade alguma de sobre-

viver da aposentadoria do

INSS, ele começou no ramo

de “dogueiro”como empre-

gado. Logo em seguida, seu

patrão, que decidiu ir embora

para Santos, vendeu-lhe o

equipamento. Pedro, dali por

diante, estabeleceu-se por con-

ta própria.

Trabalho sem rotina

Indagado sobre o dia-a-dia

de um vendedor de cachorro-

quente, respondeu que a pro-

fissão não chega a ser uma ro-

tina, uma vez que há sempre

uma cara nova, um freguês di-

ferente. “Tem dias que eu te-

nho que suportar certos incon-

Criatividade para atrair clientesConcorrência faz “dogueiros”se espalharem pela cidadee incrementarem seus lanches

Marino Braga Jr.

Dificuldade: informais querem legalizar barraquinhas para manter qualidade

venientes e atender gente

alcoolizada, pessoas que se al-

teram e chegam a provocar

brigas no local”, salienta.

Os sanduíches são prepara-

dos ao ar livre. Para priorizar

a higiene e evitar problemas de

contaminação, tanto o carrinho

como o equipamento são dia-

riamente lavados com água e

detergente, enxugados até se-

car por completo e, por fim,

esterilizados com álcool. Com

relação aos alimentos, no final

de cada expediente os únicos

que são reaproveitados para o

dia seguinte são a farofa, a ba-

tata palha e a salsicha crua. Os

demais complementos: milho,

ervilha, molho, verduras, legu-

mes, que sobram, são imedia-

tamente jogados fora.

O “dogueiro” não tem no-

ção de quantas unidades saem

por noite, tudo varia de acor-

do com o movimento. Os dias

de maior venda ocorrem nos

finais de semanas.

Concorrência

Antigamente, os cachor-

ros-quentes eram compostos

apenas de pão, molho, maio-

nese, cat chup e mostarda.

Hoje, a lei da concorrência

impôs novos aprimoramen-

tos, e os lanches se tornaram

mais incrementados, com mi-

lho, ervilha, tomate, alface,

batata palha, farofa e até purê

de batata. Outros, mais refor-

çados ainda, são acrescidos

com calabresa, bacon ou pe-

quenos pedaços de frango.

Pedro Steffens há tempos

vem tentando de todas as ma-

neiras providenciar a sua do-

cumentação, pois depende do

negócio para o sustento da

família. Sua aposentadoria é

pouco mais de um salário mí-

nimo.

Luiz Antônio de Oliveira,

22 anos, que mantém um car-

rinho de cachorro-quente nas

proximidades da danceteria

Metrô, no bairro Itaum, subúr-

bio da cidade, está no mesmo

impasse do Pedro. Buscando

fazer de seu carrinho uma lan-

chonete com ponto fixo, o

vendedor vem tentando obter

a legalização, mas tem dificul-

dade de realizar os procedi-

mentos legais junto à Prefei-

tura e Vigilância Sanitária. “A

perspectiva de lucro com este

negócio é suficiente para ga-

rantir a sobrevivência”, com-

pletou Luiz Antônio, que não

dispõe de mais nenhum recur-

so financeiro para formalizar o

empreendimento.

Kennedy Nunes

Cotidiano

Primeira Pauta

Joinville/SC, 15 de outubro de 2002

13

Cotidiano

Sacoleiros, muambeiros e até

contrabandistas. Assim são cha-

madas as pessoas que viajam ao

Paraguai para comprar e reven-

der mercadorias. Cerca de 40 mil

pessoas atravessam diariamente a

Ponte da Amizade, ligação entre a

cidade brasileira de Foz do Iguaçu

e a paraguaia Ciudad del Este, sem

nenhum tipo de controle. Foz do

Iguaçu é considerada o segundo

pólo turístico e terceiro parque ho-

teleiro do Brasil. A cidade fica a

poucos quilômetros das fronteiras

do Paraguai e Argentina.

A sacoleira A. D. A, 51 anos,

há dez anos sobrevive das viagens

que faz ao Paraguai. Ela descreve

as dificuldades enfrentadas: “Às

vezes temos que desviar o cami-

nho da volta, dormir em postos,

se esconder dentro do mato para

não perder nossas mercadorias. É

muito humilhante e cansativo”. Ela

ainda afirma já ter sido tratada

como ladra e criminosa. “Só

estamos trabalhando para sobre-

viver, fico revoltada porque já

perdi mercadoria para a receita e

vi policiais colocando minhas mer-

cadorias dentro de carros particu-

lares. Os melhores produtos fi-

cam para eles”, afirma A.D.A.

São 750 quilômetros de

Joinville até o Paraguai, cerca de

12 horas de viagem. Em média,

120 pessoas viajam semanalmen-

te a Ciudad del Este, para com-

prar bebidas, perfumes, cigarros

e produtos eletrônicos, trazidos

em grande quantidade. Quem

comprar acima da cota, de

U$150,00, deve ir à aduana do

país e declarar a mercadoria para

pagar o imposto. Assim não cor-

rerá riscos de perder o produto,

pois as mercadorias apreendidas

não podem ser recuperadas.

S.R.C, 38 anos, há dois anos

trabalha com mercadorias trazidas

do Paraguai. Por falta de opção,

escolheu essa área como meio de

sobrevivência. “Sou hipertenso, e

Sacoleiros garantem sobrevivência Compra e venda de produtos é a forma de trabalho dos viajantes que vão ao Paraguai

não posso trabalhar de emprega-

do. É muito difícil, mas não é jus-

to os policiais tirarem da gente e

ficarem com as mercadorias para

eles”, declara o sacoleiro.

A vigilância das fronteiras, a

fiscalização de entrada e saída de

pessoas no país e o controle dos

meios de transportes que fazem

o tráfego internacional são de res-

ponsabilidade da Polícia Federal.

Cabe ainda a investigação e o

combate de crimes nacionais ou

transnacionais como o tráfico de

drogas, armas, mulheres e crian-

ças, furtos e roubos de veículos,

contra a fauna e a flora, como a

exploração ilegal de madeira e a

pirataria.

A Receita Federal é o órgão

encarregado a destinação das mer-

cadorias apreendidas. Segundo o

delegado Paulo Correia Yung,

muitas pessoas já se tornaram

empresários do contrabando.

“Tem gente que compra ônibus e

coloca pessoas para viajar e com-

prar as mercadorias”, comenta.

O ônibus quando apreendido

passa por uma vistoria. Os passa-

geiros com bagagem acima da cota

tem toda a mercadoria apreendi-

da. Elas ficam guardadas no de-

pósito da Receita Federal durante

a tramitação do processo fiscal.

Conforme o delegado Yung, a

Receita dá uma destinação para

cada produto. Os cigarros são in-

cinerados, mercadorias falsifica-

das - como cd’s e relógios - são

destruídas. Veículos são leiloados.

Bens eletrônicos e equipamentos

de informática são doados para

órgãos públicos. Brinquedos e rou-

pas são destinados à prefeitura

que, por sua vez, faz o repasse

para instituições beneficentes.

“Não existe um esquema espe-

cial nas estradas, nem dias fixos para

fazer as operações. Caso contrário,

ficaria muito fácil para os sacoleiros.

Geralmente, a polícia faz cerco na

madrugada de quinta-feira, quan-

do os sacoleiros retornam da via-

gem”, explica o delegado.

Prejudicados pela alta do dólar, sacoleiros reclamam da atual situação financeira do País

“Às vezes temos que desviar o caminho da volta,dormir em postos, se esconder dentro do mato,

tudo para não perder nossas mercadorias.É muito humilhante e cansativo”

Aline AnacletoKeltryn Wendland

Primeira Pauta

Joinville/SC, 15 de Outubro de 2002

14

Cotidiano

O número de mulheres traba-lhando no ramo da revenda decosméticos aumenta a cada ano.É uma fonte de renda para quemnão pode ficar muito tempo forade casa, para quem tem criançaspequenas ou para quem está de-sempregado e precisa se susten-tar.

Ivanir Pinheiro, 29 anos, re-vende os produtos da Avon há umano. Ela garante que é um exce-lente negócio, principalmente paramulheres que tem o serviço do-méstico para fazer e cuidar dafamília. “Se ausentar de casa, namaioria das vezes, é uma tarefadifícil para as donas de casa”,completa Ivanir.

Outro ponto positivo é a con-tribuição na renda familiar. Arevendedora afirma que se nãofosse esse dinheiro, certamentepassaria por dificuldades. AcácioRamos, 38 anos, marido de Ivanir,trabalha como taxista autônomo.Quando a situação aperta, elapode ajudá-lo nas despesas comas revendas que faz. “Graças aesse dinheiro, eu consegui pagaras dívidas desse mês. A venda decosméticos é importante para osustento da minha família”, justi-fica.

Não é um emprego com car-teira assinada, férias e décimo ter-ceiro, mas pode servir como com-plemento e até mesmo como úni-ca fonte de renda para pessoasque não conseguem arrumar em-prego. Alini Senábio, 25 anos, estádesempregada há três meses econsegue juntar dinheiro com asrevendas de cosméticos, para aju-dar seu marido a terminar a cons-trução de sua casa. “Ela está de-sempregada no momento e, comas revendas, pode me ajudar nascontas, para que a gente possacomprar nossos móveis, comer epagar água, luz e gás”, dizVanderlei Senábio, 21 anos,torneiro mecânico.

Revenda de cosméticos atrai mulheresÀ procura de uma fonte de renda, público feminino investe em produtos de beleza

A revenda de cosméticos

normalmente é feita de porta

em porta. E não são todos que

gostam dessa abordagem.

Ivanir Pinheiro disse que às

vezes é bem recebida, mas em

outras leva um “não”, sem

poder explicar o motivo da

visita.

Taisa Juglair, 21 anos, pro-

fessora de inglês, diz que quan-

do escuta a campainha e vê que

são vendedoras já pensa em

uma desculpa. “Normalmente

Para a vendedora de cosméticos Ivanir Pinheiro, ter um escritório em casa é fundamental para o sucesso do negócio

A síndrome da abordagem direta, de porta em porta

elas chegam em uma hora

indesejada. Não as trato mal,

mas peço que vão embora logo,

pois estou muito ocupada. Se

a vendedora for inconvenien-

te, não faço questão de ser

muito educada”, continua.

Já Francisca Ramos, 77

anos, aposentada, diz que gos-

ta quando recebe visita das

revendedoras: “Elas sabem

conversar e convencer os cli-

entes. Têm lábia”.

Ivanir Pinheiro sempre está

com os catálogos em baixo do

braço. “Nos finais de semana

sempre consigo vender alguma

coisa para os parentes e ami-

gos. Qualquer oportunidade é

importante para nós

revendedoras, que ganhamos a

vida com esse trabalho”.

Sustento básico

Hoje Ivanir consegue suprir

suas necessidades básicas. E

sempre que alguém reclama de

dificuldades, dá a dica: “Nós

não ficamos ricas, mas pode-

mos pelo menos colocar comi-

da na mesa, e até pagar o estu-

do de nossos filhos”.

Quem está fora do merca-

do formal e deseja trabalhar

com revenda de cosméticos,

pode entrar em contato com

as marcas desses produtos pe-

los sites. Outra possibilidade é

contatar as revendedoras, fazer

um cadastro e pagar uma taxa

de matrícula. [AK]

Alessandra Kupas

Alessandra Kupas

Primeira Pauta

Joinville/SC, 15 de outubro de 2002

15

Cotidiano

Um salário de dois mil reais

por quatro horas de trabalho por

dia pode parecer um sonho para

uma família de classe média, mas

é a realidade de muitas garotas de

programa de Joinville, que vivem

da prostituição. O resultado é a

exclusão familiar e social.

Carla, 34 anos, é uma destas

prostitutas que buscam a qualquer

preço um reinserção na socieda-

de, por meio de emprego, mas até

agora não conseguiu. “Quando a

gente está na rua, ninguém olha, a

não ser para fazer sexo”, diz ela,

ressaltando que deixou o filho

com a mãe, em Londrina, e veio

para Joinville em busca de uma

vida melhor. Com ensino funda-

mental incompleto, sem dinheiro

e profissão indefinida, acabou na

Rua do Príncipe, vendendo o pró-

prio corpo para viver. Mora em

um quarto de pensão alugado

com mais quatro garotas. “Não ligo

para minha mãe, porque tenho

vergonha do que faço, mas sem-

pre deposito dinheiro para meu

filho”, justifica Carla, afirmando

que não tem contato com a famí-

lia há mais de três anos.

Outra garota de programa que

perdeu vínculo familiar é

Bernadete, 42 anos, que mora no

quarto com Carla. “Quando mi-

nha mãe morreu, meu pai arru-

mou outra esposa e eu fugi de

casa”, conta a prostituta, acrescen-

tando que já consumiu e

comercializou drogas, mas que

agora só vende o corpo. Com 1,50

metro, setenta quilos, uma mini-

saia e, na boca, batom de 1,99,

Bernadete reclama que o merca-

do está fraco. “Quando tinha

meus dezoito anos, ganhava bem,

mas hoje apenas alguns trocados”,

compara. Para ludibriar a concor-

rência, a prostituta inovou e ago-

ra aceita até pagamento pré-data-

do e ticket-refeição. “Até agora

ninguém sustou o cheque”, co-

menta Bernadete, ressaltando que

O outro lado da prostituiçãoA maioria das garotas de programa ganha bem, mas querem largar a prostituição

não teve espírito empreendedor.

“ O que ganhei, gastei”, lastima.

Ganhar muito, mas não des-

frutar é o que acontece diariamen-

te com as garotas que trabalham

nas boates fazendo strip-tease em

Joinville. Silvia, 27 anos, foi uma

das que ganhou, mas não levou o

dinheiro. “Cobravam por progra-

ma R$ 100, 00, fora à bebida, que

o cliente consumia”, diz, contrari-

ada, porque oitenta por cento fi-

cava com o dono do estabeleci-

mento. Silvia trabalhou numa bo-

ate as margens da BR 101 e hoje

faz ponto na Rua Abdon Batista.

Com um corpo bem definido, diz

que faz mais de sete programas

por dia e seu faturamento supera

a casa dos três mil reais. “Procuro

guardar um pouco, mas nem sem-

pre dá”, lastima. Além de traba-

lhar na rua, Silvia também atende

a domicílio. “Coloquei um anún-

cio no jornal e eles ligam para meu

celular”, diz. Questionada se quer

mudar de vida, disse que um dia

irá largar a prostituição, mas ago-

ra não. “Preciso de mais dinheiro,

quero montar meu próprio negó-

cio”, argumenta, ressaltando que

um dia terá um restaurante.

O sonho de ter uma vida me-

lhor, ainda persiste na cabeça das

garotas de programa joinvilenses,

principalmente para uma pré-ado-

lescente que não conheceu as bo-

necas e já faz sexo como uma

mulher. Roberta, 14 anos, deixou

o convívio familiar com nove anos.

Seus pais foram mortos por trafi-

cantes em Curitiba. Não gosta de

comentar sobre o passado, apenas

sobre o futuro. “Acredito que um

príncipe irá me tirar desta vida”,

sonha. Roberta não tem traços de

uma prostituta e, sim, de uma cri-

ança abandonada. Com 1,50 de

altura, cabelos cacheados e emba-

raçados, chinelos de dedo, cami-

seta, bermuda e boné, ela freqüen-

ta a Rua do Príncipe. “Fico sem-

pre andando, pois não posso parar

num local, porque tem alguém que

denuncia”, explica Roberta, com

medo da polícia, que pouco pode

fazer para coibir, pois o código

penal brasileiro oferece dúbia ex-

plicação (veja box ao lado).

Além de conviver com a rejei-

ção da sociedade, comercializar o

próprio corpo, as garotas progra-

ma joinvilenses sobrevivem num

mundo de incertezas, que na bus-

ca de agradar o cliente, deixam

seus desejos de lado. Entre os

principais riscos está o tráfico de

drogas, que encontra na prostitu-

ta seu ponto de distribuição, a

agressão por parte do cliente in-

satisfeito e o próprio risco de con-

tágio com um doença sexualmen-

te transmissível.

Os artigos 227 e 230,

do Código Penal, caracte-

rizam a prostituição como

crime quando uma pessoa

convence, induz ou atrai

alguém a praticar o ato se-

xual. Já no artigo 228, ela

só será encarada como

crime quando alguém usa

da prostituição ou obte-

nha lucro com ela, ou seja,

sustentado com a prosti-

tuição de outra pessoa. O

que os artigos concordam

é que a pena prevista é de

reclusão de um a dez

anos, mais multa que é

estipulada pela Justiça.

O que diz a lei

As esquinas das principais ruas do centro da cidade são os locais preferidos

Francisco Carlos Fariase Manoela de Borba

Kennedy Nunes

Primeira Pauta

Joinville/SC, 15 de Outubro de 2002

16

Cotidiano

O preço varia de R$ 3,00 à

R$ 5,00. O benefício é a segu-

rança do carro no horário das

compras, do trabalho ou do

lazer. As conseqüências podem

ser desagradáveis. Os guardado-

res de carros, ou simplesmente

“flanelinhas”, são presença cons-

tante nas ruas de maior movi-

mento em Joinville. O freqüen-

tador paga pela vaga ao estaci-

onar, o que “garante” a segu-

rança do carro. Os flanelinhas

escolhem a dedo os locais. Eles

podem surgir de forma indivi-

dual ou em grupo, dependen-

do do local escolhido pelo mo-

torista.

Visando uma maior seguran-

ça e a garantia da rotatividade do

espaço de estacionamento nas

ruas da cidade, surgiu a chama-

da Zona Azul, sob responsabili-

dade da Conurb (Companhia de

Desenvolvimento e Urbaniza-

ção). Antes da implantação do

serviço, os veículos ocupavam

vagas nas ruas mais movimenta-

das durante o dia inteiro. Segun-

do o presidente da Câmara dos

Dirigentes Lojistas (CDL) de

Joinville, Gilson Bohn, a zona azul

conta mais com 1,5 mil vagas.

Os preços variam de acordo

com a localização. Nas ruas cen-

trais da cidade o custo é de R$

1,50, sendo que o número de va-

gas comporta aproximadamente

300 veículos. Mesmo com a im-

plantação e o pleno funcionamen-

to, a Zona Azul não absorveu os

“informais”. Nos arredores de

um grande Shopping, no centro,

a situação é flagrante. O

freqüentador é abordado logo ao

estacionar. O flanelinha Cláudio

Felipe, o Cacá, de 18 anos atua

há 2 anos em Joinville. “É o úni-

co jeito de ganhar alguma coisa”,

Boa vaga tem preçoTrânsito de Joinville é marcado pela informalidade. Flanelinhas atuam principalmente à noite

diz. Ele afirma não gostar de fi-

car pedindo dinheiro pelo ser-

viço, e garante: “Quem deixa

alguma coisa é sempre bem re-

cebido”. Ao ser questionado

sobre o freqüentador que não

paga, Cacá desconversa: “A

gente tenta tratar sempre igual,

não tem outro jeito. Sempre

tem um troquinho pra dar”.

Maior organização

No período noturno, a pre-

sença de guardadores de carros

também é constante. Dificilmen-

te um freqüentador irá a qual-

quer casa noturna ou clube da ci-

dade sem encontrar os informais.

Os principais pontos são as

Avenidas Getúlio Vargas e João

Colin, além da Rua Visconde de

Taunay, que apresentam movi-

mento semanal constante em três

das principais casas noturnas da

cidade. José Ignácio, de 54 anos

é um dos informais no setor que

trabalham na noite. Para ele, a

falta de oportunidade foi o prin-

cipal motivo para dar início a

esse tipo de serviço. “Tenho 54

anos e já trabalhei com várias

coisas. Fazia pequenos arranjos

de palha pra vender, mas ficou

muito complicado”, explica.

Ignácio trabalha há cinco

anos como guardador de car-

ros no centro de Joinville e tem

clientes assíduos. “Uso esse ter-

reno faz tempo, e ele fica lotado

todo sábado. Muita gente que

vem aqui sabe que o trabalho é

sério”, garante. Ele exalta ain-

da a organização dos guarda-

dores de carros que trabalham

na noite e não aceita ser cha-

mado de flanelinha. “Com 54

anos? Eu trabalho sério!

Flanelinhas são as crianças na

rua que não tem outra opção”,

conclui.

Histórias como a de José

Ignácio não são as predomi-

nantes entre os informais que

trabalham na área. A maior

parte dos flanelinhas entrevis-

tados durante a reportagem

atua durante o dia e tem ida-

des entre 15 e 22 anos. Mui-

tos deles vieram do Paraná

em busca de oportunidade

aqui e não foram absorvidos

pelo mercado formal.

Um dos casos é o de J.S., de

17 anos. A família continua mo-

rando em Curitiba. Ele veio

para Joinville acompanhado de

dois amigos que também são

flanelinhas e se alternam nas re-

giões centrais e do Centreventos

Cau Hansen, quando há algum

evento. “Juntamos dinheiro em

Curitiba. Deu pra comprar uma

passagem só”, diz ele, que ape-

sar das dificuldades não pensa

em voltar. Quando pergun-

tado sobre o local onde pas-

sa a noite, tenta mudar de

assunto e se mostra disper-

so: “Dou um jeito”. J.S., as-

sim como tantos outros

flanelinhas que atuam na ci-

dade, tenta sobreviver na

informalidade e não perde

a esperança: “Não quero fi-

car aqui pra sempre. Quero

voltar pra escola”. [IRWS]

Ação: com idades que variam entre 15 e 22 anos, flanelinhas estão por toda parte

Kennedy Nunes

Adolescentes vivem drama pessoal

Igor R. W. Schulenburg


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