3º Seminário de Relações Internacionais
Graduação e Pós-graduação
Repensando Interesses e desafios para a inserção internacional do Brasil
no Século XXI
Área Temática: Instituições Internacionais.
EFETIVIDADE E SECURITIZAÇÃO DE REGIMES INTERNACIONAIS
Matilde de Souza - Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais
Cristiano Garcia Mendes - Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais
Letícia Britto dos Santos - Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais
2
RESUMO
Estudos sobre efetividade de Regimes Internacionais têm avançado no sentido de propor
ferramentas metodológicas que permitem identificar o quão efetivo tais arranjos podem ser.
Admitindo-se que um alto grau de efetividade tenderá a evitar processos de securitização da
temática de que se ocupa o Regime. Este artigo pretende discutir, em um primeiro momento,
a efetividade a partir de adaptação das variáveis sugeridas por Oran R. Young. Em seguida,
o presente estudo analisará a hipótese de que a securitização provavelmente tenderá a não
ocorrer em casos de alta efetividade. Isto se deve ao fato de, caso efetivo, o Regime produzirá
efeitos positivos no comportamento dos Estados. Embora o foco nos regimes ambientais, o
presente artigo é eminentemente teórico e expressa um primeiro esforço de elaboração de
um modelo de analíse que nos será útil para a realização de estudos de caso.
Palavras chave: Securitização, Efetividade; Regimes Internacionais.
INTRODUÇÃO
3
A relação existente entre a questão da Efetividade e da Securitização de Regimes
Internacionais é o grande pilar que move este trabalho. Dessa forma, a primeira sessão
apresenta o conceito de Regime Internacional definido por Young e Levy (1999),
relacionando-o com os argumentos sobre efetividade apresentado por Young (2000).
Já na segunda sessão, será discutido o conceito de securitização e os processos de
securitização, com o objetivo de fundamentar teoricamente a hipótese aqui desenvolvida: se
efetivas, instituições internacionais produzem estabilidade e permitem previsibilidade,
dificultando ou criando obstáculos para que um determinado tema seja securitizado. Na
subsessão sequente, será apresentada a relação entre securitização e meio ambiente, além
do conceito de segurança humana.
Por fim, na terceira sessão será apresentada a relação de fato que há entre efetividade
e securitização de Regimes Internacionais, baseada na ideia de que, quanto maior o grau de
efetividade de um determinado Regime Internacional, maior a possibilidade de previsibilidade
das ações advindas deste Regime, bem como dos parâmetros reguladores das mesmas e
menores será necessidade de securitizar uma temática.
Finalmente, será apresentada uma breve conclusão, na qual os autores reconhecem
a lacuna deixada por esse trabalho e apontam a possibilidade de aprofundar a análise da
temática de Efetividade e Securitização de Regimes Internacionais, principalmente no que diz
respeito às questões ambientais, com foco para a temática de Mudanças Climáticas, onde o
Regime Internacional apresenta um ótimo estudo de caso dessa relação entre efetividade e
securitização.
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1- Efetividade de Regimes Internacionais
Para Young e Levy (1999), Regimes Internacionais são instituições sociais que
expressam acordos sobre princípios, normas, regras, procedimentos e programas que
governam as interações dos atores em áreas temáticas específicas1. Numa perspectiva
simplificada, essas instituições, como estruturas de regras, seriam efetivas na medida em que
alcancem eliminar ou melhorar substantivamente o problema que levou à sua criação. Desse
modo, efetividade é uma substantiva contribuição das instituições para resolver problemas
que motivaram os agentes a investir tempo e energia na sua criação (YOUNG, 2000). Essa
definição sugere efetividade como uma varíavel contínua: de uma condição em que o Regime
pode ser considerado “letra morta” àquela que produz resultados ótimos em relação aos
objetivos propostos na sua criação.
Considerando as instituições ou Regimes Internacionais (aqui tratados como similares
pois Regimes Internacionais são considerados um tipo de instituição internacional) é efetiva
toda instituição cujo funcionamento alcance obrigar os agentes a se conduzir de modo
diferente daquele que adotariam na sua ausência. Além desse aspecto, a efetividade de um
Regime Internacional também dependerá da capacidade dos Estados ajustarem políticas
domésticas, o que envolve custos políticos, institucionais e materiais para sua produção.
Quanto ao ajuste de políticas, considera-se a relevância de entes subnacionais e de grupos
de interesse que atuam na política doméstica, cujos interesses podem tornar tal ajuste mais
ou menos custoso.
Discutir a efetividade de Regimes Internacionais, portanto, exige que se observe como
as instituições operam para moldar comportamentos e, no processo, resolver problemas.
Claramente, a questão traz algumas dificuldades do ponto de vista metodológico,
considerando-se a necessidade de se identificar quanto das variações no comportamento de
agentes individuais e nos resultados coletivos em nível internacinoal pode ser razoavelmente
atribuído à operação de arranjos internacionais em contraste com a ação de outras forças
(YOUNG e LEVY, 1999, pág. 1).
Para se evitar a ambiguidade que o conceito de efetividade pode sugerir, Young e
Levy propõem identificar alguns elementos do conceito a partir das abordagens “problem-
1 Esse conceito é distinto do adotado por Krasner, que define os Regimes Internacionais como “princípios, normas, regras e procedimentos para a tomada de decisão em torno dos quais as expectativas dos atores convergem numa dada área temática”. De fato, Young alude a programas e não afirma que Regimes convergem expectativas, o que supõe, em tese, na concepção de Krasner, ter sido resolvido, pelo menos, o problema de coordenação de políticas no âmbito da construção institucional. Tal consideração gera um conjunto de questões de natureza teórica que foge ao escopo deste artigo. Para maiores detalhes sobre a concepção de Krasner, consultar: KRASNER, Stephen D. Structural causes and regime consequences: regimes as interveningvariables. In KRASNER, Stephen D. (Ed) International Regimes. London: Cornell University Press, 1983.
5
solving”, legal, econômica, normativa e política. No campo da abordagem “problem-solving”,
os autores consideram que efetividade é a capacidade de um Regime ou instituição produzir
condições para a solução do problema que originou sua criação. A abordagem legal sugere
que a efetividade deve ser definida a partir do grau no qual obrigações contratuais são
cumpridas. Assim, efetivas são as instituições que alcançam o cumprimento das regras,
mudanças nas políticas, implementação de programas, etc. Quanto à abordagem econômica,
a efetividade expressa-se pelos resultados – positivos ou negativos – mas também em função
dos custos de solução ou mitigação do problema – se baixos ou altos. Considerando-se a
efetividade a partir de princípios normativos, esta se explicitaria pelo alcance de equidade ou
justiça, participação, dentre outros aspectos.
Finalmente, definido a partir de uma abordagem política, o conceito ganha elementos
mais operativos: são efetivas as instituições que alcancem provocar mudanças no
comportamento dos agentes, nos seus interesses e nas próprias instituições, além de ter
efeitos nas políticas e ainda no desempenho das instituições, de modo a contribuir para uma
gestão positiva do problema que objetivou a sua criação. Essa definição não exclui
considerações sobre como o problema é resolvido, graus de aquiescência dos atores ou se
objetivos normativos foram alcançados.
Considerando-se as diversas abordagens e a contribuição de cada uma para se
precisar o significado de efetividade, pode-se admitir a definição sugerida pela abordagem
política uma vez que tal definição sugere que instiutições efetivas induzem ações para a
obtenção dos objetivos buscados por elas, possibilitando, também, o estabelecimento de
indicadores que permitem mensurar o quão efetiva é uma instituição ou um Regime
Internacional.
Em se tratando de Regimes Ambientais Internacionais, a discussão quanto à sua
efetividade envolve a produção de mudanças de comportamento de atores estatais e não
estatais, que agem no sistema internacional ou na política doméstica. Tais Regimes devem
produzir, se efetivos, não apenas aquiescência dos Estados quanto às medidas adotadas
internacionalmente, mas, sobretudo, mudanças ou ajustes nas políticas domésticas que
atendam ou que incorporem as medidas indicadas pelo Regime. Nesse caso, segundo
Ringquist e Kostadinova (2005), um Regime Ambiental específico deve promover maior
preocupação doméstica com as questões por ele tratadas, produzir maior ênfase na
hospedagem de acordos ambientais e estimular a produção de capacidade governamental
para produzir a mudança de políticas.
Considerando problemas de governança internacional e com foco para as questões
ambientais, Oran R. Young, em artigo publicado em 2000, apresenta sete indicadores que
possibilitariam mensurar efetividade. Para cada um desses indicadores, o autor apresenta
uma proposição que permite, se adequadamente aplicada e testada, “identificar fatores que
6
aumentam ou diminuem a importância das instituições na determinação do comportamento
internacional” (YOUNG, 2000, pág. 238). Os indicadores e suas respectivas proposições são
apresentados abaixo, em forma de quadro, tendo em vista maior objetividade.
Variáveis Proposição correspondente
Transparência 1 - “A efetividade das instituições internacionais varia diretamente
com a facilidade do monitoramento ou da verificação do
desempenho à luz das suas principais prescrições de conduta”.
Resistência 2 - “A efetividade das instituições internacionais é função da
resistência dos mecanismos de opção social empregados”.
Regras de
transformação
3 - “ A efetividade das instituições internacionais varia diretamente
com o rigor das regras reconhecidas que governam as mudanças
nas suas normas substantivas.”
Capacidade dos
governos
4 - A efetividade das instituições internacionais varia diretamente
com a capacidade que têm os governos dos membros de
implementar suas normas.
Distribuição de
poder
5 - “As assimetrias agudas na distribuição de poder (no sentido
material) entre os participantes circunscreve a efetividade das
instituições internacionais”.
Interdependência 6 - “A efetividade das instituições internacionais varia diretamente
com o nível de interdependência dos participantes”.
Ordem intelectual 7 - “As instituições internacionais não podem manter sua efetividade
po rmuito tempo depois da erosão ou do colapso das suas
subestruturas intelectuais”
Fonte: YOUNG, 2000.
O autor citado detalha cada uma das sete variáveis em alguns indicadores que
permitem testar a força de cada proposição correspondente. Além da atenção a estas
variáveis, é importante articular as políticas adotadas pelo Regime per si e a sua implantação
no âmbito doméstico, as condições para a manutenção da instituição, seu fortalecimento e
possíveis mudanças, além das questões relacionadas ao controle de recursos. Implica dizer
que, em tese, a efetividade geraria condições de governança numa área temática específica,
porque envolve processo gradativo de consolidação de regras no âmbito internacional e o
desenvolvimento e implantação de políticas vinculadas a tais regras e em sua observância,
no âmbito doméstico. Dessa forma, se efetivas as instituições internacionais, tais instituições
produziriam estabilidade e permitiriam maior previsibilidade.
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A seção seguinte irá discutir o conceito de securitização e os processos de
securitização, tem em vista fundamentar a hipótese aqui desenvolvida: se efetivas, instituições
internacionais produzem estabilidade e permitem previsibilidade, dificultando ou criando
obstáculos para que um determinado tema seja securitizado.
2 . A Escola de Copenhagen e os processos de securitização
O período que se seguiu após o final da Guerra Fria conheceu substantivas mudanças
nos estudos sobre segurança internacional. Dentre os principais movimentos que se
intensificaram a partir desta época pode-se destacar: a junção dos estudos estratégicos com
pesquisas para a paz (o que, de forma geral, ficou conhecido como Estudos de Segurança);
a ampliação dos temas analisados pela perspectiva da segurança (economia, meio ambiente,
cultura, dentre outros, passaram a serem passíveis de securitização); e o número de teorias
de Relações Internacionais mobilizadas e instrumentalizadas para lidar com as questões da
Segurança (dentre elas, o Construtivismo, Pós-Estruturalismo, Feminismo, etc.)
(KOLODZIEJ, 2005; GUZZINI, JUNG, 2004; BUZAN, BUZAN, WAEVER, DE WILDE, 1998).
Neste novo cenário que se formava nasceu, em meados da década de 80, o
Copenhagen Peace Research Institute (COPRI). Seus objetivos iniciais foram o de fomentar
internacionalmente o debate sobre Segurança Internacional a partir de publicações sobre
Estudos de Segurança que almejavam, não negar em termos absolutos as abordagens mais
clássicas de segurança, mas ampliá-las, concedendo o status de securitização a setores
ainda não contemplados por esta perspectiva. (GUZZINI, JUNG, 2004; HERRING, 2007;
HOUGH, MALIK, MORAN, PILBEAM, 2015).
In this context, the Copenhagen Peace Research Institute (COPRI) developed into one of the leading European institutes in the field, despite its precarious origins and small size. Founded in 1985, it achieved a certain stability from 1988 under its first official director, Hakan Wiberg, who oversaw a handful of people on limited tenure contracts. (...) COPRI emerged at a particular historical and intellectual juncture. It arrived as a latecomer in the peace research community, when the antagonism with the establishment had so some extent receded, and it joined the theoretical debates in International Relations, which witnessed a major broadening and sophistication in the 1980s, further spurred in the end of the Cold War. (GUZZINI, JUNG, 2004)
Através de autores como Buzan, Waever, De Wilde, dentre outros, a Escola de
Copenhagen passou a refletir sobre a possibilidade de setores não militares serem incluídos
nos Estudos de Segurança e o fenômeno da securitização ser estendido a esferas, até então,
menos convencionais. Assim, ao invés de se falar de temas de segurança, começaram a ser
estudados processos de securitização e de dessecuritização de determinados assuntos,
independentemente de suas relações com setores militares. Desta forma, ao invés de uma
tradicional classificação dicotômica que separava aqueles assuntos cuja natureza pertenceria
8
aos Estudos de Segurança, passou-se a verificar em um espectro que iria desde situações
em que um fenômeno poderia ser classificado como não-político (portanto, pouco afeito às
questões de segurança), às situações de cunho político (sendo tratado, desta forma, pelos
procedimentos políticos tradicionais), até as conjunturas de máxima politização e, portanto,
de segurança (nas quais medidas excepcionais pudessem ser adotadas)2.
Nesta lógica, qualquer assunto seria passível de ser considerado de segurança,
dependendo do grau de intensidade política com que o mesmo fosse tratado. Quanto maior o
viés político do fenômeno, mais o mesmo se encaminharia para o extremo político da
gradação, perfazendo o que os autores da Escola de Copenhagen descrevem como
movimento de securitização. À medida que o fenômeno perde seu viés político, o mesmo
passa por um movimento inverso conhecido como movimento de dessecuritização3.
NON-POLITICIZED POLITICIZED SECURITIZED
FONTE: EMMERS, 2007, p. 11
Para que um fenômeno seja securitizado, entretanto, algumas características devem
estar relacionadas ao mesmo. Primeiro, o mesmo deve apresentar algum tipo de ameaça
existencial. Se algo é considerado de segurança é porque a existência de algum objeto de
referência está em risco, transformando esta ameaça em questão política. Segundo, e
consequência do primeiro ponto, toda situação securitizada deve ser tratada como prioridade
2 Algumas críticas são feitas a esta visão processual da securitização. Dentre elas, o suposto etnocentrismo da Escola de Copenhagen; a presença de regiões (como nordeste da Ásia) nas quais ainda prevalece uma lógica de segurança realista e a falta de clareza sobre os limites existentes entre o âmbito da política regular e da segurança (EMMERS, 2011). 3 BUZAN, WAEVER e DE WILDE (1998) identificam três atores nos processos de securitização: o autor securitizador que aponta a existência de uma ameaça (securitizing actor); o objeto de referência que, supostamente está em perigo(referent object); e o autor funcional que participa de forma periférica do processo ajudando ou atrapalhando o sucesso da securitização (functional actor).
. The state does not cope
with the issue
.The issue is not included in
the public debate
.The issue is maneged within the
standard political system
.It is ‘part of public policy, requiring
government decision and resource
allocations, or more rarely some
formo f communal governance’
(Buzan, Waever, de Wilde 1998:3)
.The issue is framed as a security
question through na act of
securitization
.A securitizing actor articulates
na already politicized issue as na
existential threat to a referent
object
9
na agenda política de um povo. Se for a existência de algo que se deve defender que corre
(em função do) perigo (que representa), todas as demais questões não existenciais se
tornam secundárias. E, terceiro e último, se algo é securitizado, deve-se trabalhar com a
possibilidade de medidas excepcionais nas quais até o não respeito às regras estabelecidas
pode ser colocado em xeque.
When does an argument with this particular rhetorical and semiotic structure achieve sufficient effect to make an audience tolerate violations of rules that would otherwise have to be obeyed? If by means of an argument about the priority and urgency of an existential threat the securitizing actor has managed to break free of procedures or rules he or she would otherwise be bound by, we are witnessing a case of securitization. Even if the general logic of securitization is clear, we have to be precise about its threshold. (BUZAN, WAEVER, DE WILDE, p. 25).
Ressalta-se, também, que todo processo de securitização acarreta, portanto, a
legitimidade de determinado governante ou ator responsável pela securitização tratar a
questão como prioritária em sua agenda política, alocando recursos e esforços
prioritariamente para a questão securitizada. Além disto, toda securitização envolve, também,
a possibilidade de sigilo de determinadas informações sob a justificativa da transparência em
relação das mesmas colocar em risco aquilo que se quer preservar. (BUZAN, WAEVER, DE
WILDE, 1998).
Em resumo, securitizar seria, portanto, identificar uma ameaça existencial; tratar a
questão como prioritária e aceitar a possibilidade de quebra de regras. Desta forma, a
identificação destes três elementos em um fenômeno analisado daria indícios de que o objeto
de estudo estaria passando por este processo e haveria, portanto, uma tentativa por parte de
ator securitizador em tratar a questão como algo relativo à segurança45. Se estes três
elementos não são encontrados nas narrativas sobre o fenômeno em questão, os indícios
levariam à conclusão contrária de que o objeto estudado não estaria sendo tratado como algo
relativo à segurança por este mesmo público6.
4 A questão do público também é essencial para as Teorias de Securitização. Segundo estas abordagens, o mero fato de um agente securitizador apontar uma ameaça à existência de algo, ou alguém, não garante que o fenômeno seja securitizado. A audiência à quem se destina o discurso securitizador deve, através de uma negociação tácita, aceitar a legitimidade de tal ameaça para que o processo de securitização seja completo. Desta forma, o processo de securitização é algo que se concretiza no nível discursivo sendo a aceitação, ou não, de narrativas securitizadoras por um determinado público que conclui se determinado fenômeno deve, ou não, ser visto sob a perspectiva da segurança. (BUZAN, WAEVER, DE WILD, 1998; EMMER, 2007; WILLIAMS, 2003) 5 Notem que a abordagem da Escola de Copenhagen não invalida a lógica realista da segurança descritas por autores como Carl Schmitt. Entretanto, a mesma foca mais em questões não materiais (como faz o realismo) como definidoras da (des) securitização, e sim, na aceitação da audiência na legitimidade deste processo. (EMMERS, 2007) 6 No último anos, pesquisas sobre processos de (des)securitização têm concentrado nas possibilidades de se securitizar determinados fenômenos não através de narrativas tradicionais, e sim, através de imagens. Para estes estudos ver: HANSEN, 2011 e WILLIAMS, 2003).
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2.1 Meio ambiente e securitização
A Escola de Copenhagen ampliou as dimensões sobre as quais os processos de
securitização podem ocorrer. Âmbitos até então não contemplados pelos estudos de
segurança como meio-ambiente, economia e questões de identidade tornaram-se objetos de
estudos de segurança. Segundo Barnett (2007), em relação ao meio-ambiente, três fatores
podem ser apontados como cruciais para que o mesmo se tornasse passível de securitização:
o despertar da consciência sobre a importância das questões relativas ao meio-ambiente nos
países desenvolvidos, a partir dos anos 60; as tentativas feitas por acadêmicos, a partir dos
anos 70, de expandir questões de segurança para a área em questão; e, por fim, o fim da
Guerra Fria com a consequente superação dos padrões de pensamento até então vigentes
durante o período bipolar.
Em relação ao primeiro ponto, o aumento da consciência sobre o meio-ambiente a
partir da década de 60, pode-se notar tanto um aumento no número de eventos relativos ao
tema quanto, também, um crescimento no número de organizações não governamentais que
passaram a se preocupar com estas questões. Além disto, verificou-se, no decorrer da década
de 70, o início de uma série de encontros e acordos internacionais sobre o meio-ambiente.
Quanto às tentativas de ampliação do conceito de segurança, nota-se, também a partir da
década de 70, o início de várias publicações de acadêmicos alertando para o fato de que os
problemas colocados pelo meio-ambiente possuem consequências globais e, por isto, devem
ser vistos como responsabilidade de todos7. A interdependência na qual o mundo já se
encontrava fazia com que as ações voltadas ao meio-ambiente devessem ser coletivas, uma
vez que suas consequências afetariam toda população mundial. Concernente ao terceiro item,
o fim do equilíbrio bipolar e a necessidade de mudança do enfoque da segurança, este
catalisou as duas mudanças anteriores, levando as décadas seguintes a tratarem o meio-
ambiente, dentre outras perspectivas, também como uma questão de segurança. (BARNETT,
2007)
Alguns problemas, entretanto, aparecem à medida que o meio-ambiente é
securitizado. A falta de consenso sobre o que securitizar significa, além da ausência de
concordância sobre a abrangência do termo “meio-ambiente”. Estes são, talvez, os dois
maiores desafios encontrados para os estudiosos do assunto. No que se refere à abrangência
do conceito, encontram-se algumas dúvidas sobre a possibilidade de se inserir a segurança
humana como parte da segurança ambiental. O maior problema desta incorporação estaria
no fato de se adotar uma visão antropocêntrica da questão, ao invés de ecocêntrica. Ou seja,
7 Duas publicações são apontadas como marcos iniciais deste momento: This Endangered Planet de Richard Falk e Towards a Politics of Planet Earth de Harold e Margaret Sprout. (BARNETT, 2007; HOUGH et all, 2015)
11
englobar a questão humana às preocupações de segurança relativas ao meio-ambiente
desvirtuaria a verdadeira razão de ser da análise, podendo levando a pensar um problema
global em termos utilitaristas com apreensões parciais. Esta preocupação, entretanto, acaba
sendo inevitável uma vez que os problemas colocados nesta perspectiva são indissociáveis
da ação humana na Terra, tanto em relação às causas do problema, quanto à abrangência
das suas consequências.
Human Security is still somewhat problematic from an environmentalist perspective since this is, by definition an anthropocentric rather than egocentric way of framing problems. However, so long as Human Security is understood in the context of us being part of a global biosphere, the safeguarding of which enhance both human and non-human interests; this need not be a problem. (HOUGH et all, 2015, p.221)
3- Efetividade e Securitização
Conforme visto nos tópicos anteriores, todo processo de securitização de um
determinado fenômeno envolve três características: a identificação de um alvo sob ameaça;
a configuração da situação como algo emergencial e a possibilidade de se trabalhar este
contexto através de medidas de exceção. Desta forma, securitizar um determinado fenômeno
significa politizá-lo ao extremo, criando uma situação em que os parâmetros de ação em
relação ao mesmo não são claros, uma vez que o grau de politização do contexto extrapola
as possibilidades de conformação jurídica e adequações burocráticas.
Em relação aos Regimes Internacionais, parece haver uma clara conexão entre o grau
de efetividade dos mesmos com uma consequente padronização dos trâmites burocráticos e
da definição dos parâmetros a partir dos quais as ações oriundas destes Regimes devem se
restringir. Quanto maior o grau de efetividade de um determinado Regime Internacional, maior
a possibilidade de previsibilidade das ações advindas deste Regime, bem como dos
parâmetros reguladores das mesmas. A efetividade de um Regime Internacional condiciona
a ação dos seus agentes a padrões de comportamento que visam a manter a produtividade
do mesmo, uma vez que as estratégias em vigor estejam mostrando bons resultados.
Relacionando os processos de securitização às variáveis de mensuração da
efetividade de Regimes propostas por Young (2000), percebe-se que seis delas
(transparência, resistência, regras de transformação, capacidade dos governos, distribuição
de poder e interdependência) correspondem a uma lógica inversamente proporcional a
qualquer movimento securitizante. E, apenas uma, a ordem intelectual, seria condizente com
a securitização de Regimes.
12
Primeiro, segundo Young, quanto maior o grau de transparência de um Regime, maior
a possibilidade de efetividade do mesmo. Uma vez que todo processo de securitização
envolve a possibilidade de sigilo de informações, quanto maior o grau de politização de um
fenômeno, menor a transparência das informações relativas ao que foi securitizado. Desta
forma, todo Regime securitizado passa a trabalhar com a legitimidade de não publicização de
informações referentes ao mesmo, o que acarreta, inevitavelmente, em diminuição da sua
transparência e, consequentemente, da probabilidade da sua efetividade.
Em segundo lugar, também segundo Young, um Regime para ser efetivo deve ter
uma resistência intermediária a fatores externos. O Regime não pode ser totalmente inflexível
ao ponto de não acomodar mudanças circunstanciais, mas também não pode ser
excessivamente maleável ao ponto de mudar conforme qualquer alteração de contexto. Uma
vez que a securitização de um Regime eleva o grau de urgência de determinadas situações,
todo fenômeno securitizado tende a se tornar ou muito inflexível perante alterações do
ambiente (principalmente no caso de atores fortes) ou a se moldar excessivamente às
circunstâncias para garantir sua sobrevivência (no caso de atores fracos). Este excesso de
rigidez ou maleabilidade, inerente à securitização de um fenômeno, leva a uma tendência de
diminuição da efetividade do Regime, uma vez que o equilíbrio necessário para garanti-la
cede espaço para uma flexibilidade nula ou extrema.
Ainda segundo Young (2000), um Regime para ser efetivo deve prever a possibilidade
de mudanças de suas normas de procedimentos, mas nunca de seus princípios norteadores.
Para o autor, “[a] efetividade das instituições internacionais varia diretamente com o rigor das
regras reconhecidas que governam as mudanças nas suas normas substantivas (p. 224)”.
Quanto mais um Regime é passível de mudanças em seus princípios, menor a possibilidade
de efetividade do mesmo. Como todo processo de securitização envolve grande liberdade de
mudanças estruturais, os princípios e regras dos Regimes Internacionais estariam sempre
passíveis de alterações durante o processo de securitização de seus contextos. Desta forma,
quanto mais se securitiza um Regime, menor a possibilidade de o mesmo manter-se efetivo
devido às constantes possibilidades de alteração dos seus fundamentos.
A capacidade dos governos, outra variável apontada por Young, também coloca em
oposição os processos de efetividade e securitização. Segundo o autor, quanto mais os
governos têm capacidade e comprometimento para colocar em prática as diretrizes dos
Regimes, seguindo as regras estabelecidas neste processo de implementação, maior a
possibilidade de o Regime ser efetivo. À medida que um processo de securitização começa a
se concretizar, os governos envolvidos na ação ganham legitimidade para intervir de forma
mais categórica nos procedimentos rotineiros. Isto diminui a disposição dos mesmos em
implementar medidas que sejam restritas à normatividade construída pelo Regime e,
13
consequentemente, diminui a possibilidade de efetividade dos Regimes sob suas
responsabilidades.
A distribuição de poder, outra variável de mensuração da efetividade mencionada por
Young, também não coaduna com a lógica da securitização. Para o autor, quanto maior a
assimetria de poder entre os agentes de um Regime, menor a possibilidade de efetividade do
mesmo8. Segundo Buzan, Waever e De Wilde (1998), todo processo de securitização exige
certa consonância por parte de um público no sentido de concretização do mesmo. Entretanto,
uma vez que o consenso sobre o processo é construído, entidades responsáveis pela
proteção do objeto de referência ganham o direito de impor medidas extremas para anular a
suposta ameaça existencial. Isto pode acarretar uma relação assimétrica de poder decisório
entre os agentes de um Regime o que resultaria, na maior parte das vezes, em baixa
possibilidade de efetividade do Regime em questão.
Também a interdependência se relaciona de forma inversa à securitização. Para
Young, quanto maior a interdependência entre os atores, maior a possibilidade de efetividade
de um Regime. Como vimos, todo processo de securitização envolve a possibilidade de se
esquivar de regras estabelecidas. Desta forma, processos de securitização tendem a ocorrer
de forma mais intensa em ambientes com pouco grau de interdependência, uma vez que este
processo abre a possibilidade de desrespeito às regras estabelecidas devido a uma menor
possibilidade de sanções. Assim, como existe uma oposição (ou resistência) à existência de
interdependência e a ocorrência de processos de securitização, a presença destes últimos
geralmente irá ocorrer em ambientes poucos férteis para o crescimento de Regimes que
possam ser considerados efetivos.
Quanto à última variável, ordem intelectual, verifica-se que a mesma não possui uma
relação de antagonismo aos processos de securitização. Uma vez que todo processo de
securitização precisa da formação de um consenso entre agente securitizador e público,
quanto maior a consonância entre atores sobre a necessidade de se securitizar um fenômeno,
maior também será a tendência para que os objetivos perseguidos por um Regime sejam
considerados legítimos através deste consenso. Portanto, em relação às sete variáveis
descritas por Young para a mensuração da efetividade, somente uma delas, a ordem
intelectual, parece não ter uma relação de inversa proporcionalidade às possibilidades de
securitização.
Efetividade e securitização, portanto, caminham em direções opostas. O aumento da
efetividade de um determinado Regime o induz a manter seus padrões de comportamento na
tentativa de se manter o sucesso de resultados. Já o processo de securitização de um
8 Segundo Young (2000), entretanto, algum grau de assimetria relativa pode ser benéfico para a constituição de um Regime Internacional. O que abaixaria a possibilidade de efetividade seriam apenas situações em que esta assimetria entre agentes garantiria à elite destes Regimes a possibilidade de não se ater às normas criadas. (p. 251).
14
fenômeno caminha para a possibilidade de extrapolação dos seus limites, até então
considerados legítimos, em nome da salvaguarda de um objeto de referência. Portanto, à
medida que um Regime Internacional é efetivo, diminuem as chances do mesmo se ver às
voltas com um processo securitizador.
CONCLUSÃO
Tendo em vista a análise realizada ao longo desse artigo, a partir das variáveis
apresentadas pelos autores citados, tanto na questão de efetividade como na questão de
securitização, chega-se à conclusão de que quanto maior for à efetividade de um determinado
Regime, menor será a necessidade de que este seja securitizado. Tal conclusão é, de fato,
uma hipótese de trabalho que permitirá analisar Regimes Internacionais existentes. Tal
hipótese faz sentido já que, sendo efetivo, o Regime não precisará passar por questões
emergenciais em curto prazo. Por hipótese, ele estará cumprindo, em longo prazo, os
objetivos que levaram à sua criação.
Sobre os Regimes Internacionais Ambientais um excelente exemplo seria a questão
das Mudanças Climáticas. Uma lacuna deixada por esse artigo e que inspira trabalhos futuros,
é justamente testar a hipótese que orientou a construção deste artigo a partir da realização
de um estudo de caso do Regime Internacional de Mudanças Climáticas. Tal Regime
apresenta uma série de questões que poderiam favorecer a discussão quanto à sua
efetividade e, em decorrência, se haveria a necessidade de securitizar a temática.
Portanto, conforme apresentado no início desse trabalho, em relação às sete variáveis
descritas por Young para a mensuração da efetividade, somente uma delas, a ordem
intelectual, parece não ter uma relação de inversa proporcionalidade às possibilidades de
securitização. As demais variáveis, podem ser consideradas como: quanto mais efetivo for
um Regime Internacional, menor será a necessidade de que o mesmo seja securitizado.
Dessa forma, pode-se afirmar que a efetividade é uma variável independente que explicaria a
variável dependente securitização, conforme apresentado.
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