Coordenação Geral: Ana Reis e Mariana CalveteRedacção: Ana Reis, Catarina Corvo, Clara Antunes, David Castanheira, João Gomes, Mariana Calvete, Rui Sobral, Tiago FarinhaAgenda Cultural: Andreia LopesCoordenação Gráfica e Design: Ricardo Esteves, Luís SantosIlustração: Ricardo EstevesCoordenação de Publicidade: Daniel CochichoConvidados especiais: Guilherme Cardoso Amaral, João Santa-Rita, Manuel Damião Ferreira, Marco Silva, Nuno Costa Brás, Samuel Bjork, Tiago AndréImpressão: DOSSIER Comunicação e Imagem LdaTiragem: 3000Distribuição: AEFA-UTLApoios:
Propriedade da Associação de Estudantes da Faculdade de Arquitectura de Lisboa
Índice2
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Mandato 2009 - 2010Retrospectiva
Arquitectar’09Marco da Silva e Nuno Costa Brás
AGV Design Challenge PortugalGuilherme Amaral, Manuel Damião e Samuel Bjork
Autodesk AutoCAD 2010 Green DesignTiago André
João Santa-Rita“Arquitectura de Gerações”
Arquitectuna
Experiência Erasmus Barcelona
De Amor com Viana
A Janela Indiscreta ou a Realidade Planificada
Finalmente, uma esphera!
Devido a uma maior quantidade de conteúdos,
esta rolou um pouco mais devagar. No entanto,
cremos que valeu a pena!
Neste número cinco, além do artigo da praxe
sobre o mandato vigente da AE, damos a co-
nhecer o trabalho de alunos e de ex-alunos da
nossa faculdade, que mereceram lugar de des-
taque em concursos de arquitectura e design.
Partilhamos convosco o testemunho do arqui-
tecto João Santa-Rita, um exemplo singular na
aprendizagem, na prática e no ensino da arqui-
tectura. A nossa Arquitectuna está de volta à re-
vista, pondo-nos ao corrente das suas cantorias.
Terminamos com pequenas viagens, momentos
e vivências partilhados e inspiradores.
Criámos um novo espaço e gostaríamos de con-
tar com novos colaboradores já na próxima ed-
ição. Não pedimos necessariamente um grande
artigo; queremos apenas novas ideias e “opin-
iões e lutar” contra a passividade e o desinter-
esse dos alunos. Queremos que a esphera se
torne num espaço onde todos nos possamos
exprimir livremente, e num símbolo de prestígio
e qualidade, que dê visibilidade aos alunos e ao
trabalho desenvolvido na nossa faculdade.
Em suma, aspiramos a que a esphera se torne de
todos: feita com a colaboração de todos e lida
por todos.
Ana Reis e Mariana Calvete
2
Retrospectiva
O ano lectivo que passou e o que está
a decorrer ficarão, seguramente, lembra-
dos como anos de constantes mudanças no
Ensino Superior português. Temos vindo a
assistir a um conjunto de reformas desde o
RJIES, que levaram a revisões estatutárias das
Universidades Portuguesas, obrigando con-
sequentemente a uma revisão estatutária das
Unidades Orgânicas. No anterior ano lectivo, a
Faculdade de Arquitectura - UTL realizou a sua
revisão estatutária, terminando com a eleição
dos novos Órgãos da Faculdade e com a elei-
ção do Professor Francisco Gentil Berger como
o novo Presidente da FA. Para além disso, no
decorrer deste ano, formar-se-ão os primeiríssi-
mos Mestres da era Bolonha, resultantes de um
atabalhoado Processo, que ainda se encontra
longínquo da sua plenitude.
Foi neste contexto que a Direcção-Geral
da Associação de Estudantes da Faculdade de
Arquitectura da Universidade Técnica de Lisboa
reuniu esforços para materializar o maior
número de objectivos traçados no Plano de
Actividades. Hoje, aqui na emblemática revista
Esphera, vimos apresentar o trabalho efectu-
ado no anterior mandato. O nosso Plano de
Actividades era ambicioso, mas, orgulhosa-
mente, podemos garantir que praticamente
todos os objectivos definidos foram alcançados.
Ao longo do nosso mandato, apostámos for-
temente no desenvolvimento de determinadas
componentes, nomeadamente o desporto, a
cultura e a imagem. No que diz respeito à pri-
meira componente, procurou-se promover o
desporto universitário, organizando torneios e
apoiando as modalidades colectivas, bem como
os atletas singulares da FA. A organização deste
género de actividades foi recebida com entu-
siasmo, a prova disso mesmo é o contínuo ele-
vado número de inscrições.
Em relação à vertente cultural e recreativa,
várias actividades foram e serão ainda realiza-
das, desde ciclos de conferências, a ciclos de
cinema, a cursos de formação (Vectorworks,
Archicad, Cinema 4D), a cursos de línguas.
Assim, procurou-se proporcionar, por um lado,
eventos de qualidade que pudessem contribuir
para a formação dos alunos da FA, por outro
lado, eventos que garantissem momentos de
descontracção. É de salientar que o número de
inscritos nestas actividades aumentou, contudo
esteve aquém das nossas expectativas.
Destacamos também a nossa presença em
eventos recreativos, tais como o Arraial do
Caloiro do IST, todos aqueles realizados na
FA, a Chillout Session (Festival Universitário
de Música Electrónica), que conta já com a 4.ª
edição e que, já agora relembro, irá decorrer
no próximo dia 30 de Abril. Ressaltamos igual-
mente a colaboração da AEFA na organização
da Recepção do Caloiro e na organização da
Bênção das Fitas.
Outra grande aposta deste mandato foi a
evolução da imagem da AEFA, desenhámos
uma nova página Web, que brevemente estará
disponível online; procurámos difundir o nome
da AEFA, estando presentes nos ENDA’s
(Encontro Nacional de Direcções Associativas),
bem como em reuniões de estruturas federati-
vas a que pertencemos, levando a voz dos alu-
nos e o nome da nossa estimada Faculdade cada
vez mais longe.
Nestes últimos meses, as próprias instala-
ções da AEFA também sofreram algumas alte-
rações, passando a ser um espaço muito mais
moderno, funcional e aprazível, facilitando assim
a gestão, a organização e a auto-promoção da
AE. Para além desta transformação estrutural,
contribuímos para a finalização do Espaço 24
horas e para a criação da esplanada “Um Lugar
à Sombra” do bar Universo Ágora.
O actual mandato está quase no final, res-
tam dois meses para ainda concluirmos algumas
actividades previstas, como: a inauguração do
Espaço 24 horas, a Feira ARQi-Tek e o Ciclo de
Conferências. Devido ao tempo e meios dispo-
níveis, ficarão por concretizar dois objectivos: a
revisão estatutária da AEFA e a criação do dia
do desporto ao ar livre. Trabalho este que con-
sidero importante ser retomado no mandato
seguinte.
Não podia terminar sem dirigir umas palavras
de agradecimento a todos aqueles que contri-
buíram para que a AEFA crescesse, primeira-
mente, aos alunos que acompanharam mais de
perto o nosso trabalho; de seguida, aos profes-
sores que participaram nas nossas actividades e
que nos vêem como uma associação dinamiza-
dora, credível e útil; e, por fim, aos funcionários
da FA que colaboraram com a AEFA.
Concluo, deixando os meus votos de sucesso
aos finalistas e apelando a todos os alunos da
FA que participem activamente nas actividades
da nossa Associação de Estudantes, da nossa
Faculdade! O sucesso da nossa AEFA deve-se
ao empenho conjunto de todos!
Saudações Académicas,
Rui Sobral
Presidente da AEFA
Mandato 2009/2010
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Arquitectos, ambos formados na FAUTL em 2004,
incluindo programa ERASMUS 2002 (ETSAV-
UPC - Barcelona e Faculdade de Arquitectura da
Universidade do País Basco - San Sebastian, respecti-
vamente), desenvolvem desde 2005, paralelamente
à colaboração com vários ateliês, prática conjunta,
sobretudo na participação em Concursos Nacionais
e Internacionais. Já foram contemplados com inú-
meros prémios, donde se destacam: 1º Lugar no
Concurso Arquitectar 09 - Prémio Square Arquitecto
Revelação; 1º Lugar para o IV Concurso de Ideias SIL
- Reconversão da Praça de Toiros Celestino Graça em
Pavilhão Multiusos e requalificação da área envol-
vente em 2009; 1º Lugar no Prémio Internacional
Tektónica 08 – Aldeia Itinerante para uma comuni-
dade verde em 2008. No âmbito desta actividade
profissional têm tido trabalhos expostos e publicados
em diversos catálogos e revistas especializadas.
O concurso Arquitectar, embora recente, é
um ambicioso projecto que pretende divulgar
jovens arquitectos e novas propostas no âmbito
da temática da sustentabilidade.
A vossa formação como grupo de trabalho
deu-se durante os vossos anos de faculdade.
Posteriormente, quais as dificuldades que tive-
ram de enfrentar no mercado de trabalho?
Estavam preparados para a transição do meio
académico para um mais profissional?
Na altura de fazer o estágio, é natural a ânsia de
perceber se todos os conhecimentos adquiridos
na faculdade são uma mais valia no mercado de
trabalho. No entanto, a transição de que falam,
a nosso ver, ainda está a acontecer. Não há uma
ruptura brusca. Existe uma adaptação faseada,
feita mediante as oportunidades que aparecem e
que se procuram (estas de acordo com as nossas
próprias ambições e vontades). Consideramos
este tempo como uma continuidade de apren-
dizagem. Claro que o trabalho de ateliê exige
de nós uma responsabilidade acrescida, devido à
sua complexidade e à série de questões que têm
de ser solucionadas, mas não é nada que não
estivéssemos à espera. É bastante enriquecedor
tudo o que daí aproveitamos. E o facto de tra-
balharmos em ateliês diferentes é uma mais valia
dada a riqueza de intercâmbio de ideias.
O que é que os levou a participar em concur-
sos? Acreditam que pode ser um momento fun-
damental na formação em arquitectura? Como
fazem a selecção?
Tentamos sempre participar em concursos com
os quais achamos que podemos ganhar conhe-
cimento e experiência, e que sejam desafiantes.
Claro que há que conciliá-los com o trabalho
de ateliê e com o nosso próprio tempo dispo-
nível; no entanto, sabemos que são oportunida-
des que, quando as agarramos, são proveitosas,
porque mantêm o nosso espírito criativo. As
ideias adquiridas no dia-a-dia, nas viagens e no
nosso trabalho, são traduzidas e materializa¬das
nos projectos aos quais concorremos (e quanto
maior a reflexão individual, mais rica é a partilha).
Temos de agarrar as poucas oportunidades para
jovens arquitectos, trabalhá-las e tirar partido
delas.
Qual a vossa abordagem à representação de um
projecto e à produção de elementos visuais para
sustentar a ideia arquitectónica?
A primeira coisa que fazemos, quando iniciamos
qualquer projecto, é ler os objectivos expostos
e reflectir sobre eles. A partir daí, definimos e
discutimos abordagens e estratégias – depois,
tudo o resto flui naturalmente, porque é da
formulação de perguntas e da interpretação
de objectivos que é determinada a abordagem
de qualquer projecto. Materializamos as nossas
conclusões em matéria física, chegando a uma
solução final. O material a apresentar em con-
curso já está balizado, e, independentemente
das peças pedidas, a nossa intenção – e o que
achamos o mais importante - é a transmissão
da ideia, às vezes em detrimento do grafismo.
É necessária uma linha, uma problemática bem
definida e um discurso coerente que explique
processo de trabalho para solução final. É claro
que jogar com a imagem da solução pro¬posta
é muito importante, mas acreditamos que, se o
conteúdo não for bom, não é a imagem que salva
um bom projecto. O nível gráfico, todo ele, hoje
ARQUITECTAR´09Marco da Silva (R.F. Alemanha ,1980) e Nuno Costa Brás (Lisboa, 1980)
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em dia, já está muito alto. Portanto, as mais-valias
tiram-se do conteúdo e da sua transparência. E
quanto mais coerente for o processo, mais natu-
ral se torna tudo o resto.
Visto que o concurso tinha o tema da susten-
tabilidade, houve um grande trabalho à volta da
energia solar passiva. Acreditam ser esse o cami-
nho para a sustentabilidade em Portugal? Como
encaram as tecnologias que cada vez mais se
impõem a um pensamento mais tradicional?
Há dois tipos de sustentabilidade: a passiva, que
faz um maior uso de meios naturais para ganhos
energéticos, e a activa, de carácter mais tecno-
lógico. A nossa proposta aborda uma parte tec-
nológica mínima, e é desenvolvida sobretudo a
sustentabilidade passiva, tirando partido dos
elementos naturais próprios do local, gerados
e oferecidos por ele: os materiais, o próprio
desenvolvimento natural do Douro e a expo-
sição solar. Esta opção também parte da refle-
xão em torno da questão da sustentabilidade - a
questão passiva não é só o seu fim - o balanço
de gastos energéticos – mas também o preço
total a pagar por eles. A finalidade é a obten-
ção de energia limpa, que tem impacto ambiental
próprio.
Uma das qualidades apontadas na vossa pro-
posta foi a integração e a relação com o local
que escolheram. Como lidam com esta questão
do local, da pré-existência e do discurso com a
envolvente?
O início deste concurso foi um pouco angus-
tiante, porque havia demasiada liberdade em ter-
mos de escolha território. Tinha de se ficcionar o
lugar. No entanto esse lugar tinha de obede¬cer
a uma premissa - ter vista para o mar ou para
o rio, em território português. Acontece que a
hipótese de território e as ideias cruzavam-se.
Escolhemos o local que melhor se adaptava ao
princípio de ideia, e vice-versa.
E porquê o Douro vinhateiro?
Cremos que essa escolha também partiu das
nossas experiências, de afinidades inconscientes,
de memórias, de relações próximas com essa
ambiência. É um território muito forte e certos
factores que lá se encontravam eram impor-
tantes para a realização da nossa proposta. O
Douro foi modificado pelo homem ao longo do
tempo e tornou-se auto-sustentável. O próprio
local é uma lição de sustentabilidade.
Ana Reis e Mariana Calvete
CONSTRUIR COM O TERRITÓRIO
(uma casa no Douro)
Intervém-se num território respeitando a
sua identidade, a sua lógica evolutiva e a sua
sustentabilidade.
Os elementos que constroem o território cons-
troem a habitação.
Os muros de xisto abrem-se em direcção ao rio,
delimitando o habitar.
A vinha cria uma segunda pele viva, camaleónica.
Gera-se uma casa com três níveis funcionais,
potenciando diversos modos de viver o terri-
tório e o rio.
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Este grupo é composto por Guilherme Amaral,
Manuel Damião, Samuel Bjork, os três de Lisboa
e colegas de turma no curso de Arquitectura de
Design da F.A.U.T.L. há 4/5 anos. O Guilherme e o
Manuel terminaram no ano passado a licenciatura,
o Samuel acabará este ano. O Guilherme integrou
agora um grupo de jovens designers, dando assim
início à sua carreira, enquanto o Manuel está fazer
mestrado em Design de Produto, na F.A.U.T.L.
Como souberam deste concurso e o que vos
levou a participar? A experiência? A hipótese de
estágio?
Em Fevereiro de 2009, a empresa francesa
construtora de comboios Alstom contactou
o Design Studio da FEUP com o objectivo de
promo¬ver uma iniciativa que englobasse as
escolas de design portuguesas no processo de
concepção daquele que seria um serviço ferro-
viário de alta velocidade português.
Esta iniciativa estendeu-se, então, a grande parte
das escolas, e, consequentemente, à turma fina-
lista do curso de Arquitectura do Design da
F.A.U.T.L., cujos docentes da cadeira nuclear de
Projecto VI decidiram integrá-la no programa
curricular.
Embora se tratasse de um concurso, as exi-
gências impostas pelo desafio coincidiam com
aquelas que os docentes tinham estabelecido
anteriormente no programa da disciplina, acre-
ditando que seria uma mais valia aproximar
o contexto do projecto a desenvolver a uma
experiência profissional e dar oportunidade a
três alunos de poderem vir a integrar futura-
mente o gabinete de design da empresa Alstom.
Com a hipótese de estagiar em Paris ou
Barcelona em gabinetes de design da empresa,
junto de profissionais com experiência na
indústria automóvel durante seis meses, a ambi-
ção cresceu e, apesar de algumas dificuldades
pelo meio, o trabalho foi entregue.
Dado que a maioria dos que lerão esta entre-
vista nunca entrou num concurso, podem clari-
ficar como é que funcionou o processo de apu-
ramento dos vencedores?
O processo de apuramento dos vencedores
teve uma primeira selecção interna dos traba-
lhos realizados, sujeita à avaliação de docentes
de cada faculdade de três grupos, cada um com
três alunos. Foi feita uma apresentação oral dos
projectos. Seguidamente, foi projectado um
vídeo de três minutos.
Estes três grupos seguiam então para o con-
curso a nível nacional, com os restantes grupos
que cada faculdade seleccionou. A partir desta
altura, o júri, composto por representantes
internacionais da empresa Alstom, bem como
da CP e da FEUP, seleccionou o projecto que
melhor respondia aos critérios de avaliação do
concurso, bem como a faculdade que apresen-
tou melhores trabalhos no geral.
Como foi trabalhar em grupo para um con-
curso? Foi a primeira vez? Desenvolveram o
trabalho em conjunto ou havia áreas do pro-
jecto que cada um explorava mais?
A experiência de trabalhar em grupo não era
nova e nós já nos conhecíamos bem, sabíamos
com o que podíamos contar da parte de cada
um.
Houve obviamente alturas em que cada um
tinha trabalhos diferentes em curso, o que
resultou num aprofundamento diferencial por
parte de cada um, dependendo da altura, mas
houve sempre um consenso geral em cada deci-
são tomada, fortalecendo a crença e vontade
de termos um projecto de que, independente-
mente de ganhar o concurso, nos pudéssemos
orgulhar.
AGV Design Challenge Portugal
Destinado a um público para quem a exclusividade, o espaço e a funcionali-dade são aspectos fundamentais quando viaja, “FUI-concept” pretende oferecer um momento único que pode durar uma via-gem inteira.Elevando 12 lugares, o vínculo emocional entre a natureza do comboio de alta velo-cidade e os portugueses torna-se o cora-ção deste conceito.A sensação de velocidade, a paisagem sinuosa, a vontade de estar perto da natu-reza portuguesa, quase sentindo o vento na nossa cara - o design de vanguarda é trazido a um país onde as tradições são para ser sentidas na íntegra.
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Num dos artigos sobre o vosso projecto,
afirma-se que tentaram conciliar a ideia con-
temporânea do TGV com a tradição e cultura
portuguesas. De que modo é que esse conceito
está patente no projecto?
O núcleo do conceito é a emoção. É aqui que
reside a verdadeira essência do nosso conceito.
Vemos o povo português como um povo apai-
xonado, que sente, que vibra com as emoções
que cada momento lhe traz. Por outro lado,
vemos o serviço de alta velocidade como algo
cuja natureza é verdadeiramente emocionante!
Quem é que acha que andar a 300km/h não é
desafiante?
Gostávamos que, de alguma forma, se pudes-
sem conjugar ambas as naturezas e acreditamos
que ao subir ligeiramente a altura do banco em
relação à janela, criando uma maior superfície
vidrada ao lado do passageiro, promoveríamos
uma maior interacção com a sensação de estar
a viajar a alta velocidade e com a paisagem por-
tuguesa, ao longo da viagem!
A partir desta ideia, conseguimos criar outras
mais-valias no projecto, como arrumar a baga-
gem debaixo do banco resultando numa maior
comodidade no armazenamento, e consegui-
mos também facilitar o acesso de pessoas mais
velhas aos bancos pre¬cisamente por estes se
encontrarem a um nível superior.
As condicionantes subjacentes ao projectar o
interior para o TGV deixaram-vos algum espaço
de manobra na concepção?
Houve algumas condicionantes impostas pelo
concurso, como não modificarmos a estrutura
exterior da carruagem, limitando-nos a intervir
apenas no interior. Contudo, não acreditámos
que isso se tornasse uma barreira à nossa cria-
tividade. Por outro lado, torna tudo mais real...
Que portas vos abriu este concurso? Já há
outro concurso ou projecto em vista?
Termos um estágio à nossa espera no final
deste ano, o que é sem dúvida um excelente
início de carreira; quanto a novos projectos,
nenhuma novidade.
Foi ou é difícil desenhar para o público
português?
É sempre difícil perceber como é que uma pes-
soa irá interagir com algo que criamos. Perceber
todas as suas atitudes, sensações, dificuldades e
necessidades é algo que requer muita atenção e
estudo. Criam-se estereótipos e caracterizam-
se utilizadores, tentando, de alguma forma, regu-
larizar e padronizar, para se conseguir respon-
der a algo que ainda não se tenha, por vezes,
percebido de que se sente falta: aquilo a que
chamamos “valor acrescentado”. Contudo,
livrarmo-nos de preconceitos e sermos e capa-
zes de ser apenas um espectador perspicaz é
difícil. Por ser para o público português, pode
ser, por um lado, benéfico por conhecermos
algo que outros não conhecem, mas prejudicial
por não conseguirmos obter uma perspectiva
verdadeiramente analítica.
Tiago Farinha
8
Tiago João M. André, nascido no ano de 1988, em
Arganil no Distrito de Coimbra, Portugal, tirou um
curso de técnico de Design Industrial entre 2004 a
2007 e actualmente a frequenta o terceiro ano de
Arquitectura nesta instituição. Foi distinguido com o
projecto CorkBOX no concurso Autodesk AutoCAD
2010 Green Design.
Como te chegou a informação sobre o con-
curso?
Recebi um e-mail de divulgação emitido pela
empresa promotora que me suscitou especial
interesse. A partir daí, comecei a procurar saber
mais sobre o concurso, li o regulamento que
estava no site oficial e decidi aventurar-me.
No seu decorrer, foi também exposto em diver-
sos locais como fóruns de Arquitectura/Design,
algumas escolas e faculdades da área.
No que consistia exactamente?
Consistia em Green Design, ou seja, na fomenta-
ção do design sustentável. O concorrente era
livre de apresentar o projecto que entendesse,
desde que respeitasse o objectivo principal do
concurso. Podíamos apresentar projectos já re-
alizados no âmbito da faculdade, ou mesmo de
alguma actividade remunerada.
O objectivo era estimular a contribuição
dos arquitectos e designers para uma maior
sedimentação de projectos mais sustentáveis,
levando-os a reflectir em materiais que aplicam
no dia-a-dia e que pudessem ser substituídos,
eventualmente, por outros menos agressivos ao
meio ambiente e facilmente regenerados pela
natureza.
Como e porque é que optaste por fazer uma
“simples” capa de CD ou DVD, visto que a
maioria de projectos a concurso eram habita-
ções sustentáveis ou de emergência?
Queria um objecto simples e de fácil execução.
As habitações sustentáveis já são uma área com
forte desenvolvimento conceptual e de projec-
to. O que procurava era uma área ainda virgem
neste campo, algo em que pudesse mostrar al-
ternativas sustentáveis ao produto actualmente
comercializado. Deste modo, procurei algo que
pudesse ser sustentável na íntegra, que não
tivesse nenhum tipo de material prejudicial ao
ambiente. Foi com esta ideia de base que iniciei
a pesquisa, procurando algo que já existisse e
fosse utilizado no dia-a-dia, mas que não utili-
zasse materiais sustentáveis. A CorkBOX surgiu
do esforço feito para redesenhar o objecto, de
acordo com o meu conceito.
Tens por hábito participar nestas iniciativas ou
foi a tua primeira “aventura”?
Este foi o primeiro concurso em que partici-
pei. No início, não sabia bem ao que estava a
concorrer, porque a informação era pouca. Não
sabia que tipo de propostas os organizadores
queriam, era tudo muito subjectivo. Parecia
que se podia fazer tudo e de tudo, dar asas à
imaginação. A única coisa que era pedida era a
sustentabilidade, tudo o mais era decidido pelo
concorrente, como as metas a atingir.
Este concurso motivou-me para continuar a
desenvolver os meus conhecimentos e dar visi-
bilidade às minhas ideias através de outros con-
cursos. Actualmente, encontro-me a participar
no “Hotspot”, promovido pela GALP Energia,
cujo objectivo é desenvolver um aquece¬dor
de esplanada com um design mais eficiente e
sustentável. Este segundo concurso, ao con-
trário do Green Design, já possui um programa
bastante mais restrito, motivado pelas normas
de segurança europeias.
Como concilias a participação nestes concursos
com o tempo que a faculdade nos ocupa?
É muito difícil, para não dizer quase impossível,
conciliar a participação em concursos com a
Faculdade, uma vez que esta absorve todo o
nosso tempo em aulas e o escasso tempo que
temos livre com trabalhos de avaliação.
Mesmo planeando bem desde o início do se-
mestre, o calendário de trabalho para tentar
ConcursoAutodeskAutoCAD 2010Green Design
importante. Principalmente para mostrar a ideia
final ao cliente, pois é ele que vai ter especial
interesse em ver e entender o que está a com-
prar. Sendo o cliente uma pessoa que não en-
tende tão linearmente a linguagem do desenho
utilizada por arquitectos e designers, na fase
de comunicação do projecto ao cliente o 3D
facilita a apresentação da ideia, tornando-a en-
tendível.
9
Acrescento ainda que o 3D é um elemento es-
sencial para a total concretização de um pro-
jecto de design. A sua utilização hoje em dia é
quase imprescindível, visto que dependemos
dele para uma melhor percepção de como fi-
cará o produto final. Criando um 3D de um
objecto, é possível vê-lo na sua forma real, para
o inserirmos no ambiente desejado e verificar-
mos se realmente resulta como desejado.
João Gomes
Projectou-se uma caixa, na sua totalidade redonda,
para CD´s e DVD´s. Esta tinha como objectivo ser
o mais funcional possível e fazer uso de materi-
ais não agressivos ao meio ambiente. Deste modo,
surgiu “CorkBox”, uma caixa toda ela feita em cor-
tiça (material muito abundante em Portugal e de
elevada qualidade).
Criou-se a caixa de modo a ser a mais fina possível,
obtendo-se um objecto com 9mm de espessura,
permitindo o seu empilhamento, ocupando menos
espaço de arrumação.
A abertura, uma semi-circunferência a meio da
caixa, foi pensada de modo a suavizar e a encaixar
o melhor possível na mão.
conciliar a faculdade com o concurso é sempre
crítico, especialmente se, como sucedeu com o
Green Design, a data de entrega da proposta se
sobrepuser ao período de avaliação da Facul-
dade.
Hoje em dia, a teu ver, até que ponto o 3D é
uma ferramenta essencial ao design?
É, indubitavelmente, uma ferramenta bastante
10
João Santa-Rita
sobre
Arquitectura de gerações
Estando o tema da pedagogia implicitamente
presente nesta revista, dispusemo-nos a entre-
vistar o arquitecto João Santa Rita, utilizando
como pretexto a retrospectiva do trabalho
do seu pai, o arquitecto José D. Santa-Rita,
na exposição presente na Casa da Cerca de
Almada – Centro de Arte Contemporânea .
João Santa-Rita constitui um bom exemplo do
que é a transmissão do conhecimento arquitec-
tónico entre gerações, nos seus aspectos fami-
liar, profissional e pedagógico, já que este lega
os conhecimentos aprendidos aos seus alunos
na qualidade de Professor. Assim se nos apre-
senta, dando-nos o seu testemunho sobre o que
pensa ser a aprendizagem de hoje em dia, à luz
do que o motivou aquando do seu processo de
descoberta pela arquitectura.
A sua tão estreita convivência com a profissão
do seu pai influenciou-o na escolha de arqui-
tectura, enquanto hipótese de prossecução
profissional?
Não sei dizer ao certo aquilo que me levou ser
arquitecto. É certo que quando era mais novo,
por vezes, via o meu pai fazer coisas que não
sabia ao certo que significado tinham – e houve
o convívio, o ir ao ateliê, o ver fazer maque-
tas, o fascínio dos lápis... Depois, talvez influen-
ciado por isso, construía casas para brinquedos,
hangares para aviões, etc. Tudo com um sentido
construtivo, de edificar coisas. No entanto, o
que me dava mais prazer era desenhar navios
- esse era o meu sonho, ser marinheiro e enge-
nheiro/arquitecto naval. Quando não fui apu-
rado para essa profissão, a arquitectura surgiu
como a profissão mais próxima - imaginar, orga-
nizar e gerir espaços.
O trabalho de ateliê permitia-nos aquilo que
ainda hoje permite, como por exemplo estar
a conversar e a ouvir música, coisa que nou-
tros escritórios/profissões não acontece. Era
um ambiente muito singular para mim e eu
também me deixei fascinar por isso. Até que,
a certa altura, quando tinha 15, 16 anos, disse
que também queria participar. Então comecei a
desenhar mapas de acabamentos – que agora
se fazem em cinco segundos em computador,
mas que antigamente se faziam à mão. E fazia os
acabamentos do vale de Alcântara para as ope-
rações SAAL (estive, sensivelmente, um ano só
a desenhar grelhas de quadrados). Ganhava, aos
poucos, uma ligação, um amor àquelas coisas e
aos arquitectos. Muito facilmente fui seduzido.
Assim que recebi a triste notícia de que não
podia ir para a escola naval, foi um tiro até Belas
Artes – área da qual gostei bastante. O meu pri-
meiro ano fi-lo no Porto, quase por obrigação
do meu pai (que tinha lá estudado) já que eu
estava muito ligado a Lisboa, e o Porto era o
último local onde me parecia que aconteceriam
coisas neste país. No entanto, gostei bastante
de lá estar. Nos meus últimos anos voltei para
Lisboa e fiquei sempre com a dúvida se não
deveria ter acabado o curso no norte. Conheci
lá pessoas de que nunca mais me esqueci. O
ambiente do Porto era muito pequeno, havia
uma grande proximidade entre alunos e pro-
fessores, ao ponto de se tratarem os profes-
sores pelos nomes - sendo a única excepção
o Mestre Fernando Távora. Lá percebi que este
é um mundo onde não há grande espaço para
hesitações.
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A partir do 3º ano, quando vim para Lisboa,
todos os estudantes trabalhavam, e eu não fui
excepção. Ir para um ateliê era uma espécie
de passaporte para o grande mundo do tra-
balho - nós não sabíamos o que era não tra-
balhar. Havia poucos ateliês, mas também havia
poucos alunos: 100 por ano, nas duas escolas.
Os ateliês tinham uma enorme importância na
nossa aprendizagem. As escolas, melhor ou pior,
ensinavam-nos matérias, ensinavam-nos a pro-
jectar, a pensar na arquitectura, reuniam-nos.
Íamos estabelecendo as nossas parcerias e ami-
zades e, posteriormente, privilegiávamos ateliês
onde encontrávamos esses amigos. Eu trabalhei
muitos anos com o meu pai, enquanto estudava,
e conheci muitas pessoas que me ajudaram. Aí
sim, comecei a ter um complemento da minha
formação fundamental para aquilo que fiz, faço
e penso que farei enquanto arquitecto, que foi
não só familiarizar-me com o tipo de trabalho,
como conhecer pessoas ligadas a este meio que
me marcaram muito.
Uns anos depois de acabar o curso, fui para
Macau trabalhar com o Manuel Vicente, por
opção minha, dado que, a meu ver, ia aprender
bastante no seu ateliê e queria conhecer aquele
território que, desde há muito, conhecia através
das suas obras.
Quando regressei, no final dos anos 80, estabe-
leci uma parceria com o meu pai.
Juntos fundaram o ateliê Santa-Rita, o qual hoje
coordena. Durante o tempo em que ambos tra-
balharam em conjunto, sentiam que havia uma
aprendizagem mútua? Foi um desafio trabalhar
com um arquitecto já com tanta experiên-
cia, que lhe era, ainda para mais, pessoalmente
relacionado?
A arquitectura pode exercer-se de muitas
maneiras, mas uma coisa é certa: tem que se
fazer em equipa, com o contributo de todos,
resultando numa obra-conjunta de tudo isso.
Eu já tinha uma certa formação aquando do
tempo passado com o meu pai, e ele um ama-
durecimento total de muita coisa e ideias muito
completas. Foi uma experiência de grande
importância para mim, provocando uma ace-
leração no processo de aprendizagem. O que
ele fazia com surpreendente naturalidade, eu
demorava mais tempo e cumpria com mais
dificuldade.
O construir é a grande experiência. É na pri-
meira obra que os arquitectos começam sem-
pre por esbarrar. E o meu pai estava incessante-
mente pronto para me ajudar e ensinar nessas
coisas. Eu também fui muito canalizado para
certos assuntos, tínhamos várias discussões
sobre temas diversos, mas sempre com uma
dureza amável. Esta relação foi muito positiva.
Considero que todas as coisas que fiz com o
meu pai compõem o meu percurso. Não houve
coisas minhas e do meu pai, houve coisas dos
dois e que não seriam possíveis se não fosse um
trabalho conjunto - resultados do pensamento
unido de ambos a desenhar na mesma folha. Se
tínhamos um problema para resolver, fazíamo-
lo juntos. Havia um desejo da minha parte de
fazer coisas que acompanhavam um certo nível
de conhecimento e da parte do meu pai uma
predisposição em aceitar as opiniões de alguém
mais novo e que o estava constantemente a
questionar.
Como encara a responsabilidade de ensinar
arquitectura? Enquanto professor, sente que
pode influenciar inconscientemente os seus
alunos, numa fase inicial do projecto, no res-
peito à sua abordagem e à visão que têm da
arquitectura?
Eu dou grande valor à formação. Um professor
deverá ter a maior abertura e maior conheci-
mento que puder. Devemos orientar os nos-
sos alunos - quando olhamos para trabalhos/
propostas que nos parecem mais frágeis, temos
de conseguir indicar um caminho, - o que faz
do nosso dia-a-dia uma tarefa muito pesada. O
mais fascinante da arquitectura é sabermos que
podemos interferir em tudo e fazer com que
as pessoas levem alguma da nossa experiência
com elas, levando-as a perceber que a arquitec-
tura implica muita responsabilidade e cuidado.
Eu não tenho nenhuma vontade de levar as pes-
soas a fazer aquilo que quero. Quer no ateliê,
quer na escola, a liberdade é uma coisa funda-
mental. Se quer fazer assim, faça assim, mas tem
de aprender a fazer como quer. O importante
é dar espaço para as pessoas se formarem.
Formarem a sua sensibilidade e a sua linguagem.
Eu gosto de pensar que aprendo muito mais
do que ensino. Isto só pode ser encarado de
forma positiva se pensar que tenho de dar tanto
quanto me dão a mim.
Fazemos parte daquilo que vemos no mundo.
Podemos ser geniais, mas isso leva-nos à clau-
sura. Se formos pessoas normais, com curio-
sidade pelo mundo, conseguimos fazer coisas
com muito mais impacto e que ajudam real-
mente a sociedade. Ser arquitecto implica ser
sempre muito curioso e muito exigente consigo
próprio. Quem não perceber as coisas, não con-
segue fazê-las.
Este é o lado magnífico de participar na socie-
dade, ser um pouco formado pelos outros e
ajudar os outros a formar uma identidade. O
máximo que um professor pode desejar é que o
aluno seja bom e não o abandonar se este ainda
não conseguiu atingir um determinado patamar
de segurança . O que podemos pedir é trabalho,
porque trabalhar muito é essencial. Se não tra-
balhar, nunca experimenta. A identidade de um
aluno é a coisa mais valiosa para ele, porque é aí
que começa a construir a sua linguagem.
No entanto, não se pode esquecer que também
temos de ser professores de nós mesmos, sem-
pre autocríticos, porque só assim conseguimos
evoluir.
Como interpreta a evolução da descoberta
de identidade de um aluno de arquitectura
ao longo dos seus cinco anos de formação
superior?
A arquitectura ensina-se. Cada aluno tem a sua
sensibilidade e orientar é a função do professor,
ajudando-o a descobrir o seu caminho.
Há algumas ideias com que certas pessoas se
vão identificando e que vão marcando as gera-
ções. Actualmente, há uma arquitectura mais
diversa. No meu tempo só havia a Escola do
Porto e a Escola de Lisboa. E depois os que iam
para o estrangeiro e vinham com umas ideias
novas.
Este curso, contrariamente a outros cursos
artísticos, permite-nos agarrar coisas bastante
concretas e orientar os alunos. Temos de ser
bons ouvintes (temos conversas sem fim com
os alunos), para entender/compreender quais as
potencialidades de cada um e isso é a grande
dificuldade de ser professor de arquitectura.
Saber descobrir num aluno qual é a sua perso-
nalidade, saber o que privilegia na arquitectura,
as relações entre ele próprio e o que faz. Isso é
uma coisa que não se aprende em pouco tempo.
Agora também lecciono a cadeira de Projecto,
do segundo ano, na Universidade Autónoma,
mas já estive dois anos a trabalhar com o ter-
ceiro ano, sendo portanto anos em que os alu-
nos se descobrem. No 2º ano, os alunos ainda
estão a apalpar o terreno. O descobrir da iden-
tidade é o que eu acho mais importante. Para os
4º e 5º anos, isso é muito mais visível, porque os
alunos já têm uma formação que permite uma
maior articulação das matérias e uma identi-
dade mais revelada, sabem o que querem fazer
e o percurso para chegar a um trabalho final é
mais fácil de se perceber, porque eles se revelam
mais. Um aluno de 5º ano tem a obrigação de
ser um jovem arquitecto.
Como sentiu a transição para o Processo de
‘Bolonha’?
O ensino de arquitectura é muito completo,
porque, de facto, temos de saber muita coisa,
de conhecer quase todo o mundo que nos
envolve para o influenciar tão pouco com o que
fazemos. Nos cinco anos de faculdade, somos
completamente injectados com informação, às
vezes sem saber muito bem como gerir esse
manancial.
O Processo de Bolonha, que é um Processo
muito complexo, uma coisa feita por burocra-
tas, é uma espécie de refundação daquilo que
foi o ensino há muitos anos, quando existam os
bacharelatos: uma formação de três anos que
permitia, no fundo, ter um ingresso perspecti-
vado daquilo que seria a profissão. Havia uma
capacidade de gestão de uma série de proble-
mas, e, posteriormente, poderia singrar numa
variedade de cursos desde que tivesse aquela
base obrigatória. Portanto, este ensino funciona
um pouco assim. Onde é que pode ser interes-
sante? Tem a possibilidade de, numa certa altura
da minha vida, eu poder dizer: “Bom, eu já fiz
três anos disto, mas não é bem aquilo que eu
quero, portanto ainda posso mudar.”
Tem um aspecto magnífico: a Europa hoje per-
mite uma imensa circulação vossa, – começar o
curso aqui, acabar acolá – o que é fantástico. Eu
acho que o nosso mundo de arquitectos fecha-
se aí. Sempre se viajou, antes de mim e no meu
tempo, pois a mobilidade faz parte da nossa for-
mação. Mas, com este processo, têm, de facto, a
possibilidade de abrir esse leque, de poder des-
cobrir o mundo, muito mais facilmente do que
no passado.
Os anos de ensino serão os melhores anos da
vossa vida, porque são os anos que vão ditar
amizades, parcerias, sensibilidades, orientações,
etc. Depois até podem vir a descobrir coisas
novas, mas são cinco anos preciosos. Ora, se
nesses cinco anos conseguirem experimentar
aquilo que este programa vos oferece, é muito
proveitoso. A vossa vida é, de facto, muito faci-
litada por este espaço europeu à vossa disposi-
ção. O programa Erasmus, em particular, põe-
vos em contacto com outras culturas, maneiras
de pensar, ensinar, outras cidades, retirando daí
muito conhecimento.
No entanto, ainda me faz alguma confusão o
ciclo semestral e todo o sistema de precedên-
cias. Por vezes, isso não permite que um aluno
evolua. A meu ver, o ciclo de um ano era um
ciclo perfeito para as coisas acontecerem, por-
que o semestre, que na realidade se resume a
quatro meses, com as entregas, consolidação de
conhecimentos, exames, etc., é manifestamente
insuficiente. Portanto, há realmente uma grande
perda de produção e de qualidade de forma-
ção, dado que o ensino tem de incorporar uma
margem de imprevisto. São esses desvios que
não são permitidos, espartilhando e tirando um
certo encanto a esta formação.
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Projecto: Concurso Instituto das Comunicações de Portugal (ICP) _Arquitecto: João Santa-Rita.
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l i v r a r i a
projectosAbriu na Faculdade de Arquitectura
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Numa disciplina como Projecto, acho que
seria muito mais vantajoso o ciclo anual: per-
mitia pegar num projecto e amadurecê-lo,
evoluindo com o aluno. Ora, como o mesmo
está 3/4 meses a desenvolver esse trabalho e
depois desaparece, o que não permite ao pro-
fessor perceber se aquele aluno, uma vez acom-
panhado até ao final, conseguiria evoluir mais.
Seria vantajoso para um aluno que tivesse
começado mal, dado que teria a oportunidade
de acabar bem. A nossa formação é de ciclo
anual, vamos para férias, que nos ajudam a ter
uma visão distanciada, e depois vimos prepara-
dos no ano seguinte para começar a sério.
O meu pai costumava dizer-me que a arquitec-
tura seria a última profissão romântica que exis-
tiria no mundo, pois, por muito excêntrico que
fosse o arquitecto, teria de estar minimamente
integrado na sociedade; saber lidar com clientes,
ir para um ateliê, interagir com engenheiros...
estabelecendo obrigatoriamente laços de amar-
ração à realidade. Concordo com ele, será a
última profissão romântica, e, infelizmente, rapi-
damente banida, também talvez um pouco por
causa do ‘Bolonha’ com todos a terem que ser
doutores mesmo que à força para não se ficar
fora do processo de ensino.
Na sua opinião, qual o ‘timing’ certo para um
licenciado em arquitectura tomar a iniciativa de
participar em concursos públicos e aperceber-
se da exigência real requerida pelo acompanha-
mento total de um projecto com tempos de
concepção e execução limitados?
Os concursos de arquitectura foram realidades
que marcaram a história da arquitectura, mas
não no sentido corrente. Hoje em dia, os con-
cursos deixaram de ser excepcionais, passaram
a ser correntes. Porquê? Porque o Homem
entendeu que tudo tem de dar acesso a todos.
Eu estou completamente em desacordo, não
porque não ache que todos têm de ter acesso
a tudo, mas porque isso é uma falácia. Num país
civilizado poder-se-ia distribuir equitativamente
o trabalho decentemente organizado. Haveria,
para além disso, concursos que seriam as tais
excepções.
Para mim, o concurso tem um outro sentido: o
confronto de ideias. Aqueles que eu acho mais
interessantes são alguns concursos internacio-
nais, em que se sabe que o aluno concorre sem
qualquer hipótese de fazer aquele trabalho, pois
não tem formação nem carteira profissional
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para o fazer, mas dá-lhe a oportunidade de con-
fronto com outros arquitectos. São concursos
que também têm a fase de construir, sendo
esta no entanto entregue a entidades mais
competentes.
Depois, há os concursos que podem perfeita-
mente ser para estudantes, porque o interes-
sante de um concurso é o entendimento de
muitas coisas que ainda não percebeu na sua
carreira académica, desde as mais teóricas, liga-
das à actividade, às mais práticas e dolorosas. É,
portanto, posto à prova com realidades muito
concretas, saindo um pouco dessa esfera da
ficção em que tudo é possível. Os concursos
obrigam a uma disciplina e a uma muito maior
gestão de tempo, que é das coisas mais difíceis
que temos na nossa profissão.
Os concursos servem essencialmente para isso,
para questionar o mundo, questionar as pes-
soas. O seu grau de risco não está em gastar
dinheiro, mas em fornecer ideias. Nós, arquitec-
tos, concorremos por dois motivos: precisamos
de trabalho e, neste momento, grande parte do
acesso ao trabalho público é só por concurso,
portanto não temos outro remédio senão con-
correr; mas também simplesmente pelo con-
curso de ideias - não se ganha nada material,
mas sim uma imensa partilha de ideias.
Aparecem agora também, por vezes, concursos
entre Universidades. Considero-os bastante
formativos, porque vos põem em contacto com
uma realidade totalmente distinta: territórios
que não conhecem, maior confronto de ideias,
aproximando-vos faseadamente à realidade da
profissão, porque há alguma distância entre
estudar e meter um pé cá fora. Conheci brilhan-
tes alunos que nunca conseguiram fazer nada e
alunos medianos que viraram grandes arquitec-
tos, porque o impacto com a realidade é uma
coisa muito diferente.
Na nossa actividade, a maturidade é muito
importante, e esta não se mede exclusivamente
pela experiência, mas principalmente pela nossa
capacidade de estruturar aquilo que queremos
fazer e de conseguirmos transmitir determi-
nadas preocupações/sensibilidades. Eu prefiro
ter um grande arquitecto que ainda não saiba
construir, do que um grande construtor que
não saiba projectar. Porque se for um grande
arquitecto, há-se saber construir, mas se for um
grande construtor poderá nunca saber projec-
tar. São hoje modos e formas muito distintas de
olhar o mundo e a realidade.
Dizem que os jovens têm de ter acesso à pro-
fissão, no entanto só existem barreiras. A vós
cabe-vos batalhar muito, dar muito pontapé e
muito soco, porque o mundo estará cada vez
mais orientado para vos criar muitos entraves.
Eu não receio a concorrência, porque acho que
valemos por aquilo que somos capazes de fazer.
Não tenho de me penalizar pelo modo como
faço o que faço, nem devo culpabilizar-me por-
que haverá quem faça muito melhor, mas tenho
obrigação de tentar sempre melhorar.
Projecto: Concurso Museu Nacional Machado de Castro _Arquitecto: João Santa-Rita.
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Um último conselho...
Que saibam bater-se pelas vossas ideias e que
estimem o vosso percurso na universidade - são
duas coisas que considero essenciais. Estes anos
de curso são preciosos.
Acho que, para o bem e para o mal, apesar de
tudo, o ensino melhorou muito. Há uma respon-
sabilidade muito diferente, ou seja, o tal roman-
tismo que mencionei anteriormente era tradu-
zido numa certa descontracção no modo de
ensinar. No entanto, isso não deixou de formar
muitas gerações e belíssimos arquitectos. As
escolas são muito mais importantes pelo que
ajudam a descobrir no aluno. A simpatia deste
pela escola e o modo como se insere na insti-
tuição é bastante importante.
Nunca devem deixar questões para colocar ao
professor - é permitido ao aluno dizer e per-
guntar muita coisa, com a responsabilidade da
coerência. No entanto, os alunos têm muita ten-
dência de medir aquilo que querem perguntar,
porque não têm a certeza. A escola deve ser
um local aberto que vos ajuda a descobrir e a
questionar o mundo, para conseguirem resolver
os problemas que vos são impostos. Isso faz-se
com um diálogo muito franco, no qual a vossa
contribuição no processo é o mais importante.
Haver alguém disposto a aprender deve ser
encarado com muito respeito, porque o aluno
é o motivo da nossa existência; e há igualmente
uma grande responsabilidade do vosso lado,
porque têm de aprender, o que requer de vós
muita exigência. É o que todos dizemos... (risos).
Na arquitectura há uma grande componente
de realização pessoal, mas também se projecta
para o bem da sociedade.
Devem encarar as dificuldades como um estí-
mulo e por mais que muitos não compreen-
dam as vossas propostas, deve sempre mover-
vos essa vontade de melhorar. Excedendo-nos,
melhoramos a sociedade.
Ana Reis e Mariana Calvete
Projecto: Estação de Metro de Cabo Ruivo _Arquitecto: João Santa-Rita.
20
www
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A Arquitectuna, Tuna da Faculdade de Arquitec-
tura da Universidade Técnica de Lisboa, nasceu
há mais de uma década e, após alguns anos de
silêncio, voltou a fazer-se ouvir há cerca de três
anos. Tal aconteceu devido à junção de um gru-
po de alunos desta faculdade, motivado por uma
enorme vontade de cantar - e encantar - mas,
principalmente, de conviver. Fomos crescendo,
encontrando cada vez mais pessoas movidas
pelos mesmos propósitos e transformámo-nos
no que hoje podemos chamar, cheios de orgul-
ho: “A Nossa Tuna”.
Quem nos viu e ouviu depois do recomeço não
poderia adivinhar que viéssemos a evoluir tanto
em tão pouco tempo, e que nos tornássemos
naquilo que somos hoje. Toda essa evolução
ad¬vém de muito esforço, muitos ensaios, e
muita força de vontade. No entanto, temos de
salientar uma pessoa a quem estamos gratos
por todo o amor e dedicação - a Mariana - que,
infelizmente, vai deixar este núcleo. Foi ela a
nossa maestrina durante esta pequena grande
viagem. Queremos, portanto, dedicar-lhe este
artigo em sinal de todo o nosso agradecimento.
A primeira actunação após o recomeço foi
aquando da recepção da Rainha da Noruega,
em Maio de 2008. Também fizemos actuações
na nave, dias depois de a rainha ter cá estado e
na recepção ao caloiro, em Setembro do mes-
mo ano. A maior surpresa veio um ano depois
da primeira actuação: a Tunística (Tuna da Fa-
culdade de Hotelaria do Estoril) convidou-nos a
participar no nosso primeiro Festival de Tunas!
Escusado será dizer que aceitámos de imediato,
porque a Arquitectuna está sempre pronta para
mostrar o que vale! É óbvio que não ganhámos
nenhum prémio, visto que participámos ao lado
de tunas com mais experiência, mas isso ainda
motivou mais a nossa vontade de crescer!
Para nós este ano lectivo começou em grande,
pois foi a primeira vez que actuámos no dia do
baptismo do caloiro, junto à fonte de Belém,
e esperamos passar a fazer desse evento uma
tradição.
Tivemos igualmente a possibilidade de actuar
na Nave, no dia cinco de Novembro. Mostrá-
mos aos nossos colegas as nossas músicas no-
vas, e, claro, algumas mais antigas para garantir
que qualquer dia já toda a gente as sabe de
cor. Passado pouco tempo, já estava o espaço
composto! Actuámos, igualmente, nesse dia, na
reprografia, bar e oficinas, oferecendo, de certo
modo, uma prendinha àqueles que sempre nos
ajudam e onde somos tão bem recebidos.
21
www
A partir desse dia, os ensaios foram intensivos
para nos prepararmos para a actuação mais
importante (ou, pelo menos, mais divertida) do
semestre - surgiu-nos a oportunidade de irmos
actuar ao Festival do Chícharo – em Novembro
- e, claro está, lá fomos nós! A actuação cor-
reu bem, apesar do elevado número de pes-
soas no recinto, o que levou a que as condições
sonoras nem sempre fossem as melhores. De
qualquer maneira, fomos muito bem acolhidos,
quer du¬rante o jantar, quer durante a noite e
só temos a agradecer a oportunidade!
Foram uma tarde e uma noite bem longas, mas
muito bem passadas, onde nos pudemos diver-
tir muito todos juntos.
Pensamos que esta foi até hoje, provavelmente,
a experiência que mais nos uniu e que permitiu
conhecermo-nos melhor - agora, já sabemos
quem gosta de dormir e quem gosta de não de-
ixar ninguém dormir, quem cai com facilidade,
quem gosta de ginginha (todos!), quem sabe
guiar, quem gosta de dançar pimba em qualquer
lugar e a qualquer hora e quem perde roupa
pelo caminho...
Isto para dizer que, acima de tudo, a Arquitec-
tuna é um grupo de amigos que têm em comum
o gosto pela música, pelo convívio e diversão!
Para acompanhares mais de perto o nosso per-
curso e as nossas “aparições” sugerimos que
visites o nosso blogue http://arquitectunafautl.
blogspot.com, ou o nosso grupo no Facebook,
onde o teu comentário ou sugestão será sem-
pre bem-vindo!
Continuaremos a cantar, e esperamos que a en-
cantar, sempre que possível. Aguardamos a tua
presença nas nossas actuações que, por nossa
vontade, serão cada vez mais!
21
Aproxima-se uma ULTRAMEGACTUNAÇÃO*,
para breve. Fiquem atentos. In your face!
*É favor procurar em vários dicionários até encontrar.
O FRANGOACONSELHA...
22
A experiência Erasmus… Aí está algo que acon-
selho a todos os estudantes, de Arquitectura
ou de outro curso. É sempre uma experi-
ência memorável: novos horizontes, nova
Universidade, nova cultura, mais próxima ou
mais afastada da nossa, uma possibilidade de
fazer amigos por toda a Europa, quiçá pelo
resto do Mundo.
O Erasmus “obriga” qualquer pessoa a desen-
volver capacidades sociais e intelectuais. A
aprendizagem é sempre obrigatória e tem como
requisitos mínimos uma abertura a diferentes
sociedades, novos costumes, novos conheci-
mentos. Mais do que enriquecer o currículo,
é uma mais-valia na integração de uma Europa
cada vez mais una, na Aldeia Global que cada vez
mais se tenta cultivar neste nosso Mundo. Claro
que é importante o sucesso escolar na facul-
dade de acolhimento, assim como na Faculdade
da Arquitectura, desta nossa UTL. Não
despre¬zando conhecimentos, e por muito que
goste de arquitectura, mesmo tendo aprendido,
desde logo, uma maneira algo diferente de ver a
Arquitectura na ETSAV, em Barcelona, a minha
maior experiência foi a nível pessoal e humano.
Através do Erasmus, em Barcelona, na Catalunha
(cuidado com a distinção entre Espanha e
Catalunha, como foi o meu caso), ou em
outro país da Europa, ou através do programa
Sócrates, na América do Sul, recomendo viva-
mente “uma ou duas colheres” de uma experi-
ência que se entende sempre melhor depois de
saboreada. Rotinas diferentes, algo sempre novo
ao virar da esquina, se bem que as esquinas em
Barcelona são capazes de ser um pouco iguais.
Um tal de Cerdá sabia o que fazia…
Mas não fiquem a pensar que Erasmus é só
festa. Uma boa parte do Erasmus passas a estu-
dar; parecendo que não, há cadeiras para fazer e
equivalências para fazer valer. E há ainda a adap-
tação a um sistema de avaliação diferente, mais
curta ou um pouco mais longa. Entranhando a
língua, é fácil. Por muito que haja para fazer, são
ainda alguns os períodos de descompressão que
compensam largamente todo o trabalho que se
vai tendo.
No meu caso, fui dando uns toques no inglês
que pudesse já estar enferrujado, aprendi cas-
telhano, fui dando uns pontapés bem valentes
no catalão. Com sorte, ainda aprendi também
um pouco de italiano e até comecei a entender
algumas palavras de romeno. Tudo isto apenas
ExperiênciaErasmus
...Barcelonapor David Castanheira
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possível no convívio constante com outros
estudantes Erasmus, na Faculdade, num jantar
ou nalguma festa.
Tanta azáfama, tanto movimento, pode pare¬cer
complicado. Contudo, posso garantir que, com
a pedalada de noitadas e “directas” que o vul-
gar estudante de arquitectura tem ao seu dis-
por num currículo deste nosso ser quase noc-
tívago, o cruzamento e a compilação de horário
é mais que possível, entre entregas de projecto
e festas Erasmus. E claro, que melhor sítio tam-
bém para aproveitar tudo isto que uma cidade
eléctrica como é Barcelona, de dia e de noite.
Desde um passeio sossegado, com umas poucas
centenas de pessoas, pela Rambla da Catalunya,
até filmar pequenos vídeos sobre instalações
feitas por uns quantos alunos Erasmus, comple-
tamente “fritos” à uma da manhã, na estação do
metropolitano de Passeio de Grácia, no centro
da cidade.
Capital da Catalunha, que muito gostava de
não ser Espanha, é claramente uma cidade
mediterrânea, verificável pela sua arquitectura,
orientada muitas vezes para a cultura das per-
sianas, para os pátios interiores, praças, e alguns
saguões que mais valia não existirem, dado
que nada ou pouco ventilam e a luz quase
não aparece. Mas agora falando um pouco de
Arquitectura, sem dizer mal… Ao pensar em
Barcelona, ocorre-nos logo, a nós estudantes de
arquitectura, e não apenas a nós em exclusivo, a
imagem de Antoni Gaudí, da Sagrada Família, da
La Pedrera, da Casa Batlló, do Parque Güell,…
mas, mesmo sendo conhecida como a capital do
Modernismo (assim apelidada a Arte Nova na
Catalunha), não são estas as únicas obras que
marcam a cidade e a paisagem. Se bem que ainda
na senda do Modernismo Catalão, não se deve
esquecer Lluís Domènech i Montaner e o seu
Palau de la Música Catalana ou o Hospital de
Sant Pau. Tratando-se de uma cidade oriunda
de uma colónia grega, e de grande importância
durante a Idade Média, deve também prestar-
se bastante atenção ao “Bairro Gótico”, centro
do que de mais cosmopolita se pode encon-
trar nesta cidade, onde por vezes é complicado
ouvir falar catalão ou castelhano, facilmente
sobrepostos por outros idiomas quer por resi-
dentes de nacionalidades o mais diversificadas
possível, quer tropeçando em turistas. Contudo,
não se pense que apenas por aqui se ouve e
assiste a esta mescla cultural e linguística, toda a
cidade é assim, e toda a cidade se alimenta disso.
Aqui é de prestar atenção à Catedral de
Barcelona e à Igreja de Santa Maria del Mar,
tendo cuidado com as imitações de gótico que
nada mais são que revivalismos românticos.
Uma passagem pelo Raval é também obrigató-
ria, basta para isso atravessar as Ramblas, tudo
na Cuitat Vella, sem nunca esquecer, junto ao
mar, a Barceloneta, originalmente um bairro de
pescadores que conta com obras, mais recentes,
de grande importância em meados do século
XX, de arquitectos como Coderch.
Do ponto de vista histórico, é importante ainda
dar um pulo a Montjuïc, onde, numa das pou-
cas áreas “montanhosas” de Barcelona, se eleva
uma fortaleza que serve de miradouro a toda
cidade, sem nunca esquecer Tibidado, na parte
24
mais alta da cidade, a “outra” montanha de
Barcelona, onde se encontra a Igreja do Sagrado
Coração que se pode ver de toda a cidade, e
não só um parque de atracções. Tirando estas
elevações na cidade, tudo o resto é plano, ou
quase, como lá dizem (definitivamente plano
se comparado com Lisboa). Nesta área mora
o L’Eixample, fruto do plano de reestruturação
urbanística da para a cidade de Barcelona, de
Cerdá, no século XIX.
Contudo, boa arquitectura em Barcelona é o
que não falta, mesmo com tantos exemplos
dis¬cutíveis e controversos, como a Torre Agbar
de Jean Nouvel, o Mercado de Santa Catarina de
Miralles, ou o peixe do Casino de Frank Gehry.
Mesmo assim, fazendo uma incursão rápida
pela cidade, posso destacar o Pavilhão Alemão
de Mies van der Rohe, ou de Josep Lluís Sert
a Fundação Miró. O Palau Sant Jordi (pavilhão
dos desportos do tempo dos jogos olímpicos
de 1992) de Arata Isozaki, a Torre de Collserola
de Norman Foster ou a Torre de Montjuïc do
Calatrava, tudo mais ou menos contemporâ-
neo. De Richard Meier o MACBA, ou o Edifício
de Jacques Herzog e Pierre de Meuron. Nunca
esquecendo arquitectos como Rafael Moneo,
e obras como o L’Auditori, ou outros nomes
catalães como Ferrater, Josep Lluís Matteo,
Carmen Pinòs ou o grupo RCR Arquitectes.
Erasmus é sempre um rodopio. Faculdade, fes-
tas, festas, faculdade. São ainda as viagens que se
podem fazer. Por outro lado, há o facto de se
estar longe da família e ir a casa pelo Natal, e
ainda mais uma entrega de projecto pelo meio.
A saudade, a distância, a proximidade. Com
sorte, dá-se um pulo a Roma, isto numa Europa
que parece tão mais próxima quando fora de
Portugal.
Se vale a pena? Claro. Como Pessoa dizia, “tudo
vale a pena, se a alma não é pequena”. É uma
experiência para a vida, mais do que um enri-
quecimento profissional!
E no final… coloca-se sempre uma questão:
voltar a Portugal ou ficar. Voltar? Ficar? Ambas
as opções, quando se está quase a terminar a
estada, a viagem, são sempre válidas, e creio
que consideradas. São sempre boas hipóteses.
Voltar, porque se volta sempre com mais coisas
na bagagem do que tinhas levado. Tem-se dificul-
dade em fechar a mala e encerrá-la no avião, no
comboio, no carro… porque, na verdade, esta
vem sempre recheada de novas experiências,
novos amigos, uma nova sociedade. Uma nova
cultura e língua inscrita no nosso íntimo.
Ficar. Porque não? Se for possível, se a carteira
permitir… creio que todo o estudante Erasmus,
se puder, considera esta perspectiva. O facto
de poder passar mais algum tempo na cidade
que o acolheu, aprendendo um pouco mais na
Universidade e, se possível, ainda mais com as
pessoas de diferentes países e culturas que por
lá vai conhecendo.
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Questionava-me sobre o que haveria de rele-
vante em Viana, quando me convidaram para
lá ir, no final do passado Dezembro. Sobre a
cidade apenas sabia que era acima do Porto, o
que significava avançar pelo escuro maciço gra-
nítico bem a Norte de Portugal, que faz dos dias
noites e das noites mais noite ainda. Inverno,
escuro, promessas de chuva. Sim, duvidava.
Antes de mais, acho que devo dizer que esta
história não vai acabar comigo a fazer as malas
para ir lá viver. De Lisboa, onde a luz até vem do
pavimento das ruas, não conto mudar-me para
uma cidade onde esta é um bem tão escasso
que vale mais que o ouro (mas não tanto
quanto o petróleo, vale a pena dizer).
Apanhei uma molha quando cheguei e outra
quando parti, mas a súmula é bastante positiva.
Uma cidade não tem culpa do clima que tem,
de maneira que me decidi a secar os olhos da
chuva e ver o sítio para além da cortina de água
e nevoeiro. Pelo que vi, nem o granito é tão
escuro quanto pensava, nem a noite tão som-
bria. E com arquitectura para ver!
Viana de Lima, Fernando Távora, Álvaro Siza,
Carrilho da Graça e quase Souto de Moura,
para além de outros exemplos da chamada
Escola do Porto.As pessoas são porreiras, casti-
ças e com o “carago” sempre pronto para pon-
tuar as conversas. Ah! E não tirem fotos dentro
dos supermercados!
Saído da castelar cidade de Viana, passei ainda
por Braga, numa tentativa de ver o estádio-
maravilha, mas também aí a chuva, a noite e os
portões fechados não o permitiram. Serviu de
consolo o costeletão de vitela que comi quando
cheguei a Barcelos nessa mesma noite, pitéu
esse que se encontra entre os vários exemplos
da boa gastronomia nortenha.
No dia seguinte, depois de uma vista de olhos
aos galos que resolveram espalhar pela cidade,
dirigi-me para o Porto, onde o Natal urbano
já se fazia perceber na quantidade de pessoas
enfeitadas com os seus sacos de compras.
Mais variedade, mais confusão, é certo, mas tam-
bém mais do ritual que é entrar e sair dos espa-
ços interiores em dias de grande frio, marcados
pelo tirar do casaco, luvas e cachecol para os
voltar a vestir, depois de tomado o café ou visi-
tado a loja.
Entre a Faculdade de Arquitectura, a Casa da
Música, a Bouça e para além dos outros sítios
visitados, formei a opinião de que no Norte
há mais Arquitectura, Design e Moda a circular
no quotidiano, em habitações unifamiliares, nas
montras e nas roupas.
Até podemos não acreditar, (e perdoem-me a
expressão em castelhano) pero que las hay las
hay.
De Amorcom Viana
por Tiago Farinha
26
O Mundo aparece
subitamente ampliado
pelas gotículas de
chuva teimosamente
coladas ao vidro.
Assim é. O céu desaba,
o dilúvio permanece.
Em estado líquido,
numa qualquer super-
fície. No vapor húmido que nos enche as nari-
nas de timidez respiratória e a alma de agitados
tremores. O Mundo ampliado, dizia. Esta janela,
interregno de uma parede sem fim, escolheu
um quadro. O quadro que se dispõe a ofere-
cer. Para quem por aqui passe distraído, poder-
se-ia supor tratar de um aleatório zoom de
uma realidade absolutamente ordinária; mas,
quem aqui se detém, entende mais além. Uma
parede de tijolo simples, de um verde marinho
agreste de frio, plena de outras lupas aquáticas
semi-luminosas, rigidamente debruadas de um
branco opressor. Vidros, sim. Mas vidros que flu-
tuam ao leve ondular de uma cortina que de
dentro se vislumbra; que vergam à estadia tem-
porária de um qualquer sujeito que daí observa
o movimento da rua; cedem carinhosos ao afago
do sol; encolhem-se hirtos à agressão grossa da
chuva; dançam ao som do tráfego. Uma singela
parede, nada mais. Alguém estende a roupa,
com o vagar de quem toma por demais cui-
dado dos seus. Meia com meia, ordenadas por
cores e tamanhos, e logo
as cuecas, do pai, da mãe,
do filho pequeno; uma hie-
rarquia que num segundo
apenas releva a estrutura
familiar do lar. Lar, será? Ou
eternamente uma marquise
de roupa exposta, repeti-
damente seguindo o ciclo
de molhada/seca? Dificilmente se imagina aqui
um alguém empreendendo outro gesto que não
este: debruçar e colher com cuidado a roupa
para então levemente a estirar numa corda. Um
nível abaixo, um rosto só ciranda com olhos
curiosos rua abaixo/rua acima. Descreve com
o olhar mais que muitas rotas. Sorri, acena,
desaparece. Ainda: uma sombra, deitada num
sofá, dorme inexpressivamente. À sua frente um
ecrã brilha de vida, correm imagens em silêncio,
falando de mundos ainda mais inacessíveis do
A Janela ou a Realidade Planificadapor Clara Antunes
27
que este quadro quase
imóvel. Existirá vida para
além deste primeiro
plano de vidros alinha-
dos, aqui e ali deixando
entrever figuras, como
se fossem performan-
ces artísticas de uma
qualquer sátira do viver
“habitualmente”?
Projectamos a realidade
em planos. Rodeamo-nos de planos, andamos
sobre planos, oferecemos planos como paisa-
gem, visual e sensorial. A nossa visão mais não
é que uma montagem tridimensional e extre-
mamente sensível de planos tornados esfera.
Uma espécie de “merge” de fotografias capta-
das individualmente, descuidando as transições.
Por isso, mesmo na descrição imediata do qua-
dro de uma janela, vemos isto: parede, janelas,
coisas. Como se fosse, à semelhança do que
fazemos quando temos disponível à interpreta-
ção mais de um plano, utilizado um processo de
selecção: compreensão das partes componen-
tes, agluti¬nação das mesmas. E, nisto, escapa-
se-nos o “in between”. O que está entre nós e
a parede, entre as janelas e o nada. Existe uma
curiosidade que se esvai à vista do que nos
parece ser comuns materiais, comuns sujeitos.
Está certo, sabemos
existirem volumes onde
se desenrolam vidas de
pessoas anónimas, mas
o nosso conhecimento
do que é o organismo
interno desse volume vai
pouco mais além da sabe-
doria comum sobre o
funcionamento do orga-
nismo humano. Dir-se-ia
serem os arquitectos e os médicos os únicos
com privilegiado acesso a existências alheias.
Mas sê-lo-á algum deles? Se o Homem tende
a planificar para então tornar volume, o arqui-
tecto tende a esquartejar e o médico a dissecar
para então fazer uma imagem de conjunto.
Seja como for, a quem o corpo inteiro, a quem
a dignidade de uma vida toda, uma vida enfim
acompanhada?
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