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ESPHERA Nº4 (Junho 2009)

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Revista portuguesa da Associação de Estudantes da Faculdade de Arquitectura -Universidade Técnica de Lisboa. Abrange assuntos sobre o Universo Académico, Arquitectura, Urbanismo, Design e Moda

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Editorial?

Antes que o Verão nos faça derivar para longe

deste miradouro no Alto da Ajuda, e que a

faculdade se torne (supostamente) deserta, a

esphera ainda tem algo a dizer, e acompanha o

fechar de mais um ciclo lectivo, sempre com a

esperança de constituir leitura de férias a alguma

pessoa com saudades destes lados.

Neste número a esphera has gone

M.A.D., passo a explicar; na mesma deixa lan-

çada pelas conferências realizadas no já pas-

sado mês de Maio, prevalece a marca M.A.D.

(M.A.D. People) também na tua revista. Moda,

Arquitectura e Design, num número especial e

ambicioso que recolheu e apresenta-vos agora

uma entrevista para cada tema – universal, e iné-

dito. Fomos falar com personalidades tão caris-

máticas como Bak Gordon, internacionais como

Manuel Lima, e interessantes como os White

Tent. Continua a formalizar-se a já referida inten-

ção de abranger todas as facetas de alunos desta

instituição, através do cruzamento de interesses

e informação num mesmo objecto de comuni-

cação. Pois é, diferentes e fascinantes áreas da

nossa faculdade: compreendam-se harmoniosa-

mente, se é que já não o fazem.

A equipa da esphera e a Associação

de Estudantes agradecem a todos aqueles que

nos deram uma hipótese e decifraram os carac-

teres desta revista, e aos que passaram a contar

com ela, exposta pelos recantos da faculdade,

até agora em datas incertas, mas com a sua meta

concluída.

Susana Ayres dos Santos

Coordenação Geral: Emanuel Moniz e Susana Ayres SantosRedacção: Clara Antunes, David Castanheira, Emanuel Moniz, Gostavo Briz, Margarida Maurício, Mariana Cruz e Susana Ayres SantosAgenda Cultural: Ana Raquel Ferrão, Luís SantosCoordenação Gráfica e Design: João Veras, Luís SantosIlustração: Lucas Armendani BarbosaBanda Desenhada: Carlos PáscoaCoordenação de Publicidade: Emanuel MonizConvidados especiais: Experimenta Design, Ricardo Bak Gordon, Manuel Lima e White TentImpressão: DOSSIER Comunicação e Imagem LdaTiragem: 3000Distribuição: AEFA-UTLApoios:

Propriedade da Associação de Estudantes da Faculdade de Arquitectura de Lisboa

Mandato 2008 - 2009“Retrospectivas de mais um ano”

Experimenta Design 2009

Manuel Lima“Visualização da informação na era da interconectividade global”

White Tent“Processo e Intenção”

Ricardo Bak Gordon“Aprendizagem, Ensino, Projecto”

Banda Desenhada“A Tempestade”

Papel, Arquitecto, Cidade

A Força De Não Ter Força

Índice2

4

6

9

10

20

26

28

Page 4: ESPHERA Nº4 (Junho 2009)

2

Retrospectivas de mais um

ano...

Assim se passou um ano de mandato, pode-

se dizer cheio de actividades e iniciativas. Foi

um ano em que a AEFA-UTL se manteve pre-

sente na vida estudantil, apoiando os que mais

necessitavam.

Para os que mais tempo dedicaram a esta vida

de associativismo, foi sem dúvida um ano que

passou a voar. Acabámos por aprender muito,

conhecer muito e é sem dúvida uma experi-

ência que mais do que enriquecedora, espera-

mos que tenha sido útil para todos aqueles que

representámos.

A equipa reunida acabou por ser bastante dife-

rente da equipa reunida no mandato anterior,

apesar de ser vontade nossa seguir uma linha de

acção idêntica àquela que vinha sendo desenvol-

vida nas anteriores três direcções.

Esta tarefa não foi de todo simplificada, já que

desde cedo sentimos dificuldades em acompa-

nhar o elevado ritmo com que nos deparámos.

A acrescentar a tudo isto, a falta de dedicação

de alguns membros, acabou por dificultar a

vida ainda mais. Conscientes de algumas falhas,

foram sem dúvida 12 meses em que tentámos

estar acima da nossa capacidade, e que no

fundo nos deixa a sensação de dever cumprido.

O trabalho desenvolvido é meritório e, espera-

mos que a próxima direcção continue a desen-

volver o projecto que fomos criando, e que

torne esta uma Associação vital para o meio

estudantil da nossa Faculdade.

Falando um pouco mais especificamente de

actividades, aquela que foi mais complexa para

a presidência foi a Chillout Session 03. Festival

que já é uma marca em Lisboa e, que até nou-

tras cidades do pais já começa a ser conhecida.

Foi uma iniciativa que exigiu de todos os mem-

bros uma dedicação incrível, e que só se conse-

gui concretizar com a ajuda de muitos outros

alunos que alem de boa vontade e entreajuda

nada tinham a ver com a nossa Associação. Para

todos esses um obrigado especial pela ajuda

prestado em todo o projecto.

Referir apenas mais duas iniciativas: as

Conferências MAD PEOPLE e a Esphera. Se a

Esphera já era um órgão de imprensa estudan-

til aclamado dentro da FA-UTL, vimos na sua

1ª edição deste mandato elevar-se a um nível

diferente do até agora apresentado. Sofreu uma

renovação de imagem, uma paginação mais cui-

dada, e uma impressão a condizer. As confe-

rências, novamente uma iniciativa que decorre

do anterior mandato, foram organizadas com

nomes da praça pública, nas 3 áreas científicas

da nossa casa, de forma a ninguém ficar esque-

cido, atingindo-se assim uma globalidade na for-

mação extracurricular dada pela AEFA-UTL.

Mencionando os números, o mandato chega

ao fim com um total de aproximadamente 400

sócios, que beneficiaram de um conjunto de

vantagens que a nossa direcção e as anteriores

procuraram dar a todos.

Para terminar dizer apenas que foi uma expe-

riência magnífica acompanhar este grupo de

amigos num caminho nem sempre fácil, tendo

sempre em mente a vontade dos estudantes e

as necessidades dos mesmos.

por Emanuel Moniz

Mandato 2008/2009

Espaço MainElectro_Chillout Session 03

MAU Live_Chillout Session 03

Page 5: ESPHERA Nº4 (Junho 2009)

3

3D & VFX

Animation

Concept Art & Storyboarding

Games

Motion Graphics & Post Production

Video

Web

Writing

Rua de São Paulo 121, 1200-427 Lisboat. + 00351 213 465 155 f. + 00351 213 463

Em grupos que não ultrapassam os dez alunos, cada curso fornece o domínio total dos métodos e técnicas usados na indústria em cada fase e em cada área de desenvolvimento de projectos reais. A Odd School está em diálogo constante com a indústria e propõe-se ajudar os alunos a seguir o seu caminho “pós-formação”: todos os alunos são orientados individualmente para as especializações mais adequadas à sua vocação e os melhores terminam a formação com o apoio real da escola para a sua integração no mercado de trabalho. A Odd School apoia os alunos no desenvolvimento dos seus próprios projectos.

odd-school.com

anuncioA4.indd 1 03-06-2009 19:02:33

Espaço MainElectro_Chillout Session 03

MAU Live_Chillout Session 03

Page 6: ESPHERA Nº4 (Junho 2009)

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ExperimentaDesign09 Setembro — 08 Novembro 2009

(Semana Inaugural 09.09.09 — 13.09.09)

A Bienal de Design, Arquitectura e Criatividade

promete uma vez mais agitar Lisboa com um

programa excitante e multidisciplinar. Sob

a égide de ‘It’s About Time’, a EXD’09 pro-

põe uma análise do tempo enquanto matéria,

recurso e desafio: tempo para agir, tempo para

colaborar, tempo para reflectir.

It’s About Time...

Como é que pensamos o tempo hoje em dia?

Com a constante aceleração da vida contempo-

rânea e a globalização, a comunicação acontece

em tempo real, as decisões são instantâneas e a

resolução de problemas resume-se a improvisos

de última hora, em vez de soluções sustentá-

veis. Num mundo à beira do colapso ambiental e

financeiro, existe uma necessidade premente de

agir. Mas será que pensamos antes de agir? Está

na hora de concentrar esforços numa reflexão

madura e numa estratégia de mudança consis-

tente. It’s About Time.

A ExperimentaDesign propõe traduzir o duplo

sentido do tema de 2009 num programa que

reflecte sobre o papel do tempo no design.

Assim, lança-se um olhar sobre os múltiplos

impactos do tempo nas disciplinas criativas e o

modo como estas podem, por seu turno, con-

tribuir para a formulação de novas noções de

tempo e urgência. Como podem os criadores

contemporâneos reconciliar a velocidade do

nosso quotidiano com a necessidade de refle-

xão? É possível desenvolver um conceito de

“design baseado no tempo”? Os processos

sociais têm vindo a conquistar uma posição pre-

ponderante no desenvolvimento de produtos

e soluções, em áreas tão distintas quanto pes-

quisa e investigação, open source e produção em

regime comunitário. As ideias chave desta pro-

blemática estão intimamente ligadas às questões

de tempo e urgência: improvisação, networking,

partilha e desenvolvimento paralelo. Está na

hora. É tempo.

Participa!

A EXD’09 desafia-te a envolveres-te neste

programa que apela ao espírito crítico e à

participação.

De 9 a 13 de Setembro, não percas o calen-

dário de eventos da Semana Inaugural: nas

Conferências de Lisboa, conhece as perspecti-

vas únicas de figuras de destaque da produção

cultural contemporânea; nas Open Talks junta-

te a um painel de especialistas internacionais

em animados debates temáticos e assiste ainda

às inaugurações das Exposições, Projectos

Especiais e Tangenciais ao longo de 5 dias de

intensa programação.

A partir de 14 de Setembro e até ao encer-

ramento da Bienal, participa também nos

workshops, debates e visitas guiadas às expo-

sições nucleares:

Quick, Quick, Slow: Esta exposição propõe

uma história alternativa do design gráfico na

relação com o tempo e noções de movimento,

aceleração e progressão. Desde as experiências

tipográficas modernistas passando pelo design

dinâmico dos anos 50, as mudanças filosóficas

radicais do final da década de 60 e os avanços

tecnológicos dos anos 90, traça um percurso

até à actualidade e a crescente importância dos

meios digitais no design gráfico.

Álvaro Siza Vieira _Fotografia: Schwarzlose / Lund.

Page 7: ESPHERA Nº4 (Junho 2009)

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Pace of Design: Com base na observação

directa do quotidiano de 7 estúdios de design

internacionais, Pace of Design acompanha o

desenvolvimento criativo, ritmos e estágios de

trabalho, numa reflexão sobre os efeitos dos

contextos culturais na definição de diferentes

utilizações, apreciações e representações do

tempo.

Lapse in Time: Num olhar crítico sobre a lógica

de produção actual, Lapse in Time protagoniza

o trabalho desafiador de jovens designers que se

situam no extremo oposto da tendência refém

do imperativo ‘tempo é dinheiro’. Testando os

limites da elasticidade criativa na vanguarda da

inovação, o seu trabalho aspira a uma mudança

de paradigma, também ele temporal.

Timeless: Como transformar “menos” em

“melhor”? A EXD lançou o repto a um conjunto

de países e às suas comunidades criativas. O

resultado é Timeless, um showcase experimen-

tal que propõe novas ideias, conceitos e estraté-

gias. Materiais e imateriais, estes artefactos para

o século XXI deverão implicar menos recursos,

sistemas de produção menos complexos e for-

mas de distribuição mais simples.

Envolve-te!

A EXD’09 procura voluntários para integrar a

equipa de colaboradores da Bienal:

> Assistentes de montagem

> Assistentes de exposição

> Monitores de visita guiada

Envia o teu C.V. para visitas@experimentade-

sign.pt até dia 30 de Junho.

Para mais informações sobre a Bienal, oportu-

nidades de workshops, debates e visitas guiadas

subsreve a newsletter EXD em:

www.experimentadesign.pt.

Acompanha também o desenvolvimento do

programa na pataforma de diálogo online:

www.experimentadesign.pt/2009/blog

Conteúdos cedidos pela EXD’09

Projecto: Come to my Place _Artista: Maxim Velcovsky_Fotografia: Edo Kuijpers.

Projecto: Harjukulma Apartment Building _Arquitecto: Peter Zumthor_Fotografia: Markus Tretter.

Projecto: Louging Space in Press & Conference Centre _Fotografia: Schwarzlose / Lund.

Page 8: ESPHERA Nº4 (Junho 2009)

6

Com a vontade de fazer o melhor pela vida,

Manuel Lima não se deteve pela conclusão da

sua Licenciatura em Arquitectura do Design

(hoje Licenciatura em Design) da Faculdade

de Arquitectura da UTL. Esta foi apenas a pri-

meira etapa do seu rico percurso académico,

sendo hoje investigador e o co-fundador da

VisualComplexity.com. Recentemente voltou

à casa que o formou para apresentar o seu

trabalho (apresentação disponível em http://

www.slideshare.net/manulima/vc-portugal-

may-2009-1435702), mostrando-nos que

cabe a cada estudante construir o seu percurso

a partir da sua formação, a qual é, afinal, apenas

uma preparação para se continuar a aprender. A

revista de publicidade e design Creativity colo-

cou-o entre as 50 “cabeças mais influentes e

criativas de 2009”, e nós quisemos saber como

fala quem torna a informação de elevada com-

plexidade e extensão legível através da imagem.

Na área da Visualização de Informação,

o design é tido como uma ferramenta ou

um produto final?

A Visualização de Informação é essencialmente

uma ferramenta de tradução. O seu principal

objectivo é a conversão de dados incongruentes

em informação relevante, e finalmente em

conhecimento.

Tal como um game designer que concebe um

jogo, com um contexto e regras específicas que

são posteriormente moldadas pelo jogador,

assim é todo o designer que, após o lançamento

do produto final, perde qualquer controlo

sobre o mesmo. Ao designer compete criar as

aptidões necessárias para que esta moldagem

aconteça (pois acontecerá invariavelmente)

atribuindo ao objecto a devida flexibilidade. No

caso da Visualização de Informação isto traduz-

se na criação de uma ferramenta maleável que

permita ao utilizador final controlar, filtrar, e

modificar a visualização em função da resposta

ou padrão de informação pretendido.

Em relação ao culto excessivo da forma é

importante lembrar que qualquer projecto de

Visualização de Informação deve ser funcional,

no sentido de promover um melhor enten-

dimento do tema ou sistema representado.

Alguns destes projectos poderão revelar uma

qualidade estética impressionante, que poderá

inclusive ser considerada arte, mas esta quali-

dade “artística” deverá ocorrer como conse-

quência, nunca como objectivo central da exe-

cução. Há que ter alguma cautela, não glorificar

em demasia este resultado pois pode conduzir a

uma fixação pela beleza superficial em substitui-

ção da função informativa. Hoje é relativamente

fácil para alguém com experiência em progra-

mação criar uma visualização extremamente

rica e deslumbrante. Mas este não pode ser o

último aspecto a ser avaliado.

Determinado o fenómeno a ser traba-

lhado, como se processa o acto de pro-

jectar? O que é que o condiciona?

A maioria dos projectos de Visualização de

Informação começa com uma pergunta ou um

desejo de averiguação. Será que a taxa de obe-

sidade está associada aos países ricos? Como

se propaga globalmente um vírus informático?

Qual a zona de Portugal que mais consome

café? Depois da especulação inicial há que saber

se existem os dados necessários para uma res-

posta adequada. Após a recolha dos dados,

surge um processo de filtragem, ordenamento

e “limpeza” dos mesmos, o que, dependendo

do formato em que se encontram, pode revelar-

se uma tarefa bastante árdua. Finalmente chega

a fase de escolha do modelo (ou modelos) de

representação visual e das técnicas interactivas

mais apropriadas, tendo em vista a questão ini-

cial e a consequente exploração do utilizador

final.

Sendo esta uma área recente em desen-

volvimento, com uma forte componente

de inovação, pode dizer-se que haja

algum tipo de público-alvo definido pela

faixa etária ou é legível e acessível para

qualquer pessoa?

As ditas novas tecnologias não pertencem a

nenhuma geração em particular, pertencem a

todos nós sem excepção. Não podemos con-

fundir a destreza tecnológica com o benefício

da tecnologia. A Visualização de Informação é

uma área bastante recente que apenas agora

começou a cortar o seu cordão umbilical com

a área académica, e se porventura ainda não

conseguiu tornar-se mais acessível e legível, é

por defeito dos seus principais intervenientes.

Esta é uma disciplina do presente, que pretende

resolver um sem-número de desafios actuais,

MANUEL LIMA

Fala-nos de

“Visualização da Informação na era

da interconectividade global”

Page 9: ESPHERA Nº4 (Junho 2009)

7

não cenários futuros. Tornar-se-á cada vez mais

uma técnica operativa actual com o natural

amadurecimento da disciplina, com a manifes-

tação de um saber sustentado e formas de ava-

liação eficazes.

Há algum trabalho que considere em

posição de destaque e que queira men-

cionar a título de exemplo?

É sempre muito complicado seleccionar um

projecto entre mais de 600, particularmente

por cobrirem uma grande multiplicidade de

temas desde redes de influência política a redes

neuronais. Contudo, posso mencionar um pro-

jecto que foi recentemente adicionado à lista

e que teve como objectivo desvendar o local

mais remoto do planeta. Os autores sobrepuse-

ram mais de 10 mapas distintos, representando

diferentes aspectos, como altitude, redes de

comboio, redes de comunicação, estradas, rios

navegáveis, rotas marítimas, condições do ter-

reno, entre outros, com vista a calcular quanto

tempo leva em média qualquer pessoa a che-

gar à cidade mais próxima de 50,000 ou mais

habitantes. Os resultados da visualização foram

surpreendentes. Apenas 9% do planeta fica a

mais de 48 horas de caminho térreo da cidade

mais próxima, o que anula algumas das suposi-

ções que podemos ter quando à existência de

enormes regiões intactas e isoladas. Quanto ao

título de local mais remoto, este pertence ao

planalto tibetano. Desta área até às cidades de

Lassa ou Korla são sensivelmente três semanas

de viagem – vinte dias a pé e um dia de carro.

Disse, na conferência dada na FAL, que

a sua biblioteca tinha “tudo menos livros

de design”; esta postura está mais pró-

xima da interdisciplinaridade que este

campo específico permite ou de uma

abordagem individual e própria?

Sem dúvida que por ser uma disciplina nova a

Visualização de Informação serve-se de inúme-

ras áreas de conhecimento para suportar a sua

actividade, entre as quais Human-Computer

Interaction (HCI), Engenharia Informática,

Design Gráfico, Design de Interacção e

Psicologia Cognitiva. Mas a diversidade da minha

biblioteca deve-se essencialmente ao meu inte-

resse pessoal por diferentes assuntos, que vão

desde a Genética, à Arqueologia, passando pela

Cartografia, Evolução, Sociologia, Matemática,

Emergência, e muitos outros. Aliado ao meu

interesse pela Visualização de Informação está

ainda a minha profunda atracção pelo fenó-

meno das redes complexas. E talvez tenha sido

pelo facto da topologia em rede ser verdadeira-

mente omnipresente, tanto em sistemas natu-

rais como artificiais, que acabei por me envol-

ver nesta área, de modo a poder explorar uma

visão pluralista do mundo que nos rodeia.

O seu percurso pessoal é consequência

somente da sua maneira de ser e estar,

ou isto vem acoplado a alguma circuns-

tância que o despertou para esta via, em

determinado momento da sua formação

profissional?

Houve um momento de reviravolta impor-

tante que ocorreu aquando do meu mestrado

na Parsons School of Design, ao deparar-me

com inúmeras disciplinas e correntes de pen-

samento desconhecidas, uma infindável fonte

de novo saber. Foi ao mesmo tempo uma con-

dição necessária, pois procurava uma área de

conhecimento que verdadeiramente me inte-

ressasse e motivasse a descobrir mais. Abraçar

vários domínios e abrir diferentes portas foi o

melhor método para despoletar este interesse

pela Visualização de Informação, e em particular

pela visualização de redes complexas. Mas terá

sido a constante curiosidade o principal fio con-

dutor neste percurso.

Autoria e Redacção:

Margarida Maurício e Mariana Cruz

Projecto: High Definition Map of Science _Autor: Johan Bollen.

Page 10: ESPHERA Nº4 (Junho 2009)

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ExperimentaDesign09 Setembro — 08 Novembro 2009

Projecto financiado com o apoio da Comissão Europeia.A informação contida nesta comunicação vincula exclusivamente o autor, não sendo a Comissão responsável pela utilização que dela possa ser feita.

Com o Alto Patrocínio de Sua Excelência o Presidente da República Professor Doutor Aníbal Cavaco Silva.Estatuto de Interesse Cultural no âmbito da Lei do Mecenato.m

arca

asso

ciad

a

med

iafr

iend

s

Étapes; Time Out; Intramuros;Mark; Frame; Icon

ATL - Associação de Turismo de Lisboa; Cision; Instituto Português da Juventude;JCDecaux; Mota-Engil Solidáriaap

oiosMuseu do Design

e da Moda; Ordem dos Arquitectospr

otoc

olos

de

coop

eraç

ão

patr

oci-

nado

res

mar

caas

soci

ada

específic

a

co-

prod

uçõe

s

BBDO Portugal; British Council;Cinemateca Portuguesa; Fundação Calouste Gulbenkian (Lisboa, Londres);Museu Colecção Berardo; The Royal Society for the Encouragement of Arts, Manufactures and Commerce; Seven Art Limitedm

edia

part

ners Expresso; Casa Cláudia;

Courrier Internacional; Visão; Vida & Viagens; Arquitectura & Construção

parc

eiro

s in

stit

ucio

nais

patr

ocin

ador

oficial

EXD’09 / LISBOA-------------------------------------------------------BIENAL DE DESIGN, ARQUITECTURAE CRIATIVIDADE CONTEMPORÂNEA-------------------------------------------------------Tempo significa?...

Experience designDecisões instantâneasRedes sociaisTGVEfeitos imediatosLiveFeedWiFiComunicação em tempo realTwitter / Facebook / Hi5Low CostComunidades virtuaisFast forwardSpeed datingQuick timeSlow downMultitaskingMenosShuffleADSLMaisDownloadPodcastHDMMS-------------------------------------------------------It’s About Time...

Reflecte sobre o tempo enquanto recurso,matéria e desafio no design e na produção criativa.

Urgência, globalização, sustentabilidade, networking – os impactos do tempoatravessam a sociedade e a cultura contemporânea.

A EXD’09 discute, propõe, questiona,cruza perspectivas e antecipa caminhos.

It’s About Time.-------------------------------------------------------Exposições-------------------------------------------------------Grandes Conferências -------------------------------------------------------Debates Temáticos-------------------------------------------------------Ciclo de Cinema Experimental-------------------------------------------------------Intervenções Urbanas Transversais-------------------------------------------------------Laboratórios Criativos-------------------------------------------------------Showcases Experimentais-------------------------------------------------------Lounging Space-------------------------------------------------------Tangenciais-------------------------------------------------------Serviço Educativo

Visitas guiadas e workshopsItinerários e visitas orientadaspor [email protected]

procuram-se voluntários!

montagem - exposições - visitas guiadas

www.experimentadesign.pt

Page 11: ESPHERA Nº4 (Junho 2009)

ExperimentaDesign09 Setembro — 08 Novembro 2009

Projecto financiado com o apoio da Comissão Europeia.A informação contida nesta comunicação vincula exclusivamente o autor, não sendo a Comissão responsável pela utilização que dela possa ser feita.

Com o Alto Patrocínio de Sua Excelência o Presidente da República Professor Doutor Aníbal Cavaco Silva.Estatuto de Interesse Cultural no âmbito da Lei do Mecenato.m

arca

asso

ciad

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Étapes; Time Out; Intramuros;Mark; Frame; Icon

ATL - Associação de Turismo de Lisboa; Cision; Instituto Português da Juventude;JCDecaux; Mota-Engil Solidáriaap

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e da Moda; Ordem dos Arquitectospr

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BBDO Portugal; British Council;Cinemateca Portuguesa; Fundação Calouste Gulbenkian (Lisboa, Londres);Museu Colecção Berardo; The Royal Society for the Encouragement of Arts, Manufactures and Commerce; Seven Art Limitedm

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Courrier Internacional; Visão; Vida & Viagens; Arquitectura & Construção

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oficial

EXD’09 / LISBOA-------------------------------------------------------BIENAL DE DESIGN, ARQUITECTURAE CRIATIVIDADE CONTEMPORÂNEA-------------------------------------------------------Tempo significa?...

Experience designDecisões instantâneasRedes sociaisTGVEfeitos imediatosLiveFeedWiFiComunicação em tempo realTwitter / Facebook / Hi5Low CostComunidades virtuaisFast forwardSpeed datingQuick timeSlow downMultitaskingMenosShuffleADSLMaisDownloadPodcastHDMMS-------------------------------------------------------It’s About Time...

Reflecte sobre o tempo enquanto recurso,matéria e desafio no design e na produção criativa.

Urgência, globalização, sustentabilidade, networking – os impactos do tempoatravessam a sociedade e a cultura contemporânea.

A EXD’09 discute, propõe, questiona,cruza perspectivas e antecipa caminhos.

It’s About Time.-------------------------------------------------------Exposições-------------------------------------------------------Grandes Conferências -------------------------------------------------------Debates Temáticos-------------------------------------------------------Ciclo de Cinema Experimental-------------------------------------------------------Intervenções Urbanas Transversais-------------------------------------------------------Laboratórios Criativos-------------------------------------------------------Showcases Experimentais-------------------------------------------------------Lounging Space-------------------------------------------------------Tangenciais-------------------------------------------------------Serviço Educativo

Visitas guiadas e workshopsItinerários e visitas orientadaspor [email protected]

procuram-se voluntários!

montagem - exposições - visitas guiadas

www.experimentadesign.pt

White TentDar corpo a

“Processo e Intenção”

Evgenia Tabakova e Pedro Noronha-Feio for-

mam o colectivo de design White Tent. De

origem Russa e Portuguesa, licenciaram-se em

Central Saint Martin´s e no London College

of Fashion, respectivamente. Realizaram vários

estágios e trabalharam para designers como

Alexander McQueen, Lidija Kolovrat, Globe e

Matthew Williamson.

Em Abril de 2007, apresentaram a primeira

colecção de Outono/Inverno 07/08 no evento

Circuit Portugal. Integram o calendário da

ModaLisboa desde Outubro de 2007.

Que mensagens ou emoções pretendem

transmitir com o vosso trabalho?

O nosso trabalho (enquanto marca de autor)

reflecte a nossa estética pessoal e os nossos

interesses enquanto designers. A nossa lingua-

gem é o produto de uma serie de desenvolvi-

mentos, e de evolução de conceito/s aliado a

uma abordagem muito pessoal. O que nós pre-

tendemos é permitir que pessoas que se iden-

tificam com o nosso trabalho, possam utilizar

a nossa roupa para expressar o que quiserem.

Pretendemos que a nossa roupa seja um veiculo

de expressão para o utilizador, e não a sobrepo-

sição da peça ao seu utilizador.

O que consideram mais importante: o

processo ou o produto?

Consideramos que são ambos importantes.

No nosso trabalho talvez valorizemos mais o

processo. Pois acreditamos que quanto mais

rico e exaustivo for o processo, melhor será

o resultado. No entanto esta abordagem está

relacionada com o nosso tipo de projecto. Em

outras tipologias de projectos, um briefing

especifico pode levar a diferentes abordagens,

que sejam mais adequadas e que respondam

melhor ao que será em ultimo caso esperado

de um producto especifico. Acreditamos em

todo caso que quanto mais informado e atento

for um designer, melhor desenvolverá qualquer

tipo de projecto. Informação e referencias são

importantissimas.

Alguma vez o vosso trabalho foi influen-

ciado ou repensado em consequência

de reacções positivas ou negativas do

público?

Num sentido criativo, não. No entanto valoriza-

mos muito a critica construtiva ( quer esta seja

positiva ou negativa).

Qual é a vossa peça favorita de todas as

que já conceberam, e porquê?

Julgo não termos uma peça favorita, mas sim

um conjunto de peças que sentimos que reflec-

tem exactamente aquilo em que trabalhámos

em determinada altura. Por exemplo, na ultima

colecção gostamos imenso das malhas tricota-

das, assim como na colecção de PV09 gostamos

das peças cortadas a laser (camuflados).

Quais as lições mais importantes que já

aprenderam desde que trabalham nesta

área?

Que são necessários muito trabalho, dedicação

e persistencia para se atingir os nossos objecti-

vos. A valorização das opiniões de todos os que

nos rodeiam, e a encarar os nossos sucessos

com humildade.

Autoria e Redacção: Marta Cruz Lemos

9

Page 12: ESPHERA Nº4 (Junho 2009)

10

RicardoBak Gordon

sobre

“Aprendizagem, Ensino, Projecto”

No âmbito do ciclo de conferências MAD

People, organizadas pela Associação de

Estudantes, recebemos no dia 7 de Maio o

arquitecto Ricardo Bak Gordon, que muito gen-

tilmente nos cedeu este espaço de conversa.

Graduado em 1990, depois de um percurso

académico muitíssimo heterogéneo, abre, no

mesmo ano, o atelier Vilela&Gordon, em con-

junto com Carlos Vilela Lúcio. Da colabora-

ção com este arquitecto nasce o projecto para

a Residência da Embaixada de Portugal em

Brasília, em 1995, primeiro prémio em com-

petição internacional e momento de projecção

definitiva de Bak Gordon. No seu currículo

contam-se diversas obras premiadas e incontá-

veis explorações em torno do tema da habita-

ção. Gere, desde o ano 2000, o seu próprio

atelier, Bak Gordon Arquitectos, e contribui

na vertente do ensino enquanto professor da

cadeira de projecto na Universidade Lusíada de

Lisboa e na Escola Superior Artística do Porto,

participando inclusivamente em múltiplos semi-

nários de arquitectura internacionais.

Propusemo-nos aqui explorar o que é o per-

curso de um arquitecto ainda jovem, na

perspectiva da partilha de experiências para

enriquecimento pragmático da nossa relação,

enquanto estudantes, com a prática de pro-

jecto. Começámos nos seus basilares contactos

com a matéria que manipula, expondo algumas

das que são as reflexões implícitas à prática da

disciplina, para passar aos momentos chave de

confronto com o impacto público da sua obra.

Sabemos que, ao longo do seu percurso

académico passou pela Faculdade de

Arquitectura do Porto, Faculdade de

Arquitectura de Lisboa e pelo Instituto

Politécnico de Milão; lugares onde teve

oportunidade de experimentar diferen-

tes metodologias de ensino. Que mais

valia lhe trouxe esta diversidade de abor-

dagens e que semelhanças e/ou diferen-

ças encontra entre as diferentes Escolas?

Primeiro que tudo é preciso compreender que

isto se passava entre 1985 e 1990. Portanto a

relação que tu tinhas com as escolas e que as

escolas tinham com os lugares eram muito dife-

rentes. Essa diferença tinha basicamente a ver

com comunicação. Tu hoje estás online e, por-

tanto, acaba por haver um conhecimento, uma

formação e um sentido autodidacta do aluno

ao longo da sua aprendizagem que se mistura

muito com a especificidade de cada escola. E

naquele tempo estar numa escola correspondia

a um ensinamento muito particular. E a escola

do Porto era, talvez, destas três escolas, a única

que se poderia dizer que era um Escola, porque

tinha um sentido muito claro de aprendizagem.

Assentava em várias coisas, uma delas no dese-

nho, que é um tema que ainda hoje para mim

tem significado, o desenho como possibilidade

de investigação em arquitectura. Ou seja, tu

viajares pelos teus pensamentos arquitectóni-

cos através do desenho, o teu braço ser uma

espécie de ligação directa ao teu pensamento.

Eu vejo isso nos meus alunos. Quando as pes-

soas têm dificuldade em desenhar, têm dificul-

dade em investigar o trabalho e têm dificuldade

em viajar por dentro e por fora das suas ideias

e, portanto, automaticamente se limitam. E o

Porto investia muito no desenho como lingua-

gem absoluta da investigação, ou seja, se quises-

ses ir para a Alemanha tu tinhas de aprender a

falar alemão, se quisesses ser arquitecto tinhas

de aprender a desenhar. Esse curso intensivo de

desenho criava uma atmosfera incrível nas pes-

soas e fazia com que as pessoas desenhassem

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11

pela cidade fora quase 24 horas por dia e isso

era uma experiência muito rica. Depois foi tam-

bém a minha primeira saída de Lisboa, porque

eu nasci em Lisboa e portanto foi a primeira

vez que saí de casa. E essa experiência de ir

para fora, estudar para a faculdade, conhecer

novas pessoas, novos lugares pela primeira vez

é uma experiência muito rica e que não pode

ser posta de parte daquilo que é só a escola.

Porque na nossa vida, a nossa formação, depois

direccionada para o nosso trabalho, neste caso

para a arquitectura, não pode ser separada das

outras coisas que te vão acontecendo no teu

dia-a-dia e que vão ter repercussão no teu tra-

balho e na tua aprendizagem. Por outro lado

havia o sentido de uma vida quase familiar da

escola do Porto, que era muito íntima, e que

gerava uma grande aproximação aos colegas e

professores.

Na escola de Lisboa, pelo contrário, havia uma

atmosfera muito mais independente, muito

mais dependente de cada professor, do que pro-

priamente do sentido académico de Escola que

havia no Porto. Portanto dir-se-ia que tu esta-

vas um bocadinho mais por tua conta e risco,

eras mais autodidacta, ainda no sentido de teres

que percorrer o teu caminho porque esse cami-

nho não estava em cima da mesa como estava

no Porto. Por outro lado, esse período tinha a

ver um pouco com o Pós-Modernismo. Imagina

passares da escola do Porto; aliás a Escola

Branca, tinha acabado de sair uma publicação

que se chamava As Páginas Brancas, portanto

a figura tutelar do arquitecto Álvaro Siza e uma

certa linguagem e metodologia de projecto que

se expressava com grande clareza em todos os

professores, e depois chegas a Lisboa durante o

Pós-Modernismo, numa altura que o arquitecto

Tomás Taveira liderava a escola.

Finalmente a escola em Itália, o Politécnico de

Milão. Foi um momento ainda mais raro por-

que correspondeu ao primeiro ano em que

houve trocas de Erasmus. Erasmus que, para

mim, continua a ser uma das coisas mais incrí-

veis, mais mágicas e mais obrigatórias que todos

vocês devem efectivamente fazer. Devem lutar

para ir para Erasmus. Porque vos permite de

um dia para o outro uma descoberta absoluta

e aí não há comunicação digital ou virtual que

possa competir com aquilo que é tu seres colo-

cado noutra cidade, noutro país, noutro lugar

com pessoas de outras origens e culturas e ao

mesmo tempo. Neste caso em Milão, a 3 horas

de quatro ou cinco países, vi-me colocado numa

centralidade por onde passavam naquela época

todos os conferencistas, quando aqui rara-

mente havia conferências de Arquitectura.

Portanto todas elas, muito diferentes, forma-

ram o meu pensamento, ou foram ajudando a

formar o meu pensamento sobre os lugares,

sobre as pessoas, sobre as relações. E curiosa-

mente sou capaz de dizer que não saberei afir-

mar qual foi melhor, porque todas elas tiveram

virtudes.

Falando agora desta linguagem arquitec-

tónica tão vincada e assertiva da Escola

do Porto, que todos conhecemos e sabe-

mos identificar, perguntava-lhe qual será

a sua prestação, enquanto professor, no

sentido de condicionar a liberdade cria-

tiva do aluno estilística ou formalmente,

e de que forma isso é ou não vantajoso.

Eu dou aulas há bastantes anos. Dou aulas, julgo

eu, desde 1997. Já lá vão doze anos. E para mim

nunca esteve em causa linguagem ou viagem

e direcção estética ou formal, até porque não

acredito nisso. A mim o que me interessa é que

haja um pensamento claro, um conceito que

seja perseguido no pensamento de projecto e,

portanto, tem que haver uma razão para que

as coisas aconteçam. A forma não é uma razão

suficiente. Para mim a forma é uma consequên-

cia do teu pensamento, como são outras coi-

sas, como é a função, a tensão matérica, o sis-

tema construtivo. Ou seja, a liberdade que eu

dou aos meus alunos é total, desde que eles se

esforcem para pôr de pé um pensamento arqui-

tectónico que seja uma matriz passível de ser

perseguida. Isto é, tu tens que ter um conceito,

uma ideia para o teu trabalho e, portanto, essa

ideia tem que ser clara. Não é claro o resultado

do teu projecto, mas é clara a ideia, a força da

ideia. Tu queres seguir uma investigação por-

que encontras razões para essa investigação.

O que eu acho que um professor de projecto

deve fazer é conduzir processos de investiga-

ção. Naturalmente aconselhar, naturalmente

ajudar a procurar mais intensamente um deter-

minado caminho. Mas nunca tive a necessidade

de restringir os resultados dessa investigação.

E eu sou muito exigente no sentido de pedir e

garantir que as pessoas têm, de facto, uma ideia

que possa ser perseguida e não estão apenas a

divagar sobre a forma, sobre o desenho, sobre

a escala. Se tiveres um conceito tens a hipótese

de ter um projecto.

Falou-se na conferência da importância

de um carácter auto didacta na aprendi-

zagem e da importância da motivação e

incentivo pessoal, temas cuja exploração

está, aliás, prevista no plano de Bolonha.

Qual será, num mundo que caminha para

o auto-centrismo e ambição individual, o

papel da pedagogia?

O papel da pedagogia vai ser cada vez mais a

relação que tu vais estabelecer com um profes-

sor, com um condutor de processos de inves-

tigação, antes do que com escolas. Portanto,

isto para dizer que assistimos a uma fase em

que estamos mais longe da escola enquanto

lugar de pensamento colectivo uno ou univer-

sal e sim, a caminho de relações mais pessoais

entre o aluno, esse auto didacta, e as pessoas

que vai encontrando pelo caminho, que podem

ser professores com posturas muito diferentes.

Mas sobre o auto didactismo gostava de dizer

uma coisa muito simples, que toda a gente com-

preende. Quando chegas ao 4º ano ou antes,

e estás a fazer um corte construtivo pela pri-

meira vez sobre o teu projecto, és confrontado

com questões tão simples como a construção

de um caixilho ou vão. E normalmente o aluno

entra em pânico, nunca fez um vão, não sabe

fazer o pormenor do vão. No entanto, tem 20

anos de idade, e há 20 anos que abre e fecha

portas e janelas todos os dias, na casa dele, na

casa dos avós, num edifício público, na escola,

etc. Se o auto didactismo começar por abrir

os olhos e olhar, já começa bem. Tu vives, tu

pensas, tu passas todos os dias por centenas

de situações que são fazer parte da tua vida. E,

ou estás atento a elas, ou não estás. Quantas►

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12

portas já abriste hoje? Basta olhar para elas, as

melhores, depois percebes porque é que gostas

mais de uma do que de outra, porque é que

uma funciona melhor do que outra. Está à tua

frente, tem um caixilho, tem um aro fixo, tem

um aro móvel, etc. Portanto isto faz com que

não haja razão nenhuma para o aluno se sentir

incapacitado. Tu hoje já passaste por 30 porme-

nores construtivos. Abre os olhos e vê. Não

fiques à espera que te ensinem, porque ele está

aí. Portanto são pequenas coisas como estas

que têm a ver com o nosso auto didactismo. O

que é esse auto didactismo? É sabermos apren-

der sozinhos, sabermos procurar sozinhos, ter-

mos uma curiosidade infinita. E é esse o sentido

que quero transmitir aos alunos: que, de facto,

é muito bom ter professores impecáveis, mas

mais que nos professores impecáveis está em

mim a possibilidade de eu não parar de reflectir,

investigar, perseguir e, inclusivamente, de sentir

a arquitectura. Porque a afectividade da arqui-

tectura sou eu que a vou descobrir. De onde

virá ela? a temperatura de um espaço, a luz, a

tensão matérica, a textura, a escala, a propor-

ção, são coisas sobre as quais devo sempre ter

opinião.

Sobre a experiência arquitectónica do

lugar. Como arquitecto e indivíduo imbu-

ído da curiosidade original de que falou,

que obras foram para si determinantes

para a sua prática arquitectónica e/ou

marcaram de alguma forma o seu per-

curso de vida?

É claro que há autores que me marcaram

muito e desde logo os primeiro que tu come-

ças a conhecer. Posso dizer-te que o arqui-

tecto Álvaro Siza, por exemplo, é uma figura

determinante no meu prazer pela Arquitectura

e também nas minhas descobertas enquanto

pensador de Arquitectura, porque senti desde

cedo que o trabalho do arquitecto Álvaro Siza

estava muito para lá da resposta funcional da

Arquitectura. A certa altura, percebes que o

arquitecto Álvaro Siza passa a anos-luz desse

modelo que a tal escola do Porto parece ter.

Ele atravessa a arte, atravessa o pensamento

artístico da arte contemporânea e portanto

vai muito além. E como figura da arquitectura

mais próxima, ainda vivo, não da nossa gera-

ção, mas das nossas vivências, da nossa parti-

cipação conjunta na sociedade, ele teve imensa

importância.

Depois há outros arquitectos que sempre me

interessaram bastante assim que os conheci.

Estou-me a lembrar do Barragán, e de uma

figura com quem agora estou a trabalhar, que

tem 80 anos, e é um personagem perfeitamente

mágico, que é o Paulo Mendes da Rocha.

A arte contemporânea sempre me interessou.

Eu trabalhei desde muito cedo com o artista

Pedro Cabrita Reis. A relação com a arte con-

temporânea chegou-me, portanto, cedo e

cativou-me bastante, e não tenho dúvida que

hoje uso referências e algumas imagens de

objectos e de peças de arte para falar sobre a

Arquitectura, porque julgo que a arte enquanto

reflexão máxima, abstracta e mais infinita pode

ser aplicada a todos os campos de investigação.

Reconheço que houve sempre trabalhos e

obras, mais do que pessoas. Mas as pessoas

também porque não se pode pôr de lado a rela-

ção que se vai tendo com elas. Umas conheces

na tua experiência, outras, que já não existem,

que tu conheceste o trabalho e a obra, mas que

marcam e é bom que marquem. É bom que

tenhamos referências. Nós não podemos ima-

ginar um cirurgião no século XXI que não tenha

estudado o que os seus pares fizeram nos últi-

mos anos ou, ao longo da História, como é que

evoluiu a medicina. E por isso na Arquitectura

também não podemos deixar de o fazer. E não

é para copiarmos modelos, é porque faz parte

da nossa aprendizagem estudar como as coisas

aconteceram até aqui, como é que elas evo-

luíram. Logo, visitar obras, ler publicações de

obras a que tu não tens acesso porque estão

do outro lado do mundo, mas podes vê-las,

estudá-las, podes interpretá-las. E deves fazer

isso de uma maneira sistematizada. Os alunos,

ao longo do seu curso, devem ter esta preo-

cupação. E não é necessário comprar todos

os livros, é preciso ter gosto por passar uma

tarde numa biblioteca ou numa livraria. Por

exemplo, quando estava na faculdade em Itália,

havia (e ainda há) no Politécnico de Milão uma

livraria que se chama CLUP. Naquele tempo a

Portugal chegava muito pouca coisa. E aquilo

foi uma descoberta incrível para nós alunos que

íamos de Portugal, e que de repente entráva-

mos numa livraria onde havia tudo. Passávamos

tardes inteiras na livraria, mais do que nas aulas.

Foi aí que conheci a maioria dos arquitectos

internacionais, as obras do Rossi, do Grassi, do

Tadao Ando, por aí fora; na CLUP, sentado a ler

os livros, a ver imagens. Portanto julgo que a

questão das referências é fundamental, é uma

aprendizagem que te fornece bagagem.

Mencionou como referência marcante

o arquitecto Paulo Mendes da Rocha.

Sabendo que esteve recentemente em

colaboração com este pai do Movimento

Moderno Brasileiro no projecto do

Museu dos Coches, em Belém; ficou-nos

a vontade, enquanto estudantes e jovens

arquitectos, de saber como se constitui

esta relação criativa com um arquitecto

que naturalmente se admira.

Eu conheço o arquitecto Paulo Mendes da

Rocha há bastante anos, mais de 10 anos, altura

em que ganhei o concurso para a Residência

da Embaixada de Portugal em Brasília. Naquele

momento, senti que precisava de um apoio no

Brasil caso aquilo se viesse a fazer; o próprio

projecto, a execução do projecto. Não conhe-

cia nada do Brasil a não ser as figuras tutelares,

como Óscar Niemeyer e o trabalho do arqui-

tecto Paulo Mendes da Rocha, os quais muito

admirava. Então peguei no telefone e andei

atrás do arquitecto Paulo Mendes da Rocha até

marcar um encontro com ele, que tive o pra-

zer de vir a ter, em São Paulo, como te dizia há

mais de 10 anos. E rapidamente passou desta

figura longínqua a arquitecto Paulo Mendes da

Rocha, o amigo. É uma pessoa de uma gene-

rosidade, de uma abertura, de um simpatia, e

principalmente de uma profundidade de refle-

xão, tida de um modo muito tranquilo e natu-

ral, admiráveis. Portanto, demo-nos muito bem

e ficámos amigos; visitámo-nos, falámo-nos,

etc. Quando surgiu este trabalho, convite que

lhe fizeram para o Museu dos Coches, o arqui-

tecto Paulo Mendes da Rocha deu-me o prazer

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►de me convidar para ser parceiro do trabalho

como atelier residente em Portugal. A primeira

vez que ele cá veio por causa deste trabalho

já trazia umas ideias e umas maquetas, mui-

tíssimo interessantes. Desde aí começámos a

trabalhar, sempre de uma forma muito natural,

sendo que não há a menor dúvida de que para

mim é uma honra trabalhar com o arquitecto

Paulo Mendes da Rocha; gosto mais de o ouvir

do que falar, porque tenho tanto para aprender

com ele. Mas o nosso quotidiano de trabalho

corre muito normalmente, partilhamos opini-

ões, discordamos quando temos de discordar, e

basicamente eu tenho aprendido muito. É efec-

tivamente uma experiência única, como podes

calcular, porque é de facto um personagem por

quem vale a pena passar na vida, e isso é um

privilégio que eu tenho.

Mencionou o projecto para a Residência

da Embaixada de Portugal em Brasília

(1995). Perguntávamo-nos como será

intervir num território tão definitiva-

mente marcado por um movimento

e por um estilo, que é o movimento

moderno, com uma importância

histórica tão largamente reconhecida;

e que impressões lhe ficaram sobre a

vivência desta cidade modelo de um tipo

de pensamento que ainda hoje conhece

importantes ecos.

Quando nós fizemos o trabalho de Brasília, eu

e o arquitecto Carlos Vilela, que era meu sócio

na altura, fizemos a nossa investigação e che-

gámos à conclusão que efectivamente o para-

digma da cidade moderna que era Brasília, e que

ainda é, é uma espécie de relíquia à nascença,

porque é uma cidade considerada património

da humanidade 20 anos depois de ser criada.►

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18

Portanto já estás a ver o despropósito de tudo

isto; como é que tu inventas uma cidade a partir

do zero, agarrada a um conceito de centralidade

física, que era a hipótese de haver um ponto no

Brasil que estivesse equidistante a todo o ter-

ritório brasileiro, mas rapidamente aparecem as

comunicações generalizadas e tu percebes que

a centralidade física de repente já não é assim

tão importante. Não podemos esquecer que

a capital do Brasil era o Rio de Janeiro, e de

repente vais para uma espécie de província e

abandonas o Rio de Janeiro. Tu não consegues

imaginar na Europa, um país como Inglaterra

dizer - agora amanhã a capital já não é Londres

é no deserto, ou Paris - quer dizer, não passa

pela cabeça de ninguém. É de facto um gesto de

uma certa loucura que o presidente Kubitschek

teve, de fazer uma nova capital nestas condi-

ções. Mas efectivamente teve sorte com os

arquitectos que ampararam essa vontade, esse

desígnio; como foi o Lúcio Costa, urbanista,

que fez o plano piloto de Brasília, e depois o

arquitecto Óscar Niemeyer, com todas as suas

obras públicas, autores da cidade de referência,

por excelência, do paradigma do movimento

moderno. E então, nós, olhando para esta

cidade geometrizada, tábula rasa, cardo decu-

manos, percebemos que a geometria do edifício

que haveríamos de fazer não encontrava razão

para que não fosse também de geometria pura,

uma peça bastante regular. No entanto, havia

sim um tema muito importante para continuar

a investigar e que não estava, a nosso ver, sufi-

cientemente explorado em Brasília, que tinha a

ver com o clima. Ao contrário do que se julga, o

planalto central onde está instalada, ancorada, e

fundada a cidade de Brasília tem um clima muito

seco. O clima do serrado. O facto de ser um

clima muito seco faz com que, desde logo, as

escolas às vezes fechem porque a humidade

relativa vai abaixo de 10%, as crianças sangrem

do nariz, as pessoas se deitem com toalhas

empapadas de água e acordam completamente

secas de manhã. Nós percebemos isso e pen-

sámos que o melhor seria criar ali um micro-

clima que conseguisse combater este clima tão

agreste e que permitisse fazer uma espécie de

oásis, se quisermos, para que se viva melhor

e mais confortável neste edifício. Este acabou

por se vir a desenhar como algo que encerra

uma espécie de floresta, ou seja, como se tu

recortasses um pedaço da floresta amazónica

e a levasses para ali, associado a uma série de

tanques e lagos que permitiam criar uma bolha

de vapor e humidificar o ar e, portanto, com

esta estratégia baseada numa nova paisagem,

numa micro paisagem, tentar fazer um edi-

fício que fosse melhor vivido do que os edifí-

cios que se deixavam ficar um pouco reféns do

clima natural que é, de facto, muito violento.

Viajei para Brasília várias vezes e infelizmente o

edifício nunca foi construído, mas eu acredito

que seria muitíssimo interessante, e ainda hoje

é dos projectos que eu mais gosto e gostava

imenso de o ter construído. Enfim, já não tenho

muita esperança de que ainda venha a ser, mas

nunca se sabe!

Projecto que será certamente constru-

ído é o Museu dos Coches para Belém,

já aqui referenciado. A este propósito,

e visto assistirmos a uma polémica des-

mesurada em torno da discussão da sua

construção e adequação ao sítio, como

é estar no foco deste debate, quando

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concerne a um projecto da nossa auto-

ria? Que elemento/s do projecto julga ser

causador desta reacção pública?

O problema é o problema das civilizações, das

sociedades, e do horror ao novo e ao desco-

nhecido. Ninguém gosta do que não conhece.

Essa é a grande questão. É por isso que tu vês

mais pessoas a mandar fazer casas com o estilo

português suave, ou clássicas, ou conservado-

ras do que contemporâneas ou modernas; é

por isso que tu vês as sociedades apegadas aos

temas do passado. E não há volta a dar, os anos

passam, as civilizações parecem evoluir, mas

essas situações básicas mantêm-se. E, quase

arriscava dizer, mantêm-se em Portugal mais do

que na maioria do mundo ocidental. Portanto

o que se passa aqui é o mesmo que se pas-

sou quando se fez o CCB (Centro Cultural de

Belém), e que se passou quando se fez a Casa

da Música, ou sempre que se quis fazer qual-

quer coisa. A diferença está nas dinâmicas de

tempo. Por exemplo, na vizinha Espanha, tu vês

que se põem em pé uma série de construções

em consciência de que a arquitectura de autor

move multidões, e é uma mais-valia turística e

cultural indiscutível. Em Portugal essa consciên-

cia ainda não está muito bem clarificada. Nós

ameaçamos sucessivamente que vamos ter

obras de fulano, sicrano e beltrano, que sabe-

mos ser autores reconhecidos, de categoria,

que vão poder trazer à nossa cidade vantagem

turística, cultural e económica garantida, mas

mesmo assim temos medo. Assim, o que se

passa com o museu dos coches, mais do que

propriamente ser uma reacção ao projecto, é

uma reacção a fazer-se qualquer coisa de novo.

E de facto as pessoas não conhecem o projecto,

não conhecem o seu autor, e ver o projecto

assim en passant não é uma solução para aquele

trabalho. Mas também é verdade que essa polé-

mica neste momento está ultrapassada, embora

haverá sempre quem diga que gosta e não gosta

das coisas. Quando se construiu o CCB, deu-se

uma polémica e uma pleura incríveis, porque se

estava a pôr em causa o conjunto edificado dos

Jerónimos. Agora, ninguém pensa tirar dali o

CCB, faz completamente parte da cidade. Acho

a polémica à volta do Museu dos Coches até

salutar, se quiseres, só é pena que ela seja feita

de uma forma muito superficial e que não se

fale por exemplo de um aspecto fundamental

daquele trabalho e da obra toda do arquitecto

Paulo Mendes da Rocha e que tem a ver com o

espaço público como espaço primeiro e funda-

mental da cidade. O arquitecto Paulo Mendes

da Rocha tem um trabalho muito pródigo, em

que o lugar público é sempre a sua prioridade. E

este trabalho, mais uma vez, tem essa generosi-

dade com a cidade. Quase se podia dizer que o

Museu vem em terceiro ou quarto lugar porque

antes se de chegar ao Museu dos Coches tu

já fizeste uma transformação à cidade incrível

com uma praça pública e a nova atitude face aos

lugares públicos que instaura, com uma maneira

de cruzar os tempos em que o casario da Rua

da Junqueira, dos séculos XVIII e XIX, é con-

frontado com uma nova modernidade; como

é que todas estas coisas coabitam, são tudo

temas que estão muito desenvolvidos naquele

projecto, e as pessoas não se apercebem disso.

Mas também não se pode fazer nada sem polé-

mica, sem debate, sem discussão; da discussão

há-de sair a luz, e é nisso em que nós temos

de acreditar. Agora, tem de ser uma discussão

séria e um debate informado, e não um debate

de generalidades.

Passamos da esfera dos grandes equipa-

mentos urbanos para uma escala mais

pessoal e relacional de projecto, que é a

que mais tem vindo a explorar, na tipo-

logia da habitação unifamiliar. De que

forma uma relação íntima com o cliente

influencia ou interfere no projecto de

arquitectura e como é que se gere esse

processo?

Quando tu fazes uma casa para um cliente espe-

cífico, que é normalmente o caso quando faço

uma moradia, este vai necessariamente ser um

elemento fulcral na tomada de decisões de pro-

jecto. Também podes fazer moradias para clien-

tes desconhecidos, por exemplo, para a opera-

ção do Bom Sucesso Design Resort, onde estou

a participar, estás a fazer moradias destinadas

a um cliente abstracto que porventura nem

hás-de conhecer, que há-de vir, um dia destes,

comprar a tua casa. Bom, mas não é dessas

moradias que estamos a falar. O que acontece

é que pode e vai diferenciar, como vimos hoje

aqui na conferência, e segundo disse o arqui-

tecto João Pedro Falcão de Campos, o pro-

cesso. Tens de virá-lo a teu favor, o que significa

saber ouvir, tirar o melhor de todas as pessoas

que vão interferir no processo de projecto. Ora

o cliente é, por definição, uma das pessoas que

mais vai interferir. Há que saber tirar o melhor

desse cliente. Perceber exactamente quais

são as suas verdadeiras preocupações, para lá

daquilo que ele próprio possa julgar que são;

porque às vezes os clientes particulares pren-

dem-se com coisas secundárias e terciárias que

parecem fazer-lhes muito sentido. Tu tens de

ter a capacidade de saber filtrar o que é essen-

cial do que é secundário e usar a teu favor, a

favor do projecto, as motivações do cliente. O

cliente no fundo vai corresponder àquilo que é

o programa. O lugar é o lugar que tu vais encon-

trar. Eu acredito ainda hoje que os projectos de

arquitectura se fazem com o programa e com o

lugar. Quanto mais rico e complexo for o lugar,

quanto mais rico e complexo for o programa,

neste caso a informação que tu vais buscar ao

cliente e não só, mais matéria-prima tens para o

teu trabalho. Esta matéria-prima serve-te para

poderes ter lenha para manter esse fogo da

investigação do projecto. E em todos os clien-

tes privados que eu tive e tenho, bem como nas

casas que desta interacção resultam, há sempre

uma componente dos trabalhos que são a cara

do cliente; os que são mais afirmativos, os que

querem espaços mais institucionais, os que são

mais íntimos e querem coisas mais confortáveis

e cozy. Tu percebes isso ao longo dos projectos,

e de facto ajuda a fazer um projecto diferente

do outro, que é o que se pretende. E de pre-

ferência que o cliente fique satisfeito e que seja

feliz porque vai lá viver a vida toda!

Autoria e Redacção:

Clara Antunes e Gustavo Briz

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Papel, Arquitecto,

Cidadepor David Castanheira

Adormeci e acordei num local diferente

daquele em que adormecera. Não estranhei,

começo a saber vestir o hábito.

Havia agora em meu redor uma quietude que

me impacientava e me deixava a braços com

um desconsolo na fronha. Triste, o mesmo de

figura. Padecia de tédio, de um tédio imenso,

mas também o medo fazia estrago no meu espí-

rito alvoraçado.

Ah! A serenidade de quem nunca estará de

mal com o mundo. Talvez com menos miolos.

Acho-me cada vez mais pachorrento e adepto

das verdades. Não sei se será bom deitar vista

à cidade.

Pilha aqui, pilha ali, proponho sistemas, tiro

corolários… Ando aos trambolhões pelas ruas,

escalo avenidas, procuro saída nos becos. Podia

até tombar como tordo que não deitavam olho.

A brisa levanta, carrega-me por alheio, o vento

serve-me de devaneio. Tropeço onde calha,

duplicando passos, meneios e gestos.

Escada acima, escada abaixo. Acelera, acelera,

pára, acelera, viro à esquerda, o furor louco,

plano sobre a praça um pouco. Oiço o mestre

ao discípulo, – Sim, senhor. O aprendiz, – Não

precisa de me chamar “senhor”. Ante o latido

do mestre, volta, – Devia-se olhar menos ao

que dizemos, e mais ao cagalhoto que não faze-

mos. Se os mortais evitassem qualquer relação

com a sabedoria, a velhice nem sequer existiria.

E não há que nos valha, nem crença, nem des-

crença. Filosofia? Não. Esta brutalidade, e nada

mais: porque sim, porque não, claro, escuro. O

binómio dos mortais.

Desenhei uma linha a meio da populaça,

antes de escrever a primeira palavra, e a pri-

meira palavra foi êxtase e a segunda foi medo.

Quedei-me a meio da terceira, que queria san-

gue. O sonhador que se domina e raras vezes

se dá ao luxo de sonhar.

Sopra de novo e eu levanto voo. Levam-me

em braços, zombeteiro este vento, esta brisa,

sentam-me de costas, brincam com facas.

Passo montras, encolho, estico, espremo-me

entre as gentes, vão-me pisando. Raios! Não me

vêem? Pulo, salto mais uma ruela, evito buro-

cracias de Deus, detesto estas corjas horren-

das. Tem de burro o juízo.

Abrandou o vento, interrompi o meu tra-

jecto junto a um moribundo. Pára um carro,

estendem-lhe o braço com trinta dinheiros, ─

Acredita em Deus? Ao abrigo de nada, o vaga-

bundo diz que sim. Recolhe a mão, arranca,

havia dado a resposta errada. Deus que console

a humanidade. Almas soberbas, corações incha-

dos! Das almas grandes a nobreza é esta.

De quando em vez gostava de não deambular

sem rumo, numa viagem ao antes e o depois,

não me deixo enganar pelo tempo, não o posso

conquistar. Ando por aqui, levo-te a ti, carre-

gas-me a mim. Poderia ser assim? Será que te

conheço? Não te lembrarás de mim?

Fazem tinta por uma linha até ao fim do dia.

Como habitual, recolho-me à procura de cesto

acolhedor. Decididamente, a vida de papel não

é fácil.

A metáfora que papel pode ter ela na arqui-

tectura, na cidade. Verdade. Verdade é que o

comum é vislumbrá-la.

Cidade. Um mar de pedras de vislumbre. Fora

de todos os códigos. Símbolo da transgressão

e de mensagem para fora do seu tempo e para

todos os tempos. Instituído em comunhão com

o universo. Laço amoroso ilícito e desviante,

sem cânone ou regra. Uma perfeição que não é

deste mundo, espaço sem igual.

Só força desmedida, mão inexorável dum

Arquitecto que cria e domina, alarga a vista de

ânsia e assombro. Muda e parada. Move e faz

ouvir. Voluptuosa paisagem. Regalo. Para o baile

nunca conseguiu par. Cada uma, cidade, única na

sua arquitectura, no seu papel.

Papel. Coisa branca, amarelada, clara, cinzenta-

acastanhada. Papel. Ferramenta privilegiada da

escrita, do desenho. Do Arquitecto e do Pintor,

do Escritor e do Escultor. Papel. Toda a arqui-

tectura tem sido vista e relatada nas costas, na

frente, na cara do papel. Intrépida personagem

que fala por um desenho, gráfico e, ou símbo-

los. Letras. Nada mais. Não é preciso menos.

Papel. Mudo. O impresso fala, o gráfico grita. O

papel. Ferramenta eleita para as mais belas das

artes. Quem melhor para descrever a cidade.

Papel. Pulou que fartou. Agora divaga. Permite

o sonho. Quer transmitir a mensagem que diz,

boa é a arquitectura.

A realidade que se faz, que se fez e sempre se

faria. O sonho, a utopia. Existe a sociedade de

consumo. A sociedade inacabada. Será Portugal?

A sociedade de informação nem me atrevo cha-

mar. Porquê produto inacabado. O prejuízo

podia ser maior. Enquanto houver positivismo,

não existe receio.

Portugal, reflexo da sua capital. É capital saber

o seu espaço actual. Lisboa. Quantos donos

tiveste? Quantos sonhos durante o sono?

Quantos tiveste acordada? Verdade. Verdade é

esta. Uma cidade é fruto da acção sonhadora

e vanguardista de alguém que julgou era para

si em particular que a arquitectura estava a

falar. Agora o que tem a arquitectura para dar?

Cada dono, cada Homem tem de sua a ideia. A

cidade tem obras majestosas, assim como tan-

tos senhores, deu lugar a sua cadeira. A cátedra.

Assento político alvejado e invejado.

Um bolo. A Cidade, Lisboa, já agora, é assim

um bolo. Massa de pão, que constantemente se

mastiga e amassa. Somente às vezes há brinde.

Quer isto dizer, que champanhe não falta a

cada corta fita. Arquitectura, que se sobrepõe

a arquitectura. Trepa por outra acima. Escala as

arribas, desce escarpas, salta bocas de vento,

poços do inferno. Cada tempo pensa o futuro

de maneira ímpar. Não se estranhe os mais

belos edifícios não terem par.

A única e verdadeira maneira de pensar a

cidade é traçar, desenhar o futuro. Querer a

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arquitectura, sem necessidade de assim a ape-

lidar. Marcar a diferença a cada reinado é nunca

deixar o trabalho por terminado. A cidade

enquanto utopia, nada mais é que uma família

destas aninhadas, sem nunca se acomodarem. É

assim, também, Arquitectura.

Se força a desenhar a arquitectura está bem

que se desfazia. Arquitectura, qual a primeira?

Lisboa? De certeza não a primeira. Nem que na

areia tivesse sido riscada. Até que Arquitectura

de nome só pós Grécia, e todos os seus anti-

gos sábios.

As nossas cidades. Basta ruas, basta prédios,

basta a casa de simples telhado a duas águas.

Quatro paredes. Logo a um canto sem arestas,

num beco, geralmente com saída, os cães se

amotinam. Então, enquanto papel, num escri-

tório entrar. Evitar, pois burocracias podem

tentar. A política sempre perigosa à arquitec-

tura, mas sem política que é da Arquitectura.

Vê-se logo que têm jeitos e humanas feições.

Mas agitam. Mudam de posição sobre a carpete

e eriçam o pêlo. Um chegou mesmo a rosnar e

outro a uivar. Era como se não conhecessem.

Uma barreira. Afinal, o emprego há-de sorrir a

outro no brevemente. As cidades não se cons-

truem sem arquitectos. Pelo menos, parte. O

disparate, quase vulgo da utopia, também não

deve ser encorajado. A isso, o trabalho multi-

disciplinar, encimado e arquitectado é o que faz

a arquitectura parte integrante da cidade, e esta

mesma, arquitectura desenhada, nem que seja

no espírito. O desenho desta não engana.

Cidade. Emblema em cada arquitectura.

Melhor cada pedra encavalitada em outra.

Mesmo desgostosa, cumpre uma arquitec-

tura. Mal amada, cumpre outra arquitectura.

Passa despercebida, mais uma. Norma, mais

uma nova. Esplendorosa, cada casa, cada arqui-

tectura. Pedra, tijolo faz o sonho. Cidade, a

Arquitectura.

Papel, Arquitectura, Cidade. O espaço

que ocupará no foro mental será sempre

maior que qualquer construção material.

O poder de sugestão que leva a pensar

e imaginar é a Cidade, a Arquitectura.

A utopia é sempre um risco que se

corre. Então, se somos apenas aprendi-

zes, maior. O sonho, a realização sem-

pre adiada, é fruto de um pensamento

cuidado. Os mestres do passado e do

presente têm isso em mente. Quando

conseguirmos controlar o sonho, a reali-

zação, estes conceitos à sua semelhança,

seremos então mestres no futuro.

Contudo, também de algo espontâneo e

esplendoroso que é livre arbitro, é arqui-

tectura, é cidade. A liberdade na sua

forma mais simples, de construir, pensar,

e reflectir. Pequenas utopias que formam

a Arquitectura, a Cidade. O querer fazer

e marcar a diferença. O nosso papel no

futuro.

Que Homem é o Homem que não faz

deste um mundo melhor.

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A força de não ter força

Que força essa, o dinheiro?

por Clara Antunes

Existir sem dinheiro é uma existência pobre.

Esta poderá parecer uma afirmação oca, mas

não é tanto assim. Julgando pela acepção

objectiva (ou pelo menos objectiva segundo

os padrões pela qual a julgamos), pobre é

um estado ou característica que implica uma

incapacidade ou escassez de. Se monetaria-

mente pobre, é-se incapacitado de participar

na giga.joga capitalista; no pobre de espírito,

está implícita uma falta de visão, nobreza ou

ética; no pobre coitado, falta de algo, carinho

ou não, que gera um excesso de compaixão.

Ora quando sem dinheiro algum, somos pela

sociedade considerados os três, porque não

nos esforçamos que chegue para o obter, logo

não temos, e somos portanto “pobres, coita-

dos!”. Esta classificação poderá não ter efeito

significativo no receptor, mas o problema é que

realmente tem. Se não temos poder monetá-

rio, sentimo-nos inevitavelmente em falta para

com a sociedade. A máquina do comboio exige,

em letras pretas e inamovíeis, 1.60 euros e de

nada serve pedir-lhe que mude de ideias. Se

ocasionalmente acontece faltarem 5cêntimos

para pagar um pão, logo nos olham os clien-

tes enfurecidos pela pressa matinal normal em

todo o cidadão pensando que género este de

pessoa que não pode sequer pagar um pão. A

experiência talvez mais humilhante por que pas-

sei foi pedir dinheiro para um bilhete. É curioso

como os olhares mudam instantaneamente de

possivelmente risonhos para acusadores, ou

então tolhidos de pena. Essa mesquinha pena

de quem se sente culpado por ter mais que

outros, e, por isso, obrigado a partilhar. E então

remexem as carteiras, onde tilintam dezenas de

outras moedinhas sequiosas de uso, saltam para

uma mão desconhecida e abrem um vazio no

mais centro do centro mais central de quem as

recebe. Resignada, mas ainda sentindo-se irre-

mediavelmente em falta para com a máquina,

as pessoas, o tempo que parou para servir

uma causa sem causa, e por fim toda a estru-

tura edificada que a recebe, por favor.Grande

falatório quando o ponto fulcral é: se por um

momento nos afastamos do que é convencio-

nalmente tido como correcto, sentimo-nos em

falta. Pobres, realmente pobres. O dinheiro foi

na verdade um pretexto. Vivamos nós sempre

suficientemente à margem!

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