ESPM/SP
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM COMUNICAÇÃO E PRÁTICAS DE CONSUMO - PPGCOM
Dariane Lima Arantes
CELEBRANDO NOSSOS CORPOS, ENCRESPANDO NOSSOS FIOS:
A transição capilar como política de visibilidade em narrativas autobiográficas de
mulheres negras
São Paulo
2019
Dariane Lima Arantes
CELEBRANDO NOSSOS CORPOS, ENCRESPANDO NOSSOS FIOS:
A transição capilar como política de visibilidade em narrativas autobiográficas de
mulheres negras
Dissertação apresentada à ESPM como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Comunicação e Práticas de Consumo.
Orientadora: Prof.ª Dr.ª Rosamaria Luiza
(Rose) de Melo Rocha
São Paulo
2019
“O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – Brasil (CAPES) – Código de Financiamento 001”.
“This study was financed in part by the Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – Brasil (CAPES) – Finance Code 001”.
Ficha catalográfica elaborada pelo autor por meio do Sistema de Geração Automático da Biblioteca ESPM
Arantes, Dariane Lima
CELEBRANDO NOSSOS CORPOS, ENCRESPANDO NOSSOS FIOS: a transição capilar como política de visibilidade em narrativas autobiográficas de mulheres negras / Dariane Lima Arantes. - São Paulo, 2019.
131 p. : il., color.
Dissertação (mestrado) – Escola Superior de Propaganda e Marketing, Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Práticas de Consumo, São Paulo, 2019.
Dariane Lima Arantes
CELEBRANDO NOSSOS CORPOS, ENCRESPANDO NOSSOS FIOS:
A transição capilar como política de visibilidade em narrativas autobiográficas de
mulheres negras.
Dissertação apresentada à ESPM como requisito parcial para a obtenção do título de Mestre em Comunicação e Práticas de Consumo.
Aprovado em ______ de __________________de ________
BANCA
EXAMINADORA
__________________________________________________
Presidente: Prof.ª Dr.ª Rosamaria Luiza (Rose) de Melo Rocha Escola Superior de Propaganda e marketing (ESPM-SP)
__________________________________________________
Membro: Prof.ª Dr.ª Fabiana Moraes Universidade Federal de Pernambuco (UFPE)
__________________________________________________
Membro: Prof.ª Dr.ª Tânia Hoff Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM-SP)
Para Cecília, com amor!
À memória de vovó, que foi ensinada a odiar os
próprios fios crespos, que considerava pentear
os cabelos um tormento e que sempre precisou
“discipliná-los”, mantendo-os presos e puxados
para trás.
AGRADECIMENTOS
Agradeço à minha mãe, Vilma, por todo esforço dedicado à minha formação
pessoal e acadêmica; por estar sempre ao meu lado e não medir esforços para que
pudesse concretizar os meus sonhos.
Ao meu amor, Diego Laux Jaques, por estar comigo em absolutamente todos
os momentos – os bons e os ruins – e ainda por toda a paciência nos momentos mais
difíceis. Sem você, eu sequer teria começado esta jornada.
Às minhas irmãs, Danielle Arantes e Marcelle Arantes, que sempre me
apoiaram nas longas jornadas de estudos, nas ausências e nos dias estressantes em
que parece que nada vai dar certo.
Agradeço ao meu amado amigo, Hadriel Theodoro, por ter me apresentado à
ESPM, pelos conselhos dados e por todo o companheirismo que teve comigo durante
toda essa trajetória.
Às queridas amigas Angélica Ribeiro da Silva e Mariane Rodrigues, pela a
amizade e carinho de sempre.
À minha parceira de trabalho e amiga, Larissa Santos, por sempre ter entendido
às vezes que precisei me ausentar e por me incentivar a buscar meus sonhos.
Aos amigos do PPGCOM-ESPM, em especial, minha querida turma M17. Foi
uma alegria imensa ter tido vocês como parceiros de aulas, discussões e conversas
no corredor.
À Prof.ª Dr.ª Fabiana Moraes e à Prof.ª Dr.ª Tânia Hoff, por aceitarem integrar
a banca avaliadora e por todas as contribuições à pesquisa.
Aos professores do PPGCOM-ESPM, agradeço por todo suporte e
aprendizados.
À ESPM-SP, pela ótima infraestrutura e recursos humanos.
Agradeço ainda de forma muito especial à Coordenação de Aperfeiçoamento
de Pessoal de Nível Superior (CAPES) por ter financiado o desenvolvimento desta
pesquisa.
Por fim, à minha orientadora Rose de Melo Rocha, por ter me guiado de forma
tão generosa nessa jornada, por todo o conhecimento compartilhado e todo o carinho
que sempre demonstrou por mim.
RESUMO
Nesta investigação, articulamos as dinâmicas entre comunicação e culturas do
consumo no debate centrado nas visibilidades sociais que emanam das vivências
midiáticas de mulheres negras. Interessa-nos perceber como os fluxos identitários e
culturais que emergem dessas experiências autobiográficas midiatizadas dialogam
com realidades sociais e contextos culturais, atrelados às subjetividades, disputas
simbólicas e imaginários, em um contexto permeado por lógicas de branqueamento e
pelo mito da democracia racial. Partindo de reflexões sobre espaço biográfico, nossa
discussão se volta às narrativas de transição capilar de quatro figuras de diferentes
âmbitos da mídia: a atriz Taís Araújo, a empreendedora Alexandra Loras, a cantora
Ludmilla e a youtuber Rayza Nicácio. Como problemática desse estudo, indagamos
se a estética pode atuar como possibilidade de negociação de sentidos, partindo do
entendimento de que da experiência de transição capilar emergem sentidos ligados
aos corpos negros, que englobam estigmas e exclusões, mas também possíveis
sentidos de (re)significação e (re)existência.
Palavras-chave: comunicação; culturas do consumo; espaço biográfico; transição
capilar.
ABSTRACT
In this research, we articulate the dynamics between communication and consumer
cultures in the debate centered on the social visibilities from the mediatic experiences
of black women. It is interesting to see how the identity and cultural flows that emerge
from these mediated autobiographical experiences interact with social realities and
cultural contexts, linked to subjectivities, symbolic and imaginary disputes, in a context
permeated by a whitening logic and the myth of racial democracy. Starting from
reflections on biographical space, our discussion turns to the capillary transition
narratives of four figures from different media spheres: the actress Taís Araújo, the
entrepreneur Alexandra Loras, the singer Ludmilla and the youtuber Rayza Nicácio. .
As a problematic of this study, we ask if aesthetics can act as a possibility of negotiation
of meanings, starting from the understanding that from the experience of capillary
transition emerge senses linked to black bodies, which encompass stigmas and
exclusions, but also possible meanings of (re)signification and (re)existence.
Keywords: communication; consumer cultures; biographical space; capillary
transition.
LISTA DE IMAGENS
Imagem 1: Anúncio racista da marca Dove (2017) ................................................ p. 24
Imagem 2: Propaganda racista marca de cerveja Devassa (2017) ....................... p. 26
Imagem 3: Propaganda “O Cabelisador” ............................................................... p. 29
Imagem 4: Propaganda da esponja de aço “Krespinha” (1952) ............................ p. 30
Imagem 5: Propaganda Unilever para cabelos crespos e cacheados com youtubers
(2017) .................................................................................................................... p. 33
Imagem 6: Propaganda Salon line, narrativa da aceitação (2018) ........................ p. 33
Imagem 7: Regulamento que estabelece exemplos de tipificações capilares permitidas
aos militares da Força Aérea Brasileira ................................................................. p. 64
Imagem 8: Taís Araújo em selfie com colegas ...................................................... p. 76
Imagem 9: Taís e o ator Lazaro Ramos, seu marido ............................................. p. 78
Imagem 10: Taís apresentando o programa Saia Justa, da GNT ......................... p. 79
Imagem 11: Ludmilla participa de quadro "Revira viral", do programa Caldeirão do
Huck ...................................................................................................................... p. 84
Imagem 12: Cena original do vídeo viral à que Ludmilla faz referência ................ p. 85
Imagem 13: Comentários de seguidores na imagem postada por Ludmilla .......... p. 86
Imagem 14: Ludmilla posa na praia ....................................................................... p. 86
Imagem 15: Ludmilla compartilha antes e depois das transformações estéticas .. p. 87
Imagem 16: Rayza compartilha selfie .................................................................... p. 90
Imagem 17: Rayza compartilha foto destacando o cabelo crespo ........................ p. 91
Imagem 18: Selfie Rayza Nicácio .......................................................................... p. 92
Imagem 19: Alexandra compartilha imagem da propaganda da Lancôme .......... p. 95
Imagem 20: Alexandra celebra Dia Internacional da Mulher Negra e Caribenha
............................................................................................................................... p. 97
Imagem 21: Alexandra compartilha capa da Revista Istoé .................................... p. 99
Imagem 22: Ludmilla antes e depois da transição capilar .................................... p. 110
Imagem 23: Rayza Nicácio, antes e depois da transição capilar ......................... p. 110
Imagem 24: Alexandra Loras, antes e depois da transição capilar ...................... p. 111
Imagem 25: Taís Araújo, antes e depois da transição capilar .............................. p. 111
LISTA DE TABELAS
Tabela 1: Levantamento relatos transição capilar .................................................. p. 67
Tabela 2: Levantamento de dados no YouTube .................................................... p. 68
Tabela 3: Levantamento de dados no Facebook ................................................... p. 68
Tabela 4: Postagens de Taís Araújo com maior audiência no Facebook .............. p. 69
Tabela 5: Postagens de Ludmilla com maior audiência no Facebook ................... p. 69
Tabela 6: Postagens de Alexandra Loras com maior audiência no Facebook ...... p. 70
Tabela 7: Postagens de Rayza Nicácio com maior audiência no Facebook ......... p. 70
SUMÁRIO
CONSIDERAÇÕES INICIAIS ............................................................................... p. 13
CAPÍTULO 1. MULHERES NEGRAS, MÍDIA E CONSUMO ................................ p. 20 1.1 CONSUMO, MÍDIA E NEGRITUDE: A CONSTRUÇÃO IMAGÉTICA DA MULHER
NEGRA EM CONTEXTOS BRASILEIROS ........................................................... p. 20
1.2 A IMAGEM DA MULHER NEGRA: ESTEREÓTIPOS E REPRESENTAÇÕES
............................................................................................................................... p. 23
1.3 O CABELO E AS REPRESENTAÇÕES MIDIÁTICAS ..................................... p. 28
CAPÍTULO 2. AUTOBIOGRAFIAS E VISIBILIDADES EM PERFORMANCES MIDIÁTICAS DE MULHERES NEGRAS .............................................................. p. 35 2.1 DO EU QUE ECOA UM NÓS: MEU CABELO, NOSSAS HISTÓRIAS ........... p. 35
2.2 O ATO DE NARRAR A SI MESMO: INTERSEÇÕES ENTRE COMUNICAÇÃO,
CONSUMO E ESPAÇO AUTOBIOGRÁFICO ....................................................... p. 49
2.3 AS NARRATIVAS AUTOBIOGRÁFICAS COMO PERFORMANCE MIDIÁTICA
............................................................................................................................... p. 56
CAPÍTULO 3. PERCURSOS METODOLÓGICOS ............................................... p. 61 3.1 ESCOLHAS METODOLÓGICAS .................................................................... p. 61
3.2 DELIMITAÇÃO DO CORPUS E ETAPAS METODOLÓGICAS ....................... p. 66
CAPÍTULO 4. ANÁLISES E INTERPRETAÇÕES ................................................ p. 73 4.1 MODOS DE APRESENTAÇÃO ....................................................................... p. 73
4.2 PRESENÇA MIDIÁTICA E MODOS DE APRESENTAÇÃO EM TAÍS ARAÚJO
............................................................................................................................... p. 74
4.2.1 Modos de apresentação ..................................................................... p. 76
4.3 PRESENÇA MIDIÁTICA E MODOS DE APRESENTAÇÃO EM LUDMILLA
............................................................................................................................... p. 81
4.3.1 Modos de apresentação ..................................................................... p. 84
4.4 PRESENÇA MIDIÁTICA E MODOS DE APRESENTAÇÃO EM RAYZA NICÁCIO
............................................................................................................................... p. 88
4.4.1 Modos de apresentação ..................................................................... p. 90
4.5 PRESENÇA MIDIÁTICA DE ALEXANDRA LORAS ........................................ p. 94
4.5.1 Modos de apresentação ..................................................................... p. 95
4.6 LUGARES DE FALA E AS NARRATIVAS DE TRANSIÇÃO CAPILAR ......... p. 100
4.6.1 Processos de alisamento ................................................................. p. 101
4.6.2 A decisão pela transformação e os sentidos “pós transição capilar”
.................................................................................................................. p. 105
4.7 ESTRATÉGIAS DE VISIBILIDADE ................................................................ p. 112
4.7.1 Taís Araújo ....................................................................................... p. 116
4.7.2 Ludmilla ............................................................................................ p. 117
4.7.3 Rayza Nicácio .................................................................................. p. 118
4.7.4 Alexandra Loras ............................................................................... p. 119
CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................ p. 121
REFERÊNCIAS .................................................................................................. p. 124
14
CONSIDERAÇÕES INICIAIS
O corpo é entendido como construção sociocultural e depositário da cultura de
que participa o indivíduo (CAMPELO, 1997). Assim, seus sentidos são dados nas
interações sociais e nelas são significados. Ao longo de séculos de história, marcados
pela colonização, escravidão e processos de branqueamento, foi se construindo
socialmente o conceito dos corpos ditos conformes e corpos não conformes,
potencializados nas sociedades modernas, pelos agenciamentos subjetivos
(MENDONÇA, 2008) destinados à conformação e ao disciplinamento.
Nesse sentido, o cabelo se destaca como elemento corporal para analisar as
imposições e estigmas a que estão sujeitos os corpos, mas também alude a possíveis
sentidos de (re)existência que dele pode emergir. Gomes (2008), ao refletir sobre as
significações do corpo da mulher negra, afirma que o corpo e o cabelo são colocados
como espaços de aceitação, rejeição e ressignificação, pois são considerados
expressões e suportes simbólicos da identidade negra no contexto brasileiro. Como
símbolo inscrito no corpo, o cabelo sempre recebeu considerável atenção por parte
dos seus possuidores. É a parte do corpo utilizada para exibir não apenas um gosto
pessoal, mas pertencimento, filiação a uma causa ou até mesmo um ato político, o
que evidencia sua imbricação com aspectos da cultura.
Conforme aborda Quintão (2013), já no século XIX era possível perceber uma
hierarquização de fenótipos entre negros e brancos a partir das expressões corpóreas.
Essa lógica favoreceu a construção dos sentidos de cabelo “bom” ou “bonito”,
associado à textura lisa; em contrapartida, o chamado cabelo “ruim” ou “feio” era
associado a texturas encaracoladas e crespas, comum entre as mulheres negras.
Neuza Santos traça um comparativo entre essa visão social do negro em relação ao
branco:
O irracional, o feio, o ruim, o sujo, o sensitivo, o superpotente e o exótico são as principais figuras representativas do mito negro (...). Aqui branco quer dizer aristocrata, elitista, letrado, bem-sucedido. Noutro momento o branco é rico, inteligente, poderoso. Sob quaisquer nuances, em qualquer circunstância, branco é o modelo a ser escolhido (SANTOS, 1983, p. 27-34).
Nesse contexto, desde ainda muito jovens, as mulheres afrodescendentes são
socializadas a manipular o cabelo para se aproximarem de uma estética próxima ao
15
liso, celebrado como belo. A naturalização desses processos provém das lógicas de
branqueamento e inferiorização a que o corpo negro é submetido historicamente, que
incute, muitas vezes, nesses sujeitos sociais a necessidade de alterações de suas
características capilares naturais como forma de se enquadrarem a um padrão de
beleza hegemônico.
A sociedade ocidental, construída sobre os pilares de um sistema colonialista
e escravocrata, promove uma estrutura violenta de moldes e conformações de
padrões de beleza. Aqueles que não se enquadram em tais padrões estéticos, sofrem
algum tipo de rejeição social. A representatividade da beleza/cultura afrodescendente
nas mídias (revistas, novelas, peças publicitárias, etc.) ainda é bastante tímida, apesar
de o Brasil ser um país de expressiva população negra.
Nesse ambiente hostil, as mulheres negras constroem suas identidades e
subjetividades, o que muitas vezes lhes impossibilita de existir e de se reconhecer
como belas, visto que os padrões corporais hegemônicos – que conformam gostos,
sentimentos e preferências – não as favorece. Dessa forma, a transição capilar1 surge
como aspecto que tensiona as relações raciais e os padrões de gosto impostos às
mulheres e suscita discussões sobre consumo voltadas à ideia de uma política da
diferença no contexto brasileiro.
Em suma, acreditamos que o debate em torno desses tensionamentos sociais
que envolvem a conformação dos corpos e seus atos de resistência é perpassado
pela cultura e materializa-se na mídia – entendendo-a como espaço de expansão dos
corpos (BAITELLO, 2010). Portanto, revelam conflitos e embates de ideias que se
manifestam em narrativas autobiográficas (ARFUCH, 2010) de mulheres negras sobre
suas experiências capilares e suas relações com a memória coletiva, racismo e a
resistência.
Assim, em vista da contextualização aqui proposta, delimitaremos nosso objeto
de estudo contemplando as narrativas autobiográficas de mulheres negras na cena
audiovisual brasileira e suas intersecções com a mídia e as práticas do consumo.
Nosso objeto de pesquisa se volta à compreensão das visibilidades midiáticas
de mulheres negras inclinadas à ideia de uma política da diferença. A partir das
1 A transição capilar é o processo no qual se abandona a utilização de processos químicos e mecânicos de alisamento e se assume o cabelo em suas texturas naturais, crespas e cacheadas.
16
narrativas autobiográficas de transição capilar apreendidas das vivências midiáticas
da atriz Taís Araújo, da empreendedora Alexandra Loras, da youtuber2 Rayza Nicácio
e da cantora Ludmilla, buscamos investigar como as culturas do consumo atreladas
às visibilidades midiáticas de mulheres negras (especificamente nas experiências de
Taís Araújo, Ludmilla, Alexandra Loras e Rayza Nicácio) podem se articular no sentido
de promover uma política da diferença. Indagamos ainda quais os sentidos produzidos
acerca da transição capilar em suas narrativas e quais as disputas de sentido que
delas emergem.
Ao centralizar nossa temática de pesquisa nas narrativas de transição capilar,
torna-se necessário algumas reflexões acerca do corpo e suas expressividades. A
modernidade teve um papel importante na construção da percepção do corpo como
um marcador de diferenças. Ela trouxe consigo todo um conjunto de procedimentos
discursivos e institucionais de disciplina aos corpos. Contudo, segundo Foucault
(2008), o poder também pressupõe a resistência. Dessa forma, das expressividades
corpóreas podem emanar sentidos contrários aos mecanismos de dominação.
Esse sistema de conformação corporal é a expressão do poder na
modernidade, segundo Foucault (2005). Para o autor, a “disciplinarização” e a
modernidade são correspondentes, na medida em que o corpo se torna um elemento
central, sem o qual o poder não tem condições de ser exercido. Essas tecnologias do
poder (FOUCAULT, 2005) impostas aos corpos estabelecem condutas, proibições,
obrigações e modelos de existência aos sujeitos, criando padrões acerca do corpo:
“bom”; “mau”; “belo”; “feio”, “conforme” e “não conforme”.
Associando tais preceitos ao contexto brasileiro, cuja história é marcada pela
escravidão, mestiçagens e políticas de branqueamento, temos que o modelo de corpo
“conforme” é o eurocêntrico. Assim, os que se distanciam desses padrões sofrem uma
série de sanções de forma a se conformarem ao padrão hegemônico estabelecido.
Nessa dinâmica, os corpos não “conformes” criam estratégias de resistência que
geram disputas de significações acerca dos aspectos corpóreos (GÓMEZ; SALGADO,
2012).
2 Tipo de celebridade que ganhou popularidade com produção de conteúdo na plataforma digital YouTube.
17
Aproximando essas reflexões aos aspectos ligados às sociedades
comunicacionais na contemporaneidade, temos que os corpos criam disputas de
sentido que se ligam a fluxos identitários e culturais, tornando-se perceptíveis nas
vivências midiáticas dos sujeitos. Esses trânsitos simbólicos que englobam os corpos
e suas expressividades são potencializados pelos aparatos tecnológicos e nutrem as
práticas comunicacionais, estabelecendo vínculos sociais, que empregam sentidos
aos bens e aos indivíduos (ROCHA, 2008).
Lemos (2007) argumenta que a descentralização dos meios de comunicação
no contexto pós-massivo provoca o avanço da midiatização e das novas
sensibilidades de lidar com tempo-espaço, levando os meios de comunicação ao
centro da vida cotidiana. Este cenário se torna fértil para a afirmação de uma
expressão imediata do vivido e do testemunhal, em formas de narrar a vida (ARFUCH,
2010). Assim, os relatos autobiográficos construídos nos espaços midiáticos são ao
mesmo tempo produtos e dispositivos de interpretação das culturas midiáticas e se
expandem para além de um caso singular, possibilitando novas narrativas,
identificações e identidades e uma interpretação das realidades sociais e contextos
culturais (RINCÓN, 2006).
A mídia se desenha como uma arena do visível (ROCHA; CASTRO, 2009),
inserindo os sujeitos em um cenário amplo, permeado pela extensão televisionada ou
teleauditiva. Assim, a dinâmica social mediada pela “transparência de uma tela, da
impalpabilidade de uma imagem, uma participação por olho e por espírito nos abre ao
infinito do cosmos real e das galáxias imaginárias” (MORIN, 2006, p. 71). Essa
multiplicidade do real e do imaginário fomenta as trocas afetivas entre os sujeitos,
onde os sentidos são construídos na representação de imagens.
Para André Lemos (2007, p. 156), os processos midiáticos, em especial as
mídias audiovisuais, configuram-se enquanto “fluxo, troca, deslocamento,
desenraizamento e desterritorialização das relações sociais, das informações e dos
territórios”. Essa estrutura midiática, instaurada pela cibercultura, permite que
qualquer indivíduo produza e publique informação em tempo real. Ou seja, torna-se
possível “emitir, circular e se mover ao mesmo tempo” (Ibidem, p. 159).
O território informacional se converte, portanto, em um lugar dependente do
espaço físico e eletrônico a que está vinculado. Tudo isso a partir de elementos que
criem laços de pertencimento simbólico, econômico, afetivo, etc., afirma Lemos
18
(2010). Ou seja, nessa configuração atravessada por territórios informacionais, os
sujeitos sociais virtualmente adquirem maior capacidade de intervenção e expressão
da subjetividade.
Esta imbricação entre mídia, cultura e política é atravessada por práticas de
consumo, que, articuladas a contextos socio-históricos, permitem a interação entre os
sujeitos e a construção de suas identidades para além do consumo restrito a bens
materiais. O consumo atua como um promotor de vínculos sociais, por meio de
práticas discursivas e simbólicas articuladas às práticas cotidianas. Ou, como afirma
Rocha:
(...) consumir, neste caso, é muito mais do que mero exercício de gostos, caprichos ou compras irrefletidas, mas todo um conjunto de processos e fenômenos socioculturais complexos, mutáveis, através dos quais se realizam a apropriação e os diferentes usos de produtos, serviços (...) (ROCHA, 2010, p. 1).
Assim, torna-se necessário pensar a comunicação e o consumo para além de
aparatos e estruturas, abarcando seu viés cultural, que englobe análises que se
refiram aos sujeitos sociais. Nesse sentido, mais do que dinâmicas de reprodução de
formas e conteúdo, faz-se necessário localizar na produção da comunicação “os usos
sociais dos meios, as recriações de seus conteúdos e a criação de novos significantes
e significados” (ROCHA, 2010, p. 2).
Rocha e Castro (2009, p. 51), ao abordarem as culturas da mídia, lembram que
o consumo pode ser entendido como uma forma de mediação: “ao consumirmos bens
materiais e imateriais nós nos constituímos enquanto indivíduos e negociamos nossos
próprios significados nos jogos comunicativos entre o coletivo e o individual, o global
e o local”. As práticas de consumo são, assim, atreladas às dinâmicas sociais,
culturais e econômicas que as circundam.
A hibridação entre mídia, consumo e a estetização do cotidiano cria:
(...) dinâmicas de visibilização incessante e configuram verdadeiras arenas de disputa pela conquista de atestados de existência midiáticos. Nessas arenas do visível, homens e mulheres buscam, a todo custo, manter-se em cena (ROCHA; CASTRO, 2009, p. 52).
As dinâmicas de visualidade, com fronteiras cada vez menos demarcadas,
aludem à maneira como construímos nossa identidade e reconhecemos a diferença,
e repercutem nas formas como concretamente vivemos nossas vidas, percebemos o
mundo e nele nos inserimos (Idem).
19
Esse ambiente de produção e exigência de visibilidades permite investigar as
formas de produção e negociação de sentidos ligados aos corpos negros, que
englobam estigmas e exclusões, mas também possíveis sentidos de (re)significação
e (re)existência, em que tensões socioculturais ganham visibilidade social e impacto
midiático.
Nesta direção, a presente pesquisa se desenvolve em três etapas
metodológicas. A primeira delas faz referência a revisão bibliográfica, com o intuito de
estabelecer uma aproximação das teorias e estudos já realizados sobre o mesmo
tema. A segunda etapa se refere ao levantamento de dados que compõem o corpus
de análise. Por fim, a terceira etapa metodológica corresponde à análise de conteúdos
selecionados do corpus, pautada em perspectiva crítica de interpretação.
Deste modo, no Capítulo 1 buscamos entender a constituição de uma
sociedade de consumo, localizada a partir da modernidade. Nosso olhar está voltado
a perceber como as transformações tecnológicas, das cidades, das imagens, das
identidades e das mídias, pautadas nas práticas do consumo, oferecem formas de
demarcar pertencimento e reconhecimento, mas também estabelecem conflitos e
exclusões. Buscamos refletir ainda, como as sociedades modernas desenvolvem
maneiras de se estar no mundo e agenciamentos subjetivos (MENDONÇA, 2008)
destinados à conformação dos corpos, ao estabelecerem manuais de comportamento
que visam disciplinar as condutas, expressões e aparências e o quanto isso influência
a criação de padrões corporais ideais, que privilegiam modelos hegemônicos de
branquitude e marginaliza aspectos atrelados à estética negra.
No Capítulo 2, nos dedicamos a compreensão das narrativas autobiográficas
de transição capilar em mulheres negras, como forma de refletir acerca de suas
visibilidades midiáticas. A partir deste ponto, versamos sobre o fato de as imagens
tomarem centralidade em nossas sociedades e no imaginário midiático, concebendo
ainda o processo narrativo como aquele que legitima e dá significado à realidade
cultural.
No capítulo 3, detalhamos a construção metodológica da pesquisa.
Destacamos nosso posicionamento adotado, o entendimento da ciência não enquanto
lugar neutro, mas como espaço para pensar a cultura, as estruturas de poder e
também o lugar de onde se fala e de onde se parte enquanto pesquisador. Assim,
nosso estudo mobiliza conceitos como lugar de fala (RIBEIRO, 2017) e a
20
autoetnografia (SCRIBANO; SENA, 2009; VERGUEIRO, 2014) como estratégia
metodologia para compreender o quanto a presença dos pontos de vista de quem
pesquisa pode favorecer a captação de experiências outras.
É apresentado no capítulo 4 as análises e interpretações de nosso corpus da
pesquisa, com o intuito de apreender as visibilidades midiáticas presentes em Taís
Araújo, Ludmilla, Alexandra Loras e Rayza Nicácio. Nossas interpretações se dividem
em três categorias distintas: modos de apresentação; lugares de fala associadas a
narrativas autobiográficas e estratégias de visibilidades.
Por fim, encontram-se as considerações finais, onde estão colocadas reflexões
mais gerais sobre a pesquisa e a alguns apontamentos acerca das relações entre
mulheres negras e espaços midiáticos, relacionando as narrativas biográficas das
artistas estudadas.
21
CAPÍTULO 1. MULHERES NEGRAS, MÍDIA E CONSUMO
1.1 CONSUMO, MÍDIA E NEGRITUDE: A CONSTRUÇÃO IMAGÉTICA DA MULHER
NEGRA EM CONTEXTOS BRASILEIROS
O surgimento da sociedade do consumo constitui um marco teórico para
pensarmos sobre as visibilidades de mulheres negras. O contexto de seu início
perpassa a Revolução Industrial e as mudanças estruturais por ela acarretadas, que trouxeram um novo sistema de ordens que modificou as esferas sociais, econômicas,
tecnológicas, culturais, e também nas práticas de consumo. Neste contexto, o
consumo adquire protagonismo, como força motriz do desenvolvimento econômico e
como elemento de mediação de novas relações e processos, que se estabelecem no
âmbito das sociedades modernas.
É neste cenário também, “do fazer viver moderno”, fundamentado nas lógicas
capitalistas, que surgem movimentos em prol do “prolongamento da vida”, no intuito
de torná-la mais produtiva, mas também permitindo que os indivíduos passem a ter
melhor compreensão do próprio corpo. Assim, aquilo que é a favor da vida, no sentido
de hábitos e condutas, consolida-se como prática obrigatória; por outro lado, tudo que
parece ser contra a vida, tornou-se proibido (BERTOLINI, 2015). Esses processos de
disciplinarização dos corpos, entendidos 2por Foucault sob o conceito de biopoder,
centram-se:
no corpo como máquina: no seu adestramento, na ampliação de suas aptidões, na extorsão de suas forças, no crescimento paralelo de sua utilidade e docilidade, na sua integração em sistemas de controle eficazes e econômicos.” (FOUCAULT, 1998, p. 151)
Esta noção de biopoder aparece como um modo de exercício do poder
característico das sociedades na modernidade, e está atrelada a formas de regulação
e disciplinarização destinando-se à conformação dos corpos (FOUCAULT, 1998). Os
modos de subjetivação são produzidos a partir da midiatização de uma série de
regras, condutas e práticas de cuidado com o corpo, “em consonância com o
fortalecimento de uma imagem moderna e produtiva.” (SANT’ANNA, 2009apud
MENDONÇA, 2005, p. 108).
A partir desta nova dinâmica, pautada em um capitalismo centrado no consumo
cada vez mais simbólico, imaterial e imagético, atrelado às novas tecnologias
22
comunicacionais e informacionais, estabelece-se um modelo de sociedade que tem
na comunicação o seu principal estruturador simbólico (SANTOS, 2012). Os meios de
comunicação adquirem papel determinante nesse “fazer viver moderno”, pois é a partir
de tais dispositivos que esses referenciais acerca do “corpo perfeito” são difundidos.
Nessa conjuntura, a mídia surge como agente de significados (SILVERSTONE, 1999).
O corpo, em sua dimensão física e estética, passa a adquirir centralidade nas
discussões pertinentes à comunicação midiática. Desta forma, fica inserido em
construções socioculturais, adquirindo papel essencial nos processos de identidade e
de socialização. Assim, como local onde a construção identitária se registra e adere,
o corpo se torna capaz de evidenciar fluxos discursivos e marcas simbólicas. Assume,
assim, papel de extrema importância na constituição das identidades e no processo
de pertencimento e distinção (HOFF, 2008).
Nesse sentido, foi se instituindo definições de padrões no que diz respeito aos
elementos corpóreos, por meio de imagens e representações do “corpo ideal”,
evidenciando uma verdadeira corrida ao consumo, em que a mídia se institui como
articulador dessas representações corpóreas, a partir de imagens:
A mídia trabalha para que a produção de imagens chegue ao indivíduo de maneira que legitime e afirme não só o consumo, mas também os modos de sociabilidade – uma espécie de orientação sobre como viver e se relacionar em sociedade – nelas inserido. Para isso, a mídia ensina o que, onde, quando e como consumir. Mais: ensina como devemos ser. Por meio de suas representações/imagens, o indivíduo pode se reconhecer como protagonista das imagens, espelhando-se nos modelos apresentados, fazendo da imagem midiática algo a ser copiado (SAMARÃO, 2009, p. 167).
Nesse sentido, o consumo, ao estar “intrinsicamente articulado à midiatização
do real” (ROCHA, 2012, p. 24), vincula-se a esses processos de produção de sentido
e à constituição das identidades. Ao abordar a relação entre mídia e práticas do
consumo, Rocha e Barros (2008) compreendem o consumo como um sistema de
significação que traduz grande parte de nossas relações sociais. Para os autores, ao
decodificar sentimentos e relações, o consumo “forma um sistema de classificação de
coisas e pessoas, produtos e serviços, indivíduos e grupo” (ROCHA; BARROS, 2008,
p. 198). Desta forma, ao operar na dimensão pública deste sistema de significação, a
mídia faz com que conheçamos o consumo “através das micro histórias, dos
pequenos mundos, das narrativas que se passam dentro dos anúncios, do cinema ou
das novelas” (Ibidem, p. 198-199). As narrativas midiáticas instituem de forma pública
23
produtos e serviços como necessidades, além de nos ensinar suas formas de uso e
estabelecer desejos como classificações sociais (Idem).
Considerando os contextos brasileiros, Hoff (2009) pontua que as
representações midiáticas acerca do corpo, implicam em uma realidade editada da
existente no tecido cultural, em que certos padrões corporais são privilegiados e
representados como “belos” ou como ideal a ser atingido. Enquanto isso, os que
diferem dessas características se tornam invisíveis nas representações midiáticas, ou
são retratados de maneira pejorativa e/ou inferiorizada.
Douglas Kellner (2011) acredita que a mídia e suas representações ajudam a
moldar opiniões e comportamentos sociais, a partir de suas definições do que é bom
ou do que é mau, certo ou errado, moral ou imoral. E ainda contribui a demonstrar
quem tem e quem não tem poder, legitimando assim as relações de poder vigentes
(Idem). O autor compreende a cultura da mídia como um território de disputas de
sentido “por meio de imagens, discursos, mitos e espetáculos veiculados pela mídia”
(Ibidem, p. 11).
Nesta perspectiva, em uma sociedade como a brasileira, marcada ao longo dos
séculos pela colonização, escravidão, miscigenação e por processos de
branqueamento, onde o racismo opera numa ordem fenotípica – beneficiando
pessoas de pele clara e traços finos –, a questão racial é uma das causas dessas
disputas de sentido, presentes nas narrativas e representações midiáticas. Desse
modo, os elementos corpóreos se destacam como forma de analisar as imposições e
estigmas a que estão sujeitos os corpos negros.
As concepções estereotipadas acerca do corpo negro e a valorização da
branquitude já eram nítidas no período escravocrata (QUINTÃO, 2013). Contudo, a
partir do século XX, as tecnologias comunicacionais e seu inegável espraiamento
social, atrelado aos agenciamentos subjetivos, fomentam a disseminação de sentidos
vinculados a um ideal de embranquecimento no Brasil – na época, estimulados pelas
elites e instituições brasileiras.
Os debates em torno dessas possibilidades de embranquecimento da
população brasileira foram embasados por teorias científicas pós-abolição, que
24
dialogavam com concepções vinculadas ao darwinismo social3. Duas visões em
especial se tornaram célebres em torno dos dilemas referentes aos negros e o futuro
racial do país. Ambas compreendiam a população negra como inferior; porém,
algumas vertentes, como a defendida pelo médico Raimundo Nina Rodrigues,
acreditavam que o cruzamento racial operado no Brasil “levaria à degeneração
crescente e à impossibilidade de constituição de um povo brasileiro habilitado à
“civilização” (SANTOS; SILVA, 2018 apud ORTIZ, 2003, p. 257). Já outros
intelectuais, como João Batista Lacerda, viam na mestiçagem:
(...) uma possibilidade de melhoria e regeneração racial que levaria ao desaparecimento progressivo dos negros e mestiços de pele escura, tidos como inferiores, e ao branqueamento paulatino do conjunto da população” (Idem).
A representação inferiorizada da negritude em produções midiáticas, em
especial da mulher negra, corrobora esses conceitos e são reflexos das políticas de
branqueamento que vinculavam a imagem do negro a aspectos pejorativos e
subalternizantes (ARAUJO, 2006).
Como parte intrínseca da constituição das identidades, o sentido de
representação faz referência aos sistemas simbólicos por meio dos quais os
significados são construídos e a como esses sentidos produzidos afetam a percepção
dos sujeitos sobre si mesmo e sobre o contexto em que estão inseridos. Segundo
Woodward (2000, p. 170), “a representação, compreendida como um processo
cultural, estabelece identidades individuais e coletivas e os sistemas simbólicos nos
quais ela se baseia”.
As representações são, portanto, efeitos de práticas discursivas, convenções
sociais articuladas a linguagens e imagens, que não se configuram somente como um
meio transparente a partir do qual a realidade é refletida. Nesta perspectiva, as
narrativas midiáticas e as práticas de consumo são agentes significantes, mediadores
da realidade, produtores de sentidos que não só a reproduzem, mas também atuam
em suas definições.
1.2 A IMAGEM DA MULHER NEGRA: ESTEREÓTIPOS E REPRESENTAÇÕES
3 Interpretações muito difundidas entre os XIX e XX interpretações que utilizavam a Teoria da Seleção Natural como instrumento de análise do meio social.
25
A representação da imagem da mulher negra em produções midiáticas nos
auxilia a pensar acerca dessas significações que vinculam aspectos negativos a
elementos corpóreos atribuídos à negritude. Na década de 1920, no Brasil, já era
perceptível em propagandas, por exemplo, um predomínio das representações
femininas fazendo referência a padrões estéticos europeus (HOOF, 2008). Essa
hierarquização pautada por traços fenotípicos foi atribuindo uma série de sentidos a
essas representações midiáticas, conectados diretamente à cor da pele, ao tipo de
cabelo, ao formato do nariz, etc. Ou seja, relacionam-se às “marcas” diretamente
percebidas e performadas pelos sujeitos.
De acordo com Sant’Anna (2014), nas décadas de 1920 e 1930, a pele branca
dominava as propagandas de produtos de beleza. Segundo ela, nessa época, era
comum associar a pele negra à sujeira, à doença ou empregar a ela termos como
“pele encardia”. Os anúncios eram divididos entre aqueles que atribuíam à
mestiçagem sentidos como “atraso cultural” e “indolência” e aqueles que exotizavam
a figura de negros e mestiços, “como se por intermédio deles fosse possível
experimentar devaneios secretos” (SANT’ANNA, 2014, p. 76). Os anúncios de cremes
para o rosto, por exemplo, atribuíam à brancura sentidos de saúde e beleza: (...) “uma
pele branca, delicada e fina, dentro da qual se vê circular a vida, o ser ideal de toda a
mulher. Peles encardidas, conforme anunciava a propaganda, precisavam ser
regeneradas” (Idem).
Essa necessidade de “regeneração” da pele escura ou “morena”, que
supostamente deveria “ser limpa” de modo a adquirir o tom branco da “beleza” e
“saúde”, era tão intensa nas propagandas que motivava a difusão das mais variadas
receitas no intuito de “corrigir” o problema da chamada “pele encardida”. Máscara feita
de leite, suco de limão e óleo de amêndoas eram alguns dos produtos que prometiam
bons resultados clareadores. Por muito tempo, segundo Sant’Anna (2014), o
clareamento da pele foi visto como algo positivo e muito recorrente nas propagandas
de cosméticos. Contudo, mesmo em um contextos mais recentes, é possível perceber
em narrativas publicitárias o clareamento da pele negra associado à ideia de
“limpeza”. Um exemplo é o anúncio de sabonete da marca Dove, produzido na
Inglaterra e veiculado no Brasil em 2017:
Imagem 1: Anúncio racista da marca Dove (2017)
26
Fonte:
<https://www.google.com.br/search?q=anuncio+racista+dove&source=lnms&tbm=isch&sa=X&ved=0a
hUKEwjCg_GUwbfAhUBIJAKHQC7CwsQ_AUIDygC&biw=1366&bih=618#imgdii=2w_a321f_JCRHM:
&imgrc=1x8_FtRn4mXfCM:>.
Na imagem, vemos uma mulher negra com uma blusa na cor de sua pele. A
seguir, ela “retira” a camisa e aparece uma mulher branca. O sentido estabelecido cria
um efeito de “antes e depois”, dando a entender que a primeira estava “suja” e, após
o uso do sabonete da marca, “ficou limpa”.
Outra forma comum de representar a mulher negra na publicidade é a partir de
um viés fortemente erotizado, atribuindo a elas uma sensualidade exacerbada. A
imagem sexualizada da mulher negra, especialmente as de pele clara, são comuns
na produção cultural brasileira e remetem a uma visão construída ainda no período
colonial escravista. De acordo com De Paula (2012), os aspectos corporais vinculados
à sensualidade eram atributos exigidos nos mercados de compradores de escravos.
Essa objetificação das mulheres negras escravizadas e sua desumanização por não
serem proprietárias de seus corpos e serem vistas como sexualmente disponíveis por
seus “senhores”, justificava ainda constantes violências sexuais. Sentidos desse
imaginário racista ainda se perpetuam em anúncios publicitários brasileiros recentes.
Em 2017, a marca de cerveja Devassa veiculou um anúncio que exibia a ilustração de
27
uma mulher negra, com roupas curtas e justas e com os seguintes dizeres: “É pelo
corpo que se reconhece a verdadeira negra”:
Imagem 2: Propaganda racista marca de cerveja Devassa (2017)
Fonte: <https://www.diariodocentrodomundo.com.br/wp-content/uploads/2013/10/devassaa.jpg>.
Hoff (2008) considera que, apesar de apresentar sintonia com as
transformações socioculturais, a publicidade no Brasil repercute, mesmo em suas
representações “positivas” de diferentes etnias, estéticas corporais, etc., uma falsa
ideia de inclusão, evidenciando, muitas vezes, apropriações indevidas dessas
identidades. Para a autora, essas representações costumam ser distantes da
realidade, idealizadas, o que a leva a inferir que o “diferente” permanece sem voz
(Idem).
Além da publicidade, as telenovelas e o cinema também são importantes
produtos culturais que influenciam a forma como a imagem da negritude é percebida
e retratada no Brasil. Araújo (2006) reflete que a estética do branqueamento se tornou
referência na produção de telenovelas no país. Segundo ele, o padrão de beleza ideal
percebido nas produções televisivas se aproxima dos modelos de beleza
eurocêntricos, que exaltam a superioridade da branquitude, o que é perceptível, por
exemplo, nos critérios para a escolha dos personagens principais:
(...) a escolha dos galãs, dos protagonistas, celebra modelos ideais de beleza europeia, em que quanto mais nórdicos os traços físicos mais
28
destacado ficará o ator ou atriz na escolha do elenco. Os mesmos também receberão as melhores notas nos processos de escolha e premiação dos mais bonitos do ano pelas revistas que fazem a crônica cotidiana do mundo das celebridades. (ARAÚJO, 2006, p. 77).
Por outro lado, afirma Araújo (2006), as atrizes negras costumam representar
papéis associados ao feio, ao subalterno ou ao socialmente inferior. Os graus de
mestiçagem também estão atrelados a essas escolhas: quanto mais intensa as
“marcas da negritude”, como cor da pele e textura do cabelo, maiores as chances de
se ter papeis vinculados a estereótipos negativos.
As representações da mulher negra no cinema brasileiro não costumam diferir
destes aspectos. Segundo Ferreira (2018), a branquitude ainda predomina como
representação estética no cinema brasileiro, o que acarreta em uma naturalização de
certos estereótipos e de uma invisibilidade associadas a mulheres negras. Como
sistema de representação, o cinema revela, ainda, muitas das assimetrias, dos
privilégios e contradições presentes no imaginário cultural do Brasil acerca das
relações raciais (FERREIRA, 2018).
Para João Carlos Rodrigues (2001), as personagens negras costumam não ser
individualizadas e com frequência seus papéis não possuem profundidade psicológica
em produções ficcionais no Brasil (incluindo as cinematográficas e as televisivas). O
autor identifica alguns arquétipos atrelados a essas a representações femininas em
telenovelas e no cinema, enfatizando o quanto estão atreladas a vieses negativos e
refletem sentidos da ideologia do branqueamento.
O primeiro corresponde ao arquétipo da “mãe-preta”, típico da sociedade
escravocrata brasileira; este tipo de personagem possui características como
submissão e conformismo, sua existência está sempre atrelada ao “cuidado com os
patrões”, costuma ser retratada como “a empregada”, a “cuidadora”, etc. O segundo
arquétipo a que se refere é o da “negra de alma branca”, que corresponde à
representação da negra que teve acesso a uma boa educação e, por meio dela, foi
(ou pretende ser) integrada à sociedade dominante. O terceiro faz referência à “nega
maluca”, utilizado inclusive como inspiração em fantasias de carnaval; este arquétipo
é normalmente uma personagem cômica, que faz trapalhadas e confusões. Temos
ainda o arquétipo da “mulata boazuda”, vinculada à exploração da sexualidade da
mulher negra. Por fim, “a musa”, é o arquétipo menos frequente na arte brasileira.
Essa representação se distancia do erotismo vulgar; ao contrário, evidencia uma
29
figura pudica e respeitável, sendo, portanto, a que mais se distancia das
representações negativas (RODRIGUES, 2001).
Vemos, a partir deste panorama, que as representações de mulheres negras
em produções midiáticas reverberam ainda muitos dos sentidos negativos instituídos
em um passado escravocrata e pós-abolição. A valorização da estética branca e a
naturalização de estereótipos que inferiorizam e invisibilizam a mulher negra ainda se
fazem muito presentes nessas representações midiáticas.
É evidente que muitas transformações acerca da imagem de mulheres negras
têm ocorrido com o passar dos anos nas produções veiculadas pela mídia. Contudo,
cabe enfatizar que são mudanças ainda muito sutis se comparadas ao macrocontexto
das produções audiovisuais no Brasil (COUCEIRO, 2001). Isso tudo acaba por gerar
um fenômeno de invisibilidade social, em que mulheres negras, ao não se
identificarem com suas representações na mídia, por vezes, a fim de se enquadrarem
socialmente, se utilizam de recursos estéticos para se aproximarem dos padrões da
branquitude.
1.3 O CABELO E AS REPRESENTAÇÕES MIDIÁTICAS
O cabelo exerce um papel importante na autopercepção dos indivíduos,
consistindo em uma manifestação da expressão simbólica de identidade. Ao falarmos
das texturas crespas e afros, irremediavelmente nos aproximamos da estética negra.
Constantemente suprimida desde o período da colonização, eram comuns, por
exemplo, rituais em que os negros escravos eram obrigados a raspar os fios, sob o
pretexto de necessidade de higiene. Além disso, turbantes e penteados que
lembrassem sua cultura de origem eram proibidos, numa tentativa de destruir qualquer
sentimento de identidade étnica daqueles indivíduos (SILVA, 2016).
O contexto histórico brasileiro deixa claro o quanto a estética negra caminhou
paralelamente ao racismo e a padrões fenótipos eurocêntricos, como o cabelo liso,
disseminado em representações midiáticas como ideal a ser seguido. Esse modelo
influenciou milhares de mulheres e meninas a abdicarem de suas características
raciais e adotarem modelos homogêneos como forma de disfarçar e camuflar sua
“negritude”.
30
Segundo Sant’Anna (2018), no início do século XX já se podia notar no discurso
publicitário e na imprensa da época um incentivo aos métodos de alisamento.
Produtos como “O Cabelisador”, que consistia em um pente a ser aquecido antes do
uso, e “uma pasta mágica” eram comercializados com o intuito de alisar os fios e
faziam sucesso entre mulheres negras. Antes de sua invenção, contudo, receitas
caseiras e rituais, como passar os cabelos a ferro, já eram utilizados como estratégias
de alisamento.
Imagem 3: Propaganda “O Cabelisador”
Fonte: O Clarim d’Alvorada, ano VI, n° 16, maio 1929.
31
Neste momento em que a publicidade promovia um ideal de beleza
eurocêntrico, “O Cabelisador” surgia como uma “invenção incrível” para resolver um
dos motivos de desalento dos negros: a textura crespa. A representação do cabelo
crespo como algo que deveria ser suprimido, reforça um ideal de beleza pautado na
estética dos fios lisos, associado a sentidos como “beleza”, “elegância” e
“modernidade”. Ter o cabelo alisado no discursos publicitários passou a ser sinônimo
de “mais apresentável socialmente”:
(...) a exigência dos cabelos lisos era constante em reportagens e anúncios publicitários. Por conseguinte, técnicas e produtos apropriados para se conseguir um cabelo menos crespo e menos volumoso conquistaram forma e valor (LOPES, 2002, p. 417).
Por outro lado, ao mesmo tempo em que as representações publicitárias
celebravam e promoviam a estética dos fios lisos, advindos dos padrões
eurocêntricos, disseminava sentidos estereotipados e negativos, acerca dos cabelos
crespos.
Imagem 4: Propaganda da esponja de aço “Krespinha” (1952)
“No Rio, todos me conhecem. Sou Krespinha – a melhor esponja para a
limpeza da cozinha. As paulistas também vão me querer bem”.
Fonte: <https://cacheia.com/2017/05/cabelo-natural-ato-politico/?fbclid=IwA>.
32
A propaganda acima relaciona uma menina negra de cabelo crespo a uma
esponja de aço. O termo “krespinha” faz uma referência pejorativa aos cabelos afro
provenientes da estética negra. Essa comparação negativa das texturas crespas ao
aspecto “duro”, “ressecado” e “áspero” das esponjas de aço, são alguns dos aspectos
mais comuns atribuídos até hoje como forma de ridicularizar o cabelo afro. É preciso
pontuar o quanto estes sentidos depreciativos estão associados a estigmas e não
correspondem à realidade.
Segundo Mello (2010), as texturas capilares possuem características diferentes
que alteram o formato da fibra do cabelo. Os fios lisos, refletem mais a luz e tem mais
facilidade de circulação do sebo do couro cabeludo até o eixo do cabelo,
diferentemente dos fios crespos. Isso de modo algum indica qualquer indício de falta
de saúde, de “maciez” ou de “hidratação”, como dão a entender os sentidos presentes
na propaganda acima. O que reforça o quanto desses significados estão atrelados a
preconceitos construídos socialmente.
Essas representações, que, ao mesmo tempo em que valorizavam o cabelo
liso, discriminavam os fios afro, tinham como intuito “marcar a diferença”, promovendo
o entendimento disciplinado de que as diferenças são permanentes e naturais,
quando, na verdade, “eram naturalizadas por um discurso ideológico e publicidade
visual editadas com esse objetivo (SILVA, 2016apud HALL, 2010, p. 427).
A partir da década de 1980, o mercado brasileiro passou a se voltar mais para
o que passou a ser denominado “cabelo afro” (SANT’ANNA, 2018), impulsionado por
movimentos de valorização da estética negra surgidas nas décadas anteriores, como
o Movimento Black is beautiful4, nos Estados Unidos, e o Movimento Black Rio5, no
Brasil. Com isso, passa a se evidenciar um aumento no número de negros nos
espaços publicitários. Como exemplo desta valorização do negro no mercado de
consumo, temos a revista “Raça Brasil”, primeira revista dedicada à cultura afro-
brasileira, lançada em 1995.
4 Movimento iniciado nos Estados Unidos na década de 1960, que tinha com um dos principais intuitos a valorização da estética negra. 5 O Movimento Black Rio, da década de 1970, configurou-se como uma cena musical que associou cidadania, linguagem e novas formas de apropriação do espaço público, tendo como premissa a exaltação de aspectos atrelados a negritude, como a valorização estética.
33
Segundo Brasileiro (2003), o cabelo adquire bastante relevância nas pautas
abordadas na revista Raça Brasil, por se tratar de um marcador identitário dos traços
negros evidenciados como modelo de “anti-beleza”. A revista buscava
incansavelmente enaltecer o cabelo crespo e as características negras na seção
“Cabelo Bom”, totalmente dedicada ao assunto. O “cabelo bom” aqui é uma resposta
ao estigma do “cabelo ruim”, em uma tentativa de ressignificação do que que circula
como sinônimo do cabelo crespo (BRASILEIRO, 2003). Alguns elementos presentes
no editorial da seção “Cabelo Bom” também ressaltam esses sentidos de
ressignificação atribuído aos cabelos crespos:
(...) em todas as edições de RAÇA BRASIL dedicamos um espaço considerável para cortes, tratamentos e novidades da área, sempre pensando em ajudá-la a manter sua cabeleira acima de qualquer crítica - Editorial Seção “Cabelo Bom” Revista Raça Brasil (BRASILEIRO, 2003, p.124).
A expressão “qualquer crítica” remete a uma tentativa de ressignificar o
estereótipo do cabelo crespo, constante alvo de chacotas por ser vinculado a
elementos depreciativos como “desarrumado” ou “feio”. Brasileiro (2003), contudo,
ressalta que a Revista Raça, mesmo ao se propor à valorização da negritude e sua
estética, ainda demonstrava elementos vinculados a padrões estéticos próximos aos
cabelos lisos ao propor, com frequência, métodos e técnicas de cuidados com o
cabelo crespo, enfatizando tratamentos como “relaxamento” e “permanente-afro”, que
consistem em processos químicos para “diminuir o volume” e diminuir o aspecto
crespo do cabelo, deixando-os em uma textura mais próxima do aspecto liso.
Em contextos mais recentes, é possível perceber que a comunicação em rede
tem favorecido um aumento no número de compartilhamento das narrativas midiáticas
sobre a estética negra. Após períodos de transformação nas formas de uso do cabelo
afro, que enfatizavam principalmente processos químicos como alisamentos e
relaxamentos, nos últimos anos, movimentos pela valorização das texturas crespas e
cacheadas, atreladas a um discurso de aceitação, têm se tornado cada vez mais
frequentes.
Essas narrativas de enaltecimento das texturas crespas e cacheadas têm
adquirido espaço significativo em sites de rede social, como em canais da plataforma
digital YouTube. Desta forma, trazem a presença da mulher negra figurando como
protagonista, algo pouco presente em mídias tradicionais, como a publicidade, a
34
televisão e o cinema. O surgimento dessas presenças midiáticas de mulheres negras
com conteúdos relacionados a cabelo, dicas de produto e abordagem da relação entre
estética negra e autoestima, têm chamado a atenção do mercado publicitário a este
público até então esquecido, o da mulher negra (SOUZA; BRAGA, 2018).
Imagem 5: Propaganda Unilever para cabelos crespos e cacheados com youtubers
(2017)
Fonte:
<https://www.google.com.br/search?biw=1366&bih=654&tbm=isch&sa=1&ei=In47XISXJsKawQTEwa
6oBQ&q=propaganda+seda+cabelos+crespos+juntas+arrasamos&oq=propaganda+seda+cabelos+cr
espos+juntas+arrasamos&gs_l=img.3...4071156.4079366..4079877...4.0..3.2315.13627.1j5j7j0j3j5j9-
3......1....1..gws-wiz-img.rmlLL_jAQxs#imgrc=aqpLIQRlRxNj_M:>.
Imagem 6: Propaganda Salon line, narrativa da aceitação (2018)
35
Fonte:
<https://www.instagram.com/p/BoCM_HvBE6v/?utm_source=ig_share_sheet&igshid=3p5aow3hdad1
&fbclid=IwAR2hFsRtCLDg_hlgkL44g1KNyacJ9P1ybMy_pkaPI99RBO-kUmpbBgXalw8>.
Nessa conjuntura, tem surgido nos espaços midiáticos, em pautas televisivas
e, principalmente, em anúncios e propagandas, narrativas que incorporam esse
enaltecimento dos “cachos”, dialogando com o movimento de aceitação surgido em
sites de redes sociais, a partir do compartilhamento de relatos de experiências de
mulheres negras com os próprios cabelos.
Assim, refletir sobre essas narrativas autobiográficas de mulheres negras
compartilhadas em rede, atreladas a representações midiáticas da estética negra,
constitui-se como questão privilegiada para pensar a comunicação a partir da
diversidade, e de suas possíveis implicações no empoderamento de mulheres negras,
a partir de estratégias de “descolonização estética”, por meio do abandono dos
processos de alisamento e de uma valorização das texturas crespas.
Ressalta-se que essas narrativas estão longe de expressar um rompimento a
padrões estéticos eurocêntricos, ainda predominantes nas representações midiáticas.
Contudo, permitem dialogar com possíveis deslocamentos de sentido acerca de como
a imagem do negro vem sendo retratada na mídia, assim como com seus impactados
nas identidades de mulheres negras.
36
CAPÍTULO 2. AUTOBIOGRAFIAS E VISIBILIDADES EM PERFORMANCES MIDIÁTICAS DE MULHERES NEGRAS
2.1 DO EU QUE ECOA UM NÓS: MEU CABELO, NOSSAS HISTÓRIAS
A formação subjetiva e identitária de um indivíduo está inscrita em seu corpo e,
segundo Campelo (1997), é visível através das informações que dele fluem. Para
Fernández (2013), cada época constrói significações relacionadas aos corpos; estes,
por sua vez, obedecem e acatam, mas também resistem e transgridem. Isso implica
dizer que os indivíduos não são apenas reprodutores da realidade e, portanto, sujeitos
assujeitados, mas possuidores de reflexividade, através da qual questionam a
realidade – em particular a vida social em suas várias formas (SALGADO; GOMES,
2012).
Nesse ensejo, o cabelo se manifesta enquanto elemento corpóreo significativo
no que diz respeito às experiências socializantes da mulher negra. Ele tanto pode
oferecer ferramentas expressivas voltadas ao questionamento do status quo classista
e racista, concernente à dominação e aos enquadramentos das corporalidades,
quanto significar o assujeitamento de mulheres negras a padrões de gosto e
reconhecimento social extremamente elitistas e preconceituosos. Goffmann (2017),
ao apontar os aspectos tocantes aos indivíduos estigmatizados, alude que, por serem
considerados “diferentes” e/ou inferiores comparados aos demais na sociedade,
esses indivíduos marginalizados, visando construir e legitimar sua identidade social,
criam uma série de estratégias de sobrevivência nas suas interações sociais. Nesses
trânsitos simbólicos da contemporaneidade, tensões socioculturais ganham
visibilidade social e impacto midiático.
Enquanto elemento vinculado a uma minoria, o cabelo cacheado/crespo se
situa na mira de um olhar hegemônico, que estranha, exotiza e rejeita a diferença. É
colocado, com frequência, em oposição ao que é considerado belo ao longo da
história. Neste contexto, o cabelo surge como elemento que impulsiona os sujeitos a
refletirem sobre seu estar no mundo, a partir de uma perspectiva estética com
implicação política, pois o padrão estético aqui está associado a relações de poder
que atuam sobre a condição de ser. Como nos apresenta Gomes (2008, p. 21):
37
O cabelo do negro, visto como “ruim”, é expressão do racismo e da desigualdade racial que recai sobre esse sujeito. Ver o cabelo do negro como “ruim” e do branco como “bom” expressa um conflito. Por isso, mudar o cabelo pode significar a tentativa do negro de sair do lugar da inferioridade ou a introjeção deste.
Pensar o cabelo via fenômeno da transição capilar é refletir sobre a estética
enquanto possibilidade de negociação de sentidos, partindo do entendimento de que
da experiência de transição capilar emergem sentidos ligados aos corpos negros, que
englobam estigmas e exclusões, mas também possíveis sentidos de (re)significação
e (re)existência. O cabelo atua como um elemento associado a um passado ancestral
de dor e distanciamento da própria história, mas também pode reconectar essas
trajetórias a um presente que ressignifica a estética “afro”.
Nesses fluxos diaspóricos, Hall (2003, p. 27) afirma que “as identidades tornam-
se múltiplas”, pois cada dispersão carrega consigo a promessa do retorno redentor.
Portanto, a história “circula de volta à restauração de seu momento originário, cura
toda ruptura, repara cada fenda através desse retorno” (Ibidem, p. 29). Nesse
processo, emergem diversas dimensões, memórias e temporalidades que possibilitam
ampliar a compreensão de uma identidade negra a partir do corpo negro. Ou, como
afirma Gomes (2008), a construção da identidade está atrelada a uma questão
estética. Desta forma, ver-se como mulher negra é um processo individual e social
atrelado a experiências por vezes dolorosas consequências do racismo ao mesmo
tempo em que pode significar práticas de transformação e resistência.
Enquanto uma mulher que passou pela experiência da transição capilar, a
minha trajetória de pesquisadora está atravessada pelos relatos de tantas outras
mulheres que também vivenciaram esse processo. Por isso, com frequência me
confundo sobre quais desses relatos pertencem a mim, a elas ou a nós.
Assim, o interesse em adotar a transição capilar como objeto de pesquisa surge
da experiência pessoal com meu cabelo e com minha “identidade” racial. Na infância,
meus fios sempre foram vistos como uma questão, um problema a se resolver, algo a
ser controlado. Com apenas quatro anos de idade, pude ter a percepção de que havia
algo de “errado” com meus cabelos fartos em volume, com formato espiralado e que
cresciam para os lados e para cima.
Os dolorosos processos de penteados rotineiros que puxavam e o esticavam
para deixá-los com a aparência de “arrumado” eram também uma forma de fugir dos
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comentários negativos e deboches por conta de sua forma volumosa. Na escola,
apelidos como “pixaim”, “cabelo de poodle” e “sarará” eram bastante comuns. Eu
sorria e fingia não me importar, mas por dentro odiava e me entristecia. No convívio
familiar, ouvia de alguns parentes: “Seu cabelo parece uma esponja de aço”; ou
“Penteia essa juba, está parecendo garota de rua”. Me sentia fora do padrão; bonito
mesmo era ter cabelo liso. Perdi as contas de quantas vezes acordava muito antes da
hora na tentativa de “domar” os meus fios que estavam armados. Passava água,
quilos de creme e gel, mas nada adiantava. A solução costumava ser fazer um coque
ou um rabo de cavalo. Saía de casa sempre chateada e insegura.
Temia muito que me vissem com o cabelo “armado” e por isso eram raras as
vezes em que eu o deixava solto. Quando o deixava era sempre enquanto ainda
estava molhado, antes de secar e virar uma “juba de leão”, como me diziam. Em casa,
escondida, eu gostava de amarrar tecidos na cabeça e fingir que eu tinha cabelos
longos e lisos. Era uma de minhas brincadeiras prediletas. Além disso, ficava horas
penteando minhas bonecas (todas com cabelos lisos), e por vezes eu pensava no
azar que tinha por não ter o cabelo como o delas.
Já nessa época o forte desejo por mudar a textura capilar era muito nítido em
mim, motivado pelo incômodo, sofrimento e insegurança que a forma do meu cabelo
me causava. Com 13 anos, passei a me submeter a procedimentos químicos, a partir
de técnicas que alteravam a estrutura do cabelo crespo para o liso. A escova
progressiva, que prometia alisamento “sem danos”, fez meus olhos brilharem pela
possibilidade de enfim não ter mais de me esconder. Era quase impossível ficar com
os olhos abertos durante o procedimento, pois o formol ardia feito queimadura e o
odor era insuportável. Mesmo assim, estava feliz. Emocionei-me ao ver o resultado.
Após a primeira lavagem, porém, percebi que o produto só era ativado com o
calor — começava ali uma relação de amor e ódio com o secador e a chapinha6.
Passei diariamente horas utilizando esses dois aparelhos, por mais de dez anos da
minha vida, para conquistar o “liso perfeito”. Durante esse tempo, perdi as contas de
quantas vezes reapliquei as químicas com formol — em média, a cada dois ou três
meses. Nem mesmo as várias reportagens sobre os danos desse procedimento (como
6 Ferramentas utilizadas para alterar a estrutura do cabelo a partir do calor.
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couro cabeludo queimado, problemas respiratórios, queda capilar) me incomodavam.
Afinal, ouvia sempre nos salões de beleza que “a mulher, pra ser bonita, tem que
sofrer”. O sacrifício pela “boa aparência” era algo necessário. Contudo, o que estava
sendo questionado não era propriamente minha aparência, mas, sim, a capacidade
de me enquadrar “corretamente” em papéis sociais que correspondessem aos
padrões de beleza hegemônicos.
Eu não era “feia” ou “desleixada” porque meu cabelo era crespo, mas por não
me adequar às normatizações do que era tido como belo: um traço de negritude
contrário ao que se espera de beleza ou boa aparência. Por isso o desejo de esconder
meus traços étnicos como forma de me poupar das situações de preconceito que eram
desencadeadas por esse motivo. Como elucida Erving Goffman (2017, p. 58) ao
refletir sobre os estigmas:
(...) A descoberta prejudica não só a situação social corrente, mas ainda as relações sociais estabelecidas; não apenas a imagem corrente que as outras pessoas têm dele, mas também a que terão no futuro; não só as aparências, mas ainda a reputação. O estigma e o esforço para escondê-lo ou consertá-lo fixam-se como parte da identidade pessoal.
Sendo filha de pai negro e mãe branca e me aproximando mais do tom de pele
da minha família materna, quando criança ouvia continuamente que tive “sorte” por
puxar a cor de minha mãe e o “azar” pelo cabelo “ruim” do meu pai. Eu naturalizava
esses dizeres. Os sentidos de “sorte” e “azar” que ecoavam dessas falas mascaravam,
na verdade, os sentidos atribuídos aos corpos, que só podem ser entendidos a partir
das estruturas sociais que os rodeiam. Contudo, é a partir dos corpos que se faz a
resistência, pois adquirem uma importância central em seu potencial de abrigar tanto
as operações de dominação quanto as práticas de desobediência, isto é, do corpo
irrompem linhas de fuga frente a delimitações e prescrições (SALGADO; GOMES,
2012). As corporalidades carregam múltiplas marcas, biológicas, mas também
políticas, histórico-sociais, etc. (FERNÁNDEZ, 2013). Assim, me entendia enquanto
branca com um “defeito”: o cabelo “pixaim” – que, na tentativa de uma “passabilidade
branca”, deveria me esforçar por esconder, o que permitiria fugir dos preconceitos
advindos do racismo.
Contudo, mesmo me afirmando enquanto “não negra”, isso não me impediu de
reconhecer situações de racismo e discriminação vivenciadas no decorrer da vida em
relação aos meus cabelos crespos. Há, diante disso, uma contradição, afinal, se não
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me identifico enquanto mulher negra, como é que eu sofro racismo? É revelada, ao
meu ver, uma das implicações dissonantes da suposta democracia racial brasileira e
de outras teorias de branqueamento que afetam os contextos brasileiros, culminando
em uma “indefinição” racial respaldada na ideia de mestiçagem. Kabengele Munanga
nos faz refletir sobre o quanto os sentidos de negritude no Brasil são complexos:
Parece simples definir quem é negro no Brasil. Mas, num país que desenvolveu o desejo de branqueamento, não é fácil apresentar uma definição de quem é negro ou não. Há pessoas negras que introjetaram o ideal de branqueamento e não se consideram como negras. Assim, a questão da identidade do negro é um processo doloroso (MUNANGA, 2004, p. 52).
As expressões imagéticas do negro no Brasil, entre o final do século XIX e
início do século XX, passaram a evidenciar com bastante ênfase os efeitos das lógicas
do branqueamento (SCHWARCZ, 1994). Os imaginários sociais7 amplamente
difundidos pelos meios de comunicação derivaram dessa ideologia e estabeleceram
padrões do corpo dito conforme, correto, bom e belo: o corpo branco. Nesta
concepção, o corpo “negro” figurava sempre como inconforme diante do modelo de
corpo “branco”, considerado a forma exemplar, o ideal da convenção (DOMINGUES,
2002).
Nesse contexto marcado por estigmas e exclusões, a transição capilar
significou um marco em minha trajetória, na medida em que envolveu um processo de
desconstrução de padrões e de autoaceitação, mas igualmente da consciência dos
processos de invisibilidade e preconceitos a que estão sujeitos os corpos das
mulheres negras. Importante salientar que aqui falamos de um duplo estigma,
envolvendo “ser mulher” e “ser negra” no contexto brasileiro.
Como desde criança a relação com meu cabelo foi pautada no que eu queria
ter e não no que eu tinha/era, abandonar as químicas de alisamento, depois de 12
anos, cortando toda a parte alisada (já que depois de modificado o cabelo não retorna
ao formato original), foi uma experiência de, pela primeira vez, me olhar no espelho
com os cabelos encaracolados sem sentir vergonha ou vontade de escondê-los. Esse
entendimento só foi possível, para mim, ao perceber que as situações sofridas durante
7 Segundo Deibar Hurtado (2004), os imaginários sociais são uma categoria sociocultural, socialmente instituída e legitimada. Os imaginários se tornam matrizes de sentido a partir das quais essas categorias são explicadas e compreendidas; mas, ao mesmo tempo, atuam enquanto mediadores fundamentais, a partir dos quais esses imaginários são vivenciados.
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a infância por causa de minha textura capilar se inserem em uma dinâmica que nega
o direito à mulher negra de reconhecer a beleza na própria aparência, relegando-a à
“adequação”, a mimetizar a estética branca dos cabelos lisos.
Mais de uma década com os cabelos alisados me fez, de certo modo,
“esquecer” meu cabelo natural. Por me manter “distante” dele por tantos anos, ao
vivenciar a transição capilar, não mais sabia (ou talvez nunca o soube) como era
cuidar de um cabelo crespo como o meu. Afinal, na TV, apesar de o ano ser 2015,
ainda poucas mulheres ostentavam cabelos em formatos próximos aos meus, e nos
discursos publicitários das revistas e comerciais predominava a imagem do cabelo
liso. Os salões de beleza ecoavam esse discurso hegemônico e me diziam que o
melhor seria voltar a “relaxar” os fios. Nas prateleiras das perfumarias e
supermercados, os produtos vinham com rótulos como “dome o seu volume” ou “liso
perfeito”. De certo modo, revivi algumas das experiências da infância, principalmente
a de não me sentir representada.
Essas experiências fazem alusão ao impacto que a mídia hegemônica e seus
discursos têm na construção da subjetividade. Aidar Prado, ao refletir sobre os
dispositivos comunicacionais, afirma que os enunciadores dos discursos midiáticos,
regados pelo imaginário da publicidade e do marketing, têm a função de convocar os
receptores a experiências multissensoriais voltadas à construção de uma vida
desejável, criando regimes discursivos de visibilidade “em que certos itens são
tornados positivos e podem vir às cenas midiáticas com seus modos de usar e suas
receitas de vida boa, enquanto outros são disforizados e relegados ao ostracismo”
(PRADO, 2013, p. 24).
Após ter feito o Big Chop8, a falta de representatividade midiática e de mulheres
próximas nas quais pudesse me inspirar e aprender a lidar com minha textura natural
me causava certa estranheza e insegurança. Lidar com o cabelo curto – diferente do
que é considerado “feminino” – e crespo foi um desafio. Esse momento da minha
trajetória me aproximou de páginas do Facebook e canais no YouTube de mulheres
que apareciam com seus cabelos volumosos e defendiam em suas narrativas o
quanto poderiam ser belos. Em comum comigo, estavam a dor pelo passado marcado
8 Conhecido como “grande corte”, o “big chop” consiste em cortar toda a parte alisada dos cabelos durante o processo de transição capilar.
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pelos apelidos pejorativos e os processos químicos de alisamento. Passei a observar
que as situações sofridas durante a minha vida não eram só minhas histórias, mas de
muitas outras mulheres. A experiência pessoal estava, na verdade, ligada a um
contexto estrutural que tentara invisibilizar as características ligadas à minha origem
negra.
O consumo dessas narrativas de vida compartilhadas em rede me fez intuir o
quanto a relação com os cabelos leva mulheres (e também homens) a se
reconhecerem de forma diferente, a consumirem novos produtos e conhecimentos,
formarem novos laços e passarem a ter questionamentos e preocupações que
anteriormente não eram tão delineados em seu cotidiano.
Nesses processos de (in)visibilidades, a experiência da transição capilar é
entendida como um marco na trajetória de vida de mulheres negras, que, a partir de
um processo de desconstrução de padrões e de autoaceitação, passam a ressignificar
os sentidos atrelados ao próprio corpo, à própria aparência. Assumir o cabelo
cacheado/crespo nessa conjuntura e defender o direito de usá-lo em suas texturas
naturais, no espaço midiático, remete a um posicionamento político a partir do
estético. Como corrobora Cardoso (2017, p. 2):
(...) mulheres negras na diáspora vêm atuando como corpo político de enunciação, produzindo conhecimento a partir de diferentes experiências e vivências, narrativas e contextos. Conhecimentos e saberes que revelam a importância dos processos de resistência empreendidos contra violações vivenciadas ao longo da história, constituindo-se em múltiplas respostas epistêmicas descolonizadoras e alternativas ao eurocentrismo, às teorias e às perspectivas de gênero conservadoras e hegemônicas.
Djamila Ribeiro (2017) aponta que, sobre os corpos negros, existem saberes e
produções de um olhar colonizador que nos confina em um papel de submissão,
comportando significações hierarquizadas. Nesses discursos, a mulher negra é
colocada como “a antítese da branquitude e da masculinidade” (Ibidem, p. 39). Na
carência dupla, por não ser nem branca e nem homem, acaba por ocupar um lugar de
subalternidade e invisibilidade na sociedade, que pode ser percebido também nos
espaços midiáticos.
Spivak (2010), por sua vez, ao refletir sobre a violência epistêmica, entende
que é necessário, enquanto pesquisadora, combater os lugares de subalternidade,
criando mecanismos para que o sujeito subalterno se articule a modos de resistência
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e seja ouvido. A autora compreende os sujeitos subalternos como aqueles excluídos
da representação política e legal, sendo relegados à invisibilidade, ao silenciamento e
excluídos de possibilidades de representação.
Ainda segundo Spivak (2010), mulheres negras e pobres ocupam os lugares
mais frágeis dessa estrutura por preencherem a totalidade dos requisitos para a
condição de subalternidade: a da classe social, a do gênero e a da cor. As reflexões
acerca da subalternidade e das possibilidades de brechas ou linhas de fuga nos
espaços de dominação me remontam a uma experiência traumática de confronto
direto com relações de poder rígidas, que dizem respeito ao meu objeto de pesquisa.
Ao assumir o meu cabelo natural no ambiente de trabalho, uma instituição
militar com padrões de conduta, vestimenta e aparência bastante conservadores,
enfrentei muitas dificuldades. Para as mulheres militares, os cabelos necessitam estar
amarrados em um coque; contudo, se o comprimento está acima dos ombros, é
possível usá-los soltos. Desta forma, por estar com o cabelo crespo curto, passei a
usá-lo assim, solto. Entretanto, logo depois disso, passaram a surgir diversas
situações de pressão para que eu “desse um jeito nele”, sempre partindo de oficiais
com patentes mais altas que a minha.
Em várias ocasiões, fui chamada para “conversar”, com o intuito de ser
orientada de que o meu cabelo estava fora do enquadramento previsto no
regulamento da instituição militar e que eu deveria corrigir essa situação, para não
correr o risco de sofrer possíveis punições por insubordinação – que incluíam inclusive
uma possível detenção. Mesmo apontando que nossos regulamentos apenas previam
tipificações para cabelos lisos, não foi suficiente para flexibilizar tais ações, e acabei
por ser obrigada a fazer um coque para evitar sanções que poderiam comprometer
minha carreira.
Essas situações vividas me fizeram perceber a forte relação que a estética
negra pode ter com a resistência à invisibilidade e ao silenciamento impostos pelos
sistemas de poder hegemônicos. E o quanto ostentar os cabelos crespos e cacheados
vai além de uma questão de gosto pessoal, ao pressupor os enfrentamentos a que se
está suscetível pela não adequação às normatizações impostas.
Tendo isso em vista, é notória a impossibilidade de desassociar a minha
trajetória das questões raciais ligadas a outras mulheres negras. Elas estão presentes
44
na minha rotina diária e permeiam estreitamente minha atuação enquanto
pesquisadora. Certamente, elas me guiaram e continuam a me guiar no exercício de
um olhar epistemológico sobre o tema. Um olhar atuante, que observa, mas também
se permite ser transformado. Essas relações compõem o percurso de construção da
problemática e do objeto de estudo da presente pesquisa, explorando a
interseccionalidade como perspectiva analítica para visibilizar a interligação entre
múltiplas estruturas de dominação e as ações e práticas mobilizadas por mulheres
negras para enfrentá-las. Desta forma, os sistemas de opressão são entendidos e
experimentados a partir de um lugar configurado pela maneira como gênero, raça,
classe e sexualidade se entrecruzam (CARDOSO, 2017).
Segundo Foucault (1981), onde há poder, há resistência. Assim, por mais
perfeito, eficaz e hegemônico que se mostre um dispositivo de disciplinamento, mais
se cria possibilidades de linhas de fuga aos poderes estabelecidos, pois “o que não
pode ser disciplinado, pode tomar modalidades singulares e coletivas, explícitas ou
implícitas, sintomáticas ou criativas, políticas ou infrapolíticas” (FERNANDEZ, 2013,
p. 21).
Os espaços midiáticos e de consumo se tornam, assim, lugares onde esses
indivíduos podem adquirir voz, entendendo aqui a fala não apenas como o ato de
emitir palavras, mas também o de poder existir. A mídia se converte em uma arena
de disputas de sentido dos corpos, pois, ao mesmo tempo em que propaga e reitera
estigmas, também vai se tornando um espaço de luta por visibilidade, legibilidade e
legitimidade social de setores minoritários na contemporaneidade.
Assim, a experiência da transição capilar, entendida como uma forma de
ativismo pelo reconhecimento de direitos à liberdade do corpo da mulher negra, expõe
confrontos e embates que se desenham nos espaços midiáticos – que se constroem
enquanto arena de disputas dos sentidos, significações e ressignificações sobre a
mulher negra. Esses espaços midiáticos, em especial os existentes na internet, são
vistos enquanto lugares de reconhecimento onde se criam diálogos e confrontações
entre diferenças, revelando sua natureza ambígua e ambivalente, mesclando-se
intersecções e divergências (RINCÓN, 2016).
Ressignificar os sentidos negativos e excludentes atrelados ao corpo negro
pressupõe uma perspectiva epistemológica descolonizada. Segundo Mbembe (2018),
a visão do negro na contemporaneidade foi construída pelo sistema escravocrata e
45
colonial. Nessa construção social, o negro designa a imagem de uma existência
subalterna e de uma humanidade castrada. Nas palavras do autor, o negro é aquele
que vemos quando nada se vê, quando nada compreendemos e, sobretudo, quando
nada queremos compreender. Essa invisibilidade está no cerne do racismo, que, além
de negar a humanidade do outro, desenvolve-se como modelo legitimador da
opressão e da exploração, e ainda sofre com toda carga de descaracterização de sua
cultura.
Ramón Grosfoguel (2010 apud CARDOSO, 2017, p. 5), refletindo acerca da
importância da localização do sujeito na produção do conhecimento ao abordar as
epistemologias descolonizantes, distingue lugar epistêmico de lugar social. Segundo
Grosfoguel (Idem), para pensar a partir do lugar epistêmico subalterno, mais do que
estar situado socialmente no lado oprimido das relações de poder, é necessário
assumir o compromisso ético-político em elaborar um conhecimento contra-
hegemônico.
Campelo (1997, p. 16) defende que “o corpo de um indivíduo é o depositário da
cultura de que participa este indivíduo e, portanto, é depositário de informação”. O
corpo humano é, assim, atravessado por construções de ordem familiar, estética,
midiática, etc. Desta forma, abarca ideologias presentes na cultura em que se insere.
Para apreender as corporalidades, há de se levar em consideração não apenas sua
perspectiva física ou biológica, mas, sim, os sentidos sociais e culturais que as
entremeiam. O que significa dizer que a aparência, como afirma Nogueira (1999), está
sujeita a um grau de classificações em relação ao conjunto de atributos que
caracterizam a imagem dos indivíduos de determinado grupo social, em termos do
espectro de tipificações existente. O corpo está, assim, suscetível a classificações,
significações e atribuições de valor. Quintão (2013) explicita que as texturas capilares
crespas e cacheadas, por se distanciarem de padrões de beleza hegemônicos, criam
buscas por uma “adequação” estética.
Gomes (2012) acrescenta que os processos identitários são construídos
historicamente no contato e contraste com o outro, na negociação, na troca, no conflito
e no diálogo; isso tudo dentro de uma sociedade que perpetua lógicas racistas e o
mito da democracia racial. Logo, os sentidos contidos no corpo são sentidos de
cultura, visto que os liames entre o corpo e o universo social em que emerge e de
onde não podem ser dissociados se instituem em um processo relacional – e, por
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extensão, comunicacional. Essa conceituação vai ao encontro do que apresenta
Campelo (1997, p. 14) ao sustentar que o corpo é dinâmico, em constante movimento,
e que sua interpretação é perpassada por constantes (re)significações:
(...) tudo no corpo é semelhante a um jogo de espelhos que refletem novos ângulos e novas, quase infinitas, combinações, criando um jogo de formas que se organizam e se desmancham em novas formas, que de novo se embaralharão para surpreender o olhar de quem ousou ter pensado capturar alguma forma anterior. (CAMPELO, 1997, p. 14)
Nessa perspectiva, Norval Baitello (2010), com base nas teorizações
sistematizadas por Harry Pross, compreende as mídias a partir de uma ótica mais
expandida, não as restringindo somente aos meios de comunicação. O autor as
dispõe entre mídias primárias, secundárias e terciárias. A dimensão primária diz
respeito justamente às comunicabilidades que se depreendem do corpo: suas cores,
sons, odores, gestualidades, aparências. A secundária corresponde aos suportes que
se externalizam desse corpo, como a indumentária, por exemplo. Já a terciária é
aquela que se vale de aparatos para transmissão de mensagens, como a TV, o rádio,
os computadores, possível devido à eletricidade. O mais importante de se destacar é
que Baitello (Idem) defende que sempre há um corpo no início e no final desses
processos midiáticos, independentemente do tipo de mediação.
Sendo assim, verifica-se o enredamento que as sociocomunicabilidades
assumem, abrangendo fatores biotecnológicos e psicoantropológicos. A fala ou os
gestos, característicos das mídias primárias, ganham amplitude devido a sua
onipresença, da mesma forma que os aparatos veiculadores de mensagem expandem
seus referenciais, pois se tornam mídia ao agregar “significados aos corpos que deles
se utilizam” (BAITELLO, 2010, p. 64). Logo, os meios terciários também se
transformam, ao passarem a se constituir não apenas fundamentados em sua
tecnologia, mas também compreendendo a dimensão de “mediação técnica que opera
em seu ambiente uma tradução dos meios primários e secundários” (Idem). É por isso
que podemos interpretar as mídias terciárias e seus aparatos como uma expansão do
corpo.
Ao tomar o corpo como mídia – concebendo-a enquanto elementar à produção,
circulação e consumo de sentidos na contemporaneidade –, constatamos que o corpo
não pode ser separado das espacialidades e temporalidades que nele estão contidas,
isto é, de sua historicidade. Ou, conforme afirma Campelo (1997, p. 30), “das relações
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primárias que terá de seu grupo familiar e, depois, social, do grupo sociocultural a que
pertence, de sua específica organização psíquica, de suas crenças, etc.”.
Em suas inter-relações com as mídias, sobretudo com o recente espraiamento
das mídias terciárias e a centralidade por elas assumidas em nossa vida cotidiana,
este corpo se verá expandido, fragmentado, (re)composto em permanência,
(re)significado, em disputa: converte-se em um verdadeiro campo de batalhas sígnico,
onde também estão implicadas formas de subjetividade e construções identitárias as
mais diversas. Como Baitello (2010, p. 73) preconiza, “imagem e eletricidade, de mãos
dadas, vão ditar os preceitos do mundo, sua sociabilidade, sua memória, seus
projetos, seus ritmos e tempos, seus territórios e espaços, sua capilaridade e
potência”.
Quintão (2013) sustenta que a ideia de superioridade estética do cabelo liso em
relação ao cabelo enrolado ou crespo (comumente associado ao fenótipo negro)
remonta à época da escravidão, em que já se observava uma hierarquização entre
padrões de beleza que alocavam em esferas opostas negros e brancos.
Isso sobreleva a relevância dos cabelos nas dinâmicas sociais no decorrer da
história: desde o antigo Egito, onde os fios eram ostentados em penteados como
elemento enaltecedor da beleza, ou nas culturas judaicas e cristãs, onde eram
interpretados como ferramenta de sedução, representando perigo ao homem e,
portanto, devendo ser cobertos. No Ocidente, o cabelo adquire novas significações
com a ascensão do capitalismo e dos ditames da moda, a partir do século XVIII
(LIPOVETSKY, 2009). A valorização dos fios, enquanto aspecto da aparência, faz
surgir a profissão cabelereiro e diversos salões de beleza, provocando impactos na
relação dos sujeitos com seus cabelos, em especial as mulheres.
Com relação aos “cabelos afros”, Quintão (2013) aponta que, no final do
período escravocrata americano, por exemplo, o cabelo liso já representava
vantagens econômicas e sociais aos negros: “ao alisarem seus cabelos, alguns
escravos de pele mais alva conseguiam se fazer passar por homens livres. Para os
demais, o alisamento do cabelo poderia representar menos trabalho e esforço físico”
(Ibidem, p. 17). Nesse contexto, nota-se o corpo negro visto como elemento a ser
enquadrado dentro de um padrão estético hegemônico, branco, sofrendo processos
de opressão e invisibilização de sua existência.
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Em “A História da Beleza”, Umberto Eco (2013) faz críticas a essa “beleza
padronizada”, amplamente difundida pelos meios de comunicação de massa e que
reforçam conceitos de beleza normatizados, hierarquizados e que mantêm relações
de poder assimétricas, baseadas em uma escala gradual de estética almejada.
Campelo (1997, p. 49), por sua vez, também apresenta contribuições ao refletir sobre
os efeitos dessa influência nos corpos:
Este corpo será ainda acrescido do corpo expandido de outros corpos que a cultura a que ele pertence apregoará em sua vida: o corpo de seus heróis culturais, os comunicadores e atrizes de TV e de cinema, o corpo das personagens de literatura e teatro, o corpo ideal plasmado pela publicidade.
Portar um cabelo que escape aos padrões estéticos hegemônicos, como o caso
de cabelos cacheados ou crespos, pode representar uma “libertação”, adquirindo uma
potência política de resistência ao viés normativo desses mesmos padrões. Falar de
cabelo, por conseguinte, é também falar de relações de poder. O cabelo é signo,
comporta uma multidimensionalidade simbólica e comunicacional que flui entre o
individual e o coletivo.
Os processos de significação do corpo e dos ideais e padrões de beleza são
construções sociais. Deste modo, estão em constante movimento, são mutáveis e
passíveis de ressignificação e transformação pelos sujeitos, possibilitando
rompimentos e formação de novos sentidos. Trata-se de uma forma de expressão
social que viabiliza distinções identitárias. E no que concerne ao cabelo crespo e ao
corpo negro, “colocados nessa ordem, são expressões de negritude. Por isso não
podem ser pensados separadamente” (GOMES, 2002, p. 9).
Em sintonia com essa perspectiva, a estética atua como uma possibilidade de
negociação de sentidos entre os que se fazem visíveis nos territórios digitais –
concebendo-os como ambientes potenciais para a construção de debates e
entendendo que a questão estética pode tomar um caráter político quando inserida
em discussões como racismo e preconceito, representações e visibilidades.
No contexto da mídia pós-massiva, o corpo tem sido elemento simbólico na
produção de narrativas que reelaboram representações imagéticas sob uma
perspectiva descolonizada. O cabelo, enquanto signo expressivo dessa corporificação
estética, ousa e desconstrói padrões convencionais veiculados midiaticamente. Nesse
ínterim, o resgate do cabelo naturalmente crespo implica reconhecer a inversão de
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um modelo até então convencionado como “belo”, cuja característica principal são os
cabelos lisos.
Nesse universo de disputas simbólicas, a transição capilar, enquanto narrativa
compartilhada nas redes digitais, engloba processos de ressignificação do corpo
negro. Os relatos de mulheres negras, no que concerne à aceitação da própria
estética, tornam-se um símbolo de resistência, que ressignifica os valores da própria
ancestralidade, marcada por processos de invisibilidades. Os fragmentos
autobiográficos contidos nas narrativas de mulheres negras que passaram pela
transição capilar trazem à tona elementos de trajetórias individuais que ecoam vozes
que aludem a um contexto social marcado por estruturas de preconceitos raciais.
Nos processos de disputas simbólicas, a participação da mulher negra sofreu
processos de apagamento, historicamente. As vozes e realizações das mulheres
negras durante o período da escravidão, por exemplo, foram fortemente silenciadas e
invisibilizadas. Nomes como Dandara, que lutou ao lado de Zumbi dos Palmares pelo
direito dos negros, e Maria Carolina de Jesus, escritora e literária, que produziu
importantes relatos acerca da vida na favela nos anos 1960, podem ser citados como
casos concretos de mulheres negras que realizaram importantes feitos, sem, todavia,
terem sido devidamente reconhecidos.
As lutas do movimento negro no Ocidente se fortaleceram na década de 1960,
tendo como um de seus desdobramentos o enaltecimento da beleza negra, como no
movimento conhecido por “Black is beautiful”, que defendia como sinal do orgulho
negro assumir o cabelo black power. Angela Davis, filósofa e ativista negra, foi uma
de suas mais importantes representantes femininas. No cenário brasileiro, temos no
Movimento Black Rio, da década de 1970, um exemplo de ação política em torno do
consumo cultural, do entretenimento e do lazer, a partir da música. Esse movimento
se configurou como uma cena musical que associou cidadania, linguagem e novas
formas de apropriação do espaço público. O Black Rio significou mais do que um
caráter meramente de resistência e oposição, mas propôs novas representações
socioculturais e políticas através de práticas de consumo diferenciadas, marginais e,
ao mesmo tempo, influenciadas por uma cultura de massa hegemônica (OLIVEIRA,
2018).
Verificamos, assim, o papel estratégico da estética no seio dos movimentos de
lutas sociais. O cabelo, nesse sentido, adquire uma potencialidade de ato político,
50
como nos movimentos de transição capilar, cada vez mais populares entre mulheres
negras. Atrizes, modelos e blogueiras de moda têm se tornado ícones em sites de
redes sociais, tais como o YouTube, Instagram e Facebook, e também na TV, como
representantes da beleza negra, servindo de inspiração ao compartilharem as próprias
histórias conflituosas com o cabelo, a decisão de parar de alisá-lo e voltar a ter os fios
naturais, bem como as experiências e os cuidados com sua textura.
2.2 O ATO DE NARRAR A SI MESMO: INTERSEÇÕES ENTRE COMUNICAÇÃO,
CONSUMO E ESPAÇO AUTOBIOGRÁFICO
“(...) então, as histórias não são inventadas? Mesmo as reais, quando são contadas. Desafio alguém a relatar algo que realmente aconteceu. Entre o acontecimento e a narração do fato, alguma coisa se perde e por isso se acrescenta. O real vivido fica comprometido. E, quando se escreve, o comprometimento (ou não comprometimento) entre o vivido e o escrito aprofunda mais o fosso. Entretanto, afirmo que, ao registrar essas histórias, continuo no premeditado ato de traçar uma escrevivência (...).” (Conceição Evaristo. Insubmissas lágrimas de mulheres. Belo Horizonte: Nadyala, 2011).
O âmbito midiático, nas sociedades contemporâneas, torna-se central às
comunicabilidades humanas, englobando os corpos e suas expressões. O consumo,
enquanto promotor de vínculos sociais, emprega sentidos a esses bens e aos
indivíduos, por meio de práticas discursivas e simbólicas articuladas às práticas
cotidianas. Assim, o consumo atua como forma de mediação: “ao consumirmos bens
materiais e imateriais nós nos constituímos enquanto indivíduos e negociamos nossos
próprios significados nos jogos comunicativos entre o coletivo e o individual, o global
e o local” (ROCHA; CASTRO 2009, p. 51). As imbricações entre mídia e cultura são,
portanto, atravessadas por essas práticas do consumo e permitem estabelecer
interações entre os sujeitos e compreender a construção de suas identidades,
atreladas às dinâmicas sociais, culturais e econômicas que os circundam.
Esses trânsitos simbólicos nutrem as práticas comunicacionais,
potencializados pelos aparatos tecnológicos e suportes midiáticos, onde o consumo,
associado à imagem, institui-se enquanto campo privilegiado de constituição das
subjetividades (ROCHA, 2008), possibilitando uma conexão entre imaginário e
51
sociabilidade. Essa profusão de imagens às quais estamos expostos, do ponto de
vista da comunicação, possui grande impacto, na medida em que os sentidos se
constroem a partir das representações imagéticas, dado que a estética do consumo
se relaciona intimamente com a transformação da realidade em imagens (JAMESON,
1993).
As culturas midiáticas e suas interfaces com o consumo atuam enquanto
lugares de “reconhecimento” para os sujeitos, e interferem “na produção de narrativas
de si e na percepção das alteridades” (ROCHA, 2010, p. 3). Assim, torna-se
necessário pensar a comunicação e o consumo, para além de aparatos e estruturas,
a partir de seu viés cultural que abarque análises que se referem aos sujeitos sociais.
Nesse sentido, mais do que dinâmicas de reprodução de formas e conteúdo, é preciso
localizar na produção da comunicação “os usos sociais dos meios, as recriações de
seus conteúdos e a criação de novos significantes e significados” (Ibidem, p. 2).
Segundo Rocha (2012, p. 128), o debate acerca das imagens e representações
em nossas sociedades midiáticas tornou a política “um caso de imagem, nem sempre
resultando em processos nos quais se tornam visíveis sujeitos sociais autônomos e
ativos”. Assim, analisar as imagens a partir da corporalidade do sujeito, em que este
é capaz de interpretar as imagens a partir de sua materialidade, ratifica a ideia
segundo a qual é menos relevante nos perguntar sobre a natureza das imagens que
nos cercam do que indagar sobre a natureza das relações que nós estabelecemos
com elas (ROCHA, 2012).
Essa abordagem, ao avaliarmos a dimensão política da relação entre corpos e
imagens, acarreta dizer que a produção imaginária se dá na rede de materialidades e
negociações simbólicas (ROCHA, 2010). Desta forma, os imaginários são também
sociais, na medida em que se expressam por meio de práticas concretas e “estariam
associados a práticas dotadas de politicidades e/ou expressividade pública, indicando
disputas por hegemonia imagética e simbólica” (ROCHA; SILVA; PEREIRA, 2015, p.
102). A politicidade é aqui entendida “a partir da articulação entre conhecimento e
emancipação, ou seja, articula-se a processos de consciência social de sujeitos
implicados na construção de autonomia e na criação de alternativas próprias de ser e
de estar no mundo” (ROCHA, 2012, p. 142).
O campo das visualidades e dos corpos na configuração das sociedades
midiatizadas, atravessadas pelas mais variadas redes e aparatos tecnológicos,
52
reverbera sobre as possibilidades comunicativas das imagens aprendidas como
fontes de afecção (ROCHA, 2012). Partindo dos princípios de Spinoza (2008 apud
ROCHA, 2012, p. 163) acerca dos processos de afetação dos corpos, que aumentam
e/ou diminuem sua potência de agir, a autora associa esse pilar das teorias da afecção
“à dimensão em essência política do que nos é dado a ver — por meio da profusão
de imagens visuais — levando-nos a questionar aquelas imagens que, ao nos
afetarem, efetivamente aumentam ou diminuem nossa competência corpórea e
cognitiva de ação” (ROCHA, 2010, p. 200). O que significa dizer que as imagens
podem estabelecer fontes de vinculação; contudo, nem sempre serão portadoras de
afetos felizes (ROCHA, 2010).
Segundo Norval Baitello (2010), essas visibilidades e os processos de afetação
dos corpos se associam a estruturas socioculturais compartilhadas, em que as
imagens se aliam a um significado de permanência da existência. Desta forma, “as
dinâmicas de visibilização incessante configuram verdadeiras arenas de disputa pela
conquista de atestados de existência midiáticos” (ROCHA; CASTRO, 2009, p. 52). Os
modos de consumo interferem na forma como nos comunicamos e nos afirmamos
socialmente (ROCHA, 2008). Essa comunicação mediada pelo consumo possibilita a
identificação de iguais e semelhantes, e também detecta os diferentes. Ou seja, ela
permite a inclusão, mas pode gerar a exclusão.
Nessas arenas do visível, homens e mulheres buscam, a todo custo, manter-
se em cena (ROCHA, 2008). As dinâmicas de visualidade, com fronteiras cada vez
menos demarcadas, aludem à maneira como construímos nossa identidade e
reconhecemos a diferença, e repercutem nas formas como concretamente vivemos
nossas vidas, percebemos o mundo e nele nos inserimos (ROCHA; CASTRO, 2009).
A multiplicidade de telas que habitam nosso tempo, os variados formatos e
modelos de narrativas audiovisuais e a diversidade de identidades e estéticas nos
levam a buscar outras formas de compreender e explicar a vida a nosso entorno.
Somos levados a aprender a pensar com imagens (RINCÓN, 2006). As culturas
midiáticas criam e socializam as percepções estéticas, os padrões de gosto e as
formas de sentir. Assim, na experiência do cotidiano, a estética se associa à ordem
do sensível e ao campo dos afetos. Os valores estéticos se referem aos critérios que
conformam os gostos a partir de aspectos subjetivos, emotivos e da validez coletiva.
53
A imagem se projeta, pois, como o centro da cotidianidade (Idem). Assim, a cultura da
narração e da performance surge como estratégia para imaginar, resistir e sobreviver.
Ao narrar, há de se compreender as especificidades de cada dispositivo (TV,
Internet, celular, etc.) e as formas de narrar dos sujeitos, a partir dos sentidos
adquiridos nas experiências vividas. Ou, nas palavras de Rincón (2006), entender
quais os critérios de temporalidade, imagens, som, ritmo, duração, gênero, formato e
ainda as especificidades narrativas de cada dispositivo comunicacional e de cada
narrador.
Para Rincón (2008), mais do que consumidores de produtos midiáticos,
devemos buscar a emancipação enquanto cidadãos ao nos convertermos em
produtores de mensagens e culturas que visam – a partir das dimensões políticas,
comunicativas e culturais que se criam em nossas narrativas – existir e (re)existir no
mundo. Segundo o autor, temos que considerar que as telas da TV, dos celulares,
notebooks e demais dispositivos permeiam a vida cotidiana, interferindo em nossos
modos de comer, estar com os amigos, dormir, chorar, de se divertir, etc. Contudo,
mais do que imagens, sons e conteúdos, os aspectos sociais, culturais e econômicos
atravessam a relação dos sujeitos com os dispositivos comunicacionais, que são
intrínsecos a sua produção e interpretação.
Nessa trama cultural, irradiam-se, como um marco de nosso tempo, mediado
pelo horizonte midiático, as narrativas biográficas e autobiográficas. Esses relatos de
vida delineiam uma cartografia da trajetória individual, em que a ênfase na
singularidade é ao mesmo tempo uma busca pela transcendência (ARFUCH, 2010).
Narrar é se fazer visível, em tempos onde os meios de comunicação são levados ao
centro da vida cotidiana.
Segundo Rincón (2006), para nos constituirmos enquanto ser e compreender a
realidade a nossa volta e a nós mesmos, narramos. O autor afirma que podemos até
intentar interpretações e explicações acerca das experiências dos seres humanos,
das culturas e das sociedades, mas apenas comunicamos o que vivemos ao
convertermos nossas experiências em histórias. Assim, quando buscamos explicar,
narramos.
Desta maneira, o ato de narrar se expande para além de um caso singular,
possibilitando novas narrativas, identificações e identidades (ARFUCH, 2010). O
54
caráter narrativo da experiência revela um processo dialógico desse entrecruzamento
de vozes. Como reforça Butler (2015, p. 27), “só se pode contar uma autobiografia
para o outro, e só se pode fazer referência a um “eu” em relação a um “tu”, sem o “tu”
a narrativa torna-se impossível”. Desta maneira, para se efetivar, o ato de narrar
precisa ser também visível ao outro, para quem se compartilha. Rincón (2006)
estabelece que narramos em uma perspectiva coletiva ao nos conectarmos com o
outro, visando criar comunidades de sentido.
O processo de narrar as experiências e trajetórias em rede legitima e dá
significado à realidade cultural. O relato se torna uma maneira de pensar, interpretar
e também de contar sobre nós mesmos, por meio de estruturas dramáticas visíveis a
partir dos aparatos digitais. Desta maneira, a narração atua como um articulador entre
o passado e o futuro. Até porque a produção narrativa parte da confiança em um relato
prévio, a partir de acontecimentos existentes na memória individual ou coletiva. A
produção de narrativas autobiográficas pressupõe uma interdependência entre quem
relata e o outro, a quem se compartilha a narração. Assim, podemos dizer que o “eu”,
ao narrar sua trajetória retida na memória individual, ecoa elementos de uma memória
que também é coletiva.
As narrativas autobiográficas são capazes de reconstruir o passado e dar
sentido ao presente ao avaliarem as experiências vividas (RAGO, 2013). Essa
reconstituição de trajetórias, através do processo narrativo busca os sentidos das
experiências vividas. Construídas nos espaços midiáticos, essas narrativas são ao
mesmo tempo produtos e dispositivos de interpretação das culturas midiáticas
(RINCÓN, 2006). O relato, assim, implica em uma temporalidade social, que excede
as capacidades do sujeito da narração, por pressupor que esse “eu” não tem uma
história própria que não seja uma relação (BUTLER, 2011). Esse regime de
reflexividade delineia quais formas de “ser” serão reconhecíveis e não reconhecíveis
ao sujeito.
Segundo Arfuch (2010, p. 19), os avanços da midiatização proporcionaram um
cenário fértil para a afirmação de uma expressão imediata do vivido, do testemunhal,
que contribui para uma trama de intersubjetividades “em que a superposição do
privado para o público excede todo o limite de visibilidade”. Assim, o espaço
autobiográfico se torna um cenário móvel de manifestação que extrapola formas
reguladas de relatos de si:
55
(...) nos diversos momentos biográficos que surgem, mesmo inopinadamente, nas diversas narrativas, particularmente nas midiáticas. Ali, nesse registro gráfico ou audiovisual que tenta dar conta obstinadamente - cada vez mais pela boca de seus protagonistas – do “isso aconteceu”, talvez seja onde se manifesta, com maior nitidez, a busca da plenitude da presença - corpo, rosto, voz – como proteção inequívoca da existência, da mítica singularidade do eu (...) (ARFUCH, 2010, p. 74).
Nesta concepção, o espaço biográfico na contemporaneidade cria uma relação
entre o geral e o particular. Ou a ideia do eu que vai além de si mesmo, que transcende
em direção à vida em geral. Assim, articulam-se o “momento” e a “totalidade” na busca
pela identidade ou identificação. A articulação indissociável entre o eu e o nós abre a
possibilidade para narrativas que se estendam para além do caso singular em que se
reconhecem pluralidades de vozes que ultrapassam o binômio público-privado,
ampliando-se para “vários espaços públicos e privados, coexistentes, divergentes,
talvez antagônicos” (ARFUCH, 2012, p. 101).
Rago (2013), a partir das narrativas autobiográficas, reflete sobre as estéticas
da existência e suas implicações na produção de uma subjetividade que deixa de ser
pautada na obediência e submissão e se abre para a construção de novas formas de
viver, capazes de se libertar das tecnologias do dispositivo biopolítico de controle
individual e coletivo. A autora defende que o conceito de estética da existência se
aproxima da produção autobiográfica, na medida em que permite a possibilidade de
criação de um estilo próprio de existir, com base em modos de vida e escolhas de
existência de cada um (Idem).
O indivíduo se torna produtor de si mesmo, determinando suas regras de
conduta, e também busca modificar-se para alcançar sua singularidade. A linguagem
e as escritas narrativas são entendidas por Rago (2013) como espaços onde se
revelam as práticas da estética da existência; nelas as representações sociais são
formuladas, veiculadas e também assimiladas. A noção de espaço biográfico aqui está
ligada a diferentes tipos de narrativas de si, memórias, depoimentos, entrevistas, etc.,
que permitem cartografar as subjetividades presentes.
Para Villar (1971), narrar a própria biografia se constitui enquanto instrumento
de poder, na medida em que dá ao sujeito a autonomia em moldar a própria existência,
em que a narrativa de si é análoga à ideia de um autorretrato. Nesta ótica, ao se
apropriar de si a partir da construção narrativa de sua própria trajetória, seria possível
ver o sujeito através de uma imagem que ele próprio delimitou. A autora salienta a
56
existência de um elemento que confere legitimidade à narrativa de si: o pacto
autobiográfico (Idem).
Neste ato, a “assinatura” de quem relata é que atribui à narrativa o caráter
autobiográfico, até porque dificilmente atribuímos como autobiográfico um relato
anônimo. “Em primeiro lugar, sirvo-me da linguagem para escrever, de uma língua
que me vem do outro. E minha assinatura mesma está plena desse outro, já que ela
quer englobar o meu ser através de um nome que me pertence, mas que só é meu
porque me foi dado por alguém” (VILLAR, 1971,SI p. 4). Por sua vez, a recepção
também pressupõe a atuação do pacto autobiográfico. É na apropriação do relato pelo
outro que os fragmentos autobiográficos podem exercer poder: “é, na verdade, nesse
ato de leitura que o leitor assina o pacto e deixa o relato autobiográfico exercer seu
poder (...) ou não” (Idem).
Já para Alberti (1991), o exercício autobiográfico opera uma síntese dos
sentidos dados à própria vida. Síntese esta que engloba descontinuidades, omissões
e seleção de acontecimentos a partir dos relatos de si. Nessa dinâmica, o sujeito se
orienta pela busca de significações: que lhe dirão quais acontecimentos ou reflexões
devem ser omitidos e quais (e como) devem ser narrados.
Nesta busca, os relatos ganham sentido na medida em que vão sendo
narrados, acumulando-se uns nos outros, de forma que a significação se constrói no
momento em que o sujeito narra a sua existência. O adentrar das narrativas midiáticas
em nosso cotidiano (onde se inserem as narrativas autobiográficas partilhadas em
rede) “se tornou um potente agenciador de nossos imaginários, tanto os coletivos —
dos mitos, ritos e símbolos — quanto os individuais – dos sonhos propriamente ditos”
(ROCHA, 2012, p. 136). Há que se lembrar que as mídias digitais e seus aparatos
tecnológicos, com sua memória imaterial, “são virtualmente mais ‘eternas’ do que a
memória material. Também é assim que hoje podemos reconstruir as lembranças e
escrever nossas próprias memórias” (Ibidem, p. 138).
Nesse debate sobre visibilidade midiática, a partir das narrativas
autobiográficas, centramos nossa abordagem nas visibilidades sociais de mulheres
negras veiculadas nas sociedades comunicacionais e mediadas pelas culturas do
consumo. Interessa-nos perceber como os fluxos identitários e culturais que emergem
de suas vivências midiáticas dialogam com realidades sociais e contextos culturais,
revelando formas de produção e negociação de sentidos ligadas aos corpos negros,
57
que englobam estigmas e exclusões, mas também possíveis sentidos de
(re)significação e (re)existência, em que tensões socioculturais ganham visibilidade
social e impacto midiático.
Ao refletir sobre as narrativas autobiográficas de mulheres negras, produzidas
e veiculadas em aparatos midiáticos, temos de localizar o lugar de subalternidade e
desamparo social a que essas mulheres estão sujeitas no contexto brasileiro. Em meio
a tamanha adversidade de se estar às margens da sociedade, “as mulheres negras
criam táticas de sobrevivência forjando soluções culturais para os problemas
econômicos” (SANTANA; ALMEIDA, 2017, p. 58), por meio do compartilhamento das
práticas cotidianas, experiências e trajetórias nas redes digitais.
Essas táticas de vida de mulheres negras, presentes em suas memórias, são
compartilhadas em rede digitais por meio de narrativas com teor autobiográfico. Nesse
exercício de narrar a si mesmo, tomam o protagonismo dos significados da própria
existência, rompendo com os lugares de subalternidade, normalmente atribuídos às
mulheres pelos discursos hegemônicos. Nesse sentido, escrever/narrar é existir e
(re)existir:
(...) é de um lugar de alteridade que desponta a escrita da mulher negra. Uma voz que se assume. Interrogando, se interroga. Cobrando, se cobra. Indignada, se indigna. Inscrevendo-se para existir e dar significado à existência, e neste ato se opõe. A partir de sua posição de raça e classe, apropria-se de um veículo que pela história social de opressão não lhe seria próprio, e o faz por meio de seu olhar e fala desnudado os conflitos da sociedade brasileira (ALVES, 2010, p. 185).
Nossa reflexão se pauta, portanto, nas narrativas autobiográficas acerca da
experiência da transição capilar, entendendo o cabelo enquanto elemento corpóreo
identificado a aspectos culturais e sociais ligados a traços étnicos, que refrata e reflete
sentidos individuais e coletivos. Essa escolha se justifica ao considerar que o cabelo
surge enquanto aspecto corpóreo marcante no que tange às experiências
socializantes da mulher negra. Suas significações são construídas e podem ser
entendidas no interior de contextos sociohistóricos e percebidos nas dinâmicas
midiáticas
2.3 AS NARRATIVAS AUTOBIOGRÁFICAS COMO PERFORMANCE MIDIÁTICA
58
A performance midiática como “espetáculo da interioridade” (ARFUCH, 2010)
adquire especial atenção ao analisarmos as narrativas autobiográficas de transição
capilar compartilhadas por mulheres negras que possuem o status de “celebridade”
ou que são portadoras de visibilidade midiática, como denominamos em nossa
reflexão. A partir de diversos aparatos midiáticos, como programas de TV, entrevistas,
videoclipes e sites de redes sociais, essas personalidades constroem sua
subjetividade em rede e performam narrativas de si.
Embora tenha se popularizado consideravelmente nos últimos anos, o conceito
de performance9 contempla uma série de ambiguidades e está longe de ser simples.
No campo das artes, o termo “performance” se fundamenta a partir de um movimento
dos anos 1970, que originou um gênero artístico assim denominado (SIBÍLIA, 2015).
O conceito contempla manifestações híbridas que abrangem dança, teatro, poesia,
música, artes visuais e auditivas, e, permeadas pelas novas tecnologias digitais,
tornam-se amplamente difundidas na internet.
Para esta autora, quando se fala em performance na atualidade, remete-se à
construção de uma subjetividade espetacularizada em rede. Assim, o conceito adquire
uma maior amplitude e pode fazer referência tanto ao desempenho de um ator no
palco, de determinado atleta em uma partida de futebol ou até mesmo, como aqui
trataremos, da espetacularização da vida cotidiana (SIBILIA, 2015).
Como bem sintetiza Schechner (2003, p. 25), “no século XXI, as pessoas têm
vivido, como nunca antes, através da performance”. Percebemos na fala do autor que
o exibicionismo ou as maneiras de se tornar visíveis, atreladas às performances
compartilhadas em rede, têm se tornado uma estratégia habitual nas práticas
cotidianas. Sem dúvida, o espraiamento dos espaços midiáticos e do consumo na
contemporaneidade cria um ambiente fértil para a profusão de imagens e relatos
inspirados em tais moldes. Além disso, essa espetacularização da vida comum “tende
a se realizar nas imagens e ganha consistência ao se produzir com a ajuda dos
9 Nesta pesquisa, refletimos sobre o conceito de performance em contextos midiáticos proposto por Sibília (2015), contudo, pontuamos, que o termo performance vem sendo utilizado por diversas correntes da Antropologia, Linguística, Sociologia, entre outros campos, para entender dinâmicas de construção de identidades e sociabilidades (SOARES; AMARAL, 2018). Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S1809-58442018000100063&script=sci_arttext>. Acesso em: 10 de janeiro de 2018.
59
códigos midiáticos ao se plasmar nas telas que se multiplicam por toda parte” (SIBÍLIA,
2015, p. 355).
Nesta cena midiática, o compartilhamento das narrativas de si pelas chamadas
celebridades, reproduzidas e repercutidas em diversos veículos de mídia e nos sites
de redes sociais, enfatizam os aspectos da vida cotidiana, íntima e privada,
multiplicando-se em resposta ao apelo de um público que reconhece nesses
indivíduos uma espécie de inspiração. Cria-se uma relação de interação, pois a
performance se vincula a um outro que assiste e contempla o ato performativo: “se
viver se assemelha a atuar ou encenar, se ‘ser alguém’ equivale a interpretar um
personagem, e se a vida tende a se parecer cada vez mais com uma narrativa
midiática, isso ocorre porque costumamos sublinhar nossos gestos e ações para
aqueles que assistem” (SIBÍLIA, 2015, p. 355).
Nessa perspectiva, performamos para aqueles que assistem e, assim,
calculamos, ensaiamos e emolduramos nossas próprias práticas do dia a dia, como
se o objetivo fosse enquadrá-las para que o público possa apreciá-las.
A dimensão performativa faz parte do próprio ato de se tornar visível, pois
implica em um corpo que se expõe e, nesse ato, cria-se a si próprio. Isso significa que
essa subjetividade ganha forma e existência à medida que se mostra, aparece,
performa. Schechner (2003, p. 49) afirma que “mais e mais pessoas experimentam
suas vidas como sequências de performances conectadas”. Os aparatos audiovisuais
e interativos atrelados aos espaços midiáticos, auxiliam na intensificação desse
fenômeno. Nessas criações contemporâneas:
(...) convida-se a ‘vida real’ para participar, interagir, julgar, colaborar e, sobretudo, ela é tentada insistentemente a se produzir para e nas telas. Por outro lado, a própria vida cotidiana se contagia desse modus operandi e se espetaculariza ela também, de modo crescente, mesmo nas cada vez mais escassas situações em que as câmeras não estão presentes (SIBÍLIA, 2015, p. 355).
Os modos performáticos conformam novas formas de se relacionar consigo,
com os outros e com o mundo. Assim, aqueles que adquirem visibilidade midiática,
atuam enquanto representantes de ideais e identidades desejados e idealizados pela
sociedade contemporânea: “quem nós pensamos que a celebridade é ‘de verdade’,
nos diz algo sobre quem nós somos ou quem nós queremos ser” (MEYERS, 2009, p.
895).
60
Nesse contexto, a ideia de performance midiatizada advém importante para a
discussão acerca dos corpos e cabelos vinculados à negritude, pois, ao tornar essas
trajetórias de mulheres negras visíveis, partindo do entendimento de que a
performance se associa a uma subjetividade construída, ela contribui para fomentar o
debate e desestabilizar visões essencialistas dos traços ligados às identidades
sociais. Assim, os corpos e cabelos são performativos, na medida em que seus
sentidos são constantemente construídos e reconstruídos em sociedade e mediados
pela cultura (PAULA, 2014).
Dessa forma, não há uma estética preestabelecida para os corpos negros,
como também não há uma textura única de cabelo das negritudes. Dito de outra forma,
não há uma identidade social unânime da negritude, pois ela se concebe em um
caráter heterogêneo de infinitas variáveis, que vão desde a origem/contexto social em
que se inserem esses indivíduos, passando pela tonalidade da pele, a textura dos
cabelos, a robustez dos corpos, a cor dos olhos, etc. Nas palavras de Hall (2006), as
identidades são como “celebrações móveis”, formadas e transformadas
continuamente a partir dos sistemas culturais que as rodeiam.
A filósofa e ativista Sueli Carneiro (2004), no texto “Negros de Pele Clara”10,
entende que a hierarquização dos discursos que atribuem valores morais a traços
fenotípicos e genotípicos de grupos sociais nos permite entender as dinâmicas e
estruturas racistas. Segundo ela, por trás dessa premissa estão inquietações sobre a
facilidade com que atribuímos múltiplas características aos indivíduos brancos, algo
que, no entanto, não é considerado da mesma forma ao pensarmos na diversidade
de indivíduos negros. Para Carneiro (Idem), pensar o processo emancipatório da
população negra compreende a aceitação coletiva das diferentes trajetórias,
narrativas e identidades ligadas aos indivíduos negros.
A performance corpórea que se constrói nas redes digitais se torna uma
estratégia de posicionamento no mundo social. Os sentidos atribuídos aos corpos são
cotidianamente produzidos e negociados na performance e na interação social. Tais
práticas/construções dão condições para se compreender como as identidades, os
corpos/cabelos negros adquirem sentido nessas interações. Desta maneira, a partir
10 Portal Geledés. Disponível em: <https://www.geledes.org.br/negros-de-pele-clara-por-sueli-carneiro/>. Acesso em: 15 de novembro de 2018.
61
do corpo se pode reconhecer o processo de constituição das subjetividades (GOMÉZ;
SALGADO, 2012), pois, o corpo é portador de significado, construído em relação ao
outro e desta forma nominado e denominado com diferentes atributos. O corpo é lugar
único de existência de cada ser, onde é destacado o poder de decidir, ser e fazer.
Nesse sentido, é espaço onde se objetiva não apenas as violências, mas também as
resistências.
Nesse campo de construção de sentidos que tem o corpo como lugar e as
identidades negras como questão, o cabelo adquire valor simbólico ao vincular
identificação e pertencimento de indivíduos a determinados grupos: o do cabelo
“alisado”, do “relaxado”, do “natural”, constituindo uma pluralidade de narrativas e
significados atribuídos. Essas dinâmicas não fazem alusão apenas ao uso do cabelo,
mas igualmente a uma prática, a um “fazer” no mundo social (PAULA, 2014).
Desta maneira, o uso do cabelo é uma performance e, por consequência,
inscreve rotas sociais aos indivíduos. Ao mesmo tempo, cria possibilidades de desvios
a partir de performances e usos dos cabelos que desafiam o normativo, criando
caminhos próprios de (re)existências.
Nesse ínterim, as mudanças, como a transição capilar, abrem fissuras propícias
à diversidade (PAULA, 2014), e possibilitam brechas para desnaturalizar e/ou
desessencializar os corpos negros, criando espaços para que as negritudes possam
estabelecer seus roteiros sociais e espaços de (re)existência que se fundamentem em
pilares, que não sejam as de uma fisicalidade negra essencializada,
hegemonicamente imposta.
Em suma, entendemos que as narrativas de transição capilar enquanto
performance corpórea, difundidas pela cultura midiática, tensionam construções
essencialistas acerca dos corpos socialmente concebidos como negros, que
perpetuam posições de inferioridade a esses sujeitos sociais. Dessa forma, ao colocar
em cena mulheres negras como protagonistas das próprias narrativas, a partir da
performance de sua existência, essas expressividades se apresentam como
potenciais instrumentos de negociação de sentidos acerca das identidades e
significações dos corpos e sentidos vinculados a negritude.
62
CAPÍTULO 3. PERCURSOS METODOLÓGICOS
3.1 ESCOLHAS METODOLÓGICAS
Neste capítulo, tratamos de expor as inspirações metodológicas que conduzem
nossa pesquisa, ajudando-nos assim na construção de uma instância investigativa e,
posteriormente, na descrição e problematização de nosso objeto de estudo.
A decisão por uma prática de pesquisa, dentre outras questões, refere-se à
maneira como fomos e estamos subjetivados, como nos colocamos no jogo dos
saberes e como nos relacionamos com o poder. Desta forma:
(...) não escolhemos, de um arsenal de métodos, aqueles que melhor nos atendem, mas somos “escolhidos” pelo que foi historicamente possível de ser enunciado; que para nós adquiriu sentidos; e que também nos significou, nos subjetivou, nos (as)sujeitou. (CORAZZA, 2002, p. 124).
Isto significa dizer que, pensar o conhecimento é também pensar a cultura, as
estruturas de poder e o lugar de onde se fala ou de onde se parte. A seleção do
método investigativo reflete um posicionamento adotado pelo pesquisador, que reflete
sua identidade, suas crenças, suas angústias e o seu saber. Na perspectiva de Martin-
Barbero (2004), o método não é apenas uma ferramenta para pensar objeto/problema,
mas uma postura filosófica, um ponto de vista acerca do objeto, onde a trajetória do
pesquisador também está implicada.
Grada Kilomba (2010) nos lembra que o espaço acadêmico não se constitui
enquanto lugar neutro, objetivo ou universal, mas, sim, como um espaço onde os
discursos hegemônicos pautados pela branquitude são reiterados como centro, como
a norma. Enquanto isso, os discursos que se distanciam desse viés são vistos como
conhecimento desviante, “muito interessante, porém, pouco científico” (Idem).
Dado este contexto em que o privilégio de fala têm sido, muitas vezes, negado
às pessoas negras e não-brancas, Kilomba (2010) propõem a descolonização do
conhecimento, reivindicando uma epistemologia que inclua a subjetividade e o
pessoal como parte do discurso teórico, lembrando que falamos de um lugar,
realidade e história específica que incluem emoções e subjetividade como parte do
conhecimento produzido. Assim, adotar um posicionamento descolonizado enquanto
pesquisador é “apresentar uma possibilidade de produção de conhecimento
63
emancipatória” (KILOMBA, 2010, p. 32), alternativa aos discursos hegemônicos
advindos dos espaços de poder.
Nesta direção, como pesquisadora que se reconhece enquanto mestiça, minha
temática de estudo se ambienta em espaços que envolvem minhas experiências
pessoais como sujeito, que se mesclam com as vivências de meu objeto de pesquisa.
As questões que perpassam a minha pesquisa provocam um duplo sentido de
pertencimento a mim como pesquisadora: o da produção do conhecimento científico
e o da experiência enquanto mulher mestiça que vivenciou a transição capilar, filha de
pai negro e mãe branca, da pele clara e cabelos crespos. Nesses processos de
leituras e vivências, reconhecer essas fronteiras que me atravessam, representou,
possivelmente, a motivação maior para que, a partir dessas experiências
autobiográficas, eu decidisse buscar na autoetnografia um apoio metodológico para
esta dissertação.
Alicerçada no conceito de lugar de fala proposto por Djamila Ribeiro (2017),
que salienta que nossa fala parte sempre de um determinado lugar situado nas
estruturas de poder, a autoetnografia caracteriza-se como uma estratégia em que a
presença dos pontos de vista de quem pesquisa pode favorecer a captação de
experiências outras (SCRIBANO; SENA, 2009).
Na autoetnografia o pesquisador não suprime sua subjetividade, ao contrário,
a experiência pessoal é pensada “no contexto das relações e práticas culturais, de
forma que o método procura revelar o conhecimento de dentro do fenômeno,
demonstrando assim, aspectos da vida cultural que não podem ser acessados na
pesquisa convencional” (MOTA; BARROS, 2015, p. 1339). Esses processos
autorreflexivos que exploram e problematizam o próprio lugar de enunciação,
permitem, segundo Vergueiro (2014, p. 27):
(...) (re)descrever as complexidades de nossas histórias diversas, dores e brutalidades esquecidas ou neutralizadas em estatísticas e lamentações, (des)aprendendo epistemologias colonialistas e cartografando-as utopias, sonhos, análises críticas e curas contra toda ciscolonialidade a invadir, assassinar e explorar (econômica, acadêmica, politicamente) as diversidades corporais.
Com o intuito de fundamentar o compromisso com o meu locus
enunciativo/metodológico, evoco também a reflexão de Glória Anzaldúa (1987),
contida em Borderlands/La Frontera: The New Mestiza. Na obra, a “consciência
mestiça” apresentada por Anzaldúa, remete à capacidade do pesquisador em
64
“reinterpretar a história” universalizante, contrapondo-a através de uma “nova
consciência”, que recusa tanto o identitarismo essencialista quanto o hibridismo
hegemônico (ANZALDÚA, 1987). Nesta perspectiva de pensar a descolonização
intelectual, a autora reconhece que os terrenos da diferença são mais do que nunca
espaços de poder e, assim, defende pensar a construção de um pensamento que se
distancie dos moldes europeus, mas que dialogue com vozes marginais, capazes de
produzir um conhecimento diferente daquele que se proclamou como universal.
Nesta perspectiva, a ideia de consciência mestiça proposta por Anzaldúa se
associa ao conceito de lugar de fala trazido por Ribeiro (2017, p. 64), em que “o falar
não se restringe ao ato de emitir palavras, mas o de poder existir”. Assim, pensar lugar
de fala nesse contexto é se utilizar do lugar de marginalidade que ocupamos na
sociedade, como forma de produzir conhecimento alternativo à “historiografia
tradicional e à hierarquização de saberes consequente da hierarquia social”
(RIBEIRO, 2017, p. 64).
O lugar de fala do pesquisador e sua trajetória estão, portanto, implicados em
sua pesquisa. Minhas experiências enquanto mestiça, com os cabelos crespos, mas
com a pele alva o suficiente para ter sido chamada de branca a vida toda –, nunca me
senti compelida a pensar às questões raciais, devido a minha “passabilidade branca”,
que me colocou em uma posição de conforto e distanciamento do racismo.
Mesmo quando vivi um tempo na Europa, a minha negritude nunca foi algo que
saltou às vistas. Com os cabelos alisados e os olhos pequenos e puxados (que herdei
de um avô descendente de indígenas), era constantemente confundida por colegas
europeus com uma intercambista chinesa. Nesses instantes, eu não percebia as
tentativas, muitas vezes inconscientes, de apagar a minha negritude, até porque
essas experiências de embranquecimento vividas e a falsa ideia de “pertencimento”
me alienaram com relação a minha própria identidade e também com relação à
consciência das questões raciais que atingem a realidade brasileira.
Foi a transição capilar que me tirou do estado alienante em que eu me
encontrava. Em um primeiro momento, nada foi conscientemente político nesse ato.
Cortar os fios alisados, na minha experiência, foi uma maneira de salvar um cabelo
maltratado por químicas realizadas durante anos. A consciência de que usar o cabelo
crespo estava para além de uma questão de gosto veio com o preconceito. Na época,
sendo militar da Aeronáutica, uma instituição conservadora e bastante rígida com
65
relação a normas de apresentação pessoal, chegar na minha seção de trabalho
fardada e com as madeixas encaracoladas soltas e volumosas foi um ultraje aos meus
superiores. Passei a sofrer perseguições para alisar o cabelo, com o argumento de
que precisava me “adequar” ao regulamento – que apenas previa a tipificação para
cabelos lisos. De nada adiantava a minha argumentação de que faltavam diretrizes
para um cabelo como o meu e que, segundo estas mesmas diretrizes, eu estava de
acordo. Foram meses de tentativas de intimidação que acabaram por me impor um
silenciamento forçado, na forma de um “coque” que escondia a textura e o volume de
meu cabelo, e também apagava a minha voz e existência destoante dos modelos
hegemônicos de branquitude.
Imagem 7: Regulamento que estabelece exemplos de tipificações capilares
permitidas aos militares da Força Aérea Brasileira
Fonte: <https://pt.scribd.com/document/117464463/ica-35-10-pdf
66
A proibição de usar o meu cabelo em sua textura natural, na simbologia de um
“coque”, alude ao conceito de “máscara” apresentado por Kilomba (2010). Utilizado
como um instrumento de tortura no período escravocrata, “a máscara” presa à boca
de indivíduos negros, possuía também a intenção de promover um senso de mudez e
de medo. Ao ser coagida a “me adequar” a um padrão de aparência hegemônico,
meus traços étnicos foram tratados como errados e inferiores, necessários de serem
apagados e silenciados.
A conscientização dessas situações vividas como um processo de
silenciamento foi possível ao transpor minhas experiências biográficas vividas no
cotidiano do trabalho para as reflexões acadêmicas. O preconceito sofrido despertou
minha consciência mestiça e meu interesse em entender o quanto o racismo ligado
às características fenotípicas negras como cabelo, cor da pele, formato de nariz, etc.,
estavam atreladas a um contexto histórico-social pautado pelo colonialismo, que “cria,
deslegitima ou legitima certas identidades” (RIBEIRO, 2017, p. 31). Nessa lógica
colonial, “as desigualdades são criadas pelo o modo como o poder articula essas
identidades, resultantes de uma estrutura de opressão que privilegia certos grupos em
detrimento de outros” (Ibidem, p. 31).
Desta forma, norteada por uma perspectiva descolonizada de conhecimento,
propomos pensar a sociedade a partir dos caminhos da comunicação e da cultura,
fundamentados em uma construção metodológica que promova o des-centramento
do olhar do pesquisador (MARTÍN-BARBERO, 2004), convocado a ver junto às
populações subalternas. Adotamos, assim, uma visão observacional que pressupõe
uma perspectiva contaminada do pesquisador, que se constrói no campo, na
observação e na descrição do contexto observado em que os fluxos se misturam pela
reciprocidade, interdependência e (inter)influências, e a identidade final do
pesquisador, por sua vez, estabelece-se nessa relação (SILVA, 2009).
Tomando a imagem e seu papel central no contexto sociocultural e nas culturas
do consumo como eixo principal de nossa análise, compreendemos que o estudo das
sociabilidades humanas a partir das instâncias do corpo e de suas performances
midiáticas se converte em uma prática extremamente relevante às ciências humanas,
na medida em que o corpo é concebido como espaço potencial, que expõe
tensionamentos sociais e coloca em debate discussões como o racismo, o
preconceito, as representações e as visibilidades da mulher negra.
67
Isso implica dizer que do corpo emergem sentidos de dominação e também
práticas de resistência, em que os indivíduos não são apenas reprodutores de
realidade, mas demonstram possibilidades de reflexividade, através da qual
questionam a vida social em suas várias expressões (GOMÉZ; SALGADO, 2012). E
dessa forma, as expressividades corpóreas postas em imagens adquirem dimensão
política (ROCHA, 2010).
3.2 DELIMITAÇÃO DO CORPUS E ETAPAS METODOLÓGICAS Para a escolha de nosso objeto empírico, voltamos nossa busca a mulheres
negras, brasileiras, de destaque na cultura midiática na atualidade. Alinhado ao nosso
tema de pesquisa, utilizamos como filtro para essa procura artistas negras que
tivessem passado pela transição capilar e cuja experiência tivesse sido midiatizada,
de modo a nos proporcionar material passível de análise.
Atentamo-nos às figuras midiáticas que, a partir de vestígios autobiográficos
que acessamos através da mídia, performam certa negritude, agenciando várias
camadas em torno do que é ser mulher negra, e confrontam, por assim dizer, os
lugares de subalternidade dados a esse sujeito social historicamente, utilizando-se
para isso de disposições performativas para criar mundos narrativos, através de
imagens.
Buscamos privilegiar em nossas escolhas uma pluralidade de vozes,
subjetividades, narrativas e sentidos do que é ser uma mulher negra no cenário
brasileiro, trazendo, para tanto, representantes de diferentes contextos midiáticos e
de visibilidades constituídas de maneiras distintas, cujas vivências midiatizadas se
articulam às práticas de consumo, promovendo discussões e reflexões sobre as
experiências enquanto mulher negra. Esse direcionamento metodológico nos permitiu
chegar a quatro figuras midiáticas de visibilidade negra, para compor nosso objeto de
análise: a atriz Taís Araújo, a empreendedora Alexandra Loras, a cantora Ludmilla e
a youtuber Rayza Nicácio.
Nossa observação se desenvolve em três etapas metodológicas, inter-
relacionadas entre si: a) revisão bibliográfica; b) coleta de material e sua posterior
seleção; e, por fim, c) análises e interpretações.
68
A primeira delas correspondeu a uma revisão bibliográfica com o propósito de
angariar conhecimentos científicos sobre nossa problemática de investigação. A
procura se deteve em fontes de informação focalizada nos principais eixos temáticos
da pesquisa: comunicação, mídia, consumo, autobiografia, gênero, identidades,
relações étnicas e visibilidade. Os achados muito contribuíram para o enriquecimento
das reflexões teóricas estabelecidas ao longo de dessa dissertação.
A segunda etapa se deteve no levantamento das imagens que compuseram o
corpus de análise. Ao definir as narrativas autobiográficas de Taís Araújo, Alexandra
Loras, Ludmilla e Rayza Nicácio como o objeto empírico da pesquisa, instauramos um
processo de observação de suas visibilidades midiáticas, focado nos relatos
midiatizados de suas experiências de transição capilar e nas publicações em suas
páginas pessoais de redes sociais. Com relação aos relatos, selecionamos materiais
veiculados na mídia, em que Taís Araújo, Alexandra Loras, Ludmilla e Rayza Nicácio
compartilham suas experiências de transição capilar, suscitando elementos
importantes para nossa reflexão. Chegamos assim aos seguintes conteúdos para a
composição de nosso corpus:
Tabela 1: Levantamento relatos transição capilar
RELATOS MIDIATIZADOS SOBRE TRANSIÇÃO CAPILAR TAÍS ARAUJO LUDMILLA ALEXANDRA
LORAS RAYZA NICÁCIO
Entrevista ao Superbonita (GNT)
sobre cabelos crespo
(mar. 2017)
Entrevista Revista sobre sua
transição capilar (abr. 2017)
Entrevista para o Site Beauty Editor
sobre sua transição capilar
(mai. 2017)
Vídeo "Ninguém se mete com o meu cabelo" publicado
no seu canal do Youtube (mai. 2017)
Matéria Revista Glamour sobre
sua transição capilar (dez. 2016)
Vídeo sobre transição capilar publicado no seu
perfil do Facebook (abr. 2017)
Fonte: Elaboração própria.
69
Nas redes sociais, foi realizado um levantamento quantitativo de suas
narrativas, colhidas a partir de publicações no Facebook11 e YouTube12, no período
de janeiro a julho de 2017. A justificativa de nossa escolha está no entendimento de
que essas mídias permitem certa autonomia de expressão e comunicação, que
possibilita verificar elementos biográficos presentes nas autonarrativas das figuras
midiáticas analisadas. Contudo, pontuamos que em nossa crítica não são
desconsiderados os enquadramentos de formato, padrões de publicações e políticas
de uso presentes nesses sites de rede social. Assim, o material encontrado está
sistematizado, conforme tabela abaixo:
Tabela 2: Levantamento de dados no YouTube
Taís Araújo Ludmilla Alexandra
Loras Rayza
Nicácio Número de vídeos
postados no YOUTUBE
(período de jan. a jul. de 2017)
0 9 0 85
Fonte: Elaboração própria.
Tabela 3: Levantamento de dados no Facebook
Taís
Araújo Ludmilla Alexandra Loras
Rayza Nicácio
Número de imagens postadas no
FACEBOOK (período de jan. a jul. de 2017)
124 174 173 172
Fonte: Elaboração própria.
11 Facebook é uma mídia social lançada em 2004 criada pelo americano Mark Zuckerberg. Em 2014 registrou 1,19 bilhão de usuários em todo o mundo. Disponível em: http://g1.globo.com/tecnologia/noticia/2014/02/facebook-completa-10-anos-veja-evolucao-da-rede-social.html. Acesso em: 10 de janeiro de 2018. 12 O YouTube foi criado no ano de 2005, tendo como idealizadores Steve Chen, Chad Hurley e Jawed Karim. De acordo com estatísticas oficiais divulgadas pela plataforma, mais de um bilhão de pessoas acessam, atualmente, o conteúdo do site, que acumula milhões de horas de visualizações de vídeos diariamente. Disponível em: https://www.youtube.com/intl/pt-BR/yt/about/press/>. Acesso em: 10 de janeiro de 2018.
70
De forma a viabilizar nosso processo de análise, considerando o fato de Taís
Araújo e Alexandra Loras não terem tido publicações no YouTube no período do
levantamento, focalizamos nossa observação no conteúdo das imagens postadas no
Facebook. Por conta ainda do exíguo tempo e de modo a garantir a qualidade das
análises, dado o volume no número de postagens, foi necessário realizar um recorte,
de modo a garantir uma reflexão mais aprofundada acerca das visibilidades que
emanam das presenças midiáticas de nosso objeto de estudo.
Para o recorte, adotamos como critério as imagens postadas com maior
audiência. A justificativa para o parâmetro adotado está em sua possibilidade de
suscitar indicativos acerca das visibilidades encontradas nas figuras midiáticas
analisadas. A partir daí, selecionamos a imagens com maior número de curtidas e
comentários de Taís Araújo, Ludmilla e Alexandra Loras e Rayza Nicácio, em cada
mês correspondente ao período de nosso levantamento, chegando a um total de 24
imagens para a composição do corpus, conforme conta nas tabelas abaixo:
Tabela 4: Postagens de Taís Araújo com maior audiência no Facebook
Fonte: Elaboração própria.
Tabela 5: Postagens de Ludmilla com maior audiência no Facebook
CANTORA LUDMILLA DATA POST CURTIDAS COMENTÁRIOS
Jan./17 110.000 1.600 Fev./17 69.000 801 Mar./17 108.000 1.600 Abr./17 52.000 502
TAÍS ARAÚJO DATA POST CURTIDAS COMENTÁRIOS
Jan./17 214 mil 6,3 mil Fev./17 383 mil 7,4 mil Mar./17 87 mil 2,7 mil Abr./17 46 mil 1,1 mil Mai./17 77 mil 2,2 mil Jun./17 42 mil 462 Jul./17 56 mil 1,4 mil
71
Mai./17 42.000 897 Jun./17 37.000 535 Jul./17 26.000 608
Fonte: Elaboração própria.
Tabela 6: Postagens de Alexandra Loras com maior audiência no Facebook
ALEXANDRA LORAS DATA POST CURTIDAS COMENTÁRIOS
Jan./17 2,4 mil 73 Fev./17 77 5 Mar./17 1,5 mil 80 Abr./17 2,1 mil 41 Mai./17 3,1 mil 57 Jun./17 1000 20 Jul./17 1,4 mil 9
Fonte: Elaboração própria.
Tabela 7: Postagens de Rayza Nicácio com maior audiência no Facebook
RAYZA NICÁCIO DATA POST CURTIDAS COMENTÁRIOS
Jan./17 12000 133 Fev./17 14000 186 Mar./17 24000 743 Abr./17 12000 119 Mai./17 9500 224 Jun./17 7300 101 Jul./17 17000 177
Fonte: Elaboração própria.
Por fim, a terceira etapa metodológica da pesquisa possui cunho qualitativo e
corresponde à análise crítica dos materiais que compõem o corpus. As análises
efetuadas incidem sobre as narrativas, fragmentos autobiográficos, performances e
politicidades incutidas nas visibilidades midiáticas de nosso objeto empírico. Nessa
fase, fundamentada nos estudos de autoetnografia (SCRIBANO, A.; SENA, 2009;
VERGUEIRO, 2014), utilizamos três categorias para a análise e interpretação dos
dados, de modo a apreender as visibilidades midiáticas dessas figuras midiáticas.
Assim, as chaves para esta investigação consistem nos seguintes eixos de
72
observação: modos de apresentação; lugares de fala; e, por fim, estratégias de
visibilidade midiática.
a) Modos de apresentação
Neste eixo de observação, nos dispomos a analisar como as figuras midiáticas
estudadas se utilizam de canais de autoexpressão (LEMOS, 2002) para construir
espaços de autopercepção e afirmação de si. Pautados pelo conceito de corpo
midiático, “construído na mídia para significar e ganhar significados nas relações
midiáticas” (CAMARGO; HOOF, 2012, p.27), focamos nossa investigação em como
essas visualidades são nomeadas por suas interlocutoras, em prol da construção de
uma performance de si. Incidimos sobre aspectos como a linguagem utilizada, o
conteúdo produzido, o vestuário, os cenários e os enquadramentos das imagens
postadas. Atemo-nos aos sentidos de negritude que emanam das expressões
corpóreas associadas a Taís Araújo, Ludmilla, Alexandra Loras e Rayza Nicácio, a
partir de suas apropriações pelas mídias, ao se visibilizarem nos espaços midiáticos.
Para tanto, consideramos as contribuições teóricas de Martine de Joly (1996) e Agda
Aquino (2011) acerca da análise de imagens, buscando evidenciar quais sentidos
veiculam essas mensagens e como suscitam significados e interpretações.
b) Lugares de fala Com relação à segunda categoria, nossa intenção é observar os elementos que
caracterizam o sujeito que narra, quais as estratégias utilizadas para se colocar
enquanto indivíduo e como essas marcas suscitam sentidos associados aos lugares
sociais ocupados por mulheres negras na sociedade brasileira. Nosso objetivo é
verificar os enquadramentos estéticos presentes nas narrativas de transição capilar
de Taís Araújo, Ludmilla, Alexandra Loras e Rayza Nicácio, e se eles aludem a
determinados padrões de beleza excludentes. Para tanto, iremos nos ater a três
questionamentos: quais motivos as fizeram alisar o cabelo? O que levou a decisão
pela transição capilar? Qual o significado de usar o cabelo natural, na textura
crespa/cacheada? Fundamentamos nossa observação nos preceitos de lugar de fala
abordados por Ribeiro (2017), considerando que, embora existam individualidades no
que concerne às vivências enquanto mulher negra, as experiências individuais aqui
73
suscitam indícios de opressões estruturais que nos auxiliam a refletir sobre as
condições sociais que aludem sobre grupos subalternizados.
c) Estratégias de visibilidade midiática
Finalmente, o terceiro eixo de análise tem a intenção de cruzar as informações
obtidas nas demais categorias. O intuito é compreender quais as apropriações e as
estratégias de visibilidade midiática empregadas pelas experiências de vida das
mulheres negras que fazem parte de nosso objeto de estudo, em dispositivos
comunicacionais que permitem maior autonomia de gestão da imagem, como o
Facebook, e como suas experiências de transição capilar estão interligadas a isso.
Indagamos se as visibilidades alcançadas nessas narrativas midiáticas são acionadas
no sentido de suscitar espaços de debate que questionem os lugares sociais de
subalternidade associados às mulheres negras, promovendo uma política da
diferença. Buscamos assim apreender quais posições Taís Araújo, Ludmilla,
Alexandra Loras e Rayza Nicácio ocupam no espaço midiático. Quais as relações de
pertencimento e posturas assumidas diante do público? E o que isso pode indicar
acerca das relações de poder e assimetrias raciais, assim como evidenciar fluxos e
contradições capazes de apontar possíveis estratégias de subversão? Apoiamo-nos
nas reflexões teóricas de Rocha (2009), que concebe a visibilidade como uma
visualidade portadora de legibilidade que pressupõe cunho essencialmente político,
associando-se “a mecanismos socioculturais partilhados que conferem, a
determinadas imagens visuais, a qualidade de partícipes de sistemas de crença e de
leitura visual reconhecíveis e reconhecidos” (Ibidem, p. 273).
Desta forma, temos que os eixos que guiam nossa observação tornam possível
apreender as visibilidades que emergem de nosso objeto de estudo, nos auxiliando
na compreensão dos sentidos de negritude que suscitam suas vivências midiáticas.
74
CAPÍTULO 4. ANÁLISES E INTERPRETAÇÕES
4.1 MODOS DE APRESENTAÇÃO
Raquel Recuero (2009) compreende as redes sociais enquanto agrupamentos
complexos instituídos por interações sociais embasadas em tecnologias digitais de
comunicação. Segundo a autora essas “redes” que se configuram no universo digital
nos auxiliam a pensar acerca das interações sociais na Internet. Esses espaços
virtuais reúnem indivíduos que criam perfis para si mesmos, nos quais adicionam
informações sobre a vida pessoal e profissional, compartilham fotos, vídeos e textos
de diferentes naturezas.
Criado em 2004 pelo americano Mark Zuckerberg, com o propósito de unir e
proporcionar a interação entre estudantes, o site de rede social Facebook permite a
seus usuários a criação de perfis e comunidades virtuais. Nesses espaços, os
usuários indicam suas preferências, gostos, hábitos, estilos, a partir do
compartilhamento de mensagens acerca do trabalho, estudos, viagens, relações
afetivas, preferências artísticas e políticas, dentre outras informações. Assim, criação
de um perfil em uma rede social como o Facebook, por exemplo, “permite ao usuário
não somente a exposição de sua vida pessoal como também de seus gostos pessoais,
seus valores morais e sociais, ou seja, suas ideologias” (REIS, 2015, p. 39).
Sibília (2003) afirma que o discurso de si presente em redes sociais como o
Facebook tem aumentado consideravelmente no mundo ocidental devido ao
“imperativo da visibilidade” almejada no ciberespaço. Essa apropriação social da web
tem potencializado o entendimento das redes sociais como lugares de constituição de
sujeitos, pois, neles, os indivíduos inscritos se associam de acordo com interesses em
comum, veiculando aquilo que se é ou deseja ser (CARVALHO; KRAMER, 2013).
As relações nas redes sociais, compreende que o sujeito/ator em suas páginas
pessoais necessita constituir-se de forma atraente, de modo a despertar o interesse e
confiança de sua audiência naquele espaço. Baseados nisso, temos que “não se pode
tratar de identidade no singular, quando se pensa em cultura digital, precisamos tratar
de identidades, porque o ato de escrever de si e de revelar-se se dar a partir de uma
relação de alteridade/outridade” (ARAÚJO; ARCOVERDE, 2017, p. 7).
75
Ao pensar a utilização sites de redes sociais como o Facebook por pessoas
públicas, como celebridades, cantores, atores, youtubers, etc., observamos que esses
espaços têm se tornado importantes locais de autopercepção e afirmação de si, pois
esse processo comunicativo descentralizado e não linear possibilita uma certa
autonomia em relação à cena midiática em que estão inseridos, ao permitir a
construção de um “lugar próprio” a partir da escrita de si, tornando essas experiencias
pessoais narradas uma espécie de diário em rede (ARAÚJO; ARCOVERDE, 2017, p.
2). Nesse sentido, além de produzirem informação (por meio de postagens), esses
artistas, em sua presença midiática em rede, tornam-se também consumidores de
informação ao interagirem com seus seguidores em sua página pessoal.
Ao abordar essas considerações sobre as redes sociais, a tecnicidade não
pode ser compreendida sem a mediação cultural, mas vista como novas formas de
percepção e linguagem. Assim, salientamos que, ao nos propormos a pensar a
sociedade a partir dos caminhos da comunicação e da cultura, compreendemos que
laços sociais se encontram cada vez mais entrelaçados às redes comunicacionais e
aos fluxos informacionais (MARTÍN-BARBERO, 2004). Nesse cenário, a
narrativização de si tem ganhado protagonismo por meio das redes sociais, permitindo
refletir sobre esses sujeitos sociais perpassados e produzidos a partir de uma relação
de alteridade/outridade e marcados por identidades fluídas e multifacetadas
(ARAÚJO; ARCOVERDE, 2017).
4.2 PRESENÇA MIDIÁTICA E MODOS DE APRESENTAÇÃO EM TAÍS ARAÚJO “Fui conquistando meu espaço com diplomacia. E sem essa de coitadinha. Eu sou negra, tinha consciência do país onde nasci (...)”. Excerto entrevista de Taís Araújo a Revista Trip de agosto de 2015.13
A atriz e apresentadora Taís Bianca de Araújo Gama nasceu no Rio de Janeiro,
em novembro de 1978. De classe média alta, filha de pai economista e mãe pedagoga,
viveu até os oito anos de idade no bairro carioca do Méier, mudando-se
13 Disponível em: <https://f5.folha.uol.com.br/celebridades/2015/08/1667694-sou-negra-tenho-consciencia-do-pais-onde-nasci-diz-tais-araujo.shtml>. Acesso em: Acesso em 10 de novembro de 2018.
76
posteriormente para a Barra da Tijuca, onde morou boa parte de sua adolescência e
juventude. Estudou sempre em escolas particulares e formou-se em jornalismo pela
Universidade Estácio de Sá. Ela é casada com o também ator Lázaro Ramos e com
ele possui dois filhos, um menino e uma menina, de sete e três anos de idade
respectivamente.
O primeiro papel de destaque na carreira da artista foi como protagonista da
novela Xica da Silva (1996), na extinta Rede Manchete. Na época, sua personagem
gerou controvérsias ao realizar fortes cenas de erotismo e violência, mesmo a atriz
sendo menor de idade. Em 2009, na telenovela Viver a Vida, do autor Manoel Carlos,
deu vida à primeira protagonista negra em horário nobre da Rede Globo. A novela
acabou não fazendo sucesso na audiência, e sua personagem “Helena” sofreu
rejeição do público, sendo criticada pela mídia e pelos telespectadores. O ocorrido
deixou Taís muito abalada, o que a fez pensar em desistir da carreira: “Recebi críticas
que me fizeram acreditar que a minha carreira iria acabar naquele momento. Após 16,
17 anos de carreira, eu disse: 'Vai acabar!'”.14
Atualmente é a única atriz negra a acumular papéis de destaque em folhetins
brasileiros. Além de Xica da Silva (1996) e Viver a Vida (2009), foi protagonista ainda
de Da Cor do Pecado (2004); Cheias de Charme (2012); Geração Brasil (2014) e do
seriado Mister Brau (2015 a 2018), as cinco últimas, produções na Rede Globo. No
teatro, realizou turnê pelo Brasil com a peça O Topo da Montanha, que lhe rendeu
uma indicação ao o prêmio Shell de Melhor Atriz.15 Em 2017, foi apresentadora do
programa Saia Justa, do GNT.
Taís tem presença ativa nas redes sociais, acumulando mais de 10 milhões de
seguidores no Facebook e Instagram.16 Foi eleita em 2017 como uma das 100
personalidades negras, com menos de 40 anos, mais influentes do mundo pelo órgão
Most Influential People of African Descent – MIPAD.17 Também em 2017, recebeu
14 Entrevista ao site Purepeople. Disponível em: <http://www.purepeople.com.br/noticia/tais-araujo-lembra-sua-helena-de-manoel-carlos-achei-que-carreira-ia-acabar_a15530/1>. Acesso em: 10 de novembro de 2018. 15 Disponível em: <https://vejasp.abril.com.br/blog/dirceu-alves-jr/tais-araujo-e-o-sonho-possivel-de-falar-o-que-acredita-8220-se-eu-nao-fizer-desse-jeito-minha-carreira-nao-vai-ter-graca-8221/>. Acesso em: 10 de novembro de 2018. 16 Dados consultados no perfil da rede social da atriz em janeiro de 2019. 17 O MIPAD é uma organização afrodescendente internacional que identifica grandes empreendedores afrodescendentes em setores públicos e privados de todo o mundo, vinculado à Organização das
77
homenagem no Prêmio Claudia, promovido pela Revista Claudia, da Editora Abril, na
categoria hors concours, honraria concedida aos indivíduos que atuam pela igualdade
de direitos na sociedade.18 Taís ainda aparece como a quinta artista mais influente da
televisão e internet no país, segundo o jornal Meio & Mensagem, em 2016.19
4.2.1 Modos de apresentação
Imagem 8: Taís Araújo em selfie com colegas
Fonte:
<https://www.facebook.com/taisdeverdade/photos/a.467026363422100/659469014177833/?type=3&theater>.
Na imagem, Taís aparece com outras duas atrizes, colegas de emissora,
Camila Pitanga e Juliana Paes, fazendo uma “selfie”.20 É possível vê-las apenas do
Nações Unidas (ONU). Todos os anos o órgão se destina a homenagear em cerimônia realizada em Nova York (EUA) as personalidades afrodescendentes mais influentes do mundo. |Disponível em: <https://www.mipad.org/>. Acesso em: 10 de novembro de 2018. 18 Disponível em: <https://claudia.abril.com.br/noticias/tais-araujo-homenageada-premio-claudia/>. Acesso em: 10 de novembro de 2018. 19 2ª Edição da pesquisa “Os Novos Influenciadores – quem brilha na tela dos jovens brasileiros”. Disponível em: <http://www.meioemensagem.com.br/home/midia/2016/09/30/as-personalidades-mais-influentes-da-internet-e-da-tv.html>. Acesso em: 10 de novembro de 2018. 20 Termo em inglês para “autorretrato”.
78
pescoço pra cima, em close-up21, e nota-se que a foto foi tirada pela própria Taís,
ressaltando um momento de intimidade entre elas, enfatizada pela legenda escolhida
pela atriz: “chama as amigas para selfie”.
O destaque no rosto de Taís deixa à mostra seu nariz afilado e evidencia parte
de seu cabelo, com cachos soltos e bem definidos. É possível ver também que ela
está maquiada assim como as outras atrizes. Chama a atenção ainda que todas
aparecem com a tonalidade de pele muito próxima, o que leva uma seguidora a fazer
o seguinte comentário: “eu olho essa foto e vejo três lindas morenas. Todas na mesma
cor da pele. E agora José? Quem é a negra?”.
A atriz não respondeu ao comentário, mas torna-se interessante pensar nessa
lógica que coloca em “dúvida” a negritude de certas mulheres pelo tom de pele mais
claro e/ou pelos traços afilados. Esses efeitos do colorismo, segundo Quintão (2013),
afetam a noção de identidade racial e perpassam as expressões corpóreas por estar
diretamente conectada à cor da pele, ao tipo de cabelo, ao formato do nariz, etc., ou
seja, as “marcas” diretamente percebidas e performadas pelos sujeitos. O colorismo
indica que as discriminações estão atreladas ao tom da pele, o que quer dizer que
mesmo entre pessoas afrodescentes existe uma diferença de tratamento, vivências e
oportunidades. Além disso, segundo Santana (2018) ele também indica efeitos que
buscam “amenizar” a negritude de indivíduos que porventura tenham traços
privilegiados pela branquitude, como cabelo liso, pele mais clara, etc. Assim, o termo
“morena” empregado pela seguidora da atriz, refere-se a sentidos da mestiçagem
ocorrida no Brasil, vinculados, muitas vezes, ao “apagamento da identidade negra”.
Taís sempre demonstrou publicamente reconhecer sua negritude, mas já
declarou que o ser negra é um processo de torna-se, que envolve uma
conscientização social: “(...) eu me tornei negra. A gente nasce nesse país para tentar
ser outra coisa, o que somos não é aceito (...) passei a olhar a minha história com
senso crítico e sei que tudo me foi contado de maneira distorcida (...)”.22
21 Termo em inglês comum no campo da fotografia, para designar o plano onde a câmera está muito perto da pessoa ou objeto em questão, possibilitando uma visão próxima e detalhada. 22 Entrevista concedida ao site O Globo. Disponível em: <https://oglobo.globo.com/ela/gente/tais-araujo-fala-sobre-feminismo-luta-contra-racismo-branco-sai-na-frente-21107400>. Acesso em: 10 de dezembro de 2018.
79
Imagem 9: Taís e o ator Lazaro Ramos, seu marido
Fonte:
<https://www.facebook.com/taisdeverdade/photos/a.467026363422100/765439920247408/?type=3&theater>.
Na cena acima, Taís aparece sorridente ao lado do marido e também ator,
Lázaro Ramos. O enquadramento mostra os atores da cintura para cima e evidencia
novamente o rosto da atriz, enfatizando o batom vermelho na boca e os cabelos, mais
uma vez soltos e cacheados – desta vez bem volumosos. A pele de Taís contrasta
com a do marido, alguns tons mais escura. A legenda, explica o momento do encontro:
a participação de Lázaro no programa Saia Justa da GNT, do qual é Taís era
apresentadora.
Ver a imagem de um casal negro, em uma situação que alude a prestígio e
triunfo, como ocupar um lugar de destaque na TV brasileira, em um contexto dominado
por atores brancos, é bastante simbólico, considerando ainda mais o fato de o Brasil
ter uma população majoritariamente negra e mestiça23, que não vemos representada
nas produções televisivas.
23 Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Disponíveis em: <https://ww2.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/contagem2007/default.shtm>. Acesso em: 10 de janeiro de 2019.
80
Em um cenário tão excludente aos negros como a TV, os atores carregam feitos
importantes no que se refere à representatividade. Um exemplo deles é a série Mister
Brau, veiculada na Rede Globo de 2015 a 2018. Na história, os protagonistas,
interpretados por Taís e Lázaro, são ricos e bem-sucedidos, fugindo à regra de papéis
com viés de subalternidade, normalmente destinados a negros. Vemos corpos negros
ocupando espaços que normalmente lhe são negados. Para Couceiro de Lima (2001,
p. 99), as produções televisivas, como parte integrante da cultura brasileira, têm um
papel importante no debate sobre as questões raciais, “que pode ensejar a reflexão
da sociedade através dos vários canais que ela circula”.
A imagem compartilhada de um casal negro apaixonado e feliz traz também
visibilidade a sentidos contrários que ela oculta: as questões que envolvem as
relações afetivas de mulheres negras. Segundo Alves (2008), o amor que designa as
relações românticas e afetivas no Brasil tem cor. A autora afirma que existe um
preterimento de homens brancos e negros por mulheres negras, dificultando suas
relações afetivas, principalmente as retintas e/ou fora dos padrões de magreza.
Assim, em um país onde os relacionamentos inter-raciais foram vistos como política
pública, com o objetivo de embranquecer a população, os padrões estéticos
eurocêntricos influenciaram/influenciam inclusive nas escolhas amorosas e afetivas.
Nesta perspectiva, as mulheres negras sofrem por estarem na base da pirâmide
social.
Imagem 10: Taís apresentando o programa Saia Justa, da GNT
81
Fonte:
<https://www.facebook.com/taisdeverdade/photos/a.467026363422100/688495777941823/?type=3&theater>.
Taís aparece sentada em um sofá, de vestido azul com um leve decote e fenda,
que deixam suas pernas à mostra. Brincos e sandálias evidenciando as unhas feitas
e o cabelo, volumoso. Assim, a atriz posa de maneira elegante para a câmera,
mostrando sua “#becadosaia”, ou o figurino do dia para apresentar o programa Saia
Justa, no canal GNT. Ao lado, na legenda, ela dá crédito às marcas responsáveis por
vesti-la para a ocasião.
A imagem, desta vez, privilegia o corpo (magro) da atriz e deixa o seu rosto
pouco enfatizado. O enquadramento não evidencia, mas nesse palco ela é a única
negra, apresentando um programa ao lado de outras três mulheres, todas brancas. A
cena, por si só, já tem todo o mérito por ostentar a estética negra na pessoa da atriz.
Contudo, celebrar a estética negra nesta imagem não é deixar de reconhecer o como
ela pode ser hierarquizada, principalmente ao se falar dos espaços midiáticos.
O que vemos na cena é uma mulher negra, de pele clara, com o biótipo magro,
os cabelos cacheados (e não crespos) bem definidos, que “crescem para baixo” e sem
fios arrepiados. Evidente que ela continua sendo uma mulher negra ocupando
espaços onde poucas conseguem chegar, mas, ainda assim, é possível notar
82
“ausências” nessa “presença negra”. Ausências de mulheres negras retintas, lésbicas,
transexuais e/ou fora de um padrão de magreza.
Em uma conjuntura social onde o movimento de miscigenação atua como um
mecanismo de embranquecimento, a diversidade na branquitude não se apresenta da
mesma forma para a negritude, aponta a filósofa Sueli Carneiro (2004). Segundo a
autora, os considerados racialmente hegemônicos são vistos em suas múltiplas
características. Nesta perspectiva, na imagem de Taís, podemos ao mesmo tempo
celebrar aspectos de uma negritude visibilizada, como evidenciar elementos de uma
sociedade racista e ainda influenciada por lógicas heteronormativas e padrões de
beleza ligados à magreza e à cor da pele. Demonstra o quanto os traços fenotípicos
se destacam como forma de tensionar as relações raciais e os padrões de gosto
impostos às mulheres negras.
4.3 PRESENÇA MIDIÁTICA E MODOS DE APRESENTAÇÃO EM LUDMILLA
“Hoje eu tô a fim de incomodar, se não gosta, senta e chora (...)”. Excerto canção Cheguei, de Ludmilla
Ludmilla Oliveira da Silva, ou Ludmilla, como é conhecida nacionalmente, tem
23 anos. Ela nasceu na cidade do Rio de Janeiro e foi criada em Duque de Caxias
(RJ). De origem humilde e filha de donos de um bar, desde a infância já demonstrava
afinidade com música, cantando nos pagodes da família de parentes, impulsionada
pelo padrasto, que tinha uma banda – a cantora foi abandonada pelo pai biológico
ainda criança, drama familiar que lhe causou muito sofrimento; seu padrasto e o tio
assumiram o papel de figura paterna em sua vida.
Seu antigo nome artístico “MC Beyoncé” foi inspirado na cantora americana
Beyoncé, a quem sempre considerou como fonte de inspiração musical. O acesso aos
videoclipes da cantora na internet a impulsionaram a iniciar sua carreira como artista:
“Eu ficava no YouTube vendo coisa da Beyoncé, vi também muita gente fazendo cover
dela. Aí eu pensei, pô, que legal, só pegar uma câmera e gravar...”.24 Após esse
episódio, Ludmilla passou a postar vídeos no YouTube cantando músicas da Beyoncé,
e, ao ficar conhecida nacionalmente, adotou o nome artístico de MC Beyoncé,
24 Trecho entrevista Programa de Frente com Gabi. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=YvYNNmRE9e0>. Acesso em: 10 de novembro de 2018
83
escolhido como forma de homenagem à artista americana e também por acreditar que
esta escolha teria maior apelo comercial. As semelhanças com Beyoncé, contudo, não
se limitaram ao nome artístico. Ludmilla, desde o início da carreira, é constantemente
comparada à cantora estadunidense pelas características capilares, formas de se
vestir, estilo musical e coreografias.
Em 2012, sua canção “Fala Mal de Mim” foi produzida pelo DJ Will, músico que
residia próximo a sua casa e se tornaria seu companheiro de shows no início da
carreira. A canção, gravada inicialmente no microfone do computador, foi regravada,
remasterizada e postada na internet. Na época, o videoclipe de “Fala Mal de Mim"
atingiu mais de 15 milhões de visualizações no YouTube. A voz estridente e marcante,
além das letras falando de mulheres invejosas e exaltando sua personalidade lhe
rendeu aparições em diversos programas de TV, como: Esquenta, Eliana, Encontro
com Fátima Bernardes, The Noite, Domingo Legal e De Frente com Gabi. A projeção
alcançada e a agenda de shows a fizeram abandonar os estudos, algo que ela
demostrou não ter afinidade: “Sempre gostei de cantar, de zoar, de animar a galera.
Odeio estudar. Minha mãe está pegando no meu pé para que eu faça o terceiro ano
a distância. Não tenho mais como ir à escola também”.25
Após adquirir evidência e chamar a atenção de uma importante gravadora,
despontou no cenário musical brasileiro, tornando-se popular, com uma personalidade
marcada pelo carisma e irreverência. Em 2014, solidificou sua carreira como cantora
ao assinar contrato com a gravadora Warner Music e lançar seu primeiro álbum
musical, com repercussão midiática positiva e relevância em vendagens. Assim
adquiriu o status de celebridade nos meios de comunicação. Ludmilla foi a cantora
negra que mais apareceu na TV e tocou nas rádios em 2016.26 Com participações em
diversos canais da TV aberta e paga, também teve duas de suas músicas entre as
25 Trecho entrevista Ludmilla ao O Globo Cultura. Disponível em: <https://oglobo.globo.com/cultura/megazine/a-versao-brasileira-de-beyonce-funkeira-sucesso-pleno-no-youtube-6650354>. Acesso em: 10 de novembro de 2018 26 Dados do Portal Popline. Disponível em: <http://portalpopline.com.br/alvo-constante-de-racismo-na-web-ludmilla-e-cantora-negra-que-mais-apareceu-na-tv-e-tocou-nos-radios-em-2016/>. Acesso em: 10 de novembro de 2018
84
100 mais tocadas daquele ano.27 Não há nenhuma outra mulher negra no ranking das
mais executadas pelas estações brasileiras naquele período.
A ascensão e o sucesso da cantora são constantemente marcados por
episódios de preconceito, já tendo sido alvo publicamente de injúria racial em diversas
ocasiões. Uma delas, que adquiriu bastante repercussão, ocorreu em fevereiro de
2016, durante uma transmissão ao vivo em um programa de TV. Enquanto comentava
os desfiles das Escolas de Samba do Rio de Janeiro, a apresentadora e empresária
Val Marchiori criticou o penteado de Ludmilla com os dizeres: “Esse cabelo dela está
parecendo um bombril".28 Na época, Ludmilla declarou que o episódio a entristeceu
muito: “Na verdade, eu queria chorar. Mas fui forte, bati de frente, procurei a polícia e
registrei um boletim de ocorrência”.29 No início de 2018. a socialite foi condenada pela
3ª Vara Cível do Fórum Regional da Ilha do Governador (RJ) a indenizar Ludmilla em
R$10 mil.30
No cenário midiático brasileiro, Ludmilla desponta como uma artista em
ascensão. Com presença forte nas redes sociais, conta com mais de 22 milhões de
seguidores em seus perfis oficiais na internet.31 Três dos seus clipes já ultrapassaram
100 milhões de visualizações no YouTube (atualmente Ludmilla possui uma soma de
mais de 907 milhões de visualizações em seu canal).32 Ao longo de seis anos de
carreira, com presença assídua na TV, a cantora já foi indicada para 26 premiações
no cenário pop, tendo recebido prêmios como o de Cantora revelação, em 2014, pela
27 Dados do Portal Popline. Disponível em: <http://portalpopline.com.br/alvo-constante-de-racismo-na-web-ludmilla-e-cantora-negra-que-mais-apareceu-na-tv-e-tocou-nos-radios-em-2016/>. Acesso em: 10 de novembro de 2018 28 Trecho da fala de Val Marchiori no programa Carnaval da RedeTV de fevereiro de 2016. Disponível em: <https://revista.cifras.com.br/noticia/val-marchiori-diz-que-cabelo-de-ludmilla-parece-bombril-e-cantora-responde_11418>. Acesso em: 10 de novembro de 2018 29 Entrevista Câmera Record. Disponível em: <http://recordtv.r7.com/camera-record/ludmilla-desabafa-sobre-abandono-do-pai-e-casos-de-racismo-eu-queria-chorar-mas-fui-forte-21102018>. Acesso em: 10 de novembro de 2018. 30 Dados Site G1. Disponível em: <https://g1.globo.com/rj/rio-de-janeiro/noticia/val-marchiori-e-condenada-a-indenizar-ludmilla-apos-comentario-sobre-o-cabelo-da-cantora.ghtml>. Acesso em: 10 de novembro de 2018. 31 Dados retirados das redes sociais da cantora. Disponível em: https://www.facebook.com/pg/OficialLudmilla/about/?ref=page_internal . Acesso em: 10 janeiro de 2019. 32 Dados retirados do canal do Youtube de Ludmilla. Disponível em: <https://www.youtube.com/channel/UCSCB1IQUmNa8Gn5VfSUAUpg>. Acesso em: 10 de janeiro de 2019.
85
Rádio Awards Brasil; Música do ano no Melhores do ano do Faustão, em 2015;
cantora revelação pela Revista Glamour, em 2016; e o Prêmio Jovem Brasileiro de
Melhor Cantora Jovem ,também em 2016.33
4.3.1 Modos de apresentação
Imagem 11: Ludmilla participa de quadro "Revira viral", do programa Caldeirão do
Huck
Fonte:
<https://www.facebook.com/OficialLudmilla/photos/a.597727310256417/1564309900264815/?type=3&theater>.
Na imagem acima, Ludmilla compartilha sua participação em um quadro do
Programa Caldeirão do Huck, da Rede Globo, cujo o intuito é recriar vídeos que
adquiriram grande circulação na internet. Na cena, a cantora se transformou em
Giovanna, a garota que derrubou o forninho da mãe enquanto se apoiava para dançar
a música "Toda Gostosa", do cantor MC Leozinho, e foi "denunciada" pela prima
Vanessa com a frase que se tornou viral na web: “Eita Giovana, o forninho caiu”. A
33 Dados retirados do Site oficial de Ludmilla. Disponível em: <http://ludmillaoficial.com/>. Acesso em: 10 de novembro de 2018.
86
semelhança do cenário e a referência à célebre frase no post, associados ao penteado
e figurino, muito próximos ao original, tem a intenção de criar uma conotação de humor
à imagem.
Imagem 12: Cena original do vídeo viral à que Ludmilla faz referência
Fonte:
<https://www.google.com.br/search?q=mae+o+forninho+caiu&source=lnms&tbm=isch&sa=X&ved=0ahUKEwjcp9Hq_d3fAhUMj5AKHQdvAJAQ_AUIDygC&biw=1366&bih=654#imgrc=qbhq5PFZJfUW8M:>
.
Ao recriar a Giovana do vídeo viral, a personagem infantil adquire um sentido
de sensualidade e erotização ao ser interpretada por Ludmilla. O enquadramento da
imagem evidencia as formas do corpo da cantora. O vestuário (calça jeans e blusa
rosa justas) enfatiza ainda mais a intenção de destacar as curvas de Ludmilla,
ressaltando seus seios e os glúteos, em detrimento dos traços do rosto, que é pouco
perceptível.
Segundo Aquino (2011), a escolha do ângulo auxilia na compreensão do
fenômeno estético exposto, pois, ao delimitarmos a imagem, decidimos o que vai ser
mostrado e, por outro lado, o que vai ser excluído, criando sentidos para essas
representações. Mesmo que as significações girem em torno do humor a partir da
paródia criada, o enquadramento realçando o “bumbum avantajado” de Ludmilla
causa um desvio na cena, que abre a interpretações sexualizadas sobre o seu corpo,
como é evidenciado por comentários recebidos na foto (ver Imagem 6):
87
Imagem 13: Comentários de seguidores na imagem postada por Ludmilla
Fonte:
<https://www.facebook.com/OficialLudmilla/photos/a.597727310256417/1564309900264815/?type=3&theater>.
Imagem 14: Ludmilla posa na praia
Fonte:
<https://www.facebook.com/OficialLudmilla/photos/a.597727310256417/1680954655267005/?type=3&theater>.
88
Essa segunda imagem, compartilhada por Ludmilla, alude a sentidos similares
aos da primeira. Na praia, de biquíni e boné brancos, vemos Ludmilla olhando para o
horizonte, com ar pensativo. A cor da areia e dos trajes realçam sua pele escura e
mais uma vez o enquadramento traz destaque para as formas do seu corpo,
evidenciando novamente o “tamanho do seu bumbum”. As expressões do rosto são
ainda mais imperceptíveis na cena. A legenda da foto, com o ícone de uma figura que
remete a “fogo/chamas”, marca um tom provocativo e dúbio da imagem – ao mesmo
tempo em que esboça o sentido de “calor” do clima, remete também ao calor que
“emana” da cantora, atribuindo para si sentidos como “gostosa”, “fogosa”, etc.
Esses aspectos reforçam características de conotação sexual incorporadas pelo
imaginário social e usados para descrever mulheres negras ao longo da história. De
acordo com a antropóloga Lélia Gonzalez (1984), é no momento de exaltação do
estereótipo da “mulata” que o mito da democracia é reencenado e atualizado com toda
a sua força simbólica. Sueli Carneiro complementa que esses estigmas atrelados a
mulher negra, embora heranças do período colonial, “adquirem novas roupagens e
funções em uma ordem social supostamente democrática que mantém intactas as
relações de gênero, segundo a cor e a raça instituídas no período escravista”
(CARNEIRO, 2005, p. 23).
Imagem 15: Ludmilla compartilha antes e depois das transformações estéticas
Fonte:
<https://www.facebook.com/OficialLudmilla/photos/a.597727310256417/1773845605977909/?type=3&theater>.
89
A composição acima contrasta duas imagens de Ludmilla. Na primeira, a
cantora se mostra no início da carreira, com cabelos loiros em uma textura cacheada,
lentes de contato verdes e o formato do nariz bem diferente do presente. Na segunda,
vemos uma Ludmilla “repaginada”, mais magra, com cabelo liso e longo e o nariz mais
afilado. Na postagem, a cantora reflete sobre suas transformações: “Quem costuma
vir de onde eu sou, às vezes não tem motivos para seguir, então vai, levanta e
anda...mas eu sei que vai, que o sonho te traz, coisas que te faz prosseguir”. Ao
comparar o lugar sem perspectivas de onde veio aos sonhos conquistados, a cantora
passa a mensagem de ter “vencido na vida”, e está “evolução” é ilustrada justamente
com imagens que comparam suas transformações estéticas ao longo da carreira.
As significações contidas nesta cena se fazem entender entre o que é expresso
na frase e o que emana da imagem:
(...) nessa relação o verbal “consiste em dar à imagem uma significação que parte dela, sem que, todavia, lhe seja intrínseca. Trata-se então de uma interpretação que ultrapassa a imagem, desencadeia palavras, uma ideia ou um discurso interior partindo da imagem que é o seu suporte” (JOLYE, 2007, p. 140).
Ludmilla vincula o seu sucesso a uma adequação do seu corpo a padrões de
beleza que exaltam a estética da magreza, dos cabelos lisos e traços afilados. Isso
nos permite inferir que mesmo a cantora exaltando a representatividade da negritude
na mídia, não necessariamente elimina seus conflitos com relação a padrões estéticos
excludentes: “o fato de estar integrado ou de se reconhecer pertencente a um grupo
étnico-racial não elimina os conflitos diários e os dramas pessoais vividos pelos
negros na esfera da subjetividade” (GOMES, 2008, p. 34).
4.4 PRESENÇA MIDIÁTICA E MODOS DE APRESENTAÇÃO EM RAYZA NICÁCIO
“Cristã, cacheada e apaixonada. Há quase 6 anos lancei o meu primeiro vídeo neste canal (Youtube), cantando e com longos cabelos lisos! Algum tempo depois me divorciei da chapinha e me encontrei. Gravei um vídeo e graças a isso, muitas meninas também se encontraram”. Descrição do canal de Rayza no YouTube34.
34 Disponível em: <https://www.youtube.com/user/rayzabatista/about>. Acesso em: 10 de novembro de 2018.
90
Rayza Nicácio, atualmente com 26 anos, nasceu em Maceió (AL), mas foi
criada no interior de São Paulo desde a infância. Adquiriu popularidade midiática com
seu canal no YouTube ao abordar temáticas ligadas à desconstrução de padrões de
beleza hegemônicos associados ao cabelo liso, promovendo a “aceitação dos
cachos”, compartilhando suas experiências com a transição capilar.
Sua trajetória nas redes sociais teve início em 2012, de maneira
despretensiosa, ao criar um canal no YouTube para divulgar covers de música gospel
para amigos e familiares. Nesse período, Rayza passava pela transição capilar e o
fato de aparecer nos vídeos de cabelos cacheados gerou curiosidade no público que
a assistia sobre como ela fazia para manter e cuidar dos fios encaracolados. Naquela
época, segundo Rayza, as referências de mulheres cacheadas e crespas na mídia
era pequena e sua presença na plataforma digital a tornou um ícone de
representatividade para outras mulheres, que, assim como ela, haviam desistido das
químicas de alisamento.
Rayza é hoje, no Brasil, a mulher negra com maior número de seguidores no
YouTube.35 Mesmo após seis anos com o canal nessa plataforma digital, seu
conteúdo ainda é, em grande parte, voltado ao compartilhamento de relatos
associados ao seu processo de transição capilar e do como essa experiência teve
influência em seu entendimento enquanto mulher negra.
Considerada uma influenciadora digital – termo utilizado para denominar
aqueles que detêm poder de influência sobre uma grande audiência, através dos seus
canais de conteúdo e redes sociais –, Rayza acumula 3,5 milhões de seguidores
somando o YouTube, Instagram e Facebook.36 A visibilidade conquistada na Internet
garantiu a ela diversos contratos publicitários com marcas como Quaker, Natura e
Lancôme, e participações recorrentes em programas de TV como o É de Casa, da
Rede Globo e o Legendários, da Rede Record. Além disso, estampou capas de
revistas, como a edição de abril de 2017 da Glamour, da Editora Globo, e em parceria
35 Dados disponíveis em: <https://www.influencerwiki.com.br/rayza-nicacio-youtuber/>. Acesso em: 10 de janeiro de 2019. 36 Dados consultados em suas redes sociais. Taís Araújo: https://www.facebook.com/taisdeverdade/ Ludmilla: <https://www.facebook.com/pg/OficialLudmilla/about/?ref=page_internal / Alexandra Loras: https://www.facebook.com/alexandraloras/>. Rayza Nicácio: <https://www.facebook.com/rayzanicacio/>. Acesso em: 10 de janeiro de 2019.
91
com a empresa Unilever lançou, em 2018, uma linha de cosméticos para cabelos,
inspirados e desenvolvidos em colaboração com a própria Rayza.
Apesar de seu reconhecimento midiático ter sido inicialmente no YouTube,
onde acumula a maior parte de seguidores, Rayza Nicácio adquiriu visibilidade nos
demais sites de redes sociais. Nessa pesquisa, por uma questão de adequação ao
objeto de pesquisa, concentraremos nossa análise em sua presença midiática no
Facebook.
4.4.1 Modos de apresentação
Imagem 16: Rayza compartilha selfie
Fonte:
<https://www.facebook.com/rayzanicacio/photos/a.470433732980109/1345430245480449/?type=3&theater>.
Rayza aparece em autorretrato, seu rosto no centro do quadro evidencia seus
traços. A cor clara de sua pele e o cabelo – cacheado e com tamanho volume a ponto
de parte do cabelo não “caber” na selfie. O enquadramento detalha ainda o formato
afilado do nariz, e a boca indicando uma leve tentativa de sorriso. A blusa branca deixa
parte do colo à mostra. As demais partes do corpo não são evidenciadas.
92
Imagem 17: Rayza compartilha foto destacando o cabelo crespo
Fonte:
<https://www.facebook.com/rayzanicacio/photos/a.470433732980109/1382913288398811/?type=3&theater>.
A segunda imagem mostra Rayza em pé, de calça jeans e blusa amarela. O
enquadramento dessa vez deixa à mostra o seu corpo da cintura para cima. A
maquiagem é bastante discreta e o destaque mais uma vez está no cabelo cacheado
e bastante volumoso. Nota-se que o tom do rosto aparece bem mais claro do que o
tom de pele dos braços, fazendo parecer que foi utilizado um filtro ou efeito que
“clareou” a pele do seu rosto.
As duas composições evidenciam o seu rosto praticamente sem maquiagem, e
os tons claros e não chamativos das roupas e cenário destacam o seu cabelo escuro
e volumoso e a aproximam de um sentido “angelical”, de fragilidade e pudor. A figura
de Rayza aqui, evidencia traços da mestiçagem brasileira valorizada, que se
aproxima, sobretudo fenotipicamente, da branquitude; porém, carrega relativamente
outros símbolos e significados raciais, que, no caso da cena analisada, estão
centrados no aspecto do cabelo crespo e com volume. O fenótipo ambíguo (LOPES,
2014) de Nicácio nos lembra que o “racismo brasileiro não se concretiza em genética,
93
em ancestralidade, na gota de sangue, mas se reconfigura nas relações do olhar, da
estética” (Ibidem, p. 49).
Esta questão se torna mais clara ao vincularmos a imagem a sua legenda: “ah
gente, se tivessem me contado como esse cabelo é LINDO antes! Por isso essa é
minha missão. Quem disse que seu cabelo é feio mentiu pra vc, tá? NUNCA MAIS
ACEITE!”. Na frase, Rayza problematiza o sentido de “feio” atribuído ao cabelo crespo,
desacreditando o discurso que o destitui de beleza. Contudo, sua fala se restringe aos
efeitos do racismo que atingem sua estética capilar, em nenhum momento a questão
da cor da pele é mencionada, o que nos leva a considerar que sua aparência mestiça
lhe proporcionou um valor de brancura que operou em sua subjetividade e
socialização, e, que em certa medida, lhe permitiu certos privilégios raciais da
branquitude (LOPES, 2014).
Imagem 18: Selfie Rayza Nicácio
Fonte:
<https://www.facebook.com/rayzanicacio/photos/a.470433732980109/1478366442186828/?type=3&theater>.
Mais uma vez Rayza compartilha um autorretrato, em formato selfie.
Novamente percebemos uma predominância nas cores claras, percebidas nas
94
vestimentas, adornos e no fundo branco. Desta vez, além do cabelo crespo, escuro e
volumoso, contrastando com o tom de pele ainda mais claro que na imagem anterior,
chama a atenção também o batom vermelho, que dá destaque para a boca “carnuda”.
Não coincidentemente dois traços que marcam elementos de uma estética negra e
justamente aqueles que Rayza afirma com recorrência em sua narrativa, ter tido
dificuldades de aceitar durante a juventude. Na legenda, uma frase colocada em tom
de dilema: “Branca demais para ser preta, preta demais para ser branca...”.
A imagem, faz alusão a um vídeo publicado por ela no YouTube, em que aborda
sua negritude e traz a questão da mestiçagem e sua influência na constituição de sua
subjetividade, por não possuir uma linha racial tão nítida. Lopes (2014, p. 50)
argumenta que mais do que problematizar o poder e privilégios do grupo branco e os
processos de inferiorização do grupo negro, é necessário considerar a “as discussões
e ao entendimento da configuração étnico-racial identitária e representacional de
pessoas situadas nas categorias intermediárias do continuum de raça ou cor”.
Na experiência de Rayza, ao contrário da textura do cabelo e do tamanho da
boca, que sempre significaram motivo de trauma, o tom de pele nunca foi uma questão
sobre a qual pensava muito. Rayza cresceu não se considerando uma mulher negra,
nem tampouco branca; entendia-se enquanto “mulher parda”, pois era a forma que
seu fenótipo mestiço a permitia ser lida socialmente. Segundo Munanga (2008, p.
112), “na construção do sistema racial brasileiro, o mestiço é visto como ponte
transcendente, onde a tríade branco-índio-negro se encontra e se dissolve em uma
categoria comum fundante da nacionalidade”. Essas hierarquias fenotípicas ambíguas
(LOPES, 2014) criam estes “não lugares” de pertencimento e só podem ser
desconstruídos:
(...) a partir do processo de racialização positiva, da identificação e autoidentificação racial, paralelo ao processo de superação da construção social simbólica, subjetiva e material dos privilégios da branquitude e da inferioridade negra (LOPES, 2014, p. 54).
No seu caso, se ver como uma mulher negra foi um processo de
conscientização longo e que veio apenas na vida adulta, após se tornar youtuber e
passar a ser constantemente confrontada por parte de sua audiência, que cobrava
dela uma posicionamento: “por toda a minha história, por tudo o que eu enfrentei, pelo
95
o meu tipo de cabelo, pelos os meus pais também, por ter sim sofrido racismo, eu sou
uma pessoa negra e ninguém pode tirar isso de mim mesmo eu tendo a pele clara”.37
Seu dilema exposto quanto a “ser branca demais para ser negra e negra demais
para ser branca” alude aos processos de miscigenação e das políticas de
branqueamento que conformaram uma mistura, étnica e cultural e que até os dias
atuais ainda provocam dificuldade em muitos indivíduos negros em se
autorreconhecerem como tal. É claro que mulheres negras rotuladas como “pardas”
ou “morenas”, assim como Rayza, carregam privilégios referentes a mulheres mais
pigmentadas. No entanto, é preciso reconhecer que esses espaços são limitados, pela
branquitude, que não mede esforços em confinar as mulheres negras ao espaço dos
arquétipos, muitas vezes ultrassexualizados e embranquecedores (LOPES, 2014).
4.5 PRESENÇA MIDIÁTICA DE ALEXANDRA LORAS
“Desde muito cedo, percebi que teria que me esforçar mais por ser negra. Quando entrei na faculdade, foi uma luta contra minha própria voz, que me falava, “não, Alexandra, você não pode alcançar esse nível”. Eu tentava dominar essa voz e sabia que poderia vencê-la. Mas isso me fez perceber o quanto a sociedade tinha me marcado como mulher e negra (...)”. Frase retirada do blog de Alexandra Loras.38
Filha de mãe francesa, de família aristocrata, e de pai africano de uma aldeia
em Gâmbia, a empreendedora Alexandra Loras, de 41 anos, é nascida no gueto de
Corbeil-Essonnes, na periferia de Paris. Única negra entre cinco irmãos brancos,
frutos de outros casamentos de sua mãe, ela relata, que, já na infância, notou que seu
tom de pele tinha influência na forma como era percebida. Quando menina, insistia
em perguntar à mãe quando ficaria igual à irmã mais velha. “Eu me sentia o patinho
feio da família”, lembra.
Na adolescência, atuou em diferentes empregos. Foi babá na Alemanha, nos
EUA e na Inglaterra, além de webdesigner e professora de francês. Posteriormente,
formou-se em jornalismo e concluiu o Mestrado em Mídias pelo Instituto de Estudos
37 Vídeo “Sobre ser negra”, no canal de Rayza Nicácio no YouTube. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=EFrwQ5exHvc>. Acesso em: 10 de dezembro de 2018. 38Dados disponíveis em: <http://alexandraloras.com/mulheres-que-inspiram-por-alexandra-loras/>. Acesso em: 10 de dezembro de 2018.
96
Políticos de Paris (Sciences Po). É fluente nas línguas alemã, inglesa, espanhola e
portuguesa. Atuou como apresentadora de TV na França até se casar com o cônsul
Damien Loras. Em 2013, mudou-se com seu marido para o Brasil, onde passou a
adquirir notoriedade no contexto midiático ao atuar como palestrante em empresas e
organizações com um discurso focado na conscientização sobre diversidade de
gênero e de raça em órgãos privados e públicos, como em escolas públicas e
universidades. Desde então, sua presença em canais de mídia massiva e em sites de
redes sociais como o Facebook é constante. Suas participações em canais de
televisão costumam versar sobre questões raciais e principalmente sobre suas
experiências enquanto mulher negra e estrangeira no Brasil.
Em 2016, em São Paulo, coordenou o primeiro ciclo de conferências da TED-
X39 dedicado às mulheres negras e lançou, em parceria com o historiador Carlos
Eduardo Dias Machado, o livro “Gênios da Humanidade: Ciência, Tecnologia e
Inovação Africana e Afrodescendente”, destinado a contar invenções africanas e
afrodescendentes dos tempos antigos e modernos que, com o passar dos anos,
caíram no esquecimento e foram marginalizadas pelo eurocentrismo. Ainda em 2016,
ocupou o posto de jurada da 12ª edição do Prêmio Empreendedor Social e do 8º do
Prêmio Folha Empreender Social de Futuro, ambos do Jornal Folha de S. Paulo.40
4.5.1 Modos de apresentação
Imagem 19: Alexandra compartilha imagem da propaganda da Lancôme
39 TED é uma organização sem fins lucrativos dedicada ao lema “ideias que merecem ser compartilhadas”, em que pensadores e personalidades de todo o mundo são convidados a dar “a melhor palestra de suas vidas”, em até 18 minutos. Informações disponíveis em: <https://www.tedxdantealighierischool.com.br/o-que-e-tedtedx/>. Acesso em: 10 de dezembro de 2018. 40 Dados disponíveis em: <https://people.opovo.com.br/app/lifestyle/2016/12/04/ls,2055/feminismo-e-poder-com-alexandra-lores.shtml>. Acesso em: 10 de dezembro de 2018.
97
Fonte:
<https://www.facebook.com/alexandraloras/photos/a.1618428561718911/2062013617360401/?type=3&theater>.
Na cena, vemos a imagem da atriz queniana Lupita Nyong’o estampando o
anúncio publicitário da marca francesa de produtos de maquiagem Lancôme. A frase
“A base que você ama usar, perfeição sem fim! Conforto supremo” indica o produto a
qual faz referência a propaganda. Contudo, ao observarmos a legenda colocada por
Alexandra, notamos que o sentido da imagem não está vinculada propriamente à
publicidade de um item de beleza, mas em exaltar a imagem de uma mulher negra
ocupando o espaço de garota-propaganda nesse contexto: “Não é como se o
problema de diversidade no entretenimento e na indústria da moda fosse resolvido
com as capas de revistas, mas é ótimo ver a beleza negra sendo reconhecida e
valorizada na grande mídia”.
A frase de Alexandra Loras versa sobre o simbolismo de uma mulher negra
retinta protagonizar um anúncio que “reconhece e valoriza” sua beleza. O meio
publicitário, em suas representações, costuma ser excludente ao retratar de forma
estereotipada ou invisibilizar mulheres negras em propagandas:
O mercado publicitário tende a se inserir numa perspectiva social que atende interesses do senso comum, pois, trabalha com os mesmos referenciais. Constantemente coloca a mulher de pele escura em segundo plano, omite sua existência e também a apresenta em posições estereotipadas. (WINCH; ESCOBAR, 2012, p. 239).
98
A exclusão e estereotipização da figura feminina negra em construções
publicitárias estão relacionadas às crises de aceitação nas afrodescendentes e a uma
conformação por ideias de beleza atreladas à estética branca (WINCH; ESCOBAR,
2012). Ao impor às mulheres negras espaços e posições subalternas, a publicidade
reproduz desigualdades e legitima valores racistas: “os meios de comunicação
reforçam a identidade racial negativa do negro, alimentando simbolicamente o ideal
de branqueamento” (SANTOS, 2004, p.10).
Assim, ao celebrar o simbolismo da presença de Lupita em uma propaganda
de beleza, Alexandra evidencia seu engajamento ao se utilizar de sua figura pública
para visibilizar o quanto as expressões corporais em construções publicitárias podem
surgir como aspectos que tensionam as relações raciais e os padrões de gosto
impostos às mulheres negras.
Imagem 20: Alexandra celebra Dia Internacional da Mulher Negra e Caribenha
Fonte: <https://www.facebook.com/alexandraloras/photos/a.1618428561718911/2091467111081718/?type=
3&theater>.
Na imagem, vemos a figura de mulheres negras e não brancas, com diferentes
tonalidades de pele e penteados que remetem à cultura africana. Na cena, elas
99
aparecem com o punho cerrado erguido no ar, saudação que se tornou símbolo de
enfrentamento e resistência, usado por movimentos populares ao longo da história,
como o Grupo Panteras Negras41, nos Estados Unidos, conhecidos pela luta em prol
dos direitos da população negra. Ainda é possível visualizar no desenho a frase “Dia
25 de julho, Dia Internacional da Mulher Negra Latino-Americana e Caribenha”.
A data, reconhecida pelas Organizações das Nações Unidas em 1992, tem
como intuito fortalecer as organizações voltadas às mulheres negras e reforçar seus
laços, trazendo maior visibilidade para sua luta. Na América Latina e no Caribe, 200
milhões de pessoas se identificam como afrodescendentes, de acordo com a
Associação Mujeres Afro42, sendo as que mais sofrem com a pobreza e violência. No
Brasil, por exemplo, entre os mais pobres, três em cada quatro são pessoas negras,
segundo o IBGE43. Além disso, de acordo com a ONU, dos 25 países com os maiores
índices de feminicídio do mundo, 15 ficam na América Latina e no Caribe.44
Para a empreendedora, o enfrentamento ao racismo perpassa o
compartilhamento dessas experiências nas mídias, como forma de denúncia e
reinvindicação por espaço, ao questionar a suposta democracia racial: “porque se fala
do Brasil lá fora como uma democracia racial, uma grande miscigenação, com tudo
resolvido. Quando cheguei aqui pensei que veria 50% de negros protagonistas nas
novelas, em cargos de liderança, nas empresas, nos desenhos animados. E não
estão”.45
Ao visibilizar uma data tão simbólica no que se refere à luta por direitos das
mulheres negras e caribenhas, Alexandra mais uma vez se utiliza do Facebook e de
41 Disponível em: <https://www.geledes.org.br/historia-dos-panteras-negras-em-27-fatos-importantes/>. Acesso em: 10 de dezembro de 2018. 42 Dados disponíveis em: <http://agenciabrasil.ebc.com.br/direitos-humanos/noticia/2015-07/mulheres-negras-enfrentam-problemas-semelhantes-na-america-latina>. Acesso em: 10 de dezembro de 2018. 43 Disponível em: <https://www.ibge.gov.br/estatisticas-novoportal/multidominio/condicoes-de-vida-desigualdade-e-pobreza/9221-sintese-de-indicadores-sociais.html?=&t=o-que-e>. Acesso em: 10 de dezembro de 2018. 44 Dados disponíveis em: <https://www.geledes.org.br/as-origens-do-dia-da-mulher-negra-latina-e-caribenha/>. Acesso em: 10 de dezembro de 2018 45 Entrevista disponível em: <https://www.taofeminino.com.br/sociedade/startup-protagonizo-s2272485.html>. Acesso em: 10 de dezembro de 2018.
100
suas vivências como mulher negra no Brasil como forma de engajamento político nas
redes sociais.
Imagem 21: Alexandra compartilha capa da Revista Istoé
Fonte:
<https://www.facebook.com/alexandraloras/photos/a.1618428561718911/2042886775939752/?type=3&theater>.
“As cotas deram certo” diz a frase de capa da revista Istoé, compartilhada por
Alexandra Loras. Na imagem, é possível ver cinco jovens de beca – traje utilizado por
formandos em solenidades de formatura nas universidades. Dos jovens, apenas uma
é negra. O enquadramento dá destaque a seu rosto e desfoca os demais. A capa
ainda deixa à mostra um balanço temporal sobre as políticas públicas referentes às
cotas: “Uma década depois, a política de inclusão de negros nas universidades
brasileiras apresenta resultados surpreendentes”.
Mais uma vez, Alexandra Loras utiliza suas redes sociais para celebrar uma
conquista relativa à representatividade negra, dessa vez no espaço acadêmico: “Amo
essa capa...aumento de 350% de negros na universidade”. A postagem faz alusão
aos dados do IBGE que comparam o número de negros nas universidades. Apesar
dos dados apontados por Alexandra não corresponderem com exatidão as
101
informações do IBGE, os dados evidenciam um aumento considerável no número de
negros no ensino superior, impulsionado pelas ações afirmativas e políticas
públicas46: em 2003, apenas 5,5% dos jovens negros e pardos em idade universitária
frequentavam a faculdade. Em 2015, esse percentual saltou para 12,8%.47 Contudo,
comparados a jovens brancos (26,5%), o número ainda é pequeno.
Na legenda, Alexandra vincula a postagem a um convite – “se cadastra no meu
site protagonizo.com”. A Protagonizo é uma plataforma fundada pela empreendedora
em parceria com o engenheiro Anderson Carvalho, cujo o objetivo é ligar profissionais
negros com formação universitária a empresas que queiram contratá-los.
Constantemente Alexandra Loras utiliza seu perfil no Facebook como forma de
divulgar vagas e promover empresas com foco em grupos afrodescendentes.
Segundo ela, o intuito é transformar sua narrativa de vida “em missão, com a intenção
de reequilibrar a diversidade étnico-racial de diversas organizações, pois
conscientização sobre diversidade de gênero e de raça também está diretamente
ligado à rentabilidade”.48
Novamente, percebemos que Alexandra Loras vincula sua narrativa biográfica
a um engajamento nas redes sociais. Sua atuação no ciberespaço indica “as
potencialidades do Facebook e das redes virtuais como espaços de debate político”
(SEVERO; HOEFEL; SHIMIZU, 2017, p. 195), capazes de “construir e criar outras
formas de atuação política e novos modos de intervenção no mundo” (Ibidem, p. 200).
4.6 LUGARES DE FALA E AS NARRATIVAS DE TRANSIÇÃO CAPILAR
A “Transição Capilar” consiste na passagem dos cabelos quimicamente
tratados para a textura natural, principalmente as cacheadas e crespas. No processo,
algumas raspam suas cabeças ou cortam bem curto, o chamado “big chop”. Já outras
46 O termo ação afirmativa foi empregado pela primeira vez nos Estados Unidos, na década de 60, para se referir as políticas do governo para combater diferenças entre brancos e negros. No Brasil, as ações afirmativas se dirigem a combater as desigualdades raciais presentes na sociedade, decorrentes de uma herança histórica de escravidão, segregação racial e racismo contra a população negra. Dados Secretaria Nacional de Promoção da Igualdade Racial. Disponível em: <http://www.seppir.gov.br/>. Acesso em 10 de janeiro de 2019. 47 Dados disponíveis em: <https://www.taofeminino.com.br/sociedade/startup-protagonizo-s2272485.html>. Acesso em: 10 de dezembro de 2018. 48 Disponível em: <http://alexandraloras.com/#sobre>. Acesso em: 10 de dezembro de 2018.
102
cortam aos poucos as pontas modificadas por métodos químicos de alisamento,
enquanto os fios novos crescem. Impulsionadas pelas redes sociais, na segunda
metade dos anos 2000, o movimento passou a ganhar muitas adeptas no Brasil.
Nessas mídias, a partir do compartilhamento de experiências, são formadas
redes de solidariedade e apoio mútuo, em que aqueles que ainda passaram pelo
processo são apoiados e encorajados a não desistir (MATOS, 2016). Nesse ínterim,
estudos recentes no Brasil têm relacionado a utilização dos cabelos cacheados e
crespos com a afirmação da identidade negra e sua relação com a forma como os
veículos midiáticos representam positiva ou negativamente os cabelos com a textura
afro. Segundo Gomes (2012), ao mesmo tempo em que são estigmatizados e
rotulados de “ruim” ou “feio”, essas texturas são apropriadas como símbolo de orgulho
para aqueles que afirmam ser negros.
Assim, concebendo os territórios digitais como ambientes potenciais para a
construção de debates e entendendo que a questão estética pode tomar um caráter
político quando inserida em discussões como racismo e preconceito, representações
e visibilidades da mulher negra, nos atemos às experiências de transição capilar de
Taís Araújo, Ludmilla, Alexandra Loras e Rayza Nicácio indagando três distintos
momentos: a) os motivos para o alisamento capilar; b) a decisão pela transição; e c)
os significados de usar o cabelo natural, na textura crespa/cacheada. Buscamos,
assim, evidenciar os fluxos identitários e culturais que emergem das vivências
midiáticas dessas mulheres em suas relações com o cabelo.
4.6.1 Processos de alisamento
Os processos de alisamento capilar, tanto de Taís Araújo como Ludmilla,
Alexandra Loras e Rayza Nicácio, aconteceram ainda na infância. Mesmo crianças, já
tinham uma relação conflituosa com o cabelo:
“(...) Não tive a chance de saber se gostava ou não (do cabelo), porque passei a mudar a estrutura dele muito cedo”. Taís Araújo.49 “(...) me importei com o cabelo, desde criança, mas não aceitava os meus cachos”. Estudava em colégio particular, e sofria preconceito por não ter o cabelo liso...(...) fui criada achando que cabelo crespo,
49 Entrevista Taís Araújo ao site L’Officiel. Disponível em: <https://www.revistalofficiel.com.br/beleza/eu-nao-lembrava-como-era-meu-cabelo-natural-diz-tais-araujo>. Acesso em: 10 de janeiro de 2019.
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cacheado, enrolado, era a coisa mais feia do mundo. Por isso eu queria alisar, passar formol”. Ludmilla.50 “(...) Desde criança eu sempre pedia a minha mãe para alisar o cabelo, porque a minha família toda alisava. Eu me sentia fora do padrão com meu cabelo natural. Me sentia feia e “não aceita” na sociedade”. Rayza Nicácio.51 “(...) Usei extensão e alisei por mais de 30 anos (...)”. Alexandra Loras.52
As motivações para os processos de alisamento nas experiências dessas
mulheres estão vinculadas às dificuldades na socialização, que se iniciaram muito
cedo, ainda na infância. Se sentir “feia” ou “fora do padrão”, situações de preconceito
na escola ou ainda o fato de se submeterem a processos químicos agressivos sendo
tão jovens, indicam o quanto já percebiam ainda crianças as diferenças no trato das
pessoas a partir das aparências e o quanto os traços negros, como o cabelo afro e a
pele negra, se vinculavam a sinônimos de desordem, não sendo desejáveis.
Bell Hooks reflete sobre os sentidos do alisamento e afirma que apesar de
mudanças nas políticas raciais, o cabelo ainda é motivo de “obsessão” para as
mulheres negras: “insistem em se aproveitar da insegurança que nós mulheres negras
sentimos com respeito a nosso valor na sociedade de supremacia branca!” (HOOKS,
2005, p. 25). Para ela, a busca de afrodescendentes por processos químicos de
alisamento se associa às dificuldades de autoaceitação, preconceito e tentativas de
aproximação a um padrão estético eurocêntrico, que os tornem imunes às
experiências racistas. Assim, para Hooks (Idem), o alisamento ainda é um processo
em que mulheres negras buscam mimetizar a estética eurocêntrica e está relacionada
com um desejo de triunfar no mundo branco.
Segundo Domingues (2002), a estética foi um dos campos afetados pelas
lógicas de branqueamento no Brasil. Para o autor, o branqueamento estético causou
entraves à socialização da mulher negra, pois esta passou a alimentar um certo
“autodesprezo”, principalmente devido à ausência de modelos positivos em que
pudesse se espelhar. A mulher negra, ao recusar sua aparência, gerava, muitas
50 Entrevista Ludmilla a revista Elle. Disponível em: <http://elle.abril.com.br/beleza/ludmilla-inicia-transicao-capilar-e-hora-de-ser-eu-mesma/>. Acesso em: 10 de janeiro de 2019. 51 Vídeo “Ninguém se mete com o meu cabelo” do Canal de Rayza Nicácio. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=1gRjX_ilS6E>. Acesso em: 10 de janeiro de 2019. 52 Entrevista Alexandra Loras ao site Beauty Editor. Disponível em: <https://www.beautyeditor.com.br/blog-das-convidadas/beleza-negra-entrevista-com-alexandra-loras-sobre-cabelo-atitude>. Acesso em: 10 de janeiro de 2019.
104
vezes, uma crise de identidade étnica, buscando se descaracterizar na busca pela
supressão dos traços afro (DOMINGUES, 2002).
Nessa lógica, os mecanismos de mudança de textura capilar para o liso podem
ser entendidos enquanto tentativas de superação da “inferioridade” que essas
características físicas adquirem. Em sua pesquisa sobre cabelo como performance
identitária, Quintão (2013) explicita que mulheres negras com as texturas capilares
crespas e cacheadas muitas vezes buscam “uma adequação” por meio de técnicas
de modificação, com o objetivo de se aproximar de um padrão próximo ao fio liso.
Quintão (2013) sustenta ainda que a ideia de superioridade estética do cabelo
liso em relação ao cabelo cacheado ou crespo remonta a um longo processo histórico,
marcado pela colonização e processos de branqueamento, onde foi se construindo
socialmente o conceito do cabelo do liso como “bom” ou “bonito”. Em contrapartida, o
chamado cabelo “ruim” ou “feio” é associado a texturas encaracoladas e crespas,
comum entre as mulheres negras.
Essa subjugação estética marginaliza mulheres negras em representações
midiáticas. A inferiorização e exclusão se expressa no “padrão de beleza”, que
privilegia mulheres brancas, magras, com cabelos lisos e traços finos como o ideal a
ser atingido. Essa não representatividade midiática da estética negra é citada por duas
delas elas como algo que influenciou a decisão pelo alisamento:
“(...) Como mulheres, somos formatadas desde a infância, através de desenhos animados, publicidades e novelas, a desenvolver muito a coisa da “beleza””. Alexandra Loras.53 “(...) toda a referência de mídia, eram de mulheres alisadas”. Rayza Nicácio.54
Ao refletir sobre as produções midiáticas, Couceiro de Lima (1997) afirma que
a mídia, embora se demonstre sensível às mudanças da sociedade e procure se
atualizar e incorporar anseios de parcelas minoritárias, por vezes ela absorve
elementos da estrutura racista e a incorpora nos produtos que veicula.
53 Entrevista Alexandra Loras ao site Beauty Editor. Disponível em: <https://www.beautyeditor.com.br/blog-das-convidadas/beleza-negra-entrevista-com-alexandra-loras-sobre-cabelo-atitude>. Acesso em: 10 de janeiro de 2019. 54 Vídeo “Ninguém se mete com o meu cabelo” do Canal de Rayza Nicácio. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=1gRjX_ilS6E>. Acesso em: 10 de janeiro de 2019.
105
Nem mesmo o fato de pertencerem a origens sociais mais abastadas, como
Taís Araújo e Alexandra Loras, pareceu amenizar as situações negativas vividas, por
não condizerem com uma estética hegemônica:
“(...) quando eu falo, ah, os meninos (na escola) não queriam saber de mim, também é um reflexo do preconceito...porque quando você chega num colégio de classe média alta que só está ali quem pode pagar e você não se reconhece, não vê ninguém igual a você, você fala pô, já entendi o país que eu faço parte (...)”. Taís Araújo.55 “(...) Sou praticamente a única negra na elite, então nos eventos sou sempre a diferente. Hoje, meu cabelo crespo vira hype, cool, fashion. Mas fui palestrar no shopping Village Mall para a marca Amsterdam Sauer sobre diversidade, e depois uma mulher que assistiu à conversa veio me falar: “nossa, gostei de sua palestra, você é tão linda, mas seria ainda mais linda se alisasse o cabelo”. Alexandra Loras.56
Os depoimentos de Taís e Alexandra remontam às reflexões propostas pelo
sociólogo Emerson Rocha (2016). Em estudo desenvolvido pelo autor, a percepção
do racismo e do preconceito estético são ainda mais aparentes aos negros que
ascendem socialmente. Segundo o autor, os afrodescendentes em posições
subalternas tendem a ser menos confrontados por estarem em uma “posição natural”,
destinadas a eles. Ao saírem desses espaços, porém, o “estranhamento” ou
“surpresa” que geram os tornam mais suscetíveis a manifestações de preconceito.
Já a experiência de Rayza revela o quanto, mesmo usufruindo dos privilégios
advindos do colorismo, como a tonalidade de pele clara que a permitiu não ser lida
como negra em grande parte de sua vida, não se está isento de situações negativas
vividas, por ter traços negros como o cabelo crespo:
“(...) tive muitos conflitos com o meu cabelo, com o meu tipo de corpo, mas não com a cor da minha pele. Pra eu chegar aos conflitos com a cor da minha pele demorou um pouquinho porque ninguém falava sobre isso comigo (...)”. Rayza Nicácio.57
Assim, nota-se nas experiências de Taís, Ludmilla, Rayza e Alexandra o quanto
os processos químicos não tiveram uma motivação positiva; ao contrário, foram
maneiras de se libertar de um sofrimento que as suas estéticas lhes impunham por
55 Entrevista Taís Araújo ao Programa Estrelas, da Rede Globo. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=K4O71_ujacM&t=332s>. Acesso em: 10 de janeiro de 2019. 56Entrevista Alexandra Loras ao site Beauty Editor. Disponível em: <https://www.beautyeditor.com.br/blog-das-convidadas/beleza-negra-entrevista-com-alexandra-loras-sobre-cabelo-atitude>. Acesso em: 10 de janeiro de 2019. 57 Vídeo “Ninguém se mete com o meu cabelo” do Canal de Rayza Nicácio. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=1gRjX_ilS6E. Acesso 10 de janeiro de 2019.
106
estarem distante dos modelos normativos de aparência. Nesse contexto, o alisamento
significou uma tentativa de adequação, para deixarem de ser percebidas como
“inconformes” ou para se distanciar de um padrão estético que lhes imputava dor e
sofrimento.
As vivências conflituosas dessas mulheres com a própria estética revelam
ainda o quanto ser afetado pelo racismo independe da origem social, e que mesmo
os privilégios das lógicas de branqueamento não as isenta do preconceito. Por fim,
ainda a partir de suas experiências, é possível verificar o quanto a mídia, muitas vezes,
atua pela perpetuação de racismo ao invisibilizar negros em suas produções ou
representá-los em papéis estereotipados de subserviência.
4.6.2 A decisão pela transformação e os sentidos “pós transição capilar”
A motivação para o processo de transição capilar nas experiências de Taís
Araújo, Ludmilla, Rayza e Alexandra está vinculada à intenção de “assumir a própria
beleza” e ao desejo de conhecer o cabelo na textura natural, que nem mais lembravam
como era:
“(...) Há um ano eu resolvi passar pela transição capilar. Cortei meu próprio cabelo curtinho e tirei toda química fora. Desde criança eu não usava meu cabelo natural, nem sabia muito bem como ele era. Resolvi passar pela transição para redescobrir a minha beleza natural... Não lembrava mais como era o meu cabelo. Sempre alisei (...)”. Ludmilla.58 “(...) Na época nem sabia que tinha um nome. Meu desejo era deixar meu cabelo natural depois de tantos anos usando química. Eu nem me lembrava como ele era”. Taís Araújo.59 “(...) É muito difícil viver essa transição (capilar). Mas agora estou começando a gostar da minha identidade, a agradecer e assumir a minha beleza natural”. Alexandra Loras.60 “Parei de alisar por causa da minha autoestima. Era muito vaidosa e isso me fazia mal. Deixava de ir à piscina, de sair no calor porque ia enrolar a raiz do meu cabelo. Me privei muito e perdi muito tempo da
58 Entrevista Ludmilla à revista Elle. Disponível em: <http://elle.abril.com.br/beleza/ludmilla-inicia-transicao-capilar-e-hora-de-ser-eu-mesma/>. Acesso em: 10 de janeiro de 2019. 59 Reportagem Revista Glamour. Disponível em: <https://revistaglamour.globo.com/Celebridades/noticia/2016/12/tais-araujo-comemora-sua-transicao-capilar-nem-me-lembrava-como-ele-era.html>. Acesso em: 10 de janeiro de 2019. 60 Entrevista Alexandra Loras ao site Beauty Editor. Disponível em: <https://www.beautyeditor.com.br/blog-das-convidadas/beleza-negra-entrevista-com-alexandra-loras-sobre-cabelo-atitude>. Acesso em: 10 de janeiro de 2019.
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minha vida presa a um estereótipo que não era meu (...)”. Rayza Nicácio.61
Nestes trechos, observamos o quanto as vivências individuais ecoam sentidos
coletivos, em que o caso singular da experiência se expande para novas narrativas,
identificações e identidades (ARFUCH, 2010). As motivações que as levaram a
decisão pela transição capilar se aproximam de sentidos que expandem para além do
gosto estético e individual e se configuram como atos políticos ao reivindicar um direito
de existência a traços corporais normalmente estigmatizados e oprimidos.
Para Munanga, esse processo de aceitação a partir de elementos do corpo
simboliza uma afirmação da identidade negra, “a recuperação dessa identidade
começa pela aceitação dos atributos físicos de sua negritude antes de atingir os
atributos culturais, mentais, intelectuais, morais e psicológicos, pois o corpo constitui
a sede material de todos os aspectos da identidade” (MUNANGA, 2012, p. 19). Costa
(2012) reforça que o corpo, como elemento visível, está sujeito historicamente a
construções e reconstruções simbólicas e que seus sentidos são produzidos, portanto,
dentro das relações sociais. Desconsiderando, assim, o caráter essencialista que
atribui neutralidade aos corpos, o entende como um signo ao qual se atribui
significado.
A desconstrução dos estigmas atrelados aos cabelos cacheado/crespo são
entendidos por elas como um processo que envolve também uma “transição” de
mente:
“(...) queria falar sobre a transição de mente, a gente ouve muito falar que o cabelo cacheado é feio, que te deixa desarrumada, que o volume não é bom, que parece ressecado, que parece sujo, mas isso é tudo mentira! Mas desconstruir esses pensamentos nas nossas cabeças não é nada fácil. Não foi fácil pra mim e não vai ser fácil pra ninguém, quando a gente cresce ouvindo muito uma coisa a gente toma aquilo como verdade absoluta e só em algum momento a gente começa a questionar tudo isso (...)”. Rayza Nicácio.62 “(...) o empoderamento das mulheres está muito forte e isso faz com que elas escolham outros caminhos de beleza, muito diferentes dos
61 Vídeo “Ninguém se mete com o meu cabelo” no canal de Rayza Nicácio no YouTube. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=1gRjX_ilS6E>. Acesso 10 de janeiro de 2019. 62 Vídeo “Ninguém se mete com o meu cabelo” do Canal de Rayza Nicácio. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=1gRjX_ilS6E>. Acesso em: 10 de janeiro de 2019.
108
que existiam quando eu cresci: a ditadura do alisamento, por exemplo”. Alexandra Loras.63 “(...) Não quero mais ser refém das laces, apliques e acessórios, amo mudar, mas chegou a hora de ser eu mesma também”. Ludmilla.64 “(...) foi muita paciência, criatividade para encontrar penteados, escovas, tranças (...)”. Taís Araújo.65
Verifica-se em suas falas que o que está sendo colocado em questão não é
propriamente a aparência, mas, sim, o romper com os enquadramentos do que é tido
como “correto” ou que corresponda a padrões de beleza hegemônicos. A conotação
pejorativa acerca da textura crespa adquire nova significação e passa a estar
vinculada não mais ao “feio” ou “ruim” mas a uma não adequação às normatizações
do que era tido como belo, dentro de uma estrutura de poder racista que as
desprivilegia, onde cabelo cacheado/crespo é entendido como um traço étnico dito
inconforme ao que se espera da beleza ou da boa aparência. Nesse cenário, o corpo
e seus atributos físicos se tornam territórios de disputas de sentido:
(...) o conceito de beleza é subjetivo, localizado, histórico e relacional. Apesar dessa relativização, as sociedades impõem alguns padrões de beleza, uma vez que ela também é construída em contextos de relações assimétricas de poder. O corpo é uma das instâncias sujeitas à inscrição, à classificação e a hierarquização da ideia de beleza (GOMES, 2008 apud OLIVEIRA, 2010, p. 92).p
Nesse ínterim, em que se travam disputas de sentido aos aspectos relativos ao
corpo, a mídia adquire papel de centralidade, ao se configurar como “palco” desses
embates:
“(...) foi um movimento contrário, a mídia falava o que a gente tinha que fazer e a gente fazia, graças à internet nós falamos o que eles precisavam fazer e agora tem uma amplitude de possibilidades pra gente se inspirar...a gente tem essa necessidade de se sentir representado de olhar e de se ver (...)”. Rayza Nicácio.66
63Entrevista Alexandra Loras ao site Beauty Editor. Disponível em: <https://www.beautyeditor.com.br/blog-das-convidadas/beleza-negra-entrevista-com-alexandra-loras-sobre-cabelo-atitude>. Acesso em: 10 de janeiro de 2019. 64 Entrevista Ludmilla à revista Elle. Disponível em: <http://elle.abril.com.br/beleza/ludmilla-inicia-transicao-capilar-e-hora-de-ser-eu-mesma/>. Acesso em: 10 de janeiro de 2019. 65Reportagem Revista Glamour. Disponível em: <https://revistaglamour.globo.com/Celebridades/noticia/2016/12/tais-araujo-comemora-sua-transicao-capilar-nem-me-lembrava-como-ele-era.html>. Acesso em: 10 de janeiro de 2019. 66 Vídeo “Ninguém se mete com o meu cabelo” no canal de Rayza Nicácio no YouTube. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=1gRjX_ilS6E>. Acesso em: 10 de janeiro de 2019.
109
A experiência de transição de Rayza Nicácio enfatiza o papel da mídia como
arena de disputas de sentido. No caso dela, o espaço adquirido no YouTube
possibilitou um questionamento a padrões de beleza associados a produções das
mídias tradicionais, como telenovelas e comerciais de televisão. Já Ludmilla teve todo
o seu processo de mudança capilar acompanhado e publicizado por uma marca de
produtos para cabelo, a Salon Line. O anúncio de sua transição capilar ocorreu ao
mesmo tempo em que divulgava uma parceria com a empresa: “Como já conhecia os
produtos da Salon Line, tomei essa decisão para que meu cabelo crescesse de forma
saudável”.67 A cantora participou de diversos eventos e comerciais, tendo declarado
que se não fosse pela marca, não teria tido coragem de passar pelo processo da
transição: “a transição não é uma coisa fácil, graças a deus eu conheci a Salon Line
e estou muito feliz pelo carinho e incentivo que eles me deram”.68
O caso de Ludmilla e Rayza faz refletir sobre a importância que os veículos e
produções midiáticas podem ter na potencialização de discussões acerca de padrões
estéticos. Uma pesquisa realizada pela Kantar WorldPanel69 mostrou que 51,4% da
população brasileira possui cabelos ondulados, cacheados ou crespos. Em outra,
realizada pelo Instituto Beleza Natural em parceria com a Universidade de Brasília
(UnB), o índice chegou a 70%.70 Contudo, essa diversidade capilar não costuma
aparecer em propagandas, comerciais e anúncios publicitários, onde ainda
predominam os fios extremamente lisos.
Em outra direção, estudos desenvolvidos pela Google BrandLab em São
Paulo71, em 2017, apontaram que, pela primeira vez, as buscas no Google por cabelos
cacheados superaram a procura por cabelos lisos. A pesquisa afirma que houve um
aumento de 232% na busca por cabelos cacheados no último ano. Também indica
como o interesse por cabelos afro subiu 309% nos últimos dois anos. Esses índices
67 Entrevista Ludmilla à revista Elle. Disponível em: <http://elle.abril.com.br/beleza/ludmilla-inicia-transicao-capilar-e-hora-de-ser-eu-mesma/>. Acesso em: 10 de janeiro de 2019. 68 Entrevista Ludmilla à revista Elle. Disponível em: <http://elle.abril.com.br/beleza/ludmilla-inicia-transicao-capilar-e-hora-de-ser-eu-mesma/>. Acesso em: 10 de janeiro de 2019. 69 Dados disponíveis em: <https://www.kantarworldpanel.com/br/Releases/Mercado-de-cabelos-cresce-e-movimenta-R-8-bi-no-Brasil>. Acesso em: 10 de janeiro de 2019. 70 Dados disponíveis em: <http://patrocinados.estadao.com.br/abihpec/2017/08/21/cabelos-crespos-muito-bem-cuidados/>. Acesso em: 10 de janeiro de 2019. 71 Dados disponíveis em: <https://oglobo.globo.com/ela/beleza/pela-primeira-vez-no-brasil-buscas-no-google-por-cabelo-cacheado-superam-as-por-cabelo-liso-21683014>. Acesso em: 10 de janeiro de 2019.
110
permitem inferir que os sentidos do racismo e da ideologia do branqueamento, que
incutem sobre os corpos negros e se reproduzem na mídia, são passíveis de
ressignificação. Nessa direção, mulheres negras, como as aqui estudadas, vêm
ganhando poder de fala e visibilidade midiática para discutir questões sobre o próprio
corpo e para questionar padrões, estigmas e a falta de representatividade percebidas
por elas nos meios de comunicação. Isso nos permite refletir sobre a mídia enquanto
tática de disputa do visível, do narrável e do reconhecido (RÍNCON, 2016).
Nos relatos de Taís Araújo, Ludmilla, Rayza Nicácio e Alexandra Loras, o
processo de transição marcou uma virada no entendimento de ambas acerca do
significado do cabelo crespo/cacheado em suas vivências. O que antes era visto como
“ruim” ou algo que precisavam suprimir, passou a ser entendido como símbolo de
orgulho:
“(...) Descobri que ele (cabelo) é diferente, e que eu não preciso seguir padrões para ser quem eu sou. Respeitar as diferenças deveria ser um sentimento obrigatório na nossa sociedade (...)”. Ludmilla.72 “(...) dá sim pra ser gata, linda e maravilhosa com o cabelo natural e tudo o que for contra isso é que está adoecido, é o sistema que está adoecido e não você, o seu tipo de cabelo ou o jeito que você nasceu (...)”. Rayza Nicácio.73 “(...) assumir meus cachos, meu cabelo crespo, foi um ato político”. Alexandra Loras.74 “(...) é difícil sim, mas é tão legal a gente se olhar no espelho e se reconhecer como realmente é gostarmos de ser como somos (...)”. Taís Araújo.75
72 Entrevista Ludmilla a revista Elle. Disponível em: <http://elle.abril.com.br/beleza/ludmilla-inicia-transicao-capilar-e-hora-de-ser-eu-mesma/>. Acesso em: 10 de janeiro de 2019. 73 Vídeo “Ninguém se mete com o meu cabelo” do Canal de Rayza Nicácio. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=1gRjX_ilS6E>. Acesso em: 10 de janeiro de 2019. 74Entrevista Alexandra Loras ao site Beauty Editor. Disponível em: <https://www.beautyeditor.com.br/blog-das-convidadas/beleza-negra-entrevista-com-alexandra-loras-sobre-cabelo-atitude>. Acesso em: 10 de janeiro de 2019. 75 Reportagem Revista Glamour. Disponível em: <https://revistaglamour.globo.com/Celebridades/noticia/2016/12/tais-araujo-comemora-sua-transicao-capilar-nem-me-lembrava-como-ele-era.html>. Acesso em: 10 de janeiro de 2019.
111
Imagem 22: Ludmilla antes e depois da transição capilar
Fonte:
<https://www.google.com.br/search?biw=1366&bih=654&tbm=isch&sa=1&ei=vIU0XJWiO46vwgSKu63YCw&q=ludmillatransi%C3%A7%C3%A3o+antes+e+depois&oq=ludmillatransi%C3%A7%C3%A3o+antes+e+depois&gs_l=i
mg.3...66859.71219..71473...0.0..0.239.3784.0j22j2......1... ..gws-wiz-img.ryx1_PWwJwQ#imgrc=7ZqbFF5c3nj3qM:>.
Imagem 23: Rayza Nicácio, antes e depois da transição capilar
Fonte: <https://www.google.com.br/search?q=transi%C3%A7%C3%A3o+capilar+rayza+nic%C3%A1cio&source=lnms&tbm=isch&sa=X&ved=0ahUKEwiCgua4iN7fAhVDF5AKHUj-AlYQ_AUIDigB&biw=1366&bih=654#imgrc=56-AknU-
PngteM:>.
112
Imagem 24: Alexandra Loras, antes e depois da transição capilar
Fonte: <https://www.google.com.br/search?q=transi%C3%A7%C3%A3o+capilar+Alexandra+loras&source=lnms&tbm=isch&sa=X&ved=0ahUKEwjK6OWGid7fAhXCkpAKHSv8BQUQ_AUIDigB&biw=1366&bih=654#imgrc=KTznKIWpY
mko1M:>.
Imagem 25: Taís Araújo, antes e depois da transição capilar
Fonte: <https://www.google.com.br/search?q=ta%C3%ADs+ara%C3%BAjo+transi%C3%A7%C3%A3o+capilar&source=lnms&tbm=isch&sa=X&ved=0ahUKEwjj1eXTid7fAhVIHpAKHZt8DoQQ_AUIDigB&biw=1366&bih=654#imgrc=E1_
psIZUe78GBM:>.
113
Suas falas deixam claro que “assumir” o cabelo em suas texturas crespas e
cacheadas, envolveu processos de ressignificação de estigmas atrelados a seus
traços fenotípicos. Mesmo que algumas delas não reconheçam o caráter político da
mudança estética, a análise das trajetórias, a partir dos processos de alisamento e
motivações para a transição capilar, mostra uma modificação na percepção dos
próprios fios, que dá ênfase ao processo da transição capilar como enfrentamento a
padrões estéticos hegemônicos, que valorizam as texturas lisas em detrimento das
crespas e cacheadas.
Desta forma, as narrativas de aceitação e valorização da estética africana
ganham destaque por serem visibilizados por figuras de forte presença midiática,
como Taís Araújo, Ludmilla, Rayza Nicácio e Alexandra Loras. Longe de significar
novas formas de enquadramento estético ou condenação a quem se submete a
químicas de alisamento, a opção pelos cabelos crespos e cacheados tem aqui o intuito
de suscitar novas formas de pensamento diante de padrões de beleza muitas vezes
excludentes.
4.7 ESTRATÉGIAS DE VISIBILIDADE
Em nossa sociedade, atravessada pelas mais variadas redes e fluxos
midiáticos, o debate acerca das imagens e suas significações adquire centralidade.
As possibilidades comunicativas das imagens estão na sua concepção enquanto
fontes de afecção (ROCHA, 2010), ou no fato de que, ao mesmo tempo em que são
compreendidas como possíveis fontes de vinculação e pertencimento, nem sempre
são mensageiras ou portadoras de afetos felizes.
Assim, ao pensar o lugar das visualidades e dos corpos na contemporaneidade,
Rocha (2010) propõe refletir sobre a essência política do que nos é dado a ver, ou, a
partir da abundância de imagens que nos invade, “questionar aquelas que, ao nos
afetarem, efetivamente aumentam ou diminuem nossa competência corpórea-
cognitiva de ação” (Ibidem, p. 200). Nessas dinâmicas entre produção e consumo de
visualidades atrelado ao campo da comunicação, a autora vislumbra nos estudos das
imagens uma nova maneira de enxergar, perceber e narrar o mundo em que vivemos
(Idem).
114
A partir desses pilares conceituais, o consumo é caracterizado como “um
conjunto de processos e fenômenos socioculturais complexos e mutáveis” (ROCHA,
2008, p. 120), entendido enquanto locus privilegiado no que se refere à constituição
das subjetividades. O consumo abriga ambivalências, conflitos e tensionamentos. É
entendido como aspecto fundamental na conformação de narrativas sobre si e, desta
forma, integra produções simbólicas cheias de significado, das mais aterradoras às
mais inspiradoras (ROCHA, 2008). Dentro dessas lógicas, a imagem atua como
“partícipe de uma inédita articulação do imaginário e da sociabilidade na atualidade”
(ROCHA; SILVA, 2007, p. 5).
Temos, então, que o consumo e a cena cultural são aspectos interligados e
“tecidos pelo universo da comunicação massiva” (ROCHA, 2008, p. 24). Nesses
termos, a mídia se insere como palco ou arena de disputas de sentido, do narrável e
do reconhecido (RÍNCON, 2016), ao ofertar lógicas mediadas de percepção e ação
cultural (ROCHA, 2008). Entrelaçado às redes comunicacionais e aos fluxos
informacionais, o consumo é, portanto, um modo de produzir sociabilidade, que se
vincula às práticas cotidianas e aos processos identitários, em que as relações sociais
são mediatizadas por imagens (MARTÍN-BARBERO, 2004).
Nessa perspectiva, a mídia atua enquanto espaço de “reconhecimento” na
cultura popular. E nestas experiências de re-conhecimento, entremeiam-se sempre
relações de mediação social, de distintos contextos culturais – a partir daqueles que
vivem nessa cultura (RÍNCON, 2016). Para Martin-Barbero (1981 apud RÍNCON,
2016, p. 30), é no popular que se travam as batalhas pelo sentido, pois são nesses
espaços que se localizam modos outros de imaginação social e de política. O autor
complementa ainda que o popular remete a uma vivência pública, ou a uma
performance que envolve o sujeito em sua totalidade. O ato de compreender o
popular-massivo não significa despolitizar a indústria midiática; ao contrário, visa
compreendê-la em suas ambivalências, submissões e impugnações que se dão a
partir dos sujeitos do popular (RÍNCON, 2016). Nesta ótica, localiza-se a permanência
de um sujeito que interpreta, negocia e se apropria de textos culturais,
compreendendo-os dentro da experiência, de sua trajetória de vida (ROCHA;
GHEIRAT, 2016).
Assim, ao comtemplar o cenário das visualidades ininterruptas que engloba o
consumo, a mídia e as imagens, pensar as políticas de visibilidade perpassa aspectos
115
como a falsa democracia do visível e a ideia de cidadania visual (ROCHA, 2012).
Nessa conjuntura expressada pela autora, o direito à imagem é visto sob uma
perspectiva de cidadania, que nos convoca a pensar sobre as imagens da diferença,
ou aquelas que evoquem a pluralidade das representações sociais e evidenciem a
parcialidade daquelas que se pretendem hegemônicas, e, além disso, conceber ainda
os “planos do não visível, do que não se quer representar e do que, em outro extremo,
quer-se ocultar” (ROCHA, 2012, p. 39).
Deste modo, ao investigarmos as formas como Taís Araújo, Ludmilla, Rayza
Nicácio e Alexandra Loras constroem suas autonarrativas em seus perfis do Facebook
e a maneira como visibilizam suas experiências de transição capilar, buscamos
associar esses elementos autobiográficos, no intuito de apontar quais as estratégias
de visibilidade empregadas por elas e como essas imagens e textos presentes em
suas narrativas agenciam seus modos de apresentação de si, relações de
pertencimento e subjetividades. Além disso, pretendemos apontar o que essas
visibilidades podem indicar acerca das relações de poder e assimetrias raciais, bem
como evidenciar fluxos comunicacionais e contradições capazes de apontar possíveis
estratégias de subversão.
Atuando em diferentes âmbitos midiáticos, Taís Araújo, Ludmilla, Alexandra
Loras e Rayza Nicácio estão entre as mulheres negras mais célebres da cena
audiovisual brasileira na contemporaneidade. Ambas utilizam diariamente o Facebook
como forma de interação com o público, construindo, de diferentes maneiras, espaços
de autopercepção e afirmação de si, a partir de suas postagens.
O perfil da atriz Taís Araújo possui cerca de 4,6 milhões de seguidores76 e, no
período de nosso levantamento (janeiro a julho de 2017), teve 124 postagens, com
uma média de 31.092 curtidas, 1420 comentários e 402 compartilhamentos. O da
cantora Ludmilla conta com mais de 7 milhões de seguidores77, totalizou 174
postagens, com uma média de 22.513 mil curtidas, 344 comentários e 202
76 Dados consultados no perfil do Facebook da atriz. Link: https://www.facebook.com/taisdeverdade/ Acesso em: 10 de janeiro de 2019 77 Dados consultados no perfil do Facebook da cantora. Link: https://www.facebook.com/pg/OficialLudmilla/about/?ref=page_internal Acesso em: 10 de janeiro de 2019
116
compartilhamentos por post. Já o perfil da youtuber Rayza78 e o da empreendedora
Alexandra Loras79, com números mais modestos, possuem respectivamente 532 mil
e 69 mil seguidores, 172 e 173 postagens, com uma média de 5.446 mil e 304 curtidas,
76 e 10 comentários, e 29 e 32compartilhamentos por post.
Importante salientar que as páginas de ambas se tratam de fanpages, ou perfis
voltados a empresas e marcas por oferecerem mecanismos que permitem realizar
publicidade, diferenciando-se dos perfis pessoais no Facebook. As páginas pessoais
são destinadas a pessoas físicas, voltados a usuários que desejam dividir informações
e expor detalhes da sua vida pessoal, compartilhar momentos, adicionar amigos, etc.
Já as fanpages são voltadas para os que buscam estratégias de publicização, sendo
possível realizar a customização da página e tendo a liberdade de criar enquetes,
fóruns de discussão, inserir dados sobre produtos específicos, etc., o que não são
permitidos em perfis comuns.
Assim, mesmo estas figuras midiáticas não sendo propriamente “empresas”,
suas personas no Facebook possuem foco principal em suas carreiras como artistas
e são utilizadas como instrumento de publicização de sua imagem pública. Isso não
quer dizer que suas características enquanto sujeito não sejam perceptíveis. Segundo
Polivanov (2014), os perfis nos ambientes virtuais correspondem a construções ou
versões de si, em que os sujeitos elaboram performaticamente e com certo nível de
autorreflexão, selecionando quais comportamentos se tornarão visíveis, a partir da
impressão que desejam causar em sua audiência.
Nessa dualidade entre exposição e ocultamento, no caso das figuras midiáticas
aqui analisadas, notamos que certos materiais são privilegiados e deixados à mostra,
enquanto outros são ocultados ou parcialmente mostrados (POLIVANOV, 2014).
Assim, com relação ao tipo de conteúdo, observamos uma profusão de textos verbais
e não verbais (imagens, frases e montagens) abordando, em sua maioria, assuntos
atrelados ao cotidiano das artistas, principalmente ao que é vinculado à suas
atividades profissionais, como participações em programas de TV e eventos atrelados
a marcas e divulgação de produtos dos quais são garotas-propaganda; mescladas a
78 Dados consultados no perfil do Facebook da youtuber. Link: https://www.facebook.com/rayzanicacio/ Acesso em: 10 de janeiro de 2019 79 Dados consultados no perfil do Facebook da empreendedora. Link: https://www.facebook.com/alexandraloras/ Acesso em: 10 de janeiro de 2019
117
banalidades do dia a dia como como “roupa e batom do dia”, “o que comi no café da
manhã”, “lugares para onde viajei”, frases e pensamentos reflexivos, etc.
De acordo com Miller (2011 apud POLIVANOV, 2014) as atualizações triviais
sobre a vida (profissional e/ou pessoal) são os tipos de conteúdo mais postados no
Facebook. Segundo o autor, o compartilhamento de momentos do cotidiano tem a
intenção de aproximar o sujeito de sua rede de contatos, com o intuito de “estar
presente” em tempo real, expressando e construindo identidade e sociabilidade, ao se
autoexpressar no Facebook. No próximo item, buscamos evidenciar esses aspectos,
considerando as cenas midiáticas em que Taís Araújo, Ludmilla, Rayza Nicácio e
Alexandra Loras se visibilizam.
4.7.1 Taís Araújo
Taís Araújo pertence ao âmbito da dramaturgia, sua visibilidade advém,
principalmente, de suas atuações como atriz, em telenovelas da Rede Globo. O
sucesso adquirido nas novelas permitiu a ela expandir sua presença midiática para
outros campos como o cinema, o teatro e mais recentemente em apresentação de
programas de auditório. Sua construção narrativa no Facebook reflete muito dessa
visibilidade obtida na TV. Com frequência, suas postagens fazem alusão ao seu
cotidiano profissional na televisão, mas com viés informal, no intuito de criar sentidos
de proximidade e intimidade com sua audiência, mostrando aspectos dos “bastidores”
da vida como atriz. Em suas postagens, Taís procura se “despir” do status de
celebridade e se mostrar mais como uma figura popular, “gente como a gente”, que
acorda cedo para trabalhar, sempre atarefada entre as funções na “firma” e as
desempenhadas como esposa e mãe. Uma versão da mulher contemporânea, que se
divide entre a vida pessoal e o trabalho.
Alçada como ícone da representatividade negra por sua trajetória na televisão,
raramente evidencia em sua performance no Facebook um caráter mais politizado em
seus posicionamentos. De maneira geral, as postagens de Taís Araújo privilegiam o
compartilhamento de momentos de sua intimidade, sempre com conotações informais
e descontraídas, percebidas principalmente, por meio de legendas bem-humoradas.
118
As imagens postadas por Taís, em sua maioria, consistem em
retratos/autorretratos, com enquadramentos que focam em ângulos da cintura para
cima, enfatizando traços do rosto e do cabelo, sempre em destaque. Ela aparece com
frequência maquiada, com figurinos que utiliza na televisão, e os cabelos cacheados,
sempre soltos e bem volumosos, chamam a atenção. Costuma dividir a cena com
outros famosos da emissora, como colegas de elenco, o marido ator, ou ainda
evidenciando aspectos como cenário, trajes, ou outros elementos que “marquem” o
seu “lugar” como artista da TV.
Com relação a aspectos da negritude, as visualidades presentes nas
autonarrativas de Taís Araújo suscitam sentidos interessantes para se pensar as
questões como a representatividade negra na mídia massiva, principalmente ao se
falar em produções televisivas. O protagonismo conquistado pela atriz, seja em
telenovelas ou como apresentadora, coloca negros ocupando lugares que
normalmente lhes são negados. Além disso, a relação com Lázaro Ramos também
traz visibilidade a elementos como a afetividade da mulher negra e o amor
afrocentrado (ALVES, 2008).
Sua transição capilar faz pensar também sobre os padrões estéticos
incorporados pela mídia televisiva e o quanto ostentar o cabelo cacheado e volumoso
como belo, em um espaço monopolizado pelos fios lisos como a TV visibiliza imagens
da diferença. Contudo, há de se pontuar que, por mais que sua visibilidade possa
significar certos deslocamentos, ela também evidencia que esses espaços ainda
continuam a privilegiar certos traços fenotípicos associados a padrões estéticos
hegemônicos, como o corpo magro e a cor da pele em tons mais claros.
4.7.2 Ludmilla
Ludmilla pertence ao âmbito musical na cena midiática brasileira. Sua
visibilidade emana, principalmente, de suas apresentações cantando em programas
de televisão de diversas emissoras. Assim como Taís, a construção narrativa do seu
Facebook reflete muito dessa visibilidade obtida na TV. Suas postagens são utilizadas
como instrumento de divulgação para suas aparições na televisão, com o intuito de
“chamar” sua audiência para vê-la cantando em atrações televisivas. Em seus
119
compartilhamentos, Ludmilla procura exaltar “o status de celebridade” com fotos com
fotos em poses chamativas, figurinos elaborados, buscando evidenciar uma aparência
“glamurizada”, com cenários que evidenciam luxo e ostentação.
Assim como Taís, a visibilidade alcançada no cenário musical, evidenciado nas
mídias massivas, alçou Ludmilla a um ícone de representatividade negra. Contudo,
raramente vemos em sua presença no Facebook um caráter mais politizado em seus
posicionamentos. De forma geral, as postagens são usadas como ferramentas de
divulgação de suas aparições na TV, da agenda de shows, videoclipes lançados, etc.
As imagens, com frequência, consistem em retratos, com enquadramentos que
salientam as formas de seu corpo, como as pernas musculosas, o busto farto e o
“bumbum grande”, e pouco mostram os traços do seu rosto. As vestimentas – sempre
justas ou curtas – também são utilizadas como maneira de enfatizar as formas do
corpo e dar um sentido de sensualidade a sua figura. Ela aparece com frequência
maquiada, com figurinos que utiliza na televisão e em shows. Chama a atenção que
em quase todas as imagens ela aparece com os cabelos lisos e longos.
Com relação a aspectos da negritude, as visualidades presentes nas
autonarrativas de Ludmilla suscitam sentidos interessantes acerca da
representatividade negra em espaços hegemônicos como o cenário musical,
raramente ocupado por outras artistas negras. Além disso, pontuamos alguns
elementos acerca de sua transição capilar. Apesar de endossar a narrativa em prol do
uso do cabelo natural, Ludmilla não visibiliza os fios crespos em suas postagens,
revelando certa ambiguidade em seu discurso de autoaceitação. Nota-se também que
sua autorrepresentação privilegia sentidos de sensualidade a sua imagem,
perpetuando certas visões estereotipas acerca de mulheres negras.
4.7.3 Rayza Nicácio
Rayza Nicácio adquiriu visibilidade midiática na internet, a partir de um canal
criado na plataforma YouTube. Sua experiência de transição capilar, atrelada à
narrativa de autoaceitação dos “cachos”, a fez ter sucesso como figura de inspiração
de beleza que destoa de padrões hegemônicos associados aos cabelos lisos. Sua
construção narrativa no Facebook reflete muito dessa visibilidade alcançada no
120
YouTube. De forma geral, as postagens de Rayza Nicácio evidenciam autorretratados
atrelados a legendas reflexivas sobre a importância da autoaceitação e do
reconhecimento do cabelo crespo e cacheado como belo, algo que intitula como sua
“missão” no mundo. Sua experiência de transição capilar é constantemente
recuperada na narrativa, no intuito de construí-la como uma espécie de conselheira
junto as suas seguidoras, se levantando como uma incentivadora do “se ame como
você é”.
Contudo, apesar de possuir um discurso que visa “desconstruir padrões de
beleza”, sua presença no Facebook não aprofunda discussões políticas acerca das
assimetrias raciais; ao contrário, sua construção narrativa procura mostrar o
preconceito aos fios afro e “a ditatura do cabelo liso” como algo superado.
Os enquadramentos escolhidos privilegiam o rosto, enfatizando seus traços e
o cabelo sempre em destaque, solto e com volume. As demais partes do corpo quase
não são mostradas. Chama a atenção ainda que Rayza escolhe sempre filtros e
efeitos que “clareiam” o seu tom de pele, criando um sentido de dubiedade, pois, ao
mesmo tempo em que aspectos de negritude são exaltados em sua narrativa, ela
parece querer se aproximar de uma estética “embranquecida”.
Com relação a aspectos ligados à negritude presentes nas autonarrativas de
Rayza Nicácio, notamos que suas autorrepresentações aludem a questões
interessantes para se pensar elementos como a mestiçagem na constituição das
identidades de indivíduos negros no contexto brasileiro. O tom de pele de Rayza influi
na forma como ela é lida socialmente, estabelecendo uma linha racial não nítida, que
a coloca como “parda” ou “morena”, promovendo um apagamento de sua negritude.
Por outro lado, a textura crespa do cabelo jamais a permitiu se enxergar enquanto
branca, e foram motivos de preconceito durante sua vida. O entendimento como
mulher negra só veio após assumir o cabelo cacheado. Sua transição capilar, deste
modo, visibiliza uma consciência racial a partir da desconstrução de padrões estético.
4.7.4 Alexandra Loras
A visibilidade de Alexandra Loras emana, principalmente, de suas participações
e entrevistas em programas de mídia massiva, como programas de TV. Ao discutir
121
temas como a diversidade e negritude, que vêm ganhando espaço na mídia, a figura
de Alexandra surge como a de uma “especialista”. Ou aquela que, por ser uma mulher
negra e por ter se especializado academicamente em assuntos ligados à negritude,
possui tanto a propriedade da experiência como a do conhecimento científico para
discutir tais assuntos, o que lhe confere legitimidade no espaço midiático.
Sua construção narrativa no Facebook adquire um viés institucionalizado, com
linguagem formal e alinhado a uma lógica empreendedora. O conteúdo compartilhado,
diferentemente das outras figuras midiáticas analisadas até aqui se distância das
vivências pessoais e se aproxima mais de temas associados a questões sobre
negritude, tratados a partir de um caráter politizado.
De maneira geral, as visualidades presentes nas postagens de Alexandra
Loras, evidenciam aspectos sobre sua vida pessoal, por se tratar de experiências que
a atingem diretamente enquanto mulher negra, mas estão focadas em abordar o negro
enquanto grupo, aludindo ao aspecto coletivo. Assim, imagens que tratam da
representatividade do negro na mídia, pautas sobre o feminismo negro e o mercado
de trabalho para negros são recorrentes em suas autonarrativas. Aspectos referentes
à transição capilar especificamente não foram evidenciados no Facebook no período
da análise. Contudo, o cabelo black power de Alexandra está ostentado em sua foto
do perfil nesse site de rede social.
Podemos aqui, com relação aos aspectos relacionados à negritude, notar que
as autonarrativas de Alexandra Loras “ecoam” diversas questões que atravessam as
vivências de indivíduos negros. A empreendedora procura explorar suas vivências
individuais enquanto mulher negra, sempre atreladas ao contexto social que a
envolve, utilizando as redes sociais como forma de engajamento em prol de debates
acerca da diversidade e inserção do negro em espaços comumente excludentes.
122
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A pesquisa se propôs a desconstruir elementos essencialistas derivados de
discursos e práticas hegemônicos que legitimam a construção social estigmatizada
que inferioriza os corpos negros, em especial, o que se refere aos cabelos crespos de
mulheres negras. Neste ensejo, as narrativas autobiográficas de transição capilar,
compartilhadas por mulheres negras com visibilidade midiática oportunizaram
discussões acerca de símbolos identitários da negritude, salientando as significações
que emergem desses signos corpóreos, como o cabelo e os sentidos a ele atrelados.
Segundo Gomes (2012, p. 7), “o cabelo não é um elemento neutro no conjunto
corporal. Ele é maleável, visível, passível de alterações e transformado pela cultura
em uma marca de pertencimento étnico racial”. Desta forma, pudemos compreender
as trajetórias capilares como importantes ferramentas para analisar as experiências
socializantes das mulheres negras e suas relações com os espaços midiáticos.
Considerando a concepção de Pierry Lévy (1999) quanto à potencialidade
democratizante decorrente da universalização dos meios de comunicação, temos que
o âmbito midiático se faz central às comunicabilidades humanas, ao englobar os
corpos e suas expressões e o consumo enquanto promotor de vínculos sociais, que
emprega sentidos aos bens e aos indivíduos, por meio de práticas discursivas e
simbólicas articuladas ao nosso cotidiano.
Assim, nossa pesquisa considera a mídia um espaço privilegiado para se
pensar os fluxos identitários e culturais que emergem das narrativas midiáticas de
transição capilar, e que, por sua vez, dialogam com realidades sociais e contextos
culturais atrelados às disputas simbólicas e aos imaginários sociais.
Por estas razões, estudar as narrativas de mulheres negras articuladas a suas
práticas nos espaços midiáticos contribui para as pesquisas no campo das ciências
sociais e, em particular, ao campo da comunicação, uma vez que nos propomos a
refletir e produzir conhecimentos relacionando à diversidade, identidades, relações
raciais e culturas midiáticas, demonstrando o quanto a corporeidade e suas
expressões são potenciais instrumentos para compreender os significados e sentidos
sociais atrelados ao racismo e às resistências que permeiam a negritude no contexto
brasileiro. Nesse sentido, pudemos ainda evidenciar o quanto o cabelo crespo,
123
vinculado à negritude, é capaz de identificar aspectos culturais e sociais ligados a
traços étnicos, que refratam e refletem sentidos individuais e coletivos.
Pudemos observar, a partir das reflexões acerca de nosso objeto de estudo,
que a presença de mulheres negras continua a ser uma exceção nos espaços
midiáticos, mesmo considerando distintos contextos da mídia. O processo de
celebrização de Taís Araújo, Ludmilla e Alexandra Loras se concentra nas mídias ditas
massivas, todas as três adquiriram notoriedade a partir de produções televisivas. Já
Rayza Nicácio se popularizou e consolidou seu processo de celebrização na internet,
mas especificamente a partir de seu canal no YouTube.
Nos chama a atenção, por exemplo, que Taís é a única atriz negra a
protagonizar mais de uma novela, além de ser a primeira e única com papel central
em uma novela das 20h, principal horário da emissora Rede Globo. A expressão
“única” é ainda recorrente nas narrativas de Rayza Nicácio e Ludmilla. Não há
nenhuma outra youtuber negra no Brasil a possuir 1,5 milhões de seguidores no
YouTube. No cenário musical, Ludmilla é a única artista negra com mais de 10 milhões
de seguidores no site de rede social Instagram, além de ser a única a figurar, por
exemplo, no ranking de músicas mais tocadas em rádios brasileiras nos últimos anos.
Esses indicativos observados revelam que os espaços midiáticos ainda são pouco
ocupados por mulheres negras, evidenciando que a mídia persiste como território de
invisibilidades a certas minorias.
A partir de nossas análises, observamos também alguns aspectos acerca das
corporalidades que emergem de Taís Araújo, Alexandra Loras e Rayza Nicácio. Nota-
se que todas elas apresentam um tipo de corpo magro, celebrado em discursos
midiáticos como correspondente a beleza, o que nos permite inferir que, ao falarmos
em visibilidades de mulheres negras, podemos observar que ainda predominam nos
âmbitos midiáticos certos padrões corporais tidos como hegemônicos, como o corpo
magro.
Com relação à cor da pele e traços do rosto, à exceção de Ludmilla, todas as
demais são consideradas negras de pele clara e apresentam traços afilados. Inclusive,
evidenciamos que Rayza costuma se valer de filtros de imagem para parecer ainda
mais clara. Isso enfatiza certos ideais de branqueamento estético, privilegiando
elementos fenotípicos como a pele clara e os traços finos, que continuam a se
perpetuar em contextos da mídia. Aspectos percebidos na narrativa de Ludmilla
124
corroboram também com esta afirmação. Em seus relatos, a cantora demonstra como
o formato negróide80 do nariz tinha um peso negativo em sua autoestima e o quanto
a cirurgia plástica para o seu afinamento significou pra ela uma forma de evolução em
sua estética, que a permitiu se sentir mais bonita.
As texturas capilares possuem também aspectos a serem pontuados nas suas
visibilidades. Em suas páginas do Facebook, Rayza e Taís exibem com maior
frequência os cabelos soltos e com volume, ambas possuem cachos largos, definidos
e longos. Ludmilla e Alexandra possuem texturas mais crespas, próximas ao chamado
black power, e pouco aparecem com o cabelo natural. Mesmo com uma maior
presença de texturas cacheadas e crespas nos espaços midiáticos, ainda se observa
um certo preterimento em relação às texturas muito crespas, que se aproximam do
aspecto black power. Tais elementos observados reforçam essas invisibilidades.
Com relação aos conteúdos compartilhados por elas, evidenciamos que
apenas Alexandra Loras se utiliza do perfil pessoal nas redes sociais como forma de
engajamento político acerca das questões raciais. As demais, costumam usar o
espaço na internet apenas como forma de dividir com sua audiência questões
pessoais sobre o cotidiano como atriz, cantora ou youtuber.
Por fim, mesmo não evidenciando, na maior parte das atuações midiáticas, um
engajamento na abordagem de questões sociais referentes a mulheres negras,
percebe-se que o compartilhamento das experiências de transição capilar trazem
visibilidade para temas como a estética negra e suas representações nos espaços
midiáticos, além de refletir também em como o cabelo se constitui enquanto marcador
importante nos sentidos de socialização de mulheres negras. Relatos presentes em
suas narrativas, como, por exemplo, o racismo sofrido na infância por terem um cabelo
distante do que era tido como belo, os processos de alisamento como um esforço em
se tornarem aceitas e a transição capilar entendida como uma forma de resgate de
suas identidades étnicas, são utilizados como estratégia para problematizar
elementos vinculados a modelos hegemônicos de aparência, reforçando a estética
como possibilidade de negociação de sentidos e o papel da mídia como lugar em que
emergem essas disputas, constituindo-se como arena do visível.
80 Possui uma forma mais achatada e larga, com as narinas grandes e arredondadas, com pouca projeção.
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