PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS
Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social
Pedro Henrique Vieira de Sousa
ESTRATÉGIAS E VOZES NARRATIVAS NAS TRANSMISSÕES ESPORTIVAS:
o futebol no rádio
Belo Horizonte
2013
Pedro Henrique Vieira de Sousa
ESTRATÉGIAS E VOZES NARRATIVAS NAS TRANSMISSÕES ESPORTIVAS:
o futebol no rádio
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-
Graduação em Comunicação Social da Pontifícia
Universidade Católica de Minas Gerais, como
requisito parcial para obtenção do título de Mestre
em Comunicação.
Orientador: Prof. Dr. Mozahir Salomão Bruck
Belo Horizonte
2013
FICHA CATALOGRÁFICA
Elaborada pela Biblioteca da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais
Sousa, Pedro Henrique Vieira de
S725e Estratégias e vozes narrativas nas transmissões esportivas: o futebol no rádio
/ Pedro Henrique Vieira de Sousa. Belo Horizonte, 2013.
125 f.
Orientador: Mozahir Salomão Bruck
Dissertação (Mestrado)- Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais.
Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social.
1. Rádio - História. 2. Futebol - Aspectos sociais. 3. Futebol - Torcedores. 4.
Locução no rádio. 5. Radiodifusão esportiva. 6. Árbitros de futebol. I. Bruck,
Mozahir Salomão. II. Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais.
Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social. III. Título.
CDU: 796.332
Pedro Henrique Vieira de Sousa
ESTRATÉGIAS E VOZES NARRATIVAS NAS TRANSMISSÕES ESPORTIVAS:
o futebol no rádio
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-
Graduação em Comunicação Social da Pontifícia
Universidade Católica de Minas Gerais, como
requisito parcial para obtenção do título de Mestre
em Comunicação.
______________________________________
Mozahir Salomão Bruck (Orientador) – PUC Minas
______________________________________
Sonia Virginia Moreira – UERJ
______________________________________
Márcio Serelle – PUC Minas
Belo Horizonte, 20 de março de 2013
AGRADECIMENTOS
Registro aqui a minha gratidão ao meu orientador, professor Mozahir Salomão Bruck,
por incontáveis considerações e por me ajudar a ter reflexões que foram fundamentais no
desenvolvendo da pesquisa.
Agradeço imensamente também à minha mãe Helena, sábia como poucos que conheci,
por sempre me apoiar e impulsionar a tomar muitas decisões em minha vida. Às minhas
irmãs, Carol, Mariana e Stefanny, por me ajudarem de várias formas.
À minha esposa Paloma, pelo incentivo e companheirismo. À minha filha Alice, pelos
momentos incríveis de descontração.
Um agradecimento especial também a todos do Mestrado, que, de alguma forma,
foram importantes. Aprendi com cada um. Agradeço as contribuições dos professores Júlio
Pinto, Maria Ângela Mattos e, principalmente, de Márcio Serelle, por me mostrar novas
perspectivas desde a fase do projeto. Registro aqui também o meu agradecimento a Sônia
Virginia Moreira, da UERJ, que muito contribuiu na qualificação desta pesquisa.
Serei sempre grato, primeiramente, a Jesus, que tanto sofreu por nós e que continua a
nos ajudar em cada etapa de nossa vida. Obrigado, Jesus, por me dar sabedoria. Ainda preciso
de muito mais.
Mas no rádio a tela é muito mais ampla.
Orson Welles
Certamente há mais coisas entre a chuteira e a
bola do que sonha a torcida (GUERRA, 2000).
RESUMO
Este estudo analisa as estratégias de linguagem e a plasticidade das Rádios Itatiaia e
Globo/CBN de Minas Gerais que fazem das transmissões radiofônicas de futebol um
espetáculo de entretenimento. A relação do futebol com o rádio é histórica. Um foi
fundamental para popularização e profissionalização do outro, sendo que ambos tiveram
sempre uma trajetória bem próxima. Para consolidar a audiência e se identificar com o
ouvinte, os narradores usam a estratégia de uma linguagem própria, com uma série de
bordões, metáforas, metonímias e hipérboles. Eles são apoiados por uma plasticidade (efeitos
e trilhas sonoros, músicas e som ambiente) que ajuda a transformar a jornada esportiva em um
verdadeiro espetáculo, um show de entretenimento. Mesmo com a chegada da televisão e o
fato de o torcedor ver o jogo no estádio, o rádio não perdeu espaço e consegue atrair milhares
de ouvintes que assistem às partidas de futebol ouvindo os jogos pelo rádio. Tal prática parece
se dar porque a emoção das transmissões radiofônicas de futebol superam a empolgação do
jogo em si, indo além da realidade com os exageros e parcialidade dos comunicadores.
Palavras-chave: Rádio. Futebol. Linguagem radiofônica. Narração esportiva.
ABSTRACT
This study analyzes the strategies and plasticity of language Radios Itatiaia and CBN/Globo
of Minas Gerais that make radio broadcasts of soccer an entertainment extravaganza. The
relationship of soccer with the radio is historical. One was instrumental in popularizing and
professionalizing the other, both of which have always had a trajectory very close. To
consolidate the hearing and identify with the listener, the narrators use the strategy of their
own language, with a series of slogans, metaphors, metonymy and hyperbole. They are
supported by a plasticity (tracks and sound effects, music and ambient sound) that helps
transform the journey into a real sporting spectacle, an entertainment show. Even with the
arrival of television and the fact that the fans see the game in the stadium, the radio did not
waste space and can attract thousands of listeners who watch football matches on the radio
listening to the games. This practice seems to do because the thrill of radio broadcasts of
football outweigh the excitement of the game itself, going beyond reality with the
exaggerations and partiality of communicators.
Keywords: Radio. Football. Language broadcast. Narration sports.
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ..................................................................................................................... 8
2 RÁDIO E FUTEBOL: PROCESSOS DE MIDIATIZAÇÃO E
ESPETACULARIZAÇÃO DE UM FENÔMENO CULTURAL E SOCIAL .................. 12
2.1 A relação histórica e de simbiose entre rádio e futebol ................................................. 12
2.2 Midiatização e espetacularização do futebol .................................................................. 21
2.3 As mudanças/atualizações dos contratos de leitura que o rádio mantém com o
ouvinte ..................................................................................................................................... 28
2.3.1 O comportamento interativo do ouvinte/torcedor/internauta como uma cláusula do
contrato de leitura .................................................................................................................. 34
2.4 Características narrativas da transmissão radiofônica de futebol .............................. 37
3 ESTRATÉGIAS NARRATIVAS NA CONSTRUÇÃO DAS TRANSMISSÕES
FUTEBOLÍSTICAS ............................................................................................................... 44
3.1 Composição dos elementos narrativos de uma jornada esportiva no rádio ................ 44
3.2 Estilos e modos narrativos das transmissões esportivas radiofônicas ......................... 46
3.2.1 Influência do rádio nos telespectadores ....................................................................... 52
3.3 A presença de estratégias lúdicas na composição narrativa ......................................... 57
3.4 O jogo, o drama e o herói: estratégias narrativas para envolver o ouvinte ................ 62
4 RÁDIOS ITATIAIA E GLOBO/CBN: A COBERTURA DO FUTEBOL EM MINAS
GERAIS ................................................................................................................................... 68
4.1 Metodologia e categorização ............................................................................................ 68
4.1.1 Categorias de observação e corpus para análise ........................................................... 70
4.2 As Rádios Globo/CBN e Itatiaia ...................................................................................... 72
4.3 A cobertura esportiva das Rádios Itatiaia e Globo/CBN .............................................. 79
4.4 Análise das estratégias narrativas usadas pelas equipes de esporte das Rádios
Globo/CBN e Rádio Itatiaia. O espetáculo de entretenimento nas irradiações. ............... 87
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................ 116
REFERÊNCIAS ................................................................................................................... 119
8
1 INTRODUÇÃO
Este estudo analisa as transmissões radiofônicas de futebol abordando as estratégias
discursivas e modos de fala dos narradores durante uma jornada esportiva – programação que
envolve o pré e o pós-jogo com debates, entrevistas, participação do ouvinte e informações
sobre os times que vão se enfrentar e a partida de futebol em si com a descrição do enunciador
principal. O objetivo é discutir os diversos conceitos e noções que perpassam o tema,
assinalando os elementos e processos narrativos mobilizados em transmissões radiofônicas de
futebol tomando como referência as emissoras de rádio de Minas Gerais: Rádios Globo/CBN,
do Sistema Globo de Rádio, e Rádio Itatiaia, da Rede Itasat, a partir das estratégias usadas
pelas equipes de esporte que fazem da transmissão do jogo de futebol um grande espetáculo
narrativo.
Em síntese, pergunta-se: como e em que circunstâncias se instituem os processos
narrativos mobilizados nas transmissões radiofônicas de futebol que fazem da irradiação do
jogo um espetáculo narrativo? Justifica-se o estudo porque ele analisa, sob diversos aspectos,
as circunstâncias que fazem com que os narradores criem uma linguagem própria para passar
mais emoção à jornada esportiva pelo rádio do que o próprio jogo de futebol em si e, mesmo
com a opção de vários torcedores verem a partida pela televisão ou no estádio, eles escolhem
ouvir o jogo ao vivo no rádio.
Futebol e rádio têm uma relação histórica. A evolução – leia-se aqui popularização e
profissionalização – de ambos acontece praticamente na mesma época e um foi fundamental
para consolidação do outro. As transmissões radiofônicas de futebol foram úteis para esse
esporte, que começou a ganhar a admiração dos brasileiros, deixou de ser essencialmente
elitista e racista e se tornou, posteriormente, o esporte preferido da população, dos meios de
comunicação e das grandes empresas que investem alto para estampar suas marcas nos
uniformes dos clubes e na mídia. Tem sido uma troca. O futebol também contribuiu muito
para a popularização do rádio. Já há algumas décadas, o esporte ocupa grande parte da
programação das emissoras que transmitem os jogos de futebol, atrai audiência e
patrocinadores, e é nesse gênero que se concentra a maior concorrência entre as rádios.
Diante dessa concorrência com outras emissoras e até mesmo com a televisão, os
narradores optaram por seguir mais o estilo da escola conotativa – narração metaforizada e
carregada de bordões –, transformando a jornada esportiva em um verdadeiro espetáculo. Os
narradores usam velocidade, agilidade e vibração na descrição dos lances e uma linguagem
própria com diversos bordões, metáforas, metonímias e hipérboles para criar uma identidade
9
com o ouvinte. O objetivo é passar emoção ao público, dramatizando a transmissão da partida
de futebol, mesmo quando o jogo em si está com um nível técnico ruim e sem empolgar o
torcedor. No começo das transmissões radiofônicas de futebol, o estilo da escola denotativa
era mais utilizado, já que os narradores eram mais descritivos, narrando a partida lance a
lance, com muita velocidade – característica ainda predominante – e poucas figuras de
linguagem para ilustrar a jornada esportiva, filmando o jogo oralmente, sendo fiel à descrição
das jogadas.
No entanto, tal estratégia foi perdendo espaço para o estilo que prioriza o espetáculo e
a emoção. Assim, as transmissões esportivas no rádio passam a ter um caráter lúdico, com os
profissionais cada vez mais bairristas (parciais), levando a ideia de confrontação, explorando
a dramaticidade, o que torna uma partida de futebol, no rádio, um show de entretenimento, já
que o seu fim é este.
Além das estratégias de linguagem usadas pelos narradores esportivos, a plasticidade
composta por uma série de vinhetas, músicas e som ambiente, como as manifestações das
torcidas, é utilizada para envolver ainda mais o ouvinte. Muitos torcedores, ainda hoje, com a
possibilidade de ver o jogo no estádio ou pela televisão, preferem ouvir o jogo no rádio
assistindo à partida, já que a emoção passada pelo rádio supera a da narração da TV, visto que
o narrador radiofônico exagera na descrição dos lances, superando a realidade, transformando
a narração em grandes espetáculos com o objetivo de despertar o imaginário do ouvinte
(SOARES, 1994).
Neste estudo, a dissertação está dividida em três capítulos após a Introdução. No
primeiro, é apresentada a história do futebol e do rádio no Brasil, especialmente em Minas
Gerais, com o objetivo de mostrar a relação de simbiose entre o esporte e o veículo e como a
Copa do Mundo de 1950 – e a decepção gerada com aquele Mundial no Brasil –, foi
importante para consolidação do futebol como o esporte mais praticado no país se
transformando em um evento midiático, social e cultural no país. Foi também o momento de
afirmação do rádio, que, naquela época, já “fazia parte da realidade cotidiana do brasileiro”, o
influenciando e já se tornado “uma porta prioritária de acesso às informações do cotidiano, ao
mundo da política e as notícias internacionais, especialmente os desdobramentos da 2ª Guerra
Mundial” (BRUCK, 2012, p.30).
Ainda no capítulo inicial, os processos de espetacularização e midiatização são
analisados para apresentar o espetáculo do futebol durante as transmissões do esporte no
rádio. Sustentado em autores como Katz (1993), Botelho (2006) e Kellner (2006), são
estudados elementos como os eventos midiáticos que se estabelecem na emocionalidade do
10
acontecimento, a midiatização com as novas tecnologias e o entretenimento como principal
produto oferecido pela cultura da mídia que é a base da espetacularização. Ainda nesse
subcapítulo, é apresentada também a definição de entretenimento segundo Gabler (1998).
A fidelização do contrato de leitura é discutida em seguida. As cláusulas que firmam o
vínculo entre emissor e receptor e as consequências de uma alteração radical deste contrato
são analisadas levando em consideração as teorias de Verón (2004), Fausto Neto (2007) e
Bruck (2003). No fechamento do primeiro capítulo, as características narrativas de uma
transmissão radiofônica de futebol são discutidas a partir das visões do autor deste estudo e de
teóricos como Meditsch (2001), Abreu (2001), Soengas (2003), Luhmann (2005), Soares
(1994) e Guerra (2000). Questões sobre os recursos que estimulam o imaginário do ouvinte,
os fatores que permitem o rádio suprir a ausência de imagem, o envolvimento do ouvinte
durante as transmissões, as maneiras de o veículo expressar a realidade, o som, o tom, a
impostação da voz, as imagens auditivas, o entretenimento e a linguagem própria do rádio são
discutidas.
As estratégias narrativas na construção das transmissões futebolísticas são os assuntos
do capítulo seguinte. No início, os elementos narrativos que compõem uma jornada esportiva
no rádio são discutidos. Entre eles, estão os temas como a constituição da plasticidade nas
emissoras (sonoplastia), a programação de uma transmissão radiofônica do esporte e as
estratégias que “seguram” o ouvinte como os efeitos sonoros (vinhetas) e as músicas, além
das características preliminares das emissoras mineiras analisadas por este estudo: Rádios
Globo, CBN e Itatiaia.
Esse capítulo aborda também os estilos e modos narrativos das transmissões esportivas
radiofônicas. São analisadas as duas escolas que caracterizam os narradores de futebol no
rádio: a escola denotativa e a escola conotativa. A história, a consolidação e os principais
seguidores das duas escolas são apresentados e as estratégias de ambas discutidas. Autores
como Soares (1994) e Abreu (2001) trabalham o tema e são citados neste estudo.
Ainda nesse capítulo, a presença de estratégias lúdicas na composição narrativa é
discutida, já que se encontra esse ambiente entre os seguidores da escola conotativa diante das
estratégias usadas por narradores que optaram por esse estilo. Questões que explicam a
presença do lúdico nas jornadas esportivas são apresentadas, como exagero, espetáculo da
transmissão maior que o jogo em si e a parcialidade dos profissionais que trabalham no rádio,
transmitindo o jogo de futebol como se fosse um combate mostrando o “bem” (time da região
da emissora) contra o “mal” (time de fora). Teorias de Jost (2007), Nunes (1993) e Antón
(2005) são apresentadas para sustentar a análise.
11
No final do capítulo, são abordadas as estratégias discursivas: a forma de descrição
dos lances dos jogos de futebol pelo narrador do rádio, a construção do herói/vilão pelo
comunicador, a influência das opiniões dos jornalistas esportivos, os estilos de comentaristas
de futebol e a influência dos comunicadores na identificação de clubes e jogadores.
A análise de conteúdo, segundo Bardin (1977), norteia as reflexões sobre o objeto
empírico. Nesta dissertação, procedemos a análise das transmissões esportivas no último
capítulo antes das Considerações Finais. Valendo-se desta opção metodológica e com as
categorias de perspectivação que elegemos, o estudo procurou, além de apresentar as
emissoras e suas histórias, identificar seus perfis, analisar como se dão as coberturas
esportivas pelas Rádios Itatiaia, Globo e CBN, com ênfase na análise dos modos de locução e
sonoplastia das emissoras. Procurou observar, ainda, o lugar destinado ao ouvinte, como se
encontram o ambiente lúdico e entretenimento predominante nas jornadas esportivas e a auto-
referencialidade que é feita constantemente pelas emissoras, em forma de vinhetas e músicas,
e pelos locutores, com frases de efeito.
12
2 RÁDIO E FUTEBOL: PROCESSOS DE MIDIATIZAÇÃO E
ESPETACULARIZAÇÃO DE UM FENÔMENO CULTURAL E SOCIAL
Neste capítulo, apresentamos um resgate histórico tanto dos processos que levaram ao
surgimento e desenvolvimento do futebol no Brasil como do rádio que, a partir da década de
1930, começa a se firmar como meio de comunicação de massa com o alcance das ondas
médias (rádio AM). Apesar de, cronologicamente, o rádio ser posterior ao futebol, foi apenas
a partir da popularização desta que foi a primeira mídia eletrônica, que o futebol também se
tornou uma paixão do brasileiro e um dos mais importantes fenômenos sócio-culturais do
País. Para tanto, desenvolvemos também reflexões sobre conceitos como midiatização e
espetacularização do futebol, analisando as maneiras que as emissoras de rádio mantêm,
mudam e/ou atualizam o contrato de leitura com o ouvinte, o envolvimento do público
durante as transmissões e destacando as características narrativas das coberturas radiofônicas
de futebol.
2.1 A relação histórica e de simbiose entre rádio e futebol
(...) confrontavam-se Railway Team e Gas Team, quando huma
pellota imprensada entre dous athletas subiu aos céus e foi
cahir às mãos de hum assistente. D’improviso, o cidadão
seqüestrou a pellota. Metteu-a sob o braço e escafedeu-se no
matagal, perseguido por dezenas de crioulos. Foi alcançado ao
cabo de meia hora, às margens do rio Ypiranga. E celebrou-se
alli, em terreno pedroso e cascalhudo, o primeiro jogo de bola
entre brasileiros, com cincoenta actuantes e nenhum goal-
keeper (CHICO BUARQUE apud WISNIK, 2008, p. 219).
Rádio e futebol estabeleceram uma relação estreita desde a década de 1930. O esporte
chegou ao Brasil em 1894, trazido pelo brasileiro Charles Miller que, depois de uma viagem à
Inglaterra, país que deu origem ao esporte na segunda metade do século XIX, trouxe um par
de chuteiras, bolas e um livro de regras. O futebol despertou o interesse dos brasileiros desde
sua chegada ao Brasil. O excerto da crônica de Chico Buarque citado acima mostra como o
futebol foi capaz de fascinar até os mais excluídos em um jogo entre dois times britânicos em
solo brasileiro em 1895, um ano após a chegada do esporte ao Brasil.
Oficialmente, a primeira partida de futebol em terras brasileiras com as regras do jogo
aconteceu no dia 15 de abril de 1895, em São Paulo, na Várzea do Carmo, entre duas equipes
formadas por funcionários de empresas inglesas instaladas no Brasil (SOARES, 1994).
13
No começo, somente ricos e brancos tinham acesso ao futebol. Os escravos foram
libertados apenas seis anos antes da chegada do esporte ao país, em 1888. As proibições e o
estilo elitista nessa prática esportiva começaram a diminuir em 1923, quando o negro
começou a ter espaço no futebol. O Vasco da Gama, do Rio de Janeiro, foi um dos primeiros
clubes a aceitar negros e mestiços com as mais diversas profissões, tais como pintores de
parede e motoristas, em seu elenco. Também foi um dos primeiros a conceder alojamentos,
alimento e salário por dedicação exclusiva dos atletas, indo contra a lei do amadorismo.
Naquele mesmo ano, em 1923, o Vasco foi campeão carioca, mas, no ano seguinte, foi
excluído da competição pelos rivais pela adoção das práticas mencionadas. No entanto, de
acordo com Botelho (2006), rapidamente o clube voltou às disputas e sua estratégia foi
fundamental para a inserção do negro no esporte e também para a profissionalização do
futebol que aconteceria a partir de 1933.
O primeiro mestiço a se destacar e se tornar um jogador talentoso no Brasil foi Arthur
Friedenreich, filho de um comerciante alemão e de uma lavadeira brasileira. O atleta foi
destaque em clubes como o Flamengo e São Paulo com muitos gols marcados. O atacante,
proibido de jogar pelo presidente Epitácio Pessoa em uma competição na Argentina, em 1921,
para que os brasileiros não fossem chamados de “macaquitos”, se disfarçava no Brasil como
não-mulato amaciando o cabelo e usando pó-de-arroz espalhado pela pele, assim como já
tinha feito o mulato Carlos Alberto para jogar no Fluminense. Depois de Friedenreich,
Leônidas da Silva e Domingos da Guia encantaram o planeta nas Copas do Mundo de 1934 e
38. Em seguida, vieram Pelé e Garrincha com um futebol que deu à seleção brasileira o
primeiro título do Mundial de 1958. Mário Filho (2003, p.341) chegou a afirmar que Pelé,
naquela Copa do Mundo, completa “a obra da princesa Isabel”, que aboliu a escravatura no
Brasil em 1888 com a Lei Áurea.
Com a consolidação do negro no futebol brasileiro, o esporte no Brasil ficou marcado
pela miscigenação, uma mistura de raças que fez do país uma referência nessa prática
esportiva onde se destacam brancos e negros. Mas Soares (1998) afirma que o futebol se
tornou uma cultura quando o afrodescendente foi incorporado. Helal (2011, p.29) cita
Gilberto Freyre, que “louva a miscigenação racial e afirma que ela funda certo estilo de jogo
que seria típico do Brasil – uma ‘dança dionisíaca’, o que tempos depois se convencionou
chamar de ‘futebol-arte’”. O futebol brasileiro ficou marcado, então, pela alegria, habilidade
e ginga dos atletas com a bola nos pés, representações da “raça negra”, segundo Abrahão e
Soares (2011).
14
Dentro do futebol, pelo menos oficialmente, pode-se afirmar que, no Brasil, hoje, os
casos de racismo contra jogadores são mais raros. No entanto, atletas negros, muitos deles
brasileiros, que atuam em equipes de países europeus, sofrem situações de constrangimento e
discriminação. Como exemplo, podemos citar dois casos que chamaram a atenção da mídia no
ano de 2011: um torcedor russo jogou uma banana em direção ao jogador Roberto Carlos e o
atleta Gilberto Silva sofreu com cânticos racistas de uma torcida adversária quando jogava na
Grécia1.
Já o rádio chegou ao Brasil em 1922. A primeira transmissão radiofônica no país foi
no dia 7 de setembro daquele ano com a transmissão do discurso do presidente Epitácio
Pessoa. No dia 20 de abril de 1923, a Rádio Sociedade do Rio de Janeiro foi inaugurada como
a primeira emissora de rádio do Brasil. Passados dois anos, a Rádio Educadora de São Paulo
transmitiu, em uma tarde de domingo, “os resultados dos jogos de futebol da ‘capital, do
interior e do estrangeiro’” (PIRES, 2010, p.15). Mas foi somente no dia 19 de julho de 1931,
que o narrador Nicolau Tuma irradiou, direto do estádio, a primeira partida de futebol
disputada entre as seleções de São Paulo e Paraná pela Rádio Sociedade Educadora Paulista.
O narrador narrou lance por lance, deu o panorama do jogo e usou uma estratégia para
despertar o imaginário do ouvinte, usada, de maneira semelhante, por muitos profissionais até
nos dias de hoje.
(...) Nicolau Tuma pede ao ouvinte para tentar pensar num retângulo na sua frente ou
então pegar uma caixa de fósforos e visualizar o campo, onde vai começar a partida
entre as duas seleções. “Do lado direito estão os paulistas e, do lado esquerdo, estão
os paranaenses”, orienta o locutor. (SOARES, 1994, p.30).
Naquela época, várias emissoras também começaram a transmitir os jogos e, ao longo
dos anos, o rádio esportivo tornou-se um fenômeno de comunicação de massa, sendo
essencial para a transformação do futebol em esporte de massa, que se tornou um importante
elemento tanto da programação radiofônica quanto da ampliação de sua audiência (SOARES,
1994).
Em Minas Gerais, a primeira emissora a entrar no ar foi a Rádio Mineira, em
novembro de 1929, de maneira experimental e clandestina, já que não tinha a concessão do
governo federal, segundo Martins (1999). A emissora foi inaugurada oficialmente em
fevereiro de 1931. Cinco anos depois, foram fundadas outras duas emissoras atuantes até hoje:
1 Informações disponíveis nos sites: <http://globoesporte.globo.com/futebol/futebol-internacional/futebol-
russo/noticia/2011/06/torcedores-russos-voltam-atirar-bananas-em-roberto-carlos.html> e
<http://globoesporte.globo.com/futebol/futebol-internacional/noticia/2011/01/gilberto-silva-reclama-de-racismo-
em-vitoria-do-panathinaikos-na-grecia.html>. Acesso: 08 ago. 2012.
15
Rádio Guarani e Rádio Inconfidência, esta última pertencente ao governo. A primeira
transmissão de um jogo de futebol em Minas Gerais aconteceu em 1940. O poeta Bueno de
Rivera transmitiu a partida entre Atlético e Villa Nova. No começo, as radionovelas e os
programas humorísticos e musicais eram os principais gêneros das emissoras. Em julho de
1951, surgiu a Rádio Itatiaia, criada pelo jovem jornalista Januário Carneiro. A emissora
começou a transmitir os jogos de futebol dois anos depois. Logo em seguida, a Rádio Itatiaia
daria início às transmissões esportivas internacionais. Em 1957, Jaime Rigueira narrou, de
Montevidéu, a partida entre Atlético e Seleção do Uruguai. Dois anos depois, de acordo com
Carvalho e Martins (1992), Januário Carneiro, Osvaldo Faria e Valdir Rodrigues
transmitiram, direto de Buenos Aires, o jogo entre Brasil e Peru pelo Campeonato Sul-
americano de Futebol.
Muitas das práticas do rádio esportivo mostraram-se inovadoras e serviu de exemplo
para a atuação do próprio radiojornalismo. A estruturação do departamento de esportes,
reportagens externas, uso de gravadores, a criação do âncora (apresentador), enfim, o rádio
esportivo foi ágil e contribuiu até mesmo para o aperfeiçoamento da linguagem radiofônica.
O rádio esportivo, que até 1931 praticamente sobrevivia às custas da mídia impressa,
se antecipou na criação de uma linguagem mais leve, espontânea, dinâmica e
vibrante. A explicação é simples: a primeira transmissão de futebol lance por lance
pelo rádio, por Nicolau Tuma, foi de improviso, ele não estava preso ao texto. Além
de o rádio esportivo ter descoberto primeiro uma linguagem adequada para o meio, a
transmissão de futebol fez com que o segmento se desenvolvesse muito mais
rapidamente do que o radiojornalismo. (SOARES, 1994, p.103-104).
No começo do radiojornalismo, as notícias eram passadas através da leitura de jornais.
Muitas vezes os locutores cometiam erros, lendo “como mostra a foto ao lado” e outros
trechos totalmente fora da linguagem radiofônica. Soares assinala que o radiojornalismo
pecava por usar texto da mídia impressa e assim “ignorar que a linguagem do rádio tem regras
próprias” como “simplicidade, frases enxutas e corretas, exatidão, sem temer a repetição, que
reforça a comunicação oral” (PORCHAT apud SOARES, 1994, p.104).
A profissionalização de jogador de futebol ocorreu na mesma época em que as rádios
iniciaram as transmissões dos jogos de futebol e quando a publicidade foi regulamentada e
começou a ser inserida nessa mídia (1932). A Rádio Nacional do Rio de Janeiro fez algo
inédito pouco tempo depois, dando um importante passo para “profissionalizar o rádio”. Fez
os primeiros contratos com os seus profissionais, sendo pioneira no pagamento de salário.
Antes, o acordo era em forma de cachê. Tal prática também pode ser considerada mais uma
relação do rádio com o futebol, que tinha métodos semelhantes antes da profissionalização.
16
Considerado uma das poucas culturas globais, o futebol é um dos esportes mais
praticados do mundo e que atrai as grandes empresas que investem alto para estamparem suas
marcas nos uniformes dos clubes e nos veículos de comunicação que transmitem ou noticiam
o esporte. A FIFA, entidade que comanda o futebol mundial, conta com mais afiliados que a
ONU, por exemplo, segundo Botelho (2006).
No entanto, o futebol demorou um pouco para se consolidar como o esporte preferido
dos brasileiros porque não teve a atenção da mídia. Em agosto de 1900, foi realizado o
primeiro jogo interestadual. Paulistas e cariocas se enfrentaram no Rio de Janeiro, numa
iniciativa de Oscar Cox, um dos pioneiros do futebol carioca. Mas os jornais da época não se
interessaram pelo acontecimento, como contou Charles Miller ao jornalista Tomás Mazzoni:
Calculem os senhores que quando efetuamos o primeiro jogo interestadual solicitei
os jornais de então que dessem curso à notícia do prélio realizado. Pois a resposta de
O Estado de S. Paulo, A Platéia e Diário Popular foi uma só: “Não nos interessa
semelhante assunto”. (WITTER apud SOARES, 1994, p. 23).
Na primeira década do século XX, o espaço destinado ao esporte na imprensa escrita
era bastante tímido. No início, o remo e o turfe foram as primeiras modalidades esportivas que
figuravam nas páginas dos jornais cariocas. Aos poucos, o futebol começou a ganhar espaço,
mas no início havia pouca referência ao esporte, especialmente, do jogo em si. Na cobertura
do futebol, o noticiário destacava mais os aspectos do entorno social, ou seja, como que as
pessoas iam vestidas ao estádio, já que somente a elite tinha acesso aos jogos naquela época.
Mas o futebol foi se popularizando aos poucos e a imprensa incrementou a linguagem, dando
mais detalhes sobre o jogo de futebol. A cobertura do esporte ficou mais forte e em 1917 foi
criada a Associação de Cronistas Esportivos, que chegou a organizar várias competições
(BOTELHO, 2006). Tal fato aconteceu três anos depois da fundação da CBD, Confederação
Brasileira dos Desportos, que passou a administrar o futebol.
Esse esporte conquistou rapidamente os brasileiros e vários clubes foram fundados no
início do século XX. Monteiro Lobato, em 1905, publicou um artigo sobre o futebol no jornal
O Povo, dizendo que do dia para a noite surgiram mais de 250 clubes (SOARES, 1994). Em
Minas Gerais, registros apontam que os primeiros clubes de futebol surgiram naquela mesma
época2.
2 Os livros Enciclopédia do Clube Atlético Mineiro, de Adelchi Leonello Ziller (1997), e Álbum de Ouro do
Clube Atlético Mineiro, sem autor (1967), apontam que os primeiros clubes de futebol fundados em Minas
Gerais foram o Sport Clube Futebol, em 1904, o Atlético Mineiro Futebol Clube (hoje Clube Atlético Mineiro) e
o Villa Nova Atlético Clube, ambos em 1908. Além do Minas Gerais Futebol Clube.
17
Em 1938, o narrador Gagliano Neto transmitiu pela primeira vez a Copa do Mundo de
futebol, disputada na França. Segundo Pires (2010, p.16), foi naquele ano que o rádio e o
esporte começaram uma “parceria feliz, o casamento das duas paixões nacionais (...). Graças à
transmissão dos jogos, o selecionado brasileiro ganhou status e uma importância na cena
nacional nunca antes vista no país”. A seleção brasileira, do atacante Leônidas da Silva,
destaque e artilheiro daquele Mundial, foi eliminada na semifinal da competição para a
seleção da Itália, que foi a campeã.
Na década de 1930, quando o rádio deu início às transmissões esportivas, o futebol
começou a conquistar a admiração dos brasileiros, mas foi a partir de 1950, quando a Copa do
Mundo foi disputada no Brasil, que o esporte se consolidou como o mais praticado no país e
se transformou em evento midiático, social e cultural no País.
Pode-se afirmar que o futebol, no Brasil, a partir da Copa de 1950, transformou-se
de evento essencialmente social em evento midiático. Teria sido, assim, a Copa do
Mundo um marco importante da midiatização eletrônica e massiva do futebol.
Afinal, pela primeira vez um evento em terras brasileiras agendava a atenção
nacional e internacional. Além disso, o desejo de acompanhar de perto todos os
passos da seleção brasileira (deslocamentos, treinos, detalhes da preparação etc.) e
os jogos e curiosidades das outras doze seleções participantes da Copa fizeram com
que o País se ligasse em tempo integral no rádio (BRUCK, 2012, p.31).
A evolução da mídia, especialmente do rádio, aconteceu no mesmo período em que o
futebol começou a conquistar a admiração dos torcedores. Um foi fundamental para a
consolidação e popularização do outro.
Responsável pela vulgarização do futebol, o gênero aproveitou os anos dourados do
rádio (entre as décadas de 40 e 50) e manteve uma grande popularidade em
consequência da época de ouro do futebol brasileiro (de 1950 a meados dos anos
70), num processo em que todos foram beneficiados (SOARES, 1994, p.105).
Em 1950, segundo Bruck (2012, p.30), “o rádio já fazia parte da realidade cotidiana do
brasileiro”, o influenciando e já se tornado “uma porta prioritária de acesso às informações do
cotidiano, ao mundo da política e as notícias internacionais, especialmente os desdobramentos
da 2ª Guerra Mundial”. Bruck afirma que a Copa do Mundo no Brasil aconteceu no momento
em que a radiodifusão brasileira vivia sua época de ouro e que o Mundial foi muito
importante para o rádio, “especialmente para a programação esportiva nas emissoras
brasileiras”, como explica o jornalista Teixeira Heizer, autor do livro Maracanazo (2010), em
entrevista a Bruck:
18
Emissoras que até então praticamente não davam atenção ao esporte, passaram a
cobri-lo e naquelas emissoras que já faziam esse tipo de transmissão, houve, a partir
da Copa, uma melhor qualificação para as coberturas de jogos e mesmo certo
refinamento para a programação esportiva (HEIZER apud BRUCK, 2012, p.35).
Nessa mesma entrevista, Heizer afirmou que as condições técnicas eram extremamente
precárias para o trabalho dos radialistas, sem muitas linhas de transmissão, com cabines
pequenas e a grande quantidade de fios embolados no gramado. Heizer afirmou que a Rádio
Continental conseguiu fazer as transmissões sem fio, com aparelhos portáteis, material
deixado pelos norte-americanos no nordeste brasileiro após a 2ª Guerra Mundial.
Luiz Mendes, narrador da Rádio Globo na Copa do Mundo de 1950, confirmou, em
sua biografia escrita por Pires (2010), que a estrutura das emissoras da época era limitada.
Segundo Mendes, as rádios tinham repórteres nos estádios que informavam o que acontecia
de mais importante em determinada partida. Mas o processo de conexão era demorado,
chegava a durar até dez minutos, já que o repórter tinha que ligar para a cabine onde ocorria a
transmissão do jogo principal usando um telefone magneto que não tinha teclas. Era preciso
girar a manivela duas ou três vezes, esperar a ligação chegar a uma central e depois pedir a
uma telefonista que discasse o número desejado.
A Rádio Globo, na época, de acordo com Luiz Mendes, inovou na cobertura da Copa
do Mundo de 1950, colocando
linhas de transmissão e um locutor ou um repórter em cada estádio onde estava
ocorrendo uma partida da Copa do Mundo. Com isso, se o jogo principal perdesse o
interesse, passava-se a narração para o locutor do jogo mais disputado e a
transmissão seguia. (...) O presidente das Organizações Globo [Roberto Marinho],
com seu prestígio, conseguiu com o Governo Federal um transmissor que enviava o
som da Rádio Globo para todo o Brasil. Assim, nossos locutores que estavam em
São Paulo, Belo Horizonte, Porto Alegre, Curitiba e Recife [as outras sedes da Copa
de 1950, além do Rio de Janeiro] conseguiam ouvir minha transmissão pelo rádio e
podiam me chamar a hora que quisessem e em cima do lance, sem ter a necessidade
de solicitar uma ligação à telefonista através do magneto. Com esses recursos, a
Rádio Globo fez um serviço inovador para aquele tempo e acabou até sendo
premiada (PIRES, 2010, p.51).
Naquela época, em 1950, o futebol ainda não era a paixão nacional que se tornaria
posteriormente, não era popularizado, mas já chamava a atenção do público, ganhava
simpatia, mesmo com os jornais daquele tempo, entre eles o Correio da Manhã e o Jornal do
Brasil, dando “tratamento distanciado à Copa de 1950 em vários momentos da competição”
(SOUTO, 2001, p.7). O autor conta que outros assuntos tiveram mais destaque, como o apoio
de um grupo de professores ao candidato à presidência da República, o brigadeiro Eduardo
Gomes, e a participação dos Estados Unidos na Guerra da Coreia. Mas as grandes atuações da
19
seleção brasileira chamaram a atenção durante o Mundial, atraindo os torcedores, e a
imprensa teve que destacar o evento. Souto (2001, p.7) lembra que o apelo da população fez o
Jornal do Brasil, no dia 16 de julho de 1950, relatar que “toda a energia brasileira, toda a
vibração do nosso povo, todo o nosso ardor patriótico se deslocou para o estádio ou se contém
aos pulos em frente aos aparelhos de rádio... acompanhando a disputa sensacional”.
Na Copa do Mundo de 1950, a seleção brasileira venceu o México por 4 a 0, derrotou
a Iugoslávia por 2 a 0 e empatou em 2 a 2 com a Suíça na primeira fase. O Mundial daquele
ano não teve uma final, sim um quadrangular que definiria o campeão em uma disputa de
pontos corridos. O Brasil continuou impecável. Goleou a Suécia por 7 a 1 e fez 6 a 1 na
Espanha. Invicto e com quatro vitórias em cinco jogos, 21 gols marcados e apenas quatro
sofridos, o Brasil chegou ao último jogo contra o Uruguai como campeão aos olhos do
mundo. O povo já gritava “é campeão” nas ruas do país. “A conquista era dada como coisa
tão certa que, antes do fim do jogo, os jornais já circulavam com a foto da seleção brasileira
como campeã do mundo (...). No fim, esse clima de ‘já ganhou’ acabou fazendo a seleção
perder o foco, o jogo e o título”, afirmou Luiz Mendes (PIRES, 2010, p.52-53).
Parecia que nem precisava jogar. Este foi o problema. O estádio Maracanã, construído
no Rio de Janeiro, então capital do país, especialmente para a Copa do Mundo de 1950, ficou
superlotado com mais de 200 mil torcedores, “já que o público quebrara as roletas e invadira o
estádio”, segundo Luiz Mendes. Com um aproveitamento melhor que o do Uruguai, que tinha
empatado com a Espanha e derrotado a Suécia no quadrangular final, a seleção brasileira
precisava somente de um empate para ser campeã. O primeiro tempo terminou 0 a 0. Logo no
início da etapa final, Friaça marcou para o Brasil. O título ficara ainda mais perto. Mas
Shiaffino empatou e depois Ghiggia fez o segundo gol para o Uruguai, em uma falha do
lateral Bigode e do goleiro Barbosa, este eternizado como o ‘vilão nacional’. Ghiggia “teve o
poder de produzir o mais perturbador silêncio da história do futebol brasileiro” (SOUTO,
2001, p.8). Luiz Mendes lembrou que de vez em quando o barulho do silêncio era ‘calado’
por um soluço ou um choro compulsivo. O narrador lembra que um sargento da Marinha teve
um infarto e morreu quando ele narrou o segundo gol do Uruguai em nove inflexões
diferentes:
Ghiggia driblou Bigode, Bigode caiu, tentou um carrinho, Ghiggia o ultrapassou
assim mesmo, se aproxima da linha de fundo, chuta Ghiggia, gol do Uruguai. Gol do
Uruguai. Gol do Uruguai?... Gol do Uruguai, senhores! Gol do Uruguai!... Gol do
Uruguai (PIRES, 2010, p. 53).
20
Luiz Mendes definiu a derrota do Brasil para o Uruguai na Copa do Mundo de 1950
como a maior tragédia do futebol brasileiro. O narrador Pedro Luís, que narrou o jogo pela
Rádio Panamericana, expôs, de improviso e ao vivo – características que marcam o rádio –, o
sentimento dramático e doloroso do brasileiro com aquela derrota.
A surpresa final do Campeonato do Mundo!
Os uruguaios, campeões de 1930, ficam de posse do título de 1950. Depois da mais
brilhante campanha cumprida pela seleção do Brasil, no final do certame da Copa
Jules Rimet.
Parece mentira aquilo que estamos vendo! Quando tudo era favorável, quando tudo
estava do nosso lado, quando o nosso time acertou, quando exibiu um futebol para
todo o mundo no Maracanã, quando ninguém no mundo tinha dúvida da vitória, eis
que o Uruguai, lutando com fibra, lutando com denodo, lutando com confiança,
levanta o título de campeão do mundo de 1950.
Depois de uma festa grandiosa e espetacular, que chamou a atenção de todos os
brasileiros para o Maracanã, a nossa equipe não acerta sua partida, não acerta o
ritmo do seu jogo. Vence a meta do Uruguai. Parecia aberto o caminho da vitória.
Cede o empate. E depois pressiona o Uruguai, desempata a partida.
Nós pressionamos, lutamos, caímos em campo, e não conseguimos. São coisas do
futebol. Os uruguaios mereceram a vitória na tarde de hoje. Sejamos justos para com
eles. É verdade que eles ocasionaram para nós, para nós que vivemos dentro do
futebol, para aqueles que vivem fora do futebol, a maior dor que um coração
esportista brasileiro poderia sentir neste instante de amargura, quando esperávamos
a festa, quando nos preparávamos para a alegria, não chegamos para as lágrimas e
para as emoções doídas que nos tomam conta da alma, que nos colocam em
desespero. Porque aquele prêmio a que o Brasil fez jus lhe foge das mãos à última
hora! E seus adversários o conquistaram num desafio a tudo e a todos, vencendo
todos os obstáculos, e agora se transformando em lágrimas, desesperados dentro da
emoção da vitória, nem contentamento transbordante que não era esperado, mas que
foi traduzido por 90 minutos de futebol, onde se ganha uma partida, onde se fazem
gols (SOARES, 1994, p.66).
Em entrevista a Soares (1994, p.66-67), Pedro Luís disse que realmente foi tudo de
improviso: “Foi pensar em voz alta. Quando você pensa em voz alta, diz o que sente e
transmite com convicção”. O vídeo com a derrota da seleção brasileira na final da Copa do
Mundo de 1950 exibido no Museu do Futebol3, em São Paulo, termina com um trecho de um
poema de Vinícius de Moraes (1960): “(...) da morte, apenas nascemos, imensamente”. A
partir da derrota trágica de 1950, o Brasil rapidamente se consolidou como o país do futebol e,
segundo Pasolini, citado por Wisnik (2008), se tornou uma potência mundial com um jogo em
forma de poesia, com dribles e encantos. A seleção brasileira foi a única que disputou todas as
Copas do Mundo até hoje e é a maior vencedora do Mundial com cinco títulos.
Bruck (2012, p.36-37) enumera algumas questões que explicam o fato de a Copa do
Mundo de 1950 ter sido, “para o futebol brasileiro, o batismo de sangue da era midiática”.
3 O autor assistiu ao vídeo em uma visita ao Museu do Futebol, no estádio Pacaembu, em São Paulo, no dia 03
de julho de 2011.
21
Entre elas estão o fato de o Brasil ter sediado o primeiro Mundial; ter sido “a primeira Copa
do Mundo depois do redesenho do mundo após a 2ª Guerra; a euforia tomava conta do País
que sonhava com a conquista”, e o fato de ser “a primeira Copa do Mundo disputada na
efervescência da mídia eletrônica (o rádio), então verdadeiramente massiva e sob a novidade
da chegada da televisão”.
2.2 Midiatização e espetacularização do futebol
Pode-se afirmar que os grandes jogos de futebol são um evento midiático porque os
veículos formam uma considerável audiência atraindo milhares de torcedores e espectadores,
além de empresas que investem muito para anunciarem as suas marcas durante a transmissão
de uma partida ou quando o assunto for pauta nos programas e jornais. O futebol é, assim,
reconhecidamente como o esporte mais praticado em todo o mundo e com mais visibilidade,
anunciantes e investimentos maiores que qualquer outro, segundo Botelho (2006).
Na Copa do Mundo de 2002 realizada no Japão e na Coreia, por exemplo, mais de 200
países transmitiram o Mundial chegando a cerca de um bilhão de telespectadores em todo o
planeta. Alguns dos patrocinadores oficiais foram os gigantes Coca Cola, McDonald’s,
Gillette e Adidas, que investiram, cada, de 35 a 45 milhões de dólares. O futebol começou
essencialmente com os brancos e ricos e depois chegou a todas as classes sociais e raças. Mas
Botelho (2006) afirma que, a partir de uma massificação vinda de cima, pode-se afirmar que o
futebol é uma das poucas culturas que podem ser consideradas como globais.
Para ser um evento midiático, conteúdos carregados com drama ou ritual são
essenciais visto que o processo tem que estar cheio de emoções ou símbolos, e o resultado
repleto de consequências, segundo Katz (1993). Portanto, não faltam tais descrições para os
jogos de futebol serem enquadrados como um evento midiático. Botelho (2006) afirma que
esse esporte é carregado de valores simbólicos e sempre recheado das mais variadas
emoções/sensações.
Além do drama e ritual, Katz (1993) explica que há outras condições necessárias para
um acontecimento se tornar um evento midiático e assim mobilizar a comunidade. Katz
afirma que a transmissão precisa ser ao vivo; o acontecimento tem que ser pré-planejado;
enquadrado no tempo e no espaço; um grupo ou uma personalidade que expõe a ideia de um
herói; uma celebração de um conflito, uma disputa, com significado dramático ou ritual. O
acontecimento midiático está dentro de um campo de interesse que envolve, por exemplo, as
situações de dor com o exagero da emoção, seja na euforia ou na expressão do maravilhoso ou
22
mesmo um interesse no sentimento de lealdade e união, como quando os eventos esportivos,
como a Copa do Mundo, e entre os tipos de acontecimentos midiáticos. A competição tem, na
confrontação, um significado simbólico que envolve as rivalidades tradicionais que são
colocadas em prática diante de uma grande audiência. A emocionalidade dos acontecimentos
midiáticos é, provavelmente, o fato principal.
Katz (1993) assinala também que o “acontecimento deve estar suficientemente
centrado para manter a atenção do público (...) e suficientemente circunscrito para permitir
que um pequeno número de câmeras de televisão o abranja”, e que esses acontecimentos “não
são nem espontâneos nem inesperados”, tem data e hora para acontecer.
Além dos valores bilionários que o futebol envolve com os patrocinadores, outra
concorrência está sempre em voga: os direitos de transmissão das grandes competições geram
intensas batalhas nos bastidores. A Rede Globo de Televisão paga caro aos clubes para ter o
direito de transmitir o Campeonato Brasileiro de futebol4 e outras competições nacionais,
regionais e internacionais e investe alto para ser a única a mostrar os jogos da Copa do Mundo
para os brasileiros. O investimento é alto, mas a emissora consegue ter o retorno com os
pacotes vendidos aos usuários e, principalmente, com as cotas de patrocínio. Em 2012, a Rede
Globo recebeu mais de R$1 bilhão com as seis cotas disponíveis. Para estampar suas marcas
nas transmissões de futebol do Campeonato Brasileiro, torneios estaduais, Copa Libertadores,
Copa do Brasil e jogos da seleção brasileira, cada empresa pagou R$174 milhões. Quem
optou por exibir suas marcas nas placas que ficam ao redor do campo, gastou mais R$22
milhões5. Os seis cotistas em 2012 foram Ambev, Coca-Cola, Banco Itaú, Vivo, Volkswagem
e Johnson & Johnson.
As transmissões dos principais jogos chegam a ter mais de 20 câmeras espalhadas pelo
estádio. Alguns jogos são transmitidos em alta definição (high definition) e além da qualidade
da imagem e a rapidez com que são mostrados os replays logo depois do lance ao vivo, a
super câmera lenta impressiona com a precisão dos detalhes. Tudo para o telespectador não
perder nenhum lance e discutir as jogadas mais polêmicas durante a partida. O leque de
4 A Rede Globo, depois da concorrência com a Rede Record em 2011 e com alguns clubes reivindicando
reajustes nos contratos, teve que aumentar os valores pagos aos clubes para adquirir os direitos de transmissão do
Campeonato Brasileiro. No total, levando em consideração o que a emissora paga a todos os clubes, estima-se
um gasto de mais de R$800 milhões por temporada compreendendo todas as mídias: TV aberta, TV por
assinatura, PPV (pay-per-view), internet e telefonia móvel. Os valores variam muito: o Atlético fechou contrato
de, aproximadamente, R$60 milhões, e o Cruzeiro, cerca de R$45 milhões, por ano. Os contratos mais altos
foram firmados com Flamengo e Corinthians, que detêm as maiores torcidas do Brasil. Ambos ganharam mais
de R$100 milhões da Rede Globo. Todos esses valores não foram divulgados oficialmente, mas a imprensa
revelou os números das negociações em 2011. Informações obtidas nos sites da Veja, UOL e Terra. Acesso em:
10 ago. 2012. Ver links em Referências. 5 Informações disponíveis no site Meio e Mensagem. Ver link em Referências. Acesso em: 10 ago. 2012.
23
imagens, o som da torcida, as artes, os patrocínios, a forma como o narrador transmite a
partida, enfim, tudo isso faz parte do espetáculo que é a transmissão de um jogo de futebol
pela TV. No rádio, a sonoplastia e as estratégias de discurso do narrador tentam substituir a
ausência de imagem real para imaginária. O espetáculo no rádio, assim, continua o mesmo,
agora até com mais emoção.
O processo de midiatização precisa ser entendido agora a partir das tecnologias que
proporcionam a instantaneidade com que chega a informação levando em consideração a
hibridização das formas discursivas. Stasiak e Barichello (2007) comentam que Sodré
entende a globalização como a teledistribuição mundial de pessoas e coisas,
considerando a Revolução da Informação contemporânea como sucessora da
Revolução Industrial; considerando que os avanços técnicos trazem a capacidade de
acumular dados, transmiti-los e fazê-los circularem rapidamente. Processo que
propicia a midiatização e traz à tona um novo tipo de formalização da vida social,
que implica em uma outra dimensão, ou seja, em formas novas de perceber, pensar e
contabilizar o real. (STASIAK; BARICHELLO, 2007, p. 108-109).
Stasiak e Barichello (2007, p. 109) afirmam que “a midiatização manifesta-se em um
cenário de heterogeneidades trazidas, em sua maioria, pelos avanços tecnológicos, onde a
natureza da organização social não é, de modo algum, linear e homogênea, mas descontínua”,
características de uma sociedade midiatizada.
Por muito tempo o paradigma vigente das teorias comunicacionais apostava na ideia
de que a convergência das tecnologias nos levaria a estruturação de uma sociedade
uniforme, como gostos e padrões, através de consumo homogeneizado, em função
de uma lógica de oferta da qual não resultaria ao consumo outra possibilidade a não
ser a ratificação desta lógica. Mas, o que vemos é a geração de fenômenos distintos e
que se caracterizam pelas disjunções entre estruturas de oferta e de apropriação de
sentidos. (FAUSTO NETO, 2006, p.3).
Stasiak (2010, p.2) destaca que os desenvolvimentos tecnológicos afetaram a
sociedade, potencializando a globalização e elevando a mídia a uma condição de centralidade
social. Assim, se estabelecem “novas possibilidades sócio-técnicas as quais nos levam a
presumir que, sob o ângulo da midiatização, não basta para os sujeitos estarem visíveis, é
preciso interagir através dos dispositivos”. Esse desenvolvimento tecnológico é fundamental
para
um maior alcance e relevância das mídias, acontecimento que tem consequências
diretas nos modos de percepção e atuação dos sujeitos sobre a realidade. Assim, o
espaço público adquire uma nova configuração na qual predomina o que podemos
denominar de “Cultura da Convergência”, para Jenkins essa cultura fundamenta-se
24
em conceitos como: convergência midiática, inteligência coletiva e cultura
participativa. (STASIAK, 2010, p. 2-3).
Dentro desse processo da contribuição da tecnologia, Stasiak (2010, p.2) destaca o
outro tipo de sociedade, a sociedade midiática, que compreende o campo dos media,
concebendo os meios como um subsistema responsável por realizar funções sociais como
entretenimento e vigilância. Nessa perspectiva, a atuação dos media é como “mobilizador do
debate público e da produção de sentidos entre os demais campos sociais, nele os sujeitos e
instituições disputam a sua visibilidade através das representações veiculadas nos meios de
comunicação tradicionais” como rádio, televisão, revistas e jornais impressos para obter,
assim, legitimidade social.
Com as tecnologias e a expansão da internet, é possível ver e/ou ouvir os jogos do
Campeonato Brasileiro, por exemplo, em qualquer lugar do mundo acessando sites que
disponibilizam as imagens e/ou o áudio das partidas. Atualmente, praticamente todas
emissoras contam com uma página na internet e com aplicativos que podem ser baixados para
Smartphones, Tablets e iPods, por exemplo, substituindo, para muitos, o tradicional rádio de
pilha. Assim como foi usada a criatividade com o aparecimento da televisão para o rádio não
perder espaço, as emissoras tiveram que se adequar com o surgimento da internet. Além de
áudios recortados (entrevistas, gols, comentários e reportagens soltas) e o mesmo conteúdo
que está sendo transmitido pelo rádio integralmente – às vezes somente com um delay para
quem ouve pela internet –, os sites das emissoras têm fotos, matérias em forma de texto, blogs
e vídeos preparados pelos próprios repórteres, além de espaços para participação do
ouvinte/internauta, como o “fale conosco” e links que mandam o público para as páginas das
redes sociais do veículo.
A multimídia emergente, que sintetiza formas de rádio, cinema, noticiários de TV e
programas de entretenimento, e o domínio crescente do ciberespaço tornaram-se
espetáculos da tecnocultura, gerando sites de informações e entretenimento,
enquanto intensificam a forma-espetáculo. (KELLNER, 2006, p. 119).
Dentro dessa convergência, o rádio tem hoje uma configuração multimidiática. Isso
acontece porque, em muitos casos, o público ouve a transmissão pelo rádio, com o mute
acionado ele vê o jogo pela televisão e participa da jornada esportiva pela internet mandando
perguntas e opiniões sobre a partida de futebol e até mesmo sobre o que está dizendo a equipe
esportiva de determinada emissora sobre determinado jogo. A participação é imediata e
frequente.
25
Pensando nesses desenvolvimentos tecnológicos, Kellner (2006, p. 121) entende que
as diversas “formas de espetáculo evoluem com o tempo e a multiplicidade de avanços
tecnológicos”, já que, para o autor, essas formas “são produzidas e disseminadas através da
assim chamada mídia de massa, indo do rádio e televisão à Internet e às mais recentes
engenhocas wireless. Todo meio (...) tem suas inúmeras formas de espetáculo” que envolvem
elementos. No exemplo citado por Kellner, os elementos “do reino musical” são os
espetáculos da ópera, da música clássica, do rock e do hip hop. No caso das transmissões
radiofônicas, o espetáculo da jornada esportiva é um elemento do veículo, que tem também os
programas musicais, prestação de serviços, humorísticos e os hard news, já que, para Kellner
(2006, p. 119), a vida “político-social também é moldada pelo espetáculo. Os conflitos sociais
e políticos são crescentemente afastados das telas, que mostram assassinatos surpreendentes,
ataques terroristas, escândalos sexuais de celebridades e políticos e a violência explosiva do
cotidiano”. O espetáculo, ainda segundo Kellner (2006, p. 119), “tornou-se um dos princípios
organizacionais da economia, da política, da sociedade e da vida cotidiana”, que se estende,
agora de acordo com Rocha e Castro (2009, p.50), para campos diversos como o comércio, os
esportes, a moda, a arquitetura, o erotismo, as artes e o terrorismo, por exemplo.
Kellner (2006, p.122-124-125) entende que o espetáculo tem muitos níveis e
categorias de acordo com o que propõe a cultura midiática e é ele que “envolve os meios e
instrumentos que incorporam os valores básicos da sociedade contemporânea e servem para
doutrinar o estilo de vida dos indivíduos”. Dentro dessa cultura, Kellner nos leva a entender
que, com espetáculos sedutores, vivemos em uma sociedade do consumo no mundo do
entretenimento. O autor analisa ainda que, com o processo de globalização e com a união de
grandes “corporações envolvidas com televisão, filmes, revistas, jornais, livros, bases de
dados, computadores e outros veículos”, estamos migrando, dentro dos desenvolvimentos
tecnológicos, para uma sociedade de infoentretenimento cada vez mais expansiva que “sugere
uma síntese futura de mídia, computador, entretenimento e informação”.
O entretenimento é o principal produto oferecido pela cultura da mídia, que
espetaculariza o cotidiano de modo a seduzir suas audiências e levá-las a identificar-
se com as representações sociais e ideológicas nela presentes. Não pretendemos
afirmar que a mídia teria um poder de determinar – para o bem ou para o mal – os
processos de subjetivação no mundo atual. Entendemos, como o faz Kellner, que
múltiplos modelos e padrões hoje convivem nas ondas, páginas ou telas dos mais
variados meios de comunicação que permeiam nosso cotidiano. (ROCHA;
CASTRO, 2009, p.50).
26
O pensamento de Kellner diverge do que propôs Guy Debord. O espetáculo, para
Debord, é unificado, uma forma de pacificação, alienação e despolitização da sociedade,
tirando-os o senso de criatividade dos indivíduos, de uma vida produtiva e colocando-os em
um mundo de submissão e conformismo. Essa análise é contestada por Kellner (2006, p.122),
que a considera “uma noção geral e abstrata do espetáculo”. O autor sugere alguns exemplos
para mostrar que as políticas inconstantes do espetáculo são variáveis e com formas diversas e
que nem sempre conseguem manipular o público, que pode resistir às tentações que são
oferecidas e se apropriar da mensagem do seu próprio jeito. Kellner (2006, p.136) analisa a
marca McDonald’s, que foi considerada, nos anos 1990, “um símbolo do capitalismo
triunfante”, com lucros altos, expansão mundial e eficiência de produção. Mesmo com o
espetáculo comercial que se tornou alcançando e atraindo admiração de consumidores do
mundo todo, “o McDonald’s se tonou o maior alvo simbólico para protesto do movimento
anticorporativo mundial”. Foi acusado de oferecer uma comida não saudável, por práticas
incorretas de trabalho e por causar impacto negativo no meio ambiente. A manifestação
surgiu na internet e foi de alcance mundial, o que causou queda nos lucros do McDonald’s.
Diante dessas perspectivas, Rocha e Castro (2009, p. 51) salientam que “a hibridização
entre mídia e consumo parece evidenciar-se por excelência na economia do entretenimento,
onde as formas do espetáculo são incorporadas aos negócios”. Percebe-se no rádio, por
exemplo, o aumento do espaço que os patrocinadores possuem no veículo em todas as suas
formas. Com o acesso dos ouvintes cada vez mais constante aos sites das emissoras, a internet
se tornou mais um canal de renda para as rádios, já que as marcas dos patrocinadores também
estão presentes nessas páginas na grande rede. Em alguns casos, como no da Rádio Itatiaia,
parece que os nomes, slogans e as promoções das empresas patrocinadoras parecem compor o
enunciado do próprio noticiário dos times, já que essas inserções são apresentadas pelos
repórteres no começo, meio e/ou fim de uma reportagem, por exemplo. Tal prática é frequente
nas matérias esportivas e nas transmissões de jogos de futebol.
Diante desses panoramas, percebe-se que o espetáculo está ligado diretamente com a
definição de entretenimento. Para Gabler (1998), o componente espetacular de entretenimento
está tão centralizado na operação de entretenimento que foi impregnado na própria palavra.
Com uma metáfora, Gabler (1998, p.18) explica que o “entretenimento (...) afunda
suas garras dentro da gente e nos puxa, nos mantendo cativo, nos levando mais profundo
dentro do seu próprio trabalho e mais profundo dentro de nós mesmos, ou ao menos dentro
27
das nossas próprias emoções e sentidos, antes de nos liberar”6. Para o autor, entretenimento
está direcionado para as massas, e não para o indivíduo. No entretenimento, a massa tem a
mesma experiência, mas cada pessoa tem sua própria sensação.
Os narradores de rádio exploram a dramatização para levar emoção a uma transmissão
de futebol, usando uma linguagem própria com bordões, metáforas, metonímias e hipérboles,
apoiados por uma sonoplastia com vinhetas e músicas, fazendo da jornada esportiva um show
de entretenimento. Tal prática é usada para criar uma identidade com o público e não perder
audiência. Mais que isso: não perder dinheiro, patrocínio e investidores. Assim acontece entre
as grandes corporações de rádio, TV e demais media.
O futebol é um esporte que atrai muitos investidores. É assim dentro dos grandes
clubes, com altos salários pagos a jogadores e técnicos, em transações de atletas envolvendo
os empresários, os patrocínios de grandes empresas a clubes e atletas, além do alto valor que
as empresas pagam para estamparem suas marcas na TV, no rádio, na internet e nos jornais.
Além disso, os ingressos dos jogos dos grandes clubes estão cada vez mais caros. Por tudo,
futebol é entretenimento, é espetáculo, é show e é, principalmente, negócio.
Com novos métodos que começaram a ser usados nas categorias de base dos clubes –
a preferência dos técnicos por jovens atletas altos, truculentos, mas sem a qualidade técnica
dos jogadores franzinos e baixos, que, geralmente, são preteridos –, o futebol brasileiro já
iniciou uma fase de vários questionamentos pela queda de rendimento da seleção do País e de
outros grandes clubes e por não revelar jogadores tão talentosos como antigamente.
O jogo se transformou em espetáculo, com poucos protagonistas e muitos
espectadores, futebol para olhar, e o espetáculo se transformou num dos negócios
mais lucrativos do mundo, que não é organizado para ser jogado, mas para impedir
que se jogue. A tecnocracia do esporte profissional foi impondo um futebol de pura
velocidade e muita força, que renuncia à alegria, atrofia a fantasia e proíbe a ousadia
(GALEANO, 2004, p.10).
Galeano complementa dizendo que “por sorte ainda aparece nos campos, embora
muito de vez em quando, algum atrevido que sai do roteiro e comete o disparate de driblar o
time adversário inteirinho, além do juiz e do público, pelo puro prazer do corpo que se lança
na proibida aventura de liberdade” (GALEANO, 2004, p.10). A crítica é coerente porque
depois de um bom tempo sem revelar um grande jogador, hoje o maior talento do futebol
brasileiro é o jovem atleta Neymar, do Santos e da seleção brasileira. Extremamente
6 Tradução do autor deste estudo. Versão original: “Entertainment (...) sinks its talons into us and pulls us in,
holding us captive, taking us both deeper into the work itself and deeper into ourselves, or at least into our own
emotions and senses, before releasing us”.
28
habilidoso e mantendo o nível técnico nos vários jogos que disputa, ele chega a ser atrevido
com dribles, jogadas e gols que ganham destaque mundial7. É perseguido em campo pelos
adversários e recebe, muitas vezes, faltas violentas. Mas alguns cronistas esportivos e técnicos
de times adversários já chegaram a criticar o jogador por exagerar em suas jogadas de efeito.
Ele já foi chamado, inclusive, de jogador “cai, cai”, apelido dado aos atletas que simulam
faltas para confundir a arbitragem. Neymar despertou interesse de grandes clubes da Europa,
destino preferido dos atletas que se destacam no futebol brasileiro.
2.3 As mudanças/atualizações dos contratos de leitura que o rádio mantém com o
ouvinte
Para criar identificação, retenção e fidelização do público, consolidar audiência diante
da concorrência e atrair novos ouvintes, as rádios estipulam um contrato de leitura para
aproximar e fortalecer o reconhecimento do receptor com o emissor. Segundo Verón (2004), a
semiologia do contrato de leitura, que se dá no âmbito do dispositivo de enunciação, vai além
da análise e ordem do conteúdo. Não apenas concerne o que é dito, mas o dizer e suas
modalidades, as maneiras do dizer. São as estratégias de ligação do emissor com o receptor.
Bruck (2003) salienta que existem dois compromissos gerais entre ouvinte e rádio.
Primeiro: o ouvinte se identifica com os atos de fala, a abordagem das coisas do mundo, é o
reconhecimento ao ligar o rádio e sintonizar na emissora de sua preferência. Segundo: adesão.
Sensação de extrema aproximação do ouvinte com o locutor e a emissora. Assim, firma-se o
contrato de fidelização.
Verón (2004) faz uma distinção entre enunciado e enunciação para explicar o contrato
de leitura. O enunciado é a ordem do que é dito, ordem do conteúdo; e a enunciação vai além,
refere-se não apenas ao que é dito, mas ao dizer e suas modalidades, as maneiras do dizer. O
dispositivo de enunciação é como um mesmo conteúdo pode ser enquadrado por modalidades
diferentes de enunciação. O importante no contrato de leitura é o que o enunciador diz as
coisas que ele se permite falar, o modo de falar, as palavras escolhidas, o estilo de dizer algo,
enfim, “como os meios procuram construir um vínculo ativo com o receptor” (BRUCK, 2003,
p.49), produzindo jamais um único efeito, sempre vários, conforme os receptores.
7 O gol de Neymar marcado na vitória por 5 a 4 contra o Flamengo, no dia 27 de julho de 2011, pelo
Campeonato Brasileiro Série A 2011, foi eleito o mais bonito do mundo pela Fifa no Prêmio Puskas. O jogador
brasileiro superou os gols marcados pelo argentino Lionel Messi, do Barcelona, eleito o melhor do mundo em
2009, 2010, 2011 e 2012, e Wayne Rooney, do Manchester United.
29
O conceito do contrato de leitura implica que o discurso de um suporte de imprensa
seja um espaço imaginário onde percursos múltiplos são propostos ao leitor; uma
paisagem, de alguma forma, na qual o leitor pode escolher seu caminho com mais ou
menos liberdade, onde há zona nas quais ele corre o risco de se perder ou, ao
contrário, que são perfeitamente sinalizadas. Essa paisagem é mais ou menos plana,
mais ou menos acidentada. Ao longo de todo o seu percurso, o leitor reencontra
personagens diferentes, que lhe propõem atividades diversas e com os quais ele
sente mais ou menos desejo de estabelecer uma relação, conforme a imagem que
eles lhe dão, a maneira como o tratam, a distância ou a intimidade que lhe propõem.
Um discurso é um espaço habitado, cheio de atores, de cenários e de objetos, e ler “é
movimentar” esse universo, aceitando ou rejeitando, indo de preferência para a
direita ou para a esquerda, investindo maior ou menor esforço, escutando com um
ouvido ou com os dois. Ler é fazer (...) (VERÓN, 2004, p.236).
Bruck (2003, p.51) ressalta que “os contratos de leitura podem constituir-se não
apenas uma ferramenta importante de diagnóstico, mas também de estratégia para os veículos
que surjam ou que buscam adequações e redefinições de caráter estético e editorial”. O
verdadeiro objeto não é a mensagem em si, mas a produção/reconhecimento do sentido. A
mensagem é apenas um ponto de passagem para o imaginário.
Por suas peculiaridades, formas variadas de distribuição de informação e
entretenimento, o rádio estabelece tipos específicos e diversos de contratos de
leitura. (...) Além de cumprir sua função fática, celebra e renova a cada momento
estes contratos. (...) O tom do locutor, a plástica, o trânsito noticiado em
determinado horário são estratégias para prender a atenção do ouvinte e assim
estabelecer um contrato de leitura (BRUCK, 2003, p.51-52).
É o contrato de leitura que funda o caráter de permanência da audiência de um
determinado programa/emissora, segundo Bruck. O autor afirma ainda que “é o conjunto de
elementos de caráter discursivo, hermenêutico, estético etc. que levam o público a estabelecer
um acompanhamento continuado e rotineiro de um determinado produto midiático”, pois “é a
contratação espontânea que faz, no caso do rádio, receptores e emissoras” (BRUCK, 2003,
p.53).
Para Fausto Neto, os contratos de leitura
são “providências” muitas vezes naturalizadas, como um elemento tácito, enquanto
operações de produção. (...) Este conceito é aqui entendido como operações que
visam a estabelecer o ‘modo de dizer’ do jornal e que se explicitam nas mensagens
endereçadas ao leitor. Ou seja, os procedimentos pelos quais o jornal apresenta-se e
fala ao receptor, segundo regularidades de marcas enunciativas e através das quais
busca a construção de um espaço interacional. (...) Para tanto, esse processo
produtivo obedece a um conjunto de operações que, antes de se fazerem textos, estão
presas às lógicas de uma ação discursiva, ou seja, os fundamentos de um trabalho
que estrutura o ‘modo de dizer’ do jornal. É nesta complexa enunciação que o jornal
faz emergir sua identidade e as características do seu modo de falar, bem como
possibilidades de o leitor estabelecer processos de reconhecimento da sua presença.
(...) Se o dispositivo jornalístico avoca para si a realização de operações
(interpretativas) que não deixam o sentido ficar à deriva, ao mesmo tempo
30
desenvolve estratégias que visam a colocar o leitor num espaço interacional, mas
segundo regras contidas no âmbito do ‘contrato’ e que se apresentam nas estratégias
textuais (FAUSTO NETO, 2007, p. 10-11-12).
O contrato de leitura resulta na fidelização da audiência e é fundamental para criar
uma relação entre o enunciador e receptor, o que Bruck (2003, p.49) chama de vínculo ativo:
“os contratos são criados a partir do momento em que determinado receptor reconhece no
veículo por qual passa a ter preferência um conjunto de quesitos que viabilizam a
proximidade e a identificação”.
Esse processo de aproximação, reconhecimento e identificação envolve diversos
aspectos no rádio. A maneira como é apresentada a plasticidade, ou seja, o som, as vinhetas e
as músicas. Além disso, esse processo precisa ter conteúdo atraente voltado para determinado
público alvo. A maneira de passar esse conteúdo também é fundamental e está entre as
cláusulas do contrato de leitura. O tom do locutor e a forma como ele diz estabelece a
identificação e acompanhamento do ouvinte, que se acostuma com a grade de programação e
os horários que os programas vão ao ar.
O ouvinte vale-se do contrato para garantir que cláusulas como pontualidade,
regularidade, perfis de plasticidade e formas e maneiras de dizer as coisas do mundo
serão sempre aquelas que ele pactuou com a emissora ou que, pelo menos, sejam
mudanças com as quais ele concorde (BRUCK, 2003, p.53).
As emissoras se consolidam com os efeitos sonoros antigos que continuam sendo
utilizados com o padrão e estilo de determinada rádio. Outras vinhetas e novas músicas são
incorporadas, mas é preciso ter cuidado para não violar nenhuma cláusula do contrato de
leitura.
Verón (2004) explica que a alteração progressiva e insensível do contrato e a
incoerência do emissor com esse contrato acarretam a estagnação ou perda do público. É o
contrato de leitura que cria o vínculo entre o emissor e seu leitor.
No rádio, a plasticidade é fundamental para parametrizar as cláusulas do contrato de
leitura. Os efeitos sonoros (vinhetas) e músicas identificam a emissora e fortalecem a
identidade com o ouvinte. A sonoplastia precisa ter sintonia com o contrato de leitura. Este
estudo vai ajudar a entender como as Rádios Itatiaia e Globo/CBN, que entram em rede em
dias de jogos, constroem a fidelização com o seu público que acompanha as jornadas
esportivas.
A Rádio Itatiaia usa, na abertura da transmissão de futebol, vinhetas tradicionais que
reforçam a identidade do ouvinte com a emissora. A vinheta curta, cantada, com BG
31
(background – música instrumental ao fundo, também conhecido como trilha sonora) e com
as sílabas prolongadas “Itatiaia. Campeonato Brasileiro” anuncia a jornada esportiva. Em
seguida, é inserida uma música da emissora com a narração dos gols de seus profissionais:
O esporte está chegando, com o talento de quem faz. Já já tem bola no gramado, e a
emoção vem atrás. - Bateu caixa, caixa, caixa, caixa, caixa, Gooool (trecho da
narração de Mário Henrique). - A Itatiaia está chamando. - Gol, gol, gol, gol, gol,
gol, gol, gol, gol, gol, gol, gol (trecho da narração de Alberto Rodrigues). - A
jogada perfeita, o lance perfeito, o grito de gol. - Atirou, gooooool (trecho da
narração de Milton Naves). - O goleiro segura, a zaga rebate, o meio-campo carrega,
o ataque combate. A Itatiaia está chamando. - Bateu marcou. (trecho da narração de
Ênio Lima). – Bola formação do grito, o juiz dá o apito, nada escapa. A Itatiaia está
chamando. Aqui o jogo é de graça (citação oral)8.
Na sequência, entram duas vinhetas antigas e conhecidas da emissora com um assobio
e o nome da emissora. Depois o anúncio de quem vai narrar o jogo e/ou apresentar o
programa de abertura com as vinhetas “caixa, caixa, caixa” (como o narrador anuncia o
momento do gol) e com o nome dele: “Mário Henrique”, sendo esta cantada. Em seguida, o
BG esportivo da emissora fica ao fundo enquanto o narrador inicia sua participação. O
profissional, em determinado ponto da abertura, exalta o veículo: “o rádio entra em campo de
novo e mostra sua força. Alô galera! A partir de agora minha voz vai rasgar os céus deste meu
Brasil continente levando a você a emoção do futebol pelo rádio” 9
.
No Sistema Globo de Rádio, em Minas Gerais, há uma peculiaridade. As duas
emissoras do grupo, Rádio CBN e Rádio Globo, que têm estilos diferentes, entram em rede
em dias de jogo e fazem a mesma transmissão. Até agosto de 2011, somente a sonoplastia da
Rádio Globo compunha a jornada esportiva das duas emissoras no momento da junção. A
partir daquele momento, houve uma mudança, com a plasticidade da CBN sendo incorporada
e utilizada nas duas rádios quando elas entram em rede. Mas ainda hoje, quando somente a
Rádio Globo transmite determinado jogo, o formato desta volta a ser utilizado, causando uma
confusão de plasticidade na mente do ouvinte, prejudicando a identidade emissor-receptor.
As duas emissoras têm estilos bem diferentes. A Rádio Globo tem até certa
semelhança com a Rádio Itatiaia: vinhetas cantadas – populares – e utilização de músicas
durante a jornada esportiva. A CBN tem um caráter mais sóbrio, sofisticado, sério, menos
lúdico, e até mesmo na transmissão de futebol as vinhetas dos clubes, da emissora e dos
membros da equipe esportiva são curtas, faladas e não cantadas, e se utiliza poucas – ou
nenhuma – músicas.
8 Trecho do material gravado e transcrito pelo autor.
9 Trecho do material gravado e transcrito pelo autor.
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Antes de alguns programas, entre eles as jornadas esportivas, a Rádio Globo, antes de
entrar em rede com a CBN, apresenta uma música para reforçar a ligação da emissora com o
ouvinte:
Você é o amigo que eu sempre vou ter. Presente em todas as horas, haja o que
houver. Porque nossa amizade é o nosso compromisso. Rádio Globo e você: bota
amizade nisso. Em casa, no estádio ou nas ruas, estamos juntos em todo lugar. Tá no
ar, tá bonito, Rádio Globo e você, bota amizade nisso. Uma corrente de amigos, sua
voz é a nossa canção. Sempre ligado e ouvindo a nossa programação. Bota amizade,
bota amizade, bota amizade nisso. Bota amizade, bota amizade, notícia, esporte e
serviço, boa amizade nisso! (citação oral)10.
Na sequência, outras vinhetas como “Rádio Globo é Brasil”, a que anuncia até as
plataformas: “Vem aí no rádio, na internet e no celular, mais um programa com padrão de
qualidade da sua Rádio Globo” e o assobio tradicional da emissora vão pro ar. Depois, uma
série de vinhetas, estas faladas, anuncia, em sequência, a jornada esportiva.
Rádio Globo para um Brasil de audiência. Vamos formar a maior audiência do rádio
esportivo brasileiro porque ninguém segura nosso timaço. É bola, é jogo, é Rádio
Globo. Futebol show com você na jogada. Veja o jogo ouvindo a Rádio Globo. Sai
da frente, futebol é com a gente (citação oral)11.
Em seguida é inserida uma música de ritmo mais intenso para animar a transmissão,
quando a Rádio Globo não está em rede com a Rádio CBN. A vinheta cantada com o nome do
radialista anuncia quem vai narrar e/ou apresentar o jogo: “Hércules Santos” ou “Pequetito”,
por exemplo. Percebe-se, nas duas rádios, Globo e Itatiaia, que as vinhetas exaltam as
emissoras com o objetivo de reforçar a identificação com o ouvinte, sempre convidando o
público para as transmissões com plasticidade divertida e simpática. Ainda na abertura da
jornada esportiva, os narradores/apresentadores chamam o giro de manchetes com os
primeiros destaques dos times dados pelos repórteres, o comentário inicial do jogo com o
profissional que vai comentar a partida e o repórter que fica no plantão esportivo anunciando
outros jogos e a classificação de determinado campeonato. Fechado o giro de abertura,
geralmente entra um intervalo comercial e, na volta, narradores/apresentadores, comentaristas
e repórteres conversam sobre o jogo com informações dos times e de outros fatores que
envolvem o jogo e as opiniões.
Quando o jogo é transmitido pela Rádio CBN, o giro de abertura com a Globo é o
mesmo, mas o estilo das vinhetas é diferente. A emissora anuncia o jogo de futebol com
10
Trecho do material gravado e transcrito pelo autor. 11
Trecho do material gravado e transcrito pelo autor.
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vinhetas curtas e faladas, sem música, sem aquela exaltação e emoção dos efeitos sonoros
característicos das Rádios Globo e Itatiaia. Um BG um pouco mais animado, com o estilo
musical de samba, anuncia a transmissão do jogo com a vinheta falada “Futebol CBN Rádio
Globo. Com Hércules Santos”, por exemplo. Com apenas isso, o narrador começa a
transmissão com o mesmo BG ou o som ambiente da torcida ao fundo.
No momento do gol, a plasticidade das Rádios Globo e Itatiaia provoca ainda mais
entusiasmo. Misturados à emoção do narrador que grita gooooool e descreve o lance com
velocidade e com o leque de metáforas e bordões, estão o som ambiente com a vibração da
torcida e o conteúdo colocado pelo operador de áudio: vinheta com o nome do time, hino do
clube e música que exalta a equipe que marcou o gol, por exemplo. Segundo Soares (1994),
são esses sons de sintetizador que preparam o ouvinte para receber informações paralelas às
jogadas, como as vinhetas que anunciam placar e o tempo de jogo nas Rádios Globo e CBN:
“O rádio exige que você faça o jogo na cabeça do espectador”, disse o narrador Osmar Santos
a Soares (1994, p.74).
O primeiro gol do Atlético Mineiro contra o Vasco da Gama, no dia 24 de julho de
2011, em jogo válido pelo Campeonato Brasileiro, foi narrado por Mário Henrique, conhecido
como Caixa, da Rádio Itatiaia, em 55 segundos, colocando o autor do gol, Magno Alves, na
figura de herói com apelidos dados a ele.
Recomeça com o Réver. Ele está no círculo central, dentro da roda gigante fazendo a
abertura de bola pra Caio. Domina pela ponta direita, pra Daniel Carvalho, pra
Magnata, bateuuuuu. Caixaaaa (Dura quatro segundos e entra vinheta gravada
repetindo a palavra Caixa cinco vezes). Goooollll (Dura nove segundos. Durante o
grito de gol entram música cantando “Galo” e o hino cantado do clube) do
Galooooooo. Magno... Magnífico... Magnata... No fundo do barbante depois de um
toque genial de Daniel Carvalho de calcanhar. Magnata saiu na cara do gol e
guardou. Empata o Galo no Vale (do Aço, região onde fica a cidade de Ipatinga em
Minas Gerais). Um pro Galo, um também para o Vasco da Gama (citação oral)12
.
Osvaldo Reis, o Pequetito, sempre usando os variados bordões nas Rádios Globo e
CBN, narrou o gol do Cruzeiro convertido diante do Palmeiras no dia 29 de maio de 2011,
antes da mudança da plasticidade nas duas emissoras, em um minuto e 39 segundos, também
pelo Campeonato Brasileiro.
Jogo difícil. Quem sabe o empate agora para o time estrelado. Na ponta esquerda
Montillo, jogou na primeira trave, o desvio, a bola vai entrando... Gooooollll (Dura
dez segundos. Entra a vinheta cantada do “Cruzeiro” e depois o hino instrumental
do clube). Éeeeee doooo Cruzeirooooo, Cruzeiroooo, Cruzeiroooo, Anselmo
12
Trecho do material gravado e transcrito pelo autor.
34
Ramon, garoto estreante, aos 28 minutos empata o jogo. Numa sequência de
escanteios, Montillo na ponta esquerda joga na primeira trave, o Henrique sobe,
desvia, a bola do outro lado, Marcos não chega, Anselmo Ramon empurrou pro
fundo do barbante pra fazer a alegria da nação estrelada. Empata o jogo Anselmo
Ramon. Ele é rede, rede, rede, rede, rede, rede, rede, rede, rede, rede. Emoção azul
estrelada pela primeira vez aqui na Arena do Jacaré. Ô Anselmo Ramon, assim vai,
vai, vai, vai, vai, vai, vai, vai, vai, vai (em alta velocidade)... Vai que eu tô te vendo.
Anselmo Ramon, agora paixão e fé, andar na fé eu vou que a fé não costuma falhar.
Agora Brasileirão, aqui na Arena do Jacaré tem (vinheta Cruzeiro) um do Anselmo
Ramon (vinheta Palmeiras) Palmeiras também um (citação oral)13
.
Músicas, vinhetas, BG, som ambiente, linguagem própria com uma série de metáforas
e bordões que explora a emoção, enfim, tudo isso compõe a plasticidade sonora do rádio. Tais
estratégias são fundamentais para criar uma identidade com o ouvinte e prender a atenção do
público. Como o rádio não possui imagens, o som precisa ser explorado de todas as formas
para estimular o imaginário do receptor. E como se trata de imaginação, tudo é possível para
inserir o torcedor/ouvinte na “viagem fantástica do mundo futebol”14
.
Antes da mudança da plasticidade em agosto de 2011, a transmissão nas Rádios
Globo/CBN era recheada com diversas músicas e vinhetas cantadas (características históricas
da Rádio Globo). Com a alteração, praticamente apenas os hinos dos clubes tocados no
momento dos gols permaneceram. As únicas vinhetas são as dos nomes dos programas
esportivos, dos apresentadores e dos clubes, mas não mais cantadas, sim faladas, mais
estilizadas e elitizadas, causando a impressão de mais seriedade à transmissão e estimulando o
debate dos membros da equipe esportiva. O show continua, mas sob outra perspectiva. As
transmissões passaram a ter o estilo da CBN, e não mais o da Globo.
No entanto, o estilo da equipe de esportes das Rádios Globo/CBN, especialmente do
narrador Osvaldo Reis, continua praticamente o mesmo, ou seja, o da Globo. Os narradores
continuam usando as mesmas metáforas, hipérboles e bordões. Nesse sentido, nas estratégias
de linguagem, não houve mudanças.
2.3.1 O comportamento interativo do ouvinte/torcedor/internauta como uma cláusula do
contrato de leitura
Toda a estratégia de espetáculo de uma jornada esportiva proposta pelas emissoras é
pensando em envolver o ouvinte com uma linguagem mais coloquial para tentar se aproximar
cada vez mais do seu público alvo. O contrato de leitura das rádios que transmitem futebol,
13
Trecho do material gravado e transcrito pelo autor. 14
Bordão utilizado pelo narrador Osvaldo Reis, das Rádios Globo/CBN, durante as transmissões de futebol.
Trecho do material gravado e transcrito pelo autor.
35
geralmente, se pauta por essa aproximação que fideliza o ouvinte. A ideia é ser cada vez mais
companheira do torcedor, estreitar a relação para fidelizar o seu público e prender a atenção
do ouvinte. Guerra (2000, p.11) ressalta que, na busca por audiência, as rádios “travam um
grande corpo a corpo entre o narrador e o público” porque, na “narração esportiva,
principalmente na linguagem”, se percebe muito o envolvimento e a troca entre as partes. Para
estimular o imaginário do ouvinte e se ver cada vez mais próximo do seu público, os
narradores usam, desde as primeiras transmissões esportivas pelo rádio, linguagem popular,
expressões usadas pelo povo no dia a dia. Os comunicadores usam algumas expressões, por
exemplo, como “paquera a bola, faz um carinho nela”, “muralha humana”, “não, meu filho”,
“o caroço do abacate” (grande círculo), “bola no tumulto”, “não cochila”, “entrou no salão de
festas” (na grande área), “pisou no tomate”, “bingo, bingo” (quando é gol), entre várias
outras.
O ouvinte foi convidado a participar do espetáculo como parte do jogo. E a melhor
forma era a utilização de uma retórica trabalhada por amplificações. Todo universo
do locutor é tautológico [...], em que o narrador dá um novo sentido à metáfora
tradicional: o torcedor adota esse novo significado e passa a repeti-lo à exaustão
(GUERRA, 2000, p. 52-53).
Se por um lado, muitos, ou quase todos os narradores aproveitam da linguagem
popular para se identificar e se aproximar do ouvinte, por outro, várias expressões criadas
pelos comunicadores são acrescentadas ao vocabulário de algumas pessoas que acompanham
as jornadas esportivas de determinada emissora. Durante algumas discussões sobre futebol,
partidas amadoras ou brincadeiras sobre o esporte envolvendo crianças e adultos, o gol
prolongado eternizado por Rebello Junior está presente. O grito de “Caixa” no momento do
gol, criado pelo narrador Mário Henrique, é mais um exemplo. Além dos apelidos criados
pelos narradores que ficam conhecidos pelos torcedores, como “animal” dado a Edmundo,
“baixinho” a Romário, Túlio Maravilha ao jogador do Botafogo, “talento azul” a Alex,
“Seleção Canarinho” à seleção brasileira, entre outros. A bola do jogo, ao longo do tempo,
também ganhou carinhosas alcunhas como “gorduchinha”, “pelota”, “caroço”, “menina”,
“criança”, “redonda”, “nêga”, etc.
Ainda dentro da prática de aproximação com o ouvinte, alguns comunicadores do
rádio usam expressões para falarem diretamente com o ouvinte. Sempre antes de uma análise,
o comentarista João Saldanha se dirigia ao público com a frase “meus amigos” e, Luiz
Mendes, antes narrador e depois comentarista, dizia “minha gente”.
36
Para Guerra (2000, p.53), todas essas estratégias de linguagem têm como estimular o
imaginário do ouvinte e criar “um campo de cumplicidade entre torcedor e narrador que vai
fazer com que o ouvinte absorva o novo elemento de referência imediatamente”.
Desde quando os locutores esportivos descobriram a forma de transmitir futebol e
prender a atenção do ouvinte, que a sensação que se tem é que foi firmado um
“contrato de leitura”. As expressões que foram sendo criadas e firmadas entre os que
acompanham a transmissão esportiva transformaram-se em verdadeiros códigos com
a composição da imagem do jogo. [...] Cabe destacar que todas essas marcas
enunciativas acabaram sendo decisivas, uma vez que as representações construídas
em torno do futebol facilitaram sua aceitação e popularização (GUERRA, 2000,
p.52).
Como o futebol envolve paixão e emoção, o torcedor se empolga e não pode ser visto
apenas como um receptor ou como uma pessoa que vai apenas assistir a uma partida de
futebol. Ele se envolve, questiona e aplaude os jogadores, vibra com a vitória e xinga com a
derrota, pede novos jogadores, cobra comprometimento e profissionalismo, exige demissão de
jogador ou técnico, alguns apelam para a violência, enfim, se comporta como se o clube fosse
dele. E esse envolvimento é muito estimulado pelas transmissões esportivas que, geralmente,
dão voz ao torcedor. A Rádio Itatiaia, por exemplo, sempre quando Atlético, Cruzeiro e
América jogam em casa, ou seja, em Belo Horizonte ou em alguma cidade próxima da capital
mineira, um repórter traz a opinião do torcedor antes e depois das partidas. Muitas emissoras
também usam o telefone para colocar o ouvinte/torcedor no ar e, mais recentemente, as redes
sociais, especialmente o Facebook e o Twitter, aumentaram ainda mais a participação do
público durante as jornadas esportivas. As opiniões são lidas com mais frequente no ar. E
além da participação com perguntas para os comunicadores sobre situações do jogo e análises
próprias sobre atuação dos jogadores, as opções do treinador e o trabalho da diretoria de um
determinado clube, os ouvintes/torcedores/internautas comentam a transmissão esportiva de
determinada rádio e, às vezes, comparam com outra emissora, seja para elogiar ou criticar a
postura do narrador, comentarista e repórter.
No futebol e em suas transmissões radiofônicas, o torcedor é mais que espectador, ele
atua em várias frentes, seja no estádio, por telefone ou pela internet. No rádio, assim como em
uma partida de futebol, o ouvinte/torcedor não só ouve a transmissão, ele participa da jornada
esportiva. Geralmente, os comunicadores se preocupam com isso, porque dar voz ao público é
mais uma estratégia de fidelização que entra como uma cláusula do contrato de leitura
firmado com o ouvinte. Muniz Sodré, em seu prefácio no livro de Guerra (2000), afirma que
essa participação do público é importante porque estimula a imaginação individual e o
37
imaginário coletivo “na constituição do torcedor como figurante da ‘teatralização’
futebolística. E, em consequência, do rádio enquanto veículo de manutenção fática do
processo imaginativo”.
Mesmo com toda essa emoção que o futebol deserta nas pessoas, muitos torcedores
sentem a necessidade de ouvir o jogo pelo rádio mesmo assistindo a partida no estádio ou pela
televisão. Ele precisa de um intermediário, o narrador, que dá contornos diferentes e mais
emocionantes que o próprio jogo em si para envolver o ouvinte estimulando a sua
imaginação: “certamente há mais coisas entre a chuteira e a bola do que sonha a torcida”
(GUERRA, 2000, p.12).
2.4 Características narrativas da transmissão radiofônica de futebol
A plasticidade sonora que baseia uma transmissão futebolística pelo rádio é marcada
por uma sonoplastia recheada de efeitos sonoros, incrementando a narração com emoção e a
velocidade do narrador na descrição dos lances do jogo. Os narradores usam diversas
metáforas e hipérboles para despertar o imaginário do ouvinte, que é levado a criar as imagens
em sua mente de acordo com o que fala o locutor. Tal prática é explicada pela escola da
visualização, citada por Meditsch (2001, p.163), surgida na década de 1950, que entendia que
a ausência da imagem no rádio deveria ser compensada, necessariamente, pelo estímulo à
imaginação visual do ouvinte. Os idealizadores desta escola se espelharam na reação de
crianças que, em algumas circunstâncias, preferiam as estórias do rádio às da televisão
“porque os cenários são mais bonitos”. Caso semelhante, lembrado por Abreu (2001),
aconteceu quando o cineasta Orson Welles respondeu a um amigo que enaltecia as maravilhas
da televisão nos Estados Unidos nos anos 1930: “Mas no rádio a tela é muito mais ampla”.
Arnheim, citado por Meditsch (2001, p.151), destacou que os resultados obtidos dez
anos depois do surgimento do rádio foram sensacionais e afirmou que, com o veículo,
revelou-se um mundo sedutor e excitante, englobando não só o maior estímulo que conhece o
homem para os sentidos, a música, a harmonia e o ritmo, mas também, ao mesmo tempo,
“capaz de dar uma descrição da realidade por meio de ruídos e com o mais amplo e abstrato
meio de divulgação que o homem possui: a palavra”. Meditsch (2001, p.151) complementa
“que, pela primeira vez na história da arte, o rádio permite isolar a acústica como forma de
expressão, numa extensão do que só havia feito antes pela música”.
38
O som do rádio não corresponde à experiência acústica natural, é antes um som
artificial produzido com uma série de intermediações eletromagnéticas. As suas
possibilidade e limites, em consequência disso, não serão as mesmas do som natural.
A demarcação destes limites é bastante complexa, pois não depende apenas das leis
físicas que permitem a descrição objetiva deste som mediatizado pelo áudio, mas
também de variáveis psicológicas relacionadas à percepção e à imaginação que estão
longe de constituir uma ciência exata (MEDITSCH, 2001, p.148).
Strauss & Mandl, citados por Meditsch (2001), observaram diversos fatores como a
sinestesia (relação entre sentidos distintos), a postulação de uma correspondência original
entre sons e significados das palavras, o animismo (a vida própria dos sons), efeitos
hipnóticos da música, alucinações psíquicas, entre outros, que permitem o rádio ser capaz de
suprir a ausência da imagem que lhe fazia falta. Meditsch (2001, p. 170) define os limites do
rádio “entre a ilusão surgida da força imaginativa e a forma material de expressão”: “A
palavra e o ruído só podem fazer uma imagem do acontecimento real através da ilusão que
produzem em nós. Pelo contrário, não podem reproduzir uma ação externa visível. Podemos
dizer com razão que o rádio desmaterializa”. Kolb, citado por Meditsch (2001), já havia dito
que a comunicação pelo rádio não se dirigia a uma plateia coletiva, sim a cada ouvinte em
particular. Ainda hoje percebe-se que o radialista, geralmente, ao comunicar diretamente com
o público, cumprimenta “o ouvinte”, e não “os ouvintes”.
Abreu (2001, p.2) defende a ideia que “o rádio é um meio essencialmente visual” e, no
ambiente das transmissões esportivas radiofônicas, isso fica ainda mais evidente, já que “os
olhos constituem a imaginação do ouvinte, o que aumenta a polissemia interpretativa. Uma
imagem em cada mente”. Abreu afirma ainda que, “para prender a atenção do ouvinte, a
narrativa esportiva recria o objeto descritivo, emprestando-lhe cor, vida e simbolismo próprios
do rádio, que estimulam o imaginário popular”, colocando a emoção do torcedor como uma
mercadoria simbólica.
O imaginário do ouvinte durante uma transmissão radiofônica de futebol é estimulada
através de três recursos semiológicos, segundo Abreu (2001, 3-4-5): i) identificação:
expressões populares usadas pelos radialistas esportivos e outras criadas pelos profissionais
do rádio que facilitam a compreensão e o entendimento do jogo de futebol – “interação de
linguagem em que os locutores e ouvintes se complementam” – todos que saibam e que
gostam do esporte entendem o que narrador está dizendo durante uma transmissão; ii)
visualização: o locutor dá as características do que e como está acontecendo tal fato. “Por suas
riquezas de alternativas, o vocabulário cria um jogo particular, alimentando o imaginário
popular. (...) A demarcação virtual é indispensável para a compreensão da narração
esportiva”; e iii) a velocidade: descrição dos lances em ritmo veloz “mesmo quando a partida
39
é disputada em ritmo lento”, mescla de emoção e informação, prolongamento das sílabas
tônicas que realçam a emoção e o uso de músicas e vinhetas que compõem a transmissão –
tudo isso garante “uma emoção própria da narrativa e não do jogo em si”.
As imagens auditivas, segundo Soengas (2003, p. 157) são interessantes para se pensar
como se estabelece o imaginário do ouvinte. Elas são “um sistema que permite fazer uma
reconstrução mental dos feitos para elaborar as referências visuais necessárias para
decodificar o que se escuta e compreender as mensagens”15
. Denis, citado por Soengas (2003,
p. 157-158), afirma que estas “imagens auditivas se equivalem, portanto, a uma foto ou a um
plano visual, e são o conjunto de imagens visuais-mentais que criam no ouvinte uma tentativa
de ver uma realidade ausente”, o que ajuda o receptor a entender a mensagem, já que “o rádio
obriga a manter uma atenção mais concentrada que outros meios”16
.
Ainda nessa perspectiva, o rádio esportivo pode ser enquadrado dentro dos três níveis
de imagens auditivas que facilitam a percepção auditiva do ouvinte citados por Soengas
(2003, p.157-158). O nível informativo “ajuda a compreender o conteúdo das informações
porque ilustram mentalmente os dados abstratos e favorecem a decodificação”. Já o
referencial “facilita a localização e a percepção do espaço geográfico”. Quando isso ocorre,
será gerada uma imagem auditiva que contextualiza a informação. E, por último, o expressivo,
em que o ouvinte percebe, por causa das imagens auditivas, “sensações que contribuem para a
assimilação de certos aspectos conotativos inerentes que levam as mensagens”.
Segundo Soengas, há uma série de recursos de criação de imagens auditivas que pode
ser utilizada pelo jornalista que ajuda o ouvinte a ter as percepções visuais das mensagens
radiofônicas:
É importante explorar corretamente todos os recursos da voz e usar o registro
adequado em cada momento, de acordo com o conteúdo do texto. Descrição dos
feitos deve ser o mais completo possível para que o ouvinte faça uma reconstrução
visual-mental próxima da realidade. (...) E também se pode aproveitar os reforços
músico-verbais e as metáforas para a criação de sensações, (...) que permitem a
incorporação de elementos próprios dos programas dramáticos (SOENGAS, 2003, p.
158)17
.
15
Tradução do autor deste estudo. Versão original: “Es un sistema que permite hacer una reconstrucción mental
de los hechos para elaborar las referencias visuales necesarias para descodificar lo que se escucha y comprender
los mensajes”. 16
Tradução do autor deste estudo. Versão original: “Las imágenes auditivas equivalen, por lo tanto, a una foto o
a un plano visual, y son el conjunto de imágenes visuales-mentales que crea el radioyente en su intento por ver
una realidad ausente (…). (…) La radio obliga a mantener una atención más concentrada que otros medios. 17
Tradução do autor deste estudo. Versão original: Versão original: “Es importante explotar correctamente todos
los recursos de la voz y emplear el registro adecuado en cada momento, de acuerdo con el contenido del texto.
La descripción verbal de los hechos debe ser lo más completa posible para que el oyente haga una reconstrucción
visual-mental próxima a la realidad. (…) Y también se pueden aprovechar los refuerzos músico-verbales y las
40
O uso de metáforas e hipérboles nas transmissões radiofônicas de futebol ajuda a
dramatizar o fato, já que o esporte, que envolve paixão e emoção, pode provocar as mais
variadas sensações no torcedor/ouvinte. Portanto, o rádio esportivo pode ser caracterizado
como uma decodificação subjetiva, pois é nesse ambiente que cada ouvinte interpreta os sons
e faz, da sua maneira, a ilustração da mensagem com várias possibilidades.
Cabe à equipe de esportes, durante a transmissão de um jogo de futebol no rádio, dar
emoção à jornada esportiva para não perder a audiência, mesmo que o próprio acontecimento
esteja fraco tecnicamente e difícil de assistir devido à péssima atuação dos jogadores naquele
momento. Se o narrador acompanhar o ritmo do jogo, a transmissão cai e junto com ela a
audiência.
Guerra (2006, p.32) cita o escritor Luís Fernando Veríssimo para demonstrar o
fascínio do torcedor brasileiro com o rádio: “Quando fui ao estádio pela primeira vez ver um
jogo me decepcionei. Futebol no campo era emocionante, mas não tanto quanto era nas
transmissões que eu ouvia no rádio”. Para o jornalista Matina Suzuku Júnior, também citado
por Guerra (2006, 32), “em nenhum outro país, creio, existe esta relação tão próxima entre o
torcedor e o seu rádio. Para mim, é um mistério: que riqueza da experiência humana passa por
este gesto de escuta atenta?”.
A narração radiofônica adquire vida própria, independente do jogo em questão,
através da produção de sentidos específicos que compõem um campo de
representações em que o futebol aparece como pano de fundo. (...) Ao longo do
tempo, a evolução da narração esportiva contribuiu para acentuar a ideia de que há
dois reais em campo: o jogo de futebol em si e a transmissão radiofônica (ABREU,
2001, p.12).
A narração esportiva se sofisticou ao longo dos anos com uma série de complementos,
tanto a linguagem quanto a sonoplastia com a série de efeitos sonoros. A linguagem mudou
com o passar do tempo, com cada narrador buscando o seu estilo, mas a descrição do jogo de
futebol lance a lance que começou com Nicolau Tuma está mantida. Outra estratégia de Tuma
continua sendo utilizada pelos narradores até hoje: a descrição fotográfica passada ao ouvinte
com a imagem do campo e do jogo, descrevendo o espaço físico, dizendo, por exemplo, para
o público imaginar um retângulo: do lado esquerdo está posicionado o time tal, e do lado
direito, a equipe adversária. Nas transmissões mineiras, alguns narradores, para situar o
ouvinte, dizem que, se o jogo estivesse sendo realizado no Mineirão, um time estaria do lado
da lagoa (da Pampulha) e o outro do lado da cidade. A referência ao estádio é bem recebida
metáforas para la creación de sensaciones (…), cuyos formatos permiten la incorporación de elementos propios
de los programas dramáticos”.
41
pelo público, já que muitos conhecem o antigo e tradicional Mineirão, conhecido como a casa
do futebol mineiro, onde Atlético e Cruzeiro – e às vezes o América – mandam seus jogos.
Diante desse panorama, Meditsch afirma que
o rádio tem uma maneira própria de expressar a realidade. Uma maneira que,
embora artificial e fragmentária, pode ser plenamente satisfatória, completa e
convincente. Para Arnheim, a narrativa radiofônica não deve depender de nenhuma
complementação da imaginação, assim como uma estátua não deve ser pintada da
cor da pele. Se isso eventualmente ocorre, o fato deve ser creditado a um deslize do
autor ou a sua incompetência e a imaginação do ouvinte, quase sempre, representará
um ruído na comunicação mais do que uma contribuição positiva para a obra
(MEDITSCH, 2001, p.173).
Com os torcedores cada vez mais atentos, participativos e informados sobre uma
partida de futebol e aos elementos que a compõem, o narrador, mesmo com os exageros
tradicionais na forma de irradiar, precisa ser comedido, ou melhor, responsável com a
descrição do jogo. Muitos torcedores veem a partida pela televisão ou no estádio e a escutam
pelo rádio. Neste caso, e tomando como referência o radiojornalismo, o “rádio como meio de
expressão” também passa a ser um “mundo acústico da realidade” e assim as “leis próprias”
da expressão radiofônica nem sempre são plenamente aplicáveis segundo Arnheim que, citado
por Meditsch, ressalta a perda da força da cegueira do “rádio como meio de expressão” para
representar o radiojornalismo:
Enquanto que na obra radiofônica o ouvinte tem a sensação de captar totalmente o
acontecimento, nas retransmissões se sente como mutilado. (...) São estas
retransmissões tão desafortunadas que burlam todas as leis e efeitos do rádio; pode
ser que tenham um certo direito, quando se trata de um fato histórico, de um
acontecimento extraordinário, ou se deve captar um pedaço da realidade. A verdade
é que o rendimento acústico resulta muito pobre: não só se ouve pouco, mas este
pouco é ambíguo, falho em expressão caótico; porém, se o fato atrai o ouvinte o
suficiente (informações políticas, catástrofes, combates de boxe), o pouco que se
ouve leva consigo algo do estado de ânimo dos assistentes e dos participantes. No
entanto, raramente se conseguirá que o ouvinte tenha uma impressão contínua e
completa da realidade, mesmo quando guiado por um cão de Lázaro – o jornalista –
que se esforce para proporcioná-la (ARNHEIM apud MEDITSCH, 2001, p.174).
Enfatizando essa perspectiva, alguns autores chegam a afirmar que o rádio esportivo,
que possui uma linguagem própria que se aproxima tanto do real quanto do imaginário, é uma
mistura da arte, de um artista, com o jornalismo, de um repórter:
Arte e jornalismo, enquanto esferas de atividade desiguais, com finalidades diversas,
definem assim diferentes gêneros de discurso produzidos a partir da mesma
linguagem radiofônica. A observação do uso que o jornalismo faz desta linguagem
42
demonstra que as variações em relação ao uso feito pela arte são determinadas
principalmente por uma diferente intenção (MEDITSCH, 2001, p.177).
Seguindo essa linha de reflexão, Abreu (2001, p.5) destaca que “a narração ressalta o
aspecto emotivo do espetáculo, mesclando emoção e informação no discurso” e que a
“classificação dos verbos pretende mostrar como o movimento dos jogadores adquire vida
própria, algo como encantamento, através de metáforas e hipérboles utilizadas para recriar o
clima de jogo”. Abreu (2001, p.12) afirma ainda que, na transmissão esportiva pelo rádio, “a
fala do repórter mistura momentos de catarse e informações complementares sobre o lance”.
Além da linguagem, outro ponto fundamental que estabelece pontos de identificação e
aproximação do emissor com o receptor no rádio é a voz, o tom, as maneiras que o radialista
brinca com a sua locução. A impostação da voz é uma peculiaridade dos profissionais do
rádio, e cada radialista se caracteriza por isso. As palavras usadas, o vocabulário específico e
a plasticidade da emissora são importantíssimos para a identificação do ouvinte na
transmissão esportiva no rádio, mas o tom da voz do locutor também é fundamental para dar
emoção a uma jornada esportiva. Barthes, citado por Meditsch (2001, p.186), distingue, em
toda a fala, um grão da voz enquanto “articulação do corpo, da língua, e não a do sentido, da
linguagem”, o que faria ouvir, “na sua materialidade, na sua sensualidade, a respiração, o
embrechado, a polpa dos lábios, toda uma presença do focinho humano”. Meditsch
complementa dizendo que
neste sentido, não haveria voz neutra, na medida em que toda a voz humana, no
mundo, seria portadora de libido, objeto do desejo ou da repulsão. (...) Na
informação jornalística, o jogo de vozes não serve apenas para estabelecer um ritmo
que ajude a manter a atenção do ouvinte, embora esta seja a sua intenção principal.
(...) Os diversos timbres e situações acústicas informam sobre a identidade e o
contexto dos falantes (MEDITSCH, 2001, p.186-188).
Meditsch cita a expressão subtexto, termo técnico desenvolvido pelo teatro para dar
conta deste nível suplementar da palavra falada, colocada sempre como tática por Barthes,
apud Meditsch (2001, p. 191), na perspectiva de que a fala no radiojornalismo pode ser
natural, espontânea, verídica, bem como é teatral, pois busca “as inflexões (no sentido
estilístico e lúdico do termo) a todo um conjunto de códigos culturais e oratórios”.
No rádio, o subtexto se expressa unicamente através do uso da voz, que substitui a
mímica visual. A curva melódica, o ritmo e as ênfases tônicas utilizadas
repetidamente constituem códigos que permitem aos ouvintes situar imediatamente
o texto da fala. BALSEBRE descreve como esse código funciona na transmissão do
futebol, onde as pausas, tons e ritmos da narração são utilizados para situar
situações-tipo do jogo (MEDITSCH, 2001, p. 191).
43
Linguagem, tom e plasticidade própria constituem a transmissão radiofônica. Tudo é
composto e usado como estratégia no rádio esportivo para apresentar ao ouvinte um show de
entretenimento, descrevendo os lances com emoção, mesmo que o jogo em si não corresponda
ao que é transmitido pelo narrador. Uso de metáforas, hipérboles, metonímias, onomatopeias,
jargões, bordões e velocidade na descrição dos lances, enfim, um espetáculo dramático é
preparado para conquistar o ouvinte e não perder a audiência.
Referindo-se às transmissões dos jogos de futebol, Soares (1994, p.34) explica que os
locutores usam linguagem diferenciada para despertar o imaginário do receptor,
transformando a narração em grandes espetáculos. Por isso, o rádio esportivo é classificado
como um teatro, desde o início, pois usa elementos como recreação e diversão: “o que os
radialistas esportivos fazem na narração tem um pouco disso tudo, é show e entretenimento”.
Pode-se dizer que as irradiações de futebol no rádio estabelecem, na sua empresa
discursiva, uma existência autônoma em relação ao próprio jogo que é objeto da transmissão.
Tanto é que, em uma narração esportiva, independentemente do nível de ‘emotividade’ do
certame, o locutor tem que fazê-lo, para o ouvinte, interessante e atraente. Ou seja, em geral,
as transmissões geralmente acabam sendo mais emocionantes que a própria partida, dentro da
estratégia de manutenção da audiência. Cabe à equipe de esportes ‘transformar’ com palavras
o que está acontecendo para dar emoção ao jogo e assim não deixar o ouvinte desligar o rádio,
incrementando a realidade.
No entanto, para Abreu (2001, p.3), “a narração realça o futebol como um espetáculo
que extrapola o mero entretenimento”, já que o narrador recorre ao uso de expressões como
“festa da decisão” e “futebol show” para exaltar uma partida estimulando o imaginário do
ouvinte com os recursos da identificação, visualização e velocidade. “A mercadoria simbólica
é a emoção do torcedor, sua identificação com o time e os jogadores que o representam (...).
No noticiário esportivo, toda partida tem uma importância especial, mesmo quando se trata de
amistoso. Se não fosse assim, como vender emoções?”. Nada pode sair dos moldes emotivos.
Portanto, até mesmo quando a publicidade entra na jornada esportiva com os seus anúncios, o
tom tem que seguir “o mesmo tom de espetáculo”.
44
3 ESTRATÉGIAS NARRATIVAS NA CONSTRUÇÃO DAS TRANSMISSÕES
FUTEBOLÍSTICAS
Neste capítulo, abordaremos como as trilhas e efeitos sonoros, músicas e som
ambiente são algumas das principais estratégias usadas pelas emissoras para reforçar o
vínculo com o seu público, criar uma identificação com o ouvinte. A sonoplastia recheada de
vinhetas é fundamental para consolidação e popularização do narrador conotativo, que tem
uma linguagem própria e diferenciada para fazer da transmissão esportiva no rádio um show
de entretenimento, dramatizando e construindo a figura do herói/vilão para envolver o
ouvinte. Nesse estilo, que veio depois da escola denotativa, encontra-se o ambiente lúdico na
composição narrativa e as razões de vários torcedores assistirem (ou não) a uma partida de
futebol ouvindo o jogo pelo rádio.
3.1 Composição dos elementos narrativos de uma jornada esportiva no rádio
Além da linguagem própria e o estilo rápido e emocionante usado pelo narrador de
futebol, as rádios se valem de outras estratégias para conquistar a preferência do ouvinte.
Existe a concorrência com a televisão e com outras emissoras e por isso é preciso apresentar
um conteúdo que prenda a atenção do público durante uma jornada esportiva que dura,
geralmente, de cinco a oito horas. A programação envolve o pré-jogo com debates, entrevistas
e informações sobre os times que vão se enfrentar; a partida de futebol em si com a descrição
do narrador, as informações complementares do repórter e a opinião do comentarista, e o pós-
jogo com toda a repercussão da partida, a palavra de ganhadores e perdedores, as polêmicas
criadas, as opiniões e a participação do ouvinte nos canais de comunicação da internet.
Para “segurar” o ouvinte durante tanto tempo, além dos debates que estimulam a
polêmica sobre atuação de jogadores, comportamentos de técnicos e dirigentes, e do tom de
emoção do narrador, a sonoplastia é fundamental na composição de uma transmissão de
futebol no rádio. As emissoras usam efeitos sonoros como uma série de vinhetas, geralmente
cantadas, com o nome dos times, dos narradores, da rádio, entre outros. As diversas músicas
também fazem parte da jornada. Os hinos dos clubes são tocados antes dos jogos e no
momento dos gols e as músicas atuais de sucesso são apropriadas pelos narradores para
incrementar o espetáculo. O som ambiente é fundamental na transmissão porque são passados
a manifestação da torcida, os cânticos que exaltam os clubes e jogadores e que provocam os
adversários, o grito de emoção, de apreensão e de decepção como as vaias. Além dessas
45
participações da torcida, os microfones localizados no campo do jogo também captam,
algumas vezes, o que o treinador está dizendo aos seus jogadores ou ao trio de arbitragem e o
som do chute na bola. Tudo isso compõe a emoção da jornada esportiva e caracteriza a
plasticidade sonora do rádio.
Os operadores de áudio são membros indispensáveis da equipe de transmissão. São
eles os responsáveis por colocar no ar as vinhetas e músicas que estão armazenadas no
computador. O profissional tem que saber o tempo certo que cada ilustração dessas irá para o
ar. Os efeitos sonoros precisam ter sentido com o conteúdo. Eles cumprem uma determinada
função e o seu uso tem que ser justificado.
Os efeitos sonoros são citados por Antón (2005) como um elemento da linguagem
radiofônica que ajuda a construir um produto corretamente no veículo e que servem para
descrever ambientes ou enfatizar situações. Antón (2005, p. 86) cita Merayo para caracterizar
as chamadas vinhetas como “aqueles produtos sonoros de breve duração e de distinta natureza
que, por si mesmo ou com ajuda da palavra, colaboram em uma ambientação e descrição de
uma ideia radiofônica, formando parte da mensagem que é transmitida”. Balsebre apud Antón
(2005, p.86) complementa que esses efeitos “são formas sonoras representadas por sons
inarticulados ou de estrutura musical, de fontes sonoras naturais e/ou artificiais, que restituem
objetiva e subjetivamente a realidade construindo uma imagem”.
As vinhetas são produzidas, geralmente com BG (background – música instrumental
ao fundo), com uma voz já identificada pelos ouvintes. Elas são diversas. Existem as vinhetas
com o nome da emissora – Antón chama de indicativo –, com o nome do apresentador, do
narrador, do comentarista, do repórter e dos programas – a marca segundo Antón –, e com o
nome dos times no caso do futebol e vários outros efeitos que servem, no caso da Rádio
Globo, por exemplo, para dramatizar ou descontrair. Algumas são produzidas para compor o
ambiente. Durante o jogo de futebol, quando uma bola passa perto do gol, o narrador descreve
o lance e o operador de áudio coloca a vinheta “uuuu!!!!”, por exemplo, quando o estádio está
vazio. Sinal que já é reconhecido pelo público que acompanha a transmissão do esporte como
um “quase gol”. Esse é um som que remete a realidade, já que muitos torcedores têm essa
ação depois que veem o lance ao vivo. O outro tipo de efeito sonoro, segundo Antón, é o
composto musicalmente, o mais produzido, com BG. Em todos os casos, especialmente na
transmissão de futebol pelo rádio, “a decodificação necessita certo aprendizado, pois o
ouvinte precisa saber o significado que o emissor quer dar a um efeito especial determinado.
Se trata, portanto, de conhecer unicamente um determinado código radiofônico (...)”
(MERAYO apud ANTÓN, 2005, p. 87).
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Os dois momentos mais marcantes e emocionantes de uma transmissão de futebol no
rádio são a abertura da jornada esportiva e, claro, o gol. Este último é o momento máximo do
espetáculo. Na abertura, uma série de vinhetas e músicas entra no ar convidando o ouvinte
para o espetáculo com recursos sonoros que exaltam as emissoras, os clubes e os membros da
equipe esportiva. As rádios precisam, segundo Antón, mesclar os efeitos sonoros com a
palavra (texto e locução), com a música e ainda com outros efeitos.
Outro recurso muito usado no rádio são as músicas já existentes que são apropriadas
pelas emissoras e aquelas compostas pela própria rádio para exaltá-la e para convidar o
ouvinte a seguir ouvindo a programação. Futebol e música fazem um movimento entrosado
no rádio que diverte e emociona.
3.2 Estilos e modos narrativos das transmissões esportivas radiofônicas
Soares (1994), ao referir-se sobre o rádio esportivo, destaca a existência de dois tipos
de narração que podem ser identificados como escolas denotativa e conotativa. No começo
das transmissões radiofônicas de futebol, os narradores preferiam ficar mais presos à
descrição dos jogos, eram mais formais e não brincavam com o uso das metáforas e exagero
nas irradiações. Sem efeitos sonoros como vinhetas e músicas. Essas características
identificam a escola denotativa. Nesse estilo, o narrador se preocupa com a objetividade, não
utiliza muitas figuras de linguagem, descreve o jogo com fidelidade, sem deixar de narrar os
lances para mandar abraços, por exemplo, e não fantasiando a transmissão.
Segundo Hélio Ansalo, radialista que atuou ao lado do narrador Pedro Luis na Rádio
Panamericana em São Paulo na década de 1940, em entrevista a Soares (1994, p.65), conta
que antigamente as transmissões não eram fantasiadas como nos dias atuais: “Hoje a bola está
correndo e o locutor diz: ‘Quero mandar um abraço para o Joaquim, que está no empório
Tico-Tico, lá longe’ e não sei mais o quê. A nossa transmissão era a do jogo real”.
Na escola denotativa, o objetivo dos locutores é “fotografar com a voz e comunicar
tudo o que está havendo”, como explicou o primeiro narrador de futebol no rádio do Brasil,
Nicolau Tuma, a Soares (1994, p.62). E foi Tuma quem criou o estilo dessa escola, seguido
posteriormente por, principalmente, Pedro Luís, José Silvério, Antônio Cordeiro, Amador
Santos e Rebello Júnior. Este último inovou a narração esportiva sendo o precursor do gol
prolongado, usado desde 1942 por praticamente todos os narradores de futebol. Essa prática
mostra que na escola denotativa também tem emoção, que é caracterizada na velocidade da
irradiação e no tom do locutor, mas a preocupação não é espetacularizar, a intenção é ser
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objetivo com a descrição do jogo lance a lance, citando jogador por jogador, descrevendo
onde a bola está, sem hiperbolizar. Neto, citado por Soares (1994, p. 61), ressalta que nessa
escola o vocabulário do narrador se limita ao “primeiro significado derivado do
relacionamento entre um signo e seu objeto”. No estilo denotativo, a bola é simplesmente a
“bola”. A velocidade da narração está presente nos dois estilos e começou com Nicolau
Tuma, que ficou marcado como “Speaker Metralhadora” por descrever os lances rapidamente,
ao vivo e de improviso.
Essencialmente descritivo e sem explorar as estratégias de metáforas e hipérboles, o
narrador Pedro Luiz transmitiu, pela Radio Panamericana, o segundo gol do Palmeiras contra
o Juventus, da Itália, na final da competição internacional Copa Rio, em 1951, dizendo nome
por nome dos jogadores, narrando com frases curtas, sem figuras de linguagem, sem vinhetas
e sem músicas. O resultado do jogo foi 2 a 2 e a equipe palmeirense, com a vantagem do
empate, foi campeã mundial daquele ano no estádio Maracanã, no Rio de Janeiro.
A bola de Fábio atada para Túlio. Túlio vai descendo agora pela intermediária.
Caminha para o grande círculo. Tem Luizinho colocado na esquerda e mais a frente
Rodrigues. Rodrigues recebe e cabeceia para Liminha. Liminha venceu Parola.
Entrou na área, correu pro gol... Gooool de Liminha (sem se prolongar no grito de
gol. Torcida grita ao fundo. Não tem vinheta nem música). Lance individual.
Dominou todo mundo na área. Há quatro elementos do Juventus. Foi pra risca do
gol. (...) Empurrou a bola pro fundo das redes (citação oral)18
.
O estilo da escola conotativa é diferente. Preza por algumas características da
denotativa, como a descrição dos lances e velocidade, mas, nesse estilo, pode-se dizer que a
emoção buscada é bem maior com as estratégias usadas pelos narradores que adotaram o tom
conotativo, sempre apoiados por uma plasticidade com diversas vinhetas cantadas e músicas
alegres. Os profissionais exageram no uso de metáforas, metonímias e onomatopeias, brincam
com a linguagem, hiperbolizam no modo de falar, deixando a transmissão mais divertida e
engraçada com o uso de signos conotativos. Os variados bordões para os narradores se
identificarem com o público e a presença de apelidos também são características dessa escola.
A “bola” aqui é chamada de “gorduchinha”, “pelota”, “caroço”, “menina”, etc. Para descrever
a escola conotativa, Soares (1994, p. 61) cita Neto, dizendo que os representantes seguidores
desse estilo caracterizam-se pelo uso de signos conotativos como aqueles que “põe(m) em
evidência significados segundos que vêm agregar-se ao primeiro naquela mesma relação
18
Transcrição da gravação disponível em <http://radioamantes.wordpress.com/2011/08/01/memoria-do-plantao-
relembra-narracao-de-pedro-luiz-para-titulo-do-palmeiras-em-1951/>. Acesso em: 01º jun. 2012.
48
signo/objeto”. A transmissão com um narrador dessa escola fica, pode-se dizer, bem mais
espetaculosa.
O radialista e compositor Ary Barroso foi quem usou tal estratégia no Rio de Janeiro
pela primeira vez, segundo Soares (1994). Conhecido como o “Homem da Gaitinha”, ele
deixava a transmissão mais festiva e, na hora do gol, momento máximo do futebol, o grito da
torcida, muito alto, abafava a voz do narrador. Sem tecnologia na época para aumentar o
volume do microfone para que a sua voz se sobressaísse, Ary Barroso deixava o som dos
torcedores ecoar e em vez de gritar gol, tocava uma gaita, sempre exagerando com efeitos
enfáticos no sentido das palavras e das frases, brincando com o jogo e com os seus elementos.
Percebe-se aqui o ambiente lúdico. Entre os principais narradores que fortaleceram a escola
conotativa estão Geraldo José de Almeida, Osmar Santos, Jorge Curi, Waldir Amaral, Fiori
Gigliotti e José Carlos Araújo.
Pode-se considerar que as escolas tinham relação direta com cada região. Os cariocas
apelavam mais para a emoção e se caracterizaram com o estilo conotativo. Já os paulistas,
mas descritivos, eram mais denotativos. Mineiros e gaúchos seguiram um pouco mais a escola
paulista. Mas, com o tempo, isso foi mudando. O estilo com metáforas e hipérboles alcançou
a todos os narradores e, hoje, a escola conotativa é predominante em praticamente todas as
regiões. E tal mudança pode estar ligada diretamente ao narrador de São Paulo, Osmar Santos.
Para muitos, o rádio esportivo pode ser dividido em dois: o antes e o depois de Osmar
Santos. Considerado um dos maiores narradores de rádio da história do Brasil por amantes do
veículo e colegas de profissão, Osmar Santos foi um ícone na criação de signos conotativos.
Como já foi dito, ele não foi o primeiro desse estilo, mas sua narração é considerada um
marco. Foi Osmar Santos que popularizou o uso de metáforas e hipérboles nas transmissões
esportivas, transformando a jornada em um espetáculo de entretenimento com muita emoção e
dramatização.
O narrador Osmar Santos começou sua carreira no rádio logo aos 14 anos de idade, em
1963. Nove anos depois, foi contratado para trabalhar na Jovem Pan de São Paulo. Em 1977,
assumiu o comando do departamento esportivo da Rádio Globo de São Paulo, a antiga Rádio
Nacional. Naquele mesmo ano, Osmar Santos narrou um gol histórico do Corinthians sobre a
Ponte Preta no terceiro jogo da final do Campeonato Paulista. O gol de Basílio deu o título ao
Corinthians depois de quase 23 anos. Quando aquela época é lembrada, o gol e a narração de
Osmar Santos parecem ser uma coisa só.
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Capricha garotão, capricha que o placar não é teu. Eu boto fé nessa cabecinha
garotão Zé Maria. Está autorizado, vai chover lá dentro na boca da butija, barreira
por dois homens, correndo pro pedaço Zé Maria, conclusão na boca do gol, atenção,
Basílio de cabeça, tentou, bateu na traaaaaave, de cabeça Vagner no zagueiro,
atenção Basílio no lance... E que goooooooooooooool. (entra música “Que bonito é,
as bandeiras tremulando, a torcida delirando, vendo a rede balançar”) Coringão na
frente, olha o espetáculo. Olha a emoção e a motivação, olha a festa do Brasil. Você
enche de lágrimas os olhos desse povo. Você enche de felicidade o coração dessa
gente. Corinthians: o grito sufocado de um povo, o grito do fundo do coração de um
torcedor. Depois de 20 anos a Fiel está explodindo. 22, 23, duas dezenas de anos na
cabeça desse povo. (..) O Corinthians que na explosão, no maior espetáculo do
território brasileiro. Corinthians, você acima disso tudo, é a alma desse povo. Você
liga a imagem do sorriso e de felicidade, das raízes do povo, Corinthians. Hoje a
cidade é do povo. Tem que ter festa alvinegra. Tem que cobrir essa cidade com
paixão e loucura. (...) Hoje é o verdadeiro dia do povo. Dia de cantar a alegria e ser
feliz. (...) Hoje mais do que nunca a cidade é do povo. Festa do povo. Basílio pro
pedaço, Basílio. 37 minutos do segundo tempo. Doce mistério da vida de
Corinthians. Inexplicável o Corinthians. Vai buscar a alegria no fundo da alma do
povo. Coringão. Basílio, Basílio, Basílio, Basílio, garoto, bom de bola. Lá vai
Coringão outra vez pro pedaço. Basílio pra conferir aos 37 minutos do segundo
tempo de jogo (citação oral)19
.
O gol foi narrado com muita emoção e em alta velocidade por Osmar Santos. O
narrador, sempre criativo e espontâneo, criou várias expressões como “pimba na
gorduchinha” e “ripa na chulipa” (chute na bola), “um prá lá, dois prá cá, é fogo no boné do
guarda” (jogada perigosa), “sai daí que o jacaré te abraça, garotinho” (jogador em posição de
impedimento), “no caroço do abacate” (no meio-campo), “salão de festas” (grande área),
“chegou a hora de ver quem tem garrafa vazia pra vender” (antes do jogo começar), “sabe
quem perguntou por você aqui no estádio? Ninguém” (referência a um jogador ruim ou
quando fazia uma jogada sem qualidade), “vai garotinho porque o placar não é teu” (jogo
empatado ou equipe que está perdendo tem uma falta para cobrar), “emendou um canudo”
(chute forte), “lá vem bola pro tumulto” (cruzamento na área), “boa bola, bola boa, boa bola,
bola boa” (enaltecer boa jogada), “bambeou, mas não caiu” (bola na trave), “pisou no tomate”
(desperdiçou a jogada), “chirolirolá, chiroliroli” (dribles perto do gol), e várias outras.
Osmar Santos também criava apelidos para identificar os jogadores. O mais famoso
foi o nome dado ao atleta Edmundo. Por ter um perfil mais agressivo dentro de campo, o
jogador ficou marcado como “animal”, apelido dado por Osmar Santos. Após um grave
acidente de carro em dezembro de 1994, Osmar Santos não conseguiu mais trabalhar como
narrador. Atualmente como pintor de quadros, o artista disse uma vez: “Ou reclamava do que
perdi ou aproveitava o que me sobrou. Resolvi aproveitar”.
19
Transcrição da gravação disponível em: <http://www.youtube.com/watch?v=WDk7GNcGP_g>. Acesso em:
30 de maio 2012.
50
O perfil e a linguagem de Osmar Santos foram fundamentais em uma reformulação do
rádio esportivo do Brasil. O novo estilo deu certo, deu audiência, conquistou o ouvinte, e
Osmar Santos começou a ser exemplo para a nova geração de narradores. Tanto que hoje,
percebe-se que os profissionais buscam mais o estilo conotativo para deixar a transmissão
mais alegre, emocionante, recheando-a com vinhetas e músicas, pois assim os comunicadores
do rádio esportivo pensam que conseguem prender mais a atenção do ouvinte e conquistar
mais audiência, dramatizando a irradiação do fato. Não existe mais um narrador voltado
totalmente para a escola denotativa. Os bordões, tática dos locutores da escola conotativa, são
quase que uma obrigação para todos os narradores. É assim que o profissional fica conhecido,
criando uma identidade com o ouvinte.
Osmar Santos ficou conhecido como “pai da matéria” por colocar em ênfase o
trabalho do repórter de campo. Assim, além dos detalhes do jogo acompanhando a partida ao
lado do campo, esse profissional se tornou importante por passar as informações gerais dos
times, jogadores e outros elementos que compõem o espetáculo e por fazer reportagens sobre
o esporte para programas do ramo e de notícias em geral. O trabalho do repórter esportivo é
jornalístico, informativo. Tal estratégia foi fundamental para a consolidação do formato das
transmissões radiofônicas de futebol de hoje. Osmar Santos, sem a vaidade que ainda
caracteriza muitos narradores do rádio, já que são considerados como estrelas das jornadas
esportivas, diminuiu o status do comentarista, visto antes como o dono da verdade, e começou
a agregar opiniões dos outros envolvidos nas jornadas esportivas, o que acontece ainda hoje
em algumas emissoras. Osmar Santos diminuiu o espaço da análise do comentarista e
aumentou a reportagem. Com mais espaço para o repórter, Osmar afirmou que uma de suas
características era tentar unir o lado jornalístico com o artístico durante a narração esportiva
(SOARES, 1994).
Willy Gonser, narrador esportivo durante 56 anos, foi um locutor da escola denotativa,
mas teve que se adaptar ao formato conotativo para se firmar nas emissoras em que trabalhou.
Gonser é contra os bordões e disse em entrevista realizada em 2009 à Rádio Banda, de
Coritiba, que foi aconselhado por Osvaldo Faria, da Rádio Itatiaia, a usar um jargão próprio,
pois isso, segundo ele, é o que marca. Willy Gonser, aposentado em 2009 com 74 anos,
transmitiu onze Copas do Mundo e se tornou um ícone do rádio esportivo mineiro por ser o
narrador que transmitia os jogos do Clube Atlético Mineiro na Rádio Itatiaia. E claro, o
famoso bordão “bola no fundo do barbante” o acompanhou durante muitos anos. Mas Willy
Gonser prefere locutores técnicos, como Pedro Luís, que dizia, segundo Gonser:
51
(...) sem ser muito vibrante, onde estava a bola, coisa que os locutores de hoje,
preocupados mais em fazer o próprio nome, se esquecem com quem está a pelota,
em que parte do corpo, qual é o adversário a cercá-lo e quais são as possibilidades
que ele poderia: a sua direita com fulano e a sua esquerda com cicrano. O grito de
gol do Pedro era curtinho, não era muito vibrante, não era muito envolvente não.
Mas uma narração tecnicamente perfeita (citação oral)20
.
O narrador Rogério Corrêa, da TV Globo, que começou no rádio, não usa bordões e
afirma que é preciso ter cuidado com o uso exagerado dessa estratégia para não padronizar
uma jogada, se não “todo lance vira a mesma coisa. Há narradores de rádio, sem querer
criticar, que narram o gol sempre da mesma maneira, com os bordões em sequência. Aí você
transforma todos os gols no mesmo gol. Eu acho que o legal é você ir mudando a narração a
cada gol” (In FARIA, 2011, p.139).
Abreu (2001), tomando como referência o jogo da final do Campeonato Carioca entre
Flamengo e Vasco da Gama, no dia 19 de junho de 1999, transmitido pela Rádio Globo do
Rio de Janeiro, resume bem o estilo da escola conotativa. O autor disse que o ritmo de
locução do narrador José Carlos de Araújo, conhecido como “Garotinho”, que trabalhou
durante 42 anos na emissora e se caracteriza com o uso de signos conotativos, “transforma a
narrativa num enunciado que reconstrói o jogo de futebol. As jogadas, os locais do campo e a
reação da torcida não são descritos literalmente. Ganham vida própria na voz do locutor”.
Os verbos, quase todos metafóricos, expressam o movimento dos jogadores, do juiz,
bandeirinhas, técnico e torcida. Muitos destes verbos são trazidos do vocabulário
popular e incorporados à narrativa, o que estabelece uma identificação de linguagem
entre locutor e ouvinte. Existe um simulacro de interatividade, na medida em que o
ouvinte tem a impressão de estar falando com um igual, alguém capaz de sentar-se
com ele à mesa do bar para ouvir o jogo. (ABREU, 2001, p.3).
Ao longo dos anos, o rádio esportivo evoluiu em todos os aspectos. Na parte técnica,
equipamentos modernos de transmissão, como os diversos microfones sem fio espalhados
pelo estádio, facilitam o trabalho de todos os profissionais envolvidos. A linguagem e o
formato das jornadas esportivas também sofreram alterações. Em praticamente todas as rádios
que fazem transmissões de futebol, há uma equipe formada por narrador, comentarista,
repórteres e plantonista, que informa os resultados dos outros jogos e, em alguns casos,
registra a participação do ouvinte. Mas a descrição dos lances e a velocidade da narração
ainda seguem os moldes do início das transmissões radiofônicas, mas é inevitável dizer que
elas estão cada vez mais emocionantes, com os narradores criando novas expressões para
20
Transcrição da gravação disponível em <http://www.youtube.com/watch?v=kppwffzz07c>. Entrevista à Rádio
Banda, em 2009. Acesso em: 01º set. 2011.
52
identificá-los e sempre se apoiando a uma variedade de metáforas e hipérboles. Soares (1994,
p.13) define que “o rádio esportivo se tornou um fenômeno de comunicação de massa. Com
linguagem diferenciada, os locutores, na tentativa de despertar o imaginário do receptor,
transformam a narração em grandes espetáculos, que chegam a superar a realidade”.
3.2.1 Influência do rádio nos telespectadores
O espetáculo de uma transmissão radiofônica de futebol vem encantando os torcedores
desde o início das narrações esportivas. Soares (1994) conta que muitas pessoas preferiam
acompanhar a narração pelo rádio a ir ao campo. O Diário Popular publicou, em 1934, artigo
dizendo que o torcedor torce mais ouvindo a partida do que vendo o jogo no estádio, tamanho
o fascínio imediato que as transmissões radiofônicas proporcionaram. Tanto que até hoje
muitos torcedores levam o rádio para o estádio ou veem o jogo pela televisão ouvindo a
transmissão pelo rádio.
Quando a televisão chegou ao Brasil, na década de 1950, existia uma apreensão entre
os profissionais do rádio sobre o futuro do veículo. Muitos pensaram que o rádio ia acabar.
Não acabou, mas sofreu muito no início. Os melhores radialistas foram para a televisão e
junto com eles as mais valiosas publicidades. A concorrência também acabou fazendo com
que as radionovelas e os programas de auditório se transferissem para a televisão.
As emissoras de rádio tiveram que desenvolver novas estratégias para não perder
audiência e começaram a trabalhar mais com prestação de serviço e divulgação de notícias.
Para enfrentar a concorrência da televisão, os radialistas esportivos incrementaram a
linguagem e incorporaram novas tecnologias do som para despertar cada vez mais o
imaginário do ouvinte. Assim, o rádio contrariou “os pessimistas que apostavam na sua
extinção. (...) Com isso, eles aumentaram sua vantagem no domínio da mídia. Já a evolução
da TV brasileira, na transmissão de esporte, é lenta, sem a exploração de todas as suas
possibilidades” (SOARES, 1994, p.106).
Mesmo com as transmissões de futebol pela televisão, que começaram no final da
década de 1950, o torcedor não abandou as jornadas esportivas do rádio e desde aquela época
muitos telespectadores tiravam o volume do televisor para ouvirem a narração radiofônica.
Pesquisas feitas pela Rádio Bandeirantes indicavam que 50% dos telespectadores faziam isso
e assim os locutores começaram a ser mais fieis na descrição dos lances, porque antes
“dramatizavam e exageravam muito, irradiando partidas imaginárias. Os chutes a gol sempre
raspavam a trave, mesmo quando passavam longe” (SOARES, 1994, p. 108). Mas o narrar
53
com emoção e velocidade, exaltando os lances de determinada partida, continuam sendo a
marca do rádio esportivo. Com tais estratégias, o jogo na voz do narrador é mais emocionante
que o fato em si, mesmo com a partida mostrando um nível técnico ruim, diferente do que está
sendo passado pelo radialista. Às vezes é dito que o jogo está fraco tecnicamente, mas o estilo
rápido e emocionante não perde o tom. Ainda nos tempos atuais, muitos torcedores
acompanham o jogo no estádio ou pela TV ouvindo o jogo pelo rádio.
Não se pode, claro, mentir ou inventar para dar emoção porque hoje os torcedores
estão cada vez mais atentos e informados sobre o que ronda uma partida de futebol e os
elementos que a compõe. No entanto, os narradores esportivos do rádio tendem a um certo
exagero na descrição dos lances. Às vezes, por exemplo, a bola está na defesa, a jogada está
longe de se tonar uma chance real de gol, mas o narrador irradia com velocidade, sendo
bairrista, falando frases de incentivo à equipe da região da emissora, passando emoção em um
lance comum, que não tem, e longe do gol. Mesmo assim, cientes disso porque estão vendo a
partida no estádio ou pela televisão, muitos torcedores continuam ouvindo o jogo pelo rádio.
A emoção é o que prende a atenção. Mas pode-se considerar que o rádio oferece, geralmente,
mais informação ao público se comparado à televisão. No rádio as jornadas esportivas são
mais longas, com mais espaço para entrevistas, reportagens e debate e, geralmente, a equipe
envolvida na transmissão é maior. Pelo dinamismo e imediatismo do rádio, o veículo oferece
ao torcedor o que a TV raramente faz, como por exemplo um repórter que entrevista
torcedores antes e depois dos jogos. É muito mais fácil para um repórter do rádio trazer uma
informação mais rápido porque, com o seu microfone sem fio, ele pode percorrer sozinho boa
parte do local do espetáculo. Como na televisão a imagem é o mais importante, o repórter
precisa estar sempre acompanhado pelo repórter cinematográfico para passar a informação.
Na busca por uma notícia ao vivo, especialmente em transmissões esportivas, a mobilidade
pode ser muito importante.
Na televisão, narradores e comentaristas acompanham a imagem, falam mais
lentamente (ou naturalmente em relação ao rádio) sobre os lances do jogo, dão outras
informações de jogadores e times durante a partida fazendo uma transmissão de futebol
completamente diferente da que é apresentada pelo rádio. Na TV, a prioridade é a imagem e
os profissionais não exageram na descrição de determinado lance do jogo como no rádio.
Na televisão o narrador tem que ficar sempre atento para não deixar que a imagem o
contradiga. Ele geralmente espera o replay do lance para analisar. Às vezes, quando a jogada
é muito confusa, nem com o replay o narrador e o comentarista chegam a uma conclusão.
Alguns se antecipam e acabam errando. O experiente narrador Silvio Luiz analisa que “a
54
imagem é a mãe e a madrasta. Você não queira brigar com ela (...) Ela te desmente. Ainda
mais hoje em dia” (In FARIA, 2011, p. 154).
No rádio, o som tem que ser explorado de todas as formas para prender a atenção do
ouvinte, como a velocidade da narração, uso constante de metáforas e hipérboles e exagero na
descrição dos lances dando, muitas vezes, emoção ao que não tem. O silêncio no rádio é raro
e dificilmente acontece, mas é importante quando usado, principalmente em uma
dramatização. Na televisão, narradores ficam alguns segundos sem falar, deixando para o
telespectador a imagem e o som ambiente da torcida. Quando o jogador chuta a bola longe do
gol, por exemplo, o narrador anuncia o chute – “bateu pro gol” –, mas depois, às vezes, opta
por não concluir a narração do lance e diz uma frase para chamar o patrocínio, como “Globo,
a gente se liga em você”. No rádio, não. O lance precisa ser concluído com a narração da
jogada para que o ouvinte saiba o que aconteceu.
Portanto, pelas características de ambos, pode-se dizer que o rádio passa mais emoção
que a televisão durante uma transmissão esportiva e, por isso, muitos torcedores preferem
acompanhar o jogo pelos dois veículos, com o mute acionado na TV e o rádio sintonizado no
jogo.
O envolvimento do narrador com o público durante uma transmissão radiofônica que
conta com uma forte interatividade e uma linguagem coloquial envolvente, emocionante e
aproximativa sempre recheada de metáforas que estimula o imaginário do ouvinte, é maior
que a relação que existe com os profissionais da televisão. Guerra (2000, p.44) destaca que
“por mais que Galvão Bueno (narrador da TV Globo) coloque a emoção e a paixão na sua
narrativa de TV, falta sentimento de participação e de diálogo com o torcedor, que a
linguagem do rádio soube perfeitamente traduzir dentro da narrativa de jogos de futebol”.
Com a evolução da internet e, consequentemente, das redes sociais, a interação entre
emissor e receptor estreitou ainda mais essa relação no rádio. Participações dos ouvintes são
lidas constantemente no ar, até mesmo as mais polêmicas. Tal prática, na TV, acontece ainda
de maneira tímida, mas está presente. Alguns vídeos, por exemplo, feitos por torcedores,
chegam a ir ao ar durante as transmissões. Com a convergência das mídias, hoje é possível
ouvir uma emissora não mais somente pelo rádio ou pela TV, como também pelos sites das
próprias empresas e por aplicativos baixados em iPed e iPod em qualquer lugar no mundo que
tenha acesso à grande rede.
Abreu (2001) lembra que na década de 1960, o comunicador Waldir Amaral prometia:
“você está à beira do gramado” e “veja o jogo ouvindo a Rádio Globo”. Com os direitos de
transmissão da Copa do Mundo de 1982 comprados com exclusividade pela TV Globo, a TV
55
Record, sem poder transmitir o jogo, investiu no rádio com o narrador Silvio Luiz, com os
seus variados bordões e fantasiando bastante a transmissão, chamando o ouvinte: “veja a
Copa na TV, mas ouça com o coração na Record”.
(...) a falta de imaginação para suprir um pouco as deficiências da imagem resultava
muitas vezes em uma narração monótona e repetitiva. (...) É bem verdade que o
sucesso financeiro foi absoluto, com a audiência ultrapassando os 92 pontos, mas em
Copa do Mundo isso não significa referendar a qualidade do que é mostrado. A
prova disso foi a surpreendente resposta obtida pelas rádios que cobriram os jogos
na Espanha. Teve muita, mas muita gente mesmo, que andou abaixando o som da
TV para ouvir o radinho, e não foi só na Record, não. (QUEIROZ apud SOARES,
1994, p.107).
Capinussú questiona o trabalho de alguns profissionais que fazem as transmissões
esportivas na TV. Segundo o autor, o trabalho do comunicador da televisão é, teoricamente,
mais fácil em relação ao rádio, “pois conta com a vantagem (ou a desvantagem, quem sabe?)
da imagem” (2005, p. 85). Capinussú ainda lista alguns pontos que marcam a jornada
esportiva na TV, mencionando erros que o locutor comete, por exemplo, confundindo os
nomes dos atletas; “a imagem é exibida em desacordo com a narração dos fatos, às vezes
devido à precipitação do locutor; a intromissão do locutor na função exercida pelo
comentarista do jogo e da arbitragem; a descrição de fatos irrelevantes paralelos à
transmissão”, desviando a atenção do telespectador; “o exagerado aproveitamento de ex-
atletas ou técnicos como comentaristas, que, sem o devido preparo, ‘escorregam’ no
vernáculo; a pouca criatividade dos programas, muito semelhantes aos do rádio e a pouca
ética de ex-árbitros, agora comentaristas”, que criticam os profissionais que ainda estão
atuando e que erram menos do que eles em suas épocas. O autor, no entanto, faz um elogio: o
fato da maioria dos profissionais serem imparciais, sem tomar partido de qualquer um dos
lados, o que difere das transmissões bairristas do rádio, que são mais locais. Na TV, vários
jogos são transmitidos para todo o Brasil. Capinussú tem razão em muitas dessas
caracterizações, mas não se pode generalizar. Existem bons profissionais, experientes ou os
novos talentos, estudiosos e que sabem todos os nomes dos jogadores, que conseguem
“aproveitar” a imagem durante as transmissões corretamente, e alguns ex-jogadores que
conseguem se destacar na função de comentarista. Uma explicação, analisada por Guerra
(2000) para mostrar que o rádio é mais emocionante que a TV, é a linguagem, já que a
televisão, para muitos, ainda não encontrou um estilo que supere o rádio em emoção.
O comentarista do SporTV, Paulo César Vasconcelos, por exemplo, quando está
analisando algum lance de uma partida e a imagem mostra outra situação, como a imagem da
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torcida ou do técnico de uma equipe, ele interrompe o comentário para falar o que a imagem
está mostrando e depois completa o raciocínio. Muitos, hoje, são assim. Em entrevista a Bob
Faria (2011), o narrador da TV Globo e do SporTV, Rogério Corrêa, que narra diversos
esportes, principalmente o futebol, ressalta que
as transmissões estão evoluindo e os narradores evoluindo junto. (...) Posso falar
para o nosso torcedor que os nossos narradores são muito bons. Porque sei da
dificuldade que é para fazer algumas coisas que os caras fazem. Os grandes
narradores como o Galvão (Bueno), o Luís Roberto, o Cleber Machado, o Luciano
do Valle, o Teo José, Silvio Luiz... A TV está cheia de jovens valores e também de
profissionais experientes que também são brilhantes. Nós estamos muito bem
servidos em relação à narração. (FARIA, 2011, p.141-142).
Narrador de futebol na televisão há mais de dez anos, Rogério Corrêa, caracterizado
como um estudioso do esporte por Bob Faria (2011, p.137), afirma que se prepara
intensamente para os jogos que vai trabalhar, se informando sobre os times, jogadores e
outros elementos do espetáculo, “independentemente de o jogo ser de um time grande ou de
um time minúsculo”: “ninguém toma o tempo das pessoas impunemente. Se a pessoa deu
duas horas do lazer dela no domingo para você, você tem a obrigação de fazer o melhor que
puder”.
Como já foi dito, pela vibração, agilidade, velocidade e linguagem diferenciada, o
rádio mostra-se mais emocionante que a TV no que diz respeito às transmissões dos jogos de
futebol. Mas os narradores da televisão também têm suas estratégias para emocionar o
torcedor que vê e ouve o jogo pela TV. Em entrevista a Bob Faria (2011, p. 199), o narrador
da TV Globo, Luís Roberto, que começou no rádio, destaca que o “narrador que consegue se
envolver tem uma tendência a ficar, às vezes, um ponto acima. É natural. Porque,
conceitualmente, é melhor você pecar pelo excesso do que faltar. A transmissão sem conteúdo
de paixão, de emoção, é muito chata”. O experiente narrador Galvão Bueno, também em
entrevista a Bob Faria, afirma que, no fim das contas, o locutor é um chefe de cozinha.
Costumo dizer que sou um vendedor de emoções. O esporte é emoção. Basicamente
é emoção. (...) Está faltando um pouco mais de pimenta, você vai colocar pimenta;
está faltando um pouco de sal, você vai colocar sal; a comida está fria, você dá uma
aquecida nela. Você tem dramas individuais, dramas coletivos (...) Você tem que
criar sempre um motivo para o cara não ir embora. (...) O narrador não aumenta o
público. Ele prende. (...) a obrigação é exatamente esta: você criar motivação para
que o cara não aperte o controle remoto. (FARIA, 2011, p.28-32-33).
O experiente narrador Silvio Luiz, outro que começou no rádio, é conhecido pelos
variados bordões que utiliza na narração dos jogos de futebol pela TV e por não deixar a
57
transmissão monótona na televisão. O narrador se coloca como um “legendador de imagem”,
descrevendo o lance (informação) e passando emoção (bordões). Com o objetivo de narrar
para que todos entendam o que está acontecendo, inclusive para quem não entende de futebol,
Silvio Luiz marcou sua trajetória como narrador com frases como “o que eu vou dizer lá em
casa. Pelo amor dos meus filhinhos”; “Vamos limpar a cozinha, sujou o avental, azedou o
molho”. Estratégia para dar mais emoção e deixar a transmissão engraçada, divertida.
(FARIA, 2011, p.155-156).
A TV Globo e o canal SporTV, canal fechado (TV por assinatura) que é do mesmo
grupo, continuam com os direitos de transmissão dos principais campeonatos veiculados no
Brasil. E a estratégia, entre os narradores radiofônicos, de convidar o ouvinte a ouvir o rádio
vendo o jogo pela televisão ou mesmo no estádio continua. O narrador Osvaldo Reis, o
“Pequetito”, narrador das Rádios Globo/CBN de Minas Gerais, convida: “Venha comigo na
viagem fantástica do mundo futebol. Olho na TV e radinho colado. Aumente o volume do seu
rádio. Você vai ver o jogo ouvindo a Rádio Globo”21
.
3.3 A presença de estratégias lúdicas na composição narrativa
Com o uso de metáforas, metonímias, hipérboles e os exageros que exploram a
emoção, encontra-se na narração de uma partida de futebol pelo rádio um ambiente lúdico na
transmissão esportiva. Jost (2007, p.125) afirma que o mundo lúdico é “definido como
intermediário entre o mundo da ficção, ao qual empresta as suas regras, e o mundo real, que
liga de maneira diversa o jogador ao mundo do jogo”. Nas jornadas esportivas pelo rádio,
todos os membros de uma equipe de esportes, seja ele narrador, comentarista e repórter,
exageram muito durante a transmissão, mas com referências ao real na visão de quem fala ao
microfone. O narrador incrementa a realidade de acordo com o que ele vê e com emoção.
Soares (1994, p. 80) afirma que por mais que o locutor esportivo tente se limitar à descrição
do jogo, ele “altera a realidade. Sua preocupação com o espetáculo o transforma em cidadão
de outro país, o País do Futebol, que sobrevive alienado dos problemas nacionais”.
O comentarista esportivo dos canais SporTV, Paulo César Vasconcelos, na
apresentação do livro de Bob Faria (2011, p.11), chega a exagerar dizendo que os narradores
esportivos “são os mais longevos contadores de histórias que a história registra”. Ainda
segundo ele, “são roteiristas que não escrevem. Criam enredos, te prendem, seduzem, fazem
21
Trecho do material gravado e transcrito pelo autor.
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você acreditar e te acalmam. Conferem esperança quando ela parece não mais existir e são os
primeiros a reconhecer que as coisas não andaram bem”. Bob Faria (2011, p.13), também
comentarista esportivo do SporTV e da TV Globo, afirma que o “narrador é o cantor da
banda. Ele é o termômetro do evento, é o mestre de cerimônias, é o sujeito que tem que ficar
feliz”. Essas opiniões são relacionadas ao narrador esportivo da televisão, mas podem,
perfeitamente, se enquadrarem ao narrador de futebol do rádio, que explora ainda mais as
emoções com a velocidade da irradiação e com o leque de metáforas e hipérboles que é usado.
Pode-se entender, então, que as transmissões radiofônicas de futebol são lúdicas, o
jogo narrado como jogo, o espetáculo de uma jornada esportiva ainda maior que o espetáculo
em si do esporte. Percebe-se que pelas características dos membros da equipe da escola
conotativa, o ambiente lúdico está presente mais nesse estilo, já que na escola denotativa os
profissionais ficam mais presos à descrição do acontecimento. Nada é puro, os radialistas se
revezam nas duas escolas durante a transmissão, mas a postura narrativa prevalece.
A parcialidade de narradores, comentaristas e repórteres durante uma jornada esportiva
é uma perspectiva que reforça a presença do lúdico nas transmissões radiofônicas de futebol.
Desde o início da narração lance a lance do esporte no início da década de 1930, as emissoras
transmitem os jogos para o público local, sendo parciais, torcendo para que a equipe da região
da emissora vença o jogo. Essa tendência ficou ainda mais forte com a transmissão em FM
(frequência modulada), que oferece melhor qualidade de som, mas de pouco alcance se
comparado às ondas médias (AM). A transmissão em FM é bem mais local que a da AM, que
consegue atingir regiões bem mais distantes.
Soares (1994) destaca que, ao que tudo indica, esse tipo de transmissão parcial
começou a partir de uma disputa entre paulistas e cariocas. As duas seleções regionais fizeram
dois jogos, e o primeiro foi no Rio de Janeiro. São Paulo tinha saído recentemente da
Revolução de 1932, e um jogo entre os dois estados era visto como uma guerra naquele
momento, de acordo com Nicolau Tuma em entrevista a Soares. A Rádio Cruzeiro do Sul
irradiou o jogo para os dois estados e os torcedores paulistas não gostaram da transmissão
porque o locutor torceu para os cariocas.
No segundo jogo, a Rádio Record, de São Paulo, decidiu transmitir, o que seria a
primeira irradiação de futebol da emissora, que tinha feito grande campanha a favor dos
paulistas durante o Movimento Constitucionalista. Era a oportunidade que a rádio tinha para
aumentar o seu prestígio com a população local na voz de Nicolau Tuma, o “Speaker
Metralhadora”. A partir de então as transmissões ficaram mais locais, parciais e essa prática
virou rotina no rádio.
59
Dentre os tipos de jogos citados por Jost, a transmissão de um jogo de futebol pode ser
enquadrada no âgon (grego), que leva a ideia de combate e competição (agonia). Nunes
(1993) também faz esta relação com o mundo lúdico e esse tipo de jogo que sugere a
competição: ganhar ou perder.
O que escutamos, nesse momento, no rádio, são sibilos, chiados, sopros, variações
de altura, ascendências e descendências de curvas melódicas. Essa polifonia de
formas sonoras, sustentando a palavra mítica, conforme presenciamos, arquiteta o
combate, modela elementos de tensão, angústia, incerteza, a ansiedade da vitória (...)
(NUNES, 1993, p.125).
Kellner (2006, p 119) entende que esse modelo de combate e vitória são valores
dominantes de uma sociedade que são celebrados com “seus rituais como as Olimpíadas, a
Copa do Mundo, eventos esportivos de entretenimento (...)”, já que “a cultura da mídia não
aborda apenas grandes momento da experiência contemporânea, mas também oferece material
para fantasia e sonho, modelando pensamentos e comportamento, assim como construindo
identidades”.
Observa-se que, como as transmissões são locais, elas se tornam um jogo, antagônicas,
levando a ideia do bem (time local) versus o mal (time visitante). O narrador irradia com
emoção, torcendo, literalmente, para a equipe da região da emissora. Os repórteres seguem o
ritmo do locutor, dão as informações dos dois times, mas sempre com destaque especial para
o time “da casa”. Já o comentarista analisa o jogo observando os pontos fortes e fracos do
clube local, falando o que a equipe tem que fazer para não sofrer gols e para ter mais
consistência ofensiva para conseguir a vitória. Geralmente, ele não deixa de falar do
adversário, mas chama a atenção para os cuidados que o time local tem que ter para não ser
surpreendido e as situações carentes que ele deve explorar do rival para marcar gols. Quando
o time regional perde, por exemplo, alguns analistas do futebol apontam os erros do perdedor,
esquecendo ou desconsiderando as qualidades do adversário vencedor.
Para Guerra (2000, p.42), “o que ocorre através desse jogo-espetáculo é uma
simulação, uma representação intensificada do próprio cotidiano da população”. O futebol é
um esporte que cria o clima de disputa. Em determinadas situações, como uma final de
campeonato entre rivais ou entre clubes de Brasil e Argentina, por exemplo, o ambiente hostil
das torcidas desperta uma sensação de guerra, indo além dos xingamentos. Alguns apelam
para a violência, brigam entre eles, contra a torcida adversária e com policiais e atiram objetos
no gramado. O clima de disputa é criado sendo o bem contra o mal, os jogadores como figuras
de heróis e vilões, o campo como território e a “bola como um ideal a ser perseguido”. Com
60
essas características que estimulam o combate, o futebol, para Guerra (2000, p.42),
“corresponde a um fenômeno natural espontâneo em suas implicações simbólicas” e que o
“mito é uma forma de interpretação de determinada realidade. Ele conta uma história sagrada,
relata um acontecimento que teve lugar no começo do tempo. Existe para dar resposta ao que
ainda não tem ou não consegue dar resposta”.
O homem necessita cada vez mais buscar o jogo para reencontrar-se nas diversas
oportunidades perdidas, para reencontrar-se na sua própria vida, devido a uma
ligação desequilibrada existente entre os componentes naturais e culturais... O
esporte, em geral, mais especificamente o futebol, é uma forma de afirmação social
e de conquistas pessoais, que se propagam para o âmbito mundial, encobrindo o
jogador vitorioso de uma auréola mitológica na categoria de herói (MOTTA apud
GUERRA, 2000, p.42).
Diante desse paradigma, é claro que o objetivo do jogo é a vitória. Essa realidade faz
parte da história da humanidade seja em qualquer área da vida. Os clubes têm suas metas e o
jogador, individualmente, geralmente quer ser o melhor, sempre com a necessidade de provar
o seu talento e mostrar que tem potencial de crescimento. Guerra (2000, p.43) complementa
que “a torcida se coloca no lugar do jogador e muitas vezes usa o veículo de comunicação
como instrumento de aproximação. Nesse caso, nada parece mais próximo de que a
linguagem usada pelo rádio esportivo”. Essa identificação do torcedor com o atleta é
fortalecida pelo rádio porque os grandes jogadores são colocados como craques de bola,
ganham apelidos carinhosos e são enaltecidos pelo talento que têm. Por outro lado, os atletas
que são limitados tecnicamente ou que apresentam queda de rendimento em campo, são
criticados pela equipe esportiva, influenciando, assim, muitos torcedores. Mas o torcedor
acompanha, tem opinião própria e não é influenciado facilmente. Se ele perceber que estão
elogiando demais um atleta que ele não gosta ou criticando muito um de seus ídolos, ele vai
questionar o comunicador. Como muitos torcedores são fanáticos, às vezes, quando é dada
uma informação ou uma emitida uma opinião que ele não goste, o torcedor se manifesta
contrário ao veículo, não acredita no que foi noticiado e o meio acaba perdendo credibilidade
mesmo agindo corretamente, apenas passando a informação. Caparelli, citado por Guerra
(2000, p.47), ressalta que essa relação forma um “antagonismo radical, um maniqueísmo”, já
que em casos de idolatria, “o principal jogador do clube está sempre certo, mesmo quando
uma jogada não se concretiza, já o outro que não possui esta relação com a torcida, é sempre
responsabilizado pelo erro”.
A influência dos grandes jogadores é tão grande em determinadas situações que até o
corte de cabelo é copiado. Os casos mais recentes no Brasil que causaram impacto nos
61
torcedores, especialmente entre as crianças, foram o estilo do atacante Ronaldo, que deixou o
cabelo no estilo do personagem Cascão, da Turma da Mônica, quando vestia a camisa da
Seleção Brasileira na Copa do Mundo de 2002, e, mais recentemente, do jovem atacante
Neymar, atleta do Santos, com o corte no estilo moicano.
A influência do narrador de futebol, seja do rádio ou da televisão, é tão grande, que,
em muitos casos, ele chega a ser famoso assim como o jogador de futebol. Principalmente, no
caso do rádio, quando ele tem uma identificação com algum clube. Com a popularidade em
alta, alguns jornalistas ou radialistas conseguem até ser eleitos a cargo político.
O futebol é um jogo com regras próprias e com tempo determinado para acontecer. É
um recorte temporal. Cada narrador irradia o jogo da sua maneira. O futebol é entretenimento
porque o seu fim é este, mas como é um esporte que fascina os seus amantes, desperta reações
diversas e extraordinárias, passando a ser uma das prioridades na vida de milhares de
torcedores. O torcedor, geralmente, tem um pensamento crítico e não aceita as derrotas do seu
time. Protesta, às vezes violentamente, pede a demissão de treinadores e jogadores, a saída de
dirigentes, chora de tristeza quando o time perde um campeonato ou entra em uma crise,
chora de alegria quando o clube chega ao top com uma conquista, exalta os atletas, faz deles
os seus ídolos, se ilude com times ruins ou medianos, questiona a arbitragem para amenizar a
derrota e os erros do seu time, enfim, entra no mundo do futebol, fazendo daquele o seu
mundo, o seu mundo real. Essas emoções são levadas para outros ambientes, talvez o mais
real, como o familiar e o profissional. Muitas vezes o torcedor é influenciado pelos jornalistas
esportivos, que são formadores de opinião.
Aqui (no estádio) o torcedor agita o lenço, engole saliva, engole veneno, come o
boné, sussurra preces e maldições, e de repente arrebenta a garganta numa ovação e
salta feito pulga abraçando o desconhecido que grita gol ao seu lado. (...)
Compartilha com milhares de devotos a certeza de que somos os melhores, todos os
juízes estão vendidos, todos os rivais são trapaceiros. É raro o torcedor que diz:
“Meu time joga hoje”. Sempre diz: “Nós jogamos hoje”. Este jogador número doze
sabe muito bem que é ele quem sopra os ventos de fervor que empurram a bola
quando ela dorme, do mesmo jeito que os outros onze jogadores sabem que jogar
sem torcida é como dançar sem música. Quando termina a partida, o torcedor, que
não saiu da arquibancada, celebra sua vitória, que goleada fizemos, que surra a
gente deu neles, ou chora sua derrota, nos roubaram outra vez, juiz ladrão. E então
o sol vai embora, e o torcedor se vai. Caem as sombras sobre o estádio que se
esvazia. (...) O estádio fica sozinho e o torcedor também volta à sua solidão, um eu
que foi nós; o torcedor se afasta, se dispersa, se perde, e o domingo é melancólico
feito quarta-feira de cinzas depois da morte do carnaval (GALEANO, 2004, p.14-
15).
Para Herschmann, citado por Guerra (2000, p.52), “tratar do futebol representa não
apenas analisá-lo como manifestação lúdica, mas perceber como se configura o imaginário de
62
seus participantes”, já que o jogo precisa ser, segundo Guerra, “percebido como uma
dimensão ontológica da vida social”.
Antón (2005) destaca quatro características fundamentais do rádio: intensidade,
duração, tom e timbre. Assim, constata-se a presença do ambiente lúdico em uma transmissão
esportiva, pois são proporcionadas emoção e sensações de alegria, euforia, tensão, excitação,
os tons geralmente são agudos, o timbre mais aberto e as inflexões variadas. A intensidade é
alta e a duração com ritmo rápido e variado. Essas características estão relacionadas
diretamente à locução do radialista, ou seja, a forma como o profissional do rádio explora sua
voz para se comunicar com o ouvinte. O locutor precisa respeitar as regras de redação do
veículo, linguagem simples e coloquial, por exemplo, o que Soares (1994) define como mais
leve, espontânea, dinâmica, vibrante, com frases enxutas e corretas, sem temer a repetição, o
que reforça a comunicação oral. Assim, o texto “se materializa na voz do locutor. (...) Não se
trata de uma mera leitura de palavras que unimos com certo sentido”, segundo Antón (2005,
p.59).
A intensidade é a força ou potência da emissão da voz produzida pela pressão do ar
nas cordas vocais que provoca em estas vibrações que podem ser de uma maior ou
menor amplitude. (...) A duração é a qualidade da voz que os sons se estendem
durante um determinado período de tempo, o que os tornam perceptíveis. (...) O tom
é a altura ou elevação da voz que resulta do número de vezes por segundo que
vibram as cordas vocais, que determina sua frequência. (...) O timbre é a
personalidade ou o calor da voz, resultado da combinação do tom. (...) Qualquer voz
radiofônica deve resultar agradável ao ouvinte (ANTÓN, 2005, p. 60-61).
São essas as características do rádio, que tem como objetivo principal estimular a
imaginação do ouvinte. O improviso, as metáforas, as hipérboles, a liberdade para criar novas
expressões e o vocabulário próprio usado desde a década de 1930 são estratégias dos
radialistas esportivos para despertar o imaginário do ouvinte, narrando com emoção e fazendo
da transmissão um espetáculo, sempre mais que o jogo de futebol em si. O nome da jornada
esportiva da Rádio Globo deixa claro sobre o que é preparado para o ouvinte: um verdadeiro
“Futebol Show”.
3.4 O jogo, o drama e o herói: estratégias narrativas para envolver o ouvinte
Com transmissões parciais e opinativas, o comunicador que participa de uma jornada
esportiva no rádio é um formador de opinião. Emite seu parecer sobre um time, qualificando e
desqualificando jogadores, árbitros, técnicos, presidentes, diretores e até o comportamento das
63
torcidas. A opinião dos jornalistas esportivos tem muito peso na criação das figuras de ídolos,
os heróis, que geralmente ganham apelidos para identificar os atletas com a torcida. Durante
uma transmissão, os comunicadores elegem o melhor em campo, o herói daquele momento, o
pior em campo, o vilão do jogo, geralmente usando uma enormidade de adjetivos para avaliar
a atuação das equipes e dos jogadores.
Os meios de comunicação são formadores de mentalidades, personalidades. Como
tal, assumem uma responsabilidade ímpar. Não há meio-termo: ou agem com retidão
ou descambam para o condenável. Não podem permanecer eternamente no muro.
Têm de tomar uma posição definitiva, caso queiram ganhar a respeitabilidade e a
confiança daqueles que os prestigiam (CAPINUSSÚ, 2005, p.81).
Em relação a essa influência dos cronistas sobre o ouvinte, Capinussú coloca em
questão a qualidade do trabalho desses profissionais, uma vez que os mesmos acabam, muitas
vezes, por levar o receptor a percepções equivocadas dos diversos aspectos do jogo. Segundo
o autor, “muitas pessoas sem qualificação, que se propõem a ministrar orientação sobre
práticas esportivas sem conhecimento técnico do assunto, fazem uso dos meios de
comunicação” (2005, p.87). Desse modo, o autor lança dúvidas também sobre a formação –
ou a falta dela – para que tais cronistas exerçam trabalho tão específico.
Quem mais opina sobre jogadores, técnicos, formação tática e arbitragem são os
profissionais contratados para isso: o comentarista esportivo. Existem vários estilos. Os
polêmicos, os críticos, os responsáveis, os irresponsáveis, os que optam pelas estatísticas e
fatos históricos, os mais técnicos que analisam as formações táticas, os que não criticam e só
elogiam, os amigos de jogadores e técnicos, os políticos, os profissionais que não aceitam
interferência e têm opiniões próprias, etc. Muitos não sabem a importância que tem uma
simples palavra dita para avaliar as atuações dos profissionais. Eles são, geralmente, o
editorial de uma empresa de comunicação. Alguns são ex-jogadores – muitos despreparados
para falar do assunto –, outros jornalistas por formação. Mas não são só os comentaristas os
responsáveis pela opinião. Narradores e repórteres também analisam e discutem durante uma
transmissão quando as posições sobre determinado assunto são diferentes.
A preocupação de Capinussú (2005) é relevante porque muitos profissionais não
sabem o peso que tem uma opinião na mente do receptor. Alguns poderiam ser mais
responsáveis e estudiosos para evitarem as gafes, as incoerências, os erros técnicos e de
português. Capinussú recomenda, considerando o esporte um meio de educação e assim a
responsabilidade do comunicador esportivo assume um papel de grande importância, que a
disciplina “Jornalismo esportivo” entre na grade curricular dos cursos de jornalismo e que
64
mais cursos de pós-graduação com profissionais da área sejam desenvolvidos.
Em entrevista a Bob Faria (2011), o narrador Rogério Correa, destaca que, com a
evolução das transmissões pela TV, por exemplo, os narradores precisam
(...) estar mais bem preparados para as transmissões que estão cada vez mais
espetaculares, mais brilhantes. Agora é HD, 3D. Agora é câmera de trilho, é a grua,
é a câmera lá pelo cabo. Cada dia a transmissão está mais sofisticada. Isso nos
obriga a também aperfeiçoar nosso trabalho. As transmissões, o trabalho do
jornalista está ficando mais sofisticado e a gente tem que se capacitar. Então a ideia
é as pessoas aprenderem sobre medicina esportiva, sobre legislação esportiva, sobre
a tática de futebol, sobre preparação física, sobre oratória, porque a gente, muitas
vezes, é jogado nesse mercado, tem que estar cada dia mais bem preparado senão
não dá conta desse nível de cobrança, que aumentou muito também com a chegada
da internet. (FARIA, 2011, p.141-142).
É preciso lembrar que, com a variedade de opiniões em diversos programas esportivos
no rádio, na televisão e na internet, o receptor ficou mais crítico e participativo com a
expansão das redes sociais. Muitos jornalistas esportivos têm blogs e um perfil no Twitter e
no Facebook. Ali eles expõem opiniões e são elogiados e criticados pelos torcedores que os
acompanham. Isso porque os torcedores hoje também opinam utilizando-se dessas
ferramentas. Alguns têm até blogs ou sites. Eles não são mais só receptores. O torcedor está
mais crítico, participativo e com opiniões próprias. Mas tal comportamento ainda pode ser
considerado da minoria.
Mesmo mais entendidos e participativos, o público segue sendo influenciado pelo
comunicador e utilizando-se até da sua linguagem. Os apelidos dados a jogadores de futebol
são apropriados por torcedores em cânticos nas arquibancadas nos estádios e em referências
nas redes sociais. Em Minas Gerais, quem mais gosta desse recurso é o narrador Alberto
Rodrigues, que narra os jogos do Cruzeiro na Rádio Itatiaia. Os jogadores de destaque,
colocados por ele como ídolos do clube, ganham apelidos carinhosos. Exemplos: Marcelo
Ramos era chamado de “o flecha azul”, Ricardinho era o “mosquitinho azul”, “o talento azul”
era Alex, Sorín tinha o apelido de “pássaro azul”, Dida era a “muralha azul”, entre outros. Tal
prática começou com Geraldo José de Almeida em 1936, que dava apelidos aos jogadores e
seleções. O narrador chamava Pelé de “craque café”, Tostão de “mineirinho de ouro”, Bauer
era o “coca-cola”, Servílio o “bailarino”. Geraldo foi quem deu o famoso apelido à seleção
brasileira, chamando-a de “Seleção Canarinho” na Copa do Mundo de 1970. No entanto,
nunca nenhum outro componente de uma partida de futebol ganhou mais apelidos que a bola,
chamada de “gorduchinha”, “pelota”, “caroço”, “menina”, “criança”, “redonda”, “nêga”, etc.
65
Alguns clubes são identificados fortemente pelo seu mascote e cores predominantes
estampadas nos uniformes dos jogadores. Essa caracterização foi influenciada diretamente
pelos radialistas esportivos, que “foram também responsáveis, dentro de um processo de
idealização/exaltação do futebol, pela criação de símbolos que supervalorizaram os clubes ou
mesmo os objetos do esporte”, direta ou indiretamente: “as diretas derivam de
símbolos/cores/local da sede de cada clube; as indiretas são consequências de representações
gráficas criadas por desenhistas humorísticos da época, ou pelo estereótipo do torcedor”
(SOARES, 1994, p.79).
São diversas as expressões e termos que compõem a linguagem do futebol. Um léxico
próprio. Existem expressões que são utilizadas por quase todos os comunicadores do meio
esportivo. Os profissionais, no entanto, criam seus próprios bordões. Osvaldo Pascoal,
comentarista da Rádio Globo de São Paulo, diz expressões como “esse jogador é uma tiriça”
ou “esse jogador é pior que pinga de fazer quentão” quando se refere a um atleta que não é
bom tecnicamente.
Existem várias expressões que são utilizadas por todos os narradores durante uma
transmissão de um jogo de futebol no rádio. Faz parte da linguagem própria e diferente do
narrador radiofônico da escola conotativa, que opta pela velocidade, vibração e agilidade na
proliferação das palavras e pela série de metáforas para compor o espetáculo da transmissão,
facilitando a compreensão do público que acompanha o esporte e está acostumado com as
expressões usadas.
Luhmann (2005, p.103) destaca que é preciso fazer referência ao conhecimento já
existente do receptor (neste caso, do ouvinte): “entretenimento tem, nesse caso, um efeito de
reforço em relação a um saber já presente”. As regras do jogo de futebol são poucas (apenas
17) e simples, por isso são compreendidas e memorizadas com mais facilidade pelo amante do
esporte. Com esse conhecimento, o ouvinte consegue se situar durante a narração.
Um show de entretenimento é preparado para o público desde o início da jornada
esportiva. A abertura da trama conta, geralmente, com uma série de vinhetas e músicas,
sempre convidando o ouvinte para as informações dos times que vêm a seguir e,
principalmente, para o jogo que será transmitido. Entrevistas, informações de como foi a
preparação dos times para os jogos, os destaques, as polêmicas, o debate entre a equipe de
esportes formada por narradores, apresentadores, comentaristas e repórteres, sempre
colocando a opinião do ouvinte no ar com as participações pelas redes sociais ou pelos sites
das emissoras, enfim, tudo isso são ingredientes que antecedem o jogo em si.
66
Quando o jogo começa, o narrador passa a ser o enunciador principal, o chefe da
equipe, a estrela da jornada, o “dono do gol”, que descreve lance a lance a partida de futebol e
quem aciona os repórteres, o comentarista e o plantonista. Às vezes o narrador é interrompido
por algum colega, mas é o enunciador principal quem comanda as ações, permite ou não as
interrupções, corta o comentarista ou o repórter em um lance de perigo de gol, é ele quem
comanda o ritmo da transmissão.
A trama da transmissão se vale dos mais diferentes recursos para não perder audiência.
A narração é rápida, emocionante e dramática, mesmo quando a bola está na defesa e não
apresenta perigo ao adversário. Jorge Curi, conta Capinussú (2005, p. 84), “transformava as
situações mais simples do jogo em lances emocionantes”. Jorge Curi fez escola e
praticamente todos os narradores agem assim atualmente. As vinhetas anunciam o tempo e o
placar, o nome dos profissionais que estão na transmissão e o nome dos times que estão
jogando, o som ambiente da torcida incrementa a jornada e a hora do gol constrói o momento
máximo do esporte e do narrador. É ali que ele e o jogador se consagram. O êxtase da torcida
(decepção da outra), do jogador, do time e do narrador, que solta a voz, grita, apresenta o
turbilhão de metáforas e hipérboles, coloca o atleta em um posto de herói e quem falhou no
lance como um vilão.
A trama é construída não de acordo com os fatos em si, com o jogo de futebol que está
sendo descrito. Os lances da partida são a base para a construção de uma transmissão
emocionante, já que a função do narrador é fazer um show mesmo quando o acontecimento
não propicia essa prática. A transmissão no rádio é parcial, sempre com foco para o time da
região da emissora, onde a audiência se consolida. Assim, quando a equipe “da casa” está
perdendo, é hora de animar o ouvinte para uma possível recuperação no jogo. Às vezes isso
fica complicado com uma derrota por mais gols de diferença ou com a equipe da região
jogando muito mal, mais perto, assim, de sofrer mais gols do que fazer. A realidade não é
deixada de lado. O narrador e comentarista analisam o jogo, dizem que a equipe está jogando
mal, sem conseguir reagir, criticam jogadores e técnicos, mas apontam, de acordo com suas
visões, o que é preciso para mudar a história do jogo. Os comunicadores assinalam uma
maneira diferente de jogar, dizem as fragilidades do adversário que precisam ser exploradas,
uma substituição de um jogador que pode dar resultado, enfim, eles propõem o que seria a
solução para resolver o problema. Uma recomendação que vai para os ouvintes torcedores
como uma esperança e com o narrador seguindo o estilo emocionante. A dramatização
“segura” o ouvinte. Osvaldo Reis, das Rádios Globo e CBN, “empurra” o time em suas
transmissões: “Que drama. Vai Cruzeiro. Força Cruzeiro. Eu acredito”, por exemplo. Quando
67
o time da região da emissora está vencendo por um placar mínimo e o nível técnico do jogo
cai drasticamente, os narradores precisam dar emoção ao que não tem para não perder a
audiência, a dramatização tem que prevalecer na imaginação do torcedor. Quando o jogo é de
bom nível técnico, o narrador segue o ritmo. Caso contrário, ele fantasia, dramatiza a
transmissão para o torcedor/ouvinte não desistir do seu time naquele momento e, assim,
continuar ouvindo o jogo naquela emissora.
68
4 RÁDIOS ITATIAIA E GLOBO/CBN: A COBERTURA DO FUTEBOL EM MINAS
GERAIS
Após apresentado e discutido o aparato teórico nos capítulos anteriores, a análise dessa
parte final do estudo é do objeto empírico. Definida a técnica de pesquisa e delineadas as
categorias de análise, este estudo mostra a história das Rádios Globo/CBN e Itatiaia, analisa a
cobertura esportiva de ambas, as estratégias de cada narrador para se identificar com o
público, a maneira como o ouvinte é tratado pelas emissoras, a plasticidade das rádios durante
as jornadas esportivas, como elas mantêm ou desrespeitam o contrato de leitura firmado com
o público e a forma constante que as emissoras se propagam através de vinhetas, músicas e
expressões dos narradores.
4.1 Metodologia e categorização
A técnica de pesquisa deste estudo é a análise de conteúdo que, segundo Bardin
(1977), utiliza procedimentos sistemáticos e objetivos de descrição do conteúdo das
mensagens, enriquecendo a tentativa exploratória e aumentando a possibilidade de
descobertas, para servir de provas, confirmando ou não uma informação.
Bardin ressalta que o objetivo da análise de conteúdo é a inferência, “baseada ou não
em indicadores quantitativos”, já que esse tipo de análise não tem alcance exclusivamente
descritivo como antes (FONSECA JÚNIOR, 2011, p.283-284). Para Krippendorff, apud
Fonseca Junior (2011, p.285) “a análise de conteúdo é uma técnica de investigação destinada
a formular, a partir de certos dados, inferências reproduzíveis e válidas que podem se aplicar a
seu contexto”.
Na visão de Krippendorff, a análise de conteúdo possui atualmente três
características fundamentais: (a) orientação fundamentalmente empírica,
exploratória, vinculada a fenômenos reais e de finalidade preditiva; (b)
transcendência das noções normais de conteúdo, envolvendo as ideias de mensagem,
canal, comunicação e sistema; (c) metodologia própria, que permite ao investigador
programar, comunicar e avaliar criticamente um projeto de pesquisa com
independência de resultados (FONSECA JUNIOR, 2011, p.286).
Levando em consideração os “métodos de pesquisa em comunicação de massa”, a
análise de conteúdo, segundo Fonseca Junior (2011, p.280), “ocupa-se basicamente com a
análise de mensagem”, cumprindo “os requisitos de sistematicidade e confiabilidade” e que o
método é uma ferramenta muito útil na elaboração de pesquisas científicas, especialmente
69
“aos desafios emergentes da comunicação e de outros campos do conhecimento”. Lozano,
citado por Fonseca Junior (2011, p.286), acrescenta que “a análise conteúdo é sistemática
porque se baseia num conjunto de procedimentos que se aplicam da mesma forma a todo o
conteúdo analisável”.
Bardin (1977, p.164-165) destaca que “qualquer análise de conteúdo passa pela análise
da própria mensagem”, que constitui “o ponto de partida e o indicador”, e que esse tipo de
análise “pode realizar-se a partir das significações que a mensagem fornece”. O autor afirma
ainda que a análise de conteúdo pode ser feita através do código, que serve como um
indicador que revela “realidades subjacentes”.
Por outras palavras, a análise de conteúdo constitui um bom instrumento de indução
para se investigarem as causas (variáveis inferidas) a partir dos efeitos (variáveis de
inferência ou indicadores; referências no texto), embora o inverso, predizer os
efeitos a partir de factores conhecidos, ainda não esteja ao alcance das nossas
capacidades (BARDIN, 1977, p.167).
A análise de conteúdo tem um intento definido, prezando pela objetividade e visando
esclarecer questões, segundo Temer (2011). O pesquisar deve analisar e categorizar os
elementos de investigação para que seu corpus de análise seja bem fundamentado.
Além da técnica de fonte indireta documental (fontes não escritas, gravações
radiofônicas) para comparar os estilos e modos narrativos das transmissões tomando como
referência as escolas denotativa e conotativa que identificam os profissionais desde o início
das narrações esportivas no rádio, foi usada também a técnica de fonte indireta de pesquisa
bibliográfica para estudar e analisar a composição dos elementos narratológicos da
transmissão radiofônica de futebol e como os enunciados da transmissão esportiva incorporam
estratégias narrativas marcadas pelo lúdico, na perspectiva de Jost (2007), e como contribuem
para a instalação de um ouvinte fiel. A técnica de observação direta intensiva também foi
utilizada. Uma pesquisa de campo nos estádios onde os jogos foram realizados foi importante
para a análise deste estudo.
A análise do áudio oriundo do rádio exige atenção particular, especialmente as
transmissões esportivas, já que, durante o jogo de futebol, os narradores irradiam com
vibração na proliferação das palavras e com muita velocidade na descrição dos lances da
partida. Moragas Spa alerta para os desafios da análise da mensagem no rádio. O autor
espanhol destaca as dificuldades de transcrever e traduzir todo o discurso radiofônico, pois é
diferente, por exemplo, da imprensa escrita, onde o leitor, no caso do jornal, pode recortar,
70
arquivar, classificar, fazer a leitura quando quiser e selecionar grupos e subgrupos que mais o
interessar.
(...) en la radio los mismos temas no aparecen fijamente y sólo en un lapso
determinado de tiempo, sino que anárquicamente se repiten a lo largo de todo el
tempo de emisión sonora. (…) A la dificultad de transcribir, traducir, todo el
discurso radiofónico a un esquema que implique la coordenada espacial, a la
complejidad de reunir en unidades todas las variantes temáticas distribuidas
anárquicamente a lo largo de la cadena sonora, deberá añadirse aún la dificultad que
significa hallar los temas mezclados entre sí. En una edición de variedades
musicales, puede interferirse un comentario del locutor sobre el clima, la lluvia, el
calor que hace en aquel momento. Esta misma audición acostumbra a interferirse
con las señales de identidad de la emisora, con la información horaria, publicitaria,
etcétera (SPA, 1976, p.240-241).
Durante a análise das transmissões das partidas de futebol pelo rádio, percebe-se que o
narrador não fica restrito à descrição dos lances da partida. Ele insere comentários, registra
participações do público, “manda abraços”, aciona os repórteres e comentaristas, informa o
tempo e o placar do jogo, analisa o comportamento das torcidas, questiona a arbitragem,
insere alguma informação que aconteceu durante a semana, propaga a emissora e a equipe
esportiva, fala de outros jogos e da situação do campeonato, entre outros. Todos esses
aspectos precisam ser analisados e diversos trechos devem ser transcritos.
4.1.1 Categorias de observação e corpus para análise
As análises das transmissões, com foco nas estratégias de linguagem usadas pelo
narrador – o enunciador principal –, envolvem os programas de pré e pós-jogo (uma hora
antes e uma hora depois da partida) e o jogo em si. O estudo da jornada esportiva e não só da
transmissão da partida é importante porque abrange o esquema de abertura da programação da
cobertura do jogo de futebol, as informações dos repórteres que acompanham o dia a dia dos
clubes, os debates com toda a equipe de esporte envolvida na transmissão, as entrevistas com
técnicos, jogadores, dirigentes e torcedores e as análises ao final da partida.
Para analisar as transmissões esportivas das Rádios Itatiaia e Globo/CBN e buscar
detectar as diferenças entre as emissoras, objeto deste estudo, foram definidas quatro
categorias para observação do corpus já mencionado:
i) modos de locução e sonoplastia: serão analisados o perfil dos narradores, em
qual escola eles se enquadram e quais são suas estratégias de fala durante a
jornada esportiva para prender a atenção do ouvinte. Essas estratégias,
geralmente, estão diretamente ligadas com a sonoplastia usada pelas
71
emissoras. A plasticidade composta por vinhetas e músicas utilizada pelas
rádios também será analisada dentro dessa categoria.
ii) lugar destinado ao ouvinte: o espaço que o público tem durante as jornadas
esportivas é o foco dessa categoria. O objetivo é entender como funciona a
participação do ouvinte, em quais momentos, em quais canais e o tempo
destinado a ele nas Rádios Itatiaia e Globo/CBN.
iii) ambiente lúdico e entretenimento predominante: o jogo de futebol faz parte de
uma outra realidade do público e que consegue atrair milhares de pessoas que
se sentem envolvidas com o espetáculo. É uma forma de entretenimento. No
rádio, como citado neste estudo, a transmissão radiofônica de uma partida de
futebol extrapola em emoção para superar o próprio jogo em si. Portanto,
nessa categoria serão analisados os exageros dos narradores durante as
jornadas esportivas, os incrementos da realidade durante a narração para
estimular o imaginário do ouvinte, a parcialidade dos narradores que estimula
ainda mais o clima de disputa e, por fim, como os jogadores são colocados
como heróis e vilões pelos comunicadores das emissoras objetos deste estudo.
iv) auto-referencialidade das emissoras: com vinhetas, músicas e frases de efeito
dos comunicadores que exaltam o rádio em geral e, claro, a própria emissora,
as Rádios Itatiaia e Globo/CBN fazem propaganda de seus conteúdos
frequentemente, se auto-promovendo, encontrando, nessa estratégia, uma
forma de fidelizar ainda mais o público. Tal prática acontece mais nas
programações esportivas e nas vinhetas que fazem a propaganda para as
transmissões de jogos de futebol.
Com essa categorização, entende-se que é possível analisar e distinguir as
transmissões esportivas das Rádios Itatiaia e Globo/CBN e as estratégias de linguagem e de
plasticidade usadas para fidelização do público.
A análise do objeto empírico deste estudo se baseia em quatro jornadas esportivas das
Rádios Itatiaia e Globo/CBN dos três principais clubes de Minas Gerais: Clube Atlético
Mineiro, Cruzeiro Esporte Clube e América Futebol Clube. No total, são oito transmissões
que resultaram em 32 horas de material gravado e analisado. Optou-se por analisar partidas
dos clubes mineiros realizadas na casa deles, em Belo Horizonte, no estádio Independência –
já que o Mineirão, principal estádio de Minas Gerais, ficou fechado de junho de 2010 a
dezembro de 2012 para obras de modernização visando a Copa do Mundo de 2014 no Brasil –
e um jogo disputado fora do estado, com uma equipe mineira jogando como visitante,
72
justamente para entender a dinâmica das transmissões com a torcida a favor e contra os times
mineiros.
Os critérios para a escolha das transmissões levaram em conta os seguintes aspectos:
i) todos os jogos disputados em 2012 e pelo Campeonato Brasileiro Série A (Atlético e
Cruzeiro) e Série B (América);
ii) pela Rádio Itatiaia, as partidas deveriam ser as irradiadas pelos narradores que se
identificam com cada clube;
iii) pelas Rádios Globo/CBN, mesmo não tendo a identificação do profissional com o
clube, os três narradores do grupo tinham que trabalhar em um dos jogos;
iv) pela dinâmica de transmissão, as partidas escolhidas precisavam ser no sábado e no
domingo, já que nesses dois dias o assunto futebol ocupa boa parte da programação das
emissoras.
Após a definição dos critérios acima, foram selecionadas para a análise as
transmissões dos seguintes jogos:
a) Atlético 3 x 2 Fluminense, no estádio Independência, em Belo Horizonte, no dia 21
de outubro de 2012 pela 32ª rodada do Campeonato Brasileiro Série A;
b) Flamengo 1 x 1 Cruzeiro, no estádio Engenhão, no Rio de Janeiro, no dia 13 de
outubro de 2012 pela 30ª rodada do Campeonato Brasileiro Série A;
c) América 3 x 3 ABC, no estádio Independência, no dia 10 de novembro de 2012 pela
36ª rodada do Campeonato Brasileiro Série B e, por fim,
d) o maior clássico futebol mineiro pelas tradições e tamanho das torcidas dos dois
clubes: Atlético 3 x 2 Cruzeiro no dia 02 de dezembro de 2012, no estádio Independência,
pela última rodada (38ª) do Campeonato Brasileiro Série A.
4.2 As Rádios Globo/CBN e Itatiaia
i) Rádios Globo/CBN
Mesmo que em Minas Gerais as Rádios Globo e CBN entrem em rede em dias de
jogos, é preciso explicar a história das duas emissoras por elas serem, de certa forma,
independentes no restante de suas programações e com propostas e público-alvo
completamente diferentes. Por causa da mudança no contrato de leitura nas transmissões
esportivas do Sistema Globo de Rádio no estado mineiro, que passou a utilizar o perfil da
CBN durante a jornada dos jogos de futebol desde agosto de 2011, com vinhetas estilizadas e
73
elitizadas, não mais cantadas e sim faladas, com caráter mais sóbrio e menos lúdico, sem o
teor popular e festivo que marcam a Rádio Globo, será o manual de redação da Rádio CBN
que será analisado neste estudo, já que essa emissora é a principal rádio do grupo em Minas
Gerais, mesmo com a Rádio Globo presente entre as mais ouvidas no Rio de Janeiro e em São
Paulo. Em Belo Horizonte, a sintonia da CBN é FM (frequência modulada) 106,1 e da Rádio
Globo, AM (ondas médias) 1150.
Na história do rádio brasileiro, a Rádio Globo aparece como uma das principais do
país e pioneira em certas situações. A emissora foi inaugurada no dia 1º de dezembro de 1944,
no Rio de Janeiro, pelo narrador Gagliano Neto, o primeiro locutor brasileiro a transmitir uma
Copa do Mundo em 1938. Diferente das concorrentes daquele tempo, que priorizavam os
programas de auditório, humorísticos, musicais e novelas, a Rádio Globo tinha como
principal proposta o jornalismo e a prestação de serviços, sendo uma plataforma do jornal
impresso O Globo, levando ao ar as notícias do jornal carioca. Mas o entretenimento como a
radionovela e shows de música também tinham seus espaços na programação da emissora.
No entanto, rapidamente o futebol ganhou prestígio e se tornou uma das coberturas
com maior audiência da Rádio Globo, tendo amplo espaço na grade da emissora. A Copa do
Mundo de 1950 foi um marco. O narrador Luiz Mendes irradiou a derrota da Seleção
Brasileira naquele mundial e depois, em 1954, a Rádio Globo foi a única emissora brasileira
que permaneceu na Suíça, mesmo com a eliminação do Brasil, para transmitir a final da Copa
do Mundo entre Alemanha e Hungria.
No Mundial de 1970, a Rádio Globo formou uma equipe com radialistas de destaque
da época e a partir de então dedica amplo espaço à cobertura do futebol. Cinco anos antes,
Roberto Marinho, então proprietário das organizações Globo, adquiriu a Rádio Nacional de
São Paulo e, em 1977, mudou o nome para Rádio Globo. Naquele ano, o narrador Osmar
Santos, que popularizou o uso de metáforas e hipérboles nas transmissões esportivas,
transformando a jornada em um espetáculo de entretenimento, assumiu a coordenação da
emissora paulista, que também começou a investir muito na cobertura do futebol. Esse esporte
passou, então, a ser uma das prioridades da programação.
Em Belo Horizonte, nos anos 1980, a Rádio Tiradentes, que foi inaugurada em 1974
(PRATA, 2009), mudou o nome e se tornou Rádio Globo em Minas Gerais, permanecendo na
frequência AM 1150 até 1994, quando passa a ser CBN, Central Brasileira de Notícia. Em
2001, a CBN foi para o FM 106.1 e ficou transmitindo nos dois canais (FM e AM). Em 2002,
a Rádio Globo retornou a Belo Horizonte oito anos depois. Desta vez, amplo espaço da
emissora é dedicado às coberturas de futebol.
74
Nas três cidades em que possui emissoras – Rio de Janeiro, São Paulo e Minas Gerais
–, a Rádio Globo transmite jogos de todas as rodadas do Campeonato Brasileiro de futebol da
primeira divisão, além das outras competições nacionais, regionais e internacionais que
envolvem os principais clubes de cada estado. Durante a semana, em dias de jogos, cerca de
seis horas da programação são destinadas às transmissões de futebol, além do noticiário dos
clubes que vão ao ar em outros programas noticiosos ou de entretenimento.
Em Minas Gerais, de segunda à sexta-feira, exceto em dia de jogo, vão ao ar os
programas “Globo Esportivo”, veiculado entre 18h e 19h, que é local, e o “Panorama
Esportivo”, em rede com São Paulo das 22h às 24h apresentado pelos paulistas. Aos sábados,
os programas esportivos e as transmissões dos jogos de futebol chegam a ocupar oito horas da
grade. Aos domingos, a programação é quase toda dedicada ao esporte. Os diversos
programas começam às 10h, com o interativo e informativo “Globo na Rede”, apresentado do
Rio de Janeiro, passando pelo debate do “Enquanto a Bola Não Rola”, que Minas Gerais entra
em rede com São Paulo. Após o debate, o pré-jogo do “Futebol Show” local entra no ar. No
intervalo da partida é apresentado o “Balanço do Intervalo”, e depois do jogo o programa
“Balanço Final”, que traz entrevistas e debate sobre o jogo transmitido, de outras partidas da
rodada e da situação do campeonato. O assunto futebol geralmente só termina às 22h. Como a
plasticidade da transmissão esportiva em Minas Gerais foi alterada em abril de 2011, quando
a Rádio Globo entra em rede com a CBN, predominam os nomes dos programas desta última.
O programa antes do jogo passou a se chamar “Futebol CBN/Rádio Globo” e do intervalo do
jogo, “Intervalo CBN/Rádio Globo”. Após a partida começa o “Depois do apito”.
Mesmo sendo do mesmo grupo, do Sistema Globo de Rádio, a CBN, Central
Brasileira de Notícias, tem um perfil completamente diferente. Se na Rádio Globo o futebol é
a prioridade, na CBN a notícia é o foco principal. Criada no dia 1º de outubro de 1991, no Rio
de Janeiro, a emissora foi uma das primeiras no Brasil a implantar o modelo all news,
recheando a sua grade de programação com informação e opiniões de comentaristas de
política, de economia, de cultura e de esportes. São diversos programas informativos durante
todo o dia. O futebol também tem seu espaço, reduzido se comparado com as Rádios Globo e
Itatiaia. Atualmente, de segunda à sexta-feira, tem o debate de quatro comentaristas esportivos
no “Quatro em Campo” de 20h às 21h e aos domingos vai ao ar o “CBN Esportes”, que
começa às 9h e termina às 12h, com notícias e entrevistas de diversas modalidades esportivas.
O tempo das transmissões esportivas é menor que o da Rádio Globo, mas a CBN também
transmite os jogos de todas as rodadas do Campeonato Brasileiro de futebol, além de outras
75
competições regionais, nacionais e internacionais. Aos domingos, a jornada esportiva varia
entre cinco e seis horas.
A programação das Rádios Globo/CBN em Minas Gerais é quase toda em rede com
São Paulo e Rio de Janeiro. Os programas essencialmente locais na Rádio Globo são apenas o
“Manhã da Globo” e o “Globo Esportivo”. Na CBN, semente o programa “CBN Belo
Horizonte” é local. Nas duas emissoras, alguns âncoras entram nos intervalos locais dos
programas em rede. Quando há transmissão de jogos de futebol de times mineiros, as
emissoras se separam da rede nacional e fazem a unificação para a transmissão do esporte.
A Rádio CBN chegou a Belo Horizonte em 1994 na frequência que era da Rádio
Globo, AM 1150. Em 1998, começaram as transmissões esportivas locais. Em 2001, a
emissora passou a transmitir também em FM, na frequência 106,1, e, em 2002, com o retorno
da Rádio Globo a Minas Gerais voltando ao AM 1150, as duas emissoras começaram a entrar
em rede em dias de transmissão de jogos. Na transmissão conjunta, prevaleceu a plasticidade
da Rádio Globo, com muitas vinhetas cantadas, diversas músicas, transformando a jornada em
um espetáculo de entretenimento com narradores mais conotativos que usam várias metáforas
e hipérboles. O futebol Globo/CBN em rede tinha o estilo e plasticidade da Rádio Globo. Esta
opção se deu no período de 2002 até agosto de 2011, quando uma cláusula do contrato de
leitura estabelecido com o ouvinte foi alterada pela coordenação nacional das emissoras, que
ordenou a mudança do perfil do futebol nas duas rádios em Minas Gerais, passando, desde
então, a ser uma jornada CBN/Globo, ou seja, com o estilo da CBN, sem as vinhetas
tradicionais da Rádio Globo. As únicas vinhetas usadas são as da CBN, mais estilizadas e
elitizadas, não mais cantadas, sim faladas. Apenas os nomes dos clubes, dos apresentadores e
dos programas esportivos possuem vinhetas. As músicas diminuíram bastante, quase não
fazem parte da programação, somente os hinos dos clubes locais e, raramente, algumas
músicas são tocados no momento do gol.
O Manual de Redação da CBN (2011), organizado pela diretora executiva da
emissora, Mariza Tavares, compara a cobertura esportiva do passado com a atual para
estipular algumas normas aos seus profissionais. O Manual considera que as transmissões
esportivas no rádio do passado eram apenas uma forma de entretenimento e que, por isso,
merecia uma cobertura mais simpática que a de outras áreas como economia e política, com
os profissionais investindo na emoção e exaltando o espetáculo para valorizá-lo. Segundo o
Manual, esses conceitos foram mudando com o tempo, mas admite que a paixão pelo futebol
é “o combustível que faz esta roda girar” (TAVARES, 2011, p.53). O livro de normas da
CBN diz que o jornalista esportivo precisa ter uma mistura equilibrada entre emoção,
76
informação e imparcialidade, sempre prezando pela credibilidade, fazendo o público acreditar
na informação. O Manual considera que a busca pela criatividade vale para qualquer
cobertura, de uma eleição a um jogo de futebol, mas instrui o profissional que ele jamais pode
usar o mesmo tom de uma matéria sobre um pacote econômico em uma transmissão
esportiva: “Descontração, bom humor e criatividade devem pontuar as narrações esportivas
porque, no momento e na proporção adequados, enriquecem o produto sem interferir na
credibilidade” (TAVARES, 2011, p.53).
A proposta da CBN é priorizar a informação, pois assim, segundo o Manual de
Redação da emissora, o produto oferecido ao ouvinte será mais rico e agradável. Por isso, o
livro de normas instrui todos os membros da equipe de esportes – o narrador, comentarista e
repórter – a serem sempre bem informados, dando detalhes dos jogadores e dos times
envolvidos, da situação e regulamento da competição e do histórico dos confrontos: “Quanto
mais informações ele [jornalista esportivo] tiver, maior será a sua fluência ao falar de
improviso sobre determinado assunto” (TAVARES, 2011, p.57).
O tradicional bordão, expressão metaforizada criada pelo radialista para se identificar
com o ouvinte, além das gírias e clichês, empobrecem a narrativa segundo o Manual de
Redação da CBN, que propõe algo coerente, original, objetivo e transparente, sem frases
rebuscadas. Outra recomendação é a imparcialidade, difícil de ser encontrada em transmissões
de futebol no rádio, principalmente quando elas são locais. Geralmente todos os membros da
equipe de esportes são parciais, torcendo e fazendo a transmissão para o torcedor local,
inclusive os profissionais da CBN de Belo Horizonte. No entanto, o livro de normas da
emissora diz que,
mesmo em jogos que envolvam a seleção brasileira ou um time local contra um
adversário de outra cidade, é indispensável zelar pela isenção, tanto na narrativa
quanto nas análises e reportagens. Fazer uma transmissão simpática ao time da casa
pode parecer o caminho mais curto para conquistar audiência, mas, a médio e longo
prazos, compromete a credibilidade da equipe (TAVARES, 2011, p. 55-56).
ii) Rádio Itatiaia
A Rádio Itatiaia foi inaugurada em 1952 e, diferentemente das Rádios Globo/CBN, é
uma emissora essencialmente mineira com toda a programação local. A estação, transmitida
em AM 610, passou a transmitir também em FM 95.7 em julho de 2000. A emissora possui
programas variados na sua grade de programação. Vão ao ar diariamente notícias em geral,
com destaque para as policiais, de cidade e de política, de prestação de serviços e
77
entretenimento com os programas no estilo talk show e humorísticos. Mas o destaque da rádio
é o futebol, que possui, além das transmissões dos jogos, sete programas esportivos.
O estilo da Rádio Itatiaia é semelhante ao da Rádio Globo, tanto no esporte como no
jornalismo hardnews e nos programas de entretenimento. A emissora adota vinhetas cantadas
e locutores conotativos que usam linguagem popular em todos os programas. É uma estação
mais sensacionalista, que prioriza as notícias policiais. O futebol é recheado de vinhetas e
músicas, com narradores sempre buscando dar emoção a uma transmissão de um jogo, usando
variadas metáforas e hipérboles.
Durante a semana, em dias úteis, pelo menos cinco programas esportivos vão ar na
emissora. O “Tiro de meta” começa cedo, às 6h, e termina às 6h30. Depois, de 11h30 às
12h30, o programa “Rádio Esportes” destaca as novidades da manhã dos clubes de Minas
Gerais, sempre com destaque aos principais Atlético, Cruzeiro e América. Às 18h começa a
“Turma do Bate Bola” apresentando o que aconteceu nos clubes durante a tarde. Às segundas-
feiras, além das informações, é oferecido ao ouvinte um debate dos comentaristas da emissora
sobre os jogos do final de semana. A programação esportiva continua das 20h às 21h, com o
programa “Bastidores”, que apresenta, além das informações dos clubes, entrevistas ao vivo e
uma interação com o ouvinte, que participa via redes sociais. Por fim, o “Apito Final”,
apresentado das 23h às 24h, novamente destacando as notícias de Atlético, Cruzeiro e
América. São, no total, pelo menos quatro horas e meia de programas esportivos, além de
outros noticiários dos clubes que são veiculados durante outros programas, seja de
entretenimento ou de notícia hardnews.
Em dia de jogos, a programação esportiva ganha ainda mais espaço. Aos domingos, os
programas começam às 13h, com o “Bastidores”, programa voltado para entrevistas, na
sequência entra o “Bola Premiada”, com informações dos clubes e das competições e a
interatividade com o ouvinte, oferecendo-lhe prêmios. Depois vêm o pré-jogo e a transmissão
da partida. A jornada prossegue às 19h com o programa “Grande Resenha”, um debate de
duas horas com a equipe de esportes sobre os resultados dos jogos do final de semana. Das
23h às 24h, o “Apito Final” encerra o noticiário esportivo do dia. Ou seja, são onze horas
seguidas de programação voltada para o futebol.
Tratando o esporte como uma especialização, o Manual de Jornalismo em Rádio da
Itatiaia (1998), editado por André Carvalho, instrui os seus profissionais a serem muito bem
informados e criativos, e sempre passarem emoção com uma linguagem simples e objetiva,
como no texto de Osvaldo Faria, diretor de esportes da Rádio Itatiaia na época, que informava
que “a transmissão não pode ser interrompida, a emoção tem que ser passada, o torcedor é o
78
cliente e sua paixão fala mais alto. (...) Sem esquecer que a linguagem tem de ser clara, alegre
e correta” (1998, p. 38-40).
Privilegiando o esporte tanto quanto a notícia, o livro de normas da emissora deixa
claro que a Rádio Itatiaia se preocupa com os erros de seus profissionais, pede a eles que não
errem, “mesmo que o erro seja humano”, e cita alguns deslizes que não podem acontecer,
como “o time vai entrar completo em campo” e “reverter o placar”, e sugere que os radialistas
evitem os chavões como “administrar o resultado” e “correr atrás do prejuízo”, o que também
é errado.
Além de valorizar a notícia com detalhes sobre o acontecimento e seus envolvidos, o
Manual pede para o profissional evitar a repetição das mesmas palavras e sempre incrementar
o seu vocabulário.
O futebol tem gírias e expressões próprias, e é preciso pensar numa verdade: o que
faz a transmissão ser emocionante é o poder verbal de quem a transmite, a
capacidade de dizer tudo muito simplesmente, com eficiência e verdade. (...) Quem
disse que isenção é frieza? O verdadeiro jornalista pode impregnar-se de emoção e,
ao mesmo tempo, fazer um balanço equilibrado e verídico de determinado
acontecimento (CARVALHO, 1998, p.42).
O livro de normas orienta ainda que o jornalismo é uma competição e, por isso, o
profissional precisa sair da rotina, com o máximo de informação num mínimo de tempo
possível, com frases curtas e diretas e palavras simples, cuja leitura será sempre mais fácil,
evitando o emprego de verbos no passado ou no futuro, já que o rádio é presente: “No rádio
isso é vital. O ouvinte não pode reescutar, como pode reler o que não entendeu”
(CARVALHO, 1998, p. 44).
Diferente do Manual de Redação da Rádio CBN, que sugere a não utilização de
bordões, a Rádio Itatiaia recomenda o uso de palavras e frases criadas pelos radialistas para se
identificarem com o público. Willy Gonser, narrador esportivo durante 56 anos, foi um
locutor da escola denotativa, mas teve que se adaptar ao formato conotativo para se firmar nas
emissoras em que trabalhou. Gonser chegou a dizer que é contra a utilização dos bordões, mas
confessou que foi aconselhado por Osvaldo Faria, seu chefe na Rádio Itatiaia, a usar um
jargão próprio, pois, segundo ele, isso é o que marca o narrador.
79
4.3 A cobertura esportiva das Rádios Itatiaia e Globo/CBN
O esporte, ou melhor, o futebol, é o gênero que ocupa a maior parte da grade de
programação da Rádio Itatiaia. São várias horas diariamente dedicadas ao futebol e, no final
de semana, especialmente no domingo, o esporte tem espaço ampliado em diversos
programas: de debate, entrevistas, informativo, de sorteio de prêmio, de participação de
ouvintes, o pré e pós-jogo e a ‘bola rolando’ – a partida em si.
O estilo dos comunicadores é bairrista e com sotaque mineiro, o que parece levar a
uma aproximação ainda maior com o ouvinte. São usadas linguagem coloquial, interjeição,
expressões e gírias conhecidas do público do estado. Os três principais clubes de Minas
Gerais – América, Atlético e Cruzeiro – estão sempre em destaque. Geralmente, os narradores
e pelo menos dois repórteres viajam para acompanhar os clubes quando eles vão jogar fora do
estado. O comentarista, neste caso, costuma fazer o seu trabalho do estúdio vendo o jogo pela
televisão.
A Rádio Itatiaia conta com vários profissionais envolvidos em uma transmissão de
futebol. Além dos operadores de áudio que ficam no estúdio, central técnica e no estádio, a
emissora disponibiliza para o ouvinte uma variedade de vozes. Geralmente a transmissão
conta com o narrador, comentarista que analisa o jogo, comentarista que analisa os números e
a situação de determinada competição, repórter do plantão (que informa os resultados de
outros jogos e a classificação do campeonato), repórter que acompanha o time local, repórter
que acompanha o time adversário, repórter que fica no meio do campo com informações sobre
substituições de jogadores e arbitragem, um repórter que acompanha a movimentação da
torcida e um repórter do jornalismo hard news que traz as informações gerais, como as do
trânsito, brigas entre as torcidas e etc. Com uma equipe numerosa, a transmissão fica mais
dinâmica, com mais entrevistas e com mais informação.
A Rádio Itatiaia é uma emissora que tem uma relevante carteira de anunciantes. São
várias propagandas de diversos produtos, sejam de empresas particulares ou do governo. Os
intervalos são recheados de comerciais e muitos são gravados pelos próprios comunicadores
da emissora. E todos os repórteres, praticamente a cada participação, dizem o nome de uma
empresa patrocinadora ao final do detalhe de um lance do jogo ou quando termina de passar a
informação. Às vezes, o comercial parece até que faz parte do noticiário, com o repórter
fazendo a propaganda de uma determinada empresa no meio da matéria, entre uma notícia e
outra, ou antes de chamar uma sonora, por exemplo. Até a participação do comentarista
durante o jogo é oferecida por uma empresa anunciante.
80
As transmissões de futebol da Rádio Itatiaia são carregadas de emoção. Os narradores
optam pela escola conotativa, com muitas metáforas e bordões. As vinhetas de identificação e
as músicas agitadas são marcas predominantes nas jornadas esportivas da emissora.
Tais características, como uma programação 100% local, e o histórico antigo de
consolidação no mercado mineiro – a Rádio Itatiaia foi fundada em 1952 e passou por
processos inovadores e de modernização já citados neste estudo –, conquistou o público do
Estado e conta, hoje, com uma ampla audiência, chamada por muitos até de monopólio,
principalmente quando o assunto é futebol. É a emissora mais procurada pelas empresas que
querem fazer propagandas e a mais ouvida pelo público que acompanha o esporte. E são
ouvintes de todas as classes sociais, mesmo a emissora tendo características, a princípio, mais
associáveis a ouvintes de baixa renda, como acontece, por exemplo, na cobertura do
jornalismo hard news da Itatiaia, que dedica amplo espaço a casos policiais. As classes A e B,
neste caso, preferem ouvir as notícias das Rádios CBN e Band News22
. Computando a
audiência em FM como um todo em Belo Horizonte, a Itatiaia só fica atrás da Rádio
Liberdade FM23
.
A Rádio Itatiaia utiliza-se de várias estratégias para fidelização do ouvinte. Uma delas
é criar identificação entre os narradores e os torcedores. Os jogos do Atlético são irradiados
por Mário Henrique, conhecido como “Caixa”; o narrador que trabalha nas partidas do
Cruzeiro é Alberto Rodrigues, conhecido como “O Vibrante”; e os jogos do América são
narrados por Ênio Lima, apelidado como “O garoto que marcou”. Em dias de clássico entre
estas equipes, um narrador irradia um tempo da partida e, o outro, a segunda parte do jogo.
Outra estratégia da Rádio Itatiaia para fidelizar o ouvinte é ter uma grade fixa, não
mudando radicalmente a sua plasticidade e mantendo o formato de suas vinhetas sempre o
mesmo – cantadas, musicais e populares.
A popularidade da Rádio Itatiaia é tão grande que vários comunicadores da emissora
já foram eleitos para cargos políticos, como o repórter João Vitor Xavier (deputado estadual),
o narrador Mário Henrique Caixa (deputado estadual), Alberto Rodrigues (ex-vereador de
22
A diretora-executiva da Rádio CBN, Mariza Tavares, confirmou a informação que a emissora é voltada para as
classes A e B, já que, segundo ela, o ouvinte “é formador de opinião (...), é exigente e demanda informação em
todas as áreas do conhecimento”. A declaração foi dada em uma entrevista para o Portal Negócios da
Comunicação, do Portal UOL. Ver link em Referências. PRATA (2009) destaca que a Band News, concorrente
direta da CBN, também é voltada para o público adulto das classes A e B. 23
A pesquisa do Instituto Ibope, de novembro de 2012 a janeiro de 2013, revela que a Rádio Itatiaia é a segunda
emissora FM de Belo Horizonte que mais conta com ouvintes por minuto no período de 5h às 00h. Encostada na
líder Liberdade FM, a emissora chega a ter quase 100 mil ouvintes por minuto. A Rádio CBN não aparece entre
as dez mais ouvidas. A Rádio Globo não entrou na pesquisa por transmitir apenas em AM. Informação
disponível no site Tudoradio.com. Ver link em Referências.
81
Belo Horizonte), entre outros. A força da emissora também é constatada no estádio. Na
partida entre Atlético 3 x 2 Vasco, por exemplo, no dia 19 de agosto de 2012, no estádio
Independência, o nome do narrador que transmite praticamente apenas os jogos do Atlético,
Mário Henrique Caixa, teve o nome ovacionado pela torcida atleticana, que gritou “Ôôôô, o
Caixa voltou, o Caixa voltou...”. Naquele jogo, Mário Henrique voltou a trabalhar como
narrador das partidas do Atlético após narrar os Jogos Olímpicos disputados em Londres.
Em certo momento de 2012, no clássico diante do Atlético pelo primeiro turno do
Campeonato Brasileiro, no dia 26 de agosto, a torcida cruzeirense, a única que compareceu no
estádio, ensaiou cânticos xingando a Rádio Itatiaia e o narrador que irradia os jogos do
Atlético, Mário Henrique. Exaltados, alguns torcedores cruzeirenses gritaram o nome da
Rádio CBN. No clássico do segundo turno, no dia 02 de dezembro de 2012, a torcida do
Atlético, desta vez a única no Independência, também ensaiou cânticos xingando o narrador
que irradia os jogos do Cruzeiro, Alberto Rodrigues.
Quando Atlético e Cruzeiro jogam no mesmo horário, a Rádio Itatiaia, mesmo com
duas frequências – AM 610 e FM 95.7 –, transmite as duas partidas simultaneamente, fazendo
um revezamento dos narradores na transmissão dos jogos. Na maioria das vezes eles ficam
entrosados, já que é uma prática antiga da emissora. Entretanto, quando os dois times fazem
gols no mesmo momento, um ‘atropela’ o outro e a transmissão fica confusa. O torcedor
precisa prestar muita atenção para não se perder.
Neste estudo, sempre será uma particularidade relatar os processos das Rádios Globo e
CBN, já que são emissoras do mesmo grupo, o Sistema Globo de Rádio, com propostas
completamente diferentes e que entram em rede durante as transmissões de futebol em Minas
Gerais, usando, assim, a plasticidade de apenas uma rádio que, consequentemente, é
completamente diferente da outra. A CBN é essencialmente all news, o foco é, geralmente, a
notícia. Com exceção do programa “Fim de expediente” que vai ao ar às sextas-feiras das 18h
às 19h e que tem cunho mais de diversão, com os componentes da mesa debatendo as notícias
da semana de forma descontraída, a emissora possui em sua grade de programação diversos
programas noticiosos com informações sobre as principais notícias gerais do território
nacional e internacional. Quase 90% da grade de programação diária da CBN são em rede.
A emissora é voltada mais para as classes A e B. Ela consegue passar a impressão de
seriedade, sofisticação e certo refinamento com vinhetas faladas, nunca cantadas. Percebe-se
tal prática também na maneira de como os seus âncoras, comentaristas e repórteres levam a
notícia para o ar. O estilo segue quando o assunto é a transmissão dos jogos de futebol. Não
chega a ser tão formal quanto os programas hard news, mas a plasticidade e o formato das
82
vinhetas seguem o perfil da CBN. O esporte tem espaço, mas bem reduzido se comparado
com as Rádios Itatiaia e Globo. Quando a notícia do esporte é relevante nacionalmente, ela
ganha destaque dentro dos programas noticiosos da emissora.
Na Rádio Globo, a plasticidade e o estilo dos programas são completamente
diferentes. Há uma variedade de vinhetas cantadas, diversas músicas que exaltam a emissora –
alegres e dramáticas –, e a grade de programação é recheada com programas esportivos e
notícias sobre o futebol e outras modalidades em praticamente todos os outros programas da
emissora. A Rádio Globo tem uma grade de programação diversificada com programas que
discutem temas ligados à vida das pessoas, culinária, política, policial, programas voltados
para caminhoneiros e católicos com um padre como âncora. Contata-se, assim, que a
emissora, com uma linguagem extremamente coloquial, com brincadeiras, muita descontração
e até dramatização para envolver o ouvinte com emoção, tem como público alvo classes mais
baixas, mas sem deixar de atingir outras camadas da sociedade.
Mesmo sendo extremamente diferentes, as duas emissoras – Globo e CBN – entram
em rede em dias de jogos dos clubes mineiros. Tal prática acontece somente em Minas Gerais,
já que no Rio de Janeiro e em São Paulo, as duas emissoras contam com equipes e
programação próprias e independentes. Nessas duas cidades elas são concorrentes. Em Belo
Horizonte, a equipe de esporte é reduzida e é a mesma para as duas rádios. As jornadas
esportivas têm, geralmente, além dos operadores de áudio que ficam no estúdio, central
técnica e no estádio, somente um narrador, um comentarista e um repórter de campo, que é o
setorista do clube local – acompanha o dia a dia no Centro de Treinamento e nos estádios.
Quando há alguma notícia relevante sobre um acidente de trânsito ou algum acontecimento
que tenha relação com o jogo, um repórter do jornalismo hard news transmite a informação
durante a jornada esportiva. Eventualmente, são acrescidos outro repórter de campo que faz a
cobertura do time de fora, o adversário, e um repórter do plantão, que acompanha os
resultados dos outros jogos e informa a situação de determinada competição. Em dia de
clássicos entre Atlético e Cruzeiro, a equipe fica mais numerosa, com um narrador, dois
comentaristas e quatro repórteres (um para cada clube, outro que faz arbitragem, substituições
e detalhes gerais e outro do plantão). É, praticamente, toda a equipe de esporte do Sistema
Globo de Rádio trabalhando no evento.
Até agosto de 2011, a plasticidade das jornadas esportivas era do estilo da Rádio
Globo, com várias vinhetas cantadas e diversas músicas que ilustravam a transmissão
radiofônica. O ouvinte da CBN poderia até estranhar a sonoplastia usada no momento da
unificação, já que o estilo da emissora é diferente do formato da Globo. Mas, de certa forma,
83
o público de ambas estava acostumado com a plasticidade da Rádio Globo usada na junção
com a CBN durante as transmissões de futebol, já que tal prática acontecia desde 2002. No
entanto, mais de nove anos depois, o estilo, ou melhor, a sonoplastia das jornadas esportivas
do Sistema Globo de Rádio mudou em Minas Gerais. Em agosto de 2011, o formato passou a
ser o da Rádio CBN. Não foi feita nenhuma justificativa ou anúncio prévio para o ouvinte.
Em um final de semana a plástica foi da Globo e, no seguinte, foi o da CBN, usado desde
então. O público estranhou, se manifestou pelas redes sociais, já que o ouvinte Globo,
acostumado com a sonoplastia alegre, solta e descontraída com a série de vinhetas cantadas e
músicas, foi obrigado a ouvir uma plasticidade mais sóbria, menos lúdica, com poucas
vinhetas, estas faladas, praticamente sem musicalização, desrespeitando uma cláusula
importantíssima do contrato de leitura firmado com o ouvinte.
Quando Atlético e Cruzeiro jogam no mesmo horário, as rádios se dividem e cada
emissora transmite um jogo. Um é transmitido pela Rádio CBN e o outro pela Rádio Globo.
Um diferencial, segundo a empresa. Os comunicadores enaltecem tal prática no ar, dizendo:
“Aqui você não divide a atenção. 90 minutos de Atlético e Vasco na Globo e 90 minutos de
Cruzeiro e Flamengo na CBN, sem interrupção”, por exemplo. Como já foi dito, a Rádio
Itatiaia, concorrente das Rádios Globo/CBN, mesmo tendo duas frequências, não transmite os
jogos individualmente. A emissora prefere transmitir os dois jogos no mesmo horário
simultaneamente.
No caso desta prática usada pelas Rádios Globo/CBN, cabe aqui uma explicação que
pode gerar certo desconforto ou estranhamento ao ouvinte diante de uma mistura de
plasticidades. Quando o jogo é em rede, ou seja, partida transmitida nas duas emissoras, a
sonoplastia usada é a da Rádio CBN. Quando acontece essa divisão – um jogo na CBN e o
outro na Globo –, a plasticidade muda na Globo, voltando ao estilo antigo da emissora com
aquelas vinhetas cantadas e diversas músicas. No outro jogo, transmitido pela CBN, o estilo
segue o mesmo desta. A confusão aumenta ainda mais quando as jornadas esportivas
começam antes na Rádio Globo. Aos domingos, geralmente, o assunto futebol começa cedo
na Globo. Às 10h tem o “Globo na Rede”, às 12h o “Enquanto a Bola Não Rola”24
e às 14h
começa o “Futebol Show” somente na Rádio Globo. Às 15h a Rádio CBN entra no circuito e
começa a sua transmissão do futebol. É a partir desse momento que começa a mistura de
plasticidade. No “Futebol Show” na Globo das 14h às 15h, a sonoplastia segue o estilo desta
emissora. Às 15, com a unificação da CBN, a plasticidade muda radicalmente na Globo e
24
Durante o horário normal, o programa “Enquanto a Bola Não Rola” é transmitido das 12h às 14h. No horário
de Verão, com os jogos de futebol sendo realizados às 17h em vez de 16h, o programa vai até às 15h.
84
começa a ser usado o formato da CBN. Isso se repete também em jogos durante a semana,
especialmente às quartas-feiras. Quando o jogo é às 22h, a CBN transmite, das 20h às 21h, o
seu programa de debate esportivo “Quatro em campo” e a Rádio Globo, com sua
característica de plasticidade, apresenta o “Futebol Show” durante o mesmo horário. Mas às
21h, quando acontece a unificação, o formato volta a ser o da CBN e o da Globo não é mais
usado a partir daquele momento até o final da transmissão. O que confunde ainda mais o
ouvinte é que a mudança não foi total, ou seja, mesmo com a alteração e com a plasticidade
das emissoras sendo no estilo da CBN, ainda são utilizadas algumas vinhetas da Rádio Globo,
causando uma mistura de efeitos sonoros completamente diferentes em uma só transmissão.
Geralmente, especialmente aos domingos, a junção das emissoras é anunciada pelo
locutor que está apresentado o programa esportivo na Rádio Globo: “Um instante só. A Globo
se junta à CBN para a sequência do futebol no seu radinho”. Em algumas oportunidades,
principalmente logo depois que foi estipulada a mudança da sonoplastia nas emissoras, o
apresentador já prepara o ouvinte para alteração: “depois do intervalo, a Globo se junta à
CBN, com uma plástica diferente, mas o Futebol Show continua o mesmo pra você”. Na
verdade, não é mesmo. O nome do programa é outro, “Futebol CBN Rádio Globo”, e o estilo
das vinhetas é completamente diferente. No momento da junção, uma vinheta, conhecida
como gongo, anuncia a conexão das duas rádios. Na sequência entra a vinheta: “Atenção
emissoras, dentro de cinco segundos, formação de rede”. Tal prática também serve de
orientação para as emissoras afiliadas do interior mineiro que entram em rede com as Rádios
Globo e CBN de Belo Horizonte.
A confusão de sonoplastia não para por aí. As Rádios Globo e CBN de Minas Gerais
costumam entrar em rede com as mesmas emissoras de São Paulo e Rio de Janeiro quando
não tem jogo de times mineiros no mesmo horário dos paulistas e cariocas. Por exemplo: o
jogo entre Atlético e Grêmio será realizado às 21h do sábado. Às 18h30 deste mesmo dia
acontecerá a partida entre São Paulo e Fluminense. A Rádio Globo Minas entra em rede com
a Rádio Globo São Paulo, que mantém fielmente a antiga e conhecida plasticidade de
espetáculo com as diversas vinhetas cantadas e músicas. Logo depois deste jogo, às 20h30, a
Rádio Globo Minas desfaz a rede com a Rádio Globo São Paulo para começar a transmissão
local do jogo do Atlético. Como a Rádio CBN de Belo Horizonte também vai transmitir esta
partida, a sonoplastia na Globo muda novamente para o estilo da CBN. Com a mudança que
começou em agosto de 2011, a CBN sempre causa interferência na Globo quando o assunto é
futebol.
85
Assim como a Rádio Itatiaia, as Rádios Globo/CBN também transmitem os jogos do
América, a terceira força do futebol mineiro. Mas aqui cabe outra particularidade envolvendo
o Sistema Globo de Rádio. Durante o ano de 2012, quando os jogos da equipe americana
aconteceram aos finais de semana, as Rádios Globo/CBN entraram em rede e transmitiram
juntas as partidas sempre com a sonoplastia da CBN. Mas quando os jogos do América
aconteceram durante a semana, de segunda à sexta-feira, somente a Rádio Globo transmitiu as
partidas com a plasticidade desta. Se o ouvinte sintonizasse a CBN durante a semana com o
desejo de ouvir o jogo do América, ele iria escutar os programas nacionais noticiosos do dia-
a-dia da emissora. Em todos estes casos de mistura de plasticidade, o Sistema Globo de Rádio
quebra uma cláusula importante do contrato de leitura firmado com os ouvintes das Rádios
Globo e CBN.
Nessa mistura de sonoplastia, até os nomes dos programas durante as jornadas
esportivas sofreram alterações. Os comunicadores e, claro, o público, se confunde com as
constantes mudanças dessas nomenclaturas. Até agosto de 2011, quando tudo que envolvia
futebol tinha o estilo da Rádio Globo, o pré-jogo chamava “Futebol Show”, o programa no
intervalo do jogo tinha o nome de “Balanço do Intervalo”, e quando acabava a partida,
começava o “Balanço Final”. Estes nomes e as suas vinhetas cantadas ainda continuam sendo
usadas, mas só quando a Rádio Globo transmite determinada partida. Quando a Rádio CBN
está na rede, os nomes e vinhetas faladas destes programas são diferentes: o pré-jogo se
chama “Futebol CBN/Rádio Globo”, o intervalo leva o nome de “Intervalo CBN” e após o
jogo entra no ar o “Depois do Apito”. Ou seja, quando determinado jogo é transmitido pelas
duas emissoras em rede, a plasticidade e os nomes dos programas dentro da jornada esportiva
são da Rádio CBN. Quando a Rádio Globo está sozinha na transmissão, a sonoplastia e
nomenclatura dos programas mudam e voltam a ser o de origem desta emissora.
Com uma mudança tão profunda e repentina, o Sistema Globo de Rádio descumpriu,
nas duas emissoras – Globo e CBN –, uma cláusula importante do contrato de leitura
estipulado com o ouvinte. Bruck (2003, p. 51-52-53) deixa claro que a plasticidade é uma das
“estratégias para prender a atenção do ouvinte e assim estabelecer um contrato de leitura”, e
que “é o conjunto de elementos de caráter discursivo, hermenêutico, estético etc. que levam o
público a estabelecer um acompanhamento continuado e rotineiro de um determinado produto
midiático”.
Com uma mudança tão radical, o ouvinte pode perder a referência que tinha da
emissora porque ele já estava acostumado com o formato usado durante anos. No rádio, os
efeitos sonoros são estratégias antigas e certeiras para identificação do público com a
86
emissora. Novas vinhetas ou músicas precisam seguir o estilo da rádio para não causar
estranhamento e, consequentemente, distanciamento do ouvinte. Até pode ter mudança, claro,
desde que seja uma alteração progressiva, não pode ser insensível e incoerente com o contrato
estipulado, porque mudanças radicais como as do Sistema Globo de Rádio em Minas Gerais
acarretam a estagnação ou perda do público (VERÓN, 2004). Bruck (2003, p.53)
complementa que “o ouvinte vale-se do contrato para garantir que cláusulas como (...) perfis
de plasticidade serão sempre aquelas que ele pactuou com a emissora ou que, pelo menos,
sejam mudanças com as quais ele concorde”. No caso da alteração da plasticidade das
jornadas esportivas das Rádios Globo/CBN, o ouvinte não foi consultado e, segundo relatos
dos próprios profissionais das emissoras que receberam reclamações via e-mail ou por suas
páginas pessoais nas redes sociais, uma parte relevante do público não gostou e questionou a
mudança25
.
Diferente da Rádio Itatiaia, o narrador não é identificado, pelo menos pelas emissoras,
com nenhum clube nas Rádios Globo/CBN. O narrador principal, Osvaldo Reis – conhecido
como “Pequetito” –, irradia os jogos do Atlético e Cruzeiro sem criar uma identificação com
eles. O narrador é sempre escalado para as partidas dos dois principais clubes de Minas
Gerais, seja em dia de jogos de pouco apelo, aquele do meio da competição e contra um
adversário modesto, seja em dia de final de campeonato. O outro narrador, Hércules Santos,
também narra jogos de Atlético e Cruzeiro, mas a partida considerada menos importante. O
jogo de mais apelo é narrado por Osvaldo Reis. Nos clássicos entre os grandes de Belo
Horizonte – América, Atlético e Cruzeiro –, quem narra é sempre o narrador principal da
emissora. Não há divisão como na Rádio Itatiaia, onde cada narrador identificado com o clube
transmite um tempo dos jogos. Fica claro, então, que há um narrador titular. Hércules Santos
também narra jogos do América. Eventualmente, o repórter Henrique Fernandes, que fez a
cobertura do dia a dia do Atlético no Centro de Treinamento e nos estádios em 2012, também
narrou algumas partidas da equipe americana. Raramente o narrador principal, Osvaldo Reis,
irradia jogos do América.
O estilo do narrador Osvaldo Reis é voltado especialmente para a escola conotativa. O
profissional tem um leque de bordões e metáforas e suas narrações são sempre carregadas de
emoção, drama, opinião, velocidade na descrição dos lances e muita vibração. É
extremamente bairrista. Hércules Santos reveza entre as duas escolas. Pode ser considerado
mais descritivo – não se desprende muito do jogo, característica da escola denotativa –, mas
25
Relatos dos comunicadores do Sistema Globo de Rádio de Minas Gerais ao autor deste estudo.
87
não deixa de usar bordão e metáforas durante a narração. Pode-se dizer que o primeiro apela
mais para emoção no momento da irradiação, e o segundo é mais descritivo.
Experiente, com mais de 30 anos de carreira e desde 2002 no Sistema Globo de Rádio,
Osvaldo Reis é um narrador da escola conotativa, sempre recheando as transmissões com uma
série de bordões, frases de efeito, metáforas e hipérboles. É um narrador que segue totalmente
o estilo da Rádio Globo devido à plasticidade dessa emissora. Com a mudança da sonoplastia
do Sistema Globo de Rádio em Belo Horizonte, pode-se dizer que Osvaldo Reis não se
enquadrou à nova plasticidade adotada pela empresa. As emissoras mudaram seus estilos, mas
o seu narrador principal, não. Na Rádio CBN do Rio de Janeiro e de São Paulo, os narradores
não apelam tanto para a emoção como se vê na Globo e na Itatiaia, por exemplo, geralmente
são mais descritivos e não usam tantas metáforas, hipérboles e metonímias. Com o estilo
Rádio Globo de narração, Osvaldo Reis não mudou sua característica depois que a sonoplastia
passou a ser o da Rádio CBN em Belo Horizonte. O narrador teve que se acostumar com a
alteração na sonoplastia, mas o seu estilo de fazer da transmissão de futebol no rádio um
grande espetáculo continua.
Quando o jogo é em Belo Horizonte, com os times mineiros sendo os mandantes das
partidas, a equipe formada por narrador, comentarista e repórter vai ao estádio trabalhar no
jogo. Mas quando a partida acontece fora de Minas Gerais, geralmente apenas o repórter viaja
para acompanhar o time da capital mineira. O narrador e o comentarista trabalham nesse jogo
do estúdio, vendo a partida pela televisão, com as mesmas imagens que o público acompanha
de casa.
4.4 Análise das estratégias narrativas usadas pelas equipes de esporte das Rádios
Globo/CBN e Rádio Itatiaia. O espetáculo de entretenimento nas irradiações.
i) Modos de locução e sonoplastia
A narração radiofônica adquire vida própria, independente do
jogo em questão, através da produção de sentidos específicos
que compõem um campo de representações em que o futebol
aparece como pano de fundo. (...) Ao longo do tempo, a
evolução da narração esportiva contribuiu para acentuar a ideia
de que há dois reais em campo: o jogo de futebol em si e a
transmissão radiofônica (ABREU, 2001, p.12).
A Rádio Itatiaia conta com quatro narradores. Três são associados aos três clubes de
Belo Horizonte – Mário Henrique “Caixa” transmite jogos do Atlético, Alberto Rodrigues, o
88
“Vibrante”, os do Cruzeiro, Ênio Lima, conhecido como o “garoto que marcou”, as partidas
do América, e um narrador geral – Milton Naves – que narra jogos dos clubes mineiros na
ausência do narrador principal e as partidas de outros clubes nacionais e internacionais. Este
último também apresenta alguns programas esportivos, como o “Rádio Esportes”, que vai ao
ar de segunda a sábado, de 11h30 às 12h30. Todos esses narradores da emissora são da escola
conotativa, usando bordões, metáforas, metonímias e hipérboles.
Mário Henrique utiliza uma diversidade de bordões e metáforas durante as
transmissões dos jogos de futebol pelo rádio. O narrador expõe o seu sotaque mineiro, reduz
as palavras durante a rápida narração e, com uma linguagem extremamente coloquial, Mário
Henrique chega a ser cômico com as expressões usadas e com a forma peculiar de narrar
alguns detalhes durante os jogos impostando a voz e sempre torcendo para o Atlético. É
claramente bairrista e popular. Seu nome já chegou a ser ovacionado pelos torcedores no
estádio durante as partidas do Atlético, assumiu o cargo de deputado estadual e conta com
mais de 71 mil seguidores na rede social Twitter26
. Algumas de suas expressões são
apropriadas por torcedores em provocações a adversários, por exemplo.
Alguns dos bordões mais utilizados por Mário Henrique são “Eu tô achando que o
Fluminense não vai guentáááá” (como provocação ao adversário), “bica bicudo” (referência
ao mascote do Atlético, o galo), “Galão da Massa” (referência ao mascote e à torcida do
Atlético, apelidada de “a Massa”) e “Caixa”, que anuncia o gol.
Assim como quase todos os narradores radiofônicos de futebol, Mário Henrique usa
frases curtas e repete muito as palavras e as expressões. Com as variadas metáforas e bordões,
o narrador narrou, com muita emoção, vibração e rapidez, o terceiro gol do Atlético na vitória
sobre o Fluminense, no dia 21 de outubro de 2012 pela 32ª rodada do Campeonato Brasileiro
Série A, em um minuto e 51 segundos.
Bola metida pro Leonardo. Leonardo dominou, tenta o giro, toca a bola atrás pro
Ronaldinho. Leo Silva tá na grande área, a bola tá viajando pro Leo... Caixa (entram
vinheta gravada e mixada com a repetição da palavra caixa cinco vezes e vinheta
cantada com o nome Galo). Goooollll... (entra música no estilo samba “Bica
Galo”). Do Gaaaaaaaaloooooo. Leo Silva, Leo Silva, Leo Silva, que jogou muito a
partida toda, merecia dar essa vitória pro Galo. No cruzamento que veio perfeito na
segunda trave, o zagueirão da (camisa) 3 chegou de cabeça e guardou no fundo do
barbante. Explode, incendeia, balança, chacoalha o estádio Independência a torcida
do Galo em Belo Horizonte, em Minas Gerais e em todo o Brasil. Leo Silva, que
vitória fantástica Galo. Aos 46, na bacia das almas, aos 46, na bacia das almas, o
26
Acesso à página pessoal de Mário Henrique Caixa (@mariocaixa) no dia 13 de fevereiro de 2013 no micro-
blog Twitter. Disponível em: <https://twitter.com/mariocaixa>.
89
Galo confirma sua virada, depois do 2 a 1 o Fluminense empatou, Leo Silva de
cabeça de novo no fundo do gol (citação oral)27
.
Na sequência, Mário Henrique, levando a crer com a sua narração que está realmente
emocionado, complementa: “Eu tô arrepiado, eu tô emocionado, eu estou vendo de novo a
torcida do Galo com o sorriso aberto. Leo Silva, no fundo do gol, o Galo vence no
Independência, de virada, de novo 3 a 2 na frente”. O narrador exalta a figura do autor do gol,
grita o nome dele pausadamente e narra um “gol” longo. Somente nesse trecho do gol, Mário
Henrique exalta o nome de Leo Silva, o autor do gol, o chama de “zagueirão” e repete o nome
do atleta sete vezes.
Mário Henrique também usa algumas metáforas, como “o bicho tá pegando aqui”, e
técnicas antigas dos narradores conotativos. Dramatiza com algumas pausas e repetições,
gerando expectativa no ouvinte e chama a bola de menina, como em um lance da partida
contra o Fluminense: “É falta pro time do Atlético. Ronaldinho tomando posição. Capricha
Ronaldinho. Põe lá, que é de lá que a menina gosta, Ronaldinho... Era pro Jô, forte demais,
saiu pela linha de fundo”.
O outro narrador da Rádio Itatiaia é Alberto Rodrigues. Também popular devida à
grande audiência da emissora em Belo Horizonte, o narrador chegou a ser eleito vereador da
capital mineira. É responsável por irradiar os jogos do Cruzeiro. Quando anunciado pelos
repórteres, é exaltado como o mais vibrante do Brasil. Mário Henrique é chamado de o “dono
do gol”.
Alberto Rodrigues também tem uma maneira peculiar de anunciar o gol em suas
transmissões. Repete a palavra gol rapidamente de quatro a nove vezes geralmente, para
depois narrar o gol prolongado. Quando está encerrando a narração do gol, ele diz: “mandou
pro fundo do gol, fazendo de forma notável o momento maior do futebol”. Claramente é um
narrador cruzeirense e opinativo. Muitas vezes o enunciador principal deixa para o
comentarista do jogo a opinião sobre a partida ou determinado jogador. Alberto Rodrigues,
mesmo sempre acompanhado de um analista durante as transmissões, opina. Na partida contra
o Flamengo, por exemplo, no dia 13 de outubro de 2012 pela 30ª rodada do Campeonato
Brasileiro Série A, o narrador criticou o jogador Charles, do Cruzeiro. “Pelo amor de Deus,
Charles, você entrou agora, pelo amor de Deus, joga bola”. No clássico contra o Atlético, no
dia 02 de dezembro de 2012, no estádio Independência, pela última rodada (38ª) do
Campeonato Brasileiro Série A, o narrador voltou a criticar o mesmo atleta: “É o Charles, um
dorminhoco”. De tão crítico, a palavra “terrível” se tornou uma marca nas narrações de
27
Trecho do material gravado e transcrito pelo autor.
90
Alberto Rodrigues de tanto que ela é pronunciada. Palavras como penetrou, sassaricou,
arremessou e sensacional são outras muito usadas por Alberto.
O narrador também se caracteriza por narrar com rapidez, mas com muitas pausas,
repetições, utilizando frases curtas e, muitas vezes, sem verbo, como nesse lance na partida
contra o Flamengo.
Olha o contragolpe do Cruzeiro. Avança Everton, já rolou. Montillo, desce Montillo,
caminhou, avança Montillo, aproxima do gol, bom passe, na esquerda, Anselmo
Ramon, dominou, sem muito ângulo, cruzou, pra trás, cabeçada, a bola passa por
cima a cabeçada do Montillo. Mas foi rápido o contra golpe (citação oral)28
.
Repetindo o que fez Nicolau Tuma na primeira transmissão radiofônica de uma partida
de futebol, os narradores continuam descrevendo o posicionamento dos times antes da partida
começar. Alberto Rodrigues anuncia:
Tudo pronto para começar o grande espetáculo aqui no estádio Independência. O
Cruzeiro de azul, de camisa azul, calção branco, meia azul. O Atlético com o seu
tradicional uniforme. O Cruzeiro à esquerda das cabines de rádio. Vai atacar pro
lado do gol do metrô. E o Atlético ataca para a parte fechada do estádio
Independência. A saída pertence ao Galo. Prepara-se para movimentar a redonda a
equipe atleticana (citação oral)29
.
Uma estratégia dos narradores de futebol pelo rádio para “prender” a atenção do
ouvinte é apelando para a dramatização, gerando expectativa. No lance da cobrança de pênalti
de Ronaldinho Gaúcho, do Atlético, na partida contra o Cruzeiro, Alberto Rodrigues narra
pausadamente o momento.
Aí está a cobrança de Ronaldinho. R49 põe a bola na marca. Ronaldinho se prepara
para fazer a cobrança de pênalti. O Atlético está vencendo de 1 a 0. Esse resultado tá
dando o título de vice campeão brasileiro. Grêmio está empatando por enquanto. Vai
tomando posição Ronaldinho. Fábio no centro do gol. Expectativa enorme da
torcida. Lá vai Ronaldinho. Atenção. O árbitro chama atenção. Ninguém pode
penetrar na grande área senão ele manda cobrar de novo. Atenção, vai partir
Ronaldinho. Expectativa da torcida atleticana em todo o Brasil. Fábio no centro do
gol. Autoriza o árbitro. Ronaldinho. Correu, atenção, bateu... Defendeu Fábio
(música do Cruzeiro). Defendeu Fábio no canto esquerdo. Pênalti cobrado pelo
Ronaldinho. Saiu fraco o chute e o Fábio foi pro canto onde a bola estava entrando e
fez uma bela defesa (citação oral)30.
28
Trecho do material gravado e transcrito pelo autor. 29
Trecho do material gravado e transcrito pelo autor. 30
Trecho do material gravado e transcrito pelo autor.
91
O narrador que transmite os jogos do América na Rádio Itatiaia é Ênio Lima. Rápido
na proliferação das palavras, usa o bordão “marcou” várias vezes seguidas para anunciar o gol
e narra nome a nome dos atletas nos detalhes dos lances do jogo. Inclusive, todos os três
narradores da emissora têm uma forma peculiar de anunciar o gol. Mas o grito do gol
prolongado, criado por Rebello Junior, continua sendo utilizado por todos os narradores de
futebol, sejam do rádio ou da televisão. Ênio Lima também usa verbos no passado, isolados e
narrados com pausa.
Sempre utilizando as metáforas, o narrador usa expressões conhecidas pelo público do
futebol, como “deu um bico” (chute com a ponta dos dedos dos pés) e “isolou a bola” (o
jogador mandou a bola pra longe). Pronunciando com ênfase as sílabas, o narrador também é
bairrista e chama, geralmente, o América de “Coelhão”.
Leandro Ferreira dominou pelo meio, tocou pra Fábio Junior, a tabelinha,
Marquinhos Paraná, devolveu, preparou, soltou pra Rodriguinho, entrou, chutou...
marcou, marcou, marcou, marcou, marcou, marcou, marcou (vinheta musical “bola
na rede é gol, bola na rede é gol”) Goooollll (vinheta “gol, gol, gol” – vinheta
musical no estilo samba “olha o Coelhão aí gente” – hino do clube: vinhetas e
músicas ao fundo, como trilha sonora, enquanto o gol é gritado pelo narrador).
Aaaaamérica. Ro, Ro, Rodriguinho. Rodriguinho. Rodriguinho. Depois de uma
jogada envolvente, Marquinhos Paraná, Everton, Marquinhos Paraná, olhou, tocou
pra Rodriguinho, o chute cruzado, sem chances para o Andrey. Olha o Coelhão
pulando na frente, 1 para o América, 0 para o ABC. Rodriguinho, Rodriguinho, aos
34, pula frente o Coelhão (citação oral)31
.
Assim como todos os narradores de futebol pelo rádio, Ênio Lima tenta despertar a
imaginação do ouvinte dando detalhes de alguns lances, como em uma cobrança de falta na
partida entre América e ABC no dia 10 de novembro de 2012 pela 36ª rodada do Campeonato
Brasileiro Série B: “Vai tomando posição pra fazer a cobrança para o ABC, ali concentrado o
Raul, mão na cintura, tomando pouca distância. Barreira orientada pelo goleiro Matheus,
quatro jogadores, dois passos da risca da grande área, olha a bomba direto... Matheus segurou
e volta a defender”.
De todos os narradores analisados neste estudo, pode-se dizer que Osvaldo Reis,
apelidado como “Pequetito”, é o que mais utiliza metáforas e bordões em suas narrações. Ele
se apropria de trechos de músicas de cantores e compositores brasileiros para fazer deles
alguns de seus jargões. O narrador tem uma característica peculiar. Entre os narradores da
Rádio Itatiaia e das próprias Rádios Globo e CBN, os comunicadores exaltam muito a equipe
esportiva envolvida na transmissão do jogo e a própria emissora durante a jornada esportiva.
31
Trecho do material gravado e transcrito pelo autor.
92
Osvaldo Reis também utiliza dessa prática, mas bem menos que os seus colegas, já que uma
de suas características é se auto-exaltar a todo o momento. O narrador sempre usa expressões
conhecidas entre o seu público, como “Emoção é comigo, visual é todo seu” (logo depois
entra a vinheta cantada “Pequetito”), “Venha comigo na emoção do Pequetito”, “Venha
comigo na viagem fantástica do futebol”, “Mexe comigo Galo, vou mexer com a massa
alvinegra” e “Vai começar o jogo. Prepare o seu coração para a emoção que eu vou começar a
contar”. Após o giro inicial de informações com os repórteres e comentarista, o narrador
termina a abertura da jornada esportiva apresentando a ficha técnica (profissionais envolvidos
na transmissão) e encerra dizendo: “E eu sou o Osvaldo Reis, mas pode me chamar de...
(entra vinheta “Pequetito”) que eu também eu gosto”.
Quando o narrador abre o microfone para a primeira participação, quem acompanha as
narrações de Osvaldo Reis sabe que ele vai começar a jornada esportiva com os bordões
tradicionais.
Vivendo e aprendendo a jogar. Nem sempre ganhando, nem sempre perdendo, mas
aprendendo a jogar. Alô galera do Brasil. (entra música “Aprendendo a jogar” da
cantora e compositora Elis Regina). A partir de agora, você na Globo (vinheta
cantada com o nome da emissora), na CBN (vinheta com o som que identifica a
emissora), todos sejam bem-vindos para mais uma edição do Futebol Show da
Rádio Globo, da Rádio CBN (termina música e volta BG – trilha sonora – da CBN).
Um dos jogos mais aguardados pela nação alvinegra. O Galo em campo. É dia de
decisão (vinheta reproduzindo um canto de galo). Decisão é na Rádio Globo e na
Rádio CBN. Atlético e Fluminense. (...) Força Galo, pra cima deles Galo. (...) Você
nesse caldeirão do Futebol Show da Rádio Globo e da CBN. A partir de agora vai se
emocionando, vai se arrepiando. E eu vou procurar contar essa história com todos os
seus detalhes em mais um clássico do futebol do Brasil (vinheta cantada
“Pequetito”). Em minha carreira, mais de 80 clássicos transmitidos pela Rádio
Globo. Você venha comigo na emoção do Pequetito (citação oral)32
.
‘Vendedor de emoções’, Osvaldo Reis, que apela sempre para a dramatização, usa
outras expressões como “Paixão e fé, Galo. Na fé, Galo. Só não duvido da fé. Ergue a cabeça,
mete o pé e vai na fé, Galo. Pra cima deles, com raça, coração no bico da chuteira” e “É
preciso ter gana, sonho sempre, quem traz na pele essa marca, possui a estranha mania de ter
fé na vida”.
Osvaldo Reis é um narrador que, assim como Alberto Rodrigues, da Rádio Itatiaia,
opina com frequência sobre o jogo e jogadores durante a partida, especialmente em jogos do
Cruzeiro. O narrador se diferencia de vários outros locutores por narrar os gols em mais
tempo, acionar menos repórteres e comentaristas durante as transmissões dos jogos e
descrever com mais detalhes alguns lances do jogo. O terceiro gol do Atlético, na vitória por 3
32
Trecho do material gravado e transcrito pelo autor.
93
a 2 sobre o Fluminense, Osvaldo Reis narrou em três minutos e dois segundos, enquanto o seu
colega Mário Henrique, da concorrente Itatiaia, transmitiu em um minuto e 51 segundos.
Bernard, tocou no Leonardo, recolheu, acredita, é na fé, paixão e fé, Ronaldinho pela
meia esquerda, cruzou, fechou Leo Silva, vai fazer, cabeceou, é goooollll, é
goooollll, é goooollll, é goooollll (pausa para o grito da torcida) Gooollllll (muito
longo) éééééé do Galo (força a garganta) Leo Silva, o zagueiro. Foi, foi, foi, foi, foi,
foi, foi Galo Doido, é vitória de novo. (fazendo referência e alterando a letra de
outra música, “Bolo Doido”, da dupla sertaneja Guilherme e Santiago). Foi, foi...
foi Galo Doido. Leo Silva de novo, Leo Silva de novo. Foi, foi... foi Galo Doido.
Leo Silva. O Galo vence no final um jogo dramático. Passe do Ronaldinho, o artista
da bola, Ronaldinho aqui pela meia esquerda, levanta na entrada da pequena área,
Leo Silva sobe, no último andar, testa forte no ângulo direito do Cavalieri. Aos 47
minutos o gol da vitória. O Galo vira que vira, vira que vira, vira que vira, de forma
espetacular, heroica, pra cima do líder do campeonato. Alô Fluminense, alô
Fluminense, o Galo não perde no Independência não, Fluminense. Leo Silva, Leo
Silva, vira que vira, é o terceiro do Galo. Leo Silva de cabecinha feita, cuca legal.
Ele é rede, rede, rede, rede, rede, rede, rede, rede, rede. Emoção em preto e branco
pela terceira vez aqui no Independência. Que jogo, e que partida do Atlético. E que
partida de Ronaldinho Gaúcho, o craque, o artista do brasileiro, coloca na cabeça de
Leo Silva e ele vai pro fundo do barbante. Três para o Atlético, dois para o
Fluminense. O Galo bate o líder. Ô Leo Silva, assim vai, vai, vai, vai, vai, vai. Vai
que eu tô te vendo. Leo Silva, vai na fé. Paixão e fé, Leo Silva, andar com fé eu vou,
porque a fé não costuma falhar. Agora tá bonito o Independência: 3 pro Galo, 2 pro
Fluminense (citação oral)33
.
Percebe-se que o narrador possui diversos bordões durante a narração do gol, como
“vira que vira, vira que vira, vira que vira”, “de cabecinha feita, cuca legal”, “ele é rede, rede,
rede, rede, rede, rede, rede, rede, rede”, “emoção em preto e branco pela terceira vez aqui no
Independência”, “ô Leo Silva, assim vai, vai, vai, vai, vai, vai. Vai que eu tô te vendo” e “Leo
Silva, vai na fé. Paixão e fé, Leo Silva, andar com fé eu vou, porque a fé não costuma falhar”.
Osvaldo Reis usa, geralmente, todos esses bordões durante a narração dos gols, especialmente
os do time da região da emissora, já que ele é extremamente bairrista. Mesmo sendo
cruzeirense, não é identificado como tal pela maioria dos ouvintes. Pode-se dizer que o
narrador consegue ser parcial nas transmissões tanto para o Atlético como para o Cruzeiro.
Nas poucas vezes que narra os jogos do América, Osvaldo também torce na transmissão para
a equipe americana.
Assim como vários outros narradores, especialmente os mais antigos, Osvaldo Reis
prolonga as sílabas e estende muito o “r” em determinadas palavras, como o do zagueiro
Réver, do Atlético. A narração de Osvaldo Reis é rápida e sempre com frases curtas.
Romantizando o futebol, o narrador usa ainda expressões como “Ajeita a bola com muito
33
Trecho do material gravado e transcrito pelo autor.
94
carinho” e apela para uma santa quando um jogador erra um gol claro, dizendo: “Minha
Nossa Senhora de Fátima”.
Osvaldo Reis usa muitos adjetivos em suas transmissões, como impressionante,
sensacional e incrível. Utiliza várias metáforas, como “o jogador fez o facão” (saiu da ala e
jogou a bola para o meio do gramado), “simbora, simbora, agora que eu quero ver, pega e
passa, não embaça, brigou, lutou”, geralmente propagando o jogo: “É um jogo brigado. É pura
emoção. Adrenalina lá em cima”. Quando a partida está com um nível técnico ruim, Osvaldo
Reis evita dizer que o jogo não está bom. Apenas não elogia o panorama da partida.
Mesmo usando diversas metáforas e bordões, aspectos que caracterizam Osvaldo Reis
um seguidor da escola conotativa, o narrador também é descritivo. Descreve com mais
detalhes alguns lances dos jogos, como em uma jogada do Atlético na partida contra o
Fluminense: “A bola vai ser colocada aproximadamente cinco metros da linha de frente da
risca da grande área. Mais pela meia esquerda. Quatro, cinco homens na barreira”.
Lembrando do que escreveu Soengas (2003) sobre a série de recursos de criação de
imagens auditivas que pode ser utilizada pelo jornalista para ajudar o ouvinte a ter percepções
visuais das mensagens radiofônicas, o autor destaca que a importância de “explorar
corretamente todos os recursos da voz e usar o registro adequado em cada momento, de
acordo com o conteúdo do texto. A descrição dos feitos deve ser a mais completa possível
para que o ouvinte faça uma reconstrução visual-mental próxima da realidade”. O autor
complementa ressaltando que “também se pode aproveitar os reforços músico-verbais e as
metáforas para a criação de sensações, (...) que permitem a incorporação de elementos
próprios dos programas dramáticos” (SOENGAS, 2003, p.158).
O outro narrador das Rádios Globo/CBN é Hércules Santos. Ele é o que mais se
diferencia das características de todos os narradores analisados até aqui. Pelo estilo mais
sóbrio da narração, Hércules Santos pode ser considerado o que menos se enquadra na escola
conotativa. Ele tem seu bordão, usa metáforas, às vezes descontrai na transmissão com
algumas brincadeiras, manda abraços, mas usa bem menos essas técnicas. O narrador é mais
descritivo, se preocupa mais em narrar de uma forma mais direta, sem pleonasmos e muitas
repetições, dando atenção aos detalhes dos jogos e informações adicionais, como, por
exemplo, a última vez que um time venceu aquele adversário do dia e outros aspectos
históricos de determinado confronto e dos personagens envolvidos na partida. Essa
característica pode ser mais acentuada em Hércules Santos, já que ele trabalhou como repórter
esportivo da emissora na cobertura diária do Atlético antes se ser escolhido como narrador das
Rádios Globo/CBN. Diante dessas características, comparando com os outros narradores
95
analisados nesta pesquisa, pode-se dizer que Hércules Santos é o que mais perpassa os dois
estilos – o conotativo e o denotativo – durante as narrações e o que é mais fiel à escola
denotativa.
O narrador não deixa de usar metáfora como “passa para a meia-cancha” (passa para o
meio-campo), “meteu o cucuruto na bola” (meteu a cabeça na bola) e tem seus bordões
definidos, como, no momento do gol, o “fazendo a boa, a boa hora pra toda a nação azul
celeste”. Hércules Santos, a exemplo de vários outros narradores radiofônicos, também
aproveita as vinhetas das emissoras para incrementar a narração. No final da transmissão de
cada gol, inclusive o do adversário do time da região, antes de chamar o repórter de campo
que vai dar o detalhe do lance, o narrador diz assim: “sobrou pra você Felipão (goleiro que
sofreu o gol)...”. Depois entra a vinheta tradicional da Rádio Globo: “vai lá, vai lá, vai lá”. No
gol de empate do Cruzeiro na partida contra o Flamengo, no dia 13 de outubro de 2012 pela
30ª rodada do Campeonato Brasileiro Série A, no estádio Engenhão, no Rio de Janeiro,
Hércules Santos narrou como geralmente o faz.
Rouba o time do Cruzeiro. Domina a bola aqui no meio campo. Matheus vai com
ela. O toque pra frente para Anselmo Ramon. Recuou para Montillo, pisou nela, fez
ali o pivô. Montillo dominou, abre o jogo na canhota para Martinuccio, o disparo, o
toque de cabeça, Everton... Goooolllll (mais longo – entra hino musical Cruzeiro). É
do Cruzeiro, Everton camisa número 6. Pra empatar o jogo, aos 18 minutos do
primeiro tempo. Depois do pivô do Anselmo Ramon. O toque pro Montillo, levou
pra canhota, o cruzamento, sozinho, sozinho, sozinho, absoluto na marca penal o
camisa meia-dúzia. Meteu o cucuruto na bola no canto esquerdo do Felipe, que não
pode fazer nada. Everton, aos 18 minutos, fazendo a boa, a boa hora pra toda a
nação azul celeste estrelada. Escrevendo no futebol da Globo e da CBN: (vinheta
Flamengo) 1, (vinheta Cruzeiro) agora o Cruzeiro também tem 1. Sobrou pra você
Felipão (vinheta vai lá, vai lá, vai lá) (citação oral)34
.
Outra peculiaridade do narrador é a voz diferenciada. De todos os narradores
analisados neste estudo, é o que tem a voz mais grossa, mais grave. Essa característica,
inclusive, chega a ser exaltada ao vivo pelos seus próprios colegas. Nos programas da Rádio
Globo em rede com os profissionais de São Paulo e Rio de Janeiro, como o quadro “Ponte
aérea” do programa “Globo Esportivo”, o repórter Maércio Ramos, da emissora paulista, às
vezes diz, após a primeira participação do narrador, que Hércules Santos “enche o rádio” com
a voz eu tem. Quando anuncia o narrador, Osvaldo Reis já chegou a dizer algumas vezes, ao
vivo, que Hércules Santos é “aquele que tem um diamante no gogó”.
A característica da voz e como o narrador faz para aproveitá-la durante a transmissão
do jogo de futebol é outro ponto fundamental para o comunicador se identificar e se
34
Trecho do material gravado e transcrito pelo autor.
96
aproximar do público. Percebe-se que os narradores impostam a voz e usam tons diversos
durante a narração. Barthes, citado por Meditsch (2001, p.186), afirma que, em toda a fala, é
possível distinguir um grão da voz enquanto “articulação do corpo, da língua, e não a do
sentido, da linguagem”, o que faria ouvir, “na sua materialidade, na sua sensualidade, a
respiração, o embrechado, a polpa dos lábios, toda uma presença do focinho humano”.
De todos os narradores alisados neste estudo, Hércules Santos é o único que atua
também com o jornalismo hard news. Ele apresenta os blocos locais da programação em rede
da Rádio CBN durante as tardes de segunda a sexta-feira (com exceção nos dias em que ele
tem que narrar jogos à noite). Hércules Santos lê notas diversas sobre os fatos do cotidiano e
produz matérias para os programas em rede da emissora. Além disso, o narrador também
apresenta alguns programas esportivos tanto na Rádio Globo como na Rádio CBN. O seu
colega Osvaldo Reis, das mesmas emissoras, também apresenta os programas esportivos,
como o “Globo Esportivo”, “Futebol Show” e “Depois do Apito”. Na concorrente Itatiaia, os
narradores Mário Henrique e Alberto Rodrigues praticamente só transmitem as partidas e
apresentam os programas antes e depois dos jogos. Os outros programas esportivos da
emissora geralmente são apresentados por Milton Naves (Rádio Esportes) e Ênio Lima (Tiro
de Meta), além de Marco Antônio Bruck (Apito Final), João Vitor Xavier e Bruno Azevedo
(Bastidores), Thiago Reis (Bola Premiada) e Emanuel Carneiro (Turma do Bate-Bola e a
Grande Resenha).
O terceiro narrador das Rádios Globo e CBN em 2012 foi o jovem Henrique
Fernandes. Ele começou a trabalhar nas emissoras de Belo Horizonte no final do ano de 2011.
Iniciou sua trajetória nas emissoras como repórter esportivo na cobertura diária do Atlético
em substituição a Hércules Santos que passou a ser narrador. Mas logo a empresa viu a
necessidade de ter um terceiro narrador devido à sequência de jogos de Atlético, Cruzeiro e
América. Henrique Fernandes começou então, em 2012, a dividir as tarefas: cobrir
diariamente o dia a dia do Atlético e ser o repórter de campo quando a equipe jogar e narrar os
jogos do América. O profissional não narrava todas as partidas do time americano, dividia
essa tarefa com Hércules Santos, que irradiava até mais jogos do América.
Mesmo sendo o mais jovem de todos os narradores analisados por esta pesquisa e
iniciando sua trajetória profissional em uma grande empresa de comunicação, Henrique
Fernandes narrou os jogos com velocidade, metáforas e até bordões próprios. Antes de
começar a partida, o narrador sempre diz: “Bola que rola nas ondas da Globo e da CBN.
Começa o jogo. A partir de agora, tudo pode acontecer. América e ABC, ABC e América, é o
Campeonato Brasileiro da série B. É o Coelhão em busca de terminar deforma digna a
97
temporada”, já com o habitual bairrismo inserido. Nessa partida entre América e ABC, no
estádio Independência, no dia 10 de novembro de 2012 pela 36ª rodada do Campeonato
Brasileiro Série B, Henrique Fernandes narrou o primeiro gol da equipe americana
prolongando o “r” e com o bordão “E agora no placar: tá lá, tá lá, tá lá, tá lá, tá lá, tá lá”.
Aqui vem o América, de pé em pé, a bola chega ao Rodriguinho, no lado direito,
bateu... tá lá... Goooollll. (vinheta hino cantado do América). E que golaço do
América. É do América com Rodriguinho. Ele recebeu na área, do lado esquerdo,
invadiu, ninguém encostou e aí ele soltou um foguete de canhota e ela foi morrer no
ângulo esquerdo do goleiro Andrey que nada pode fazer. Rrrrrrrodriguinho,
Rodriguinho. Aos 34 do primeiro tempo, que canudo, que golaço, que beleza,
camisa 10 do América, Rodriguinho. E agora no placar: tá lá, tá lá, tá lá, tá lá, tá lá,
tá lá (vinheta América) tem 1 gol do Rodriguinho. (vinheta ABC) tem 0 (citação
oral)35
.
Com o estilo conotativo, Henrique Fernandes usa metáforas como “ela foi morrer no
fundo do gol”, “que canudo” (chute forte), “a bola chega na boa, carrega a bola” e “foi uma
senhora bolada agora nos minutos finais. Podia ter ido pra casa sem essa”.
Diante das análises de cada narrador, percebe-se que eles usam diversos adjetivos para
classificar uma jogada ou um jogador. As narrações são rápidas, carregadas de emoção,
metáforas e bordões. O momento que mais se encontra jargões é o do gol. Cada narrador tem
sua forma particular de anunciar esse que é o momento máximo do futebol. As frases são
curtas, muitas sem verbos, algumas palavras são diminuídas (como o “está” que vira “tá”,
característica da linguagem mineira) e os enunciadores usam muitas expressões que são de
conhecimento somente do público que acompanha o esporte. Muitas palavras ficam isoladas
na narração, sem estar em uma frase, mas de fácil entendimento para o ouvinte acostuma do a
ouvir a transmissão e que precisa imaginar o lance que está sendo transmitido. Mesmo a
narração sendo muito rápida, tem diversas pausas. A dramatização é enorme, é um aspecto
que está embutido na emoção que é passada pelo narrador. Com todas essas estratégias e
estilos, pode-se dizer que os enunciadores conseguem estimular a imaginação e a fantasia na
mente do torcedor/ouvinte.
Essas reflexões nos faz lembrar do que escreveu Guerra (2000, p.53). Diante de todas
as estratégias de linguagem citadas para estimular o imaginário do ouvinte, o objetivo é criar
“um campo de cumplicidade entre torcedor e narrador que vai fazer com que o ouvinte
absorva o novo elemento de referência imediatamente”. Para o autor, todas “as expressões que
foram sendo criadas e firmadas entre os que acompanham a transmissão esportiva
35
Trecho do material gravado e transcrito pelo autor.
98
transformaram-se em verdadeiros códigos com a composição da imagem do jogo”. Guerra
(2000, p.52) destaca ainda que “todas essas marcas enunciativas acabaram sendo decisivas,
uma vez que as representações construídas em torno do futebol facilitaram sua aceitação e
popularização”.
Mesmo com a mudança na plasticidade da transmissão esportiva das Rádios Globo e
CBN que mudaram o formato das vinhetas e tiraram muitas do ar, os narradores conseguem
aproveitar o pouco de efeitos sonoros que ainda têm, especialmente no momento do gol e da
abertura da jornada esportiva. Os hinos dos clubes da região continuam a tocar minutos antes
do início do jogo, quando o repórter anuncia a escalação dos times, e a vinheta que anuncia
tempo e placar de cinco em cinco minutos durante o jogo, também permaneceu. Nesse
momento, o narrador informa:
Hora oficial de Brasília, são 4 e 11. (vinheta curta que anuncia tempo e placar do
jogo). Marque o tempo do jogo no apito da Globo e da CBN. Jogados seis, passamos
de seis, primeiro tempo, 32ª rodada, Brasileirão, aqui no Independência tem (vinheta
falada Atlético) 0 (vinheta falada Fluminense) também 0 (citação oral)36
.
Na Rádio Itatiaia, as diversas músicas e vinhetas, particularmente nos momentos do
gol e da abertura da jornada esportiva, também são aproveitadas pelos narradores que fazem,
com os operadores técnicos que operam a mesa de áudio, um entrosamento interessante. A
Rádio Itatiaia utiliza, tradicionalmente, diversas vinhetas e músicas que identificam e exaltam
a emissora. Os curtos efeitos sonoros com o nome da rádio são usados sempre durante o jogo,
seja em uma “deixa” do narrador (quando ele dá uma pausa após anunciar algo) ou depois das
informações do repórter do plantão. O momento que há mais vinhetas e músicas é a hora do
gol. São usados o hino dos clubes, músicas diversas que exaltam as instituições e vinhetas
gerais, como a do “Caixa”, por exemplo. Antes e depois dos jogos elas também são utilizadas.
Os narradores da Rádio Itatiaia, assim como os repórteres, anunciam constantemente
as empresas que patrocinam a jornada esportiva. Após um lance que não foi gol, depois de um
detalhe de uma jogada, enfim, os anúncios são frequentes, como este, dito por Mário
Henrique no decorrer da partida do Atlético contra o Fluminense: “Quem usa Tigre é
autoridade no assunto. Tubos e conexões custam menos de 3% da obra. Não arrisque. Como
Tigre só tem Tigre. Lá vai o Galo...”. Os intervalos das jornadas esportivas na emissora são
todos com inserções de propagandas das empresas patrocinadoras. Nesse momento, as
vinhetas que exaltam a rádio ou as propagandas dos programas da emissora não vão para o ar.
Como a Itatiaia possui uma audiência incrível em Minas Gerais, especialmente em Belo
36
Trecho do material gravado e transcrito pelo autor.
99
Horizonte, empresas de grande porte como Brahma, Vivo, FLC, Unimed BH, Loterias Caixa,
Itambé, Ricardo Eletro, entre várias outras, preferem anunciar na emissora que se propaga
como “a rádio de Minas”.
Como as Rádios Globo e CBN têm muito menos anunciantes que a Rádio Itatiaia, as
diversas vinhetas e músicas da Globo complementam os intervalos comercias. Em 2012, a
Globo chegou a ter vários intervalos sem nenhum anunciante e todos compostos apenas pelos
variados efeitos sonoros e músicas que exaltam a emissora e as propagandas dos próprios
programas da rádio. Como a transmissão do futebol é em rede, a Globo tinha que fazer o
intervalo por causa da demanda da CBN, que contou com o patrocínio da empresa montadora
de veículos Volkswagen. O restante dos intervalos, que duram três minutos, era completado
com os anúncios dos programas da emissora.
ii) Lugar destinado ao ouvinte
O ouvinte tem amplo espaço tanto na Rádio Itatiaia como nas Rádios Globo/CBN. São
plataformas diferentes de participação nas emissoras. O ouvinte é estimulado a participar a
todo o momento. Na Rádio Itatiaia, o espaço é ainda maior. Quando Atlético, Cruzeiro ou
América jogam em casa, o torcedor sabe que ele pode procurar o repórter Thiago Reis antes e
depois do jogo em ponto definido fora do estádio para tentar participar da jornada esportiva,
já que, em dia de grandes jogos, os interessados em falar ao microfone da Itatiaia são muitos
e, por isso, nem sempre tem como todas as pessoas participarem.
O repórter que registra a opinião dos torcedores na Rádio Itatiaia é o Thiago Reis,
conhecido como “Seu nome, seu bairro”, por começar assim as entrevistas com o público. É
como se fosse um quadro dentro da jornada esportiva da emissora que ganhou até música, em
forma de samba: “Seu nome, seu bairro, Thiago. Seu nome, seu bairro, Thiago”. Esse
momento da transmissão é tão chamativo, que os próprios torcedores fazem o coro da música
quando o repórter chama a vinheta. Quando anunciado pelo narrador, Thiago Reis convida o
torcedor: “Alô Mário. Nesse domingão, a Itatiaia, a rádio de Minas, mais uma vez lado a lado
com o torcedor mineiro. Não importando a cor da sua camisa, o microfone da Itatiaia à
disposição do torcedor mineiro sempre jogando pra cima galera...” (entra a música “Seu
nome, seu bairro”). Visto como a figura que dá voz aos torcedores, o repórter é anunciado
dessa forma pelo narrador Ênio Lima: “Ele é o nome da galera, seu nome, seu bairro, Thiago
Reis”.
100
Durante as análises das jornadas esportivas, percebe-se que o repórter recebe bem o
público, tem uma linguagem extremamente coloquial e descontraída, conversa com vários
torcedores, deixa o ouvinte se manifestar e, às vezes, tem até que interromper a entrevista
porque alguns torcedores, muito exaltados e/ou revoltados com o time, jogadores, técnicos ou
dirigentes, chegam a xingar com palavras de baixo calão. Mas, geralmente, as entrevistas
correm com naturalidade, como essa, realizada antes do jogo contra o Fluminense.
– (Thiago Reis) Olha Mário, a rua Pitangui tá parecendo aquele carnaval de micareta
do interior, viu Mário. Um calorão, todo mundo com a Brahma gelada na mão, fila,
aquele tumulto legal, não tem confusão, a turma chegando e já buscando o seu
assento no Independência. Deixa eu trazer aqui o torcedor atleticano pra repercutir
essa escalação do Galo. Seu nome seu bairro?
– (Torcedor) Camilo Baruí, Santa luzia, Morada do Rio.
– (Thiago Reis) Camilão, vai jogar o Guilherme, uma boa aposta do Cuca (técnico
do Atlético), quem sabe pro talento decidir?
– (Torcedor) Se ele jogar o futebol que ele sabe jogar sem preguiça, beleza, mas se
ele jogar pra complementar o time não dá não. (...) O Galo contra tudo e contra
todos. Se o Galo ganhar hoje vai abrir a vaga pelo título, não tem nada acabado
ainda não. Nós vamos decidir esse jogo é hoje (citação oral)37
.
Além das entrevistas, Thiago Reis acrescenta algumas informações sobre venda de
ingressos, chegada do torcedor ao estádio, sobre o trânsito, ocorrências sobre acidentes e
brigas entre torcedores e presta serviço de utilidade pública, como o caso de um torcedor que
achou uma carteira e a levou ao repórter na transmissão da partida entre Atlético e
Fluminense. Thiago Reis anunciou o fato no ar, dizendo o nome da pessoa que perdeu o
objeto e onde ele poderia pegá-la novamente. Durante o jogo, Thiago Reis entra para o estádio
e trabalha como mais um repórter de campo na transmissão. Informa sobre o comportamento
dos técnicos, substituições e faz entrevistas com os jogadores quando termina o primeiro e o
segundo tempos.
Como Thiago Reis está em praticamente todos os jogos que os times mineiros são
mandantes, é ele quem faz essa relação direta da Rádio Itatiaia com o torcedor. Com isso, o
repórter se tornou extremamente popular, tem quase 55 mil seguidores na rede social Twitter38
e é procurado, muitas vezes, apenas para ser fotografado com algum torcedor. Em
determinado momento das entrevistas com o público, Thiago Reis diz para um torcedor:
“Vamos tirar foto já já”. A foto, geralmente, é postada nas redes sociais.
As participações ao vivo do torcedor sempre vão ar antes e depois dos jogos na
Itatiaia. O áudio de cada entrevista concedida é gravado e fica disponível para o torcedor na
37
Trecho do material gravado e transcrito pelo autor. 38
Acesso à página pessoal de Thiago Reis (@thiagoreisbh) no dia 16 de fevereiro de 2013 no micro-blog
Twitter. Disponível em: < https://twitter.com/thiagoreisbh>.
101
internet, no site do “Seu nome seu bairro”. Em muitas manifestações, percebe-se o vínculo
ativo do torcedor com a emissora.
– (Thiago Reis) Como é bom estar no meio do povo, muito obrigado pelo carinho
(vinheta curta ao fundo com o nome da Itatiaia). Deixa eu começar com uma
torcedora aqui, seu nome seu bairro?
– (Torcedora) Renata, Passatempo.
– (Thiago Reis) Bonita a Renatinha, veio aqui, apoiou o time do Atlético, saiu lá do
sul de Minas pra ver o Galo vencer hoje, Renatinha?
– (Torcedora) Isso mesmo. Aqui ninguém tá guentando o Galão da Massa. A
máquina 2012 (ao fundo, torcedores gritam “Galoooo”).
– (Thiago Reis) Renata, foi uma vitória dupla, ganhou aqui e ganhou no sul com
aquele empate do Grêmio lá 0 a 0. Direto na Libertadores. Vai sair de Passatempo
pra assistir o Galo na Libertadores também?
– (Torcedora) Com certeza. Se Deus quiser, ano que vem, o Galão, ninguém vai
guentá de novo (risos da torcedora).
– (Thiago Reis) Falou, meu bem (citação oral)39
.
Especialmente nessa participação, percebe-se como a torcedora se apropria de
expressões criadas e utilizadas pelo narrador Mário Henrique em suas transmissões.
Parafraseando o narrador, a torcedora diz que “ninguém tá guentando o Galão da Massa” e
que “ninguém vai guentá de novo” o “Galão” ano que vem. Como já dito, Mário Henrique
usa o bordão “tô achando que o Fluminense não vai guentáááá” e chama, carinhosamente, o
Atlético de “Galão da Massa”. Outra expressão usada pela torcedora na entrevista que foi
utilizada por Mário Henrique é “a máquina 2012”, em referência ao bom futebol do Atlético
no ano. Situação semelhante acontece com o narrador Osvaldo Reis, das Rádios Globo/CBN.
Alguns recados enviados pelas redes sociais mostram a apropriação do público de alguns
bordões do narrador, como o “vai que eu tô te vendo” que é acrescentado ao texto de uma
manifestação do ouvinte/internauta.
Guerra (2000, p.52-53) destaca que “o ouvinte foi convidado a participar do
espetáculo como parte do jogo (...). Todo universo do locutor é tautológico (...), em que o
narrador dá um novo sentido à metáfora tradicional: o torcedor adota esse novo significado e
passa a repeti-lo à exaustão”.
Diante dessa clara aceitação do público que, de certa forma, confia na descrição dos
lances realizadas pelos narradores, Meditsch (2001, p.173) ressalta que “o rádio tem uma
maneira própria de expressar a realidade. Uma maneira que, embora artificial e fragmentária,
pode ser plenamente satisfatória, completa e convincente”.
A participação da torcedora na Rádio Itatiaia aconteceu depois da vitória do Atlético
no clássico contra o Cruzeiro pela última rodada do Campeonato Brasileiro de 2012, no dia 02
39
Trecho do material gravado e transcrito pelo autor.
102
de dezembro. Somente torcedores atleticanos foram entrevistados por Thiago Reis, já que o
mando de campo era do Atlético e a medida de torcida única foi acordada entre os dois
clubes, seguindo orientações de segurança da Polícia Militar. Mas a Rádio Itatiaia também
ouviu torcedores do Cruzeiro. Com a correspondente Paula Rangel, em São Paulo, a emissora
registrou algumas participações de torcedores que organizam para assistirem aos jogos em
bares da capital paulista.
Nas Rádios Globo/CBN, a modalidade de participação é diferente, mas o público
também tem amplo espaço. Os canais de interatividade para o torcedor se manifestar são pela
internet. Ele tem várias opções para participar da jornada esportiva: site da Rádio Globo, site
da Rádio CBN, página do futebol das emissoras no Twitter e página da Rádio Globo no
Facebook, além das páginas pessoais de alguns narradores e comentaristas que divulgam seus
perfis nas redes sociais. As participações são lidas e registradas pelos narradores: “Vamos
mandar o seu recado pro ar”, avisa Hércules Santos. O torcedor interage, envia opiniões
diversas e perguntas para o comentarista. O narrador lê a participação ao vivo, passa a
pergunta para o analista, que responde ao torcedor/internauta. As manifestações são lidas
antes, durante a partida, no intervalo e depois do jogo, como essas, lidas pelo narrador
Osvaldo Reis, que “manda alguns abraços” enquanto registra as participações.
Obrigadão pelo seu carinho, pela sua audiência. Também no Twitter a rapaziada
participando conosco aqui, dando aquela passeadinha importante, mandando aquele
recadão pra toda a nossa galera (entra vinheta com som de teclas de teclado sendo
digitadas). Um abraço aqui para o @subplanent, tá dizendo: tamo junto, hoje é
Galo, vai pé quente. O Edmilson Magalhães dizendo que a narração do segundo gol
do Galo sobre o Sport foi demais, que se repita hoje no SporTV. Luis Moquedes, aê
meu amigo Luisão, diga lá. Rumo ao título. Liquidação do Fluminense começa hoje.
Vamos detonar. Tá certo” (citação oral)40
.
A participação ao vivo do torcedor falando direto no microfone das Rádios
Globo/CBN é rara nas transmissões esportivas das emissoras. Tal prática acontece somente
em grandes jogos como em uma final de campeonato ou nos clássicos entre Atlético e
Cruzeiro, quando um repórter é escalado para registrar a participação do público. Na partida
entre os dois clubes mineiros na última rodada do Campeonato Brasileiro, o repórter Emerson
Pancieri fez esse trabalho. O narrador da partida foi Osvaldo Reis, que anunciou o repórter:
“Girando aqui no entorno do estádio Independência, trazendo mais detalhes, mais
informações, alô Emerson Pancieri, diga lá Panci (vinheta cantada com o nome do repórter)”.
40
Trecho do material gravado e transcrito pelo autor.
103
Por celular41
, Emerson Pancieri falou da movimentação do público e registrou uma entrevista
com um torcedor.
– (Emerson Pancieri) Alô Pequetito, Osvaldo Reis, um abraço a você, um abraço a
quem acompanha o futebol na CBN e na Rádio Globo. Milhares de atleticanos
também tomam conta das imediações do estádio Independência, na rua Ismênia
Antunes, na rua Pitangui, nós estamos aqui também com o torcedor atleticano, Luís
Fernando. A expectativa, Luís, para esse jogo do Atlético, esse clássico que mexe
mesmo com o torcedor.
– (Torcedor) A expectativa é a melhor possível. O Atlético tem tudo pra fazer uma
ótima partida, o time tá motivado para ganhar essa segunda posição e aproveitar
para vingar também aquela goleada que a gente tomou e hoje tem tudo pro Atlético
ganhar de cinco a mais. Qualquer resultado fora disso vai ser zebra.
– (Emerson Pancieri) (...) Obrigado! Esse então o Luís Fernando, também
traduzindo um pouco do que o atleticano nesse jogo de hoje, Pequetito. É emoção é
total. (...) Todo mundo vindo para o estádio Independência, ouvindo, claro, a CBN e
a Rádio Globo, Pique (citação oral)42
.
Como a participação do torcedor ao vivo falando diretamente no microfone da Rádio
Itatiaia é ampla e frequente, a manifestação do público via internet é bem menor se
comparado às Rádios Globo/CBN. Nas transmissões de jogos de futebol elas são raras.
Acontecem mais nos programas esportivos fora da jornada.
O que acontecem muito nas transmissões e nos programas radiofônicos diversos, não
só quando o assunto é esporte, são os registros dos “abraços”, prática comum entre os
narradores conotativos e ação contestada pelos seguidores da escola denotativa. A crítica se
deve porque, em alguns momentos do jogo, quando um atleta está recebendo atendimento
médico ou a bola está na defesa, sem perigo de gol, os narradores, em vez de narrar as
jogadas, pedir uma informação adicional ao repórter de campo ou acionar o comentarista,
preferem mandar esses abraços. Praticamente todos os narradores, apresentadores e até
repórteres, especialmente os da Rádio Itatiaia, mandam abraços antes, durante e depois do
jogo. Muitos mandam para os seus contatos, amigos e/ou seguidores das redes sociais e outros
chegam a fazer uma lista com os nomes que vão ser registrados no ar. No programa pré-jogo
da Itatiaia que antecedeu o clássico entre Atlético e Cruzeiro pela última rodada do
Campeonato Brasileiro do ano passado, o apresentador e narrador Milton Naves, que estava
na apresentação, manda um abraço para várias pessoas em cidades diferentes em apenas um
registro.
41
Nas Rádios Globo e CBN, não só em Belo Horizonte, como em todas as regiões em que as emissoras têm
sede, é frequente o uso de telefone celular em matérias ao vivo ou gravadas. A qualidade do som diminui muito
com essa prática. Na Rádio Itatiaia, raramente um repórter entra por celular. O próprio repórter Thiago Reis, que
faz participações das jornadas esportivas fora do estádio, entra direto pela linha telefônica, mantendo a qualidade
do áudio como se o repórter estivesse na cabine de transmissão, por exemplo. 42
Trecho do material gravado e transcrito pelo autor.
104
Abraçando Alair Freitas, em Venda Nova, Geraldo, em São José da Lapa, Cristiano
Zanforlin em Nova Lima, Carlos Besoni, no Rio de Janeiro, e um grande abraço
especial a João Júlio Cardoso, em Arcos. Todo mundo, toda a galera que nos ouve
pela cidade de Arcos, pela Rádio Cidade de Arcos, que faz parte, que integra a
grande Rede Itasat. Grande abraço a todos vocês do oeste de Minas, em Formiga,
em Itaú, em Passos, em São Sebastião do Paraíso, e mais ao sul, Carmo do Rio
Claro, Conceição da Aparecida, Areado, Alterosa, Alfenas, com a Nossa Rádio
Cultura AM. Grande abraço a todos vocês, Boa Esperança e claro, em Varginha com
a Itatiaia sul de Minas, integrando todo o estado de Minas Gerais (citação oral)43
.
O narrador Mário Henrique, também da Rádio Itatiaia, fez o mesmo minutos antes da
partida entre Atlético e Fluminense começar, abraçando pelo menos sete pessoas em apenas
um registro:
Um abraço pro Sandrão, Paritel, Sílvio, PC, ouvindo a Itatiaia sul de Minas, na
Rádio Cidade de Araxá, de Arcos, tá lá o nosso locutor Marcão nos acompanhando.
O nosso abraço. O Iltinho tá trabalhando no (Hospital) João XXIII, o nosso abraço
pra rapaziada, o Alysson Rosquei lá em Santa Bárbara, enfim, a atleticanada está
impossível hoje pra ganhar do Fluminense e o jogão começa já já (citação oral)44
.
A prática do “mandar abraço” é frequente e usual no rádio. Não são consideradas
participações, claro, mas é o momento que o narrador dedica na jornada esportiva
exclusivamente para esses registros. Vários torcedores pedem esses abraços, seja em contato
direto com os narradores ou via rede social. Antigamente, a manifestação geral do público era
através de carta escrita à mão e enviada pelos correios ou por ligação telefônica. Ainda hoje as
emissoras recebem algumas cartas – especialmente de pessoas mais idosas ou que ainda não
foram inseridas à grande rede de computadores – e fazem o contato com o público via
telefone em programas com temas gerais, como o “Manhã da Globo”, apresentado por Paulo
Roberto nas manhãs de segunda a sexta-feira na Rádio Globo Minas. Mas com o avanço da
internet, já que as pessoas podem ouvir as emissoras de rádio, acessar e-mail e redes sociais
através da grande rede em vários lugares do mundo, principalmente nos estádios, a
participação do ouvinte ficou ainda mais assídua na programação das emissoras, seja nas
jornadas esportivas, onde há o maior índice de manifestação do público, seja nos programas
diversos de rádio. Essa, inclusive, é uma cláusula importante do contrato de leitura. O ouvinte
tendo espaço para se manifestar, a tendência é ele enviar mais recados e ouvir com fidelidade
a emissora. Com o aumento das participações, as manifestações ficaram diversas. O ouvinte
manda opiniões sobre o jogo de futebol e seus vários elementos, opina sobre a transmissão,
elogiando ou criticando um ou outro membro da equipe esportiva, envia reclamações sobre a
43
Trecho do material gravado e transcrito pelo autor. 44
Trecho do material gravado e transcrito pelo autor.
105
programação da emissora, pede música, oração, serviço de utilidade pública e faz denúncias
gerais. O telefone ainda é um meio usado para essa comunicação, mas, com a expansão da
internet, a relação do público com a emissora ficou ainda mais estreita.
iii) Ambiente lúdico e entretenimento predominante
A parcialidade é uma das principais características da equipe esportiva que faz as
transmissões dos jogos de futebol pelo rádio. Do narrador ao repórter de campo, todos são
bairristas. Tal prática acontece constantemente durante as jornadas esportivas. O time e
jogadores do clube da região da emissora ganham apelidos carinhosos e são colocados,
geralmente, no aumentativo. Os narradores usam frases de efeito para “empurrar” a equipe
“da casa”, dando força, como se estivesse estimulando os atletas. Outra ação que comprova a
parcialidade dos locutores é o momento do gol. Quando é gol do time local, os narradores
narram com emoção, usam todos os seus bordões, dão mais detalhes da jogada, enaltecem os
jogadores e o time, narram em mais tempo, usam mais adjetivos, gritam, como se fossem
torcedores mesmo daquela equipe. Mas quando é gol do time de fora, a narração é claramente
mais desanimada, com pouca ou nenhuma emoção e vinheta, sem tantos detalhes e bem mais
curta. Geralmente, a jogada do adversário não é evidenciada, e os jogadores do time local
chegam a ser criticados por terem sofrido o gol.
Pode-se dizer que, como é uma prática antiga e que atrai audiência, já que todos os
narradores de todas as emissoras de rádio são assim, o bairrismo aproxima o ouvinte/torcedor
da emissora. É mais uma cláusula do contrato de leitura estipulado pelas rádios para fidelizar
a audiência do público. Ele vê o narrador como mais um membro de sua torcida. Naquele
momento da transmissão do jogo de futebol da equipe da região contra um time de fora, o
torcedor se sente como se aquela emissora fosse do seu time, propagando e incentivando a sua
equipe. Mas isso não faz com que o ouvinte aceite tudo que lhe é passado pela equipe
esportiva. Quando o time local perde ou joga mal, por exemplo, o próprio narrador e o
comentarista criticam alguns jogadores e o técnico. O ouvinte/torcedor pode não gostar e se
manifestar contrário, ficando a favor do criticado. Isso acontece também quando um jogador é
muito elogiado pela equipe esportiva, mas o ouvinte/torcedor questiona, dizendo que ele não é
tão bom assim. Mas em um esporte como o futebol, que desperta sensações e opiniões
diversas, isso sempre vai acontecer. No entanto, a influência da equipe esportiva de uma
emissora rica em audiência sobre uma grande parcela de seu público, também sempre vai
existir.
106
Na Rádio Itatiaia, como já foi abordado neste estudo, o narrador é identificado com o
clube. Mário Henrique, que narra os jogos do Atlético, sempre usa frases de efeito para apoiar
o clube, como: “Se todo mundo jogar bola, nós vamos ter um show aqui. Vamos torcer pra
todo mundo jogar bola e aí a massa ajuda a definir pro Galão da Massa”, “É jogão na rádio de
Minas. A torcida do Galo vai chegando e a pressão vai ser grande pra cima do Tricolor aqui
no Independência” e “Boa sorte pra você Galão da Massa. Galão tão querido”. Após a vitória
do Atlético sobre o Fluminense, o narrador comemorou o triunfo da equipe da casa: “Apita o
árbitro, termina o jogo (hino do Atlético). Dá-lhe (repete essa palavra mais de 15 vezes
rapidamente), dá-lhe Galão da massa, bica bicudo, bica bicudo, dá-lhe (de novo repete essa
palavra várias vezes rapidamente), dá-lhe Galão da Massa, de virada é mais gostoso”.
Em certos momentos da transmissão, os narradores deixam claro que estão torcendo
para o time da região. Na partida entre Flamengo e Cruzeiro, Alberto Rodrigues evidencia o
jogo e mostra como é parcial: “É um clássico do futebol brasileiro. Flamengo também
precisando de um resultado positivo, mas nós, evidentemente, mineiros, estamos torcendo
pelo Cruzeiro para conseguir a sua reabilitação e sair dessa situação incômoda no
Campeonato Brasileiro”. Nesse mesmo jogo, logo no início da partida, Alberto Rodrigues
pergunta: “escanteio para a equipe do Flamengo, quem tá correndo o Flamengo? (o repórter
que vai cobrir o ataque do Flamengo)”. O repórter Artur Morais, que faz a cobertura diária do
Cruzeiro e é repórter de campo em dias de jogos da equipe cruzeirense, responde: “é comigo,
Alberto. Acompanhando e secando aqui, claro”.
Na partida contra o Fluminense, o Atlético venceu por 3 a 2 no estádio Independência.
No terceiro gol do Atlético narrado por Mário Henrique e já transcrito neste estudo45
, o
narrador transmitiu em um minuto e 55 segundos. No primeiro gol do Fluminense, Mário
Henrique faz uma narração rápida de apenas 35 segundos e deixa clara sua decepção com o
gol do adversário:
E agora é contra ataque do Fluminense, tá aberto o time do Atlético, vem aqui o
Diguinho na direita, faz o lançamento de bola, chegando pra Bruno, Bruno domina.
Guilherme voltando, volta também o Marcos Rocha, tenta o lance no meio, é pro
Fred, Fred dominou, tocou pro o Wellington Nem... Caixa (vinheta gravada e
mixada com a repetição da palavra caixa cinco vezes). Gooollll (não tão longo
como no gol do Atlético) do Fluminense. No contra ataque, Wellington Nem vai pro
fundo do barbante aos nove minutos da etapa final. Contra ataque rápido do
Fluminense na descida e aos nove a casa caiu. Um pro Fluminense, 0 pro Galo
(citação oral)46
.
45
Vide página 91. 46
Trecho do material gravado e transcrito pelo autor.
107
O ouvinte que está acostumado a ouvir uma determinada rádio, em praticamente todas
as emissoras, já identifica, no início da narração do gol, quem “balançou as redes”. Se for
narração animada, é gol do time local. Caso contrário, é da equipe de fora.
Tal prática também acontece com os outros dois narradores que são identificados a
clubes na Rádio Itatiaia. O famoso grito de Alberto Rodrigues, pronunciando a palavra gol
várias vezes ante de fazer o gol prolongado, é muito mais repetido e com entusiasmo nos gols
do Cruzeiro. Quando é gol do adversário, o narrador não repete a palavra tantas vezes, se
mostra claramente decepcionado e, dependo da falha de um determinado jogador da equipe
cruzeirense, Alberto acrescenta uma opinião, uma crítica ainda na descrição do gol do time
que é de fora da região da emissora.
Além do gol sem emoção e seco, geralmente, nos gols das equipes adversárias contra
os times locais, a Rádio Itatiaia não usa, sequer, uma vinheta. No gol do ABC contra o
América pela segunda divisão do Campeonato Brasileiro, Ênio Lima narrou o tento do
adversário em poucos segundos, em um lance com narração curta, sem entusiasmo e sem
nenhum efeito sonoro. Como o América jogava em casa, nem o barulho da torcida teve, já que
os torcedores americanos ficaram calados e os adeptos do ABC eram pouquíssimos.
Nesse mesmo jogo, Thiago Reis, o repórter que entrevista torcedores, enaltece os
torcedores americanos, dando mais uma prova da parcialidade da emissora, mesmo o público
comparecendo em número pequeno e isso ser motivo de crítica dos torcedores rivais e de
alguns jornalistas: “É Ênio Lima. Nação americana dá mais uma prova de amor neste sábado.
Um time que não quer mais nada, chuva, mas aqueles apaixonados de sempre batem o cartão
e demonstram apoio ao Coelho, já na cabeça 2013”.
Nas Rádios Globo/CBN, os narradores não têm identificação com cada clube na Rádio
Itatiaia, mas, como todos também são parciais, eles têm uma ligação forte com os clubes
locais. Na partida do Atlético contra o Fluminense, o narrador Osvaldo Reis apoia e acredita:
“Ronaldinho pediu. Deixa comigo (fala como se fosse o jogador que estivesse dizendo. Tal
prática é comum entre alguns locutores esportivos). Quem sabe agora. Quem sabe agora o gol
do Galo pra explodir de vez a nação atleticana, a massa em preto e branco”, “Meu Deus do
céu, tem que marcar” e elogia a festa dos torcedores: “fantástica torcida”. Utilizando o seu
famoso bordão, o narrador incentiva o clube: “Paixão e fé, Galo. Na fé, Galo. Só não duvido
da fé. Ergue a cabeça, mete o pé e vai na fé, Galo. Pra cima deles, com raça, coração no bico
da chuteira”. No final do jogo, após a vitória por 3 a 2 do Atlético sobre o Fluminense,
Osvaldo Reis encerra dizendo: “uma vitória heroica, emblemática”.
108
Assim como na concorrente Itatiaia, os gols dos adversários dos times mineiros são
narrados de forma diferenciada na Globo e na CBN, ou seja, sem tanto entusiasmo. Mas,
mesmo sendo gol da equipe de fora, os narradores, geralmente, dão detalhes do lance, a
narração é mais longa que a da Itatiaia, os bordões são utilizados praticamente da mesma
forma e algumas vinhetas vão para o ar. No gol do Flamengo marcado contra o Cruzeiro, por
exemplo, o narrador Hércules Santos narra usando seu bordão “pra fazer a boa, a boa hora...”
e são usadas vinhetas com os nomes dos clubes em disputa e até o hino instrumental da
equipe carioca é acrescentado.
Dominou o rubro-negro. Abre o jogo pro Leo Moura aqui na canhota. O Leo vai
nela, vai gostando. Puxou pro meio do campo. O Leo abre o jogo pela canhota,
Ramon é quem domina. O Ramon com o pé canhoto, vai tentar o cruzamento,
Vagner Love subiu, o toque de mão, voltou, olha o tiro, Liedson... Goooollll (longo)
do Flamengo (hino instrumental do Flamengo). Liedson camisa número 31. No
cruzamento que veio da esquerda, o Vagner Love ajeitou com a cabeça, a bola bateu
na mão esquerda, a arbitragem não interpretou como infração. O Liedson, na
pequena área, chegou com o pé direito, mandou pro fundo do barbante aos 10, aos
10 da primeira etapa. Liedson, pra fazer a boa, a boa hora para o rubro negro
carioca. Escreve no placar do futebol da Globo e da CBN: (vinheta falada
“Flamengo”) 1, (vinheta falada “Cruzeiro”), Cruzeiro 0. Sobrou pra você goleiro
Fábio (vinheta da Rádio Globo “vai lá, vai lá, vai lá”) (citação oral)47
.
Os clássicos entre Atlético e Cruzeiro talvez sejam os maiores desafios para os
narradores. Não podem ser parciais porque o confronto é entre dois grandes times locais e a
audiência se divide entre torcedores dos dois times. Na Rádio Itatiaia o desafio talvez seja um
pouco maior, já que os narradores são identificados com cada clube e cada narrador narra um
tempo do jogo. De certa forma, eles conseguem fazer uma transmissão um pouco mais isenta.
O narrador Alberto Rodrigues, que narra jogos do Cruzeiro, foi quem transmitiu o primeiro
tempo do clássico entre as duas equipes pela última rodada do Campeonato Brasileiro de
2012. No momento do gol do Atlético, ele consegue narrar com emoção, principalmente se
comparado com os gols de outros adversários do Cruzeiro irradiados por ele.
Vai o Galo. Bola longa, cumprida, pela ponta direita, sobra agora na ponta para
Marcos Rocha, dominando, lançamento longo, cumprido, ainda para ponta direita,
cruzamento é feito para a grande área, penetrou, agora para Bernard, chutou pro gol,
atenção... Gol, gol, gol, gol, gol, gol, gol, gol, gol (vinheta “Galo, Galo”) Gooollll.
Atlético. Bernard, Bernard, de perna direita, numa virada sensacional depois de uma
bola rebatida. O pequeno estava na pequena área e bateu forte de perna direita,
fuzilando o gol de Fábio, quando eram decorridos cinco, cinco minutos do primeiro
tempo. 1 para o Atlético, 0 para o Cruzeiro (citação oral)48
.
47
Trecho do material gravado e transcrito pelo autor. 48
Trecho do material gravado e transcrito pelo autor.
109
Ao fundo da narração, a torcida do Atlético fez um som alto comemorando o gol do
time. No gol de empate do Cruzeiro, Alberto Rodrigues também narrou com entusiasmo.
Último lance do jogo, avança Montillo pela ponta direita, tenta a finta, consegue
passar, cruzou, fechou, a bola vai passando, vai entrando, a bola passa... Gol, gol,
gol, gol, gol, gol, gol. Gooolllll. (música do “Cruzeiro”). Cruzeiro. Na cabeçada
sensacional de Martinuccio no cruzamento de Montillo pela ponta direita. (...) Ele
bateu fulminantemente de cabeça pro fundo do gol. Marcando um belo gol. Fazendo
o momento maior do futebol, empatando o grande clássico aqui no Independência.
Aos 47 minutos. Tudo igual, 1 a 1 (citação oral)49
.
O segundo tempo desse clássico foi narrador por Mário Henrique, que transmite os
jogos do Atlético. Ele narrou um gol do Cruzeiro e dois do Atlético, todos com emoção. Mas
até em clássico contra o maior o rival da equipe atleticana, Mário Henrique é bairrista a favor
do Atlético. Em determinado momento daquele jogo, a torcida gritava durante o segundo
tempo do jogo e o narrador interrompeu a narração do jogo para dizer: “torcida do Galo
cantando o hino. Parece que eu ouço uma orquestra tocando”. No final da partida, após a
vitória do Atlético por 3 a 2 sobre o Cruzeiro, o narrador encerra dizendo: “a bola pro Jô,
quando apita o árbitro. Dá-lhe (repete essa palavra 24 vezes), dá-lhe o Galão da Massa, vence
o super-clássico, 3 a 2”.
Nas Rádios Globo/CBN, quem narra os clássicos entre Atlético e Cruzeiro e os
grandes jogos é o narrador Osvaldo Reis. Sem ter uma identificação com os clubes
separadamente como na Itatiaia, ele também consegue ser, de certa forma, imparcial, quando
narra as partidas entre as duas equipes. Com entusiasmo em todos os gols das duas equipes,
ele utiliza sempre seus variados bordões.
Além da parcialidade, outra característica dos membros da equipe esportiva que fazem
a transmissão dos jogos de futebol pelo rádio é o exagero. Tal prática acontece bem menos
que antigamente, quando, sem ainda a chegada da televisão, os narradores exageravam
bastante, dizendo, por exemplo, que a bola passou raspando a trave, mas na verdade ela saiu
pela linha de fundo longe do gol. Mas ainda hoje, com vários torcedores ouvindo a
transmissão da partida pelo rádio e assistindo o jogo pela televisão ou mesmo no estádio, os
narradores continuam exagerando na descrição de alguns lances para passar mais emoção e
despertar o imaginário do ouvinte. Às vezes a bola está com um zagueiro no campo defensivo,
muito longe do gol, mas o narrador já transmite com velocidade e diz frases como “pode ser
agora”. São estratégias para aumentar a dramaticidade da transmissão. Osvaldo Reis, por
49
Trecho do material gravado e transcrito pelo autor.
110
exemplo, diz com expectativa após um chute despretensioso para o gol: “A bola passa...”, e
depois complementa se a bola passou perto ou não do gol.
Além do exagero em algumas descrições de lances do jogo, narradores, comentaristas
e repórteres usam metáforas para exaltar demasiadamente alguns atletas. Após o terceiro gol
do Atlético que deu a vitória ao clube mineiro contra o Fluminense nos minutos finais da
partida válida pelo Campeonato Brasileiro 2012, o narrador Mário Henrique acionou o
repórter de campo Bruno Azevedo para dar mais detalhes do lance, que disse:
É dramático demais, é sofrimento do começo ao fim. Esse torcedor do Atlético não
merece sofrer tanto. A bola veio do R49 (apelido de Ronaldinho Gaúcho), é sempre
uma bola que parece ser colocada com as mãos. (...) tava lá no segundo pau, Leo
Silva ganhou a impulsão extraordinária, fora do comum, e de cabeça, canto esquerdo
de Cavalieri, pro fundo do gol. Dramático, dramático (citação oral)50
.
Outro exemplo de exagero aconteceu na partida entre Flamengo e Cruzeiro. O
narrador Alberto Rodrigues narra o lance e aciona o repórter de campo Wellington Campos,
que, para enaltecer a figura do goleiro Fábio, do Cruzeiro, exagera: “Para muitos foi o lance
do jogo. Finalzinho, Cleber Santana, mirou o ângulo superior direito. Você sabia que o Fábio
voa? Ele voou lá no alto, fez a catada, evitando o segundo gol do Flamengo. 1 a 1 aqui no
Engenhão, sensacional o Fábio”.
Nessa mesma partida, após o jogador demorar muito para cobrar uma infração, o
narrador Alberto Rodrigues, da Rádio Itatiaia, reclama: “É uma eternidade essa cobrança de
falta”. Na transmissão das Rádios Globo e CBN, após o gol de empate do Cruzeiro no jogo
contra o Flamengo, o narrador Hércules Santos acionou o repórter de campo Márcio Elias,
que exagerou: “Faz a chuva parar aqui no Engenhão o Everton”.
Os narradores de futebol, principalmente os do rádio, constroem – ou ajudam a
construir – a figura do herói e vilão durante as suas transmissões esportivas. O jogador que
erra muito é questionado, em certos momentos, com veemência pelos narradores. O atleta
Charles, do Cruzeiro, foi criticado em duas situações e em jogos diferentes pelo narrador
Alberto Rodrigues. Ele chamou o atleta de “dorminhoco” na partida contra o Atlético e disse,
no jogo contra o Flamengo: “Pelo amor de Deus, Charles, você entrou agora, pelo amor de
Deus, joga bola”. Irritado com a atuação do jogador Richarlyson, do Atlético, em alguns jogos
do Campeonato Brasileiro 2012, o narrador Mário Henrique chegou a chamar o atleta de
“água de salsicha”, “picolé de chuchu” e “nada consta”.
50
Trecho do material gravado e transcrito pelo autor.
111
Como vimos em algumas das transcrições de gols e detalhes de lances neste estudo, a
figura do herói é colocada constantemente pela equipe esportiva, especialmente no momento
do gol. Os jogadores ganham apelidos, têm os nomes ou posição repetidos várias vezes e são
exaltados, colocados no aumentativo. No gol marcado pelo zagueiro Leonardo Silva na
partida contra o Fluminense, por exemplo, o narrador Mário Henrique chamou o atleta de
“zagueirão” e repetiu o nome do atleta sete vezes somente na descrição do lance do gol. No
mesmo gol, o narrador Osvaldo Reis foi além: repetiu o nome do autor do gol 13 vezes.
Jogadores com grande capacidade técnica, os conhecidos como craques de bola, já
recebem tratamento diferenciado. São reverenciados pelos narradores a cada jogada de efeito
e são frequentemente enaltecidos. Na partida entre Atlético e Cruzeiro, Mário Henrique, em
determinado momento de sua narração, caracteriza o jogador Ronaldinho Gaúcho, do
Atlético: “lá vem o bruxo Ronaldinho na ponta esquerda pra cobrança da falta pro time do
Galo”. O “bruxo” aqui tem efeito de um jogador fora do normal, com grande talento e que faz
jogadas como poucos no futebol. Na descrição do terceiro gol do Atlético contra o
Fluminense, Osvaldo Reis também enaltece o jogador: “passe do Ronaldinho, o artista da
bola, Ronaldinho aqui pela meia esquerda, levanta na entrada da pequena área, Leo Silva
sobe, no último andar, testa forte no ângulo direito do Cavalieri”.
Diante das análises, percebe-se então que o bairrismo, os exageros na descrição dos
lances e nas caracterizações dos jogadores e a edificação do herói/vilão são outras estratégias
dos narradores esportivos usadas constantemente para dramatizar e emocionar o público. São
ainda elementos utilizados na construção do imaginário do ouvinte.
iv) Auto-referencialidade das emissoras
As Rádios Globo e Itatiaia têm uma variedade de vinhetas e músicas que exaltam as
emissoras e fazem, constantemente, auto-promoção. Tal prática acontece durante toda a
programação, mas pode-se dizer que, pela frequência, ocorre mais nas jornadas esportivas. A
Rádio CBN não possui vinhetas para se propagar como a Globo e a Itatiaia, mas possuiu
várias vinhetas que informam os nomes, o conteúdo, os horários e o apresentador de seus
programas.
Uma música muito usada na Itatiaia foi inspirada em cântico das várias torcidas dos
times brasileiros, inclusive em dias de jogos do Brasil. A versão da emissora é: “Sou Itatiaia,
com muito orgulho, com muito amor”. Nas arquibancadas dos jogos de futebol, as torcidas
mudam a letra, colocando o nome do time de cada uma. A emissora usa, constantemente,
112
efeitos sonoros curtos, cantados, somente com o nome da rádio ou com o nome da rádio e o
campeonato que está sendo transmitido, como: “Iiiiitatiaia, Campeonato Brasileiro”.
Antes de a jornada esportiva começar, uma música, com trechos de narrações dos
narradores da Rádio Itatiaia, anuncia que vai iniciar a transmissão de um jogo de futebol.
O esporte está chegando, com o talento de quem faz. Já já tem bola no gramado, e a
emoção vem atrás. - Bateu caixa, caixa, caixa, caixa, caixa, Gooool (trecho da
narração de Mário Henrique). - A Itatiaia está chamando. - Gol, gol, gol, gol, gol,
gol, gol, gol, gol, gol, gol, gol (trecho da narração de Alberto Rodrigues). - A
jogada perfeita, o lance perfeito, o grito de gol. - Atirou, gooooool (trecho da
narração de Milton Naves). - O goleiro segura, a zaga rebate, o meio-campo carrega
o ataque combate. A Itatiaia está chamando. - Bateu marcou. (trecho da narração de
Ênio Lima). – Bola formação do grito, o juiz dá o apito, nada escapa. A Itatiaia está
chamando. Aqui o jogo é de graça (citação oral)51
.
Tradicionalmente, a Rádio Globo é uma emissora que utiliza várias vinhetas e músicas
próprias. Com a mudança de plasticidade das transmissões em Belo Horizonte que passaram a
ser do formato da CBN, muitas pararam de ir ao ar. Mas quando a emissora faz uma
transmissão independente, as vinhetas que caracterizam a emissora voltam a ser utilizadas.
Em todos os intervalos, diversos efeitos sonoros curtos e músicas para reforçar a identificação
com o ouvinte vão para o ar. A música mais utilizada, geralmente, é:
Você é o amigo que eu sempre vou ter. Presente em todas as horas, haja o que
houver. Porque nossa amizade é o nosso compromisso. Rádio Globo e você: bota
amizade nisso. Em casa, nos estádio ou nas ruas, estamos juntos em todo lugar. Tá
no ar, tá bonito, Rádio Globo e você, bota amizade nisso. Uma corrente de amigos,
sua voz é a nossa canção. Sempre ligado e ouvindo a nossa programação. Bota
amizade, bota amizade, bota amizade nisso. Bota amizade, bota amizade, notícia,
esporte e serviço, boa amizade nisso! (citação oral)52
.
Quando a transmissão é somente da Rádio Globo, uma série de vinhetas curtas, faladas
por um profissional com voz grossa, vai ao ar seguidamente:
Rádio Globo para um Brasil de audiência. Vamos formar a maior audiência do rádio
esportivo brasileiro porque ninguém segura nosso timaço. É bola, é jogo, é Rádio
Globo. Futebol show com você na jogada. Veja o jogo ouvindo a Rádio Globo. Sai
da frente, futebol é com a gente (citação oral)53
.
51
Trecho do material gravado e transcrito pelo autor. 52
Trecho do material gravado e transcrito pelo autor. 53
Trecho do material gravado e transcrito pelo autor.
113
Outra música com o estilo samba, evidenciando o futebol e a equipe esportiva da
emissora, é tocada – somente na Rádio Globo, antes da junção com a Rádio CBN – minutos
que antecedem a jornada esportiva:
Agora que eu quero ver. Se liga galera, agora é a vera, o Brasileirão já tá no ar. É na
Rádio Globo, a rádio do povo, vai cooooomeeeeçaaaar. De norte a sul desse país, a
bola rola e o povo fica mais feliz. A transmissão é gol de placa, sintonia, nossa
marca pra jogar. É gooollll!. A alegria da galera é gritar gol, a emoção do futebol é
ver o gol, com esse time a Rádio Globo é campeã (citação oral)54
.
A Rádio Globo também conta com vinhetas curtas, somente com o nome da emissora
com estilos variados de vozes e sons, e as que fazem auto-promoção, como por exemplo:
“Fique na nossa, fique na Globo”, “Tá na Globo, tá legal, uouou, agito geral”, “Brasileirão é
com a gente!”, “Futebol show... é com a gente” e músicas mais curtas também, como “A bola
via rolar, prepare o seu coração, futebol na Globo, é pura emoção”.
Também em forma de música, a emissora promove suas páginas na internet, na rede
social e em outras plataformas: “Facebook da Rádio Globo. Amigo que é amigo, curte.
Radioglobo.com.br/facebook” e “Vem aí no rádio, na internet e no celular, mais um programa
com padrão de qualidade da sua Rádio Globo”.
Os narradores também fazem o papel de propagar a emissora, convidar o ouvinte com
o objetivo de reforçar a identidade com o público. O narrador Ênio Lima, da Rádio Itatiaia, na
abertura da jornada esportiva que iria transmitir a partida entre América e ABC, ressaltou
aspectos técnicos e os meios que o público pode ouvir a Itatiaia:
Nós abrimos para a rádio de Minas os caminhos de todos os continentes. No ar,
jornada esportiva com a equipe da Itatiaia, a rádio de Minas, AM 610 e FM 95,7,
Onda Curta 49 metros, 5.970 quilohertz, alô galera, sabadão do futebol com a série
B na rádio de Minas. A Itatiaia está chamando. (vinheta “Ênio Lima”). (...) Na rádio
de Minas você vai conferir todos os lances, detalhes, informações, antes, durante e
depois, exclusividade para todo o Brasil pelo AM 610 e FM 95,7, e para toda Minas
Gerais através do Sistema Itasat, e no mundo inteiro, em tempo real, no
itatiaia.com.br (vinheta tradicional com o nome da emissora ao fundo), pelo canal
411 da Sky e no aplicativo para iPhones e celulares (citação oral)55
.
Minutos antes da partida entre Flamengo e Cruzeiro começar, o narrador Hércules
Santos, das Rádios Globo e CBN, informa a posição dos times em campo, não fazendo
referência somente ao rádio do ouvinte, como muitos narradores fazem: “a bola pertence ao
time do Flamengo que ataca para a esquerda do seu radinho, à esquerda do seu celular, à
54
Trecho do material gravado e transcrito pelo autor. 55
Trecho do material gravado e transcrito pelo autor.
114
esquerda do seu iPhone, do seu iPod, do seu iPad. O Cruzeiro todo de azul se defende à sua
esquerda, atacando para a direita do seu computador”.
O narrador Osvaldo Reis também convida o ouvinte divulgando em quais plataformas
ele pode ouvir e participar da transmissão do jogo de futebol: “todo mundo ligado no futebol
da sua Rádio Globo e também da Rádio CBN. Você também pode nos acompanhar pela
internet, no radioglobo.com.br e também no Facebook/GloboBH” e “Venha conosco nessa
nova função do Android, gratuitamente no seu celular, você pode nos acompanhar pelo I-
Phone, iPod e iPad (vinheta cantada da Rádio Globo) e também pelo site da CBN (vinheta
com o som que identifica emissora) cbn.com.br”.
Com o objetivo de estreitar a relação com o ouvinte e criar uma relação ainda mais
próxima, de companheirismo, a Rádio Globo utiliza o slogan: “bota amizade nisso!”. O
slogan da Rádio CBN, seguindo o estilo da emissora, é “a rádio que toca notícia”. Quando a
emissora faz uma propaganda para anunciar as transmissões dos jogos de futebol, o slogan é
alterado para: “a rádio que toca notícia também no esporte”.
Na Rádio Itatiaia, a todo o momento, os narradores fazem referência à própria
emissora ou à equipe esportiva, muitas vezes utilizando o fato da rádio ser a líder de audiência
e o slogan da emissora: “a rádio de Minas”. São usadas frequentemente expressões como
essas usadas pelo narrador Ênio Lima: “daqui a pouquinho, às cinco horas, o primeiro time do
rádio entra em campo para mais um show de cobertura (...) Certeza de fortes emoções. Hoje,
tudo pode acontecer”, “continua aberto o microfone líder de audiência do futebol pelo rádio”,
“Itatiaia é só alegria, somando esforços, compartilhando emoções...” e “Itatiaia, só alegria nos
bares, nos bares, em todos os lugares (risada), só dá... (vinheta “Itatiaia”).
O narrador Mário Henrique também propaga constantemente a emissora e os colegas
envolvidos na transmissão antes, durante e depois do jogo, em toda a jornada esportiva: “são
as primeiras informações do time líder de audiência no rádio”, “são as informações das feras
do rádio pra você”, “rola a bola, começa o jogo. Eu só vou na bola redondinha pra você com
as feras do rádio”, “pra mais de 50 emissoras da Rede Itatiaia de rádio, ligando Minas Gerais
de ponta a ponta através da grande Rede Itasat. E pra todo mundo, pro mundo inteiro, a
Itatiaia na internet com a transmissão em tempo real, o mundo inteiro ouve a Itatiaia” e
“emoção é na rádio de Minas”.
Nas transmissões esportivas das Rádios Globo/CBN, os narradores seguem essa
mesma tendência. O narrador Osvaldo Reis, em seu bordão tradicional, enaltece o veículo: “a
emoção do futebol pelo rádio”. Na abertura da jornada esportiva da partida entre Atlético e
Cruzeiro, o narrador evidenciou: “Hoje é dia de jogão. E jogão é sempre na Globo e também
115
na Rádio CBN”. O narrador convida o ouvinte, se propaga e diz que na transmissão da Globo
e da CBN, o público não vai perder nada do jogo:
Venha comigo na emoção do futebol pelo rádio. É nesse clima, é nesse toque, é no
pique da Globo e da CBN, que você, a partir de agora, vai acompanhar todos os
detalhes, todas as emoções, tim tim por tim, aqui não escapa nada na Globo e na
CBN (vinheta cantada Globo e vinheta com o som que identifica a CBN). O clássico
que mexe com Minas e com o Brasil. (vinheta falada dos times). Atlético e Cruzeiro
frente a frente (citação oral)56
.
O narrador Hércules Santos tem a característica de exaltar a figura do comentarista do
jogo, responsável por analisar a partida e os times. Quando anuncia que naquele momento irá
falar o analista, o narrador diz: “Só na Globo, só na CBN, você tem os comentários de
Emerson Pancieri”. O narrador Henrique Fernandes também anuncia: “A equipe Globo/CBN
já está ligada na jogada com tudo desse jogão de bola”.
Percebe-se que as emissoras e os narradores têm a necessidade de se propagar a todo o
momento e se colocam como os responsáveis por passar emoção durante a transmissão da
partida de futebol. Seja através de vinhetas e músicas de identificação, seja com os narradores
fazendo a promoção com frases de efeito. Em determinados efeitos sonoros ou em falas dos
comunicadores, a rádio é colocada como se ela pertencesse ao ouvinte. São outras estratégias
para estreitar a relação com o público e reforçar a fidelidade. Algumas músicas e vinhetas são
tão tradicionais e antigas, que muitos ouvintes se apropriam delas para uso próprio, como para
toque de celular, por exemplo.
56
Trecho do material gravado e transcrito pelo autor.
116
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Com diversas estratégias que foram criadas durante a evolução das narrações
esportivas e da própria filosofia das emissoras, percebe-se que as transmissões radiofônicas
das partidas de futebol se hospedam em um ambiente lúdico, envolvendo o público que se
sente mais presente nas jornadas com espaços cada vez maiores para interação com a equipe
esportiva.
Se apresentando como uma companheira do ouvinte, dizendo, no caso da Rádio
Globo, até que ele é seu amigo, as emissoras tentam estreitar a relação com o seu público
mantendo características básicas do rádio, mas fundamentais para fidelização da audiência,
com os seus locutores usando linguagem simples, coloquial, palavras de fácil entendimento,
frases curtas e repetição. Especialmente no caso das transmissões esportivas, percebe-se todos
esses critérios, e são acrescidos ainda velocidade na proliferação das palavras, vibração,
dramatização, emoção e o uso frequente de metáforas, hipérboles, metonímias e bordões. Os
narradores usam algumas expressões já conhecidas e entendidas pelo público e criam seus
próprios jargões que, em alguns casos, passam a ser apropriados pelos torcedores/ouvintes.
Diante das análises, percebe-se que o rádio conseguiu acompanhar a evolução do
futebol e de outros meios de comunicação. Se modernizou com a chegada da televisão e
entrou em processo de convergência com a chegada da internet. O rádio de pilha ainda
continua sendo procurado, mas o seu uso diminuiu bruscamente com a possibilidade de o
ouvinte poder escutar a rádio em sites próprios das emissoras ou em aplicativos para celular.
Com essas tecnologias, o público começou a ser mais inserido na programação, ganhando
mais espaço para se manifestar, impulsionado também pela expansão das redes sociais.
Mesmo a Rádio CBN optando por não investir tanto o caráter lúdico nas transmissões
esportivas, priorizando vinhetas faladas, mais sóbrias e praticamente sem músicas, as jornadas
que acompanham os jogos de futebol, especialmente as radiofônicas, continuam sendo um
espetáculo de entretenimento, seja com a sonoplastia usada pelas emissoras, seja com as
estratégias dos narradores, ou ambas simultaneamente.
As práticas para envolver o ouvinte e não perder audiência para a concorrência de
outra emissora de rádio ou até mesmo da televisão evoluíram durante os anos, mas técnicas
que começaram já na primeira narração realizada por Nicolau Tuma em 1931 ainda estão
presentes, como, principalmente, a narração rápida e a descrição semelhante de alguns
momentos da partida, como o posicionamento dos times antes do jogo começar:
117
(...) Nicolau Tuma pede ao ouvinte para tentar pensar num retângulo na sua frente ou
então pegar uma caixa de fósforos e visualizar o campo, onde vai começar a partida
entre as duas seleções. “Do lado direito estão os paulistas e, do lado esquerdo, estão
os paranaenses”, orienta o locutor. (SOARES, 1994, p. 30).
Entretanto, várias metodologias foram inseridas com o tempo, e, atualmente, as
estratégias para garantir a audiência e criar um vínculo ativo com o público são diversas. Com
o uso variado de metáforas e bordões, o narrador consegue envolver o ouvinte dramatizando a
descrição dos lances da partida para passar mais emoção, é extremamente parcial para o time
da região da emissora, ajuda a construir a figura do jogador herói ou vilão, exagera na
descrição de algumas jogadas, recheia a narração mandando abraços para os ouvintes e
registrando a participação do público, enfim, faz da transmissão um verdadeiro espetáculo de
entretenimento, interagindo com frequência com o ouvinte/torcedor/internauta. Com tais
práticas comuns entre os atuais narradores do rádio, percebe-se que os narradores
essencialmente denotativos vão ficando somente nas páginas do passado. Ainda há narradores
que perpassam os dois estilos, mas a escola conotativa, impulsionada pelo narrador Osmar
Santos, é quem vem formando mais profissionais desde a década de 1970.
Essa estratégia de se aproximar do ouvinte também é usada na própria sonoplastia das
emissoras. Com frases de efeito dos narradores, vinhetas – geralmente cantadas – e músicas
com estilos diversos, as rádios têm a necessidade de se auto-propagarem a todo o momento, se
auto-classificando como a responsável por passar a emoção durante a transmissão do jogo e se
apresentando como uma companheira do ouvinte.
Mesmo interagindo com o ouvinte via redes sociais, pode-se dizer que a Rádio CBN,
pela postura mais sóbria de seus comunicadores de maneira geral e de sua plasticidade, tem
uma relação mais distante com o público se comparada com as Rádios Globo e Itatiaia. A
emissora não tem a intenção constante de se propagar.
Com a drástica mudança na plasticidade das transmissões esportivas, as Rádios
Globo/CBN desrespeitaram o contrato de leitura estipulado com o ouvinte de maneira
insensível e, tal prática, segundo Verón (2004), resulta em perda de audiência. A Itatiaia já
leva vantagem sobre as concorrentes por ter programação essencialmente mineira e por ter
uma equipe esportiva bem mais numerosa. Mas a emissora também já chegou a ser criticada
por torcedores e jornalistas por tratar alguns fatos do esporte com sensacionalismo, por dar
mais espaço e destacar mais um time de Minas Gerais – a emissora chegou a ser xingada por
torcedores cruzeirenses no estádio Independência – e pelo uso em excesso de merchandising
118
dos repórteres, apresentadores e narradores, seja em reportagem, apresentação de programas
ou durante a transmissão de um jogo.
A televisão é vista como uma concorrente durante a transmissão dos jogos, mas como
a narração radiofônica é muito mais emocionante e envolvente que a da TV, chegando a
superar até o jogo em si, o público, muitas vezes, opta pelos dois: assiste ao jogo pela
televisão ou no estádio e ouve a transmissão da partida pelo rádio.
O cenário atual de que algumas emissoras de rádio conseguem sustentar grandes
audiências durante as transmissões esportivas, evidenciando o fato de que vários torcedores
preferem ouvir o jogo pelo rádio a televisão e que muitos não abandonam seu rádio ou celular
para ouvirem a transmissão da partida de futebol pelo rádio vendo o jogo no estádio, nos faz
lembrar do que disse o cineasta Orson Welles a um amigo que enaltecia a TV em 1930: “Mas
no rádio a tela é muito mais ampla”. Fazendo da transmissão do jogo de futebol um
espetáculo de entretenimento que envolve intensamente o torcedor, podemos nos remeter à
afirmação de que “certamente há mais coisas entre a chuteira e a bola do que sonha a torcida”
(GUERRA, 2000, p. 12).
119
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