ESTUDOS RELATIVOS ÀS MUDANÇAS
CLIMÁTICAS E RECURSOS HÍDRICOS PARA
EMBASAR O PLANO NACIONAL DE
ADAPTAÇÃO ÀS MUDANÇAS CLIMÁTICAS
Eixo IV – Governança na Gestão dos Recursos Hídricos
Resumo Executivo
Brasília DF Outubro de 2014
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© Centro de Gestão e Estudos Estratégicos
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nesta publicação não poderão ser reproduzidos, transmitidos, ou citados a fonte.
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GOVERNANÇA NA GESTÃO DOS RECURSOS HÍDRICOS
Supervisão Antonio Carlos Filgueira Galvão
Líder do CGEE Antonio Rocha Magalhães
Francisco Lobato (consultor)
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Resumo Executivo
O presente documento refere-se ao Eixo IV da Rede Água, voltado à Governança
da gestão dos recursos hídricos, tendo como objetivo principal elaborar propostas
para novas estratégias e possíveis adequações institucionais e jurídico-legais do
Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos (SINGREH) – assim
como, de alguns dos Sistemas Estaduais de Gerenciamento de Recursos
Hídricos (SEGREHs) –, levando em consideração o contexto do Plano Nacional
de Adaptação a Mudanças Climáticas.
Para tanto, estão sendo resumidos os conteúdos dos três relatórios elaborados,
com o primeiro voltado à identificação dos principais problemas, sejam presentes
ou previstos em cenários prospectivos. Com os problemas dispostos, o segundo
relatório concentrou-se em diretrizes e elementos norteadores, para que as
propostas pudessem ser formuladas como respostas aos perfis de problemas
identificados, até chegar ao terceiro relatório, com foco na devida integração entre
os diversos setores usuários das águas, para a qual foram formuladas estratégias
institucionais e proposto o conceito de uma devida coordenação regulatória, além
da identificação e destaques para as atuais frentes de atuação da Agência
Nacional de Águas (ANA), com ênfases para o Pacto das Águas e, também,
para os Acordos de Cooperação com os Estados, em pleno andamento.
Mesmo com o presente trabalho inserido no contexto do Plano Nacional de
Adaptação a Mudanças Climáticas, também foram consideradas outras
avaliações para adequações dos sistemas de gestão de recursos hídricos
vigentes no Brasil, portanto, sob uma ótica mais conjunta e articulada,
notadamente para certas adequações institucionais e jurídico-legais, vez que será
bem mais realista e pragmático considerar o necessário processo de abordagens
e negociações políticas junto ao Congresso Nacional, para que ocorra a desejada
aprovação de propostas.
Ou seja, cumpre ressaltar que muitas das recomendações elaboradas não
consideraram somente adaptações a mudanças climáticas. Ao contrário, houve o
entendimento de que seria importante considerar o atual contexto dos sistemas
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de gestão vigentes, cujas avaliações atuais ressaltam certa estagnação nos
últimos anos, a ser vencida, especialmente por muitos dos estados federativos,
além da incorporação de mais resiliência, flexibilidade e uma gestão mais
adaptativa aos cenários de possíveis mudanças climáticas.
Com isto posto, para resumir o primeiro relatório cabe lembrar conceitos e
procedimentos metodológicos apresentados, pertinentes à avaliação da
Governança na gestão de recursos hídricos, com ênfase para um Planejamento
Institucional Estratégico e para a Metodologia APEX, desenvolvida por estudos da
União Européia.
Sob tais conceitos metodológicos, surgiram questionamentos sobre a gestão dos
diferentes perfis regionais do Brasil, para os quais deveriam ser formuladas suas
respectivas diretrizes gerais e elementos norteadores, com a devida consideração
de adaptação a possíveis mudanças climáticas.
Como justificativa para tal abordagem de diferentes perfis regionais, foi lembrado
o inciso II do Art. 3º da Lei Nacional nº 9.433/1997, litteris:
Art. 3º Constituem diretrizes gerais ...
II - a adequação da gestão de recursos hídricos às
diversidades físicas, bióticas, demográficas,
econômicas, sociais e culturais das diversas regiões do
País;
Esta “adequação” significa que, face à extensa dimensão do Brasil (8,5 milhões
de km2) e distintas características regionais, torna-se importante questionar se o
modelo institucional estabelecido para o SINGREH esteve sob uma tendência
uniformizadora ou com modelos ajustados de acordo com o perfil de cada região,
inclusive em decorrência de distintos cenários previstos para o clima.
Para chegar a respostas, outra referência metodológica muito inovadora foi
apresentada, sob o conceito da “geometria variável”, a ser empreendido mediante
a sobreposição de diferentes leituras territoriais, considerando biomas e
ecossistemas, uso e ocupação do solo, redes de cidades, infraestruturas
instaladas, sistemas produtivos e organizações institucionais vigentes, dentre
outras. A respeito, foi descrito o Mapa de Gestão da ANA, já elaborado em 2005,
o qual deve ser atualizado, além da Matriz para o Ordenamento de Escalas
Espaciais e Variáveis a Analisar.
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Com tais conceitos e abordagens, os estudos seguiram com um resumo dos
biomas do País, incluindo o da Amazônia, Cerrado, Mata Atlântica, Caatinga,
Pampa e Pantanal.
Na sequência, surgiu então a proposta de que sejam consideradas abordagens
mais próprias a três diferentes perfis regionais do País, quais sejam: da região
amazônica; do semiárido brasileiro; e, do conjunto das regiões sul, sudeste e
centro-oeste.
No que tange à amazônia, já houve a indicação de um Sistema Regional de
Gestão, tendo em vista a predominância de baixa densidade populacional, à
exceção de certas concentrações em um número restrito de cidades e/ou áreas
metropolitanas (a exemplo de Manaus e Belém). Ademais, definições de políticas
relacionadas ao ordenamento do uso e da ocupação territorial, incluindo a
indispensável criação de áreas protegidas e unidades de conservação.
Para o semiárido brasileiro, levando em consideração o seu perfil singular, foi
sublinhada a importância de identificar núcleos regionais estratégicos para um
desenvolvimento socioeconômico, com vistas a arranjos produtivos locais (APLs)
e cidades do interior, além da indicação de que sejam tratados muitos dos pontos
territoriais problemáticos relacionados aos recursos hídricos.
Estes pontos territoriais problemáticos devem envolver o gerenciamento das
disponibilidades, neste caso, incluindo: (i) a infraestrutura de armazenamento,
corretamente construída para mitigar efeitos de evapotranspiração; e, (ii) a
infraestrutura para transporte de água (canais e adutoras), definida segundo
eixos compatíveis com o desenvolvimento de atividades econômicas e estratégias
de consolidação e adensamento da rede urbana.
Também deve considerar o gerenciamento e o ordenamento espacial das
demandas, com uma indução positiva à migração intrarregional e consolidação
de redes urbanas, sem deixar de empreender alternativas de baixo custo para
sistemas localizados de abastecimento (cisternas, poços locais, barragens
subterrâneas e outras formas), além de eventuais reassentamentos involuntários,
notadamente no caso de comunidades rurais dispersas e muito críticas.
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Quanto ao conjunto das regiões sul, sudeste e centro-oeste, três leituras foram
efetuadas: a produção do agronegócio; as frentes de expansão produtiva; e, os
núcleos urbano-industriais, com ênfase em regiões metropolitanas e
aglomerações de cidades, onde impactos relacionados a questões hídricas,
ambientais e a mudanças climáticas têm se tornados muito relevantes.
No que tange à produção do agronegócio, o documento registra as tendências
crescentes de serviços terceirizados e de um comando urbano, por
consequência, com um inexorável processo de urbanização. Já em relação às
frentes de expansão produtiva, destaca-se a diretriz de um ordenamento
consistente da ocupação do território sujeito a novas fronteiras agrícolas e
pecuárias, tendo em vista a proteção de certos biomas, a exemplo do Pantanal.
Para os grandes núcleos urbano-industriais recomenda-se a elaboração de
diagnósticos próprios à natureza e ao perfil de seus principais problemas, a
serem vistos em conjunto, para identificar o quadro de comprometimento do
meio ambiente urbano, uma devida sobreposição de diversos problemas hídricos
em pontos territoriais críticos e a inquestionável relação com o uso e ocupação
do solo nas cidades.
Enfim, trata-se da identificação dos chamados problem-sheds, tendo como
referências a bacia e o Comitê do Alto Tietê, assim como as bacias do Alto Rio
Iguaçu e do Alto Ribeira, ambas agregadas e com seu Comitê “unificado”, em
função da localização da Região Metropolitana de Curitiba. Sobre este aspecto,
um dos principais desafios refere-se à conjugação de abordagens com base em
áreas-problema e na coordenação de políticas no âmbito das bacias hidrográficas
como um todo. Em termos de estratégias institucionais, o documento ressalta que
o enfrentamento de problemas pode ser advindo, tanto de movimentos top-down,
quanto bottom-up, a serem definidos segundo conveniências de ordem tática.
Com isto posto, em termos conceituais entram em pauta o Princípio da
Subsidiariedade e o chamado Comitê de Integração, que não deve ser visto
como de agregação. Neste sentido, aparece a seguinte pergunta: cabe evitar que
em bacias de maior extensão territorial sejam instalados comitês em bacias de
afluentes, ou mesmo em trechos de rios, motivados por problemas específicos, a
exemplo do Alto Tietê? A resposta é não, fato que revela o entendimento de que
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as instâncias sub-regionais mencionadas não devem ser vistas como
concorrentes do comitê que abranja a totalidade da bacia, mas sim, como
possíveis parceiros estratégicos.
Por fim, no que concerne às abordagens regionais dispostas, conforme conceitos
e diretrizes advindas do Eixo I – Cenários, o relatório destaca que os sistemas de
gestão devem seguir com maior flexibilidade, para que ocorra melhor
resiliência face à indispensável adaptação a graus de risco advindos de
mudanças climáticas. Mais do que isto, recomenda-se que os instrumentos de
gestão não devem ser abstratos, mas sim ter como base dados mais reais e
consistentes, ou seja, com mais robustez.
Com os distintos problemas regionais do Brasil já dispostos, inclusive com a
formulação de algumas diretrizes gerais e a identificação de certos atores
considerados como estratégicos, entra em pauta uma descrição mais detalhada e
a análise dos sistemas de gestão de recursos hídricos vigentes, tanto do
SINGREH quanto de certos SEGREHs.
Para tal abordagem, destaca-se que “esta construção institucional é a condição
necessária, mas não é suficiente para obter o desenvolvimento sustentável dos
recursos hídricos e do meio ambiente, pois o marco institucional é um
processo e não um fim em si próprio” (Tucci, C.E.). Por conseguinte, há
questionamentos presentes sobre a efetiva aplicabilidade e pragmatismo do
SINGREH, em relação a abordagens de distintos problemas regionais.
Mesmo sob tais questionamentos, cabe reconhecer que a Lei nº 9.433/1997 deve
ser reconhecida como uma Lei Nacional, vez que a Constituição Federal
estabelece que compete à União “instituir sistema nacional de gerenciamento de
recursos hídricos e definir critérios de outorga de direitos de seu uso” (Art. 21,
inciso XIX). Porém, tal como já registrado, o SINGREH deve adequar-se às
diversidades físicas, bióticas, demográficas, econômicas, sociais e culturais das
diversas regiões do País. Ou seja, mesmo considerando o contexto nacional da
Lei nº 9.433, há espaço para questionar meras reproduções ou eventuais
limitações de certos SEGREHs frente ao SINGREH.
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Também se pode afirmar que as unidades federativas não devem ficar
simplesmente submetidas ao desenho geral, deixando de observar seus perfis
regionais e problemas específicos.
Seguindo a frente, o relatório passa a considerar a necessidade de que ocorra
uma Governança – entendida como a indispensável interação participativa com
os diversos stakeholders, públicos e privados, envolvidos em processos
decisórios –, assim como uma devida Governabilidade – entendida como um
controle efetivo e consistente das relações entre causas e efeitos, propiciando a
definição de objetivos e metas associadas a variáveis e indicadores de
resultados.
Quanto a Governança, ressalta-se que a qualidade do meio ambiente é
socialmente construída, ou seja, é resultado da atuação de múltiplos atores
sociais. O Estado é um deles e, embora possa ser o mais importante, nem
sempre é o mais incisivo, fato que destaca a necessidade de que a gestão hídrica
e ambiental siga com modelos institucionais voltados a responsabilidades
compartilhadas.
No que tange às estratégias institucionais de modelos de gestão, são
esclarecidas as diferenças entre desconcentrar decisões ou descentralizá-las
efetivamente. Operar mediante instâncias regionalizadas, todavia, com núcleos
decisórios junto à União, revela baixa compreensão sobre o Princípio da
Subsidiariedade, que volta a entrar em pauta, sob o conceito de que toda e
qualquer decisão que possa ser assumida localmente e que não afete terceiros
e/ou áreas mais abrangentes, não deverá subir a instâncias hierárquicas
superiores.
Enfim, sem restrições aos sistemas de gestão vigentes e à sua Governança,
cabe lembrar que as modernas metodologias de planejamento institucional
destacam que modelos institucionais não devem constituir fins em si mesmo, mas
sim serem estruturados como respostas efetivas ao enfrentamento de
determinados problemas, o que significa que a Governança é uma frente
fundamental, todavia, não suficiente para se chegar a respostas concretas. Ou
seja, a Governabilidade também é essencial, para que ocorra um controle efetivo
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e consistente sobre as relações entre causas e efeitos, com destaque para a
importância do planejamento, inclusive para impIementar instrumentos de gestão.
Com isto posto, entraram em pauta debates atuais sobre a dupla dominialidade
das águas no Brasil. A propósito, sabe-se que este é um dos temas mais
complexos e difíceis, a ser abordado dentre as propostas formuladas pelo
segundo relatório. Como uma boa referência a respeito deste tema, destaca-se a
recente iniciativa da ANA voltada ao Pacto das Águas, que tem como um de
seus objetivos apoiar a estruturação dos órgãos estaduais gestores de recursos
hídricos, como forma de reduzir assimetrias institucionais e tendências de
centralização, mediante a implementação de programas de capacitação,
fornecimento de apoio técnico e, inclusive, a transferência de aportes financeiros.
O primeiro relatório é, então, encerrado com sucintas abordagens sobre
SEGREHs, destacando-se que:
a) no caso da região norte, ainda não há qualquer referência;
b) na região nordeste, o Ceará segue como a principal referência, especialmente
para temas relacionados às características do semiárido brasileiro;
c) no sudeste, a primeira referência foi a Lei Estadual de São Paulo, já aprovada
em dezembro de 1991, que inspirou a própria Lei Nacional nº 9.433/1997, no
presente, tendo a gestão do complexo Piracicaba, Capivari e Jundiaí (PCJ)
como um bom exemplo, além da devida integração entre os processos de
licenciamentos ambientais e da emissão de outorgas em Minas Gerais e da
consideração do Instituto Estadual do Ambiente (INEA), do Rio de Janeiro;
d) na região sul, lembra-se que o Paraná deixou de ser referência, com o Rio
Grande do Sul abordando seu território em três distintas regiões, da bacia do
Rio Uruguai, do Rio Guaíba e do Litoral Leste, enquanto Santa Catarina
merece destaque quanto a iniciativas regionais próprias à bacia do Rio Itajaí-
Açu; e,
e) por fim, na região do centro-oeste, destacam-se atividades em Brasília,
relacionadas à despoluição do Lago Paranoá, além de programas do Mato
Grosso do Sul, voltados à conservação do bioma do Pantanal.
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Para iniciar o segundo relatório, voltado às propostas de adequações e avanços
dos sistemas de gestão vigentes no Brasil (SINGREH e certos SEGREHs), foram
registrados elementos norteadores e diretrizes gerais para uma estratégia
nacional voltada a Governança na gestão das águas e adaptação a mudanças
climáticas.
Estes elementos norteadores e as diretrizes gerais foram advindos da
publicação do GEO Brasil – Recursos Hídricos e do Plano Nacional de
Recursos Hídricos, a serem vistos em conjunto com: a atual situação dos
recursos hídricos e dos principais problemas presentes e previstos, com
abordagens regionais e suas respectivas diretrizes; sob uma avaliação crítica
construtiva, para um processo de continuados aprimoramentos institucionais e
legais; e, a consideração de diretrizes advindas de cenários prospectivos sobre
possíveis mudanças climáticas.
Segundo o GEO Brasil, é importante lembrar que a gestão de recursos hídricos
não detêm uma competência total ou instrumentos completos para uma atuação
substantiva sobre todas as variáveis que condicionam os cenários prospectivos e
o contexto do desenvolvimento macroeconômico do País. Assim, cabe assumir
um viés preventivo ou de atenuação de impactos econômicos, sociais e
ambientais. Ou seja, no mínimo é possível evitar determinadas consequências,
previstas em cenários tendenciais, além de definir como serão subsidiadas as
decisões ao longo do tempo, em particular, sobre como serão contornadas as
incertezas críticas.
Também destaca a importância dos gestores de recursos hídricos
compreenderem a lógica da atuação dos diversos setores usuários,
assegurando que incorporem, em seus processos de produção ou de oferta de
serviços, os custos de externalidades negativas, ou seja, o cômputo das
externalidades negativas deve ocorrer já na fase de planejamento dos setores
usuários das águas. Com isto posto, destaca-se a necessidade de ações
regulatórias mais substantivas, tal como foi abordado pelo terceiro relatório.
Em acréscimo, sobre o SINGREH, o GEO Brasil ressalta um aprimoramento da
devida articulação e dinâmica entre as instâncias que compõem o Sistema
Nacional de Gestão. Portanto, entende-se que o SINGREH deve ser visto em
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seu conjunto, ou seja, como um Sistema, e não apenas mediante suas
instâncias isoladas – no mais das vezes, com ênfase aos comitês de bacias. Além
disso, já em 2007 indicava a necessidade de um apoio para a organização dos
SEGREHs, fato que coloca em destaque a atual iniciativa da ANA voltada ao
Pacto das Águas.
Chegando a elementos norteadores advindos do Plano Nacional de Recursos
Hídricos, o segundo relatório menciona que cabe buscar uma certa convergência
entre as legislações nacional e estaduais, sem prejuízo da manutenção da
diversidade e de especificidades decorrentes de características regionais.
Ademais, também cabe harmonizar a legislação nacional com os Acordos e
Tratados Internacionais.
No contexto do Subprograma II.3 – Adequação, Complementação e
Convergência do Marco Legal e Institucional, elaborado pelos consultores
Gilberto Canali e Percy Soares Neto, registra-se o conceito do já mencionado
Comitê de Integração, a ser visto como de articulação e não como de
agregação, para que ocorra uma efetiva gestão descentralizada, porém, sem
que se deixe de celebrar acordos e cooperações entre instâncias coletivas locais
– notadamente estabelecidas em áreas-problema –, sob uma abrangência mais
estratégica e coletiva, em bacias hidrográficas compartilhadas.
Como outros elementos norteadores, o Plano Nacional registra que a gestão
em bacias com menores dimensões tem se apresentado com maior
consistência, no mais das vezes, devido à sua maior proximidade com os
problemas relevantes a serem enfrentados. Ademais, em tese, a visão de que a
gestão exige uniformidade de critérios na aplicação dos instrumentos na bacia
como um todo, talvez deva ser relativizada, em função de peculiaridades que
possam eventualmente facilitar o avanço e maior eficiência da gestão em sub-
bacias.
Sob tal abordagem, destaca-se a importância do traçado de unidades territoriais
estratégicas de gestão (UTEGs), para as quais se entende que deveriam ser
aplicados distintos critérios para a emissão de outorgas.
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Com isto posto, percebe-se que há uma elevada convergência com muitas das
diretrizes gerais que já foram dispostas, no sentido de que modelos de gestão
devem ser estabelecidos segundo a natureza dos problemas.
Assim, entra em pauta a possibilidade positiva da própria União delegar certos
encargos aos estados federativos, sempre que demonstrem capacidade
técnica e institucional para o desempenho das funções delegadas, também
contando com possíveis delegações a prefeituras municipais, considerando as
competências constitucionais dos municípios, com forte incidência sobre vários
dos aspectos da gestão dos recursos hídricos.
Surge, então, a necessidade de se buscar novos mecanismos para a
Governança na gestão de recursos hídricos, sempre com modos voltados a
uma atuação mais conjunta entre os entes federativos.
A necessidade de uma abordagem mais conjunta já foi recomendada por
Monica Porto e Carlos Eduardo Tucci, em 2006, a propósito do reduzido
alcance e, portanto, de baixa eficácia de planos de bacias hidrográficas. Ambos
mencionaram que “o país precisa fazer um esforço sério para avançar no
processo de Avaliação Ambiental Estratégica. São muitos os setores para os
quais a Avaliação Ambiental Estratégica traria mais objetividade e rapidez à
implantação de seus programas e projetos de desenvolvimento e, principalmente,
poderia abreviar o processo decisório nas instâncias dos Sistemas de Gestão de
Recursos Hídricos e do Sistema Ambiental”.
Com isto posto, percebe-se o entendimento de que qualquer abordagem sobre
adaptação às mudanças climáticas também deverá constar de Avaliações
Ambientais Estratégicas de bacias hidrográficas, sobretudo, quando for
considerada a nova Política Nacional de Proteção e Defesa Civil, a qual
expressa que o gerenciamento de riscos e de desastres deve ser focado nas
ações de prevenção, mitigação, preparação, resposta e recuperação.
Ademais, prevê a integração das políticas de ordenamento territorial, com o
desenvolvimento urbano, meio ambiente, mudanças climáticas, gestão de
recursos hídricos, geologia e infraestrutura.
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Esta nova Política Nacional de Proteção e Defesa Civil também dispõe sobre a
elaboração e implantação dos correspondentes Planos de Proteção e Defesa
Civil, previstos como necessários nos três níveis de governo.
Com tais méritos, esta Lei, desde que efetivamente implementada, poderá
contribuir para os propósitos de uma gestão conjunta do interesse comum, no
âmbito de bacias hidrográficas, inclusive e principalmente, levando em conta a
indispensável adaptação a mudanças climáticas.
Enfim, contando com diretrizes gerais e regionais e com os elementos
norteadores, torna-se possível propor uma estratégia para rearranjo do
arcabouço legal e institucional vigente, também considerando o compromisso do
Brasil junto à Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças do
Clima e com o Protocolo de Quioto.
Como primeiro tema das propostas, volta a entrar em pauta a questão relacionada
à dupla dominialidade das águas no Brasil. A propósito, o Dr. Benedito Braga,
atual Presidente do Conselho Mundial da água, fez as seguintes afirmações:
...se o domínio sobre os rios brasileiros fosse totalmente
federal, como ocorre no México, seria mais fácil evitar
conflitos, como o que ameaça irromper entre São Paulo e o
Rio de Janeiro, sobre o aproveitamento da bacia do Rio
Paraíba do Sul. O modelo no qual os rios são todos
nacionais seria o ideal.
Por seu turno, G. Canali sublinha a necessidade de uma gestão descentralizada,
além do princípio da subsidiariedade. Ademais, a gestão em bacias com
menores dimensões tem se apresentado com maior consistência, devido à sua
maior proximidade com os problemas. De fato, mesmo com a dupla dominialidade
das águas e não obstante a dimensão de certas bacias, devem ocorrer
abordagens diferenciadas segundo a natureza de problemas relacionados aos
recursos hídricos, inclusive daqueles que poderão ser advindos de mudanças
climáticas.
Além do perfil dos problemas, também cabe considerar as capacidades
institucionais presentes, portanto, tanto com apoios top-down quanto bottom-up,
em casos distintos. Muito resumidamente, levando em consideração a necessária
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adaptação a mudanças climáticas, recomenda-se que sejam desenvolvidas
estratégias próprias aos problemas que deverão ser equacionados, com uma
presença democrática e efetiva da União e dos estados federados e, também, dos
municípios, segundo a natureza dos problemas e as capacidades institucionais
presentes.
Como outra referência sobre a dupla dominialidade dos recursos hídricos no
Brasil, cabe registrar o artigo “Quem é responsável pela administração dos rios?”,
elaborado por Jerson Kelman e Bernardo Cabral. Neste artigo, foi registrado:
Sempre que possível, tudo o que puder ser resolvido pelo
governo do estado, ou por consórcio de governos estaduais,
não deve ser resolvido pela União.
Sob tais abordagens, de pronto pode-se afirmar que não deve ser alterada a
dupla dominialidade das águas, como forma fundamental para que ocorram
avanços na gestão.
Um segundo tema para propostas refere-se a ações e atividades mais conjuntas e
articuladas entre as esferas federativas do Brasil. Neste sentido, há uma
abordagem promissora da Lei Complementar nº 140 (08/dezembro/2011), onde
constam artigos voltados à cooperação entre a União, estados, DF e municípios,
com uma competência comum relativa à proteção do meio ambiente, além do
combate à poluição. Assim, há uma dificuldade reconhecida para a competência
da gestão das águas, em muitos casos, não se inscrevendo dentre as
competências comuns, como é o caso da gestão ambiental.
Resta, então, indagar: como a União poderá promover a articulação da Política
Nacional de Meio Ambiente com a de Recursos Hídricos, além de outras políticas
correlatas? Como resposta, entende-se que será fundamental considerar a leitura
de bacias hidrográficas, sempre sobreposta com outras diferentes abordagens
territoriais, sob o conceito de “geometria variável”. Ou seja, a abordagem de
bacias, em escalas adequadas, é essencial para muitas das ações,
especialmente, para a aplicação dos instrumentos de gestão, que certamente
estarão em pauta em decorrência da indispensável adaptação a mudanças
climáticas e, também, para fins da Política de Proteção e Defesa Civil, que se
apresenta com alta relevância social.
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Contando com tais abordagens, o segundo relatório apresenta as seguintes
propostas para adequações e novos avanços da gestão das águas no Brasil:
redefinir uma estratégia institucional, com maior ênfase em abordagens
locais de problem-sheds, tanto face a adaptação a mudanças climáticas,
quanto para equacionamento dos principais problemas interrelacionados aos
recursos hídricos, que sejam identificados em cada região;
aplicar o princípio da subsidiariedade, além de leituras territoriais
estratégicas;
considerar modelos mais próprios de gestão para a Amazônia, o Semiárido
brasileiro e o conjunto do Sul, Sudeste e do Centro-Oeste;
recomenda-se que seja atualizado o Mapa de Gestão da ANA;
no caso da região Amazônica, verificar a possibilidade de um Sistema
Regional de Gestão, pautado por um órgão regulador conjunto;
para o Semiárido brasileiro, empreender estudos e planejamentos estaduais
para ordenamento da ocupação do território e ao desenvolvimento da rede de
cidades, face ao inexorável processo de urbanização e núcleos de APLs, com
comunidades rurais menos dispersas, eventualmente reassentadas das áreas
de riscos mais críticos, inclusive em decorrência de mudanças climáticas;
seguindo sobre o Semiárido, com: (a) o gerenciamento das disponibilidades
(açudes, reservatórios, canais e adutoras); (b) o gerenciamento da demanda
(ordenamento espacial da demanda); e, (c) o gerenciamento de conflitos;
para o conjunto do Sul, Sudeste e do Centro-Oeste, incentivar tecnologias mais
sustentáveis, tendo a referência do Programa Produtor de Águas;
quanto as atuais fronteiras de expansão do agronegócio planejar antecipado
um ordenamento consistente da ocupação do território;
para aglomerações urbanas, empreender Programas de Saneamento
Ambiental Urbano (PROSAMs), que devem chegar a modelos de gestão
próprios a áreas-problema, também incluindo as regiões metropolitanas do
Nordeste;
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os PROSAMs devem promover eventuais reassentamentos de moradores
localizados em áreas de risco – no mais das vezes, em favelas, cortiços e
ocupações desconformes;
também devem: (i) proteger certas áreas ambientais, notadamente no caso de
mananciais para abastecimento, identificados como relevantes; (ii) buscar a
redução de perdas e desperdícios, chegando a uma O&M mais consistente dos
sistemas de reservação e de distribuição de água; e, (iii) promover avanços nos
atuais níveis de coleta e tratamento de esgotos e no possível reuso das águas;
grande destaque para a iniciativa do Pacto das Águas, com ênfase inicial para
o fortalecimento dos órgãos estaduais gestores de recursos hídricos, com a
realização de estudos para um planejamento institucional estratégico;
neste sentido, recomenda-se um cruzamento entre as estruturas institucionais
dos órgãos gestores e os perfis dos principais problemas de recursos hídricos a
serem enfrentados;
maior integração com outras áreas, em particular, com a gestão do meio
ambiente, incluindo sistemáticas que articulem instrumentos, como sistemas de
informação, licenciamento ambiental e emissão de outorgas;
empreender estudos sobre o licenciamento de atividades com base na
capacidade de suporte de certas unidades territoriais, avançando em
relação ao mero controle tradicional, no mais das vezes, limitado somente a
padrões de emissão;
possíveis delegações de encargos e responsabilidades, para entidades
mais próximas aos problemas a serem enfrentados, com as eventuais
propostas de delegação tendo uma estratégia institucional consistente e
calibrada em função das mútuas capacidades técnicas e institucionais;
no caso de bacias compartilhadas com países vizinhos, a exemplo da bacia do
Rio Amazonas, torna-se indispensável ter acesso a dados e informações
hidrometeorológicas sobre suas nascentes e perfis mais a montante;
face a problemas mais graves advindos de possíveis mudanças climáticas,
recomenda-se articular a gestão de recursos hídricos com a Defesa Civil, a
qual se encontra identificando e mapeando áreas de risco, nas quais
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intervenções poderão ser necessárias e indispensáveis, sobretudo para
reassentamento de populações inadequadamente residentes;
uma inserção bem mais substantiva dos municípios nas estratégias de
gestão dos recursos hídricos, vez que muitas das variáveis decisivas
encontram-se sob sua competência (uso e ocupação do solo, posturas urbanas
de obras e edificações, serviços de saneamento, drenagem e disposição de
resíduos sólidos);
as prefeituras municipais devem ser consideradas: (a) de um lado, como
usuárias de recursos hídricos, especialmente mediante a atuação de certas
secretarias municipais executivas, com obras de drenagem; e, (b) de outro,
como entidades com certas funções regulatórias, no caso de secretarias do
meio ambiente, para fiscalizações e para emitir licenciamentos ambientais, na
maioria dos casos, mais locais;
possível revisão da composição do Conselho Nacional de Recursos
Hídricos (CNRH) e da necessária identificação de atores estratégicos, que
devem ser representantes junto a inúmeros dos comitês de bacias;
ampliar as alternativas para o perfil institucional de agências de bacias
hidrográficas, no presente, estabelecidas como “entidades delegatárias” – em
muitos casos, seguem problemas e restrições advindas de limites para
autossustentação financeira, vez que as “entidades delegatárias” estão sujeitas
ao limite de 7,5% das arrecadações via Cobrança pelo Uso da Água;
recomenda-se, então, que sejam mais flexibilizadas as alternativas para que
outras instituições possam atuar executivamente na gestão de recursos
hídricos, tanto para certas funções e encargos de agências de bacias, quanto
para empreendimentos previstos pelos planos de bacias;
ou seja, entende-se que não se deve limitar atuações somente a “entidades
delegatárias”, mas também considera órgãos estatais – ou até mesmo privados
ou de economia mista –, com os quais podem ser celebrados convênios ou
contratos de gestão;
para definir a melhor opção institucional, devem ser dispostas as respectivas
vantagens e desvantagens das alternativas;
_________________________________________________________________________
19
aprofundar conceitos e princípios legais sobre o Direito das Águas,
notadamente para o trato de eventos críticos, que poderão exigir, de forma
preventiva, um racionamento, suspensão de outorgas e/ou a realocação de
disponibilidades, no caso de quadros decorrentes de mudanças climáticas;
como última recomendação sob uma ótica de planejamento institucional
estratégico, interno à estrutura da ANA, recomenda-se que suas diretorias
sejam definidas com base em abordagens regionais do Brasil.
Com todas estas propostas já formuladas, o segundo relatório é, então, encerrado
com capítulos complementares que apresentam mais detalhes sobre: (a) o Pacto
das Águas a ser empreendido como um Pacto Federativo; (b) formas de maior
articulação com a Defesa Civil, com ênfase ao ordenamento da ocupação do
solo urbano e rural e ao combate da ocupação de áreas ambientalmente
vulneráveis e de risco, além da realocação da população residente nessas
áreas; (c) a consideração de Planos Estaduais de Defesa Civil, como também
de Planos Municipais, ambos ainda a serem elaborados, os quais também
deverão identificar as bacias de seus territórios, com risco de ocorrência de
desastres; e, (d) por fim, recomendações relativas a mais opções para
atividades executivas de agências de bacias hidrográficas, vez que os
comitês de bacias não têm personalidade jurídica e não se apresentam no dia-a-
dia necessário para empreender deliberações e intervenções previstas em planos
de recursos hídricos, fato que, s.m.j., tem gerado muitas das estagnações que
vêm ocorrendo no contexto do SINGREH e de muitos dos SEGREHs, em
decorrência da falta de entidades executivas mais consistentes.
Chegando ao terceiro e último relatório, tendo as propostas já formuladas para
adequações e avanços nos sistemas de gestão vigentes (SINGREH e certos
SEGREHs), entram em pauta questões mais próprias aos diversos setores
usuários das águas.
Neste sentido, cabe ressaltar recomendações metodológicas para uma devida
coordenação regulatória, além de estratégias institucionais para que ocorra
mais proximidade entre os setores usuários e algumas recomendações gerais
que orientem a tomada de decisão de gestores em situações críticas,
inclusive daquelas que forem advindas de possíveis mudanças climáticas.
_________________________________________________________________________
20
Quanto às estratégicas institucionais, há destaques para o planejamento de
recursos hídricos e para as devidas articulações verticais – entre as esferas
federativas do Brasil – e horizontais – entre as diversas entidades relacionadas
aos setores usuários das águas.
Percebe-se, portanto, que volta a entrar em pauta uma indispensável gestão
integrada dos recursos hídricos (GIRH), agora com maior ênfase e certos
detalhes e variáveis relacionadas com seus diversos setores usuários. Para tanto,
cabe lembrar que a GIRH deve considerar suas variáveis supervenientes (meio
ambiente e desenvolvimento regional) e, também, suas variáveis intervenientes
(os diversos setores usuários das águas).
Sob tal conceito muito relevante, deve-se sublinhar que a gestão de recursos
hídricos não deve ser vista como um setor isolado, mas sim sob uma ótica
transversal aos diversos usos das águas. Assim, torna-se importante
reconhecer a complexidade do tema em pauta. Com efeito, mesmo sob um
consenso geral, ainda há muitas dificuldades e restrições para que soluções
concretas sejam efetivamente alcançadas. Em muitos casos, a gestão integrada
permanece apenas como retórica.
Revela-se, então, a necessidade de uma atuação mais coordenada sobre dois
campos regulatórios importantes: (a) aquele mais amplo e transversal, que
abrange a temática ambiental e dos recursos hídricos; e, (b) dos setores
usuários, que apresentam seus aspectos operacionais mais específicos.
Entende-se que, entre ambos, deve necessariamente ocorrer uma coordenação
regulatória.
A respeito de encargos regulatórios, cabe sublinhar a importância de estabelecer
uma devida regulação independente, tanto no que tange ao papel dos
diferentes agentes privados, quanto de diversas empresas públicas – sobretudo,
voltadas à operação de sistemas e de infraestruturas, por vezes em campos de
monomercados –, vez que estas também apresentam seus interesses
particulares. Por conseguinte, demandam uma consideração muito próxima
daquela aplicada sobre usuários privados, requerendo suas atividades e serviços
igualmente submetidos à regulação.
_________________________________________________________________________
21
No caso mais próprio às agências regulatórias, para que haja esta independência
muito recomendada, recomenda-se que seu quadro de diretores tenham
mandatos permanentes por certos períodos, ou seja, sem que venham a ser
submetidos a interesses próprios ao governo em mandato.
Contando com os conceitos apresentados para a GIRH, em acréscimo a seus
encargos no contexto da gestão de recursos hídricos, a atuação da ANA e dos
órgãos estaduais correlatos deve ser devidamente articulada e coerente com os
órgãos regulatórios do meio ambiente, como o IBAMA e seus órgãos estaduais
correspondentes, para que não ocorram inconsistências entre decisões e
condicionantes advindos do licenciamento ambiental e da outorga para uso
da água.
Tal como já dito, também deve ocorrer uma coordenação regulatória entre o
espaço hídrico e ambiental, que é mais amplo, e aspectos específicos a cada
setor usuário das águas. Como um exemplo, sabe-se que a ANA deve tomar
decisões coerentes com a ANEEL e com o ONS, notadamente no que tange a
operação de reservatórios de hidroelétricas, cujos volumes hídricos também
devem considerar demandas de outros segmentos usuários das águas, como
perímetros de irrigação, controle de cheias e hidronavegação, além da
manutenção das vazões ecológicas necessárias.
Contudo, sob a atual predominância de políticas setoriais, surgem algumas
perguntas: como compatibilizar propostas locais e setoriais, com as regionais e
integradas? Quais os principais indicadores a serem observados? No caso de
possíveis mudanças climáticas, como os setores das águas deverão atuar, para
que novos perfis de problemas e áreas de risco adicionais venham a ser
consistentemente tratadas, no mais das vezes, sob a ótica de uma gestão mais
adaptativa?
Sob uma ótica integrada, deve-se identificar as diversas fontes de poluição
existentes, que causam impactos ambientais e sobre os recursos hídricos, por
consequência, com a identificação dos limites de resultados das ações
relacionadas aos investimentos em serviços locais, vez que o somatório
desses pontos pode ultrapassar a capacidade regional de suporte do
território.
_________________________________________________________________________
22
Portanto, cabe aos usuários – privados e públicos –, sempre sob o predomínio de
seus interesses particulares, reconhecerem que problemas de qualidade e de
disponibilidade hídrica não estão relacionados somente a sistemas locais, a
exemplo do saneamento básico, mas também com todos os demais setores
usuários das águas.
Com isto posto, o terceiro relatório apresenta um Quadro exemplificativo, que
demonstra genericamente como podem ser sistematizados objetivos e
indicadores, partindo de aspectos executivos, de operação e manutenção, da
prestação de serviços e de atividades produtivas, até chegar às abordagens
hídrico-ambientais, de modo a aplicar a pretendida coordenação regulatória.
Como outro conjunto de subsídios importantes para a devida coordenação
regulatória, o relatório apresenta descrições com dados e informações sobre os
seguintes setores usuários das águas: (i) saneamento básico, incluindo
abastecimento de água, coleta e tratamento de esgotos sanitários, macro e micro
drenagem e coleta e disposição final de resíduos sólidos; (ii) geração de energia
hidroelétrica; (iii) irrigação; (iv) setor industrial; e, (v) hidronavegação.
Chegando agora a questões relacionadas a estratégias institucionais, outro
conceito muito importante para a gestão das águas é um procedimento mais
pragmático sobre a forma de planejamento dos recursos hídricos, frente às
efetivas intervenções que são empreendidas, no presente, com a maioria dos
planos de bacias seguindo estagnados.
De fato, mesmo com muitos planos – Nacional, estaduais e de bacias
hidrográficas – já elaborados, persistem significativas dificuldades para suas
efetivas implementações, que seguem com muita morosidade, em inúmeros
casos, com distâncias entre os setores usuários, que tendem a atuar
isoladamente.
Assim, nota-se que, por vezes, a GIRH pode apresentar maiores dificuldades para
articulações institucionais horizontais, ou seja, no mesmo nível de governo, do
que para articulações verticais, entre as diferentes esferas federativas do Brasil.
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23
Sob tal contexto, foi reapresentada uma estratégia elaborada quando da
atualização do Plano Nacional de Recursos Hídricos (PNRH), revisto em 2010,
baseada na seguinte Matriz Tridimensional:
Matriz Tridimensional da Estratégia para o PNRH 2011 – 2015
EEx = Demandas Nacionais
e Regionais para ações do PNRH
Interação 01 Interação 02
EEy =
Articulações Institucionais para Ações e
Programas Existentes e/ou a serem criados
Interação 03
EEz = Estrutura dos Componentes
e Programas do PNRH
No caso do EEy, voltado a articulações institucionais para ações e programas
existentes e/ou a serem criados, coube anotar que em inúmeras instituições
investigadas, relacionadas a diversos ministérios de setores usuários das águas,
foram identificadas muitas ações e programas relacionados aos recursos hídricos,
com potenciais contribuições junto ao PNRH. Assim, fica evidente uma histórica e
continuada dispersão institucional que caracteriza o setor público do Brasil, sem
que objetivos comuns possam ser negociados e convergidos em termos
executivos. Ou seja, de fato, a GIRH permanece apenas como retórica.
Sob uma ótica bem realista, cumpre reconhecer que será muito mais improvável
que os orçamentos do MMA, da SRHU e da ANA recebam todos os aportes
necessários à implementação do PNRH, do que admitir negociações em
programas a cargo de vários ministérios e instituições, já com orçamentos e
programas disponíveis em favor do PNRH.
Quanto ao Eixo EEz, referente à estrutura dos Componentes e Programas do
PNRH, recomenda-se que deve partir de sua última versão, todavia sujeitando-se
_________________________________________________________________________
24
às devidas adequações, seja pelo ajuste e/ou criação de novos programas que
tenham sido demandados por abordagens nacionais e/ou regionais (EEx), seja
para aproximar e convergir programas e projetos com iniciativas já existentes ou a
serem estabelecidas em outros ministérios e entidades (EEy).
Enfim, esta estratégia proposta ao PNRH deve ser vista como uma janela de
oportunidades, sob o entendimento de que o Plano Nacional de Recursos
Hídricos deve ser empreendido de forma transversal, em termos executivos e
institucionais.
Uma referência muito semelhante a respeito é apresentada pelo arranjo
institucional executivo do Programa InterÁguas, em pleno empreendimento pela
ANA, contando com financiamento do Banco Mundial, devidamente composto por
diversos ministérios, naturalmente com a presença do Meio Ambiente (MMA),
além do Ministério da Integração Nacional (MI), das Cidades (MCidades), das
Minas e Energia (MME), de Transporte, da Agricultura e da Saúde. Assim, o
InterÁguas se apresenta como um programa transversal a alguns dos setores
usuários.
Na sequência, como resposta a comentários e recomendações da Rede Espelho
da ANA, o terceiro relatório final apresenta descrições de outras referências de
atuação da Agência Nacional de Águas, em favor de avanços da Governança na
gestão de recursos hídricos, frente a possíveis mudanças climáticas. Estas
descrições incluem: o Programa Produtor de Águas; o Programa Despoluição
de Bacias Hidrográficas – PRODES; o Programa Nacional de Avaliação da
Qualidade da Água – PNQA; e, a elaboração de planos de bacias
hidrográficas, dentre os quais são mencionados o Plano Decenal e Estratégico
da Bacia do Rio São Francisco, o Plano Estratégico da Região Hidrográfica do
Araguaia-Tocantins, o Plano das Bacias Hidrográficas dos Afluentes da Margem
Direita do Rio Amazonas e o Plano da Bacia do Rio Paranaíba.
Além dessas importantes frentes de atuação da ANA, merecem um elevado
destaque, sob uma ótica muito positiva e pragmática, os Acordos de
Cooperação Técnica com os Estados Federados, com a instalação das
chamadas Salas de Situação. Trata-se de uma atuação mais recente, na qual é
considerada a indispensável necessidade de adaptação a possíveis mudanças
_________________________________________________________________________
25
climáticas, com grande convergência frente a muitas das recomendações que já
foram formuladas pelo presente trabalho, quais sejam:
(i) a identificação de problem-sheds, em muitos casos, a serem vistas como
áreas de risco, tal como consta nesta frente de atuação da ANA;
(ii) um monitoramento hidrometeorológico com mais dados e informações
sobre os recursos hídricos, para que possam ser desenvolvidos sistemas de
apoio à decisão e identificadas as relações entre causas e efeitos,
reconhecidas como fundamentais, igualmente previstas nesta frente da ANA;
(iii) repercussões sobre o devido ordenamento do território, com ajustes no
uso e ocupação do solo e com eventuais reassentamentos involuntários
de famílias e comunidades localizadas em áreas de risco, para que
eventos críticos não cheguem a afetá-las tão gravemente;
(iv) recomendação de que os sistemas de gestão de recursos hídricos
(SINGREH e SEGREHs) passem a atuar mais em conjunto com a Defesa
Civil, em decorrência de eventos críticos;
(v) avanços nas indispensáveis articulações verticais e ações mais integradas
entre os estados federativos do Brasil, considerando a importância da
iniciativa do Pactos das Águas, em cujo contexto podem ser vistos estes
Acordos de Cooperação, como uma ação já precedente; e,
(vi) a disponibilidade de um quadro de profissionais mais bem qualificados,
para que situações críticas relacionadas aos recursos hídricos venham a ser
abordadas, não somente pela ANA, como também, pelos órgãos estaduais
gestores das águas, aos quais cabem muitas das ações mais locais,
relacionadas a problemas decorrentes de crises e alterações climáticas,
possivelmente chegando até a receberem delegações de certos encargos,
competências e responsabilidades.
Como as últimas frentes de atuação da ANA, também são registradas: a
Cooperação Sul-Sul, voltada a bacias compartilhadas com certos países
vizinhos, nas quais é indispensável ter acesso a dados e informações
hidrometeorológicas sobre suas nascentes e perfis mais a montante; e, por fim, os
Estudos com a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento
Econômico (OCDE), com o título de Diálogo Político sobre a Governança da
_________________________________________________________________________
26
Água no Brasil, sendo que esta frente deve ser considerada sob uma ótica
articulada e conjunta com os presentes estudos do Plano Nacional de Adaptação
a Mudanças Climáticas, notadamente para propostas de ajustes institucionais e
jurídico-legais, do SINGREH e de alguns dos SEGREHs.
Por fim, o terceiro e último relatório é encerrado com respostas às seguintes
perguntas emitidas pela Rede Espelho da ANA:
- A estrutura atual (arranjos institucionais e ações de gestão de recursos
hídricos em curso) é suficiente para dar respostas, em tempo hábil, aos
efeitos da mudança do clima?
De pronto, pode-se afirmar que não. Mesmo com os anteriores avanços obtidos
pelo SINGREH, além de certos SEGREHs, segundo vários posicionamentos
entende-se que há certa estagnação, por consequência, com preocupações
voltadas à identificação de formas e estratégias para que a gestão das águas
no Brasil volte a seguir adiante, tanto no âmbito geral do País, quanto em vários
dos estados, notadamente nos casos sem avanços. Mais do que isto, também
cabe sublinhar a necessidade de que, nos passos à frente, sejam mais
abordados distintos perfis regionais e questões relacionadas com áreas-
problema, em muitos casos, devido às mudanças climáticas.
- Quais características precisam ser melhor desenvolvidas e como fazer
para desenvolvê-las?
Entende-se que arranjo institucional não deve ser visto como um fim em si
mesmo, ao contrário, deve ser concebido como resposta para certos problemas,
fato que indica especificidades frente à natureza do tema em pauta, tal como deve
ocorrer para a gestão das águas que, no caso do extenso e diverso território
brasileiro, exige a definição de diretrizes e orientações para que as formas de
gestão tratem dos problemas a serem enfrentados, com abordagens do quadro
regional presente e de cenários prospectivos. Enfim, o quadro presente e,
também, os cenários prospectivos, devem abordar articuladamente aspectos
hídricos e ambientais e o desenvolvimento socioeconômico, além das
possíveis mudanças climáticas previstas.
_________________________________________________________________________
27
- Quais as fragilidades identificadas? Quais as medidas propostas para
solucioná-las ou minimizá-las?
As fragilidades da gestão das águas no Brasil são muito variáveis, segundo cada
perfil regional e/ou dos estados federativos. Ou seja, cabe reconhecer que, no
caso de alguns dos estados, ocorreram certos avanços, enquanto em outros foi
verificada uma seguida estagnação. Além disso, na medida em que a ANA se
apresenta como uma instituição gestora muito mais à frente dos órgãos estaduais,
houve uma certa tendência de centralização, fato que já passou a ser vencido
pela própria ANA, em decorrência de sua iniciativa voltada ao Pacto das Águas.
Ademais, considerando os diagnósticos e as diretrizes próprias aos diferentes
perfis regionais do Brasil, muitas das medidas que foram propostas devem ser
consideradas como respostas, tal como consta nas páginas 13 a 16.
- Quais são as oportunidades identificadas? Há medidas a serem tomadas
capazes de reforçá-las ou potencializá-las?
Dentre as principais oportunidades identificadas, cumpre ressaltar o Pacto das
Águas, os Acordos de Cooperação Técnica com os Estados Federados e,
também, os estudos junto à OCDE, intitulado como Diálogo Político sobre a
Governança da Água no Brasil. Sob este contexto, de importantes iniciativas da
ANA, recomenda-se que, periodicamente, sejam avaliadas e, eventualmente,
ajustadas as estratégicas e táticas em curso, para que os avanços sigam
continuadamente à frente.
- O PróGestão – que é uma forma de fortalecer os estados, de descentralizar
recursos e decisões – é o suficiente para enfrentar os efeitos da mudança
do clima? Ou, a depender do cenário previsto para cada região, o
PrÓGestão deve ser adaptado com especificidades que podem ajudar no
enfretamento dos eventos hidrológicos críticos previstos?
Como resposta, deve-se reconhecer que, mesmo em casos onde determinado rio
afluente esteja sob o domínio estadual, caso ocorram problemas mais a jusante,
relacionados a outros estados e a problemas mais regionais, a presença da
União pode ser necessária, sem que apenas interesses pontuais a montante
_________________________________________________________________________
28
sejam considerados, como a indefinição de vazões mínimas a serem
asseguradas entre as fronteiras dos estados em pauta.
Mais do que isso, além do perfil dos problemas, também cabe considerar as
capacidades institucionais presentes, frente à natureza dos desafios,
portanto, tanto com apoios top-down quanto bottom-up, em casos distintos.
Enfim, levando em consideração a necessária adaptação a mudanças climáticas
é muito recomendável que sejam desenvolvidas estratégias próprias aos
problemas que deverão ser equacionados, com uma presença democrática e
efetiva da União e dos estados federados, segundo a natureza dos problemas e
as capacidades institucionais presentes.
Como uma referência a respeito, o Dr. Rubem La Laina Porto apresentou o caso
dos EUA, fazendo a seguinte pergunta: há nos EUA um modelo nacional de
gestão de recursos hídricos? A resposta é não. Sob uma ótica pragmática, os
americanos definem soluções próprias, segundo a natureza de cada problema.
ESTUDOS RELATIVOS ÀS MUDANÇAS
CLIMÁTICAS E RECURSOS HÍDRICOS PARA
EMBASAR O PLANO NACIONAL DE
ADAPTAÇÃO ÀS MUDANÇAS CLIMÁTICAS
Eixo IV – Governança na Gestão dos Recursos Hídricos
Relatório 01: Identificação dos Principais Problemas e
Desafios para o SINGREH
Brasilia DF
Outubro de 2014
________________________________________________________
______________________________________________________________________________
ii
© Centro de Gestão e Estudos Estratégicos
O Centro de Gestão e Estudos Estratégicos (CGEE) é uma associação civil sem fins lucrativos e de interesse
público, qualificada como Organização Social pelo executivo brasileiro, sob a supervisão do Ministério da
Ciência, tecnologia e inovação (MCTI). Constitui-se em instituição de referência para o suporte contínuo de
processos de tomada de decisão sobre políticas e programas de ciência, tecnologia e inovação (CT&I). A
atuação do Centro está concentrada das áreas de prospecção, avaliação estratégica, informação e difusão
do conhecimento.
Presidente Mariano Francisco Laplane
Diretor Executivo Marcio de Miranda Santos
Diretores Antonio Carlos Filgueira Galvão
Gerson Gomes
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Este estudo é parte integrante das atividades desenvolvidas no âmbito do Contrato Administrativo celebrado
entre o CGEE e a Agencia Nacional de Águas – ANA: Contrato Nº.110/ANA/2013
Todos os direitos reservados pelo Centro de Gestão e Estudos Estratégicos (CGEE). Os textos contidos
nesta publicação não poderão ser reproduzidos, transmitidos, ou citados a fonte.
______________________________________________________________________________
iii
GOVERNANÇA NA GESTÃO DOS RECURSOS HÍDRICOS
Supervisão Antonio Carlos Filgueira Galvão
Líder do CGEE Antonio Rocha Magalhães
Francisco Lobato (consultor)
______________________________________________________________________________
iv
Sumário
Introdução ____________________________________________________________ 1
1. Conceitos e Procedimentos Metodológicos Pertinentes à Avaliação da
Governança na Gestão de Recursos Hídricos _______________________________ 4
1.1. Planejamento Institucional Estratégico _______________________________ 4
1.2. Referência da Metodologia APEX ____________________________________ 8
2. Abordagens Regionais, com Diagnósticos e Diretrizes Gerais ______________ 14
2.1. Justificativas sobre a Necessidade de Diferentes Abordagens Regionais _ 14
2.2. Metodologia para a Sobreposição de Diferentes Leituras Territoriais _____ 17
2.1.1. Referências a Considerar _______________________________________ 20
2.3. Abordagem de Biomas Continentais Brasileiros ______________________ 24
2.4. Abordagens Regionais, com Diretrizes Gerais para Adaptação a Mudanças
Climáticas e Avanços na Gestão de Recursos Hídricos ____________________ 35
2.4.1. Gestão de Recursos Hídricos na Região Amazônica __________________ 35
2.4.2. Região Nordeste e do Semiárido Brasileiro __________________________ 42
2.4.3. Conjunto das Regiões Sul, Sudeste e do Centro-Oeste ________________ 53
2.4.3.(i) Áreas Territoriais voltadas a Atividades do Agronegócio ______________ 53
2.4.3.(ii) Trechos de Expansão do Agronegócio no Cerrado do Brasil Central ____ 58
2.4.3.(iii) Grandes Núcleos Urbano-Industriais, com ênfase em Regiões
Metropolitanas e Aglomerações de Cidades ______________________________ 60
2.5. A Importância de Cenários sobre Mudanças Climáticas em Relação à
Governança na Gestão de Recursos Hídricos ____________________________ 75
3. Base Legal e Institucional do SINGREH e de Certos SEGREHs ______________ 77
3.1. Descrição Geral do SINGREH ______________________________________ 77
3.2. Abordagem da Lei Federal nº 9.433/1997, como Lei Nacional ____________ 83
3.3. Governança e Governabilidade vistas como Indispensáveis para uma Efetiva
______________________________________________________________________________
v
Gestão de Recursos Hídricos __________________________________________ 86
3.4. Problemas Advindos da Dupla Dominialidade de Recursos Hídricos no Brasil
___________________________________________________________________ 93
3.5. Breves Notas sobre Alguns dos SEGREHs ___________________________ 94
3.5.1. Estados da Região Amazônica ___________________________________ 95
3.5.2. Estados da Região Nordeste e do Semiárido Brasileiro ________________ 95
3.5.3. Estados do Sudeste ____________________________________________ 98
3.5.4. Estados da Região Sul ________________________________________ 105
3.5.5. Estados do Centro-Oeste e Cerrado Brasileiro ______________________ 109
Anexo I – Insumos do GEO Brasil – Recursos Hídricos (PNUMA e ANA, 2007)
sobre a Região Amazônica.
Anexo II – Modelo de Gestão de Recursos Hídricos do Estado do Ceará
______________________________________________________________________________
1
Introdução
Tal como estabelecido no respectivo Termo de Referência e no Plano de Trabalho,
este Relatório 01 tem como objetivo principal a identificação dos principais
problemas e desafios voltados ao Sistema Nacional de Gerenciamento de
Recursos Hídricos (SINGREH) – também chegando a indicações sobre certos
Sistemas Estaduais (SEGREHs) –, tendo em vista a necessária adaptação às
mudanças climáticas, além de alguns problemas já existentes, que se tornaram
relevantes nos últimos anos.
Isto significa que o Plano Nacional de Adaptação às Mudanças Climáticas, por certo
deve abordar o tema da Governança na Gestão de Recursos Hídricos, ou seja, o
Eixo IV dos estudos em tela.
Para tanto, como subsídios fundamentais para que ocorram propostas voltadas a
novas estratégias e adequações institucionais e legais do SINGREH e de certos
SEGREHs, o presente Relatório 01 apresentará abordagens sobre os diferentes
perfis regionais do Brasil, os quais serão cruzados com o modelo de gestão que foi
genericamente desenhado para o SINGREH.
Em termos regionais, serão abordadas: a região amazônica, com seu perfil
climático e sua elevada relevância em termos de preservação de ecossistemas,
importantes para todo o planeta; o semiárido brasileiro, com clima singular e com
frequentes problemas de escassez hídrica; e, o conjunto das regiões sul, sudeste
e centro-oeste, tendo em vista sua maior densidade em termos de desenvolvimento
socioeconômico.
Em todas as abordagens regionais serão efetuadas análises sobre o estado da arte
da Governança e, também, da Governabilidade sobre os recursos hídricos e as
principais fragilidades, presentes e/ou previstas, tendo em vista a necessidade de
adaptações a mudanças climáticas. Ou seja, o presente Relatório 01 deverá
identificar nas mencionadas regiões a natureza dos principais problemas e seus
problem-sheds, indicando preliminarmente unidades territoriais estratégicas de
gestão, além dos principais atores envolvidos na gestão dos recursos hídricos, com
abordagem sobre suas capacidades e fragilidades para agir frente às incertezas
provenientes das alterações do clima.
______________________________________________________________________________
2
Com isto posto, percebe-se o entendimento de que as mudanças climáticas
constituem um problema complexo, com significativas repercussões sobre todas as
esferas de suas intervenções sobre a natureza e de seus impactos decorrentes.
Dessa forma, respostas aos seus impactos exigem diretrizes gerais que serão
formuladas segundo os diferentes perfis regionais, além de possíveis
recomendações e propostas para avanços na gestão e nos níveis da necessária
articulação entre os diferentes e múltiplos setores usuários das águas.
Isto significa que o presente trabalho do Eixo IV, voltado à Governança na gestão
dos recursos hídricos, mesmo estando sob o contexto do Plano Nacional de
Adaptação a Mudanças Climáticas, também deve considerar outras abordagens
voltadas a eventuais ajustes e adequações dos sistemas de gestão de recursos
hídricos vigentes no Brasil – tanto no caso do SIGREH, quanto de muitos dos
SEGREHs –, portanto, sob uma ótica mais conjunta e articulada, notadamente no
caso da formulação de propostas para certas modificações institucionais e jurídico-
legais, vez que será bem mais realista e pragmático considerar o necessário
processo de abordagens e negociações políticas junto ao Congresso Nacional,
para que ocorra a desejada aprovação de propostas.
Em outras palavras, cumpre ressaltar que muitas das recomendações que serão
elaboradas pelo presente trabalho do Eixo IV não devem considerar somente ou
isoladamente as adaptações a mudanças climáticas. Ao contrário, também devem
considerar e conceber em conjunto propostas para que os sistemas de gestão
vigentes (SINGREH e SEGREHs) tenham avanços mais amplos e consistentes em
seu conjunto, certamente com muitos deles voltados a mais resiliência, flexibilidade
e uma gestão mais adaptativa aos cenários de possíveis mudanças climáticas.
Sob tal entendimento, dentre muitas outras, algumas das diretrizes que serão
formuladas terão subsídios importantes advindos do Plano Nacional sobre
Mudança do Clima, já oficialmente apresentado em dezembro de 2008 e revisado
no 2º semestre de 2012, tendo como objetivo principal incentivar o desenvolvimento
e aprimoramento de ações de mitigação das emissões de gases de efeito-estufa,
bem como criar condições internas para lidar com os impactos das mudanças
climáticas globais, com adaptação, resiliência, mais flexibilidade, segurança e
robustez.
______________________________________________________________________________
3
Portanto, de forma geral, as diretrizes, insumos e recomendações em pauta irão
considerar oportunidades de mitigação, adaptações aos níveis identificados de
vulnerabilidades e, também, as necessárias sistemáticas de comunicação e
capacitação de todos os atores socioeconômicos que estejam interligados e
afetados com problemas advindos de mudanças climáticas.
Outros insumos também deverão ser advindos do próprio Grupo de Trabalho sobre
Adaptação (GT – Adaptação), criado para a elaboração do Plano Nacional de
Adaptação a Mudanças Climáticas. Além de sua atuação sobre a temática de
recursos hídricos, em frente de trabalho denominada como Rede Água, este GT –
Adaptação também vem atuando paralelamente em mais oito temáticas, a saber:
saúde, cidades, biodiversidade, zonas costeiras, segurança alimentar e
agropecuária, indústria, transportes e logística, energia e desastres naturais.
A propósito dessas temáticas, percebe-se que a gestão das águas é transversal a
muitas delas, notadamente no caso de: saúde sanitária; saneamento ambiental
urbano; biodiversidade; zonas costeiras; tecnologias voltadas à produção industrial,
agropecuária e de perímetros irrigados; sistemas de logística com hidrovias;
geração hidroelétrica; e, também, em desastres naturais como secas críticas e
grandes inundações.
Chegando agora a uma abordagem específica à própria Rede Água, deverá ocorrer
uma constante articulação e interligação, portanto, com muitos subsídios a serem
trocados entre os cinco eixos de trabalhos relacionados aos recursos hídricos,
quais sejam: i) cenários sobre possíveis mudanças climáticas; ii) geração de
conhecimento, com ênfase em dados e informações; iii) instrumento para a gestão
de recursos hídricos; iv) governança (objeto do presente Relatório 01); e, v)
interação com todos os setores usuários.
Enfim, iniciado por este Relatório 01, o Eixo IV – Governança na Gestão de
Recursos Hídricos deverá ser desenvolvido simultaneamente e com constantes
diálogos e articulações com os demais eixos da Rede Água, além dos demais oito
temas relacionados ao Plano Nacional de Adaptação a Mudanças Climáticas.
______________________________________________________________________________
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1. Conceitos e Procedimentos Metodológicos Pertinentes à Avaliação da
Governança na Gestão de Recursos Hídricos
1.1. Planejamento Institucional Estratégico
Para iniciar o trabalho sobre a avaliação da Governança na Gestão de Recursos
Hídricos, tendo em vista as adaptações que se mostrem necessárias frente às
mudanças climáticas, cabe lembrar que um conceito relevante refere-se ao fato de
que arranjos institucionais e modelos de gestão não devem ser constituídos como
um fim em si mesmo. Ao contrário, devem se apresentar como respostas
consistentes frente à plena natureza dos problemas a serem enfrentados.
Sob tal conceito, para que ocorra uma Governança efetiva e eficaz, deve-se aplicar
uma metodologia atualizada de Planejamento Institucional Estratégico, tal como
será disposta na sequência. Isto significa que, no contexto do presente trabalho,
antes de qualquer proposição devem ser abordados os diferentes perfis regionais,
tal como já mencionado na Introdução.
Assim, é possível antecipar que certos arranjos institucionais para a gestão das
águas, eventualmente deveriam ser distintos do formato genérico do SINGREH –
em alguns casos, também de SEGREHs definidos por suas leis estaduais
específicas –, tanto frente aos problemas hídricos, ambientais e socioeconômicos
diferenciados, quanto às opções que se mostrem mais possíveis e realistas, face
ao contexto político-institucional vigente.
Com isto posto, no que concerne aos conceitos e procedimentos metodológicos
mais avançados de um Planejamento Institucional Estratégico, sabe-se que não
implicam apenas em definir, como passo inicial, organogramas de sistemas e
entidades, mas sim, analisar contextos institucionais, atribuições e encargos, que
devem então instruir a estruturação de um sistema de gestão, com vistas a uma
indispensável Governança.
Em termos práticos, isto implica nos seguintes passos e questionamentos a serem
abordados:
diagnósticos sobre as naturezas distintas de problemas a serem
enfrentados, com a indispensável identificação de áreas-problema
______________________________________________________________________________
5
(chamadas de problem-sheds), para que modelos de gestão sejam
estruturados como respostas objetivas e consistentes frente às tipologias de
demandas e conflitos pelos usos múltiplos de recursos hídricos e ambientais,
para o presente trabalho com ênfase em casos onde devam ocorrer
adaptação a mudanças climáticas;
além de insumos dos diagnósticos, deve-se considerar o posicionamento de
órgãos públicos – federais, estaduais e municipais –, de usuários de
recursos hídricos e de organizações da sociedade civil, de modo a identificar
impressões e prioridades – em muitos casos, eventualmente distintas – que
atores identificados como estratégicos definam para o traçado de modelos
de gestão;
a consideração e análise sobre estruturas de gestão existentes em outras
áreas com problemas similares e, também, em outros países, tidos como
referências, com a investigação do background institucional, de modo a
considerar seus aprendizados como insumos para possíveis ajustes e
complementações sobre a organização institucional vigente; e,
a identificação e consideração das interfaces existentes com outras
instituições que apresentam interferências sobre a gestão de recursos
hídricos e ambientais, portanto, com implicações em termos da divisão de
encargos e trabalhos, de modo a evitar sobreposições e conflitos e
estabelecer um conjunto coerente e articulado de competências, atribuições
e atividades técnicas e operacionais.
Uma vez contando com tais subsídios, caberá então desenvolver uma proposta
mais detalhada para as adequações possíveis e necessárias do SINGREH e de
alguns SEGREHs, eventualmente no contexto de um programa a ser empreendido
pelo próprio Plano Nacional de Adaptação a Mudanças Climáticas.
A propósito, de acordo com o Termo de Referência genérico elaborado pela
Agência Nacional de Águas (ANA), cabe lembrar o seguinte, litteris:
O papel da Rede Água é trazer aporte técnico-científico
para a elaboração do Plano Nacional de Adaptação no que
diz respeito à água. Nesse sentido, a Rede iniciou seus
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trabalhos com um seminário no qual foram identificadas
propostas de objetivo, missão e estrutura do Plano no que
se refere à adaptação aos efeitos das mudanças climáticas
sobre os recursos hídricos, bem como atores que podem
contribuir para sua construção.
A partir dos consensos estabelecidos, a Rede Água, no
contexto do GT - Adaptação e sob a coordenação do núcleo
conformado por MMA (SMCQ e SRHU), MCTI e ANA, deverá
desenvolver insumos técnicos à construção do Plano
Nacional de Adaptação no que tange o conteúdo relativo aos
recursos hídricos.
Entre esses consensos, ficou acordado que o objetivo do
trabalho não é a elaboração de um plano de obras, mas
sim a construção de diretrizes de atuação estruturantes,
que possam servir de orientação para ações concretas dos
setores afetos diante das vulnerabilidades e potenciais
impactos identificados.
(destaques negritados e sublinhados)
Isto significa que, certamente, haverá limites no contexto do presente trabalho em
tela, que deve chegar apenas a diretrizes, insumos e recomendações gerais, sem
que diagnósticos e maiores detalhes sobre adequações institucionais e legais do
SINGREH e de alguns SEGREHs venham a ser formulados. Ou seja, tal como já
mencionado, “caberá então desenvolver uma proposta mais detalhada para as
adequações possíveis e necessárias do SINGREH e de alguns SEGREHs,
eventualmente no contexto de um programa a ser empreendido pelo próprio Plano
Nacional de Adaptação a Mudanças Climáticas”.
Assim, como recomendações metodológicas gerais antecipadas a respeito de um
Planejamento Institucional Estratégico, deverão ser respondidas ou revisadas
respostas existentes para as seguintes perguntas:
- Quais as diretrizes gerais em pauta e quais as diretrizes específicas,
advindas dos mencionados diagnósticos – hídricos, ambientais,
socioeconômicos e politico-institucionais – que devem instruir as possíveis e
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necessárias adequações do SINGREH e de alguns dos SEGREHs, tendo
em vista uma adaptação a mudanças climáticas?
- No contexto geral do Brasil e, também, das regiões que serão abordadas,
qual será a missão principal de modelos de Governança na gestão de
recursos hídricos, considerando o objetivo de adaptação a cenários de
mudanças climáticas?
- Segundo cada perfil regional, quais são as inserções institucionais e quem
são os seus principais interlocutores e “clientes” – internos e externos ao
aparelho dos estados federativos e da União, em certos casos, também
considerando o contexto de municípios regionalmente relevantes?
- Para o cumprimento da missão principal estabelecida, quais as funções,
responsabilidades e encargos estruturantes e quais as atividades de apoio
e parcerias transversais demandadas para o sistema de gestão a ser
definido, tendo em vista as demandas advindas dos diagnósticos e de
cenários prospectivos relacionados a mudanças climáticas?
- Postas as diretrizes gerais e específicas, a missão principal de sistemas de
gestão das águas, a inserção institucional, as funções, encargos gerais e
atribuições específicas, além de potenciais parcerias, qual a estrutura
organizacional mais adequada à consecução das funções e atividades
identificadas para a necessária adaptação a mudanças climáticas, dentre
possíveis alternativas?
- A respeito desta estrutura organizacional retraçada – tanto para o SINGREH,
quanto para alguns dos SEGREHs –, quais as instâncias e instituições
componentes e suas respectivas funções, encargos e atribuições próprias,
a serem estabelecidas como uma consistente divisão de trabalho, chegando
a traçados mais específicos no caso de certos SEGREHs que estejam
sujeitos a potenciais mudanças climáticas mais críticas?
- No contexto dos sistemas de gestão das águas que foram retraçados,
considerando a necessária adaptação a mudanças climáticas, quais e como
desenvolver as fundamentais formas de parceria e interação com empresas
______________________________________________________________________________
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e entidades – públicas e privadas – de setores usuários? E com
representantes da sociedade civil?
Tendo estas perguntas recomendadas como procedimentos metodológicos para
um eventual programa a ser desenvolvido, mais a frente, pelo próprio Plano
Nacional de Adaptação a Mudanças Climáticas, percebe-se que para ter respostas
completas e consistentes, demanda-se bem mais tempo de trabalho, a ser
empreendido na sequência das diretrizes, insumos e recomendações gerais que
serão formuladas na sequência deste Relatório 01.
Ademais, algumas das respostas demandam subsídios relacionados aos outros
eixos com estudos em paralelo, abrangendo: os efeitos esperados a partir de
cenários de mudanças climáticas sobre os recursos hídricos (Eixo I); uma
sistemática consistente de dados e informações (Eixo II); formas para aplicação de
instrumentos de gestão das águas (Eixo III); e, diretrizes para interlocução com os
diversos setores usuários (Eixo V).
Em acréscimo, para abordagens próprias a Sistemas Estaduais de Gerenciamento
de Recursos Hídricos (SEGREHs), notadamente no caso daqueles que possam
estar submetidos a alterações mais críticas do clima, recomenda-se que estudos
do Plano Nacional de Adaptações a Mudanças Climáticas acompanhem as ações
e acordos relacionados ao Pacto das Águas, no presente, em pleno processo de
implementação pela ANA, que já conta com 24 convênios celebrados com unidades
federativas.
Mais do que isto, tendo em vista bacias compartilhadas com certos países vizinhos,
a exemplo da própria bacia do Rio Amazonas e do seu importante afluente Rio
Madeira, torna-se indispensável ter acesso a dados e informações
hidrometeorológicas sobre suas nascentes e perfis mais a montante, para que
projeções e diagnósticos relacionados a efeitos advindos de mudanças climáticas
possam ser abordados sob uma base consistente.
1.2. Referência da Metodologia APEX
Como última recomendação de procedimentos metodológicos para avaliação da
Governança na Gestão de Recursos Hídricos, notadamente para a formulação de
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diretrizes e recomendações sobre possíveis e necessárias adequações do
SINGREH e de certos SEGREHs, tendo em vista adaptação a mudanças
climáticas, cabe registrar a Metodologia APEX1, desenvolvida por estudos da
União Européia, a ser vista como uma base conceitual muito consistente para
avaliação de Políticas Públicas.
A aplicação da Metodologia APEX tem como objetivo identificar os espaços nos
quais ocorrem decisões efetivas relacionadas à gestão de recursos hídricos,
ambientais e do desenvolvimento urbano e/ou regional.
Ou seja, tendo em vista os desafios conceituais inerentes ao enfrentamento de
quadros complexos, em que se conjugam problemas relacionados a uma efetiva
gestão integrada entre os recursos hídricos e o meio ambiente e aspectos
decorrentes das dinâmicas socioeconômicas do desenvolvimento urbano e
regional, tornam-se relevantes referências metodológicas recentes, com particular
interesse em estudos conduzidos pela Comunidade Européia, no âmbito do Water
21 Project, que resultaram na denominada Metodologia APEX.
A sigla APEX sintetiza as três etapas de investigação metodológica que dão suporte
à avaliação e definição de Políticas Públicas, podendo ser perfeitamente aplicáveis
no caso do Plano Nacional de Adaptação a Mudanças Climáticas.
O primeiro estágio de investigação busca caracterizar o processo de formulação
das Políticas Públicas que são reais, e não de certos casos que seguem apenas
como ideais e/ou teóricas, fato que se pode anotar como uma das presentes
avaliações do SINGREH, que conta com seus princípios e fundamentos e com uma
formulação genérica consensual do modelo para gestão das águas, todavia, sem
que estejam ocorrendo muitas das respostas esperadas para uma efetiva
Governança sobre a gestão de recursos hídricos.
Sob uma referência mnemônica, este primeiro estágio de investigação trata dos 05
“As”, com investigações que podem ser sintetizadas pelos questionamentos
apresentados a seguir:
Arenas = Onde são tomadas decisões efetivas sobre as Políticas Públicas e
1 Fonte: Correia, Francisco Nunes et al., paper elaborado pelo Water 21 Project.
______________________________________________________________________________
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a Governança para a gestão de recursos hídricos? Quais são os estágios
relevantes nos quais o processo decisório passa a ser efetivamente
empreendido? Quais são os fóruns - formais e informais - nos quais são
concebidas as propostas e feitas as escolhas?
Atores = No caso de sistemas de gestão de recursos hídricos há a devida
identificação e a efetiva presença dos principais atores estratégicos,
relacionados com as tipologias de problemas a serem enfrentados? Quais
instituições e atores individuais jogam papéis importantes em processos
decisórios? Quem é quem no processo de adoção de Políticas Públicas?
Objetivos (Aims) = Quais são os objetivos declarados e não declarados
perseguidos pelos diversos atores em jogo? Em que extensão eles coincidem
e em que extensão eles conflitam?
Ações = Por quais meios e instrumentos as Políticas Públicas são tornadas
como ações efetivas? Quais são os atores fundamentais para que sejam
instituídas e implementadas as ações necessárias? Como um real
enforcement pode ser assegurado?
Avaliação = Quais são os mecanismos para avaliar os resultados de adoção
de Políticas Públicas? Como estes resultados realimentam o processo de
formulação de ações de planejamento e da própria Política Pública? Como
são avaliados e reavaliados os mecanismos, de modo a conferir dinâmica às
Políticas adotadas? Qual o mecanismo de autoaprendizado inserido no
processo de formulação das Políticas Públicas? Quais os principais
indicadores?
O segundo estágio de investigação procura uma caracterização mais aprofundada
dos atores estratégicos em jogo. Novamente com uma referência mnemônica, trata-
se dos 05 “Ps”, com investigações sob os questionamentos que seguem:
Públicos = Qual a população envolvida nos problemas em questão? Como
participam do processo decisório? Qual o papel desempenhado pelos cidadãos
e por organizações não governamentais?
Privados = Qual o papel de negócios privados e como eles participam ou
interferem na formulação de Políticas Públicas? Quais os papéis particulares de
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atores mais estratégicos e relevantes dos diversos setores usuários das águas
na formulação de Políticas Públicas? Como empresas estatais ou de economia-
mista, com elevados interesses particulares, também participam e interferem em
Políticas Públicas?
Profissionais = Quais as principais visões e abordagens sobre questões
relacionadas à Governança na gestão de recursos hídricos, além de aspectos
do meio ambiente e de desenvolvimentos socioeconômicos (urbanos e
regionais), que influenciam os profissionais envolvidos nas atividades
relacionadas a esses temas? Quais são os valores, os objetivos e as atitudes
tomadas por profissionais (planejadores e projetistas) que atuam em planos,
programas e projetos relacionados aos recursos hídricos? Que tipos de
backgrounds e de especialidades profissionais são arregimentados para fazer
frente às questões em tela? Como caracterizar a atuação dos profissionais da
Administração Pública envolvidos, especialmente de órgãos gestores de
recursos hídricos? Qual a sua cultura institucional?
Políticos = Como os atores políticos abordam as questões em pauta? Como
estas questões são inseridas no discurso político? Como as matérias sobre a
gestão das águas e do meio ambiente e do desenvolvimento urbano e regional
são, direta ou indiretamente, abordadas nos programas políticos dos partidos da
situação e da oposição?
Imprensa (Press) = Qual o papel da mídia de massa, em relação ao tema em
tela? Como a imprensa reflete a opinião pública e, mais importante, como
impacta a opinião pública? Como contribui para estabelecer a agenda das
Políticas Públicas?
Por fim, o terceiro e último estágio envolve procedimentos metodológicos adicionais
voltados a analisar a consistência e a Sustentabilidade de Políticas Públicas
relacionadas aos recursos hídricos, ao meio ambiente e ao desenvolvimento
urbano e regional. Essas análises devem ser aplicadas nos três Eixos definidos
como essenciais à Sustentabilidade, a saber: o Ecológico, o Ético e o
Econômico, completando a referência mnemônica com os 03 “Es”, da sigla APEX.
Neste último estágio, dada a complexidade das investigações a serem conduzidas,
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cada vetor da Sustentabilidade deve ser focado em suas dimensões essenciais,
buscando equilíbrio entre cada uma das perspectivas de análise.
Assim, no vetor Ecológico, os questionamentos são dirigidos para a suficiência de
uma abordagem compreensiva dos problemas, que considere as principais
variáveis em questão. Por exemplo, preliminarmente, sabe-se que o Plano Nacional
de Adaptação a Mudanças Climáticas deve ter um de seus focos no trato integrado
de problemas de Governança e de Governabilidade sobre a gestão de recursos
hídricos, também abrangendo aspectos ambientais e de desenvolvimento urbano e
regional, por conseguinte, com eventuais proposições para (re)ordenamento do
território, que devem considerar as atuais dinâmicas socioeconômicas.
No que concerne ao vetor Ético, a preocupação essencial está na estruturação de
arranjos institucionais – a exemplo do próprio SINGREH e de SEGREHs – que
possibilitem a inserção equitativa dos diferentes interesses em questão, sejam
aqueles de entidades públicas, de objetivos próprios a atores privados ou, com
particular atenção, das populações envolvidas, em muitos casos, regidas por
modelos informais, não institucionalizados. Ou seja, este vetor deve tratar de
modelos de gestão, desenhados sob uma perspectiva de equidade social.
Já no vetor Econômico, cabe a valoração dos benefícios e custos envolvidos – a
economia política de programas e projetos –, em uma perspectiva de análise que
não esteja limitada aos fluxos financeiros diretos, mas que incorpore aspectos
sociais mais amplos, por intermédio de metodologias capazes de aferir efeitos
distributivos e valores monetários não tangíveis.
Com os três eixos da Sustentabilidade já descritos, torna-se muito importante
sublinhar que não devem ser vistos e abordados isoladamente, ou seja, caso um
deles não esteja presente, pode-se questionar a consistência de uma
Sustentabilidade. Mais propriamente ao tema do presente trabalho, voltado à
Governança das águas, isto significa que arranjos institucionais serão consistentes
e sustentáveis se – e somente se – forem articulados ao conjunto dos interesses
econômicos relacionados aos processos sociais de apropriação dos recursos
hídricos e ambientais.
Dizendo de outra forma, o conjunto dos interesses econômicos relacionados, direta
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ou indiretamente, aos processos sociais de apropriação de recursos hídricos e
ambientais, deve ser valorado e equanimemente distribuído, no contexto de um
arranjo institucional que compartilhe responsabilidades e possibilite a ancoragem
da gestão sobre tal conjunto de interesses socialmente identificados.
Assim, contando com tal concepção sofisticada e consistente, entende-se que será
possível depreender importantes aprendizados via Metodologia APEX.
Primeiramente, prevendo que intervenções na modalidade pretendida pelo Plano
Nacional em tela devem considerar abordagens diferenciadas entre as distintas
regiões do Brasil, com seus respectivos biomas e ecossistemas, infraestruturas
construídas e dinâmicas regionais de outra ordem, o que implica na identificação
de núcleos de problemas – os já mencionados problem-sheds –, com desafios
específicos para os sistemas de gestão e, por consequência, com arranjos
institucionais que respondam a tais naturezas diferenciadas de problemas.
Por fim, como outro aprendizado via Metodologia APEX, cabe reconhecer que o
Estado não detém poderes onipresentes que lhe permitam garantir a qualidade
ambiental e dos recursos hídricos, somente com base nos instrumentos tradicionais
de Comando & Controle (legislação e poder de fiscalização). Na perspectiva de
planos, programas e projetos voltados a um desenvolvimento sustentável, inclusive
em decorrência da necessidade de adaptação a mudanças climáticas previstas,
revela-se como fundamental adotar arranjos institucionais com responsabilidades
compartilhadas entre o Estado e a sociedade civil, que englobe sistemas
articulados e complementares.
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2. Abordagens Regionais, com Diagnósticos e Diretrizes Gerais
Seguindo à frente, de acordo com os conceitos e com certos passos dos
procedimentos metodológicos apresentados, agora entram em pauta as devidas
abordagens regionais, chegando a diagnósticos bem resumidos e a formulações
de diretrizes gerais, não considerando somente possíveis mudanças climáticas,
mas também, tendo como objetivo geral propor adequações para novos e seguidos
avanços do SINGREH e de certos SEGREHs, vigentes no Brasil.
2.1. Justificativas sobre a Necessidade de Diferentes Abordagens Regionais
Dentre os fundamentos, objetivos e diretrizes gerais que constam na Lei Nacional
nº 9.433, editada em 08 de janeiro de 1997, cabe destacar os seguintes tópicos
(negritados ou negritados e sublinhados), tendo em vista questões relacionadas
à adaptação a mudanças climáticas:
Art. 1º - A Política Nacional de Recursos Hídricos baseia-se
nos seguintes fundamentos:
I - a água é um bem de domínio público;
II - a água é um recurso natural limitado, dotado de valor
econômico;
III - em situações de escassez, o uso prioritário dos recursos
hídricos é o consumo humano e a dessedentação de animais;
IV - a gestão dos recursos hídricos deve sempre
proporcionar o uso múltiplo das águas;
V - a bacia hidrográfica é a unidade territorial para
implementação da Política Nacional de Recursos Hídricos e
atuação do Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos
Hídricos;
VI - a gestão dos recursos hídricos deve ser
descentralizada e contar com a participação do Poder
Público, dos usuários e das comunidades.
Art. 2º São objetivos da Política Nacional de Recursos
Hídricos:
I. assegurar à atual e futuras gerações a necessária
disponibilidade de água, padrões de qualidade adequados
______________________________________________________________________________
15
aos respectivos usos;
II. a utilização racional e integrada dos recursos hídricos,
incluindo o transporte aquaviário, com vistas ao
desenvolvimento sustentável;
III. a prevenção e a defesa contra eventos hidrológicos
críticos de origem natural ou decorrentes do uso inadequado
dos recursos naturais.
Art. 3º Constituem diretrizes gerais de ação para
implementação da Política Nacional de Recursos Hídricos:
I - a gestão sistemática dos recursos hídricos, sem
dissociação dos aspectos de quantidade e qualidade;
II - a adequação da gestão de recursos hídricos às
diversidades físicas, bióticas, demográficas,
econômicas, sociais e culturais das diversas regiões do
País;
III - a integração da gestão de recursos hídricos com a
gestão ambiental;
IV - a articulação do planejamento de recursos hídricos
com o dos setores usuários e com os planejamentos
regional, estadual e nacional;
V - a articulação da gestão de recursos hídricos com a do
uso do solo;
VI - a integração da gestão das bacias hidrográficas com a
dos sistemas estuarinos e zonas costeiras.
Art. 4º A União articular-se-á com os Estados tendo em
vista o gerenciamento dos recursos hídricos de interesse
comum.
(negritados ou negritados e sublinhados pela consultoria)
Em relação ao Art. 1º e seus incisos II e III, as previsões da água como um recurso
natural limitado e possíveis situações de escassez já incentivam abordagens de
potenciais problemas relacionados a mudanças climáticas.
No inciso IV, ao tratar do uso múltiplo das águas, cabe destacar o Eixo V dos
estudos da Rede Água, com vistas à indispensável interação com os diferentes
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setores usuários de recursos hídricos.
O inciso V do Art. 1º estabelece que a bacia hidrográfica é a unidade territorial
para implementação da Política Nacional de Recursos Hídricos e atuação do
Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos.
Contudo, como uma das diretrizes gerais, o inciso II do Art. 3º registra a necessária
adequação da gestão de recursos hídricos às diversidades físicas, bióticas,
demográficas, econômicas, sociais e culturais das diversas regiões do País.
Em termos práticos, sem restrições ao fundamento estabelecido pelo inciso V do
Art. 1º, esta “adequação” significa que, face à extensa dimensão do Brasil (com
cerca de 8,5 milhões de km2) e distintas características regionais, torna-se
importante questionar se o modelo institucional estabelecido para o SINGREH está
sob uma tendência uniforme ou com modelos ajustados de acordo com o perfil
de cada região, inclusive em decorrência de distintos cenários previstos para
mudanças climáticas.
Neste sentido, o que poderá tornar o SINGREH e certos SEGREHs mais
consistentes em favor da gestão das águas será a definição de unidades
territoriais estratégicas para planejamento e gestão, na maioria dos casos
presentes, vistas apenas como certas bacias hidrográficas, as quais, geralmente,
não coincidem com os recortes administrativos municipais e estaduais, o que
dificulta o entrosamento entre as diferentes esferas de competência e de domínio
sobre as águas. Mais do que isto, deve-se perguntar: qual a escala de bacia que
deve ser abordada?
Seguindo a respeito deste tema, também cumpre questionar sobre quais os
conceitos e metodologias aplicadas no Brasil, para definir Unidades Territoriais
Estratégias de Gestão (UTEGs). Sob este questionamento, as abordagens
limitam-se apenas a leituras de bacias hidrográficas, neste caso, tal como já
questionado, em qual escala? Ou chegam a aplicar conceitos mais avançados,
como o de “geometria variável”, mediante o qual são sobrepostas diferentes
leituras territoriais (biomas e sistemas ecológicos, perfis climáticos distintos,
dinâmicas socioeconômicas regionais, divisão entre estados, infraestruturas
setoriais instaladas, redes de cidades, problem-sheds, etc.)?
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Isto significa que, no eixo de conhecimento caberá definir áreas de risco,
especialmente associadas a perfis de mudanças climáticas, com focos próprios de
gestão adequados ao planejamento e à intervenção nestas áreas.
Além disso, em relação aos SEGREHs verifica-se, comparativamente, que não há
um avanço similar, por vezes, com diferenças muito significativas quanto à
implementação de modelos de gestão das águas, mesmo em bacias hidrográficas
compartilhadas.
2.2. Metodologia para a Sobreposição de Diferentes Leituras Territoriais
Voltando à Lei Nacional nº 9.433/1997, com uma leitura conjunta dos incisos III, IV
e V do Art. 3º (sequentes ao inc. II, já abordado com destaque), reitera-se a
necessidade de sobreposição de diferentes leituras territoriais, tendo como
diretrizes a integração da gestão de recursos hídricos com a gestão ambiental,
a articulação do planejamento de recursos hídricos com o dos setores
usuários e com os planejamentos regional, estadual e nacional e, também, a
articulação da gestão de recursos hídricos com a do uso do solo.
Portanto, entra em pauta a chamada Metodologia de “Geometria Variável”, para a
sobreposição de diferentes leituras e para a definição de Unidades Territoriais
Estratégicas de Gestão (UTEGs), segundo diferentes naturezas de problemas e
do perfil de mudanças climáticas previstas.
Em consonância a conceitos já apresentados, isto significa que, de fato, deve ser
conferida uma transversalidade à temática dos recursos hídricos, frente às políticas
de desenvolvimento regional e de meio ambiente, ambas vistas como variáveis
supervenientes e, igualmente, às políticas dos diferentes setores usuários das
águas, vistas como variáveis intervenientes.
Em termos práticos, percebe-se que a leitura territorial não deve basear-se apenas
no traçado das bacias hidrográficas, a serem vistas e consideradas pelas variáveis
supervenientes e pelas intervenientes. Ao contrário, para que haja um mútuo
entendimento entre as diferentes políticas relacionadas com as águas, uma gestão
integrada dos recursos hídricos (GIRH) deve considerar outras abordagens e
leituras territoriais, de acordo com a lógica própria a cada segmento.
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Colocando como pergunta, será que apenas os demais segmentos devem
considerar a abordagem de bacias hidrográficas, ou também a GIRH deve entender
como cada setor usuário e as políticas de desenvolvimento regional e do meio
ambiente fazem suas abordagens territoriais?
Ou seja, não obstante a bacia hidrográfica ser a unidade de planejamento e gestão
de recursos hídricos, a abordagem e estudos dos diferentes setores usuários das
águas deve sobrepor outros recortes territoriais, uma vez que, por exemplo, a
dinâmica econômica não é determinada pelo perfil do relevo do território e pela lei
da gravidade. Mais do que isto, as perspectivas de mudanças climáticas não são
determinadas sobre territórios de bacias hidrográficas, mas sim, segundo diferentes
aspectos regionais, bem mais complexos.
Neste sentido, tornam-se indispensáveis leituras territoriais estratégicas, sob o
conceito inovador da “Geometria Variável”. Para tanto, recomenda-se que a Matriz
2.1, disposta na sequência, seja utilizada para organizar estas diferentes leituras
territoriais, com escalas distintas e conjuntos de variáveis a serem abordadas.
Dentre as escalas regionais, para o traçado de ações e intervenções voltadas a
adaptações a mudanças climáticas, por certo deve ser vista a inserção
macrorregional do Brasil, o conjunto de seu território, com distintos biomas e suas
regiões hidrográficas, até chegar à divisão entre as unidades federativas e bacias
de rios afluentes, além de menores escalas, relacionadas a UTEGs e áreas-
problemas, a exemplo de certas regiões metropolitanas, onde elevadas
concentrações populacionais e de atividades urbano-industriais deverão ser objeto
de abordagens do Plano em pauta.
Quanto aos conjuntos de variáveis a serem analisadas, podem ser ordenados
segundo a base natural e a infraestrutura construída, os perfis das atividades de
produção e de consumo, além de diferentes formas de organização, formal e
informal, da sociedade.
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Matriz 2.1 – Ordenamento de Diferentes Leituras Territoriais a serem Abordadas
PERSPECTIVAS
ESPACIAIS DE
ANÁLISE
BASE FÍSICA ATIVIDADES ORGANIZAÇÃO DA
SOCIEDADE
Natural Construída Produção Consumo Formal Informal
Inserção
Macrorregional
do País
Dimensão Global
do Brasil
Biomas
Macrorregionais
Regiões
Hidrográficas
Divisas entre os
Estados da
Federação
Bacias
Hidrográficas
(rios principais e
afluentes )
Abordagem de
UTEGs e de
áreas-problema.
De forma resumida, nas diferentes escalas espaciais, devem ser efetuadas as
seguintes leituras territoriais:
- de biomas e ecossistemas, notadamente aqueles com elevada
vulnerabilidade ambiental e com potenciais problemas advindos de
mudanças do clima, cuja abrangência regional, no mais das vezes, não
coincide com os limites de bacias hidrográficas;
- em relação a diagnósticos e cenários prospectivos de desenvolvimento, as
áreas identificadas como críticas, em termos de balanços hídricos e de
qualidade das águas, além do potencial comprometimento ambiental,
notadamente devido a mudanças climáticas;
- rede de cidades, com sua hierarquia e articulações socioeconômicas;
______________________________________________________________________________
20
- as regras operacionais de usinas hidroelétricas, notadamente em sistemas
interligados por linhas de transmissão, cuja reservação ou liberação de
vazões não é estabelecida apenas no contexto de cada bacia hidrográfica,
mas sim em decorrência do cenário presente e de perspectivas de todo o
conjunto do sistema de geração de energia – ou seja, mediante uma
“geometria variável”;
- a infraestrutura intermodal de transporte, envolvendo hidrovias, que não
devem ser vistas isoladamente, mas articuladas devidamente com os
demais meios de transporte;
- infraestruturas de serviços instalados, a exemplo de sistemas de distribuição
de água, cuja dimensão pode extrapolar as áreas de bacias, notadamente
na região do semiáridos, sujeita a escassez hídrica, que demandam
reservatórios, canais e adutoras para transporte de água a longa distância e
redes de distribuição, por vezes, com transposição de águas entre bacias –
portanto, com geometria distinta;
- no que concerne ao desenvolvimento regional, as áreas ocupadas e as
fronteiras de expansão de atividades do agronegócio, da produção industrial,
dos pontos de exploração mineral, dentre outras atividades econômicas e de
serviços; e,
- por fim, em termos institucionais, as divisas entre estados, municípios e as
áreas delimitadas para atuação de instâncias coletivas, como os comitês de
bacias, além de ONGs e de perfis de cultura da sociedade.
2.1.1. Referências a Considerar
Como referências a considerar, torna-se importante lembrar uma abordagem
similar, já empreendida pela Agência Nacional de Águas (ANA), intitulada como
Mapa de Gestão, apresentado a seguir:
______________________________________________________________________________
21
Figura 2.1 – Mapa de Ações de Gestão por Bacias Hidrográficas
Fonte: Mapa de Ações de Gestão por Bacias Hidrográficas – ANA (2006).
A propósito deste Mapa de Gestão, que já foi aprovado pelo Conselho Nacional de
Recursos Hídricos (CNRH), a publicação GEO Brasil – Recursos Hídricos2
apresenta um resumo em seu Capítulo II, Item II.2.3 – Bases Territoriais para o
Planejamento e para a Gestão dos Recursos Hídricos, em parte transcrito a seguir:
[...] estudos recentes da ANA chamam a atenção para o
traçado de bases territoriais requeridas para a gestão
integrada dos recursos hídricos (GIRH), nos quais são
2 Fonte: GEO Brasil - Recursos Hídricos (PNUMA e ANA, 2007).
A = Monitoramento e Planej. Estratégico
B = (A) + Outorga e Organismos de bacias
C = (B) + Fiscalização
D = (C) + Comitê, Plano de Bacia, Agência e Cobrança
Abrangência Estadual
______________________________________________________________________________
22
ponderados múltiplos fatores – hidrológicos, ambientais,
socioeconômicos e político-institucionais –, para delimitar
unidades geográficas e explicitar possíveis prioridades para a
gradativa e continuada implantação do SINGREH, em
convergência com os “recortes” espaciais adotados pelos
estados, sob a ótica de que não se justifica a adoção de
alternativas institucionais uniformes, para todo o território
nacional.
Assim, a metodologia proposta pela ANA, de modo bastante
flexível, permite que os “recortes” espaciais sejam ajustados
a diferentes ponderações dos fatores que interferem na
definição de unidades territoriais de gestão, o que
naturalmente repercute, de modo complementar, nas ênfases
adotadas para a implementação dos instrumentos de
gerenciamento dos recursos hídricos.
A matriz apresentada [na sequência] contém a sistematização
de tipologias, tal como proposta pela ANA, com os modelos
institucionais de complexidade crescente, segundo a
gravidade e prioridade dos problemas (Classes de “A” a “D”)
e os respectivos instrumentos de gestão a serem aplicados.
Ao fim e ao cabo, quando tais avanços forem
consubstanciados, o traçado resultante constituirá o “Mapa
de Gestão” dos recursos hídricos no Brasil, por vezes com a
sobreposição entre unidades espaciais (menores) com
ênfase em problemas locais e outras (mais abrangentes, até
o limite das doze regiões hidrográficas nacionais) nas quais
devem ser convergidas e coordenadas políticas públicas que
afetam os recursos hídricos.
Matriz 2.2 – Proposta de Tipologia para Sistemas Institucionais e para Instrumentos
de Gestão, Segundo Escalas Crescentes de Gravidade e Complexidade de
Problemas
______________________________________________________________________________
23
Classes
para
Gestão
Sistema de Gestão Instrumentos e Mecanismos de Gestão de
Recursos Hídricos
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CLASSE A
CLASSE B
CLASSE C
CLASSE D
Fonte: Mapa de Ações de Gestão por Bacias Hidrográficas – ANA (2006).
A respeito deste Mapa de Gestão, por óbvio que não deve ser definido como uma
determinação unilateral da ANA, a respeito de arranjos institucionais e da forma de
aplicação dos instrumentos de gestão que devem ser instalados em cada bacia ou
região hidrográfica. Ao contrário, à época sua leitura procurou caracterizar uma
avaliação institucional sobre as prioridades que deveriam ser observadas e a
consistência das soluções a serem empregadas nas diferentes bacias e regiões,
sem prejuízo ou limitação prévia às iniciativas locais que podem, perfeitamente e
de modo legítimo, avançar em relação às alternativas inicialmente identificadas.
No presente, mesmo contando com elevados méritos dessa iniciativa, entende-se
que o Mapa de Gestão deve ser atualizado, inclusive em decorrência de
demandas para identificar adaptação a mudanças climáticas, que passaram a
entrar em pauta mais recentemente.
Neste sentido, duas outras referências devem ser consideradas. Primeiramente, a
tese de doutorado da Arquiteta Ana Carolina Coelho Maran, no presente ausente
da ANA, pautada por pesquisas em metodologias que se encontram adotadas por
______________________________________________________________________________
24
diversos países – como os Estados Unidos, França, Portugal, Espanha e
Alemanha. Nesta tese, houve avanços na abordagem inicialmente desenvolvida
pela ANA, mediante o acréscimo de mapas para as leituras territoriais e a inclusão
de fatores de ponderação que considerem a natureza dos problemas a enfrentar
em cada Unidade Territorial Estratégica de Gestão (UTEG).
Como outra referência, recomenda-se o Plano Estadual de Recursos Hídricos de
Minas Gerais, em cujo contexto foram traçadas UTEGs, inclusive com a
recomendação de critérios distintos para a emissão de outorgas para direitos de
uso da água. Neste caso, o território mineiro foi lido mediante a sobreposição de
cerca de 12 mapas (balanços hídricos quantitativos, problemas de qualidade das
águas, núcleos de vulnerabilidade do meio ambiente, rede de cidades,
infraestrutura hidroelétrica e de transporte, núcleos de produção industrial, mineral
e da agropecuária, com suas respectivas demandas sobre recursos hídricos, além
da fatores de organização institucional e social).
Os mapas puderam ser sobrepostos e relidos com base em microbacias
hidrográficas, a maioria na 8ª escala, onde foram distribuídos dados e informações
disponíveis. Ademais, também foram consideradas abordagens estratégicas
desenvolvidas pelo Plano Mineiro de Desenvolvimento Integrado (PMDI) e pelo
Zoneamento Ecológico – Econômico de Minas Gerais (ZEE/MG).
Com isto posto, agora seguem insumos para diferentes leituras territoriais, voltadas
ao Plano Nacional de Adaptação a Mudanças Climáticas.
2.3. Abordagem de Biomas Continentais Brasileiros
Como primeiro mapeamento importante para adaptação a mudanças do clima,
devem ser considerados os principais biomas do País, tal como traçados e
resumidamente descritos na sequência.
Segundo abordagens do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em
parceria com o Ministério do Meio Ambiente (MMA), em 2004 foi publicado um
mapa com os seis biomas continentais brasileiros.
Figura 2.2 – Mapa dos Biomas Continentais Brasileiros
______________________________________________________________________________
25
Fonte: IBGE (2004).
Observando-se o Mapa da Figura 2.2, assim como o Quadro 2.1, a seguir, é
possível verificar que o bioma continental com maior extensão é o da Amazônia,
com quase 50% do território nacional, com o Pantanal sendo o menor. Bem
importante em sua extensão é o do Cerrado, cujo interesse é elevado quando são
projetados cenários para o desenvolvimento do moderno agronegócio brasileiro.
______________________________________________________________________________
26
Quadro 2.1 – Áreas dos Biomas Continentais Brasileiros
Biomas Continentais Brasileiros Área Aproximada
(km2)
Área / Área Total do Brasil
Bioma Amazônia 4.196.943 49,29 %
Bioma Cerrado 2.036.448 23,92 %
Bioma Mata Atlântica 1.110.182 13,04 %
Bioma Caatinga 844.453 9,92 %
Bioma Pampa 176.496 2,07 %
Bioma Pantanal 150.355 1,76 %
Bioma Brasil 8.514.877 100,00%
Fonte: IBGE/MMA (2004).
No sentido de adaptações a mudanças climáticas, cumpre ressaltar que mapas de
biomas e da vegetação do Brasil são de grande utilidade para análises de cenários
e tendências em diferentes regiões, servindo, assim, de referência para a adoção
ou adequação de políticas públicas diferenciadas, com destaques para o SINGREH
e certos SEGREHs, sempre com as devidas consultas aos múltiplos setores
usuários das águas e aos representantes da sociedade civil.
A respeito de biomas, o físico Fritjof Capra, falando num evento organizado pela
Itaipu Binacional, afirmou que não se pode promover um desenvolvimento
sustentável senão adaptado a cada bioma, o qual é definido como um conjunto de
vida vegetal e animal, “constituído pelo agrupamento de tipos de vegetação
contíguos e identificáveis em escala regional, com condições geoclimáticas
similares e história compartilhada de mudanças, o que resulta em uma diversidade
biológica própria” (IBGE, 2004, com palavras sublinhadas pelo presente
documento).
Seguem agora, breves descrições dos perfis dos seis biomas continentais,
identificados pelo Mapa do IBGE (Figura 2.2) 3.
3 Fontes: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e site do Ministério do Meio Ambiente
(MMA) - http://www.mma.gov.br/biomas, com abordagens dos seis biomas.
______________________________________________________________________________
27
a) Amazônia4
A Amazônia é quase mítica: um verde e vasto mundo de águas e florestas, onde as
copas de árvores imensas escondem o úmido nascimento, reprodução e morte de
mais de um terço das espécies que vivem sobre a Terra.
Os números são igualmente monumentais. A Amazônia é o maior bioma do Brasil:
num território de 4.196.943 milhões de km2 (IBGE, 2004), crescem 2.500 espécies
de árvores (ou um terço de toda a madeira tropical do mundo) e 30 mil espécies de
plantas (das 100 mil da América do Sul).
A bacia amazônica é a maior bacia hidrográfica do mundo: cobre cerca de 6 milhões
de km2 e tem 1.100 afluentes. Seu principal rio, o Amazonas, corta a região para
desaguar no Oceano Atlântico, lançando ao mar cerca de 175 mil m3 de água a
cada segundo.
As estimativas situam a região como a maior reserva de madeira tropical do mundo.
Seus recursos naturais – que, além da madeira, incluem enormes estoques de
borracha, castanha, peixe e minérios, por exemplo – representam uma abundante
fonte de riqueza natural. A região abriga também grande riqueza cultural, incluindo
o conhecimento tradicional sobre os usos e a forma de explorar esses recursos
naturais sem esgotá-los nem destruir o habitat natural.
Porém, cabe ressaltar que toda essa grandeza não esconde a fragilidade do
ecossistema local, fato que destaca este bioma para fins de adaptação a mudanças
climáticas. A floresta vive a partir de seu próprio material orgânico, e seu delicado
equilíbrio é extremamente sensível a quaisquer interferências, notadamente em
casos que têm ocorrido nos últimos anos, decorrentes das frentes de expansão do
agronegócio brasileiro (produção agrícola e pecuária).
Enfim, os possíveis danos causados por ações antrópicas são muitas vezes
irreversíveis neste bioma. Ademais, a riqueza natural da Amazônia se contrapõe
dramaticamente aos baixos índices sociais da região, de baixa densidade
demográfica e crescente urbanização. Desta forma, o uso dos recursos florestais é
estratégico para o desenvolvimento da região.
4 Fontes: Idem anterior.
______________________________________________________________________________
28
b) Cerrado
O Cerrado predomina em grande parte do território brasileiro, distribuindo-se quase
que integralmente pelos Estados de Tocantins e de Goiás, além do Distrito Federal,
e por parte do Mato Grosso (leste e sudeste), Mato Grosso do Sul (centro-leste e
nordeste), Maranhão (centro-sul), Piauí (extremo sudoeste), Minas Gerais (centro-
oeste) e Bahia (extremo oeste). Estas unidades federativas formam o chamado
Planalto Central Brasileiro (ver Figura 2.3).
Figura 2.3 – Área Ocupada pelo Cerrado no Brasil e nas Unidades da Federação
Fonte: IBGE (1993), citado em Conservação Internacional (2004).
Entre os rios formadores de grandes bacias hidrográficas brasileiras que nascem
no Cerrado, destaca-se o São Francisco. Como formadores do Rio São Francisco
no Cerrado estão o Urucuia e o Paracatu, na margem esquerda, e o Rio das Velhas,
na margem direita, os quais, junto com o Paraopeba, são os principais formadores
do seu alto curso.
Apesar do Cerrado contar com uma grande quantidade de água superficial, boa
parte deve ser reconhecida como advinda de camadas mais profundas do solo
(aquíferos), onde se encontram as maiores reservas de água desse bioma.
______________________________________________________________________________
29
No presente, mesmo com o Cerrado Brasileiro ainda sendo reconhecido como uma
das savanas mais ricas do mundo em biodiversidade, já se encontra sob uma forte
pressão, provocada pela expansão da pecuária e de atividades econômicas do
agronegócio, notadamente com novas frentes para plantio de soja, que teve fortes
expansões a partir da década de 1960. Nesta data, cabe lembrar que foi implantada
a nova capital federal – Brasília –, acompanhada com abertura de novas redes de
rodovias.
A propósito, vale lembrar que, de 1975 até início dos anos 1980, foram lançados
vários programas governamentais visando o desenvolvimento do Cerrado,
recorrendo aos mecanismos de subsídios para estimular o estabelecimento de
fazendas e melhorias tecnológicas para a agricultura, o que resultou no aumento
significativo da produção agropecuária da região. Neste contexto, grandes
extensões do Cerrado também são usadas para reflorestamento, destinado à
produção de polpa de celulose para a indústria de papel.
Segundo avaliações do IBAMA, já em 2008, cerca de 67% da área do Cerrado
encontrava-se altamente modificada, notadamente em decorrência da expansão de
atividades relacionadas ao agronegócio brasileiro.
Hoje o Cerrado já é responsável por 55% da produção de carne bovina no País.
Ademais, neste bioma localizam-se 14 milhões de hectares de culturas anuais e
3,5 milhões de hectares de cultura perenes. Essa produção tende a aumentar com
o uso de fertilizantes e, também, de muitos sistemas irrigados, para suprir a
necessidade de água na superfície cultivada, fato que demanda avaliações de
impactos ambientais sobre a região e potenciais mudanças climáticas decorrentes
deste novo perfil socioeconômico.
c) Mata Atlântica
A riqueza da biodiversidade dos ecossistemas do bioma Mata Atlântica, sua beleza
natural e seu valor universal para a humanidade fizeram com que as áreas
remanescentes fossem declaradas Reserva da Biosfera pela UNESCO, em 1992,
e inscritas como Patrimônio Mundial da Humanidade, em 1999.
Esse bioma distribui-se por mais de 17 estados brasileiros. De forma mais
marcante, compreende a região costeira, por vezes, expandindo parte de suas
______________________________________________________________________________
30
fronteiras para o interior, em extensões variadas. Atualmente, cabe destacar que a
maioria da área litorânea coberta pela Mata Atlântica é ocupada por grandes
cidades. Porém, apesar da devastação acentuada, ainda contem uma parcela
significativa da diversidade biológica do Brasil.
Da sua cobertura original de 1,3 milhões de km², representando 15% do território
brasileiro, hoje restam somente cerca de 6%, especialmente em certas porções dos
litorais dos estados de São Paulo, Rio de Janeiro e do Paraná, além de uma
pequena parte no sul da Bahia. Há contradições quanto a este número, mas ainda
é o mais aceito entre os pesquisadores.
A Mata Atlântica é um bioma caracterizado pela elevada precipitação pluviométrica,
em virtude das chuvas de encostas provocadas pelo relevo montanhoso. As
florestas desse bioma são essenciais para a manutenção dos processos
hidrológicos que asseguram a qualidade e a quantidade das águas, portanto, torna-
se necessário considerar impactos advindos de possíveis desmatamentos, que
trarão evidentes repercussões sobre mudanças climáticas, por conseguinte, com
diminuições regionais das disponibilidades hídricas. Ou seja, a supressão da
vegetação deve provocar o assoreamento de rios e, por vezes, o desaparecimento
de mananciais, muito relevantes para grandes cidades e certas regiões
metropolitanas.
Por fim, ainda a respeito deste bioma da Mata Atlântica, cabe anotar que, em parte
de suas encostas, desenvolve-se uma agricultura voltada à produção local de
certos gêneros alimentícios, como vegetais e fruticulturas.
d) Caatinga
A Caatinga é o principal bioma da Região Nordeste. Abrange parte dos estados do
Maranhão e do Piauí, além do Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba, Pernambuco,
Sergipe, Alagoas e Bahia, chegando até ao norte de Minas Gerais e estendendo-
se por área sob o domínio do clima semiárido, com uma vegetação que se distribui
de forma irregular, contrastando áreas semelhantes a florestas com outras de solo
quase descoberto. Entretanto, aqui e ali surgem ilhas de umidade – os chamados
brejos –, normalmente próximos às serras, onde a abundância de chuvas é maior.
No caso de Minas Gerais, esse bioma ocupa apenas uma pequena área ao norte,
______________________________________________________________________________
31
porém, contando com certas cidades importantes, como a de Montes Claros, cuja
população residente já supera 385 mil moradores (estimativa de 2013).
Revendo o Mapa dos Biomas Continentais Brasileiros (Figura 2.2), percebe-se
que se trata de um bioma situado entre a Mata Atlântica, bem mais estreita a leste,
e o trecho centro-norte do Cerrado. Tal como já mencionado, a Caatinga se estende
pelo domínio do semiárido brasileiro, caracterizado pela presença de solos rasos,
embora férteis em certas porções territoriais, porém, sempre com elevados índices
de evaporação e baixos níveis anuais de chuvas, além de prolongados períodos de
estiagem, sempre com índices pluviométricos bastante irregulares.
Neste sentido, tendo em vista possíveis mudanças climáticas, por certo que este
bioma deve ser uma das prioridades do Plano Nacional em pauta. De fato, mesmo
considerando a existência de certas porções de solos férteis, seu maior problema
é o regime escasso e incerto de chuvas, onde a maioria dos rios seca no verão,
pois a área esta sujeita a períodos de estiagem que tendem a durar sete meses,
podendo chegar a cobrir períodos anuais e, até, plurianuais. Enfim, sabe-se que a
maioria de seus rios nasce nas bordas das chapadas, percorrendo depressões
entre planaltos quentes e secos, até o mar ou desaguando na bacia do rio São
Francisco.
A respeito desta relevante bacia, pode-se estabelecer uma diferença entre a
Caatinga mineira e a restante do país, pois seus afluentes em Minas Gerais são
grandes rios perenes, a exemplo do Carinhanha, Jequitai e Verde Grande. A partir
do trecho médio do rio São Francisco, muitos dos afluentes situados no polígono
das secas são intermitentes, alternando períodos em que seus leitos estão secos
e outros em que se transformam em torrentes provocadas pelas chuvas.
Por fim, no que tange à dinâmica produtiva regional, o potencial da Caatinga é
formado em certas áreas, onde ocorre a presença de solos férteis e de um relevo
mais plano, nas quais vêm ocorrendo mais um fator de conflito pelo uso da água,
tanto pela demanda provocada pela expansão de agricultura irrigada, quanto pela
formação e manutenção de pastagens para uma pecuária, com ambas
aprofundando demandas por recursos hídricos.
A par disso, há que levar em conta certas concentrações urbanas, que tendem a se
______________________________________________________________________________
32
expandir em função de um desenvolvimento regional em curso, que também geram
demandas para consumo humano e lançamento de esgotos não tratados.
Abordagens adicionais a respeito serão feitas no contexto da região do Nordeste e
do Semiárido brasileiro, mais a frente.
e) Pampa
O bioma do Pampa está restrito ao estado do Rio Grande do Sul, onde ocupa uma
área de 176.496 km² (IBGE, 2004). Isto corresponde a 63% do território estadual e
a 2,07% do território brasileiro. As paisagens naturais do Pampa são variadas, de
serras a planícies, de morros rupestres a coxilhas. O bioma exibe um elevado
patrimônio cultural associado à biodiversidade. As paisagens naturais do Pampa se
caracterizam pelo predomínio dos campos nativos, mas também com a presença
de matas ciliares, de encostas e de pau-ferro, além de formações arbustivas,
butiazais, banhados e afloramentos rochosos, dentre outras. A respeito de aspectos
hidrogeológicos, a maior parte do aquífero Guarani fica no Pampa.
Por ser um conjunto de ecossistemas muito antigos, o Pampa apresenta floras e
faunas próprias e grande biodiversidade, ainda não completamente descrita pela
ciência. Estimativas indicam valores em torno de 3.000 espécies de plantas, com
notável diversidade de gramíneas, que somam mais de 450 espécies. Nas áreas
de campos naturais, também se destacam as espécies compostas e de
leguminosas, que juntas somam 150 espécies. Por fim, nas áreas de afloramentos
rochosos podem ser encontradas muitas espécies de cactáceas.
A fauna é expressiva, com quase 500 espécies de aves. Também se verifica a
existência de mais de 100 espécies de mamíferos terrestres. Ademais, o Pampa
abriga um ecossistema muito rico, com muitas espécies endêmicas e algumas
ameaçadas de extinção.
Desde a colonização ibérica, a pecuária extensiva sobre os campos nativos vinha
sendo a principal atividade econômica da região. Além de promover resultados
econômicos importantes, proporcionava a conservação dos campos e ensejava o
desenvolvimento de uma cultura mestiça singular, de caráter transnacional
representada pela figura do gaúcho.
______________________________________________________________________________
33
Contudo, a progressiva introdução e expansão das monoculturas e das pastagens
com espécies exóticas, no presente, têm levado a uma rápida degradação e
descaracterização de paisagens naturais do Pampa. Estimativas de perda de
hábitat dão conta de que, em 2002, restavam 41,32% e, em 2008, passaram a
restar apenas 36,03% da vegetação nativa do bioma Pampa (CSR/IBAMA, 2010).
Em relação às áreas naturais protegidas no Brasil, o Pampa é o bioma que menos
tem representatividade no Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC),
representando apenas 0,4% da área continental brasileira protegida por unidades
de conservação. A Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB), da qual o Brasil
é signatário, prevê dentre suas metas para 2020 a proteção de, pelo menos, 17%
de áreas terrestres representativas da heterogeneidade de cada bioma.
Por fim, um dos elementos essenciais para assegurar a conservação do Pampa
refere-se ao fomento para atividades econômicas de uso sustentável. A
diversificação da produção rural, a valorização da pecuária com manejo do campo
nativo, juntamente com o planejamento regional e com o devido zoneamento
ecológico-econômico, além de um respeito indispensável a limites ecossistêmicos,
são partes do caminho para assegurar a conservação da biodiversidade e o
desenvolvimento econômico e social deste bioma.
f) Pantanal
O bioma Pantanal é considerado uma das maiores extensões úmidas contínuas do
planeta, portanto, com grande importância, mesmo sendo o de menor extensão
territorial no Brasil. De fato, a sua área aproximada é de 150.355 km², assim
ocupando apenas 1,76% do território brasileiro.
Em seu espaço territorial, este bioma, a ser visto como uma planície aluvial, é
influenciado por rios que drenam a bacia do Alto Paraguai. Ademais, face à sua
localização (rever Mapa da Figura 2.2), o Pantanal sofre influência direta de dois
importantes biomas brasileiros: Amazônia e Cerrado. Além disso, sofre alguma
influencia da Mata Atlântica e, também, do bioma Chaco, nome dado ao Pantanal
localizado ao norte do Paraguai e a leste da Bolívia.
No presente, o bioma Pantanal ainda mantêm 86,77% de sua cobertura vegetal
nativa. A vegetação não florestal (savana do cerrado, savana estéptica do chaco,
______________________________________________________________________________
34
formações pioneiras e áreas de tensão ecológica ou contatos florísticos de
ecótonos e encraves) é predominante em 81,70% do bioma. Desses, 52,60% são
cobertos por savana do cerrado e 17,60% são ocupados por áreas de transição
ecológica ou ecótonos. Os tipos de vegetações florestais (floresta estacional
semidecidual e floresta estacional decidual) representam 5,07% do Pantanal.
Uma característica interessante desse bioma é que muitas espécies ameaçadas
em outras regiões do Brasil persistem sob formas avantajadas na região, como é o
caso do tuiuiú – ave símbolo do Pantanal. Estudos indicam que o bioma abriga os
seguintes números de espécies catalogadas: 263 espécies de peixes, 41 espécies
de anfíbios, 113 espécies de répteis, 463 espécies de aves e 132 espécies de
mamíferos, sendo 2 endêmicas. Segundo a Embrapa Pantanal, quase duas mil
espécies de plantas já foram identificadas no bioma e classificadas de acordo com
seu potencial, com algumas apresentando vigoroso potencial medicinal.
Apesar de sua exuberante beleza natural, nos últimos anos o bioma vem sendo
bem impactado pela ação humana, principalmente pela atividade agropecuária,
sobretudo nas áreas de planalto adjacentes do bioma. De fato, no que concerne a
alterações advindas de ações antrópicas, a maior parte dos 11,54% afetados no
bioma é utilizada para a criação extensiva de gado em pastos plantados (10,92%),
com apenas 0,26% usado para lavoura.
Mesmo sob tais frentes de pressão, como a fauna e flora da região são admiráveis,
há de se destacar a rica presença de comunidades tradicionais, como as indígenas,
os quilombolas, os coletores de iscas ao longo do Rio Paraguai e a comunidade
Amolar e Paraguai Mirim, dentre outras. Assim, no decorrer dos anos essas
comunidades têm influenciado diretamente a formação cultural da população
pantaneira.
Contudo, na medida em que apenas 4,4% do Pantanal encontram-se protegidos
por unidades de conservação, das quais 2,9% correspondem a UCs de proteção
integral e 1,5% a UCs de uso sustentável, mesmo com Reservas Particulares do
Patrimônio Natural (RPPNs), até o momento, ocorrendo apenas no Pantanal, cabe
uma abordagem desse bioma junto Plano Nacional de Adaptação a Mudanças
Climáticas, tendo em vista, potenciais impactos mais abrangentes.
______________________________________________________________________________
35
2.4. Abordagens Regionais, com Diretrizes Gerais para Adaptação a
Mudanças Climáticas e Avanços na Gestão de Recursos Hídricos
Tal como já mencionado na Introdução, em termos regionais serão abordadas: a
região amazônica, com seu perfil climático e sua elevada relevância em termos de
preservação de ecossistemas, importantes para todo o planeta; o semiárido
brasileiro, com clima singular e com frequentes problemas de escassez hídrica; e,
o conjunto das regiões sul, sudeste e centro-oeste, tendo em vista sua maior
densidade em termos de desenvolvimento socioeconômico.
2.4.1. Gestão de Recursos Hídricos na Região Amazônica5
Em relação aos recursos hídricos, a Amazônia é a região brasileira de maior
abundância hídrica, reunindo cerca de 74% das disponibilidades nacionais, que
somam algo como 48 mil m3/hab.ano. Essas disponibilidades decorrem tanto da
população rarefeita e da precipitação média regional de 2.240 mm/ano, quanto das
dimensões da bacia do rio Amazonas e de seus principais afluentes, não somente
em território nacional (com disponibilidades de 131.950 m3/s), como também nos
países a montante (Venezuela, Colômbia, Peru e Bolívia, responsáveis por aportes
de outros 86.320 m3/s).
Segundo abordagem já apresentada sobre o bioma da Amazônia, é reconhecida
sua elevada importância ambiental, dotada de enorme biodiversidade. As ameaças
(reais ou imaginárias) à integridade da Amazônia apresentam repercussão
internacional, notadamente em razão da exuberância, vastidão e, ao mesmo tempo,
da fragilidade da floresta, assentada, em toda a sua extensão territorial, em planície
sedimentar dotada de camada orgânica delgada e superficial, dependente da
manutenção da cobertura vegetal, para sua autorreprodução e para a estabilidade
dos solos.
Demais disso, segundo conceitos mais recentes, a reconhecida importância da
Amazônia está associada aos “serviços ambientais” prestados ao Planeta Terra,
em termos climáticos, principalmente pela reserva e difusão de umidade pela
floresta, e de captura de gás carbônico, ambos com repercussões globais, que
5 Fonte: GEO Brasil - Recursos Hídricos (PNUMA e ANA, 2007), com certos dados atualizados.
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36
subsidiaram uma proposta brasileira para que países desenvolvidos, em
reconhecimento aos referidos “serviços ambientais”, se dispusessem a compensar
financeiramente países em desenvolvimento que empreendessem ações em favor
da manutenção de suas coberturas florestais.
Naturalmente, conceitos dessa ordem podem ser aplicados em outros biomas e
áreas naturais, sempre sob a perspectiva de reconhecer a importância dos
“serviços ambientais” prestados à sociedade e ao Planeta Terra.
Todavia, hoje seguem elevados riscos ambientais envolvendo a velocidade e a
amplitude do desmatamento da Amazônia, com repercussões potenciais
associadas a hipóteses de alterações climáticas do planeta, assim como,
significativos interesses relacionados à conservação e à exploração de sua reserva
de biodiversidade, ainda a ser mais amplamente conhecida.
No que concerne à utilização dos recursos hídricos, a Região Amazônica se
caracteriza pelas baixas densidades populacionais e pela ausência de
concentrações urbanas de grande porte, à exceção: (i) de Manaus, que passou a
abrigar cerca de 1,9 milhão de habitantes, em 2013, com um crescimento da ordem
de 6,5% neste ano, chegando a mais de 120 mil novos moradores, fato que fez esta
capital chegar a pouco mais de 50% dos habitantes do Estado do Amazonas; e, (ii)
da Região Metropolitana de Belém, no Estado do Pará, que compreende 2,360
milhões de moradores, com 1,485 milhões na própria cidade de Belém.
Dentre cidades de médio porte, cabe registrar Porto Velho, capital de Rondônia,
que já abriga 485 mil moradores, segundo estimativa do IBGE para 2013, com
crescimentos elevados mais recentes, tanto em decorrência de sua proximidade
com frentes de expansão do agronegócio brasileiro, quanto pela construção, em
pleno curso, das usinas hidroelétricas de Santo Antônio e de Jirau, ambas no Rio
Madeira, fato que proporcionou milhares de novos empregos.
Mesmo considerando estas cidades e seus contornos metropolitanos, não existem
limitações significativas relacionadas ao abastecimento doméstico, a não ser
algumas associadas a águas de boa qualidade nas cercanias de aglomerações
urbanas, além de muitos casos em pequenas cidades do interior, nos quais a falta
se refere à ausência de infraestrutura para uma distribuição eficaz e segura.
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37
Quanto a problemas de contaminação hídrica, são pontuais e localizados, em
cidades (esgotos domésticos em Belém e Manaus, particularmente graves pela
contaminação dos igarapés) e em empreendimentos de extração mineral
(deposição de sólidos e de mercúrio em garimpos) e florestal (desmatamentos, com
consequente erosão e perda das camadas férteis superficiais do solo).
Também cabe registrar que no trecho brasileiro da bacia, a jusante, já se acusam
traços de algumas das atividades desenvolvidas nos países a montante, onde se
originam, por exemplo, problemas com mercúrio utilizado nos garimpos, além de
agroquímicos conservativos amplamente aplicados nas plantações de coca.
Igualmente ocorrem alguns problemas de natureza sanitária, valendo lembrar que
o cólera reintroduziu-se no País, na década de 1990, por meio da presença do
vibrião na Amazônia peruana. Ademais, há problemas relacionados aos vetores de
doenças tropicais que dependem da água em, pelo menos, uma de suas fases de
desenvolvimento (malária, entre outras).
No que tange a questões regionais mais amplas, a importância dos recursos
hídricos está muito relacionada a características de navegabilidade, com os
maiores cursos d’água constituindo-se como os principais corredores de transporte
e comunicação da região. Deve-se, também, mencionar a pesca, não somente
como meio de subsistência, assim como para fins de abastecimento de mercados
locais e das demais regiões do País.
Em acréscimo, face às elevadas vazões e a ocorrência de transições de planaltos
para planícies, é muito expressivo o potencial de aproveitamento hidrelétrico da
região. Com efeito, no presente, mesmo com o Brasil contando com cerca de 72%
de sua infraestrutura para geração de energia mediante usinas hidroelétricas
(UHEs), cujo consumo, em alguns anos, chega a responder por 85 a 90% das
demandas, vale lembrar que apenas 35% do potencial já se encontra explorado,
enquanto outros países já passaram de 70%.
Isto significa que, tendo em vista formas mais sustentáveis para a geração de
energia, cabe considerar o grande potencial hidrelétrico que se encontra na
Amazônia, o qual chega próximo a 40% do total brasileiro, no presente, com sua
contribuição não superando mais do que 3%.
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38
Todavia, é importante reconhecer questionamentos sobre limitações a serem
aplicadas para o aproveitamento desse potencial remanescente, tanto no que tange
a impactos e intervenções sobre a navegação regional, no mais das vezes, com
barragens de UHEs não incluindo eclusas, fundamentais para a região, quanto pela
referência negativa da Usina de Balbina, que teve seu início operacional em 1989,
vista com muitos problemas decorrentes da elevada área florestal inundada pelo
reservatório, com nível um tanto baixo da barragem e da energia gerada, além da
falta de preocupações e abordagens consistentes sobre os impactos ambientais
que foram causados.
Olhando mais a leste da Região Amazônica, no Estado do Pará há certas frentes
importantes relacionadas a infraestruturas e atividades produtivas. A primeira a citar
refere-se à Usina de Belo Monte, prevista como a 4ª maior do mundo. Esta UHE
está sendo construída sobre o Rio Xingu, nas proximidades da cidade de Altamira,
no sudoeste do Pará. Sua potência instalada será de 11.233 MW, contudo, por
operar com um reservatório que foi bem reduzido, deverá produzir efetivamente
cerca de 4.500 MW, em média ao longo do ano, o que representa aproximadamente
10% do consumo nacional.
Quanto a atividades produtivas, grandes núcleos de mineração, especialmente com
iniciativas da Vale S.A., passaram a ser empreendidos nos últimos anos, os quais
também exigem abordagens consistentes sobre impactos ambientais.
Enfim, face aos perfis da Região Amazônica que foram abordados, incluindo o de
seu bioma, caberá maior rigor em termos da devida preservação ambiental,
inclusive em decorrência de preocupações com potenciais mudanças climáticas.
Neste sentido, fica o registro do período muito recente onde ocorreram inundações
significativas sobre os Estados do Acre e de Rondônia, com o nível do Rio Madeira
tendo superado sua altura média em mais de 20 metros, fato que resultou em
significativos impactos sobre as estradas locais, por conseguinte, com críticas
deficiências em serviços e produtos básicos a serem distribuídos pela região,
chegando ao ponto do Estado do Acre ficar isolado, por algumas semanas. Essas
inundações não devem ser vistas apenas em decorrência de chuvas mais fortes,
mas também como resultado das altas temperaturas que ocorreram a partir do
início de 2014, as quais devem ter resultado em degelos advindos da Cordilheira
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39
dos Andes, de onde saem muitas das nascentes da bacia do Rio Amazonas e do
próprio Rio Madeira.
Por fim, como mais um insumo advindo da publicação GEO Brasil – Recursos
Hídricos (PNUMA e ANA, 2007), no Anexo I segue a transcrição de um Box voltado
a “Vulnerabilidade Climática e Antrópica dos Recursos Hídricos da Bacia
Amazônia”.
Diretrizes Gerais
Chega-se, agora, à formulação de diretrizes gerais advindas do perfil da Região
Amazônica, voltadas a possíveis e necessárias adequações do SINGREH, tendo
em vista, tanto os objetivos próprios relacionados ao Plano Nacional de Adaptação
a Mudanças Climáticas, quanto para que ocorram novos e seguidos avanços na
gestão de recursos hídricos no Brasil. Sob tal abordagem, mais articulada e
conjunta, com essas diretrizes busca-se articular muitos dos aspectos e
singularidades regionais da Amazônia, que compõem a tipologia dos principais
problemas e desafios apresentados.
De pronto, deve-se reconhecer a importância de ações e atividades voltadas à
proteção e preservação ambiental, que devem ser consideradas como essenciais
no trato de quaisquer dos eventuais problemas de recursos hídricos.
Para tanto, no que concerne a um possível Sistema Regional de Gestão – tendo
em vista o perfil amazônico, com predominância de baixa densidade populacional,
à exceção de certas concentrações em um número restrito de cidades e/ou áreas
metropolitanas –, cabe destacar a importância de uma estrutura institucional mais
consistente dos órgãos estaduais gestores do meio ambiente e dos recursos
hídricos, não somente para fins de fiscalização, como também para as devidas
articulações e definições de políticas relacionadas ao ordenamento do uso e da
ocupação territorial, incluindo a indispensável criação de área protegidas e
unidades de conservação.
Ou seja, cabe uma ênfase particular a ser conferida para a concessão de áreas de
florestas (Lei Federal nº 11.284, de 02 de março de 2006), que abre novas
perspectivas para o enfrentamento dos cruciais problemas derivados do
desmatamento ilegal, com vistas a um manejo sustentável da Amazônia. Neste
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40
sentido, projeções deverão ser formuladas para identificar áreas de risco,
notadamente para as sujeitas a certos períodos de escassez ou, principalmente,
para inundações críticas, tais como ocorreram neste ano de 2014.
De fato, há demandas importantes para a mitigação de impactos socioambientais
(diretos e/ou de cunho regional) decorrentes da implantação de grandes
empreendimentos na região. Seguindo a respeito, deve ser previamente
identificado um número restrito de áreas onde possam ser instaladas futuras usinas
hidroelétricas, sob uma perspectiva do Sistema Interligado Nacional, portanto,
também considerando a viabilidade e graus de risco de redes de transmissão, sem
que se deixe de considerar, sobretudo, os perfis de hidrovias presentes, além de
atividades produtivas locais, com destaque para a pesca.
Voltando a abordar um ideal Sistema Regional de Gestão, no que concerne a
instâncias sociais coletivas, frente à dispersão da população e grande extensão
territorial, tornam-se evidentes as dificuldades de instalação e funcionamento de
comitês de bacia hidrográfica na Região Amazônica.
Sob tal contexto, como possível agenda básica da gestão regional, pode-se anotar:
o mapeamento de áreas onde se localizam os principais usuários de recursos
hídricos e ambientais; a ampliação da rede hidrometeorológica, para mais
conhecimento das disponibilidades; instrumentos para prevenção de efeitos
deletérios de cheias, em especial, com o ordenamento do uso e da ocupação do
solo; pesquisas sobre a biodiversidade; apoio a consórcios com finalidades
específicas (serviços relacionados a recursos hídricos e proteção ambiental); e,
projetos para problemas localizados de saneamento (por exemplo, poluição de
igarapés e nas áreas urbanas de maior dimensão).
Por fim, sob tais diretrizes gerais, para que ocorram avanços e adaptações do
SINGREH, como também de SEGREHs – eventualmente com a constituição de um
Sistema Regional de Gestão, via Termos de Compromisso e um Convênio
Coletivo –, sem que se esqueça do Pacto das Águas, já em pleno empreendimento
pela ANA, devem estar presentes ao processo os seguintes atores institucionais,
identificados como estratégicos, face aos problemas e desafios apresentados:
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41
- Ministério do Meio Ambiente e sua Secretaria de Mudanças Climáticas e
Qualidade Ambiental, responsável pelo Plano Nacional de Adaptação a
Mudanças Climáticas;
- Conselhos Nacionais de Recursos Hídricos (CNRH) e do Meio Ambiente
(CONAMA);
- Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis
(IBAMA) e sua instâncias regionais;
- Agência Nacional de Águas (ANA);
- Ministério de Minas e Energia e a Empresa de Pesquisa Energética (EPE);
- Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, com a presença de
instâncias regionais da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária
(EMBRAPA);
- Ministério da Pesca e Aquicultura;
- Ministério dos Transportes, com instâncias voltadas a hidrovias;
- Fundação Nacional do Índio (FUNAI);
- Secretarias de Estado de Planejamento (Amazonas, Pará, Roraima, Amapá,
Acre, Rondônia, Mato Grosso e Tocantins6);
- Órgãos Estaduais Gestores do Meio Ambiente e de Recursos Hídricos;
- Conselhos Estaduais de Recursos Hídricos e do Meio Ambiente;
- Concessionárias Estaduais de Saneamento Básico, empresas municipais ou
do setor privado, responsáveis por sistemas de abastecimento da água e
coleta e tratamento de esgotos sanitários;
- Principais Prefeituras Municipais, incluindo Manaus, Belém, Porto Velho, Rio
Branco, Macapá, Boa Vista e algumas outras, com suas Secretarias voltadas
ao planejamento urbano, com abordagem de uso e ocupação do solo;
- Departamentos municipais responsáveis pela coleta e disposição final de
resíduos sólidos;
6 Mesmo com Tocantins fazendo parte da Região Norte, será mais abordado e considerado como
frente de expansão do agronegócio brasileiro, portanto, mais articulado ao Cerrado Centro-Oeste.
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42
- Confederação Nacional da Agricultura (CNA) e suas Federações Estaduais
associadas, além de outras entidades regionais relacionadas a este
segmento produtivo;
- Confederação Nacional da Indústria (CNI) e suas Federações Estaduais
associadas;
- Principais empresas de grande porte na região; e,
- Secretarias de Defesa Civil.
2.4.2. Região Nordeste e do Semiárido Brasileiro7
Com maior desenvolvimento socioeconômico nas regiões Sudeste e Sul, e as
maiores expansões das fronteiras de agronegócios e de produção pecuária nas
regiões do Centro-Oeste, e já ao sul da Amazônia, no presente, o Brasil já
apresenta uma taxa média de urbanização da ordem de 86%, com a mais elevada
no Sudeste, que já deve superar os 92%, onde se concentra a maior parte da
população do País.
Especificamente em relação à região Nordeste, já ocupada a longos anos da
história, mesmo sujeita a problemas climáticos próprios com a sua significativa
porção semiárida – denominada como Polígono das Secas, abrangendo cerca de
1.350 municípios –, a taxa de urbanização deve limitar-se a 75%, portanto, bem
abaixo da média nacional, com sua população urbana concentrada nas regiões
metropolitanas, formadas ao entorno das capitais dos estados nordestinos (que
serão abordadas mais à frente, no item 2.4.3.(iii)), todas junto ao litoral e Zona da
Mata, tendo suas periferias dominadas por famílias de baixa renda, e com o interior
dos estados apresentando um pequeno número de cidades de porte significativo,
portanto, com poucos núcleos interiores de expansão urbana, tendo como
consequência boa parte da população nordestina mantendo-se dispersa no
semiárido, ainda que sigam ocorrendo muitas migrações.
De modo bem sintético, mesmo com algumas porções das demais regiões do País
demandando a devida instalação de sistemas de abastecimento de água potável,
7 Fontes: Planos das Bacias Hidrográficas dos Rios Grande e Corrente (Bahia/2013), e GEO Brasil
- Recursos Hídricos (PNUMA e ANA, 2007), com certos dados atualizados.
______________________________________________________________________________
43
seja em periferias ocupadas desordenadamente em grandes cidades ou em
municípios interiores de pequeno porte, pode-se afirmar que o problema mais
significativo do Brasil, sem dúvidas, concentra-se no semiárido, onde a escassez
de água é mais elevada do que em todas as demais regiões.
Ou seja, as regiões Norte e Centro-Oeste, mesmo com níveis socioeconômicos em
processos mais recentes de expansão, têm seus problemas de abastecimento de
água relacionados apenas à falta de infraestrutura e/ou à qualidade dos recursos
hídricos (de forma surpreendente, também na própria região Norte), com as regiões
Sudeste e Sul apresentando menores deficiências de infraestrutura sanitária em
áreas pontuais, notadamente em favelas e em periferias ocupadas, assim como em
determinadas regiões rurais, por vezes devido a conflitos entre usos múltiplos da
água.
Mais especificamente a respeito da região Nordeste, verifica-se que sua maior
porção abrange o semiárido brasileiro, tal como demonstra o Mapa apresentado
pela Figura 2.4, a seguir.
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44
Figura 2.4– Mapa da Porção Territorial do Semiárido Brasileiro
Fonte: SUDENE (2009).
Contando com tais perfis, por certo que a gestão de recursos hídricos nesta região
deve considerar objetivos articulados com elevação de renda social e
abastecimento de água essencial às populações de extrema pobreza, com atenção
particular para o atendimento às famílias e comunidades dispersas na zona rural,
sem deixar de considerar a oferta hídrica para a produção de alimentos e criação
de animais, além de perspectivas de problemas crescentes advindos de mudanças
climáticas, com secas mais frequentes.
Esta inequívoca prioridade do semiárido também advém da presença de um solo
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45
regional cristalino, no qual atividades agrícolas enfrentam desafios de elevar sua
produtividade. Outra questão importante, identificada sob a ótica do contexto
nacional da Região Nordeste, refere-se ao fato de que os extremos a leste e ao
nordeste do Cerrado brasileiro ocupam o oeste da Bahia, além do sudoeste do
Piauí e do centro-sul do Maranhão. Em termos da dinâmica econômica do Brasil,
particularmente das áreas de expansão de atividades agropecuárias e de
mineração, isto implica que tais porções dos estados mencionados encontram-se
sujeitas a estas dinâmicas de expansão, no mais das vezes, ocorridas ao longo dos
últimos 20 a 30 anos.
Trata-se, portanto, de uma vertente de avanços socioeconômicos não limitada a
iniciativas próprias aos estados nordestinos. Ao contrário, segundo uma
reportagem apresentada pelo programa Globo Rural, no presente, o Brasil conta
com uma importante região de expansão do agronegócio denominada como
MAPITOBA, nome composto pelas iniciais dos estados do Maranhão, Piauí,
Tocantins e Bahia8.
Assim, de acordo com o contexto sintetizado, mesmo no semiárido brasileiro é
importante considerar duas frentes paralelas de pesquisas e ações: (a) de um lado,
com a perspectiva de seguir com um desenvolvimento regional socioeconômico
mais consistente, identificando áreas com menores graus de risco do semiárido,
voltadas a arranjos produtivos locais (APLs), que atraiam as vertentes nacionais de
expansão; e, (b) de outro, para fins de Governança na gestão de recursos hídricos
e adaptação a mudanças climáticas, com abordagens adequadas para conferir
maior segurança hídrica, ambiental e social em áreas de risco (problem-sheds), por
vezes, a serem desocupadas por seus moradores e comunidades dispersas,
sempre submetidas a graves problemas de escassez.
Ambas as frentes mencionadas devem ser associadas a estratégias dos estados
nordestinos. Isto significa que uma das possíveis soluções mais abrangentes e
estratégicas, para facilitar o abastecimento de água às populações rurais dispersas
de elevada pobreza, pode ser concebida pela concentração desses moradores
rurais em núcleos de desenvolvimento – os Oásis do Semiárido Brasileiro –, por
8 Este programa pode ser visto no site http://www.youtube.com/watch?v=ICpjUOMebbg
______________________________________________________________________________
46
vezes, em algumas das cidades da região a serem selecionadas9.
Enfim, ainda que a maior parte da região Nordeste se concentre no semiárido
brasileiro, será muito importante identificar núcleos regionais estratégicos ao
desenvolvimento, com vistas à APLs e cidades do interior, além de definir áreas a
serem desocupadas, em decorrência de serem de mais elevados graus de risco.
Voltando ao contexto nacional, sabe-se que o semiárido brasileiro estende-se pelos
estados de Minas Gerais (somente em seu extremo norte e nordeste), Bahia,
Sergipe, Alagoas, Pernambuco, Paraíba, Rio Grande do Norte, Ceará e Piauí, sem
abranger o Estado do Maranhão. Caracteriza-se pela escassez de recursos
hídricos, com precipitação anual média na casa dos 900 mm, chegando próxima a
400 mm, no interior da Paraíba, com elevada variabilidade na distribuição espacial
e temporal de chuvas na região (sazonalidade interanual), acompanhada de
limitações nas possibilidades de extração de águas subterrâneas, devido tanto à
formação cristalina, quanto à salubridade dos solos.
Essas características climatológicas, hidrológicas e geológicas, associadas à
conformação do relevo regional (que propicia escoamentos para a vertente
atlântica), dão origem a uma rede hidrográfica na qual são recorrentes cursos com
nascentes intermitentes, em geral, situadas no planalto do sertão semiárido e nos
trechos médios que começam a estabilizar suas vazões após vencer o agreste, até
assumir corpo e volume já próximos de seu deságue no litoral, ora ao Leste (da
Bahia ao Rio Grande do Norte), ora ao Norte brasileiro (do Rio Grande do Norte ao
Ceará e Piauí).
As condições climáticas implicam na dificuldade de disponibilizar água a partir do
simples armazenamento em açudes e reservatórios, não obstante seu expressivo
número regional, dada a significativa evapotranspiração potencial, que supera os
2.000 mm anuais em grande parte do Nordeste brasileiro.
Esse panorama regional é cindido pelo curso principal do Rio São Francisco, com
nascentes e alguns tributários de elevado porte em Minas Gerais, aliados à grande
9 A propósito, cabe registrar: (i) a Política e o Marco de Reassentamento Involuntário associado
ao Programa Águas de Sergipe; e, (ii) ações contra a desertificação do semiárido brasileiro.
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extensão territorial de sua bacia de contribuição, proporcionando-lhe perenidade e
vazão suficientes para transpassar o semiárido, possibilitando aproveitamentos
múltiplos – irrigação e geração de energia, principalmente –, mesmo com as
enormes perdas devidas à evaporação, pela amplitude dos espelhos d'água dos
reservatórios de usinas geradoras. Em seu trecho inferior, o Rio São Francisco
conta com vazões regularizadas da ordem de 1.850 m3/s, tendo sido definida sua
vazão mínima final em 1.100 m3/s.
Não obstante esse cenário, de adversidade climática e hidrológica somada a solos
de baixa fertilidade, persiste elevado contingente de população dispersa na região,
no meio rural ou em pequenos núcleos urbanos (cerca de 25% dos mais de 50
milhões de nordestinos), com amplo predomínio dos extratos inferiores de renda,
incluindo núcleos de quilombolas.
Tal como já mencionado, quando não rural, a população localiza-se em pequenos
núcleos do interior, sem que se verifique, em qualquer dos estados nordestinos,
uma malha urbana organizada10, em tipologia e hierarquia funcional, capaz de
ordenar espacialmente as demandas por serviços públicos essenciais (saúde,
educação e moradia, com destaque para o saneamento básico, no essencial,
limitado ao abastecimento de água potável).
Sem embargo de alternativas de baixo custo para fornecimento de água potável,
também cumpre reconhecer os limites decorrentes da incipiência das atividades
produtivas do semiárido (problemas de emprego e renda), restringindo a população
rural à mera sobrevivência, quando possibilitada por meios alternativos como poços
de pequeno porte, barragens subterrâneas e cisternas para captação das águas de
chuva.
O quadro incipiente do desenvolvimento regional resulta na manutenção de um
verdadeiro "exército rural de reserva", em equilíbrio instável, sustentado por
políticas compensatórias11, com significativo potencial de migração para as demais
10 Esta assertiva é atestada pela comparação de qualquer dos estados nordestinos frente à Santa
Catarina, p. ex., que conta com a rede urbana mais bem distribuída do país (número e população
de pequenas, médias e grandes cidades).
11 Em muitas cidades e pequenos núcleos urbanos, a aposentadoria e a Bolsa Família se constituem
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48
áreas do País (São Paulo, em um passado recente, e metrópoles regionais,
atualmente). A permanência implica em elevados custos sociais, seja para a
população em si, sujeita à miséria absoluta e castigada pelas adversidades
regionais, seja em termos de gastos governamentais em programas recorrentes de
cunho assistencialista (carros-pipa, cestas básicas e frentes de emergência).
O que se deduz, portanto, é que a problemática dos recursos hídricos no semiárido
brasileiro congrega ambas as frentes: no gerenciamento da oferta (estoques e
transporte de água) e na gestão da demanda (ordenamento espacial e eficiência
na utilização de um recurso escasso), podendo a disponibilidade de água, embora
necessária, não ser suficiente para imprimir dinâmica à economia regional,
persistindo uma questão subjacente de ordem social.
Diretrizes Gerais
Considerando este contexto nacional descrito do semiárido nordestino, é então
possível formular as seguintes diretrizes gerais, as quais são voltadas, tanto para
objetivos próprios ao Plano Nacional de Adaptação a Mudanças Climáticas, quanto
para que ocorram novos e seguidos avanços na gestão de recursos hídricos no
Brasil:
foco no gerenciamento das disponibilidades, incluindo: (i) a infraestrutura de
armazenamento corretamente construída (mitigar efeitos da
evapotranspiração e otimizar regularização); (ii) a infraestrutura de
transporte de água (canais e adutoras), definida segundo eixos com
localização compatível com o desenvolvimento de atividades econômicas e
estratégias de consolidação e adensamento da rede urbana; (iii) o
desenvolvimento de alternativas de baixo custo para sistemas localizados de
suprimento (cisternas, poços locais, barragens subterrâneas e outras
formas); e, (iv) informações hidrometeorológicas, hidrogeológicas e sistemas
de apoio à decisão (SADs) para gerenciamento das disponibilidades (curvas
cota-áreas e volume de açudes), operados por instituições
nas principais fontes de renda regional.
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autossustentadas, capazes de garantir sua aplicação junto aos usuários e
comunidades rurais;
o gerenciamento da demanda, incluindo: (i) a redução de perdas e
desperdícios e a operação e manutenção de sistemas; (ii) o uso de
instrumentos econômicos (negociações relacionadas a alocação das
disponibilidades entre setores usuários); e, (iii) o ordenamento espacial da
demanda (indução positiva à migração intrarregional e consolidação de
redes urbanas);
a adequação dos instrumentos de gestão às peculiaridades regionais: (i) os
planos deverão estar centrados na construção e operação da infraestrutura
hídrica; (ii) o enquadramento qualitativo permanece distante da ordem do
dia, embora a proteção da qualidade da água disponibilizada pela
infraestrutura construída seja de grande relevância; (iii) a outorga deve ser
flexibilizada para a curta duração e sujeita a regimes de racionamento; (iv)
a cobrança deve ser efetuada na forma de tarifa pelos serviços de
fornecimento de água bruta e como mecanismo de compensação às
decisões de alocação de água para usos com maior valor agregado; (v) os
sistemas de informações são essenciais aos processos de tomada de
decisões;
sob a ótica de alternativas para arranjos institucionais: (i) as Unidades
Territoriais Estratégicas para Gestão de Recursos Hídricos (UTEGs) devem
ser traçadas segundo os perfis locais de conservação da biodiversidade ou
de potencial expansão socioeconômica, além de considerar a infraestrutura
instalada de reservatórios, açudes e adutoras; (ii) os comitês terão dinâmica
social centrada nos usuários-consumidores, apoiados pela operadora
(agência) de água bruta12; (iii) cabe estabelecer uma lógica particular para
empreendimentos econômicos, irrigação principalmente, com foco em
arranjos produtivos locais (APLs – clusters) e nas correspondentes cadeias
produtivas; (iv) deve-se incentivar e, eventualmente, subsidiar, a adequação
12 Principal referência, a Companhia de Gerenciamento de Recursos Hídricos (COGERH), do
Estado do Ceará, cujo modelo de gestão é apresentado no Anexo II.
______________________________________________________________________________
50
do perfil de atividades ao meio físico regional; e, (v) em termos regionais,
deve ser destacado e reservado um papel fundamental para os SEGREHs,
devido a abordagens predominantes de núcleos de problemas (problem-
sheds), sem que se deixe de celebrar acordos em bacias hidrográficas
compartilhadas, a exemplos do conjunto da bacia do Rio São Francisco e da
bacia do Rio Piranhas - Açu (entre Paraíba e Rio Grande do Norte).
Como última diretriz geral, recomenda-se que sejam articuladas iniciativas em
conjunto com o Plano Nacional de Combate à Desertificação (PAN), importante
documento referencial a ser recuperado e reposto em pauta, para que surjam
diretrizes, ações e atividades voltadas à problemática dos recursos hídricos em
regiões mais críticas do semiárido brasileiro.
Sob tais diretrizes, para que ocorram avanços na Governança sobre a gestão de
recursos hídricos, devem estar presentes ao processo atores e instituições
identificadas como estratégicas, face aos problemas e desafios apresentados.
Neste sentido, tendo em vista que no semiárido é possível identificar inúmeros
pontos críticos, com ênfase em centenas de comunidades rurais dispersas, as
abordagens devem ocorrer segundo o perfil e as condições próprias a cada um dos
estados nordestinos, inclusive de seus SEGREHs e de suas instituições
relacionadas ao meio ambiente, aos recursos hídricos e a possíveis adaptações a
mudanças climáticas.
Isto significa que a estratégia será diferente do que se propôs na Amazônia, onde
predominou uma ótica mais abrangente e regional. Assim, no caso de problemas
do Nordeste, a abordagem deverá ser efetuada de forma própria a cada um dos
estados, mesmo naqueles com menores dimensões territoriais – Alagoas e Sergipe
–, uma vez que o foco tende a ser predominante sobre áreas-problemas, com
fatores críticos que impactam comunidades locais, a exemplo de quilombolas.
Mais do que isso, tendo em vista que há diferentes avanços nos SEGREHs, ações
e atividades voltadas à adaptação a mudanças climáticas devem levar em conta
potenciais frentes de trabalho que estão sendo definidas a partir do Pacto das
Águas, em pleno empreendimento pela ANA.
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51
Com isto posto, sem chegar a maiores detalhes próprios a cada um dos estados
nordestinos, sob uma forma geral devem estar presentes as seguintes instituições
e atores, vistos como estratégicos (stakeholders):
- Ministério do Meio Ambiente e sua Secretaria de Mudanças Climáticas e
Qualidade Ambiental, responsável pelo Plano Nacional de Adaptação a
Mudanças Climáticas;
- Conselhos Nacionais de Recursos Hídricos (CNRH) e do Meio Ambiente
(CONAMA);
- Agência Nacional de Águas (ANA);
- Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis
(IBAMA) e sua instâncias regionais;
- Ministério da Integração Nacional e suas Secretarias de Desenvolvimento
Regional e de Infraestrutura Hídrica, além de importantes entidades
vinculadas – CODEVASF, DNOCS e SUDENE – e da Coordenação de
alguns programas, especialmente o “Água para Todos” e “Revitalização de
Bacias Hidrográficas”;
- Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, com a presença de
instâncias regionais da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária
(EMBRAPA);
- Ministério de Minas e Energia e a Operadora Nacional do Sistema interligado
(ONS), além da Companhia de Pesquisa de Recursos Minerais (CPRM) e
do Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM);
- Companhia Hidroelétrica do São Francisco (CHESF), com operadores de
usinas de grande porte (Moxotó, Três Marias, Paulo Afonso, Sobradinhos e
Xíngó), além de algumas Pequenas Centrais Hidroelétricas (PCHs);
- Petrobrás e superintendentes de suas refinarias localizadas na região;
- Comitê da Bacia do Rio São Francisco e a Agência AGB Peixe Vivo, além
de outros comitês federais e estaduais importantes, como o da bacia do Rio
Piranhas – Açu e do Rio Sergipe;
- Ministério dos Transportes, com instâncias voltadas ao transporte hidroviário
no Rio São Francisco;
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- Ministério das Cidades e sua Secretaria Nacional de Saneamento Ambiental;
- Fundação Nacional de Saúde (FUNASA);
- Secretarias de Estado do Meio Ambiente e de Recursos Hídricos, além de
algumas Secretarias de Planejamento (Minas Gerais, vez que tem trecho no
Semiárido; Bahia; Sergipe; Alagoas; Pernambuco; Paraíba; Rio Grande do
Norte; Ceará; Piauí; e, Maranhão), especialmente em casos onde haja um
planejamento para fins de ordenamento territorial;
- Órgãos Estaduais Gestores do Meio Ambiente e de Recursos Hídricos;
- Empresas estaduais de economia mista, voltadas à operação de
infraestrutura de recursos hídricos e/ou de atividades regionais, a exemplo
da COGERH (Ceará) e da Companhia de Engenharia Ambiental e de
Recursos Hídricos (CERB/Bahia);
- Agências Estaduais Reguladoras sobre serviços de saneamento, e energia
e outros;
- Fundações de Ciência e Tecnologia, com ênfase na FUNCEME (Ceará);
- Concessionárias Estaduais de Saneamento Básico, empresas municipais ou
do setor privado, responsáveis por sistemas de abastecimento da água e
coleta e tratamento de esgotos sanitários;
- Principais prefeituras municipais, incluindo capitais e cidades
representativas de áreas de risco, muito preliminarmente com indicação de:
Montes Claros, Jequitinhonha e Divinópolis (MG); Salvador, Barreiras, Luis
Eduardo Magalhães, Santa Rita de Cássia, Santana, Buritirana e Nova
Redenção (BA); Aracajú, Pedra Mole e Poço Redondo (SE); Maceió,
Pariconha e Mata Grande (AL); Recife, Santa Cruz do Capibaribe, Petrolina,
Salgueiro, Dormentes e Ipubi (PE); João Pessoa, Campina Grande, Belém
do Brejo da Cruz e Santa Helena (PB); Natal, Mossoró, Apodi e Jardim do
Seridó (RN); Fortaleza, Juazeiro do Norte, Salitre e Quiterianópolis (CE);
Teresina, Fartura do Piauí e Queimada Nova (PI); e, São Luis, Balsas e São
Francisco do Brejão (MA), além de algumas outras;
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- Representantes de pequenas comunidades rurais dispersas em estados do
Nordeste;
- Confederação Nacional da Agricultura (CNA) e suas Federações Estaduais
associadas, além de outras entidades regionais relacionadas a este
segmento produtivo, a exemplo de associações de usuários das águas ou
de comissões gestoras de açudes e reservatórios;
- Confederação Nacional da Indústria (CNI) e suas Federações Estaduais
associadas, com ênfase em representantes do setor produtivo de
mineração;
- Principais empresas de grande porte na região; e,
- Secretarias de Defesa Civil.
2.4.3. Conjunto das Regiões Sul, Sudeste e do Centro-Oeste
Tendo em vista sua maior densidade em termos de desenvolvimento
socioeconômico, além do entendimento de que deve haver grande proximidade
entre seus modelos de gestão voltados para uma Governança consistente sobre os
recursos hídricos, agora serão abordadas, em conjunto, as regiões Sul, Sudeste e
Centro-Oeste do território nacional.
Mesmo abordadas em conjunto, três leituras serão efetuadas, com base em
dinâmicas diferenciadas de atividades produtivas e de perfis socioambientais, a
saber: (i) primeiramente, as dinâmicas relacionadas à produção do agronegócio;
(ii), em segundo lugar, aspectos próprios a porções do Cerrado, onde frentes de
expansão produtiva ainda seguem em curso; e, (iii) a indispensável abordagem de
grandes núcleos urbano-industriais, com ênfase em regiões metropolitanas e
aglomerações de cidades, onde impactos relacionados a questões hídricas,
ambientais e a mudanças climáticas têm se tornado muito relevantes.
2.4.3.(i) Áreas Territoriais voltadas a Atividades do Agronegócio
Como áreas territoriais voltadas às principais atividades do agronegócio brasileiro,
incluindo frentes de produção pecuária, devem ser consideradas: o interior dos
estados do Rio Grande do Sul, Santa Catarina e do Paraná (Região Sul); a porções
do interior paulista, o triangulo mineiro e o centro-oeste de Minas Gerais, além de
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54
alguns núcleos do Rio de Janeiro e do Espírito Santo (Região Sudeste); e, grandes
porções dos estados de Goiás, Mato Grosso do Sul e do Mato Grosso (Região
Centro-Oeste), além da consideração do Estado de Tocantins.
Mais especificamente, sob uma forma muito resumida, cabe assinalar que: (a) no
Estado do Rio Grande do Sul merece destaque a produção de arroz com cultivo
inundado para irrigação, abrangendo cerca de 1,1 milhão de hectares, além da
pecuária e de cultivo para produção vinícola; (b) em Santa Catarina e no Paraná há
predomínio de cultivos de grãos (soja, milho e trigo), cana-de-açúcar e, junto ao
extremo oeste, a suinocultura; (c) em São Paulo e a oeste de Minas Gerais, maior
ênfase presente para o cultivo de cana-de-açúcar, voltado a usinas de
biocombustíveis (como o etanol), além de frentes de soja; (d) a leste de Minas
Gerais e em parte do Espírito Santo, grandes núcleos para a produção voltada a
papel e celulose, além de café; (e) já no trecho do centro-leste e do sudeste mineiro,
merece destaque a exploração mineral; e, (f) em Goiás, Mato Grosso do Sul e em
parte do Mato Grosso e de Tocantins, predominam grandes áreas com cultivos de
graus de soja, além das principais frentes pecuárias do País.
Todas estas e muitas outras atividades produtivas das regiões Sul, Sudeste e do
Centro-Oeste (mais Tocantins) sempre puderam contar com características
hidrometeorológicas bem favoráveis, com precipitação média anual da ordem de
1.450 mm, razoavelmente distribuída ao longo do ano, somadas à ocorrência de
solos com boa fertilidade, mesmo considerando certas singularidades, a exemplo
da porção mais central do Brasil, onde períodos com falta de chuva, entre abril a
outubro de cada ano, demandam relevantes sistemas de irrigação.
Sob tais condições regionais e climáticas, o Brasil pôde contar com uma agricultura
dinâmica, moderna e diversificada, composta por grãos (soja, milho e trigo), cana-
de-açúcar, algodão, café e fruticultura, a ser vista como resultado de um longo
processo associado ao próprio histórico da ocupação do território nacional e a ciclos
econômicos que marcaram o desenvolvimento do País. Contudo, deve-se registrar
que, no presente, há dificuldades significativas para o transporte de produtos a
partir do Centro-Oeste, na sua maioria absoluta dependente de rodovias.
A respeito desse processo histórico de desenvolvimento, cumpre lembrar que, já
no início do século passado (década de 1930), a expansão das fronteiras agrícolas,
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55
capitaneada pelo vetor dominante da cafeicultura, propiciava a ocupação do
sudoeste paulista, norte e noroeste paranaense, em um processo planejado e muito
veloz, que marcou a fundação da própria rede urbana de apoio àquela cultura de
exportação13.
Nas décadas seguintes (1950 e 1960), movimento similar, porém mais atenuado,
ocorreu a partir da colonização promovida pelos gaúchos, a oeste de Santa
Catarina e sudoeste do Paraná, espraiando-se até o Mato Grosso do Sul. Na
sequência, durante os anos de 1970 ampliou-se o movimento que passou a atingir
as novas fronteiras agrícolas do Brasil, hoje já superando o extremo noroeste do
Cerrado e fustigando parte da Região Amazônica, com ênfase em Tocantins, Mato
Grosso, sul do Pará e até em Rondônia e em parte do Acre14.
Sob tais processos de seguidas expansões da agricultura, com esgotamento das
fronteiras do Sul e do Sudeste, cabe considerar fatores crescentes e determinantes
de problemas relacionados à oferta de recursos hídricos, hoje muito observados na
zona rural do Centro-Oeste brasileiro, onde grandes perímetros de irrigação têm
sido instalados nas últimas décadas.
Neste sentido, por certo que há relevância para uma necessária adaptação a
potenciais mudanças climáticas, tanto no que concerne a áreas rurais de produção
agrícola – a exemplo da bacia do Rio São Marcos, onde há constantes conflitos
entre usos múltiplos da água, especialmente entre irrigação e geração de
hidroeletricidade –, quanto em grandes núcleos urbanos, que serão abordados
mais à frente, a exemplo da Grande São Paulo, onde o Sistema Cantareira chegou,
neste ano de 2014, a seu período mais crítico da história, com apenas 8,6% do seu
volume reservado para abastecimento de mais de 8 milhões de moradores, fato
que demandou o uso do chamado “volume morto”.
Ademais, além de potenciais conflitos crescentes nas regiões do Centro-Oeste e
do Sudeste, cabe lembrar que já ocorriam problemas sobre o uso das águas voltado
a agricultura na bacia do Rio Uruguai, no Rio Grande do Sul, em razão dos volumes
13 Fundação da cidade de Londrina em 1935, hoje com cerca de 540 mil habitantes.
14 Na porção do extremo leste e do nordeste do Cerrado, cabe lembrar a área de expansão
denominada como MAPITOBA, já mencionada no item sobre o semiárido brasileiro.
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expressivos aplicados ao cultivo de arroz por inundação, demandando, inclusive,
barragens para a regularização de vazões.
Seguindo a respeito desse panorama geral produtivo, predominante nas regiões
Sul, Sudeste e do Centro-Oeste, também deve ser considerada a sua estreita
vinculação com a chamada agroindústria, portanto, com tendências crescentes de
serviços terceirizados e de um comando urbano, fato que implica em menor oferta
de empregos rurais e mais possibilidades de servidores atenderem a apoios
produtivos mecanizados. Ou seja, no presente, nas regiões em pauta, a própria
expansão da produção agrícola, chamada de agronegócio, implica num inexorável
processo de urbanização, fato que se mostra inquestionável ao se verificar que a
taxa urbanizada da região do Sudeste brasileiro, já chegou a 92%.
Agora, sob uma ótica mais ambiental, na maioria absoluta das áreas aplicadas a
cultivos agrícolas, cabe lembrar os impactos gerados por plantios até a beira de
cursos d’água, com remoção quase completa da cobertura vegetal, inclusive de
matas ciliares, com vistas a explorar todo o potencial disponível nos terrenos, fato
que seguiu implicando em elevada mecanização e aragem dos solos, além de um
uso intensivo de agroquímicos (com pesticidas e fertilizantes) e de colheitas
sazonais sucessivas, tendo como consequência muitos impactos ambientais
decorrentes de tais procedimentos, os quais eram desconsiderados à época.
Assim, dentre as repercussões ambientais – e potencialmente climáticas – mais
graves, relacionadas a esse conjunto de atividades, deve-se anotar: (i) a perda das
camadas superficiais dos solos, em ciclo vicioso de menor fertilidade e uso mais
intensivo de nutrientes; (ii) o assoreamento decorrente nos cursos d’água, com
elevação da turbidez devida a sólidos suspensos; (iii) contaminação por
agroquímicos, inclusive conservativos; (iv) poluição das águas por dejetos de
animais in natura; e, (v) como consequência, a elevação generalizada dos custos
relacionados ao aproveitamento dos recursos hídricos, para abastecimento
doméstico ou insumo industrial, inclusive para a própria agroindústria alimentar.
Mais recentemente, contando com a referência de certas iniciativas que surgiram a
partir de meados da década de 1980, esse quadro de problemas ambientais passou
a ser parcialmente mitigado, mediante a difusão de práticas de plantio direto e de
manejo integrado entre solos e águas, em certas áreas de cultivo, especialmente
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no Paraná, após sucessivos programas de cooperação multilateral15, que
propiciaram reduções importantes em indicadores de carreamento de sólidos aos
corpos d’água.
Todavia, sem embargos a tais iniciativas, cumpre reconhecer que persistem
problemas generalizados de comprometimento das disponibilidades hídricas, em
razão das atividades agropecuárias desenvolvidas no meio rural das regiões Sul,
Sudeste e do Centro-Oeste, com largas margens para melhorias de desempenho
em termos ambientais, além das previstas adaptações necessárias a mudanças
climáticas.
Por fim, como outra forma de problemas mais específicos gerados por atividades
primárias, deve-se anotar casos pontuais de contaminação e de redução de fontes
de águas subterrâneas, advindas de núcleos voltados à exploração mineral, com
ênfase no chamado Vale do Aço, em Minas Gerais, e de atividades de carvão
mineral em Criciúma, ao sudeste de Santa Catarina.
Diretrizes Gerais
Contando com uma abordagem resumida dos principais problemas advindos de
atividades produtivas do agronegócio sobre as regiões do Sul, Sudeste e do Centro-
Oeste brasileiro, agora podem ser formuladas diretrizes gerais voltadas ao
enfrentamento de problemas relacionados aos recursos hídricos, quer seja para
avanços na atual gestão, como também em decorrência de possíveis e necessárias
adaptações a mudanças climáticas, sempre sob uma perspectiva de uma gestão
mais adaptativa, com mais flexibilidade, resiliência e robustez.
Neste sentido, políticas e programas do País deveriam voltar a conferir prioridade
para a difusão de práticas de manejo e conservação de solos e da água, incluindo:
o plantio direto e em curvas de nível; barreiras de contenção de erosão;
remanejamento de estradas rurais que geram escoamento do solo sobre corpos
d’água; programas para a recomposição de matas ciliares, tendo como referência
15 PMISA - Programa de Manejo Integrado de Solos e Água (1983-1989); Pró-rural (1982-1986);
Paraná Rural (1989-1997); e, Paraná 12 Meses (1997), além do Programa da Rede da
Biodiversidade (2002), aprovado pelo GEF (Global Environment Facility).
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principal o Produtor de Águas; a redução e controle da aplicação de agroquímicos
e do acondicionamento de embalagens usadas; o desenvolvimento e difusão de
controles biológicos; e, o monitoramento de indicadores da poluição por run-off
rural, segundo a tipologia adequada de solos, declividades e índices de
precipitação.
Além disso, muitas das intervenções regionais a serem empreendidas sempre
deverão ter como um de seus objetivos a consolidação de corredores da
biodiversidade, mediante a união, pela via de matas ciliares, de áreas de
conservação e de florestas nativas. A propósito, recomenda-se que ações dessa
natureza passem a ser inseridas em planos de bacias hidrográficas, de modo a
possibilitar sua viabilidade mediante subsídios cruzados, provenientes de maiores
preços unitários pagos pelos segmentos da indústria e de concessionárias de
serviços de saneamento e de energia, via Cobrança pelo Uso da Água e de outros
mecanismos financeiros para subsídios.
Mais propriamente no que tange a sistemas de gestão dos recursos hídricos, dos
vários estados e, também, do próprio SINGREH, tendo em vista diversas áreas de
conflitos entre usos múltiplos da água, recomenda-se incentivo à constituição de
associações de usuários, para que negociações internas sejam efetuadas, sob uma
perspectiva de limitações antecipadas para captações, decorrentes de cenários
previstos para períodos de escassez hídrica.
Por fim, mesmo tendo em vista as extensas áreas de atividades produtivas
abordadas, notadamente no caso do Centro-Oeste brasileiro, entende-se que
devem ser identificadas bacias de rios afluentes com maiores problemas críticos, a
serem vistas como problem-sheds, para que soluções específicas a seus casos
venham a ser definidas, sob o princípio da subsidiariedade, sem que se deixe de
tratar o conjunto da bacia do rio principal, a ser vista como espaço para a atuação
de um comitê de integração, com estes fatores negritados sendo mais
propriamente abordados no Cap. 3 deste Relatório 01, em pauta.
2.4.3.(ii) Trechos de Expansão do Agronegócio no Cerrado do Brasil Central
Ainda com boa parte da elevada extensão do Cerrado brasileiro estando, nas
últimas décadas, sob um processo de ocupação pelas atividades produtivas do
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agronegócio, entende-se que devem ser abordados os atuais trechos de expansão
de novas fronteiras agrícolas, em termos de uma adequada gestão hídrica,
ambiental e de adaptação a possíveis mudanças climáticas previstas.
Neste sentido, cabe lembrar que esses trechos de expansão, localizados mais ao
norte e aos extremos leste e noroeste do Cerrado, se caracterizam pela
predominância de um relevo plano, típico do Planalto Central do Brasil, e por uma
precipitação média da ordem de 1.600 mm anuais, sujeita a variações sazonais
significativas, com períodos pronunciados de chuvas intensas, principalmente no
próprio verão, além de estiagens severas, com 4 a 6 meses de duração,
especialmente ao longo da primavera e do inverno, fato que tem causado situações
sazonais com baixa relativa da disponibilidade de recursos hídricos.
Assim, face às mencionadas estiagens sazonais, as frentes de expansão sempre
tendem a demandar perímetros de irrigação, fato que deve resultar em sobre-
exploração dos recursos hídricos, tem como resultados conflitos entre usos
múltiplos das águas. Por outro lado, na ocasião de chuvas intensas podem ser
previstos problemas de assoreamento e, por vezes, de contaminação por
agroquímicos, a serem bem mais graves caso ocorra uma indevida retirada de
matas ciliares, fato este já abordado pelo recente Novo Código Florestal
Brasileiro16.
Como outra das questões a serem abordadas nos trechos de expansão de novas
fronteiras agrícolas, deve-se anotar a definição de vias alternativas para transporte
maciço da produção regional, com destaque para a possibilidade de um
funcionamento viável e efetivo de hidrovias, com grande ênfase no Rio Tocantins-
Araguaia, que pode contemplar produtores com um acesso privilegiado ao norte do
País, para exportações via o Porto de Belém, do Pará, assim como de São Luis, do
Maranhão, e de Fortaleza, do Ceará, tendo em vista os mercados norte-americano
e europeu.
16 Este Novo Código Florestal foi estabelecido pela Lei Federal nº 12.651, de 25 de maio de 2012,
além de outras providências pela posterior Lei Federal nº 12.727, de 17 de outubro de 2012, que
trouxe mais algumas alterações.
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Enquanto o Rio Tocantins já se encontra alterado por sucessivos aproveitamentos
hidrelétricos, o Araguaia reúne importante acervo ambiental, merecendo cuidados
e avaliação dos impactos potenciais sobre o meio ambiente, decorrentes de seu
eventual aproveitamento para novas usinas hidrelétricas e/ou como hidrovia.
Diretrizes Gerais
Sob tal contexto, como diretrizes gerais devem ser repetidas muitas das que já
foram dispostas no tópico anterior, com ênfase no sentido de que ocorra um
planejamento antecipado para um ordenamento consistente da ocupação do
território sujeito a novas fronteiras agrícolas, além de formas mais rigorosas para
fiscalização hídrica e ambiental, de forma a prevenir e evitar potenciais impactos
inadequáveis.
Ademais, tendo como referências algumas das diretrizes propostas para a Região
Amazônica, deve-se reconhecer a importância de ações voltadas à proteção e
preservação de certas áreas ambientais, identificadas como relevantes para o trato
de potenciais problemas relacionados aos recursos hídricos, inserindo em pauta a
criação de área protegidas e unidades de conservação.
Neste sentido e como última observação, ao olhar para o extremo oeste do
Cerrado, entra em pauta o Bioma do Pantanal, para o qual cabe registrar a
seguinte pergunta: tendo em vista a sua elevada importância como um ecossistema
ambiental e hídrico, esta região do Pantanal deve ser tratada em conjunto com a
abordagem de preservação da Amazônia, ou deve contar com um sistema próprio
e específico para sua gestão?
2.4.3.(iii) Grandes Núcleos Urbano-Industriais, com ênfase em Regiões
Metropolitanas e Aglomerações de Cidades
Como terceira leitura do conjunto das regiões Sul, Sudeste e do Centro-Oeste
brasileiro, torna-se muito importante abordar seus grandes núcleos urbano-
industriais, com ênfase em regiões metropolitanas e aglomerações de cidades, as
quais demandam diagnósticos próprios à natureza e ao perfil de seus principais
problemas, no presente, com muitos já advindos de possíveis mudanças climáticas.
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De fato, mesmo que, em geral, as regiões em pauta contem com boas
disponibilidades hídricas, razoavelmente bem distribuídas ao longo do ano – um
pouco menos no Centro-Oeste, onde há meses com predomínio de chuvas e outros
com escassez –, aspectos próprios a grandes núcleos urbano-industriais devem
ser analisados mais especificamente, sobretudo, tendo em vista a ocorrência
esporádica de eventos críticos, a exemplo da estiagem que, neste ano, está
impactando significativamente a Região Metropolitana de São Paulo, além de
muitas cidades do interior.
Mais do que isso, caso eventos críticos passem a crescer em decorrência de
mudanças climáticas, tornar-se-á indispensável definir significativas intervenções
em muitas das cidades, para a redução de elevados graus de risco, sendo que: (a)
no caso da falta de chuvas, com a identificação de eventuais novos mananciais,
mais racionalidade no uso da água e com a redução dos atuais índices de perdas
em sistemas de distribuição; e, (b) em casos de períodos com muita chuva, com
ações votadas para evitar inundações ainda mais elevadas e deslizamento de
encostas, em muitos casos, indevidamente ocupadas por favelas, nas quais
pequenas moradias de famílias de baixa renda são bem frágeis, com acidentes
sempre significativos e inúmeras mortes.
A propósito, cabe lembrar que muitos desses problemas são inequivocamente
advindos de características dos processos de urbanização no Brasil, no mais das
vezes, sem um planejamento antecipado, ordenamento e fiscalização do uso e
ocupação do solo, fato que tem gerado muitas áreas de risco em cidades. Com
efeito, a malha urbana do País recebeu, em um lapso de 70 anos, algo como 120
milhões de novos moradores, partindo de uma taxa de urbanização da ordem de
35% na década de 1940, para os atuais 85% na média nacional, já prevista para
90% em 2020 (IBGE, 2013).
Em seu conjunto, todas as regiões metropolitanas17, incluídas as nordestinas, já
17 São 23 (vinte e três) as regiões metropolitanas definidas em leis estaduais, incluindo áreas de
expansão: Porto Alegre (RS); Florianópolis, Vale do Itajaí e Norte - Nordeste Catarinense (SC);
Curitiba, Londrina e Maringá (PR); São Paulo, Campinas e Baixada Santista (SP); Rio de Janeiro
(RJ); Vitória (ES); Belo Horizonte e Vale do Aço (MG); Goiânia (GO); Brasília (DF); Maceió (AL);
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62
representam mais de 50%, ou quase 87 dos 172 milhões dos habitantes das
cidades brasileiras (IBGE, 2010), concentrando-se em apenas 160.000 km2 do
território nacional, portanto, em menos de 2,0% dos 8,5 milhões de km2.
Ainda sobre as regiões metropolitanas, cabe destacar que somente a chamada
Macrometrópole Paulista (composta pela Grande São Paulo, Região Metropolitana
de Campinas e pela Baixada Santista) concentra perto de 65% do Produto Interno
Bruto (PIB) do Estado de São Paulo, chegando próximo a 23% do PIB Nacional,
em uma área pouco superior a 14.000 km2.
Números igualmente impressionantes são obtidos mesmo quando se amplia o
horizonte de análise para o eixo urbano-econômico que une as duas maiores
metrópoles nacionais – de São Paulo e do Rio de Janeiro –, margeando o Rio
Paraíba do Sul, ainda que sejam consideradas perspectivas mais recentes de
desconcentração de alguns segmentos industriais importantes (parque automotivo,
principalmente), com maiores articulações deste eixo SP-RJ com as regiões
metropolitanas de Curitiba (ao sul) e de Belo Horizonte (ao norte).
Sob este contexto, embora a taxa anual de crescimento urbano do Brasil tenha
decaído dos 4,4%, observados na década de 1970 a 1980, atualmente para algo
ao redor de 2,1%, indicando alguma atenuação do fluxo migratório rural – urbano,
o fato é que a elevada concentração nas áreas metropolitanas e nas maiores
aglomerações urbanas do País tende a manter seus significativos impactos hídrico-
ambientais, ainda que, já na década de 1990, tenha sido verificada uma tendência
de crescimentos maiores em cidades do interior, sobretudo no Estado de São
Paulo.
De fato, segundo consta na Parte II, item II.3 (p. 64) da publicação GEO Brasil –
Recursos Hídricos (PNUMA e ANA, 2007), litteris:
..., no período 1991/96 as cidades com 100 a 499 mil
habitantes passaram a abrigar 11,3% da população total
contra 10,7% em 1991; as cidades com 50 a 99 mil hab.
passaram de 5,4% a 9,1%, muitas dessas localizadas no
entorno de áreas metropolitanas. Já as cidades com mais de
Salvador (BA); Recife (PE); Natal (RN); Fortaleza (CE); São Luiz (MA); e, Belém (PA).
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63
500 mil hab. passaram de 35,2% para 35,7%. Verifica-se essa
tendência mesmo nos estados com rede urbana bem
distribuída: Santa Catarina, por exemplo, onde a
concentração é crescente em Joinville; ou no Paraná, com a
Região Metropolitana de Curitiba reunindo 56% do PIB
industrial e mais de um terço da população do estado.
Ainda segundo esta publicação, em termos intrarregionais, o crescimento se dá,
marcadamente, nas periferias e em enclaves (favelas e cortiços) ocupados pelos
extratos inferiores de renda, em que as taxas de crescimento chegam a superar a
marca de 15% ao ano (!), em contraponto à relativa estabilidade dos núcleos
centrais (Tucci et al., 2001).
Assim, torna-se evidente que esse processo descrito, de um elevado crescimento
da urbanização no Brasil, teve como resultado um quadro de comprometimento do
meio ambiente urbano, não somente no que tange ao conjunto das regiões do Sul,
Sudeste e do Centro-Oeste, como também nas regiões metropolitanas do
Nordeste, todas localizadas junto ao litoral e na Zona da Mata (Salvador, Aracajú,
Maceió, Recife, João Pessoa, Natal e Fortaleza), por vezes, apresentando perfis
hídrico-ambientais e sociais também severos. Portanto, tal como já mencionado,
problemas próprios às regiões metropolitanas do Nordeste deverão ser abordados
neste tópico, mais à frente.
Sob tal processo inexorável de urbanização e tendo em vista os objetivos do
presente trabalho sobre a Governança na gestão de recursos hídricos, relacionados
ao Plano Nacional de Adaptação a Mudanças Climáticas, torna-se importante
sublinhar que não devem ser abordadas apenas questões relacionadas à
disponibilidade hídrica, ora com escassez ou com inundações, mas sim, uma
devida sobreposição de diversos problemas hídricos em pontos territoriais críticos
de núcleos urbanos, portanto, sob uma ótica transversal voltada à gestão integrada
dos recursos hídricos (GIRH).
Dizendo de outra forma, isto significa que também devem ser considerados fatores
próprios ao planejamento das cidades, a ser visto como uma das variáveis
supervenientes à GIRH. Enfim, cabe uma abordagem mais ampla e consistente,
em decorrência da elevada complexidade de problemas hídrico-ambientais
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urbanos, em sua maioria, sempre relacionados ao uso e ocupação do solo.
Com efeito, além de questões relacionadas à disponibilidade hídrica, na maioria
quase absoluta das cidades brasileiras – no presente, com certas exceções de
municípios do interior paulista, a exemplo de Itu e de Jundiaí, que já contam com
mais de 90% de seus esgotos coletados e tratados – também ocorrem agudos
problemas de qualidade, com forte poluição das águas e com intervenção e
redução dos potenciais aproveitamentos hídricos, assim como, com repercussões
negativas causadas sobre a própria saúde pública. Ou seja, seguem vários
problemas decorrentes de lacunas relacionadas à infraestrutura do saneamento
básico, que ainda persistem no Brasil18.
A propósito, sabe-se que a maioria das cidades apresenta inúmeras fontes
poluidoras, pontuais e dispersas, como resultado: da disposição de esgotos
domésticos não coletados e/ou tratados19; de resíduos sólidos também não
devidamente coletados ou sem uma disposição final adequada; além de efluentes
industriais igualmente não tratados. Por vezes, indevidos dejetos hospitalares
acabam repercutindo graves problemas sobre a saúde pública.
Ademais, no que tange a fatores relacionados a mudanças climáticas, cabe lembrar
que núcleos urbano-industriais são alguns dos principais pontos de onde ocorre a
emissão de gases de efeito estufa, portanto, sempre demandando intervenções
relacionadas a interesses do Plano Nacional em pauta, para que se tenha maior
Governabilidade sobre a gestão dos recursos hídricos.
Todas essas fontes poluidoras ocorrem mais gravemente em encostas, fundos de
vale, áreas alagadas, várzeas e beiras de rios e córregos, geralmente ocupados de
modo irregular por favelas e loteamentos desconformes, configurando nichos onde
se conjugam a pobreza urbana, a ausência de serviços de infraestrutura básica, a
18 Segundo dados recentes do Plano Nacional de Saneamento Básico (dezembro de 2013), estima-
se que o montante necessário para a instalação da devida infraestrutura sanitária chega a mais de
R$ 500 bilhões.
19 Estima-se que algo como 90% das descargas de DBO nas grandes cidades seja de origem
doméstica, contra apenas 10% industrial. Em Contagem, na Região Metropolitana de Belo
Horizonte, estes percentuais são respectivamente de 93 e de 7%.
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degradação ambiental e o comprometimento de mananciais de abastecimento,
além de certas áreas que poderiam servir ao lazer (a exemplo de parques urbanos
atrativos).
Sob esse aspecto, ainda que as principais cidades do Sul e do Sudeste, além de
algumas do Centro-Oeste, notadamente no caso de Brasília, detenham maior
capacidade institucional, renda per capita e potencial de arrecadação e de
investimentos20, seguem convivendo com importantes problemas de saneamento
ambiental urbano, notadamente com desafios concernentes à disponibilidade
qualiquantitativa de recursos hídricos.
Como uma referência social e financeiramente importante, volta-se a mencionar
que, frente a possíveis mudanças climáticas, devem agravar-se os recorrentes
problemas de inundações, os quais, virtualmente, paralisam cidades, como a de
São Paulo, resultando em custos que se repercutem amplamente sobre toda a
sociedade, pela obstrução do tráfego, perdas patrimoniais e interrupção de várias
atividades, em geral.
Seguindo a respeito, como conhecidos exemplos vale lembrar que fatos dessa
ordem já ocorreram em Blumenau, cidade importante de Santa Catarina, onde
muitas inundações, advindas do Rio Itajaí-Açu, causaram substantivos impactos
durante vários anos; além de Angra dos Reis, localizada no litoral sul do Rio de
Janeiro, e de Teresópolis, na Serra Fluminense, com ambas submetidas a grandes
chuvas e deslizamentos de encostas, que afetaram muitos moradores locais e
alguns turistas, sempre com elevados impactos e gastos para a sociedade.
Enfim, agora sob uma abordagem genérica, destacam-se os seguintes fatores
como os de maior expressão na delimitação do quadro de problemas hídrico-
ambientais e sociais que ocorrem nos núcleos urbanos que estão sendo
abordados21:
(i) os baixos níveis de tratamento dos esgotos domésticos, mesmo em cidades
20 A renda per capita média nas cidades do interior paulista é substancialmente superior do que a
observada nas metrópoles do Nordeste; o orçamento da cidade de São Paulo é o terceiro do País,
superando muitos dos principais estados brasileiros.
21 Fonte: GEO Brasil - Recursos Hídricos (PNUMA e ANA, 2007).
______________________________________________________________________________
66
já com altos níveis de coleta de águas servidas, o que implica em
lançamentos in natura concentrados;
(ii) a disposição inadequada de resíduos sólidos, em lixões a céu aberto,
quando não a ausência ou insuficiência de coleta em áreas de difícil acesso
natural ou sem vias de circulação, particularmente em favelas e ocupações
irregulares;
(iii) a impermeabilização crescente do solo urbano, com redução nos tempos de
concentração e interferência nas condições naturais de drenagem,
amplificando os efeitos de cheias, muitas vezes sem alternativas viáveis –
técnica e/ou financeiramente – para intervenções em macrodrenagem;
(iv) o comprometimento de mananciais próximos, com escassez de
disponibilidade hídrica com a qualidade adequada; e,
(v) a mútua interdependência entre todos estes e outros fatores, devido a
condições operacionais decorrentes dos próprios padrões inadequados de
urbanização e de uso e ocupação do solo, acarretando problemas para a
prestação de diferentes serviços de interesse público, como, p. ex., a
obstrução da rede de drenagem pelo lixo não coletado, ligações de esgotos
em galerias de águas pluviais (e vice-versa) e a inacessibilidade para a O&M
de redes e serviços, dentre as interferências mais comuns.
Em acréscimo, sabe-se que a carga potencial proveniente de run-off urbano é
igualmente relevante para fins de controle da poluição hídrica, não obstante ser
pouco conhecida no presente e ainda ausente da pauta prioritária das cidades,
tanto no Brasil, quanto na maioria dos demais países, lacuna esta que não deverá
perdurar por muito tempo, tendo em vista a necessária adaptação a mudanças
climáticas22.
Todavia, a mera identificação genérica dos fatores que foram descritos não torna
trivial o desafio das soluções reclamadas para um saneamento ambiental urbano
22 Estima-se que, em São Paulo, o aporte de nutrientes pela via difusa aproxime-se de um terço da
carga total, superando a 40% na bacia do reservatório do Guarapiranga, importante manancial de
abastecimento da Grande São Paulo, com cerca de 12 m3/s.
______________________________________________________________________________
67
consistente e para a desejada Governança na gestão de recursos hídricos, em
núcleos urbanos relevantes, tendo em vista uma adaptação a mudanças do clima.
Com efeito, a múltipla e complexa combinação desses fatores, frente a outras
variáveis de natureza geomorfológica, peculiares a cada espaço geográfico, bem
como, a questões institucionais, socioculturais e econômicas, exige esforços
analíticos e metodológicos importantes para o enfrentamento desses problemas,
dentre os quais os principais pontos de inundação, deslizamento de encostas,
poluição hídrica e de preservação de mananciais (qualidade versus escassez)
tendem a ocupar prioridade.
Por fim, para encerrar o diagnóstico dos núcleos urbano-industriais em pauta, agora
cabe destacar certas especificidades próprias às regiões metropolitanas do
Nordeste23. Neste sentido, sabe-se que a primeira consequência do quadro descrito
do Semiárido (ver item 2.4.2) consiste na migração da população, em percurso
direto da área rural para as periferias das grandes capitais (Fortaleza, João Pessoa,
Recife e Salvador, além de Natal, São Luis, Teresina, Maceió e Aracaju), onde são
notáveis os problemas ambientais urbanos, sempre associados à concentração de
pobreza em favelas e ocupações irregulares, notadamente em áreas de risco, tais
como alagados, encostas, várzeas e margens de rios e córregos.
De fato, no presente, grande parte da população nordestina ocupa uma estreita
faixa não superior a 100 km do litoral, o que justifica uma abordagem específica
desta zona costeira do Brasil. Na Grande Recife, por exemplo, parte ponderável da
população, que já supera 4,0 milhões de habitantes, reside em mais de 650 favelas,
onde a renda familiar média não supera dois salários mínimos.
Nessas áreas, localizadas nos trechos perenizados a jusante dos principais cursos
d'água, com precipitações médias anuais de 1.120 mm, as disponibilidades hídricas
são comprometidas, via de regra, pela conjugação de poluição urbana originada
por esgotos domésticos, disposição de resíduos sólidos e algumas descargas
industriais não tratadas, sobre a qual se sobrepõem cheias periódicas, amplificadas
pela impermeabilização crescente do solo urbano. Em acréscimo, a contaminação
23 Fonte: GEO Brasil - Recursos Hídricos (PNUMA e ANA, 2007), com alguns dados atualizados.
______________________________________________________________________________
68
dos mananciais superficiais é seguida da sobre-exploração de aquíferos, caso no
qual Recife novamente constitui um destacado exemplo negativo. Problema similar
também ocorre em Natal (RN).
Dado o grande potencial turístico do litoral nordestino, a ser visto como uma das
principais alternativas para o desenvolvimento socioeconômico da região, passam
a ser economicamente relevantes os problemas associados à ausência de
infraestrutura sanitária, muitas vezes resultando em comprometimento da
balneabilidade de praias e, quando menos, na perda de potencial paisagístico
(deságue de linhas negras e problemas de odor, dentre outros).
Finalmente, cabe mencionar que esse quadro das grandes capitais nordestinas é
reproduzido, com pequenas variações, sobre o número reduzido de cidades do
interior, algumas de médio porte, que se desenvolvem no Agreste e no Sertão,
originando focos localizados de poluição urbana. Sendo assim, algumas dessas
cidades do interior, por estarem localizadas a montante dos cursos d’água de
vertente atlântica, repercutem negativamente sobre as disponibilidades hídricas
das grandes concentrações litorâneas (caso de Feira de Santana, que apresenta
despejos sobre o reservatório de Pedra do Cavalo, manancial da Grande Salvador).
Diretrizes Gerais
Com esses complexos problemas hídrico-ambientais urbanos já dispostos, agora
devem ser elaboradas diretrizes gerais, tendo em vista o objetivo de Governança
na gestão das águas e adaptação a mudanças climáticas.
Todavia, cabe novamente lembrar que as abordagens a ser feitas em áreas urbanas
não devem considerar apenas questões relacionadas à disponibilidade hídrica, ora
com escassez ou com inundações, mas sim, com uma devida sobreposição de
diversos problemas hídricos em pontos territoriais críticos de núcleos urbanos,
portanto, sob uma ótica transversal voltada à GIRH. Isto significa que também
devem ser considerados fatores próprios ao planejamento das cidades, a ser visto
como uma das variáveis supervenientes à gestão de recursos hídricos.
Sob este entendimento, de pronto cabe sublinhar que, para resolver problemas
dessa ordem, procedimentos metodológicos não devem se limitar ao “o que fazer?”,
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69
mas também, na maioria dos casos, devem conferir destaque sobre “como fazer?”.
Isto significa que modelos de gestão próprios a áreas-problema (problem-sheds)
devem entrar em pauta.
Como referências a respeito, pode-se mencionar a bacia e o respectivo Comitê do
Alto Tietê, onde se localiza a Grande São Paulo, assim como as bacias do Alto Rio
Iguaçu e do Alto Ribeira, ambas agregadas e com seu Comitê “unificado”, em
função da localização da Região Metropolitana de Curitiba.
A propósito, entende-se que o SEGREH de São Paulo, definido pela legislação
paulista como Sistema Integrado de Gerenciamento de Recursos Hídricos
(SIGRH), estabeleceu as suas 22 Unidades de Gerenciamento Integrado de
Recursos Hídricos (UGRHIs), em função de vários aspectos, inclusive de
associações históricas entre certos municípios, fato que indica uma visão de
diferentes leituras territoriais e de uma gestão realmente integrada dos recursos
hídricos24.
Mesmo sob tais abordagens com foco em problemas de núcleos urbanos,
recomenda-se que sejam previstos comitês de integração para o contexto geral de
bacias hidrográficas, quando estiverem em pauta balanços hídricos gerais e
problemas conjuntos, de montante para jusante e vice-versa.
Ainda sem chegar a detalhes mais próprios a sistemas de gestão, que serão
abordados no próximo Cap. 3, e voltando agora a diretrizes gerais relacionadas às
regiões em pauta, cabe registrar a relevância do posicionamento nacional do
Estado de Minas Gerais, entendido como a “Caixa d’água do Brasil”, uma vez que
muitas das nascentes dos principais rios do País, notadamente no caso do Rio São
Francisco, se localizam em território mineiro.
Em termos práticos, isto significa que Minas Gerais deve, de um lado, seguir com
a abordagem de suas 38 Unidades de Planejamento e Gestão de Recursos
Hídricos (UPGREHs), para que núcleos de problemas estaduais possam ser
tratados, mesmo que algumas dessas UPGRHs sejam territorialmente revistas; e,
24 Esta leitura ocorreu sob o mérito do destacado profissional Flávio Terra Barth, principal
responsável pela proposição da Lei Estadual n º 7.663, publicada em 30 de dezembro de 1991, a
qual serviu como a base mais relevante para a própria Lei Nacional nº 9.433/1997.
______________________________________________________________________________
70
de outro, estar presente em comitês de integração, para que ocorram
convergências, acordos e cooperações com estados vizinhos e a jusante em bacias
hidrográficas compartilhadas.
De fato, como este estado federativo situa-se a montante dos principais rios
brasileiros, os problemas mencionados “poderão potencialmente impactar quase
todo País” (Tucci, 2001).
Com isto posto, percebe-se que um dos principais desafios em pauta refere-se à
conjugação de abordagens com base em problem-sheds (sub-bacias com
externalidades hídricas e ambientais negativas concentradas) e na coordenação de
políticas no âmbito das bacias hidrográficas como um todo. Neste sentido, o
enfrentamento de problemas pode ser advindo, tanto de movimentos top-down,
quanto bottom-up, a serem definidos segundo conveniências de ordem tática
(identificação de “janelas de oportunidade”).
Em termos práticos, essas diretrizes dispostas devem ser consideradas quando
estiver em plena pauta o imperativo de implementação de Programas de Ação, a
serem vistos como uma das frentes de trabalho de planos de bacias hidrográficas,
além de sempre definidos sob uma forma integrada no caso de núcleos urbano-
industriais, portanto, envolvendo: sistemas de abastecimento de água; coleta e
tratamento de esgotos domésticos; efluentes industriais; coleta e disposição de
resíduos sólidos; redes de micro e de macrodrenagem; além de certas
infraestruturas urbanas, inclusive com eventuais reassentamentos de moradores
localizados em áreas de risco, até chegar à indispensável proteção de certas áreas
ambientais, notadamente no caso de mananciais identificados como relevantes.
Em relação aos mencionados Programas de Ação, por certo que deverão ser
definidos e aplicados critérios para a priorização de investimentos, levando em
consideração: (i) o objetivo e metas voltadas à redução de impactos hídricos e
ambientais urbanos, além de aspectos sociais, também considerando a perspectiva
de cenários advindos de potenciais mudanças climáticas; (ii) a factibilidade de sua
implementação, em termos gerenciais e político-administrativos; e, (iii) a
distribuição social de benefícios econômicos associados a melhorias, segundo
relações entre custos/benefícios.
______________________________________________________________________________
71
Tal como já mencionado, cabe reafirmar que para esses Programas de Ação deve
ser conferida ênfase particular a práticas de gerenciamento de suas
implementações (como fazer?), por vezes mais desafiadora do que suas
concepções (o que fazer?). Mesmo assim, deve-se reconhecer a indispensável e
complexa visão para uma efetiva gestão integrada dos recursos hídricos (GIRH),
fato que demanda articulações com outras políticas urbanas, com merecido
destaque para o planejamento do uso e ocupação do solo.
Ou seja, sempre deve ser considerada a inter-relação da gestão de recursos
hídricos com suas variáveis supervenientes, do meio ambiente e do
desenvolvimento urbano e regional, e das intervenientes, envolvendo os diversos
setores usuários das águas.
Chegando agora a diretrizes gerais para as regiões metropolitanas do Nordeste,
registra-se que, por certo, deve ser definido um modelo institucional distinto daquele
a ser empreendido no Semiárido brasileiro, portanto, com suas específicas
unidades territoriais para planejamento e gestão, sempre caracterizadas por suas
elevadas densidades populacionais, tal como foi proposto para os problem-sheds
das regiões do Sul, Sudeste e do Centro-Oeste.
De fato, frente à elevada concentração da população lindeira ao mar, os problemas
estão vinculados ao uso e ocupação do solo e ao potencial comprometimento de
mananciais, inclusive de certos aquíferos. Sendo assim, também serão necessárias
abordagens integradas, no caso do Nordeste com ênfase em áreas de
concentração de pobreza (favelas, cortiços e ocupações desconformes). Isto
significa que as ações devem considerar um duplo objetivo, envolvendo o combate
à pobreza e a melhoria hídrico-ambiental urbana, o que é possível na medida em
que ambos os problemas encontram-se sobrepostos no território.
Com isto posto, no que tange aos mencionados Programas de Ação, cabe anotar:
(i) a infraestrutura de armazenamento corretamente construída, para mitigar efeitos
da evapotranspiração e otimizar a regularização, portanto, com reservatórios e
açudes com a maior profundidade possível e menores áreas inundadas; (ii) a
infraestrutura de transporte de água (canais e adutoras) definida segundo eixos
com localização compatível com o desenvolvimento de atividades econômicas e
com estratégias para ordenamento do território, por vezes, voltadas à consolidação
______________________________________________________________________________
72
e adensamento da rede urbana; (iii) o desenvolvimento de alternativas de baixo
custo para sistemas localizados de suprimento (cisternas, poços locais, barragens
subterrâneas e outras formas); (iv) informações hidrometeorológicas,
hidrogeológicas e sistemas de apoio à decisão (SADs), voltados ao gerenciamento
das disponibilidades e das demandas, a serem operados por instituições capazes
de garantir sua aplicação junto aos usuários e comunidades.
Em acréscimo, os Programas de Ação também devem tratar: da redução de perdas
e desperdícios, chegando a uma operação e manutenção mais consistente dos
sistemas de reservação e de distribuição de água; de negociações relacionadas à
alocação das disponibilidades entre os diferentes setores usuários; e, da
adequação dos instrumentos de gestão às peculiaridades regionais, por exemplo,
com a outorga sendo mais flexibilizada para curta duração, em certos períodos
sujeita a regimes de racionamento.
Por fim, em termos das UTEGs, tendo em vista a interligação de bacias mediante
reservatórios, açudes, canais e adutoras, será indispensável considerar a devida
O&M dessa infraestrutura hídrica.
Instituições e Atores Estratégicos
Para encerrar o presente item 2.4.3, com diagnósticos e diretrizes gerais
relacionadas às regiões Sul, Sudeste e do Centro-Oeste, também incluindo as
áreas metropolitanas do Nordeste, agora serão listadas, de forma muito genérica,
as principais instituições e atores considerados como estratégicos para uma efetiva
Governança na gestão de recursos hídricos.
- Ministério do Meio Ambiente e suas Secretarias de Recursos Hídricos e
Ambiente Urbano (SRHU) e de Extrativismo e Desenvolvimento Rural
Sustentável, além da Secretaria de Mudanças Climáticas e Qualidade
Ambiental, responsável pelo Plano Nacional de Adaptação a Mudanças
Climáticas;
- Conselhos Nacionais de Recursos Hídricos (CNRH) e do Meio Ambiente
(CONAMA);
- Agência Nacional de Águas (ANA);
______________________________________________________________________________
73
- Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis
(IBAMA), com suas instâncias locais próprias;
- Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento e suas Secretarias de
Política Agrícola, de Defesa Agropecuária e de Produção e Agroenergia,
além da presença de instâncias regionais da Empresa Brasileira de Pesquisa
Agropecuária (EMBRAPA);
- Ministério de Minas e Energia, contando com a Empresa de Pesquisa
Energética (EPE), Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL),
Operadora Nacional do Sistema interligado (ONS), Companhia de Pesquisa
de Recursos Minerais (CPRM) e o Departamento Nacional de Produção
Mineral (DNPM), além da Eletrobrás, da Itaipu Binacional25 e, para
determinadas ações, da própria Petrobrás;
- Ministério dos Transportes, com instâncias voltadas a redes logísticas de
transporte, com inclusão de hidrovias;
- Ministério das Cidades e sua Secretaria Nacional de Saneamento Ambiental;
- Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior e sua
Secretaria do Desenvolvimento da Produção;
- Secretarias Estaduais do Meio Ambiente e de Recursos Hídricos (Rio
Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná, São Paulo, Rio de Janeiro, Minas
Gerais, Espírito Santo, Goiás e Distrito Federal, Mato Grosso do Sul e Mato
Grosso, além de Tocantins), assim como seus respectivos Órgãos Gestores
do Meio Ambiente e de Recursos Hídricos, com interesse sobre a
experiência recente do Instituo Estadual do Ambiente (INEA/RJ) e das
Agências Reguladoras sobre Saneamento e Energia, com destaques para a
ARSESP (SP) e ADASA (DF), sem esquecer a abordagens de instituições
similares relacionadas com as regiões metropolitanas nordestinas;
25 Como referência da Itaipu Binacional, cabe lembrar o Programa Cultivando Água Boa, com
abordagem da bacia hidrográfica do Paraná III.
______________________________________________________________________________
74
- Secretarias de Estado de Planejamento, com inclusão de órgãos
coordenadores de regiões metropolitanas, a exemplo da COMEC -
Coordenação da Região Metropolitana de Curitiba;
- Conselhos Estaduais de Recursos Hídricos e do Meio Ambiente e os
principais comitês de bacias, tanto estaduais quanto federais, tais como o
CEIVAP (Comitê do Paraíba do Sul), o do Piracicaba, Capivari e Jundiaí
(PCJ), do Alto Tietê, da bacia do Rio Doce, do Rio das Velhas (MG), do Rio
Gravataí (RS), do Rio Itajaí-Açu (SC) e do Rio Paranaíba (DF, GO, MG e
MS), além de muitos outros;
- Concessionárias Estaduais de Saneamento Básico, departamentos e
empresas municipais ou do setor privado, responsáveis por sistemas de
abastecimento da água e coleta e tratamento de esgotos sanitários, com
destaques para a Sabesp (SP), Sanepar (PR), Cedae (RJ), Copasa (MG) e
Caesb (DF), além de muitas outras e das concessionárias nordestinas que
atendem as regiões metropolitanas, a exemplo da Embasa (BA), Compesa
(PE) e da Caern (RN);
- Companhias de Geração de Energia Elétrica, de economia mista ou privada,
com destaques para Furnas (MG), vinculada à Eletrobrás, Cemig (MG),
Copel (PR) e Light (privada), além da Itaipu Binacional (já listada), de muitas
Pequenas Centrais Hidroelétricas (PCHs) e de empresas do Nordeste, como
a Coelba (BA);
- Principais Prefeituras Municipais, incluindo: Porto Alegre, Sapucaia do Sul,
Caxias do Sul, São Luiz Gonzaga e Santa Maria (RS); Florianópolis,
Blumenau, Joinvile e Chapecó (SC); Curitiba, Londrina, Cascavel e Foz do
Iguaçu (PR); São Paulo, Campinas, Piracicaba, Santos, Presidente
Prudente, Andradina e São José do Rio Preto (SP); Rio de Janeiro, Angra
dos Reis, Teresópolis, Resende e Macaé (RJ); Belo Horizonte, Contagem,
Uberlândia, Paracatu, Montes Claros, Jequitinhonha, Governador Valadares
e Juiz de Fora (MG); Vitória, Colatina e Itapemirim (ES); Brasília (DF);
Goiânia, Rio Verde e São Miguel do Araguaia (GO); Campo Grande,
Dourados, Ponta Porã, Sonora e Corumbá (MS); Cuiabá, Guarantã do Norte,
Juruena e Rondonópolis (MT); e, Palmas, Sandolãndia e Araguaína (TO),
______________________________________________________________________________
75
além das capitais nordestinas (Salvador, Aracajú, Maceió, Recife, João
Pessoa, Natal, Fortaleza, Teresina e São Luis) e de outras cidades, seja com
suas presenças voltadas ao planejamento urbano para uso e ocupação do
solo ou a respeito de áreas de expansão agropecuária;
- Departamentos municipais e empresas privadas responsáveis pela coleta e
disposição final de resíduos sólidos;
- Confederação Nacional da Agricultura (CNA) e suas Federações Estaduais
associadas, além de outras entidades regionais relacionadas a este
segmento produtivo, com destaque para cooperativas agroindustriais, a
exemplo da Cooperativa Mista de Prudentópolis e da Copagil, e de diversas
associações de produtores rurais;
- Confederação Nacional da Indústria (CNI) e suas Federações Estaduais
associadas, com ênfase em industriais que demandem elevadas vazões de
recursos hídricos, superficiais ou subterrâneos; e,
- Secretarias de Defesa Civil.
Por fim, pensando em passos executivos do presente estudo, a serem
empreendidos mais a frente, torna-se evidente que listagens bem mais específicas
e detalhadas sobre as instituições e atores deverão ser abordadas com óticas
próprias às três leituras regionais que foram apresentadas.
2.5. A Importância de Cenários sobre Mudanças Climáticas em Relação à
Governança na Gestão de Recursos Hídricos
Como último tópico do presente capítulo, além das leituras regionais que foram
feitas, devem ser considerados cenários prospectivos, notadamente em
decorrência de possíveis mudanças climáticas.
Neste sentido, cabe lembrar que a própria Lei Nacional nº 9.433, em seu Art. 2º,
retranscrito a seguir, menciona os seguintes objetivos:
Art. 2º São objetivos da Política Nacional de Recursos
Hídricos:
I. assegurar à atual e futuras gerações a necessária
disponibilidade de água, padrões de qualidade adequados
______________________________________________________________________________
76
aos respectivos usos;
II. a utilização racional e integrada dos recursos hídricos,
incluindo o transporte aquaviário, com vistas ao
desenvolvimento sustentável;
III. a prevenção e a defesa contra eventos hidrológicos
críticos de origem natural ou decorrentes do uso inadequado
dos recursos naturais.
(destaques negritados)
Para considerar futuras gerações e perspectivas, sob a ótica de um
desenvolvimento sustentável e com a previsão de eventos hidrológicos
críticos, fica destacada a importância do Eixo I dos estudos da Rede Água, voltado
a cenários sobre possíveis mudanças climáticas.
A propósito, cabe lembrar que dentre as diretrizes já dispostas pelos consultores
deste Eixo I, merecem ser anotadas as seguintes26:
- os sistemas de gestão devem seguir com maior flexibilidade, para que ocorra
melhor resiliência face à indispensável adaptação a graus de risco advindos
de mudanças climáticas; e,
- os instrumentos de gestão não devem ser abstratos, mas sim ter como base
dados mais reais e consistentes.
Com isto posto, percebe-se a complexidade do presente trabalho, com os estudos
em tela podendo consolidar suas proposições somente mais à frente, voltadas a
eventuais adequações da Governança sobre a Gestão de Recursos Hídricos,
sempre sob a visão de que não devem ser empreendidas de forma isolada e
pontual, mas sim, com as devidas articulações e considerações dos demais eixos
da Rede Água.
26 Diretrizes dispostas por Francisco de Assis Souza Filho, em debates que ocorreram durante o
Evento Adaptation Futures 2014, ocorrido entre 12 a 16 de maio de 2014, em Fortaleza, no Ceará.
______________________________________________________________________________
77
3. Base Legal e Institucional do SINGREH e de Certos SEGREHs
As abordagens regionais que foram apresentadas no capítulo anterior, já contando
com diretrizes gerais, agora serão cruzadas com o modelo de gestão que foi
genericamente desenhado para o SINGREH, assim como, com certos SEGREHs,
sob o intuito de avaliar o estado da arte da Governança e, também, da
Governabilidade sobre a gestão dos recursos hídricos. Portanto, pretende-se
identificar as principais frentes de adequação, para reduzir deficiências e
fragilidades, presentes e/ou previstas, tendo em vista a necessidade de adaptações
a mudanças climáticas.
3.1. Descrição Geral do SINGREH
Em termos do contexto do Aparelho do Estado, então vigente no País, cabe
ressaltar que o Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos
(SINGREH), criado pela Lei Federal nº 9.433, publicada em 8 de janeiro de 1997,
estabeleceu um arranjo institucional inovador, com base em novos princípios
sociais de organização, com a intenção de estabelecer uma gestão compartilhada
das águas.
A publicação desta Lei Federal – provinda do Projeto de Lei nº 2.249/1991, proposto
pelo Poder Executivo, ainda sob um formato um tanto centralizador – teve como
principal referência o modelo francês para gestão de recursos hídricos, o qual já
havia sido transcrito e adaptado a condições locais do Brasil mediante a Lei
Estadual do Sistema de Gerenciamento de Recursos Hídricos de São Paulo (Lei nº
7.663/1991). Além disso, também foram considerados conceitos e referências
externas definidas em Dublin (1992), muitos dos quais tiveram destaques durante
o evento ECO-92, que ocorreu no Rio de Janeiro, onde esteve em pauta a Agenda
21.
Em sua formulação geral, existe relativa similaridade entre a legislação federal e a
grande maioria das leis estaduais vigentes, relativas aos sistemas de
gerenciamento de recursos hídricos. Com efeito, em todas é possível identificar três
blocos principais, cujos conteúdos podem ser assim sintetizados:
______________________________________________________________________________
78
fundamentos, objetivos e diretrizes gerais de ação, que expressam conceitos
amplamente aceitos, relativos a: visão abrangente dos problemas; usos
múltiplos dos recursos hídricos; água como recurso escasso dotado de valor
econômico; articulação e integração com outros setores, uso da bacia
hidrográfica como unidade de planejamento e gestão; e uma gestão
descentralizada e participativa, dentre outros;
um modelo institucional, composto de um colegiado deliberativo superior
(Conselho Nacional e seus correspondentes nos estados); colegiados regionais
deliberativos a serem instalados nas unidades de planejamento e gestão (os
Comitês de Bacia); e, as instâncias executivas das decisões dos colegiados
regionais (as agências de água de bacias hidrográficas); e,
um conjunto de instrumentos de gestão composto: dos planos nacional e
estaduais de recursos hídricos e de planos de bacias hidrográficas;
enquadramento dos corpos d’água em classes, sinalizando objetivos de
qualidade a serem alcançados quando da implantação dos planos de bacia;
outorga pelo direito de uso da água, como instrumento de regulação pública
(estatal) de uso, tornada compatível com os objetivos socialmente estabelecidos
nos planos e respectivos enquadramentos; cobrança pelo uso de recursos
hídricos, sinalizando que a água tem valor econômico e que sua disponibilidade
corresponde a um preço social (público); e, sistemas de informações de
recursos hídricos, onde estão reunidos, consistidos e disponíveis dados de
oferta (disponibilidades), de demandas (cadastros de usuários) e sistemas de
apoio à decisão.
A abordagem do modelo institucional adotado pelo SINGREH, apresentado pelo
Esquema 3.1, implica na enumeração das instâncias decisórias que o estruturam,
as quais não devem ser vistas isoladamente, mas sim com uma divisão de
encargos e de trabalhos conjuntos de um Sistema, assim composto:
Conselho Nacional de Recursos Hídricos (CNRH);
Conselhos de Recursos Hídricos dos Estados e do Distrito Federal;
Comitês de Bacias Hidrográficas (CBHs);
______________________________________________________________________________
79
Agência Nacional de Águas (ANA) 27;
órgãos dos poderes públicos federal e estaduais, cujas competências se
relacionem com a gestão de recursos hídricos; e,
Agências de Água de Bacias Hidrográficas.
Esquema 3.1 – Estrutura Geral do SINGREH
Fonte: Agência Nacional de Águas (ANA)
No que concerne à gestão descentralizada e participativa do SINGREH, cabe
ressaltar que, após dezessete anos da promulgação da Lei Federal nº 9.433//97, já
27 A Agência Nacional de Águas (ANA) foi criada posteriormente, em 2000, segundo a Lei Federal
nº 9.984/2000, passando a exercer um papel de grande relevância junto ao SINGREH.
CONSELHO
NACIONAL DE
RECURSOS
HÍDRICOS - CNRH
MINISTÉRIO DO MEIO AMBIENTE
SECRETARIA DE
RECURSOS
HÍDRICOS - SRH
Estrutura federal conforme
Lei Federal 9.433/97 e lei
9.984/00 da ANA; a SRH
exerce os papéis de
formuladora de políticas a
serem aprovadas pelo
CNRH e de sua secretaria
executiva; a ANA é a
entidade operacional do
sistema, responsável por
sua implantação.
AGÊNCIA
NACIONAL DE
ÁGUAS - ANA
COMITÊS DE
BACIAS
HIDROGRÁFICAS
DE RIOS
FEDERAIS
AGÊNCIAS DE
ÁGUA
Estrutura da bacia
hidrográfica conforme Lei
Federal 9.433/97
CONSELHO
ESTADUAL DE
RECURSOS
HÍDRICOS - CERH
COMITÊS DE
BACIAS
HIDROGRÁFICAS
DE RIOS
ESTADUAIS
SECRETARIA ESTADUAL COM ATRIBUIÇÕES EM
RECURSOS HÍDRICOS
ÓRGÃO
ESTADUAL
GESTOR DE
RECURSOS
HÍDRICOS
AGÊNCIAS DE
ÁGUA
Estruturas estaduais
variáveis em cada Estado,
conforme as leis
respectivas; a Autarquia ou
Empresa Paraestatal de
Recursos Hídricos é uma
tendência observada na
região nordeste, a ser
confirmada no restante do
país, de entidade
operacional do sistema,
responsável pela sua
implantação, no todo ou em
parte, a exemplo da ANA,
no âmbito federal.
AUTARQUIA OU
EMPRESA
PARAESTATAL DE
GESTÃO DE
RECURSOS HÍDRICOS
AMBITO FEDERAL
AMBITO FEDERAL
COMPARTILHADO COM
ESTADOS
AMBITOS ESTADUAIS
______________________________________________________________________________
80
foram instalados mais de 200 comitês, no âmbito de bacias em rios sob o domínio
da União ou sob o domínio dos estados federativos.
Assim, as dinâmicas em curso mostram que, havendo vontade política e não se
permitindo práticas de cooptação, o papel dos diversos atores e sua participação
na gestão hídrica tende a aprimorar os padrões de Governança, estabelecendo
novas mediações entre o Estado, usuários das águas e representantes da
sociedade civil, com base no aperfeiçoamento dos princípios de uma gestão
compartilhada, descentralizada e participativa dos recursos hídricos.
Mesmo assim, a propósito Carlos E. M. Tucci28 escreveu , litteris:
Após a criação da lei nacional de recursos hídricos em 1997,
o desafio foi de implementar e regulamentar as instituições
previstas e passar à descentralização setorial e espacial
(Estados e bacias) e à sustentabilidade econômica de longo
prazo. Esta construção institucional é a condição
necessária, mas não é suficiente para obter o
desenvolvimento sustentável dos recursos hídricos e do
meio ambiente, pois o marco institucional é um processo
e não um fim em si próprio. Este processo deve ser
suficiente para criar os arranjos, as informações e as
decisões para que o desenvolvimento da água seja
sustentável.
(negritados e sublinhados pela consultoria)
Com isto posto, cabe ressaltar que essa abordagem de C.E.M. Tucci mostra-se
bastante convergente com muitos dos questionamentos dispostos pelos
procedimentos metodológicos que foram apresentados no capítulo 1,
nomeadamente com o Planejamento Institucional Estratégico e a Metodologia
APEX, além da devida consideração de outros procedimentos que deverão entrar
em pauta em decorrência da necessária adaptação a mudanças climáticas.
28 Artigo sob o título: Desenvolvimento Institucional dos Recursos Hídricos no Brasil. In: Revista
REGA, vol. 2, nº 2, p. 81-93, jul/dez. 2005.
______________________________________________________________________________
81
Ademais, cabe ressaltar que, não obstante os avanços que já foram obtidos pelo
SINGREH, torna-se fundamental ao Brasil dar respostas consistentes a certos
questionamentos sobre a sua efetiva aplicabilidade e pragmatismo, tanto frente a
perspectivas de mudanças climáticas, quanto em decorrência da constatação
presente de que vêm ocorrendo certas estagnações e lacunas, portanto, sem que
muitos dos resultados necessários e soluções concretas estejam sendo
alcançados.
Isto significa que a legislação constitui um “veículo” (meio) para que sejam
consubstanciados conceitos e operacionalizados instrumentos para a gestão dos
recursos hídricos, segundo as bases teóricas e aprendizados práticos
desenvolvidos nas últimas décadas, no Brasil e em outros países.
Portanto, para que sejam mantidos e retomados objetivos inicialmente
apresentados, antes de seguir na mera aplicação mecânica da legislação, cumpre
um esforço adicional para recuperar e buscar o pleno entendimento dos conceitos
que conferem substrato à moderna gestão das águas, de modo a identificar
eventuais desvios ou perdas de conteúdo, seja na interpretação da base legal
vigente ou na aplicação prática das disposições da Lei Federal nº 9.433/1997.
Neste sentido, sob a ótica do Plano Nacional de Adaptação a Mudanças Climáticas,
cabe questionar se houve um pragmatismo do SINGREH para abordagens de
distintos problemas regionais, os quais podem se tornar ainda mais relevantes e
específicos em cenários prospectivos, portanto, com muitas das leis estaduais não
devendo apenas reproduzir genericamente a lei e o Sistema Nacional em pauta.
Ao contrário, entende-se que será preciso rever uma leitura territorial do País, sob
uma perspectiva própria ao gerenciamento dos recursos hídricos, tal como já
recomendado para a atualização do Mapa de Gestão elaborado pela ANA. Neste
sentido, pode-se afirmar que a mera divisão geográfica em macrobacias está longe
de responder à complexidade inerente ao tema.
Sendo assim, em plena consonância com procedimentos metodológicos já
apresentados, cabe lembrar como necessários:
o cruzamento da natureza dos problemas e de suas prioridades com os
conceitos identificados como úteis para seu enfrentamento, tendo em vista os
______________________________________________________________________________
82
limites e condicionantes do contexto legal e institucional vigente, para a
abordagem de questões e problemas atuais e futuros, a exemplo de
mudanças climáticas;
a formatação de um mapa hidrogeográfico nacional para gerenciamento dos
recursos hídricos no Brasil, com a identificação de núcleos de problemas (os
problem-sheds em bacias de afluentes e em sub-bacias) e de abordagens
mais regionais, que possam indicar referências para uma divisão de funções
e de trabalhos entre os níveis federal, estadual e, inclusive, municipal, em
conformidade com o processo decisório relacionado à gestão dos recursos
hídricos;
assim, este Mapa de Gestão deve possibilitar a definição de uma abordagem
institucional adequada para acessar os problemas, de acordo com sua
natureza e background específico (áreas de ação de políticas públicas e de
participação do setor privado);
o Mapa pode, também, auxiliar na identificação de instrumentos de
implementação, notadamente quanto à delimitação e traçado de planos de
trabalho, com o possível apoio financeiro da União (para problemas regionais
mais abrangentes) e dos próprios estados da federação (para problemas mais
específicos a seus territórios);
a respeito de leituras com base em bacias hidrográficas, que sempre serão
essenciais, cabe ressaltar que devem ser vistas como um espaço geográfico
natural de solidariedade, uma vez que atividades a montante impactam a
jusante (por vezes, vice-versa), sempre com essa leitura voltada para
convergência e coordenação de políticas, entre desenvolvimento regional,
questões de meio ambiente, gerenciamento de recursos hídricos e de setores
usuários; e,
por fim, sob tal abordagem, com base na sobreposição de diferentes leituras
territoriais estratégicas (com aplicação do conceito de “geometria variável”),
cabe ressaltar que tornar-se-á indispensável identificar diferentes unidades
territoriais para uma implementação pragmática de programas e projetos, quer
______________________________________________________________________________
83
sejam focados em áreas com problemas concentrados ou em questões mais
voltadas ao desenvolvimento regional e à proteção do meio ambiente.
Com isto posto, como resposta a um questionamento sobre os rebatimentos do
SINGREH sobre as legislações estaduais de recursos hídricos, será abordada a
leitura da Lei Federal nº 9.433, como sendo uma Lei Nacional.
3.2. Abordagem da Lei Federal nº 9.433/1997, como Lei Nacional
Sob uma ótica jurídico-legal, principalmente levando em conta a Constituição
Brasileira, cabe ressaltar que a Lei Federal nº 9.433/1997 sobrepõe-se, enquanto
texto normativo, a todas as esferas de poder legislativo na convivência federativa
brasileira. Ou seja, não é uma restrita norma federal, mas deve ser vista como uma
Lei Nacional.
Por isso, na sua ementa está escrito que ela institui a Política Nacional de
Recursos Hídricos e cria o Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos
Hídricos. É, pois, uma lei de observância nacional, inobstante ter, formalmente, a
característica de lei ordinária federal.
Esta questão, por sinal, evoca incursão de análise doutrinária aceita pelo direito
constitucional brasileiro, como bem demonstra o jurista Gabriel Ivo29, litteris:
O Estado Federal é aquele cuja ordem jurídica é composta do
subconjunto de normas centrais, vigentes para todo o
território e produzida por um órgão central, e do subconjunto
de normas locais, válidas para partes do território e
produzidas por outros órgãos que não o central. O conjunto
das normas centrais e normas locais – ambas parciais –
forma a ordem jurídica global do Estado.
(...)
O regime jurídico brasileiro possui quatro Sistemas: a) o
Sistema Nacional; b) o Sistema Federal; c) os Sistemas
Estaduais; e d) os Sistemas Municipais.
29 In: Constituição Estadual, São Paulo, Max Limonad, 1977, p. 83-84.
______________________________________________________________________________
84
Isto significa que o âmbito de validade de uma lei nacional é mais abrangente e
diverso do que leis federais específicas. Sendo assim, no caso do Brasil, as leis
estaduais, do Distrito Federal e dos municipais podem seguir com seus princípios,
voltando-se a abordagens locais mais próprias, mas não se confundindo ou se
contradizendo mutuamente.
Ao contrário, devem considerar e respeitar fundamentos, objetivos e diretrizes
gerais, tais como os que foram dispostos pela Lei Nacional no 9.433, ancorada nos
pressupostos constitucionais, próprios e exclusivos da Carta de 1988, sob uma
ordem pública e interesse coletivo, em que pese a vigente dupla dominialidade dos
recursos hídricos, hoje com certos reservatórios, lagos e rios federais e outros
estaduais.
Como exemplo a respeito, cabe lembrar que, segundo a Constituição Federal (CF),
somente o Aparelho do Estado pode e deve empreender certas atividades que se
caracterizam como funções públicas essenciais. Ou seja, por certo que o SINGREH
não pode ser visto ou estruturado como se estivesse por fora do Aparelho de
Estado, ainda que muitas deliberações significativas tenham sido delegadas, via a
Lei Nacional nº 9.433, a comitês e conselhos de recursos hídricos – instâncias
coletivas decisórias, sem personalidades jurídicas30.
Enfim, sempre cabe manter encargos regulatórios devidos sob uma
responsabilidade própria ao Poder Público, notadamente no caso da emissão de
outorgas para direitos de uso da água, além da tipificação de ações e atividades
sujeitas a advertências, infrações e penalidades.
Neste sentido, cumpre destacar o inciso XIX do Art. 21 da CF, transcrito litteris:
Art. 21. Compete à União:
30 Deve-se reconhecer que decisões definitivas a respeito da emissão de outorgas para direitos de
uso da água não devem ser dispostas sob a responsabilidade exclusiva de comitês de bacias e/ou
de conselhos de recursos hídricos, uma vez que tais instâncias coletivas podem ser dominadas por
determinados segmentos com interesses particulares, por conseguinte, com certas decisões
podendo ser questionadas e revistas por órgãos gestores de recursos hídricos, federal ou estaduais,
aos quais legalmente compete a emissão de outorgas, sob perspectivas do Aparelho do Estado, e
não sob interesses particulares, inclusive de um Governo em mandato.
______________________________________________________________________________
85
(...)
XIX - instituir sistema nacional de gerenciamento de
recursos hídricos e definir critérios de outorga de direitos
de seu uso;
(...)
(negritos pela consultoria)
Mesmo assim, em que pese a existência de uma Política Nacional de Recursos
Hídricos, cada unidade federativa (envolvendo todos os estados e o DF) pode e
deve elaborar sua própria política das águas, desde que esta não contrarie o
disposto pela legislação nacional. Ou seja, sem deixar de considerar o contexto
constitucional, é importante resublinhar uma das principais diretrizes da própria
Política Nacional de Recursos Hídricos, notadamente no caso do inciso II do Art.
3º, da Lei nº 9.433 (já destacada no início do Cap. 2), que menciona a necessária
“adequação da gestão de recursos hídricos às diversidades físicas, bióticas,
demográficas, econômicas, sociais e culturais das diversas regiões do País”.
Além disso, cumpre considerar o regime de atribuições legislativas concorrentes,
tal como fixado pela Constituição Federal, segundo a qual compete à União
estabelecer as diretrizes (normas gerais) sobre os temas arrolados no art. 24 do
texto constitucional, ao passo que cabe aos Estados e ao Distrito Federal (em
certos casos, também aos municípios) suplementar essas diretrizes, considerando
suas respectivas peculiaridades, tal como transcrito litteris:
Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito
Federal legislar concorrentemente sobre:
(...)
VI - florestas, caça, pesca, fauna, conservação da natureza,
defesa do solo e dos recursos naturais, proteção do meio
ambiente e controle da poluição;
(...)
VIII - responsabilidade por dano ao meio ambiente, ao
consumidor, a bens e direitos de valor artístico, estético,
histórico, turístico e paisagístico;
§ 1º - No âmbito da legislação concorrente, a competência
da União limitar-se-á a estabelecer normas gerais.
______________________________________________________________________________
86
§ 2º - A competência da União para legislar sobre normas
gerais não exclui a competência suplementar dos
Estados.
(itens negritados e sublinhados pela consultoria)
Portanto, segundo as abordagens jurídico-legais e conceituais dispostas, justifica-
se a edição de leis estaduais mais próprias às características regionais, vez que,
sob uma ótica mais pragmática e realista, devem ocorrer condições mais
compatíveis à aplicabilidade e efetividade da Política Nacional de Recursos
Hídricos. Assim, prevalece o entendimento de que pertence à União a competência
para legislar sobre águas, em sentido genérico (normas gerais), competência esta
que não deve constranger o espaço constitucional e a possibilidade dos entes
federados estabelecerem regras mais específicas e próprias sobre os recursos
hídricos que se encontram sob seu respectivo domínio, regras estas entendidas em
termos de guarda, gestão e administração de recursos hídricos, isso porque os
Estados e o DF podem suplementar as diretrizes gerais, de acordo com suas
peculiaridades regionais e culturais.
Enfim, mesmo considerando o contexto nacional da Lei nº 9.433, há espaço para
questionar algumas das meras reproduções ou de eventuais limitações de certos
SEGREHs frente ao SINGREH, podendo-se afirmar, de pronto, que as unidades
federativas não devem ficar simplesmente submetidas ao desenho geral do
Sistema Nacional, deixando de observar seus perfis regionais e problemas
específicos.
Isto não quer dizer que o SINGREH seja visto sob um aspecto negativo, mas sim,
com o objetivo de assegurar seus fundamentos e princípios genéricos, sempre
voltados a uma gestão descentralizada e participativa, abordado a seguir.
3.3. Governança e Governabilidade vistas como Indispensáveis para uma
Efetiva Gestão de Recursos Hídricos
Contando com as abordagens jurídico-legais já dispostas, agora devem ser revistos
e considerados certos conceitos, entendidos como fundamentais para que ocorra
uma efetiva gestão dos recursos hídricos, inclusive tendo em vista as necessárias
e possíveis adaptações a mudanças climáticas.
______________________________________________________________________________
87
Neste sentido, em relação ao SINGREH, cabe lembrar seu perfil, com base em
fundamentos e diretrizes para um Sistema descentralizado e participativo, tal como
consta no Inciso VI do Art. 1º da Lei Nacional nº 9.433/1997, transcrito a seguir:
VI - a gestão dos recursos hídricos deve ser
descentralizada e contar com a participação do Poder
Público, dos usuários e das comunidades.
Com isto posto, torna-se evidente a intenção de que o SINGREH conte com uma
Governança para a gestão de recursos hídricos, a ser entendida como a
indispensável interação participativa com os diversos stakeholders, públicos e
privados, envolvidos em processos decisórios, de modo a conferir substância,
sustentabilidade e permanência para uma gestão integrada dos recursos hídricos.
Isto significa que a gestão das águas não deve ser tratada como um setor específico
e sob a predominância de interesses particulares, mas sim, como um campo de
atuação abrangente e transversal, portanto, envolvendo e incentivando todos os
setores usuários a se aderirem substantivamente ao Sistema de Gestão, sempre
considerando aspectos ambientais e dos ecossistemas presentes.
Neste sentido, cabe ressaltar que a qualidade do meio ambiente e dos recursos
hídricos é socialmente construída, ou seja, é resultado da atuação de múltiplos
atores sociais, com o Estado sendo um deles, na maioria dos casos, sempre o mais
importante, todavia, nem sempre o mais incisivo.
Assim, sob o contexto de um Governo autoritário e centralizador, os mecanismos
de Comando e Controle (C&C) costumam ser insuficientes, ainda que a regulação
pública deva ser reconhecida como essencial e entendida como uma instância do
Aparelho de Estado, equidistante do Governo em plantão, dos operadores de
sistemas e dos consumidores finais.
Sob tal entendimento e mediante uma concepção mais moderna, a GIRH deve ser
concebida na direção de modelos institucionais com responsabilidades
compartilhadas, mediante os quais objetivos e metas hídrico-ambientais são
convergidos e os próprios atores sociais assumem conjuntamente seus encargos.
Quanto a estratégias institucionais para Modelos de Gestão, uma abordagem
importante refere-se às diferenças entre desconcentrar decisões ou descentralizá-
______________________________________________________________________________
88
las efetivamente. De fato, operar mediante instâncias regionalizadas, todavia, com
núcleos decisórios junto a um Governo central, revela baixa compreensão do
chamado Princípio da Subsidiariedade, universalmente reconhecido como um
dos fatores fundamentais para uma eficácia na gestão dos recursos hídricos.
Segundo este princípio, toda e qualquer decisão que possa ser assumida
localmente e que não afete terceiros e/ou áreas mais abrangentes, não deverá subir
a instâncias hierárquicas superiores.
Assim, com o Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos
(SINGREH) apresentando o fundamento de uma gestão descentralizada – e não
apenas desconcentrada –, cumpre destacar que decisões locais sejam tomadas
mais próximas à base, em espaços institucionalizados. Portanto, os SEGREHs
tornam-se fundamentais para o Brasil, notadamente em decorrência da grande
extensão territorial do País e de suas distintas características regionais, já
abordadas, além de diferenças que poderão ocorrer devido a mudanças climáticas.
Sob tais conceitos, no que tange a uma Governança descentralizada e
participativa, devem ser novamente e mais profundamente abordados os perfis dos
chamados “comitês de integração”, sempre a serem constituídos sobre uma maior
abrangência territorial, que envolva e integre comitês mais locais, para que
negociações, acordos e decisões conjuntas venham a ser tomadas por estas
instâncias locais, sem que se deixe de considerar questões mais estratégicas e
conjuntas (ver Figura 3.1).
Figura 3.1 – Esquema Genérico de um Comitê de Integração
Unidades territoriais para enfrentar problemas em trechos e/ou sub-bacias
Coordenação e integração de políticas e de programas no âmbito do conjunto da bacia
______________________________________________________________________________
89
Seguindo a respeito, é importante destacar que a integração entre comitês mais
locais não deve ser vista como uma necessária agregação imperativa, muitas vezes
pretendida para uniformizar certos procedimentos, tendo como resultado potenciais
afastamentos das realidades próprias, inclusive de áreas-problema.
Com isto posto, entra em pauta a seguinte pergunta: cabe evitar que em bacias
hidrográficas de maior extensão territorial sejam instalados comitês em bacias de
afluentes, ou mesmo em trechos de rios, motivados por problemas específicos ou
por níveis mais elevados de mobilização social, a exemplo do Alto Tietê?
A resposta é não, fato que revela o entendimento de que as instâncias sub-
regionais mencionadas não devem ser vistas como concorrentes do comitê que
abranja a totalidade da bacia, mas sim, como possíveis parceiros estratégicos, com
maior potencial de representatividade social, na proporção de sua proximidade com
problemas, temas e interesses locais ou sub-regionais.
Assim, volta-se a sublinhar o Princípio da Subsidiariedade no trato de uma
pragmática divisão de encargos, sempre zelando para que os problemas sejam
resolvidos no âmbito mais próximo à sua gênese, sendo alçadas instâncias mais
abrangentes – como os comitês de integração – somente quando ocorrer a
impossibilidade de um equacionamento local tornar-se adequado e efetivo, seja em
razão de insuficiência de capacitação, seja em casos de impasses decisórios, de
falta de recursos ou, ainda, nos casos em que as instâncias locais não abrigam
todos os interessados das questões em pauta, a exemplo de temas regionais mais
abrangentes e estratégicos.
Como um exemplo a respeito, pode-se destacar a bacia do Rio São Francisco, com
área de 638 mil km2, na qual há muitos afluentes vistos como bacias mais críticas,
algumas delas já com seus comitês próprios, como no caso do Rio das Velhas, que
abrange boa parte da Região Metropolitana de Belo Horizonte, a ser abordada
segundo perfis de problemas urbano-industriais predominantes, bem diferentes de
problemas de outras bacias de afluentes, notadamente daquelas onde predominam
populações rurais dispersas, em boa parte do semiárido (ver Figura 3.2).
______________________________________________________________________________
90
Figura 3.2 – Bacia do Rio São Francisco e de seus Afluentes
com Diferentes Níveis e Perfis de Conflitos
Fonte: Plano Decenal da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco (ANA, agosto de 2004)
Agora seguindo à frente, sem qualquer restrição à essencial Governança a ser
aplicada em Sistemas de Gestão, cabe lembrar, tal como já mencionado, que as
modernas metodologias para planejamento institucional estratégico destacam que
um modelo institucional não deve constituir um fim em si mesmo, mas sim, ser
estruturado como uma resposta efetiva ao enfrentamento de determinados
problemas, o que significa que a Governança é uma frente fundamental, porém,
não suficiente para se chegar a respostas concretas.
Isto significa que, mesmo com a constituição do SINGREH contemplando uma
indispensável Governança, entendida como a devida interação com a sociedade,
por meio da atuação de instâncias coletivas (conselhos e comitês de bacias), em
______________________________________________________________________________
91
acréscimo cabe ressaltar que é fundamental e também indispensável identificar as
relações entre causas e efeitos, com base em dados e informações técnicas e em
diagnósticos e planejamentos mais consistentes, ou seja, com maior
Governabilidade dos modelos para uma efetiva gestão de recursos hídricos,
notadamente em decorrência da perspectiva de possíveis mudanças climáticas.
Assim, para estabelecer tais relações entre causas e efeitos torna-se necessária:
uma consistência de dados e informações sobre disponibilidades hídricas, fato
que demanda uma rede adequada de monitoramento pluviométrico,
hidrológico, hidrogeológico e de qualidade das águas;
o cadastramento do perfil de usos e usuários das águas, além da devida
fiscalização de usos efetivos;
estudos e balanços hídricos para desenvolver Sistemas de Apoio a Decisões
(SADs); e,
também, um Marco Lógico para planejamento, com a conexão entre objetivos
geral e específicos, indicadores e produtos, intermediários e finais, a serem
alcançados em cada período dos planos de bacias hidrográficas.
Torna-se então evidente a importância da interação do presente trabalho com os
Eixos II e III definidos pela Rede Água, respectivamente voltados à consistência de
dados e informações e à aplicação de instrumentos de gestão de recursos hídricos,
além do Eixo V, voltados aos diferentes setores usuários.
Apenas como uma referência genérica sobre o chamado Marco Lógico, cabe
recomendar que seja pautado por uma Matriz que sintetize a conexão entre os
objetivos geral e específicos, associados a indicadores e produtos, intermediários
e finais, que deverão ser alcançados em cada período de implementação dos
componentes, subcomponentes e respectivos projetos de planos de bacias, com
alguns dos indicadores a serem relacionados a metas definidas para adaptação a
mudanças climáticas, no caso do Plano Nacional em pauta.
Os indicadores devem ser dispostos a partir da escala de macrorresultados,
descendo progressivamente a detalhes dos projetos e de suas respectivas ações
específicas, de modo a facilitar o monitoramento e a avaliação periódica da
execução e dos resultados previstos. Assim, como um mero exemplo, segue o
______________________________________________________________________________
92
formato geral da Matriz a ser aplicada para a formação de um Marco Lógico.
Matriz de Marco Lógico
Objetivo Geral do
Plano e de
programas e
Objetivos
Específicos e seus
respectivos
Componentes e
Subcomponentes
Projetos para
Ações e
Intervenções
Estruturais e
Não
Estruturais.
Frentes de
Trabalho dos
Projetos, com o
Cronograma das
Principais Ações
e Intervenções
Programadas.
Prazos
Estimados,
Produtos
Parciais e
Finais.
Para cada Frente
de Trabalho,
Entidades
Responsáveis
pela execução e
pelo
monitoramento
continuado.
No contexto de adaptação a possíveis mudanças climáticas previstas, tendo em
vista os conceitos já dispostos pelo Eixo I da Rede Água, cabe ressaltar que
diversos dos objetivos, metas e indicadores a serem alcançados devem ser
definidos sob uma ótica mais flexível e adaptativa, em decorrência do crescimento
de graus de incerteza, notadamente quanto a dados e informações
hidrometeorológicas.
Também é importante perceber que os atores intervenientes na implementação de
projetos componentes de planos de bacias, ou de certos programas regionais,
apresentam diferentes atribuições, segundo as etapas, o cronograma geral e os
resultados – locais e regionais – que traduzem a performance global desses planos
ou programas. Além disso, para que sistemas de gestão de recursos hídricos e
seus respectivos instrumentos tenham avanços sucessivos, com as devidas
adequações e inserção de novos conceitos, cabe manter um processo continuado
de avaliação, para o qual se deve criar o tal Marco Lógico que também corresponda
aos objetivos do sistema de gestão e de cada instrumento, com os períodos devidos
às suas implementações e aplicações, em termos de indicadores executivos e de
resultados.
Enfim, para que seja possível contar com um SINGREH consistente, realista e
pragmático, assim como no caso dos SEGREHs, ambas a frentes abordados, da
Governança e da Governabilidade, devem estar em plena pauta, inclusive para
fins das negociações, consensos e acordos que serão necessários para a
adaptação a mudanças climáticas.
______________________________________________________________________________
93
3.4. Problemas Advindos da Dupla Dominialidade de Recursos Hídricos no
Brasil
Mesmo já contando com as devidas abordagens sobre um Sistema de Gestão
descentralizado e participativo (Governança) e da indispensável identificação das
relações entre causas e efeitos (Governabilidade), segue presente um dos
principais desafios sobre o gerenciamento das águas, inclusive a ser considerado
para fins de possíveis e necessárias adaptações a mudanças climáticas: a dupla
dominialidade de recursos hídricos no Brasil.
A propósito, sabe-se que este é um dos temas mais complexos e difíceis, uma vez
que, segundo estabelecido pela Constituição Federal de 1988 (CF):
(a) de um lado, tal como já transcrito, compete à União “instituir sistema
nacional de gerenciamento de recursos hídricos e definir critérios de
outorga de direitos de seu uso” (Inciso XIX do Art. 21); e,
(b) de outro, as águas podem estar sob os diferentes domínios da União, do
Distrito Federal e dos demais estados, fato que impõe uma indispensável
articulação entre os níveis federativos, para assegurar uma gestão
integrada e consistente no âmbito de muitas bacias hidrográficas que são
compartilhadas.
Sendo assim, mesmo considerando a CF, cumpre reconhecer que, no presente,
são os próprios estados e o DF que definem critérios para a emissão de outorgas
em águas sob seus domínios, na maioria dos casos, com a predominância de
interesses próprios, que podem resultar em critérios distintos e contraditórios,
mesmo em bacias hidrográficas que são compartilhadas, por conseguinte, com o
surgimento de certos conflitos e problemas entre estados.
Além de muitos outros casos, como um mero exemplo a respeito, cabe lembrar que
seguindo num rio sob domínio estadual, ao surgir um reservatório construído pelo
Governo Federal, as águas passam ao domínio da União, voltando a ser do estado
logo a jusante da barragem. Neste e em vários casos similares, diferentes critérios
para emissão de outorgas e distintos níveis de fiscalização podem resultar em
contradições e problemas em balanços gerais relacionados ao conjunto da bacia
hidrográfica.
______________________________________________________________________________
94
Vários fatos dessa ordem já ocorreram mesmo com a Lei Nacional nº 9.433 tendo
estabelecido, em seu Art. 4º, que “a União articular-se-á com os estados tendo em
vista o gerenciamento dos recursos hídricos de interesse comum”.
Enfim, entra em pauta a relevante pergunta sobre a modificação ou continuidade
dessa dupla dominialidade das águas no Brasil, cabendo lembrar o recente caso
de crise no Sistema Cantareira, que abastece cerca de 42% da população da
Região Metropolitana de São Paulo (RMSP), para cuja solução foi proposta, pelo
Governo paulista, a transposição de 5 m3/s a partir da represa Jaguarí, situada entre
os ribeirões das Palmeiras e da Boa Vista, portanto, em afluentes estaduais
localizados bem a montante da bacia do Rio Paraíba do Sul, cujas vazões são
consideradas muito relevantes a interesses próprios ao Estado do Rio de Janeiro,
fato que tem demandado a indispensável presença da ANA, para mediar acordos
entre ambos os estados, sob uma ótica mais abrangente e estratégica.
Possíveis alternativas e propostas a respeito da pergunta em pauta serão
abordadas no próximo Relatório 02, sem que se deixe de registrar o mérito sob a
iniciativa da ANA voltada ao Pacto de Gestão das Águas, que tem como principal
referência a Diretiva Quadro das Águas (DQA), desenvolvida pela União
Européia, com acordos entre países europeus baseados em objetivos e metas, sem
interferência na autonomia dos países, em termos legais e institucionais, fato que
revela que não deve ocorrer uma intervenção autoritária sobre como fazer, mas
sim, com um pragmatismo para que sejam efetivamente atendidos os objetivos e
metas, contando com apoios técnicos e de financiamento e, no caso de não
atendimento de acordos, com a aplicação de advertências e penalidades.
Por fim, como última observação do tópico presente, cabe registrar que, no mesmo
sentido, igualmente deverão ocorrer avanços relacionados à cooperação
internacional, dado que algumas das principais bacias hidrográficas do Brasil
apresentam suas águas compartilhadas com países vizinhos da América do Sul,
notadamente nos casos das bacias do Rio Amazonas e do Paraná - Prata.
3.5. Breves Notas sobre Alguns dos SEGREHs
Agora, para encerrar o presente Relatório 01, neste tópico serão feitas apenas
breves notas sobre alguns dos SEGREHs, tendo em vista referências sobre
______________________________________________________________________________
95
possíveis e necessárias adaptações a mudanças climáticas e avanços na
Governança para gestão dos recursos hídricos.
Assim, em futuras frentes de trabalhos, recomenda-se que ocorram avaliações bem
mais detalhadas sobre todos os SEGREHs, eventualmente no contexto de um
programa a ser empreendido pelo próprio Plano Nacional de Adaptação a
Mudanças Climáticas, tal como já mencionado.
Neste sentido, por certo que estas avaliações deverão procurar uma articulação
conjunta com o Pacto das Águas, no presente, em pleno processo de
implementação pela ANA, que já conta com 24 convênios celebrados com unidades
federativas.
3.5.1. Estados da Região Amazônica
Em relação aos SEGREHs da Região Amazônica, cabe reconhecer que não há
referências importantes, inclusive com o Acre ainda não tendo seu próprio
Conselho Estadual de Recursos Hídricos em plena atuação.
Sendo assim e levando em consideração o perfil regional já descrito (item 2.4.1),
cabe reafirmar a importância de uma abordagem mais ampla e regional, com o
reconhecimento da necessidade de ações e atividades voltadas à proteção e
preservação ambiental, que devem ser consideradas como essenciais no trato de
quaisquer dos eventuais problemas de recursos hídricos, não só para o Brasil,
como também para todo o Planeta.
Portanto, deve entrar em pauta um possível Sistema Regional de Gestão, tendo
em vista “o perfil amazônico, com predominância de baixa densidade populacional,
à exceção de certas concentrações em um número restrito de cidades e/ou áreas
metropolitanas...”.
3.5.2. Estados da Região Nordeste e do Semiárido Brasileiro
Em relação ao Nordeste e, principalmente ao semiárido brasileiro, cabe ressaltar a
referência do modelo de gestão desenvolvido pelo Estado do Ceará, cuja
descrição é apresentada no Anexo II.
Trata-se de uma abordagem conjunta para gerenciamento e operação da
infraestrutura hídrica que interliga bacias hidrográficas mediante reservatórios,
______________________________________________________________________________
96
açudes, canas e adutoras, para que haja reserva, transporte e entrega de água
bruta, voltada aos núcleos onde ocorrem as principais demandas, sem que se deixe
de considerar os usuários locais, no mais das vezes, voltados a produção agrícola
e familiar.
Ainda a respeito do Ceará, no que tange ao abastecimento de água para
comunidades rurais dispersas, outra referência advém do chamado Sistema
Integrado de Abastecimento Rural (SISAR), mediante o qual são definidas formas
estratégicas para ocupação do território e possíveis formas de um gerenciamento
conjunto desses sistemas, incluindo operação e manutenção (O&M).
Mais especificamente em relação à adaptação a mudanças climáticas, outra
significativa referência advém da Fundação Cearense de Meteorologia e
Recursos Hídricos (FUNCEME), tanto no que concerne a dados e informações
consistentes, quanto a SADs, para que ocorra uma distribuição mais segura das
disponibilidades hídricas, com base em acordos negociados entre os vários
usuários.
Mesmo assim, há recentes comentários de que, nos últimos anos, este Estado não
vem apresentando novos e seguidos avanços, em alguns casos, com certa
estagnação. Caso seja assim, é possível afirmar que a presença da FUNCEME no
contexto da elaboração do Plano Nacional de Adaptação a Mudanças Climáticas
tende a dar novo ressalte ao SEGREH do Ceará.
Outra potencial referência entre os estados do Nordeste poderá ocorrer no caso de
Sergipe, tendo em vista o significativo Programa Águas de Sergipe – no presente,
em pleno início –, que será empreendido mediante um Acordo de Empréstimo
celebrado junto ao Banco Mundial, contemplado tanto aspectos de infraestrutura,
quanto da gestão dos recursos hídricos, chegando aos instrumentos, dados e
informações necessárias, assim como, à constituição de um novo órgão estadual
gestor das águas e de uma agência regulatória de saneamento e energia.
Sob tal contexto de um Acordo de Empréstimo, entende-se que uma futura
atualização prevista para o Programa Águas de Sergipe poderá contemplar
aspectos relacionados à adaptação a mudanças climáticas, na medida em que
durante a concepção inicial dos programas e projetos componentes, que ocorreu
______________________________________________________________________________
97
em meados da década de 2000, esse tema não era tão considerado quanto no
presente.
Sob um contexto similar, também os Estados de Pernambuco e da Paraíba têm
apresentados certos avanços, inclusive como resultados de alguns Acordos de
Empréstimo, que proporcionaram o desenvolvimento institucional de seus órgãos
gestores das águas, além da criação de agências reguladoras estaduais.
Não obstante e salvo melhor juízo, ainda não chegaram ao patamar do Ceará, ou
seja, como referências regionais para uma consistente gestão de recursos hídricos,
com ambos seguindo frente a certos problemas, a exemplo dos volumes de água
para abastecimento da Região Metropolitana de Recife e, no caso da Paraíba,
especialmente de Campina Grande, onde o principal reservatório segue com certos
conflitos entre usos múltiplos, vez que volumes são captados para irrigação,
portanto, gerando graus de risco para esta cidade.
No caso da Bahia, cabe registrar que, nos últimos anos, o Instituto Estadual do
Meio Ambiente e Recursos Hídricos (INEMA) tem contratado a elaboração de
vários planos de bacias hidrográficas, a exemplo das bacias dos rios Grande e
Corrente, afluentes da margem esquerda no trecho médio do Rio São Francisco,
porém, ainda com larga distância para que efetivamente ocorram suas
implementações.
Ademais, cabe lembrar que a Bahia também conta com uma empresa de economia
mista – portanto, com personalidade jurídica similar à COGERH do Ceará –
denominada como Companhia de Engenharia Ambiental e de Recursos
Hídricos (CERB), voltada a garantir oferta de água para abastecimento de certas
cidades do interior e de comunidades rurais, além de atividades agropecuárias.
Contudo, esta empresa é pouco reconhecida no Brasil, fato que revela certas
limitações e a falta de resultados relevantes, notadamente no caso da solução de
riscos próprios ao semiárido, quando períodos de escassez pluviométrica
apresentam rebatimentos negativos sobre comunidades rurais dispersas.
No caso do Rio Grande do Norte, ao final da década de 1990 e no início dos anos
2000 foram tomadas importantes iniciativas voltadas à gestão das águas, a
exemplo da construção da grande Adutora Monsenhor Expedito, que abrange mais
______________________________________________________________________________
98
de 200 km e transporta água tratada para centenas de municípios do interior
potiguar, além de comunidades rurais dispersas, alguns atendidos por estruturas
secundárias ou terciárias.
Na sequência, em outubro de 2003 houve a aprovação da Carta-Consulta para a
celebração de um Acordo de Empréstimo com o Banco Mundial, voltado à
implementação do Programa Estadual de Desenvolvimento Sustentável e
Convivência com o Semiárido Potiguar (PSP), porém, com este Acordo sendo
celebrado apenas em 20 de junho de 2008, cujos recursos financeiros aplicados
chegaram, em meados de 2013, a pouco mais de 60% dos gastos previstos por
seus inúmeros projetos, fato que demandou dois aditivos de prazo, um deles muito
recente e ainda vigente.
Assim, torna-se clara uma referência negativa quanto a implementação deste
Programa, que teve cerca de metade de seus projetos não implementados ou
“excluídos” do PSP, além de resultados bem mais modestos do que os previstos,
como no caso de três leis estaduais complementares de recursos hídricos, que só
foram aprovadas recentemente, em janeiro de 2013, ainda sem os seus devidos
decretos de regulamentação.
Por fim, em relação ao Estado do Piauí, cuja região a leste e ao sudeste aborda
parte do semiárido brasileiro, deve-se mencionar que, embora contando com apoio
da ANA, mediante um convênio, e tendo estudos de planejamento institucional
voltados a um novo órgão gestor de recursos hídricos, ainda não ocorreu sua nova
constituição, fato que volta a apontar diversos casos de estudos que seguem
estagnados em prateleiras.
3.5.3. Estados do Sudeste
Em termos de SEGREHs, cabe reconhecer a importância do Estado de São Paulo,
tanto em decorrência de sua legislação estadual já ter sido publicada em 30 de
dezembro de 1991, quanto pela referência que apresentou para o próprio
SINGREH, definido pela Lei Nacional nº 9.433, em 08 de janeiro de 1997.
A respeito deste Sistema paulista, é importante registrar que, em novembro de
2011, foi realizado um Seminário intitulado como Avanços e Desafios na Gestão
dos Recursos Hídricos no Estado de São Paulo, tendo em vista o elevado
______________________________________________________________________________
99
período de 20 anos após sua legislação ter sido aprovada e publicada. Sob tal
iniciativa, cabe destacar que São Paulo demonstrou uma elevada maturidade
institucional ao colocar seu Sistema Estadual como objeto de debates, solicitando
não somente a identificação dos avanços que foram obtidos, mas também dos
principais problemas existentes, sempre com vistas ao traçado de novas frentes de
trabalho que pudessem propiciar aprimoramentos e avanços em todo o Sistema,
em seus Instrumentos de Gestão e na interação com os diversos atores sociais
(stakeholders) com interfaces e interesses relacionados à temática dos recursos
hídricos.
Com efeito, é comum que muitos governos e entidades públicas tenham restrições
a avaliações críticas, priorizando somente eventos para elogios próprios. Já no
caso de São Paulo, sem dúvidas com um Sistema pioneiro e dos mais avançados
do país – ao lado do Ceará, que é referência ao semiárido brasileiro –, a iniciativa
de avaliação e identificação de frentes de trabalho reafirma a tendência para que
novos avanços venham a ocorrer, por consequência, sublinhando a maturidade e
o exemplo conferido às demais unidades da federação.
Neste sentido, como referência aos demais estados, consta no Relatório Geral do
evento, que o Plano Estadual de Recursos Hídricos (PERH/SP) foi identificado
como uma das principais frentes para atuação, desde que, tal como parcialmente
transcrito:
“...seja revisto em sua concepção, contendo os tópicos que
seguem, além de um Marco Lógico, ligado a objetivos,
metas, prazos e entidades responsáveis por sua execução e
avaliação:
abordagens estratégicas nas relações com estados
vizinhos e bacias hidrográficas compartilhadas,
segundo a inserção macrorregional;
ações estruturais que extrapolam as capacidades e
interesses locais;
a transversalidade em problemas comuns aos diversos
planos de bacias, notadamente para estabelecer linhas de
crédito para tipologias de problemas definidos como
______________________________________________________________________________
100
prioritários para o Estado, tendo os planos locais como
contrapartidas e executores;
a efetiva implementação de IGs, ...;
a coordenação regulatória com todos os setores
usuários das águas;
(...)
avaliação institucional do SIGRH/SP, segundo a
Metodologia APEX;
com base nos resultados, a revisão da legislação e
aprimoramentos institucionais do SIGRH/SP, com
destaques para: (a) a figura jurídica das agências de
bacias (hoje, centradas em fundação de direito privado),
de modo a conferir maior atratividade aos usuários-
pagadores e aos municípios; e, (b) o percentual de
representatividade tripartite, com o reconhecimento de que
a sociedade civil deve ser separada em termos de ONGs,
usuários de recursos hídricos e outros segmentos;
(...)
uma estratégia interinstitucional para que o PERH/SP
seja estabelecido como um Programa de Governo, a
ser assumido, em termos executivos, pelos diversos
setores, suas secretarias de estado e entidades
vinculadas;
rever o traçado das UGRHIs, de modo estratégico e
segundo a profundidade de problemas e da dinâmica
dos comitês em atuação;
(...)
convergência entre o PERH/SO e o ZEE, como também
com os Planos Diretores Municipais, mediante a adoção
de indicadores comuns e complementares, para conferir
transversalidade à Política dos Recursos Hídricos.
(destaques negritados)
Além dessa referência geral, entende-se que o Comitê das bacias dos Rios
Piracicaba, Capivari e Jundiaí (vistas como o “complexo PCJ”), e sua respectiva
______________________________________________________________________________
101
agência, seguem como um dos principais exemplos ao País. De fato, cabe lembrar
que já em 1989 foi constituído um consórcio intermunicipal, no formato de pessoa
jurídica privada, sem fins lucrativos, contando com a essencial participação de
muitas das prefeituras municipais integrantes da bacia em tela, como também, com
os principais usuários de recursos hídricos, tanto sob a prevalência estatal – a
exemplos das empresas da Petrobrás e da Sabesp –, quanto do setor privado, fato
que tende a assegurar a presença dos principais atores estratégicos para uma
gestão regional consistente das águas, mediante um “consorciamento coletivo”, o
qual propiciou a aplicação da cobrança estadual pelo uso de recursos hídricos.
Também a recente versão atualizada de seu Plano de Bacia deve ser vista como
um bom exemplo, especialmente em termos da aplicação do instrumento de
enquadramento dos corpos d’água, para o qual o território do complexo PCJ, com
cerca de 15 mil km2, foi dividido em nada menos do que 350 unidades para
avaliação das relações entre causas e efeitos, fato que elevou a efetiva
aplicabilidade das classes definidas segundo os usos predominantes.
Seguindo a respeito, porém passando a considerar o perfil do Plano Nacional de
Adaptação a Mudanças Climáticas, por certo que os Planos Estaduais, em sua
maioria absoluta, devem ser revistos, sob a perspectiva de inclusão de novos
cenários que abranjam maiores graus de riscos e possíveis incertezas que serão
advindas das mudanças do clima, fato que demanda uma gestão adaptativa para
todos os SEGREHs.
Ainda sobre o caso do Estado de São Paulo, volta-se a sublinhar os atuais
problemas relacionados ao Sistema Cantareira, cuja elevada crise presente coloca
em pauta certos questionamentos sobre a atual consistência e capacidade
institucional do Departamento de Águas e Energia Elétrica (DAEE/SP), vez que
este órgão gestor de recursos hídricos poderia ter definido, antecipadamente,
certas regras operacionais para a captação de água pela Sabesp. Enfim, tal como
vem ocorrendo na maioria absoluta dos estados federativos, percebe-se a
necessidade de um fortalecimento – em alguns casos, com reestruturação – dos
órgãos estaduais gestores das águas, os quais devem ser submetidos a um
planejamento institucional estratégico, inclusive tendo em vista adaptações a
mudanças climáticas.
______________________________________________________________________________
102
Chegando agora a Minas Gerais, não obstante o reconhecimento de avanços
anteriores, especialmente os relacionados à bacia do Rio das Velhas, quando foi
constituída a Associação Executiva de Apoio à Gestão de Bacias Hidrográficas
(AGB Peixe Vivo), posteriormente aprovada como agência da bacia do Rio São
Francisco, deve-se registrar que a versão mais recente de seu Plano Estadual de
Recursos Hídricos (PERH/MG) foi aprovada em outubro de 2010, contando com
muitas das indicações mencionadas para o PERH/SP.
De fato, além de programas concebidos como mecanismos para um apoio à
execução de projetos de vários dos planos locais de bacias hidrográficas, esta
versão do PERH/MG chegou a indicar potenciais fontes para financiamentos, assim
como, determinados avanços quanto a critérios para a emissão de outorgas.
Mesmo assim, até o presente o PERH/MG segue em prateleira, sem que a maioria
de seus programas tenha sido empreendida, fato que repercute o atual perfil da
gestão das águas no Brasil, qual seja, com uma estagnação predominante.
Mesmo assim, como referência aos demais estados federativos do Brasil, cabe
anotar que, em Minas Gerais, o seu Plano Estadual foi abordado mediante os
seguintes volumes, a considerar:
Volume I: Diagnósticos de Problemas e Aspectos Estratégicos para a Gestão de
Recursos Hídricos, incluindo:
- as bases conceituais e metodológicas do PERH;
- a interação dialética entre o PERH e o Plano Nacional de Recursos Hídricos;
- a inserção macrorregional do Estado, com destaque para seus interesses
estratégicos relacionados aos recursos hídricos, limites e condicionantes de
bacias compartilhadas com outros estados;
- abordagens indispensáveis advindas de diagnósticos regionais atualizados e
de suas devidas complementações identificadas como necessárias, incluindo
balaços hídricos e a indicação de áreas críticas hídrico-ambientais e sociais;
- a identificação de insumos e compatibilidades com outros planos
desenvolvidos pelo Governo do Estado, a exemplo de Zoneamento Ecológico
e Econômico (ZEE);
- a identificação e insumos de políticas, programas e projetos de setores
______________________________________________________________________________
103
usuários de recursos hídricos; e,
- cenários prospectivos de desenvolvimento, assim como adaptações a
mudanças climáticas previstas, com as projeções de balanços hídricos e
identificação de Unidades Territoriais Estratégicas de Gestão (UTEGs).
Volume II: Instrumentos de Gestão de Recursos Hídricos, incluindo:
- conceitos gerais sobre instrumentos a serem aplicados pela moderna gestão
ambiental e dos recursos hídricos, inclusive tendo em vista a adaptação a
mudanças climáticas;
- Sistema Estadual de Informações sobre Recursos Hídricos;
- cadastramento de usos e usuários de recursos hídricos;
- monitoramento das águas, superficiais e subterrâneas;
- Outorga para Direito de Uso de Recursos Hídricos;
- Enquadramento dos Corpos D’Água em classes, segundo usos
preponderantes;
- Cobrança pelo Uso da Água e outras opções para Instrumentos Econômicos
de Gestão; e,
- mapeamento e diretrizes regionais voltadas à aplicação e integração entre os
Instrumentos de Gestão de Recursos Hídricos no Estado em estudo.
Volume III: Contexto da Legislação Vigente e Abordagem Institucional do
Sistema Estadual de Gerenciamento de Recursos Hídricos, incluindo:
- contexto das legislações vigentes – federal, estadual e dos principais
municípios –, próprias ou com importantes interfaces com a gestão dos
recursos hídricos;
- descrição do SINGREH e do contexto em que se insere o SEGREH;
- análise geral e avaliação do Sistema Estadual, incluindo a identificação de
seus principais problemas e deficiências genéricas – operacionais, estruturais
e estratégicas –, além de sua efetiva representatividade social e de resultados
objetivos que estejam sendo alcançados;
- propostas de uma estratégia institucional e de eventuais recomendações para
ajustes e aprimoramentos na estrutura e no funcionamento do SEGREH,
______________________________________________________________________________
104
inclusive tendo em vista mudanças climáticas previstas; e,
- estimativas sobre a sustentabilidade financeira do SEGREH, para custeio
administrativo e operacional.
Volume IV: Propostas de Programas, Projetos e Ações para Intervenções
Estruturais e/ou Estratégicas a empreender no Estado, incluindo:
- Marco Lógico e estrutura do Plano Estadual de Recursos Hídricos;
- Governabilidade sobre o gerenciamento de recursos hídricos;
- Governança e representatividade do SEGREH;
- propostas de programas, projetos e ações a serem implementados;
- proposta para o gerenciamento executivo do PERH e de sua avaliação
periódica e continuada; e,
- análises e simulações sobre as potenciais fontes de financiamento para
implementação dos programas, projetos e ações do PERH.
No que tange ao Rio de Janeiro, a principal referência tende a ser advinda da
experiência que segue ocorrendo, a partir da fusão entre os órgãos gestores dos
recursos hídricos e do meio ambiente, com o agora presente sendo denominado
como Instituto Estadual do Ambiente (INEA), com iniciativas similares também
ocorrendo no Estado do Espírito Santo e, mais recentemente, na Bahia.
A propósito, para que ocorra uma indispensável gestão integrada dos recursos
hídricos (GIRH), inclusive tendo em vista uma adaptação a mudanças climáticas,
cabe perguntar se os órgãos gestores do meio ambiente e dos recursos hídricos
devem ser necessariamente fundidos?
Na verdade, sob a intenção de promover a integração entre a gestão ambiental e
dos recursos hídricos, duas alternativas se colocam: (i) a fusão das instituições que
detenham responsabilidades regulatórias sobre a gestão ambiental e a dos
recursos hídricos; ou, (ii) a integração e mútua complementação entre os
procedimentos para licenciamento ambiental e para a emissão de outorgas para
direito de uso das águas.
Contando com tais alternativas, cumpre reconhecer que a eventual fusão entre
instituições não necessariamente integra procedimentos, enquanto a devida
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105
integração entre os processos para licenciamento ambiental e para a emissão de
outorgas não necessariamente implica na fusão entre instituições.
De fato, uma referência positiva a respeito já ocorreu em Minas Gerais, cujos
procedimentos seguem sob um processo unificado, tendo em vista que dados de
outorga devem ser consistentes para um devido licenciamento ambiental. Por outro
lado, como referência negativa, em estudos realizados no Espírito Santo, em
meados de 2007, verificou-se que, ainda sob o contexto da mesma instituição – no
caso, o Instituto Estadual de Meio Ambiente e Recursos Hídricos (IEMA) –, havia
divergência entre os dados de licenciamentos e de outorgas, os quais não eram
cruzados, comparados e vistos em conjunto, como mútuos subsídios importantes.
Assim, segue a atual experiência do INEA do Estado do Rio de Janeiro como
referência a ser considerada, além da afirmação de que certos planos de bacias
estão sendo efetivamente implementados no contexto do RJ31.
Para encerrar as abordagens e as referências gerais dos SEGREHs da região
Sudeste, tendo em vista a dupla dominialidade das águas no Brasil, no caso das
bacias compartilhadas entre Minas Gerais (a montante) e o Espírito Santo (a
jusante), com ênfase para a bacia do Rio Doce, cabe questionar se um domínio
único da União facilitaria a resolução de problemas e conflitos? Ou, ao contrário,
seria mais pragmático tratar de acordos e consensos entre ambos os estados,
sempre contando com a mediação da Agência Nacional de Águas, quando se
mostre como necessária?
3.5.4. Estados da Região Sul
Em relação à região Sul, até o final dos anos 1990 e início da década de 2000, o
Estado do Paraná se apresentava como uma das principais frentes de avanços na
gestão de recursos hídricos, em paralelo e com mútua troca de aprendizados com
o Sistema CEIVAP – AGEVAP (bacia do Rio Paraíba do Sul) e, também, com o
31 Afirmações efetuadas pela Dra. Rosa Maria Formiga Johnsson, uma das coordenadoras do
INEA/RJ, durante o XX Simpósio Brasileiro de Recursos Hídricos, realizado em Bento Gonçalves,
no Rio Grande do Sul, em novembro de 2013.
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106
complexo PCJ, cujo consórcio intermunicipal foi uma das principais referências para
o SEGREH do Paraná.
Sob este contexto, é importante lembrar que o primeiro Contrato de Gestão,
voltado à definição de responsabilidades e do plano de trabalho para uma agência
de bacia hidrográfica, foi celebrado no Paraná, em dezembro de 2002, entre o
Governo do Estado (Jaime Lerner) e a Associação de Usuários de Recursos
Hídricos das Bacias do Alto Rio Iguaçu e do Alto Ribeira, Contrato este que se
tornou referência para a Lei Federal nº 10.881, aprovada em junho de 2004,
mediante a qual a ANA pode delegar funções inerentes às agências de bacias
hidrográficas para as chamadas “entidades delegatárias”, desde que qualificadas
para tanto, a exemplo da AGEVAP, cujo Contrato de Gestão com a ANA já foi
celebrado em setembro de 2004.
No caso do Paraná, quando ocorreu a troca do Governo Estadual (janeiro de 2003),
houve um entendimento completamente equivocado de que estaria ocorrendo uma
“privatização” das águas, fato que gerou o rompimento do Contrato de Gestão que
tinha sido celebrado e, mais do que isto, com uma inadequada estagnação e um
continuado retrocesso no SEGREH/PR, o qual escorreu para o final da fila dos
demais estados federativos, em relação a uma consistente e avançada gestão das
águas.
No presente, mesmo contando com poucos avanços pontuais mais recentes, o
Paraná segue muito estagnado, inclusive com um significativo equívoco
institucional, relacionado ao atual Instituo das Águas do Paraná (criado como
Ipáguas), em cujo contexto institucional há: (a) de um lado, uma diretoria para
emissão de outorgas (ação regulatória e contratante); e, (b) de outro, uma diretoria
que exerce funções próprias à entidade executiva como agência de bacias (a ser
regulada e contratada), fato que explicita uma inadequada sobreposição de
responsabilidades, a exemplo da possibilidade de que fosse admitido para a ANA
o exercício de encargos de agências de bacias hidrográficas em rios sob o domínio
federal.
Com isto posto, além do rompimento do Contato de Gestão, no Paraná também
deixou de ocorrer a aplicação da Cobrança pelo Uso da Água, cujo valor – já
devidamente negociado com os principais usuários pagadores sobre recursos
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107
hídricos e aprovado pelo Comitê do Alto Iguaçu e do Alto Ribeira e, também, pelo
Conselho Estadual de Recursos Hídricos – estava estabelecido em valor 10 (dez)
vezes acima do que acabou sendo aplicado na bacia do CEIVAP.
Isto significa que, aplicando a Cobrança sobre uma área com cerca de 6 mil km2, a
arrecadação prevista poderia chegar a R$ 25 milhões/ano, enquanto que na bacia
do Paraíba do Sul, com 56 mil km2, o montante não superou R$ 12 milhões a cada
ano.
Portanto, percebe-se que houve uma perda na referência do Paraná, cujo Governo
Estadual (de 2003 a 2010) nunca admitiu que a gestão hídrica e ambiental deva ser
socialmente construída, demandando assim uma Governança efetivamente
democrática, descentralizada e participativa, fato que não coloca este Estado sob
uma perspectiva positiva para um modelo de gestão voltado à adaptação frente a
mudanças climáticas.
Quanto ao Estado do Rio Grande do Sul, as abordagens de gestão referem-se a
três regiões hidrográficas que foram definidas, a saber: a do Rio Guaíba, a do Rio
Uruguai e a do Litoral, com ênfase ao extremo sudeste brasileiro.
No caso da região do Rio Guaíba, a principal referência diz respeito a um programa
para saneamento ambiental e gerenciamento, desenvolvido no início dos anos
1990, contando com um Acordo de Empréstimo celebrado junto ao Banco
Interamericano de Desenvolvimento (BID), que propiciou intervenções estruturais,
especialmente voltadas a serviços de saneamento básico, portanto, com alguns
avanços importantes naquela época, especialmente voltados à bacia do Rio
Gravataí, que abrange boa parte da Região Metropolitana de Porto Alegre.
Sobre esta bacia do Rio Gravataí, cumpre lembrar que teve um dos primeiros
comitês instalados no Brasil, já em fevereiro de 1989. Portanto, este Comitê vem
atuando há muitos anos, com uma adequação em 2004, porém, seguindo com
certas dúvidas sobre abordagens mais executivas, vez que segue predominando
no Rio Grande do Sul, a ideia de que agências de bacias sejam constituídas pelo
próprio Governo do Estado, no formato der autarquias públicas, para as três regiões
hidrográficas mencionadas.
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Mesmo assim, até o presente, essas autarquias ainda não foram constituídas e
instaladas, fato que segue demandando novos avanços institucionais para uma
gestão que passe a ser mais executiva, além das devidas consultas junto à
sociedade civil.
Em relação à bacia do Rio Uruguai, bem mais abrangente do que o território do Rio
Grande do Sul, portanto, sob o domínio federal, vale registrar a elaboração de seu
respectivo plano de recursos hídricos, o qual, a exemplo da maioria dos casos,
contou com poucas frentes de execução.
Por fim, quanto à região do Litoral gaúcho, segue sob a devida predominância de
abordagens ambientais sobre ecossistemas a serem protegidos e conservados,
especialmente nas margens e áreas próximas às Lagoas dos Patos e do Mirim.
Muito resumidamente no que tange a Santa Catarina, duas abordagens distintas
devem ser registradas. De um lado, sob uma abrangência mais estadual, mesmo
contando com sua Lei de Recursos Hídricos já aprovada em 1994, poucas
iniciativas de gestão ocorreram para o conjunto do Estado, inclusive no que tange
à operacionalização do instrumento da outorga para direito de uso das águas.
De outro, devido a sérios problemas de inundações que ocorreram no Rio Itajaí-
Açu, inclusive sobre a importante cidade de Blumenau, esta bacia foi objeto de
várias iniciativas próprias, não somente para a instalação de seu comitê, como
também para a constituição (em 2001) da primeira agência de bacia hidrográfica
do Brasil, neste caso, instituída no formato de direito privado como a Fundação
Agência de Água do Vale do Itajaí, além de diversas intervenções estruturais para
retenção de cheias, a exemplo de barragens a montante. Portanto, como certa
referência para planos voltados a problemas climáticos, o caso mais relevante de
Santa Catarina refere-se a essa bacia do Rio Itajaí-Açu.
Em acréscimo, depois de frentes de trabalho que foram abertas para a emissão de
outorgas – inclusive de outorgas coletivas voltadas a pequenos produtores rurais,
com ênfase para suinocultores –, mais recentemente o Governo do Estado vem
tratando de iniciativas relacionadas a um Acordo de Empréstimo junto ao Banco
Mundial, especialmente para o desenvolvimento de planos de bacias hidrográficas,
fato que poderá conferir outras referências a Santa Catarina.
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3.5.5. Estados do Centro-Oeste e Cerrado Brasileiro
Chegando agora ao Centro-Oeste brasileiro, de pronto deve ser feita uma
abordagem específica sobre o Distrito Federal, notadamente em decorrência de
sua elevada concentração populacional, fato que destaca Brasília, e muitas de suas
cidades ao redor, como problem-sheds.
Com efeito, frente a seguidos meses sem chuvas, no mais das vezes, entre abril a
outubro de cada ano, além da proteção de mananciais voltados a grandes volumes
de abastecimento, também deve ser considerada a qualidade hídrica de rios e
lagos, com elevado destaque para o Lago Paranoá.
A propósito, cumpre reconhecer sua referência para a recuperação da qualidade
das águas, vez que houve um longo histórico de contaminação deste Lago, durante
o continuado processo de crescimento de Brasília, até que, em 1978, a proximidade
do Lago ficou inaceitável devido ao odor, mortandade de peixes e proliferação de
algas. Iniciou-se, então, um conjunto de intervenções, sobretudo relacionadas à
coleta e tratamento de esgotos, até chegar a preocupações mais detalhadas sobre
cargas difusas do meio urbano. Sob este aspecto, cabe lembrar que o Lago
Paranoá exerce uma função importante para a capital do País, onde turismo e lazer
merecem destaque.
Sob este contexto histórico, no presente, a par de um monitoramento rigoroso e de
fiscalização sobre ligações e lançamentos clandestinos de efluentes e de resíduos
sólidos, a Companhia de Saneamento Ambiental do Distrito Federal tem chegado
ao patamar de transposição de esgotos para outras bacias vizinhas, uma vez que
modelos de simulação indicam que a capacidade de recepção do Lago Paranoá
encontra-se no limite, quando posta frente à desejada qualidade das águas, onde
deve ser permitido banho e recreação aos moradores de Brasília.
Dizendo em outras palavras, a variável que passou a ser o grande desafio refere-
se a limites de uso e ocupação do solo, sem que o setor público tenha um domínio
completo, capaz de impedir novas expansões urbanas na bacia drenante ao Lago
do Paranoá. Nota-se, portanto, a reafirmação da importância de planos locais em
áreas-problema, como em grandes cidades e aglomerações urbanas.
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Conclui-se que preservar certos núcleos de recursos hídricos implica em limitar o
aporte de fósforo e de material sedimentável, e que a preservação da qualidade da
água é multidisciplinar, multifocal e multissetorial, ou seja, demanda uma gestão
integrada para interferir em diversas variáveis relacionadas aos recursos hídricos.
Em relação ao Estado de Goiás, bem como ao Mato Grosso e Mato Grosso do
Sul, devido à predominância de significativas frentes produtivas do agronegócio
brasileiro, incluindo a pecuária, os SEGREHs tendem a abordar bacias
hidrográficas mais abrangentes, com planos e ações que, por recomendação,
deveriam considerar muitas das diretrizes gerais que já foram dispostas nos tópicos
2.4.3.(i) e 2.4.3.(ii).
Em todos os casos, embora muitos planos de bacias já tenham sido elaborados por
esses estados, segue em pauta um dos principais desafios dispostos ao Brasil, qual
seja, uma efetiva implementação de planos estaduais e/ou de bacias hidrográfica,
a serem reconhecidos e adotados como Programas de Governo.
No que concerne a referências para esta região – não restrita ao Centro-Oeste,
mas também incluindo porções de outros estados (MG e Tocantins), com partes
do bioma do Cerrado brasileiro –, deve-se registrar a recente elaboração do Plano
da Bacia do Rio Paranaíba, desenvolvido pela Agência Nacional de Águas (2012),
em cujo contexto cabe sublinhar: (i) a sua extensa dimensão territorial32, que chega
a 222.767 km2; (ii) o traçado de unidades territoriais estratégicas de gestão
(UTEGs), baseadas no perfil de certos aspectos regionais e de problemas
predominantes; (iii) a identificação dos principais atores estratégicos, relacionados
aos diferentes setores usuários de recursos hídricos; (iv) a consideração do
contexto jurídico-legal e institucional vigente, frente ao qual foram propostas
alternativas para estabelecer modelos de gestão, observando a abrangência de
toda a bacia, na qual deve atuar um “comitê de integração”, bem como, perfis de
gestão já estabelecidos33 ou a serem definidos para trechos mais locais de alguns
32 Esta bacia abrange parte dos Estados de: Goiás (65%); Minas Gerais (30%), com ênfase para a
bacia afluente do Rio Araguari, localizada no triângulo mineiro; Distrito Federal (3%); e, Mato Grosso
do Sul (2%), portanto, sem chegar ao Mato Grosso.
33 Sobretudo, no caso da Associação Multissetorial de Usuários da Bacia Hidrográfica do Rio
Araguari (ABHA), reconhecida como agência da bacia do Rio Araguari e, posteriormente, da
______________________________________________________________________________
111
de seus afluentes; (v) o traçado de futuros cenários alternativos; e, (vi) por fim, a
indicação de custos e fontes para financiamento do Plano da Bacia em pauta.
Além dessa referência, também é importante anotar que, no contexto dos Estados
do Mato Grosso do Sul (principalmente) e, também, do Mato Grosso (mais
secundariamente), uma das iniciativas mais relevantes diz respeito ao projeto
intitulado como Implementação de Práticas de Gerenciamento Integrado de
Bacias Hidrográficas para o Pantanal e a Bacia do Alto Paraguai, empreendido
entre outubro de 1999 a maio de 2003, contando com a presença do Programa
das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA) e, também, do Ministério
do Meio Ambiente (MMA), chegando a custos totais da ordem de US$ 16,5
milhões, voltados aos seguintes componentes: (i) qualidade da água e proteção
ambiental; (ii) conservação do bioma Pantanal; (iii) combate à degradação da terra;
(iv) envolvimento de interesses, com um desenvolvimento sustentável; (v)
estruturação organizacional; e, (vi) implementação do Programa de Gerenciamento
Integrado.
Não obstante esta relevante iniciativa, nos últimos anos não tem ocorrido notícias
sobre um conjunto de ações e intervenções continuadas, portanto, cabendo
preocupações relacionadas à preservação do Pantanal, tendo em vista cenários
prospectivos sobre possíveis mudanças climáticas.
Por fim, para encerrar o presente documento, resta uma leitura sobre o caso do
Estado de Tocantins, componente da Região Norte, porém sem um perfil
amazônico, mas sim, com seu território quase que totalmente ocupado pelo
Cerrado brasileiro, fato que explicita sua necessária abordagem junto ao Planalto
Central do Brasil e como uma das mais significativas frentes da atual expansão do
agronegócio brasileiro, portanto, com a presença das diretrizes gerais que já foram
dispostas nos tópicos 2.4.3.(i) e 2.4.3.(ii).
própria bacia do Rio Paranaíba.
______________________________________________________________________________
112
Como referência a respeito, cabe registrar o seu Plano Estadual de Recursos
Hídricos, desenvolvido durante os anos de 2008 a 2009, o qual foi abordado
considerando34, litteris:
...a conceituação de (re)divisão do espaço territorial
geográfico, apresentando as condicionantes afetas, direta
ou indiretamente, aos recursos hídricos. Com o resultado
obtido, busca-se minimizar os conflitos gerados pela
incompatibilidade entre as divisões político-administrativa e
ambiental. A propósito, o PERH/TO consolida a divisão das
bacias hidrográficas do Estado na regionalização em Áreas
Estratégicas de Gestão (AEGs), áreas essas com
homogeneidade de problemas a serem enfrentados e,
portanto, com um conjunto diferenciado de alternativas de
soluções apropriadas e factíveis para cada região analisada.
Entende-se que a aplicabilidade dessa metodologia se
constitui em uma poderosa ferramenta de suporte à gestão
e de tomada à decisão, na medida em que está aberta à
inclusão de dados futuros, em um processo dinâmico em
constante retroalimentação das diversas variáveis -
supervenientes e intervenientes - pertinentes aos
recursos hídricos e áreas afins.
(destaques negritados)
34 Fonte: Artigo publicado no XVIII Simpósio Brasileiro de Recursos Hídricos, ocorrido em novembro
de 2009, em Campo Grande, Mato Grosso do Sul, intitulado como Desenvolvimento do
Diagnóstico do Plano Estadual de Recursos Hídricos de Tocantins, com autoria de C.E. Curi
Gallego, et al.
______________________________________________________________________________
113
BIBLIOGRAFIA
AGÊNCIA NACIONAL DE ÁGUAS – ANA. Plano Decenal da Bacia Hidrográfica do Rio São
Francisco. Brasília, 2004.
BANCO MUNDIAL. Estratégias de Gerenciamento de Recursos Hídricos no Brasil: Áreas
de Cooperação com o Banco Mundial. Brasília, 2003. Autor: Lobato da Costa, F. J.
CONSÓRCIO OIKOS – COBRAPE. Planos das Bacias Hidrográficas dos Rios Grande e
Corrente – Diagnóstico e Arranjos Institucionais para Gestão (versão preliminar). Salvador,
2013.
INSTITUTO MINEIRO DE GESTÃO DAS ÁGUAS – IGAM e GOVERNO DE MINAS
GERAIS. Plano Estadual de Recursos Hídricos. Belo Horizonte, 2011.
MINISTÉRIO DO MEIO AMBIENTE – MMA e SECRETARIA DE RECURSOS HÍDRICOS
E AMBIENTE URBANO – SRHU. Plano Nacional de Recursos Hídricos (Revisão de 2010).
Brasília, 2010.
ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA EDUCAÇÃO, CIÊNCIA E CULTURA –
UNESCO. Gestão da Água no Brasil. Brasília, 2001. Autores: Tucci, C. E. M., Hespanhol, I
e Cordeiro Netto, O. de M.
PROGRAMA DAS NAÇÕES UNIDAS PARA O MEIO AMBIENTE – PNUMA e AGÊNCIA
NACIONAL DE ÁGUAS – ANA. GEO Brasil - Recursos Hídricos. Brasília, 2007.
PROGRAMA DAS NAÇÕES UNIDAS PARA O MEIO AMBIENTE – PNUMA e MINISTÉRIO
DO MEIO AMBIENTE – MMA. Projeto de Implementação de Práticas de Gerenciamento
Integrado de Bacias Hidrográficas para o Pantanal e a Bacia do Alto Paraguai. Campo
Grande, 2003.
REVISTA REGA – Volume 2. Desenvolvimento Institucional dos Recursos Hídricos no
Brasil. Porto Alegre, 2005. Autor: Tucci, C. E. M.
SECRETARIA DO MEIO AMBIENTE E DOS RECURSOS HÍDRICOS – GOVERNO DO
ESTADO DO SERGIPE. Política e Marco de Reassentamento Involuntário - Programa
Águas de Sergipe. Aracajú, 2009.
SECRETARIA DE SANEAMENTO E RECURSOS HÍDRICOS – GOVERNO DE SÃO
PAULO. Relatório Geral sobre o Seminário Avanços e Desafios na Gestão dos Recursos
Hídricos no Estado de São Paulo. São Paulo, 2011.
______________________________________________________________________________
114
UNIÃO EUROPÉIA. Paper Water 21 Project. Lisboa/Portugal – 2001. Autores: Correia,
Francisco Nunes et al.
CONSULTAS
Site da Agência Nacional de Águas (ANA);
Site do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE);
Site do Ministério do Meio Ambiente (MMA);
Site da Associação Brasileira de Recursos Hídricos (ABRH).
______________________________________________________________________________
116
ANEXO I
Insumos do GEO Brasil – Recursos Hídricos (PNUMA e ANA, 2007) sobre a
Região Amazônica.
Box Transcrito: Vulnerabilidade Climática e Antrópica dos
Recursos Hídricos da Bacia Amazônia
A Bacia Amazônica tem uma enorme importância na dinâmica climática e no ciclo
hidrológico do planeta. A bacia representa aproximadamente 16% do estoque de água
superficial doce e consequentemente, uma importante contribuição no regime de chuvas e
evapotranspiração da América do Sul e do mundo. É também uma das mais úmidas regiões
da Terra, com pluviosidade média variando de 2.300 a 2.460 mm/ano (Fisch, 2006, e
Molinier et al., 1996). Mudanças regionais e globais têm provocado alterações no clima e
na hidrologia da região. Notadamente, transformações no uso do solo com a conversão de
mais de 600.000 km2 de florestas tropicais em pastagens e culturas agrícolas. De fato, o
regime de vazão deste sistema fluvial é relativamente pressionado pela ação antrópica e
está sujeito à variabilidade interanual e de longo prazo na precipitação tropical, o que
resulta grandes variações grandes no escoamento superficial (Marengo e Nobre, 2001).
A reciclagem da evaporação e precipitação local pela floresta responde por uma porção
considerável da disponibilidade hídrica regional, e como grandes áreas da bacia estão
sujeitas a intensas alterações de uso do solo, como perdas de florestas úmidas densas
para implantação de pastagens ou cultivos perenes como a soja, existe uma importante
preocupação como tais alterações do uso do solo e da biomassa podem afetar o ciclo de
hidrológico na Bacia Amazônica (cf. Marengo e Nobre, 2001, e Freitas, 2005). Assim
sendo, além da vulnerabilidade antrópica da bacia, que pode afetar a evapotranspiração e
o volume de sedimentos, será cada vez mais importante considerarmos a vulnerabilidade
climática que poderá sofrer a região Amazônica e seus recursos hídricos. Em outras
palavras, em uma bacia das dimensões continentais Amazônicas torna-se importante à
realização de estudos de previsão e avaliação de vulnerabilidade climática e seus efeitos
na precipitação, no gelo dos Andes, no nível do mar na foz do Amazonas, com destaque
para a avaliação das vazões afluentes a regiões de risco de cheias e a disponibilidade
hídrica nos períodos de eventos extremos de seca, como o que ocorreu na bacia em 2005.
Estes cenários serão fundamentais para definição dos riscos hidrológicos, e, portanto, para
antecipar medidas de adaptação conjunturais e estruturais de gestão da água. Com efeito,
______________________________________________________________________________
117
a mudança de temperatura pode levar a várias outras alterações do meio ambiente, dentre
elas, a intensificação do ciclo hidrológico global, o que provocará impactos sobre os
recursos hídricos a nível regional. De fato, mudanças diferenciadas de temperatura da
atmosfera, dos continentes e dos oceanos, levam a mudanças de padrões de pressão
atmosférica e de ventos. Portanto, poder-se-ia esperar mudanças nos padrões de
precipitação, conforme os modelos matemáticos de previsão global do clima do Hadley
Center para 2050, que apresentam variações médias de 150 a 250 mm/ano nas chuvas da
região. Além disto, o nível médio do mar à escala mundial registrou um aumento médio de
1 a 2 mm/ano no decorrer do século XX, o que pode alterar as áreas de inundação e de
influência das águas marinhas no teor de salinidade dos ecossistemas aquáticos da
Amazônia.
A título de exemplificação dos riscos das alterações regionais nos recursos hídricos pode-
se destacar os seguintes pontos: 1) Degelo dos Andes - as geleiras estão reduzindo a um
ritmo mais rápido do que previsto, devido à intensificação do efeito estufa. O efeito de
degelo, embora mais intenso na Antártida, afeta as geleiras Andinas, que segundo alguns
levantamentos já podem ter tido uma diminuição de mais de 20% nos últimos 20 anos
(Asuncion, 2006); 2) Variação do Nível do Mar na Bacia Amazônica - a faixa de variação
das marés é de até 10 m em certos locais e, portanto as correntes devidas às marés são
importantes. Os gradientes inferiores dos rios permitem às ondas se propagarem até 800
km rio acima. Problemas de salinização não têm sido relatados até o momento, mas
destruição em larga escala de manguezais na frente oceânica é relatada no setor norte.
Isto pode ser uma tendência de longo prazo ou somente um fenômeno cíclico, como
descrito por Proust et al. (1988, apud Muehe e Neves, 1995), para a costa de mangue da
Guiana Francesa. Para o setor sul, Franzinelli (1982, apud Muehe e Neves, 1995)
descreveu a presença de falésias em ativo processo de erosão na Praia de Atalaia em
Salinópolis. Falésias fósseis de até 7 m de altura são também encontradas em muitas
localidades em distâncias de cerca de 100 m do litoral, definindo um limite territorial dos
possíveis efeitos de um aumento do nível do mar; 3) Influência da Temperatura na
Superfície do Mar (TSM) no Regime de Chuvas da América do Sul e Amazônia – a
TSM tem sido um bom indicador para previsão de chuva sazonal, graças ao papel do
oceano no clima e pela sua inércia térmica. Muitos estudos usam as relações entre chuva,
descarga e TSM nos oceanos tropicais para elaborar previsões. Regiões tropicais que são
pólos de anomalias de chuva relacionadas significantes com a TSM são as regiões das
planícies da Bolívia e circunvizinhas. Em relação às anomalias de TSM do Oceano Pacifico,
as ocorrências de El Niño determinam eventos extremos de deficiência de chuva e por
______________________________________________________________________________
118
consequência, baixas descargas nos rios da região, sobretudo, na parte norte oriental da
Amazônia. Já o fenômeno La Niña tem se caracterizado por uma anomalia de aumento no
volume das chuvas registrados em estações pluviométricas na parte norte e central da
Amazônia.
Existe também, uma relação entre a alteração do volume de chuvas da Bacia Amazônica
e a anomalia TSM do Atlântico. No ano de 2005, entre os meses de setembro e outubro,
ocorreu uma importante seca na Bacia Amazônica, tendo sido decretado “estado de
calamidade pública” em diversos municípios da região. De fato, nesta época do ano é
normal ter uma estação seca na Bacia Amazônica, de três a cinco meses dependendo da
região, também denominada na região de “verão Amazônico”, que ocorre entre os meses
de maio a setembro. Todavia, segundo o Centro de Previsão do Tempo e Estudos
Climáticos (CPTEC/INPE) & o Instituto Nacional de Meteorologia (INMET), no período de
setembro de 2004 a setembro de 2005, a Temperatura da Superfície do Mar (TSM) esteve
entre 0,5ºC e 1,5ºC acima da média no Oceano Atlântico Norte, ou seja, foi registrada a
persistência de um aquecimento anormal. Este fenômeno, possível responsável pela seca
de 2005, acabou alterando as correntes de massas de ar úmidas da Amazônia,
principalmente em parcelas importantes das bacias dos rios Solimões, Negro, Madeira e
Juruá, dentre outros. Entretanto, esta não foi a pior seca já registrada nos rios da região.
Os dados hidrológicos demonstram que esta ocupa o quarto lugar em relação às cotas
mínimas do Rio Negro em Manaus. A cota mais baixa já registrada foi em 1963, quando foi
registrada uma cota de 13,64 m no Porto de Manaus. Segunda a Agência Nacional de
Águas (ANA), em outubro de 2005 o nível na margem do Rio Negro, em frente à Manaus,
estava em 14,41 metros.
É importante destacar que com o aumento considerável da população Amazônica, nos
últimos quarenta anos, o impacto da seca tornou-se mais significativo. Somente no Estado
do Amazonas, a seca de 2005 afetou mais de 914 comunidades, o que equivale a mais de
167 mil habitantes ou 32 mil famílias, segundo a Secretaria Nacional de Defesa Civil.
Todavia, embora não se tenha evidência cientifica clara que este aquecimento possa ter
relação com aquecimento climático do planeta, suspeita-se que este fenômeno de
aquecimento das águas dos oceanos poderá ter sua frequência mais elevada.
Fonte: Texto elaborado por Marcos Aurélio Vasconcelos de Freitas, Prof. da COPPE/UFRJ,
consultor do projeto GEF Amazonas ([email protected]).
______________________________________________________________________________
119
Anexo II
Modelo de Gestão de Recursos Hídricos do Estado do Ceará35
1. Descrição Geral
A experiência do Estado do Ceará na gestão de recursos hídricos é marcada pela
busca de um modelo próprio ao semiárido brasileiro. Em grande parte de seu
percurso, apoiado por sucessivas operações de crédito com o Banco Mundial, o
modelo adotado no Ceará pode ser assim caracterizado:
administração de estoques de água reservados em açudes, dada a escassez
decorrente da sazonalidade plurianual das precipitações e a elevada
evapotranspiração presentes no semiárido;
alocação de água para usos múltiplos, respaldada em decisões socialmente
negociadas em colegiados de usuários (associações de utilizadores dos
açudes, principalmente), tendo como suporte à decisão o traçado de curvas-
chave (relações cota-volume) que oferecem projeções e estimativas
relativamente confiáveis para as disponibilidades, em horizontes de curto e
médio prazos;
transporte de água bruta a longas distâncias, vencendo os limites das bacias
hidrográficas rumo aos maiores centros de demanda, em especial para a
Região Metropolitana de Fortaleza, onde se concentram as grandes demandas
de consumo industrial e doméstico;
tarifação por serviços de reservação, transporte e distribuição de água
não potabilizada aos usuários industriais e à concessionária de saneamento
(portanto, diferenciada e não excludente da Cobrança pelo Uso de Recursos
Hídricos), com larga diferenciação entre preços unitários da Cobrança aplicada
em outros estados e pela União, hoje da ordem de R$ 1,00/m3 aos primeiros e
R$ 0,05/m3 ao segundo, caracterizando subsídio cruzado em favor do
abastecimento doméstico;
35 Fonte: GEO Brasil - Recursos Hídricos (PNUMA e ANA, 2007), com alguns dados atualizados.
______________________________________________________________________________
120
adoção de mecanismos de negociação entre segmentos de usuários, de modo
a permitir alterações na alocação das disponibilidades hídricas, para fins de
aumento na eficiência de uso (setores com maior valor agregado efetuam
pagamentos para subsidiar a redução ou suspensão de atividades – em
particular, irrigação com demandas elevadas – dos utilizadores com menor
capacidade de pagamento);
promoção do associativismo local de pequenos usuários, com vistas a facilitar
os processos de negociação relativos à alocação das disponibilidades hídricas;
o modelo é baseado na atuação de uma agência estatal única – a Companhia
de Gerenciamento de Recursos Hídricos (COGERH), constituída como
sociedade de economia mista –, com ação sobre todo o território estadual, na
medida em que opera para além das bacias hidrográficas mediante a
interligação de sistemas de açudes e adutoras, com demandas relativas à sua
operação e manutenção;
permanecem com a Secretaria de Recursos Hídricos as competências próprias
ao Estado, notadamente quanto à emissão de outorgas e à sistemática de
fiscalização, devendo-se mencionar a existência complementar de uma
entidade com especialização na construção de obras civis (a Superintendência
de Obras Hídricas – SOHIDRA) e outra para coleta e sistematização de dados
hidrometeorológicos (a Fundação Cearense de Meteorologia e Recursos
Hídricos – FUNCEME); e,
atualmente, a COGERH aufere arrecadação anual da ordem de R$ 18 milhões,
parte substantiva da qual cobre despesas operacionais com sistemas de
reservação e transporte de água bruta.
2. Perfil da Estratégia e de Valores Adicionais
Nota-se que a estratégia do Sistema de Gestão de Recursos Hídricos do Estado
do Ceará é voltada à conciliação de conflitos entre múltiplos usos da água no
semiárido brasileiro, tanto entre usos rurais (agricultura familiar e cultivos irrigados)
quanto da Região Metropolitana de Fortaleza (consumo urbano e industrial).
Portanto, aborda aspectos no atacado e no varejo, ou seja, sob uma ótica regional
de infraestrutura hídrica de maior porte em favor de todo o Estado, sem deixar de
______________________________________________________________________________
121
observar que projetos executivos devam ser adequados e negociados para cada
caso, com vistas a uma expansão local, em conformidade com os perfis dos usos
e usuários das águas.
Como valor adicional, cabe citar a consistência dos dados e insumos necessários
e o espaço institucional para que ocorram negociações entre usos e usuários, para
fins de (re)alocação da água para sistemas de produção que gerem maior valor
agregado.
Os custos efetivos, notadamente para operação e manutenção dos sistemas de
açudes, canais e adutoras, é coberto pela tarifação de água bruta, a ser entregue,
sempre com o devido monitoramento hidrológico.
Enfim, neste Sistema de Gestão há Governança, Governabilidade, consistência
financeira, além de uma estratégia para o devido desenvolvimento regional.
ESTUDOS RELATIVOS ÀS MUDANÇAS
CLIMÁTICAS E RECURSOS HÍDRICOS PARA
EMBASAR O PLANO NACIONAL DE
ADAPTAÇÃO ÀS MUDANÇAS CLIMÁTICAS
Eixo IV – Governança na Gestão dos Recursos Hídricos
Relatório 02: Propostas para Avanços e Adequações do
SINGREH
Brasília DF Outubro de 2014
____________________________________________________________
_________________________________________________________________________
2
© Centro de Gestão e Estudos Estratégicos
O Centro de Gestão e Estudos Estratégicos (CGEE) é uma associação civil sem fins lucrativos e de interesse
público, qualificada como Organização Social pelo executivo brasileiro, sob a supervisão do Ministério da
Ciência, tecnologia e inovação (MCTI). Constitui-se em instituição de referência para o suporte contínuo de
processos de tomada de decisão sobre políticas e programas de ciência, tecnologia e inovação (CT&I). A
atuação do Centro está concentrada das áreas de prospecção, avaliação estratégica, informação e difusão
do conhecimento.
Presidente Mariano Francisco Laplane
Diretor Executivo Marcio de Miranda Santos
Diretores Antonio Carlos Filgueira Galvão
Gerson Gomes
Centro de Gestão e Estudos Estratégicos SCS Qd 9, Bl. C, 4º andas, Ed. Parque Cidade Corporate 70308-200, Brasília, DF. Telefone: (61) 34249600 http://www.cgee.org.br
Este estudo é parte integrante das atividades desenvolvidas no âmbito do Contrato Administrativo celebrado
entre o CGEE e a Agencia Nacional de Águas – ANA: Contrato Nº.110/ANA/2013
Todos os direitos reservados pelo Centro de Gestão e Estudos Estratégicos (CGEE). Os textos contidos
nesta publicação não poderão ser reproduzidos, transmitidos, ou citados a fonte.
_________________________________________________________________________
3
Governança na Gestão dos Recursos Hídricos
Relatório 02: Propostas para Avanços e Adequações do
SINGREH
Supervisão Antonio Carlos Filgueira Galvão
Líder do CGEE Antonio Rocha Magalhães
Francisco Lobato (consultor)
_________________________________________________________________________
4
Sumário
Introdução ____________________________________________________________ 5
1. Elementos Norteadores para uma Estratégia Nacional voltada a Governança na
Gestão de Recursos Hídricos e Adaptação a Mudanças Climáticas _____________ 6
1.1. Elementos Norteadores dispostos pelo GEO Brasil – Recursos Hídricos ___ 7
1.2. Insumos advindos de Estudos do Plano Nacional de Recursos Hídricos __ 11
2. Recomendações e Propostas para Novos Avanços na Governança e uma Gestão
Integrada dos Recursos Hídricos no Brasil, tendo em vista Adaptação a Mudanças
Climáticas ____________________________________________________________ 16
2.1. Propostas sobre a Dupla Dominialidade de Recursos Hídricos no Brasil __ 16
2.2. Propostas Gerais relacionadas ao SINGREH __________________________ 20
3. O Pacto das Águas a ser empreendido como um Pacto Federativo __________ 30
4. Articulações com a Defesa Civil, face a Problemas Críticos advindos de
Mudanças Climáticas __________________________________________________ 38
5. Ampliação da Possibilidade de Maiores Contribuições de Entidades Executivas,
em favor da Gestão de Recursos Hídricos _________________________________ 43
5.1. A Lei Federal nº 9.433/1997 como Norma de Âmbito Nacional ___________ 43
5.2. Ausência de Regulamentação ______________________________________ 44
5.3. As Agências de Água no contexto do Projeto de Lei nº 1.616/1999 _______ 46
5.4. A Lei Federal nº 10.881/2004 _______________________________________ 47
5.4.1. A Indispensabilidade das Agências de Água ou de Arranjos Organizacionais
Alternativos que as Substituam ________________________________________ 47
5.4.2. A Lei Federal nº 10.881/2004 e a Validade do Expediente Jurídico de
“Entidades Delegatárias” _____________________________________________ 48
5.4.3. Contrato de Gestão: Constitucionalização e Institucionalização no Brasil e
Aplicabilidade na Área dos Recursos Hídricos ____________________________ 52
5.5. Abordagens, Conclusões e Recomendações Finais ____________________ 55
Anexo I – Referências de Estudos sobre Alternativas de Entidades para o
Exercício de Encargos de Agências de Bacias Hidrográficas
_________________________________________________________________________
5
Introdução
De acordo com o estabelecido pelo Termo de Referência e pelo respectivo Plano
de Trabalho, este Relatório 02 tem como objetivo principal elaborar propostas
para estratégias e possíveis adequações institucionais e legais do Sistema
Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos (SINGREH) – assim como, de
alguns dos Sistemas Estaduais de Gerenciamento de Recursos Hídricos
(SEGREHs) –, tendo em vista a Governança (interação com a sociedade) e uma
Governabilidade (relações entre causas e efeitos) mais consistente para uma
efetiva e pragmática gestão integrada dos recursos hídricos (GIRH) no Brasil,
levando em consideração a necessária e possível adaptação a mudanças
climáticas.
Para tanto, devem seguir em pauta as referências metodológicas voltadas a um
planejamento institucional estratégico consistente, bem como, a identificação dos
principais problemas regionais do Brasil, já abordados pelo Relatório 01, para os
quais foram dispostas diretrizes que serão complementadas por elementos
norteadores, formulados sob uma ótica mais genérica e estratégica ao País.
Na sequência, o presente Relatório 02 também contará com alguns subsídios
importantes, advindos de avaliações anteriores do SINGREH – inclusive via o
próprio Plano Nacional de Recursos Hídricos –, muitas delas a serem atualizadas
sobre as condições presentes, além da devida consideração de mudanças
previstas para o clima.
Contando com todos esses subsídios, o documento será então concluído com
proposições relacionadas a possíveis adequações institucionais e legais, voltadas
à Governança na gestão de recursos hídricos, com ênfase para estratégias mais
pragmáticas e próximas a diferentes perfis de problemas, sempre considerando
adaptações a mudanças climáticas, com destaque para aproximação junto aos
diversos setores usuários e aos estados federativos, neste caso, com uma
significativa importância reconhecida para o Pacto das Águas, no presente, em
pleno empreendimento pela Agência Nacional de Águas (ANA).
_________________________________________________________________________
6
1. Elementos Norteadores para uma Estratégia Nacional voltada a
Governança na Gestão de Recursos Hídricos e Adaptação a Mudanças
Climáticas
Para que haja uma estratégia nacional consistente, voltada à Governança na
gestão de recursos hídricos e adaptação a mudanças climáticas, estão sendo
considerados como elementos norteadores e fontes principais: a publicação GEO
Brasil – Recursos Hídricos (PNUMA e ANA, 2007); e, o próprio Plano Nacional de
Recursos Hídricos (com sua versão inicial aprovada em janeiro de 2006 e
atualizada em 2010).
Ambas devem ser vistas em conjunto com:
(i) a atual situação dos recursos hídricos e dos principais problemas presentes
e previstos, com abordagens regionais e suas diretrizes gerais, tais como já
dispostas pelo Relatório 01;
(ii) uma avaliação crítica construtiva sobre certas “respostas” que têm sido
apresentadas, seja pelo SINGREH e/ou por alguns dos SEGREHs, com o
intuito de contribuir para um processo de continuados aprimoramentos
institucionais e legais, voltados a uma efetiva gestão integrada dos recursos
hídricos (GIRH), para tanto, considerando as referências metodológicas que
foram apresentadas no início do Relatório 01;
(iii) a consideração de princípios e diretrizes advindas de cenários prospectivos,
traçados sobre possíveis mudanças climáticas (Eixo I), sem deixar de
considerar o próprio desenvolvimento macroeconômico do País – a ser visto
como variável superveniente –, vez que ambos repercutirão de modo
significativo sobre as disponibilidades hídricas nacionais, em termos de
quantidade e de qualidade; e,
(iv) recomendações que forem dispostas pelos demais Eixos de trabalho da
Rede Água, a respeito de dados e informações (Eixo II), instrumentos de
gestão (Eixo III) e relação com todos os setores usuários das águas (Eixo V).
Mais especificamente quanto ao Eixo V, tendo em vista suas respectivas variáveis
relacionadas a impactos ecológico-ambientais e sobre o clima, também devem ser
considerados: (a) o comportamento próprio das principais atividades econômicas
do País (dimensão, forma, padrão tecnológico, ritmos de crescimento e áreas de
_________________________________________________________________________
7
expansão), notadamente em relação às fronteiras do agronegócio brasileiro e de
perímetros irrigados; (b) a matriz energética, com ênfase na construção de novas
usinas termoelétricas (padrão tecnológico e nível da emissão de gases efeito
estufa), assim como, de hidroelétricas (localização, dimensão de reservatórios e
padrões ambientais); (c) o saneamento básico urbano e rural (níveis de prestação
dos serviços de água, esgotos, resíduos sólidos e drenagem), com atendimento
ao passivo ambiental e às demandas sociais; (d) a infraestrutura logística de
transporte, com destaque para hidrovias; e, (e) a abordagem de áreas de risco,
tanto sujeitas a cheias quanto a escassez, com ênfase no ordenamento do uso e
ocupação do território.
1.1. Elementos Norteadores dispostos pelo GEO Brasil – Recursos Hídricos
Mesmo contando com abordagens dos tópicos mencionados, é importante
lembrar que a gestão de recursos hídricos não detêm uma competência total ou
instrumentos completos para uma atuação substantiva sobre todas as variáveis
que condicionam os cenários prospectivos e o contexto do desenvolvimento
macroeconômico do País.
Sendo assim, torna-se relevante reproduzir diretrizes e elementos norteadores já
formulados sob uma ótica mais genérica e estratégica ao País, transcritas a
seguir, segundo consta na publicação GEO Brasil – Recursos Hídricos, litteris:
...como orientação geral, quando as variáveis são afetas à
gestão das águas deve-se pensar em atitudes pró-
ativas; caso contrário, cabe assumir um viés preventivo
ou de atenuação de impactos econômicos, sociais e
ambientais indesejados, ou seja:- no mínimo pode-se evitar
determinadas consequências, previstas em cenários
tendenciais ou indesejados, atuando para que a gestão dos
recursos hídricos não seja licenciosa ou meramente
burocrática.
Sob tais considerações, pode-se traçar as seguintes
diretrizes gerais e princípios norteadores, vistos como os
primeiros elementos que orientam as propostas:
a adoção de uma atitude pró-ativa e não apenas
contemplativa, com vistas à “construção do futuro”,
_________________________________________________________________________
8
com reflexos na melhoria que deve pautar a atuação de
entidades responsáveis pela gestão das águas (cap.
IV.2);
a necessidade de se definir como serão subsidiadas as
decisões ao longo do tempo, em particular, sobre como
serão contornadas as incertezas críticas, de modo a
conduzir a área de recursos hídricos da melhor forma
possível, seja qual for o “cenário externo” que se
configure, explorando as oportunidades que se
apresentem para que seja alcançado o melhor “cenário
interno” plausível1 (PARTE V);
a perspectiva de gerenciar a gestão, em essência
mediante a consolidação do SINGREH, com suas
características de um sistema descentralizado e
participativo, capaz de assegurar uma inserção orgânica
dos diversos atores sociais afetos às questões de
recursos hídricos (PARTES III e IV, conjugadas);
a construção de uma agenda positiva, com vistas a
assegurar padrões adequados de disponibilidades
hídricas, em qualidade e quantidade, para a atual e
futuras gerações;
a importância dos gestores de recursos hídricos
compreenderem a lógica da atuação dos setores
usuários, assegurando que os mesmos incorporem, em
seus processos de produção ou de oferta de serviços, os
custos das externalidades negativas (ambientais e
sociais), em particular, daquelas que afetam os recursos
hídricos (capítulos IV.2 e IV.3.4, conjugados);
o cômputo das externalidades negativas deve ocorrer
já na fase de planejamento do uso das águas, como
forma efetiva de sua incorporação às políticas setoriais, e
1 Considerando “cenário externo” aquele que se realizará externamente à área de recursos
hídricos, e “cenário interno” como aquele que será construído na área de recursos hídricos pela
implementação de suas políticas e instrumentos.
_________________________________________________________________________
9
não como medida posterior, voltada apenas à mitigação
ou compensação de impactos (cap. IV.3.4);
a efetiva articulação entre política de recursos
hídricos e as dos setores usuários, para que
programas e projetos setoriais incorporem
transversalmente diretrizes e preocupações relativas ao
uso múltiplo das águas e aos aspectos ambientais e
ecológicos (capítulos IV.2 e IV.3.4, conjugados);
o apoio para que os setores usuários incorporem
todos os custos – sociais, ambientais, de integração
de usos múltiplos e de proteção das águas –
envolvidos em seus processos, como forma de incentivar
o uso sustentável e eficiente dos recursos hídricos e de
superar a tradicional atitude de mera imposição de
restrições e penalidades (cap. IV.3.4);
a combinação, em termos técnicos e conceituais, de
mecanismos tradicionais de comando e controle,
incorporando, de modo coordenado e complementar,
formas de gestão compartilhada, instrumentos de
incentivo econômico e alternativas que promovam a
adesão dos usuários a objetivos ambientais e de
proteção dos recursos hídricos (cap. IV.3.4);
o desenvolvimento, pela gestão de recursos hídricos,
de instrumentos consistentes, que orientem critérios de
proteção e aproveitamento múltiplo das águas,
notadamente para fins de elaboração de programas e
projetos setoriais, com repercussões positivas sobre os
pedidos de reserva de disponibilidade hídrica e da
posterior emissão da outorga (capítulos III.3.3 e III.3.4);
a articulação intersetorial, em uma perspectiva mais
ampla, que atinja o campo das políticas
macroeconômicas, que sofrem, no médio e no longo
_________________________________________________________________________
10
prazo, com custos derivados da deterioração ambiental e
das disponibilidades hídricas (capítulos II.2 e II.3)2;
o destaque dos temas da gestão e do planejamento,
notadamente quando entram em questão ações
regulatórias substantivas, como forma atrativa de
justificar, junto à área macroeconômica, bons
investimentos em recursos hídricos (capítulos II.2 e
III.3.2, conjugados);
ações de comunicação social, com vistas a disseminar,
junto aos setores usuários, o valor e a importância da
água para o desenvolvimento econômico e social,
conferindo ganhos ponderáveis de aceitação do
SINGREH, dos instrumentos e das ações de gestão dos
recursos hídricos, conformando um ambiente de parceria
e mútua sinergia, e não de confrontação (cap. IV.2);
a identificação de indicadores adequados ao
monitoramento e avaliação da implementação do
SINGREH, orientados para aferir objetivos e resultados,
intermediários e finais, de modo a conferir uma
consistente “accountability” e a consequente credibilidade
ao Sistema de Gestão (cap. IV.2); e,
por fim, a definição sobre como operar um processo
de constante ajuste na implementação e
funcionamento do SINGREH, pautado por
experiências, aprendizados, novas realidades,
evolução de indicadores e por novas diretrizes que
venham a ser observadas (PARTE IV).
(destaques negritados e sublinhados)
Em acréscimo a essas diretrizes gerais e princípios norteadores, algumas
recomendações adicionais também foram dispostas pelo GEO Brasil – Recursos
Hídricos, cabendo ressaltar as duas seguintes:
2 Em termos práticos, há necessidade de articulação dos sistemas ambiental e de recursos
hídricos com a Agenda Nacional de Desenvolvimento, produzida pelo Conselho de
Desenvolvimento Econômico e Social (CDES).
_________________________________________________________________________
11
(a) aperfeiçoar a implementação da Política Nacional de
Recursos Hídricos, qualificando e aprimorando a
articulação e a dinâmica das instâncias que
compõem o SINGREH (capítulos III.3.2 e III.3.3);
Isto significa que o SINGREH deve ser visto em seu conjunto, ou seja, como um
Sistema, e não apenas mediante suas instâncias isoladas – no mais das vezes,
com ênfase aos comitês –, sem uma devida divisão de encargos e trabalhos, para
a qual devem ser consideradas as habilitações legais e específicas, referentes
aos Conselhos (CNRH e CERHs), comitês de bacias, órgãos gestores de
recursos hídricos (ANA e correspondentes estaduais), além de agências de
bacias hidrográficas, que já estejam instaladas e em plena operação.
(b) apoiar a organização dos Sistemas Estaduais de
Gerenciamento de Recursos Hídricos, construindo e
consolidando capacidades locais, sempre que possível,
com vistas à descentralização de funções e
competências (capítulos III.3.4 e IV.3.3, conjugados);
Cabendo reconhecer que esta recomendação já se encontra em pleno curso, via
o Pacto das Águas, em cujo contexto recomenda-se que ocorra uma avaliação
institucional estratégica sobre a efetiva capacidade dos principais entes e
instituições envolvidos na gestão dos recursos hídricos estaduais, para que atuem
propondo possíveis adequações consistentes e que sejam necessárias, frente às
incertezas provenientes de alterações do clima.
1.2. Insumos advindos de Estudos do Plano Nacional de Recursos Hídricos
Chegando agora a elementos norteadores dispostos por estudos do Plano
Nacional de Recursos Hídricos, cabe registrar algumas leituras que foram feitas
sobre o contexto do Subprograma II.3 – Adequação, Complementação e
Convergência do Marco Legal e Institucional, integrante do Programa II,
intitulado como Desenvolvimento Institucional da Gestão Integrada de
Recursos Hídricos no Brasil, aprovado pelo Conselho Nacional de Recursos
Hídricos (CNRH), em 2007, e publicado pela Secretaria de Recursos Hídricos e
Ambiente Urbano (SRHU), em março de 2008.
_________________________________________________________________________
12
Segundo documentos iniciais do PNRH, os objetivos geral e específicos deste
Subprograma II.3 procuravam, litteris:
Promover os ajustes que tenham sido identificados
como necessários na base legal que rege a GIRH no
Brasil, assim como, complementar lacunas e buscar
convergência entre as legislações nacional e estaduais, sem
prejuízo da manutenção da diversidade e de
especificidades decorrentes de características
regionais:
elaborar estudos para projetos de normativos legais e
infralegais, atendendo às demandas das lacunas jurídicas
dos demais subprogramas;
harmonizar as legislações estaduais com a legislação
federal; e,
harmonizar a legislação nacional com os Acordos e
Tratados Internacionais.
(destaques negritados)
Na sequência desse Subprograma II.3, em 2010 foram entregues ao CNRH um
conjunto de relatórios contendo estudos e propostas sobre estas matérias, os
quais foram elaborados pelos consultores especializados Gilberto Valente Canali
e Percy Soares Neto, ambos contratados pela Agência Nacional de Águas (ANA)
para essa finalidade.
Diversos aspectos relevantes para o funcionamento do SINGREH foram
levantados e, inclusive, debatidos com a Contratante, com muitos comitês de
bacias de rios federais e, também, com setores usuários, além de professores e
técnicos com reconhecida competência e participação junto ao processo de
concepção e implementação da Política Nacional de Recursos Hídricos.
O elenco de propostas apresentadas foi colocado à disposição do CNRH, porém,
ainda não se tem conhecimento de pronunciamentos deste Colegiado a respeito.
Também é importante mencionar que dos debates realizados no contexto dos
trabalhos mencionados emergiram questões relevantes de interesse para o
CNRH e para as demais instâncias agentes do SINGREH, que ainda estão a
merecer maior aprofundamento.
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13
Sob tal contexto e objetivos de trabalho, é importante destacar aspectos relativos
à Governança do SINGREH, sob uma ótica federalista e descentralizada na
gestão das águas, temas estes que voltarão a ser abordados pelo presente
relatório. Assim, como exemplo dos temas tratados, a primeira Nota Técnica do
Relatório Técnico Parcial 3 3, daquele conjunto de estudos mencionados, refere-
se a “comitês de integração”. Segundo a Nota estes deveriam ser bem mais
entendidos como “comitês de articulação”, proposta que volta a destacar o
entendimento de que deve ocorrer uma efetiva descentralização participativa,
porém, sem que deixem de ocorrer acordos e mútuas cooperações entre
instâncias coletivas locais – notadamente estabelecidas em áreas-problema –,
sob uma abrangência mais estratégica e coletiva em bacias hidrográficas
compartilhadas. Destaca-se aqui, em complemento, que a articulação se torna
muito relevante, sobretudo quando conflitos e mútuos impactos estiverem
presentes, muitos previstos frente a mudanças climáticas.
Com efeito, na mencionada Nota Técnica consta, in verbis, que:
Descentralização e cooperação são, portanto, conceitos
inerentes ao federalismo brasileiro e estão presentes na
Política Nacional e no Sistema Nacional de Gerenciamento
de Recursos Hídricos, embora, por vezes ainda caibam
esforços no sentido de neutralizar a tendência
centralizadora, historicamente reconhecida, nas
instâncias superiores do Poder Público.
Tais conceitos, que em outras plagas integram o chamado
princípio da subsidiariedade, que não aparece
explicitamente no ordenamento jurídico nacional, dão como
resultado a noção de que tudo aquilo que pode ser
resolvido pelos cidadãos na menor célula de
convivência entre eles não deve ser levado à ou
capturado pela instância decisória que lhe é superior,
considerados os níveis de organização da administração
3 Fonte: Estudos sobre Elaboração de normativos legais, identificados como prioritários, visando à
adequação, complementação e convergência do marco legal e institucional da Gestão Integrada
de Recursos Hídricos no Brasil – GIRH, Relatório Técnico Parcial 3 (dezembro de 2009). Autor:
Gilberto Valente Canali, co-autor: Percy Baptista Soares Neto.
_________________________________________________________________________
14
pública.
(destaques negritados)
Ademais, a Nota Técnica também destaca a possibilidade positiva da própria
União delegar certos encargos aos estados federativos, a exemplo da emissão de
outorgas para direitos de uso da água, sempre que esses entes federados
demonstrarem ter capacidade técnica para o bom desempenho das funções
delegadas, também contando com delegação a prefeituras municipais, vez que
consideradas as competências constitucionais dos municípios, com forte
incidência sobre vários aspectos da gestão do uso dos recursos hídricos,
torna-se evidente a necessidade de cooperação entre os entes federados, em prol
do interesse público relacionado com o uso racional dos recursos naturais
de forma geral.
Como justificativa a respeito, consta no documento que a gestão em bacias com
menores dimensões tem se apresentado com maior consistência, no mais das
vezes, devido à sua maior proximidade com os problemas relevantes a serem
enfrentados, bem como, contando com a presença dos usuários interessados –
que podem ser mencionados como atores estratégicos (segundo a Metodologia
APEX) – e das comunidades afetadas, não obstante a elaboração de planos de
recursos hídricos, em muitas delas, não terem sido suficientes para avanços
significativos.
Chegando a uma abordagem voltada a instrumentos de gestão (Eixo III), consta
no tópico das Conclusões desta primeira Nota Técnica do Relatório Técnico
Parcial 3 (Canali, G. V.) que, litteris:
Em tese, a visão de que a gestão exige uniformidade de
critérios na aplicação dos instrumentos na bacia como
um todo talvez deva ser relativizada, em função de
peculiaridades que possam eventualmente facilitar o
avanço, e com maior eficiência, da gestão em sub-bacias.
(destaques negritados)
Percebe-se, portanto, uma elevada convergência com muitas das diretrizes gerais
que constam no Relatório 01, no qual há afirmações no sentido de que modelos
de gestão devem ser estabelecidos segundo a natureza dos problemas, fato que,
em relação a instrumentos de gestão, já foi abordado pelo Plano Estadual de
_________________________________________________________________________
15
Recursos Hídricos de Minas Gerais, em cujo contexto foram propostas unidades
territoriais estratégicas de gestão (UTEGs), para as quais deveriam ser aplicados
distintos critérios para a emissão de outorgas.
Também no tópico das Conclusões, consta que o possível alcance de resultados
concretos, quer seja em termos de modelos e dos instrumentos de gestão, assim
como de melhoria dos indicadores característicos de UTEGs, poderá proporcionar
ganhos de credibilidade ao Sistema. Ademais, consta que, in verbis:
...a dinâmica de implementação do Sistema Nacional de
Gerenciamento de Recursos Hídricos requer
flexibilidade para o enfrentamento das diversidades
encontradas nas diversas regiões do país, tornando
frágeis propostas de modelagem padrão para a composição
de colegiados no âmbito das bacias hidrográficas.
(destaques negritados e sublinhados)
Enfim, contando com essas diretrizes mais gerais, além de elementos
norteadores e das diretrizes regionais que foram dispostas pelo Relatório 01,
começa a tornar-se possível propor uma estratégia para rearranjo do arcabouço
legal e institucional vigente, para a qual também deve ser considerado o
compromisso voluntário do Brasil junto à Convenção-Quadro das Nações
Unidas sobre Mudanças do Clima e com o Protocolo de Quioto, para a
redução de emissões de gases de efeito estufa, com metas que foram definidas,
para 2020, segundo princípios, diretrizes, objetivos e instrumentos estabelecidos.
_________________________________________________________________________
16
2. Recomendações e Propostas para Novos Avanços na Governança e uma
Gestão Integrada dos Recursos Hídricos no Brasil, tendo em vista
Adaptação a Mudanças Climáticas
2.1. Propostas sobre a Dupla Dominialidade de Recursos Hídricos no Brasil
Para iniciar este principal capítulo do presente trabalho, de pronto será abordada
a questão sobre a dupla dominialidade dos recursos hídricos no Brasil, tema que
teve leituras sobre alguns de seus principais problemas e desafios, no item 3.4 do
Relatório 01.
De um lado, há posicionamentos de que as águas no Brasil deveriam concentrar-
se sob o domínio da União, tal como entende o destacado profissional Dr.
Benedito Braga, atual Presidente do Conselho Mundial da Água.
Com efeito, em recente entrevista ao Jornal Valor Econômico (24 de abril de
2014), dentre outras, entraram em pauta questões relacionadas: (a) de um lado, a
definição de que o 8º Fórum Mundial da Água deverá ocorrer no Brasil, em 2018,
tendo como tema principal o "Compartilhando as Águas", título que já explicita
seu entendimento a respeito; e, (b) de outro, a crise do Sistema Cantareira e a
proposta paulista de que sejam transpostos cerca de 5 m3/s a partir da represa
Jaguarí, situada entre os ribeirões das Palmeiras e da Boa Vista, afluentes
estaduais do Rio Paraíba do Sul.
Assim, o Dr. Ben. Braga fez as seguintes afirmações:
...se o domínio sobre os rios brasileiros fosse totalmente
federal, como ocorre no México, seria mais fácil evitar
conflitos como o que ameaça irromper entre São Paulo e o
Rio de Janeiro sobre o aproveitamento da bacia do Rio
Paraíba do Sul.
(...)
O modelo no qual os rios são todos nacionais seria o ideal
para nós, porque aí você poderia usar a bacia hidrográfica
como a sua unidade de planejamento, de gerenciamento
dos recursos hídricos. No Brasil, nós também utilizamos a
bacia hidrográfica, só que, constitucionalmente, temos essa
limitação.
_________________________________________________________________________
17
Mesmo sob tal abordagem, o Dr. Ben. Braga entende que atualmente São Paulo
tem total soberania sobre a represa Jaguari, com parte de seu volume devendo
ser transposto para o Sistema Cantareira, embora seja afluente do Rio Paraíba do
Sul, principal provedor da capital fluminense e de seu entorno.
Com isto posto, salvo engano, entende-se que, segundo o Dr. Benedito Braga, a
concentração do domínio das águas na União forçaria um compartilhamento das
águas, ou seja, acordos e compromissos mútuos entre os estados federados do
Brasil.
Porém, sem divergências extremas, mas com distintas estratégias de gestão, tal
como já disposto no capítulo anterior (item 1.2), em sua primeira Nota Técnica do
Relatório Técnico Parcial 3, Canali sublinha a necessidade de uma gestão
descentralizada, portanto, com os chamados “comitês de integração”, devendo
ser entendidos como “comitês de articulação”, para que haja um
compartilhamento das águas em bacias que abranjam mais de um estado, no
sentido de neutralizar a tendência centralizadora, historicamente reconhecida, nas
instâncias superiores do Poder Público.
Ademais, Canali também destaca o princípio da subsidiariedade, fato que explicita
discordância quanto à proposição de que haja uma alteração constitucional, para
que as águas sejam concentradas sob o domínio da União. Ao contrário, entende
que seria preferível a ocorrência de entendimentos entre os próprios estados
federativos, mesmo com a necessidade de contar com a União, a ser vista como
mediadora para acordos e compromissos, via seu órgão gestor de recursos
hídricos – a ANA.
Mais do que isso, coloca em pauta a possibilidade da própria União delegar certos
encargos aos estados federados, a exemplo da emissão de outorgas, além do
entendimento de que a gestão em bacias com menores dimensões tem se
apresentado com maior consistência, no mais das vezes, devido à sua maior
proximidade com os problemas relevantes a serem enfrentados.
Com efeito, no caso do Brasil, mesmo com a dupla dominialidade das águas,
segundo conceitos já apresentados pelo Relatório 01, não obstante a dimensão
de certas bacias, devem ocorrer abordagens diferenciadas, segundo cada
natureza de problemas relacionados aos recursos hídricos, inclusive daqueles
que poderão ser advindos de mudanças climáticas.
_________________________________________________________________________
18
Como um primeiro exemplo, no caso do Alto Rio Iguaçu, até 20044 visto como
trecho superior de rio federal, por certo que os problemas próprios à Região
Metropolitana de Curitiba não poderiam ser equacionados somente via Brasília.
Bem ao contrario, mesmo na época com o rio sob o domínio federal, somente
com a presença dos municípios – e de suas legislações – é que problemas de
uma aglomeração urbana poderiam ser solucionados, vez que o uso e ocupação
do solo torna-se uma variável indispensável para soluções efetivas, bem como a
prestação de serviços de saneamento básico. Sendo assim, na época de
2001/2002, foi celebrado um Convênio do Governo do Estado do Paraná com a
ANA, para delegação da emissão de outorgas, por conta do órgão estadual gestor
de recursos hídricos.
Como outro exemplo bem ao contrário, deve-se reconhecer que, mesmo em
casos onde determinado rio afluente seja de domínio estadual, caso ocorram
problemas mais a jusante, relacionados a outros estados e a problemas mais
regionais, a presença da União passa a ser necessária, sem que apenas
interesses pontuais a montante sejam considerados, como a indefinição de
vazões mínimas a serem asseguradas entre as fronteiras dos estados em pauta.
Mais do que isso, além do perfil dos problemas, também cabe considerar as
capacidades institucionais presentes, frente à natureza dos desafios, portanto,
tanto com apoios top-down quanto bottom-up, em casos distintos.
Muito resumidamente: levando em consideração a necessária adaptação a
mudanças climáticas, recomenda-se que sejam desenvolvidas estratégias
próprias aos problemas que deverão ser equacionados, com uma presença
democrática e efetiva da União e dos estados federados, segundo a natureza dos
problemas e as capacidades institucionais presentes.
Como outra referência importante sobre esta questão da dupla dominialidade dos
recursos hídricos no Brasil, cabe registrar o artigo intitulado “Quem é
responsável pela administração dos rios?”, escrito pelo Dr. Jerson Kelman, em
4 Neste ano, ocorreu a Resolução 399/2004 da ANA, quando foram revistos os domínios de rios,
com ênfase nas distâncias a partir de nascentes, no caso do trecho do Alto Rio Iguaçu, com a
identificação de um trecho menor do que o do Rio Negro, fato que o redeterminou como sendo
trecho de rio afluente sob o domínio estadual.
_________________________________________________________________________
19
conjunto com Bernardo Cabral5. Neste artigo, consta uma pergunta muito similar
ao título, com as respostas reproduzidas a seguir, in verbis:
Quais seriam então as responsabilidades de governos
estaduais na administração dos rios? A primeira
responsabilidade é óbvia: quando toda a bacia hidrográfica
estiver contida em território de um único estado, é evidente
que não existem externalidades para cidadãos de outros
estados e a administração de todos os rios da bacia deve
ficar sob a responsabilidade do correspondente governo do
estado. A segunda responsabilidade é de interagir com a
União no processo de descentralização das decisões.
Sempre que possível, tudo o que puder ser resolvido
pelo governo do estado, ou por consórcio de governos
estaduais, não deve ser resolvido pela União. Por
exemplo, seria desejável que a União delegasse a
administração da bacia do rio Z a consórcio formado
pelos estados A e B. A terceira responsabilidade é
participar, juntamente com a União e com os municípios,
nos comitês de bacia.
Conclusão: Um eventual confronto jurídico em torno
das alternativas aqui abordadas será de todo
desnecessário se efetivamente ocorrer a articulação
entre a União e os estados tendo em vista o
gerenciamento dos recursos hídricos de interesse
comum (Art. 4º da Lei Nacional nº 9.433/1997).
(destaques negritados e sublinhados)
Agora sob um ponto de vista mais jurídico-legal e voltando às abordagens de
Canali, ele entende que, por mais detalhista que tenha a presente Constituição
Federal, há questões ditas como metajurídicas, as quais devem ser explicadas no
âmbito da ciência própria, ou seja, não pertencem ao mundo das definições
estritamente legais, para então serem aplicadas em casos concretos.
No mesmo sentido, muito recentemente contanto com longos debates na Lista da
Associação Brasileira de Recursos Hídricos (ABRH) sobre a dominialidade das
águas, o profissional da ANA, Luciano Meneses, afirmou que não precisamos
5 Revista Justiça e Cidadania, Rio de Janeiro, n. 36, jul. 2003.
_________________________________________________________________________
20
levar esta questão ao STF, pois a ANA está tratando deste tema de forma
adequada e com competência legal há 10 anos.
A propósito de um tema bem próximo e similar, em mensagem à Lista da ABRH,
Canali informou que, recentemente, o Supremo Tribunal Federal (STF)
manifestou-se sobre uma ação que já se desenvolvia há quase duas décadas,
tendo concluído que responsabilidade (competência) pela gestão dos assuntos de
interesse comum em áreas metropolitanas, inclusive o saneamento, deve ser
compartilhada paritária e compulsoriamente pelos estados e os municípios que as
compõem. O relator Ministro Gilmar Mendes se refere ao federalismo de
cooperação, como saída para querelas de competências.
Enfim, o saneamento sempre foi considerado sob a titularidade e como
competência municipal, entretanto, agora, nas regiões metropolitanas passa a ser
também dos estados.
Assim, contando com todos esses insumos e abordagens de profissionais, como
uma proposta para avanços na Governança da gestão dos recursos hídricos,
voltada ao Plano Nacional de Adaptação a Mudanças Climáticas, cumpre
registrar que não deve ser alterada a dupla dominialidade das águas, como
forma fundamental para que ocorram tais avanços na gestão. Ao contrário, os
acordos entre os estados federados e a União, além dos municípios, é o que deve
ser mais empreendido, tal como consta na presente pauta de trabalho da ANA, via
o Pacto das Águas, a ser abordado mais a frente.
2.2. Propostas Gerais relacionadas ao SINGREH
Sob o entendimento de que não devem ocorrer alterações a respeito da dupla
dominialidade das águas no Brasil, agora será possível registrar propostas
gerais relacionadas ao SINGREH, tendo em vista avanços na Governança e
possíveis adaptações a mudanças climáticas.
As propostas gerais são as seguintes, algumas a serem abordadas com maiores
detalhes em capítulos mais à frente:
redefinir uma estratégia institucional, com maior ênfase em
abordagens locais de problem-sheds, tanto face a adaptação a
_________________________________________________________________________
21
mudanças climáticas, quanto para equacionamento dos principais
problemas interrelacionados aos recursos hídricos, que sejam identificados
em cada região;
esta nova estratégia institucional deve ser baseada numa efetiva gestão
descentralizada, com aplicação do princípio da subsidiariedade, além
de leituras territoriais estratégicas;
no que tange às regiões, tal como consta no Relatório 01, devem ser
considerados modelos com perfis mais próprios de gestão para a
Amazônia, o Semiárido brasileiro e o conjunto do Sul, Sudeste e do Centro-
Oeste;
para todas essas regiões, recomenda-se que seja atualizado o Mapa de
Gestão da ANA, sob o conceito e a metodologia de “geometria
variável”;
no caso da região Amazônica, recomenda-se verificar a possibilidade de
um Sistema Regional de Gestão, pautado por um órgão regulador
conjunto, com ênfase na sua atuação sobre áreas de proteção e
conservação ambiental, com vistas a um efetivo controle sobre a retirada
de matas e florestas;
neste sentido, deve-se atuar em favor de convênios e/ou consórcios
coletivos entre os estados da região Amazônica, além de reler e aplicar as
diretrizes gerais que consta no item 2.4.1 do Relatório 01;
para o Semiárido brasileiro, empreender estudos e planejamentos
estaduais voltados ao ordenamento da ocupação do território e ao
desenvolvimento da rede de cidades, face ao inexorável processo de
urbanização e núcleos de Arranjos Produtivos Locais (APLs), com
comunidades rurais menos dispersas, eventualmente reassentadas das
áreas de riscos mais críticos e inseguros;
também devem ser relidas e aplicadas as diretrizes gerais que constam no
item 2.4.2 do Relatório 01, com maior destaque para:
(a) o gerenciamento das disponibilidades, incluindo: (i) a infraestrutura de
armazenamento corretamente construída (mitigar efeitos da
evapotranspiração e otimizar regularização); (ii) a infraestrutura de
_________________________________________________________________________
22
transporte de água (canais e adutoras), definida segundo eixos com
localização compatível com o desenvolvimento de atividades econômicas e
estratégias de consolidação e adensamento da rede urbana; (iii) além de
mais consistência em sistemas localizados para suprimento de águas
voltadas a comunidades rurais; e,
(b) o gerenciamento da demanda, incluindo: (i) a redução de perdas e
desperdícios e a operação e manutenção de sistemas; e, (ii) o
ordenamento espacial da demanda (indução positiva à migração
intrarregional e consolidação de redes urbanas);
para as regiões do Sul, Sudeste e do Centro-Oeste, no que tange a zona
produtiva rural, cabe incentivar tecnologias mais sustentáveis em termos
ambientais, com as políticas e programas do País voltando a conferir
prioridade para a difusão de práticas de manejo e conservação de solos
e da água, tendo como principal referência o Programa Produtor de
Águas, a ser bem mais expandido;
além disso, muitas das intervenções regionais sempre deverão ter como
um de seus objetivos a consolidação de corredores da biodiversidade,
mediante a união, pela via de matas ciliares, de áreas de conservação e de
florestas nativas;
mais especificamente quanto as atuais fronteiras de expansão do
agronegócio brasileiro, cabe enfatizar um planejamento antecipado para
ordenamento consistente da ocupação do território, além de formas
mais rigorosas para fiscalização hídrica e ambiental, de forma a prevenir e
evitar potenciais impactos inadequáveis;
também entra em pauta a relevante proteção e conservação do Bioma do
Pantanal, tal como consta nas diretrizes gerais dispostas pelos itens
2.4.3.(i) e 2.4.3.(ii) do Relatório 01, a serem relidas e consideradas;
quanto às redes de cidades dessas regiões, com ênfase para suas maiores
aglomerações urbanas, recomenda-se que voltem a ser empreendidos
programas de saneamento ambiental urbano (PROSAMs), os quais
devem chegar a modelos de gestão próprios a áreas-problema (problem-
_________________________________________________________________________
23
sheds) – neste caso, também incluindo as regiões metropolitanas do
Nordeste brasileiro;
no contexto desses programas, merecem destaques eventuais
reassentamentos de moradores localizados em áreas de risco – no
mais das vezes, em favelas, cortiços e ocupações desconformes –, assim
como uma indispensável proteção de certas áreas ambientais,
notadamente no caso de mananciais identificados como relevantes,
tendo em vista possíveis mudanças climáticas, que podem afetá-los;
além disso, os PROSAMs devem contemplar sistemas de saneamento
básico, incluindo: a redução de perdas e desperdícios, chegando a uma
operação e manutenção mais consistente dos sistemas de reservação e
de distribuição de água; avanços nos atuais níveis de coleta e tratamento
de esgotos; e, possível reuso das águas, além de outras indicações
dispostas pelas diretrizes gerais, a serem relidas e consideradas, tal como
constam no item 2.4.3.(iii) do Relatório 01;
voltando agora a recomendações mais gerais em favor do SINGREH, é
muito importante sublinhar a notável frente de atuação disposta pelo Pacto
Nacional pela Gestão das Águas, no presente, em plena iniciativa da
ANA, o qual deve ser empreendido sob a ótica de um Pacto Federativo
(ver próximo Capítulo 3), portanto, sob uma perspectiva de maior
descentralização da gestão e mais proximidade junto às áreas-problema;
mesmo lembrando das especificidades que tendem a ocorrer nos
convênios celebrados entre a ANA e os governos estaduais, como frente
inicial de trabalho do Pacto das Águas, pretende-se um fortalecimento dos
órgãos estaduais gestores de recursos hídricos, sendo que, para tanto,
recomenda-se a realização de estudos para um planejamento
institucional estratégico dessas entidades, tendo como referências
metodológicas as que já foram apresentadas no primeiro capítulo do
Relatório 01;
neste sentido, cabe lembrar que será necessário um cruzamento entre as
estruturas institucionais dos órgãos gestores e os perfis dos
principais problemas de recursos hídricos a serem enfrentados –
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24
inclusive para adaptação a mudanças climáticas –, vez que, tal como já
mencionado, arranjos institucionais não devem constituir um fim em si
mesmo, ao contrário, devem apresentar-se como respostas concretas e
objetivas às demandas para uma gestão consistente frente à natureza dos
problemas presentes e/ou previstos;
contudo, sem restrições a essa recomendação, cabe lembrar que, segundo
documentos da ANA sobre o Pacto das Águas, no que concerne às metas
de desenvolvimento institucional, acredita-se que devem ser estabelecidas
a partir das aspirações e preocupações dos próprios estados,
cabendo à União, neste caso, oferecer, quando solicitados, elementos de
subsídio à tomada de decisão no nível estadual;
mesmo assim, segue em pauta uma recomendação para que haja incentivo
aos estados federados, sobre a avaliação de metas indispensáveis ao
fortalecimento dos seus órgãos gestores de recursos hídricos,
incluindo: (a) a dimensão do quadro de pessoal, com sua qualificação,
capacitação e renovação periódica; (b) a indispensável operação das
redes hidrometeorológicas e hidrogeológicas, com dados
pluviométricos, fluviométricos e de qualidade da água; e, (c) a superação
de deficiências de bases técnicas requeridas para uma Governabilidade
(identificação das relações entre causas e efeitos) consistente para a
gestão das águas, a exemplo de cartografia básica, cadastros de usuários
e sistemas de apoio à decisão, dentre outros;
uma vez contemplada esta frente inicial de trabalho prevista pelo Pacto
das Águas, para que, de fato, ocorra uma GIRH, caberá promover maior
integração com outras áreas, em particular, com a gestão do meio
ambiente, incluindo esforços para a valoração dos serviços ambientais,
em ecossistemas e também no meio urbano, integração esta que deve ser
empreendida mediante sistemáticas que articulem instrumentos, como
sistemas de informação, enquadramento, licenciamento ambiental e
emissão de outorgas, sendo interessante empreender estudos sobre o
licenciamento de atividades com base na capacidade de suporte de
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25
certas unidades territoriais, avançando em relação ao mero controle
tradicional, no mais das vezes, limitado somente a padrões de emissão6;
ademais, já contando com fortalecimentos institucionais e com
reconhecidas competências de órgãos estaduais gestores de recursos
hídricos, para que haja uma efetiva gestão descentralizada e participativa,
com maior pragmatismo e aproximação junto às áreas-problema, muitas
delas a serem destacadas pelo perfil de mudanças climáticas, deve-se
pensar em possíveis delegações de encargos e responsabilidades,
inclusive no que tange a emissão de outorgas, caso possíveis problemas
relacionados a este instrumento de gestão sejam bem mais locais do que
compartilhados com outros estados ou países vizinhos;
ainda a respeito desta proposta de delegação, para que haja uma
estratégia institucional consistente em favor dos estados federados,
deve-se considerar, de um lado, as capacidades institucionais instaladas
em cada unidade federada e, de outro, a própria condição dos órgãos da
União, com ênfase para a ANA, de conferirem respostas às demandas
advindas das diversas bacias e regiões hidrográficas, ou seja, deve-se
empreender uma descentralização calibrada em função das mútuas
capacidades técnicas e institucionais, tanto top-down quanto bottom-up;
enfim, novamente recomenda-se aplicar o princípio da subsidiariedade
no trato dessas divisões de encargos, zelando para que, sempre que
possível, os problemas sejam resolvidos no âmbito mais próximo à
sua gênese, com demandas alçadas a instâncias mais superiores e
afastadas somente frente à incapacidade de um adequado
equacionamento local, por vezes, em razão de insuficiências
institucionais e/ou técnico-científicas locais, além da persistência de
impasses decisórios, da falta de recursos ou, ainda, nos casos em que as
instâncias locais não abrigam todos os interessados das questões sob
análise;
6 A integração entre meio ambiente e recursos hídricos não implica, necessariamente, na fusão de
instituições, uma vez que é importante preservar as ênfases diferenciadas entre a gestão das
águas (modelo de negociação social e capacidade de suporte de bacias) e a do meio ambiente
(prevalência do C&C, via licenciamento).
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26
sendo assim, no caso de bacias compartilhadas com certos países
vizinhos, a exemplo da própria bacia do Rio Amazonas e do seu
importante afluente Rio Madeira, torna-se indispensável ter acesso a
dados e informações hidrometeorológicas sobre suas nascentes e
perfis mais a montante, para que projeções e diagnósticos relacionados a
efeitos advindos de mudanças climáticas possam ser abordados sob uma
base técnica e com dados consistentes;
seguindo a frente com as propostas em pauta, face a problemas mais
graves advindos de possíveis mudanças climáticas, recomenda-se
articular a gestão de recursos hídricos com a Defesa Civil (ver mais
detalhes no Capítulo 4), a qual encontra-se identificando e mapeando
áreas de risco, nas quais intervenções poderão ser necessárias e
indispensáveis, sobretudo para reassentamento de populações
inadequadamente residentes;
ademais, também deve-se contemplar formas para uma inserção bem
mais substantiva dos municípios nas estratégias de gestão dos
recursos hídricos, uma vez que muitas das variáveis decisivas
encontram-se sob a sua competência (legislação de uso e ocupação do
solo, código de posturas urbanas, de obras e de edificações, titularidade de
serviços de saneamento, intervenções em drenagem e disposição final de
resíduos sólidos, dentre outras)7;
contudo, tendo em vista suas contínuas e inexoráveis intervenções
territoriais em bacias hidrográficas, as prefeituras municipais devem ser
consideradas: (a) de um lado e por vezes, como usuárias de recursos
hídricos, especialmente mediante a atuação de certas secretarias
municipais executivas, a exemplo das que empreendem obras para
microdrenagem, as quais interferem nas dinâmicas de vazões hídricas,
assim exigindo as devidas obtenções de outorgas; e, (b) de outro, como
entidades com certas funções regulatórias, na medida em que
constituem secretarias do meio ambiente, para fiscalizações e, com
7 Mediante os instrumentos legais mencionados, pode-se promover maiores sintonia e sinergia
entre a legislação municipal e a de recursos hídricos.
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27
relevância, para emitir muitos dos licenciamentos ambientais, na maioria,
mais locais;
chegando, agora, a recomendações mais próprias às instâncias
componentes do SINGREH, além de possíveis revisões sobre a
composição do Conselho Nacional de Recursos Hídricos (CNRH) e da
necessária identificação de atores estratégicos que devem ser
representantes junto a inúmeros dos comitês de bacias, já instalados
no Brasil, cabe um elevado destaque para o perfil institucional de
agências de bacias hidrográficas, no presente, sob a ótica estabelecida
pela Lei Federal nº 10.881/2004, a qual estabeleceu a possibilidade de
celebração de Contratos de Gestão junto às chamadas “entidades
delegatárias”, definidas como associações civis de direito privado, sem fins
lucrativos;
não obstante esta importante possibilidade, que propiciou a criação de
entidades como a AGEVAP (Associação Pró-Gestão das Águas da Bacia
Hidrográfica do Rio Paraíba do Sul), a qual celebrou o primeiro Contrato de
Gestão com a ANA, já em setembro de 2004, bem como a Associação
Executiva de Apoio à Gestão de Bacias Hidrográficas (AGB – Peixe Vivo),
em muitos casos, seguem em pauta problemas e restrições advindas de
limites para autossustentação financeira, vez que as “entidades
delegatárias” estão sujeitas ao limite de 7,5% das arrecadações via
Cobrança pelo Uso da Água;
assim, salvo melhor juízo, recomenda-se que sejam ainda mais
flexibilizadas as alternativas para que outras instituições possam
atuar executivamente na gestão de recursos hídricos, tanto para certas
funções e encargos de agências de bacias, quanto para empreendimentos
previstos pelos planos de bacias, ou seja, entende-se que não se deve
limitar atuações somente a “entidades delegatárias”, mas também
considerando órgãos estatais – ou até mesmo privados ou de
economia mista –, com os quais podem ser celebrados convênios ou
contratos de gestão;
mais detalhes a respeito constam no Capítulo 5, além de uma referência a
respeito apresentada no Anexo I, na qual são dispostas as respectivas
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28
vantagens e desvantagens de alternativas para que entidades possam
exercer o papel de agência da bacia do Rio Corrente, localizado no oeste
da Bahia e afluente da margem esquerda do Rio São Francisco, onde
estimativas de arrecadação via Cobrança tornam evidente e inquestionável
a impossibilidade de constituir-se uma mera “entidades delegatária”, para o
exercícios das funções como agência dessa bacia;
para tanto, serão necessárias algumas alterações, ajustes e/ou
complementações dos dispositivos legais vigentes, que se mostrem
indispensáveis, seja em busca de maior eficiência no processo de
articulação dos entes envolvidos na gestão dos recursos hídricos, ou para
fins de adaptação a mudanças climáticas – algumas delas serão
mencionadas no Capítulo 5 do presente Relatório 02;
quanto a recomendações relacionadas a Instrumentos de Gestão (Eixo III),
cabe aprofundar conceitos e princípios legais sobre o Direito das
Águas, notadamente para o trato de eventos críticos que poderão
exigir, de forma antecipada e preventiva, racionamento, suspensão de
direitos de outorgas concedidas, realocação de disponibilidades e outras
eventuais disputas em quadros críticos que afetem os recursos hídricos8;
por fim, como última recomendação voltada para avanços na Governança
da gestão de recursos hídricos e adaptação a mudanças climáticas, sob
uma ótica de planejamento institucional estratégico, interno à
estrutura organizacional da ANA, recomenda-se que suas diretorias
sejam definidas com base em abordagens regionais do Brasil, e não
como no presente, quando são definidas com responsabilidades temáticas,
fato que, s.m.j., tem incentivado atuações isoladas de muitas de suas
superintendências, portanto, sem a devida integração temática e setorial
para a gestão de recursos hídricos;
ou seja, dizendo de outra forma, entende-se que tendo suas diretorias
definidas como responsáveis por certas regiões do Brasil, haverá um
8 Recomendação do Prof. Rubem La Laina Porto, o qual, em adição, apresentou o caso dos EUA
como uma das possíveis referências, fazendo a seguinte pergunta: Há nos EUA um modelo
nacional de gestão de recursos hídricos? A resposta é não. Ao contrário, sob uma ótica
pragmática, os americanos definem soluções próprias, segundo a natureza de cada problema.
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indispensável cruzamento continuado entre diversas de suas
superintendências, sem restrições para que seus Diretores troquem,
periodicamente, responsabilidades sobre as diferentes regiões do Brasil.
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3. O Pacto das Águas a ser empreendido como um Pacto Federativo9
Mesmo com as proposta gerais que já foram apresentadas e tendo em vista a
importante iniciativa do Pacto das Águas, torna-se inegável o reconhecimento de
que a gestão de recursos hídricos no Brasil contou com avanços significativos a
partir da promulgação da Lei Nacional nº 9.433, que instituiu a Política e o
Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos, em 08 de janeiro de
1997.
Entretanto, decorridos 17 anos, hoje há um elevado consenso de que os
resultados efetivos são modestos e de que há necessidade de promover ajustes
que conduzam a um maior dinamismo para o Sistema e aos objetivos colimados
pela Política das águas, que apresenta um relevante interesse social. Assim, os
ajustes, sejam eles de natureza legal e/ou institucional, requerem iniciativas do
Poder Público, sempre com o envolvimento e compromissos conjuntos da União e
dos estados federados, ambos titulares do domínio das águas conforme
estabelecido na Constituição Federal, portanto, com um desafio que deve ser
vencido em ambas as esferas.
Com efeito, em termos realistas e pragmáticos a Política e o Sistema Nacional de
Gerenciamento de Recursos Hídricos demandam articulações indispensáveis,
ainda que o mandamento constitucional tenha incumbido à União a competência
privativa de legislar sobre as águas, vez que a Constituição também estabeleceu,
segundo definição já expressa, um duplo domínio das águas, tanto para a União
quanto para os estados federados, os quais dominam as águas subterrâneas.
Assim, entende-se que esta dicotomia entre o duplo domínio das águas e a
competência legal privativa da União impõe dificuldades para uma atuação
conjunta com os estados, fato que não é observado exclusivamente na gestão
das águas, vez que o modelo federalista trazido pelo Constituição de 1988 ainda
se apresenta como fator de certa tensão permanente entre a União e as unidades
federadas, portanto, exigindo continuados aperfeiçoamentos.
De fato, no âmbito da União, a gestão das águas vem sendo implementada sob
os ditames da referida Lei da Política Nacional e de seus regulamentos, em
9 Abordagem elaborada por Gilberto Valente Canali, como consultor subcontratado.
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especial, após o ano 2000, quando ocorreu a criação da Agência Nacional de
Águas, através da Lei Federal nº 9.984, do mesmo ano.
Já no âmbito dos estados e do Distrito Federal, verifica-se que todos
providenciaram suas respectivas leis, expressando suas políticas e seus sistemas
de gerenciamento das águas, fato que tem suscitado relativa perplexidade sob o
ponto de vista do ordenamento jurídico-constitucional, vis-a-vis à competência
privativa da União, sendo que, por ora, o entendimento pacificador da questão é
no sentido de que as leis estaduais e distritais não estabelecem direitos sobre o
uso das águas, pois estes estão sob a competência privativa da União, portanto,
com os estados federados sublinhando organizações administrativas em seus
âmbitos respectivos, as quais habilitam cada estado a exercer a gestão das águas
sob seu domínio.
Contudo, na maioria dos estados federados verifica-se uma inadequada lentidão
quanto a seguidos avanços institucionais de seus respectivos órgãos gestores de
recursos hídricos e, também, na aplicação mais consistente dos instrumentos de
gestão, por diversas razões, entre as quais se percebe uma relativa
desconsideração quanto à importância do gerenciamento das águas, para
assegurar sua quantidade e qualidade suficiente para os diferentes usos, da atual
e das futuras gerações.
Além dessa razão, observa-se que recursos financeiros insuficientes – por vezes
em decorrência dos limites impostos pela Lei de Responsabilidade Fiscal, a qual
todos estão sujeitos – os impedem de constituir equipes permanentes e mais
capacitadas para o exercício das suas competências legais na matéria.
Como resultado, constata-se uma enorme disparidade entre situações que se
caracterizam por maior ou menor capacidade para a gestão dos recursos hídricos
sob o domínio dos estados, bem como para articulação com a União, ou seja,
para a atuação conjunta no gerenciamento dos recursos hídricos de interesse
comum, conforme determina a Lei Nacional nº 9.433/1997. Também cabe ser dito
que o interesse comum se estabelece na maioria das bacias hidrográficas
brasileiras, dado que seus sistemas hídricos componentes, em geral, se
apresentam sob um duplo domínio, pressupondo-se, pois, que a gestão seja feita
conjuntamente, respeitadas as respectivas competências, porém, sempre com
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32
objetivos comuns pactuados e compartilhados, segundo compromissos formais a
serem celebrados.
Todavia, esta questão não tem sido simples, uma vez que, tendo a União bem
melhor equipada do que na maioria dos estados, tende a ser estabelecida uma
evidente hegemonia na definição de prioridades, não obstante já terem sido
constituídos mais de duas centenas de comitês de bacia, sempre para integrar
sistemas de gerenciamento – federal ou dos estados –, aos quais compete
promover o debate das questões relacionadas aos recursos hídricos e articular a
atuação das entidades lá intervenientes, sempre sob uma forma descentralizada,
contando com a participação do Poder Público, dos usuários e das comunidades.
Seguindo a respeito, cabe ainda reconhecer que a abordagem determinada pela
legislação para a gestão dos recursos hídricos – isto é, a definição de que a bacia
hidrográfica é a unidade territorial para implementação da Política Nacional e
atuação do SINGREH – constituiu uma significativa inovação na administração
pública brasileira, vez que esta definição impõe, necessariamente, considerações
que ultrapassam os tradicionais espaços próprios de atuação, definidos pelos
territórios dos estados, do Distrito Federal e dos municípios.
Para enfatizar este aspecto, cumpre lembrar que a Lei Nacional nº 9.433 dispõe,
entre suas diretrizes gerais, a integração da gestão das bacias hidrográficas com
a dos sistemas estuarinos e zonas costeiras, os quais se observa que chegam a
extrapolar os espaços mencionados e, até mesmo, os limites próprios de bacias
hidrográficas.
A respeito do tópico em pauta, também torna-se importante reapresentar as
seguintes diretrizes gerais da Política Nacional de Recursos Hídricos, já
abordadas pelo Relatório 01, anterior, a saber:
a gestão sistemática dos recursos hídricos, sem dissociação de aspectos
de quantidade e de qualidade das águas;
a integração da gestão de recursos hídricos com a gestão ambiental, tema
que, segundo a Constituição, é de competência comum da União, dos
estados, do Distrito Federal (DF) e dos municípios, cujas normas de
cooperação são fixadas por leis complementares;
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33
a articulação da gestão dos recursos hídricos com o ordenamento do
uso, da ocupação e da conservação do solo, tema este inserido na
competência legislativa concorrente da União, dos estados e do Distrito
Federal, bem como e principalmente, conforme expresso pela Lei Nacional
nº 9.433, com este tema a ser notadamente promovido pelos
municípios, juntamente com a integração das políticas locais de
saneamento básico, que inclui abastecimento de água potável, coleta e
tratamento de esgotos sanitários, coleta e disposição final adequada de
resíduos sólidos e sistemas de drenagem, além de outras varáveis
relacionadas à sustentabilidade socioambiental;
a indispensável articulação do planejamento de recursos hídricos
com planos de todos os setores usuários das águas (variáveis
intervenientes), além dos planejamentos regional, estadual e nacional
(variáveis supervenientes), para uma efetiva gestão integrada; e,
com grande ênfase, a adequação da gestão de recursos hídricos às
diversidades físicas, bióticas, demográficas, econômicas, sociais e culturais
das diferentes regiões do País.
Por fim e adicionalmente, cabe lembrar que é competência comum da União, dos
estados, do Distrito Federal e dos municípios registrar, acompanhar e fiscalizar as
concessões de direitos de pesquisa e exploração de recursos hídricos e minerais
em seus respectivos territórios.
Torna-se claro e inquestionável, portanto, que a gestão dos recursos hídricos no
âmbito de bacias hidrográficas é tarefa que exige uma indispensável atuação
conjunta da União, dos estados e do DF, além dos próprios municípios, para que
ocorra uma articulação integrada de determinadas matérias, notadamente nos
casos mais complexos, com a presença de diferentes variáveis.
De fato, novamente volta-se a repetir que a Lei Nacional nº 9.433 determina que a
União se articule com os estados e com o DF, tendo em vista o gerenciamento de
recursos hídricos de interesse comum. Porém, sabe-se que esta Lei não é
especifica em relação à articulação com os municípios, fato que pode ser
superado ao se recorrer a uma interpretação estendida da noção expressa, para
que também se contemple tais unidades federativas.
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Com esta visão, a questão da dicotomia do domínio das águas entre a União, os
Estados e o DF pode ser relativizada, restringindo sua importância a
determinadas competências – sobretudo, para a emissão de outorgas para direito
de uso das águas –, para que sejam postas em maior evidência e melhor
compreendidas as obrigações comuns de todos os entes federados,
especialmente na formulação de soluções para problemas de interesse das
comunidades de bacias hidrográficas, sempre contando com suas devidas
participações junto a um Sistema de Gestão descentralizado.
Em outros termos, tal como já registrado no item 2.1, entende-se que não será
necessário emendar a Constituição para alterar o domínio das águas, seja
concentrando todos os domínios no âmbito da União, tal como defendem alguns,
ou descentralizando o domínio das águas nacionais interiores para o âmbito dos
estados e do Distrito Federal, ressalvados apenas os rios fronteiriços ou
transfronteiriços, como defendem outros. A propósito, além da dificuldade própria
da promoção de uma emenda constitucional, a matéria não se apresenta urgente
ou prioritária perante outras questões mais cruciais, com as quais, no presente, já
se debate a sociedade brasileira.
Enfim, é muito mais importante buscar mecanismos de integração e articulação
de políticas públicas afins e de atuação da administração pública nos três níveis
federativos, com maior eficiência e efetividade. Neste sentido, torna-se necessário
entender o sentido da integração e da articulação, vez que no sentido comum tais
termos são usados como se sinônimos fossem, sem maior preocupação com o
sentido pretendido pelo legislador, quando ora determina a integração, ora a
articulação.
A propósito, entende-se que a distinção está no comando à articulação, cujo
significado seria a atuação conjunta mediante a contratualização de objetivos e
metas, com a definição das responsabilidades de cada parte e alocação
correspondente de recursos. Embora a prática corrente nas relações federativas
indique alguns poucos exemplos e instâncias bem sucedidas na administração de
interesse comum, o fato é que no âmbito da gestão dos recursos hídricos ainda
não se pode generalizar essa impressão, havendo várias razões para explicá-lo.
Com efeito, a demora na edição de leis complementares, que ordenem a forma de
cooperação para a realização das competências comuns aos entes federados e,
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35
até mesmo, para eventualmente autorizar os estados a legislarem em matérias
sob competências privativas da União, deve ser considerada, como fator a
explicar, a baixa performance da administração nas matérias aqui abordadas.
Neste contexto, em paralelo, um grande passo foi dado em 2011, com a edição da
Lei Complementar nº 140, que define as formas de atuação de cooperação
federativa, portanto, descentralizada, com vistas à gestão ambiental, mostrando
um bom caminho para a abordagem de outras matérias que ainda buscam saídas
para alcançar resultados efetivos na implementação das respectivas políticas
públicas.
Por outro lado, além das dificuldades impostas pela dupla dominialidade e pelo
dever de descentralizar a gestão, com participação do Poder Público, dos
usuários e das comunidades, a informação disponível na maioria das bacias
hidrográficas brasileiras ainda não permite realizar com segurança a identificação
precisa das relações entre causas e efeitos, associadas aos principais problemas
identificados, inclusive pelas próprias comunidades, portanto, sendo praticamente
inviável definir efetivos cursos de ação, prioridades e alocação de recursos para
as devidas abordagens e soluções, pelo menos enquanto não se tornarem
evidentes as capacidades para realizar a integração, a articulação e a
contratualização de responsabilidades que levem os entes federados a resolver
conjuntamente problemas de interesse comum.
Enfim, o quadro atual revela que se torna fundamental e premente resolver a
enorme disparidade constatada na capacidade institucional e administrativa, entre
a maioria dos estados, visando a capacitar seus órgãos gestores de recursos
hídricos e afins, para o exercício de suas funções e para a articulação
interinstitucional, seja no âmbito próprio da administração estadual, seja,
principalmente, nas relações entre a União e os municípios, com foco na gestão
por bacia hidrográfica (water-shed management) e na solução dos problemas de
interesse comum às comunidades (problem-shed management).
Igualmente, cabe reconhecer a importância de oferecer dados, informações e a
capacitação das próprias comunidades, tendo em vista uma participação
indispensável nos debates sobre as soluções, ou seja, com um acompanhar pari-
pasu à capacitação institucional e administrativa.
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A este respeito, para os fins do presente trabalho é preciso considerar que os
problemas e objetivos contemplados pela Política Nacional de Recursos Hídricos
passarão a ter maior complexidade em decorrência das mudanças climáticas que
venham a afetar todas as regiões do País, seja em maior ou menor grau,
emergindo daí a necessidade de capacitação das entidades e das comunidades
para a gestão e adaptação a novas realidades.
Portanto, são alvissareiras as iniciativas da Agência Nacional de Águas, já em
pleno curso, tanto ao promover a capacitação massiva de muitos agentes e
indivíduos interessados, potencialmente participantes de fóruns coletivos para
debates e tomadas de decisões, tal como previstos como componentes do
SINGREH, quanto ao propor aos estados um Pacto Nacional pela Gestão das
Águas, cujo objetivo maior é a construção de compromissos entre os entes
federados – União, estados e DF –, visando à superação de desafios comuns e à
promoção do uso múltiplo e sustentável dos recursos hídricos, sobretudo em
bacias compartilhadas.
Esse objetivo maior desdobra-se em outros dois mais específicos, quais sejam:
(i) promoção da efetiva articulação entre os processos de gestão das águas
e de regulação dos seus usos, conduzidos nas esferas nacional e
estadual; e,
(ii) fortalecimento do modelo brasileiro de Governança das águas, integrado,
descentralizado e participativo.
As premissas do Pacto das Águas incluem:
- o fortalecimento dos Sistemas Estaduais de Gestão de Recursos
Hídricos, tema a ser tratado prioritariamente;
- compromissos em torno de metas, intermediárias e finais, com clara
definição dos objetivos a serem atingidos e de parâmetros para sua
averiguação ao longo do tempo, definindo-se os respectivos responsáveis,
escopo, e prazos; e,
- metas associadas à visão de futuro, que envolvem metas de
desenvolvimento institucional e de controle de aspectos de qualidade e
quantidade de água, subentendidas aqui ações relativas ao enquadramento
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dos corpos d’água, que exigirão negociações e construção de consensos
entre os entes federados, usuários e comunidades.
Seguindo a respeito, entre os elementos para a implementação do Pacto das
Águas encontram-se: (a) uma devida harmonização entre as políticas e ações
administrativas da União, dos estados e do DF; (b) a indispensável articulação
com os diferentes setores usuários de recursos hídricos; e, (c), com grande
destaque, o Mapa de Gestão, que busca traduzir o perfil necessário e a situação
atual da gestão nos estados, portanto, propiciando uma visão de futuro, inclusive
em termos de metas de desenvolvimento institucional, a serem estabelecidas com
todos os estados federados, em acordos comuns.
Tal como já recomendado, cabe lembrar que este Mapa de Gestão deve ser
atualizado, segundo procedimentos metodológicos mais avançados, de acordo
com o conceito da sobreposição de diferentes leituras territoriais, ou seja, com a
aplicação do conceito da “geometria variável”.
Ademais, para a implementação do Pacto, segundo o documento propositivo 10,
os esforços exigirão, entre outros, revisões no planejamento orçamentário anual e
plurianual, da União e dos estados federados, além da identificação de
mecanismos para dar efetividade aos planos de recursos hídricos.
Com a devida vênia para a implementação do Pacto das Águas, no que diz
respeito à identificação de mecanismos para dar efetividade aos planos de
recursos hídricos, vislumbra-se a necessidade inexorável do envolvimento dos
municípios, tanto na concepção quanto na execução de plano de bacias
hidrográficas que abranjam seus respectivos territórios, em todo ou em parte. Isto
porque, tal como já mencionado, a gestão dos recursos hídricos deve considerar
todas as questões que dizem respeito à gestão ambiental, do uso e da ocupação
do solo, além do saneamento básico, elementos dentre os quais, em grande
medida, são de competência municipal.
Além disso, a visão da adaptação às mudanças climáticas não poderá deixar de
considerar essa esfera federativa, vez que todas as ações de proteção e defesa
civil a envolvem, na base do Sistema Nacional de Proteção e Defesa Civil.
10 Pacto Nacional pela Gestão das Águas - Construindo uma Visão Nacional: Volume 1 - Aspectos
Conceituais. Documento Base (Agência Nacional das Águas, Brasília, Março/2013).
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Por este viés, a integração de políticas de recursos hídricos e correlatas deve
também levar em conta a prevenção, atenuação e convivência com efeitos
adversos da mudança do clima, os quais são objeto da Política Nacional de
Mudança do Clima, assim como da Política Nacional de Proteção e Defesa
Civil. Portanto, a par do desenvolvimento institucional, que agora deve envolver
também a esfera municipal, os planos de recursos hídricos se afiguram como
verdadeiros instrumentos de integração e articulação de ações, merecendo a
formalização dos compromissos para a sua implementação em todos os níveis.
Em conclusão, sob uma perspectiva favorável ao desenvolvimento institucional
dos estados, caberá ainda um esforço adicional para definir mecanismos voltados
a maior envolvimento e participação do Poder Público Municipal na gestão dos
recursos hídricos, incluindo todas as interfaces com os demais entes federativos,
no âmbito de bacias hidrográficas.
Neste sentido, entende-se que não é demasiado enfatizar a opinião de que só
assim a Governança dos recursos hídricos terá uma efetiva chance de êxito, nos
termos previsto pela Política Nacional de Recursos Hídricos.
4. Articulações com a Defesa Civil, face a Problemas Críticos advindos de
Mudanças Climáticas11
O Brasil, bem como todos os demais países, deve ser pródigo na formulação de
políticas públicas indiscutivelmente necessárias para ordenar a atuação da
administração pública, em todos os níveis federativos.
Assim, no quadro da elaboração de um Plano Nacional de Adaptação às
Mudanças Climáticas, com ênfase para os estudos do Eixo IV - Governança dos
Recursos Hídricos, convêm examinar as interfaces abertas entre as Políticas
Nacionais de Recursos Hídricos, de 1997, de Mudança do Clima, de 2009, e de
Proteção e Defesa Civil, de 2012, levando em conta que os efeitos das mudanças
climáticas, sobre o regime hidrológico das bacias brasileiras, estará sendo
abordado em paralelo, com o presente Relatório 02.
Neste sentido, em primeiro lugar, cabe destacar que entre os objetivos da Política
Nacional de Recursos Hídricos encontra-se a prevenção e a defesa contra
11 Abordagem elaborada por Gilberto Valente Canali, como consultor subcontratado.
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eventos hidrológicos críticos, de origem natural ou decorrentes do uso
inadequado dos recursos naturais, juntamente com a utilização racional de tais
recursos e a necessária disponibilidade de água assegurada à atual e às futuras
gerações, com os devidos padrões de qualidade adequados aos respectivos
usos.
Quanto a esse objetivo, a ANA já vem atuando em consonância com o Sistema
Nacional de Proteção e Defesa Civil, mormente fornecendo informações
hidrometeorológicas, quer seja quando da ocorrência de eventos que possam se
apresentar como adversos à população, como também segundo um mapeamento
– ainda preliminar – de certas áreas sujeitas a inundações, sobretudo, nas zonas
urbanas ocupadas por famílias de menor renda.
A propósito, dentre as diretrizes da Política Nacional de Mudança do Clima
encontram-se a identificação de vulnerabilidades e a adoção de medidas
adequadas para reduzir os efeitos adversos da mudança do clima e a
vulnerabilidade dos sistemas ambiental, social e econômico, bem como a
formulação e adoção de estratégias integradas de mitigação e adaptação às
mudanças climáticas, tanto no âmbito local, quanto regional e nacional.
Dentre seus instrumentos, encontram-se as medidas existentes, ou a serem
criadas, que estimulem o desenvolvimento de processos e tecnologias que
contribuam para a redução de emissões e/ou remoções de gases de efeito estufa,
bem como para a adaptação, dentre as quais o estabelecimento de critérios de
preferência nas licitações e concorrências públicas, compreendidas aí as
parcerias público-privadas e a autorização, permissão, outorga e concessão para
exploração de serviços públicos e recursos naturais, para as propostas que
propiciem maior economia de energia, de água e de outros recursos naturais,
além da redução da emissão de gases de efeito estufa e de resíduos.
Por sua vez, a Política Nacional de Proteção e Defesa Civil, instituída em 2012,
dispõe que é dever da União, dos estados, do Distrito Federal e dos municípios
adotarem as medidas necessárias à redução dos riscos de desastres, podendo
contar com a colaboração de entidades públicas ou privadas e da sociedade em
geral. Adicionalmente, dispõe que a incerteza quanto ao risco de desastre não
constituirá óbice para a adoção das medidas preventivas e mitigadoras da
situação de risco.
_________________________________________________________________________
40
Ademais, tem as seguintes diretrizes, transcritas litteris:
I. atuação articulada entre a União, os estados, o Distrito
Federal e os municípios para redução de desastres e apoio
às comunidades atingidas;
II. abordagem sistêmica das ações de prevenção, mitigação,
preparação, resposta e recuperação;
III. a prioridade às ações preventivas relacionadas à
minimização de desastres;
IV. adoção da bacia hidrográfica como unidade de análise
das ações de prevenção de desastres relacionados a
corpos d’água;
V. planejamento com base em pesquisas e estudos sobre
áreas de risco e incidência de desastres no território
nacional;
VI. participação da sociedade civil.
(destaques negritados)
Dentre outros, tem os seguintes objetivos relacionados aos temas ora em apreço:
- reduzir os riscos de desastres;
- incorporar a redução do risco de desastre e as ações de proteção e defesa
civil entre os elementos da gestão territorial e do planejamento das
políticas setoriais;
- promover a identificação e avaliação das ameaças, suscetibilidades e
vulnerabilidades a desastres, de modo a evitar ou reduzir sua ocorrência;
- monitorar os eventos meteorológicos, hidrológicos, geológicos,
biológicos, nucleares, químicos e outros potencialmente causadores de
desastres;
- produzir alertas antecipados sobre a possibilidade de ocorrência de
desastres naturais;
- estimular o ordenamento da ocupação do solo urbano e rural, tendo em
vista sua conservação e a proteção da vegetação nativa, dos recursos
hídricos e da vida humana;
- combater a ocupação de áreas ambientalmente vulneráveis e de risco e
promover a realocação da população residente nessas áreas;
_________________________________________________________________________
41
- orientar as comunidades a adotar comportamentos adequados de prevenção
e de resposta em situação de desastre e promover a autoproteção.
Constata-se, portanto, que tais diretrizes e objetivos são muito concordantes com
os da gestão de recursos hídricos, cabendo recomendar leituras de seus
conteúdos com uma visão pragmática, para levar a cabo ações articuladas de
cooperação que os integrem no âmbito de bacias hidrográficas.
Outros aspectos a se destacar pertencem ao elenco de competências da União,
dos estados, do DF e dos municípios, dentre os quais merecem ser registrados: o
mapeamento das áreas de risco; o monitoramento meteorológico e hidrológico;
o cadastro nacional de municípios com áreas suscetíveis à ocorrência de
deslizamentos com grande impacto, inundações bruscas ou processos
geológicos ou hidrológicos correlatos; e, o Plano Nacional de Proteção e
Defesa Civil.
O referido Plano Nacional conterá a identificação dos riscos de desastres nas
regiões geográficas e em bacias hidrográficas do País, além das diretrizes para
ação governamental de proteção e defesa civil, no âmbito nacional e regional, em
especial quanto à rede de monitoramento meteorológico, hidrológico e geológico
e dos riscos biológicos, nucleares e químicos e à produção de alertas antecipados
das regiões com risco de desastres.
Este Plano Nacional deverá ser acompanhado por Planos Estaduais, os quais
também deverão identificar as bacias hidrográficas de seus territórios com risco
de ocorrência de desastres, além da definição das diretrizes de ação
governamental de proteção e defesa civil no âmbito estadual, em especial, tal
como já registrado, no que se refere à implantação da rede de monitoramento
meteorológico, hidrológico e geológico das bacias com risco de desastre.
Já no âmbito municipal, o elenco de competências também é extenso, com ênfase
na execução das ações de proteção e defesa civil previstas nos planos, para os
quais deverão fornecer informações e fiscalizar áreas com risco de desastres,
com a devida vedação de novas ocupações irregulares e inadequadas nessas
áreas. Entre outras competências próprias, os municípios devem, ainda, manter a
população informada sobre áreas de risco e ocorrência de eventos extremos, bem
como sobre protocolos de prevenção e alerta e sobre as ações emergenciais em
circunstâncias de desastres.
_________________________________________________________________________
42
Para o exercício dessas competências, os estados e, sobretudo, os municípios
vêm se equipando, sendo importante destacar a capilaridade de um Sistema que,
ao fim e ao cabo, permita tomada de iniciativas e a realização de ações com
eficiência e eficácia, a partir da União para as demais esferas federativas e,
também, destas para o Poder Executivo Federal, para o atendimento das
necessidades das comunidades em situações de vulnerabilidade de eventos
críticos e adversos.
Enfim, a partir de uma visão ampla do conjunto de providências que ainda se
fazem necessárias para a implementação de uma Governança eficaz sobre os
recursos hídricos, torna-se evidente que há um amplo espaço para a articulação
da gestão dos recursos hídricos com outras políticas públicas afins no âmbito de
bacias hidrográficas, incluindo as três esferas federativas, sob a ótica da
obrigação de zelar pelo bem estar das comunidades, fato que, em tese, deveria
ser o mote para a superação dos entraves encontrados na implementação de
certas políticas de âmbito nacional, estadual e municipal.
_________________________________________________________________________
43
5. Ampliação da Possibilidade de Maiores Contribuições de Entidades
Executivas, em favor da Gestão de Recursos Hídricos12
Para que se possa discorrer acerca das chamadas “entidades delegatárias”, bem
como, acerca da possibilidade de se ter ampliadas as possibilidades de suas
respectivas ações executivas em prol da gestão de recursos hídricos, faz-se
necessário apontar, ainda que de forma perfunctória, alguns conceitos e princípios
que tangenciam o tema para, posteriormente, entender o contexto no qual estas
foram introduzidas no ordenamento jurídico brasileiro.
5.1. A Lei Federal nº 9.433/1997 como Norma de Âmbito Nacional
Conforme o que já foi disposto no Relatório 01 do presente trabalho, relacionado
a adequações e possíveis avanços da Governança na gestão de recursos
hídricos, no contexto do Plano Nacional de Adaptação a Mudanças Climáticas, a
Lei nº 9.433 sobrepõe-se, enquanto texto normativo, a todas as esferas de poder
legislativo na convivência federativa brasileira. Ou seja, não é uma norma federal,
nem estadual, nem distrital-federal, muito menos municipal: trata-se de uma
norma nacional. Por isto, na sua ementa está escrito que ela institui a Política
Nacional de Recursos Hídricos e cria o Sistema Nacional de Gerenciamento de
Recursos Hídricos (SINGREH). É, pois, uma lei de observância nacional,
inobstante ter, formalmente, a característica de lei ordinária federal.
Em que pese a assertiva dantes pontuada, cumpre considerar o regime de
atribuições legislativas concorrentes, tal como fixado pela Constituição Federal,
segundo a qual cabe à União estabelecer as diretrizes (normas gerais) sobre os
temas arrolados no art. 24 do texto constitucional, ao passo que aos estados e,
também, aos municípios cabe suplementar essas diretrizes, considerando suas
respectivas peculiaridades.
Assim, mesmo sob o mencionado contexto nacional da legislação vigente sobre a
gestão de recursos hídricos no Brasil, é importante sublinhar que os estados da
Federação podem definir especificidades – legais e/ou institucionais – próprias às
suas distintas características e condições regionais, desde que não afrontem os
fundamentos e diretrizes gerais da Política Nacional de Recursos Hídricos.
12 Abordagem elaborada pela Advogada Eliete Tedeschi, como consultora subcontratada.
_________________________________________________________________________
44
Portanto, os comandos jurídicos, somados às próprias diferenças físicas, bióticas,
demográficas, econômicas, sociais e culturais, existentes entre os diversos
estados e regiões do País, justificam a edição de leis estaduais sobre os recursos
hídricos, vez que a faculdade conferida, para que cada uma das coletividades
regionais institua sua política de recursos hídricos, resulta na criação de
condições compatíveis à aplicabilidade e efetividade da Política Nacional de
Recursos Hídricos.
Com isto, as leis estaduais pertinentes às normas de gestão de recursos hídricos,
meio ambiente e mudanças climáticas deverão, de um lado, observar o que
dispõe a legislação federal e, de outro, adequar a legislação estadual às
necessidades locais, contudo, sem conflitar com a norma geral. Nesse sentido, a
norma local poderá abordar certas especificidades e até restringir direitos, mas
nunca ampliá-los em conflito com o que dispõe a legislação federal.
Noutras palavras, o entendimento que prevalece é o de que a competência para
legislar sobre águas, em sentido genérico, é o que pertence à União (normas
gerais), competência esta que não deve ser confundida com a capacidade dos
entes federados estabelecerem regras mais específicas sobre os bens que se
encontram sob o seu respectivo domínio, regras estas entendidas em termos de
guarda, gestão e administração de recursos hídricos, isso porque os estados e o
DF podem suplementar as diretrizes gerais, de acordo com suas peculiaridades
regionais e culturais.
Ainda a respeito desse tema, por certo que o SINGREH não poderia ter sido
concebido e estruturado por fora do Aparelho de Estado, ainda que muitas
deliberações significativas tenham sido delegadas, via a Lei nº 9.433/1997, a
comitês e conselhos de recursos hídricos – instâncias coletivas decisórias, sem
personalidades jurídicas –, todavia, sempre mantendo, sob a responsabilidade
própria ao Poder Público, os devidos encargos regulatórios, notadamente a
emissão de outorga para direito de uso da água e as devidas fiscalizações e
punições.
5.2. Ausência de Regulamentação
Feitas as considerações acerca da divisão de competências, importa ressaltar os
constantes problemas funcionais que têm ocorrido, tanto na esfera nacional (Lei
_________________________________________________________________________
45
nº 9.433/1997) quanto em âmbito dos estados da Federação, em decorrência de
causas remotas e/ou atuais correspondentes a lacunas e inconsistências,
principalmente geradas a partir da origem de toda essa legislação.
No que se refere ao aprofundamento da questão que envolve as chamadas
“entidades delegatárias”, cumpre mencionar a falta do cumprimento, pelo Poder
Executivo Federal, da devida regulamentação da Lei Nacional nº 9.433/1997,
sobretudo, em dois dispositivos de grande repercussão, quais sejam, os artigos
53 e 55, adiante transcritos, litteris:
Art. 53 - O Poder Executivo, no prazo de cento e vinte dias
a contar da publicação desta Lei, encaminhará ao
Congresso Nacional projeto de lei dispondo sobre a criação
das Agências de Água.
(...)
Art. 55 - O Poder Executivo Federal regulamentará esta Lei
no prazo de cento e oitenta dias, contados da data de sua
publicação.
Na realidade, houve omissão do Poder Executivo Federal num e noutro
dispositivo que, ao deixarem lacunas abertas, desencadearam especulações e
análises para o seu pleno entendimento, sobretudo à orientação institucional
adequada quanto à personalidade jurídica de Agências de Água, também
mencionadas como Agências de Bacias Hidrográficas, em termos de encargos
executivos e de apoio aos seus respectivos comitês.
Ainda relativamente às Agências de Água, o art. 51 da Lei Nacional nº 9.433,
chama a atenção e deve ser levado em consideração, litteris:
Art. 51 - O Conselho Nacional de Recursos Hídricos e os
Conselhos Estaduais de Recursos Hídricos poderão
delegar a organizações sem fins lucrativos, relacionadas
no art. 47 desta Lei, por prazo determinado, o exercício de
funções de competência das Agências de Água,
enquanto esses organismos não estiverem constituídos.
(destaques negritados)
Da leitura desse artigo fica claro que o modelo inspirador daquilo que há de ser
institucional e operativamente uma Agência de Água (ou de Bacia Hidrográfica),
_________________________________________________________________________
46
dependeria do cumprimento do estipulado pelo art. 53 da Lei Nacional nº 9.433,
que apresentava o prazo de cento e vinte dias – a contar da publicação da Lei, tal
com já visto –, para que o Poder Executivo encaminhasse ao Congresso Nacional
um projeto de lei dispondo sobre a criação das Agências de Água.
Com muito atraso, mediante o Projeto de Lei nº 1.616/1999, preparado pelo Poder
Executivo Federal, uma concepção do modelo foi submetida ao Congresso
Nacional. Assim, o Governo Federal passou a sinalizar paradigmas para a
organização operacional e executiva do SINGREH, de modo especial para suas
próprias Agências de Água, relativamente aos rios sob o domínio da União.
Numa palavra, o prazo dado pelo art. 53 assinalado, infelizmente não foi
cumprido, ou melhor, se deu muito mais tarde, a destempo, porém, de forma mais
ampla como será descrito a seguir.
5.3. As Agências de Água no contexto do Projeto de Lei nº 1.616/1999
Embora sem mencionar o dever de propor um projeto de lei dispondo sobre a
forma de criação de Agências de Água, tampouco para cumprir a exigência de
regulamentar a Lei Nacional nº 9.433 (arts. 53 a 55), o Poder Executivo da União
encaminhou ao Congresso Nacional, através da Mensagem nº 1.269, de 2 de
setembro de 1999 – ou seja, há quase 15 anos –, um projeto de lei dispondo
sobre a gestão administrativa e a organização institucional do Sistema Nacional
de Gerenciamento de Recursos Hídricos (SINGREH), tal como previsto no inciso
XIX do art. 21 da Constituição Federal.
A mensagem citada baseou-se na Exposição de Motivos do então Ministro de
Estado do Meio Ambiente, José Sarney Filho (EM 94/99 MMA, de 25 de agosto de
1999) da qual cumpre destacar o item 6, vez que afirma, litteris:
6. As agências de bacia serão entidades de direito
privado, sem fins lucrativos, instituídas por comitês de
bacia hidrográfica para atuar como suas secretarias
executivas. As agências de bacia, assim constituídas,
estarão credenciadas para exercer as principais funções de
gerenciamento de recursos hídricos no âmbito da
correspondente bacia hidrográfica, podendo inclusive firmar
contratos de gestão com órgãos e entidades estaduais que
detenham poder de outorga dos recursos hídricos.
_________________________________________________________________________
47
(destaques negritados)
A proposta do Governo Federal, tal como vista, foi disposta no sentido de que
Agências de Água tenham personalidade jurídica de direito privado, sem fins
lucrativos. Com especial destaque, o projeto de lei em foco fez, dentre outros
temas igualmente relevantes, a seguinte positivação, litteris:
Art. 25 - As Agências de Bacia deverão ser constituídas,
preferencialmente, com natureza jurídica de fundação,
devendo constar de seus estatutos que a entidade não tem
fins lucrativos, que sua existência é por prazo indeterminado
e que, sem prejuízo do disposto no art. 44 da Lei nº 9.433,
de 1997, têm por finalidade:
(...)
Seguindo sob uma ausência de regulamentação, é importante salientar que o
Projeto de Lei nº 1.616/1999, em pauta, vem tramitando muito vagarosamente no
Congresso Nacional, sendo que a sua última movimentação (última ação
legislativa) se deu em 22 de agosto de 2011, tendo como atual situação:
“Aguardando Criação de Comissão Temporária pela Mesa”13.
Nesse contexto, s.m.j., acredita-se que a tendência predominante é a de que o
Projeto de Lei em comento não seja votado, até porque, em virtude do tempo
transcorrido, não mais reflete o contexto no qual se encontra inserida a
problemática afeta ao gerenciamento dos recursos hídricos no Brasil.
5.4. A Lei Federal nº 10.881/2004
5.4.1. A Indispensabilidade das Agências de Água ou de Arranjos Organizacionais
Alternativos que as Substituam
A Teoria das Organizações, aplicável a órgãos e entidades da administração
pública ou empresarial, explica que as decisões de instâncias colegiadas, como
os comitês de bacias hidrográficas, para terem eficiência, eficácia e efetividade,
carecem de unidades organizacionais e gerenciais postas em linha para
execução, de modo a garantir suas decisões, deliberações e normas
operativas. Do contrário, elas permanecerão apenas no papel, sem permitir
acontecimentos de campo ou resultados de mérito.
13 In http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb, consultado no dia 16 de junho de 2014.
_________________________________________________________________________
48
Desse modo, são sumamente importantes, tal como previstas pela Lei Nacional
nº 9.433/1997, as funções e competências das Agências de Água (art. 41
usque 44, parágrafo único, incisos e alíneas). De fato, a bem da verdade, em
muitos casos as Agências de Bacias têm se mostrado como indispensáveis,
não apenas como implementadoras de decisões dos comitês, mas também
devido a sua extensa lista de atividades executivas em prol da respectiva bacia,
em especial aquelas inscritas no art. 44, incisos I a XI e alíneas a a d, com
destaque para a elaboração e coordenação executiva do correspondente plano
de recursos hídricos (inciso X), além de novas frentes de trabalho que deverão
surgir em decorrência de possíveis mudanças climáticas.
Dizendo em outras palavras, boa parte das estagnações que vêm ocorrendo no
contexto do SINGREH – e, também, em muitos dos SEGREHs –, parecem ser
advindas da falta de entidades executivas mais consistentes, vez que os
comitês de bacias não têm personalidades jurídicas, sendo instâncias coletivas
que apenas se reúnem em certas datas, portanto, sem o dia-a-dia indispensável
para que determinadas decisões e/ou deliberações venham a ser efetivamente
implementadas.
5.4.2. A Lei Federal nº 10.881/2004 e a Validade do Expediente Jurídico de
“Entidades Delegatárias”
Sob a análise da Lei Federal nº 10.881, de 09 de junho de 2004, vinda da
conversão da Medida Provisória nº 165/2004, verifica-se que a alternativa
positivada para constituir uma Agência de Água seria aquela registrada na ementa
da citada Lei, ao dizer, litteris:
Dispõe sobre contratos de gestão entre a Agência
Nacional de Água e entidades delegatárias das funções de
Agências de Água relativas à gestão de recursos hídricos
de domínio da União e dá outras providências.
(destaques negritados)
A propósito, importa ressaltar que houve, em âmbito do gerenciamento de
recursos hídricos, o descarte da aplicação direta do expediente estabelecido pela
Lei Federal nº 8.666/1993, que trata das licitações e da celebração de contratos
administrativos, ao dizer:
_________________________________________________________________________
49
Art. 116. Aplicam-se as disposições desta Lei, no que
couber, ao convênio, acordos, ajustes e outros instrumentos
congêneres celebrados por órgãos e entidades da
Administração.
A aplicação deste dispositivo contempla exigências formais descritas nos
parágrafos 1º ao 9º e respectivos incisos, ficando claro que a LF nº 12.349, de 15
de dezembro de 2010, alterou a redação do teor da LF nº 8.666/1993, para
rigidamente dizer, litteris:
Art. 1º. A Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993, passa a
vigorar com as seguintes alterações:
(...)
Art. 3º. A licitação destina-se a garantir a observância do
princípio constitucional da isonomia, a seleção da proposta
mais vantajosa para a administração e a promoção do
desenvolvimento nacional sustentável e será processada e
julgada em estrita conformidade com os princípios básicos
da legalidade, da moralidade, da igualdade, da
publicidade, da probidade administrativa, da vinculação
ao instrumento convocatório (edital), do julgamento
objetivo e dos que lhe são correlatos.
§ 1º (...)
I - admitir, prever, incluir ou tolerar, nos atos de
convocação, cláusulas em condições que comprometam,
restrinjam ou frustrem o seu caráter competitivo, inclusive
nos casos de sociedades cooperativas, e estabeleçam
preferências ou distinções em razão da naturalidade, da
sede ou domicilio dos licitantes ou de qualquer outra
circunstância impertinente ou irrelevante para específico
objeto do contrato, ressalvado o disposto nos §§ 5º a 12
deste artigo e no art. 3º da Lei nº 8.248, de 23 de outubro de
1991;
(destaques negritados)
Mais especificamente no que tange às características e requisitos afetos às
instituições voltadas ao exercício de encargos próprios às Agências de Bacias,
convém ao presente Capítulo 5 salientar que as chamadas “entidades
_________________________________________________________________________
50
delegatárias”, aludidas na Lei Federal nº 10.881/2004, constituem uma
denominação genérica, que tem como espécies as organizações civis de recursos
hídricos, listadas no art. 47 e nos incisos de I a V, as quais, para integrarem o
SINGREH, devem ser legalmente constituídas, litteris:
Art. 47. São consideradas, para os efeitos desta Lei,
organizações civis de recursos hídricos:
I - consórcios e associações intermunicipais de bacias
hidrográficas;
II- associações regionais, locais ou setoriais de usuários
de recursos hídricos;
III - organizações técnicas e de ensino e pesquisa com
interesse na área de recursos hídricos;
IV - organizações não governamentais com objetivos de
defesa de interesses difusos e coletivos da sociedade;
V - outras organizações reconhecidas pelo Conselho
Nacional ou pelos Conselhos Estaduais de Recursos
Hídricos.
Art. 48. Para integrar o Sistema Nacional de Recursos
Hídricos, as organizações civis de recursos hídricos devem
ser legalmente constituídas.
(destaques negritados)
Tal integração, no entanto, em razão do Novo Código Civil Brasileiro, objeto da
Lei Federal nº 10.406/2002 e de modificações posteriores, teve estas espécies
reduzidas a apenas duas, quais sejam, as associações e as fundações privadas
(art. 44, incisos I e III), enquanto Consórcios Públicos atualmente submetem-se
às normas da Lei Federal nº 11.107/2005.
Ainda a respeito de organizações civis de recursos hídricos, Leme Machado14
explica que três características precisam estar presentes nas entidades que
pretendam receber a delegação de encargos por parte de comitês de bacias e
dos Conselhos, tanto Nacional como Estaduais de Recursos Hídricos, a saber:
14 In Revista de Interesse Público, Porto Alegre, ano 5, nº 26, págs. 19-28, jul/ago.2004, também, in
http://midia.pgr.gov.br/4CCR/sitegtagua/pdf/artigo-03.pdf - acesso em 26 de junho de 2014.
_________________________________________________________________________
51
a) ser uma organização civil de recursos hídricos15;
b) não ter fins lucrativos; e,
c) ser legalmente constituída.
Assim, também de acordo com Leme Machado16, como todo ato administrativo, a
opção de comitês de bacias e do respectivo Conselho, por alguma das
organizações civis de recursos hídricos, deve seguir o art. 37 da Constituição
Federal e a Lei Federal nº 9.784, de 20 de janeiro de 1999 (art. 2º)17, inclusive
apresentando e justificando uma sólida motivação, a exemplo de frentes de
trabalho decorrentes de mudanças climáticas.
Ou seja, teoricamente, todas as organizações civis de recursos hídricos de uma
bacia hidrográfica – desde que apresentem uma sólida articulação e
representatividade afetas à gestão de recursos hídricos –, podem candidatar-se
ao procedimento de seleção, independentemente do tempo de sua existência.
Ademais, importa ressaltar que o Conselho Nacional de Recursos Hídricos poderá
estabelecer outros requisitos para essas organizações, desde que se permita a
eficiência, moralidade, plena publicidade e impessoalidade nos critérios de escolha.
Cumpre, ainda, frisar que o art. 37 da Constituição Federal é o que trata, no caput,
dos princípios que regem a Administração Pública, direta (órgãos) e indireta
(entidades), de qualquer dos Poderes da União, dos estados, do Distrito Federal e
dos municípios, a saber: legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e
eficiência. Também merece destaque o princípio fixado no inciso XXI, quanto à
seleção do pretendente (organização civil), qual seja:
Ressalvados os casos específicos na legislação, as obras,
serviços, compras e alienações serão contratadas mediante
processo de licitação pública, que assegura igualdade de
condições a todos os concorrentes, com cláusulas que
estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as
condições efetivas da proposta, nos termos da lei.
(destaques negritados)
15 Nota da consultoria: desde que obedeça a terminologia do NCCB (LF nº 10.406/2002), ou seja,
associações e fundações privadas.
16 Idem Nota de Rodapé 14.
17 Regula o Processo Administrativo em âmbito Federal.
_________________________________________________________________________
52
Seguindo a respeito, a própria Lei Federal nº 10.881/2004 – mesmo para a
escolha de uma “entidade delegatária”, para o exercício de funções próprias a
uma Agência de Água, em bacia hidrográfica de rio sob o domínio da União –
exige a observância dos mencionados princípios do art. 37 da Constituição
Federal, para a seleção e recrutamento de pessoal, bem como, para compor a
contratação de obras e serviços, com emprego de recursos públicos (art. 9º e
parágrafo único).
Tudo isso foi disposto para afirmar que, neste contexto legal, embora tenha
ocorrido uma lacuna relativamente à devida regulamentação da Lei nº 9.433/1997,
o surgimento da Lei nº 9.984/2000 propiciou a criação e a instalação da ANA,
seguida de avanços importantes no SINGREH, especialmente depois da
promulgação da Lei nº 10.881/2004, com a subsequente celebração de
Contratos de Gestão, sob o conceito da “contratualização” de Planos de
Trabalho com Agências de Bacias Hidrográficas, genericamente definidas como
“entidades delegatárias”, constituídas por atores públicos e privados.
Dessa forma, entende-se que o resultado apresentado pela Lei nº 10.881/2004 foi
bastante interessante e pragmático, notadamente ao admitir que diferentes
alternativas possam ser adotadas, segundo a natureza dos problemas a enfrentar
e o contexto institucional de cada caso, o que explica a denominação genérica
das “entidades delegatárias”, que devem celebrar Contratos de Gestão com
órgão gestor de recursos hídricos.
Por fim, quanto ao contexto da legislação federal vigente, cabe lembrar que a
cobrança pelo uso da água sempre deverá ser implantada sob a responsabilidade
do órgão gestor com domínio sobre os corpos hídricos da bacia, sem deixar de
contar com os possíveis apoios executivos e operacionais por parte da Agência da
Bacia, para que tal instrumento de gestão venha a ser efetivamente aplicado.
5.4.3. Contrato de Gestão: Constitucionalização e Institucionalização no Brasil e
Aplicabilidade na Área dos Recursos Hídricos
A respeito da constitucionalização e da institucionalização de Contratos de
Gestão no Brasil e de sua aplicabilidade na área dos recursos hídricos, no
contexto da Lei Federal nº 10.881/2004 ficaram claros determinados dispositivos,
como os adiante transcritos litteris:
_________________________________________________________________________
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Art. 1º - A Agência Nacional de Águas - ANA poderá firmar
contratos de gestão, por prazo determinado, com
entidades sem fins lucrativos que se enquadrem no
disposto pelo art. 47 da Lei nº 9.433, de 8 de janeiro de
1997, que receberem delegação do Conselho Nacional de
Recursos Hídricos - CNRH para exercer funções de
competência das Agências de Água, previstas nos arts. 41 e
44 da mesma Lei, relativas a recursos hídricos de domínio
da União.
§ 1º - Para a delegação a que se refere o caput deste artigo,
o CNRH observará as mesmas condições estabelecidas
pelos arts. 42 e 43 da Lei nº 9.433, de 8 de janeiro de 1997.
§ 2º - Instituída uma Agência de Água, esta assumirá as
competências estabelecidas pelos arts. 41 e 44 da Lei nº
9.433, de 8 de janeiro de 1997, encerrando-se, em
consequência, o contrato de gestão referente à sua área de
atuação.
(destaques negritados)
O art. 2º e seus incisos I a VIII ditou normas técnicas e operacionais conducentes
à celebração dos ditos Contratos de Gestão. Como novidade, sem desprezo aos
demais dispositivos, o Parágrafo único do art. 3º da citada lei estabeleceu, litteris:
Art. 3º - A ANA constituirá comissão de avaliação que
analisará, periodicamente, os resultados alcançados
com a execução do contrato de gestão e encaminhar
relatório conclusivo sobre a avaliação procedida, contendo
comparativo especifico das metas propostas com os
resultados alcançados, acompanhado da prestação de
contas correspondente ao exercício financeiro, à Secretaria
de Recursos Hídricos do Ministério do Meio Ambiente e aos
respectivos Comitês de Bacia Hidrográfica.
Parágrafo único - A comissão de que trata o caput deste
artigo será composta por especialistas, com qualificação
adequada, da ANA, da Secretaria de Recursos Hídricos do
Ministério do Meio Ambiente e de outros órgãos e entidades
do Governo Federal.
_________________________________________________________________________
54
(destaques negritados)
Contudo, no seu remate introduziu relevante modificação no teor do art. 51 da Lei
Federal nº 9.433/1997, para dizer que, litteris:
Art. 10 - O art. 51 da Lei nº 9.433, de 8 de janeiro de 1997,
passa a vigorar com a seguinte redação:
Art. 51 - O Conselho Nacional de Recursos Hídricos e os
Conselhos Estaduais de Recursos Hídricos poderão
delegar a organizações sem fins lucrativos relacionadas
no art. 47 desta Lei, por prazo determinado, o exercício de
funções de competência das Agências de Água, enquanto
esses organismos não estiverem constituídos.(NR)
(destaques negritados)
Desse modo, tornou-se institucionalizada e consagrada a figura instrumental do
Contrato de Gestão, para os níveis federal e estadual, inerentes ao
gerenciamento dos recursos hídricos.
A respeito, importa pontuar que a Constituição Federal de 1988, ao teor da
Emenda Constitucional nº 19/1998, que trata da reforma da administração pública,
aduziu aos seus princípios, previstos no art. 37, o § 8º tido como o da
constitucionalização do Contrato de Gestão no País, ou seja:
Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer
dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e
dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade,
impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e,
também, ao seguinte:
(...)
§ 8º A autonomia gerencial, orçamentária e financeira dos
órgãos e entidades da administração direta e indireta poderá
ser ampliada mediante contrato (de gestão), a ser firmado
entre seus administradores e o poder público, que tenha por
objeto a fixação de metas de desempenho para o órgão ou
entidade, cabendo à lei dispor sobre:
I - o prazo de duração do contrato;
II - os controles e critérios de avaliação de desempenho,
direitos, obrigações e responsabilidade dos dirigentes;
_________________________________________________________________________
55
III - a remuneração do pessoal.
Assim, uma vez havendo respaldo legal e, muito provavelmente, no intuito de
suprir o lento andamento do já abordado Projeto de Lei nº 1.616/1999, a
Presidência da República editou a Medida Provisória nº 165, datada de 11 de
fevereiro de 2004, cuja matéria converteu-se na Lei Federal nº 10.881, de 9 de
junho de 2004.
Diante disso, a ANA adquiriu condição de autonomia para celebrar Contratos de
Gestão e, dessa forma, flexibilizar a ação das Agências de Bacias conducentes
ao efetivo gerenciamento dos recursos hídricos, sob o domínio da União.
Por fim, importa ressaltar o fato de que a citada Lei alterou o art. 51 da Lei
Nacional nº 9.433/1997, sem estabelecer um único modelo de “entidade
delegatária”, muito menos um tipo preferencial de organização civil de recursos
hídricos, sem fins lucrativos.
5.5. Abordagens, Conclusões e Recomendações Finais
Contando com todos os insumos e abordagens apresentadas, para encerra o
presente Capítulo 5 e o Relatório 02, seguem conclusões e recomendações a
respeito da possibilidade de ampliar maiores contribuições de entidades
executivas, em favor da gestão de recursos hídricos, tendo em vista possíveis
problemas e novos encargos advindos de mudanças climáticas:
1. A estruturação conferida pela Lei Nacional nº 9.433/1997 ao Sistema Nacional
de Gerenciamento de Recursos Hídricos (SINGREH) não prescinde da existência
de uma lei específica para as Agências de Água. Pelo contrário, decorridos 17
anos desde a sua publicação, o Sistema deve ser adequado para que tenha mais
frentes de sua implementação, sob uma forma bem pragmática, mediante
soluções que possibilitem, em muitos casos, diferentes alternativas institucionais,
a depender do contexto regional, ecológico, administrativo e legal de bacias
hidrográficas, além de cenários previstos para possíveis mudanças climáticas, tal
como se pode verificar na referência de estudos apresentados pelo Anexo I do
presente Relatório 02.
2. Assim, a questão relativa às Agências de Água poderia ser sanada mediante a
inserção de um artigo (ou mesmo de parágrafos a artigos já existentes), definindo
_________________________________________________________________________
56
o regime jurídico destas, considerando a manutenção do amplo espectro de
possibilidades passíveis de serem utilizadas, sob a égide do ordenamento jurídico
brasileiro atual, bem como, de suas futuras mutações.
3. Tal definição – ampla e com vistas a diferentes tentativas que já foram
aplicadas em boa parte do território nacional –, corroboraria para uma maior
segurança jurídica, bem como, para o término de especulações infundadas e sem
amparo jurídico.
4. Nesse sentido, seria positivo e mais pacífico contar, a um só tempo, com a
existência: (i) de Agências de Água “puras”, ou seja, com a finalidade
específica de promover o gerenciamento dos recursos hídricos de determinada
bacia hidrográfica; (ii) de Agências de Água “mistas”, isto é, resultantes do
aproveitamento da atuação de entidades pré-existentes (públicas, privadas ou de
economia mista), desde que já inseridas no contexto que envolva a gestão de
recursos hídricos de determinada bacia; e, (iii) naturalmente, da atual opção de
“entidades delegatárias”, já no contexto, segundo a Lei Federal nº 10.881/2004.
5. No caso de se optar por “entidades delegatárias”, cabem duas afirmações, a
saber:
a) quanto às competências de caráter técnico-executivo, há que se
estabelecer uma divisão conceitual em relação aos órgãos gestores de
recursos hídricos, federal e estaduais, sendo que a estes compete o
exercício do Poder de Polícia, conceituado no art. 78 do Código Tributário
Nacional, como “atividade da administração pública que, limitando ou
disciplinando direito, interesse ou liberdade, regula a prática de ato ou
abstenção de fato, em razão de interesse público concernente à
segurança, à higiene, à ordem, aos costumes, à disciplina da produção e
do mercado, ao exercício de atividades econômicas dependentes de
concessão ou autorização do Poder Público, à tranquilidade pública ou ao
respeito à propriedade e aos direitos individuais ou coletivos”.
b) assim, no campo da gestão de recursos hídricos, mesmo considerando
mudanças climáticas e seus possíveis problemas, esse Poder de Polícia
refere-se à regulamentação da lei, à outorga para direito de uso da água, à
fiscalização e à aplicação de penalidades, portanto, trata-se de função
exclusiva do Poder Público, que somente pode ser delegada a outro ente
_________________________________________________________________________
57
público, mediante lei ou por convênio, desde que essa prática seja
autorizada por lei, fato que sublinha que o Poder de Polícia não pode ser
exercido, nem delegado a uma pessoa jurídica de direito privado.
6. Com isto posto, chega-se às seguintes conclusões:
1ª) em se optando por uma “entidade delegatária”, a ser estabelecida como
Agência da Bacia mediante o devido Contrato de Gestão, mesmo assim,
esta não poderá exercer o Poder de Polícia, ficando então submetida, em
sua jurisdição, aos órgãos competentes para o respectivo exercício de
Polícia das Águas, inclusive frentes a ações e intervenções relacionadas
com mudanças do clima;
2ª) em se optando pela adoção de um modelo próprio para “Agência de
Água pura”, ainda a ser legalmente estabelecido, desde que essa
entidade seja definida com a natureza jurídica de direito público, não há
óbice legal para que exerça funções pertinentes ao exercício do Poder de
Polícia, desde que devidamente previsto na lei de criação da entidade; e,
3ª) no caso de optar-se por uma “Agência de Água mista”, entendida como
sendo o aproveitamento da atuação de entidades pré-existentes (públicas,
privadas ou de economia mista), desde que já inseridas no contexto que
envolva a gestão de recursos hídricos de determinada bacia, não caberia
o exercício do Poder de Polícia, vez que seus encargos e atribuições já
estariam definidos, quando de sua criação anterior, salvo que esta
entidade seja de natureza pública e conte com a aprovação de uma nova
lei para exercer encargos de Polícia das Águas.
7. No que se refere à sustentabilidade das Agências de Águas, o limite imposto
pela lei federal, qual seja, o de 7,5% do total arrecadado via cobrança pelo uso da
água na bacia hidrográfica, apesar de ter seus reconhecidos intuitos, tem sido um
significativo limitador para a constituição e operação de certas “entidades
delegatárias”, haja visto não ser suficiente para cobrir os custos presentes na
maior parte dos casos.
8. Para sanar esta questão, há quem apregoe a opção institucional de uma
“Agência Única” em bacias muito amplas, como solução ideal para a sua
sustentabilidade financeira, ainda que diferentes perfis regionais estejam
_________________________________________________________________________
58
presentes – inclusive em termos climáticos –, em muitos casos, com distintos
problem-sheds, os quais tendem a demandar perfis institucionais próprios à
natureza dos problemas a serem enfrentados. Portanto, esta solução de
“Agência Única” deve ser muito questionada, vez que o modelo institucional a
ser adotado deve obedecer aos princípios norteadores da Lei Nacional, tanto em
termos de uma gestão descentralizada e participativa, quanto sob um ponto de
vista mais pragmático e realista, de adequação da gestão de recursos hídricos às
diversidades físicas, bióticas, demográficas, econômicas, sociais e culturais das
diversas regiões do País (art. 3º, inciso II da Lei Nacional nº 9.433/1997).
9. Torna-se claro, portanto, que a figura de uma “Agência Única” não tende a ser
uma unanimidade em bacias mais amplas e com distintos perfis regionais. Assim,
mesmo sendo óbvio que uma entidade, para existir no campo jurídico-
institucional, deve ter assegurada a sua sustentabilidade financeira, cabe indagar,
no caso específico de Agência de Bacia, se essa sustentabilidade deve ser
garantida tão somente via recursos advindos da cobrança pelo uso da água.
10. Como última conclusão, a resposta a esta indagação deve ser negativa, até
porque, segundo disposição legal, cabe às Agências de Bacias uma série de
atribuições de cunho técnico, sendo que, para fazer frente a tais atribuições,
torna-se indispensável uma estrutura administrativa compatível, assim como, um
quadro técnico bem preparado, treinado e apto para cumprir as funções
demandadas, as quais não se apresentam como simples, inclusive em
decorrência de possíveis mudanças climáticas previstas. Enfim, para tanto, deve-
se admitir a aplicação de outras fontes de recursos financeiros para certas
Agências de Bacias, na proporção das necessidades impostas pelas atribuições e
encargos legais. Em poucas palavras: a falta de sustentabilidade de uma Agência
de Bacia, propiciada unicamente por limites de arrecadação via cobrança pelo uso
da água, implica na sua não criação, com ausência e certas estagnações da
gestão de recursos hídricos no Brasil.
_________________________________________________________________________
59
BIBLIOGRAFIA
AGÊNCIA NACIONAL DE ÁGUAS – ANA. Plano Decenal da Bacia Hidrográfica do Rio
São Francisco. Brasília, 2004.
AGÊNCIA NACIONAL DE ÁGUAS – ANA. Pacto Nacional pela Gestão das Águas -
Construindo uma Visão Nacional: Volume 1 - Aspectos Conceituais (Documento Base).
Brasília, Março/2013.
BANCO MUNDIAL. Estratégias de Gerenciamento de Recursos Hídricos no Brasil: Áreas
de Cooperação com o Banco Mundial. Brasília, 2003. Autor: Lobato da Costa, F. J.
CONSÓRCIO OIKOS – COBRAPE. Planos das Bacias Hidrográficas dos Rios Grande e
Corrente – Diagnóstico e Arranjos Institucionais para Gestão (versão preliminar).
Salvador, 2013.
MINISTÉRIO DO MEIO AMBIENTE – MMA e SECRETARIA DE RECURSOS HÍDRICOS
E AMBIENTE URBANO – SRHU. Plano Nacional de Recursos Hídricos (Revisão de
2010). Brasília, 2010.
MINISTÉRIO DO MEIO AMBIENTE – MMA e SECRETARIA DE RECURSOS HÍDRICOS
E AMBIENTE URBANO – SRHU. Relatório Técnico Parcial 3. Brasília, dezembro de
2009. Autor: Canali, G. V., co-autor: Soares Neto, P. B.
PROGRAMA DAS NAÇÕES UNIDAS PARA O MEIO AMBIENTE – PNUMA e AGÊNCIA
NACIONAL DE ÁGUAS – ANA. GEO Brasil - Recursos Hídricos. Brasília, 2007.
REVISTA DE INTERESSE PÚBLICO, ano 5, nº 26, Porto Alegre, julho/agosto de 2004.
REVISTA JUSTIÇA E CIDADANIA, n. 36. Rio de Janeiro, julho de 2003.
CONSULTAS
Site da Agência Nacional de Águas (ANA), com ênfase em documentos sobre o Pacto
Nacional pela Gestão das Águas;
Site do Ministério do Meio Ambiente (MMA).
Site da Câmara Federal do Brasil (tópico de proposições).
_________________________________________________________________________
60
ANEXO I
Referências de Estudos sobre Alternativas de Entidades para o Exercício de
Encargos de Agências de Bacias Hidrográficas
Neste Anexo serão meramente transcritas partes do Capítulo 7 de um dos
relatórios de estudos voltados a arranjos institucionais e legais para a gestão de
recursos hídricos da bacia do Rio Corrente (BHCorrente), localizada no oeste da
Bahia e afluente da margem esquerda do Rio São Francisco, mesmo com este
relatório ainda sendo preliminar, sem que tenha ocorrido a aprovação do
respectivo plano da bacia.
(...)
7. PROPOSTAS DE ALTERNATIVAS PARA ARRANJOS INSTITUCIONAIS DE
GESTÃO DA BHCORRENTE
7.1. Subsídios sobre a viabilidade financeira para uma entidade delegatária
assumir as funções e encargos da Agência da BHCorrente, com base na
cobrança pelo uso da água
Uma questão específica de interesse para as alternativas de arranjos
institucionais da gestão da Bacia do Rio Corrente refere-se com as suas
condições de sustentabilidade financeira como entidade delegatária, para o
exercício das funções e encargos como agência desta bacia.
Como subsídio para este tema, apresenta-se uma síntese de simulações a
respeito da BHSF, segundo Nota Técnica emitida pela ANA18.
Em relação à sustentabilidade financeira de uma entidade delegatária com as
funções e encargos de Agência da Bacia do Rio São Francisco, foram analisadas
duas possibilidades de organização institucional no âmbito da BHSF:
- a primeira delas considera, além de entidade delegatária com funções de
Agência da BHSF, a adoção de uma entidade como agência própria para
cada comitê de bacia de rio sob domínio estadual;
- a outra se constitui na adesão de todos os comitês de bacias de rios
18 Fonte: Nota Técnica nº 06/2010/SAG-ANA, emitida em 11 de fevereiro de 2010.
_________________________________________________________________________
61
afluentes a uma única entidade.
O Edital para a seleção de uma entidade delegatária para a BHSF estabelece que
a entidade deverá dar suporte técnico e operacional a todos os comitês da BHSF,
independentemente da capacidade de arrecadação de cada sub-bacia. Para
tanto, foi proposto um modelo que permite esse atendimento, sem ferir a previsão
legal de que seja gasto, no máximo, 7,5% dos valores arrecadados em custeio
administrativo da entidade. Este modelo consiste, além de uma sede central
atendendo a toda a BHSF, em quatro possibilidades de estrutura operacional de
secretarias executivas. Em todos os casos, essas secretarias executivas terão
condições plenas de funcionar atendendo à demanda dos respectivos comitês.
Assim, a entidade delegatária seria constituída não somente de uma sede, mas
todos os comitês de rios afluentes seriam contemplados com uma secretaria
executiva localizada em cada sub-bacia. Dessa forma, as responsabilidades
técnicas relativas a toda a BHSF, bem como a secretaria executiva do Comitê da
BHSF seriam atribuições da sede, enquanto que a secretaria executiva dos
comitês de bacias de rios afluentes seria exercida mediante as quatro
possibilidades de estruturas operacionais locais, conforme já mencionado.
A Tabela 7.1 mostra os valores necessários para o custeio dessas entidades,
assim como a correspondente arrecadação com a cobrança e os valores totais.
Sob tais valores, para a sede da entidade delegatária será necessário cerca de
R$ 1,5 milhão para o custeio anual, o que corresponde a uma arrecadação
necessária de R$ 19,9 milhões advinda da cobrança pelo uso de recursos
hídricos sob domínio da União, considerando-se a aplicação do percentual
máximo de 7,5 % dos recursos arrecadados em despesas de custeio.
Dentre as tipologias de instâncias locais apresentadas (rios das Velhas,
Paraopeba, Pará e Verde Grande e demais comitês), a do Tipo 4 teria a estrutura
mais simplificada, sendo instalada para comitês de rios afluentes, dentre os quais
incluí-se uma Secretaria Executiva do Comitê da Bacia do Rio Corrente, para cuja
atuação seria necessário um custo anual estimado de R$ 50,4 mil, que
corresponde a uma arrecadação de R$ 672,0 mil.
Tabela 7.1. Necessidade de custos das estruturas que compõem a Agência da
BHSF e as arrecadações correspondentes.
_________________________________________________________________________
62
Comitês de Bacias Tipologias Estimativa de Custos
Necessários (R$) Arrecadação
Correspondente
CBHSF Sede 1.494.000,00 19.920.000,00
Rio das Velhas 1 624.000,00 8.320.000,00
Paraopeba 2 300.000,00 4.000.000,00
Pará e Verde Grande 3 145.200,00 1.936.000
Demais Comitês 4 50.400,00 (cada) 672.000,00 (cada)
Totais - 3.168.000,00 42.240.000,00
No que concerne à viabilidade financeira de implantação da Agência da BHSF,
estimativas são apresentadas na Tabela 7.2, confrontando as duas alternativas
mencionadas de organização institucional: com uma agência para cada bacia; ou,
com uma agência única e as mencionadas secretarias executivas locais.
Tabela 7.2. Simulações sobre a sustentabilidade financeira dos custeios de entidades delegatárias no contexto da BHSF
Estados Comitês de
Bacia
Arrecadação Prevista
(mil R$)
Alternativa 1
Custeio Máximo (7,5%)
Alternativa 2
Custeio Necessário
Tipo de Sec.
Executiva União Estados
MG
CBHSF 20.452,4 1.533,9 1.494,0 Sede
Velhas 11.994,4 899,6 624,0 1
Paraopeba 4.822,3 361,7 300,0 2
Pará 1.844,2 138,3 145,2 3
Três Marias 251,0 18,8 50,4 4
Alto SF 487,4 36,6 50,4 4
Jequitaí/Pacuí 337,0 25,3 50,4 4
Paracatu 443,3 33,3 50,4 4
Urucuia 58,1 4,4 50,4 4
Médio SF 162,6 12,2 50,4 4
MG/BA Verde Grande 148,9 1.324,4 110,5 145,2 3
BA
Corrente 377,3 28,3 50,4 4
Grande 448,4 33,6 50,4 4
Entorno Sobradinho
246,5 18,5 50,4 4
Verde Jacaré 477,1 35,8 50,4 4
Salitre 94,5 7,1 50,4 4
AL/SE Baixo SF 192,3 14,4 50,4 4
Totais 20.601,3 23.560,7
3.312,2 3013,20 - 44.162,1
Para a primeira alternativa, são apresentados valores disponíveis para custeio de
cada entidade delegatária. Observa-se que apenas a arrecadação com a
cobrança de domínio da União e de domínio estadual na bacia do rio das Velhas
_________________________________________________________________________
63
teria condições de oferecer sustentabilidade a uma estrutura mínima de agência,
caso seja considerado um valor anual da ordem de R$ 500 mil.
Para a segunda alternativa, percebe-se que cada secretaria executiva seria
custeada respeitando-se ambas as condicionantes legais quanto aos percentuais
de distribuição dos recursos da cobrança: a despesa total anual de custeio da
entidade delegatária como um todo seria de cerca de R$ 3,3 milhões; e, 100%
dos valores arrecadados com a cobrança sob domínio estadual retornariam para a
sub-bacia de origem dos recursos.
Portanto, contando com estas simulações preliminares, verifica-se que, por conta
exclusiva da cobrança pelo uso da água – tanto em rios sob o domínio da União,
quanto dos estados –, somente seria assegurada a viabilidade da segunda
alternativa, com uma única Agência centralizada da BHSF e com as mencionadas
secretarias executivas dos demais comitês de rios afluentes estaduais.
Depois de dispostos estes fatores, os quais, sem dúvidas, interferiram em favor
da seleção da AGB Peixe Vivo como entidade delegatária para assumir os
encargos da Agência da BHSF, cabe registrar que, no âmbito do Plano Decenal
da Bacia, foi elaborado um programa de investimentos, contemplando ações a
serem executadas entre 2004 e 2013. Em média, foi estimado que a cada ano,
entre 2011 e 2013, os aportes do PBHSF, chegariam perto de R$ 514, 7 milhões,
dos quais apenas 8,58%, portanto, R$ 44,1 milhões seriam advindos da Cobrança
pelo Uso da Água em toda a BHSF.
Todavia, sem questionar a consistência de tais fatores, cabem as seguintes
perguntas estratégicas sob o interesse dos estudos em questão:
- Será que apenas a sustentação financeira via cobrança deve definir o perfil
e a natureza de uma entidade a exercer o papel de Agência da
BHCorrente?
- Ou devem ser consideradas outras variáveis, notadamente a natureza dos
encargos e problemas a enfrentar e do contexto institucional vigente?
7.2. Indicação do perfil de gestão a ser constituído na BHCorrente, em
decorrência dos problemas a enfrentar e das ações e intervenções a serem
implantadas
Seguindo sob uma abordagem pautada pela Metodologia APEX, com base em
_________________________________________________________________________
64
importantes subsídios obtidos sobre análises: do contexto da região Nordeste no
Brasil; do Plano da Bacia do Rio São Francisco; do resumo do diagnóstico da
bacia do Rio Corrente; e, do Plano Oeste Sustentável da Bahia –, pode-se
genericamente identificar o perfil dos principais problemas a enfrentar no escopo
do Plano da Bacia do Rio Corrente e das correspondentes ações e intervenções a
serem implantadas, como subsídios importantes para uma definição consistente
de alternativas para arranjos institucionais de gestão.
Assim, cabe anotar as seguintes frentes de trabalho associadas ao Plano da
Bacia:
abordagens estratégicas da rede de cidades da Bacia do Rio Corrente, para
que ocorra um reordenamento e uma ocupação territorial mais consistente e
sustentável, com uma divisão de trabalhos e funções mais adequada entre
os municípios;
a identificação das infraestruturas regionais a serem instaladas ou
ampliadas, a exemplo de linhas de transporte (rodovias, ferrovias e
hidrovias), como elementos relevantes, tanto para o desenvolvimento
regional, quanto para a proteção de certas áreas ambientais;
a identificação de áreas onde sejam possíveis avanços no desenvolvimento
regional, notadamente para expansão das fronteiras de atividades
agropecuárias, como também para a constituição de Arranjos Produtivos
Locais - APLs;
a identificação de áreas críticas e vulneráveis sob o ponto de vista hídrico e
ambiental, além de relevantes em termos de flora e fauna e, também,
turístico, para que sejam estabelecidos limites e sérias restrições às
atividades socioeconômicas nestes pontos, a serem considerados como
estratégicos;
a identificação de pontos específicos onde possam ser empreendidas
atividades de exploração mineral, em consonância com a proteção de áreas
ambientais e com as potenciais frentes de desenvolvimento regional;
ações voltadas ao reassentamento de populações rurais dispersas que
permanecem estagnadas em áreas mais críticas, em termos de
disponibilidades hídricas e fragilidades ambientais;
_________________________________________________________________________
65
a instalação ou ampliação de serviços básicos de saneamento, envolvendo:
abastecimento de água – notadamente para as famílias e comunidades
rurais dispersas, mediante programas ligados ao Água para Todos; coleta e
tratamento de esgotos sanitários; e, coleta e disposição adequada de
resíduos sólidos;
cobertura de demandas para serviços de saúde e educação sanitária, além
de capacitação de pequenos produtores rurais, para que APLs e outras
iniciativas sejam mais consistentes;
ações efetivas voltadas para a recuperação de áreas degradadas, como
mananciais, topos de morros, matas ciliares, núcleos de florestas e outras
das áreas ambientais identificadas como prioritárias à preservação, além da
criação de novas áreas de UCs e linhas para sua devida interligação;
avanços significativos sobre pontos de monitoramento, com informações
hidrometeorológicas e sistemas de suporte à decisão (SADs) para
gerenciamento das disponibilidades hídricas, como também das demandas
regionais.
Com tais demandas por ações e intervenções dispostas, percebe-se que as
alternativas de arranjos institucionais para a gestão da BHCorrente não devem
limitar-se apenas a aspectos pontuais e a atores e usuários locais, uma vez que a
região encontra-se sob um processo mais abrangente de desenvolvimento,
portanto, com algumas intervenções vindas externamente ao território da Bahia –
ou seja, de vetores de expansão agropecuária junto ao Cerrado brasileiro –, alem
de outras que se mostram relevantes ao país, a exemplo de áreas ambientais e
turísticas.
Sob tal contexto abrangente, cabe antecipar a observação de que as alternativas
de arranjos institucionais para a gestão da BHCorrente devem considerar a
presença importante de entidades mais amplas e com as atuações abrangentes,
como aquelas que foram sintetizadas neste item.
7.3. Esquema geral de arranjo institucional
(...)
7.4. Metodologia de planejamento institucional estratégico
_________________________________________________________________________
66
(...)
7.5. Propostas de alternativas para arranjos institucionais de gestão da
BHCorrente
No que se refere à formatação da Agência de Bacia do rio Corrente, importa
identificar quais poderão ser suas possíveis alternativas. De pronto, cumpre
lembrar do atual contexto vigente, qual seja, a aprovação da AGB Peixe Vivo
como agência da bacia do rio São Francisco, por conseguinte, atuando sobre a
região em estudo por conta de uma Secretaria Executiva de 4ª ordem.
Portanto, em termos práticos cabe considerar, como primeira opção, a
manutenção de tal arranjo institucional de gestão, seja em caráter temporário,
seja de forma definitiva, ainda que recomendações de ajustes e adequações
possam ser indicadas, tendo como base os estudos do Plano da BHCorrente.
Sob tal perspectiva, será necessário considerar os perfis e as dinâmicas – inicial e
atual – da AGB Peixe Vivo, que começou sua atuação como “entidade
delegatária” da bacia do rio das Velhas, com problemas e características bastante
distintas da bacia do rio Corrente, até que foi definida, adicionalmente, como
Agência Da Bacia do Rio São Francisco, com uma dimensão territorial muito
expressiva e distintas naturas de problemas e dinâmicas regionais.
Como segunda opção, considerando os diagnósticos apresentados e a
identificação de arenas decisórias e atores estratégicos, pode-se considerar a
Codevasf como entidade que venha a atuar na região da bacia como agência
executiva de programas e projetos componentes do Plano em elaboração.
A propósito dessa alternativa, cumpre reconhecer que são relevantes as
intervenções do Governo Federal sobre parte do Cerrado e, sobretudo, do
Semiárido brasileiro, principalmente via Codevasf, o que implica em significativos
aportes financeiros, em favor do oeste da Bahia.
De forma um tanto similar, como terceira alternativa pode-se considerar a atuação
da CERB como agência executiva da bacia, uma vez que esta entidade foi
constituída como empresa de economia mista e opera, de forma mais relevante,
sobre a região rural do interior da Bahia, portanto, com muitas de suas ações e
intervenções sendo compatíveis e potencialmente inseridas no contexto do Plano
da Bacia do Rio Corrente. Percebe-se que se trata de uma opção mais
_________________________________________________________________________
67
estadualizada do que a anterior.
Avançando entre as opções, uma quarta alternativa refere-se à constituição de um
Consórcio Público, ou seja, a criação de uma entidade que seja responsável pela
atuação conjunta do Governo do Estado e de municípios locais, eventualmente,
também do Governo Federal, tendo como encargo principal a convergência e
divisão de trabalho e os aportes financeiros relativos a ações e atividades
concernentes à Agência da Bacia do Rio Corrente.
A propósito desta opção, torna-se clara a possibilidade de que a constituição de
um Consórcio Público fosse ampliada para atuação no contexto da Bacia do Rio
São Francisco, eventualmente limitando os encargos da AGB Peixe Vivo a
porções próprias ao território mineiro, com ênfase na bacia do rio das Velhas, do
rio Paraopeba, além de outros trechos, como o próprio trecho do rio São
Francisco em Minas Gerais, porém, abrindo espaço para que outras entidades
atuem como agências nos demais estados, não somente sobre bacias de
afluentes, mas também sobre a calha do rio São Francisco, sempre mediante
convênios e/ou subcontratos com o mencionado Consórcio Público.
Essa quarta opção apresenta duas possibilidades: (a) de um Consórcio Público
limitado à Bacia do Rio Corrente; ou, (b) de sua atuação ampliada para a Bacia do
Rio São Francisco, tendo como encargo a definição de entidades locais a serem
subcontratadas ou atuantes mediante convênios, para o exercício de funções
relacionadas ao Plano da Bacia do Rio Corrente e de outras áreas.
Por fim, ainda de forma sucinta, como quinta opção pode-se considerar a
constituição de uma Associação Civil de direito privado, sem fins lucrativos,
composta, principalmente, por atores mais locais, com destaque para certas
prefeituras municipais, usuários de recursos hídricos e ONGs, sem restrições à
participação do próprio Governo do Estado, portanto, podendo ser mencionada
como um “Consórcio Local Público-Privado“.
Nesta opção, por certo que a representatividade será bem mais significativa,
porém, cabendo reconhecer que muitos desses atores ainda se encontram em
processos de expansão e dinâmica, por vezes, com relevância regional ainda
limitada. A propósito, cabe antecipar que esta quinta opção deve ser considerada
mais para o futuro, na medida em que se consolide o atual processo de expansão
socioeconômica regional.
_________________________________________________________________________
68
Com tais opções sintetizadas, o Quadro 7.1 apresenta alguns dos fatores a elas
relacionados, que serão tratados com maiores detalhes e observações na
sequência deste capítulo. Os fatores correspondem a: (i) personalidade jurídica e
perfil institucional da agência, com forma de gestão mais ou menos
descentralizada; (ii) finalidades das ações predominantes na agência
(abrangentes ou específicas); (iii) possibilidades de progressão no sistema de
gestão da bacia do rio Corrente e, também, do rio São Francisco.
Quadro 7.1. Resumo de fatores considerados para o traçado de alternativas para a Agência da Bacia do Rio Corrente.
Op
çõ
es
Personalidade Jurídica, Perfil
Institucional e Modelo de
Gestão da Agência da Bacia.
Ações Principais da
Agência da Bacia:
Abrangentes e/ou Locais.
Possibilidades de
Progressão no Sistema
de Gestão.
1ª.
Alt
ern
ati
va
AGB Peixe Vivo
Organização da Sociedade
Civil de direito privado, sem fins
lucrativos, qualificada como
“entidade delegatária”, atuando
como Agência Privada, com
gestão de integração para toda
a BHSF, mediante Contrato de
Gestão celebrado com a ANA.
Sua atuação na Bacia do Rio
Corrente ocorre mediante
Secretaria Executiva local.
Em princípio, ações
regionais abrangentes e
resposta a demandas de
suas instâncias locais,
como a Secretaria
Executiva da bacia do rio
Corrente, sem deixar de
reconhecer sua evidente
prioridade para o trecho do
Alto São Francisco.
Mesmo mantendo o atual
modelo de gestão, deve
ocorrer a possibilidade de
promover avanços
significativos de suas
instâncias locais, com mais
recursos e ações, em
decorrência do crescimento
econômico e da evolução
dos conflitos na bacia do
Rio Corrente.
2ª
alt
ern
ati
va
CODEVASF
Empresa Pública vinculada ao
MI, com ênfase em programas
e ações relativos à BHSF, com
gestão pautada por um
Convênio – ou Contrato de
Gestão – a ser celebrado com
o INEMA, sujeito à aprovação
pelo Secretário de Meio
Ambiente (SEMA/BA), depois
da devida manifestação
favorável por parte do Comitê
da BHCorrente, sendo que esta
alternativa tenha sido
autorizada pelo CONERH/BA.
Sua atuação nesta bacia
deverá ocorrer por meio de
uma Superintendência local, a
ser fortalecida.
Ações e respostas às
demandas próprias à bacia
do rio Corrente, com a
CODEVASF, por meio de
sua Superintendência local
fortalecida, podendo
coordenar e/ou
implementar programas
relativos ao Plano desta
Bacia. Trata-se de
alternativa semelhante à
seguinte, porém, mais
federalizada.
Esta alternativa mostra-se
como pragmática em
termos de execução de
programas e ações,
contudo, sem que ocorram
avanços institucionais
significativos junto ao
Sistema de Gestão, a
serem reconsiderados mais
para cenários futuros, no
âmbito da bacia do Rio
Corrente.
_________________________________________________________________________
69
Op
çõ
es
Personalidade Jurídica, Perfil
Institucional e Modelo de
Gestão da Agência da Bacia.
Ações Principais da
Agência da Bacia:
Abrangentes e/ou Locais.
Possibilidades de
Progressão no Sistema
de Gestão. 3ª.
Alt
ern
ati
va
CERB
Empresa de Economia Mista,
vinculada a SEMA, com ênfase
em programas e ações
relativos à zona rural e ao
oeste da Bahia, com possível
gestão pautada por um
Convênio específico – ou
Contrato de Gestão – a ser
celebrado com o INEMA,
sujeito à aprovação pelo
Secretário de Meio Ambiente
(SEMA/BA), depois da devida
manifestação favorável por
parte do Comitê da
BHCorrente, sendo que esta
alternativa tenha sido
autorizada pelo CONERH/BA..
Sua atuação nesta bacia
deverá ocorrer por meio de
uma Superintendência
fortalecida ou criação de uma
Diretoria local.
Ações e respostas às
demandas próprias à bacia
do rio Corrente, com a
CERB, por meio de sua
Superintendência
fortalecida ou de uma
Diretoria local, podendo
coordenar e/ou
implementar programas e
ações relativas ao Plano
desta Bacia. Trata-se de
alternativa semelhante à
anterior, porém, mais
estadualizada.
Também esta alternativa
mostra-se como pragmática
em termos de execução de
programas e ações,
contudo, sem que ocorram
avanços institucionais
significativos junto ao
Sistema de Gestão, a
serem reconsiderados mais
para cenários futuros, no
âmbito da bacia do Rio
Corrente.
4ª.
Alt
ern
ati
va
Consórcio Público (a)
Entidade a ser constituída
como Agência Pública da Bacia
do rio Corrente, composta por
municípios, pelo próprio
Governo da Bahia e, talvez,
pela União, atuando segundo
Contrato de Gestão, a ser
celebrado com o INEMA,
sujeito à aprovação pelo
Secretário de Meio Ambiente
(SEMA/BA), depois da devida
manifestação favorável por
parte do Comitê da
BHCorrente, sendo que esta
alternativa tenha sido
autorizada pelo
CONERH/BA.Sua gestão será
mais centrada na coordenação
de ações e programas locais
previstos pelo Plano da Bacia.
Suas ações teriam a
predominância de
coordenação e articulação
junto a outras entidades
executoras, portanto, de
acordos e definições da
divisão de trabalhos entre
os municípios e certas
entidades estaduais e
federais.
Os avanços em termos do
Sistema de Gestão
poderão ocorrer, sobretudo,
em termos da mútua
coordenação e integração
entre os municípios, o
Governo do Estado e a
União, até no sentido de
um posicionamento mais
firme e exigente junto à
AGB Peixe Vivo.
_________________________________________________________________________
70
Op
çõ
es
Personalidade Jurídica, Perfil
Institucional e Modelo de
Gestão da Agência da Bacia.
Ações Principais da
Agência da Bacia:
Abrangentes e/ou Locais.
Possibilidades de
Progressão no Sistema
de Gestão.
Consórcio Público (b)
Como perspectiva de futuro da
opção 4 (a), esta entidade seria
composta por municípios, Gov.
da Bahia e demais governos de
estados componentes da
BHSF, além da União. Este
Consórcio seria criado como
Agência Pública da Bacia do rio
São Francisco, portanto, com
retorno da atuação da AGB
Peixe Vivo apenas sobre o
território de Minas Gerais. A
gestão seria definida por um
novo Contrato de Gestão, a ser
celebrado com a ANA e,
também, com os órgãos
estaduais de recursos hídricos.
Ações regionais
abrangentes e
coordenação geral da
BHSF, com ênfase para
resposta a demandas de
Diretorias Regionais a
serem criadas em certas
porções desta Bacia,
notadamente no caso do rio
Corrente, sem impedimento
de que outros perfis de
agências locais sejam
constituídos, seguindo o
exemplo da AGB Peixe
Vivo, já existente e com
principal atuação sobre o
Alto SF.
Os potenciais avanços
futuros no Sistema de
Gestão referem-se à
indução de que agências
executivas ou Diretorias
locais do Consórcio Público
(b) sejam criadas, com as
devidas coordenações e
articulações entre
municípios, governos
estaduais e a União, para
que sejam consideradas
questões regionais e,
também, problemas
próprias a cada bacia
distinta de afluentes,
notadamente no caso do rio
Corrente.
5ª.
Alt
ern
ati
va
Associação Civil Local,
constituída como “Consórcio
Público-Privado”
Entidade criada como
associação civil de direito
privado, sem fins lucrativos,
composta principalmente por
atores locais, como municípios,
usuários das águas, ONGs e,
talvez, pelo Governo da Bahia,
que deverá reconhecê-la como
“entidade delegatária”. Sua
atuação será definida por um
Contrato de Gestão, a ser
celebrado com o INEMA,
sujeito a aprovação pelo
Secretário do Meio Ambiente
(SEMA/BA), depois da devida
manifestação favorável por
parte do Comitê da
BHCorrente, sendo que esta
alternativa tenha sido
autorizada pelo CONERH/BA.
As ações estariam focadas
em interesses e aspectos
mais locais, especialmente
voltadas a seus
associados, como usuários
de recursos hídricos, ONGs
e alguns municípios,
todavia, sem desconsiderar
as devidas negociações
junto à gestão da BHSF,
caso ocorram impactos
sobre trechos a jusante.
Quanto a potenciais
avanços no Sistema de
Gestão, por certo que esta
alternativa apresenta maior
potencial de
representatividade social,
todavia, cabendo
reconhecer que muitos
desses atores ainda se
encontram em processos
de expansão e dinâmica,
por vezes, com relevância
regional ainda limitada, o
que deixa claro que esta
opção deve ser pensada
mais para o futuro, talvez
com vinculação à
alternativa 4 (b), que pode
ser somada com agências
locais.
Para a definição da alternativa a ser adotada deve ser inicialmente consultado o
INEMA e a SEMA, logo em seguida com pauta deste tema junto ao Comitê da
BHCorrente e do próprio CERH/BA. Depois de manifestações a respeito, caberá
_________________________________________________________________________
71
ao INEMA definir uma estratégia para a alternativa que tiver sido selecionada,
inserindo na pauta uma articulação junto à ANA e à AGB Peixe Vivo, ao Comitê da
BHSF e, para o caso da 2ª opção, também ao Ministério da Integração.
Para todas as alternativas, recomenda-se que, como primeiro diploma legal, seja
elaborado um Protocolo de Intenções, ora com: a ANA e a AGB Peixe Vivo (1ª
opção); com a Codevasf e o MI (2ª opção); com a própria CERB (3ª opção); com
certos municípios, o Governo do Estado e, talvez, com a União, incluindo a ANA
(4ª opção); e, com certos usuários de recursos hídricos, ONGs, municípios e o
Governo da Bahia (5ª opção), registrando os passos seguintes a serem
empreendidos.
Os compromissos firmados mediante um Protocolo de Intenções propiciaria uma
constante avaliação e/ou as adequações necessárias, para quaisquer das
alternativas apresentadas. Na sequência deste Protocolo de Intenções, cumpre
ressaltar que, para as alternativas que propõem uma agência própria à bacia do
rio Corrente, dever-se-á celebrar um Convênio ou um Contrato de Gestão com o
INEMA, órgão estadual gestor do meio ambiente e dos recursos hídricos, além de
um recomendado Termo de Cooperação com a AGB Peixe Vivo, atual agência
para a totalidade da bacia do rio São Francisco, para que algumas de suas atuais
ações e atividades não deixem de ser realizadas.
Por fim, antes de descer a detalhes sobre as alternativas propostas, recomenda-
se que, tanto o Comitê da Bacia do Rio São Francisco, como também,
evidentemente, o Comitê da BHCorrente, sejam oportunamente consultados, para
fins de uma devida integração regional de gestão, cabendo lembrar que, segundo
a legislação vigente, caberá ao Comitê da BHCorrente debater e aprovar a
alternativa a ser definida, inclusive o correspondente Contrato de Gestão a ser
celebrado com uma “entidade delegatária”, ou um possível Convênio, a depender
da alternativa selecionada.
Como exemplos de critérios a este respeito, pode-se anotar: (i) a convergência na
implantação dos instrumentos de gestão entre bacias de afluentes; (ii) definições
convergentes para as vazões de referência, próprias a cada perfil de unidades
estratégicas de gestão – UEGs, a serem adotadas no processo de emissão de
outorgas; (iii) compatibilização dos planos locais com o Plano da BHSF;
(iv) compromissos dos estados para o desenvolvimento institucional local; e, (v)
_________________________________________________________________________
72
grau de mobilização dos usuários e de representantes da sociedade civil nas
bacias de afluentes, para fins de uma gestão com boa governança.
7.5.1. Primeira alternativa: manter o atual arranjo de gestão, com Base na
AGB Peixe Vivo como Agência Central de Integração da Bacia do Rio São
Francisco e sua Secretaria Executiva para a Bacia do Rio Corrente
Como primeira opção, foi considerado que a AGB Peixe Vivo pode atuar como
Agência da Bacia do Rio Corrente, desde que sejam requeridas maiores atenções
e considerações sobre as particularidades regionais, sobre os posicionamentos e
interesses próprios aos atores locais, obviamente, além dos diplomas legais
vigentes no Estado da Bahia.
Segundo insumos antecedentes já dispostos (item 4.5.1.d), de acordo com o art.
47 da Lei Federal nº 9.433/1997, a AGB Peixe Vivo enquadra-se como uma
associação civil de recursos hídricos, sob direito privado e sem fins lucrativos,
atendendo aos requisitos legais para que seja reconhecida como “entidade
delegatária”, para o exercício das funções de Agência de Bacia, conforme
disposto pela Lei nº 10.881//2004.
Sua atuação inicial foi dedicada à Bacia do Rio das Velhas, um dos principais
afluentes do Alto São Francisco, onde se localiza boa parte da Região
Metropolitana de Belo Horizonte. Atualmente, no âmbito do Estado de Minas
Gerais, a AGB Peixe Vivo também está legalmente habilitada a exercer as
funções de Agência para outros seis comitês estaduais, a saber: CBH Alto São
Francisco (SF1), CBH Pará (SF2), CBH Entorno da Represa de Três Marias
(SF4), CBH Jequitaí e Pacuí (SF6), CBH Paracatu (SF7) e CBH Urucuia (SF8).
Além de todos estes comitês estaduais mineiros, a partir de 2010, a AGB Peixe
Vivo foi reconhecida como “entidade delegatária” para exercer as funções de uma
Agência Central e Integradora da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco,
celebrando, então, um Contrato de Gestão com a ANA, devidamente aprovado
pelo CBHSF e pelo CNRH.
Assim, em decorrência do aumento de suas frentes de trabalho e das devidas
negociações com todos os comitês mencionados, tornou-se necessária uma
reestruturação da organização, mesmo com o perfil destas Unidades de
Planejamento e Gestão de Recursos Hídricos – UPGRHs de Minas Gerais sendo
_________________________________________________________________________
73
mais próximas e conhecidas, do que porções mais a jusante da BHSF,
nomeadamente no caso da Bacia do Rio Corrente.
Não obstante ser uma boa referência para certas funções de agências de bacias,
para o exercício de encargos próprios à bacia do rio Corrente cabe indagar se o
atual perfil e a estrutura organizacional da AGB Peixe Vivo respondem
adequadamente à natureza e à dinâmica diferenciada das demais sub-bacias e
regiões que compõem a BHSF? Ou permanece sua predominância em temas e
interesses próprios ao Estado de MG, notadamente no caso da bacia do rio das
Velhas?
Reconhecida a validades desses questionamentos e caso seja definida esta
primeira alternativa como preferencial, cumpre identificar que dois
posicionamentos podem ser assumidos:
a) seguir na atual linha vigente, sem alterações ou acréscimos significativos
sobre contratos em vigor – particularmente sobre o Contrato de Gestão
celebrado entre a ANA e a AGB Peixe Vivo, além de seu respectivo Plano
de Trabalho –, além de solicitar avanços mais simplificados sobre a
estrutura organizacional desta entidade, restritos à sua Secretaria
Executiva local, portanto, sob uma forma mais limitada ao contexto
presente; ou,
b) procurar alterações bem mais robustas, sobretudo com acordos para
novos Contratos de Gestão – sendo a revisão do atual celebrado com a
ANA, além de outro a ser assinado com o INEMA/Governo da Bahia –,
com ambos propiciando interferências na própria estrutura interna da AGB
Peixe Vivo, como em seu Conselho Administrativo, quadro de pessoal e
na própria alocação de recursos.
Quanto ao primeiro posicionamento, mais modesto, é importante sublinhar seu
maior realismo, uma vez que a segunda atitude, bem mais agressiva e
pretensiosa, muito provavelmente geraria um desconforto, tanto para a AGB Peixe
Vivo quanto para a ANA, uma vez que os encargos e frentes adicionais de
trabalho desta “entidade delegatária” não seriam cobertos por uma elevação de
sua arrecadação via Corança pelo Uso da Água. Ao contrário, essa arrecadação
própria à Bacia do Rio Corrente será muito baixa, sem condições de
sustentabilidade própria de uma agência local, caso não sejam disponibilizadas
_________________________________________________________________________
74
outras fontes de recursos financeiros.
Ou seja, recomenda-se como passo inicial uma atitude mais realista e de
convergência com a AGB Peixe Vivo, sem descartar objetivos voltados a um novo
perfil da Secretaria Executiva local, contanto com mais recursos, melhor sede,
para tanto, passando a contar com apoio de entidades locais e do Governo do
Estado da Bahia. Mesmo sob tal posicionamento, em perspectivas mais futuras
caberá manter em pauta as mencionadas alterações mais significativas que foram
indicadas.
Enfim, ainda que sob uma ótica mais realista e limitada, para dar consistência e
assegurar maior representatividade e atuação regional da AGB Peixe Vivo na
BHCorrente, pelo menos devem ser empreendidos os seguintes passos:
abertura da entidade para novos associados, notadamente para atores
locais atuantes na BHCorrente;
negociações no âmbito do Comitê da BHSF para aprovação de possíveis
modificações no Estatuto da entidade, sem restrições a consultas junto aos
demais comitês existentes em outras bacias de afluentes – com destaque
para a do rio das Velhas –, portanto, sempre de forma consonante,
descentralizada e participativa;
possível indicação de novo(s) membro(s) do Conselho de Administração,
particularmente com interesse de representatividade de atores locais da
BHCorrente;
além da elaboração preliminar, debates e potencial assinatura de um futuro
Contrato de Gestão relativo ao exercício do papel de Agência da Bacia do
Rio Corrente, com anuências do Comitê da Bacia e do CERH/BA.
Mais do que isto, como uma perspectiva mais avançada e lembrando-se da
dimensão da BHSF e de sua diversidade territorial, por certo que a estrutura
institucional da AGB Peixe Vivo deveria ser objeto de um Planejamento
Institucional Estratégico, com a possibilidade de que sejam estabelecidas novas
instâncias internas, com especial interesse no caso da bacia do rio Corrente, onde
foram identificados problemas e objetivos específicos, próprios ao Plano desta
bacia.
Ainda a propósito desta 1ª opção, entende-se como uma das vantagens de
_________________________________________________________________________
75
instituir a AGB Peixe Vivo como Agência da Bacia do Rio Corrente sua maior
integração e coerência regional, com acordos e iniciativas comuns entre os atuais
comitês de bacias afluentes. Por outro lado, entende-se como uma de suas
potenciais desvantagens a consistência insuficiente de suas instâncias internas
para bacias de afluentes, devido à dimensão e diversidade da Bacia do São
Francisco, por consequência, dificultando a identificação adequada de núcleos de
problemas locais relacionados aos recursos hídricos, com destaque para o caso
da Bacia do Rio Corrente.
Em suma, vale lembrar que, no amplo contexto da BHSF, há muitas
considerações que assinalam o imperativo da promoção de estudos e medidas
específicas, sob duas perspectivas importantes e dialéticas entre si: de cima para
baixo (top-down) da bacia, como um todo e de suas áreas com problemas
prioritários; bem como, de baixo para cima (bottom-up), a partir de instâncias
locais para uma visão de sua inserção macrorregional.
Por fim, no que concerne a esta primeira opção – AGB Peixe Vivo, com sua
Secretaria Executiva local adequada como Agência da Bacia do Rio Corrente –, o
Quadro 7.2 sintetiza as suas principais vantagens e potenciais desvantagens.
Quadro 7.2. Possíveis vantagens e potenciais desvantagens da Secretaria Executiva Local da AGB Peixe Vivo, como alternativa para os encargos da
Agência da Bacia do Rio Corrente.
Possíveis Vantagens Potenciais Desvantagens
Articulação entre a gestão local da Bacia do Rio
Corrente, com sua inserção macrorregional no
âmbito da BHSF;
Aproveitamento da referência da AGB Peixe
Vivo, como “entidade delegatária” no exercício
de funções como agência de bacia;
Manutenção do contexto institucional vigente,
com a adequada abertura de avanços,
notadamente da estrutura da Secretaria
Executiva local, de recursos financeiros de apoio
e de seguidas alterações e acréscimos em
contratos de gestão vigentes ou a serem
celebrados;
Elevação da representatividade social e de
usuários de recursos hídricos devido à
atratividade e proximidade com este perfil da
entidade e suas instâncias locais, constituída
como associação civil de direito privado, sem fins
Potencial manutenção do predomínio de
interesses próprios a sub-bacias
localizadas em MG, com destaque para a
do rio das Velhas e trechos do Alto SF;
Excesso de frentes de trabalho e
problemas muito distintos para a atuação
de uma Agência Única do amplo
contexto da BHSF;
Possíveis restrições e dificuldades na
reformatação institucional da AGB Peixe
Vivo, especialmente em sua Secretaria
Executiva local, por conseguinte, com
menor representatividade e articulação
com atores e interesses próprios à bacia
do rio Corrente;
Limitações para uma aplicação mais
uniforme e menos complexa para a
tramitação financeira da Cobrança, uma
_________________________________________________________________________
76
lucrativos;
Com avanços na Secretaria Executiva local, um
perfil mais descentralizado e participativo do
Sistema de Gestão, com menor burocracia e
procedimentos administrativos que devem ser
aplicados por uma Agência constituída como
órgão público.
vez que seguirá diferenciada e própria às
regras e atividades do INEMA (em rios
estaduais) e da ANA (calha principal do
SF), portanto, com possíveis
desconformidades em repasses para a
AGB Peixe Vivo.
7.5.2. Segunda alternativa: celebrar convênio ou contrato de gestão com a
Codevasf, para o exercício de ações e atividades próprias a uma Agência da
BHCorrente
A segunda opção refere-se à atuação da Codevasf como Agência da Bacia do Rio
Corrente, no sentido de sua implementação direta, ou coordenação junto a
terceiros, de programas, projetos e ações que serão propostas pelo Plano desta
Bacia.
Para tanto, sabe-se que a Codevasf tem uma atuação significativa junto à Bacia
do Rio São Francisco, inclusive em decorrência de sua dimensão como entidade
e dos substantivos aportes de recursos financeiros advindos do Orçamento Geral
da União (OGU). De fato, esta empresa pública, vinculada ao MI, empreende
diversos programas com objetivos convergentes com o Plano em elaboração, a
exemplo do Água para Todos e do Revitalização de Bacias Hidrográficas.
Sob tal contexto de seus programas e ações, cabe destacar a construção de
obras de infraestrutura, particularmente para o aproveitamento racional de
recursos hídricos, como também, para a implantação de projetos e de polos de
irrigação. Também investe na aplicação de novas tecnologias, diversificação de
culturas produtivas e recuperação de áreas ecologicamente degradadas, além da
capacitação e treinamento de produtores rurais.
Mais especificamente no que tange à BHCorrente, a CODEVASF tem buscado
viabilizar, por vezes mediante parcerias público-privadas (PPPs), importantes
projetos de irrigação em andamento, portanto, sendo um dos principais atores
estratégicos a considerar, contando com um consistente perfil executivo.
Assim, sendo possível contar com esta substantiva instituição da CODEVASF,
entra em pauta a possibilidade de que seja celebrado um Convênio – ou um
Contrato de Gestão – com o INEMA, órgão gestor do meio ambiente e dos
_________________________________________________________________________
77
recursos hídricos do Governo do Estado da Bahia, desde que ocorra a devida
aprovação pelo Secretário Estadual do Meio Ambiente, depois que o Comitê da
Bacia do Rio Corrente e, também, o CONERH/BA, tenham se manifestado a favor
desta alternativa.
Caso seja esta a opção selecionada, por óbvio que a atuação da CODEVASF irá
ocorrer mediante uma Superintendência local mais fortalecida. Neste sentido, no
presente já se conta com uma Superintendência Regional situada na cidade de
Bom Jesus da Lapa, um dos principais municípios da Bacia do Rio Corrente.
Todavia, para empreender as funções e encargos adicionais, que serão indicados
à Codevasf mediante um Plano de Trabalho específico, será indispensável que
ocorra o mencionado fortalecimento desta Superintendência local.
Ainda a respeito, nota-se que esta alternativa mostra-se bastante pragmática em
termos executivos de programas, projetos e ações, contudo, sem que ocorram
avanços institucionais mais significativos junto a um Sistema de Gestão local,
descentralizado, participativo e autossustentável, a ser reconsiderado mais para
um cenário futuro, no âmbito da Bacia do Rio Corrente. Ademais, cumpre
ressaltar que esta alternativa mostra-se um tanto federalizada, ou seja, com certa
dependência de iniciativas e de recursos do Governo Federal, via Ministério da
Integração.
Em suma, para esta segunda opção – Codevasf, com sua Superintendência local
atuando como Agência da Bacia do Rio Corrente –, o Quadro 7.3 sintetiza as
suas principais vantagens e potenciais desvantagens.
_________________________________________________________________________
78
Quadro 7.3. Possíveis vantagens e potenciais desvantagens da superintendência local da Codevasf, atuando como Agência da Bacia do Rio Corrente.
Possíveis Vantagens Potenciais Desvantagens
Articulação entre a gestão local da bacia do rio
Corrente, com sua inserção macrorregional no
âmbito da BHSF;
Aproveitamento pragmático de programas e de
ações já existentes, além da elevada
consistência institucional da Codevasf para o
exercício de funções como agência de bacia;
Boa proximidade de suas principais atividades
com as ações prioritárias demandadas pela
bacia em tela;
Coordenação adequada com programas a
serem executados por terceiros;
Avanços na Superintendência local já existente
em Bom Jesus da Lapa, além da potencial
elevação de aportes financeiros advindos do
OGU;
Evidente independência de só receber aportes
advindos da Cobrança pelo Uso da Água para
viabilizar suas atividades como agência da
bacia em tela.
Tendência de federalizar as ações
executivas e decisões próprias a uma
agência local de bacia;
Falta de avanços no Sistema de Gestão,
em termos de sua descentralização e
maior representatividade social de atores
e de interesses locais;
Restrições ou dificuldades para o
fortalecimento de sua instância local já
existente na bacia do rio Corrente, como
Superintendência local;
Limitações para uma aplicação mais
uniforme e menos complexa para a
tramitação financeira da Cobrança, uma
vez que seguirá diferenciada e própria às
regras e atividades do INEMA (em rios
estaduais) e da ANA (calha principal do
SF), portanto, com possíveis
desconformidades em repasses para a
Codevasf.
7.5.3. Terceira Alternativa: celebrar convênio ou contrato de gestão com a
CERB, para o exercício de ações e atividades próprias a uma Agência da
BHCorrente
Na sequência, esta terceira alternativa apresenta uma boa semelhança com a
anterior, uma vez que se refere à atuação de uma empresa já existente, neste
caso, da CERB sendo selecionada como Agência da Bacia do Rio Corrente, no
sentido de sua própria implementação de programas, projetos e ações que serão
propostas pelo Plano da Bacia, por vezes coordenando serviços de terceiros.
Mesmo com tal semelhança com a segunda opção, cabe ressaltar que se trata de
uma alternativa bem mais estadualizada, portanto, com maior controle de
decisões e atividades sob interesses próprios ao Estado da Bahia, ainda que, com
esta opção, se possa abrir mão da possibilidade de contar com a elevação de
aportes financeiros advindos do OGU.
A CERB foi criada em 1971, sendo constituída como uma empresa de economia
mista, vinculada à SEMA, no presente operando de forma mais relevante sobre a
_________________________________________________________________________
79
região rural do interior da Bahia, portanto, com muitas de suas ações e
intervenções sendo compatíveis e potencialmente inseridas no contexto do Plano
da Bacia do rio Corrente. Novamente com proximidade da Codevasf, a CERB
também empreende ações relacionadas aos programas Água Para Todos e
Revitalização de Bacias Hidrográficas, ambos vinculados ao Ministério da
Integração, o que implica em sua devida articulação conjunta com a Codevasf.
Mais especificamente, hoje a CERB tem como missão garantir a oferta de água
para melhoria da qualidade de vida e desenvolvimento sustentável, com ênfase
no saneamento rural, sendo assim responsável pela execução de programas,
projetos e ações voltadas a populações carentes do semiárido baiano, sobretudo,
no que se refere à perfuração de poços tubulares profundos, construção de
sistemas integrados de abastecimento de água – convencionais ou simplificados
–, além do aproveitamento de energias renováveis e implantação de tecnologias
alternativas.
Neste sentido, a CERB vem se destacando no atendimento às populações
carentes, residentes em comunidades de pequeno porte, na faixa entre 100 a 500
moradores. Para exercer tais atividades, a CERB conta com uma equipe
especializada e formada, em sua maioria, por engenheiros, geólogos e técnicos,
capacitados para a elaboração e execução de projetos dessa ordem.
Os colaboradores estão distribuídos entre a sede, em Salvador, e mais 11 núcleos
regionais, com destaque para os municípios de Barreiras, na Bacia do Rio Grande
e de Santa Maria da Vitória, na Bacia do Rio Corrente.
Em acréscimo, ainda a respeito da atuação da CERB, quando se analisa a
chamada Política Ambiental da Bahia, são mencionadas várias outras frentes de
trabalho, chegando até a: prevenção da poluição, com redução de efluentes e
resíduos domésticos e industriais; a eliminação de passivos ambientais; e, a
própria implantação progressiva de um Sistema de Gestão ambiental (SGA),
mediante todos os seus núcleos regionais.
Assim, sob tal contexto institucional de encargos e de características da CERB,
torna-se possível contar com esta empresa de economia mista, que poderá
celebrar um Convênio – ou um Contrato de Gestão – com o INEMA, para que
exerça funções como Agência da Bacia do Rio Corrente, desde que seja
devidamente aprovada Secretário de Estado do Meio Ambiente, depois que o
_________________________________________________________________________
80
Comitê de Bacia do Rio Corrente e, também, o CONERH/BA, tenham manifestado
a favor desta alternativa.
Caso esta seja a opção, torna-se evidente que a atuação da CERB deverá ocorrer
mediante um Núcleo Regional bem mais fortalecido, para empreender as funções
e encargos adicionais, que serão indicados mediante um Plano de Trabalho
específico.
Também de forma similar com a alternativa anterior da Codevasf, nota-se que
esta opção mostra-se bastante pragmática em termos executivos de programas,
projetos e ações, contudo, sem que ocorram avanços muito significativos quanto
à descentralização e representatividade social de atores e interesses locais, cuja
atuação poderá ser mais considerada em perspectivas futuras, contanto com uma
possível autossustentabilidade no âmbito da bacia do rio Corrente.
Enfim, para esta terceira opção – CERB, com seu Núcleo Regional atuando como
Agência da Bacia do Rio Corrente –, o Quadro 7.4 sintetiza as suas principais
vantagens e potenciais desvantagens.
Quadro 7.4. Possíveis vantagens e potenciais desvantagens do núcleo regional da CERB, atuando como Agência da Bacia do Rio Corrente.
Possíveis Vantagens Potenciais Desvantagens
Tendência de estadualização das ações
executivas e decisões próprias ao Estado da
Bahia, por meio de uma agência local da bacia
do rio Corrente;
Aproveitamento pragmático de programas e de
ações já existentes, via CERB, especialmente
daquelas voltadas a famílias pobres e
pequenas comunidades da zona rural do oeste
da Bahia;
Boa proximidade de suas principais atividades
com as ações prioritárias demandadas pelo
Plano da bacia em estudo;
Coordenação adequada com programas a
serem executados por terceiros;
Avanços institucionais no Núcleo Regional já
existente na bacia do rio Corrente;
Construção de referência para modelos de
gestão em outras bacias do Estado da Bahia,
com perfis regionais similares;
Evidente independência de só receber aportes
Possíveis limites na articulação devida
entre a gestão local da bacia, com sua
inserção macrorregional no âmbito da
BHSF;
Limites de avanços no Sistema de
Gestão, em termos de sua
descentralização e maior
representatividade social de atores e de
interesses locais;
Eventual limite ao fortalecimento de seu
Núcleo Regional já existente na bacia do
rio Corrente, além de menor acréscimo
de recursos financeiros advindos do
OGU;
Limitações para uma aplicação mais
uniforme e menos complexa para a
tramitação financeira da Cobrança, uma
vez que seguirá diferenciada e própria às
regras e atividades do INEMA (em rios
estaduais) e da ANA (calha principal do
SF), portanto, com possíveis
_________________________________________________________________________
81
Possíveis Vantagens Potenciais Desvantagens
advindos da Cobrança pelo Uso da Água para
viabilizar suas atividades como agência da
bacia em tela.
desconformidades em repasses para a
CERB.
7.5.4. Quarta alternativa: constituição de um Consórcio Público a ser
reconhecido como “entidade delegatária”, para celebrar contrato de gestão
com o INEMA, para o exercício de ações e atividades próprias a uma
Agência da Bacia do Rio Corrente
Como quarta alternativa, cabe abordar a instituição de uma Agência da Bacia do
Rio Corrente no formato de um Consórcio Público, para verificar suas
características e aspectos legais e estratégias de operacionalização.
A propósito desta quarta opção, é importante lembrar que, tal como já
mencionado, há duas perspectivas a considerar: (a) de um Consórcio Público
limitado à Bacia do Rio Corrente, sob o atual contexto presente; ou, (b) de sua
atuação ampliada para a Bacia do Rio São Francisco, em cenários mais futuros,
tendo como encargo a definição de entidades locais a serem contratadas ou
atuantes mediante convênios, para o exercício de funções especificas
relacionadas à Bacia do Rio Corrente e/ou de outras bacias de afluentes.
Esta opção de um Consórcio Público tem sido cogitada, notadamente pela ANA,
desde o advento da Lei Federal nº 11.107, de 2005, e do Decreto Federal nº
6.017, de 2007, que a regulamenta. Estes diplomas legais dispõem sobre as
normas gerais de contratação de um Consórcio Público, constituído como pessoa
jurídica, formada exclusivamente por entes da Federação, sendo criado como
uma associação sob uma personalidade jurídica de direito público e natureza
autárquica.
A propósito, no texto do Decreto nº 6.017/2007, que regulamenta a contratação de
Consórcio Público, o Artigo 39 cita que:
“A partir de 1º de janeiro de 2008, a União somente
celebrará convênios com consórcios públicos constituídos
sob a forma de associação pública ou que para esta forma
tenham se convertido”.
Portanto, este artigo passou a restringir as alternativas de consórcios formados
_________________________________________________________________________
82
como pessoa jurídica de direito privado, tal como foi constituído o conhecido
Consórcio Piracicaba, Capivari e Jundiaí – Consórcio PCJ, de São Paulo, sempre
visto como uma das melhores referências do país, não somente tendo municípios
como associados, como também empresas publicas e privadas e, também,
ONGs.
Mais do que isto, este Decreto, em seu Art. 3º, inciso VII, e no Art. 20, Parágrafo
2º, explicita duas particularidades importantes para a gestão dos recursos
hídricos, a seguir reproduzidos:
Art. 3º - Observados os limites constitucionais e legais, os
objetivos dos consórcios públicos serão determinados pelos
entes que se consorciarem, admitindo-se, entre outros, os
seguintes:
...
VII – o exercício de funções no sistema de gerenciamento
de recursos hídricos que lhes tenham sido delegadas ou
autorizadas;
...
Art. 20 - (...)
Parágrafo 2º - Os consórcios públicos poderão emitir
documentos de cobrança e exercer atividades de
arrecadação de tarifas e outros preços públicos pela
prestação de serviços ou pelo uso ou outorga de uso de
bens públicos ou, no caso de específica autorização,
serviços ou bens de ente da Federação consorciado.
Não obstante esta legislação vigente, cumpre ressaltar que, caso um Consórcio
constituído com personalidade jurídica de direito público e natureza autárquica
seja a forma escolhida para a Agência da Bacia do Rio Corrente ou para a BHSF,
ainda há risco desta não ser a figura jurídica definitiva19.
19 É interessante registrar que a Lei Estadual nº 10.020/1998, de São Paulo, autoriza o Governo
do Estado a participar de “Fundação Agência de Bacia”, em rios sob sua domilialidade. Ou seja, de
forma diferenciada, pretende-se contemplar, ora a figura de um Consórcio Público, ora de uma
Fundação, como personalidades jurídicas definitivas para os exercícios próprios às agências de
bacias hidrográficas.
_________________________________________________________________________
83
De fato, sabe-se que ainda se encontra em tramitação, no Congresso Nacional, o
Projeto de Lei (PL) nº 1.616/1999, que “dispõe sobre a gestão administrativa e a
organização institucional do Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos
Hídricos”. Apesar de passados quase quatorze anos, este Projeto de Lei vem
tramitando muito lentamente e sem apoio político necessário, seja de órgãos do
próprio Executivo, como da sociedade civil organizada.
Portanto, a eventual promulgação de uma lei nacional sobre o SINGREH, que
defina claramente a figura das agências de bacias, ou a aprovação, com ou sem
alterações do atual PL nº 1.616/1999, acarretará a existência de um instrumento
legal bem mais forte do que a Lei nº 11.107/2005 ou do Decreto Federal nº
6.017/2007, que se tornaram vigentes sobre um tema mais específico, o
consorciamento público.
Enfim, entende-se que a apresentação de um projeto de lei ao Congresso
Nacional, para autorizar a instituição de um Consórcio Público como Agência da
BHSF, estará sujeito à comparação e tramitação conjunta com o Projeto de Lei
nº 1.616/1999, não havendo previsibilidade de seus respectivos desdobramentos.
Mesmo sob tal contexto, cabe considerar a viabilidade legal dessa quarta
alternativa, tendo a referência de uma minuta de Protocolo de Intenções para
constituir um Consórcio Público como agência de bacia (ver Anexo III). Para tanto,
seriam necessários os seguintes passos para a opção 4(a), voltados à criação de
uma “entidade delegatária” própria à Bacia do Rio Corrente, no território baiano:
(i) celebração de um Protocolo de Intenções do Consórcio Público, subscrito
pelo próprio Governo do Estado e certas prefeituras municipais, para as
quais a legislação permite adesão voluntária;
(ii) ratificação do Protocolo de Intenções pela SEMA, INEMA e pelo respectivo
Comitê da Bacia, além de manifestação favorável do CONERH/BA;
(iii) aprovação de lei estadual que ratifique o Protocolo de Intenções;
(iv) constituição de uma Assembleia Geral dos entes consorciados para eleger,
dentre eles próprios, o Presidente da Agência da Bacia do Rio Corrente,
aprovar o Regimento Interno e dar posse aos membros do Conselho de
Administração e ao Diretor-Geral; e,
_________________________________________________________________________
84
(v) assinatura do devido Contrato de Gestão com o INEMA, depois de sua
devida aprovação pelo Secretário de Estado do Meio Ambiente e da
manifestação favorável advinda do CONERH/BA, além do registro das atas
e dos documentos legais e da abertura de uma conta bancária, com o início
de um funcionamento regular da entidade.
De forma similar, porém sob a perspectiva de cenários mais futuros, no caso da
opção 4(b) a mesma sequência de passos seria a seguinte, agora voltada para a
substituição da AGB Peixe Vivo por um Consórcio Público, constituído como
Agência da BHSF, portanto, abrangendo vários estados e o DF:
(i) celebração de um Protocolo de Intenções do Consórcio Público, subscrito
pela União e pelos estados de Minas Gerais, Goiás, Bahia, Pernambuco,
Alagoas e Sergipe, além do Distrito Federal e de certos municípios, uma
vez que a legislação permite sua adesão voluntária;
(ii) ratificação do Protocolo de Intenções pelos órgãos gestores – ANA e seus
correspondentes estaduais e do DF –, NO CASO DA Bahia pela SEMA e
eplo INEMA, além de manifestação favorável do Comitê da BHSF e dos
comitês de afluentes, a exemplo do Comitê da BHCorrente como também
pelo CNRH, pelo CONERH/BA e demais Conselhos Estaduais e do DF;
(iii) aprovação de lei nacional e de leis estaduais e do DF, que ratifiquem o
Protocolo de Intenções;
(iv) constituição de uma Assembleia Geral dos entes consorciados para eleger,
dentre eles próprios, o Presidente da Agência da BHSF, aprovar o
Regimento Interno e dar posse aos membros do Conselho de
Administração e ao Diretor-Geral; e,
(v) assinatura de um único Contrato de Gestão com todos os órgãos gestores
de recursos hídricos relacionados com a BHSF – ANA e seus
correspondentes estaduais e do DF –, no caso da Bahia, depois de sua
devida aprovação pelo Secretário de Estado do Meio Ambiente, pelo
Comitê da BHCorrente, e com a manifestação favorável advinda do
CONERH/BA, além do registro das atas e dos documentos legais e da
abertura de uma conta bancária, com o início de um funcionamento regular
da entidade.
Especificamente sobre a composição do Conselho de Administração, é importante
_________________________________________________________________________
85
recomendar que seja convenientemente pactuada, todavia, sem a participação de
órgãos gestores de recursos hídricos, uma vez que tais entidades devem atuar,
principalmente, sobre seus encargos de regulação, por conseguinte, evitando
associar-se a de um Consórcio Público constituído para atuar como agência de
bacia.
Enfim, a melhor alternativa será uma composição que reflita o caráter próprio do
Conselho de Administração, evitando-se possíveis divergências e conflitos de
interesse entre órgãos gestores e a agência da bacia. Dizendo de outra forma, o
Conselho, como uma instância superior da agência, receberá delegações dos
órgãos gestores, portanto, sendo necessário cumprir exigências, a serem
avaliadas periodicamente, com base no Contrato de Gestão a ser celebrado entre
as partes.
Uma vez dispostos procedimentos de ordem jurídico-legal e características
próprias à quarta opção, de um Consórcio Público, agora cabe seguir mediante
abordagens e questionamentos similares às opções anteriores, ou seja,
analisando as possíveis vantagens e desvantagens da presente alternativa.
De pronto, no que tange a uma comparação inicial entre as opções (a) e (b), por
certo que, no presente, deve-se começar pela constituição de um Consórcio
Público local, a partir do qual será possível abrir espaços para que, mais à frente,
a opção (b) passe a ser negociada com os demais estados e com o DF, além da
própria União, sabendo-se que a ANA teria posicionamento favorável a esta
alternativa.
A propósito da opção 4(b), deve-se lembrar que a BHSF tem uma dimensão
territorial muito abrangente, com grande diversidade em suas sub-bacias e
regiões, tanto no que se refere a aspectos do meio ambiente, quanto das
dinâmicas socioeconômicas e de núcleos urbanos das unidades federativas
componentes desta bacia.
Assim, para este caso 4(b), o Consórcio Público a ser constituído como Agência
Central da BHSF, por certo, irá necessitar de outras agências locais – mantendo-
se um destaque para a AGB Peixe Vivo que, muito provavelmente, seguirá com
suas atividades sobre a Bacia do Rio das Velhas e no trecho do Alto São
Francisco –, sobretudo para fins mais operacionais, em unidades de gestão
(UGHs) e núcleos de problemas, tendo a sua natureza jurídica de direito privado
_________________________________________________________________________
86
como principal diferença.
Entende-se que agências centrais de grandes bacias não podem refutar
instâncias locais voltadas para UGHs e núcleos de problemas, a exemplo de
agências particularmente criadas pelos estados em suas bacias de afluentes –
notadamente como pode ocorrer no caso do rio Corrente –, seja mediante as
opções já apresentadas, como a AGB Peixe Vivo, a Codevasf, a CERB ou um
Consórcio Público local 4(a) ou, ainda, como a quinta alternativa, que será
abordada na sequência.
Sob esta abordagem, cumpre enfatizar que, segundo recomendações de
consultores convidados para uma Oficina da Federação das Indústrias do Estado
de Minas Gerais (FIEMG) e da Confederação Nacional da Indústria (CNI20), deve-
se conferir maior flexibilidade e atratividade aos arranjos institucionais, sempre de
forma descentralizada e participativa, para que ocorram avanços mediante
maiores preços unitários da Cobrança pelo Uso da Água, ao invés de optar-se por
arranjos mais estatais, uma vez que estes se mostram mais centralizadores,
passando a ser palatáveis aos usuários pagadores, por consequência, com
relativo afastamento e reações em favor de menores valores da Cobrança pelo
Uso da Água.
Assim, torna-se evidente, por exemplo, que os usuários de recursos hídricos,
notadamente os associados da AGB Peixe Vivo, terão bem menos atratividade
por um Consórcio Público, especialmente se tal entidade assumir encargos
executivo-estatais.
Enfim, estas observações são relevantes, sobretudo quando estiverem em pauta
assuntos relacionados aos preços e à distribuição de encargos e funções
concernentes à Cobrança pelo Uso da Água, com destaque para o papel que
pode ser exercido pela Agência Central e pelas instâncias locais de UGHs,
sempre sob os fundamentos de modelos de gestão descentralizados e
participativos.
20 Oficina sobre Cobrança pelo Uso da Água na Bacia do Rio Doce, realizada pela FIEMG/CNI em
23 de fevereiro de 2010, em Belo Horizonte, tendo como Tema “A Articulação entre o
Instrumento da Cobrança e Arranjos Institucionais Aplicados à Gestão de Recursos
Hídricos”.
_________________________________________________________________________
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Em decorrência destas observações, há uma importante recomendação de que as
possíveis opção 4(a) e 4(b) tenham seus respectivos Consórcios Públicos, locais
ou da BHSF, instituídos sob finalidades específicas, limitando-se à devida
coordenação entre a União, unidades federativas e prefeituras municipais,
portanto, voltando-se mais a aspectos administrativos e legais, os quais
demandam negociações próprias aos governos, como deliberação, legislação,
normatização e fiscalização.
Assim, a formatação de um Consórcio Público sob finalidades específicas seria
bem mais pragmática, uma vez que pode haver divergências legais e
institucionais entre a União e diferentes estados ou municípios. Portanto, o
Consórcio Público funcionaria centrado em negociações e acordos próprios ao
Poder Público, ressaltando-se que estes encargos não se tratam de negociações
próprias a Comitês de bacias, seja o do Rio Corrente ou o Comitê do Rio São
Francisco, mas sim, daquelas limitadas a aspectos administrativos e legais.
De todo o modo, ao atuar sob finalidades específicas, uma das principais
vantagens da alternativa de um Consórcio Público seria a possibilidade de
delegação da Cobrança para essa entidade estatal, tanto pela União, quanto
pelos entes federados. De fato, ao invés de cada órgão gestor emitir a Cobrança
pelo Uso da Água, em rios sob seus correspondentes domínios, todos poderiam
delegar tal encargo ao Consórcio Público, facilitando em muito a
operacionalização e universalização da Cobrança no âmbito da bacia.
Ainda no que tange a estas finalidades específicas, cumpre reconhecer que um
Consórcio Público, composto por autoridades governamentais da União, dos
estados e do DF, além de certos municípios, passaria a ter muito mais peso e
poder político do que um comitê de bacia, portanto, podendo confrontar e intervir
em algumas decisões tomadas por essas instâncias coletivas, frente às quais
deveria atuar como uma secretaria executiva de apoio, submetendo-se a
manifestações de representantes da sociedade civil e de usuários de recursos
hídricos.
Em outras palavras, caso o Consórcio Público não tenha as mencionadas
finalidades restritas, seu peso específico poderá enfraquecer a representação
social, afastar a presença de representantes de ONGs e de usuários de recursos
hídricos – pagadores da Cobrança pelo Uso da Água –, tudo em função do peso
_________________________________________________________________________
88
político de um Consórcio Público, constituído como entidade estatal.
Com isto posto, no que tange a encargos operacionais, o Consórcio Público
proposto como agência de bacia, desde que restrito a finalidades específicas,
certamente precisaria contar com as referidas instâncias locais de sub-bacias,
como também, com outras entidades executoras que atuem em sua bacia, a
exemplo da Codevasf e da CERB.
Assim, para o caso da opção 4(a), um Consórcio Público local, constituído sob
finalidades específicas, deveria iniciar suas atividades mediante a coordenação e
negociações com entidades executivas que atuam na Bacia do Rio Corrente.
De forma semelhante, segundo a opção 4(b), também para um Consórcio Público
identificado como “entidade delegatária” da BHSF seria possível começar suas
articulações com agência locais, a exemplo da própria AGB Peixe Vivo, que
poderia ser prontamente contratada pelo Consórcio para encargos executivos de
certas UGHs, notadamente sobre o trecho do Alto São Francisco, assim como
teve suas primeiras atividades sobre a Bacia do Rio das Velhas, então contratada
pelo Instituto de Gestão das Águas de Minas Gerais – IGAM/MG.
Ou seja, esta quarta opção – seja na perspectiva (a) ou (b) – deve manter, de
forma pragmática, aspectos operacionais sob a responsabilidade de instâncias
executivas locais. Excepcionalmente, em algumas sub-bacias ou UGHs, onde não
forem constituídos comitês e criadas agências executivas locais, o próprio
Consórcio Público poderá estabelecer uma instância interna – tal como uma
diretoria ou como uma secretaria executiva –, para que toda a bacia tenha uma
gestão integrada e responda a demandas operacionais distintas de suas unidades
de gestão de recursos hídricos.
Enfim, esta recomendação de que um Consórcio Público seja estabelecido sob
finalidades específicas decorreu pela sobreposição entre suas possíveis
vantagens e potenciais desvantagens, sendo importante mencionar a flexibilidade
dessa opção para maior facilidade de adequação às especificidades da legislação
de cada estado e às suas demandas e características de problemas regionais e
locais de recursos hídricos.
Com isto posto, o Quadro 7.5 apresenta as referidas vantagens possíveis e
potenciais desvantagens que foram identificadas em relação a esta alternativa de
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constituição de um Consórcio Público como Agência da Bacia do Rio Corrente ou
da BHSF.
Quadro 7.5. Possíveis vantagens e potenciais desvantagens do consórcio público, como alternativa para uma Agência da Bacia do Rio Corrente (4a) ou da BHSF (4b).
Possíveis Vantagens Potenciais Desvantagens
Sob a opção 4 (b) destaca-se a
articulação devida entre a gestão
local da bacia do rio Corrente, com
sua inserção macrorregional no
âmbito da BHSF;
Avanços importantes na aproximação
e nas devidas articulações entre o
Governo da Bahia e os municípios da
bacia do rio Corrente, no caso da
opção 4 (a);
Para o caso de Consórcio Público
constituído sob finalidades restritas,
um adequado equilíbrio de poder e
as devidas articulação entre a
Assembléia Geral e o Conselho de
Administração da Agência e os
membros do Comitê da Bacia, além
de uma coordenação e divisão de
trabalho com entidades executivas,
locais e/ou regionais, que atuem na
BHSF ou especificamente na bacia
do rio Corrente;
Delegação conjunta da Cobrança à
própria Agência da BHSF, constituída
como Consórcio Público, pela ANA e
pelos órgãos estaduais e do DF, por
conseguinte, envolvendo um fluxo
financeiro mais direto e objetivo, ou
seja, para a opção 4 (b), em toda a
BHSF a Cobrança estará a cargo do
Consórcio, como Agência Única
Integrada;
Convergência entre a base legal
vigente, tanto federal, estadual e do
DFR, quanto dos municípios
consorciados.
Para a opção 4 (a), podem haver possíveis
limitações na articulação devida entre a gestão
local da bacia do rio Corrente, com sua inserção
macrorregional no âmbito da BHSF;
No caso da opção 4 (b), ampla abrangência e
complexidade nas devidas negociações e acordos
entre a União, estados e o DF, com muitos ajustes
e aprovações legislativas devidas;
Assembléia Geral composta pelo Presidente e
Governadores e por determinados Prefeitos
Municipais (ou por Ministro e Secretários de
Estado e de certas Prefeituras), portanto, com
possível ocupação política e manipulação de
cargos no Conselho Administrativo e na Gerência
Executiva da Agência, por vezes, não sendo
considerados atores técnicos e instâncias
executivas locais;
Enfraquecimento de Comitês como instâncias
decisórias, tanto o da BHSF quanto do rio
Corrente, devido ao poder e à força política de um
Consórcio Público, caso não seja constituído sob
finalidades restritas, por consequência, com menor
representação de ONGs e de usuários de recursos
hídricos;
Menor disposição a pagar via Cobrança pelo Uso
da Água, devido à ausência dos usuários privados
na estrutura da Agência da Bacia, estabelecida
como Consórcio Público, e sem instâncias
executivas locais em UGHs e núcleos de
problemas;
Muitos procedimentos administrativos e
burocráticos, próprios a órgãos públicos;
Repercussões sobre a Agência da Bacia, quando
das constantes modificações no quadro político-
partidário de governos federal, distrital, estaduais e
municipais.
7.5.5. Quinta alternativa: constituição de uma Associação Civil de Direito
Privado, sem fins lucrativos, entre municípios, usuários de recursos
hídricos e ONGs, como se fosse um “Consórcio Público-Privado”, a celebrar
_________________________________________________________________________
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contrato de gestão com o INEMA, para o exercício de ações e atividades
próprias a uma Agência da Bacia do Rio Corrente
Por fim, como quinta e última alternativa, cabe analisar a possibilidade de
constituição de uma associação civil de direito privado, sem fins lucrativos,
composta, principalmente, por atores mais locais, com destaque para certos
municípios, usuários de recursos hídricos e ONGs, sem restrições à participação
de algumas empresas estaduais, a exemplo da CERB, da Embasa e da
Companhia de Eletricidade do Estado da Bahia (Coelba), dentre outras.
Sob tal forma de associação, que tenderia a ser constituída a partir da iniciativa e
de interesses próprios a algumas das principais prefeituras municipais da bacia,
poder-se-ia menciona-la como se fosse um “Consórcio Local Público-Privado“ – a
exemplo do já referido Consórcio PCJ, de São Paulo –, com seu reconhecimento
como “entidade delegatária”, com vistas à celebração de um Contrato de Gestão
com o INEMA, voltado ao exercício de ações e atividades próprias a uma Agência
da Bacia do Rio Corrente, desde que devidamente aprovado pelo Secretário de
Estado do meio Ambiente, depois que o Comitê de Bacia do Rio Corrente e,
também o CONERH/BA tenham se manifestado a favor desta alternativa.
Sob esta opção, torna-se evidente que a representatividade social seria bem mais
significativa, o que implicaria em potenciais avanços de um Sistema de Gestão
mais descentralizado e participativo, contudo, cabendo reconhecer que muitos
desses atores ainda se encontram em processos de expansão e maior dinâmica,
por vezes, com relevância regional ainda limitada. Por consequência, esta quinta
opção deve ser considerada mais para o futuro, na medida em que se consolide o
atual processo de expansão socioeconômica sobre a bacia do rio Corrente.
Sob uma abordagem semelhante, também como uma de suas principais
vantagens é inquestionável sua maior proximidade com o próprio Comitê da
Bacia, ao qual compete definir prioridades e tomar decisões – notadamente a
exemplo da aprovação do respectivo Plano da Bacia.
Ademais, sob tal alternativa, as ações e atividades da entidade estariam mais
focadas em interesses e aspectos locais, especialmente voltadas a seus
associados, como usuários de recursos hídricos, ONGs e alguns municípios,
todavia, sem desconsiderar as devidas negociações junto à gestão da BHSF,
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caso ocorram impactos sobre trechos a jusante.
Não obstante a consideração dessas possíveis vantagens, é importante lembrar
que uma associação local criada na bacia do rio Corrente não seria
autossustentável por conta exclusiva de arrecadação via Cobrança pelo Uso da
Água – tal como consta na Nota Técnica nº 06, emitida em 11 de fevereiro de
2010 pela Superintendência de Apoio à Gestão da Agência Nacional de Águas –
SAG/ANA –, portanto, com sua dependência de outras fontes de recursos
financeiros.
Neste sentido, admite-se que um eventual “Consórcio Local Público-Privado”
possa ser mantido por conta de doações voluntárias, tanto advindas de prefeituras
quanto de usuários de recursos hídricos, tal como já ocorreu nos primeiros
tempos da própria AGB Peixe Vivo, no presente, sustentada somente pelo
percentual de até 7,5% da arrecadação advinda da Cobrança pelo Uso da Água,
no contexto da BHSF.
Enfim, para esta quinta opção – de uma associação civil privada, constituída como
um “Consórcio Local Público-Privado”, a exercer funções como Agência da Bacia
do Rio Corrente –, o Quadro 7.6 sintetiza as suas principais vantagens e
potenciais desvantagens.
Quadro 7.6. Possíveis vantagens e potenciais desvantagens do “Consórcio Local Público-Privado”, como alternativa para os encargos da
Agência da Bacia do Rio Corrente.
Possíveis Vantagens Potenciais Desvantagens
Aproveitamento das referências do
Consórcio PCJ/SP e da AGB Peixe Vivo,
como “entidades delegatárias” no exercício
de funções como agências de bacias;
Criação de uma agência local, sem
problemas na manutenção do contexto
institucional vigente na BHSF, o que só
implicaria em acordos e articulações com a
AGB Peixe Vivo, que atua como Agência
da BHSF, sem a necessidade de novas
legislações;
Avanços no Sistema de Gestão, com maior
representatividade social de ONGs e de
usuários de recursos hídricos, devido à
atratividade e proximidade com este perfil
da entidade, criada como um “Consórcio
Possíveis limitações na articulação devida
entre a gestão local da bacia do rio Corrente,
com sua inserção macrorregional no âmbito
da BHSF;
Possível falta de consideração sobre ações e
intervenções que afetem os trechos a jusante,
com impacto sobre a calha principal do rio
São Francisco;
Potenciais problemas na composição dos
associados ao “Consórcio Local”, uma vez
que a região da bacia do rio Corrente ainda
se encontra em processo de desenvolvimento
de atividades socioeconômicas;
Limites na arrecadação via Cobrança pelo
Uso da Água, portanto, com dependência de
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Possíveis Vantagens Potenciais Desvantagens
Local Público-Privado”, ou seja, na figura
jurídica de uma associação civil de direito
privado, sem fins lucrativos;
Sob uma personalidade jurídica de direito
privado, a agência teria um perfil com
menor burocracia e procedimentos
administrativos que devem ser aplicados
por uma entidade constituída como órgão
público;
Maior proximidade com o próprio Comitê
da Bacia, além da predominância de ações
e atividades voltadas a interesses locais.
autossustentação financeira por conta de
doações voluntárias de seus associados –
PMs e usuários de recursos hídricos;
Limitações para uma aplicação mais uniforme
e menos complexa para a tramitação
financeira da Cobrança, uma vez que seguirá
diferenciada e própria às regras e atividades
do INEMA (em rios estaduais) e da ANA
(calha principal do SF), portanto, com
possíveis desconformidades em repasses
para este “Consórcio Público-Privado”.
7.6. Referências gerais para a estrutura organizacional de uma Agência da
BHCorrente
Cumpre sublinhar que os principais encargos da Agência da Bacia do Rio
Corrente, válidos para quaisquer das cinco opções já apresentadas, devem
concentrar-se sobre a implementação de ações e intervenções previstas pelo
presente Plano da Bacia em elaboração, o que implica em:
(i) analisar estudos, projetos e obras a serem empreendidos e identificar suas
possíveis fontes de financiamento, sem limitar-se apenas a recursos
advindos da Cobrança pelo Uso da Água, uma vez que, especialmente nas
opções 2, 3 e 4, parte de orçamentos próprios à Codevasf, CERB ou a um
Consórcio Público, poderão ser aplicados em favor de ações e
intervenções previstas pelo Plano da Bacia;
(ii) instruir a instituição financeira responsável por sua conta bancária, para
que repasse aos devidos executores – a fundo perdido ou mediante
operações de crédito – os montantes necessários à implementação de
programas, projetos e obras, sempre sob o requisito de prévia aprovação
por parte do Comitê da Bacia;
(iii) acompanhar a administração financeira de suas fontes de receitas, com
particular atenção a recursos arrecadados via Cobrança pelo Uso da Água,
em sua área de atuação;
(iv) celebrar convênios e contratar serviços que sejam requeridos para o
cumprimento de seus encargos e competências; e,
_________________________________________________________________________
93
(v) elaborar sua proposta orçamentária e submetê-la a apreciação do
respectivo Comitê da Bacia, além do INEMA, órgãos gestor do meio
ambiente e de recursos hídricos do Estado da Bahia, com o qual celebrou o
devido convênio ou contrato de gestão.
Por certo que todas as opções devem considerar tais encargos principais,
inclusive aquelas que já constam com estruturas de entidades já existentes, como
a AGB Peixe Vivo, a Codevasf e a CERB, respectivamente as opções 1, 2 e 3. No
que tange às outras alternativas, apenas referências gerais serão apresentadas
na sequência, a respeito de:
a) uma agência no formato de um Consórcio Público, apresentada como
quarta opção; e,
b) aspectos relativos à estrutura de uma associação civil de direito privado,
sem fins lucrativos, que deve ser considerada sobretudo para a definição
da estrutura de uma agência local, tal como consta na quinta opção.
7.7. Gestão integrada entre a União e os estados federados
Como última recomendação importante, merece destaque a importância de
relações institucionais mais estratégicas para a Bahia, especialmente com a ANA,
para que, de fato, ocorra uma gestão integrada entre a União e seus estados
federados.
Para tanto, desde os primeiros anos de atuação da ANA, foram concebidos dois
tipos de convênios a serem celebrados: (a) os Convênios de Cooperação com os
órgãos estaduais gestores; e, (b) os Convênios de Integração entre as unidades
estaduais componentes de bacias hidrográficas compartilhadas, a exemplo da
Bacia do Rio São Francisco.
A propósito, é importante registrar que, no presente, a Agência Nacional de Água
encontra-se com uma estrutura e capacidade muito mais avançada do que
qualquer dos órgãos estaduais, tanto em termos de seu quadro de técnicos,
quanto da disponibilidade orçamentária. Como consequência, sem obstruções à
atuação significativa da ANA, tal como já mencionado, cabe registrar que, sob tal
capacidade bem mais fortalecida, pode ocorrer uma tendência de centralização,
particularmente quando não houverem respostas adequadas dos estados e, por
_________________________________________________________________________
94
consequência, a gestão de recursos hídricos ficar majoritariamente sob a
responsabilidade e o controle da ANA.
Ademais, no caso específico da Bacia do Rio Corrente, sabe-se que muitas das
variáveis e fatores intervenientes sobre a dinâmica do desenvolvimento regional,
notadamente as frentes de expansão do agronegócio, são advindas do Cerrado
nacional, portanto, não limitadas a fatores internos e exclusivos ao Estado da
Bahia, fato que ratifica a recomendação de que ocorra uma gestão integrada e
estratégica entre o INEMA e a ANA.
Neste sentido, a favor do INEMA e para que não ocorra a possível tendência
mencionada de centralização, cabe a recomendação de que efetivamente seja
celebrado um Convênios de Cooperação com a ANA, incluindo repasses de
recursos financeiros e apoios técnicos com programas e sistemas de gestão, sob
o objetivo de uma boa divisão de trabalho, compatível com as diretrizes para que
o SINGREH seja efetivamente descentralizado e participativo.
Por fim, no que tange aos Convênios de Integração – no caso, relacionado com a
bacia hidrográfica do rio São Francisco, com seu Comitê há muito tempo em
plena operação –, vale registrar uma das principais conclusões advindas do
Seminário sobre a “Diretiva Quadro no Domínio das Águas (DQA) e o Sistema
Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos (SINGREH)”, realizado pela
ANA, em Brasília, nos dias 11 e 12 de maio de 2011, inserido no contexto do
Projeto Apoio aos Diálogos Setoriais Brasil – União Européia.
Nos debates finais e conclusões desse evento, depois de inúmeras manifestações
por parte dos palestrantes e da plateia presente, ficaram destacadas as seguintes
perguntas, muito similares e vistas como as mais desafiadoras e relevantes do
evento:
Deve ser estabelecida uma Diretiva Quadro das Águas no Brasil21?
Deve ser acordado um Pacto Nacional das Águas no Brasil22?
Enfim, em concordância com tais iniciativas de uma Diretiva Quadro ou de um
Pacto Nacional das Águas, tal como foi recentemente lançado (abril de 2013) e
21 SAG/ANA, Rodrigo Flecha.
22 Diretor atual da ANA, João Gilberto Lotufo Conejo.
_________________________________________________________________________
95
proposto pela própria ANA, reafirma-se os mencionados Convênios de
Integração, para que, de fato, ocorra uma gestão integrada entre a União e o
Estado da Bahia, além das demais unidades federativas componentes da Bacia
Hidrográfica do Rio São Francisco.
Como última observação, ainda advinda desse evento com a União Européia,
cabe considerar a possibilidade de “aprovação de uma legislação que formalize
acordos e compromissos interestaduais e com a União, compostos por benefícios
e sanções, tendo em vista a efetiva implementação de ações e atividades
relacionadas com a melhoria hídrica e ambiental”23, com objetivos e metas
concretas e factíveis, tal como se pretende no âmbito da Bacia Hidrográfica do
Rio São Francisco, com rebatimentos sobre a Bacia do Rio Corrente.
23 Sr. José Machado, Ex-Diretor Presidente da ANA.
ESTUDOS RELATIVOS ÀS MUDANÇAS
CLIMÁTICAS E RECURSOS HÍDRICOS PARA
EMBASAR O PLANO NACIONAL DE
ADAPTAÇÃO ÀS MUDANÇAS CLIMÁTICAS
Eixo IV – Governança na Gestão dos Recursos Hídricos
Relatório 03: Coordenação Regulatória, Estratégias
Institucionais e Variáveis Relacionadas com Setores
Usuários de Recursos Hídricos
Brasilia DF Outubro de 2014
_________________________________________________________________________
ii
© Centro de Gestão e Estudos Estratégicos
O Centro de Gestão e Estudos Estratégicos (CGEE) é uma associação civil sem fins lucrativos e de interesse
público, qualificada como Organização Social pelo executivo brasileiro, sob a supervisão do Ministério da
Ciência, tecnologia e inovação (MCTI). Constitui-se em instituição de referência para o suporte contínuo de
processos de tomada de decisão sobre políticas e programas de ciência, tecnologia e inovação (CT&I). A
atuação do Centro está concentrada das áreas de prospecção, avaliação estratégica, informação e difusão
do conhecimento.
Presidente
Mariano Francisco Laplane
Diretor Executivo
Marcio de Miranda Santos
Diretores
Antonio Carlos Filgueira Galvão
Gerson Gomes
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Este estudo é parte integrante das atividades desenvolvidas no âmbito do Contrato Administrativo celebrado
entre o CGEE e a Agencia Nacional de Águas – ANA: Contrato Nº.110/ANA/2013
Todos os direitos reservados pelo Centro de Gestão e Estudos Estratégicos (CGEE). Os textos contidos
nesta publicação não poderão ser reproduzidos, transmitidos, ou citados a fonte.
iii
GOVERNANÇA NA GESTÃO DOS RECURSOS HÍDRICOS
Supervisão Antonio Carlos Filgueira Galvão
Líder do CGEE Antonio Rocha Magalhães
Francisco Lobato (consultor)
iv
Sumário
Introdução ____________________________________________________________ 1
1. Conceitos e Procedimentos Metodológicos a serem Aplicados para Avanços da
Governança na Gestão de Recursos Hídricos, Frente aos Diversos Setores
Usuários das Águas ____________________________________________________ 3
2. A Devida Coordenação Regulatória para a Definição de Objetivos e Metas
Conjuntas entre os Setores Usuários das Águas ____________________________ 8
2.1. A Importância de uma Regulação Independente, tendo em vista Interesses
Setoriais Particulares e Privados sobre os Recursos Hídricos _______________ 8
2.2. Proposta de um Procedimento Metodológico para Aplicar a Devida
Coordenação Regulatória _____________________________________________ 10
2.3. Descrição, com Dados e Informações Relacionadas aos Setores Usuários
das Águas __________________________________________________________ 17
2.3.1. Setor de Saneamento __________________________________________ 18
2.3.2. Setor de Energia Hidroelétrica ____________________________________ 23
2.3.3. Setor de Irrigação _____________________________________________ 27
2.3.4. Setor Industrial ________________________________________________ 30
2.3.5. Hidronavegação _______________________________________________ 34
3. Referências de Estratégias Institucionais para uma Execução mais Articulada e
Conjunta do Planejamento de Recursos Hídricos, junto com os Diferentes Setores
Usuários das Águas ___________________________________________________ 36
3.1. Referência da Estratégia Institucional proposta para uma Efetiva Execução
do Plano Nacional de Recursos Hídricos ________________________________ 36
3.2. A Referência Institucional do Arranjo Executivo do Programa InterÁguas _ 42
3.3. Outras Referências da ANA, em Favor de Avanços na Governança da Gestão
de Recursos Hídricos, Frente a Possíveis Mudanças Climáticas _____________ 44
4. Perguntas Finais a serem Respondidas _________________________________ 56
v
ANEXO I - Programa Produtor de Águas
ANEXO II - Programa Despoluição de Bacias Hidrográficas – PRODES
ANEXO III - Programa Nacional de Qualidade da Água – PNQA
ANEXO IV - Acordos de Cooperação Técnica com os Estados Federados,
com as Salas de Situação
ANEXO V - Cooperação Sul-Sul
1
Introdução
Considerando os diagnósticos e abordagens sobre os principais problemas
hídricos do Brasil, de acordo com seus diferentes perfis regionais (Relatório 01),
e, também, as proposições já formuladas para ajustes e novos avanços no
modelo de gestão vigente (Relatório 02), algumas voltadas a maior flexibilidade,
resiliência e formas adaptativas, este último Produto do trabalho em pauta
pretende chegar a certos detalhes e variáveis mais específicas aos diversos
setores usuários dos recursos hídricos, com destaque para uma forma voltada à
devida coordenação regulatória, especialmente para que sejam definidos
melhores indicadores, a serem considerados em conjunto, e uma possível
flexibilidade para as negociações e ajustes que devam ocorrer entre os diferentes
usos da água, em decorrência das possíveis mudanças climáticas previstas.
Dizendo de outra forma, mais resumida, já contando com abordagens sobre a
gestão da oferta, de acordo com os distintos perfis regionais do Brasil, entra em
pauta a devida gestão da demanda dos diversos setores usuários das águas, a
qual também deve considerar a gestão de conflitos, especialmente os que forem
advindos de possíveis mudanças do clima.
Neste sentido, o presente Relatório 03 apresentará descrições sobre os perfis
dos principais setores usuários das águas, com certas situações nas quais as
negociações entre usuários, com ajustes na alocação das águas, sejam as mais
benéficas possíveis, tanto para aspectos socioeconômicos quanto
hidroambientais. Ademais, com base nestas descrições, deverá conter algumas
recomendações que orientem a tomada de decisão de gestores em situações
críticas, inclusive daquelas que forem advindas de possíveis mudanças
climáticas.
Portanto, trata-se de um produto final e complementar, tendo em vista que, de um
lado, o Eixo V dos estudos relativos à Rede Água trata exatamente deste tema
sobre os setores usuários das águas, enquanto, de outro, o Relatório 02 do
presente Eixo IV, se apresenta como mais relevante, considerando-se o objetivo
da proposição de ajustes e adequações que propiciem novos e seguidos avanços
2
adaptativos sobre a Governança na gestão dos recursos hídricos, no contexto do
Plano Nacional de Adaptação a Mudanças Climáticas.
Assim, sob tal contexto, o presente Relatório 03 é então iniciado, no capítulo 01,
com certos conceitos e procedimentos metodológicos considerados como
relevantes, frente à existência de diversos setores usuários das águas, com
destaques para a já mencionada coordenação regulatória, para o planejamento
de recursos hídricos e para as devidas articulações verticais – entre as esferas
federativas do Brasil – e horizontais – entre as diversas entidades relacionadas
aos diferentes setores usuários das águas.
No capítulo 02, destaca-se a importância de uma regulação segura e
independente, frente a interesses particulares ou privados, chegando a detalhes
sobre os procedimentos metodológicos para a recomendada coordenação
regulatória, inclusive com uma listagem preliminar dos principais indicadores, os
quais devem ser considerados em conjunto e não vistos isoladamente.
Para que o perfil próprio a cada setor seja considerado, inclusive para a tomada
de decisão de gestores, especialmente em situações críticas, este capítulo 02 é
encerrado com descrições dos perfis e casos próprios aos principais setores
usuários das águas.
Na sequência, o capítulo 03 apresenta referências de estratégias institucionais
para uma execução mais articulada e conjunta do planejamento de recursos
hídricos, junto aos diferentes setores usuários das águas, iniciando com uma
proposta que foi formulada para o Plano Nacional de Recursos Hídricos, a ser
vista como bastante convergente com o arranjo institucional executivo do
Programa InterÁguas, até chegar às outras relevantes frentes de atuação da ANA.
Por fim, o documento é encerrado, no capítulo 04, com respostas resumidas aos
questionamentos que foram formulados pela Rede Espelho da ANA, a maioria dos
quais foi advinda de leituras dos Relatórios 01 e 02, anteriores.
3
1. Conceitos e Procedimentos Metodológicos a serem Aplicados para
Avanços da Governança na Gestão de Recursos Hídricos, Frente aos
Diversos Setores Usuários das Águas1
Como um primeiro conceito geral bastante relevante, é importante sublinhar que
outras frentes de trabalho, voltadas a eventuais ajustes e adequações dos
sistemas de gestão de recursos hídricos no Brasil – tanto no caso do SIGREH,
quanto de muitos dos SEGREHs –, devem ser consideradas sob uma ótica
articulada e conjunta com os presentes estudos, do Eixo IV da Rede Água,
voltado ao Plano Nacional de Adaptação a Mudanças Climáticas, notadamente no
caso de propostas para certas modificações institucionais e jurídico-legais, vez
que será bem mais realista e pragmático considerar o necessário processo de
abordagens e negociações políticas junto ao Congresso Nacional, para que
ocorra a desejada aprovação de propostas.
Em outras palavras, cumpre ressaltar que muitas das recomendações que estão
sendo elaboradas pelo presente trabalho do Eixo IV, voltado à Governança da
gestão de recursos hídricos, não devem considerar somente ou isoladamente as
adaptações a mudanças climáticas. Ao contrário, também devem considerar e
conceber em conjunto propostas para que os sistemas de gestão vigentes
(SINGREH e SEGREHs) tenham avanços mais amplos e consistentes em seu
conjunto, certamente com muitos deles voltados a mais resiliência, flexibilidade e
uma gestão mais adaptativa aos cenários de possíveis mudanças climáticas.
Sob tal conceito geral e já contando com abordagens (ver Relatório 02) sobre a
indispensável articulação vertical e ações mais conjuntas entre as esferas
federativas do Brasil – União, estados, Distrito Federal e municípios –, volta a
entrar em pauta a mencionada gestão integrada dos recursos hídricos (GIRH),
agora com maior ênfase e certos detalhes e variáveis relacionadas com seus
diversos setores usuários.
1 Fonte: Documento elaborado por Lobato da Costa, F.J., em 2011, em conjunto com a Agência
Nacional de Águas (ANA), sobre a Gestão Integrada de Recursos Hídricos e a Governança,
voltado ao 6º Fórum Mundial da Água, que ocorreu em março de 2012, em Marseille, na França.
4
Para tanto, cabe lembrar que, tal como já mencionado nos produtos anteriores, a
GIRH deve considerar suas variáveis supervenientes (meio ambiente e
desenvolvimento regional) e, também, suas variáveis intervenientes (os diversos
setores usuários, dentre outros, com maior ênfase para o saneamento básico, a
hidroeletricidade e as atividades produtivas da agropecuária, inclusive com seus
perímetros de irrigação, e da indústria, além da hidronavegação).
Sendo assim, tendo em vista que as abordagens sobre aspectos ambientais e de
desenvolvimento regional já constam no Relatório 01 (ver itens 2.3, p.24, e 2.4,
p.35), resta tratar de temas mais específicos relacionados aos setores usuários
das águas, tal como será apresentado na sequência.
Como um conceito muito relevante, deve-se sublinhar que a gestão de recursos
hídricos não deve ser vista como um setor isolado, mas sim sob uma ótica
transversal aos diversos usos das águas, superficiais ou subterrâneas.
Sob esta ótica, vista como fundamental e indispensável para uma efetiva gestão
dos recursos hídricos, torna-se importante reconhecer a complexidade do tema
em pauta. Com efeito, mesmo sob um consenso geral a respeito da importância
de conferir integração entre os setores usuários, ainda há muitas dificuldades e
restrições para que soluções concretas sejam efetivamente alcançadas. Em
muitos casos, a gestão integrada permanece apenas como retórica, sem que
muitos dos setores usuários das águas considerem e incorporem variáveis
advindas de outros segmentos relacionados aos recursos hídricos.
Portanto, cumpre reconhecer deficiências atuais e seguidos desafios para conferir
uma efetiva transversalidade à política de recursos hídricos, uma vez que a
disponibilidade hídrica, além de ser um dos elementos estruturantes para o
desenvolvimento regional e para a sustentabilidade ambiental, também deve
exercer a função de um fator relevante para a integração intersetorial, na
dimensão em que reflete os diversos processos de apropriação dos recursos
naturais, dadas suas múltiplas interfaces em cada bacia ou região hidrográfica.
Com isto posto, revela-se então a necessidade de uma atuação mais coordenada
sobre dois campos regulatórios importantes: (a) aquele mais amplo e transversal,
que abrange a temática ambiental e dos recursos hídricos; e, (b) dos setores
5
usuários, que apresentam seus aspectos operacionais mais específicos.
Ou seja, entende-se que, entre ambos, deve necessariamente ocorrer uma
coordenação regulatória (a qual será abordada no próximo capítulo), de modo a
manter uma coerência mútua entre metas e indicadores próprios a cada setor e
com as abordagens mais amplas, que são tratadas pela gestão ambiental e dos
recursos hídricos, sempre sujeitos a múltiplos impactos advindos de setores
usuários, além de outras crises que poderão ocorrer devido a mudanças
climáticas.
Enfim, sob o entendimento precedente é questionável que, sobretudo em bacias
ou regiões com elevada densidade urbana e grande dinâmica produtiva, as ações
a serem propostas possam restringir-se apenas àquelas de natureza setorial, até
mesmo a abordagens relacionadas ao meio ambiente, caso seja visto sob uma
ótica strictu sensu.
Ao contrário, mais apropriadamente, a gestão de recursos hídricos deve
perseguir, ainda que sob o formato de diretrizes que a conformem, a
compatibilidade possível com a natureza plena dos problemas próprios a cada
bacia ou região hidrográfica, até o limite de abrigar a complexidade de ações
integradas – sejam elas públicas e/ou privadas, voltadas ao desenvolvimento
regional ou à sustentabilidade do meio ambiente –, as quais se tornam peculiares
pelas questões relativas ao recurso água, por essa razão, exigindo instrumentos e
sistemáticas de gestão também peculiares a cada região-problema.
Com isto posto, no próximo capítulo, relacionado com a devida e recomendada
coordenação regulatória, serão feitas certas abordagens e descrições a respeito
de setores usuários das águas, como subsídios que propiciem uma
sistematização das etapas, dos atores e das metas e indicadores identificados
como necessários para uma regulação mais coordenada, eficaz e efetiva.
Como outro campo conceitual muito importante para a gestão das águas, a ser
estabelecido mediante um procedimento metodológico mais realista, consistente e
pragmático, deve-se avaliar a forma de planejamento dos recursos hídricos, frente
às efetivas intervenções que são empreendidas, no contexto presente, com a
maioria dos casos sempre ocorrendo sob uma forma setorial e isolada, pelos
6
diferentes segmentos usuários das águas.
De fato, no campo institucional próprio aos recursos hídricos ainda permanecem
certas lacunas a serem superadas para fins de um planejamento mais
consistente, que permita, além da indispensável gestão integrada das águas, uma
visualização mais conjunta sobre as perspectivas de cenários de médio e longo
prazo (tema do Eixo I dos estudos da Rede Água), os quais também devem ser
considerados para que ocorra um equacionamento mais seguro e continuado de
problemas e conflitos presentes.
Dizendo de outra forma, projeções de cenários relacionados às futuras
disponibilidades hídricas devem ser cruzadas com potenciais variações
adaptativas das demandas dos diversos setores usuários das águas, frente a
possíveis mudanças climáticas.
Mais do que isso, mesmo com muitos planos – tanto o nacional, quanto certos
planos estaduais e de bacias hidrográficas – já elaborados no País, persistem
significativas dificuldades para fins de sua efetiva implementação, que segue com
muita morosidade, em inúmeros casos, com distâncias entre os setores usuários,
que tendem a não atuar sob uma forma integrada e coordenada.
Neste sentido, apenas como uma referência geral, no caso do Brasil já foi
constatado que, em determinado exercício, apenas cerca de 5% dos
investimentos relacionadas aos recursos hídricos eram advindos do Ministério do
Meio Ambiente e de entidades a ele vinculadas – com destaque para a Agência
Nacional de Águas (ANA) –, enquanto algo como 95% estavam sendo
empreendidos por outros ministérios relacionados a setores usuários, sem as
devidas convergências e interações entre planos, programas e intervenções sobre
os recursos hídricos.
Com isto posto, nota-se que, por vezes, a GIRH pode apresentar maiores
dificuldades para articulações institucionais horizontais, ou seja, no mesmo nível
de governo, do que para articulações verticais, entre as diferentes esferas
federativas do Brasil.
Sob tal contexto, no capítulo 03 do presente Relatório 03 serão descritas
estratégias institucionais que podem propiciar uma forma mais articulada e
7
integrada entre os setores usuários das águas, notadamente no que diz respeito à
implementação de ações, intervenções e atividades relacionadas aos planos e
programas de recursos hídricos.
8
2. A Devida Coordenação Regulatória para a Definição de Objetivos e Metas
Conjuntas entre os Setores Usuários das Águas2
2.1. A Importância de uma Regulação Independente, tendo em vista
Interesses Setoriais Particulares e Privados sobre os Recursos Hídricos
Antes de chegar a mais detalhes e a dados estatísticos sobre os setores usuários
das águas, cabe sublinhar a importância de estabelecer uma devida regulação
independente, acompanhada pela indicação de certos procedimentos
metodológicos, tanto no que tange ao papel dos diferentes agentes privados,
quanto de diversas empresas públicas – sobretudo, voltadas à operação de
sistemas e de infraestruturas, por vezes em campos de monomercados –, vez
que estas também apresentam seus interesses particulares, por conseguinte,
demandando uma consideração muito próxima daquela aplicada sobre usuários
privados, requerendo assim suas atividades e serviços igualmente submetidos à
mesma regulação, em favor de uma atuação sustentável, em termos hídricos,
ambientais e socioeconômicos.
Expressando em outros termos, pode-se afirmar que, sem dúvidas, algumas
empresas estatais, ou de economia mista, com predominância e controle do
governo, também apresentam seus interesses particulares, inclusive em termos
setoriais, por conseguinte, devendo ser reguladas por entidades do Aparelho do
Estado, independentes do governo em mandato, notadamente no caso das
agências regulatórias, as quais devem ter seu quadro de diretores com mandatos
permanentes por certos períodos, ou seja, sem que venham a ser submetidos a
interesses próprios ao governo em plantão.
Com isto posto, uma vez que são os usuários – tanto privados, quanto públicos –
que interferem e impactam as águas, por certo que devem ser devidamente
regulados, além de assumirem certas adaptações e encargos em favor de uma
perspectiva mais sustentável, em termos hídricos, ambientais e socioeconômicos.
Esta afirmação cresce quando se pensa em possíveis mudanças climáticas, em
cujo contexto vários dos problemas podem crescer substantivamente.
2 Fonte: idem.
9
Inobstante esta importante atuação regulatória do Aparelho do Estado, cabe
lembrar que os sistemas de gestão vigentes no Brasil – tanto o SINGREH, quanto
os SEGREHs – abrem espaços para que diversos usuários participem de
instâncias coletivas decisórias (os conselhos e comitês de bacias hidrográficas),
expressando seus interesses para negociações e acordos coletivos, de modo a
convergir abordagens e interesses próprios com preocupações relacionadas a
variáveis sociais e, sobretudo, para uma sustentabilidade hídrica e ambiental.
Mesmo contanto com este contexto institucional de gestão coletiva, entende-se
que sempre caberá aos usuários propiciar uma crescente transparência quanto ao
seu comportamento hídrico e ambiental, assim, assegurando a realidade dos
dados e informações sobre suas atividades, como forma de atendimento às
demandas regulatórias advindas, sobretudo, do licenciamento ambiental e da
outorga para direito de uso da água, além de indicadores mais específicos
traçados para a prestação de serviços. Ou seja, contando com maior e crescente
qualidade em sua atuação em instâncias decisórias do sistema de gestão dos
recursos hídricos, a presença dos usuários poderá alcançar um maior peso
específico, apresentando a consequência de mais espaços para suas
contribuições em decisões dessas instâncias coletivas.
Com efeito, contando com um percentual de 40% assegurado para sua
representação em comitês de bacias – hoje, com mais de 200 já instalados no
Brasil –, torna-se evidente que a participação dos usuários das águas apresenta
um aspecto estratégico, inclusive para que ocorram negociações entre os próprios
setores usuários, com uma alocação mais inteligente das disponibilidades
hídricas, chegando até em variações sazonais e/ou advindas de possíveis
mudanças climáticas, sempre sob a consideração de menores impactos e a
definição das melhores alternativas para que a gestão das águas tenha mais
resiliência, flexibilidade e robustez adaptativa a novos cenários prospectivos.
Assim, esses espaços institucionais dos sistemas de gestão de recursos hídricos
(SINGREH e SEGREHs) propiciam o papel dos diversos stakeholders e sua
participação na gestão hídrica e em processos decisórios, com frentes de atuação
para que ocorram seguidos e continuados aprimoramentos voltados para uma boa
Governança da GIRH, por consequência, estabelecendo novas mediações entre o
10
Estado, representantes da sociedade civil e dos setores usuários, com base na
aplicação dos princípios de uma gestão descentralizada e participativa.
Voltando ao tema da regulação, não obstante a importância e o caráter inovador
de um sistema de gestão descentralizado e participativo, não se pode abrir mão
de atribuições próprias ao Estado, notadamente no que tange a encargos
regulatórios, que são exclusivos do Poder Público.
De fato, em casos específicos, um órgão gestor poderá até questionar e reverter
decisões advindas de comitês e conselhos, caso torne-se explícitos impactos
negativos sobre o meio ambiente e os recursos hídricos. Portanto, há uma
coordenação regulatória essencial a ser considerada, tanto no que concerne à
gestão ambiental com a dos recursos hídricos, quanto de ambas com os setores
usuários das águas.
2.2. Proposta de um Procedimento Metodológico para Aplicar a Devida
Coordenação Regulatória
Considerando os conceitos que foram apresentados, por certo que, em acréscimo
aos seus encargos e contribuições no contexto da gestão de recursos hídricos, a
atuação da ANA e dos órgãos estaduais correlatos deve ser devidamente
articulada e coerente com os órgãos regulatórios do meio ambiente, como o
IBAMA e seus órgãos estaduais correspondentes, para que não ocorram
inconsistências entre decisões e condicionantes advindos do licenciamento
ambiental e da outorga para uso da água.
Mais do que isso, tal como já mencionado, também deve ocorrer uma
coordenação regulatória entre o espaço hídrico e ambiental, que é mais amplo,
e aspectos específicos a cada setor usuário das águas.
Como um exemplo a respeito, sabe-se que a ANA deve tomar decisões coerentes
e conjuntas com a Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL) e com o
Operador Nacional do Sistema Interligado de Energia (ONS), notadamente no que
tange a operação de reservatórios de usinas hidroelétricas, cujos volumes
hídricos também devem considerar demandas de outros segmentos usuários das
águas, como perímetros de irrigação, controle de cheias e hidronavegação, além
da manutenção das vazões ecológicas necessárias. De forma similar, também
11
deve haver coerência entre indicadores advindos da ANA e órgãos regulatórios
próprios ao setor do saneamento, como a Agência de Saneamento e Energia do
Estado de São Paulo (ARSESP).
No entanto, a propósito desta desejada coordenação regulatória, cumpre
reconhecer que, muitas vezes, em políticas setoriais ainda predominam metas e
indicadores de cunho operacional – a exemplo do percentual da população a ser
atendida, da extensão de redes de distribuição de água e de coleta de esgotos,
dentre outras variáveis próprias ao setor de saneamento –, que devem ser
acrescidas e associadas a objetivos hídricos e ambientais, com vistas à promoção
de um planejamento mais integrado, o qual sempre deve abranger, de forma
intersetorial e interinstitucional, duas vertentes, a saber:
(i) primeiramente, uma ótica interna a cada setor usuário de recursos hídricos,
com suas especificidades técnicas e institucionais, tal como nos serviços de
água, esgotos, resíduos sólidos e drenagem, que pertencem ao setor de
saneamento; e,
(ii) em segundo lugar, sob uma abrangência mais ampla, as articulações com as
variáveis supervenientes e com múltiplos setores usuários de recursos
hídricos, junto aos quais deve-se participar de processos de negociação para
alocação das águas e medidas voltadas à proteção do meio ambiente e dos
corpos hídricos, inclusive em decorrência de possíveis mudanças climáticas.
Com efeito, sabe-se que há mútuos impactos e repercussões entre setores
usuários das águas – como o próprio saneamento, a irrigação, geração de
energia, produção industrial e exploração de minérios, dentre outros –, o que traz
em pauta o processo para uma efetiva gestão integrada dos recursos hídricos.
Sob tal abordagem, que extrapola a atual predominância de políticas setoriais,
surgem então algumas perguntas: como compatibilizar propostas locais e
setoriais, com as regionais e integradas? Quais os principais indicadores a serem
observados? No caso de possíveis mudanças climáticas, como os setores
usuários das águas deverão atuar, para que novos perfis de problemas e áreas de
risco adicionais venham a ser consistentemente tratadas, no mais das vezes, sob
a ótica de uma gestão mais adaptativa?
12
A este respeito, cumpre reconhecer que no planejamento de sistemas de
infraestrutura local predomina a preocupação com a prestação de serviços, ou
seja, com a factibilidade e operacionalização dos sistemas a serem instalados
e/ou ampliados. Sendo assim, o atual perfil predominante revela a existência de
regulações setoriais mais isoladas, com interesses específicos e sem uma visão
integrada para a gestão dos recursos hídricos.
Como um exemplo prático, salvo em alguns casos mais avançados, os Planos
Diretores Municipais e, mais especificamente, os indicadores do planejamento
urbano concentram-se em dados relacionados com a dimensão e taxas de
ocupação de terrenos, além do traçado das redes de vias e transportes, porém,
sem uma incorporação de metas e variáveis relacionadas à quantidade e
qualidade de corpos hídricos, além da elaboração de diagnósticos e de balanços
sobre problemas advindos da emissão de cargas, tendo como resultados a
identificação de áreas de risco e porções ambientalmente sensíveis do território.
Enfim, entende-se que os recursos hídricos devem ser assumidos como um dos
fatores fundamentais para a escolha de áreas de expansão urbana e da
localização de novos empreendimentos produtivos e de serviços, inclusive em
decorrência de possíveis mudanças climáticas, as quais tendem a elevar graus de
risco, notadamente em áreas urbanas desordenadamente ocupadas.
Por seu turno, quando entram em pauta aspectos regionais mais abrangentes –
não somente em pontos locais, mas também a montante e a jusante –, as
variáveis relacionadas ao meio ambiente e aos recursos hídricos tornam-se ainda
mais relevantes. Com efeito, sob tal contexto regional, sob uma ótica da chamada
“Economia Verde”, deve-se identificar as diversas fontes de poluição existentes,
que causam impactos ambientais e sobre os recursos hídricos, por consequência,
com a identificação dos limites de resultados das ações relacionadas aos
investimentos em serviços locais, vez que o somatório desses pontos pode
ultrapassar a capacidade regional de suporte do território.
Portanto, cabe aos usuários – privados e públicos –, sempre sob o predomínio de
seus interesses particulares, reconhecerem que problemas de qualidade e de
disponibilidade hídrica não estão relacionados somente a sistemas locais, a
13
exemplo do saneamento básico, mas também com todos os demais setores
usuários das águas, como cultivos irrigados e uso de agrotóxicos, produção
pecuária, indústrias e geração de energia hidroelétrica, dentre outros.
Com isto posto, o Quadro 2.1, apresentado a seguir, demonstra genericamente
como podem ser sistematizados objetivos e indicadores, partindo de aspectos
executivos, de operação e manutenção e da prestação de serviços e de
atividades produtivas, até chegar às abordagens hídrico-ambientais, sob a
pretendida coordenação regulatória. Os indicadores, apenas genericamente
apontados, referem-se aos usuários – privados e públicos – de recursos hídricos.
Quadro 2.1 – Sistematização das Etapas, Atores, Metas e Indicadores de
Setores Usuários das Águas
Sequência e
Objetivo Geral das
Etapas
Atores Previstos
Objetivos
Específicos
(frentes de trabalho)
Perfil dos
Indicadores
1ª
Construção e/ou
ampliação da
infraestrutura de
setores usuários
das águas
Empresas
contratadas
Operadores de
sistemas
Órgãos de meio
ambiente
Ministérios e suas
entidades (MINs)
Secretarias de
Estado (SEs)
Prefeituras
Municipais (PMs).
- projetos de
execução
- aprovação dos projetos
pelas PMs, SEs e/ou
pelos MINs
- licenciamento
ambiental
- licença prévia e de
instalação
- construção da
infraestrutura
- indicadores para cada
etapa da construção.
- instalação de
equipamentos.
- equipamentos para
iniciar operação dos
sistemas instalados.
2ª
Operação e
Manutenção da
Infraestrutura
instalada
Empresas e
Concessionárias
federais, estaduais
e/ou municipais
Empresas
produtivas e
operadores
privados.
- formas de produção
e/ou de prestação
adequada de serviços
- cobertura dos serviços,
a exemplo de água e
esgotos;
- produção agropecuária,
mineral e industrial;
- geração de energia;
- outros setores.
(segue...)
14
Quadro 2.1 – Sistematização das Etapas, Atores, Metas e Indicadores de
Setores Usuários das Águas
Sequência e
Objetivo Geral das
Etapas
Atores Previstos
Objetivos
Específicos
(frentes de trabalho)
Perfil dos
Indicadores
2ª
Operação e
Manutenção da
Infraestrutura
instalada
Empresas e
Concessionárias
federais, estaduais
e/ou municipais
Empresas
produtivas e
operadores
privados.
- viabilidade na
produção e na
prestação de serviços
- despesas de operação
e de produção;
- tarifas dos serviços
prestados;
- preços e demandas dos
produtos.
- O&M regular
- interrupções na
prestação de serviços
e/ou na produção, em
decorrência de
problemas na O&M.
3ª
Monitoramento e
ações para
regulação dos
serviços prestados e
de processos de
produção
Agências
Reguladoras de
Setores Usuários
(federais ou
estaduais)
Secretarias de
Saúde
Prefeituras
Municipais (com
eventuais agências
reguladoras
municipais)
- prestação adequada
dos serviços
- níveis justificados
das tarifas
- avanços na
eficiência dos
sistemas
- adequação e
avanços tecnológicos
em processos
produtivos
Indicadores básicos:
- cobertura do serviço;
- qualidade da
distribuição;
- índices de perdas e
níveis de eficiência na
produção.
Indicadores
complementares:
- extensão dos serviços;
- tarifas e preços médios;
- grau de endividamento
da empresa;
- níveis de investimentos
para expansão;
- interrupções nos
serviços e/ou na
produção;
- reclamações por
clientes.
(segue...)
15
Quadro 2.1 – Sistematização das Etapas, Atores, Metas e Indicadores de
Setores Usuários das Águas
Sequência e
Objetivo Geral das
Etapas
Atores Previstos
Objetivos
Específicos
(frentes de trabalho)
Perfil dos
Indicadores
4ª
Monitoramento dos
impactos e
resultados em
termos hídricos e
ambientais, além de
eventuais impactos
advindos de
mudanças
climáticas.
Órgãos gestores do
meio ambiente e/ou
dos recursos
hídricos, nas
escalas federal, dos
estados e dos
municípios.
Defesa Civil.
- rebatimento das
ações e da
infraestrutura
construída e operada,
nas escalas locais,
sub-regionais e
regional, incluindo
bacias hidrográficas.
- avanços na
definição de objetivos
e metas relacionados
aos resultados, em
termos hídricos e
ambientais, inclusive
frente a possíveis
mudanças climáticas.
- verificação da
consistência da rede de
monitoramento
pluviométrica, hidrológica
e de qualidade da água;
- indicadores
relacionados aos corpos
hídricos, como: OD,
DBO, coliformes, N, P,
cor, turbidez, sedimentos
e assoreamento,
pesticidas e metais
pesados, dentre outros;
- indicadores do meio
ambiente, a exemplo de
índices de gás efeito
estufa, dentre outros,
alguns relacionados a
questões climáticas.
Fonte: Documento elaborado por Lobato da Costa, F.J., em 2011, em conjunto com a ANA, sobre
a Gestão Integrada de Recursos Hídricos e a Governança, voltado ao 6º Fórum Mundial da Água,
com certas modificações voltadas ao trabalho sobre adaptação a mudanças climáticas.
Tendo a referência geral desses indicadores – os quais devem ser definidos para
todas as quatro etapas apresentadas e não apenas isoladamente para cada uma
delas –, cabe sublinhar a sua elevada importância, sempre contando com um
devido monitoramento, tendo em vista a necessidade indispensável de que sejam
identificadas as relações entre causas e efeitos que afetam os recursos hídricos e
ambientais, não somente para que se possa verificar sua mútua consistência,
como também, para que propostas de soluções sejam mais efetivas, em favor de
uma sustentabilidade mais segura, inclusive em decorrência de uma gestão mais
adaptativa em decorrência de possíveis mudanças climáticas.
Mais do que isto, cabe lembrar que muitos dos indicadores podem subsidiar
negociações e acordos entre os diferentes setores usuários das águas, como
16
também com a regulação hídrica e ambiental, sob uma ótica mais segura e
sustentável.
Em termos dessa visão mais integrada de gestão e tendo em vista a
recomendada coordenação regulatória, entra em pauta a seguinte pergunta:
será que os órgãos gestores do meio ambiente e dos recursos hídricos devem ser
institucionalmente fundidos?
Como resposta à intenção de promover a integração entre a gestão ambiental e
dos recursos hídricos, duas alternativas se colocam: (i) a fusão das instituições
que detenham responsabilidades regulatórias sobre a gestão ambiental e a dos
recursos hídricos; ou, (ii) a integração e mútua complementação entre
procedimentos de licenciamento ambiental e da emissão de outorgas para direito
de uso das águas.
Contando com tais alternativas, deve-se reconhecer que, de um lado, a eventual
fusão entre instituições, tal como já ocorreu no Espírito Santo (Instituto Estadual
do Meio Ambiente – IEMA) e, mais recentemente, no Rio de Janeiro (Instituo
Estadual do Ambiente – INEA) e na Bahia (Instituto Estadual do Meio Ambiente –
INEMA), não necessariamente integra os procedimentos entre licenciamentos
ambientais e a emissão de outorgas.
De fato, em trabalhos de 2007 esta deficiência foi constata no Espírito Santo
(IEMA), onde dados de ambos os processos não eram cruzados e comparados
entre si, por vezes com significativas divergências, embora a integração entre os
procedimentos tenha sido mais bem empreendida no Rio de Janeiro.
Por outro lado, em Minas Gerais, embora os órgãos gestores do meio ambiente
(Fundação Estadual do Meio Ambiente – FEAM) e dos recursos hídricos (Instituto
Mineiro de Gestão das Águas – IGAM) continuem institucionalmente separados,
ocorreu uma efetiva integração entre os processos de licenciamento ambiental e
de emissão de outorgas, os quais passaram a fazer parte de um procedimento
unificado, fato que não demanda seguidas emissões e entregas de documentos
em procedimentos sempre muito burocráticos, além de propiciar a identificação de
convergências indispensáveis entre dados e informações que subsidiam ambos
os processos em pauta.
17
Contando com estas abordagens, pode-se, então, recomendar que a tomada de
decisões de gestores, notadamente frente a situações mais críticas, inclusive em
decorrência de possíveis mudanças climáticas, considere tanto as repercussões e
impactos críticos mais locais, quanto variáveis e aspectos mais amplos e
regionais, que devem ser considerados em termos hídricos, ambientais e
socioeconômicos – com certa ênfase para as relações entre benefícios e custos
(B/C) para a sociedade –, não somente sob as perspectivas mais presentes,
como também sob a ótica de cenários prospectivos de desenvolvimento.
Com isto posto, percebe-se que os gestores devem colocar em pauta muitas das
variáveis indicadas pelo Quadro 2.1, assim cruzando aspectos operacionais mais
específicos com outros relacionados à dinâmica socioeconômica regional e,
principalmente, suas respectivas repercussões em termos da sustentabilidade
hídrica e ambiental.
2.3. Descrição, com Dados e Informações Relacionadas aos Setores
Usuários das Águas3
Chega-se, agora, à possível identificação das principais frentes de atuação junto
aos setores usuários das águas. Neste sentido, não caberia uma limitação
somente às áreas críticas que forem mapeadas. Ao contrário, uma atuação
voltada a novos avanços da Governança na gestão de recursos hídricos também
deve ocorrer sob outros aspectos e variáveis significativas associadas ao perfil
dos diferentes setores usuários, sejam os atores privados ou públicos, inclusive
em decorrência de que muitos dos conflitos surgem relacionados a usos múltiplos
das águas, alguns mesmo sem que ocorram demandas consuntivas, a exemplo
da geração hidroelétrica e da hidronavegação.
Mesmo nestes casos, no mais das vezes considerados como usos não
consuntivos, frente a possíveis mudanças climáticas os reservatórios de usinas
hidroelétricas devem ter seus balanços hídricos considerando os efeitos de
evapotranspirações, portanto, como um certo uso consuntivo.
3 Fonte: Recursos Hídricos e a Economia Verde – Setor Privado, elaborado por Lobato da Costa,
F.J, publicado pela Fundação Brasileira do Desenvolvimento Sustentável (2012) para o Rio + 20.
18
Assim, percebe-se que a gestão de recursos hídricos deve chegar a muitos dos
aspectos próprios e específicos a cada setor, para que muitas das variáveis que
entrarem em pauta possam ser abordadas sob uma forma mais consistente,
inclusive para fins de negociações que afetem os múltiplos usos de recursos
hídricos. Seguem, portanto, abordagens próprias sobre os setores usuários das
águas.
2.3.1. Setor de Saneamento
Em termos gerais, o setor de saneamento abrange o abastecimento de água
potável, a coleta e o tratamento de esgotos sanitários, a drenagem e a coleta e
disposição final de resíduos sólidos.
Abastecimento de Água
Este serviço de saneamento, por certo, é dos mais relevantes, inclusive em
decorrência de sua prioridade no uso das águas, tal como consta na legislação
nacional de recursos hídricos, tendo em vista a saúde pública.
No presente, o Brasil já alcançou um percentual de atendimento da ordem de
94,7% da população urbana, portanto, estando próximo à universalização no
abastecimento de água potável em cidades. Estima-se, segundo publicado no
Atlas Brasil – Abastecimento Urbano de Água (ANA, 2011), que são necessários
investimentos de cerca de R$ 22,5 bilhões para que ocorra a universalização,
prevista para o ano de 2025.
Contudo, pensando em favor de avanços da Governança na gestão de recursos
hídricos, tendo em vista as possíveis mudanças climáticas previstas, isto não
significa que esteja em pauta apenas a universalização desse serviço, inclusive
face ao fenômeno observado, neste ano de 2014, na Região Metropolitana de
São Paulo, que apresenta graves problemas decorrentes da falta de chuvas,
portanto, com uma elevada probabilidade dessa população urbana, que já supera
20 milhões de moradores, ficar submetida a um racionamento.
Por conseguinte, frente a mudanças climáticas, também se deve pensar sobre
uma gestão mais adaptativa a situações críticas, que tendem a ocorrer mais
vezes, além de sublinhar a necessidade de mais atendimento à população rural,
19
especialmente no caso de comunidades dispersas do semiárido brasileiro, as
quais poderão subir suas repetidas situações com falta de abastecimento de
água.
Sob este novo contexto, advindo de possíveis mudanças do clima, também passa
a ser mais significativo reconhecer que existem níveis inadequados de utilização
em sistemas de abastecimento, nos quais os índices de perdas de água chegam
a uma média nacional superior a 45%.
De fato, seja pelas perdas físicas – por rompimentos e vazamentos nas redes de
distribuição, além de outros problemas operacionais, como o controle sobre a
pressão nos encanamentos –, ou pelas perdas financeiras – advindas de ligações
clandestinas e de baixos índices de micromedição –, há grandes espaços para
que tal índice de perdas seja progressivamente reduzido, até chegar ao redor de,
no máximo, 20 a 25%. Em países de primeiro mundo, este percentual encontra-se
abaixo de 15%, em alguns casos excepcionais, já estando na ordem 6 a 8%.
Em acréscimo, no contexto de planos diretores municipais e dos planos de
recursos hídricos de bacias hidrográficas, devem ser destacadas intervenções
com vistas à proteção de mananciais de abastecimento, não somente para
assegurar quantidade e qualidade adequada, mas também para que custos
associados à busca de água a longas distâncias sejam evitados.
No que concerne ao perfil dos prestadores de serviços, há o predomínio das
concessionárias estaduais de saneamento, a exemplo da SABESP, em São
Paulo, da COPASA, em Minas Gerais, e da SANEPAR, no Paraná, dentre todas
as demais dos estados da federação. Estas empresas de economia mista, que
seguem sob o controle majoritário dos governos estaduais, atendem a mais de
80% da população brasileira, em alguns estados com a prestação de serviços em
quase todas as cidades.
Outro perfil relevante é de serviços municipais autônomos, que atendem alguns
municípios de porte significativo, a exemplo de Campinas, onde atua a SANASA.
Já em cidades de menor porte, o saneamento segue com a predominância de
departamentos municipais.
Por fim, a partir do início dos anos 1990 e, mais recentemente, depois da
20
promulgação da Lei Federal nº 11.445, em 2007, que trata da Política Nacional de
Saneamento, ocorreu um incentivo maior à prestação de serviços por empresas
privadas, em boa medida, por conta das demandas para que os aportes de
expansão fossem viabilizados.
No presente, apresentando o Estado de São Paulo como exemplo, dentre os seus
645 municípios, a SABESP atende a 384, com empresas privadas tendo 229
contratos vigentes, alguns parciais (somente água ou esgotos) e outros
completos, para ambos os serviços.
Como última observação sobre sistemas de abastecimento de água, tendo em
vista possíveis cenários de mudanças climáticas, por certo que os operadores de
sistemas devem considerar formas de atuação mais seguras, com adaptações a
períodos críticos, os quais poderão demandar metas mais avançadas para a
redução de perdas, usos mais efetivos e, até, adequações de volumes de
captação advindos da emissão de outorgas, os quais tendem a ser modificados
em períodos de crises pluviométricas, tal como está ocorrendo neste ano.
Muitos outros detalhes e abordagens a respeito devem constar nos estudos mais
especializados do Eixo II, sobre dados e informações, do Eixo III, referente aos
instrumentos de gestão das águas e, também, do Eixo V, com foco nos múltiplos
setores usuários das águas, sob uma ótica de que todos estes Eixos da Rede
Água sejam coerentes, próximos e complementares entre si.
Coleta e Tratamento de Esgotos Sanitários
No que tange aos sistemas de esgotamento sanitário, devido aos baixos índices
de atendimento no Brasil, são muito expressivos os impactos sobre os recursos
hídricos, fato que destaca este segmento como uma das principais frentes de
investimentos e de intervenções estruturais, rumo a aspectos de sustentabilidade
hídrica e ambiental.
Com efeito, no presente, perto de 62% da população urbana brasileira conta com
a coleta de esgotos sanitários, sendo que apenas cerca de 50% das vazões
coletadas recebem o devido tratamento; ou seja, apenas cerca de 1/3 da
população das cidades tem seus esgotos tratados, sem que se chegue a
questionar a efetividade e o percentual de remoção das cargas poluidoras.
21
Por essa razão, muitos dos mapas anualmente divulgados pela ANA, na
Conjuntura de Recursos Hídricos, sublinham as áreas do País com a população
mais concentrada, como sendo críticas em relação à oferta hídrica, sempre
exigindo uma qualidade necessária.
Como referência, segundo o já mencionado Atlas Brasil – Abastecimento Urbano
de Água, apenas para que mananciais de abastecimento sejam protegidos, até
2025 estima-se que serão necessários aportes da ordem de R$ 47,8 bilhões,
voltados a ampliar a coleta e o tratamento de esgotos, localizados a montante dos
pontos de captação de cidades, também estando incluída, em tais investimentos,
a proteção de águas subterrâneas, das quais muitas das cidades brasileiras são
dependentes.
No que se refere ao perfil dos prestadores de serviços, pode-se repetir o que já foi
mencionado no tópico anterior, do abastecimento de água, apenas com uma
diferença pontual, qual seja, a de que os serviços para tratamento de esgotos
contam com maior contribuição por parte de empresas privadas.
Enfim, postos estes subsídios antecedentes sobre os serviços de água e esgotos,
torna-se evidente que este segmento apresenta um impacto importante sobre o
uso e a poluição de recursos hídricos, seguindo sob uma atuação majoritária de
empresas sob o domínio público.
Ou seja, mesmo sem o predomínio de agentes privados, este importante setor
usuário das águas deve ser devidamente regulado por agências estatais
independentes, além de estar presente e com uma participação muito substantiva
nas instâncias coletivas dos sistemas de gestão vigentes no Brasil (SINGREH e
SEGREHs), passando a assumir seus encargos e responsabilidades quanto à
proteção dos recursos hídricos e, notadamente, para que planos de bacias sejam
efetivamente implementados, quer seja em suas frentes executivas advindas de
demandas regulatórias, ou em novos trabalhos decorrentes de possíveis
mudanças climáticas, que tendem a elevar, em muitos casos, conflitos entre os
usos múltiplos das águas.
Com efeito, sabe-se que, na maioria dos planos de bacias, entre 60 a 70% dos
investimentos são destinados à coleta e tratamento de esgotos sanitários e ao
22
abastecimento de água potável, o que significa que prestadores de serviços de
saneamento, privados ou públicos, são essenciais para que o País caminhe rumo
a uma sustentabilidade mais consistente, notadamente considerando perspectivas
de mudanças climáticas, as quais devem demandar novos comportamentos de
prestadores de serviços de água e esgotos, os quais devem adaptar-se a
períodos mais frequentes de eventos críticos.
Drenagem
Em relação à drenagem, também sob a competência dos municípios, predominam
problemas locais de microdrenagem, no mais das vezes, por conta da ocupação
inadequada de áreas de risco, como à beira de rios e córregos e de encostas
sujeitas a deslizamentos, com ênfase sobre a crescente impermeabilização do
solo em cidades, fatos que geram sérios riscos de segurança e graves acidentes,
hoje muito comuns, sobretudo na maioria das capitais e aglomerações urbanas do
País.
Sob uma perspectiva regional mais abrangente, entram em pauta problemas de
macrodrenagem, cujo equacionamento deve ocorrer com uma gestão mais ampla
dos rios, podendo chegar a demandas para a construção de reservatórios
voltados à regularização de vazões. Trata-se, portanto, de um dos temas
relacionados aos planos de bacias hidrográficas, os quais, em certos casos de
sistemas de gestão mais adaptativos, devem chegar a certas frentes de ação
voltadas a reassentamentos involuntários de famílias e comunidades localizadas
em áreas de risco, para que eventos críticos não cheguem a afetá-las tão
gravemente.
Na prática, isto significa que, por exemplo, a operação de reservatórios de usinas
hidroelétricas também deve considerar os riscos de inundações nas cidades a
jusante, portanto, voltando a entrar em pauta a destacada GIRH. Em outras
palavras, as usinas não devem operar seus reservatórios apenas para otimizar a
geração de energia, mas também para atender a outros usos e demandas de
gestão das águas.
Resíduos Sólidos
Quanto aos resíduos sólidos, suas relações com a gestão de recursos hídricos
23
referem-se à disposição final adequada e à coleta e limpeza em cidades, para que
os resíduos não interfiram negativamente na qualidade dos corpos hídricos, em
geral, por conta de cargas negativas advindas de lixões (chorume) e, inclusive,
das interrupções que causam em redes de drenagem, impedindo a passagem das
vazões e elevando cheias e inundações.
Estes serviços estão sob a titularidade dos municípios que, na maioria absoluta
dos casos, atuam mediante departamentos próprios e a contratação de serviços
terceirizados, sempre sob um ponto de vista exclusivamente local, deixando de
considerar o contexto da bacia hidrográfica onde estão localizados, ou seja, sem
atenção a seus impactos nas águas locais e a jusante.
Portanto, rumo a uma sustentabilidade mais consistente dos recursos hídricos, os
serviços de resíduos sólidos, mesmo que não se apresentem como usuários
diretos das águas, devem ser considerados e abordados no contexto de planos
de bacias hidrográficas, para que ocorra a já mencionada identificação das
relações entre causas e efeitos que afetam os recursos hídricos.
Considerando as possíveis mudanças climáticas e a elevação de áreas e de
períodos de riscos, estes serviços seguem na pauta de sistemas de gestão das
águas, vez que se mostram como variáveis intervenientes sobre o comportamento
de corpos hídricos, por consequência, demandado ajustes para coletas mais
efetivas e, também, para sua disposição final adequada, inclusive sob uma ótica
regional, sob a qual podem ser instalados aterros sanitários intermunicipais.
2.3.2. Setor de Energia Hidroelétrica
Muitos dos países, inclusive os mais avançados da União Europeia, ainda
dependem largamente da produção de energia com base em termoelétricas,
principalmente com uso de carvão – portanto, com elevados níveis de emissão de
CO2 –, ou também de usinas nucleares, ainda que alguns tenham adotado
iniciativas importantes, a exemplo da Alemanha, para ampliar a geração de
energias reconhecidas como mais sustentáveis, tais como a eólica e a solar,
dentre outras alternativas mais “limpas”, rumo à chamada Economia Verde e
sustentável.
24
No caso do Brasil, há uma significativa diferença a respeito de sua matriz
energética, com nada menos de 84.294 MW provenientes da hidroeletricidade
(montante estimado no final de 2012), equivalentes a cerca de 70% do total
instalado, que chegou a 121.106 MW (também no final de 2012), segundo dados
que constam na Conjuntura de Recursos Hídricos (ANA, 2013), tendo como fonte
de dados o Plano Decenal de Expansão de Energia – 2012/20214.
Mesmo assim, por certo que não se deve deixar de reconhecer os impactos
socioambientais que são causados pela construção de barragens e reservatórios,
notadamente aqueles de grande porte, que inundam elevadas áreas e demandam
a realocação de comunidades, até de núcleos de moradores de pequenas
cidades, além da inundação de áreas de preservação, afetando aspectos
ambientais e biológicos.
Contudo, desde que as medidas para restrições e para a compensação dos
impactos sejam tomadas, além da escolha adequada dos pontos onde tais
empreendimentos possam ser instalados, a geração de hidroeletricidade também
deve ser vista como uma energia “limpa”, muito diferenciada de termoelétricas à
base de carvão.
A este respeito, as usinas já instaladas no Brasil representam perto de apenas
35% de todo o potencial hidroelétrico, estimado em nada menos do que 250 GW
de energia, com expectativas de que sejam alcançados 117 GW em operação, até
o ano de 2021, também segundo dados do Plano Decenal de Expansão de
Energia – 2012/2021.
Com efeito, sabe-se que grandes empreendimentos, a partir dos últimos anos
localizados na região Amazônica – tais como as Usinas de Santo Antônio e do
Jirau, ambas no Rio Madeira, e de Belo Monte, no Rio Xingu –, devem elevar
substantivamente a capacidade instalada no País, tendo como seus benefícios a
redução de riscos na falta de energia, por vezes devido a períodos sazonais e
plurianuais com níveis mais baixos de pluviometria.
4 Fonte: Empresa de Pesquisa Energética (EPE), vinculada ao Ministério de Minas e Energia
(MME), com o Plano Decenal de Energia 2012-2021, ainda em elaboração, no ano de 2012.
25
A propósito desses riscos da falta de energia, no ano presente (2014) torna-se
evidente que o País encontra-se sob um significativo grau de problemas devido a
alterações climáticas, com ênfase para a falta de chuvas sobre a região sudeste,
na qual se encontram instaladas muitas das principais usinas hidroelétricas do
Brasil.
Sobre este caso, cabe lembrar que, nos anos anteriores, mais de 90% da energia
efetivamente fornecida foi proveniente da hidroeletricidade, com as termoelétricas
existentes – a maioria delas construída em meados da década de 2000 – atuando
apenas de forma complementar, enquanto no presente (2014), a falta de volumes
em reservatórios tem demandado um funcionamento continuado e total das
termoelétricas, sem as quais, por certo, as usinas hidroelétricas não teriam
condições de atender às demandas de energia do País.
Em decorrência deste quadro atual, os custos para a geração de energia têm
aumentado bastante, vez que as termoelétricas se apresentam como bem mais
caras do que as hidroelétricas.
Contando com tais subsídios, é importante registrar que a Carta de Maceió,
referente ao XIX Simpósio Brasileiro de Recursos Hídricos, que ocorreu entre 27
de novembro e 02 de dezembro de 2011, dentre as suas recomendações,
apresenta as seguintes, litteris:
não considerar somente a abordagem da água como
recurso natural do meio ambiente, mas também sua
essencialidade como recurso fundamental para o
desenvolvimento econômico e social; e,
as abordagens e intervenções estruturais
relacionadas a uma maior segurança hídrica,
inclusive em decorrência de mudanças climáticas e
de eventos críticos de escassez e de cheias,
necessariamente envolvendo armazenamento hídrico.
(destaques negritados)
Percebe-se, portanto, que a Carta de Maceió ressalta o potencial de utilização
das águas para um desenvolvimento mais seguro e sustentável, sem um
abandono da construção de infraestruturas hidráulicas que colaborem para
26
armazenamentos e regularização de vazões, notadamente quando da ocorrência
de eventos críticos, os quais têm sido mais frequentes em decorrência de
possíveis mudanças climáticas.
Ademais, no que tange à GIRH, inúmeras vezes já sublinhada como fundamental
para uma gestão sustentável das águas, o setor de geração de energia deve
incorporar condicionantes, no contexto das atribuições institucionais do Operador
Nacional do Sistema Interligado de Energia (ONS), para que os despachos que
são emitidos aos operadores de usinas hidroelétricas também considerem os
demais usos de recursos hídricos, além da necessária adaptação a possíveis
mudanças climáticas, portanto, com medidas voltadas a controle de cheias,
regularização de vazões e demandas a jusante para abastecimento de água,
irrigação e hidronavegação, dentre outros usos potenciais.
Em outras palavras, é importante lembrar que a operação de reservatórios de
usinas hidroelétricas não deve ser determinada isoladamente e por interesses
exclusivos, mas sim, pelas respostas aos despachos emitidos pelo ONS, que tem
firmado acordos com a Agência Nacional de Águas (ANA), caminhando rumo ao
atendimento de condicionantes relacionados à GIRH.
Como outro elemento relevante em favor da geração de hidroeletricidade,
comparativamente com outras alternativas, entram em pauta os custos médios
por KWs gerados no Brasil, segundo os valores que seguem:
Hidroelétricas..............................................................US$ 65,00/KW
Energia Eólica.............................................................US$ 80,00/KW
Termoelétricas............................................................US$ 120,00/KW
Energia Solar.............................................................US$ 170,00/KW
Usinas Nucleares.......................................................US$ 280,00/KW
Pelos valores dispostos – alguns com elevadas variações junto à média
apresentada –, considerando o potencial ainda não explorado no Brasil, torna-se
evidente que, por certo, a geração hidroelétrica seguirá como a principal fonte de
energia do País, sem deixar o atendimento devido às restrições e atribuições
advindas dos impactos de seus reservatórios e a consideração de formas
27
operacionais voltadas a adaptação a cenários previstos de possíveis mudanças
do clima.
Sob tal entendimento, é importante reconhecer que deve ser aplicado um maior
rigor para a instalação de barragens e suas respectivas infraestruturas devidas,
notadamente com base nos Estudos de Impactos Ambientais (EIAs) e seus
respectivos Relatórios (RIMAs), tendo como referência negativa a instalação da
Usina de Balbina, na Amazônia, a qual teve seu início operacional em 1989, vista
com muitos problemas decorrentes da elevada área florestal inundada pelo
reservatório, com nível um tanto baixo da barragem e da energia gerada, além da
falta de preocupações e abordagens consistentes sobre os impactos ambientais
que foram causados.
Por fim, cabem algumas observações a respeito do perfil dos operadores de
usinas hidroelétricas, lembrando também das pequenas centrais (PCHs), que
geram energia sem reservatórios, com base nas vazões naturais.
De forma diferente do setor saneamento, na geração de energia há um equilíbrio
maior entre operadores privados e empresas de economia mista, que ainda
seguem sob o controle de governos dos estados federativos. Com efeito, além de
contar com empresas privadas como a Light, a Duke Energy e a Tractebel
Energia, algumas das antigas estatais foram privatizadas, com outras mantidas
por alguns estados, a exemplo da Cemig, em Minas Gerais, e da Copel, no
Paraná.
De modo independente do perfil privado ou público, cabe novamente lembrar que
tais empresas operam em resposta aos despachos do ONS, fato que significa
uma relativa igualdade entre as diferentes empresas, sempre com vistas à
otimização do Sistema Interligado Nacional (SIN), além de incentivos continuados
a inversões por parte de empresários privados, sem deixar o Estado com a
responsabilidade única de expandir a geração de energia no Brasil.
2.3.3. Setor de Irrigação
Dentre os usos consuntivos de água, o setor da agricultura irrigada é o maior do
Brasil, no presente já correspondendo a cerca de 65% do total, enquanto o
28
abastecimento público responde por volta de 19% e o consumo industrial por
16%.
No entanto, cabe ressaltar que há diferenças significativas entre os percentuais
consumidos nos estados da federação, com o Rio Grande do Sul concentrando
nada menos do que 83,5% por irrigação, com 6,2% para abastecimento humano e
10,3% pelo setor industrial, enquanto o Estado de São Paulo apresenta 41,2%
pela agricultura irrigada, 32,0% para o abastecimento público e 26,8% para a
indústria.
Ademais, há diferentes perfis regionais no contexto do próprio setor, com o Rio
Grande do Sul concentrando perto de 1,2 milhões de hectares para cultivos de
arroz por inundação, dentre o total da ordem estimada, para 2012, de 5,8 milhões
de hectares em áreas de produção agrícola irrigada, que corresponde a 19,6% do
potencial nacional previsto, o qual poderá chegar a 29,6 milhões de hectares
(IBGE, 2009).
Além do Rio Grande do Sul, a irrigação também aparece como bastante
significativa para a produção agrícola no semiárido brasileiro, notadamente a
partir da porção média da bacia do Rio São Francisco e no interior de estados
como Pernambuco e Paraíba, além da irrigação ter se expandido, durante as
décadas de 1990 e de 2000, na região centro-oeste, nos estados do Mato Grosso,
Mato Grosso do Sul, Goiás e Tocantins, em decorrência da expansão das
fronteiras agrícolas, com ênfase em plantios de grãos, como a soja, tal como já
consta, em maiores detalhes, no Relatório 01.
A respeito de todos os cultivos irrigados, considerando a mencionada estimativa
do IBGE, de que o País tenha uma área potencial de até 29,6 milhões de hectares
– ainda sem abordagens mais próprias, em decorrência de possíveis mudanças
climáticas –, percebe-se uma tendência de seguidos e crescentes avanços das
áreas irrigadas, ao longo dos próximos anos.
Com efeito, mais recentemente, a partir de meados dos anos 2000, verificou-se
uma larga expansão de cultivos de cana-de-açúcar, relacionada à elevação dos
preços do petróleo e, por consequência, da maior competitividade por parte dos
biocombustíveis. Sob tal expansão, o Estado de São Paulo foi tomado por essa
29
produção, sempre associada a usinas sucroalcooleiras, até que houve ampliação
rumo ao noroeste do Paraná, leste do Mato Grosso do Sul, centro-sul de Goiás e
no sudoeste e oeste de Minas Gerais, onde o Triângulo Mineiro tem sido ocupado
por tal segmento produtivo, com sua produção pecuária seguindo rumo ao norte
do País.
A propósito, o Mapa 2.1, apresentado a seguir, com base em imagem de satélite
de 2009, confirma esta tendência, demonstrando que, em cenários prospectivos
de desenvolvimento, devem subir as demandas por cultivos irrigados de cana-de-
açúcar, em decorrência da ocupação de áreas que apresentam variações
sazonais de pluviometria, notadamente ao noroeste e ao norte de Minas Gerais.
Mapa 2.1 – Área com Produção de Cana-de-Açúcar, nos Estados de São Paulo,
Paraná, Minas Gerais, Goiás e Mato Grosso do Sul (Safra - 2008/2009)
Fonte: CANASAT (2009)
Mais especificamente quanto às tecnologias de irrigação, de acordo com dados
do IBGE (2009), ainda perto de 21% dos cultivos continuam por inundação
(sobretudo, arroz, no Rio Grande do Sul), com perto de 20% por pivôs centrais,
7,0 % por sulcos, 35% com outros métodos de aspersão e 17% com métodos
30
mais localizados e com “molhação” ou outras alternativas possíveis.
Quanto ao perfil predominante dos usuários de recursos hídricos neste setor de
irrigação, no presente há um elevado predomínio de empreendedores privados,
sobretudo nas regiões sul, sudeste e centro-oeste do País, com o nordeste
mantendo projeto de perímetros que ainda seguem administrados por empresas
públicas, notadamente a Companhia de Desenvolvimento do Vale do São
Francisco (CODEVASF) e o Departamento Nacional de Obras Contra as Secas
(DNOCS). De fato, segundo dados que constam na Conjuntura de Recursos
Hídricos (ANA, 2013), as iniciativas privadas atualmente respondem por 96,6%
das áreas irrigadas, enquanto apenas 3,4% estão contempladas em perímetros
públicos de irrigação.
Por fim, cabe ressaltar que, certamente, os perímetros de irrigação devem estar
sujeitos a uma devida regulação, sobretudo em decorrência da necessidade de
mais adaptação e flexibilidade frente a possíveis mudanças climáticas, além do
reconhecimento de seus impactos hídricos e ambientais. Portanto, caberá uma
aplicação mais firme dos instrumentos de gestão, não somente para que sejam
cadastrados e recebam as outorgas, de acordo com as disponibilidades hídricas
existentes e/ou previstas, sujeitas a variações sazonais ou plurianuais, mas
também, para que paguem pelo uso da água, com vistas à indução de maior
eficiência na utilização de recursos hídricos.
Um bom exemplo a respeito foi conferido pelo Projeto do Jaíba, perímetro irrigado
ao norte de Minas Gerais, que inicialmente solicitou e obteve uma outorga com
nada menos do que 40 m3/s. Depois de aprovada e na perspectiva de pagar pela
cobrança pelo uso da água na bacia do rio São Francisco, o empreendimento
revisou sua demanda, baixando para 18 m3/s, portanto, de acordo com sua
demanda efetivamente aplicada, para que não houvesse um pagamento mais
elevado.
2.3.4. Setor Industrial
Devido à sua grande amplitude e diversidade de produtos e de tecnologias
aplicadas, além das diferentes condições regionais e urbanas, o setor industrial
pode apresentar, de acordo com o perfil e a localização de seus inúmeros
31
empreendimentos, distintas condições para adaptação a mudanças climáticas,
tanto no que concerne à captação de água, quanto a usos consuntivos e ao
lançamento de efluentes.
No caso do abastecimento de água para o setor industrial, pode estar sendo
fornecido por prestadores de serviços de saneamento ou mediante captações
diretas em corpos hídricos, superficiais e/ou subterrâneos, segundo a localização
e disponibilidades regionais de recursos hídricos e das infraestruturas existentes.
Já em relação ao lançamento de efluentes, caso existam redes apropriadas de
esgotamento, por óbvio que ocorrerá o devido pagamento de tarifas, porém, em
muitas situações, com a emissão direta de cargas industriais em corpos hídricos,
por vezes, sem as restrições que devem ser estabelecidas pelo licenciamento
ambiental e pela própria outorga para o lançamento de cargas em rios e córregos,
fato que sempre tem causado diversos e significativos impactos sobre os recursos
hídricos, os quais devem ser bem mais considerados pelo setor industrial frente a
possíveis mudanças climáticas.
No caso de receber a prestação de serviços de água e de esgotamento sanitário,
o empreendimento de uma indústria não deve ser considerado como usuário de
recursos hídricos, mas sim como consumidor da operadora de saneamento. Ou
seja, neste caso, a indústria não precisa de outorga, com o real usuário sendo o
operador do sistema de saneamento. Por outro lado, caso haja captação direta
e/ou o lançamento de cargas, as indústrias terão que receber as correspondentes
outorgas, sendo então caracterizadas como usuárias de recursos hídricos.
Estas possibilidades ocorrem de acordo com as condições existentes em cada
cidade e região, sem que se deixe de considerar a necessidade de que sejam
incentivados, em todos os casos, seguidos avanços tecnológicos rumo a uma
sustentabilidade mais ampla e consistente, notadamente em decorrência de
possíveis mudanças climáticas, fato que também tenderá a reduzir a demanda
por água dos consumidores industriais, evitando assim muitos dos conflitos que,
no presente, ocorrem frente a outros setores usuários das águas.
Mais especificamente a respeito dos segmentos que compõem o setor industrial,
pode-se afirmar que os maiores usuários com demandas para uso da água são os
32
seguintes: a produção de alimentos, a indústria têxtil, a mineração, a siderurgia,
fábricas de papel e celulose, a indústria de petróleo e derivados, além de
empreendimentos voltados a produtos químicos.
Em decorrência do perfil destes segmentos industriais, os seus empreendimentos
tendem a não se localizar internamente em núcleos urbanos, portanto, com a
maioria adotando captações e lançamentos próprios, ainda que estejam próximas
ou em periferias de grandes aglomerações urbanas e de regiões metropolitanas,
por vezes, em função de variáveis relacionadas com facilidades para transporte,
acesso a mercados de exportação ou facilidade na prestação de serviços gerais
demandados para a sua produção.
Como um exemplo, cabe lembrar que as indústrias da mineração não determinam
suas localizações, as quais são estabelecidas pela existência dos minérios a
serem explorados. No caso das grandes siderúrgicas, a tendência é que estejam
localizadas na proximidade de portos litorâneos, para fins de facilidades na
exportação. Por outro lado, ao contrário do perfil destes segmentos, as
montadoras de automóveis que, em sua maioria, recebem peças prontas, tendem
a se localizar em núcleos urbanos, como nas regiões metropolitanas de São
Paulo, de Belo Horizonte e de Curitiba, dentre outras.
De todo o modo, tal como já mencionado, frente a possíveis mudanças climáticas
a gestão de recursos hídricos demanda continuados avanços tecnológicos para
todos os segmentos industriais, incluindo adaptação a novos perfis climáticos, os
quais tendem a incentivar a otimização e o reuso das águas recebidas e/ou
captadas, como também níveis elevados de remoção das cargas que são
emitidas. Neste sentido, apenas como referência geral, seguem alguns
indicadores sobre os níveis de consumo que são verificados no presente e
aqueles a serem assumidos como metas progressivas, tal como consta na
Tabela 2.1, apresentada na sequência.
Tabela 2.1 – Indicadores Gerais sobre Níveis de Consumo de Água e Metas a Serem
Alcançadas por Segmentos Industriais
Segmentos do Setor Industrial Níveis de Consumo de
Água
Metas a serem
Alcançadas
33
Produção de
Alimentos
- pescados 300.000 litros de
água/tonelada
30.000 litros de
água/tonelada.
- bebidas
(cerveja)
20.000 litros de
água/quilolitro
7.000 litros de
água/quilolitro
Indústria Têxtil
- preparo de
linho
40.000 litros de
água/tonelada
30.000 litros de
água/tonelada
- acabamento
de tecidos
150.000 litros de
água/tonelada
120.000 litros de
água/tonelada
Mineração
- minério de
ferro
6.000 litros de
água/tonelada
3.500 litros de
água/tonelada
- calcário 6.500 litros de
água/tonelada
200 litros de
água/tonelada
Siderurgia - produção de
aço
12.000 litros de
água/tonelada
7.000 litros de
água/tonelada
Papel e Celulose
- em pasta 700.000 litros de
água/tonelada
140.000 litros de
água/tonelada
- sulfite 700.000 litros de
água/tonelada
240.000 litros de
água/tonelada
- papel fino 1.000.000 litros de
água/tonelada
750.000 litros de
água/tonelada
Petróleo e Derivados
- gasolina 8.000 litros de
água/quilolitros
6.500 litros de
água/quilolitros
- óleo refinado
30.500 litros de
água/tonelada de óleo
cru
10.000 litros de
água/tonelada de óleo
cru
Produtos Químicos
- álcool 138 litros de água/litro
de álcool
50 litros de água/litro de
álcool
- polietileno 231.000 litros de
água/tonelada
8.400 litros de
água/tonelada
Automóveis - veículo 35.000 litros de
água/veículo
25.000 litros de
água/veículo
Fonte: Recursos Hídricos e a Economia Verde – Setor Privado, elaborado por Lobato da Costa,
F.J, publicado pela Fundação Brasileiro do Desenvolvimento Sustentável (2012) para o Rio + 20.
Por fim, para encerrar as observações gerais sobre o setor industrial, cumpre
reconhecer que o lançamento de efluentes ainda pode ser substancialmente
reduzido nas empresas de pequeno e médio porte, a serem submetidas à devida
fiscalização por parte de órgãos gestores do meio ambiente e dos recursos
34
hídricos, enquanto as de maior porte, certamente já apresentam níveis de
remoção de carga da ordem de 90%, em decorrência de seus bem mais rigorosos
processos para licenciamentos ambientais, os quais, também deveriam ser mais
bem aplicados junto às concessionárias públicas de saneamento.
2.3.5. Hidronavegação
Como último setor usuário das águas a ser abordado frente a possíveis mudanças
climáticas, merece destaque o fato de que a hidronavegação tem sido objeto de
análises mais detidas nos últimos anos, com o início, em 2010, de um Plano
Hidroviário Estratégico, no qual foram consideradas, especialmente, as
interações entre as logísticas intermodais de transporte, uma vez que hidrovias
não devem ser vistas isoladamente, mas sim, como alternativas a serem
articuladas com outras opções, sempre considerando a infraestrutura já existente,
os respectivos custos, a origem e destino de cargas e os potenciais dos rios, em
termos de seus perfis sazonais de vazão.
Uma das razões que tem dado a este segmento uma importância crescente é a
expansão de alguns dos setores da economia rumo ao norte do País, com a
exploração de minérios e as exportações de alimentos e cultivos de grãos,
passando a serem transportados em novos portos, como em São Luiz, no
Maranhão, e em Fortaleza, no Ceará. Como consequência, rios como o Araguaia-
Tocantins sobem de importância para que novos segmentos de hidrovias sejam
explorados, além daqueles já existentes, notadamente a hidrovia do Tietê-Paraná,
na porção sul-sudeste do Brasil.
De fato, no presente, a rede de hidrovias no País já está chegando a
aproximadamente 30 mil km, com cerca de 16 mil km na região amazônica, onde
os rios são bem mais extensos, dentre eles, incluídos o próprio Rio Amazonas, o
Solimões e os Rios Madeira e Xingu, dentre outros, como o já mencionado
Araguaia-Tocantins, com hidrovias da ordem de 4 mil km, enquanto as hidrovias
da bacia do o Rio Paraná somam apenas 1,8 mil km, operadas nos Rios Paraná,
Tietê, Paranaíba e Ivaí.
Sobre este caso da hidrovia Tietê-Paraná, cabe registrar a atual crise presente,
advinda de um longo período de escassez pluviométrica em 2014, tendo como
35
consequência uma significativa queda dos níveis de rios afluentes e do próprio
Tietê, assim, sem propiciar que os graneleiros possam navegar transportando
muitos dos produtos cultivados para exportação, especialmente grãos de soja.
Torna-se evidente, portanto, que a logística de transporte, com certos trechos de
hidrovias, deve se definida com mais flexibilidade, para adaptação a períodos
críticos de escassez pluviométrica.
Por fim, cabe ressaltar que, embora este setor não tenha demandas consuntivas
pelo uso da água, a emissão de suas outorgas é absolutamente necessária,
notadamente para que os níveis dos rios estejam regularizados e propiciem a
viabilidade dos calados de barcos, balsas e graneleiros utilizados para transporte.
36
3. Referências de Estratégias Institucionais para uma Execução mais
Articulada e Conjunta do Planejamento de Recursos Hídricos, junto com os
Diferentes Setores Usuários das Águas
Tendo em vista as possíveis mudanças climáticas previstas, entram em pauta
duas questões relevantes, em termos de estratégias institucionais voltadas para
uma execução mais articulada e conjunta do planejamento de recursos hídricos,
junto com os diferentes setores usuárias das águas.
De um lado, tal como já destacado, devem ser superadas muitas das atuais
deficiências, para que se possa conferir uma efetiva transversalidade à política de
recursos hídricos, uma vez que a disponibilidade hídrica, além de ser um dos
elementos estruturantes para o desenvolvimento regional e para a
sustentabilidade ambiental (vistas como variáveis supervenientes), também deve
exercer a função de um fator relevante para a devida e indispensável integração
intersetorial entre os diferentes usos da água (vistos como variáveis
intervenientes), ou seja, para uma gestão integrada de recursos hídricos – a
GIRH.
De outro, considerando que haverá mais incertezas presentes, devido a possíveis
mudanças climáticas, a gestão das águas também deverá assumir mais
flexibilidade frente a condições de uma vulnerabilidade maior, portanto, com a
gestão sendo mais adaptativa, com vistas para a resiliência e robustez, tal como
já foi conceitualmente elaborado pelo Eixo I dos estudos em pauta, voltado a
cenários sobre o clima.
Com estas questões dispostas, cabe, então, definir e/ou identificar estratégias
institucionais, relacionados aos diversos setores usuários das águas, as quais
constam nos tópicos seguintes.
3.1. Referência da Estratégia Institucional proposta para uma Efetiva
Execução do Plano Nacional de Recursos Hídricos
Como uma primeira referência bastante convergente com as abordagens já
dispostas pelo presente Eixo IV, cabe destacar a estratégia institucional que foi
proposta para uma efetiva implementação das ações e intervenções do Plano
37
Nacional de Recursos Hídricos (PNRH), concebida durante a sua última revisão,
realizada em 2010 e disposta em 2011, expressa pela Matriz Tridimensional que
aparece na Figura 3.1, reproduzida a seguir:
Figura 3.1 – Matriz Tridimensional da Estratégia para o PNRH 2011 – 20155
EEx = Demandas Nacionais
e Regionais para ações do PNRH
Interação 01 Interação 02
EEy =
Articulações Institucionais para Ações e
Programas Existentes e/ou a serem criados
Interação 03
EEz = Estrutura dos Componentes
e Programas do PNRH
De acordo com o documento “Águas do Brasil: Estratégias 2011-2015”
(SRHU/MMA, abril/2011), relativo à mencionada atualização do PNRH, cabe
transcrever os seguintes parágrafos:
“O primeiro Eixo Estratégico – o EEx – refere-se às
demandas nacionais e regionais para ações do PNRH,
advindas:
- tanto de aspectos relacionados à inserção macrorregional
e ao desenvolvimento do país, tendo como insumos estudos
como os cenários prospectivos e abordagens da Secretaria
de Assuntos Estratégicos da Presidência da República
5 Fonte: Documento “Águas do Brasil: Estratégias 2011-2015: Programa de Estruturação
Institucional para a Consolidação da Politica Nacional de Recursos Hídricos” (SRHU/MMA,
abril/2011).
38
(SAE/PR)6;
- quanto de demandas regionais, com tipologias comuns de
problemas identificados nas Oficinas promovidas pela SRHU
(...), sujeitas a critérios relacionados à transversalidade,
dimensão e importância própria ao PNRH.
O segundo Eixo Estratégico – o EEy – diz respeito a ações
e programas existentes em diversos Ministérios e entidades
federais, naturalmente relacionados com a temática dos
recursos hídricos, dentre os quais pode-se inicialmente
listar:
o próprio Ministério do Meio Ambiente, que inclui,
além da SRHU e da ANA, as Secretarias de Mudanças
Climáticas e Qualidade Ambiental, de Biodiversidade e
Florestas, de Extrativismo e Desenvolvimento Rural
Sustentável, como também o IBAMA, o Instituto Chico
Mendes e o Serviço Florestal Brasileiro (SFB);
o Ministério das Cidades e, especialmente, a sua
Secretaria Nacional de Saneamento Ambiental;
o Ministério da Integração Nacional e as Secretarias
de Infraestrutura Hídrica e de Programas Regionais;
o Ministério da Saúde, com destaque para a FUNASA;
o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento,
incluindo suas Secretarias de Política Agrícola, de Defesa
Agropecuária e de Produção e Agroenergia, além da
Embrapa;
o Ministério de Minas e Energia, com suas
Secretarias de Planejamento e Desenvolvimento
Energético e de Energia Elétrica, além da ANEEL, da
Empresa de Pesquisa Energética (EPE), da CPRM, do
ONS, como também da Eletrobrás e, para determinadas
ações, da própria Petrobrás e da Itaipu Binacional;
6 Outras entidades, como o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), podem contribuir
para as demandas desse Eixo Estratégico do PNRH.
39
o Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio
Exterior e a Secretaria do Desenvolvimento da Produção; e,
o Ministério de Ciência e Tecnologia, com as Secretarias
de Políticas e Programas de Desenvolvimento e Pesquisa e
de Desenvolvimento Tecnológico e Inovação, além do
Centro de Tecnologias do Nordeste (CETENE), do Instituo
Nacional do Semiárido (INSA), do Centro de Tecnologia
Mineral (CTEM), do Instituo de Pesquisas na Amazônia
(INPA) e do Instituo Nacional de Tecnologia (INT).
Em todas estas instituições foram preliminarmente
identificadas ações e programas relacionados aos
recursos hídricos, por conseguinte, com potenciais
contribuições em favor do PNRH, sem restrições de que
novas iniciativas venham a ser colocadas a cargo de
algumas destas entidades, para que metas do Plano
Nacional sejam alcançadas.
Em termos pragmáticos, cabe reconhecer que será
muito mais improvável que os orçamentos do MMA, da
SRHU e da própria ANA recebam todos os aportes
necessários à implementação do PNRH, do que admitir
negociações e ajustes em programas a cargo de vários
Ministérios e suas instituições, por vezes já com
orçamentos e ações disponíveis em favor do PNRH.
Fica evidente uma histórica e continuada dispersão
institucional que caracteriza o setor público do país, sem
que objetivos comuns ou relativamente próximos possam
ser negociados e convergidos em termos executivos, com
possíveis ganhos em relação a orçamentos, recursos
humanos e resultados esperados.
A par de interagir com planos e projetos de diferentes
setores e instituições, este Eixo Estratégico EEy deve
conferir especial destaque a Programas como o PAC,
também cuidando da inserção de previsões orçamentárias
no PPA de 2012 a 2015.
40
O terceiro Eixo Estratégico – o EEz – refere-se à estrutura
dos Componentes e Programas do PNRH, que deverá partir
de sua atual versão, todavia, sujeitando-se às devidas
adequações, seja pelo ajuste e/ou criação de novos
programas que tenham sido demandados por abordagens
nacionais e/ou regionais (EEx), seja para aproximar e
convergir programas e projetos com iniciativas identificadas
como já existentes ou a serem estabelecidas em outros
Ministérios e entidades (EEy).
Em suma, a estratégia proposta exige que ocorram três
vertentes de interação entre os Eixos Estratégicos:
a Interação 01 deve ocorrer entre as demandas
nacionais e regionais (EEx) e a Estrutura do PNRH (EEz),
com vistas a aproximações e respostas, não somente para
as Oficinas que foram realizadas, como também, para outros
estudos e diagnósticos e para aspectos estratégicos
relacionados ao país e à sua inserção macrorregional;
já a Interação 02 terá seu foco na identificação de
possíveis vinculações e respostas que ações e projetos já
existentes nos Ministérios e respectivas entidades listadas
(EEy) possam conferir às demandas de Oficinas regionais e
temáticas e, bem assim, aos mencionados estudos,
diagnósticos e aspectos estratégicos para o país (EEx); e,
por fim, a Interação 03 refere-se aos mútuos ajustes e
aproximações entre ações e projetos já existentes em
Ministérios e organismos a eles vinculados (EEy) e os
componentes e programas do PNRH (EEz), com eventual
criação de novas iniciativas para demandas que não
estejam sendo atendidas por estes eixos.
A respeito desta estratégia proposta, deve ser vista como a
busca por uma janela de oportunidades, sob o
entendimento de que o PNRH deve ser empreendido de
forma transversal, em termos executivos e
institucionais.
41
Ou seja, seus programas devem ser executivamente
dispostos a conta de diversos Ministérios e instituições
e eles vinculadas, sob objetivos e metas que sejam
negociados e convergentes entre o MMA, SRHU e a ANA e
estes Ministérios e suas instituições, sempre com os
programas do Plano Nacional sujeitos à devida aprovação
pelo Conselho Nacional de Recursos Hídricos (CNRH), visto
como o espaço institucional de Governo para a validação
final da estrutura adequada do PNRH, de forma a assegurar
que objetivos e metas positivas relacionadas aos recursos
hídricos sejam efetivamente alcançadas.
Por certo que as mencionadas negociações e ajustes, para
que ações já existentes sejam articuladas a programas do
PNRH, não serão homogêneas. Ao contrário, dependerão
do perfil dos programas e dos Ministérios envolvidos.
Assim, ações relacionadas aos instrumentos de gestão, no
mais das vezes empreendidas pela própria ANA ou por
secretarias do MMA, necessitam apenas pequenas
adequações e convergências, enquanto intervenções
relacionadas, por exemplo, ao manejo de solo e água, no
âmbito de atividades agropecuárias, demandarão processos
e acordos bem mais complexos e de mais longo prazo,
como também deve ocorrer com inventários e no
planejamento de geração hidroelétrica.
Com isto posto, no contexto da estratégia proposta pode-se
antecipar que será possível identificar diferentes níveis de
negociação para que as Interações 02 e 03 ocorram, nas
linhas de maior facilidade, dificuldades intermediárias ou de
maiores desafios interinstitucionais”.
(destaques negritados e sublinados)
Contando com esta transcrição, salvo engano, entende-se que esta proposta se
apresenta como bastante realista e pragmática, para que ocorram ações e
intervenções bem mais integradas entre os diversos setores usuários das águas.
Todavia, sob o atual contexto institucional do Governo Federal em mandato,
42
cumpre reconhecer que mesmo esta proposta apresenta elevadas dificuldades
para a sua implementação, vez que hoje o Brasil conta com, nada menos, do que
39 ministérios, muitos deles vistos como “a portas fechadas”, em decorrência de
seu presente domínio sob interesses próprios a certos partidos políticos que
foram alinhados ao governo, via a entrega de ministérios.
Sendo assim, mesmo contando com a estratégia institucional proposta quando da
revisão do PNRH, em 2010-2011, não há como assegurar que ocorra a
pretendida gestão integrada de recursos hídricos, fato que tende a agravar
problemas que poderão ocorrer em decorrência de possíveis mudanças
climáticas.
3.2. A Referência Institucional do Arranjo Executivo do Programa
InterÁguas7
A respeito de outras estratégias institucionais importantes, também cabe registrar
o arranjo executivo do Programa InterÁguas, sob a responsabilidade executiva
da ANA e contando com o respectivo Acordo de Empréstimo celebrado junto ao
Banco Mundial, com este arranjo executivo dividido em dois níveis, a saber:
a) um nível deliberativo e decisório superior; e,
b) outro nível gerencial e operacional.
Ademais, neste arranjo foram instituídos:
(i) um Comitê Gestor do Programa - CGP;
(ii) uma Secretaria Técnica do Programa - STP; e,
(iii) três Unidades de Gerenciamento do Programa - UGPs.
O CGP é um colegiado composto por representantes dos três ministérios
executores, tendo as funções de: acordar e definir os temas transversais de
interesse comum, a serem apoiados através do Programa; supervisionar a
implementação; avaliar os resultados obtidos; e, definir critérios para a alocação
7 Fonte: Documento elaborado por Lobato da Costa, F.J., em 2011, em conjunto com a Agência
Nacional de Águas (ANA), sobre a Gestão Integrada de Recursos Hídricos e a Governança,
voltado ao 6º Fórum Mundial da Água, que ocorreu em março de 2012, em Marseille, na França.
43
dos recursos financeiros do Acordo de Empréstimo, em função da necessidade de
um fortalecimento institucional, de respostas à demandas e de avanços na
performance dos executores.
Três outros ministérios também fazem parte do Comitê Gestor do Programa
(CGP), porém, como membros consultivos, sendo eles: o Ministério das Minas e
Energia; o Ministério dos Transportes; e, o Ministério da Agricultura, Pecuária e
Abastecimento.
A Figura 3.2, apresentada a seguir, resume a composição do arranjo institucional
que está sendo descrito:
Figura 4.2 - Arranjo Institucional do Programa InterÁguas
No contexto deste arranjo institucional executivo, para que fosse possível
coordenar e executar os aspectos de natureza operacional da implementação do
Programa, tornou-se necessária a instalação de uma Secretaria Técnica do
44
Programa (STP), no âmbito da própria estrutura da ANA, com profissionais de
outras instituições executoras também podendo participar desta Secretaria.
Assim, a STP passou a desempenhar as funções de uma secretaria executiva do
Comitê Gestor, além de exercer as devidas articulações próprias entre as
Unidades Gestoras (UGPs) e entre essas unidades e o Banco Mundial, neste
caso, naturalmente com seus encargos e ações próprias à entidade financiadora
do Programa.
A respeito das UGPs, por certo que já tinham sido previstas suas criações no
âmbito de cada ministério executor, com a finalidade de planejar, programar,
implementar, monitorar e avaliar os resultados dos programas componentes do
InterÁguas, sob a sua responsabilidade executiva.
Por fim, tendo como um de seus principais objetivos uma implementação sempre
bem articulada entre os diferentes ministérios presentes, definiu-se que a
Secretaria Técnica do Programa (STP) também deveria ter um Comitê de
Operação, o qual passou a ser composto pelos Coordenadores das UGPs
executoras. Este Comitê, além de acompanhar a execução das ações
transversais, segue com a finalidade de harmonizar, articular, integrar e otimizar a
operacionalização das ações do Programa, executadas pelas UGPs próprias.
Enfim, torna-se muito claro que, sob este significativo arranjo institucional, muito
inovador no contexto do Brasil, pretende-se uma execução bem mais integrada
entre ações intersetoriais, para tanto, contando com a presença e as respectivas
responsabilidades dos ministérios presentes, sejam eles executores ou
consultivos.
3.3. Outras Referências da ANA, em Favor de Avanços na Governança da
Gestão de Recursos Hídricos, Frente a Possíveis Mudanças Climáticas
Para encerrar este capítulo, são registradas algumas das frentes de atuação da
Agência Nacional de Águas (ANA), as quais têm se mostrado como bastantes
positivas para que ocorram seguidos avanços da Governança na gestão dos
recursos hídricos, inclusive, em alguns casos, frente a possíveis mudanças
climáticas.
45
Dentre as muitas frentes de atuação da ANA, são então descritas as seguintes:
O Programa Produtor de Águas8
Concebido e desenvolvido pela ANA, este Programa Produtor de Águas tem como
foco principal o estímulo à política de Pagamento por Serviços Ambientais (PSA),
voltados à proteção hídrica no Brasil. Para tanto, o Programa apoia, orienta e
certifica projetos que visem à redução de erosão e do assoreamento de
mananciais no meio rural, propiciando a melhoria da qualidade, a ampliação e a
regularização da oferta de água em bacias hidrográficas de importância
estratégica para o País.
Por conseguinte, este Programa, com forte base no Pagamento por Serviços
Ambientais (PSA), tende a apresentar significativos resultados em favor de
necessárias adaptações a mudanças climáticas, vez que reforça uma gestão mais
adaptativa, com revisões em tecnologias e procedimentos relacionados com a
produção rural, a qual sempre se apresenta como um dos principais setores
usuários das águas.
Maiores detalhes a respeito são apresentados no Anexo I, do presente
documento, tendo como fonte o próprio site da ANA.
O Programa Despoluição de Bacias Hidrográficas – PRODES9
Dentre os maiores desafios da gestão de recursos hídricos no Brasil está a
redução das cargas poluidoras nos corpos hídricos, principalmente em regiões
metropolitanas e em aglomerações urbanas, nas quais a degradação da
qualidade da água vem criando quadros insustentáveis sob o ponto de vista de
um desenvolvimento, tanto econômico quanto socioambiental.
De fato, os efluentes domésticos representam a principal fonte poluidora das
cidades brasileiras. No presente, apenas cerca de 30% do esgoto urbano recebe
algum tipo de tratamento, com o restante sendo lançado nos corpos d’água in
natura, colocando em risco a saúde dos ecossistemas e da população local.
8 Fontes: Site da ANA e documento já registrado sobre a Gestão Integrada de Recursos Hídricos
e a Governança, voltado ao 6º Fórum Mundial da Água, que ocorreu em 2012, na França.
9 Fonte: GEO Brasil – Recursos Hídricos (PNUMA e ANA, 2007), Parte IV, Box 15, p.197.
46
Sob este contexto, por certo que, frente a possíveis mudanças climáticas, em
muitos casos com períodos mais longos de escassez – tal como vem ocorrendo
este ano, de 2014, no sudeste, com destaque para a Região Metropolitana de São
Paulo, onde há crise no Sistema Cantareira –, a melhoria da qualidade de rios e
córregos poderá elevar pontos para captação de água, minimizando problemas
que têm sido crescentes, propiciando, assim, uma gestão mais adaptativa, com
resiliência e robustez.
Deste modo, o tratamento de esgotos tende a se tornar ainda mais fundamental
em qualquer programa de despoluição e do aumento de ofertas hídricas. Em
grande parte das situações, a viabilidade econômica das estações de tratamento
de esgotos (ETEs) é reconhecidamente reduzida, em razão dos altos
investimentos necessários, em alguns casos, também com elevados custos
operacionais. Por tais motivos, mesmo países mais desenvolvidos têm apoiado
financiamentos de ETEs, a exemplo dos Estados Unidos e de muitos da União
Europeia.
No Brasil, o problema da viabilidade financeira de serviços de saneamento, em
particular do tratamento dos esgotos domésticos, tem sido ainda mais agudo,
especialmente em razão da elevada parcela de população urbana situar-se nos
extratos inferiores de renda. No entanto, vale ressaltar que a água de qualidade
também é um fator de exclusão social, vez que a população de mais baixa renda
dificilmente tem condições de pagar assistência médica para remediar doenças de
veiculação hídrica, decorrentes da ausência de saneamento básico.
Em decorrência deste baixo perfil sanitário do Brasil, já em 2001 a ANA concebeu
e iniciou este importante Programa PRODES, sobre o qual são apresentados
maiores detalhes no Anexo II do presente Relatório 03.
O Programa Nacional de Avaliação da Qualidade da Água – PNQA10
Considerando os potenciais resultados dos dois programas anteriores registrados,
além de outras eventuais intervenções estruturais concernentes aos recursos
10 Fonte: Site da Agência Nacional de Águas.
47
hídricos, por certo que passam a entrar em pauta questões e variáveis
relacionadas a metas e indicadores sobre a qualidade das águas.
Neste caso, a iniciativa da ANA, mediante o Programa Nacional de Avaliação da
Qualidade da Água (PNQA), torna-se uma forma de complementar muitas das
ações e atividades indispensáveis para o devido monitoramento dos recursos
hídricos, no mais das vezes, em muitos dos estados federativos do Brasil, com
elevadas deficiências na rede de monitoramento, com ênfase sobre a qualidade
das águas.
Assim, embora a qualidade das águas não apresente uma relação isolada e direta
com possíveis mudanças climáticas, muitos de seus indicadores tornam-se
relevantes para que sejam identificadas as relações entre causas e efeitos, ou
seja, para que modelos de simulação e de apoio a decisões possam ser
aplicados, permitindo uma gestão mais consistente e adaptativa.
Mais detalhes a respeito deste PNQA são apresentados no Anexo III do presente
documento.
Planos de Recursos Hídricos11
Outra relevante frente de atuação da ANA, em favor de avanços da Governança
na gestão de recursos hídricos, refere-se à elaboração de certos planos de bacias
hidrográficas, dentre as quais cabe destacar:
a) O Plano Decenal e Estratégico da Bacia do Rio São Francisco, que foi
elaborado pela ANA, em agosto de 2004, portanto, com sua revisão e
atualização prevista para o segundo semestre deste ano.
Esta BHSF tem 637 mil km2, tal como já mencionado, com vários tipos de
problemas regionais distintos e potencialmente agravados frente a
possíveis mudanças climáticas – a exemplo de boa parte do semiárido
brasileiro e de porções da Região Metropolitana de Belo Horizonte –, fato
que demanda abordagens mais amplas e estratégicas, inclusive para fins
de acordos e cooperação entre os 07 estados federativos (Minas Gerais,
Goiás, Distrito Federal, Bahia, Pernambuco, Sergipe e Alagoas) que
11 Fontes: Site da Agência Nacional de Águas e anotações sobre relatórios dos planos de bacias.
48
apresentam parte de seus territórios nesta bacia, cujo plano, porém, não
chega a detalhes de intervenções mais locais de muitos dos problem-
sheds, os quais podem e devem ser tratados por planos de bacias de seus
afluentes, tais como: o Plano do Rio das Velhas, já elaborado por Minas
Gerais; do Verde Grande, disposto pela ANA; e, dos rios Grande e
Corrente, em pleno processo de elaboração pelo Estado da Bahia.
Assim, voltam a entrar em pauta conceitos sobre formas de abordagens e
uma divisão de trabalho entre os estados federativos e, também, entre
comitês de bacias, com ênfase para os chamados “comitês de integração”,
tal como deve ser visto o da BHSF.
b) O Plano Estratégico da Região Hidrográfica do Araguaia-Tocantins,
elaborado pela ANA entre janeiro de 2006 a novembro de 2008, tendo em
vista sua relevância como uma das principais frentes de expansão de
atividades produtivas do País, com ênfase para a agropecuária e para a
mineração.
De fato, esta região hidrográfica do Tocantins-Araguaia é a mais extensa
área de drenagem totalmente contida no território brasileiro. Com nada
menos do que 918.822 km2 (11% do País), abrange territórios dos estados
do Pará, Maranhão, Tocantins, Goiás, Mato Grosso e do Distrito Federal.
Ademais, já apresenta uma população com cerca de 7,2 milhões de
habitantes, em 409 municípios, projetada para 10,5 milhões de moradores,
em 2025.
No presente, a agricultura de sequeiro ocupa 4,2 milhões de hectares desta
região, com a irrigação correspondendo a 124 mil hectares, sendo que o
potencial de solos aptos é da ordem de 5,3 milhões de hectares. A pecuária
tem um rebanho com 27,5 milhões de cabeças, enquanto na mineração há
importantes províncias minerais, como no caso de Carajás (PA), que detém
os maiores depósitos de ferro do mundo.
Em acréscimo, esta região hidrográfica é, ainda, a segunda maior do País,
em termos de potencial hidroenergético, tendo instalado nada menos do
que 11.563 MW (16% do total brasileiro), além de ter importantes rios
49
navegáveis, com destaque para o Rio Tocantins.
Sob tal perfil, com a presença, abundância e utilização dos recursos
naturais conferindo à região um relevante papel no desenvolvimento do
País, além da consideração de que muitas das exportações têm sido mais
enviadas a partir de portos do norte brasileiro, crescentemente por conta da
hidronavegação, percebe-se a importância estratégica desta região
hidrográfica, muito bem identificada pela ANA, com a presente necessidade
de uma revisão e atualização deste plano, tendo em vista possíveis
mudanças climáticas e, como consequência, agravamento de problemas.
Além disso, o seu caráter estratégico também é conferido pela busca de
minimizar futuros conflitos previstos, para tanto, estabelecendo diretrizes
para a compatibilização da utilização da água com as demais políticas
setoriais, para assegurar usos mais sustentáveis.
c) O Plano das Bacias Hidrográficas dos Afluentes da Margem Direita do
Rio Amazonas, o qual teve seu desenvolvimento em decorrência de
aspectos regionais também mais amplos e estratégicos, especialmente
para a definição da prioridade de certos usos da água, a exemplo de
pontos para a possível instalação de usinas hidroelétricas, frente a trechos
de rios voltados para hidronavegação.
Este plano foi desenvolvido pela ANA, no período entre 2007 a 2010, com
sua aprovação pelo Conselho Nacional de Recursos Hídricos (CNRH) em
sua 25ª Reunião Ordinária, ocorrida em 29 de junho de 2011.
O Plano teve o objetivo de produzir um instrumento que propiciasse aos
órgãos gestores de recursos hídricos – e demais componentes do
SINGREH, com responsabilidade sobre as bacias dos rios afluentes da
margem direita do Rio Amazonas – orientar uma gestão mais efetiva e
sustentável dos recursos hídricos, superficiais e subterrâneos, de modo a
garantir o seu uso múltiplo e racional, em benefício das gerações presentes
e futuras. Assim, também acabou atuando em favor de melhores cenários
prospectivos, relacionados a possíveis mudanças climáticas.
50
Esta região, compreendida pelas bacias hidrográficas dos afluentes da
margem direita do Rio Amazonas, possui uma área próxima a 2,54 milhões
de km², estando localizada nas regiões norte e centro-oeste do Brasil,
abrangendo territórios dos Estados do Amazonas, Acre, Rondônia, Mato
Grosso e Pará. Na porção brasileira, os principais tributários do Amazonas
pela margem direita são os rios Javari, Jutaí, Juruá, Purus, Madeira,
Tapajós e Xingu.
Este Plano mostra-se um tanto similar aos demais já descritos,
especialmente em termos estratégicos, porém, igualmente não chegando a
detalhes de intervenções mais locais. Foi estruturado em três volumes, a
saber: (a) Diagnóstico; (b) Cenários, Diretrizes e Intervenções; e, (c) Mapas
Temáticos.
d) O Plano da Bacia do Rio Paranaíba, contratado pela ANA em 2012, com
esta bacia abrangendo 222.767 km2, envolvendo partes territoriais de:
Minas Gerais, especialmente do triangulo mineiro, com sua nascente na
Serra da Mata da Corda; do sul de Goiás; do Distrito Feral; e, do extremo
nordeste do Mato Grosso do Sul.
Percebe-se, portanto, que também apresenta aspectos regionais distintos,
notadamente entre o DF e o extremo nordeste do MS, fato que demandou
o traçado de Unidades Territoriais Estratégicas de Gestão (UTEGs), as
quais tiveram como base as divisões hidrográficas estaduais, ou seja, as
que foram adotadas pelos próprios estados, para a gestão de seus
recursos hídricos.
Em acréscimo a esta abordagem, também foram definidas as escalas de
sub-bacias afluentes, como Unidades de Planejamento Hídrico (UPHs), nas
quais foram efetuados balanços hídricos mais pontuais e definidos pontos
estratégicos de monitoramento, chamados de “Pontos de Controle”. Estas
UPHs foram constituídas a partir de subdivisões da bacia hidrográfica do
Rio Paranaíba, agrupadas de maneira contínua, de acordo com a
homogeneidade de fatores hidrográficos e hidrológicos, para permitir um
planejamento adequado de cada unidade. Os critérios adotados para a
51
determinação das UPHs foram os limites das principais sub-bacias e os
principais pólos regionais da bacia do Paranaíba.
Quanto aos chamados “Pontos de Controle”, para fins de monitoramento
pluviométrico, fluviométrico e de qualidade dos recursos hídricos, cabe
ressaltar que têm como objetivos: (i) a agregação dos valores das
disponibilidades hídricas da bacia; (ii) a agregação dos valores de
demandas hídricas; e, (iii) um cálculo mais consistente do balanço hídrico.
Sob tais procedimentos, dentre as bacias de afluentes merece um elevado
destaque a do Rio São Marcos, vez que já apresenta um significativo
conflito entre a geração de hidroeletricidade frente ao uso da água para
irrigação, fato que tem destacado este bacia como um ponto para estudo
de caso.
Portanto, percebe-se que este Plano da Bacia do Rio Paranaíba se
apresenta como certa referência sobre procedimentos metodológicos,
alguns dos quais devem ser considerados para fins de planos para
adaptação a mudanças climáticas.
Enfim, seguem estes planos já desenvolvidos pela ANA, com certas referências
para avanços na gestão de recursos hídricos, por vezes, em decorrência de
possíveis mudanças climáticas. Além desses, alguns outros podem ser
considerados, a exemplo do Plano da Bacia do Rio Doce, com vinculação e
acordos entre Minas Gerais e Espírito Santo e o da Bacia do Rio Piranhas-Açu,
com vinculação e acordos entre a Paraíba e o Rio Grande do Norte, sem que se
deixe de reconhecer diversos planos de bacias já elaborados por órgãos
estaduais gestores de recursos hídricos.
Acordos de Cooperação Técnica com os Estados Federados, com as
Salas de Situação12
Considerando a indispensável necessidade de adaptação a possíveis mudanças
climáticas, esta frente de atuação da ANA mostra-se como a mais relevante,
12 Fonte: Documento enviado pela Agência Nacional de Águas, em 30 de julho de 2014.
52
positiva e pragmática.
De fato, estes Acordos de Cooperação com os Estados Federados, com
ênfase na instalação de Salas de Situação, mostram-se bastante pragmáticos e
responsáveis, sob uma ótica muito convergente com diversas das
recomendações que já foram formuladas pelo presente trabalho, a maioria delas
dispostas nos relatórios anteriores, sobretudo, no Relatório 02.
Dentre estas convergências com muitas das recomendações formuladas, cabe
lembrar: (i) da identificação de áreas-problemas (problem-sheds), em muitos
casos, a serem vistas como áreas de risco, tal como consta nesta frente de
atuação da ANA; (ii) de um monitoramento hidrometeorológico com mais dados e
informações sobre os recursos hídricos, para que possam ser desenvolvidos
sistemas de apoio à decisão e identificadas as relações entre causas e efeitos,
reconhecidas como fundamentais, igualmente previstas nesta frente em pauta;
(iii) de repercussões sobre o devido ordenamento do território, com ajustes no uso
e ocupação do solo e com eventuais reassentamentos involuntários de famílias e
comunidades localizadas em áreas de risco, para que eventos críticos não
cheguem a afetá-las tão gravemente; (iv) da recomendação de que os sistemas
de gestão de recursos hídricos (SINGREH e SEGREHs) passem a atuar mais em
conjunto com a Defesa Civil, em decorrência de eventos críticos, a exemplo de
alguns advindos de possíveis mudanças climáticas; (v) de avanços nas
indispensáveis articulações verticais e ações mais integradas entre os estados
federativos do Brasil, considerando a importância da iniciativa do Pactos das
Águas, em cujo contexto podem ser vistos estes Acordos de Cooperação, como
uma ação já precedente; e, por fim, (vi) a disponibilidade de um quadro de
profissionais mais bem qualificados, para que situações críticas relacionadas aos
recursos hídricos venham a ser abordadas, não somente pela ANA, como
também, pelos órgãos estaduais gestores das águas, aos quais cabem muitas
das ações mais locais, relacionadas a problemas decorrentes de crises e
alterações climáticas, possivelmente chegando até a receberem delegações de
certos encargos, competências e responsabilidades.
Para que todas estas convergências possam ser confirmadas e reconhecidas,
além de outros detalhes e aspectos, no Anexo IV do presente Relatório 03 há
53
mais informações a respeito destes Acordos de Cooperação Técnica com os
Estados Federados, inclusive detalhes sobre como foram e/ou estão sendo
instalas as Salas de Situação.
Cooperação Sul-Sul
Tendo em vista bacias compartilhadas com certos países vizinhos, a exemplo da
própria bacia do Rio Amazonas e do seu importante afluente Rio Madeira, torna-
se indispensável para uma efetiva gestão de recursos hídricos no Brasil ter
acesso a dados e informações hidrometeorológicas sobre suas nascentes e perfis
mais a montante, para que projeções e diagnósticos relacionados a efeitos
advindos de mudanças climáticas possam ser abordados sob uma base técnica e
com dados consistentes.
De fato, tal como consta no Relatório 01 (ver item 2.4.1 - Gestão de Recursos
Hídricos na Região Amazônica, p. 37), transcrito in verbis:
...no trecho brasileiro da bacia amazônica, a jusante já se
acusam traços de algumas das atividades desenvolvidas
nos países a montante, onde se originam, por exemplo,
problemas com mercúrio utilizado nos garimpos, além de
agroquímicos conservativos amplamente aplicados nas
plantações de coca. Igualmente ocorrem alguns problemas
de natureza sanitária, valendo lembrar que o cólera
reintroduziu-se no País, na década de 1990, por meio da
presença do vibrião na Amazônia peruana. Ademais, há
problemas relacionados aos vetores de doenças tropicais
que dependem da água em, pelo menos, uma de suas fases
de desenvolvimento (malária, entre outras).
Sendo assim, também esta frente de atuação da ANA torna-se relevante,
especialmente quando chegar ao patamar de que dados e informações
hidrometeorológicas mais consistentes sejam dispostas e trocadas entre os
países vizinhos, para que sistemas de apoio a decisões possam subsidiar ações e
intervenções, muitas delas que serão necessárias, para fins de adaptação a
mudanças climáticas.
Com isto posto, mais detalhes a respeito de iniciativas previstas por esta
54
Cooperação Sul-Sul são apresentados pelo Anexo V do presente Relatório 03.
Estudos com a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento
Econômico – OCDE
Por fim, dentre as principais frentes de atuação da ANA, é muito importante
lembrar estudos em paralelo aos do Plano Nacional de Adaptação a Mudanças
Climáticas, contando com a contratação da Organização para a Cooperação e
Desenvolvimento Econômico (OCDE), à qual cabe identificar e avaliar lacunas
e problemas, para depois propor ajustes e adequações para que a gestão dos
recursos hídricos no Brasil volte a ter mais avanços e seja mais efetiva e
consistente.
Este trabalho é intitulado como Diálogo Político sobre a Governança da Água
no Brasil, tendo sido iniciado em março deste ano, com previsão de sua
finalização em abril de 2015.
Como frentes de trabalho, estão previstas duas escalas, com suas respectivas
abordagens e avaliações, a saber:
(i) a escala federal, na qual será abordado o mapeamento institucional para
ações e responsabilidades do Governo Central e, também, o Pacto
Nacional das Águas; e,
(ii) a gestão de recursos hídricos na esfera dos estados federados e do DF,
com tratamento de questões relacionadas com: um mapeamento
institucional dos órgãos estaduais gestores; a forma de coordenação entre
a União e os estados federados; a identificação dos estágios dos ciclos de
gestão de recursos hídricos, além de melhores acessos para capacitação;
as perspectivas dos estados frente ao Pacto Nacional das Águas; e, o
engajamento previsto dos stakeholders, ou seja, de representantes dos
diversos setores usuários das águas.
No contexto dessas frentes de trabalho, serão tratadas mais profundamente as
bacias do Rio São Francisco e do Rio São Marcos, como estudos de casos, além
de abordagens mais específicas sobre a gestão de recursos hídricos nos estados
da Paraíba, de Rondônia e do Rio de Janeiro.
55
Assim, percebe-se que esta frente de atuação da ANA deve ser considerada sob
uma ótica articulada e conjunta com os presentes estudos do Plano Nacional de
Adaptação a Mudanças Climáticas, notadamente no caso de propostas para
ajustes institucionais e jurídico-legais dos sistemas de gerenciamento dos
recursos hídricos no Brasil – tanto no caso do SINGREH, quanto de vários dos
SEGREHs –, vez que será bem mais realista e pragmático considerar o
necessário processo de abordagens e negociações políticas junto ao Congresso
Nacional, para que ocorra a desejada aprovação de propostas.
Em outras palavras, cumpre ressaltar que muitas das recomendações que estão
sendo elaboradas pelo presente trabalho do Eixo IV, voltado à Governança da
gestão de recursos hídricos, não devem considerar isoladamente adaptações a
mudanças climáticas. Ao contrário, também devem considerar e conceber em
conjunto propostas para que os sistemas de gestão vigentes (SINGREH e
SEGREHs) tenham avanços mais amplos e consistentes em seu conjunto.
56
4. Perguntas Finais a serem Respondidas13
Para encerrar o presente trabalho, relativo ao Eixo IV, da Governança na gestão
dos recursos hídricos, no contexto do Plano Nacional de Adaptação a Mudanças
Climáticas, certas perguntas dispostas pela Rede Espelho da ANA devem ser
abordadas, tal como segue.
A estrutura atual (arranjos institucionais e ações de gestão de recursos
hídricos em curso) é suficiente para dar respostas, em tempo hábil, aos
efeitos da mudança do clima?
De pronto, pode-se afirmar que não, vez que, segundo vários posicionamentos de
consultores e de muitos dos stakeholders participantes do atual sistema de
gestão, mesmo com os anteriores avanços obtidos pelo SINGREH, além de
alguns dos SEGREHs, entende-se que há uma certa estagnação, por
consequência, com preocupações voltadas à identificação de formas e estratégias
para que a gestão das águas no Brasil volte a seguir adiante, tanto no âmbito
geral do País, quanto em vários dos estados, notadamente no caso dos que
seguiram sem avanços.
Mais do que isto, também cabe sublinhar a necessidade de que, nos passos à
frente, sejam mais abordados distintos perfis regionais e questões relacionadas
com áreas-problema, em muitos casos, devido às possíveis mudanças climáticas
previstas.
Quais características precisam ser melhor desenvolvidas e como fazer para
desenvolvê-las?
Tal como já conceitualmente disposto, entende-se que um arranjo institucional
não deve ser visto como um fim em si mesmo. Ao contrário, deve ser concebido
como uma resposta para a abordagem de certos problemas e desafios, fato que
indica algumas especificidades frente à natureza do tema em pauta, tal como
deve ocorrer para a gestão de recursos hídricos que, no caso do extenso e
diverso território brasileiro, deve exigir a definição de diretrizes e orientações para
que as formas de gestão tratem dos problemas a serem enfrentados, com
13 Perguntas enviadas pela Rede Espelho, da ANA, em 24 de julho de 2014.
57
abordagens do quadro regional presente e, também, de cenários prospectivos,
tanto no que concerne a aspectos hídricos e ambientais, quanto ao
desenvolvimento socioeconômico e a possíveis mudanças climáticas.
Quais as fragilidades identificadas? E quais as medidas propostas para
solucioná-las ou minimizá-las?
As fragilidades da gestão das águas no Brasil são muito variáveis, segundo cada
perfil regional e/ou dos estados federativos. Ou seja, cabe reconhecer que, no
caso de alguns dos estados, ocorreram certos avanços, enquanto em outros foi
verificada uma seguida estagnação.
Além disso, na medida em que a Agência Nacional de Águas (ANA) se apresenta
como uma instituição gestora muito mais à frente de seus correspondentes
órgãos estaduais, houve uma certa tendência de centralização, fato que já passou
a ser vencido pela própria ANA, em decorrência de sua iniciativa voltada ao Pacto
das Águas.
Com isto posto e considerando os diagnósticos e as diretrizes próprias aos
diferentes perfis regionais do Brasil, muitas das medidas que foram propostas
podem ser assim sintetizadas:
(i) a identificação de áreas-problemas (problem-sheds), em muitos casos, a
serem vistas como áreas de risco, tal como consta no Acordo de
Cooperação Técnica com os Estados Federados, empreendido pela
ANA, com ênfase para a instalação de Salas de Situação;
(ii) um monitoramento hidrometeorológico com mais dados e informações
sobre os recursos hídricos, para que possam ser desenvolvidos sistemas
de apoio à decisão e identificadas as relações entre causas e efeitos,
reconhecidas como fundamentais, igualmente previstas nos estudos do
Plano Nacional de Adaptação a Mudanças Climáticas;
(iii) uma indispensável repercussão sobre o devido ordenamento do território,
com ajustes no uso e ocupação do solo e com eventuais reassentamentos
involuntários de famílias e comunidades localizadas em áreas de risco,
para que eventos críticos não cheguem a afetá-las tão gravemente;
(iv) a recomendação de que os sistemas de gestão de recursos hídricos
58
(SINGREH e SEGREHs) passem a atuar mais em conjunto com a Defesa
Civil, em decorrência de eventos críticos, a exemplo de alguns advindos de
possíveis mudanças climáticas;
(v) avanços nas indispensáveis articulações verticais e ações mais integradas
entre a União e os estados federativos do Brasil, considerando a
importância da iniciativa do Pactos das Águas, em cujo contexto também
devem ser vistos os Acordos de Cooperação com os Estados
Federados, como uma ação já precedente;
(vi) ademais, também devem ocorrer certas ações conjuntas e uma troca de
dados e informações com alguns dos países vizinhos, com os quais há
bacias hidrográficas compartilhadas, tal como está sendo iniciado via a
Cooperação Sul-Sul;
(vii) em paralelo, também deve ocorrer uma articulação horizontal mais
consistente e aproximada, entre os ministérios e entidades dos diversos
setores usuários de recursos hídricos, para que ocorra uma gestão mais
integrada e a devida transversalidade na gestão das águas;
(viii) sob esta ótica, voltada para mais integração entre os diversos setores
usuários das águas, recomenda-se uma significativa coordenação
regulatória, para que objetivos, metas e certos indicadores propiciem
verificar a consistência de suas ações múltiplas e formas de gestão e de
regulação; e,
(ix) por fim, voltando aos órgãos gestores, cabe recomendar a devida avaliação
e um planejamento institucional estratégico, além da disponibilidade de um
quadro de profissionais mais bem qualificados, para que situações críticas
relacionadas aos recursos hídricos venham a ser abordadas, não somente
pela ANA, como também, pelos correspondentes órgãos estaduais, aos
quais cabem muitas das ações mais locais, relacionadas a problemas
decorrentes de crises e alterações climáticas, possivelmente chegando até
a receberem delegações de certos encargos, competências e
responsabilidades.
Quais são as oportunidades identificadas? Há medidas a serem tomadas
59
capazes de reforçá-las ou potencializá-las?
Dentre as principais oportunidades identificadas, cumpre ressaltar o Pacto das
Águas, os Acordos de Cooperação Técnica com os Estados Federados e,
também, os estudos junto à OCDE, intitulado como Diálogo Político sobre a
Governança da Água no Brasil.
Sob este contexto, de importantes iniciativas da ANA, recomenda-se que,
periodicamente, sejam avaliadas e, eventualmente, ajustadas as estratégicas e
táticas em curso, para que os avanços sigam continuadamente à frente.
O Progestão – que é uma forma de fortalecer os estados, de
descentralizar recursos e decisões – é o suficiente para enfrentar os efeitos
da mudança do clima? Ou, a depender do cenário previsto para cada
região, o Progestão deve ser adaptado com especificidades que podem
ajudar no enfretamento dos eventos hidrológicos críticos previstos?
Como resposta, deve-se reconhecer que, mesmo em casos onde determinado rio
afluente esteja sob o domínio estadual, caso ocorram problemas mais a jusante,
relacionados a outros estados e a problemas mais regionais, a presença da União
passa a ser necessária, sem que apenas interesses pontuais a montante sejam
considerados, como a indefinição de vazões mínimas a serem asseguradas entre
as fronteiras dos estados em pauta.
Mais do que isso, além do perfil dos problemas, também cabe considerar as
capacidades institucionais presentes, frente à natureza dos desafios, portanto,
tanto com apoios top-down quanto bottom-up, em casos distintos.
Enfim, muito resumidamente: levando em consideração a necessária adaptação a
mudanças climáticas, recomenda-se que sejam desenvolvidas estratégias
próprias aos problemas que deverão ser equacionados, com uma presença
democrática e efetiva da União e dos estados federados, segundo a natureza dos
problemas e as capacidades institucionais presentes.
60
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MINISTÉRIO DO MEIO AMBIENTE – MMA e SECRETARIA DE RECURSOS HÍDRICOS
E AMBIENTE URBANO – SRHU. Águas do Brasil: Estratégias 2011-2015: Programa de
Estruturação Institucional para a Consolidação da Politica Nacional de Recursos Hídricos.
Brasília, 2011.
PROGRAMA DAS NAÇÕES UNIDAS PARA O MEIO AMBIENTE – PNUMA e AGÊNCIA
NACIONAL DE ÁGUAS – ANA. GEO Brasil - Recursos Hídricos. Brasília, 2007.
CONSULTAS
Site da Agência Nacional de Águas (ANA).
Site do Ministério do Meio Ambiente (MMA).
Site do Ministério de Minas e Energia (MME).
Site do Instituo Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
62
ANEXO I
Programa Produtor de Águas14
Trata-se de um programa de adesão voluntária dos produtores rurais que adotam
práticas de manejo conservacionistas, com ênfase principal na recuperação de
matas ciliares e da cobertura vegetal, por consequência, com rebatimentos
ambientais positivos em termos da redução de erosão e do assoreamento de
mananciais no meio rural, buscando uma melhoria na qualidade da água e
aumento nas vazões dos rios.
Em função do serviço ambiental prestado a toda a bacia, o produtor de água
recebe uma remuneração, para tanto, sendo permanentemente avaliado em suas
ações, com o pagamento estabelecido por tais serviços ambientais (PSA) sendo
como uma compensação pelas receitas que deixou de receber por cultivos que
venderia ao mercado, os quais foram deixados produzir nas áreas
ambientalmente recuperadas – sobretudo, matas ciliares e cobertura vegetal.
Adicionalmente, o programa prevê apoio técnico e financeiro à execução de
ações como construção de terraços e de bacias de infiltração, readequação de
estradas vicinais, recuperação e proteção de nascentes, reflorestamento das
áreas de proteção permanente e reserva legal e saneamento ambiental.
Atualmente estão em andamento seis projetos do Programa Produtor de Água,
nas seguintes localidades: Extrema/MG, Bacias do PCJ/SP, Pipiriau/DF, Projeto
Produtor de Águas/ES, Apucarana/PR e Guandu/RJ.
Dentre estes, dois exemplos são mais detalhados na sequência: o Programa
Produtor de Águas no Município de Extrema/MG e no Estado do Espírito Santo.
Município de Extrema/MG
Desenvolvido na cidade de Extrema, em Minas Gerais, este Programa foi
estabelecido pela Lei Municipal n° 2.100/2005. Nesse contexto foram elencados
como objetivos específicos:
14 Fonte: site da Agência Nacional de Águas (ANA).
63
(i) aumentar a cobertura vegetal em sub-bacias hidrográficas e implantar
microcorredores ecológicos;
(ii) reduzir os níveis de poluição difusa rural, decorrentes dos processos de
sedimentação e eutrofização e de falta de saneamento ambiental;
(iii) difusão do conceito de manejo integrado de vegetação, solo e da água da
bacia hidrográfica do rio Jaguari; e,
(iv) garantir a sustentabilidade socioeconômica e ambiental dos manejos e
práticas implantadas, por meio de PSA aos proprietários rurais.
Como metas gerais, foram estabelecidas as seguintes:
Meta 1 = Adoção de práticas conservacionistas de solo, com a finalidade de
abatimento efetivo da erosão e da sedimentação.
Meta 2 = Implantação de sistemas de saneamento ambiental (sistema de
abastecimento de água, sistema de esgoto sanitário e coleta e disposição de
resíduos sólidos).
Meta 3 = Implantação e manutenção das áreas de preservação permanente
(APPs).
Meta 4 = Implantação, através de averbação em cartório, da Reserva Legal.
A remuneração dos produtores de água – viabilizada por aportes financeiros da
ANA, do Governo do Estado de Minas Gerais, da Prefeitura Municipal e dos
demais beneficiários diretos –, segue com critérios definidos pelo Departamento
de Serviços Urbanos e do Meio Ambiente (DSUMA), tendo 100 Unidades Fiscais
de Extrema (UFEX) por hectare/ano, como valor de referência (VR).
Projeto Produtor de Água no Espírito Santo
A Lei Estadual nº 5.818/1998, que institui a Política Estadual de Recursos Hídricos
do Espírito Santo, foi a pioneira no conceito “provedor-recebedor”. Com efeito, o
impacto dessa legislação foi a criação de um mercado de serviços ambientais na
vertente dos recursos hídricos, estabelecido entre beneficiados e beneficiários,
com mecanismos de compra de serviços de recuperação e manutenção de áreas
estratégicas do ponto de vista hidrológico.
64
O Projeto Produtor de Água ― coordenado pela Secretaria de Estado para
Assuntos do Meio Ambiente e Recursos Hídricos (SEAMA), com a cooperação da
Secretaria da Agricultura, Abastecimento, Aquicultura e Pesca (SEAG) ― tem
como um de seus propósitos criar mecanismos capazes de fazer retornar, aos
proprietários de áreas rurais, parte dos custos, na medida em que atuarem na
prestação dos serviços de melhoria de qualidade de água como, por exemplo, a
destinação da área útil de sua propriedade para a recuperação da cobertura
vegetal original.
A propósito, na maior parte do mundo, observa-se a não comercialização dos
serviços ambientais florestais, portanto, uma dificuldade encontrada é a falta de
possibilidade de mensurar seu valor diretamente através de preços de mercado,
requerendo métodos indiretos (PAGIOLA et al., 2005).
Para o PSA no status de política pública, faz-se necessária a consolidação de
ferramentas legais que respaldem o repasse de recursos financeiros aos
produtores rurais, sendo que, mediante esses instrumentos legais, os
mecanismos do PSA poderão ser efetivamente executados, dando subsídios para
a avaliação da eficácia da equação.
Em 15 de janeiro de 2010, o Governo do Espírito Santo concluiu a criação do
Fundo Estadual de Recursos Hídricos (FUNDÁGUA), que conta com a receita
oriunda dos royalties do petróleo, do setor elétrico e do orçamento do Estado,
para proceder com o repasse aos produtores de água.
Complementarmente, no âmbito do PSA dever-se-á articular e fomentar um
mercado de compra e venda de serviços ambientais, através da participação
efetiva dos produtores rurais (provedores), do setor privado (pagadores), bem
como do Poder Público.
65
ANEXO II
Programa Despoluição de Bacias Hidrográficas - PRODES15
O PRODES visa a incentivar a implantação ou ampliação de estações de
tratamento, para reduzir os níveis de poluição em bacias hidrográficas, com
prioridade, em 2014, para as bacias dos rios São Francisco, Doce, Paraíba do
Sul, Paranaíba e Piranhas-Açu. Também conhecido como "programa de compra
de esgoto tratado", o PRODES paga pelo esgoto efetivamente tratado – desde
que cumpridas as condições previstas em contrato (metas de remoção de carga
poluidora) –, em vez de financiar obras ou equipamentos, sem a previsão de
resultados. A seleção dos empreendimentos corresponde a uma expectativa de
contratação, condicionada à disponibilidade financeira do Programa.
Podem participar do PRODES os empreendimentos destinados ao tratamento de
esgotos, com capacidade inicial de tratamento de, pelo menos, 270 kg de DBO
(carga orgânica) por dia, cujos recursos para implantação da estação não venham
da União. Só podem se inscrever estações ainda não iniciadas ou em fase de
construção, com até 70% do orçamento executado. Para 2014, não estão sendo
aceitas inscrições de ampliação de Estações e Tratamento de Esgotos (ETEs).
A seleção do PRODES também considera se o empreendimento está em
municípios nos quais o Atlas Brasil - Abastecimento Urbano de Água, da ANA,
tenha identificado a necessidade de aportes para tratamento de esgotos, voltados
à proteção de mananciais em sistemas de abastecimento de água, dentre outros
critérios. Segundo o Relatório de Conjuntura dos Recursos Hídricos no Brasil
(2012), o Brasil trata apenas 30% dos esgotos domésticos urbanos produzidos.
Como informações adicionais, cabe registrar que, desde o seu início, em 2001, o
Programa contratou 69 empreendimentos. que atenderam a cerca de 7,6 milhões
de brasileiros, e desembolsou R$ 335,1 milhões pelo esgoto tratado. Esses
recursos alavancaram investimentos de R$ 1.379,32 milhões dos prestadores de
serviços de saneamento, na implantação das estações de tratamento de esgotos.
15 Fonte: site da Agência Nacional de Águas (ANA).
66
Após o lançamento do edital e a inscrição dos empreendimentos, as propostas
são analisadas pela ANA. Depois da fase de habilitação e seleção, o próximo
passo é contratar os projetos. Em seguida, os recursos são aplicados num fundo
de investimento do PRODES, na Caixa Econômica Federal. O dinheiro apenas é
liberado quando as ETE estão operando plenamente e atingindo as metas
definidas em contrato, o que é auferido pelas certificações periódicas – em geral,
trimestrais – realizadas pela ANA. Caso as metas não sejam atingidas o valor não
é pago.
Como calendário para o ano presente, de 2014, constam os seguintes eventos e
datas:
Evento Data
Período de Inscrições 05/05 a 04/07/2014
Habilitação, classificação e seleção dos empreendimentos 07/07 a 17/10/2014
Data máxima para deliberação dos comitês de bacia para aprovar
destinação de recursos ao Prodes até 30/09/2014
Divulgação dos empreendimentos selecionados para fins de
contratação
até 31 de outubro de
2014
Os empreendimentos inscritos serão selecionados e classificados segundo
critérios de pontuação e objetivos, conforme consta na Resolução nº 672, de
2014, emitido pela ANA, resumidos na sequência.
Critério Pontuação Máxima = 100
População atendida e eficiência no tratamento 50
Existência de Comitê de Bacia em funcionamento 5
Localização do empreendimento em bacia prioritária 15
Municípios priorizados pelo Atlas Brasil 5
Destinação de recursos ao PRODES pelos Comitês 10
Empreendimento previsto em planos de recursos hídricos,
programas de investimentos, etc. 5
Empreendimento situado em municípios de critério de criticidade
1 e 2 da Portaria 062/ANA, e listados no Anexo IV da Resolução
nº 644, de 20 de maio de 2013.
10
67
Após o processo de seleção, os empreendimentos selecionados serão
organizados por ordem de pontuação e contratados até o limite orçamentário. Os
critérios de pontuação estão relacionados ao objetivo de qualidade da água (porte
e eficiência de ETE) e aos instrumentos de gestão.
Tal como já mencionado, são consideradas prioritárias, no processo de seleção
de 2014, as seguintes bacias hidrográficas: do rio São Francisco, do rio Doce, do
rio Paraíba do Sul, do rio Paranaíba e do rio Piranhas-Açu.
Há também um critério, já utilizado em 2013, que é a inclusão da lista de
municípios e respectivos trechos de rios que se encontram em situação crítica do
ponto de vista da qualidade, conforme Portaria nº 062, da ANA.
68
ANEXO III
Programa Nacional de Avaliação da Qualidade da Água - PNQA16
O Programa Nacional de Avaliação da Qualidade das Águas (PNQA) surgiu a
partir de uma série de necessidades relacionadas ao monitoramento da qualidade
das águas no Brasil, que influenciam diretamente sobre a gestão dos recursos
hídricos e na solução de conflitos entre os diversos usos da água. Observa-se,
por exemplo, a existência de lacunas geográficas e temporais no monitoramento
de qualidade da água no Brasil em razão, principalmente, de limitações de
recursos.
Há problemas relacionados à falta de padronização e de informações sobre a
realização das coletas e análises laboratoriais, o que torna os resultados
existentes, muitas vezes, pouco confiáveis e de difícil comparação entre regiões
distintas. Essa realidade, somada ao fato da divulgação das informações para a
população e da atuação de tomadores de decisão ser insuficiente na maioria das
unidades da federação, gera dificuldades para uma análise efetiva da evolução da
qualidade das águas e elaboração de um diagnóstico nacional mais consistente.
Objetivando reverter essa situação, a ANA lançou o Programa Nacional de
Avaliação da Qualidade das Águas, que tem como meta geral oferecer à
sociedade conhecimento adequado da qualidade das águas superficiais
brasileiras, de forma a subsidiar os tomadores de decisão (agências
governamentais, ministérios, órgãos gestores de recursos hídricos e de meio
ambiente) na definição de políticas públicas para a recuperação da qualidade das
águas, assim contribuindo em favor de uma gestão mais sustentável dos recursos
hídricos.
Mais especificamente quanto a seus objetivos, são os seguintes: a eliminação de
lacunas geográficas e temporais no monitoramento da qualidade de águas; obter
mais dados e informações sobre a qualidade de águas, sob formas comparáveis
em âmbito nacional; aumentar a confiabilidade das informações sobre a qualidade
16 Fonte: site da Agência Nacional de Águas (ANA).
69
das águas monitoradas; e, avaliar, divulgar e disponibilizar, para a sociedade, as
informações sobre qualidade hídrica.
Por fim, registra-se que o PNQA está estruturado em 4 componentes, organizados
de acordo com o atendimento aos objetivos do Programa. As principais ações
estratégicas de cada componente são as seguintes:
Componente A - Rede Nacional de Monitoramento:
implementar, ampliar e otimizar a distribuição geográfica da rede de
monitoramento da qualidade de água;
tornar adequadas as frequências de monitoramento; e,
garantir a sustentabilidade financeira do sistema de monitoramento.
Componente B - Padronização:
acordar parâmetros mínimos de qualidade de água a serem monitorados
por todas as unidades da federação;
padronizar, entre as unidades da federação, os procedimentos de coleta,
preservação e análise das amostras de qualidade de água;
Componente C - Laboratórios e Capacitação:
ampliar o controle de qualidade dos laboratórios envolvidos em análises de
qualidade de água;
capacitar pessoas envolvidas como o monitoramento e análise de
qualidade de águas;
Componente D - Avaliação da Qualidade da Água:
criar e manter um banco de dados nacional e um portal na internet para
divulgação das informações de qualidade de água; e,
avaliar sistematicamente a qualidade das águas superficiais brasileiras.
70
ANEXO IV
Acordos de Cooperação Técnica com os Estados Federados, com as
Salas de Situação 17
1. Apresentação
No cumprimento de sua missão institucional e como parte integrante dos esforços
para a implementação do Plano Nacional de Gestão de Risco e Resposta a
Desastres Naturais, deflagrado em virtude de eventos críticos de grandes
impactos ocorridos nos últimos anos, muitos deles relacionados a enxurradas e
inundações, a Agência Nacional de Águas (ANA) vem trabalhando para a
melhoria do monitoramento de rios e reservatórios e no incremento da capacidade
de prevenção de eventos hidrológicos críticos, especificamente relacionados a
inundações ribeirinhas e secas, em decorrência de possíveis mudanças
climáticas.
Nesse sentido, destacam-se os esforços empreendidos para a instalação de
Salas de Situação, em todos os estados brasileiros e no Distrito Federal, a
exemplo da Sala de Situação da própria ANA, ambiente no qual é realizado o
acompanhamento da evolução das condições hidrológicas de rios e reservatórios
e da ocorrência de eventos críticos, relacionados à secas e inundações, em todo
território nacional. Esse acompanhamento visa a subsidiar, em especial, a tomada
de decisões dos responsáveis pela proteção da população, com vistas à
minimização dos efeitos desses fenômenos.
Assim, desde 2010, a ANA, por meio de Acordos de Cooperação Técnica
(ACTs), vem apoiando os estados na estruturação de Salas de Situação
próprias, as quais funcionam como centros de gestão de situações críticas, com
foco nos principais sistemas hídricos de cada um, de modo a identificar possíveis
ocorrências de eventos críticos e permitir a adoção antecipada de medidas
mitigadoras pelos órgãos gestores de recursos hídricos e pela Defesa Civil.
2. Embasamento Legal
17 Fonte: Documento enviado pela ANA, em 30 de julho de 2014.
71
De acordo com a Lei Federam nº 9.984/2000, em seu inciso X, art. 4º, cabe à
Agência Nacional de Águas (ANA) “planejar e promover ações destinadas a
prevenir e minimizar os efeitos de secas e inundações, no âmbito do Sistema
Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos, em articulação com o órgão
central do Sistema Nacional de Defesa Civil, em apoio aos Estados e Municípios”.
Esta Lei Federal nº 9.984/2000 também atribui à ANA, no inciso XIII, art. 4º, a
responsabilidade de “promover a coordenação das atividades desenvolvidas no
âmbito da rede hidrometeorológica nacional, em articulação com órgãos e
entidades públicas ou privadas que a integram, ou que dela sejam usuárias”.
Assim, o programa de implantação das Salas de Situação estaduais vai ao
encontro do atendimento dessas atribuições legais, integrando a implantação e a
modernização da rede de monitoramento hidrometeorológico a um ambiente, com
adequada infraestrutura material e de pessoal, com o objetivo de atuar na
prevenção de eventos hidrológicos críticos.
3. Antecedentes
Por intermédio de sua Sala de Situação, que foi inaugurada, em novembro de
2009, em sua própria sede, no Setor Policial em Brasília, a ANA vem realizando o
acompanhamento das condições hidrometeorológicas de bacias hidrográficas
prioritárias e do armazenamento dos principais reservatórios do País, com vistas a
subsidiar, em especial, a tomada de decisões no que se refere à minimização dos
efeitos de secas e inundações. Para tanto, utilizam-se dados de monitoramento
de chuvas, de níveis e vazões de rios, de operação dos principais reservatórios,
de previsões de tempo e clima, de modelos hidrológicos e de registros de
ocorrências de situação de emergência ou estado de calamidade pública nos
municípios brasileiros.
Em junho de 2010, ocorreram eventos de inundação nos estados de Alagoas e
Pernambuco, notadamente nas bacias dos rios Mundaú, Paraíba, Una, Sirinhaém
e Capibaribe. Esses eventos críticos resultaram na perda de vidas humanas e
bens materiais, além de desalojarem e desabrigarem dezenas de milhares de
famílias. Àquela época, apesar de existirem estações fluviométricas na região,
poucas eram telemétricas, o que não permitia um acompanhamento da subida
72
dos níveis dos rios em tempo hábil para emissão de alertas às populações
ribeirinhas.
Por meio da Medida Provisória nº 498, de 29/07/2010, a União abriu crédito
extraordinário à ANA, para a aquisição de equipamentos que possibilitassem a
implantação de um sistema de prevenção de eventos hidrológicos críticos nos
dois estados. Foram, então, adquiridos plataformas de coleta de dados (PCDs),
veículos, equipamentos de medição de vazão e de informática, os quais foram
entregues aos estados, à exceção das PCDs, que foram instaladas pela própria
ANA em pontos estratégicos para o monitoramento hidrológico, com o apoio da
Companhia de Pesquisa de Recursos Minerais (CPRM) e dos órgãos gestores de
recursos hídricos estaduais.
Em atenção a estes fatos e com base nas suas atribuições legais e institucionais,
a ANA iniciou, então, um programa de implantação de Salas de Situação nestes
estados, nos moldes da Sala já existente na Agência, com ambos de forma
integrada a esta. Assim, em abril de 2011, foi implantada a Sala de Situação de
Alagoas, sob a responsabilidade da Secretaria de Estado do Meio Ambiente e
dos Recursos Hídricos (SEMARH) e, em maio do mesmo ano, a Sala de
Situação de Pernambuco, coordenada pela Agência Pernambucana de Águas e
Clima (APAC).
Como resultado, as Salas de Situação estaduais já realizam o acompanhamento
de forma análoga à da ANA, diferenciando-se na escala espacial de análise. Esse
espaço funciona como um centro de gestão de situações críticas e subsidia a
tomada de decisão por parte do órgão estadual gestor de recursos hídricos,
identificando possíveis ocorrências de eventos críticos, por meio do
acompanhamento das condições hidrológicas dos principais sistemas hídricos do
estado. Dessa maneira, permite a adoção de medidas preventivas e mitigadoras
dos efeitos de secas e inundações.
O principal objetivo das Salas de Situação nos estados é acompanhar as
tendências hidrológicas, com análise da evolução das chuvas, níveis e das
vazões dos rios e reservatórios, da previsão do tempo e do clima, bem como a
realização de simulações matemáticas que auxiliem na prevenção de eventos
73
extremos.
As Salas de Situação se constituem em um espaço físico, provido de
equipamentos de informática, com conexão à rede mundial de computadores,
onde é possível integrar as áreas de hidrologia, meteorologia, radar, defesa civil e
sensoriamento remoto, em articulação direta com as áreas federal e estadual,
além da interligação permanente à Sala de Situação da ANA. Para lidar com
esses dados e informações, as Salas de Situação Estaduais devem reunir
especialistas das áreas de hidrologia, de meteorologia e de Defesa Civil.
A partir da boa avaliação dos resultados obtidos nas Salas de Situação de
Alagoas e Pernambuco – que permitiu o acompanhamento e a análise da
elevação dos níveis ao longo dos rios, combinados com a previsão meteorológica
e à difusão, pela Defesa Civil, nos municípios atingidos, além de uma maior
articulação entre os órgãos relacionados à ocorrência de desastres naturais –, a
ANA decidiu dar sequência à implantação de Salas de Situação nos demais
estados brasileiros.
Contando com este aprendizado antecedente, as etapas da ANA envolvidas na
implantação das Salas de Situação Estaduais passaram a ser as seguintes, até
o início de sua operação: formalização dos Acordos de Cooperação Técnica;
levantamento das áreas vulneráveis a inundações18; aquisição de equipamentos;
projeto da rede de monitoramento e alerta; treinamentos; e, montagem dos
equipamentos. Cumpridas essas etapas e alocados os recursos humanos
necessários, as Salas de Situação tornam-se, então, aptas a entrarem em
operação.
Em 2012, o programa de apoio à implantação das Salas de Situação passou a
integrar o Eixo Monitoramento e Alerta, componente do Plano Nacional de Gestão
de Riscos e Resposta a Desastres Naturais, do Governo Federal, com sua
implantação sendo acompanhada pela Casa Civil. Além disso, o Centro Nacional
de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (CEMADEN) passou a receber
informes das Salas e enviar avisos ao Centro Nacional de Gerenciamento de
18 A etapa de levantamento de áreas vulneráveis a inundações foi realizada, para todos os estados
brasileiros, no âmbito do Projeto Atlas de Vulnerabilidade a Inundações.
74
Riscos e Desastres (CENAD), a exemplo da interação alcançada entre o
CEMADEN e a Sala de Situação de Pernambuco.
Ademais, no presente, o Atlas de Vulnerabilidade a Inundações também possui a
participação dos estados em sua elaboração, os quais já auxiliaram na
identificação dos trechos de rios vulneráveis e na estimativa da frequência e do
impacto da ocorrência de inundações graduais. A partir dessas informações,
definiu-se a vulnerabilidade dos trechos de rio e das bacias mais críticas dos
estados. Esse estudo tem subsidiado a conclusão sobre a necessidade e
localização de estações hidrometeorológicas telemétricas complementares, que
passam a ser acompanhadas e mantidas pelas equipes das Salas de Situação
Estaduais.
Com isto, sob uma ótica de mais longo prazo, a ANA apoiará os estados na
elaboração de cartas de zonas inundáveis, de mapas de risco de inundação, de
níveis de alerta e do impacto da ruptura de barragens. Além disso, também
apoiará o desenvolvimento ou aprimoramento de sistemas de previsão
hidrológica.
4. Processo de Articulação com Órgãos da Esfera Federal
As ações de prevenção de eventos hidrológicos críticos, realizadas pela ANA,
fazem parte de um conjunto de ações realizadas, em nível federal, na área de
gestão de riscos e resposta a desastres naturais. Nos últimos anos, tem-se
observado, no Brasil, uma preocupação crescente com a identificação de riscos e
a prevenção de desastres naturais, em substituição ao tratamento
tradicionalmente dado ao tema, voltado predominantemente para respostas a
catástrofes.
Nesse sentido, foram cridas instituições voltadas à reunião e articulação de
especialidades relevantes ao enfrentamento de eventos extremos, notadamente o
Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (CEMADEN) e
o Centro Nacional de Gerenciamento de Riscos e Desastres (CENAD).
O CEMADEN reúne e produz informações e sistemas para monitoramento e
alerta de ocorrência de desastres naturais em áreas suscetíveis de todo o Brasil,
enquanto o CENAD tem por objetivo gerenciar ações estratégicas de preparação
75
e resposta a desastres, conforme ilustra a Figura 1. Nessa estrutura, o
CEMADEN envia ao CENAD alertas de possíveis ocorrências de desastres nas
áreas de risco mapeadas. O CENAD, por sua vez, transmite os alertas aos
estados, aos municípios e a outros órgãos federais e apoia as ações de resposta
a desastres.
Figura 1 – Ciclo do Gerenciamento de Riscos e Resposta a Desastres Naturais
Em agosto de 2012, foi lançado o Plano Nacional de Gestão de Riscos e
Resposta a Desastres Naturais, cujo objetivo é proteger vidas, garantir a
segurança das pessoas, minimizar os danos decorrentes de desastres e
preservar o meio ambiente. O Plano articula ações de diferentes instituições,
divididas em quatro eixos temáticos – prevenção, mapeamento, monitoramento e
alerta e resposta a desastres –, descritos a seguir:
Eixo Prevenção – A prevenção contempla as obras do Programa de
Aceleração do Crescimento (PAC) voltadas à redução do risco de
desastres naturais, com destaque para obras de contenção de encostas,
drenagem urbana e controle de inundações, construção de sistemas de
captação, distribuição e armazenamento de água potável nas regiões do
semiárido, para enfrentamento aos efeitos da seca.
76
Eixo Mapeamento – Prevê o mapeamento de áreas de alto risco de
deslizamento, enxurradas e inundações em 821 municípios prioritários.
Nesses municípios, serão elaborados planos de intervenção, que
identificam a vulnerabilidade das habitações e da infraestrutura dentro dos
setores de risco, bem como propõem soluções para os problemas
encontrados, além do apoio à elaboração de cartas geotécnicas de aptidão
urbana, subsidiando as municipalidades no ordenamento territorial.
Contempla, na componente “Risco Hidrológico”, a elaboração do Atlas de
Vulnerabilidade a Inundações.
Eixo Monitoramento e Alerta – As ações previstas neste eixo têm como
objetivo o fortalecimento do Sistema de Monitoramento e Alerta,
especialmente por meio da ampliação da rede de observação e da
estruturação do CEMADEN e do CENAD. Contempla também a
implantação das Salas de Situação Estaduais para monitoramento
hidrológico.
Eixo de Resposta a Desastres – Este eixo envolve um conjunto de ações
voltadas ao aumento da capacidade de resposta frente à ocorrência de
desastres, tais como a criação da Força Nacional de Emergência e a
mobilização da Força Nacional de Segurança, no apoio aos estados e
municípios, quando ocorrerem desastres de grande magnitude, visando a
acelerar a execução das ações de recuperação e socorro.
O principal papel da ANA neste sistema, em conformidade com a Lei nº 12.608,
de 10 de abril de 2012, que dispõe sobre o Sistema Nacional de Proteção e
Defesa Civil (SINPDEC) e o Conselho Nacional de Proteção e Defesa Civil, é
continuamente produzir e transmitir, ao CEMADEN e ao CENAD, informações
hidrológicas confiáveis, com frequência e antecedência adequadas, para permitir
a tomada de decisão em tempo hábil. No caso da ocorrência de eventos críticos
de inundações, mobiliza-se uma força-tarefa de geólogos e hidrólogos (entre eles,
alguns servidores da ANA), de caráter temporário, a fim de acompanhar mais
atentamente o evento em questão.
Paralelamente, a ANA elaborou o Atlas de Vulnerabilidade a Inundações,
77
concebido como uma ferramenta para diagnóstico da ocorrência e dos impactos
das inundações graduais, nos principais rios das bacias hidrográficas brasileiras.
Esse projeto consiste da identificação dos trechos de rios onde ocorrem
inundações graduais ou de planície, da avaliação da vulnerabilidade das regiões
afetadas e a definição das áreas críticas. Durante a sua elaboração, na medida
em que eram produzidas, as informações consideradas relevantes iam sendo
encaminhadas para o CEMADEN e para o CENAD. Assim, segue em pauta um
encargo para que o referido projeto seja periodicamente atualizado.
5. Estágio Atual de Implantação das Salas de Situação Estaduais
As Salas de Situação Estaduais, com instalações apoiadas pela ANA e
integradas com a própria Sala da Agência, funcionam como centros de gestão de
situações críticas. A escala de trabalho e o conhecimento ali reunido permitem a
detecção e atenção a eventos locais, diferentemente do que ocorre na Sala da
ANA, que trabalha com todo o território nacional, por conseguinte, sob uma
escala mais macro.
Nas Salas de Situação Estaduais devem estar presentes o órgão gestor de
recursos hídricos, o instituto de meteorologia e a Defesa Civil Estadual, que
buscam identificar ocorrências e permitir a adoção antecipada de medidas
mitigadoras dos efeitos de secas e inundações. Neste contexto, muitas das Salas
de Situação vêm sendo implantadas nos estados, por meio de Acordos de
Cooperação Técnica, entre a ANA e os órgãos estaduais gestores de recursos
hídricos.
Até o momento, 23 Salas de Situação, para o acompanhamento de eventos
hidrológicos críticos, já se encontram em operação, nos seguintes estados: Acre,
Alagoas, Amazonas, Amapá, Bahia, Ceará, Maranhão, Mato Grosso, Tocantins,
Goiás, Pará, Paraíba, Pernambuco, Piauí, Rio de Janeiro, Rio Grande do Norte,
Rondônia, Roraima, Rio Grande do Sul, Santa Catarina, São Paulo, Paraná e
Sergipe. Duas Salas de Situação se encontram em fase final de implantação, no
Mato Grosso do Sul e em Minas Gerais, enquanto do Espírito Santo e no Distrito
Federal encontram-se em negociação, para assinatura do Acordo de Cooperação
Técnico.
78
Enfim, em 2014, tem sido fortalecido o apoio técnico às Salas de Situação
Estaduais, com diagnóstico da implantação dos planos de trabalho, levantamento
de necessidades de capacitação e suporte e definição de recomendações.
79
ANEXO V
Cooperação Sul-Sul19
1. Objetivo e Duração
Este Projeto de Cooperação Sul-Sul visa a apoiar a formação e a consolidação
das capacidades técnicas, institucionais e legais para a gestão integrada e o uso
sustentável dos recursos hídricos, nos países da América Latina e do Caribe e,
também, da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), de forma a
capacitá-los e instrumentalizá-los para o enfrentamento dos desafios desse tema
sobre as águas, à luz do cenário de crescimento mundial, assim como, dos
impactos sobre os recursos hídricos, resultantes de possíveis mudanças
climáticas e de outros aspectos de relevância nacional, macrorregional ou global.
A duração prevista para o desenvolvimento do Projeto é de 3 anos, tendo início
em 2014 e término em 2016.
2. Instituições Envolvidas
Este Projeto vincula a ação de 3 (três) instituições, a saber: a Agência Nacional de
Águas (ANA); a Agência Brasileira de Cooperação (ABC/MRE); e, a Organização
das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO).
A ANA, como instituição executora do Projeto, fará as articulações técnicas
necessárias para fomentar o envolvimento das instituições responsáveis pela
gestão dos recursos hídricos, com países da América Latina e do Caribe, bem
como, da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, em especial.
Em relação ao papel técnico da ANA, a Agência se utilizará de avaliações
técnicas nos cursos de capacitação, nas missões e estudos técnicos, de modo a
contribuir para as ações afetas ao gerenciamento e implementação do Projeto.
No que se refere ao apoio do Projeto para a participação da ANA e de outras
instituições em eventos internacionais relevantes, especialmente quando voltados
ao atingimento dos objetivos específicos do próprio Projeto, o gerenciamento de
19 Fonte: Síntese do documento enviado pela ANA, em 30 de julho de 2014.
80
implementação irá considerar o cumprimento de tarefas e metas previamente
acordadas entre as instituições partícipes, de modo que os resultados dessas
ações efetivamente contribuam em favor de seus mencionados objetivos
específicos.
Por seu turno, a ABC será responsável pelo monitoramento da execução das
atividades previstas pelo Projeto, bem como, pela avaliação de seus resultados,
tendo em vista o alcance dos objetivos da Cooperação Sul-Sul, quais sejam, o
compartilhamento de experiências e conhecimentos brasileiros disponíveis, com
vistas à promoção do adensamento das relações entre os países, dentro do
marco de uma política externa solidária no campo da cooperação para o
desenvolvimento.
Já a UNESCO será responsável pelo gerenciamento financeiro e administrativo
do Projeto, cabendo à instituição as contratações de consultores e consultorias, o
pagamento dos gastos com viagens, a viabilização dos recursos necessários à
realização dos cursos de capacitação, dentre outras ações necessárias para a
concretização das atividades previstas. Também caberão à UNESCO o
monitoramento e a avaliação, em parceria com a ABC, do que será realizado no
âmbito do Projeto.
3. Abordagem e Metodologia
A estratégia da cooperação técnica prestada pelo Brasil está centrada, de acordo
com o Manual de Gestão da Cooperação Técnica Sul-Sul, elaborado pela ABC,
no fortalecimento institucional de seus parceiros, condição vista como
fundamental para que a transferência e a absorção dos conhecimentos sejam
efetivadas, por meio do compartilhamento de êxitos e melhores práticas nas áreas
demandadas pelos países parceiros.
A ANA, como agência governamental responsável pela implementação da Política
Nacional de Recursos Hídricos, vem se empenhando, no contexto de suas ações
de cooperação técnica internacional, em oferecer alternativas de gestão às
instituições responsáveis pelo tema em outros países em desenvolvimento,
notadamente nas regiões geográficas priorizadas pelo Projeto em pauta.
O mencionado fortalecimento das capacidades técnicas e institucionais
81
possibilitará, então, estabelecer um ambiente propício para a construção de
alianças estratégicas em torno de temas globais afetos aos recursos hídricos,
promovendo assim, um aperfeiçoamento da Governança da água e das políticas
públicas voltadas à segurança hídrica, em apoio a um desenvolvimento mais
sustentável nos cenários nacional, regional e internacional.
Ao longo dos últimos anos, o Brasil, de modo geral, e a ANA, em particular,
receberam mandatos para contribuir com o fortalecimento técnico e institucional
das instituições de água nos países da América Latina e do Caribe, e nos países
da CPLP.
Como exemplos, podem ser citados: (i) o compromisso assumido pelo Brasil de
apoiar as ações de cooperação junto à Secretaria Geral Ibero-Americana
(SEGIB), no âmbito do Programa de Formação e Transferência Tecnológica em
matéria de Gestão Integrada de Recursos Hídricos, designando a ANA como
executora dessas ações amparadas pela Conferência de Diretores Ibero-
americanos de Água (CODIA); (ii) a Plataforma de Cooperação da Comunidade
dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) na área ambiental, pela qual os estados
membros designaram Brasil e Portugal para coordenar a temática da água,
visando, particularmente, ao fortalecimento da cooperação Sul-Sul; e (iii) a
participação da ANA na Comissão do Processo Regional para o 7º Fórum Mundial
da Água, contribuindo para o fortalecimento e a mobilização dos países da
América Latina e do Caribe no referido Fórum.
Diante desse cenário, percebe-se que este Projeto ajudará os países em
desenvolvimento, em favor da ampliação de suas capacidades técnicas,
institucionais e legais, para fazer frente aos desafios inerentes à gestão integrada
e ao uso sustentável dos recursos hídricos, associados aos efeitos potenciais das
diversas mudanças globais em curso, tais como, o crescimento urbano, pressões
populacionais, demanda energética e variabilidades climáticas.
Além disso, por meio da troca de experiências, conhecimentos e melhores
práticas, este Projeto contribuirá para o fortalecimento institucional nesses países
e para a adoção de políticas alinhadas com os objetivos de desenvolvimento do
milênio e com os objetivos de desenvolvimento sustentável, no contexto da
82
Agenda de Desenvolvimento das Nações Unidas, pós-2015.
Para tanto, a estratégia de implementação do Projeto tem como base a utilização
e o fortalecimento de institucionalidades já operativas e que conferem prioridades
para cooperação em temas sobre a água, como é o caso da Conferência de
Diretores Ibero-americanos de Água (CODIA) e o da Comunidade de Países de
Língua Portuguesa (CPLP).
Especificamente no caso da CODIA, trata-se de um mecanismo no qual
participam os principais responsáveis pela gestão de água na região latino-
americana e que tem como principais funções atuar como instrumento técnico de
apoio ao Foro Ibero-americano de Diretores de Água, além de examinar e
instrumentalizar modalidades de cooperação na área de recursos hídricos.
Nesse sentido, a CODIA tem buscado fomentar planos e programas de ação
conjunta, promover o desenvolvimento e o intercâmbio de experiências, facilitar a
troca e a coordenação institucional, e desenvolver cursos e programas de
formação.
A abordagem utilizada no desenho e para a implementação do Projeto em pauta
se constitui em prover um instrumento que dê continuidade à atuação desse
mecanismo e busque, por outro lado, identificar e subsidiar o estabelecimento de
novos meios de apoio e fortalecimento, tais como a criação de um fundo de
financiamento para fomentar a gestão de recursos hídricos nos países da região.
Assim como a CODIA, a CPLP tem constituído prioridade para articulação e
cooperação em matéria de água, a qual terá muito a ganhar com a
implementação de ações que fortaleçam sua capacidade de atuação junto aos
países de língua portuguesa, em processos de desenvolvimento.
Particularmente, o Projeto também pretende apoiar ações previstas no Plano de
Formação da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa em Matéria de
Recursos Hídricos, aprovado em 2012.
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