Introdução (pp. 13 – 22). Sobre a definição, âmbito e significado da
hermenêutica. Primeira Parte.
PALMER, Richard E. Hermenêutica. Tradução de Maria Luísa Ribeiro
Ferreira. Lisboa: Edições 70, 2006.
“Hermenêutica é uma palavra que cada vez mais se ouve nos círculos
teológicos, filosóficos e mesmo literários” (p.15).
“Mas o termo não é uma palavra usual quer na filosofia quer na crítica literária;
e mesmo em teologia o seu uso aparece muitas vezes num sentido restrito
que contrasta com seu uso largamente feito na “nova hermenêutica” teológica
contemporânea. Daí colocar-se frequentemente a questão: que é
hermenêutica? O Webster Third New International Dictionary define-a como: o
estudo dos princípios metodológicos de interpretação e de explicação;
hermeutica específica: o estudo dos princípios gerais de interpretação bíblica”.
(p.16).
“... não há por enquanto em inglês nenhum tratamento completo de
hermenêutica enquanto disciplina geral, não teleológica (p.16).
“O presente trabalho pretende ir ao encontro desta necessidade. Dar-se-á ao
leitor uma ideia da fluidez da hermenêutica e dos problemas complexos que se
ligam à sua definição” (p.16).
“... o objetivo de explorar a hermenêutica subordina-se neste livro a uma outra
finalidade: delinear a matriz das razões no âmbito dos quais os teóricos
literários americanos poderão significativamente retomar a questão da
interpretação, num nível filosófico anterior a todas as considerações de
aplicação a técnicas de análise literária” (p.16).
“... a finalidade deste livro é apelar para que a interpretação literária americana
reexplore num contexto fenomenológico a pergunta: o que é interpretação?
Por fim, este estudo aponta uma orientação específica para o problema: a
abordagem fenomenológica. Vê na hermenêutica fenomenológica, contra
outras formas, o contexto mais adequado para a questão a ser explorada” (pp.
16-17).
“A percepção que cada um tem da obra é considerada separadamente da
1
própria obra, e a interpretação literária tem como tarefa falar da <<própria
obra>> ... a obra é em si mesma <<um sear>> com os seus próprios poderes
e a sua dinâmica” (p.17).
“A fenomenologia é uma orientação do pensamento europeu que submeteu as
concepções realistas da percepção e da interpretação a uma crítica radical”
(p.17).
“O texto de uma obra literária tende a ser encarado como um objeto – um
<<objeto estético>>. O texto é analisado numa total separação relativamente a
qualquer sujeito percepcionante, e a <<análise>> é considerada como sendo
virtualmente sinônima de <<interpretação>>” (p.18).
“Mesmo a recente aproximação com a crítica social, numa espécie de
formalismo iluminado, apenas alarga a definição de objeto, incluindo na
análise o seu contexto social” (p.18).
“Esquecemos que a obra literária não é um objeto manipulável,
completamente à nossa disposição; é uma voz humana que vem do passado,
uma voz à qual temos de certo modo que dar vida. O diálogo, e não a
dissecação, abre o universo da obra literária” (p.18).
“Contudo, as obras literárias serão consideradas mais perfeitamente não
enquanto objetos de análise, mas como textos que falam, criados por seres
humanos” (p.19).
“A tarefa da interpretação e o significado da compreensão são diferentes (uma
mais indefinível, outra mais histórica) no que respeita a uma obra e no que
respeita a um <<objeto>>. Um <<objeto>> é sempre selado com um toque
humano; a própria palavra o sugere, porque uma obra é sempre a obra de um
homem ou de Deus. Por outro lado, um <<objeto>> pode ser uma obra ou um
objeto natural” (p.19).
A crítica literária precisa de procurar um <<método>> ou <<teoria>>
especificamente adequados à decifração da marca humana numa obra, ao
seu <<significado>>. Este processo de <<decifração>>, esta
<<compreensão>> do significado de uma obra, é o ponto central da
hermenêutica. A hermenêutica é o estudo da compreensão, é essencialmente
a tarefa de compreender textos. As ciências da natureza têm métodos para
compreender objetos naturais; as <<obras>> precisam de uma hermenêutica,
2
de uma <<ciência>> da compreensão adequada a obras enquanto obras. ”
(p.19).
O campo da hermenêutica nasceu como esforço para descrever estes últimos
modos de compreensão, mais especificamente <<históricos>> e,
<<humanísticos>>” (p.19).
“... A hermenêutica chega à sua dimensão mais autêntica quando deixa de ser
um conjunto de artifícios e de técnicas de explicação de texto e quando tenta
ver o problema hermenêutico dentro do horizonte de uma avaliação geral da
própria interpretação. Deste modo, implica dois pólos de atenção, diferentes e
inter atuantes: 1) o fato de compreender um texto; 2) a questão mais
englobante do que é compreender e interpretar. ” (pp.19-20).
“Um dos elementos essenciais para uma teoria hermenêutica adequada e,
consequentemente, para um teoria adequada da interpretação literária, é uma
concepção da própria interpretação suficientemente lata... O cientista chama
<<interpretação>> a análise que faz dos dados; o crítico literário chama
interpretação a análise que faz de uma obra” (p.20).
“A interpretação é, portanto, talvez, o ato essencial do pensamento humano,
na verdade, o próprio fato de existir pode ser considerado como um processo
constante de interpretação” (p.20).
“È claro que há uma interpretação constante a muitos níveis linguísticos,
tecidos pela convivência humana. Joaquim Wach diz-nos que podemos
conceber a existência humana sem linguagem, mas não a podemos conceber
sem uma compreensão mútua de um homem para outro – ou seja, não a
podemos conceber sem interpretação. No entanto, a existência humana tal
como a conhecemos implica sempre a linguagem e, assim, qualquer teoria
sobre interpretação humana tem que lidar com o fenômeno da linguagem”
(p.20).
“A linguagem molda a visão do homem e o seu pensamento –
simultaneamente a concepção que ele tem de si mesmo e do seu mundo... A
própria visão que tem da realidade é moldada pela linguagem” (p.21).
“A interpretação é, portanto, um fenômeno complexo e universal” (p.21).
“A compreensão é simultaneamente um fenômeno epistemológico e
ontológico” (p.21).
3
“... compreender uma obra literária não é uma espécie de conhecimento
científico que foge da existência para um mundo de conceitos; é um encontro
histórico que apela para a experiência pessoal de quem está no mundo”
(p.21).
A hermenêutica é o estudo deste último tipo de conhecimento. Pretende juntar
duas áreas da teoria da compreensão: o tema daquilo que está envolvido no
fato de compreender um texto e o tema do que é a própria compreensão, no
seu sentido mais fundante e <<existencial>>” (p.21).
Hermeneuein e Hermeneia (pp. 23 – 41). Sobre a definição, âmbito e
significado da hermenêutica. Primeira Parte.
PALMER, Richard E. Hermenêutica. Tradução de Maria Luísa Ribeiro
Ferreira. Lisboa: Edições 70, 2006.
“As raízes da palavra hermenêutica residem no verbo grego hermeneuein,
usualmente traduzido por <<interpretar>>, e no substantivo hermeneia,
<<interpretação>>” (p.23).
4
“As várias formas da palavra sugerem o processo de trazer uma situação ou
uma coisa, da inteligibilidade à compreensão” (p.24).
“Assim, levada até a raiz grega mais antiga, a origem das atuais palavras
<<hermenêutica>> e <<hermenêutico>> sugere o processo de <<tornar
compreensível>>, especialmente enquanto tal processo envolve a linguagem,
visto ser a linguagem o meio por excelência neste processo” (p.24).
“Este processo de tornar compreensível ... está implícito nas três vertentes
básicas patentes no significado de hermeneuein e hermeneia, no seu antigo
uso. As três orientações, usando a forma verbal (hermêneein) para fins
exemplificativos, significam: 1) exprimir em voz alta, ou seja, <<dizer>>; 2)
explicar, como quando se explica uma situação, e 3) traduzir, como na
tradução de uma língua estrangeira. ” (p.24).
“Os três significados podem ser expressos pelo verbo português
<<interpretar>>, e no entanto, cada um representa um sentido independente e
relevante do termo interpretação. A interpretação pode, pois, referir-se a três
usos bastante diferentes: uma recitação oral, uma explicação racional e uma
tradução de outra língua” (pp.24-25).
“A tarefa da interpretação deverá ser tornar algo que é pouco familiar, distante
e obscuro em algo real, próximo e inteligível” (p.25).
“Examinemos, pois, cada um deles no que se respeita ao seu significado na
interpretação literária e teleológica” (p.25).
“A primeira orientação fundamental do sentido de hermeneuein é
<<exprimir>>, <<afirmar>> ou <<dizer>>” (p.25).
“Ainda dentro desta primeira orientação significativa, há um matiz vagamente
diferente, sugerido pela frase <<expressar>>, que ainda mantém um sentido
de <<dizer>>, mas que é um dizer que é em si próprio interpretação. Por esta
razão, somos orientados pelo modo como uma coisa se exprime – o
<<estilo>>, de uma <<performance>>. Usamos este cambiante da palavra
<<interpretação>> quando nos referimos à interpretação que um artista faz de
uma canção ou que um maestro faz de uma sinfonia. Neste sentido, a
interpretação é uma forma de dizer” (p.26).
“Os poderes da linguagem falada deveriam recordar-nos um importante
fenômeno: a franqueza da linguagem escrita. A linguagem escrita não tem a
5
<<expressividade>> primordial da palavra falada” (p.26).
“A interpretação oral não é uma resposta passiva aos signos no papel, à
maneira de um fonógrafo que toca um disco; é um tema criativo, é uma
<<performance>>, semelhante à de um pianista que interpreta uma peça
musical” (p.27).
“... Aquele que reproduz tem de chegar ao sentido das palavras, de modo a
exprimir, mesmo que seja uma só frase. Mas como se passa essa misteriosa
apreensão de sentido? O processo é um paradoxo confuso: para lermos algo
torna-se necessário compreender previamente o que vai ser dito e, porém,
esta compreensão deverá vir da leitura” (p.27).
“... a interpretação oral tem duas vertentes: é necessário compreender algo
para o podermos exprimir e, no entanto, a própria compreensão vem a partir
de uma leitura-expressão interpretativa” (p.27).
“... o leitor fornece a <<expressão>> de acordo com a sua compreensão do
texto. A tarefa da interpretação oral não é de modo algum uma mera técnica
que exprima um sentido totalmente copiado; é uma tarefa filosófica e analítica
e nunca pode divorciar-se do problema da compreensão, especialmente o da
compreensão da linguagem, é intrínseco a toda a <<interpretação literária>>.
É este problema que constitui o tema da hermenêutica” (p.28).
“Tomemos isto como princípio: Toda a leitura silenciosa de um texto literário é
uma forma disfarçada de interpretação oral. E os princípios de compreensão
que se aplicam numa boa interpretação oral também se aplicam à
interpretação literária como um todo” (p.28).
“A esta luz, a Nova Crítica sem dúvida que concordaria que uma crítica
verdadeira, <<autônoma>>, é a que se orienta para uma leitura oral mais
adequada do próprio texto, de modo a que o texto possa existir outra vez
como um acontecimento significativo no tempo, um ser que irradie pela sua
verdadeira natureza e integridade” (p.29).
“A interpretação oral ajuda a crítica literária a lembrar-se da sua intenção
secreta, quando considera (de um modo mais consciente) a definição da
<<existência>> de uma obra, não como uma coisa estática e conceitual, não
coo uma <<essência>> atemporal que se coisificou enquanto conceito
expresso por palavras, mas antes como uma existência que realiza o seu
6
poder de existir enquanto acontecimento oral no tempo” (p.29).
“A palavra tem que deixar de ser palavra e tornar-se <<evento>>; a existência
de uma obra literária é uma <<palavra evento>> que acontece enquanto
<<performance>> oral” (p.29).
“A linguagem bíblica atua de um modo totalmente diferente de um manual de
construção ou de uma folha informativa; <<informação>> é uma palavra
significativa aponta para uma utilização da linguagem diferente da que se
encontra na Bíblia. Apela para a faculdade racional e não para a
personalidade no seu todo; para compreendermos uma informação não temos
que recorrer à nossa experiência pessoal nem que tomar qualquer risco – e a
informação não é muito afetada por uma leitura silenciosa. Mas a Bíblia não é
informação; é uma mensagem, uma <<proclamação>>, e é susposto lê-la em
voz alta e ouvi-la. Não é um conjunto de princípios científicos. É uma realidade
de uma ordem diferente da verdade científica. É uma realidade que deve ser
compreendida como um relato histórico, é um acontecimento para ser ouvido”
(pp. 29 - 30).
“Os processos interpretativos adequados à ciência, são diferentes dos
processos interpretativos adequados aos acontecimentos históricos, ou dos
acontecimentos que a teologia e a literatura pretendem compreender” (p.30).
Seis definições modernas de Hermenêutica (pp. 43 – 54). Sobre a definição,
âmbito e significado da hermenêutica. Primeira Parte.
PALMER, Richard E. Hermenêutica. Tradução de Maria Luísa Ribeiro
Ferreira. Lisboa: Edições 70, 2006.
“Porque evoluiu nos tempos modernos, o campo da hermenêutica tem sido
definido pelo menos de seis maneiras diferentes ... como: 1) uma teoria da
exegese bíblica; 2) uma metodologia filosófica geral; 3) uma ciência de toda a
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compreensão linguística; 4) uma base metodológica dos
Geisteswissenschaften; 5) uma fenomenologia da existência e da
compreensão existencial; 6) sistemas de interpretação, simultaneamente
recolectivos e iconoclásticos, utilizados pelo homem para alcançar o
significado subjacente aos mitos e símbolos” (p.43).
“... cada uma delas indica um <<momento>> importante ou uma abordagem
ao problema da interpretação. Podiam ser chamas de ênfase bíblico, filológico,
científico, Geisteswissenschaften, existencial e cultural. Cada uma representa
essencialmente um ponto de vista a partir do qual a hermenêutica é encarada;
cada uma esclarece aspectos diferentes mas igualmente legítimos do ato da
interpretação, especialmente da interpretação de textos” (pp.43-44).
Hermenêutica como teoria da exegese Bíblica. “O significado mais antigo e
talvez ainda o mais difundido da palavra <<hermenêutica>> refere-se aos
princípios de interpretação bíblica. Há uma justificação histórica para essa
definição, visto que, a palavra encontrou seu uso atual precisamente quando
surge a necessidade de regras para uma exegese adequada das escrituras”
(p.44).
“... a hermenêutica se diferencia da exegese enquanto metodologia da
interpretação. A distinção entre o comentário real (exegese) e as regras,
métodos ou teoria que o orientam (hermenêutica) data desta utilização
primitiva e permanece fundamental para uma distinção da hermen~eutica,
quer na teologia quer, quando a definição foi ulteriormente alargada,
relativamente à literatura não bíblica” (p.44).
“... no seu uso em inglês, a palavra pode referir-se a uma interpretação não
bíblica, mas nesses casos, o texto é de um modo geral obscuro e simbólico,
requerendo um tipo especial de interpretação para que se alcance o seu
significado escondido” (p.44).
“Existe uma relação de hermenêutica importante entre o Novo e o Antigo
Testamento pois Jesus explica-se a si próprio aos Judeus, em termos de
profecia bíblica” (p.45).
“Sem entrarmos em por menores, será interessante notar a tendência geral da
hermenêutica bíblica de confiar num sistema de interpretação a partir do qual
as passagens individuais possam ser interpretadas” (p.46).
8
“O texto não é interpretado em si mesmo; de fato, pode ser que isto seja um
ideal impossível... Nesse sentido, a hermenêutica é o sistema que o intérprete
tem para encontrar o significado oculto no texto” (p.46).
“... há sempre a questão de saber se a hermenêutica inclui uma teorização
explícita – regras de exegese nitidamente expressas – ou uma teoria não
formulada, implícita da exegese, revelada através de uma prática” (p.46).
A Hermenêutica como metodologia filológica. “O desenvolvimento do
racionalismo e, concomitantemente, o advento da filologia clássica no século
dezoito teve um efeito profundo na hermenêutica bíblica. Surgiu então o
método histórico-crítico da teologia” (p.48).
“Tanto a escola de interpretação bíblica <<gramatical>> como a <<histórica>>,
afirmavam que os métodos interpretativos aplicados à Bíblia, eram
precisamente os que se aplicavam a outras obras” (p.48).
“Com o aparecimento do racionalismo, os intérpretes sentiram-se obrigados a
tentar ultrapassar juízos prévios” (p.48).
“... Assim é um desafio à interpretação tornar a Bíblia relevante para o homem
racional do iluminismo” (p.48).
“Esse desafio, ... levou à intelectualização das afirmações bíblicas. Porque as
verdades acidentais da história eram encaradas como inferiores às verdades
da razão, os intérpretes bíblicos defendiam que a verdade das Escrituras
estava acima do tempo e da história; a Bíblia não diz ao homem nenhuma
verdade que ele não pudesse ter reconhecido pelo uso da razão” (pp.48-49).
“A tarefa da exegese era, pois, entrar profundamente no texto, usando as
ferramentas da razão natural e encontrando aquelas grandes verdades
escondidas sob diferentes termos históricos. Essas escrituras defendiam a
suficiência de uma compreensão histórica manifesta, suscetível de captar o
espírito subjacente à obra e de o traduzir em termos aceitáveis para uma
razão esclarecida. Podemos chamar a isso uma forma esclarecida de
<<desmitologização>>...” (p.49).
“A interpretação bíblica fez desenvolver técnicas de análise gramatical de
grande requinte, e os intérpretes comprometaram-se mais do que nunca num
conhecimento total do contexto histórico das narrações bíblicas. J.S. Semler
defende, por exemplo, que o intérprete <<deve ser capaz de falar sobre esses
9
temas (bíblicos) de um modo adaptado às diferentes épocas e às diferentes
circunstâncias.” (p.49).
“A verdadeira tarefa do intérprete torna-se uma tarefa histórica” (p.49).
“... a concepção de uma hermenêutica estritamente bíblica, se transformou
gradualmente na de uma hermenêutica considerada como um conjunto de
regras gerais da exegese filológica, sendo a Bíblia um objeto entre outros
dessas regras” (p.49).
“A Hermenêutica como ciência da compreensão... Tal concepção de
hermenêutica implica uma crítica radical do ponto de vista da filologia, pois
procura ultrapassar o conceito de hermenêutica como conjunto de regras,
fazendo uma hermenêutica sistematicamente coerente, uma ciência que
descreve as condições da compreensão, em qualquer diálogo. O resultado
não é uma hermenêutica filológica, mas uma hermenêutica geral cujos
princípios possam servir de base a todos os tipos de interpretação de texto.”
(p.50).
A Hermenêutica como base metodológica para as
<<geisteswissenschaften>>. Dilthey viu na hermenêutica a disciplina central
que serviria de base a todas as geisteswissenschaften (i.e. todas as disciplinas
centradas na compreensão da arte, comportamento e escrita do
homem.”(p.50).
“Dilthey defendia que a interpretação das expressões essenciais da vida
humana, seja ela do domínio das leis, da literatura ou das Sagradas
Escrituras, implica um ato de compreensão histórica, uma operação
fundamentalmente diferente da quantificação, do domínio científico do mundo
natural; porque neste ato de compreensão histórica está em causa um
conhecimento pessoal do que significa sermos humanos.”(p.50).
“Acreditava ser necessário nas ciências humanas ... <<uma crítica da razão
humana>>.”(p.50).
A Hermenêutica como fenomenologia do Dasein e da compreensão
existencial. “Martin Heidegger, ao tratar do problema ontológico, voltou-se
para o método fenomenológico do seu mentor, Edmundo Husserl, e
empreendeu um estudo fenomenológico da presença quotidiana do homem no
mundo... Chamou a análise apresentada em Ser e Tempo uma
10
<<hermenêutica>> do Dasein.” (p.51).
“Neste contexto, a hermenêutica não se refere à ciência ou às regras da
interpretação textual nem a uma metodologia para as geisteswissenschaften
mas antes a explicação fenomenológica da própria existência humana. ”
(p.51).
“A análise de Heidegger indicou que a compreensão e a interpretação são
modos fundantes da existência humana.” (p.51).
“Assim, a hermenêutica Heideggeriana do Dasein, transforma-se também em
hermen~eutica, especialmente na medida em que apresenta uma ontologia da
compreensão; a sua investigação é de caráter hermenêutico quer nos
conteúdos quer no método. ” (p.51).
“A hermenêutica é relacionada de uma só vez com as dimensões ontológicas
da compreensão (e com tudo aquilo que isso implica) e simultaneamente com
a fenomenologia específica de Heidegger” (p.51).
“O professor Han-Georg Gadamer, seguindo a liderança de Heidegger,
desenvolveu as implicações do contributo de Heidegger para a hermenêutica
num trabalho sistemático sobre hermenêutica filosófica (Verdade e Método,
1960).” (p.51).
“Verdade e Método é um esforço de relacionação da hermenêutica com a
estética e com a filosofia do conhecimento histórico ... retrata parte do
pensamento hermenêutico de Heggel e Heidegger, no conceito de consciência
historicamente operativa atuando dialeticamente enquanto transmitida através
do texto” (pp.51-52).
“A hermenêutica avança ainda mais um passo entrando na fase linguística,
com a controversa afirmação de Gadamer de que <<um ser que pode ser
compreendido é linguagem>>. A hermenêutica é o encontro do Ser através da
linguagem. Ultimamente Gadamer defendeu o caráter linguístico da própria
realidade humana, e a hermenêutica mergulha nos problemas puramente
filosóficos da relação da linguagem com o Ser, com a compreensão, a história,
a existência e a realidade” (p.52).
A hermenêutica como um sistema de interpretação: recuperação de
sentido <<versus>> iconoclasmo. “Paul Ricoeur em De LÍnterprétation
(1965) adota uma definição de hermenêutica que remonta a uma centração na
11
exegese textual considerando-a o elemento distinto e central na hermenêutica”
(p.52).
“Por hermenêutica entendemos a teoria das regras que governam uma
exegese, quer dizer, a interpretação de um determinado texto ou conjunto de
sinais suscetíveis de serem considerados como textos.” (p.52).
“A psicanálise, e particularmente a interpretação dos sonhos, é muito
obviamente uma forma de hermenêutica.” (p.52).
“A hermenêutica é o processo de decifração que vai de um conteúdo e de um
significado manifestos para um significado latente ou escondido. O objeto de
interpretação, i.e., o texto no seu sentido mais lato, pode ser constituído pelos
símbolos de um sonho ou mesmo por mitos e ‘símbolos sociais ou literários”
(p.52).
“O estudo de Ricouer distingue entre símbolos unívocos e equívos: os primeiro
são signos de sentido único, como os símbolos da lógica simbólica, enquanto
os últimos são o verdadeiro centro da hermenêutica. Porque a hermenêutica
tem a ver com textos com múltiplos significados; estes podem constituir uma
unidade semântica que tem (como os mitos) um significado supercial
totalmente coerente, tendo ao mesmo tempo um significado mais fundo.”
(pp.52-53).
“A hermenêutica é o sistema pelo qual o significado mais fundo é revelado,
para além do conteúdo manifesto” (p.53).
“Contudo, a operação de encontrar um sentido oculto em sonhos e em lapsos
de linguagem, demonstra na realidade uma desconfiança na superfície, ou
realidade manifesta.” (p.53)
“Isso leva Ricouer a sustentar que nos nossos dias há dois síndromas muito
diferentes da hermenêutica; um, representado pela desmitologização de
Bultmann, lida amorosamente com o símbolo esforçando-se por recuperar o
significado que nele se oculta; o outro procura destruir o símbolo enquanto
representação de uma realidade falsa. Destrói máscaras e ilusões num
esforço racional e incessante de desmitificação.” (p.53)
“devido a estas duas abordagens antiéticas da atual interpretação dos
símbolos, Ricouer defende que não pode haver regras universais para a
exegese, apenas teorias separadas e opostas, relativas as regras de
12
interpretação.” (p.53)
“A desmitologização trata o símbolo ou o texto com uma abertura para uma
realidade sagrada; os desmistificadores tratam os mesmos símbolos (ou seja,
os textos bíblicos) como uma fatia da realidade que deve ser destruída.” (p.53)
“Ricouer tenta contemplar tanto a racionalidade da dúvida como a fé de uma
interpretação passada, numa filosofia reflexiva que não se refugia em
abstrações nem degenera em simples exercício de dúvida, uma filosofia que
aceita o desafio de hermenêutico de mitos e símbolos e que tematiza
reflexivamente a realidade que está por detrás da linguagem, do mito e do
símbolo.
A Luta Contemporânea sobre hermenêutica: Betti <<versus>> Gadamer (pp.
55 – 73). Sobre a definição, âmbito e significado da hermenêutica. Primeira
Parte.
PALMER, Richard E. Hermenêutica. Tradução de Maria Luísa Ribeiro
Ferreira. Lisboa: Edições 70, 2006.
“Temos, por um lado, a tradição de Schleiermacher e de Dilthey, cujos
partidários encaram a hermenêutica como um corpo geral de princípios
13
metodológicos que subjazem à interpretação. E temos, por outro, os
seguidores de Heidegger que vêm a hermenêutica como uma exploração
filosófica das características e dos requisitos necessários a toda a
compreensão” (p.55).
“Os representantes mais conhecidos destas duas posições básicas são Emílio
Betti, ... e Hans-Georg Gadamer” (p.55).
“Betti, pretende dar-nos uma teoria geral do modo como as <<objetivações>>
da experiência humana podem ser interpretadas; defende veementemente a
autonomia do objeto da interpretação e a possibilidade de uma objetividade
histórica na elaboração de interpretações válidas” (p.55).
“Gadamer na sequência de Heidegger, orienta o seu pensamento para a
questão mais filosófica do que é a interpretação em si mesma; defende de um
modo igualmente convincente que a compreensão é um ato histórico e que
como tal está sempre relacionada ao presente. Sustenta que é ingênuo
falarmos de interpretações objetivamente válidas, pois, fazê-lo implicaria ser
possível uma compreensão que partisse de um ponto de vista exterior à
história” (p.55).
A Hermenêutica em Bultmann, Ebeling e Fuchs.
“Rudolf Bultmann é sobejamente conhecido como um dos maiores teólogos
protestantes deste século. Embora o seu nome esta as mais das vezes
associado ao controverso projeto de desmitologização ...” (p.57).
“Contudo, as linhas essenciais da sua orientação existencialista em teologia,
eram patentes desde 1926 ... esta orientação é ela própria um esforço que
pretende confrontar de um modo mais significativo o problema hermenêutico
da interpretação do Novo Testamento com o homem do Século XX” (p.57).
“A desmitologização não pretende apagar nem ignorar os elementos míticos
do Novo Testamento, mas sim realçar neles o seu significado original e
salvídico” (p.57).
“... A desmitologização ataca a literalidade superficial patente num ponto de
vista moderno, ataca a tendência que os leigos, e mesmo os teólogos têm de
considerar a linguagem como mera informação e não como o meio pelo qual
deus confronta os homens com a possibilidade de um autoconhecimento
radicalmente novo” (p.57).
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“A desmitologização não é um instrumento de desmitificação racionalista e
iconoclasta à maneira de Freud, Nietzsche ou Marx ... não procura atacar e
destruir o símbolo mítico, antes o encara como abertura para o sagrado.
Interpretar o símbolo é relembrar o seu sentido original e autêntico, agora
escondido” (pp.57-58).
“A tônica da desmitologização de Bultmann reside na transformação do
conhecimento de cada um. No que se respeita ao auto-conhecimento
existencial” (p.58).
“Não só conceito que Bultmann tem homem como ser histórico orientado para
o futuro, está muito perto do que se defende em Ser e Tempo como também
há pelo menos três aspectos específicos em que a teologia de Bultmann
segue Heidegger: 1º Na distinção entre a linguagem usada como mera
informação que se deve interpretar objetivamente como um fato e a linguagem
plena de contributos pessoais e de poder impor obediência que se assemelha
ao conceito heideggeiriano do caráter derivativo das asserções (especialmente
lógicas) 2º Na ideia de que Deus (o Ser) confronta o homem enquanto
Palavra, enquanto linguagem, que se assemelha à tônica crescente dada por
Heidegger ao caráter linguístico do Ser quando se apresenta ao homem 3º
Também no conceito de que Kerygma como a palavras das palavras, fala por
uma autocompreensão existencial. ” (p.58).
“O Novo Testamento em si mesmo, diz Bultmann, visa um novo (autêntico)
conhecimento de nós próprios; a função de proclamar o Novo Testamento é
trazer este novo conhecimento ao homem moderno a quem ele hoje se dirige”
(p.58).
Bultmann não tem qualquer desejo de afastar “o escândalo” do Novo
Testamento, pretende sim colocar esse escândalo no seu devido lugar: não é
considerando literalmente os mitos como verdades de fé, não é acreditando
numa informação cosmológica manifestamente falsa, mas sim apelando para
uma obediência radical, para à graça, à liberdade na fé”.(p.59).
“...para ele a hermenêutica é sempre definida em termos de exegese de um
texto transmitido historicamente. ...continua haver a hermenêutica mas como
uma filosofia que deve orientar a exegese, do que como a teoria da
compreensão per se” (p.59).
15
Problema hermenêutico embora sempre relacionado com a exegese, é
encarado não enquanto distinta e especificamente teológico mas como um
problema existente em toda a interpretação de textos, seja ela de documentos
jurídicos, obras históricas, literatura ou escrituras.”(p.59).
Para Bultmann, a questão hermenêutica é como compreender os documentos
históricos deixados pela tradição, que por seu lado assenta na questão: quais
as características do conhecimento histórico?” (p.59).
Bultmann assinala que toda a interpretação da história ou todo documento
histórico é orientado por um certo interesse, que por sua vez se baseia numa
certa compreensão preliminar do assunto. A questão molda-se a partir desse
interesse e dessa compreensão. Sem eles nenhuma questão se formularia e
não haveria qualquer interpretação. Por conseguinte, toda a interpretação é
guiada pela pré-compreensão do intérprete” (p.59).
“Aplicado à história, isto significa que o historiador escolhe sempre um certo
ponto de vista, o que por seu lado significa que ele é essencialmente receptivo
ao aspecto do processo histórico aberto às questões que surgem a partir
desse ponto de vista. Por muito objetivo que pretenda ser ao abordar um
tema, o historiador não pode escapar à compreensão que dele tem: já na
escolha de um ponto de vista está em ação aquilo que posso chamar o
encontro existencial com a história. A história só ganha sentido quando o
próprio historiador está dentro da história e toma parte dela” (p.60).
“Dado que o significado apenas surge da relação que o intérprete tem com o
futuro, segundo Bultmann torna-se impossível falar de um significado objetivo
– quer dizer destituído de qualquer ponto de vista. ” (p.60).
“Podemos aqui ver como atua de um modo radical o princípio de Heisenberg
ou teoria de campo; isto é, que o objeto ao ser observado é sutilmente
alterado, pela simples condição de estar a ser observado ” (p.60).
“O conhecimento histórico é ele próprio um evento histórico; o sujeito e o
objeto da ciência histórica não existem independentemente um do outro”
(p.60).
“...a argumentação central de Bultmann é clara: em história não podemos falar
de sentido objetivo porque a história não pode ser conhecida exceto através
da subjetividade do próprio historiador ” (p.60).
16
“Gerhard Ebeling e Ernest Fuchs seguem Bultmann quando colocam o
problema hermenêutico no centro de seu pensamento. Tal como ele,
continuam a agarrar-se a nítida disparidade da visão moderna do real e visão
em que assenta o Novo Testamento. Como Bultmann, opõem-se à visão literal
da linguagem e continuam a tentativa feita por este, de restaurar para Palavra
o seu poder original. Como ele, centralizam-se no significado do Novo
Testamento enquanto testemunham mais do que no seu caráter factual;
acentuam que o intérprete sempre está no meio da história que ele quer
interpretar e que o sentido da história está em relação com a compreensão
que o intérprete tem do futuro ” (p.61).
“Gerhard Ebeling e Ernest Fuchs voltam-se para a própria linguagem e para
sua relação com a realidade. O problema hermenêutico nessa perspectiva não
é simplesmente uma questão de ajustar a proclamação da Palavra à realidade
que ela veicula em termos de uma compreensão existencial; é linguístico, i.e.,
como é que uma palavra (palavra evento) que aconteceu chega a ser
compreendido. ” (p.61).
“Tanto Ebeling como Fuchs fizeram da palavra evento o centro do seu
pensamento teológico ” (p.61).
“È a própria palavra que abre e mediatiza a compreensão: o fenômeno
primário no domínio da compreensão não é a compreensão da linguagem mas
a compreensão através da linguagem” (p.61).
“Do ponto de vista de uma definição hermenêutica há duas questões com
interesse nessa abordagem. Primeiro, a referência à função hermenêutica das
palavras remonta ao sentido mais primitivo de interpretação como mediação
direta da compreensão, atribuindo assim à hermenêutica a finalidade de
remoção dos obstáculos à compreensão... o segundo ponto refere-se ao
historicismo: a focalização na linguagem evento que continua sustentar o
caráter linguístico da realidade, encara a história não como museu de fatos
mas como a realidade que se exprime por palavras” (p.62).
“A ênfase dada em teologia à palavra evento, tem como consequência trazer a
filosofia da linguagem para o centro da hermenêutica. A finalidade da
hermenêutica ainda é uma finalidade prática, de remoção de obstáculos à
palavra evento, mas a focalização do problema hermenêutico está sem dúvida
17
na interconexão da linguagem com o pensamento e com a realidade ” (p.62).
A hermenêutica de Betti. “Emilio Betti, historiador de Direito, fundou em 1955
um instituto para a teoria da interpretação ” (p.63).
“Avançar com uma crítica nítida e inequívoca à abordagem que Gadamer
fizera a esse tema – tal como as abordagens de Gerhard Ebeling e Ernest
Fuchs. Em termos muito simples, as objeções que Betti faz a obra de
Gadamer são: em primeiro lugar, que esta não serve como metodologia ou
como auxiliar de metodologia dos estudos humanísticos e. em segundo lugar,
que ela põe em risco a legitimidade de nos referir-,mos ao estatuto objetivo
dos objetos de interpretação e que portanto, torna discutível a objetividade da
própria interpretação ” (p.63).
A desmitologização é a maneira de defrontar o problema profundo de tornar a
Bíblia relevante e significativa para os atuais ouvintes da Palavra ” (p.64).
“Betti queria distinguir os diferentes modos de interpretação das disciplinas
humanas e formular um corpo básico de princípios com os quais se
interpretasse as ações do homem e os objetos... a preocupação de Betti tem
sido determinar a natureza da interpretação objetiva... o que pretende afirmar
é que, qualquer que seja o papel da subjetividade da interpretação o objeto
mantem-se objeto e podemos tentar fazer dele e realizar com ele uma
interpretação objetivamente válida” (pp.64-65).
“Betti defende que a recente hermenêutica alemã se tem de tal modo ocupado
com o fenômeno do Sinngebung (a função do intérprete na atribuição de
sentido ao objeto) que acabou por se equacionar com a interpretação ” (p.65).
“Betti sustenta que é seu objetivo, em primeiro lugar clarificar a distinção entre
Auslegung ( interpretação) e SinngebungI. ” (p.65).
“A interpretação, portanto é necessariamente é um reconhecimento e uma
reconstrução do significado que seu autor foi capaz de incorporar. Isto significa
que o observador tem que ser traduzido para uma subjetividade que lhe é
estranha e por meio da inversão do processo criativo tem que voltar à idéia ou
a interpretação que é incorporada no objeto... porém, a subjetividade do
intérprete deve penetrar a estranheza e a alteridade do objeto, ou então o
intérprete apenas consegue projetar a sua própria sub subjetividade no objeto
de interpretação ” (p.65).
18
!Assim é fundamental (é mesmo a primeira regra de toda interpretação),
afirmar autonomia essencial do objeto ” (p.65).
“Uma segunda regra é a do contexto do sentido, ou seja, a totalidade no
interior da qual as partes individuais são interpretadas ” (p.65).
“Uma terceira regra geral Betti reconhece o caráter tópico do significado, isto
é, a relação com a própria posição e com os atuais interesses do intérprete
que toda compreensão envolve ” (pp.65-66).
!Pode-se mesmo dizer que Betti reafirma em princípio o conceito de
compreensão prévia enunciado por Bultmann... devido a historicidade da
compreensão prévia a idéia de que é possível ter um conhecimento histórico
objetivo é uma ilusão do pensar.objetivado ” (p.66)
E.D. HIRSCH – A hermenêutica como lógica da validação. “Hirsch sustenta
que a intenção do autor deve ser a norma pela qual devemos avaliar a
validade de qualquer interpretação (explicação do significado verbal de uma
passagem). Argumenta ainda que essa intenção é uma determinada entidade
sobre a qual podemos concluir uma evidência, podemos fazer uma delimitação
do significado que pode ser universalmente reconhecida como válida” (p.68).
“O objetivo da hermenêutica, diz Hirsch, não é encontrar o significado que uma
passagem pode ter para nós, mas sim clarificar o seu sentido verbal. A
hermenêutica é a disciplina filosófica que estabelece as regras com as quais
podemos atingir determinações válidas so sentido verbal de uma passagem”
(p.69).
“Basicamente Hirsch argumenta que se defendemos que o sentido de uma
passagem (o seu sentido verbal) pode mudar, então não há qualquer norma
fixa para avaliarmos se a passagem está a ser corretamente interpretada”
(p.69).
“Hirsch toma como norma o sentido verbal pretendido pelo autor e chega ao
ponto de caracterizar o sentido verbal como imutável, reprodutível e fixo”
(p.69).
“Aqui hermenêutica atribui-se a si própria a tarefa de fornecer a justificação
teórica para a determinação do objeto de interpretação e de colocar normas
com as quais o sentido determinado, imutável e idêntico a si mesmo pode ser
compreendido. Naturalmente que a tarefa é também dizer que bases temos
19
para preferirmos um sentido e não qualquer outro; é esta a questão da
validade” (p.69).
“Para Hirsch, o problema hermenêutico não seria o da tradução – o de como
preencher a distância histórica entre digamos, o Novo Testamento e os dias
de hoje, de modo que o texto se possa tornar significativo para nós; o
problema é simplesmente o problema filológico de determinar o sentido verbal
pretendido pelo autor” (p.70).
“É claro que para tomar esta posição ele tem de afirmar que o sentido verbal é
algo independente, imutável e determinado, que podemos estabelecer com
uma certeza objetiva” (p.71).
“... É necessário observar que, quando o problema hermenêutico é definido
simplesmente como problema filológico, então todo o complexo problema do
pensamento atual sobre a compreensão histórica é posto de lado como
irrelevante para a determinação prática do sentido verbal” (p. 71).
“... O problema hermenêutico não é simplesmente um problema filológico, e
não é possível relegar para o limbo a história e as definições aristotélicas, o
grosso da teoria da compreensão em Schleiermacher, Dilthey, Heidegger e
Gadamer” (p.71).
“Hirsch defende que o sentido verbal é de fato separável do significado, visto
que 1º) podemos de fato distinguir o que a obra significou para o seu autor e o
que ela significa para nós e 2º) de outro modo, tornar-se-ia impossível um
sentido objetivo e repetível” (p.71).
“... toda a validade do tratado de hirsch depende da validade desta distinção
entre sentido e significado” (p.72).
“A disciplina da interpretação compreende a produção de ideias e a verificação
das mesmas ... Baseia-se não numa metodologia da construção mas antes
numa lógica da validação. Para Hirsch, a hermenêutica já não é a teoria da
interpretação; é lógica de validação. É a teoria pela qual podemos dizer: O que
o autor pretendeu dizer foi isto e não aquilo” (p. 72).
“Hirsch ... construiu um sistema único de chegar a um sentido objetivamente
verificável. Em primeiro lugar, para que o significado se mantenha o mesmo,
defende que a intenção do autor deve ser sempre a norma ou a regra. Em
segundo lugar, para que esse significado seja objetivo, terá que ser
20
reprodutível e imutável. Assim, Hirsch defende que o sentido verbal, enquanto
sentido, é sempre o mesmo, sendo separado e separável do sentido que tem
para nós enquanto interpretamos” (p.72).
Significado e âmbito da hermenêutica. “As seis definições esclarecem
aspectos diferentes mas todos eles importantes do problema hermenêutico. E
há lugar para uma hermenêutica orientada para o método e para a validade,
tal como há lugar para uma hermenêutica centrada na historicidade da
compreensão” (p.75).
“Pode haver diferenças entre as várias formas de hermenêutica, mas há
também muitas semelhanças subjacentes. As diversas orientações na teoria
hermenêutica ilustram em si mesmas um princípio hermenêutico: a
interpretação é moldada pela questão a partir da qual o intérprete aborda o
seu tema” (p.75).
“definições de hermenêutica unívocas e restritivas podem servir fins
delimitados, mas devemos ter cuidado em não as tornar absolutas” (p.76).
O duplo foco da hermenêutica: o fenômeno da compreensão e o
problema hermenêutico. “O desenvolvimento histórico da hermenêutica
como um campo independente parece compreender dois focos diferenciados:
um visa a teoria da compreensão em sentido geral, o outro visa o que está
implicado na exegese dos textos linguísticos, o problema hermenêutico”
(p.76).
“Ao apoiar-se numa teoria geral da compreensão linguística a hermenêutica ...
é propensa a examinar qual a natureza da compreensão e a colocar de um
modo genérico a questão: o que é compreender? O que acontece quando
afirmo que compreendo?” (p.76).
“Uma teoria da compreensão torna-se extremamente significativa quando
considera a experiência vivida – o evento da compreensão - como seu ponto
de partida. Deste modo, o pensamento orienta-se para um fato, um evento em
toda a sua concreticidade, mais do que para uma ideia; torna-se uma
fenomenologia do evento compreensão” (p.77).
“O segundo foco, designado como problema hermenêutico é uma instância
específica do evento da compreensão: envolve sempre a linguagem, a
confrontação com um outro horizonte humano, uma ato de penetração
21
histórica do texto” (p.77).
A hermenêutica tem que lutar para formular uma teoria da compreensão
linguística e histórica tal como funciona na interpretação do texto. Uma teoria
como essa deve harmonizar-se e relacionar-se com uma fenomenologia geral
da compreensão; ao mesmo tempo, ela própria dará contributo para um
campo tão geral” (p. 77).
“Esta interpretação lata do problema hermenêutico encara o evento da
compreensão de um texto como incluindo sempre um momento de relação
com o presente” (p.77).
“Enquanto que a lógica da validação tem que ser considerada como uma parte
legítima do problema hermenêutico, entendido no seu sentido mais lato,
coloca um desafio fundamental: o de agarrar e ser agarrado pela significação
do texto. O problema mais fundo é, portanto, em primeiro lugar o de conseguir
um diálogo significativo com o texto, e deve basear-se na definição mais
completa possível do que significa compreender um texto; não é simplesmente
uma arbitragem entre interpretações” (p. 77).
Potencial contributo que outras áreas dão à hermenêutica. “Quando os
focos da hermenêutica se definem pela inclusão de uma fenomenologia geral
da compreensão e de uma fenomenologia específica do evento da
interpretação do texto, então o âmbito da hermenêutica torna-se realmente
vasto. No entanto, como foi dito o âmbito do problema hermenêutico é tal que
a hermenêutica não se pode isolar como um campo fechado e especializado”
(p.78).
Dos precursores de Schleiermacher (pp. 83 – 90). Quatro Grandes Teóricos.
Segunda Parte.
PALMER, Richard E. Hermenêutica. Tradução de Maria Luísa Ribeiro
Ferreira. Lisboa: Edições 70, 2006.
“Schleiermacher desenvolveu o seu conceito de hermenêutica a partir de
tentativas iniciais formuladas sob forma de aforismos, em 1805 e 1806, num
diálogo mais ou menos explícito com Ast e Wolf” (p.83).
22
“Assim, o conhecimento de algo da obra de Wolf e de Ast torna-se um pré-
requisito para a compreensão de Schleiermacher” (p. 83).
Friedrich Ast. “Para Ast o objetivo essencial é captar o espírito da
antiguidade, revelado com nitidez na herança literária. As formas externas da
antiguidade apontam todas para uma forma interna, para uma unidade
intrínseca do ser, harmoniosa nas suas partes, podendo ser designada como o
Geist da antiguidade... A filologia aborda o factual e o empírico como meios
para alcançar o conteúdo externo e interno de uma obra, como uma unidade.
Essa unidade, aponta para uma unidade maior do espírito, fonte de uma
unidade intrínseca de obras individuais” (p.84).
“Mas não podemos captar o espírito da antiguidade sem termos em conta as
palavras que usa: a linguagem é o principal meio de transmissão do espiritual”
(p. 84).
“Aqui a hermenêutica é claramente separada do estudo da gramática. Ela
teoriza o modo como se extrai o significado espiritual do texto” (p.84).
“Nossa participação comum no Geist é a causa que permite aprender o
significado de escritos transmitidos desde a antiguidade. Geist é o ponto
central de toda a vida e o princípio que permanentemente a enforma” (p.84).
“O conceito de unidade espiritual das humanidades é a base do conceito de
Ast de círculo hermenêutico. Isto é, porque o Geist é a fonte de todo o
desenvolvimento e de toda a mudança, encontramos nas partes individuais a
marca do espírito da totalidade; a parte é compreendida a partir de todo e o
todo a partir da harmonia internas das partes” (p.85).
“A tarefa da hermenêutica torna-se então a de clarificar a obra através do
desenrolar interno do seu significado e a de relacionar cada uma das partes
entre si e mais latamente com o espírito da época. Ast divide explicitamente
essa tarefa em três partes ou fontes de compreensão: 1º a compreensão
histórica, isto é, a compreensão relativamente ao conteúdo da obra; 2º a
compreensão gramatical, ou seja, a compreensão na sua relação com a
linguagem; 3º a compreensão geistige, isto é, compreender a obra na sua
relação com a visão total do autor e com a visão total da época” (p. 85).
“Este triplo padrão funciona da seguinte forma: o primeiro nível refere-se ao
objeto (Gegenstand) que nesta ode particular é o Kampfspiele ( a luta) cantada
23
pelo poeta; o segundo nível (gramatical) refere-se à apresentação plástica na
linguagem (não é uma mera análise gramatical); o terceiro nível (o geistige)
refere-se ao seu espírito, resplancendente de amor patriótico, de coragem e
de heroicas virtudes. Os níveis histórico, gramatical, e geistige são
essencialmente aquilo a que podemos chamar o tema, a forma e o espírito da
obra” (p.86).
“Ast distingue entre níveis de compreensão como os que foram apresentados
e níveis de explicação... há três níveis de explicação: a hermenêutica da letra,
a hermenêutica do sentido, e a hermenêutica do espírito” (p.86).
“A hermenêutica da letra é concebida dum modo bastante mais lato, pois inclui
quer a explicação de palavras quer a explicação do contexto factual tal como a
do cenário histórico” (p.86).
“A hermenêutica do sentido ou do significado refere-se à exploração do gênio
da época e do autor. Determina o sentido pois toma uma direção específica
devido ao lugar em que ocorre” (p.86).
“A hermenêutica do espírito, procura a ideia que controla a visão da vida e a
concepção básica que encontra sua expressão ou incorporação na obra”
(p.86).
“Para Ast, o conceito de uma ideia controladora representa uma combinação
dos outros momentos significativos, mas só os grandes autores e artistas
conseguem esta síntese total e harmoniosa na qual o conteúdo conceitual e a
mundividência se situam num complemento equilibrado no interior da ideia
controladora” (p.87).
“Ast encara o processo de compreensão como uma repetição do processo
criativo” (p. 87).
“O significado hermenêutico disto está na relação da explicação com o
processo criativo como um todo: a interpretação e o problema interpretativo
devem obviamente ser relacionados com os processos do conhecimento e da
criatividade” (p.87).
Friedrich August Wolf. “Definiu a hermenêutica como ciência das regras
pelas quais se reconhece o sentido dos signos” (p.88).
“Para Wolf o objetivo da hermenêutica é captar o pensamento escrito ou
mesmo oral de um autor como ele desejaria ter sido captado. A interpretação é
24
diálogo, diálogo com um autor” (p.89).
“Segundo Wolf, compreendemos para nós mesmos mas explicamos para os
outros. Logo que determinamos que a nossa tarefa é explicar, temos também
que saber para quem se esboça a explicação” (p.89)
“Wolf propõe uma hermenêutica tripla: os três níveis de interpretação são:
interpretativo, grammatica, histira e filosofia. A gramática lida com tudo aquilo
que a compreensão da língua pode fornecer para ajudar na interpretação. A
hermenêutica histórica preocupa-se não só com os fatos históricos da época
mas também com um conhecimento factual da vida do autor, de modo a
chegar a um conhecimento daquilo que o autor sabia ... o nível filosófico da
interpretação serve de verificação lógica ou de controle para os outros dois
níveis. Em toda a obra de Wolf é dada ênfase ao que é prático e factual”
(pp.89-90).
O projeto de Schleiermacher de uma hermenêutica geral (pp. 91 – 103).
Quatro Grandes Teóricos. Segunda Parte.
PALMER, Richard E. Hermenêutica. Tradução de Maria Luísa Ribeiro
Ferreira. Lisboa: Edições 70, 2006.
“A hermenêutica como arte da compreensão não existe como uma área geral,
apenas existe uma pluralidade de hermenêuticas especializadas. Esta
asserção programática ... enuncia numa frase o seu objetivo principal:
25
construir uma hermenêutica geral como arte da compreensão” (p. 91).
“Essa arte, afirma Schleiermacher, é na sua essência a mesma, seja o texto
um documento jurídico, um escrito religioso ou uma obra de arte” (p. 91).
“Mas, diz Schleiermacher, ainda não existe uma hermenêutica desse tipo. Em
vez dela, existiriam várias hermenêuticas especiais, em primeiro lugar a
filológica, a teológica e a jurídica” (p.91).
“Em 1799, ... já Schleiermacher tinha negado decisivamente que a metafísica
e a moral constituíssem a base do fenômeno religioso” (p.92).
“A religião não diz respeito ao homem que vive de acordo com uma idéia
recional, mas sim àquele que vive, age e sente a sua situação de criatura
dependente de Deus” (p.92).
“De modo similar, a hermenêutica foi defendida por Schleiermacher enquanto
relacionada com o ser humano concreto, existente e atuante no processo de
compreensão do diálogo” (p.92).
“Quando começamos pelas condições que pertencem a todo diálogo, quando
nos afastamos do racionalismo, da metafísica e da moral, quando
examinamos a situação concreta e atual implicada na compreensão, então
arrancamos para uma hermenêutica viável que poderá servir de núcleo central
de uma hermenêutica especial, tal como, por exemplo, a Bíblia” (p.92)
“Schleiermacher defendeu que a arte da exploração, constituíra uma grande
parte da teoria hermenêutica, estava fora da hermenêutica” (p.92).
“Só aquilo que Ernesti chama subtilitas intelligendi (acuidade da compreensão)
pertence genuinamente à hermenêutica” (p.92).
“A explicação, em vez de arte da compreensão vai transformar-se
imperceptivelmente em arte da formulação retórica. No diálogo, uma coisa é a
operação de formular e de transformar em discurso; outra, totalmente
diferente, é a operação de compreender aquilo que é dito” (p.92).
“Esta distinção fundamental entre falar e compreender constitui a base para
uma nova orientação em hermenêutica e abriu caminho a uma base
sistemática para a hermenêutica na teoria da compreensão” (p.93).
“Em Schleiermacher, a hermenêutica transforma-se verdadeiramente numa
arte da compreensão” (p.93).
“E assim Schleiermacher coloca esta questão geral como ponto de partida da
26
sua hermenêutica: como é que toda ou qualquer expressão linguística, falada
ou escrita, é compreendida?” (p.93).
A compreensão como um processo de reconstrução. “Para
Schleiermacher, a compreensão enquanto arte é voltar de novo a
experimentar os processos mentais do autor do texto” (p.93).
“Assim a interpretação consiste em dois momentos interatuantes: o momento
gramatical e o psicológico (do autor). O princípio em que assenta essa
reconstrução, seja ela gramatical ou psicológica, é o circulo hermenêutico”
(p.93).
O círculo hermenêutico. “Compreender é uma operação essencialmente
referencial; compreendemos algo quando o comparamos com algo que já
conhecemos. Aquilo que compreendemos agrupa-se em unidades
sistemáticas, ou círculos compostos de partes. O círculo como um todo define
a parte individual, e as partes em conjunto formam o círculo” (p.93).
“Por uma interação dialética entre todo e a parte, cada um dá sentido ao outro;
a compreensão é portanto circular. E porque o sentido aparece dentro deste
círculo chamando-lhe o círculo hermenêutico” (p.94).
“Com sua imagem espacial, o círculo hermenêutico propõe uma área de
compreensão partilhada ... presume-se desde o início uma comunidade de
sentido partilhada por quem fala e por quem ouve” (p. 94).
“Isto parece envolver uma outra condição: aquilo que tem que ser
compreendido já deve ser sabido" (”. 94).
“O círculo hermenêutico então opera, não só a nível linguístico coo também a
nível do tema em causa. Tanto o que fala como o que ouve devem partilhar a
linguagem e o tema do seu discurso. Tanto a nível do médium do discurso
(linguagem) como da matéria do discurso (tema), o princípio do conhecimento
prévio – ou o círculo hermenêutico – opera em todo o ato de compreensão”
(pp. 94-95).
Interpretação gramatical e interpretação psicológica. “No pensamento
mais tardia de Schleiermacher há uma tendência crescente de separar a
esfera do pensamento. A primeira é a província da interpretação gramatical
enquanto Schleiermacher começo por chamar o segundo técnico designando-
o mais tarde de psicológico” (p. 95).
27
“A interpretação gramatical localiza a asserção de acordo com leis gerais e
objetivas; o aspecto subjetivo centra-se naquilo que é subjetivo e individual” (p.
95).
“De acordo com Schleiermacher, tal como todo o discurso tem uma reação
dupla ..., também em toda a compreensão de um discurso há dois momentos:
a sua compreensão como algo extraído da linguagem e com o fato no
pensamento daquele que fala” (p.95).
“A interpretação gramatical pertence ao momento da linguagem e
Schleiermacher encarava-a como um procedimento essencialmente negativo,
geral e mesmo limitativo, no qual se coloca a estrutura em que opera o
pensamento” (p.95).
“Contudo, a interpretação psicológica procura a individualidade do autor, o seu
gênio particular. Para isso é necessário uma certa adequação ao autor” (p.
95).
“Tudo isto pressupõe que a hermenêutica tem como meta a reconstrução da
experiência mental do autor do texto” (p.96).
“O objetivo não é atribuir motivos ou causas aos sentimentos do autor mas sim
reconstruir o próprio pensamento de outra pessoa através da interpretação
das suas expressões linguísticas” (p. 96).
A compreensão da hermenêutica como compreensão de estilo. “Não só a
gramática é um elemento indispensável na orientação e enfoque da nossa
interpretação, com também a revelação psicológica da individualidade se
expressa de um modo essencial no estilo particular do autor ... A compreensão
total do estilo é todo o objetivo da hermenêutica” (p. 97)
“A hermenêutica como ciência sistemática. “... Schleiermacher tem como
objetivo transformar ao conjunto de observações organizadas de um modo
disperso, numa unidade sistematicamente coerente” (p. 97).
“... primeiro, postula a ideia de que a compreensão opera de acordo com leis
que podem ser descobertas; seguidamente, enunciar algumas das leis que
podem ser descobertas; seguidamente, enunciar algumas das leis ou
princípios a partir dos quais ocorre a compreensão” (p.97).
De uma hermenêutica centrada na linguagem a uma hermenêutica
centrada na subjetividade.
28
“Schleiermacher propõe uma hermenêutica fundamentalmente centrada na
linguagem” (p.98).
“Um dos primeiros aforismos defendia que temos que ter uma compreensão
do homem para podermos compreender o que ele diz” (p.98).
“A hermenêutica é a arte de compreender o orador naquilo que é dito, mas a
linguagem ainda é a chave” (p.98).
“Este elemento decisivo na passagem de uma hermenêutica centrada na
linguagem para uma hermenêutica orientada para a psicologia, segundo
kimmerle, foi o primeiro abandono gradual da concepção da identidade do
pensamento e da linguagem” (p.99).
“Por fim a tarefa da hermenêutica acabou por ser a de transcender a
linguagem, de modo a chegar aos processos internos” (p.99).
“A hermenêutica torna-se psicológica, transforma-se na arte de determinar ou
de reconstruir um processo mental, um processo que não mais é tomado
como sendo essencialmente linguístico” (p.100).
“O estilo ainda é visto como uma chave para a individualidade do autor, mas
consideramo-lo como apontando para uma individualidade não linguística, da
qual é uma manifestação meramente empírica” (p.100).
O significado do projeto de Schleiermacher de uma nova hermenêutica
“A hermenêutica é precisamente o modo como uma criança capta o significado
de uma nova palavra” (p. 100).
“A hermenêutica é vista como partindo das condições de diálogo;
Schleiermacher, foi um hermeneuta dialogal que infelizmente não se
apercebeu das implicações criativas da sua natureza dialógica” (p. 100).
“Um outro elemento significativo da hermenêutica de Schleiermacher é o conceito de
compreensão “independentemente de sua relação com a vida” (p. 102).
Dilthey: A Hermenêutica como Fundamento das Geisteswissenschaften
“Dilthey tinha como objetivo apresentar métodos para alcançar uma
interpretação objetivamente válida das expressões da vida interior” (p.105).
“Para compreendermos a hermenêutica de Dilthey, temos primeiro que
clarificar o contexto dos problemas e dos objetivos na qual lutava e tentando
dar uma base metodológica às suas Geisteswissenschaften” (p.106).
“Isto envolve a compreensão do projeto: 1) do conceito de história em Dilthey
29
e 2) da orientação filosófica dada à vida.
A Tentativa de encontrar uma base metodológica para as
Geisteswissenschaften
“O projeto de formular uma metodologia adequada às ciências que se centram
na compreensão das expressões humana é primeiramente encarado por
Dilthey no contexto de abandonar a perspectiva reducionista e mecanicista
das ciências naturais, e de encontrar uma abordagem adequada à plenitude
dos fenômenos” (p106-107).
“O problema da compreensão do homem para Dilthey um problema de
recuperação de consciência da historicidade da nossa própria existência que
se perdeu nas categoriais estáticas da ciência” (p.107)
“Estas unidade de sentido exigem o contexto do passado e o horizonte de
expectativas futuras; são intrinsecamente temporais e finitas e devem ser
compreendidas em termos dessas dimensões, isto é, historicamente” (p. 108)
“Dilthey defendia que a dinâmica da vida interior de um homem era um
conjunto complexo de cognição, sentimento e vontade, e que estes fatores
não podiam sujeitar-se às normas da causalidade e á rigidez de um
pensamento mecanicista e quantitativo” (p. 109).
“os estudos humanos não lidam com fatos e fenômenos que silenciam o
homem mas com fatos e fenômenos que apenas são significativos pela luz
que trazem aos processos internos do homem, à sua experiência interna” (p.
110).
“Portanto, a diferença entre os estudos huimanísticos e as ci~encias naturais,
não está necessariamente nem num tipo de objeto diferente que os estudos
humanísticos possam ter, nem num tipo deiferente de percepção; a diferença
essencial está no contexto dentro do qual o objeto percepcionado é
compreendido” (p. 111).
“Dilthey acreditava que compreensão era a palavra chave para os estudos
humanísticos” (p. 112).
“A explicação é para as ciências. A abordagem dos fenômenos que unifica o
interno e o externo é a compreensão” (p. 112).
Fórmula hermenêutica de Dilthey: experiência, expressão e compreensão
“Experiência é definida como uma unidade sustentada por um significado
30
comum” (p. 113).
“”como é diferente a expressão de uma experiência vivida. Existe uma relação
especial entre esta, como expressão da própria vida, e a compreensão que a
provocou. A expressão contém mais do contexto da vida anterior do qualquer
introspecção pode perceber, pois surge das profundidades que a consistência
nunca ilumina” (p. 119).
“A expressão não é uma realidade individual e puramente pessoal, pois então
não poderia ser percebida por outra pesso; quando a expressão é escrita
utiliza a linguagem, um meio que é comum àquele que compreende, e a
compreensão ocorre em virtude de uma experiência análogo” (p. 120)
“A compreensão abre-nos o universo das pessoas individuais, e portanto abre
também possibilidades para a nossa própria natureza” (p. 121).
“A compreensão não é um mero ato de pensamento mas uma transposição e
uma nova experiência do mundo tal como o captamos na experiência vivida.
“A historicidade compreende duas coisas: o compreende-se a si próprio, não
pela introspecção mas sim por meio de objetivações da vida; A natureza
humana não é uma essência fixa” (p. 122).
“Uma outra consequência da historicidade é que o homem não foge á história,
pois ele é o que é, na e pela história” (p. 122).
“Na teoria hermenêutica, o homem é visto na sua dependência relativamente a
uma interpretação constante do passado, e assim, quase poderíamos dizer
que o homem é o animal hermenêutico que se compreende a si próprio em
termos de interpretação de uma herança e de um mundo partilhados que o
passado lhe transmite, uma herança constantemente presente e ativante em
todas as suas ações e decisões” (p. 123).
O contributo de Heidegger para a hermenêutica em ser e tempo
“Heidegger usou a palavra hermenêutica no contexto da sua busca, mais
ampla, de uma ontologia fundamental” (p. 129).
“Na fenomenologia de Edmund Husserl encontrou heidegger as ferramentas
intelectuais inacessíveis a Dilthey ou a Nietzsche, e um método que explicava
os processos do ser na existência humana de tal modo que o ser, e não
simplesmente a ideologia de cada um, pudesse tornar-se patente” (p. 129).
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“É significativo, para uma definição de hermenêutica, que o tipo de
fenomenologia que Heidegger desenvolveu em Ser e Tempo seja por vezes
designado de hermenêutica fenomenológica” (p. 130).
“Heidegger afirmou em Ser e Tempo que a autêntica dimensão de um método
fenomenológico o torna hermenêutico: o seu projeto em Ser e Tempo era o de
uma hermenêutica do Dasein” (p. 131).
A Fenomenologia enquanto hermenêutica
“A fenomenologia é um meio de ser conduzido pelo fenômeno, por um
caminho que genuinamente lhe pertence” (p. 133).
“Contudo, em Ser e Tempo Heidegger encontra uma espécie de saída no fato
de cada um ter, com sua existência, ao mesmo tempo que ela, uma certa
compreensão do que é plenitude do ser” (p. 134).
“Não é uma compreensão fixa, antes se forma historicamente, acumula-se
com a própria experiência de quem encontra fenômenos” (p. 134).
“A ontologia tem de se tornar fenomenologia. A ontologia tem que se voltar
para os processos de compreensão e de interpretação pelos quais as coisas
aparecem; tem de descobrir o modo e a orientação da existência humana; tem
que tornar visível a estrutura invisível do ser-no-mundo” (p. 134).
“Como é que isto se relaciona com a hermenêutica? Significa que a ontologia
deve, enquanto fenomenologia do ser torna-se uma hermenêutica da
existência” (p. 134).
“O sentido metodológico da descrição fenomenológica é interpretação. O
Logos de uma fenomenologia do Dasein tem o caráter de herméneuein,
através do qual se tornam conhecidos ao Dasein, a estrutura do seu próprio
ser e o significado autêntico do ser dado na sua compreensão do ser” (p. 134).
“A hermenêutica, diz Heidegger, é aquela função anunciadora fundamental
pela qual o Dasein torna conhecida para si a natureza do ser” (p. 134).
“A hermenêutica enquanto metodologia da interpretação dos estudos
humanísticos é uma fonte derivada que assenta na função ontológica primária
da interpretação e a partir dela cresce” (p. 134).
“Para Heidegger, a compreensão é o poder de captar as possibilidades que
cada um tem de ser, no contexto do mundo vital em que cada um de nós
existe. Não é capacidade ou o dom especial de sentirmos o significado de
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alguma manifestação da vida” (p. 135).
“A compreensão é a base de toda a interpretação; é contemporânea da nossa
existência e está presente em todo o ato de interpretação” (p. 136).
“A compreensão é assim ontologicamente fundamental e anterior a qualquer
ato de existência” (p. 136).
“Uma característica importante da compreensão tal como Heidegger a encara,
é que ela opera sempre no interior de um conjunto de relações já
interpretadas, num todo relacional” (p. 136).
“O ponto chave em Heidegger é que a compreensão se tornou ontológica” (p.
136).
O Mundo e a nossa relação com os objetos no mundo
“O termo mundo em Heidegger não significa o meio ambiente, objetivamente
considerado, o universo tal como aparece aos olhos de um cientista. Está mais
próximo daquilo a que poderíamos chamar o nosso mundo pessoal. O mundo
não é a totalidade de todos os seres mas a totalidade em que o ser humano
está mergulhado; o ser humano encontra-se rodeado pela manifestação dessa
totalidade. Ela revela-se-lhe através de uma compreensão sempre englobante,
anterior a qualquer captação” (p. 137).
“Conceber o mundo separado da pessoa é totalmente contrário à concepção
de Heidegger, pois pressupõem a separação sujeito-objeto que aparece no
interior do contexto relacional a que chamamos mundo” (p. 137).
“O mundo é anterior a qualquer separação da pessoa e do mundo num sentido
objetivo” (p. 137).
“É anterior a qualquer objetividade, a qualquer conceptualização: é também
anterior à subjetividade, dado que tanto objetividade como subjetividade são
concebidas dentro do esquema sujeito-objeto” (p. 137).
“Todas as entidade do mundo são captadas como entidades em termos do
mundo, sendo este algo já dado” (p. 137).
“As entidades que formam o mundo físico do homem não são o mundo mas
estão no mundo” (p. 137).
“Só o homem tem mundo” (p. 137).
“O mundo é algo que é sentido juntamente com as entidades que aparecem
nele; contudo, a compreensão tem que dar-se através do mundo” (p. 137).
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“Isto é fundamental em toda a compreensão; o mundo e a compreensão são
partes inseparáveis da constituição ontológica da essência do Dasein” (p.
137).
A significação pré-predicativa, compreensão e interpretação
“O fenômeno da ruptura que por momentos esclarece o ser de um instrumento
enquanto instrumento aponta como acabamos de ver, para um mundo em
grande parte imperceptível, no qual vivemos” (p. 138).
“É o campo onde a temporalidade e a historicidade do ser estão radicalmente
presentes, é o lugar em que o ser se traduz em significação, em compreensão
e interpretação" (p. 138).
“”Numa palavra, é o campo do processo hermenêutico, processo pelo qual o
ser se tematiza enquanto linguagem" (p. 138).
“Heidegger inventou o termo significação para designar a base ontológica que
permite compreender essa fabricação de relações" (p. 138).
“Com isto heidegger prova que a significação é algo mais fundo do que o
sistema lógico da linguagem, funda-se sobre algo anterior à linguagem – e que
se insere no mundo – a totalidade relacional" (p. 138-139).
“A significação portanto, não é algo que o homem dê a um objeto; é aquilo que
um objeto dá ao homem, fornecendo-lhe a possibilidade ontológica das
palavras e da linguagem" (p. 139).
“A compreensão tem que ser vista inserida neste contexto, e a interpretação é
simplesmente tornar explícita a compreensão" (p. 139).
“A compreensão e a significação conjuntamente constituem, a base da
linguagem e da interpretação" (p. 139).
“É pelas palavras e pela linguagem que as coisas ganham ser e existem (p.
139).
“Assim a compreensão tem uma certa estrutura prévia que atua em toda a
interpretação(p. 139).
A impossibilidade de uma interpretação sem pressupostos
“A estrutura prévia da compreensão, sempre interpretada e inserida no mundo,
ultrapassa o modelo mais antigo da situação interpretativa em termos de
sujeito-objeto” (p. 140).
“O que aparece do objeto é o que deixamos que apareça, é aquilo que a
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tematização do mundo atuante na compreensão, traz à luz” (p. 140).
“A estrutura prévia assenta preferentemente, no contexto do mundo que já
contém sujeito e objeto” (p. 141).
“A hermenêutica, como teoria da compreensão, é consequentemente uma
teoria da revelação ontológica. Pois a existência humana é, em si mesma um
processo de revelação ontológica. Heidegger não permite que encaremos o
problema ontológico separadamente da existência humana” (p. 141).
O Caráter derivativo das asserções
“Para Heidegger um juízo não é uma forma fundamental de interpretação da
compreensão – prévia. Sem eles, as asserções não teriam sentido” (p. 141).
“Mas os processos fundamentais de interpretar o mundo não ocorrem nas
asserções lógicas e nos juízos teóricos” (p. 141).
“A visão do objeto na pré-compreensão centra-se agora no manipulável deste
estar à mão. É o estar à mão enquanto tal, passa a esconder-se” (p. 142).
“De acordo com esta estrutura, tomamos conjuntamente uma coisa e outra a
partir da qual a primeira é compreendida, de modo a que a interpretação e a
articulação formem uma unidade” (p. 142).
“Afirmar o como-existencial-hermenêutico primordial, é reconhecer que as
asserções derivam todas de um nível anterior de interpretação, enraizando-se
todas elas nesse nível. É vez que as asserções só têm sentido quando
consideradas nas suas raízes existenciais” (p. 142).
“Isto torna-se especialmente evidente se atentarmos como são insuficientes
todas as definições de linguagem que se mantêm ao nível das asserções e da
lógica, ou que adotam uma visão instrumental da linguagem como mera
consciência manipuladora de juízos e de ideias” (p. 142).
“Porque o verdadeiro fundamento da linguagem é o fenômeno da fala, onde
algo se revela; esta é a função da linguagem. Considerando a fala como ponto
de partida, remontamos ao contexto vivo da linguagem” (p. 143).
“De fato, a função hermenêutica primordial da linguagem torna-se um fator
central do último Heidegger e na nova Hermenêutica Teológica” (p. 143).
“A linguagem como fala deixa de ser um corpo objetivo de palavras que
manipulamos como objetos; toma o seu lugar no mundo do que está á mão”
(p. 143).
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