FORMAÇÃO DE PROFESSORES E A CONSTITUIÇÃO DA DOCÊNCIA:
AVALIAÇÃO DA APRENDIZAGEM, INTERVENÇÕES DIDÁTICAS NO
CONTEXTO DA EDUCAÇÃO INFANTIL, ESTÁGIO E FORMAÇÃO DE
PROFESSORES REFLEXIVOS
A docência e, consequentemente, a formação de professores é um campo da educação
que tem suscitado inúmeras reflexões sobre a identidade docente, suas práticas e
saberes, visto que o ser professor na atualidade traz desafios bastante complexos e assim
há necessidade de projetos formativos que o preparem para enfrentá-los. Cada vez mais,
na educação básica, os professores precisam lidar com diferenças físicas, cognitivas,
afetivas, sexuais, culturais e étnicas, o que demanda adaptações curriculares,
reorganização da sala, flexibilização do tempo, diversificação de atividades de
aprendizagem. Isso pressupõe um docente reflexivo, capaz de avaliar e avaliar-se
constantemente para construir e reconstruir saberes que potencializem sua prática
pedagógica. Neste painel, temos interesse em discutir a articulação entre avaliação da
aprendizagem, postura reflexiva de professores e a mediação didática através dos
resultados de pesquisas de Doutorado, Mestrado e Graduação. Reconhecendo o
ENDIPE como mais um espaço de formação político-ético-pedagógica, apresentamos as
temáticas centrais de nossas pesquisas que se situam no contexto da formação de
professores. A primeira trata das concepções discentes e docentes sobre avaliação da
aprendizagem no contexto do ensino superior. A segunda aborda intervenções didáticas
de professores de educação infantil em prol do desenvolvimento pleno das crianças. A
terceira preocupa-se com concepções de professores de Estágio sobre a formação de
professores reflexivos.
Palavras-Chave: Avaliação da Aprendizagem, Mediação Didática, Professores
Reflexivos
XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira
2058ISSN 2177-336X
A MEDIAÇÃO NO CONTEXTO DAS PRÁTICAS PEDAGÓGICAS NA
EDUCAÇÃO INFANTIL
Adelir Aparecida Marinho de Barros
RESUMO
No texto que segue temos como objetivo central discutir a importância da mediação do
professor no contexto escolar e, em especial no contexto da Educação Infantil. O
conceito de mediação que compõe nosso referencial teórico é baseado na psicologia
sócio-histórica proposta por Vygotsky, ou seja, mediação como o ato do professor de
provocar o encontro do sujeito aprendiz com o objeto do conhecimento. O interesse pela
discussão no contexto da Educação Infantil se dá em função de ter sido este o campo de
pesquisa do Mestrado em Educação (PUCCAMP) finalizado em 2015, que teve como
foco os saberes docentes. O referido estudo objetivou identificar quais saberes são
revelados e mobilizados por professores da Educação Infantil em relação às
necessidades educativas das crianças dessa etapa de ensino. O material empírico foi
produzido por meio de questionários, observação sistemática das práticas pedagógicas
das professoras (sujeitos da pesquisa) e entrevistas semiestruturadas. Conhecemos, nas
observações feitas, a realidade em que estavam inseridas as crianças da Educação
Infantil e o trabalho pedagógico desenvolvido pelas professoras com suas turmas, bem
como suas atitudes e comportamentos. Sendo enfatizada no recorte aqui apresentado a
importância da intencionalidade das atividades estabelecidas no planejamento e das
práticas pedagógicas desenvolvidas pelos professores na Educação Infantil. Entendemos
ser necessário que o professor compreenda o processo de constituição do sujeito cultural
e como se dá o processo de desenvolvimento e a aprendizagem na criança, isto porque
entender o seu papel enquanto mediador e o processo de desenvolvimento faz com que
o professor compreenda quais são as necessidades formativas das crianças, auxiliando-
as assim no seu pleno desenvolvimento.
Palavras-chave: mediação; práticas pedagógicas; educação infantil.
XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira
2059ISSN 2177-336X
Introdução
A produção do conhecimento é determinada pelas interações mediadas
socialmente, enfatizando assim o conceito preconizado por Vygotsky (1998) de que a
constituição do sujeito se dá por meio das relações sociais.
Neste viés, o citado autor, defende que a espécie humana é a única que possui a
capacidade de transformar a natureza. Neste sentido, cria seu meio em função de
objetivos próprios, produzindo cultura. Ou seja, por meio da cultura, o indivíduo
apreende um universo de significações permitindo a construção e interpretação da
realidade que o cerca.
Nosso objetivo central neste artigo é discutir a importância da mediação do
professor no contexto escolar, em especial no contexto da Educação Infantil, norteando-
se por pressupostos teóricos de Vygostky (1998).
O conceito de mediação é um conceito central nos pressupostos teóricos de
Vygotsky e nele concentramos nossa discussão, entendendo que ao fazermos referência
ao conceito da mediação, estaremos validando a importância do planejamento e da
intencionalidade das práticas pedagógicas.
Nesse sentido, faz-se importante mencionar que, através da mediação realizada
pelo professor, “Cabe à educação escolar contribuir para elevar o nível de pensamento
dos alunos, desenvolver suas capacidades, propiciar-lhe condições para descobertas e
acesso independentes aos conhecimentos” (SAVIANI, 2012, p. 64).
Nesta linha de pensamento, advogamos pelas atividades intencionalmente
planejadas e sistematicamente desenvolvidas, voltadas às necessidades e características
de crianças da faixa etária da Educação Infantil. Assim, o currículo deve contribuir para
[...] a formação multifacética das crianças (conjunção da formação intelectual, física,
ética, estética, técnica) voltando-se para a ampliação dos horizontes culturais”
(SAVIANI, 2012, p.72, grifos do autor).
Faz-se importante destacar as mudanças da legislação, ocorridas a Educação
Infantil após a promulgação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional –
LDBEN (BRASIL, 1996), que a tornaram a educação infantil a primeira etapa educação
básica. Passando assim ter maior visibilidade nos âmbitos político e administrativo, com
significativa ampliação de seu campo teórico, que possibilita “enxergar” as
especificidades das crianças dessa faixa etária. Marcando assim um novo paradigma da
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Educação Infantil e a preocupação quanto ao atendimento e a proposta pedagógica para
essa etapa de ensino.
Esse “olhar” mais atento em relação às especificidades da Educação Infantil,
aponta para a complexidade do trabalho educativo e em especial em virtude das
mudanças ocorridas nas políticas públicas que pressupõe uma preocupação com a
profissionalização docente e a reconstrução da identidade docente.
E, especialmente em relação à formação de professores deve-se caracterizar-se
por estabelecer uma relação consciente do significado de sua ação, pois há de se ter o
compromisso histórico que demanda a formação do educando como um sujeito social,
singular. Isso sem esquecer que a profissionalização docente é a constituição do
processo de identificação profissional que se desenvolve historicamente e que envolve
conhecimentos e habilidades necessários para o exercício da docência.
O descrito pelo Conselho Nacional de Educação (CNE) em 2002, que trata da
Formação de Professores da Educação Básica apresenta a indicação da formação
superior no curso de Pedagogia de Graduação Plena, assim reafirmando a importância
do docente na Educação Infantil.
A promulgação da LDBEN/96 auxiliou no processo de discussão em torno da
necessidade de formação dos professores de Educação Infantil e solidificando que assim
como nas outras etapas de ensino, o trabalho pedagógico desenvolvido na Educação
Infantil, necessita de profissional com formação específica, ou seja, graduado em
Pedagogia.
Dessa forma auxiliando a romper com o modelo assistencialista delegado a
Educação Infantil e gerando uma mudança histórica em relação à formação daqueles
que atuam na Educação Infantil. O modelo assistencialista era caracterizado como uma
prática que não proporcionava nenhuma reflexão crítica na sociedade e/ou do trabalho
desenvolvido, por isso mesmo buscava-se pessoas leigas para este atendimento, ou seja,
não havia exigência nenhuma em relação à qualificação para atuar na Educação Infantil.
Compreendemos que o fato da LDBEN/96 exigir qualificação dos professores
para atuarem na Educação Infantil sinaliza que se propõe resguardar a criança uma
educação de qualidade. Espera-se que com docentes qualificados ocorra a articulação
ente teoria e prática na atuação destes profissionais.
Sendo assim, avançando na construção e reconstrução da função pedagógica da
Educação Infantil e, em especial na função do professor enquanto mediador no processo
de aprendizagem e desenvolvimento da criança.
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Nesse sentido é necessário que o professor compreenda a criança como
produtora de cultura, que é influenciada pelo meio e o influencia modificando-o. Esta
compreensão se dá, quando o professor reconhece as especificidades desta etapa de
ensino e tem conhecimento das concepções a respeito da infância e da criança, levando
em considerações fatos históricos e sociais nas quais a criança está inserida e a
compreensão que enquanto docente deve promover a integração entre os aspectos
físicos, afetivos, cognitivos e sociais. Por meio desta compreensão o professor
compreende o seu papel enquanto mediador e é a mediação que cria possiblidades de
reelaboração da realidade.
Considerando tais necessidades, valoriza-se a necessidade que o professor deve
ter clareza em relação aos objetivos de suas ações pedagógicas, ou seja, das atividades
que propõem as crianças e reforça assim que estes tenham clareza também das
necessidades específicas do contexto social que atuam e conhecimento do
desenvolvimento das crianças.
Para Araújo, Araújo e Scheffer (2009, p. 3), o desenvolvimento na perspectiva
histórico-cultural é definido como um “[...] processo de mudanças e transformações que
ocorrem no decorrer da vida do sujeito e nas múltiplas dimensões no seu funcionamento
psicológico”.
Considerando assim as múltiplas dimensões acima citada, é licito afirmar que as
escolas de Educação Infantil devem propiciar experiências ricas e diversificadas,
objetivando assim contribuir para o desenvolvimento das crianças, enfatizando que o
objetivo proposto em relação ao desenvolvimento é alcançado quando se considera as
intencionalidades das práticas pedagógicas.
E de acordo com Pino (2010, p. 750), “[...] o desenvolvimento da criança corre
de par em par com as alterações do meio e vice-versa”, ou seja, o desenvolvimento
acontece do social para o individual, em planos diferentes, porém relacionados. Nessa
concepção, desenvolvimento e aprendizagem estão relacionados às experiências dos
sujeitos no mundo, tendo como elemento principal as interações mediadas socialmente
no qual ele se constitui.
As práticas pedagógicas, aqui apresentadas e que emergiram da análise de dados
da pesquisa da qual se originou este artigo serão transcritas, por meio de episódios,
retirados das observações feitas, nas salas de aula de atividades desenvolvidas por
professoras de Educação Infantil, sujeitos da pesquisa de Mestrado finalizado em 2015.
Demonstrando de que forma aconteciam às mediações das professoras Além das
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observações também foram realizadas entrevistas semiestruturadas como instrumento de
coleta de dados. Os dados foram analisados à luz da perspectiva sócio-histórica de
desenvolvimento (VYGOTSKY, 1998).
PERSPECTIVA SÓCIO-HISTÓRICA DE DESENVOLVIMENTO
Os pressupostos da psicologia sócio-histórica e da teoria histórico-cultural tem
como autor principal Lev Semenovich Vygotsky. Por meio de suas obras e suas
concepções, Vygotsky revolucionou a ciência psicológica. Seus estudos foram
produzidos em meio a uma crise na sociedade russa, momento de profundas
transformações sociais e culturais, e nesse ambiente vinculou a Psicologia às
necessidades sociais. Ele teve como colaboradores Alexander Luria e Alexis Leontiev.
Vygotsky construiu sua teoria a partir do pressuposto de que o desenvolvimento
do indivíduo é resultado de um processo sócio-histórico. Fundamentou sua teoria no
conhecimento do psiquismo humano a partir do método marxiano.
O referido autor enfatizava em seus pressupostos teóricos o papel da linguagem
e da aprendizagem no desenvolvimento do indivíduo. Lucci (2006, p. 4) esclarece que
[...] ele propôs, então, uma nova psicologia que, baseada no método e
nos princípios do materialismo dialético, compreendesse o aspecto
cognitivo a partir da descrição e explicação das funções psicológicas
superiores, as quais, na sua visão, eram determinadas histórica e
culturalmente. Ou seja, propõe uma teoria marxista do funcionamento
intelectual humano que inclui tanto a identificação dos mecanismos
cerebrais subjacentes à formação e desenvolvimento das funções
psicológicas, como a especificação do contexto social em que ocorreu
tal desenvolvimento.
Desse modo, é possível compreender que Vygotsky apropria-se do materialismo
histórico dialético na formulação da psicologia histórico-cultural, em busca de explicar
o fenômeno psicológico em sua totalidade.
A teoria histórico-cultural vê o homem e a humanidade como produtos criados
pelos próprios seres humanos ao longo da história. E, ao gerarmos a cultura humana, a
qual envolve objetos, instrumentos, costumes, valores, etc., criamos nossa humanidade,
que é o conjunto de características e qualidades humanas expressas pelas habilidades,
capacidades, aptidões, formadas ao longo da história por meio da própria atividade
humana.
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A concepção vigotskiana, o ser humano se constitui e constrói sua história na
vivência e relações que estabelece com os outros seres humanos, assim se humaniza e se
desenvolve.
Assim, o desenvolvimento humano, diferente de outras teorias psicológicas, é
visto como cultural e, desse modo, compreendido como um processo que ocorre
orientado para si mesmo, mas mediado por outro, e que resulta no desenvolvimento dos
processos psicológicos superiores. Vygotsky (1987, p. 32) afirma que o
desenvolvimento humano,
[...] está constituído pelos processos de domínio dos meios externos
do desenvolvimento cultural e do pensamento: o idioma, a escrita, o
cálculo, o desenho; em segundo lugar, está constituído pelo processo
de desenvolvimento das funções psíquicas superiores especiais, não
limitadas nem determinadas de nenhuma forma precisa e que tem sido
denominada pela psicologia tradicional com os nomes de atenção
voluntária, memória lógica, formação de conceitos, etc.
Vygotsky (1998) relaciona as funções psicológicas superiores aos sistemas
simbólicos, compreendidos como sistemas que organizam os signos em estruturas
complexas e articuladas, pois são usados para controlar e/ou orientar conduta, processo
de internalização, ou seja, transformam marcas externas em processos internos.
Utilizados pelo indivíduo como recurso para ele interagir com o mundo, os
sistemas simbólicos são estruturas de signos articulados entre si, que são signos
internalizados, visto que são representações mentais que substituem objetos do mundo
real. Um exemplo desses sistemas é a linguagem.
Vygotsky (2008) explica, em seus pressupostos, que a linguagem é um sistema
simbólico de grande importância no processo de desenvolvimento, porque é a principal
mediadora entre o sujeito e o objeto de conhecimento e tem como função mais
importante o intercâmbio social e cultural, ou seja, a comunicação que permite a
interação entre as pessoas. Pela comunicação, apropriamo-nos dos modos de pensar,
agir e sentir, que são processos socialmente compartilhados. Outra função da linguagem
é a formação de conceitos por meio do pensamento generalizante.
Mediação
Utilizaremos nesta discussão os conceitos de mediação defendidos nos
pressupostos teóricos de Vigotski (2010).
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Em seus pressupostos, o citado autor, defende que o ser humano desde o
nascimento necessita das relações sociais, apropriando-se das experiências histórica e
cultural e que na convivência com seus pares, se desenvolve.
E, ainda de acordo com os pressupostos teóricos deste autor é no contexto
sociocultural que são desenvolvidas, ao longo da história, propriedades e qualidades
inerentes ao ser humano, pois é no meio que se estabelecem as interações entre sujeito-
sujeito, sujeito-objeto e as interações com a cultura e a apropriação do sistema
simbólico. Assim, por meio das interações, que constituem a fonte do desenvolvimento
da consciência, é que ocorre a apropriação da experiência humana criada e acumulada
ao longo da história.
Segundo Vygotsky (1998), pela mediação, as relações sociais deixam de ser
diretas e passam a ser mediadas pelos elementos. Neste sentido pode-se entender o
conceito de mediação como uma intermediação, assim a relação do indivíduo com o
mundo é uma relação mediada, ou seja, uma ação que se interpõe entre o sujeito e o
objeto de conhecimento. O autor menciona dois elementos principais responsáveis pela
mediação: instrumentos e signos.
Os instrumentos têm a função de ampliar possibilidades de transformar a
natureza e, utilizados com um determinado fim, caracterizam-se por serem objetos
sociais, visto que são elementos mediadores entre o indivíduo e o meio. E os signos têm
a função de regular e controlar as ações psicológicas do indivíduo e o objetivo deles é
ativar atividades psicológicas superiores.
Atividade mediada
Entendemos que é muito importante que o professor tenha a compreensão do
processo de constituição do sujeito cultural e como se dá o processo de
desenvolvimento e a aprendizagem na criança. Isto porque, entender o seu papel
enquanto mediador e o processo de desenvolvimento faz com que o professor
compreenda quais são as necessidades formativas das crianças, auxiliando-as assim no
seu pleno desenvolvimento, visto que possibilitará à criança “[...] um conjunto
complexo de vivências diferenciadas que a leva a apropriação do conhecimento
científico, como herança cultural pertencente ao gênero humano” (BERNARDES;
ASBAHR, 2007, p. 332)
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Conforme já explanado e de acordo com a concepção vigotskiana, o ser humano
se constitui e constrói sua história na vivência e relações que estabelece com os outros
seres humanos, assim se humaniza e se desenvolve.
Considerando tal concepção, sabemos que as relações que são estabelecidas no
ambiente escolar, passam por aspectos emocionais, sociais e intelectuais.
Utilizaremos para esta explanação um episódio, que será apresentado na
sequência, retirado da observação feita em uma sala de aula de uma escola de educação
infantil, em uma turma denominada fase I, crianças na faixa etária de quatro anos a
cinco anos de idade. Escola selecionada como campo de pesquisa para a realização das
observações, um dos instrumentos utilizados para a coleta de material empírico no
desenvolvimento da pesquisa de Mestrado.
Fase I – episódio presenciado na atividade de roda da conversa:
A professora pede que o ajudante conte o número de crianças presentes, ele tem
dificuldade, a professora chega perto e fala que ele precisa fazer isso oralmente e
alto para que todos ouçam o número, pega na mão do ajudante e com ele conta
as crianças uma a uma.
Após essa contagem, a professora fala o número de crianças e conta também o
ajudante. São oito crianças nesse dia, e ela mostra um cartaz:
Professora: “K... olha no cartaz com estrelinhas e veja qual é o número 8.”
No cartaz em que aparecem os numerais, aparecem também desenhos, os quais
representam a quantidade do numeral descrito, ou seja, número 8, oito
estrelinhas.
Pede que o ajudante faça o registro do número na lousa. Como ele apresenta
dificuldade, a professora escreve o número, mostrando-o para a criança, a qual
realiza a cópia do numeral embaixo do número escrito pela professora na lousa.
Depois, ela apaga o número que escreveu e deixa somente o escrito pelo
ajudante.
Observando o episódio transcrito acima, que relata uma atividade que faz parte
da rotina do desenvolvimento da roda da conversa, no qual a professora auxilia seu
aluno, é possível inferir que a professora, em sua ação, demonstrou compreender a
dificuldade apresentada pela criança e não desqualifica nenhuma das suas tentativas,
pelo contrário encoraja-o positivamente a continuar e finalizar o que fora proposto.
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Nesta ação, observamos o movimento de aproximação, segurança e
tranquilidade, característicos de reações emocionais, de acordo com estudo de Tassoni e
Leite (2011).
As emoções passam por um processo evolutivo, por um processo de refinamento
de acordo Vygotsky (2004) e transformam-se na e pela interação que cada indivíduo
tem com seus pares, em funções psicológicas superiores. Ainda de acordo com este
autor, as emoções constituem-se nas dimensões orgânicas e sócio-histórico-culturais
sendo partes da herança biológica.
A atitude apresentada pela professora, considerando o descrito acima, são
atitudes do professor mediador, isto porque, mediante essa ação a professora
possibilitará as crianças sentirem-se mais capazes de realizar o que lhes é esperado.
Neste sentido, a ação relatada traz sentimentos positivos para o processo de
ensino aprendizagem, visto que possibilita a realização da atividade sem que haja
tensão.
A forma de agir por parte do professor afeta diretamente a relação do aluno com
o conhecimento, visto que quando o professor, na sua relação com seus alunos,
apresenta uma relação de aproximação e os alunos em virtude desta aproximação têm a
possibilidade de compreenderem que são capazes de realizar alguma tarefa, adquirem
um sentido e um significado ao processo de conhecimento.
Assim, de acordo com Toassa (2009, p.28),
Havendo atividade cerebral humana, qualquer que seja o grau de
emotividade, haverá vivência; embora cada vivência seja marcada
pela atividade mais intensa desta ou daquela função psíquica.
Pensamento e emoção se integram na vivência, não mais se opondo.
[...] As vivências inscrevem-se numa temporalidade de fatos que se
estendem no passado, presente e futuro da vida psicológica. Na teoria
histórico-cultural propriamente dita, toda função psíquica superior tem
uma face vivencial – ao lado de sua ação no mundo, e tanto as partes
como o todo da consciência podem ser generalizadas pela linguagem
que se imiscuiu no seu processo de constituição.
Integram-se assim as emoções e as vivências, ou seja, considerando as interações
como um aspecto importante no contexto escolar e as experiências vividas, inferimos
que estas interações marcam os processos de significação dos conteúdos escolares,
inclusive as situações em que estes ocorreram.
Há que se compreender por meio do processo descrito acima que o
desenvolvimento do pensamento, da linguagem bem como a construção de significados
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e o processo de internalização são resultado do desenvolvimento das funções psíquicas
superiores onde se dá o processo de formação de conceitos. Tais aspectos evidenciados
no episódio apresentado, isso considerando que cada função do desenvolvimento
cultural aparece primeiramente no nível social e posteriormente no nível individual.
CONCLUSÕES
A Educação Infantil tal qual a Educação de um modo geral, deve ser
compreendida e pensada em um contexto de possibilidade de interações sociais.
Isto porque, se oportuniza a criança se apropriar e internalizar conceitos, valores,
significados e o conhecimento construído pelos homens ao longo da história.
A apropriação da cultura da qual a criança está inserida acontece por meio da
mediação com o outro e pelos signos tais como: linguagem, interação com o outro,
atenção voluntária, memória mediada, emoções, imaginação, brincadeira e percepção,
resultado do desenvolvimento dos processos psicológicos superiores.
De acordo com Bernardes e Asbahr (2007, p.336) “O ensino como instrumento
mediador e a aprendizagem como produto são entendidos, segundo enfoque histórico-
cultural, como um sistema integrado presente nas atividades humanas em geral [...]”,
assim as atividades bem como a qualidade da mediação realizada pelos professores
favorecem o desenvolvimento das habilidades assim como a aprendizagem.
Nesse cenário, entendemos que as práticas pedagógicas intencionais só são
possíveis quando se tem a compreensão de que os seres humanos nascem sem possuir
certos conhecimentos necessários à reprodução da vida em sociedade, e que práticas
sociais são criadas para produzir e reproduzir conhecimentos em cada novo indivíduo
singular. Isso sem desconsiderar que o processo de reprodução social e cultural acontece
como resultado das ações dos sujeitos. E o homem, como ser social e cultural, constitui-
se como sujeito à medida que se apropria de habilidades, desejos, formas de
comportamento, ideias, etc.
Diante do exposto, compreendemos que o papel do professor enquanto mediador
promoverá o desenvolvimento da criança, ou seja, auxiliando-a criança em seu processo
de aprendizagem social e de desenvolvimento individual; logo, concordamos com esta
afirmação de Vigotski (2010, p. 115): “o único bom ensino é o que se adianta ao
desenvolvimento”.
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O docente, assim enquanto mediador da aprendizagem e do desenvolvimento,
não deve desconsiderar as potencialidades da criança no desenvolvimento de suas
práticas pedagógicas. Assim e de acordo com o entendimento de Bernardes e Asbahr
(2007, p. 336, grifos das autoras), “O ensino como instrumento mediador e a
aprendizagem como produto são entendidos, segundo enfoque histórico-cultural, como
um sistema integrado presente nas atividades humanas em geral [...]”. Concordamos
com os autores visto que os pressupostos por eles defendidos sinalizam que as
potencialidades humanas, para se desenvolverem, necessitam que, nesse processo, as
atividades que favoreçam a aprendizagem estejam integradas. Nesse sentido,
consideramos que a realidade concreta é um elo entre signos, atividades mediadoras e
consciência.
Compreendemos assim que a aprendizagem escolar orienta e estimula processos
internos de desenvolvimento, portanto há de se entender, no processo educativo, o que
orienta a aprendizagem e o desenvolvimento, segundo Vigotski (2010, p. 116): “o
processo de desenvolvimento não coincide com o da aprendizagem, que cria a área de
desenvolvimento potencial”.
Pode-se dizer, então, que a ação para a consciência acontece quando o professor,
na organização de conhecimentos, eleva os que a criança traz a outro patamar. Essa
reflexão nos faz compreender que o desenvolvimento das crianças por meio da
aprendizagem se dá pela mediação.
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2070ISSN 2177-336X
FORMAÇÃO DO PROFESSOR REFLEXIVO DA ESCOLA BÁSICA: UM
OLHAR DOS DOCENTES DE ESTÁGIO SUPERVISIONADO
Patrícia dos Santos Miranda
Resumo
Esse artigo traz o recorte do resultado da pesquisa realizada como trabalho de conclusão
de curso da graduação em Pedagogia intitulada “Formação do professor reflexivo:
representações de docentes de Estágio Curricular de um curso de Pedagogia”. O estudo
tem como centro de interesse a formação reflexiva de professores da escola básica pelo
olhar de docentes universitários do componente Estágio Supervisionado. O problema
que envolveu a investigação é a incapacidade de as universidades promoverem uma
formação dos futuros professores voltada para o desenvolvimento da reflexão,
utilizando o Estágio Supervisionado, especificamente, para tornar estudantes mais
conscientes do seu papel de educadores. Seu objetivo é compreender as representações
de docentes do componente curricular de Estágio Supervisionado sobre a formação do
professor reflexivo. Trazendo como questões norteadoras do estudo saber quais são os
saberes e competências do professor reflexivo na concepção dos docentes participantes
e como concebem as relações intra e interpessoais no processo formativo que oferecem
aos futuros professores. A teoria das representações (MOSCOVICI, 2009) inspirou essa
pesquisa que contou com a participação de três docentes, os quais contribuíram para
coleta de dados ocorrida por meio de entrevista semiestruturada, e seu tratamento dos
dados, embasado nas teorias de Bardin (2009), utilizado a técnica de análise do
discurso.
Palavras-chave: Formação de professores, estágio supervisionado, professor reflexivo.
Ponto de partida
O contexto educacional é permeado de influencias do contexto social no que
tange as tecnologias, violência, heterogeneidade das turmas, indisciplinas, novas
configurações familiar, baixos salários, estrutura física escolar, diferenças culturais e
étnicas, tais questões tem provocado diversos desafios ao processo formativo docente,
seja da educação básica ou universitária.
Tal cenário tem exigido que a formação dos profissionais esteja alinhada às
mudanças que o contexto da escola básica tem exigido. Ramalho et. al (2004, p. 20)
apontam que não é um movimento apenas ideológico, “... uma vez que está ligado às
novas representações da atividade docente, mas também é um movimento político e
econômico, pois sua realização implica mudar um conjunto de características dos
contextos do exercício da atividade docente.”
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2071ISSN 2177-336X
Dentro da formação de professores do ensino básico o Estágio Supervisionado
precisa se configurar como um espaço privilegiado de associação entre teorias e práticas
(BRASIL, 1996). Essa relação é uma das questões bastante debatidas por diversos
autores, principalmente por Pimenta e Lima (2000) que atribuem a esse componente um
potencial articulador entre a teoria desde que assumido como espaço de reflexão sobre
realidade educacional.
Os estudos de Petrilli (2006) trazem indicativos de que a formação docente
(inicial ou continuada) distancia-se das propostas das diretrizes legais. O que nos sugere
a existência de um hiato entre o que ocorre na prática e o que está proposto na
legislação.
O Estágio Supervisionado pode ser um espaço protagonizador da formação de
um professor capaz de compreender as adversidades e demandas do contexto escolar, a
fim de solucionar os mais variados problemas do seu exercício, lidar com os dilemas
que irá encontrar e capaz de estabelecer inter-relações, refletir e agir nos seus lócus de
trabalho (CHARLOT, 2008).
O processo de reflexão durante a formação docente seria uma das possibilidades
de alterar os sofrimentos, desafios e oportunizar o desenvolvimento de saberes e
competências para lidar com as situações incertas da prática e tomar decisões de forma
autônoma.
Nessa perspectiva o componente Estágio Supervisionado exige que esse tipo de
relação esteja presente, baseada na investigação e na problematização sobre a realidade.
Além da reflexão sobre o que é explícito e o implícito do contexto, também está
presente o desenvolvimento dos saberes e competências da prática do ambiente escolar,
que pode favorecer a constituição de sua identidade.
Partindo do cenário descrito, a pesquisa realizada trouxe como objetivo
compreender as representações de docentes do componente curricular de Estágio
Supervisionado sobre a formação do professor reflexivo. Trazendo como questões
norteadoras: quais são os saberes e competências do professor reflexivo na concepção
dos docentes participantes e como concebem as relações intra e interpessoais no
processo formativo que oferecem aos futuros professores.
Esse estudo se faz relevante pela reflexão que propicia sobre a formação de
professores da educação básica e o papel do formador, professor de Estágio
Supervisionado, no desenvolvimento dos futuros educadores.
XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira
2072ISSN 2177-336X
O estudo foi inspirado na teoria das representações sociais, uma vez que essas
representações ajudam na orientação de práticas, em destaque nessa pesquisa, na
formação dos professores reflexivo da escola básica. O instrumento de coleta foi a
entrevista semiestruturada, tendo três professoras do componente de Estágio
Supervisionado como participantes, e as escolhas ocorreram por meio eliminatório, uma
das considerações foi já ter lecionado o componente mais de três semestres e
ministrando o componente no ano da pesquisa.
O estudo é fruto da inquietação da pesquisadora como estudante de Pedagogia
cursando o componente de Estágio Supervisionado. O tratamento dos dados foi através
da técnica de Análise do Conteúdo (BARDIN, 2009) para demonstrar as representações
dos professores de Estágio Supervisionado sobre o professor reflexivo da escola básica.
Nesse artigo abordaremos uma das questões apontadas pela pesquisa, a qual indica que
o professor da escola básica precisa dominar o conteúdo a ensinar e desenvolver
metodologias que despertem o interesse do aluno.
Reflexão no espaço de formação docente
Pressupostos que norteiam o desenvolvimento de profissionais que atuarão na
docência, seja ela no nível básico ou no superior, é a concepção de reflexão e reflexivo.
Os quais são aportes teóricos fundamentais para essa pesquisa que foi realizada com os
docentes da disciplina de Estágio Supervisionado do curso de Pedagogia.
O ato reflexivo é uma ação própria dos seres humanos. Alarcão considera a
reflexão como “[…] uma forma especializada de pensar. Implica uma perscrutação
activa, voluntária, persistente e rigorosa daquilo em que se julga acreditar ou daquilo
que habitualmente se prática.” (ALARCÃO, 1996, p. 175). Nessa perspectiva a reflexão
pode ser compreendida com algo que vai além de um simples pensamento, envolvendo
atitude, vontade e disposição de sair de um estado de inércia para o questionamento dos
acontecimentos, atribuindo sentido e uma lógica ao que está se pensando.
No âmbito profissional, Schön (2000) aborda uma concepção de reflexão na
seguinte perspectiva: conhecimento na ação, reflexão na ação, reflexão sobre a ação e
reflexão sobre a reflexão na ação. O “conhecimento ou conhecer na ação” é considerado
como um conhecimento tácito, implícito, que nem sempre sabemos especificar,
mencionar, é a “performance espontânea” dos atos realizados.
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2073ISSN 2177-336X
A segunda concepção é “reflexão na ação”, que ocorre no decurso do ato, “no
presente da ação”, com um afastamento breve da situação, mas sem interromper o que
está sendo executado.
Há uma terceira concepção, denominada de “reflexão sobre a ação”, sendo esse
um a posteriori, que pressupõe um rememoramento, uma retrospectiva sobre o que foi
executado para que seja analisado.
Com relação à prática profissional, Schön (2000) destaca o desenvolvimento de
um talento artístico, sendo, então, necessário um “ensino prático reflexivo”, defendido
como “... um ensino prático voltado para ajudar estudantes a adquirirem os tipos de
talentos artísticos essenciais para a competência em zona de indeterminadas da prática”
(Idem, 2000, p. 25).
Para o contexto da formação de professores, “a prática reflexiva deve ir para
além do nível de acção até o nível de crenças, das ideias, do conhecimento e dos
objetivos subjacentes – ou da autocompreensão e da teoria educacional subjectiva”
(KELCHETERMANS, 2009, p. 91). Essa perspectiva pressupõe que a reflexão não se
restringe ao nível descritivo sobre algo, atinge uma reflexão crítica e profunda,
implicando em “uma abordagem contextualizada na qual as particularidades do contexto
de trabalho são, por um lado, cuidadosamente tidas em consideração, mas, por outro,
fundamentalmente, questionadas” (Idem, 2009, p. 92).
No cenário docente, percebe-se uma necessidade do professor reflexivo para a
construção de um ensino de qualidade, em qualquer âmbito educacional e essa tem sido
uma defesa de diversos autores como: Alarcão (1996), Amaral; Moreira; Ribeiro
(1996), Perrenoud (2002), Contreras (2002), Pimenta (2009; 2012); Kelchetermans
(2009) dentre outros.
Essa concepção que surge no cenário educacional advém do contraponto ao
perfil tecnicista de ser professor, baseado na racionalidade técnica e que tem o professor
como centralidade e o detentor do conhecimento.
Ancorados em Schön (2000), Perrenoud (2002), Pimenta (2008; 2009; 2012) e
Contreras (2002), apoiam o papel da reflexão na prática docente para o
desenvolvimento do trabalho desse profissional. Essa concepção de professor reflexivo
é entendida como “... aqueles que são capazes de criticar e desenvolver suas teorias
sobre a prática ao refletirem, sozinhos ou em conjunto, na ação e sobre ela assim como
sobre as condições que a modelam” (AMARAL; MOREIRA; RIBEIRO, 1996, p. 100).
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A defesa de docente com prática reflexiva decorre no desejo de livrar os
profissionais de uma prática prescrita, convidando a apropriar-se de procedimentos que
valorizem a participação dos estudantes na construção de sua aprendizagem. Levando-
os ao desenvolvimento de autonomia e protagonismo dos estudantes.
... a autonomia e a responsabilidade de um profissional dependem de
uma grande capacidade de refletir em e sobre a ação. Essa capacidade
está no âmago do desenvolvimento permanente, em função da
experiência de competência e dos saberes profissionais
(PERRENOUD, 2002, p. 13).
Entende-se, desse modo, que a postura reflexiva é uma construção que vai sendo
incorporada às atitudes do educador. Não se trata de algo pronto e acabado, ou de uma
prescrição ou receita pronta. É uma construção que não se esgota na formação inicial
nem nos primeiros anos de docência, quando, muitas vezes, é mais difícil. Trata-se de
uma prática constante, incorporada ao cotidiano desse profissional.
Um “professor reflexivo” não para de refletir a partir do momento em
que consegue sobreviver na sala da aula, no momento em que
consegue entender melhor sua tarefa e em que sua angústia diminui.
Ele continua progredindo em sua profissão mesmo quando não passa
por dificuldades e nem por situações de crise, por prazer ou porque
não o pode evitar, pois a reflexão transformou-se em uma forma de
identidade e de satisfação profissionais. (PERRENOUD, 2002, p. 42 –
44).
A execução de uma prática reflexiva busca desenvolver capacidades e
interconexões entre o que se vivencia e o que é teorizado, compreendido como uma
aprendizagem ao longo das experiências. Por isso, a reflexividade é uma ação que
requer mais que pensar: requer saberes que, de fato, ultrapassem o nível da
superficialidade.
Não é possível avançar muito se refletirmos ou debatermos sem
recorrermos a certos saberes. A experiência singular só produz
aprendizagem se ela tiver estruturada em conceitos, se estiver
vinculada a saberes que a tornam inteligível e inserem-se em alguma
forma de regularidade. (PERRENOUD, 2008, p. 53).
O processo formativo docente sempre esteve permeado do domínio do conteúdo,
esse deve ser introduzido na cabeça dos estudantes, como afirmam as instituições
educacionais, realizam “a pedagogia com inculcamento, da catequese intelectual”
(JAPIUASSU, 1983, p. 17-18).
A formação pelo ensino reflexivo precisa “valorizar a experiência pessoal, as
convicções, os valores e diferentes saberes dos formandos, enquanto sujeito com uma
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2075ISSN 2177-336X
individualidade própria, portadores de uma cultura que é importante consciencializar,
preservar e alargar” (AMARAL; MOREIRA; RIBEIRO, p. 100, 1996).
A reflexão, mesmo que seja prática individual, também se enquadra como uma
prática social e coletiva que provoque transformações no cenário educacional com a
partilha entre os pares que fazem parte do contexto educacional (GHEDIN, 2008;
LIBÂNEO, 2008). Essa partilha favorece a construção das representações desses
sujeitos.
O que faz exigir que nesse contexto a prática e a teoria sejam norteadores da
prática. “É necessário promover a integração nos problemas da prática dos
conhecimentos derivados das ciências básicas e aplicadas” (GÓMEZ, 1995, p. 111).
Essa relação precisa acontecer de forma dialógica.
A disciplina de Estágio Supervisionado tem um caráter fundamental na
formação docente, pois, muitas vezes, é por meio dele que o estudante adentrar a uma
escola é uma condição que não seja estudante. Para que não reproduza as crenças, que
muitas vezes veem consolidadas em seu processo de escolarização precisa contar com
componentes curriculares que lhe estabilizem para uma formação de postura reflexiva.
O estágio, sob uma abordagem reflexiva, pode ser viabilizado por meio de
atividades de pesquisa que incorporem esse caráter crítico e reflexivo, operando na
perspectiva teórico-prática e promovendo momentos de “ensaios” sobre as reflexões.
Por isso, Pimenta e Lima (2010) recordam que a análise da prática deve estar articulada
com a teoria, com uma contextualização social dos dilemas que emergem no espaço
escolar, em um movimento articulador com os demais componentes para a consolidação
dos saberes necessários à atuação profissional.
O olhar que emerge para o professor da escola básica
Por meio dos dados coletados pela entrevista semiestruturada como docentes dos
componentes de Estágio Supervisionado no curso de Pedagogia de uma Universidade
Estadual Baiana foi possível aferir, partindo do que emergiu das falas das entrevistadas,
que o professor da escola básica precisa dominar o conteúdo a ensinar e desenvolver
metodologias que despertem o interesse do aluno.
Ao mencionarem sobre as necessidades do professor para exercer suas
atividades é destacado com muita veemência pelos participantes a importância do
professor possui conhecimentos referente ao conteúdo. Ao evidenciar que o professor
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2076ISSN 2177-336X
muitas vezes, ele não se sente preparado, porque ele não domina, é o domínio mesmo
desses conteúdos básicos e aí, muitas vezes, ele sente dificuldade. (P1)
A importância do domínio dos conteúdos a serem ensinados é referendada
também por Luckesi (1994, p.142):
... importa que nós, professores, assim como nos preparamos para
exercer a docência, estejamos cientes de que quanto mais nos
preparamos em termos de conteúdos e habilidades, tantas maiores
serão nossas possibilidades de exercer nossa profissão da melhor
forma possível, tanto do ponto de vista técnico quanto político.
Para pensarmos na formação do professor reflexivo, há necessidade de analisar
os conteúdos que são concebidos pelos docentes: como verdades inquestionáveis,
dogmatizados ou como produções de sujeitos situados social e historicamente, portanto,
verdades provisórias, parciais, afeitas a ressignificações. Tal análise de natureza
epistemológica dos conteúdos tem profundas implicações políticas e pedagógicas na
atuação do professor da escola básica. Assim, em consonância com a primeira
perspectiva, o professor tende “[…] a um mero ensinar o já sabido, a um simples
transmitir o já estabelecido ou um puro veicular de informações que não formam”
(JAPIASSU, 1983, p.17). Diante da natureza do professor reflexivo, é desejável uma
postura mais implicada com a aprendizagem do aluno e com sua prática, pois de acordo
com o relato da entrevistada sua concepção é de que ao professor compete o
conhecimento do conteúdo, mas esse pensar sobre o fazer e provocar esse pensar nos
alunos não fica evidente.
Ao mencionarem sobre os saberes necessários sobre para a prática pedagógica a
docente 3 elenca saberes didático-pedagógicos dos quais carece um professor reflexivo,
concernentes ao para que ensinar e ao como ensinar, como esclarece seu depoimento:
[...] tem que saber os elementos principais da sua profissão, não tem jeito. Então, o
pedagogo tem que saber de educação, tem que saber de avaliação, de que saber de
sociedade, tem que saber muito bem de planejamento! De gestão, de gestão de
currículo. Então não há como nós nos desligarmos de elementos fundamentais da nossa
formação. (P3)
Por meio desse depoimento é possível depreender que a grande preocupação do
docente possibilitando um contraponto com o que Pimenta (2009, p. 26) afirma sobre os
saberes do professor quando afirma que “... para saber ensinar não bastam experiência e
os conhecimentos específicos, mas se fazem necessários os saberes pedagógicos e
didáticos”. Esses saberes pedagógicos, de ordem mais metodológica, são
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2077ISSN 2177-336X
potencializadores para a transformação da aprendizagem, desde que sejam estratégias e
procedimentos em uma perspectiva que não aprisione ou limite o conhecimento dos
alunos.
Da ótica dos participantes ao professor da escola básica cabe dominar os
conteúdos a serem ensinados e assumir metodologias que despertem o interesse do
aluno se revela ainda quando expressam sua visão sobre o compromisso do professor
com o aluno, como pode ser percebido no depoimento que [...] bom professor... É
aquele que tem o compromisso com a educação e com a sociedade que ele está inserido
[…] Vai pensar na educação como um elemento de transformação, de autonomia, de
crescimento do aluno e de construção da sociedade, esse professor vai ser bom que ele
vai dar aula muito bem, com boa qualidade, mesmo que ele não tenha muitos recursos,
mas ele tem que ter conhecimento, ele tem que estudar para que ele trabalhe bem
aquele conteúdo que ele vai trabalhar, ele tem que passar aquele conteúdo sim para os
alunos. (P3)
Pode-se depreender, por meio desse relato, que há no docente uma percepção do
professor como um sujeito que pode se mostrar protagonista de suas ações e despertar,
em seus alunos, uma mudança. Mas que tem ênfase ainda no domínio dos conteúdos e a
transferência aos alunos.
Defendendo uma educação mais ampla Libâneo (2007) compartilha que à escola
não cabe apenas o papel de oferta do conhecimento científico, pois é desejável que os
conhecimentos culturais e informais também sejam nela aprendidos, ao mencionar que
“[...] também é importante a dimensão ética, valorizar práticas de pensar sobre valores,
a solidariedade, a veracidade artística, a capacidade de expressar-se de sentir o mundo
do outro, sua cultura” (Idem; 2007, p. 26).
Cabe destacar a ausência de registro, na concepção do professor reflexivo da
escola básica dos participantes, sobre o desenvolvimento de competências cognitivas.
Essas competências envolvem as operações de pensamento: compreender, analisar,
avaliar, tomar decisões, resolver problemas (LIZÁRRAGA, 2010). Tais operações, se
realizadas em contexto significativo para o aluno, permitirão o desenvolvimento de um
ensino mais comprometido com a aprendizagem. A despeito disso, não foi encontrada,
nos depoimentos, uma menção à necessidade de o professor ser um pesquisador de sua
sala de aula, do pensamento de seus estudantes como afirma Marques (2003). Nem
tampouco se verifica ênfase quanto às competências intrarrelacionais necessárias ao
professor reflexivo, como preconiza Alarcão (2003, p. 63).
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2078ISSN 2177-336X
... o professor como profissional do humano (como insisto em chamá-
lo), tem uma especial responsabilidade sobre sua atuação pelo que o
conhecimento de si mesmo no que é, no que faz, no que pensa e no
que diz, ou autoconhecimento que abrange a dimensão metacognitiva
e metaprática, impulsionadora de seu desenvolvimento pessoal e
profissional.
O saber da experiência, aquele definido como “conhecimento elaborado pelo
próprio professor a partir das experiências por ele vividas.” (ALTET, 1993) não foi
mencionado pelos participantes.
Conforme Alarcão (2003), os saberes a serem desenvolvidos pelos processos
formativos docentes, necessários ao professor reflexivo, são: conhecimento científico-
pedagógico, conhecimento do conteúdo disciplinar, conhecimento pedagógico em geral,
conhecimento do currículo, do aluno e das suas características e de seus contextos,
conhecimento dos fins educativos, conhecimento de si mesmo e conhecimento de sua
filiação profissional.
No caso de nossos participantes, como demonstra a discussão até aqui
apresentada, são considerados apenas os saberes disciplinares e as metodologias que
despertem interesse dos alunos.
Ao mencionarem sobre a definição de professor reflexivo os docentes
pesquisados trazem a seguinte concepção:
[...] o professor reflexivo é aquele considerado o intelectual transformador, é aquele professor
que faz reflexão sobre a sua prática, sobre a sua práxis. Ele trabalha com o conteúdo com o
estudante ele deseja que haja uma transformação, ele deseja que o nosso estudante pense,
avance nos conteúdos além dos livros, discuta com os autores e que possibilite... A partir da
ação, da mediação, que ele faça reflexões, que ele recrie, que ele avance, que ele não fique só
naquela... No plano da sala de aula. [...] Ele não trabalha na perspectiva da transmissão do
conhecimento. Ele é um problematizador, ele é um mediador. (P3)
[...] o professor reflexivo precisa, antes de tudo, conhecer a realidade com a qual ele vai
trabalhar. Fazer uma... Ter um conhecimento exploratório mesmo dessa realidade, identificar
quais são as demandas daquela realidade, com a qual ele vai atuar. [...] Ele tem que ser
engajado, [...] Acho que professor reflexivo tem que ser engajado. [...] Porque uma pessoa
engajada é comprometida [...], ele não vai se acomodar. [...] Reflexivo fica no campo das
ideias, não é isso não, acho que é ação mesmo, é agir. (P2)
Eu acredito que o professor reflexivo é aquele que está sempre fazendo a reflexão da sua
prática e sobre a sua prática. Repensando suas ações no cotidiano e... Essa reflexão será
essencial para qualquer mudança e transformação do que ele vem trabalhando. (P1)
Essas definições ratificam representações sobre professor reflexivo vinculadas
aos saberes e competências técnicas do seu campo de atuação. Mas é preciso atentar
para o que diz Perrenoud (2002 p. 65):
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2079ISSN 2177-336X
[...] a prática reflexiva é uma relação com o mundo: ativa, crítica e
autônoma. Por isso, depende mais de uma postura do que de uma
estrita competência metodológica. Uma formação em resolução de
problemas [...] não é suficiente para formar um profissional reflexivo.
Isso pode ter ocorrido em consequência de as representações dos docentes
pesquisados sobre formação de professores estarem ainda sendo norteadas pelo
paradigma da racionalidade técnica, que coloca o graduando como receptor e não como
sujeito do seu processo de aprendizagem. Assim, os professores não estariam sendo
considerados como produtores de conhecimento, mas simplesmente como aqueles que
aplicam saberes produzidos por outrem.
Considerações finais
As inferências advindas do estudo que originou este artigo permitem
compreender que o processo formativo que tem sido oferecido pelo estágio está restrito
ao desenvolvimento de competências técnicas em detrimento de competências
relacionais, atitudinais, emocionais, intrapessoais (autoconhecimento). Como as
representações guiam as práticas, é pertinente afirmar que o estágio contribui pouco
para o desenvolvimento da reflexividade.
A ênfase em competências técnicas decorre do contexto em que os participantes
dessa investigação estão inseridos. Esses sujeitos encontram-se imersos em um cenário
que privilegia conhecimentos científicos e técnicos, em detrimento dos relacionais e
afetivos. Tal realidade implica desconsiderar a totalidade do homem, um sujeito
constituído de cognição, mas também de valores, crenças, afetividade e relações.
Vale ressaltar que essa compreensão dos docentes pesquisados apresentou essa
revelação por encontrar-se ainda assegurada devido ao processo formativo pelo qual
passaram, necessitando de um desenraizamento de algumas representações que lhes
acompanha, frutos de sua história escolar.
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CONCEPÇÕES DISCENTES E DOCENTES SOBRE AVALIAÇÃO DA
APRENDIZAGEM: UM DESAFIO NA FORMAÇÃO INICIAL DE
PROFESSORES
Fátima Regina Cerqueira Leite Beraldo
Universidade do Estado da Bahia-UNEB
RESUMO
Este artigo resulta de recorte de pesquisa de doutorado cujo foco é a avaliação da
aprendizagem em cursos de licenciatura de uma universidade pública. Os dados
analisados fazem parte de pesquisa exploratória realizada no contexto de uma pesquisa-
ação. A análise temática de conteúdo de Bardin (2009) foi o instrumento de tratamento
dos dados. Um dos pressupostos desse estudo é que a formação inicial de professores
carece de docentes que pratiquem uma avaliação da aprendizagem para ajudar os
licenciandos a aprenderem com compreensão, para serem mais autônomos e assumirem
responsabilidades no desenvolvimento de suas aprendizagens. Isso, também, para que
aprendam como fazer o mesmo por seus alunos na escola básica. Nossa intenção,
através deste artigo, é provocar reflexões sobre o processo avaliativo na formação
inicial de professores por meio da análise de resultados de pesquisas de doutorado e
mestrado realizadas no período de 1992 a 2015, sobre o tema avaliação da
aprendizagem no ensino superior. O que revelam tais pesquisas sobre avaliação da
aprendizagem nos cursos de licenciatura? A análise dos resultados das pesquisas
sinaliza predominância de uma avaliação do tipo classificatória apassivadora e sinais de
um movimento de mudança de concepções em favor de uma avalição formativa na
perspectiva construtiva. Além disso, aponta para a necessidade de formação docente em
favor de uma prática avaliativa em prol da autoria discente. Ademais, identifica as
concepções de professores e estudantes como um dos principais entraves para prática de
uma avaliação em favor da construção da autonomia pelos estudantes.
Palavras-chaves: formação docente; avaliação da aprendizagem; concepções docentes
e discentes sobre avaliação.
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Necessidade de uma avaliação da aprendizagem para ser sujeito
Uma avaliação da aprendizagem na universidade em prol da autoria docente e
discente é nosso interesse no projeto de pesquisa do qual se origina este artigo, cujo
foco foi a docência universitária no contexto de cursos de licenciatura, visto que
fortalecer o ensino universitário nesse campo é fortalecer o ensino da escola básica e,
por conseguinte, fortalecer a formação de pesquisadores e profissionais pesquisadores
para diversas áreas do conhecimento. O problema contemplado é a dificuldade para uma
avaliação na perspectiva da autoria discente muito em virtude da permanência do
modelo da racionalidade técnica na formação de professores, segundo o qual a avaliação
ocorre separada dos processos de ensino e aprendizagem, ensina-se para depois avaliar
o que ficou retido na memória dos estudantes. Isso em contraposição a uma avaliação
construtiva, reguladora dos processos de ensinar e aprender, que compreendemos ser
fundamental em projetos formativos que busquem o protagonismo docente e discente.
A crise do paradigma positivista de ciência acarreta necessidade de mudanças
didático pedagógicas na formação profissional de professores, ou seja, a construção de
práticas de ensino, aprendizagem e avaliação considerando os princípios do paradigma
educacional emergente (MORAES, 2010) norteado pela teoria da complexidade
(MORIN, 2007; 2011) segundo o qual o conhecimento não é verdade absoluta a ser
imitada, e sim resultado de um processo dinâmico e contínuo de construção e
reconstrução (DEMO, 2008). Por isso não cabe lidar com ele através de aprendizagem
memorística, ensino como sua transmissão e avaliação como verificação da
memorização dos conhecimentos transmitidos.
A despeito disso, a visão positivista de conhecimento, ensino, aprendizagem e
avaliação permanece hegemônica em nossas instituições educacionais, de encontro à
demanda por formação acadêmico profissional autoral, a qual exige garantir recursos ao
estudante para que possa gerar conhecimento integrando de forma crítica a grande
quantidade de informações a que atualmente tem acesso, a fim de agir criativa e
eticamente nos âmbitos social, pessoal e profissional.
No modelo formativo da racionalidade técnica, derivado da filosofia positivista,
a avaliação é responsável em grande medida pelo desenvolvimento de posturas passivas
pelos estudantes visto que funciona como instrumento de controle e motivação
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extrínseca, vinculando sucesso acadêmico à nota em detrimento da construção de
conhecimentos. Ou seja, os conteúdos a serem aprendidos pelos estudantes,
fundamentais para sua atuação profissional, são eclipsados pela necessidade de tirar
uma nota para ser aprovado.
Isso desafia os docentes universitários à reconstrução e construção do ensino, da
aprendizagem e da avaliação em prol do desenvolvimento do pensamento pelos
estudantes possibilitando-lhes construir e solucionar problemas, selecionar informações,
produzir conhecimento e autoconhecimento, tarefas de um bom profissional para as
quais avaliar e avaliar-se é imprescindível.
A formação, na visão da complexidade, advoga pela reintrodução reflexiva do
aprendiz como sujeito de seu processo de aprendizagem integrada. A aprendizagem
integrada pode ser compreendida como
... o processo mediante o qual vamos construindo novos significados das
coisas e do mundo ao nosso redor, ao mesmo tempo em que melhoramos
estruturas e habilidades cognitivas, desenvolvemos novas competências,
modificamos nossas atitudes e valores, projetando tais mudanças na vida, nas
relações sociais e laborais (MORAES; LA TORRE, 2004).
Essa concepção de aprendizagem demanda compreender a avaliação como
espaço no qual avaliar é indissociável aos processos de aprendizagem e ensino a fim de
possibilitar a discentes e docentes posicionarem-se como sujeitos do ensinar e do
aprender. Ou seja, uma avaliação que realimente a tomada de decisões pelos professores
e estudantes em favor do aprender.
O diálogo é a base da avaliação na ótica educacional emergente, o que implica
pensar a prática avaliativa como um sistema aberto.
Um sistema aberto significa que tudo está em movimento, é algo que não tem
fim, em que início e fim não são predeterminados. Cada qual significa um
novo começo, um recomeço, e cada início pressupõe a existência de uma
final anterior, o que faz com que o crescimento ocorra em espiral. Um
sistema aberto exige um movimento contínuo e cada ação completa é insumo
para um novo começo (MORAES, 2010, p 99).
Considerando tais pressupostos que sinalizam a necessidade de uma avaliação
para ser sujeito, no contexto da fase exploratória de uma pesquisa-ação (THIOLLENT,
2008; BARBIER, 2007), selecionamos e analisamos os resultados de estudos de
doutorado e mestrado realizados de 1992 a 2015 sobre avaliação da aprendizagem no
ensino superior. Isso a fim de conhecer e refletir acerca da prática avaliativa no contexto
das licenciaturas para pensar em caminhos pedagógicos que possam contribuir com uma
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avaliação na perspectiva emergente. A técnica de análise de conteúdo (BARDIN, 2009)
foi utilizada para análise dos dados.
Nossas investigações partiram da consulta às seguintes fontes: Biblioteca Digital
Brasileira de Teses e Dissertações do Instituto Brasileiro de Informações em Ciências e
Tecnologia através do endereço eletrônico: http://bdtd.ibict.br e Banco de Teses da
CAPES. Nessa busca, até o ano de 2015, foram encontrados sessenta trabalhos no
âmbito de programas de mestrado e doutorado de instituições públicas e privadas.
Dezenove teses e 15 dissertações desenvolvidas no contexto de cursos de bacharelado;
oito teses e 18 dissertações no contexto das licenciaturas. Vinte e três trabalhos tiveram
como sujeitos professores e estudantes; dezenove somente estudantes; treze somente
professores; três estudos ouviram coordenadores de curso, professores e estudantes; um,
coordenadores e estudantes e outro coordenador e tutores. Assim, foi possível concluir
que os elementos que emergiram da análise dos resultados das teses e das dissertações
estão relacionados a concepções de docentes e estudantes sobre avaliação da
aprendizagem.
Concepções docentes e discentes sobre avaliação da aprendizagem como
obstáculo para prática avaliativa em favor da autoria foi uma das categorias emergidas
da análise do conteúdo dos resumos dos sessenta trabalhos encontrados. Sobre essa
categoria passamos a refletir na próxima seção.
Concepções docentes e discentes sobre avaliação da aprendizagem
O termo concepção refere-se ao ato de conceber o objeto percebido, ou seja,
quando um objeto é simbolizado pelo sujeito, ele se transforma em concepção
(ABBAGNANO, 2007, p. 199). As concepções constituem um substrato importante do
pensamento e na ação do professor e são construídas por meio de um processo, quer
individual, quer social, sofrendo influências das expectativas do sujeito e do meio em
que se insere (ALVES, 2004). Segundo Alves (Idem, p. 44), as concepções constituem
um conjunto de opiniões ou de pontos de vista sobre uma realidade, situam-se na
interface entre o pensamento e a ação e “resultam de uma construção pessoal com base
em representações, ideologias e teorias”.
As concepções dos docentes sobre as finalidades de seu ensino; as análises que
fazem dos programas; as representações que têm dos estudantes e mais ainda da forma
como estes aprendem são guias de suas práticas pedagógicas (Idem). Tais concepções
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são construções pessoais e podem então ser compreendidas como “uma teoria
espontânea da prática que acompanha a prática” (ALVES, 2004, p. 46, apud BOURDIE,
1972, p. 255). Os professores, na maioria das vezes, não têm consciência sobre tais
concepções. Suas crenças sobre ensinar e aprender são teorias implícitas e assim
trabalham intuitivamente, sem refletir ativamente sobre as intencionalidades que
subjazem ao modo como ensinam.
A valorização de avaliação apassivadora como sinônimo de nota, como
verificação para certificação ou reprovação, como controle do professor sobre os
estudantes são elementos que emergiram como fazendo parte das concepções dos
docentes e discentes sujeitos das pesquisas que analisamos. Os resultados ainda revelam
a existência de uma relação dicotômica entre avaliação, ensino e aprendizagem,
ausência de avaliação que contemple a articulação entre conteúdos atitudinais,
procedimentais e conceituais, bem como a predominância de provas padronizadas
escritas.
No âmbito das licenciaturas, as concepções predominantes entre professores e
estudantes coincidem com as encontradas nos cursos de Bacharelado, ou seja,
predomínio de avaliação apassivadora, controle, com predominância de instrumentos
avaliativos focados no produto, sem momentos de ajuda aos estudantes a partir da
avaliação de seu processo de aprendizagem. Mendes (2006, p. 130), em uma das teses
encontradas, conclui que:
Nos cursos de formação de professores a avaliação é geralmente abordada
sem a preocupação de uma análise sociológica, política e pedagógica que
possibilite a construção de uma avaliação qualitativa e democrática para além
da limitada visão que se fixa nas medidas e nos registros numéricos fechados
e precisos.
Os achados das pesquisas analisadas estão em consonância com as conclusões de
Beraldo e Miranda (2014) Pimenta (2014); Sordi (1993) quando apontam que tanto as
concepções dos docentes quanto as dos estudantes sobre ensino, aprendizagem,
avaliação, ser professor, ser estudante estão baseadas na perspectiva da racionalidade
técnica segundo a qual avaliar é verificar a aprendizagem de conhecimentos prontos, de
verdades absolutas, sem investimentos no processo de construção de conhecimento pelo
estudante.
Assim é possível inferir que as concepções de docentes e estudantes acerca da
avaliação da aprendizagem estão na raiz das dificuldades em se praticar uma avaliação
construtiva. Isso visto que elas têm uma função reguladora do processo de avaliação e
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estão próximas de uma teoria de ação (ALVES, 2004). As teorias de ação produzem
práticas de ensino para transformar a performance dos alunos e estão ancoradas nas
experiências pessoais e em saberes científicos dos professores (Idem, apud LESNE,
1984).
No que se refere às concepções dos estudantes sobre avaliação, Pimenta (2014)
aponta que elas estão centradas nos produtos e não no processo, ou seja, avaliar para
maioria deles é sinônimo de verificação da aprendizagem de informações a que tiveram
acesso a partir de um ensino transmissivo. Além disso, “o estudante atribui a si próprio
a responsabilidade pelo seu aprendizado e reconhece que estudar é uma forma de
adquirir conhecimento e o meio para se sair bem numa avaliação (Idem). No entanto, o
resultado esperado por eles é a nota, enfatizada como objetivo final da avaliação em
detrimento da aprendizagem dos conteúdos (Ibidem).
Na relação conflituosa no âmbito da avaliação da aprendizagem,
questionamentos dos estudantes sobre a justeza dos métodos de avaliação adotados e
dos resultados obtidos são enfrentadas pelos professores universitários (SORDI, 1993).
Estudos de caso realizado por Pimenta (2014) constataram que, em muitas ocasiões, os
estudantes não vão bem nas avaliações e para ajudá-los a serem aprovados, muitos
docentes formulam provas fáceis que não consideram as aprendizagens necessárias para
uma formação profissional crítico emancipatória. Além disso, “muitas vezes, o aluno
não apresenta um bom desempenho na prova, não porque não domine nada do
conteúdo, mas porque não entendeu como lidar com o tipo de questão proposta pelo
professor” (Idem).
Segundo Gatti (2011), depoimentos de estudantes atestam que eles nem sempre
percebem como o professor concebe a avaliação e qual seu papel para além de dar uma
nota, bem como não conseguem explicitar os critérios para sua atribuição. Os estudantes
dizem enfrentar questões excessivamente detalhadas ou complexas que levam à
confusão as quais fazem com que eles não possam mostrar o que sabem, mas sim o
quanto eles são bons em adivinhar o que o professor quer (GATTI, 2011).
Considerando o exposto, é possível afirmar que a dificuldade em se romper com
a absolutização da avaliação classificatória em favor de uma qualitativa tem raízes nas
concepções dos professores acerca dela, muito em consequência da ausência de
formação dos docentes que atuam na licenciatura. Dimensão sobre a qual passamos a
refletir
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A avaliação da aprendizagem e formação docente
A categoria avaliação da aprendizagem e formação docente emergiu da análise
dos resumos das teses e dissertações de forma unânime, revelando que a ausência de
formação para a docência no ensino superior é obstáculo para formar professores
capazes de avaliar na escola básica.
Nessa categoria, somente duas pesquisas (das 60 encontradas) citam uma
abordagem inovadora no ensino sobre avaliação da aprendizagem no contexto das
licenciaturas. Isso vai ao encontro do estudo de Gatti (2011) ao concluir que menos de
1% dos cursos de licenciatura em Pedagogia abordam o tema avaliação e são raras as
disciplinas que tratem desse tema. Como consequência disso, os egressos tendem a
reproduzir as práticas avaliativas vivenciadas, que tanto na escola básica quanto no
contexto da licenciatura são predominantemente classificatórias. A avaliação de
aprendizagem que os estudantes vivenciam nas licenciaturas os ensina a avaliar seus
alunos na escola, por isso são indispensáveis investimentos para mudar a lógica do ato
avaliativo na formação inicial de professores.
Os futuros professores não têm tido experiências formativas por meio das quais
possam se apropriar da avaliação como instrumento de ensino e aprendizagem. Mendes
(2006), em pesquisa que envolveu participantes licenciandos do último ano dos cursos
de Geografia, Pedagogia, Ciências Biológicas, Educação Física, Física, Matemática e
Química, constatou que as aprendizagens sobre avaliação estão centradas em
instrumentos como provas, trabalhos e seminários, revelando uma concepção
equivocada de avaliação, ou seja, como mera verificação de aprendizagem. No caso do
curso de licenciatura em Pedagogia, metade dos estudantes não passa por experiência de
avaliação individual segundo Gatti (2011).
A perspectiva crítica da avaliação aparece raramente nas discussões e práticas
dos cursos, bem como os saberes (não ensinados aos licenciandos) relacionados à
função da avaliação formativa; aos aspectos sociológicos da avaliação; ao erro como
parte do processo de aprendizagem; ao tratamento dos resultados do processo avaliativo
(MENDES, 2006).
Compreendemos que um curso de licenciatura não forma completamente um
profissional, mas conforme Ramalho, Nuñez e Gauthier (2004) não há consistência na
profissionalização sem que se constitua uma base sólida de conhecimentos teóricos e
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práticos no contexto da formação inicial. O que requer processos de ensino e
aprendizagem nas licenciaturas voltados para o protagonismo discente que pressupõem
um docente universitário preparado para enfrentar o desafio de preparar os futuros
professores da escola básica para avaliar em favor do desenvolvimento dos alunos.
Nesse sentido são necessárias reflexões sobre a formação dos docentes que atuam na
formação de professores.
Em nosso país, as políticas públicas orientadoras para a formação de professores
universitários são demasiadamente tímidas (SOARES; CUNHA, 2010), marcadas pela
não exigência de uma formação para o professor da educação superior que contemple os
saberes específicos da prática docente. Segundo o parágrafo VI, artigo 66 da Lei de
Diretrizes e Bases da Educação (BRASIL, 1996), a preparação para o exercício do
magistério superior far-se-á em nível de pós-graduação, prioritariamente em programas
de mestrado e doutorado. Masetto (2003) assegura que, nos desenhos dos programas de
pós-graduação existentes no país, a formação para docência superior, quando há,
restringe-se ao oferecimento de uma disciplina, que na prática não ultrapassa 60 horas
de atividade. Dessa forma, gerando pouco impacto a sua inclusão em alguns programas
de pós-graduação. A organização dos programas de pós-graduação está orientada para e
pela pesquisa. Logo, os seus egressos estão muito mais familiarizados com as atividades
de pesquisa do que com a docência.
A ausência do preparo pedagógico dos professores universitários, fruto de sua
própria formação, pode afetar a formação dos futuros profissionais. No caso das
licenciaturas, afeta a formação inicial de professores, bem como a formação dos alunos
da escola básica, o que acaba por gerar consequências para o perfil dos estudantes que
adentrarão à universidade. Os resultados das pesquisas analisadas sinalizam que a
ausência de formação didático-pedagógica dos docentes que atuam em cursos de
licenciatura é empecilho para romper com as concepções cartesianas de avaliação dos
licenciandos.
As licenciaturas não têm propiciado reflexão sobre tais concepções a fim de
modificá-las, bem como não proporcionam aos estudantes a experiência de uma
avaliação construtiva. Faz-se pertinente ressaltar que a ação dos professores e dos
estudantes no que se refere à definição de metas, escolha de métodos são condicionados
por suas crenças implícitas (construídas a partir de suas vivências escolares) sobre o que
é aprender e as melhores formas de promover a aprendizagem (POZO, 2009).
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A maior parte dos professores universitários não recebeu formação explícita para
docência, assim suas teorias implícitas foram construídas em experiências como
professor e como aluno, as quais lhes proporcionaram crenças muito sólidas sobre como
aprendem os estudantes, como se pode avaliar se aprenderam. Os estudantes
universitários, por sua vez, viveram experiências de avaliação da aprendizagem na
escola básica que fazem parte de suas teorias implícitas que lhes geram expectativas e
crenças sobre o que devem fazer nas situações de aprendizagem (Idem).
As teorias implícitas têm grande peso na atuação docente, por isso há
necessidade de que a formação para docência tenha como um dos eixos a pessoa do
professor como defende Nóvoa (2009) ao recomendar que se articule a pessoalidade à
profissionalidade. Assim, é imprescindível que tanto os docentes dos cursos de
licenciatura quanto os futuros professores da escola básica conscientizem-se de seus
valores e crenças, de suas teorias implícitas, pois “referindo-se a esses valores se
definem opções educativas e políticas, que servem de modelo tanto para análise
avaliativa da realidade como para o desenvolvimento da prática” (CONTRERAS, 2002,
p. 206).
A despeito da importância das teorias implícitas dos docentes e dos licenciandos
para mudar práticas avaliativas, o que constatamos, por meio da análise das pesquisas
sobre avaliação da aprendizagem no ensino superior, é ausência de estudos que se
debrucem sobre essa temática em pesquisas-ação nas quais os docentes formadores
sejam provocados a refletir sobre suas concepções.
Considerações finais
Um dos princípios do paradigma educacional emergente é a reintrodução do
sujeito do conhecimento que foi neutralizado pela exacerbação da objetividade
cartesiana em detrimento da subjetividade. Tal princípio pressupõe que estudantes e
docentes sejam sujeitos em seu processo de construção de conhecimento, o que exige
que ambos saibam avaliar e avaliar-se a fim de intervir em seus processos de
aprendizagem e ensino.
Segundo os resultados das pesquisas que analisamos, as concepções docentes e
discentes sobre avaliação da aprendizagem, construídas através de suas vivências com
avaliação da aprendizagem em sua história escolar, estão relacionadas à avaliação na
visão do modelo formativo da racionalidade técnica, ou seja, uma avaliação que vai de
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encontro ao princípio do estudante como sujeito de seu processo de aprender. Isso
demanda que tanto docentes quanto licenciandos construam outras aprendizagens sobre
avaliação da aprendizagem e, para isso, é imprescindível que reflitam sobre tais
concepções, na maioria das vezes implícitas, para que possam romper com elas em
benefício de uma prática avaliativa para autonomização, para que a partir desta reflexão
possam ser criados caminhos para uma avaliação emancipatória. Esse é, portanto, um
desafio a ser enfrentado pelas licenciaturas e por pesquisadores interessados pela
docência universitária no contexto da formação inicial de professores.
A reflexão pelo docente da licenciatura sobre sua própria prática avaliativa é
crucial para que ele tome consciência de suas teorias implícitas sobre avaliação da
aprendizagem. Essa consciência será importante para romper com a lógica cartesiana da
avaliação e assim poder contribuir com a formação inicial de professores que também
sejam capazes de fazê-lo.
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