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História protegida por direitos autorais pela Biblioteca
Nacional
Autores: Alberson Santos da Silva e Kelly Crystina Cabrera
Qualquer semelhança com personagens ou acontecimentos
ocorridos na vida real não passa de mera coincidência.
Rio de Janeiro 2014
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O Último Suspiro Sob a
Lua:
A Batalha da Noite
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Escrever é algo muito difícil. É uma atividade que requer
muito foco e em muitos momentos é uma tarefa
extremamente solitária. Por isso, agradecemos aqueles que
de alguma forma nos ajudaram a realizar esse sonho.
Dedicamos este livro para Maria Cristina Sawicki Cabrera,
Gerson da Silva, Maria das Graças Santos da Silva e Cleberson
Santos da Silva que ajudaram de todas as formas possíveis (e
impossíveis). Amamos vocês.
Este também é dedicado aos Arcadianos Reginaldo Simões
de Medeiros Junior e Sarah Moraes pelo interesse em ler e
ajudar a montar Athros.
Agradecimentos também às irmãs da Casa Da Magia Nathália
Q. Gonçalves Alho e Thyrza de Morais Bonometti pelas
cobranças, críticas e elogios.
Saudações aos Sirs Erikson de Sousa Santos, Matheus Costa e
Thiago L. Pires pelas ideias, ajuda e interesse de divulgar tudo
que corresponde o livro.
Gratidão também às damas do Leste, Sara Avelino da Silva e
Monique W. Sampaio Medeiros pelo carinho, amizade e
apoio incondicional.
Agradecimento também especial aos leitores. Torcemos para
que gostem de Athros e lembrem-se que a lua sempre estará
olhando vocês.
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Índice
Arco 1 – O Chamado________________________28
Arco 2 – O Oeste___________________________49
Arco 3 – O leste___________________________131
Arco 4 – Noite Eterna_____________________170
Arco 5- Águias e Cobras_________________286
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Athros,
Em uma época longínqua, entre o surgimento da noite sagrada e a fúria do Guerreiro no Norte
Ergueram-se quatro grandes nações com apenas uma coisa em comum: o medo da noite
Diziam que o mundo fora forjado através do fogo e tudo que a luz não toca é amaldiçoado
Mas sob a luz incandescente do sol, batalhas foram travadas entre as nações e com isso, Athros passou a sangrar.
Norte, Sul, Leste e Oeste estão guerreando entre si, esquecendo que no começo de tudo todos eram um único povo.
Ainda assim o temor das trevas permanece.
No ano 800 pós-renascimento Aquele que Jogará o Mundo nas Trevas surgiu.
E desde então o silêncio tornou se escuridão, vida tornou-se morte.
E a luz tornou-se as trevas.
Athros sangra,
Athros agoniza,
Athros morre.
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Prólogo
Os tambores ressoam em um ritmo lento. Parecem anunciar
o fim e não o começo de uma nova batalha.
A chuva cai torrencialmente, transformando o já difícil
terreno barroso em lama pura. E mesmo com a chuva, o
tempo está incrivelmente abafado e as armaduras negras
absorvem ainda mais o calor.
O sol parece disposto a pairar sobre aquela batalha.
Felizmente trata-se de uma testemunha silenciosa e como
nunca se encontra com a terrível lua, é na luz do dia que os
homens matam uns aos outros.
Uma bandeira é erguida acompanhada dos gritos exaltados
dos soldados.
– Levantem! – Grita o comandante. – Levantem a bandeira
vencedora!
Os homens estão esgotados, mas ainda assim se regozijam
com os gritos de seu comandante. Um dos guerreiros em
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particular está tirando a espada de um dos corpos que
apodrecem no chão. Sente o calor dilacerar seus ferimentos,
mas ainda assim tenta contorcer o rosto em um ponto entre
a agonia e a satisfação, afinal, aquela dor significa que está
vivo.
O elmo, além de ser tão pesado quanto à armadura, acaba
por restringir muito seu campo de visão. Mas Ethel tem
experiência o suficiente para saber que a armadura de um
homem pode determinar se ele sobreviverá ou não a uma
batalha.Seja preto ou branco, o importante é que permaneça
protegido.
Está posicionado em uma fileira tão distante que quase não
consegue ver o comandante desfilando de um lado para o
outro ao tentar inflamar seus homens e seus mercenários
contratados.
Um homem a sua esquerda que lutou com ele há dois dias,
outro mercenário que atende pelo nome de Bill, reclama
justamente do calor que faz naquele momento.
– Maldita chuva! – Cospe no chão. – Não refresca em nada e
só atrapalha. Sente esse cheiro? É a bosta dos cavalos
daqueles nobres lá na frente. Quando nos for dada a ordem
para atacar ainda teremos de ter cuidado para não ir para a
batalha com merda de cavalo na armadura.
Ethel responde rispidamente:
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– Merda de cavalo pode ser tão útil quanto uma espada,Bill.
Ainda mais essa espada que usamos.
– Tem razão. E sei que desde que não desçam dragões hoje,
poderemos vencer essa luta. Cyran, acha que o cerco termina
hoje?
Ethel não consegue evitar uma careta. Os anos o ensinaram
que um nome famoso traz visibilidade e com isso um grande
alvo pintado nas costas. Muitos cavaleiros famosos são
mortos em batalha por algum mercenário ou soldado em
busca de glória. Ethel já viu batalhas demais e heróis demais
tombarem antes do tempo. Por isso, sempre adotava um
nome novo quando se unia a uma nova campanha. Já faz isso
há tanto tempo que sequer poderia confirmar se Ethel é
mesmo seu verdadeiro nome.
–Cyran.– Bill já soa bem nervoso aquele instante.– Acha que
a guerra termina hoje?
Ethel não parara muito para pensar nisso. O cerco à cidade
de Tártalo, o maior símbolo de poder do Sul, já dura dois
meses e os boatos de que uma praga tinha se abatido sobre
o povo dentro das muralhas incitou o comandante Nohman a
aumentar a intensidade dos ataques nos últimos dias.
Ainda há o Oeste, mas eles estão em uma intensa guerra
interna. Logo, se conseguirem derrubar Tártalo, o Leste
poderia se concentrar em um ataque ao Oeste.
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A guerra das três nações, apelidada pelo povo da Guerra de
Cérbero, se aproxima do final. Se ainda há cabeças sobrando,
a do sul é a do meio, aquela que ordenava e derrubando-a o
confronto estaria decidido.
– Hoje jorra sangue, Bill. Isso eu posso prometer!
Ethel mira o grande castelo branco que brilha como um
diamante acima da cidade. Talvez aquele saque signifique o
fim de sua longa carreira como guerreiro.
Os tambores então voltam a entoar um ritmo mais urgente.
Ethel não consegue sequer ouvir uma palavra do
comandante, mas os cavaleiros à frente começam a urrar
como feras o que é repetido pelos outros.
Faltam quatro horas para o anoitecer e aquilo irrita
profundamente os soldados. Todos sabem que os Deuses
punem aqueles que batalham nas trevas e os que morrem
passam a eternidade no sofrimento. Todos estão ansiosos
demais e isso sempre leva a ações desesperadas, o que pode
ser um grande erro no campo de batalha.
Ethel sente o cheiro da terra misturada com a chuva e sorri.
Ainda tinham algumas horas de sol e talvez pudessem vencer
a guerra e ainda manter a fé dos homens intacta.
Ethel percebe que a batalha começa ao ouvir os cavalos à
frente dispararem rumo às muralhas da cidade.
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Todos estranham que o céu, outrora azul, escurece quase
que instantaneamente.
– Flechas! – Grita um soldado antes de ser alvejado por dois
projéteis.
Centenas de flechas encobrem o sol e lançam a sombra da
morte sobre o campo de batalha. Elas sibilam como uma
sereia que atrai o marinheiro para o abate. Muitos homens
tombam diante do ataque, mas ainda há aqueles que
levantam os escudos e evitam as investidas.
Quando é a vez de seu pelotão avançar, Ethel os lidera e logo
deixam a velha floresta correndo para o campo aberto.
Antes do embate físico com o outro exército há mais uma
saraivada de flechas. Essas são ainda mais certeiras do que a
primeira rodada. Ethel ouve muitos gritos e homens a sua
frente tombam como se o chão sob seus pés desaparecesse.
Seu escudo e armadura são feitos do aço mais inferior que o
dinheiro pode pagar. Mas mesmo assim ainda conseguem
protegê-lo.
Ao abaixar o escudo, Ethel se depara com um homem pronto
a espetá-lo com uma lança e rapidamente se joga para trás.
Um de seus companheiros fica entre eles na batalha e o
lanceiro atinge o homem no pescoço. Ethel avança para usar
sua espada e o lanceiro a retira rapidamente do corpo
moribundo do homem, detendo a lâmina do mercenário.
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O lanceiro sente o impacto do golpe, o chão lamacento
prejudica seu equilíbrio e antes de perceber que um de seus
joelhos está no chão. Ethel solta sobre ele erguendo sua
mensagem prateada com as duas mãos sobre a cabeça.
Ele percebe que o homem tencionava erguer as mãos, talvez
para se render ou uma tentativa desesperada de deter o
golpe, mas antes de qualquer coisa, ele teve uma espada
barata atravessando-o bem no rosto.
Ethel nota que, como muitos outros, aquele homem
certamente é melhor do que ele em esgrima, mas
provavelmente é um nobre e nobres treinam suas técnicas
em castelos, lugares com terrenos planos e mestres que
travam os chamados combates honrados. Um campo de
batalha é extremamente imprevisível, como naquele
momento em que eles lutaram na lama, certamente o
homem nunca lutara em um lugar como aquele.
Arrancando-o daquelas reflexões, Ethel olha para seu lado
esquerdo e vê um verdadeiro encontro de lâminas e uma
espuma vermelha brota como uma flor que acaba de
desabrochar.
Uma flecha que passa zumbindo por sua cabeça o lembra dos
arqueiros e sem pestanejar, Ethel salta sobre um inimigo que
acabara de derrotar outro companheiro.
Eles rolam duas vezes no chão e o homem se levanta
ligeiramente. Como sua espada caiu, o cavaleiro tira o
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capacete e o usa para golpear Ethel, que com um movimento
rápido, evita o ataque. Súbito, o homem caí enquanto seus
olhos embranquecem. Uma flecha atravessou sua cabeça.
Ethel ouve o relinchar dos cavalos e nota que um deles está
parado com seu dono desfalecido na sela.
Ethel se livra do corpo do homem, ajeita-se no tronco do
animal e dispara até os portões do castelo, onde a batalha
está mais calorosa.
Então, o cavalo é alvejado. O animal ainda consegue galopar
alguns metros antes de desabar; Ethel precisa rolar várias
vezes na lama para evitar ser esmagado. Ao se erguer, nota
que nos portões um homem grande de armadura dourada e
com um elmo em forma de serpente está arrasando as
tropas invasoras. Ele usa um sabre e evita os golpes inimigos
com tanta facilidade que o homem parece possesso pelo
próprio Athorphe, O Implacável Guerreiro do Norte.
Dois homens tentam acertá-lo e ele os evita como se
desviasse de uma criança com sua espada de madeira. O
contragolpe é mortal. Sempre alvejando na altura do
pescoço.
Os homens na muralha do castelo incentivam seu campeão
aos gritos de Cabeça de Serpente. O homem parece gostar da
multidão. Ele decapita um dos mercenários com dois golpes
certeiros e chuta sua cabeça para longe levando seus
companheiros ao êxtase.
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As ordens não chegam e Ethel acha que aquele homem já
matou demais. O mercenário consegue se desfazer de um
outro atacante com uma estocada no pescoço. O Cabeça de
Serpente o olha e cospe em sua direção.
Ethel já viu aquele olhar antes: um nobre que acha ter o
direito de pisar em tudo e em todos. Seu tipo preferido de
adversário.
O mercenário urra como um cão feroz ao brandir sua espada.
Cabeça de Serpente se defende com seu sabre e o tilintar do
aço faz os homens na muralha gritarem.
Ethel nota que os soldados parecem ter parado de lutar para
olhar apenas para aquele duelo nos portões da cidade. Aos
poucos se monta um círculo com os dois lutadores no centro.
Mate! Morde! Chuta! Os homens gritam. Em um momento,
Ethel deixa de ouvi-los; a visão de seu adversário é
intimidadora, tinha a armadura coberta de sangue e miolos.
Empunha o sabre com maestria e os olhos estão claramente
sedentos de sangue.
– Mercenário insolente. – O cavaleiro pragueja. – Irei mijar
em seu corpo podre!
Ethel responde com aço. Sua espada é detida pelo sabre do
homem que o repele com tanta força que o mercenário se vê
obrigado a recuar dois passos.
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Nesse instante, o cavaleiro passa a atacar tão rápido que
Ethel tem a impressão de que se piscar, terá um buraco novo
no corpo. Felizmente seu braço direito é firme e com um
braço ele consegue acompanhar os movimentos do
adversário.
O sabre serpenteia em sua frente, esquerda, direita,
esquerda mais uma vez.
Se continuar defendendo ele vai me matar.
Com isso em mente, avança. Sua cabeça está prestes a ser
partida ao meio até que ele recorre ao escudo; Ethel sabe
que sua armadura e armas procedem a pequena quantia que
ele reuniu para obtê-las e por isso ao ver seu escudo ser
totalmente destruído enquanto uma linha de fogo percorre
seu antebraço, ele não se mostra surpreso.
A visão do sangue parece aumentar a sede do cavaleiro.
– Para um mercenário até que você luta bem.– Ele golpeia
ainda mais intensamente com o seu sabre. – Mas você não é
diferente dos mercenários que dei de alimento aos vermes!
Cabeça de Serpente usa as duas mãos e golpeia tão
fortemente que Ethel sente os músculos vibrarem. O
mercenário nota os dedos fraquejarem. Seu corpo cambaleia
para trás enquanto sua espada dança sem um par a sua
frente, o cavaleiro parte para o ataque final, os olhos
escancarados e a língua escapando da boca como a serpente
que dá forma ao seu elmo.
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Alguém disse a Ethel certa vez, ser mestre com uma mão é
ótimo, mas ser competente com as duas é sobrevivência.
Antes de a espada cair, Ethel a segura com o braço esquerdo,
o braço ferido, o braço que ele treinou todos os dias para ser
tão competente quanto o direito.
A manobra surpreende o homem que considerava o rival
desarmado. A armadura de Cabeça de Serpente não tinha um
arranhão, apenas lama e miolos de outros soldados e por isso
o barulho dela ao se partir é tão doce quanto uma virgem
sendo deflorada.
Das muralhas o silêncio.
Ver seu campeão tombar os deixam tão anestesiados que
quando os canhões derrubam os portões da cidade, todos
parecem desconcertados, sem saber aonde ir, como pipas
sem linha.
O comandante das tropas invasoras surge como por mágica
incitando seus homens a saquear, matar e estuprar.
Ethel percebe Bill caminhando ao seu lado. Tinha uma flecha
na perna e o rosto mais feio do que jamais fora.
–Cyran, você conseguiu vencer a Serpente de Tártalo! Os
músicos cantarão o seu nome!
–Certo. – Ethel desconversa, olhando os últimos soldados
inimigos serem abatidos. – Mas vamos entrar nessa maldita
cidade. Estou curioso para vê-la finalmente.