I IMAGENS EM REUMATOLOGIA I
ARTRAL6IAS. FEBRE
UM EXERCi CIO
E LESÕES CUTÂNEAS.
olA6NÓSTICo
Bárbara Fernandes', José António P. Silva,~
Américo Figueiredo,- Armando Porto-
A.B., sexo feminino, 44 anos de idade, empregadadoméstica. Observada pela primeira vez noserviço de Dermatologia em Outubro de 1999apresentando lesões nodulares sub-cutâneas,dolorosas, com tonalidade eritemato-violácea,localizadas de forma bilateral à face anterior deambas as pernas (fig. I). Estas lesões eram acompanhadas de astenia, febrícula (37-37,5" C) epoliartralgias tendo resolvido, sem sequelas, aofim de 5 semanas. Em Dezembro de 2000 foireobservada em consulta por modificação dascaracterísticas de uma cicatriz localizada à regiãofrontal esquerda, resultante de um traumatismoaos 14 anos. Ao exame objectivo a cicatriz apresentava-se túmida, infiltrada e com tonalidadeeritemato-violácea (fig.2). O quadro apresentadotinha uma evolução de cerca de 2 meses e eraacompanhado de tosse seca e astenia.
Qual o seu diagnóstico?As lesões cutâneas nodulares localizadas aosmembros inferiores poderiam evocar as seguinteshipóteses diagnósticas:• Síndroma de Sweet: as lesões características
desta entidade são placas eritematosas, infiltradas. edemaciadas, com esboço de vesiculação em superficie. As localizações mais frequentes são a face, o pescoço e os membrossuperiores. Quando, no entanto, as lesões selocalizam aos membros inferiores, podemadquirir aspectos a tipo de eritema nodoso.
• Interna do Internato Complementar de Dermatologia
.. Reumatologista, Professor da Faculdade de Medicina daUniversidade de Coimbra... Director do Serviço de Dermatologia, Professor da Faculdadede Medicina da Universidade de Coimbra- Director do Serviço de Medicina 111 e Reumatologia,Professor Catedrático da Faculdade de Medicina da Universidadede Coimbra
São elementos pata o diagnóstico diferencial apresença de lesões cutâneas noutros locais, aassociação com febre (38-39°C), a presença deleucocitose com neutrofilia e, quando necessário, a biopsia cutânea que no S. de Sweet écaracterizada por marcado edema da derme einfiltrado de polimorfonucleares neutrófilos,sem vasculite.
• Vasculite nodular: onde, no entanto, as lesõessão mais persistentes, predominam na faceposterior das pernas, tendem a ulcerar e re-
Figura I. Um caso de eritema nodoso
I OREiAo OFICIAL DA SOCIEDADE PDRTUEiUESA DE REUMATOLOGIA
IIIACTA REUM PORTo 200 I ,2Ei,213-21 Ei I
BARBARA FERNANDES E COLo
Figura 2. Um caso de erl[ema nodoso
solvem deixando lesões cicatriciais residuais.• Picadas de insecto: as lesões são, por norma,
mais papulosas que nodulares, intensamentepruriginosas e no interrogatório consegue-secom frequência identificar um factor epidemiológico desencadeante. Localizam-se habitualmente às áreas expostas e, portanto, as lesões podem surgir noutros locais além dosmembros inferiores.
o Urticária aguda: caracterizada pelo carácterpruriginoso e móvel das lesões. Qualquer localdo tegumento cutâneo pode ser afectado.
• Periarterite nodosa cutânea: onde surgemlesões nodulares sub-cutâneas dolorosas compredomínio aos membros inferiores. São elementos para o diagnóstico diferencial a distribuição ao longo de um trajecto vascular, ocaracter recorrente das lesões, associaçãocom livedo reticular, a presença de púrpuraperi-lesional e, por vezes, a evolução paraulceração e necrose.
No entanto, neste contexto, de lesões nodulares sub-cutâneas inflamatórias, localizadas àface anterior das pernas, com evolução aguda eque resolvem sem deixar lesões cicatriciais, a hipótese clínica mais provável é a de eritemanodoso.
O eritema nodoso é um padrão de reacçãocutãneo, caracterizado por lesões nodularesinflamatórias, dolorosas, espontaneamente regressivas, localizadas predominantemente à superfície de extensão dos membros inferiores.
Pode estar associado a várias entidades clínicas, pelo que a suaobservação deve sempre desencadear a investigação da etiologiasubjacente.
As causas mais frequentes sãoas seguintes:o Infecção por EstreptocoCltS lJe
moUtico: surge, geralmente, 3semanas após uma infecção respiratória superior. Classicamente nesta situação o eritema nodoso é muito inflamatório e temum carácter potencialmenterecidivante, coincidindo com reinfecções.
• Sarcoidose: geralmente associado a adenopatias mediastínicas,febre e artralgias, constituindo oS. de Lõfgren.
• Yersiniose: Habitualmente num contexto dedores abdominais ou diarreia prévias.
• Outras causas infecciosas: Tuberculose, hepatite B, Iinfogranuloma venéreo, mononucleoseinfecciosa...
o Causa farmacológica: Os fármacos mais imputados são as sulfamidas e os contraceptivosorais. Em outros casos podem ser inadequadamente imputados antibióticos e anti-inflamatórios não esteróides, prescritos na fase prodrómica do eritema nodoso.
o Enteropatias: Colite ulcerosa e doença deCrohn
o Outras causas: Doença de Behcet, linfomas,leucemias, post-radioterapia.O estudo em fase aguda deve sempre incluir
um hemograma, determinação da velocidade desedimentação, doseamento das transaminases,serodiagnóstico estreptocóccico, estudo bacteriológico de zaragatoa faríngea, radiografia dotórax, prova da tuberculina e coprocultura paraYersillia. Frequentemente (20% dos casos) não seconsegue, no entanto, identificar a causa desencadeante.
No caso clínico apresentado, não existia história de processo infeccioso ou ingestão de fármacos a preceder o aparecimento do eritema nodoso e os antecedentes pessoais da doente eram irrelevantes. Dos exames complementares de diagnóstico realizados à data, o hemograma mostrouleucopenia de 3,40 GIL, a velocidade de sedimentação era de 60 mm na \, hora e a enzima de con-
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ARTRAL6IAS. FEBRE E LE50E5 CUTÂNEAS. UM EXERCloo DIAGNOSTICO.
versão da angiotensina (SACE) de 84 U II. A radiografia do tórax mostrou adenopatias hilares bilaterais e para-traqueais à direita. O título de antiestreptolisina, a calcémia, a calciúria, a cultura dezaragatoa faringea e de fezes foram normais ounegativos.
Estabeleceu-se, então, o diagnóstico de S. deLOfgren, que corresponde a uma forma aguda desarcoidose e que, clinicamente, se caracteriza pela associação de eritema nodoso, adenopatias hilares bilaterais, poliartralgias e febricula. Atinge,habitualmente, mulheres jovens e tem bom prognóstico dada a elevada percentagem de remissões espontâneas. Por essa razão, do ponto devista terapêutico, foi apenas medicada com anti-inflamatórios não esteróides (nimesulide 100 mgvo 2 idJ e repouso, com resolução do quadro clínico em 6 semanas.
Em Dezembro de 2000 volta à nossa consultapor modificação das características clínicas de cicatriz antiga, que se tornou mais saliente e infiltrada. Tal facto poderia corresponder a um granuloma de corpo estranho ou a lesões de sarcoidosesobre cicatriz. Embora seja uma manifestaçãorara de sarcoidose, a infiltração de cicatrizes prévias é muito característica desta entidade. Nocaso presente, a associação com eritema nodosoveio consubstanciar a hipótese clínica de sarcoidose.
A biópsia cutânea da lesão cicatricial mostroua presença de granulomas sarcoidóticos constituídos por células epitelióides, sem caseificação ecom escasso infiltrado inflamatório. De salienrarque biópsias realizadas em lesões de eritema nodoso, não mostram estruturas granulomatosas.mas sim as alterações características do eritemanodoso, isto é, hipodermite septal sem vasculite.Do restante estudo realizado destacava-se 3,60Gil leucócitos, VS 69 mm na l' hora e SACE 95UII. A radiografia do tórax mostrou, tal como em
Outubto de 1999, adenopatias hilares bilaterais epara-traqueais à direita, associadas no entanto ainfiltrado difuso pulmonar. O lavado broncoalveolar apresenrava uma relação CD4/CD8 de5,9. A calcémia, a caldúria, e as provas funcionaisrespiratórias foram normais.
Iniciou em Janeiro de 2001 tratamento comcorticoterapia tópica (betametasona pomada idJsobre a cicatriz e corticoterapia oral (32 mg meti!prednisolona p.' id). Actualmente, mantém-seem consultas de Dermatologia e Pneumologia,observando-se ligeira diminuição da infiltraçãoda cicatriz, bem como da tosse e astenia.
Endereço para correspondência:
Bárbara FernandesServiço de DermatologiaHospitais da Universidade de CoimbraPraceta Prof. Mota Pinto3000-075 CoimbraTelefone: 239 400420Fax: 239 400 490E-mail: [email protected]
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