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Direito PúblicoAno X – nº 56 – MAr-Abr 2014

IndeXAdA porIndex Copernicus InternacionalSumário de Revistas Brasileiras

Latindex

reposItórIo AutorIzAdo de JurIsprudêncIATribunal Regional Federal da 1ª Região – Nº 610/2009

Tribunal Regional Federal da 2ª Região – Nº 1999.02.01.057040‑0Tribunal Regional Federal da 3ª Região – Nº 17/2010Tribunal Regional Federal da 4ª Região – Nº 35/2008Tribunal Regional Federal da 5ª Região – Nº 10/2009

dIretoresElton José Donato

Dalide Correa

edItor-chefePaulo Gustavo Gonet Branco (IDP/DF)

edItorA-AdJuntAAna Carolina Figueiró Longo (IDP/DF)

conselho edItorIAlAline Sueli de Salles Santos (UFTO), Alvaro Ricardo de Souza Cruz (PUC‑MG), Alvaro Sanchez Bravo (Univ. de Sevilha),

Augusto Aguilar Calohrro (Unv. de Granada‑ES), Daniel Antonio de Moraes Sarmento (UERJ), Fernando Araújo (Unv. de Lisboa – PT), Francisco Balaguer Callejón (Unv. de Granada‑ES),

Francisco Fernandez Segado (Universidad Complutense de Madrid), Gilmar Ferreira Mendes (IDP e UnB), Hindemburgo Chateaubriand Pereira Diniz Filho (PGR), Ingo Wolfgang Sarlet (PUCRS),

Joaquim Brage Camazano (Universidade Européia de Madrid), Jorge Octávio Lavocat Galvão (USP), Julia Maurmann Ximenes (IDP‑DF), Lauro Gama Jr. (PUC‑RJ), Luciano Mariz Maia (UFPB),

Pierdomenico Logroscino (Università degli Studi di Bari), Vladmir Oliveira da Silveira (PUC‑SP)

corpo AdMInIstrAtIvo edItorIAlAdriana da Fontoura Alves, Anna Carolina Carneiro, Francisco Valle Brum, Ivete Oliveira Alves,

Janete Ricken Lopes de Barros, José dos Santos Carvalho Filho, Luís Raul Andrade, Rodrigo Chaves de Freitas, Virginia Borges Silva

coMItê técnIcoEdevaldo Siqueira Gaudencio

colAborAdores destA edIção

Ana Raquel Matos, Andres Martinez Moscoso, Débora Mara Correa de Azevedo, Fabriccio Quixadá Steindorfer Proença, Maurício Sullivan Balhe Guedes, Paolo Ridola, Peter Häberle

ISSN impresso 1806‑8200ISSN digital 2236‑1766

Revista Oficial do Programa de Mestrado em Constituição e Sociedade da Escola de Direito do IDP

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2003 © SÍNTESE

Uma publicação da SÍNTESE, uma linha de produtos jurídicos do Grupo SAGE e do IDP – Instituto Brasiliense de Direito Público.Publicação bimestral de doutrina, jurisprudência e outros assuntos de Direito Público.

Todos os direitos reservados. Proibida a reprodução parcial ou total, sem consentimento expresso dos editores.

As opiniões emitidas nos artigos assinados são de total responsabilidade de seus autores.

Os acórdãos selecionados para esta Revista correspondem, na íntegra, às cópias obtidas nas secretarias dos respectivos tribunais.

A solicitação de cópias de acórdãos na íntegra, cujas ementas estejam aqui transcritas, e de textos legais pode ser feita pelo e‑mail: [email protected] (serviço gratuito até o limite de 50 páginas mensais).

Distribuída em todo o território nacional.

Tiragem: 3.000 exemplares

Revisão e Diagramação: Dois Pontos Editoração

Artigos para possível publicação devem ser encaminhados exclusivamente por meio do Portal de Periódicos do IDP (www.direitopublico.idp.edu.br), com o prévio cadastramento do Autor.

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

D598 Direito Público. – v. 1, n. 1 (jul./set. 2003)‑

Porto Alegre: Síntese; Brasília: Instituto Brasiliense de Direito Público, 2005‑v. 10, n. 56; 15,5 x 22,5 cmBimestral

ISSN: 1806‑82001. Direito público

CDU 342CDD 341

(Bibliotecária responsável: Nádia Tanaka – CRB 10/855)Solicita‑se permuta.

Pídese canje.

IDP – Instituto Brasiliense de Direito Público

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Permuta com as Instituições:Escola Nacional de Administração Pública. Biblioteca Graciliano Ramos.

Escola Superior da Magistratura. Ajuris. Biblioteca.Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Contagem. Biblioteca.

Senado Federal. Biblioteca Acadêmico Luiz Viana Filho.Universidade de Brasília. Biblioteca Central.

Universidade de Lisboa. Biblioteca.Universidade de Santa Cruz do Sul. Biblioteca Central.

Universidade Federal de Santa Catarina. Biblioteca Universitária.Universidade do Vale do Itajaí. Biblioteca Central Comunitária.

Universidade do Vale do Rio dos Sinos. Biblioteca.Universidade Federal do Paraná. Biblioteca Central.

Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Biblioteca.

Uma coedição de:

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Carta do Editor

O tema “Tempo e Constituição” nos dá a oportunidade de apresentarmos trabalhos de dois dos mais notáveis constitucionalistas da nossa época. Peter Häberle já é conhecido dos nossos leitores. Paolo Ridola também merece ser, como a leitura do seu estudo demonstrará. O assunto deste número permite variadas abordagens. Conheça as que estão sendo aqui desenvolvidas e lance--se, você também, a pensar nas tantas intersecções possíveis. Mande depois as suas reflexões para a nossa comissão editorial, a fim de que você também seja conhecido do seleto e crescente público da nossa revista.

Boa leitura!

Paulo G. Gonet BrancoEditor

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Sumário

Normas Editoriais para Envio de Artigos ....................................................................7

Assunto Especial

Tempo e ConsTiTuição

DouTrina

1. O Futuro das Constituições na Era da Globalização. Identidade Nacional e “Estado Constitucional Cooperativo” na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988Paolo Ridola ...............................................................................................9

TexTos ClássiCos

1. Prolegómenos de um Entendimento da Constituição “Adequada ao Tempo”Por Peter Häberle .....................................................................................24

JurispruDênCia

1. Acórdão na Íntegra (STF) ..........................................................................54

2. Ementário .................................................................................................63

Parte Geral

DouTrina

1. A Constituição dos Estados Unidos, Separação de Poderes e Poder RegulamentadorDébora Mara Correa de Azevedo .............................................................70

2. Direito Fundamental à Propriedade e Proteção da Minoria Societária nas Sociedades AnônimasFabriccio Quixadá Steindorfer Proença ....................................................97

JurispruDênCia

Acórdãos nA ÍntegrA

1. Tribunal Regional Federal da 1ª Região ..................................................112

2. Tribunal Regional Federal da 2ª Região ..................................................124

3. Tribunal Regional Federal da 3ª Região ..................................................129

4. Tribunal Regional Federal da 4ª Região ..................................................146

5. Tribunal Regional Federal da 5ª Região ..................................................151

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ementário

1. Administrativo ........................................................................................1552. Ambiental ..............................................................................................1603. Constitucional ........................................................................................1604. Processo Civil e Civil ..............................................................................1645. Penal/Processo Penal..............................................................................1706. Trabalhista/Previdenciário ......................................................................1767. Tributário ...............................................................................................181

Seção EspecialDouTrina esTrangeira

1. La Transparencia en la Administración Pública del Ecuador. Las Compras Públicas Electrónicas el “Cubo de Cristal” de la Accountability y Buen GobiernoAndres Martinez Moscoso ......................................................................186

Teorias e esTuDos CienTífiCos

1. Direito à Igualdade e Livre Desenvolvimento da Personalidade: Construindo a Democracia de Triplo VérticeMaurício Sullivan Balhe Guedes ............................................................210

ComenTários BiBliográfiCos

1. Recensão Crítica da ObraAna Raquel Matos ..................................................................................228

Resenha Legislativa ..........................................................................................232

Clipping Jurídico ..............................................................................................235

Bibliografia Complementar .................................................................................241

Índice Alfabético e Remissivo .............................................................................242

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Normas Editoriais para Envio de Artigos

A Direito Público é uma publicação conjunta da Escola de Direito do IDP e a IOB, e é a revista oficial do Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu da EDB/IDP e objetiva ser um espaço de atualização bibliográfica constante para a comunidade acadêmica, bem como de divulgação dos trabalhos publicados pelo corpo discente do Instituto. O programa de Mestrado do IDP e a linha edi-torial da revista contemplam as seguintes linhas de pesquisa: a) Constituição: Articulações e Relações Constitucionais; e b) Direitos Fundamentais e Processos Constitucionais.

A revista publica artigos originais e inéditos de pesquisa e reflexão acadê-mica, estudos analíticos e resenhas na área do Direito Público, consignando-se que as opiniões emitidas pelo autor em seus artigos são de sua exclusiva respon-sabilidade. A publicação dos artigos enviados decorrerá de juízo de oportunida-de da Revista, sendo reservado à mesma o direito de aceitar ou vetar qualquer trabalho recebido, e, também, o direito de propor eventuais alterações, desde que aprovadas pelo autor. À editora fica reservado o direito de publicar os arti-gos enviados em outros produtos jurídicos da IOB.

A publicação dos artigos enviados não implicará remuneração a seus autores, tendo como contraprestação o envio de um exemplar da edição da Revista onde o artigo foi publicado.

Os trabalhos devem ser encaminhados exclusivamente por meio do Portal de Periódicos do IDP, com o prévio cadastramento do Autor, no endereço eletrônico www.direitopublico.idp.edu.br, com as seguintes especificações:

– Arquivo formato Word, ou em formato compatível com o pacote Office;

– Fonte Times New Roman, tamanho 12;

– Espaçamento entre linhas de 1,5;

– Títulos e subtítulos em caixa alta, alinhados à esquerda e em negrito em português e inglês;

– Resumo informativo no idioma do texto e em língua estrangeira;

– Palavras-chave/descritores em português e inglês;

– Referências à bibliografia consultada;

– O autor deverá cadastrar-se no Portal da Revista Direito Público do IDP (www.direitopublico.idp.edu.br), indicando o resumo de sua biografia e seu endereço de correspondência;

– O arquivo contendo o texto não deverá conter nenhuma referência à qualificação do autor, sob pena de rejeição.

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– O arquivo contendo o texto não deverá conter nenhuma referência à qualificação do autor, sob pena de rejeição.

PROCEDIMENTO DE AVALIAÇÃO DE ARTIGOS – BLIND PEER REVIEW

Todos os artigos passam por uma avaliação prévia realizada pelo Corpo Administrativo Editorial, verificando sua adequação à linha editorial da Revista. Após essa avaliação, os artigos são remetidos a dois pareceristas anônimos – Professores Doutores membros do Conselho Editorial – para a avaliação qua-litativa de sua forma e conteúdo, de acordo com o processo conhecido como duplo blind review. Excepcionalmente, haverá convites para publicação, não excedendo tais casos 25% dos artigos publicados em determinado ano. Os convites serão formulados exclusivamente pelo Editor Chefe da revista Direito Público.

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Assunto Especial – Doutrina

Tempo e Constituição

O Futuro das Constituições na Era da Globalização. Identidade Nacional e “Estado Constitucional Cooperativo” na Constituição da República Federativa do Brasil de 19881

PAOLO RIDOLASapienza Università di Roma.

SUMÁRIO: 1 A Constituição da República Federativa do Brasil sob o ângulo de observação da com‑paração jurídica; 2 A Constituição brasileira no contexto do constitucionalismo latino‑americano; 3 A Constituição brasileira e os desafios do terceiro milênio; 4 Observações finais. Constituições nacio‑nais, “estado constitucional cooperativo” e o futuro do constitucionalismo.

1 A CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL SOB O ÂNGULO DE OBSERVAÇÃO DA COMPARAÇÃO JURÍDICA

É uma grande honra para mim, contribuir para este Congresso, que cele-bra o vigésimo quinto aniversário da Constituição da República Federativa do Brasil. Agradeço ao Instituto de Direito Público, ao Ministro Gilmar Mendes e aos Professores Paulo Gonet Branco e Jairo Schäfer por me convidarem para dar uma palestra neste Congresso. As relações entre a ciência jurídica italiana e bra-sileira são intensas e íntimas. Lembro-me de que, na década de trinta do século passado, os juristas italianos de origem judaica (Tullio Ascarelli, Tullio Liebman, Renato Treves), forçados a deixarem a Itália por causa da perseguição racial, fo-ram recebidos neste País e lecionaram em universidades no Brasil. Nos últimos anos, a Constituição de 1988 estabeleceu um ponto de encontro muito frutífero entre a doutrina constitucional brasileira e a italiana, como é evidenciado pelos muitos relatos de cooperação científica entre juristas e as universidades dos dois países, e pela intensificação do intercâmbio cultural, que envolve também alunos em doutorado e jovens pesquisadores.

Com a Constituição de 1988, o Brasil deu uma contribuição fundamental para a elaboração do modelo de estado constitucional da democracia pluralista. No campo da proteção dos direitos fundamentais e dos direitos sociais, em par-

1 XVI Congresso Brasiliense de Direito Constitucional, Brasília, 17 e 18 de outubro de 2013.

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ticular, a Constituição brasileira tem um teor pioneiro, e seu amplo e inovador catálogo de direitos reflete soluções particularmente progressistas, incorporando novas instâncias de liberdade de sociedades pluralistas contemporâneas. Neste campo, assim como no desenvolvimento da justiça constitucional e da descen-tralização territorial, também aparecem cada vez mais interações significativas entre a experiência constitucional brasileira e europeia. Devo acrescentar que a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal se revela pelo ativismo no diálogo com outros tribunais e do uso de argumento comparativo. Encontra-se, sobre este âmbito, o “diálogo” entre os tribunais, fronteira mais avançada da com-paração jurídica, que penetra nas camadas mais profundas do ordenamento nacional, orientando a interpretação constitucional e abrindo as possibilidades do “estado constitucional cooperativo”2.

A experiência constitucional brasileira, caracterizada pela consciência de uma identidade nacional projetada sobre uma dimensão continental e pela abertura de grandes correntes e as principais conquistas do constitucionalismo europeu e ocidental, é, de fato, como um ponto de vantagem para o comparatis-ta, o qual deve estar ciente de que ele próprio é o produto de uma determinada sociedade e opera dentro de uma conjuntura espacial e temporal culturalmente situada. Em experiências “outras” do que aquelas nas quais o comparatista que está inserido se espelha3, com uma complexa operação intelectual, o que faz dele não um mero receptor de direito estrangeiro, mas um ator interativo, que é medido em comparação com “experiência com o outro no direito”4. Na rea-lidade de hoje da interdependência do direito na era da globalização, a com-paração jurídica, e esta constitucional em particular, é exposta à tensão entre a difusão de áreas mais amplas de “direto comum” (“common laws”, como sugere Peter Glenn5) e a criação de um patrimônio constitucional universal, especialmente no campo dos direitos humanos, e, por outro lado, a persistência de “fronteiras” inseridas na história e na cultura do povo, as quais oferecem resistência aos processos de homologações das “experiências” jurídicas6. Nesta “viagem em direção ao outro”, que reconduz, portanto, a uma consciência mais profunda, ao próprio ambiente de origem em que consiste a vocação principal do comparatista, o qual se move internamente em uma “relação dialógica entre

2 Sobre o tema, a vasta obra de RIDOLA, Paolo. Diritto comparato e diritto costituzionale europeo. Torino, 2010, 193 ss; RIDOLA, Paolo. Il “dialogo tra le corti”: comunicazione o interazione? In: “Percorsi costituzionali”, n. 3, 2012, 273 ss.; G. De Vergottini. Oltre il dialogo tra le Corti, Bologna, 2010; V. C. Jackson. Constitutional Engagement in a Transnational Era, Oxford Univ. Press, 2010; C. Saunders. Judicial Engagement with Comparative Law. In: T. Ginsburg; R. Dixon (Ed.). Comparative Constitutional Law. Chicago, 2011, 561 ss.; G. Almai. The Use of Foreign Law in Constitutional Interpretation. In: M. Rosenfeld; A. Sajo (Ed.). Oxford Handbook of Comparative Constitutional Law. Oxford Univ. Press, 2012, 1349 ss.; G. Repetto. Argomenti comparativi e diritti fondamentali in Europa. Napoli, 2011; B. Markesinis; J. Fedtke (a cura di). Giudici e diritto straniero. La pratica del diritto comparato. Bologna, 2009; G. F. Ferrari; A. Gambaro (a cura di). Corti nazionali e comparazione giuridica. Napoli, 2006.

3 G. Gorla. Diritto comparato e diritto comune europeo. Milano, 1981, 71 ss.4 P. Legrand. Le droit comparé. Paris, 1999, 6 ss.5 Cfr. H. P. Glenn. On Common Laws. Oxford, 2007.6 Contribui P. Legrand (dir.). Comparer les droits, résolutement. Paris, 2009.

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o si e o outro”7, o que impede de renunciar de modo autorreferencial à experi-ência alheia, “fechando-se numa espécie de provincianismo intelectual que se encaixa facilmente como um auto suficiência bizantina?”8.

Esta breve introdução metodológica explica por que, a partir do ângulo comparatista, a Constituição brasileira apresenta-se como a ponta do iceberg de um processo lento e tortuoso, mas decisivo processo de ocidentalização do constitucionalismo latino-americano, em um caminho em que o modelo de estado constitucional de democracia pluralista conseguiu integrar-se em con-textos culturais, sociais e econômicos de diferentes países e, no caso do Brasil, na história “pluralista” de identidade deste país e em sua peculiar dimensão continental. A história do constitucionalismo latino-americano se apresenta como uma “história global”, caracterizada pela gradual convergência, embo-ra não privada, de traumas e de intensas tensões entre as regiões europeias e latino-americana, e entre estes e os outros continentes. O processo de ociden-talização da América Latina não se encontra desenvolvido, também quanto aos seus aspectos de história constitucional, “num sentido único” de uma forma unidirecional. Isso delineou um cenário de um “outro Ocidente” por meio de “interações econômicas, sociais, políticas e culturais que permitiram que os atores históricos latino-americanos operassem escolhas coletivas, tornando-se, desta forma, participantes ativos no processo de ocidentalização”, influencian-do, portanto, a evolução do mundo ocidental como um todo, “dentro de uma constante interação das dimensões nacionais e internacionais”. A história da ocidentalização de regiões na América Latina “é, então, uma história interna-cional, no que diz respeito a uma teia de interações entre os eventos regionais, estaduais e nacionais, de uma macrorregião continental e entre estes e outras regiões do mundo”9. É uma linha de desenvolvimento, o que acabei de men-cionar, que questiona as principais tensões da comparação jurídica, encon-trando-se no horizonte da “longa duração” de processos históricos, e que, por outro lado, revela no texto da Constituição brasileira significativas e solenes assonâncias. Refiro-me à assertiva de abertura dos objetivos de “integração dos povos da América Latina” e a “formação de uma comunidade de nações” (art. 4º). Refiro-me também aos princípios estabelecidos nos §§ 2º ao 4º do art. 5º: garantia do reconhecimento dos direitos contidos em tratados interna-cionais que o Brasil tenha aderido; previsão de um procedimento intensifica-do, a fim de elevar as disposições de convenções internacionais sobre direitos humanos à categoria de emendas constitucionais; adesão à jurisdição da Corte Penal Internacional.

7 Neste sentido, P. Legrand. Op. cit., 32 ss.8 T. Ascarelli. Studi di diritto comparato. Milano, 1950, 43.9 Reconstrução histórica de M. Carmagnani, L’altro Occidente. L’America latina dall’invasione europea al nuovo

millennio. Torino, 2003, VII ss.

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2 A CONSTITUIÇÃO BRASILEIRA NO CONTEXTO DO CONSTITUCIONALISMO LATINO-AMERICANOA Constituição brasileira de 1988 se inscreve, no entanto, embora com

características peculiares, na esteira da evolução do constitucionalismo latino--americano, na qual a história constitucional brasileira compartilhou corajosas conquistas e traumáticas tensões. Durante o século XX, realizou-se o ingres-so definitivo de regiões latino-americanas em formas políticas ocidentais, por meio de mudanças radicais em relação à participação política dos cidadãos, as relações entre províncias e a capital, a consolidação do presidencialismo democrático, a transição do constitucionalismo liberal ao democrático10. Esse processo de desenvolvimento tem sido condicionado, por um lado, por fatores relacionados à interação entre a dimensão nacional e internacional, e, por outro lado, pelas alterações nas orientações ideológicas, questões políticas e reivindi-cações dos atores políticos11. No final de um processo complexo, tal processo de transformação se consolida em formas democráticas estáveis a partir do iní-cio dos anos noventa do século passado, com a conseguinte convergência da região latino-americana no contexto das democracias ocidentais. Sob o prisma do comparatista, sempre atento ao nexo entre a experiência jurídica e os pro-cessos culturais, não podemos negligenciar, por outro lado, os componentes originais das transições constitucionais na América Latina. De acordo com o es-critor mexicano Octavio Paz, a orientação da cultura política latino-americana tendencialmente (e originalmente) democrático12, e a propensão à democracia, embora tenha conhecido períodos de recessão e os ciclos políticos negativos, é o resultado de “uma interação criativa entre o apropriação de ideias liberais e democráticas nos séculos XIX e XX e as formas de liberdade e igualdade in-formais presentes na região latino-americana e nascidas a partir de formas de convivência pluriétnica, do afastamento geográfico das metrópoles no período colonial e, por fim, pela miscigenação cultural que se expressa nas línguas oci-dentais e que se tornou o principal vetor de ocidentalização, especialmente nos dois últimos séculos”13.

A consolidação das estruturas democráticas desenvolvida em alguns paí-ses, e no Brasil, em particular, em torno de um núcleo forte de valores, que ins-piraram as escolhas constituintes, orientando a interpretação constitucional14, dando ênfase não só à liberdade política, religiosa, de opinião, de organização

10 Para uma síntese do desenvolvimento do constitucionalismo latino americano: L. Mezzetti. Democrazie incerte. Transizioni costituzionali e consolidamento della democrazia in Europa orientale, Africa, America latina e Asia. Torino, 2000, 331 ss.

11 Este desenvolvimento é trazido de M. Carmagnani. Op. cit., 405 ss. Sobre a origem do constitucionalismo latino americano, vide SANTANA, J. C. Pavao. O pré-constitucionalismo na América. São Paulo, 2010, 109 ss.

12 Si v. O. Paz. Una terra, quattro o cinque mondi. Milano, 1988.13 Ainda, M. Carmagnani. Op. cit., 407.14 BONAVIDES, P. Constituinte e Constituição. 1986; BONAVIDES, P. Teoria constitucional da democracia

participativa, 2001; assim como SARLET, I. W. A eficácia dos direitos fundamentais. Uma teoria geral dos direitos fundamentais na perspectiva constitucional. X ed., Porto Alegre, 2009, 63 ss.; SARLET, I. W. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na Constituição federal de 1988. VII ed.

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política e independência do Poder Judiciário, mas também aos valores da soli-dariedade e da colaboração social, como evidenciado na importância dada ao governo local, na intervenção pública na economia, na expansão da educação, na eficiência da administração pública, bem como, ainda, a amplitude do ca-tálogo dos direitos sociais. Neste contexto, revelam-se cenários inéditos sob o terreno da força normativa da Constituição, como demonstra de forma muito sugestiva a mais recente literatura brasileira sobre temas de interpretação cons-titucional. Isso oferece um panorama bastante articulado de posições teóricas, embora unidos por uma difusa abordagem que se distancia ao formalismo e ao juspositivismo, não sendo desconhecido para a doutrina constitucional de transições15. Ao contrário, o debate desenvolvido na doutrina brasileira, distan-ciando-se daqueles próximos ao jus positivismo, tende a se ligar intimamente ao princípio do Estado democrático de Direito com a “projeção de utopias jurídi-cas” no futuro, confiada a virtualidade expansiva e a capacidade de orientação dos princípios constitucionais, com a ideia de uma Constituição dirigente, recu-perada da fundamental elaboração teórica de José Joaquim Gomes Canotilho16, mas reelaborado no contexto da peculiaridade da transição brasileira para a democracia, e com uma forte ênfase sobre a legalidade dos “programas” cons-titucionais como paradigma da chegada das constituições à pós-modernidade17.

Eu não tenho tempo, nesta oportunidade, para traçar um quadro com-pleto das características básicas do constitucionalismo latino-americano, o qual se revela, em mais de um aspecto, como o paradigma dos processos de transi-ção e consolidação de democracias em contextos caracterizados por um nível elevado de pluralismo social. Limitar-me-ei a destacar apenas alguns aspectos particularmente significativos. Primeiro, em sede dos direitos fundamentais. O fim das experiências do estado autoritário deu origem a situações de liberdade e às demandas econômicas e sociais que eram objeto de uma dura repressão por parte dos governos militares. A partir das últimas décadas do século XX, no-vas constituições e reformas constitucionais têm dado grande ênfase à proteção dos direitos individuais, aos direitos políticos e às liberdades econômicas, sem descuidar, no entanto, do legado dos direitos coletivos e os direitos sociais her-dados das constituições do período 1930-1970. O resultado foi um equilíbrio, verdadeiramente significativo, tendo em conta os muitos avanços na jurispru-dência, entre direitos individuais e direitos coletivos, os quais têm incentivado a

Porto Alegre, 2009, 69 ss.; BARROSO, L. Roberto. Curso de direito constitucional contemporâneo. Os conceitos fundamentais e a construção do novo modelo. II ed. São Paulo, 2010, 229 ss.

15 Sobre o debate a respeito da interpretação constitucional no Brasil depois da Constituição de 1988, BERCOVICI, G. Constituição e política: uma relação difícil. In: Lua Nova, 2004, 61 ss.; SOUZA NETO, S. Pereira; D. Sarmento (a cura di). A constitucionalização do direito. Rio de Janeiro, 2007.

16 Si v. CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição. VII ed. Coimbra, 2003, 1383 ss.

17 Sobre este aspecto, DANTAS, M. Calmon. Constitucionalismo dirigente e pós-modernidade. São Paulo, 2009, 250 ss. Sobre a ideia de “Constituição aberta, vide a clássica obra de BONAVIDES, P. A constituição aberta. São Paulo, 1993. Si v. ancora MORAIS, J. L. Bolzan de. Costituzione o barbarie. Cavallino, 2004, spec. 37 ss. (sobre o significado e a força da “utopia constitucional”).

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interpenetração entre eles e o fortalecimento de ambos. Um equilíbrio virtuoso e radicalmente inovador do verificado na fase liberal do constitucionalismo la-tino-americano do século XIX, no que se refere aos anos noventa, caracterizado pelo sentido muito populista, uma vez que a tensão entre liberdade e igualdade tem fortalecido o processo de democratização não só nas áreas urbana, mas também nas áreas rurais, nas quais se manifestam, particularmente, em áreas com uma população indígena, uma oposição também violenta entre a proprie-dade comunitária, fundamentada sobre o direito consuetudinário, e a privada, baseada no direito positivo18.

Deve-se acrescentar que o novo constitucionalismo de forma democrá-tica-pluralista, diferente daquele rotulado como populista, é sustentado por acordos multilaterais de integração entre os países da América Latina e as cláu-sulas da democracia previstas pelos novos acordos de cooperação entre a Amé-rica Latina e a União Europeia, segundo os quais os tratados de cooperação econômica, comercial e cultural falham quando uma das partes abandona os princípios democráticos. Configura-se, desta forma, não só um fator adicional de convergência com o constitucionalismo ocidental, mas um caminho cons-titucional que reforça os direitos dos cidadãos de participar nas decisões dos níveis de governo local, regional e nacional, tendo também em conta a diver-sidade cultural, étnica e de gênero. Inicia-se assim um processo que alargou o âmbito de exercício da cidadania, incentivando o desenvolvimento tanto dos direitos individuais como dos direitos coletivos, pois permite aos grupos de in-teresse se expressarem publicamente, sendo porta-vozes de reivindicações e, especialmente, atuando em colaboração com os governos e as organizações internacionais ou regionais, para exercerem os “direitos em atraso”, tais como o direito a terra, à língua, à alimentação, à cultura, ao reconhecimento étnico, à transparência dos serviços públicos e opor-se à corrupção, à discriminação e aos abusos contra mulheres e crianças. As novas reivindicações de liberdade, que as constituições têm incorporado, enfatizam uma nova geração de direitos, a qual, indo além das questões tradicionais, civis, políticas e sociais, compreen-de especialmente a “participação em condições de igualdade num intercâmbio comunicativo, ao consumo dos bens culturais, ao acesso à informação”19.

18 M. Carmagnani. Op. cit., 421 s.; nonché, per la ricostruzione della vicenda del “diritto alla terra”, vide VIAL, S. Martini. O direito a terra como terra do direito. Porto Alegre, 2005, 23 ss. L’esperienza brasiliana, e quella latinoamericana in generale, sono molto presenti nel dibattito in atto nel mio paesi sui c.d. “beni comuni”: vide U. Mattei, Beni comuni. Un manifesto. Bari-Roma, 2012; S. Settis. Azione popolare. Cittadini per il bene comune. Torino, 2012; S. Rodotà. Il terribile diritto. Studi sulla proprietà privata e i beni comuni. Bologna, 2013. La tensione tra libertà ed eguaglianza è al centro della più elaborata costruzione dogmatica dell’efficacia dei diritti sociali e della dignità della persona nella letteratura costituzionale brasiliana. Si vide ancora SARLET, I. A eficácia..., 214 ss., 257 ss.; SARLET, I. Dignidade da pessoa humana..., 120 ss.

19 Ainda, M. Carmagnani. Op. cit., 425 s. Sobre esta geração de direitos na constituição brasileira, vide COELHO, I. Mártires. Princípios da ordem social. In: MENDES, G. Ferreira; COELHO, I. Martines; BRANCO, P. G. Gonet. Curso de direito constitucional. V ed. São Paulo, 2010, 1545 ss.

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3 A CONSTITUIÇÃO BRASILEIRA E OS DESAFIOS DO TERCEIRO MILÊNIOA Constituição de 1988 se insere nas tendências fundamentais do consti-

tucionalismo latino-americano nas últimas décadas do século XX, embora com características peculiares, que refletem a história, inclusive jurídica, do Brasil, o tamanho continental do País e a estrutura pluralista do seu tecido social. Deve--se acrescentar que a experiência constitucional brasileira deve ser vista em um contexto mais amplo sobre o perfil geopolítico e geoeconômico do que nos países do assim chamado BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul), isto é, que são de grandes órgãos políticos emergentes a vocação continental e com economias em forte crescimento e altas taxas de desenvolvimento tecno-lógico20. Isto determina um maior envolvimento desses países na dinâmica da globalização, incluindo jurídico e interdependência entre seus ordenamentos, fornecendo, desta forma, um terreno bastante profícuo para o comparatista21. Além disso, em termos de perfil geoinstitucional, o Brasil se apresenta como um “espaço macro territorial”22, com problemas peculiares de governo das di-ferenças, da coesão social e territorial, de gestão das relações entre as periferias agrícolas e regiões metropolitanas industrializadas, que são comuns ao grandes espaços macroterritoriais emergentes, mas têm provocado soluções constitucio-nais fortemente inseridas na história brasileira, como no caso da constituciona-lização do pluralismo jurídico, com referência à tradição ctônica e autonomia organizacional das populações Afro-americanas23. Esses fatores condicionam o alicerce da cultura jurídica, sobre a qual se baseia a Constituição de 1988: um alicerce caracterizado pela coexistência de “correntes jurídicas” de deri-vação francesa, alemã e italiana, que formaram a tradição jurídica europeia, consideradas como grandes áreas de intimidade de “particularismo jurídico”. Neste contexto, condicionado por fatores de história social e de longo período posterior ao colonialismo, devendo-se ter em conta o caráter inovador, se não a grande utopia reformadora, da Constituição de 1988, destinada a estabelecer os fundamentos de um espaço político macro territorial coeso e ao mesmo tempo pluralista24.

Da peculiar inspiração pluralista da Constituição brasileira, que é per-ceptível já em sua fase constituinte, importante experiência de “pluralismo de

20 Sobre o desenvolvimento constitucional dos países do “Brics”, vide, na doutrina italiana, L. Scaffardi (a cura di). BRICS: Paesi emergenti nel prisma del diritto comparato. Torino, 2012.

21 Si vide, nella sterminata letteratura sul punto, nella dottrina italiana almeno, M. Bussani. Geopolitica dell’occidente. Geopolitica delle regole globali. Torino, 2010; P. G. Monateri. Geopolitica del diritto. Genesi, governo e dissoluzione dei corpi politici. Bari-Roma, 2013.

22 Este aspecto foi aprofundado na doutrina italiana especificamente por P. D. Logroscino. Spazi macro territoriali e coesione. Cavallino, 2007.

23 P. H. Glenn. Legal Traditions in the World. III ed. Oxford-New York, 2007, 58 ss.24 Sobre a gênese da Constituição de 1988, vide FAUSTO, B. História concisa do Brasil. São Paulo, 2009,

257 ss.; COELHO, I. Mártires. A experiência constitucional brasileira. In: MENDES, G. Ferreira ed altri. Curso cit., 244 ss. Sulle radici risalenti dell’ispirazione pluralistica della Costituzione brasiliana vide anche M. Carducci. Il Brasile tra vecchie formule politiche e nuova Costituzione. In: L. Scaffardi (a cura di). Op. cit., 3 ss.

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baixo”, o qual tomou parte como representantes da “cultura comunitária”25, aponto apenas alguns aspectos, aqueles que afetam mais o comparatista e o observador europeu. Em primeiro lugar, a inclusão dos Municípios como par-ticipantes de uma Federação com um forte apelo democrático-participativo, e a constitucionalização do princípio do federalismo cooperativo (arts. 23 e 24), a fim de buscar uma síntese da fragmentação do espaço macroterritorial do espaço em uma multiplicidade de entidades locais e autônomas. Menção deve ser feita também a sua forte função pedagógica e de reconhecimento das disposições constitucionais sobre o pluralismo, a partir do art. 1º, V, que dispõe sobre a diversidade entre os pilares da ordem constitucional, até os princípios do Título VIII (sobre “Ordem social”), dedicado aos povos indígenas, dos quais a Constituição reconhece “sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, pelos quais compete à União Federal delimitá-los, protegê-los e fazer com que respeitem todos os seus bens e recursos” (art. 231).

Em terceiro lugar, vale a pena mencionar as escolhas particularmente avançadas da “constituição econômica”, a qual tende a orientar o ordenamento econômico em uma direção não mais exclusivamente destinada à tutela da autonomia dos interesses privados dos proprietários de terras e, mas em função do governo de um espaço macroterritorial, considerado na realidade de suas desigualdades, especificidade natural e diferenças sociais26. Colocam-se nes-te contexto, de um lado da previsão constitucional de dispositivos projetados para realizar a coesão socioeconômica de um complexo espaço macroterrito-rial e marcado por profundas desigualdades (art. 3.III e 170.VII); de outro lado, a constitucionalização do princípio da “soberania econômica”, pivô de uma “constituição dirigente” orientada ao objetivo do desenvolvimento econômico nacional como condição para a superação dos desequilíbrios regionais e a luta contra a pobreza, e um meio de proteger os interesses econômicos nacionais contra os interesses das velhas e novas oligarquias surgidas pela globalização. O debate se desenvolve no Brasil a propósito da revisão de 1995, a qual redu-ziu sensivelmente o princípio da soberania econômica e, segundo alguns, teria resultado na mudança de uma “constituição dirigente” para uma “Constituição Dirigida”27, sendo de particular interesse nos quadros atuais da União Europeia e nos vínculos orçamentais e na estabilidade desta imposição aos Estados, com uma queda significativa em dispositivos constitucionais que salvaguardavam a soberania econômica deste Estado.

Finalmente, a amplitude do catálogo de direitos e o firme compromisso da Constituição em prol da remoção de desequilíbrios socioeconômicos e de fatores discriminantes e da proteção de “pessoas vulneráveis” têm contribuído

25 Si vide FAUSTO, B. Op. cit., 288 ss.26 BERCOVICI, G. Desigualdades regionais, estado e constituição. São Paulo, 2003, anche L. Cassetti; C.

Landa (a cura di). Governo dell’economia e federalismi. L’esperienza sudamericana. Torino, 2005.27 Neste sentido, a crítica de BONAVIDES, P. Do país constitucional ao país neocolonial, São Paulo, 1999.

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para alargar o âmbito da justiça dos princípios e programas constitucionais e re-forçar o papel dos juízes como “atores” privilegiados da realidade institucional do País28. Neste contexto, são de particular interesse para o observador europeu a articulação do modo de acesso à justiça constitucional e, generalizando, o modelo de controle de constitucionalidade, que representa um compromisso entre o controle difuso de origem norte-americana com o controle concentrado confiado ao Supremo Tribunal Federal, o que levou a um forte processo de harmonização da interpretação judicial, que tem muitas vezes desempenhado um papel significativo como um “substituto” no que diz respeito ao processo legislativo29. O ativismo judicial parece desempenhar, portanto, na experiência constitucional brasileira, um duplo significado: um de garantia do princípio de legalidade em sentido substancial, projetado à efetividade dos direitos funda-mentais e à igualdade e material, e, por outro lado, para transmitir internamente ao ordenamento os cânones do “estado constitucional cooperativo”, por meio da inclusão no circuito comunicativo com as cortes internacionais e regionais de direitos humanos e a jurisprudência constitucional de outros países30.

As breves considerações até aqui desenvolvidas revelam que, após vinte e cinco anos de sua entrada em vigor, a Constituição brasileira, por fatores en-dógenos e exógenos no que se refere ao “panorama” sobre mercados globali-zados de uma grande área político continental, parecem mais expostos do que outras experiências América Latina para os desafios da globalização e da poten-cialidade do “estado constitucional cooperativo”. A crise da soberania econô-mica dos estados e o consequente enfraquecimento da função de “Ausgleich” do desequilíbrio, retirados pelo constitucionalismo social democrata no século XX31, e, por outro lado, a projeção do ativismo judicial em uma arena comuni-cativa e interativa transnacional32 questionam ainda com referência à experiên-cia constitucional brasileira, sobre os desafios temporais da globalização para o futuro das constituições. Um cenário que seria unilateral, na minha opinião, é julgar de acordo com uma radical abordagem de tipo soberana, ou aderindo ao prejuízo da hegemonia exclusiva dos mercados globais, ou contrapondo aos recursos de um “constitucionalismo polêmico” ao irenismodo qual seriam

28 Sobre o problema da juridicidade da Constituição brasileira, vide TAVARES, A. Ramos. Curso de direito constitucional, São Paulo, 2006, 253 ss.

29 Para um panorama recente dos problemas da justiça constitucional no Brasil, vide LEITE, G. Salomão; SARLET, I. W. (a cura di). Jurisdição constitucional, democracia e direitos fundamentais. Estudos em homenagem ao Ministro Gilmar Ferreira Mendes. Salvador-Bahia, 2012.

30 PIOVESAN, F. Direitos humanos e o direito constitucional internacional. IX ed. São Paulo, 2008; assim como o amplo reconhecimento jurisprudencial, o mesmo em toda América Latina. ROCA, J. Garcia; FERNANDEZ, P. A.; SANTOLAYA, P.; CANOSA, R. (Ed.). El Dialogo entre los Sistemas Europeo y Americano de Derechos Humanos. Pamplona, 2012.

31 G. Teubner. Verfassungsfragmente. Gesellschaftlicher Konstitutionalismus in der Globalisierung. Frankfurt a.M. 2012; F. Galgano. Lex mercatoria. Bologna, 2010; F. Galgano. La globalizzazione nello specchio del diritto. Bologna, 2005; G. Rossi. Il gioco delle regole. Milano, 2006; M. Neves. Transconstitucionalismo. São Paulo, 2009.

32 P. Ridola. Diritto comparato..., 140 ss.; nonché, criticamente, S. Cassese. I tribunali di Babele. I giudici alla ricerca di un nuovo ordine globale. Roma, 2009.

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comprometidas pelas abordagens do cosmopolitismo constitucional33. Se é ver-dade que o fator determinante dos processos de cooperação entre os estados e a interdependência do Estado constitucional é representada pela crescente conexão das economias, não se pode ignorar que o “estado constitucional co-operativo” (kooperativer Verfassungsstaat, de acordo com a feliz reconstrução de Peter Häberle) é um fenômeno impulsionado em última instância por “pro-cessos culturais”, ou de cultura constitucional, que produziram, especialmente no campo dos direitos humanos, a declaração de princípios tendencialmente universais, limitando as constituições nacionais ao posto de Teilverfassungen34. Neste contexto complexo, restringe “a sociedade aberta dos intérpretes” de um direito constitucional projetado contra a universalidade dos únicos atores dos mercados globalizados aparentemente parciais, porque propõe visões alternati-vas baseadas na expansão da dicotomia freund/feind, que parece inadequada, ou em parte, para fins de compreensão de cenários constitucionais com um alto nível de pluralismo. Pelo contrário, o “Estado Constitucional Cooperativo”, o qual se abre, principalmente graças à jurisprudência constitucional, com uma abordagem voelkerrechtsfreundlich, alimenta-se de instâncias cooperativas que afetam não só a economia, mas também ao campo das múltiplas expressões da comunicação em uma área social dilatada com necessidades humanitá-rias. Levanta-se, em suma, em primeiro lugar, a consciência generalizada na sociedade e, portanto, inserida, em nível antropológico, à internacionaliza-ção das redes de comunicativas e do delinear de um “espaço público global/Weltöffentlichkeit”35.

Todos os desafios que este impressionante processo de transformação ofe-receu à ciência jurídica e à comparação jurídica contribuíram para vários fato-res: o crescimento da comunicação (e da contaminação) entre culturas jurídicas muito distantes por contextos históricos e de colonização sociais; a tendência à generalização de um patrimônio comum, especialmente no campo dos di-reitos humanos; o desenvolvimento de organizações supranacionais e sistemas de macrorregionais de proteção dos direitos; a impressionante aceleração da dimensão e épocas dos processos migratórios, intercâmbio cultural, comercial e jurídico em escala transnacionais, a saída da disponibilidade exclusiva dos estados com vastas e complexas regulações, o aumento da predisposição dos operadores do direito face a um quadro normativo que transcende os direitos nacionais; e a importância crescente da comparação e da comunicação entre culturas jurídicas nos rumos da formação universitária. O quadro de transforma-

33 Sobre o tema, vide J. L. Dunoff; J. B. Trachtman (Ed.). Ruling the world? Constitutionalism, International Law and Global Governance. Cambridge, 2009; P. Dobner; M. Loughlin (Ed.). The Twilight of Constitutionalism? Oxford-New York, 2010; V. D. Amar; M. Tushnet (Ed.). Global Perspectives on Constitutional Law. Oxford-New York, 2009; M. Loughlin; N. Walker (Ed.). The Paradox of Constitutionalism. Constituent Power and Constitutional Form. New York-Oxford, 2007.

34 P. Häberle. Der kooperative Verfassungsstaat – aus Kultur und als Kultur. Vorstudien zu einer universalen Verfassungslehre, Berlin 2013, 98 ss.

35 Cfr. ancora P. Häberle. Op. cit., 99.

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ções, que emerge de tudo isso, exige um repensar das categorias à estilística e argumentativo inserida na experiência histórica do Estado nacional “introverti-do” e, além disso, não permite, no entanto, entrar em generalizações simplistas universalistas, como se o surgimento de um “espaço jurídico global” tenha sido projetado em um clima de “fim da história”, no qual o jurista não tem outra opção do que um reconhecimento acrítica do existente. Descreve-se, ao con-trário, um cenário de transformações em que, de um lado está longe de atingir seu objetivo final e equilíbrio definitivo, e de outro permite vislumbrar seus fun-dos conflituosos, aporias, questões problemáticas, especialmente aquelas que se relacionam com o papel contínuo do Estado em um contexto profundamente modificado e da efetividade das constituições. Singular, resultado de fato, o qual parece ter acompanhado a curva teórica do “estado de direito” na segunda metade do século XX, uma curva desenvolvida ao longo do tema de “constitu-cionalização do ordenamento jurídico” e a superação do “estado legislativo” no constitucionalismo (R. Alexy, R. Dworkin, P. Häberle, CS Nino, G. Zagrebelsky) e, em seguida, forçados a enfrentar os desafios, senão um direito constitucional cosmopolita, e da internacionalização do direito constitucional36.

4 OBSERVAÇÕES FINAIS. CONSTITUIÇÕES NACIONAIS, “ESTADO CONSTITUCIONAL COOPERATIVO” E O FUTURO DO CONSTITUCIONALISMO

Na conclusão do quadro descrito pode parecer que o constitucionalismo trouxe, no início do século XXI, uma vitória esmagadora, e que agora está deli-neando um patrimônio constitucional comum em escala global. Ele tem inspira-do as transições que têm sido acompanhadas na Europa, Ásia, África e América Central, com personagens, situações e contextos históricos sociais e culturais diferentes, que escapam das experiências do estado socialista, da colonização, do estado autoritário37. Por pelo menos três décadas, vimos a implantação em larga escala de um grande fenômeno de se fazer uma constituição, o que afe-tou os países europeus que saíram de uma experiência de ditaduras (Portugal, Grécia, Espanha), mas também as sociedades caracterizadas por graves atrasos nos processos de secularização, modernização e desenvolvimento. Também não é difícil perceber que o movimento de modelos constitucionais sofreu ex-pansão e intensificação, até então desconhecidas no passado. Investiu-se princi-palmente nas áreas de direitos humanos, as quais foram apoiadas e guiadas por uma densa rede de interdependências constituída em convenções internacio-nais e regionais, tendo origem, na Europa e na América Latina, com a estrutura multinível de proteção dos direitos fundamentais38. Mas também tem afetado o

36 Para uma articulada reconstrução do debate sobre estado constitucional: M. Carbonell (Ed.). Neoconstitucionalismo(s). Madrid 2009; M. Carbonell (Ed.). Teoria del Neoconstitucionalismo. Ensayos escogidos. Madrid, 2007; M. Carbonell; L. Garcia Jaramillo (Ed.). El canon neo constitucional. Madrid, 2010; A. E. Perez Luno. Derechos humanos, estado de derecho y constitución. X ed. Madrid, 2010.

37 Si vide G. de Vergottini. Le transizioni costituzionali. Bologna, 1998, 157 ss.38 Si vide S. P. Panunzio. I diritti fondamentali e le Corti in Europa. Napoli, 2005, 1 ss.

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campo das garantias constitucionais e do federalismo, um campo que, talvez mais do que outros, seja influenciado por diferentes contextos geográficos e cul-turais39. Isso não deve nos levar a conclusões enfáticas. Não se deve esquecer que, apesar do crescimento da interdependência que caracteriza a realidade atual do Estado constitucional, ainda existem conflitos, tensões e situações de marginalidade em áreas geográficas, as quais podem parecer imunes. Desta forma, é evidentemente ilusório acreditar que apenas a implantação em larga escala da justiça constitucional vai abrir novas fronteiras para o constituciona-lismo40. Assumindo uma ampla perspectiva comparada, é claro que nem todas as constituições possuem igual força jurídica, igual raio de regulação e de valor efetivo. Tudo isso, como definitiva a supremacia de uma constituição, depende de fatores extraconstitucionais, tais como os derivados de contextos históricos e culturais, e precisamente da cultura política, das práticas políticas e sociais consolidadas pelos personagens do tecido social, das estruturas econômicas, das tradições culturais e religiosas inseridas41.

Com isso, não se reduz que a Constituição vai continuar a desempenhar um papel decisivo no processo de integração de uma comunidade política, pois representa um fator importante de cristalização do processo por meio do qual um grupo social pode ser reconhecido em sua própria identidade política e cultural42. Também deve-se acrescentar que as constituições definem o espaço de comunicação e de decisão de uma comunidade política, não só no sentido de definir as regras (procedimentais) deste espaço, mas ainda mais por revelar os valores constitutivos de um grupo social, promovendo fóruns de discussão, por meio dos quais estarão sujeitos a um processo constante de atualização, que é crítica e reflexiva, ao mesmo tempo, a partir da sociedade. O destaque da Constituição como um fator de um processo dinâmico de integração do grupo social no centro do debate científico é de algumas décadas43, mas foi enriquecida pelos perfis de relevância atual. É importante que a discussão sobre as questões candentes de sociedades plurais contemporâneas (da bioética ao contraste do fundamentalismo ao uso dos símbolos de identidade religiosa) seja posta insistentemente em defesa dos conteúdos de princípios constitucionais. A Constituição tornou-se, em suma, um terreno sobre o qual os conflitos não elimináveis de sociedades pluralistas são discutidos, canalizados, resolvidos ou, pelo menos, tornam-se objeto de decisões operacionais em meio período44. A centralidade que isto consente, da interpretação constitucional, e o crescimento correspondente dos instrumentos de justiça constitucional, embora não sejam sem consequências problemáticas ao lado da legitimação democrática, não

39 Si vide S. Choudry (Ed.). The Migration of Constitutional Ideas. Cambridge, 2006, 113 ss.40 Si vide R. Hirschl. Toward a Juristocracy. Cambridge-London, 2004, 211 ss.41 Proposta metodologica de P. Häberle. Verfassungslehre als Kulturwissenschaft. Berlin, 1998, 28 ss.42 Si vide E. Denninger. Menschenrechte und Grundgesetz. Zwei Essays, Weinheim, 1994, 15 ss.43 Integrationslehre di R. Smend. Staatsrechtliche Abhandlungen. Berlin, 1968, 119 ss. Sul pensiero

costituzionale di Smend vide ora T. Notthoff. Der Staat als “geistige Wirklichkeit”. Berlin, 2008.44 H. Vorlaender, Die Verfassung. Idee und Geschichte, München 2004, 112.

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pode mais encontrar a sua justificação em uma abstrata e formalista estrutura piramidal e hierárquica do ordenamento, mas de uma profunda transformação do papel e conteúdo das constituições. Também não é objeção decisiva que, no final deste percurso, a eficácia normativa das constituições se resolva total-mente na sua interpretação pelos juízes constitucionais. Não se deve esquecer de que, como demonstrado pelas experiências mais estruturadas (nos EUA e na Alemanha, por exemplo) que nos mais jovens, as decisões dos tribunais cons-titucionais não amadurecem em um contexto autorreferenciado ou separado ou pluralista, mas se encaixam em um processo público, no âmbito em que se medem com interlocutores institucionais e sociais (a sociedade aberta pelos os intérpretes da constituição45) e são condicionadas por outras instituições polí-ticas, bem como pelo nível de consenso social sobre os conteúdos da consti-tuição. A supremacia da Constituição garantida pelo controle constitucional foi desenvolvida no contexto da tendência para a racionalização dos processos de regulação da tomada de decisões públicas nas democracias46. Mas, quanto mais a Constituição está no centro da cultura política de um grupo social, mais se destaca o papel de interpretação confiado aos tribunais constitucionais. Isso também ocorre dentro de um circuito em que os legisladores, as cortes consti-tucionais, os juízes comuns e a opinião pública são atores dinâmicos, nos quais se desenvolve dialeticamente o confronto entre a constituição “praticada” nas suas aplicações cotidianas e as expectativas que a sociedade sobre ela repousa.

A capacidade de unificação política das constituições em sociedades pluralistas, no entanto, encontra limites penetrantes. Eles são, em primeiro lu-gar, os decorrentes da transição do estado liberal de direito a estado social, uma transformação que tem investido bastante na capacidade de regulação do direito constitucional47. O compromisso crescente do Estado em seus deveres em definir diretrizes de planejamento, de prevenção e de prestação de serviços foi correspondido pela acentuação da função axiológica de normas constitucio-nais48. Isso resultou na expansão do raio de ação dos princípios constitucionais, os quais possuem virtualidade de orientação em todas as áreas da sociedade, mas, ao mesmo tempo, a articulação e a graduação da “qualidade” prescritiva das normas constitucionais. Deve-se acrescentar que o compromisso do Poder

45 A fórmula que teve larga repercussão na cultura constitucional latino-americana devido a P. Häberle. Verfassung als öffentlicher Prozess. Berlin, 1978, 155 ss. Riassumo il dibattito teorico sullo “spazio pubblico”. In: P. Ridola. Diritto comparato..., 31 ss.

46 Sobre a racionalização como ratos do constitucionalismo europeu do século XX, vide P. Biscarettitopos di Ruffia. voce “Costituzionalismo”. In: “Enc. Diritto”. XI, Milano, 1962, 130 ss.; N. Matteucci. Lo stato moderno. Lessico e percorsi. Bologna, 1997, 166 ss.

47 Ampla literatura, ver D. Grimm. Die Zukunft der Verfassung I e II. Frankfurt a.M., 1991/2013; J. Habermas. Fatti e norme (1992). Milano 1996, 285 ss.; K. H. Ladeur. Freiheitsrechte und Selbstorganisation der Gesellschaft. Tübingen, 2000, 307 ss.

48 Referência à P. Lerche. Übermaß und Verfassungsrecht. II ed. Goldsbach, 1999, 61 ss., uma obra que aborda a original elaboração de Gomes Canotilho, que teve grande repercussão no debate constitucional brasileiro. Referente entre o “Praeventionsstaat“e capacidade de orientação constitucional, vide (criticamente) E. Denninger. Der gebändigte Leviathan. Baden Baden, 1990; assim como S. Huster; K. Rudolph. Von Rechtsstaat zum Praeventionsstaat. Frankfurt a. M., 2008.

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Público no cumprimento das tarefas em prestar serviços públicos e promover o bem estar é condicionado pela disponibilidade de recursos financeiros ade-quados para atingir seus objetivos e, portanto, dos fatores substancialmente ex-trajurídicos.

Por fim, os cenários de uma sociedade globalizada produziram, por um lado, a expansão em larga escala do processo de constitucionalização, que ten-dem a expandir as fronteiras dos Estados-nação e a formação de um patrimô-nio constitucional comum, constituído mediante os fenômenos de recepção, de comunicação e de integração entre as culturas constitucionais49. Tais cenários também permitiram vislumbrar a insuficiência de um “futuro da constituição” inteiramente fechado na dimensão territorial tradicional do Estado-nação. Isso ocorre porque a capacidade de intervenção, de decisão e de orientação dos estados é submetida em medida crescente às condicionantes derivadas dos po-deres econômicos privados que operam em escala global, ao desenvolvimento tecnológico, às interdependências internacionais. E a relação consolidada da constituição com o cenário “Estado nacional” é submetida a novas tensões. No-vas tecnologias determinam transformações irreversíveis nas condições de vida, que envolve o destino das gerações futuras e escapam da orientação dos princí-pios constitucionais. O entrelaçamento e a interdependência de natureza polí-tica e econômica restringiram o espaço de jogo dos poderes de regulamentação estatal, incluindo aqueles que estão no nível mais alto da hierarquia interna dos recursos, e transferiram para as organizações internacionais e supranacionais os poderes de decisão e partes da soberania. A globalização dos mercados, o cres-cimento dos intercâmbios transnacionais nas áreas econômicas e tecnológicas, o fenômeno da expansão do mercado interno, além das barreiras dos estados e os processos de integração econômica e monetária criaram também um espaço de decisões que transcendem as barreiras formadas pelos princípios do proces-so político estabelecidos pelas constituições nacionais. A divergência entre o aumento de oportunidades de comunicação em escala global e o espessamento da união de identidades reduz os espaços da função de integração das cons-tituições nacionais. Finalmente, a mobilidade da população e a abertura das fronteiras dos Estados de movimentos migratórios amplos, em que os próprios estados são incapazes de controlá-los e canalizá-los, têm determinado desafios impostos à estrutura tradicional de garantia e da titularidade dos direitos cons-titucionais.

O estado constitucional “aberto”50 ou “cooperativo”51 parece ser, hoje em diante, uma alternativa decisiva para o futuro das constituições. Estes devem ocupar espaços de decisão e orientação relacionadas a um núcleo inabalável da soberania territorial dos estados, como condição para não sofrer uma perda de

49 vide, ao menos, a fundamental obra de J. Habermas. La costellazione postnazionale. Milano, 1998, 29 ss.50 Neste sentido, S. Hobe. Der offene Verfassungsstaat. Berlin, 1998.51 Ver formulação original do conceito em P. Häberle. Die Verfassung des Pluralismus. Königstein/Ts. 1980,

297 ss.

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legitimidade. Mas, ao mesmo tempo, eles devem dar cobertura à transferência de parte da soberania aos assentos de decisão não estatal ou supranacional, como condição para satisfazer a demanda dos arranjos políticos adequados à nova realidade de laços e interdependências52. Se se tem presente que a história do constitucionalismo foi desenvolvida tendo como pano de fundo o cenário do estado nacional, e que foi percorrida pela tensão entre soberania e consti-tuição, delineia-se como o “futuro da constituição” um próprio e real desafio. Não só porque as constituições almejam abordar a destituição de soberania, a fim de ser capaz de preservar áreas infalíveis de Estado, mas também porque podem preservar a função dos instrumentos essenciais de limitação do poder, que funciona como um fio vermelho da história do constitucionalismo, apenas a condição que os processos de constitucionalização agora ultrapassam as fron-teiras dos estados. Parece ser esta a aposta capaz de sustentar o confronto com os imponentes blocos de poder transnacionais diante dos quais as constituições nacionais são cada vez mais impotentes.

52 Neste sentido, H. Vorlaender. Op. cit., 114.

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Assunto Especial – Textos Clássicos

Tempo e Constituição

Prolegómenos de um Entendimento da Constituição “Adequada ao Tempo”*

POR PETER HäBERLEIn: ZfP 21 (1974) p. 111‑137

SUMÁRIO: I − Sobre inventário em ciência jurídica, teoria constitucional e prática jurídica; II − Abor‑dagem teórico‑constitucional e prático‑constitucional: interpretação “adequada ao tempo” no hori‑zonte do “público em geral e da realidade da Constituição”; 1 O tempo no entendimento da Consti‑tuição; 2 Declarações materiais jurídico‑constitucionais e métodos de interpretação subordinados ao tempo ou vinculantes no tempo – a sua relação recíproca; 3 Os vários métodos interpretativos como veículos, com efeitos diversos, do factor tempo no processo – republicano – de interpretação; 4 O pós‑entendimento como pré‑entendimento do futuro; 5 A adopção do conceito autónomo “mudança constitucional”; 6 Em particular: o efeito prévio das leis; 7 Cláusulas empíricas, experimentais e de reforma como formas institucionalizadas; 8 Revisões constitucionais como consequência adequada ao tempo da Constituição, como comando político‑constitucional.

I − SOBRE INVENTÁRIO EM CIÊNCIA JURÍDICA, TEORIA CONSTITUCIONAL E PRÁTICA JURÍDICA1 O papel do factor tempo nas ciências jurídicas1 foi até agora tematizado

apenas de modo pouco sistemático ou com exclusão das ciências sociais: por exemplo, como “mudança social através de sentença judicial”, law in chan-ging society, como direito natural supratemporal e como direito positivo his-toricamente mutável ou sob o mote “o direito constitucional morre, o direito administrativo persiste” (O. Mayer), assim como na “mudança constitucional”. Sem dúvida que questões temporais estão de modo muito geral associadas, por exemplo no “dualismo” entre direito e política2, entre direito constitucional e

* Tradução de António Francisco de Sousa, Professor da Faculdade de Direito da Universidade do Porto, e de António Franco, Professor da Faculdade de Letras da Universidade do Porto.

1 Leisner (“Antigeschichtlichkeit des öffentlichen Rechts?”, in: Der Staat 7 (1968), p. 137 e ss.) permanece demasiado abstracto; distingue-se fundamentalmente da abordagem aqui referida, por exemplo, p. 138: o direito público é, não se torna. O seu núcleo, o direito estadual, é o protótipo de uma ordem sem história, até mesmo antidesenvolvimentista, porque no fundo também é alheio à realidade; p. 140: a Constituição oferece pois uma política empedernida; p. 144: acronismo do direito constitucional; p. 152: a Constituição é, pela sua natureza, imutável.

2 Pelo contrário, a minha recensão de Haller, “Supreme Court und Politik in den USA”, 1972, in: DVBl, 1973, p. 388 e ss.; ver também AöR 98 (1973), p. 119 (127 e ss.).

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realidade constitucional3 ou no esquema discutível de G. Husserl: legislador = homem do futuro, homem da administração = homem do presente, juiz = homem do passado4. Muitas vezes aponta-se para o processo de transformação social em aceleração, sem que o problema do tempo seja juridicamente trata-do. O magro inventário surpreende-nos: é que o “espírito da época” parece ser particularmente favorável ao factor tempo. Progresso, “reforma” e “movimento” têm uma vantagem ético-social e política extraordinária face à conservação. “Reforma” parece ser hoje também no direito um valor em si; a conservação per se, um desvalor; cada status quo torna-se suspeito. Todas as opiniões e precon-ceitos contemporâneos são contra a idade, a história e a tradição.

Expressões do tipo “ciência jurídica como ciência do futuro” (Maihofer)5 ou a “função crítica” do jurista são um apelo a tomar em consideração a muta-bilidade e, desse modo, a dependência temporal do direito6. O mesmo é válido para a exigência de orientação da ciência para a prática.

O factor tempo produz efeito quando se realça o aspecto processual, por exemplo na aplicação da lei no sentido da law in action (Esser) ou em proces-sos de planificação política. A democracia está especialmente aberta ao tem-po como um “método evolucionista de conformação social política, orientada para a justiça social e para a emancipação social e política”7. Mesmo o direito natural é entendido sob uma perspectiva temporal: isso é evidente no “direito natural com conteúdo em formação” (1954), de Fechner, nas expressões de “direito natural com conteúdo mutável”, direito natural histórico, entre outras. A. Kaufmann8 fala do direito como qualquer coisa “que se tem continuamente de fazer, criar, realizar, renovar”9.

2 Sobre o tema “Tempo e Constituição”, há testemunhos indirectos: o atributo “mudança” é acrescentado quase a todos os conceitos jurídico-consti-tucionais: mudança funcional ou mudança de sentido da lei, dos direitos fun-

3 Sobre o estado da discussão, cf. sobretudo: Hennis. Verfassung und Verfassungswirklichkeit, 1968; além disso, as recensões de Böckenförde, in: Der Staat 9 (1971), p. 533 e ss., e Hesse, in: AöR 96 (1971), p. 137 e ss.

4 Recht und Zeit, 1955, p. 52 e ss. Também a alta consideração ou o menosprezo de conceitos como “segurança jurídica” e “paz jurídica” têm por base um determinado entendimento de tempo/direito.

5 “Realistische Jurisprudenz”, in: Jahr;Maihofer. Rechtstheorie, 1971, p. 427 e ss. (430 e ss.). Ver também o 9º Colóquio de Cappenberg sobre zukunftsorientierte Politik, comentário em DÖV, 1973, p. 46 e ss. Em contrapartida, a discussão sobre o conservadorismo na Europa, Kaltenbrunner (ed.), 1972.

6 Cf. também Zippelius. Einführung in die juristische Methodenlehre, 1971, p. 29: Mas, se a base de legitimação do direito que continua vigente reside no presente, então também é correcto interpretar as leis ex nunc.

7 Badura, in: DÖV, 1970, p. 18 (22). Saber quanto o espírito da época insiste no tratamento científico do factor tempo é ilustrado pelo facto de o governo federal alemão ter nomeado, em 9 de fevereiro de 1971, uma comissão, com o fim de preparar um parecer pormenorizado sobre os “problemas relacionados com a mudança técnica, económica e social”.

8 A. Kaufmann (ed.), Rechtstheorie, 1971, p. 81 (93 e ss.).9 Mas conforme G. Husserl (cit. em Kaufmann, loc. cit., p. 99), a lei “não tem um futuro a que se adapte

desenvolvendo-se”. É um “mundo pronto, de actos desindividualizados, que nas normas jurídicas chegou a uma fixação rígida”. De maneira diferente e correcta: Recht und Zeit, p. 22 e ss.

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damentais, da soberania. Lembremos a “mudança estrutural do público” de Habermas.

As teorias constitucionais distinguem-se essencialmente pelo facto de concederem ao tempo, isto é, à mudança da realidade social, um valor posi-cional diferente. Pense-se na teoria da integração, de Smend, por um lado, e na “recordação do Estado”, de Forsthoff, por outro lado10. À abertura da Cons-tituição11, ao seu entendimento de “público”12, ao “aperfeiçoamento da aplica-ção garantidora dos direitos fundamentais”13, aos processos de realização da Constituição, assim como à acentuação do seu carácter funcional14 opõem-se concepções menos dinâmicas da Constituição. Elas manifestam-se na conso-lidação de métodos “clássicos” de interpretação, na consolidação de activos, bem como na adopção de teorias de vencimento. A “confirmação” da Consti-tuição é vista primariamente na sua “confirmação”, a ideia de desenvolvimento é minimizada. Recorde-se a controvérsia em torno da relação entre Estado e sociedade, em torno do princípio do Estado social15 e entendimento de direitos fundamentais, recorde-se a justiça constitucional, isto é, em especial as posi-ções de Forsthoff. O “futuro” – e este sempre começou no presente – é visto geralmente como “intruso” e considerado cepticamente como não pertencendo ele próprio à “matéria da Constituição e do direito constitucional”16. Os “25 anos de Lei Fundamental”17 fazem parecer urgentes as reflexões teórico-consti-tucionais sobre o “tempo”. O direito constitucional vive já prima facie em uma problemática temporal específica. Por um lado, a alterabilidade dificultada con-fere-lhe permanência e continuidade, confiabilidade e segurança18; por outro lado, o tempo penetra, precisamente por isso, especificamente no direito cons-titucional, tem mesmo de o fazer; sob a forma de interpretação constitucional flexível e aberta, no processo de alteração da Constituição ou na exigência de revisão total ou parcial19. A continuidade da Constituição só é possível quando

10 Der Staat der Industriegesellschaft, 1971, p. 11 e ss., e, além disso, a minha crítica em ZHR 136, 1972, p. 425 e ss.

11 Com carácter fundamental, Hesse. Grundzüge des Verfassungsrechts der Bundesrepublik Deutschland. 6. ed., 1973, espec. p. 12 e ss.

12 Sobre o assunto (e sobre Habermas): Häberle. “Öffentlichkeit und Verfassung”, in: ZfP 16, 1969, p. 273 e ss.

13 Sobre o assunto, Häberle, “Grundrechte im Leistungsstaat”, in: VVDStRL 30, 1972, 43 (69 e ss.).14 Scheuner, artigo “Verfassung”, in: Staatslexikon, v. VIII, 1963, coluna 117 e ss. (118): “Verfassung als Norm

und Aufgabe”.15 Sobre o assunto, Forsthoff (ed.). Rechtsstaalichkeit und Sozialstaatlichkeit, 1968; Suhr in: Der Staat 9,

1970, p. 67 e ss.16 Mas “classicismo” não existe apenas no passado. O modo como os entendimentos da Constituição estão

dependentes do tempo revela-se, por um lado, na orientação para o futuro, hoje fortemente realçada, e, por outro lado, em Kägi. Die Verfassung als rechtliche Grundordnung des Staates, 1945.

17 Apreciações da Constituição em Scheuner (AöR 95, 1970, p. 353 e ss.) e Schick (AöR 94, 1969, p. 353 e ss.).

18 Sobre o assunto, Hesse. Die normative Kraft der Verfassung, 1959.19 Na doutrina: Saladin. “Die Kunst der Verfassungserneuerung”, in: Gedenkschrift für Imboden, 1972, p. 269

e ss.; K. Stern. “Total revision des Grundgesetzes?”, in: Festgabe für Maunz, 1971, p. 391 e ss.; Fromme. in: ZfP 17, 1970, p. 87 e ss.; H. Huber in: FS f. Scheuner, 1973, p. 183 e ss.

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o passado e o futuro se encontram reunidos nela. A dogmática constitucional também criou figuras que visam resistir ao tempo: sob a forma da doutrina das garantias dos institutos e das garantias institucionais, bem como das garantias de status quo20 (cf. também os arts. 19º, al. 2, e 79º, al. 3, da Lei Fundamental). A discussão metodológica no direito constitucional21 é muito especialmente uma discussão em torno da função que deve caber ao tempo. É importante a crítica de Lerche22 às ideologias da transformação, que se poderia complementar com a crítica às ideologias do status quo.

3. Uma lista de problemas concretos mostra quão diferentes são as áreas que – sob o aspecto do tempo – estão relacionadas entre si23. A dimensão tem-poral desempenha um papel no surgimento do chamado direito (constitucional) consuetudinário24, na protecção ou violação de “direitos adquiridos”, na pro-tecção de expectativas25, na caducidade e na prescrição, em problemas de va-lidade jurídica, na “descontinuidade material”26, nas máximas da lex posterior ou do prior tempore, na chamada clausula rebus sic stantibus27, nos limites da retroactividade e da observância de um “efeito prévio” das leis (sobretudo sobre a concretização de aspectos de bem comum, mas também de direito penal28), assim como na actividade prognóstica do legislador e do Tribunal Constitucio-nal Federal29, no problema dos obiter dicta30, da jurisprudência permanente e da jurisprudência de princípios, no carácter público de votações especiais, na insistência na dependência procedimental dos actos jurídicos e, por fim, na qualificação da “experiência como fonte de direito”31. Lembre-se a diferente orientação para o futuro das práticas jurídicas, o direito do trabalho e o direito internacional público como “direito em formação” (D. Schindler).

20 Um exemplo extremo é a chamada teoria da fossilização do Tribunal Constitucional austríaco; sobre o assunto, com outras indicações, H. Huber, in: Gedenkschrift für Imboden, 1972, págs. 191, nota 1.

21 Sobre o assunto, espec. Forsthoff. Rechtsstaat im Wandel, 1964; H. Klein, Die Grundrechte im demokratischen Staat, 1972, por um lado, Hollerbach, in: AöR 85, 1960, p. 241 e ss.; Ehmke in: VVDStRL, 290, 1963, p. 53 e ss.; 64, Hesse, Grundzüge..., p. 20 e ss.; Häberle in: ZHR 136, 1972, p. 425 e ss., por outro lado. Por último: I. Richter, Bildungsverfassungsrecht, 1973, p. 19 e ss.

22 In: Festgabe für Maunz, 1971, p. 285 (289).23 Alusões ao problema in Kloepfer, Grundrechte als Entstehenssicherung und Bestandsschutz, 1970, p. 16 e

ss., e no meu artigo, in AöR 98, 1973, p. 625 (635, nota 33), ZevKR 18, 1973, p. 420, nota 1.24 De fundamental importância: H. Huber in: Rechtstheorie, Verfassungsrecht, Völkerrecht, 1971, p. 329 e ss.25 Sobre o assunto, cf. os relatórios de Kisker e Püttner in VVDStRL 32, 1974.26 Sobre o assunto Hömig/Stoltenberg in DÖV 1973, p. 689 e ss., com outras referências; espec. Scheuner in

DÖV 1965, p. 510 e ss.27 Por último, BVerfGE 34, 216 (230 e ss.).28 Na maior parte das vezes, as reformas do direito penal só são postas em marcha quando as concepções

de moral pública já se modificaram. A reforma do legislador confirma, neste aspecto, o que a realidade já aceitou. O efeito prévio das leis é especialmente forte. O mais recente exemplo é a 4ª lei da alteração do direito penal (direito penal sexual). Cf. ainda a discussão sobre a “proibição retroactiva no caso de alteração da jurisprudência no direito penal”; sobre este assunto, Schreiber in JZ 1973, p. 713 e ss. O art. 80º, al. 1, da Lei Fundamental justifica-se, entre outras coisas, a partir da maior proximidade temporal e material do executivo na criação de direito.

29 Sobre o assunto, Philippi, Tatsachenfeststellungen des Bundesverfassungsgerichts, 1971.30 Schlüter, Das Obiter Dictum, 1973.31 É assim o título do livro de Lüderssen, 1972.

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II − ABORDAGEM TEÓRICO-CONSTITUCIONAL E PRÁTICO-CONSTITUCIONAL: INTERPRETAÇÃO “ADEQUADA AO TEMPO” NO HORIZONTE DO “PÚBLICO EM GERAL E DA REALIDADE DA CONSTITUIÇÃO”

1 o teMpo no entendIMento dA constItuIção

No Estado constitucional da Lei Fundamental, as questões concretas do tempo têm de ser colocadas de antemão no quadro geral da Constituição. É que todo o direito é imanente à Constituição: ele cresce sob o tecto ou no terreno da Constituição da res publica. O debate tem de começar pelo entendimento da Constituição e não pelas teorias políticas ou teorias sociais que estão para além ou “acima” da Constituição. Mas isto não quer dizer que os problemas, ou todos os problemas, estão fixados previamente pela Constituição. Para a doutri-na constitucional democrática, em uma “sociedade aberta” fica a tarefa de nos interessarmos, para aquém da Constituição, particularmente por experiências e, para além dela, por alternativas práticas32. O entendimento da Constituição não se encontra no vácuo nem no espaço intemporal; é por seu lado o resultado de experiências históricas e volta também a transmiti-las33: um pedaço de “tempo cristalizado”, por exemplo a ideia antropologicamente fundada do impedimen-to do abuso de poder. Nesta medida, o método interpretativo histórico ganha uma nova – limitada – legitimação enquanto interpretação ontogénica “transfor-madora”. O entendimento da Constituição tem a sua expressão na acentuação de princípios constitucionais como orientação ao público e abertura, pluralis-mo, liberdade, protecção jurídica, mas também em determinados procedimen-tos jurídico-constitucionais (por exemplo do direito parlamentar). É expressão de determinados métodos interpretativos, mesmo que, inversamente, também codetermine estes. O respectivo entendimento da Constituição (que também é um entendimento do “direito constitucional”), os factos concretos e postulados procedimentais da Constituição, assim como os métodos interpretativos (junta-mente com o pré-entendimento e o pós-entendimento) influenciam-se recipro-camente.

Este entendimento de Constituição, que pretende envolver mais cons-cientemente o tempo ou que se prende “ao tempo e pelo tempo dentro”, só pode ser caracterizado em termos de tópicos: Constituição como law in public

32 Sobre o assunto, e em polémica com Herzog: Häberle in AöR 98, 1973, p. 119 (129 e ss.). Aqui têm o seu lugar teorias científicas e sociais.

33 Assim como de “utopias antecipadas”. Extremamente abundante em tópicos para a problemática do tempo agora: Dürig, in: Maunz/Dürig/Herzog, K., nº de margem 194 e ss. sobre o art. 3º, al. 1, da Lei Fundamental: “O tempo como flanco aberto da igualdade”, o “tempo, dentro do qual uma pessoa, um grupo e uma sociedade se podem desenvolver livremente, um agente que, em princípio, é inimigo da igualdade”, o tempo como “topos da justa medida” entre inércia e actividade sem objectivo, também “as reformas das reformas têm de continuar a ser possíveis”. Conforme, por fim, o “debate constitucional” do Parlamento federal alemão de 14/15 de fevereiro de 1974: a Lei Fundamental não é um “espartilho estático”, a Constituição como “processo dinâmico” (Hirsch), a Lei Fundamental como “constituição das vias abertas” (Genscher), a Lei Fundamental não é nada de “acabado, mas capaz e necessitado de aperfeiçoamento” (H. Maier).

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action, como processo público (entendimento normativo-procedimental da Constituição), como ordenação-quadro34 (função de guia). Tornam-se importan-tes a abertura da Constituição, os processos da sua realização (“legitimação dos procedimentos”). São os procedimentos que asseguram que a Constituição seja encaminhada, especialmente a jurisprudência constitucional; eles fazem com que a interpretação constitucional adquira um valor posicional, não atingido, de outro modo, o aperfeiçoamento da Constituição. O entendimento público da Constituição é um entendimento que se confirma no tempo. Hans Huber35 falou, em relação ao direito, de um “jogo e equilíbrio”, que lhe é característi-co, “de mudança e de persistência”, de concretização como “desenvolvimento constitucional, como aproveitamento máximo e enriquecimento, desenvolvi-mento jurídico de programas normativos inteiros no decorrer do tempo e na mudança da sociedade”. As constituições têm de provar a sua eficácia, não têm de simplesmente garantir!36. A Constituição dos Estados Unidos é com razão enaltecida assim: ela revelou-se suficientemente flexível37. A sua elevada idade é prova da sua “eterna juventude”, é uma prova da sua capacidade de reno-vação.

Constituições vivas, processos de crescimento, aperfeiçoamento de apli-cação que garanta os direitos fundamentais, “pós-entendimento, revisões da Constituição como imperativo político-constitucional: tudo isto são termos que apontam para o tempo. Recorde-se a imagem de Heller38 da Constituição como “forma característica” que se desenvolve viva, assim como de estruturas sociais em que o tempo não está “desapoderado”, mas apenas “congestionado”. O “aperfeiçoamento” da Constituição é assim visto como prova da sua força nor-malizadora.

Constituição é ordem jurídica fundamental de um processo público livre – law in public action –, tornando-se ela própria em processo como Constitui-ção democrática. Enquanto processo, ela aponta para o futuro. O direito cons-titucional democrático é direito do público por excelência. De carácter público é a lei sob a qual a Constituição surgiu e sob a qual se tem de aperfeiçoar. No carácter público e nos seus conceitos correlativos encontram-se os pressupostos e as vias do desenvolvimento da Constituição. A realidade da Constituição39 é a realidade do seu assim entendido direito – público40.

34 Sobre o assunto, Häberle, ZfP 16, 1969, p. 273 e ss.; VVDStRL 30, 1972 p. 43 (56, 166).35 H. Huber, in: Gedenkschrift für Max Imboden, 1972, p. 191 (206 e 192).36 Conforme, ainda, para a compreensão dos direitos fundamentais, o meu relatório em colaboração, VVDStRL

30, 1972, p. 43 (73).37 Cf. Fraenkel, Das Amerikanische Regierungssystem, 1960, p. 211: “Ela (a Constituição americana) encontra-

se, pelo contrário, desde a sua entrada em vigor, num permanente processo de transformação”.38 Staatslehre, 1934, p. 258 ou p. 47.39 Sobre o assunto, com carácter fundamental, Hesse, loc. cit., pág. 17 e segs.40 Para o conjunto, Häberle, in: ZfP 16, 1969, p. 273 e ss.; id., “Struktur und Funktion der Öffentlichkeit im

demokratischen Staat”, In: Politische Bildung, caderno 3, 1970, p. 3 e ss. A força normativa do público é, na democracia parlamentar, um enriquecimento e uma limitação legítimos da interpretação judicial.

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A vitalidade de uma Constituição, isto é, a sua arte para produzir con-tinuidade, depende, entre outras coisas, de se ela é de tal maneira organizada que os processos de vivificação entre as partes, por exemplo, entre as várias fun-ções do Estado, permanecem em equilíbrio. O dar e o receber entre as funções do bem comum em todos os planos da ordem jurídica41 é um processo desses. Originam-se espirais que, na realização constitucional, levam a Constituição, no seu todo, mais longe. Realização constitucional é realização no tempo. Tra-ta-se de encontrar uma regulação aproximada e uma regulação de precisão da ordem jurídica face aos “decursos de tempo”. Se “duração” de uma Constitui-ção é uma reverência para com ela, isso é porque ela consegue “conservar-se” no tempo, ao mesmo tempo que o acompanha42.

O reconhecimento do factor tempo coloca o jurista em posição para, por meio dos seus meios, integrar o tempo de uma maneira reflectida e diferenciada nos vários problemas jurídicos e nas várias funções do Estado. Isto é tanto mais importante quanto é certo que dispor de tempo significa um poder político emi-nente. Isto revela-se historicamente na máxima lex posterior derogat legi prior como expressão de uma nova soberania43. A luta pelo “bom e velho direito” foi uma luta contra o tempo e pelo tempo. A imposição de um “efeito prévio” das leis significa acréscimo de poder. Ganho de poder apresenta-se como ganho de tempo ou vice-versa. Pense-se na declaração de nulidade, por parte do Tribunal Constitucional Federal44, das leis anticonstitucionais, nas suas diferentes formas escalonadas no tempo e na mudança de função de um mandato constitucional como o do art. 6º, al. 5, da Lei Fundamental45.

Depois de tudo isto, o que é tempo? Do ponto de vista objectivo, tempo é a possibilidade de uma pessoa se poder transformar, embora não seja neces-sário haver uma transformação efectiva. (Transformação não é, portanto, per se, um conceito positivo). É necessário analisar as condições das possibilidades que levam a transformações. O que se pode transformar mas não se transforma tem de se afirmar como eficaz. A forte ênfase no factor tempo não pode levar ao mal-entendido de que o tempo se possa constituir em “movens”, em “sujeito” motriz da história, de que o tempo cause ele próprio alguma coisa. A história (de uma comunidade) tem muitos sujeitos; o tempo não é, no fundo, mais do que a dimensão na qual as transformações são possíveis e necessárias – causa-

41 Sobre a matéria, Häberle, Öffentliches Interesse als juristisches Problem, 1970, esp. p. 204 e ss.42 Uma imagem semelhante em G. Husserl, loc. cit., p. 26, para a norma jurídica. Acentuar assim a mutabilidade

da Constituição e com ela o tempo, acentuar assim o carácter de evolução tem, no entanto, um preço: ele consiste na confissão da grande indeterminação das normas constitucionais, na menor segurança jurídica e confiabilidade do direito constitucional. É certo que se tem de reflectir sobre a irrenunciável função de descongestionamento da jurisprudência no conjunto do sistema político; no entanto, não se desiste desta tendência: muita coisa surge em geral como ilusão sobre si mesmo. O mais forte sentimento de insegurança e o ónus que a compreensão do papel do factor tempo acarreta devem ser contidos por critérios e instrumentos controláveis, por procedimentos racionais, etc. A “discussão jurídica” não é ainda a “dissolução” do direito.

43 Cf. Ipsen, Aktuelle Fragen des europäischen Gemeinschaftsrechts, 1965, p. 1 e ss. (25 e ss.).44 Sobre o assunto, por último, Pestalozza, in: AöR 96, 1971, p. 27 e ss.45 BVerfGE 25, 167 e ss.; sobre o assunto, Simitis, in: JZ 1969, p. 277 e ss.

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das por factores reais e especificáveis (por exemplo económicos) e por forças, por exemplo por grupos de interesses, mas também por experiências “subjec-tivas” em uma e com uma determinada Constituição, assim como por expec-tativas ambientais e ideais. O tempo indicia um “conjunto” de forças e ideias sociais motrizes que o estruturam. Apesar disso, podemos falar “do tempo” para controlarmos teórico-constitucionalmente a categoria da transformação no pla-no geral. O conceito de tempo é um número que está em vez daquilo que se passa “no tempo”. A colectividade, as suas possibilidades e necessidades, mas também os antagonismos e interdependências de interesses trazem o factor qua-litativo para a categoria formal do tempo.

Apesar de todo o entendimento “temporal” de Constituição e do enten-dimento de tempo “imanente à Constituição”, o que vale é que a “experiência” tem de ser à partida coprocessada objectiva e metodicamente: por um lado, por via do conceito de “pós-entendimento; por outro lado, por via de “revisões constitucionais”. As Constituições surgiram essencialmente da experiência de que se abusa do poder para prejuízo dos cidadãos. As formas de abuso do poder alteram-se; a Constituição tem de reagir de novo em conformidade e “tomar o controlo”, por exemplo, sob a forma do “efeito para terceiros” dos direitos fun-damentais, por via da imposição de “direitos fundamentais sociais”, de formas de participação46.

Nas instituições constitucionais das democracias ocidentais acumula-ram-se “valores empíricos” como conhecimentos e valores de interesses, que não se deviam arriscar levianamente, por mais mutáveis, isto é, por mais abertos à interpretação que sejam e tenham de ser, por mais expostos que estejam ao processo de trial and error. Pense-se na separação de poderes e nas suas novas formas manifestativas não estaduais como “separação jornalística de poderes” (entre os meios de comunicação social); também o cânon metódico, por mais aberto que tenha de ser mantido, é um tal património empírico que não deixa de ser político. A Constituição desenvolve-se “entre” adaptação e resistência47.

2 declArAções MAterIAIs JurídIco-constItucIonAIs e Métodos de InterpretAção subordInAdos Ao teMpo ou vInculAntes no teMpo – A suA relAção recíprocA

Os métodos interpretativos determinam não só os conteúdos objectivos da Constituição, mas estão, por sua vez, dependentes desses princípios cons-titucionais em qualidade, categoria e na sua relação uns com os outros. Por exemplo, existe uma relação intrínseca entre “democracia pluralista”, “Estado de direito social” e “liberdade” com o método ou métodos a escolher: o méto-do interpretativo genético, antes relacionado com a monarquia constitucional,

46 Sobre o assunto, Schmitt Glaeser, in: VVDStRL 31 (1973, p. 175 e ss.).47 Cf. também Henkel, Einführung in die Rechtsphilosophie, 1964, p. 39: “Para a sadia constituição de uma

sociedade é importante que a tendência para a persistência e a tendência para a mudança do direito estejam uma para a outra numa relação adequada de forças e de efeitos”.

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passa hoje para segundo plano, mas como função genética tem uma função legítima. Na importância que o Tribunal Constitucional Federal e uma parte da doutrina atribuem ao método interpretativo objectivo em comparação com o subjectivo48, encontra-se uma concessão ao tempo. O mesmo se aplica à in-terpretação especificamente jurídico-constitucional orientada para os efeitos49. Mas tudo depende da honestidade dos interesses da interpretação. Ela é conse-quência da vinculação a interesses da argumentação jurídica.

A relevância do factor tempo para a interpretação constitucional tem de ser definida, mais conscientemente do que até agora, a partir das “decisões fundamentais jurídico-constitucionais”. Os princípios constitucionais (como Estado social, democracia pluralista, público), as directivas constitucionais ou definições de objectivos do Estado50 e o desenvolvimento das funções do Es-tado51 têm influência nos métodos interpretativos e na sua relação uns com os outros, sobretudo no campo de forças da importância normativa do público, em particular da opinião pública52 (condicionamento na escolha de métodos e na relação de métodos por meio dos conteúdos materiais da Constituição53). Na Lei Fundamental são de mencionar: a “república” como referência – que deve ser vista como aberta – a res e salus publica, direitos fundamentais, que, tal como o princípio do carácter público e o conceito de ciência, favorecem uma inter-pretação “aberta”, a liberdade de desenvolvimento, o Estado de direito social, a democracia (representativa)54, o pluralismo, por exemplo como “representa-ção social”55. O princípio – democrático – da maioria aparece igualmente na discussão da interpretação, encoberto na exigência de um recurso a conceitos de justiça do maior número de pessoas possível ou em “conceitos médios”56. O Supremo Tribunal do Reich recorre a um substituto do público em geral na fórmula do “tacto de todos os que pensam de maneira justa e equitativa”57, que Ehmke converteu para o direito constitucional como “consenso de todos os que

48 Sobre o assunto (criticamente), por exemplo, Ehmke in: VVDStRL 20, 1963, p. 53 (57 e ss.); Hesse, Grundzüge, p. 22 e ss.

49 Zippelius, loc. cit., p. 65, pretende também que as “consequências” de uma decisão sejam ponderadas. Cf. especialmente Bachof, in: Summum jus summa injuria, 1963, p. 41 e ss. (45 e ss., 47 e ss.); outras referências na nota 91.

50 Sobre eles, Scheuner, in: Festschrift für Fortshoff, 1972, p. 325 e ss.51 Sobre elas agora: Bull, Die Staatsaufgaben nach dem Grundgesetz, 1973. Determinadas funções do Estado

têm, por força da Constituição, de ser prosseguidas dentro de determinado prazo (cf. o ac. do Tribunal Constitucional Federal sobre a duração da prisão preventiva, in: NJW 1974, p. 307 e ss.).

52 Sobre o assunto, o meu artigo in: Würtemberger (ed.), Rechtsphilosophie und Rechtspraxis, 1971, p. 36 e ss. (39 e ss.); AöR 95, 1970, p. 260 (287 e ss.); Öff. Interesse, p. 417 e ss.

53 Aludido em Zippelius, loc. cit., p. 28: Saber que interpretação se escolhe depende do tipo de filosofia de Estado que se tiver; p. 26: A interpretação subjectiva em ditaduras é diferente do que na democracia representativa. Cf., também, A. Kaufmann, loc. cit., p. 97 e ss., apoiando-se em Engisch. No princípio de Estado social “evolucionário” reside uma ambivalência em relação ao tempo: por um lado, conserva “conquistas sociais”, por outro, contém um elemento que exige avanço para o futuro.

54 Cf. Zippelius, op. cit., p. 26 e ss.55 No sentido do BVerfG, JZ 1972, p. 206. Ver também Häberle, Öff. Interesse, p. 501 e ss.56 Referências in Häberle, Öff. Interesse, p. 425 e ss.57 Eles também podem ser uma pura minoria!

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pensam de maneira sensata e justa”58. Se a interpretação remete para a unidade da Constituição59, também pode desse modo remeter para o tempo, desde que o entendimento constitucional resulte correspondentemente aberto60.

A democracia61 é um princípio constitucional que especificamente legi-tima a abertura ao futuro. Entendida como princípio da evolução, ela espera do jogo político entre a maioria (variável) e a(s) minoria(s) uma conformação do futuro, não conhecida de outras formas de governo, por meio de alternativas: por meio de garantias públicas e de um sistema diferenciado de procedimentos. Novas eleições regulares62, poder limitado, isto é, confiança limitada a prazo, etc., são uma tentativa de fazer “jus” ao tempo. Nenhuma outra forma de gover-no se estrutura a si própria tanto em vista do tempo e no tempo como a demo-cracia parlamentar. E para se manter viável, tem hoje de inventar novas formas da melhor congruência temporal possível: desde audições públicas até novas formas de dissolução do parlamento63.

Os cargos políticos (pense-se no conceito de período eleitoral e de pe-ríodo de mandato) são cargos fundamentalmente limitados no tempo, porque, desse modo, o poder se torna controlável e não se consolida em pessoas. Poder e competência “a prazo” são um elemento estrutural da democracia liberal, porque dispor de tempo é necessário, pois significa poder e tem de ser limita-do64. O controlo do poder faz-se, pois, por via do tempo.

O modo como os princípios constitucionais, procedimentos e métodos se encontram estreitamente relacionados é evidenciado pelo exemplo seguinte: o carácter procedimental da interpretação é trazido à colação na expressão “pro-cedimento interpretativo” e manifestamente no facto de só no procedimento

58 VVDStRL 20, 1963, p. 53 (71, 131).59 Hesse, Grundzüge, p. 28, I2.60 É claro que toda a ideologia unitária deve ser questionada.61 Sobre o princípio democrático na Lei Fundamental: Simson/Kriele, in: VVDStRL 29, 1971, p. 4 e ss.; Badura,

p. 96: democracia como um “princípio da crítica e um princípio de continuação da pressão”.62 Sobre o “Sistema Eleitoral e Constituição”, cf., agora, o livro com o mesmo nome de H. Meyer, 1973.63 Sobre o assunto, ver a discussão no relatório preleminar da Comissão de Inquérito do Parlamento Federal

Alemão, 1973, p. 141 e ss.64 Cf., também, Leisner, in: Der Staat 7, 1968, p. 137 (160), em relação ao sistema da duração dos mandatos:

“O tempo torna-se aqui na categoria dogmática da limitação do poder”. Mas, conforme também Luhmann, in: Der Staat 12, 1973, p. 1 e ss. (12 e ss.): O ritmo eleitoral temporalmente fixado impede que se ataquem tarefas de longo prazo, porque os políticos se têm de esforçar pela reeleição. Os institutos como o direito de estado de necessidade devem a sua existência a problemas temporais específicos. Celeridade e eficiência da acção do Estado (cf. o meu artigo “Effizienz und Verfassung”, AöR 98, 1973, p. 625 e ss.) são, neste aspecto, uma imposição. Na Lei Fundamental, o poder é correspondentemente repartido a prazo. Oportunidade torna- -se, hoje, muitas vezes, o pressuposto de justeza (J. H. Kaiser in: NJW 1971, p. 58 [588]. A limitação da duração do mandato dos juízes do Tribunal Constitucional Federal alemão (§ 4, BVerfGG) é, face às peculiaridades da interpretação pública da Constituição no Estado pluripartidário, o envolvimento lógico do factor temporal, que aqui limita o poder do juiz do Tribunal Constitucional, ao acoplá-lo de novo ao processo democrático (eleição do juiz!). Na medida em que este processo é hoje caracterizado pela participação que complementa a democracia representativa, o poder é limitado variavelmente no tempo de maneira nova, mas é também legitimado. A elevada relevância do factor tempo é hoje condicionada pela evolução da sociedade da era (pós)industrial.

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serem apresentadas circunstâncias (factos) relevantes e efectivas para o “de-senvolvimento” da norma jurídica; esse carácter procedimental mostra-se em Esser, na medida em que, para a justeza social, considera o consenso como o único indício verificável. Este consenso pressupõe como premissa a capacidade de diálogo65. Também a “concordância prática” de Hesse66 é um procedimen-to. Em concreto, o art. 103º, al. 1, da Lei Fundamental deve ser interpretado, com A. Arndt, como obrigação judicial de “diálogo jurídico” – aberto67. Uma vez que as questões jurídicas são abertas enquanto questões de interpretação, isto é, ao mesmo tempo como questões (de tratamento) de factos68, e porque a escolha do método e o pré-entendimento ou o pós-entendimento têm de ser racionalizados e estruturados, o diálogo jurídico (intermediado em especial por advogados) tem de ser institucionalizado. O diálogo jurídico torna-se em diálo-go no tempo. Sem este art. 103º, al. 1, da Lei Fundamental [N.T.: O art. 103º, 1, da Lei Fundamental reza assim: “Todo o ser humano tem o direito de ser ouvido perante o tribunal”], entendido de maneira ampla, não há interpretação que se preste a consenso e metodologicamente “esclarecida”. O art. 103º, al. 1, da Lei Fundamental é neste aspecto uma segurança, uma garantia de interpretação racional. A interpretação da Constituição69 está dependente das configurações diferenciadas do art. 103º, al. 1, da Lei Fundamental no direito processual cons-titucional70. O art. 103º, al. 1, da Lei Fundamental ou, antes, a sua interpretação, e o entendimento metodológico influenciam-se reciprocamente. Este entendi-mento, motivado pelo método, do art. 103º, al. 1, da Lei Fundamental pode, em última análise, ser fundamentado a partir da ampla garantia de protecção jurídica prevista no art. 19º, al. 4, da Lei Fundamental71. O art. 103º, al. 1, da Lei Fundamental surge como direito fundamental da informação (jurídica) e da comunicação, tal como se pode interpretar o direito processual em geral como direito da comunicação. Este artigo possibilita a escolha “razoável” de métodos. Ele é um exemplo da relevância metodológica de um direito fundamental.

Também em outras garantias processuais de protecção jurídico-funda-mental se encontram correspondentes desafios ou então oportunidades de co-municação, que se tornam relevantes para a escolha do método do intérprete. O art. 104º da Lei Fundamental [N.T.: Nos termos do art. 104º, nº 1, da Lei Funda-

65 Vorverständnis und Methodenwahl, 2. ed., 1972, p. 28.66 Grundzüge, p. 27 e ss.; “O processo da interpretação concretizadora”.67 NJW ,1967, p. 1585 (1586).68 O direito desenvolve-se verdadeiramente “na” situação de facto.69 O carácter público do voto especial (§ 30, al. 2, BVerfGG) deixa o caminho aberto para uma discussão quase

infinita por meio e sobre o aspecto público da Constituição. Este carácter público é a forma processual-constitucional de uma cláusula de reforma ou cláusula experimental. Ele oferece o começo para uma interpretação modificada da Constituição (sobre novas cristalizações do carácter público). A institucionalização do voto especial é um reconhecimento jurídico-positivo da interpretação “aberta” da Constituição. Ela implica que o Tribunal Constitucional Federal não está vinculado à sua própria jurisprudência (sobre esta matéria: BVerfGE 4, 31 [38]).

70 Cf. p. ex. §§ 77 e 94, BVerfGG.71 Sobre ela, agora: Lorenz, Der Rechtsschutz des Bürgers und die Rechtsweggarantie, 1973.

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mental, “A liberdade da pessoa só pode ser limitada com base numa lei formal e com observância das formas nela prescritas. As pessoas detidas não podem ser moral ou fisicamente violentadas”] deve ser a este respeito referido em primeiro lugar. Tais direitos fundamentais especificamente referidos ao procedimento e “metodologicamente pluralistas” deixam aberto o procedimento da aplicação do direito e, desse modo, também a Constituição: elas impedem o compro-metimento antecipado com um determinado método e com uma determinada decisão72. Estas considerações têm de ter consequências no aperfeiçoamento – que deve ser permanente – do direito processual. Não é só condição marginal formalizada da interpretação, mas também condiciona materialmente de forma decisiva as questões de método73. O direito processual deve ser moldado de tal forma que sejam eliminadas as circunstâncias muito invocadas de “comunica-ção distorcida” (Habermas).

Não é por acaso que o recurso clássico do cidadão contra o Estado, o recurso constitucional, não está sujeito ao patrocínio obrigatório por advogado. O carácter público da Constituição produz, neste aspecto, efeito imediato. A orientação ao público da linguagem da Constituição tem de ser de tal ordem que o cidadão conheça os seus direitos e que ele próprio os possa defender pe-rante o tribunal constitucional. Neste aspecto, as reflexões filosófico-linguísticas podem ser trazidas para as reflexões teórico-constitucionais74. Na área do di-reito constitucional, a linguagem técnica jurídica tem de ser de tal modo com-preensível para todos que diga alguma coisa ao cidadão. A Constituição tem de se abrir à linguagem comum. A linguagem da Constituição tem de se tornar na linguagem de todos os cidadãos. Idealmente, a linguagem da Constituição coincide com a linguagem comum e cria orientação ao público e transparência: o direito constitucional, especialmente os direitos fundamentais, dizem respeito a cada um.

3 os várIos Métodos InterpretAtIvos coMo veículos, coM efeItos dIversos, do fActor teMpo no processo – republIcAno – de InterpretAção

Tese: Todos os processos interpretativos têm o mesmo ponto de referên-cia: o carácter público – operante no tempo – e a realidade da Constituição: “interpretação republicana”. O caráter público e a realidade da Constituição só se podem apreender por meio de interpretação aberta.

72 Este entendimento “processual” da problemática metodológica e dos princípios constitucionais é expressão do seu entendimento adequado ao tempo. É que os problemas do tempo podem-se tratar sobretudo por meio de procedimentos, que, no entanto, por seu lado, encontram-se materialmente relacionados. A Lei Fundamental, no seu conjunto, deve ser investigada com vista a informações neste sentido relevantes na perspectiva metodológica e procedimental.

73 Häberle in: JZ 1973, p. 451 (452 e ss.).74 Também, a teoria constitucional se tem de sujeitar à crítica da teoria linguística. As suas diferenciações

crescentes podem dar-se à custa do carácter público da Constituição. A exigência de um “retorno” sempre novo ao texto primitivo serve para a libertação de incrustações dogmáticas, sem que, no entanto, tal recurso possa tornar-se em autoilusão.

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Os diferentes métodos têm à disposição diferente “material”: o método histórico, um pedaço de carácter público e de realidade do momento da criação normativa; o método objectivo, o carácter público e a realidade hic et nunc. A interpretação orientada para o público em geral, a orientada para o bem comum e a orientada para as consequências procuram os seus conteúdos com vista ao futuro antecipado. Vistos assim, todos os métodos interpretativos têm relação com o público e com a realidade da Constituição, distinguindo-se apenas pe-las diferentes perspectivas temporais. Esta maneira de ver não é uma defesa a favor de um nivelamento dos métodos interpretativos como meios importantes da autodisciplinação judicial75; pelo contrário: o carácter público e a realidade em transformação têm de ser explorados diferenciadamente – do ponto de vis-ta temporal76; a “organização” dos métodos interpretativos verifica-se sob este ponto de referência material uniforme77.

O objectivo de toda a interpretação é um entendimento da Constituição aberto (ao futuro) e, com esse entendimento, uma conciliação de interesses “razoável” e justa. Esse entendimento tem a sua expressão na interpretação correspondentemente “aberta” de princípios jurídico-constitucionais. A tarefa é reunir a controvérsia metodológica jurídica e a das ciências sociais no objecto “Constituição”, que, como Constituição da liberdade, deixa aberto o futuro e que permite que o possível e necessário (no normativo) se torne realidade. A Constituição como quadro geral da res publica torna-se plataforma para a orien-tação para o futuro de todas as ciências e do seu potencial de inovação.

Face à orientação para o futuro, os valores empíricos do passado, assim como o presente e o que nele é “factível”, não podem, porém, ser perdidos de vista. No entanto, o “concebível” não pode ser reduzido ao “factível”, caso con-trário seria ainda menos factível e, desse modo, também ainda menos concebí-vel. O factível não é a medida de todas as coisas. Existem relações semelhantes entre o necessário e o possível, entre o normativo e o real.

Os vários métodos interpretativos dão, conforme o modo como são “or-ganizados”, contributos diferentes para o tratamento do tempo78, por exemplo

75 A “vinculação à lei” só pode manter-se graças à liberdade perante a lei, proporcionada pela interpretação “adequada ao tempo”. (São, como se sabe, pessoas que interpretam). A interpretação vive da possibilidade e da exequibilidade de alternativas face aos resultados da interpretação até agora obtidos.

76 Exemplos no meu estudo Öffentliches Interesse, p. 285 e ss., 417 e ss., 558 e ss. e 571 e ss.77 Sobre a “arquitectura” desta realidade pública e sobre o emprego multifacetado do “interesse público”, cf. o

meu estudo com o mesmo nome. Além disso, agora e em pormenor, Stolleis, in: VerwArch 65, 1974, p. 1 e ss.

78 Seja porque o direito é desenvolvido, seja porque é preservado. O direito tem, como se sabe, de se afirmar publicamente. Chega-se aos “processos de crescimento” jurídico-constitucionais por meio da interpretação, mas também por meio da revisão (formal) da Constituição; esta revisão não está de modo nenhum para além da interpretação; se é necessária, isso resulta da interpretação. Quando H. Huber, na publicação comemorativa em honra de Imboden, exprime a ideia de que a concretização dos direitos fundamentais torna supérfluas alterações da parte dos direitos fundamentais da Constituição por grandes períodos de tempo, então mostra-se o quanto a “alteração da Constituição, vista ex post, é relativizada, para não dizer que é substituível. Revisão da Constituição e “mudança da Constituição” distinguem-se mais ex ante do que ex post, e mais na estrutura formal do que no resultado prático.

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como aceleração ou retardamento por meio de combinação alternante. Trata--se, por isso, de transmitir “experiência” metodicamente (e desse modo tam-bém objectivamente), de avaliar correctamente o presente e de manter aberta a interpretação. Aí reside um problema, que se coloca de maneira diferente conforme o tempo. O “processo de crescimento” público da Constituição é acompanhado de um processo de aperfeiçoamento das regras interpretativas, para não dizer que é suscitado por ele. As regras clássicas de interpretação não são “rejeitadas”, assemelham-se antes a “anéis” no tronco da Constituição viva. A interpretação aberta deve ser vista como gradual consoante o objecto da interpretação. A determinação do conteúdo dos diferentes conceitos jurídico--constitucionais é diversa. Isto aplica-se sobretudo às liberdades concretas. A liberdade da ciência e da arte é mais aberta79 do que as previstas no art. 6º, al. 1, da Lei Fundamental.

No primeiro plano da vinculação do direito constitucional ao tempo estão a interpretação orientada ao público, à realidade, ao bem comum e às consequências – como modos diferentes de aproximação ao factor tempo: “ca-minhos temporais”, “público”, “realidade” e “bem comum” chamam sobretudo a atenção para o quadro geral da Constituição da res publica80, para a sua nor-matividade e normalidade.

A interpretação aberta integra os métodos interpretativos usados até ago-ra. Ela obriga a uma abertura do cânone metodológico. A continuidade histórica da Constituição está dependente da sua interpretação aberta. Para a orientação ao público e para a realidade da Constituição, os métodos interpretativos têm sempre de lançar novas pontes. Verificam-se “desenvolvimentos de interpreta-ção”. Interpretação é sempre interpretação no tempo81. O princípio da Consti-tuição formal e da sua orientação ao público, fundado no art. 79º, al. 1, frase 1, da Lei Fundamental [N.T.: Este preceito diz: “A Lei Fundamental só pode ser alterada por uma lei que altere ou complemente expressamente o texto literal da Lei Fundamental.”] só se pode manter por meio da interpretação aberta da Constituição. A “Constituição” aqui entendida em sentido amplo tem de poder “modificar-se” por meio da interpretação82, em maior escala como leis que se podem “simplesmente” alterar. No entanto, a problemática jurídico-funcional permite ao legislador mais liberdade do que ao juiz.

A recondução da interpretação ao processo democrático ocorre em todas as formas da força normativa do público; recorde-se o princípio: “the Supreme

79 As normas não são arbitrariamente abertas; excluem precisamente per se também determinadas possibilidades de desenvolvimento (efeito de selecção).

80 Sobre o assunto, cf., com referências, o meu Öffentliches Interesse, 1970. A interpretação da Constituição é praticada de maneiras diversas, consoante o modo como a relação de passado, presente e futuro é pré- -entendida, consoante se, e como, o direito é visto na evolução, como law in public action.

81 A interpretação é também um pedaço de crítica pública.82 Esta abertura da Constituição à modificação é consequência do entendimento amplo de Constituição aqui

tomado por base. Exprime-se também no reconhecimento do chamado “direito consuetudinário constitucional”, que é, no entanto, a maior parte das vezes um problema de interpretação em relação ao direito escrito.

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38 ...........................................................................................DPU Nº 56 – Mar-Abr/2014 – ASSUNTO ESPECIAL – TEXTOS CLÁSSICOS

Court follows the elections”83. Isso relativiza o primado da interpretação (cons-titucional) e proporciona legitimação democrática que não pode ser posta em dúvida indirectamente por via da interpretação. Precisamente o legislador de-mocrático é uma parte essencial do público. A interpretação aberta da Consti-tuição e do conceito de liberdade e de ciência dela constitutivo é consequência do pluralismo em geral e dos conceitos de ciência em particular. O entendi-mento de “interpretação” tem de se fundar na discussão teórico-científica. A interpretação própria da história das ideias revela-se como um estádio de passa-gem necessário para a interpretação “aberta”. Esta faz-se não no espaço vácuo e intemporal, mas necessita de elementos da história das ideias, da história dos problemas e da história social, necessita das técnicas de vários meios interpre-tativos. A interpretação aberta tem conteúdos e limites, tem “materiais”; de-les fazem parte aspectos dos métodos interpretativos tradicionais, assim como perspectivas das ciências sociais. No modo como eles são ponderados entre si reside uma prova essencial para a interpretação da Constituição84. Já se chamou a atenção para a relação recíproca entre os factos da Constituição e os seus métodos interpretativos. A “interpretação dos métodos interpretativos” está pre-judicada pelos princípios constitucionais materiais e formais.

Se a teoria interpretativa se envolve muito mais fortemente no tempo, a mudança não se revela como um fenómeno que vem propriamente “de fora”, mas como consequência da “norma no tempo”: como “interpretação”. “Inter-pretar” uma norma jurídica significa situá-la no tempo85, isto é, na realidade pú-blica – graças à sua eficácia . A indeterminação de normas constitucionais abre--a ao tempo e ao seu público. O processo interpretativo só no tempo é possível e razoável. Não há interpretação “intemporal”. Só por via dos processos de in-terpretação é que as normas jurídicas chegam à sua realidade pública, eles são as suas correias de transmissão86. Por isso, devia-se falar da “realidade da norma

83 Sobre o assunto, Dolzer, Die staatstheoretische und staatsrechtliche Stellung des Bundesverfassungsgerichts, 1972, p. III e ss., 74 e ss.

84 O que o tempo “traz” para o entendimento da Constituição torna-se objecto dos próprios métodos, “reflecte-se” na escolha dos métodos. O discurso a favor da interpretação aberta não é um voto a favor de uma “interpretação ilimitada”, que Rüthers (Die unbegrenzte Auslegung, 2. ed., 1973) descreveu. A interpretação aberta está excluída, face ao entendimento de Constituição aqui traçado. É impedida por meio do controlo mútuo dos métodos, assim como por meio dos conteúdos materiais da Constituição, mas também por intermédio da “função de descongestionamento” exigida à dogmática, e, finalmente, através da separação de funções entre legislação e jurisprudência. O carácter público está objectivamente fundamentado, ele produz comunicação e pressupõe oportunidades de comunicação. A criação de consenso é também uma função da interpretação. As “Grenzen der Verfassungswandlung”, de Hesse (publicação em homenagem a Scheuner, 1973, p. 123 e ss. esp. 134), são, vistas assim, limites da interpretação da Constituição.

85 Cf. Gadamer, Wahrheit und Methode, 2. ed., 1965, p. 310: ele (isto é, o intérprete) tem de admitir antes a mudança ocorrida das circunstâncias e tem por isso de definir de novo (!), a função normativa da lei; p. 311: ele procura corresponder à “ideia de direito” da lei ao transmiti-la com o presente. G. Husserl, loc. cit., p. 26, fala da continuação mental da lei, do estabelecimento de uma “relação viva com a actualidade”; ver também p. 60.

86 Tornam-se correspondentemente importantes os procedimentos do tratamento da realidade, em especial o direito processual constitucional. A grande exigência à interpretação constitucional só poderá ser satisfeita por meio de um desenvolvimento correspondentemente amplo e diferenciado do direito processual constitucional.

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jurídica”. Deste modo, desenha-se um conceito de normatividade modificado. Ele está de antemão orientado para o futuro aberto, para as suas possibilidades.

Para questões de método, trata-se de harmonizar tempo e Constituição (e, assim, o direito). Os métodos são instrumentos na e para a conciliação de interesses sujeita ao tempo. Interpretar significa proporcionar ao direito cons-titucional um nível de realização no tempo, dominar situações de conflito e estabelecer consenso87.

Em concreto, resulta para o valor posicional dos métodos de interpre-tação:

a) a interpretação da Constituição orientada para a realidade88 é, in-terpretada na problemática temporal, uma tentativa para fazer “jus” à realidade presente. Mas não se trata da realidade externamente acrescentada mentalmente à norma, não se trata da norma “des-temporalizada” e da realidade dependente do tempo, mas da norma “dentro do tempo”, ou seja, da “realidade da norma”.

b) a interpretação constitucional orientada para o público tem um as-pecto temporal correspondente. Ela está assegurada por meio da activação dos princípios da orientação ao público da Constituição entendidos formal e materialmente, especialmente do princípio do Estado de direito, do princípio democrático e do Estado social89. O carácter público entendido objectivamente é também codeter-minante para a relação dos métodos entre si. Esta relação está, por sua vez, sujeita ao tempo e não se pode, de uma vez por todas, definir de uma ou outra maneira90. A interpretação orientada para o bem comum conjuga elementos da interpretação orientada para a realidade, da interpretação91 orientada para o público e da orienta-da para as consequências92: especialmente quando se fazem entrar

87 O racionalismo crítico aguça a consciência para a tarefa contínua de institucionalizar a possibilidade de alternativas, ao deixar abertos os resultados da susceptibilidade de revisão por outros, melhores. Isto sucede também por meio da escolha flexível de métodos. O intérprete tem de responder ao seu tempo, às suas condições modificadas, às suas avaliações, interesses, informações e conhecimentos, e fazer isto na forma em que o período anterior “se pôs de acordo” na forma da norma jurídica. Ela tem uma espécie de função catalizadora, além disso, ganhos e perdas de atritos. A interpretação é – pensada na dimensão do tempo – menos interpretação de alguma coisa previamente fixada do que ela própria um dar. O texto normativo aparece “em relação com o tempo” muitas vezes mais do que “ocasião”, como ensejo de e para a interpretação. A imagem da “fonte” que está na base do conceito de “teoria das fontes do direito” é por isso problemática.

88 Acerca do recurso às circunstâncias da “realidade”: Hesse, Grundzüge, p. 19, com uma referência à “mudança permanente, mais ou menos considerável, da Constituição” daí resultante. Ver também a minha resenha in DÖV, 1966, p. 660 e ss.

89 Sobre o assunto, Häberle in: ZfP 16, 1969, p. 273 e ss.; id.: Öffentliches Interesse, esp. p. 708 e ss.90 Sobre o assunto, A. Kaufmann (ed.), Rechtstheorie, p. 81 (97 e ss.).91 Sobre o assunto, Häberle, in: AöR 95, 1970, p. 85 e ss., 260 e ss. e Öffentliches Interesse, passim; H.

H. Klein, Bundesverfassungsgericht und Staatsräson, 1968 (além disso, o meu comentário in: DÖV 1969, p. 150 e ss.; Knöpfle, in: DVBl, 1969, p. 442 e ss.); Wittig, in: Der Staat 8, 1969, p. 137 e ss. (148).

92 A “função criadora” do intérprete é uma perífrase da sua função de tratar o tempo, de também tomar decisões políticas. Especialmente a interpretação orientada para os efeitos trabalha com vista ao tempo: ela está de

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mais fortemente no processo interpretativo os interesses “susceptí-veis de, ou necessitados de, generalização”.

c) o método interpretativo histórico vê o entendimento constitucional “republicano” proporcionar-lhe uma legitimação nova e limitada. Apesar de toda a orientação para o futuro da Constituição e da sua dogmática, não se devia ignorar que uma função cultural das ins-tituições constitucionais reside na transmissão de experiências93. A teoria da Constituição é nesta medida um pedaço de empirismo antropológico.

Deste modo, o conceito de “transformação” adquire uma posição-chave. Ele é hoje muito utilizado: em relação ao pensamento liberal, à democracia, à orientação ao público e aos direitos fundamentais. A “transposição” de ideias constitucionais para o futuro é mais frequente que a sua aprovação. Pense-se na evolução do Estado de direito civil para o social, dos direitos fundamentais para “direitos fundamentais sociais”, do conceito de lei, de separação de poderes em sentido estrito para o sentido lato (não estadual), do princípio da orientação ao público.

Uma Constituição concreta como a Lei Fundamental tem “a sua” história constitucional94 (por exemplo, pela interpretação constitucional modificada e pelas revisões constitucionais). A actual interpretação da Constituição pode, por isso, tornar-se inesperadamente uma interpretação histórica. A resolução teórico-constitucional de um problema (no quadro de uma determinada Cons-tituição) nunca pode ser “definitiva”: a prática da Constituição como “law in (public) action”95 exclui esta possibilidade. A Constituição ou a história dos dogmas que a “suporta” nunca é “apenas” história: a Constituição situa-se de-masiado no continuum da sua evolução e da evolução geral, dos processos de trial and error. A – se se quiser – dialéctica entre Constituição actual e vivida e Constituição “ultrapassada”, entre presente e passado, tem de envolver a dog-mática constitucional no modo de tratamento dos problemas. Isto significa a legitimação de um método interpretativo histórico entendido como “radical”. Com esta indicação, a “história” pode converter-se em presente. A interpretação genética tem de ser transformada em interpretação ontogénica: um momento no tempo passa a ser um processo no tempo. Isto também porque o legislador (constitucional) sofre de um défice de informação. Ele não está muitas vezes preparado para novos desenvolvimentos.

diversas maneiras relacionada com os outros métodos de interpretação, por exemplo, com o que se orienta para o público em geral (acerca dos seus limites: o meu artigo in: Würtenberger, loc. cit. p. 59 e ss.). Consideram-se as reacções possíveis do e no público a uma determinada interpretação. Orientação para os efeitos é especialmente orientação para o futuro.

93 Neste aspecto, o futuro do Estado constitucional reside em parte no seu passado.94 Por via das instituições constitucionais, chega-se a um intercâmbio inter-subjectivo de experiências entre as

gerações. Manter neste aspecto “provisórias” a(s normas da) Constituição é necessidade e virtude de uma teoria constitucional que se submete à prova do “racionalismo crítico”.

95 Sobre o assunto e apoiando-se em Esser, cf. o meu artigo in: AöR 95, 1970, p. 86, 260 e ss. (291).

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Com este entendimento de interpretação “subjectiva”, esta aproxima-se muito mais do que muitas vezes se admite da chamada interpretação objecti-va96. Projectada no eixo do tempo, a interpretação genética torna-se interpre-tação ontogénica, sendo assim progressivamente objectivada. É que também a chamada interpretação objectiva carece de ligação ao passado. Considerada ex post, a interpretação objectiva tem, em um determinado momento, um efeito subjectivo, na medida em que os intérpretes tiverem entrado com as “suas” ideias histórico-contemporâneas na interpretação. As gerações seguintes esfor-çam-se novamente por alcançar objectivação, que mais tarde se revela, por sua vez, como subjectiva etc. Por outras palavras: o dualismo interpretação sub-jectiva/objectiva é apenas limitadamente probatório. Relativiza-se no tempo97.

É certo que a “reconstrução” do processo de criação de normas é uma tarefa importante no futuro processo de interpretação98, mas este não se reduz a isso. A interpretação histórica adquire uma nova perspectiva, ao efectuar-se uma “transformação” mental das condições genéticas para o presente e para o futuro. Assim, por exemplo a alteração ou a supressão das circunstâncias genéticas pode ser hic et nunc um argumento a favor de uma interpretação mo-dificada face ao momento de criação da norma. A história proporciona neste caso mutabilidade. A interpretação “a partir da história” torna-se em veículo, em consequência, não – como se admite a maior parte das vezes – em obstá-culo a uma interpretação modificada a partir do presente para o futuro. A rela-tivização aparente do resultado da interpretação histórica torna-se um reforço dos factores históricos no presente e no futuro – mesmo que o actual resultado interpretativo esteja transformado: nesta medida, a interpretação histórica tem de transformar, “transpor” e não veicular por transmissão99. Deste modo, torna--se visível o horizonte do futuro, ou seja, a categoria do “pós-entendimento”100.

96 Com uma posição crítica em relação a uma alternativa da interpretação subjectiva e objectiva: A. Kaufmann, loc. cit., p. 98 e ss. Importante é já a libre recherche scientifique, de Gény; além disso: Gesetz und Verordnung in Frankreich seit 1789, 1967, p. 56 e ss.

97 Isto aplica-se já no presente. As interpretações “objectivas” dos vários intérpretes são até já rejeitadas como “subjectivas” por intérpretes concorrentes contemporâneos. Torna-se importante a questão de saber como é que a “interpretação” trata a tradição, sobretudo em relação com a “razão”. Na medida em que o pré- -entendimento, e nele a tradição, controla a interpretação, a tradição deve ser aferida pela razão e não a razão pela tradição. É certo que a razão não vive para além ou para aquém das tradições, mas seguramente que não vive simplesmente da tradição. Em uma determinada altura, pode ser precisamente tarefa do juiz criar consenso contra a tradição. Um exemplo negativo de uma interpretação puramente histórica erigida em “valor em si” directamente da Constituição é trazido pelo acórdão do Tribunal Constitucional Federal de 23 de outubro de 1973 (NJW, 1974, p. 311), no qual a limitação da “universalidade” das eleições (domiciliação na circunscrição eleitoral), verificada no § 12, al. 1, nº 2 do BWG, é entendida como “limitação tradicional” e “em conformidade” declarada constitucional. Mas as argumentações do tipo “desde sempre” devem ser objectivamente sempre controladas de novo com base na Constituição pública.

98 Também na democracia, porque determinadas ponderações de interesses foram feitas pelo parlamento assim e não de outra maneira.

99 Quando Esser (Festschrift für F. von Hippel, 1967, p. 95 e ss. (117)) fala de “trabalho de renovação” da lei, isso também é ainda demasiado pensado a partir do que primeiro existe. Trata-se menos de “renovação” do que de “continuação da pintura”. (Ver agora as reservas de Esser em relação aos conceitos de “concretização”, pré-entendimento e escolha dos métodos, p. 75 e ss.)

100 Acerca da orientação para o futuro por parte da dogmática, Häberle, in: VVDStRL 30, 1972, p. 43 (69 e ss.); Brohm, ibid., p. 245 (251). Cf., também, Luhmann, Rechtssoziologie, v. 2, 1972, p. 343: “O que vai

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4 o pós-entendIMento coMo pré-entendIMento do futuro

Uma tentativa de “fixar” o tempo no processo interpretativo é feita com o conceito de “pós-entendimento”: é o pré-entendimento do futuro, por ou-tras palavras, é a síntese de todos os factores sujeitos ao tempo, com base nos quais uma norma é “ulteriormente” entendida. O que o tempo e a evolução, em particular o que a experiência, a mudança da ideia de si mesmo, os pro-cessos de socialização e a força normativa da orientação ao público “fornecem mais tarde” ao intérprete da norma faz parte do pós-entendimento101. O pós--entendimento não é, para a norma – interpretada –, menos constitutivo do que o pré-entendimento. A norma jurídica actua sobre o pós-entendimento como “direito nascente” (tornado realidade). Este pós-entendimento tem de ser ra-cionalmente identificado no processo interpretativo público. A “nova” escolha metódica encontra-se também condicionada pelo pós-entendimento. O “velho” pré-entendimento é um elemento na formação do “novo” pré-entendimento, mas não mais que isso.

O pré-entendimento evoluiu; continua pelo futuro dentro a transformar-se em pós-entendimento102, sobretudo graças a consequências agora conhecidas. Tem de se analisar mais finamente do que até agora os processos da evolução, das transições, mas também as rupturas entre pré e pós-entendimento. “Pré--entendimento e escolha de métodos” fornecem hoje o respectivo conteúdo da norma, com o decorrer do tempo transformam-se, mais precisamente: condu-zem ao pós-entendimento; este é por seu lado identificado como historicamente condicionado; evolui mesmo – influenciado pelos métodos interpretativos, que não ficam simplesmente parados em um tempo anterior103. Este processo passa em parte pelos métodos interpretativos, pelos processos de socialização e pelos seus resultados e conduz assim ao pós-entendimento, isto é, ao entendimento da norma no seu ulterior processo evolutivo. É que não há normas jurídicas, ape-nas há normas jurídicas interpretadas. Além disso, saber se uma interpretação se mantém ou se se deve manter igual a si mesma no tempo, esse é o problema e o resultado da interpretação!104. Graças à inclusão do pós-entendimento, o

acontecer no futuro torna-se a preocupação central do direito”; p. 347: “Ele (i.é, o presente) tem de produzir normas que continuem a ser indeterminadas ou, se determinadas, têm de ser entendidas futuramente como susceptíveis de outra interpretação”.

101 Extractos da jurisprudência sobre o “interesse público” em Häberle, Öffentliches Interesse, p. 286, 313 e ss., 418 e ss., 571 e ss., por exemplo sob o lema “força normativa do público”.

102 Cf. sobre o assunto, e na perspectiva de uma sociologia da decisão: Lautmann in: Jahrbuch für Rechtstheorie und Rechtssoziologie, v. I, 1970, p. 381 e ss., que fala de uma “fase dos sentimentos a posteriori” e de um “processo de post-decision” (p. 413).

103 O pré-entendimento não é de modo nenhum exclusivamente o factor determinante para a escolha dos métodos. Os métodos repercutem-se sobre o pré-entendimento: eles exercitam-no e o formam ao longo do tempo, tanto por meio dos resultados que cada um produz, como também por meio da sua combinação. A lei “acontece” não só na interpretação (Ecker, in: JZ 1969, p. 477 e ss.), neste aspecto também sempre aconteceu.

104 Não há uma interpretação que “em si” seja correcta ou errada, há apenas uma interpretação admissível no respectivo momento.

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processo interpretativo é conscientemente realimentado pelas experiências já feitas, os processos de aprendizagem tornam-se manifestos.

A fórmula referida contém ao mesmo tempo um reforço e uma relativiza-ção do pré-entendimento. Este deve ser mais fortemente visto a partir dos mé-todos escolhidos, precisamente no processo histórico. O “pós-entendimento” visa corrigir a fixação unilateral da norma interpretada àquilo que está tem-poral e objectivamente antes dele, o pré-entendimento. Este encontra no pós--entendimento a sua correspondência dialéctica. Deste modo, fica “suprimido” o predomínio pelo menos aparente do pré-entendimento. A dimensão temporal é tornada muito mais visível no problema interpretativo: o entendimento da norma fica aberto para ambos os lados e ao mesmo tempo “dirigido”105. O pré--entendimento é a “alavanca” em que começa o tempo (por exemplo, processos de aprendizagem) no sentido do pós-entendimento. Em um sentido lato, todas as leis – interpretadas – são “leis temporárias”106 – não apenas as de duração limitada no tempo.

Até agora falta uma teoria da prática sobre o pré-entendimento, que seja suficientemente prospectiva, uma orientação para o futuro que se tem de re-percutir sobre todos os chamados métodos interpretativos clássicos e os que se hão de desenvolver de novo, assim como sobre a interpretação explicitamente orientada para o público e para os efeitos. O pós-entendimento é a tentativa de uma tal orientação para o futuro. Ele pode ter uma qualidade completamente diferente do pré-entendimento. Mas no eixo temporal é “apenas” a sua conti-nuação107. O pós-entendimento é o pré-entendimento no momento da decisão “posterior”108.

Os diversos processos da interpretação constitucional desenvolvem-se “entre” o pré e o pós-entendimento. Eles são o aperfeiçoamento da Constitui-

105 O conceito de pré-entendimento deve ser libertado do seu emprego de orientação judicial: também os parlamentares e os funcionários da administração trabalham com pré-entendimentos. A questão é a de saber como é que estes pré-entendimentos se podem aproximar uns dos outros, sem que as funções (por sua vez pré-entendidas) de legislação, administração e de jurisprudência se identifiquem umas com as outras.

106 O tempo, em termos de direito, é um poder condutor que mal se pode sobrestimar. O direito é, na ostentação da força normativa, um poder enorme por meio do tempo, um poder sobre o futuro. Já as simples “leis de aplicação temporária” mostram isso, e, por maioria de razão, as leis que não se fazem à partida acompanhar de vigência limitada. Quem cria o direito e o interpreta dispõe do tempo e, deste modo, daqueles que estão vinculados ao direito. Mas com a ajuda do direito, transmite-se e se transforma também um pedaço do (espírito do) tempo.

107 O “eixo do tempo” é de uma relevância eminentemente objectiva. É que o tempo, isto é, os factores que (só) nele podem actuar, proporcionam os problemas que o intérprete tem de dominar, na função que lhe é respectivamente própria, por exemplo como juiz, mas também como legislador.

108 A vitalidade de uma Constituição confirma-se no tratamento “silencioso” mas fundamental do tempo. Os processos vivificantes da Constituição dão-se também “a partir de baixo”, por exemplo quando o legislador é o precursor das chamadas mudanças da Constituição. Sobre o assunto, Häberle, Die Wesensgehaltgarantie des Art. 19 Abs. 2 GG, 2. ed., 1972, p. 213 e ss. Estas vivificações só a mais longo prazo se podem tornar efectivas. Entendidas e permitidas pontualmente, elas seriam revisões (inadmissíveis) da Constituição por meio da lei; vistas no horizonte temporal, elas provocam mudança: uma prova da relativização, que ocorre na dimensão temporal, da diferença entre revisão constitucional e “mudança” ou interpretação “da Constituição”.

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ção; podem ser a sua modificação (não formalizada) para a preservar109. Os processos da interpretação revelam-se como lei vital das constituições demo-cráticas; investigar os seus métodos, factores, funções e limites torna-se na tarefa de uma teoria da Constituição “adequada ao tempo”110.

A ciência do direito constitucional, que desenvolve trabalho interdiscipli-nar, tem de racionalizar e de estruturar mais fortemente o pré (e o pós) entendi-mento com vista aos elementos nele contidos, que são temporalmente abertos ou sujeitos ao tempo, e também o pré-entendimento, que tem de ser entendido de maneira muito “mais relativa” do ponto de vista temporal e objectivo do que na discussão hermenêutica. Este pré-entendimento não é de modo algum estático, nele se verificando também processos de controlo e processos de de-senvolvimento.

Elementos importantes deste pré-entendimento são as chamadas verda-des jurídicas111, referências ao futuro, outros topoi, a questão da justiça, prin-cípios constitucionais, conceitos susceptíveis de gerar consenso. O contributo das ciências sociais teria de se apoiar nos processos de socialização do juiz112 (na sua “posição de classe”). A formação dos juristas também faz parte disto, tal como a ideia que o juiz tem de si, a maneira como ele pensa acerca das fun-ções da jurisprudência, a pressão temporal sob a qual irá decidir, quão a sério toma a obrigação de fundamentar, quem imagina como parceiro de consenso. Também o horizonte consensual por ele pressuposto e ao mesmo tempo por ele coinfluenciado se transforma no horizonte do tempo. Torna-se relevante o modo como o juiz considera possível o consenso em uma comunidade plura-lista.

O conceito de pré-entendimento não é, porém, suficiente, pois que mui-tas condições prévias da interpretação jurídica não se podem incluir de ante-mão no conceito de “entendimento”. Essas condições prévias codeterminam a interpretação da norma – por exemplo, como direito processual – sem que sejam uma questão do pré-entendimento (subjectivo). A “envolvente” a partir da qual a norma é interpretada transforma-se, por sua vez, no decurso do tempo “de uma maneira objectiva”. No seu conjunto, o pré-entendimento, tal como o pós-entendimento, é parte integrante da realidade – pública – da norma113: o que é que, em última instância, determina a relação entre pré e pós-entendi-

109 “Direitos fundamentais sociais” são tanto resultado de novos processos e tarefas de interpretação como “leis de prestação” (sobre o assunto, vide o meu artigo in: Festschrift für Küchenhoff, 1972, p. 453 e ss.), participação e exigências do Estado social.

110 Ver o programa – realizado – de K. Hesse, Grundzüge, Prefácio, p. VII: “Zeitgemäßes Vertsändnis des Ganzen der Verfassung”.

111 Sobre o assunto, esp. F. von Hippel, Rechtstheorie und Rechtsdogmatik, 1964. 112 Referências em Hesser, Vorverständnis, p. 141. Depende da formação dos juristas, em última análise das

salas de aula, saber que teoria constitucional nos podemos permitir.113 Tem uma função de descongestionamento, que alivia o trabalho diário de decisão e é, neste aspecto,

indispensável.

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mento114, a relação variável dos métodos interpretativos entre si, o que faz surgir novos entendimentos? É a “orientação ao público e a realidade da Constituição da res publica”. A interpretação tem sobretudo de se entender com ela. A rea-lidade pública “traz” os problemas, dela surgem impulsos. A orientação ao pú-blico e a realidade da res publica dotada de uma Constituição entram em parte nos espaços vazios que são designados (que têm de ser designados) por meio de conceitos como “consenso de todos os que pensam de maneira sensata e justa”, princípios éticos do direito, princípios constitucionais etc., mas sem poder ou dever “preenchê-los” totalmente.

5 A Adopção do conceIto AutónoMo “MudAnçA constItucIonAl”Seria natural ver na “mudança constitucional” o conceito central de um

entendimento constitucional adequado à actualidade e ao futuro. No fim de contas, Smend opô-lo com grande êxito à reflexão estático-positivista115. O con-ceito de mudança constitucional oculta hoje, no entanto, um entendimento in-terpretativo adequado à matéria e desse modo também ao tempo. É que uma vez ele sugeriu a possibilidade de que se poderia satisfazer o problema temporal no direito constitucional com um instituto unitário – na realidade tudo depende das diferenciações116 –, por outro lado, a “mudança constitucional” impede o acesso ao entendimento de que os próprios métodos interpretativos, isto é, a norma jurídica, transportam em si o factor tempo. As interpretações orientadas para a actualidade ou para o futuro não só não carecem do desvio pela “mudan-ça constitucional”, proíbem-no mesmo. Interpretação constitucional ou altera-ção constitucional ou violação da Constituição – tertium non datur! A mudança da Constituição foi, do ponto de vista da história dos dogmas, um necessário estádio transitório para a superação do factor tempo no direito constitucional no percurso do positivismo para o entendimento constitucional aberto, nem mais nem menos. Hoje, a mudança constitucional dissimula a liberdade do intérpre-te. Não se trata da adaptação externa “do” conteúdo normativo às condições sociais transformadas, mas trata-se da orientação interna norma – res publica sobre interpretação. Por outras palavras, o problema da mudança da Constitui-ção revela-se exclusivamente como um problema de interpretação. Não há mu-dança da Constituição – ou, dito de outra maneira: a mudança da Constituição

114 Decisões prévias meta-jurídicas, para as quais há “portas de incursão” como “bons costumes”, “espírito objectivo”, “moral jurídica”, “bem comum”, são muitas vezes qualificadas como tais. Mas é muito a questão de saber se se pode falar de “meta”, “pré”, etc. Pois que dessa maneira surge a impressão de que aquilo que está antes do direito não faz no fundo parte dele. Na realidade, o direito é propenso a tais “meta”. Sem eles não pode passar. Também não são não jurídicos ou pré-jurídicos, em todo o caso não o são na perspectiva de uma maneira de pensar jurídica que deixa o positivismo atrás de si. Isto é: o pré-entendimento é muito mais imanente à norma do que o que o conceito permite supor.

115 Agora in: Staatsrechtliche Abhandlungen, 2. ed., 1968, p. 119 (241 e ss.)116 Ver também Fiedler, Sozialer Wandel, Verfassungswandel, Rechtsprechung, 1972, p. 106.

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reduz-se à metodologia “republicana” e ao seu objecto material, à realidade e ao carácter público da Constituição117.

A interpretação constitucional (aberta) não conhece, em conformidade com a sua peculiaridade, um instituto especial “mudança da Constituição”. Para ela, não há quaisquer factos prévios, a não ser o texto constitucional. Como este é, na maior parte das vezes, indeterminado e vive da interpretação, também ele não pode propriamente “mudar”. A mudança da Constituição não tem, portanto, de modo algum, o objecto determinado e fixado que abstracta-mente pressuporia. Também a expressão de Radbruch acerca da interpretação entendida como “levar a norma até às últimas consequências” é discutível. Na área da interpretação constitucional, não há um ponto de referência face ao qual se pudesse, neste sentido, falar de “princípio” ou “fim”.

Os factores da mudança e da confirmação têm de ser explorados em uma abordagem científica das realidades concretas. Recorde-se o dito muito citado “quem quer conservar tem de transformar”118. A este respeito, podemos estabelecer uma ligação com as observações sobre “transformação” do método interpretativo histórico119.

6 eM pArtIculAr: o efeIto prévIo dAs leIs

O problema do efeito prévio das leis é, sobretudo, um problema da rela-ção entre legalidade e legitimidade. O princípio da legalidade proíbe que, antes de ser formalmente posta em vigor, se aplique uma – nova – lei ou se deixe por aplicar a antiga lei contrária. Mas há efeitos prévios em vista de desenvolvi-mentos legislativos e de planeamentos no público em geral. A legitimidade da lei em vigor reduz-se – pense-se no § 218 do Código Penal alemão –, a nova lei “futura” tem já agora um efeito normativo no público – tais efeitos prévios podem-se observar especialmente em relação a planeamentos120. Em vista de

117 A aprovação da “mudança da Constitução” é consequência de um entendimento da Constituição e da interpretação adequados ao futuro. Quem fala de “futuro do Estado constitucional” tem de esclarecer, como questão preliminar, que o futuro já começou sempre na forma de interpretação. Hesse (Festschrift für Scheuner, 1973, p. 123 e ss.), embora mantendo o instituto da mudança da Constituição, fala, no entanto, da tarefa de compreender a alteração do conteúdo da norma “dentro” da norma constitucional (p. 137).

118 Sobre o assunto, a discussão do Círculo de Colóquios de Bergedorf, Die “neue Mitte”: Schlagwort oder Strukturwandel?, 1973, Protokoll nº 44, p. 16 (nº 11 e ss.)

119 Seria errada a hipótese de que a inclusão do factor tempo e a mudança seriam a mesma coisa. É que o tempo pode actuar perfeitamente no sentido de uma preservação. A preservação de conquistas próprias do Estado constitucional, mesmo contra o tempo, pode ser uma tarefa enorme, hoje igualmente necessária. Manter o equilíbrio entre esta preservação ou transformação é a tarefa – paralelos com o liberalismo político são evidentes. A Constituição da res publica, por um lado, sociedade, necessidades sociais, “política” etc., por outro, não podem ser confrontadas umas com as outras em categorias temporais ou historicidade. É que a realidade social está de antemão constitucionalmente marcada, a Constituição da res publica estrutura também a chamada sociedade. O direito constitucional tem de antemão um efeito condutor, por mais que seja parte da realidade, o seu resumo ou também o seu produto. A res publica dotada de Constituição proíbe tais confrontações.

120 Sobre o assunto, Häberle, Öff. Interesse, p. 396, nota 148; p. 486 e ss. Ver também o meu epílogo in: VVDStRL 30, 1972, p. 187; Klöpfer, in: DÖV, 1973, p. 657 e ss. O efeito prévio torna-se actual especialmente

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leis “suspensivas” e de projectos semelhantes, já não aplicar normas vigentes até agora ou interpretá-las de outra maneira significa praticamente antecipar o futuro da lei posterior, concedendo-lhe já agora força normativa, expressão de uma abertura específica do sistema jurídico, da sua unidade, da força normativa da realidade e da orientação ao público. Partindo do conceito tradicional de normatividade, objectar-se-á que o rigor do direito vigente é “diluído”. Uma vez em vigor a nova lei, então o mesmo processo afigura-se, na perspectiva ex post, como possibilidade realizada, como “retroactividade antecipada” das leis. Aqui reside a ligação objectiva do efeito prévio e do efeito retroactivo. O efeito prévio, especialmente das leis, explica-se sobretudo a partir da necessidade de o juiz, em questões de interpretação aberta, procurar material de concretização. O que há de vir ajuda-o a este respeito, uma vez que, de acordo com o actual sentido de tempo, possui legitimidade especial. Ninguém gosta de ser “ultrapas-sado”: o juiz não gosta de o ser pelo legislador, mas tem de preservar os seus limites jurídico-funcionais121.

O reconhecimento de um efeito prévio a diferenciar segundo campos de matérias é expressão de uma interpretação mais flexível; ela produz a relativiza-ção, suscitada por uma “nova” realidade pública, do acto formal de orientação ao público da promulgação da lei e em parte também de determinadas fases do procedimento parlamentar122.

Em suma123: a aprovação diferenciadora124 do efeito prévio das leis é con-sequência do entendimento interpretativo, aqui tomado por base, sobre o pano de fundo da realidade da orientação ao público da res publica na teoria da

nos chamados conceitos jurídicos e discricionários indeterminados ou nas suas combinações. No direito tributário, o § 131 do Código Tributário poderá ser sensível face aos efeitos prévios indicados do ponto de vista legislativo. Segundo a DPA (cf. imprensa de Hesse superior de 12 de março de 1974), o Ministério Federal das Finanças deu instruções às secções de finanças para, na compensação anual do imposto profissional, calcular o novo limite superior de tal maneira “como se a lei já estivesse em vigor”. Sintomaticamente, a lei federal, aprovada no final de março de 1974, confere-se a si própria efeito retroactivo. Sanciona, neste aspecto, o efeito prévio. Ver também o efeito prévio actualmente praticado do § 47 Entw. HRG.

121 Os limites do efeito prévio resultam da segurança jurídica. Trata-se de uma organização racional das formas e dos graus do efeito prévio. Com estas restrições, o efeito prévio da jurisprudência e da administração proporciona uma ligação “indirecta” ao processo democrático.

122 Problemático é o efeito prévio de projectos de lei que (depois afinal) fracassaram.123 Deve-se conceder um valor posicional teórico-constitucional ao efeito prévio das leis etc. Este efeito prévio

pode, no entanto, abranger apenas uma área limitada do desenvolvimento judicial do direito. Deve-se analisar diferenciadamente que forma a realidade pública “já” teve de assumir para poder “ter um efeito prévio”: as várias fases do processo legislativo parlamentar, desde a proposta ministerial, por exemplo, até à primeira ou terceira versão (“efeito prévio diferenciado por fases”). O direito parlamentar aguarda também aqui a familiarização com a teoria constitucional e com a interpretação especificamente jurídico-constitucional. (Por exemplo, o § 74a GeschOBT – comissão de inquérito – é direito constitucional material. Ao contrário, o seu decurso temporal produz um efeito diferente para a interpretação constitucional. De modo nenhum o “poder privado” sobre o efeito prévio pode ser directa ou indirectamente legitimado.

124 Diferenciadora, por exemplo, na medida em que no direito penal nenhum efeito prévio pode ir em prejuízo do cidadão (arg. com base no art. 103º, al. 2, da Lei Fundam.); o mesmo deverá aplicar-se no direito fiscal. Nos Estados Unidos houve um efeito prévio da proibição da pena de morte (por exemplo, nenhuma execução até à decisão do Supreme Court). Ver também tribunal de primeira instância de Hannover, que rejeita um pedido de arquivamento (§ 218, StGB), com o fundamento de que não se pode ainda prever em que forma as correspondentes disposições penais seriam modificadas, FR de 12 de fevereiro de 1974, p. 16.

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democracia dotada de Constituição. A integração do efeito prévio na teoria da democracia ainda está por se verificar. A legitimação democrática do juiz mar-ca o fundamento e o limite do efeito prévio diferenciado.

7 cláusulAs eMpírIcAs, eXperIMentAIs e de reforMA coMo forMAs InstItucIonAlIzAdAs

As cláusulas empíricas e experimentais (e de reforma) fixadas nas leis125 visam possibilitar desvios da actual situação legal, para recolher experiências que se poderiam tornar objecto de nova legislação e de nova orientação ao público – nesta medida existem linhas abstractas de ligação ao efeito prévio das leis.

Como precursoras da legislação de reforma, por exemplo na área da edu-cação126, tais cláusulas parecem razoáveis. Na medida em que ainda faltam instrumentos prognósticos, são necessárias cláusulas empíricas e experimentais. No entanto, elas contêm uma limitação parcial da pretensão de aplicação da lei que agora se encontra em vigor – assim como no caso do efeito prévio das leis. Só que, diferentemente da lei com efeito prévio material, elas estão cobertas pelo “acto formal” de uma cláusula legislativa.

Na apreciação da sua admissibilidade jurídico-constitucional, colocam--se importantes problemas interpretativos; eles só se podem resolver por via de um entendimento interpretativo aberto e “adequado ao tempo” e de um con-ceito de normatividade orientado pelas possibilidades. É certo que a lei pode criar áreas parciais nas quais regula uma dispensa de si mesma127. Mas como há de poder dispensar de princípios constitucionais, por exemplo de direitos fundamentais como os previstos no art. 5º, al. 3, da Lei Fundamental na área universitária em questões de cogestão?128

A questão consiste em saber se as cláusulas experimentais e empíricas também podem dispensar de normas constitucionais – sob o ponto de vista de

125 Cf. a minha referência in: DÖV, 1972, p. 729 (736, nota 60) com exemplos da jurisprudência do Tribunal Constitucional Federal alemão.

126 Exemplos: § 5b DRiG, na versão de 19 de abril de 1972 (BGBl. I, p. 714). Uma forma especial encontra-se no § 3, al. 2, do BWahlG. O mesmo é válido para o art. 7º, al. 4, da Lei Fundamental, interpretado no sentido da obrigação do Estado de financiamento das escolas privadas (BVerwGE 27, 360 e Häberle, in: VVDStRL 30 [1972], p. 43 [77 e ss.], na medida em que, com isso, deveriam ser experimentados modelos e recolhidas experiências para o sector escolar do Estado. A ideia de experimentação está igualmente na base do “federalismo cultural”. O mesmo se aplica nos casos em que, a par de instituições públicas, são admitidas pessoas privadas para o desempenho de funções públicas. Ver também as experiências no quadro da ZPO (modelo de Stuttgart). No sector da autonomia administrativa, as áreas para experiências são especialmente actuais (arrendamento imobiliário municipal, cinemas). Ver ainda nota 69.

127 A cláusula experimental tem de se justificar face ao art. 3º da Lei Fundamental: tratamento desigual temporário por razões experimentais como fundamento de discriminação material.

128 Especialmente após o acórdão sobre o ensino superior do Tribunal Constitucional Federal, E 35, 79; ver, ainda, Oppermann in: JZ, 1973, p. 433 e ss.; Schlink in: DÖV, 1973, p. 541 e ss. Tais cláusulas só têm sentido se o Tribunal Constitucional Federal se esforçar no seu controlo do self-restraint e deixar “andar” o processo experimental – com limite no tempo. O legislador democrático tem neste aspecto a “prioridade” do ponto de vista jurídico-funcional.

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que são “leis preparatórias” das revisões constitucionais. Afigura-se absoluta-mente razoável não realizar “ao acaso” revisões constitucionais, mas ensaiá-las primeiro “experimentalmente” em um domínio limitado. Tais “leis intercalares experimentais” relativas a ulteriores revisões constitucionais devem ser apre-ciadas na base da perspectiva empírico-científica aqui defendida dos proble-mas constitucionais e da tese do comando político-constitucional para revisões constitucionais. Tratar-se-ia de uma espécie de “infracção constitucional”: o art. 79º, al. 2, da Lei Fundamental teria efeito prévio.

Um contra-argumento contra a sua admissibilidade seria a referência a uma iminente “dissolução” da Constituição. A questão é saber se, por exemplo, na área dos direitos fundamentais, se pode operar com o consenso dos partici-pantes ou interessados, por exemplo dos professores universitários. Estarão eles autorizados, poderão eles, prescindir dos seus direitos, decorrentes do art. 5º, al. 3, da Lei Fundamental129, para ensaiar modelos universitários, uma vez que estes direitos têm também um lado jurídico-objectivo? Uma ordem constitucio-nal livre poderá neste caso, para não dizer terá de, conceder uma importância especial à espontaneidade.

Um entendimento constitucional “aberto”, que crie afrouxamentos já no processo interpretativo imediato e não apenas depois em revisões constitucio-nais previstas no art. 79º, al. 2, da Lei Fundamental, poderá ser mais generoso na decisão das questões levantadas – desde que se trabalhe diferenciadamente. Mas permanecem as normas determinantes de identidade previstas no art. 79º, al. 3, da Lei Fundamental; elas estabelecem o tipo do Estado constitucional alemão como democracia social e de Estado de direito. Delas não há dispensa interpretativa, por mais que a interpretação possa também ter a longo prazo efeitos sobre a área principal no sentido do art. 79º, al. 3, da Lei Fundamental.

Tal como por via do disposto no art. 79º, al. 2, da Lei Fundamental, só se pode chegar a revisões constitucionais “imanentes à Constituição”, isto é, a revisões que se mantenham dentro do tipo constitucional da Lei Fundamental alemã130, assim também só pode haver cláusulas de reforma, ou seja, cláusulas empíricas e experimentais imanentes à Constituição. Mas as reformas imanentes à Constituição não estão em contradição com a essência da Constituição: são a sua consequência, expressão da Constituição como entidade viva, tornada possível pelo entendimento constitucional aberto. As “reformas imanentes à Constituição” podem tomar o caminho da revisão constitucional formalizada

129 Pertinente é neste caso o parágrafo final do voto da minoria do Tribunal Constitucional Federal, E 35, 148 (170) (= DÖV, 1973, p. 574). Importante é o acórdão BVerfGE 34, 165 (199) sobre reformas escolares controversas, que, em um Estado livre, devem “ser levadas por diante” com a “participação tanto quanto possível voluntária dos interessados”.

130 Em uma perspectiva crítica sobre a modificação “imanente ao sistema” também de normas constitucionais elementares no sentido do acórdão BVerfGE 30, I (LS. 5 e p. 24 e ss.), v. o meu artigo in: JZ, 1971, p. 145 (150). As “modificações imanentes ao sistema” têm de ser cuidadosamente analisadas no sentido de saber se não são na verdade modificações à custa do sistema.

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ou o caminho da interpretação constitucional causadora de uma chamada “mu-dança constitucional”. O que aqui e agora se afigura possível apenas por via da revisão constitucional formal já foi muitas vezes, a longo prazo, conseguido por meio de interpretação131. Revisão constitucional e “mudança constitucio-nal” afiguram-se por isso menos como institutos qualitativamente distintos e distinguíveis um do outro do que diferentes no decurso do tempo. Por outras palavras, revisões ou mudanças constitucionais (devido à interpretação consti-tucional) carecem, vistas as coisas ex post, talvez a maior parte das vezes, de re-visão constitucional, mas nem toda a revisão constitucional é possível por meio de interpretação modificada (por causa do limite textual132, que, no entanto, é difícil de estabelecer). Resta a pergunta crucial: quando é que a Constituição tem de ser “revista” e quando é que ela pode (e por quem?) ser desenvolvida por meio de interpretação? Também o texto normativo133 está no público em geral. O que a este parece susceptível de consenso influencia a fronteira, neste aspecto aberta, dos seus programas finalísticos. Considerações teórico-linguís-ticas confirmam a força normativa do público: a fronteira passa por onde o uso público da língua a faz passar.

8 revIsões constItucIonAIs coMo consequêncIA AdequAdA Ao teMpo dA constItuIção, coMo coMAndo polítIco-constItucIonAl

O tratamento teórico-constitucional do factor temporal exige uma abor-dagem especial para a determinação da função das revisões constitucionais. Compreensivelmente por razões históricas da Alemanha, tem predominado até agora um “pensamento relativo a limites”, isto é, pergunta-se sobretudo pelos limites da alteração da Constituição. Mas fundamental é a questão da justifica-ção das revisões constitucionais na perspectiva do próprio “objecto e função da Constituição”. Daí resultam, depois, também os limites necessários. A queixa comum sobre um excesso de revisões constitucionais não acerta no problema fundamental. A duração e a estabilidade de uma Constituição não são ainda ga-rantidas per se por um número de revisões constitucionais. Isso depende total-mente das condições e das transformações do meio-ambiente, da “ambiência”, assim como do que a “interpretação constitucional” pode provocar, em suma, depende do tempo, do modo como as revisões constitucionais se podem ob-jectivamente avaliar. Isto é, elas têm de ser positiva e internamente justificadas, avaliadas a partir da respectiva realidade pública de uma Constituição “concre-ta”; elas podem em grande parte ser a sua consequência como Constituição “vi-vida e viva”, a sua evolução, isto é, podem estar ao serviço da sua confirmação. Trata-se da concretização de uma “boa” Constituição. Colocar esta questão

131 A “mudança da Constituição” é, neste aspecto, uma alteração não formalizada da Constituição. Ver também nota 78.

132 Sobre esse limite, Hesse, Grundzüge, p. 30; idem in: Festschrift für Scheuner, 1973, p. 123 (139).133 A relatividade do texto constitucional é trazida à colação no dito relatado a partir de Oxford: “Não temos uma

Constituição escrita, mas atemo-nos a ela”.

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preliminar teórico-constitucional é uma necessidade e a consequência de um entendimento da Constituição como processo público (law in public action)134.

É necessária uma colaboração interdisciplinar para esclarecer, “de um ponto de vista imanente à Constituição”, as condições prévias das revisões ne-cessárias e possíveis. Uma parte da “boa” política constitucional conduz a revi-sões constitucionais135. Em especial, deve-se analisar o que é que, e em que con-dições, se pode fazer por via da alteração constitucional e o que é que se pode fazer por via da mera interpretação constitucional (delimitável dela apenas pela interpretação136), o que é que objectivamente carece do acto constituinte, que, no entanto, está muito mais vivo na interpretação e alteração constitucional do que em geral se supõe137. No entanto, subsiste a diferença jurídico-funcional, fundamentada orgânico-sociologicamente, entre alteração constitucional e in-terpretação constitucional.

Se até agora se esclareceu sobretudo quais os limites da alteração cons-titucional que resultam do todo material da Constituição138, trata-se agora, face à relevância crescente do tempo, de determinar em que condições este “todo material” da Constituição não só admite revisões, mas positivamente as exige. As revisões constitucionais são uma tentativa de manter a Constituição à “altura do tempo”. Elas não são, “em si”, úteis ou prejudiciais; se são uma coisa ou outra, isso só se pode dizer no caso concreto139. Isto, por sua vez, pressupõe que se coloque e se responda à questão preliminar teórico-constitucional: revi-sões constitucionais como tentativa de coordenar entre si tempo e Constituição (“alteração constitucional adequada ao tempo”). As revisões constitucionais verificam-se segundo os procedimentos previstos pela própria Constituição. A

134 Na doutrina, Grimm (AöR 97, 1972, p. 489 e ss.) está a caminho de um tal entendimento de alteração da Constituição, por exemplo, na p. 505: “A tarefa é não impedir o mais possível alterações da Constituição, mas separar projectos de alteração legítimos dos ilegítimos, e os necessários dos supérfluos”. Mas em Grimm está também em primeiro plano o ponto de vista da limitação. Ainda assim, ver p. 504: “Pontos de orientação para alterações da Constituição”, assim como p. 507 e ss. No entanto, o conceito de Constituição de Grimm é unilateral (p. 506): a Constituição não descreve a realidade, mas indica uma situação prevista. Na realidade, faz afinal as duas coisas.

135 Exemplos de “boas” alterações da Constituição: a introdução da constituição de estado de necessidade enquanto tal (sem prejuízo de uma crítica a artigos concretos), art. 93º, nº 4 a, arts. 45 b, 91 a, 104 a da Lei Fundamental; exemplos de “más”, isto é, não necessárias do ponto de vista do todo material da Constituição: art. 20º, al. 4, da Lei Fundamental. Um exemplo de política constitucional, que tem de permitir esclarecer previamente as condições de boas alterações da Constituição pela ciência jurídico-constitucional, é a questão de saber quando é que seria razoável passar do serviço militar obrigatório geral para o exército profissional.

136 Tanto quanto é visível, falta nesta questão prévia a maior parte das observações quanto à revisão total ou parcial da Lei Fundamental. Mas, na Suíça: Saladin, in: Gedenkschrift für Imboden, 1972, p. 269 (p. 276): actualmente, a Constituição tem por isso de ser alterada, se o nosso Estado quiser ser capaz de dominar a realidade (previsível) de amanhã. Só que, aqui, não se pensa o suficiente a partir da própria Constituição.

137 Sobre o assunto, Häberle, in: AÖR 94, 1969, p. 479 (483 e ss.).138 Ehmke, Grenzen der Verfassungsänderung, 1953.139 A nova situação jurídica é diferente; saber se ela é melhor é uma segunda questão. Uma norma constitucional,

que noutras circunstâncias anteriores desempenhou as suas funções o melhor possível, não pode estar sujeita ao veredicto de que é pior por agora e para o futuro serem necessárias outras regulações (isto, em relação a Grimm, in: AÖR 97, 1972, p. 499 (508): “alteração da Constituição é, portanto, aperfeiçoamento da Constituição”). O que hoje é bom não torna piores as coisas de ontem. O parecer de “bom” ou “mau” só se pode dar para o respectivo período de tempo.

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sua realização é, portanto, imanente à Constituição. As forças políticas que a assumem transmitem ao todo da Constituição um pedaço de nova legitimação pública, quando e na medida em que aperfeiçoam uma parte da Constituição no seu próprio procedimento140.

As revisões constitucionais têm não só um carácter de adaptação141, mas têm também força de orientação. Em parte, adaptam-se de facto a uma reali-dade “que se antecipou” e que se tornou já um pedaço de realidade da Cons-tituição – o caso do instituto das funções comunitárias previstas no art. 91º-A da Lei Fundamental, apoiando-se no parecer de Troeger142 –, em parte tentam controlar esta própria realidade pública. Muitas vezes, os dois aspectos agem em comum. As revisões constitucionais não só “consumam” ou sancionam o que já “se passou” na realidade. Elas têm também um lado planificador que “extravasa” a evolução social, que a precede, em particular elas legitimam no-vas evoluções. Não são apenas “reflexo”, mas também projecto. Em relação a revisões constitucionais isoladas, não se aplica neste caso outra coisa senão o que se aplica à Constituição no seu conjunto.

Este entendimento positivo da revisão constitucional é tanto mais neces-sário quanto o conceito de Constituição, ou seja, as matérias que a Constituição regula se alargaram: a Constituição estrutura não só o Estado mas, em aspectos parciais, também a sociedade, em suma a res publica. Este alargamento é causa-do apenas em parte por revisões constitucionais formais – por exemplo previstas no art. 109º, al. 2, da Lei Fundamental –, em vastas áreas ele é obra da interpre-tação. Recorde-se o desenvolvimento dos direitos fundamentais subordinados aos temas “efeito para terceiros”, “direitos fundamentais sociais”.

Na questão de saber se a revisão constitucional concreta é ou não uma revisão constitucional “positiva”, adequada ao tempo, e que mantém a Cons-tituição no caminho, isso tem de se diferenciar por matérias: na área dos direi-tos fundamentais, que é, antes de mais, parte integrante da consciência cívica geral143, e cujos conceitos são a maior parte das vezes mantidos muito abertos, a interpretação constitucional afigura-se, sob o signo do “aperfeiçoamento de aplicação garantidor dos direitos fundamentais”144 sem revisão constitucional formal, como forma adequada de aperfeiçoamento e confirmação da Consti-

140 Tal como o direito positivado pode produzir efeitos sobre a Constituição (em relação a este processo, que deve ser visto diferenciadamente, cf. a minha Wesensgehaltgarantie, 1. ed., 1962, p. 175 e ss., 210 e ss.; Lerche, in: Festschrift für Maunz, 1971, p. 285 [286 e ss.]), a alteração da Constituição pode afectar o conjunto da Constituição, ou seja, a substituição de uma norma constitucional por outra pode corresponder mais ao conjunto.

141 Isto, como crítica à formulação da deliberação do Parlamento alemão sobre o mandato da comissão de inquérito para questões da reforma constitucional, ver o relatório provisório de 1973, p. 14: “[...] seria de apurar-se, e até que ponto, é necessário adaptar a Lei Fundamental às exigências actuais e às previsíveis futuras – sob condição da preservação dos seus princípios fundamentais”.

142 Sobre a função comunitária: Frowein e von Münch, in: VVDStRL 31, 1973, p. 13 e ss. ou 51 e ss.143 No entanto, tem de se tornar compreensível para o cidadão que as alterações da Constituição podem ser

necessárias em virtude da própria natureza das coisas.144 Sobre o assunto, Häberle, in: VVDStRL 30, 1972, p. 43 (69).

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tuição. E isto tanto mais quanto é certo que o Tribunal Constitucional Fede-ral controla neste caso de maneira mais rigorosa. Ao mesmo tempo, mostra-se que quanto mais subtis são os métodos interpretativos, tanto maior se torna a margem de manobra em relação (ou em concorrência com) à revisão constitu-cional. A interpretação constitucional pode tornar supérfluas as revisões cons-titucionais. No âmbito da competência federal, em geral na parte orgânica, as possibilidades de interpretação constitucional “aberta” são mais limitadas. Aqui fica mais espaço para a revisão constitucional formal, ou seja, há mais obriga-ção de fazê-la.

A teoria da Constituição tem de fornecer à política constitucional práti-ca145 directivas e alternativas para revisões constitucionais, tem de delimitar o terreno do possível e necessário, tem de mostrar onde isso se torna em confirma-ção da Constituição através, isto é, com a ajuda da revisão constitucional, o que a um entendimento constitucional estático e rígido se afigura como “redução”, “perda de substância” e “mudança”. Para este fim, as funções fundamentais da ideia de Constituição têm de ser descobertas e, se necessário, desenvolvidas: impedimento do abuso de poder estadual e social, criação de liberdade, orga-nização da comunidade, conciliação de interesses, etc.

As revisões constitucionais são absolutamente “normais”, na base do en-tendimento constitucional aqui desenvolvido, como mudança constitucional por meio de interpretação constitucional. As revisões constitucionais não são, em princípio, nem “casuais” nem arbitrárias146. São a via legítima para preser-var a continuidade da Constituição no tempo. Enquanto elas se mantiverem no âmbito da identidade da Constituição, são a sua consequência, a sua confirma-ção no e por meio do tempo, e não a sua colocação em dúvida. Elas deviam, por isso, ser abertamente escolhidas como forma de desenvolvimento, se uma interpretação por parte dos tribunais sobrecarregasse todo o sistema. Isso pode beneficiar a concordância entre o processo político-parlamentar e a Constitui-ção. A orientação ao público e a realidade da Constituição percorrem muitos caminhos – um deles é a revisão constitucional.

145 Sobre as suas funções: Häberle, in: AöR 98, 1973, 119 (129 e ss.).146 Em grande parte, elas também podem percorrer, no eixo temporal, visto ex post, o caminho de uma mudança

constitucional, mais exactamente, são substituíveis pela interpretação (a interpretação da Constituição revela-se, neste aspecto, como “via disfarçada” para a alteração da Constituição). Sobre a teoria da Constituição “sem direito natural”, cf. o meu artigo in: AöR 99, 1974, 437 e ss.

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Assunto Especial – Acórdão na Íntegra

Tempo e Constituição

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Supremo Tribunal Federal04.09.2008 Tribunal PlenoMandado de Segurança nº 26.210‑9 Distrito FederalRelator: Min. Ricardo LewandowskiImpetrante(s): Tania Costa TribeAdvogado(a/s): Maurício Zockun e outro(a/s)Impetrado(a/s): Tribunal de Contas da União

eMentAMANDADO DE SEGURANÇA – TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO – BOLSISTA DO CNPQ – DESCUMPRIMENTO DA OBRIGAÇÃO DE RETORNAR AO PAÍS APÓS TÉRMINO DA CON CES - SÃO DE BOLSA PARA ESTUDO NO EXTERIOR – RESSARCIMENTO AO ERÁRIO – INOCOR- RÊNCIA DE PRESCRIÇÃO – DENEGAÇÃO DA SEGURANÇA

I – O beneficiário de bolsa de estudos no exterior patrocinada pelo Poder Público, não pode alegar desconhecimento de obrigação constante no contrato por ele subscrito e nas normas do órgão provedor.

II – Precedente: MS 24.519, Rel. Min. Eros Grau.

III – Incidência, na espécie, do disposto no art. 37, § 5º, da Constituição Federal, no tocante à alegada prescrição.

IV – Segurança denegada.

Acórdão

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supre-mo Tribunal Federal, em Sessão Plenária, sob a Presidência do Senhor Ministro Cezar Peluso (Vice-Presidente), na conformidade da ata de julgamentos e das notas taquigráficas, por maioria, vencido o Senhor Ministro Marco Aurélio, in-deferir a segurança, nos termos do voto do Relator. Votou o Presidente. Ausen-tes, justificadamente, a Senhora Ministra Cármen Lúcia e, neste julgamento, o Senhor Ministro Gilmar Mendes (Presidente).

Brasília, 4 de setembro de 2008.

Ricardo Lewandowski – Relator

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DPU Nº 56 – Mar-Abr/2014 – ASSUNTO ESPECIAL – ACÓRDÃO NA ÍNTEGRA .........................................................................................55

relAtórIo

Trata-se de mandado de segurança, com pedido de medida liminar, im-petrado por Tania Costa Tribe, contra decisão do Tribunal de Contas da União consubstanciada no Acórdão nº 2.967/2005, por meio do qual foi condenada ao pagamento da importância de R$ 167.021,15 (cento e sessenta e sete mil, vinte e um reais e quinze centavos), atualizada monetariamente e acrescida de juros de mora, calculados a partir de 18.09.2001, a título de devolução de va-lores em decorrência do descumprimento da obrigação de retornar ao País após o término da concessão da bolsa de estudos no exterior.

Informa a impetrante ter obtido bolsa integral junto ao Conselho Na-cional de Pesquisas (CNPq) para obter o doutorado na University of Essex, na Inglaterra, tendo preenchido, na ocasião, formulário de solicitação de bolsa no exterior em que constava, em letras miúdas e na parte final do documento, declaração de ciência das normas e procedimentos aplicáveis.

Alega não ter tomado conhecimento, à época, da obrigação de retorno ao País, tampouco do teor das resoluções vigentes naquele momento.

Assevera que, após cerca de sete anos da conclusão e entrega de sua tese de doutorado, o CNPq, por carta assinada pelo Coordenador Geral de Fomento, exigiu um exemplar da tese e do respectivo diploma. Em seguida, foi-lhe comu-nicada a abertura de processo administrativo para a cobrança de valores pagos pelo Conselho no decorrer da vigência da bolsa de estudos.

Declara ter apresentado defesa administrativa perante o CNPq, que não foi acolhida, bem como impugnação perante o Tribunal de Contas da União, em Tomada de Contas Especial, que culminou com a decisão ora atacada.

Sustenta a ocorrência de prescrição, nos termos do art. 1º do Decreto nº 20.910/1932, que estabelece o prazo de cinco anos para cobrança de dívida por parte dos entes públicos, considerando que o CNPq deveria ter iniciado a cobrança desses valores tão logo o prazo de vigência da bolsa tivesse se encer-rado, o que ocorreu em agosto de 1992.

No mérito, argumenta que a declaração por ela assinada de que estava ciente das normas e procedimentos apresentados, constante do formulário de solicitação de bolsa no exterior, configura hipótese de cláusula abusiva de con-trato de adesão, sendo, por isso, manifestamente nula.

Alega, mais, que a decisão do TCU agride a segurança jurídica, e que a obrigação a ela imposta foi aplicada ao arrepio dos princípios da boa-fé e da moralidade administrativa.

Nesses termos, pede a concessão da ordem em especial tendo em conta a ocorrência da prescrição da cobrança dos valores exigidos por meio do Acór-dão nº 2.967/2005 do Tribunal de Contas da União.

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Alternativamente, requer que se reconheça a inexistência de relação jurí-dica entre as partes que tenha por objeto exigir o retorno da impetrante ao País, por força do contrato de concessão de bolsa de estudos celebrado com o CNPq, bem como a devolução dos valores por ela recebidos.

Pleiteia, por fim, seja a autoridade impetrada condenada à abstenção da prática de qualquer ato tendente a fazer cumprir os comandos contidos no referido Acórdão (fl. 15).

Indeferi o pedido de liminar (fls. 129-131), oportunidade em que desta-quei o seguinte trecho do voto do Ministro Relator no TCU:

“Este é mais um dos casos em que o governo federal, investindo recursos no desenvolvimento da qualificação profissional de seus cidadãos, vê frustrada a consequência esperada, qual seja, a disseminação deste conhecimento em solo pátrio. Ainda que possam existir motivos de ordem pessoal a justificar a perma-nência destes nacionais em terras estrangeiras, após finda a fase de qualificação profissional, não há como deixar de constatar que o objetivo pretendido com a ação governamental deixou de ser atendido: o interesse nacional na qualificação dos quadros profissionais pátrios.”

Requisitadas informações, foram elas prestadas (fls. 136-145).

A Procuradoria-Geral da República manifestou-se pela denegação da se-gurança (fls. 154-158).

É o relatório.

voto

O Sr. Ministro Ricardo Lewandowski (Relator) – Não vislumbro a ocor-rência de direito líquido e certo da impetrante apto a autorizar a concessão da segurança.

Com efeito, este Tribunal já se manifestou no sentido de que “o benefi-ciário de bolsa de estudos no exterior, às expensas do Poder Público, não pode alegar o desconhecimento de obrigação prevista em ato normativo do órgão provedor” (MS 24.519, Rel. Min. Eros Grau).

Destaco, a propósito, o seguinte trecho do voto do Ministro Eros Grau:

“O CNPq tem por missão institucional fomentar o desenvolvimento científico e tecnológico nacional, mediante a promoção de diversos incentivos à atividade acadêmica. O custeio de bolsas de estudo no exterior é justificável na medida em que ao País sejam acrescidos os frutos resultantes do aprimoramento técnico--científico dos nacionais beneficiados. Daí porque não se admite que o beneficiá-rio de recursos públicos para o custeio de seus estudos no exterior lá fixe residên-cia, buscando colocação no mercado de trabalho, sem compensar a sociedade brasileira, que financiou a sua formação.”

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Ora, no momento em que a impetrante solicitou bolsa de estudo para o exterior, preenchendo o formulário com essa finalidade, que tem natureza contratual, assumiu o compromisso de cumprir com os deveres a ela atribuídos em razão dessa concessão.

E, dentre as obrigações constantes das normas vigentes à época encon-trava-se o dever de retornar ao Brasil quando ela findasse o curso de doutorado, sob pena de ressarcimento dos recursos públicos que recebeu para tal finalida-de, nos termos do item 3 da Resolução nº 114/1991 e do item 5.7 da Resolução Normativa nº 5/1987, transcritos pela impetrante em sua inicial, e não me pa-rece exigível lei formal para estabelecer as condições mediante as quais seriam repassados os recursos.

Ademais, conforme consta dos autos, em documento juntado pela pró-pria impetrante, ciente da aprovação de sua solicitação, ela requereu todos os benefícios concedidos pelo CNPq, inclusive a passagem de volta (fl. 25).

No que tange à alegada ocorrência de prescrição, incide, na espécie, o disposto no art. 37, § 5º, da Constituição de 1988, segundo o qual:

“§ 5º A lei estabelecerá os prazos de prescrição para ilícitos praticados por qual-quer agente, servidor ou não, que causem prejuízos ao erário, ressalvadas as respectivas ações de ressarcimento” (grifos nossos).

Considerando-se ser a Tomada de Contas Especial um processo admi-nistrativo que visa a identificar responsáveis por danos causados ao erário, e determinar o ressarcimento do prejuízo apurado, entendo aplicável ao caso sob exame a parte final do referido dispositivo constitucional.

Nesse sentido é a lição do Professor José Afonso da Silva:

“A prescritibilidade, como forma de perda da exigibilidade de direito, pela inér-cia de seu titular, é um princípio geral de direito. Não será, pois, de estranhar que ocorram prescrições administrativas sob vários aspectos, quer quanto às pre-tensões de interessados em face da Administração, quer quanto às desta em face de administrados. Assim é especialmente em relação aos ilícitos administrativos. Se a Administração não toma providência à sua apuração e à responsabilização do agente, a sua inércia gera a perda do seu ius persequendi. É o princípio que consta do art. 37, § 5º, que dispõe: ‘A lei estabelecerá os prazos de prescrição para ilícitos praticados por qualquer agente, servidor ou não, que causem prejuí-zo ao erário, ressalvadas as respectivas ações de ressarcimento’. Vê-se, porém, que há uma ressalva ao princípio. Nem tudo prescreverá. Apenas a apuração e punição do ilícito, não, porém, o direito da Administração ao ressarcimento, à in-denização, do prejuízo causado ao erário. É uma ressalva constitucional e, pois, inafastável, mas, por certo, destoante dos princípios jurídicos, que não socorrem quem fica inerte (dormientibus non sucurrit ius).”1

1 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. São Paulo: Malheiros, 2006. p. 673.

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Ademais, não se justifica a interpretação restritiva pretendida pela impe-trante, segundo a qual apenas os agentes públicos estariam abarcados pela cita-da norma constitucional, uma vez que, conforme bem apontado pela Procura-doria-Geral da República, tal entendimento importaria em injustificável quebra do princípio da isonomia.

Com efeito, não fosse a taxatividade do dispositivo em questão, o res-sarcimento de prejuízos ao erário, a salvo da prescrição, somente ocorreria na hipótese de ser o responsável agente público, liberando da obrigação os demais cidadãos. Tal conclusão, à evidência, sobre mostrar-se iníqua, certamente não foi desejada pelo legislador constituinte.

Isso posto, denego a segurança.

É como voto.

voto

O Senhor Ministro Eros Grau: – Senhor Presidente, o Ministro Ricardo Lewandowski teve a generosidade de citar o Mandado de Segurança nº 26.210. Por coincidência, há muitos anos, presidi a área de Direito do CNPq e da Capes e me lembro bem de bolsistas que foram e voltaram para engrandecer a Univer-sidade e o Poder Judiciário.

Para completar o meu raciocínio, digo apenas que a boa-fé não pode se prestar a justificar o enriquecimento sem causa de quem quer que seja.

Acompanho o Relator.

voto

O Senhor Ministro Carlos Britto – Senhor Presidente, faço, de logo, um elogio ao Doutor Maurício Zockun, que fez uma defesa vibrante, bem-funda-mentada, bem-exposta.

Agora, tendo a acompanhar o eminente Relator, no seu brilhante voto, porque entendo que, primeiro, a relação jurídica em causa atravessou as duas Constituições. Começou com uma, mas o fato é que o desembolso de boa parte dos recursos em prol da impetrante, então bolsista, se fez já no curso da atual Constituição.

Depois me parece que esse tipo de relação jurídica de financiamento ou concessão de bolsa de estudos no exterior incorpora um elemento lógico, mais do que de pertinência, de verdadeira inerência: o financiado retornar ao país para aplicar os conhecimentos obtidos lá fora. Obtidos por efeito de investimen-to público. O poder público investiu na candidata, na bolsista ora impetrante.

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Com que propósito? Para se valer, para tirar proveito do conhecimento que ela obteria no exterior por efeito desse financiamento público. Vale dizer, o retorno ao país mantém com esse tipo de relação jurídica mais do que um vínculo ló-gico de pertinência, um vínculo de inerência; ou seja, é da natureza da relação jurídica a exigência do retorno do aluno ao país após o financiamento do seu curso.

Eu teria apenas uma dúvida, Ministro Ricardo Lewandowski, em face da nossa Súmula nº 03, cujo teor é o seguinte:

“Nos processos perante o Tribunal de Contas da União asseguram-se o contradi-tório e a ampla defesa quando da decisão puder resultar anulação ou revogação de ato administrativo que beneficie o interessado, excetuada a apreciação da legalidade do ato de concessão inicial de aposentadoria, reforma e pensão.”

O Senhor Ministro Ricardo Lewandowski (Relator) – Não, essa maté-ria não foi ventilada, mas o processo de tomada de contas especial tem o rito próprio.

O Senhor Carlos Britto – Não foi ventilada. Não faz parte da causa de pedir, não integra o rol dos fundamentos.

O Senhor Ministro Ricardo Lewandowski (Relator) – Exatamente.

O Senhor Ministro Carlos Brito – Então, afastado esse aspecto da nossa Súmula nº 03, acompanho o eminente Relator também para denegar a segu-rança.

O Senhor Ministro Marco Aurélio – Senhor Presidente, em primeiro lu-gar, observo que a apuração do débito resultou de tomada de contas. E a toma-da de contas se faz relativamente aos administradores do órgão. Em segundo lugar, não compreendo a parte final do § 5º do art. 37 da Constituição Federal como a encerrar a imprescritibilidade das ações considerada a dívida passiva da União. Não. A ressalva remete à legislação existente e recepcionada pela Carta de 1988; a ressalva remete à disposição segundo a qual prescrevem as ações, a partir do nascimento destas, em cinco anos, quando se trata – repito – de dívida passiva da Fazenda. E isso homenageia a almejada segurança jurídica: a cicatri-zação de situações pela passagem do tempo.

Então, o que verifico? Verifico que, se a própria beneficiaria da bolsa claudicou, não retornando ao Brasil como se comprometera, os dirigentes do CNPq é que teriam inobservado a cláusula alusiva à bolsa, deixando de promo-ver a cobrança do ressarcimento, o reembolso das despesas efetuadas.

Indago: é possível, passados os cincos anos, eleger-se a beneficiária da bolsa como a responsável pelas contas – e houve tomada de contas pelo Tri-bunal de Contas da União – a ponto de se ressuscitar, no tocante a ela – não me refiro, aqui, aos administradores, presente a tomada de contas –, um débito

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alusivo a essa mesma bolsa? Não. Penso que, no caso, houve a prescrição de possível ação – e os pronunciamentos do Tribunal de Contas da União, reco-nhecendo o débito, têm força de título executivo extrajudicial – contra a benefi-ciária da bolsa pela passagem do tempo, pela passagem dos cincos anos.

Não adentro, portanto, a questão referente à possível responsabilidade dos dirigentes do CNPq, no que silenciaram, sabendo do término do curso – e presumo o que normalmente ocorre – de pós-graduação, do prazo para a apre-sentação de tese, diante da ausência de retorno da bolsista ao Brasil, e deixaram de acionar a Advocacia-Geral da União para o ingresso de ação visando a co-brar o que devido. E a ação surgiu exercitável naquele momento em que, con-forme está na própria cláusula, encerrado o curso com a apresentação de tese, não houve o retorno – não sei se, posteriormente, retornou a bolsista ao Brasil.

A Sra. Ministra Ellen Gracie – Pela inicial, ela tem endereço na Inglaterra.

O Senhor Ministro Carlos Britto – Acompanharia Vossa Excelência se o § 5º do art. 37, ao cuidar de imprescritibilidade – vamos chamar assim –, não fosse além da figura do agente administrativo, porque estabelece:

“Art. 37. [...]

§ 5º a lei estabelecerá os prazos e prescrição para ilícitos praticados por qualquer agente, servidor ou não, que causem prejuízos ao erário...”

Então, diante dessa regra...

O Senhor Ministro Marco Aurélio – Mas a minha premissa é outra. Não coloco na mesma vala a situação patrimonial alusiva ao ressarcimento e outras situações em que a Constituição afasta a prescrição. O constituinte de 1988 foi explícito, em certos casos, quanto à ausência de prescrição. Aqui, não. Não posso conceber que simplesmente haja o constituinte de 1988 deixado sobre a cabeça de possíveis devedores do erário, inclusive quanto ao ressarcimento por ato ilícito, praticado à margem da ordem jurídica, uma ação exercitável a qualquer momento.

O Senhor Ministro Carlos Britto – O meu raciocínio realmente é o de que, em se tratando de ressarcimento, as respectivas ações são imprescritíveis.

O Senhor Ministro Marco Aurélio – Não chego a esse ponto. As nossas premissas são diversas.

O Senhor Ministro Carlos Brito – Sim. São diferentes.

O Senhor Ministro Marco Aurélio – Não quanto ao conhecimento da obrigatoriedade, considerada até a ordem natural das coisas. Tem uma força incrível a cláusula genérica pela qual ela se declarou ciente dos parâmetros da concessão da bolsa. Evidentemente, ela tinha conhecimento e deveria reembol-sar o CNPq.

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Mas, levando em conta a passagem do tempo, peço vênia para conceder a ordem.

voto

O Senhor Ministro Cezar Peluso (Presidente) – A matéria envolve tema constitucional, que diz com o art. 37 da Constituição Federal. Concordo inte-gralmente com todas as demais ponderações e argumentos do eminente Relator, mas gostaria de fazer uma ressalva em relação à interpretação do art. 37, § 5º.

Esta norma estabelece claramente uma exceção – eu diria, exceção mar-cante – em relação a princípio jurídico universal: o princípio de limitação do prazo de exercício de todas as pretensões, porque é este requisito de segurança jurídica. Há larga discussão em doutrina sobre as ações declaratórias, para saber se seriam ou não imprescritíveis, mas a regra geral, como princípio universal, formulado em benefício da paz social e da segurança jurídica, é que todas as pretensões estão sujeitas à prescrição, e alguns direitos, sujeitos à decadência. Então, em se tratando se exceção a uma regra de tão amplo alcance, teria de ser interpretada, já desse ponto de vista, estritamente.

Em segundo lugar, o que me parece claro dessa regra – com o devido respeito – é que se trata de uma exceção à previsão de prescrição para ilícitos, ou seja, há aqui segunda exceção, normativa, uma exceção de segundo grau, que é de abrir ressalva à prescritibilidade em relação aos ilícitos praticados por qualquer agente, que, seja servidor ou não, cause prejuízo ao Erário.

Isso significa, no meu entender, que em primeiro lugar, a hipótese excep-cional não é de qualquer ilícito, sobretudo não é de ilícito civil. Aliás, o próprio Tribunal de Contas da União, ao prestar informações, invoca acertada doutrina que, provavelmente citada nos seus acórdãos, diz o seguinte:

“A Constituição Federal colocou fora do campo de normatização da Lei o prazo prescricional da ação de ressarcimento referente a prejuízos causados ao erá-rio, só podendo a lei estabelecer o prazo prescricional para os ilícitos, como tal podendo-se entender os crimes.”

Noutras palavras, as ações relativas a crimes são prescritíveis, não porém, as respectivas ações de ressarcimento. Respectivas do quê? Dos crimes, isto é, as ações tendentes a reparar os prejuízos oriundos da prática de crime danoso ao Erário. Este o sentido lógico do adjetivo “respectivos”. Não se trata, portanto, de qualquer ação de ressarcimento, senão apenas das ações de ressarcimento de danos oriundos de ilícitos de caráter criminal. Ai se entende, então, o caráter excepcional da regra da imprescritibilidade. Por quê? Porque é caso do ilícito mais grave na ordem jurídica. E a Constituição, por razões soberanas, enten-deu que, nesse caso, cuidando-se de delitos, no sentido criminal da palavra, as respectivas ações de ressarcimento não prescrevem, conquanto prescrevam as demais ações nascidas do ilícito penal.

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Ora, no caso – a mim, parece-me –, não há crime nenhum. De modo que não se aplicaria o princípio. Mas considero que, sendo hipótese de tomada de contas e de apuração do crédito da União, há sérias dúvidas a respeito da data do nascimento da pretensão. A meu ver, essa matéria deve ser mais bem eluci-dada no campo próprio, que é o da ação de execução fiscal.

Assim, com esta ressalva e a devida vênia do eminente Ministro Marco Aurélio, acompanho o eminente Relator, denegando a segurança, porque não me parece configurado caso típico de prescrição. E pelo fato de a segurança ser apenas denegada, tal matéria poderá, ainda que se não fizesse tal ressalva, ser rediscutida na ação própria de cobrança.

Com esta ressalva e pedindo vênia mais uma vez, acompanho o eminen-te Relator e também denego a segurança.

eXtrAto dA AtA

Mandado de Segurança nº 26.210-9

Proced.: Distrito Federal

Relator: Min. Ricardo Lewandowski

Impte.(s): Tania Costa Tribe

Adv.(a/s): Maurício Zockun e outro(a/s)

Impdo.(a/s): Tribunal de Contas da União

Decisão: O Tribunal, por maioria, vencido o Senhor Ministro Marco Aurélio, indeferiu a segurança, nos termos do voto do Relator. Votou o Presiden-te. Falaram, pela impetrante, o Dr. Maurício Zockun e, pelo Ministério Público Federal, o Procurador-Geral da República, Dr. Antônio Fernando Barros e Silva de Souza. Ausentes, justificadamente, a Senhora Ministra Cármen Lúcia e, neste julgamento, o Senhor Ministro Gilmar Mendes (Presidente). Presidiu o julga-mento o Senhor Ministro Cezar Peluso (Vice-Presidente). Plenário, 04.09.2008.

Presidência do Senhor Ministro Gilmar Mendes. Presentes à sessão os Senhores Ministros Celso de Mello, Marco Aurélio, Ellen Gracie, Cezar Peluso, Carlos Britto, Joaquim Barbosa, Ricardo Lewandowski, Eros Grau e Menezes Direito.

Procurador-Geral da República, Dr. Antônio Fernando Barros e Silva de Souza.

Luiz Tomimatsu Secretário

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Assunto Especial – Ementário

Tempo e Constituição

2530 – Ascensão funcional – decisão judicial de anulação proferida mais de 10 anos após a alteração – segurança jurídica – aquisição de direitos

“Mandado de segurança. Constitucional. Competência. Tribunal de Contas da União. Art. 71, III, da Constituição do Brasil. Fiscalização de empresas públicas e sociedades de economia mista. Possi-bilidade. Irrelevância do fato de terem ou não sido criadas por lei. Art. 37, XIX, da Constituição do Brasil. Ascensão funcional anulada pelo TCU após dez anos. Ato complexo. Inexistência. Deca-dência administrativa. Art. 54 da Lei nº 9.784/1999. Ofensa ao princípio da segurança jurídica e da boa-fé. Segurança concedida. 1. As empresas públicas e as sociedades de economia mista, entidades integrantes da Administração indireta, estão sujeitas à fiscalização do Tribunal de Contas, não obstan-te a aplicação do regime jurídico celetista aos seus funcionários. Precedente [MS 25.092, Rel. Min. Carlos Velloso, DJ de 17.03.2006]. 2. A circunstância de a sociedade de economia mista não ter sido criada por lei não afasta a competência do Tribunal de Contas. São sociedades de economia mista, inclusive para os efeitos do art. 37, XIX, da CB/1988, aquelas – anônimas ou não – sob o controle da União, dos Estados-membros, do Distrito Federal ou dos Municípios, independentemente da circuns-tância de terem sido criadas por lei. Precedente [MS 24.249, de que fui Relator, DJ de 03.06.2005]. 3. Não consubstancia ato administrativo complexo a anulação, pelo TCU, de atos relativos à adminis-tração de pessoal após dez anos da aprovação das contas da sociedade de economia mista pela mes-ma Corte de Contas. 4. A Administração decai do direito de anular atos administrativos de que decor-ram efeitos favoráveis aos destinatários após cinco anos, contados da data em que foram praticados [art. 54 da Lei nº 9.784/1999]. Precedente [MS 26.353, Rel. Min. Marco Aurélio, DJ de 06.03.2008]. 5. A anulação tardia de ato administrativo, após a consolidação de situação de fato e de direito, ofende o princípio da segurança jurídica. Precedentes [RE 85.179, Rel. Min. Bilac Pinto, RTJ 83/921 (1978); e MS 22.357, Rel. Min. Gilmar Mendes, DJ 05.11.2004]. Ordem concedida.” (STF – MS 26117 – Rel. Min. Eros Grau – Tribunal Pleno – Julgado em 20.05.2009 – DJe-208 Divulg. 05.11.2009 – Public. 06.11.2009 – Ement. – v. 02381-03 – p. 00590 – RIP – v. 11 – n. 58 – 2009 – p. 253-267)

2531 – Desapropriação indireta – prazo – aquisição de direitos

“Ação direta de inconstitucionalidade com pedido de liminar. Art. 1º da Medida Provisória nº 2.027-40, de 29 de junho de 2000, na parte que acrescenta parágrafo único ao art. 10 do Decreto-Lei nº 3.365, de 11 de junho de 1941. De há muito, a jurisprudência desta Corte afirmou que a ação de desapropriação indireta tem caráter real e não pessoal, traduzindo-se numa verdadeira ex-propriação às avessas, tendo o direito à indenização que daí nasce o mesmo fundamento da garantia constitucional da justa indenização nos casos de desapropriação regular. Não tendo o dispositivo ora impugnado sequer criado uma modalidade de usucapião por ato ilícito com o prazo de cinco anos para, através dele, transcorrido esse prazo, atribuir o direito de propriedade ao Poder Público sobre a coisa de que ele se apossou administrativamente, é relevante o fundamento jurídico da presente arguição de inconstitucionalidade no sentido de que a prescrição extintiva, ora criada, da ação de indenização por desapropriação indireta fere a garantia constitucional da justa e prévia indenização, a qual se aplica tanto à desapropriação direta como à indireta. Ocorrência, no caso, do requisito da conveniência para a concessão da liminar requerida. Já com referência à parte final do dispositivo impugnado no que tange à ‘ação que vise à indenização por restrições decorrentes de atos do Poder Público’, não se configura a plausibilidade jurídica de sua arguição de inconstitucionalidade. Liminar que se defere em parte, para suspender, com eficácia ex nunc e até o julgamento final desta ação, as expressões ‘ação de indenização por apossamento administrativo ou desapropriação indireta, bem como’ contidas no parágrafo único do art. 10 do Decreto-Lei nº 3.365/1941, a ele acrescentado pelo art. 1º da Medida Provisória nº 2.027-40, de 29 de junho de 2000, e suas subsequentes reedições.” (STF – ADIn 2260-MC – Rel. Min. Moreira Alves – TP – J. 14.02.2001 – DJ 02.08.2002 – p. 00056 – Ement. – v. 02076-02 – p. 00262)

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64 ......................................................................................................DPU Nº 56 – Mar-Abr/2014 – ASSUNTO ESPECIAL – EMENTÁRIO

2532 – Execução de sentença em ação coletiva – necessidade de preservação de situações jurídicas consolidadas – segurança jurídica

“Recurso extraordinário. Título judicial consubstanciador de sentença coletiva. Efetivação executó-ria individual. Possibilidade jurídica. Legislação local que define obrigações de pequeno valor (CF, art. 100, § 3º). Aplicabilidade imediata, desde que observadas situações jurídicas já consolidadas no tempo (direito adquirido, ato jurídico perfeito e coisa julgada), sob pena de ofensa ao postulado da segurança jurídica. Condenação judicial do Distrito Federal transitada em julgado em momento anterior ao da superveniência da lei distrital que reduziu o valor das obrigações devidas pela Fazen-da Pública, submetendo-as, em face dos novos parâmetros, ao regime ordinário de precatórios, em detrimento da utilização do mecanismo da requisição de pequeno valor (RPV). Execução instaurada, com fundamento em referido título executivo judicial, também em momento que precedeu a edição da legislação distrital mais gravosa. As normas estatais, tanto de direito material quanto de direito processual, não podem retroagir para afetar (ou para desconstituir) situações jurídicas previamente definidas com fundamento no ordenamento positivo então aplicável (limites estabelecidos no art. 87 do ADCT). Recurso de agravo improvido. Possibilidade de execução individual de sentença proferida em processo coletivo. O fato de tratar-se de mandado de segurança coletivo não representa obstáculo para que o interessado, favorecido pela sentença mandamental coletiva, promova, ele próprio, desde que integrante do grupo ou categoria processualmente substituídos pela parte impetrante, a execução individual desse mesmo julgado. Doutrina. Precedentes. Condenação transitada em julgado e instau-ração de execução contra entidade estatal devedora ocorridas sob a égide do art. 87 do ADCT: situa-ções processuais que não podem ser afetadas, para efeito de exclusão do mecanismo de RPV, por legislação local superveniente mais restritiva. O postulado da segurança jurídica, enquanto expressão do Estado Democrático de Direito, mostra-se impregnado de elevado conteúdo ético, social e jurídi-co, projetando-se sobre as relações jurídicas, mesmo as de direito público (RTJ 191/922), em ordem a viabilizar a incidência desse mesmo princípio sobre comportamentos de qualquer dos poderes ou órgãos do Estado, para que se preservem, desse modo, sem prejuízo ou surpresa para o administra-do, situações já consolidadas no passado. A essencialidade do postulado da segurança jurídica e a necessidade de se respeitarem situações consolidadas no tempo, especialmente quando amparadas pela boa-fé do cidadão, representam fatores a que o Poder Judiciário não pode ficar alheio. Doutrina. Precedentes. O Poder Público (o Distrito Federal, no caso), a pretexto de satisfazer conveniências próprias, não pode fazer incidir, retroativamente, sobre situações definitivamente consolidadas, nor-ma de direito local que reduza, para os fins do art. 100, § 3º, da Constituição, o valor das obrigações estatais devidas, para, com apoio em referida legislação, submeter a execução contra ele já iniciada, fundada em condenação judicial também já anteriormente transitada em julgado, ao regime ordiná-rio de precatórios, frustrando, desse modo, a utilização, pelo credor, do mecanismo mais favorável e ágil da requisição de pequeno valor, de aplicabilidade até então legitimada em razão dos parâmetros definidos no art. 87 do ADCT. Constitucionalidade do art. 131, § 2º, e do art. 83, § 1º, ambos do RISTF. Revestem-se de plena legitimidade constitucional as regras constantes do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal que não permitem sustentação oral em determinados processos (RISTF, art. 131, § 2º) e que definem as hipóteses de desnecessidade de prévia inclusão em pauta de certos feitos (RISTF, art. 83, § 1º). Precedentes.” (STF – RE 601914-AgRg – Rel. Min. Celso de Mello – 2ª T. – J. 06.03.2012 – Acórdão Eletrônico DJe-036 Divulg. 22.02.2013 – Public. 25.02.2013)

2533 – Omissão constitucional – ausência de regulamentação de direito fundamental – trans-curso de prazo

“Mandado de injunção. Garantia fundamental (CF, art. 5º, inciso LXXI). Direito de greve dos servido-res públicos civis (CF, art. 37, inciso VII). Evolução do tema na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF). Definição dos parâmetros de competência constitucional para apreciação no âmbito da Justiça Federal e da Justiça Estadual até a edição da legislação específica pertinente, nos termos do art. 37, VII, da CF. Em observância aos ditames da segurança jurídica e à evolução jurisprudencial na interpretação da omissão legislativa sobre o direito de greve dos servidores públicos civis, fixação do prazo de 60 (sessenta) dias para que o congresso nacional legisle sobre a matéria. Mandado de injun-ção deferido para determinar a aplicação das Leis nºs 7.701/1988 e 7.783/1989. 1. Sinais de evolu-ção da garantia fundamental do mandado de injunção na jurisprudência do Supremo Tribunal Fede-ral (STF). 1.1 No julgamento do MI 107/DF, Rel. Min. Moreira Alves, DJ 21.09.1990, o Plenário do STF consolidou entendimento que conferiu ao mandado de injunção os seguintes elementos opera-

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cionais: i) os direitos constitucionalmente garantidos por meio de mandado de injunção apresentam--se como direitos à expedição de um ato normativo, os quais, via de regra, não poderiam ser direta-mente satisfeitos por meio de provimento jurisdicional do STF; ii) a decisão judicial que declara a existência de uma omissão inconstitucional constata, igualmente, a mora do órgão ou poder legife-rante, insta-o a editar a norma requerida; iii) a omissão inconstitucional tanto pode referir-se a uma omissão total do legislador quanto a uma omissão parcial; iv) a decisão proferida em sede do contro-le abstrato de normas acerca da existência, ou não, de omissão é dotada de eficácia erga omnes, e não apresenta diferença significativa em relação a atos decisórios proferidos no contexto de mandado de injunção; iv) o STF possui competência constitucional para, na ação de mandado de injunção, determinar a suspensão de processos administrativos ou judiciais, com o intuito de assegurar ao inte-ressado a possibilidade de ser contemplado por norma mais benéfica, ou que lhe assegure o direito constitucional invocado; v) por fim, esse plexo de poderes institucionais legitima que o STF determine a edição de outras medidas que garantam a posição do impetrante até a oportuna expedição de nor-mas pelo legislador. 1.2 Apesar dos avanços proporcionados por essa construção jurisprudencial inicial, o STF flexibilizou a interpretação constitucional primeiramente fixada para conferir uma com-preensão mais abrangente à garantia fundamental do mandado de injunção. A partir de uma série de precedentes, o Tribunal passou a admitir soluções ‘normativas’ para a decisão judicial como alterna-tiva legítima de tornar a proteção judicial efetiva (CF, art. 5º, XXXV). Precedentes: MI 283, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ 14.11.1991; MI 232/RJ, Rel. Min. Moreira Alves, DJ 27.03.1992; MI 284, Rel. Min. Marco Aurélio, Red. p/o Ac. Min. Celso de Mello, DJ 26.06.1992; MI 543/DF, Rel. Min. Octavio Gallotti, DJ 24.05.2002; MI 679/DF, Rel. Min. Celso de Mello, DJ 17.12.2002; e MI 562/DF, Relª Min. Ellen Gracie, DJ 20.06.2003. 2. O mandado de injunção e o direito de greve dos servidores públicos civis na jurisprudência do STF. 2.1 O tema da existência, ou não, de omissão legislativa quanto à definição das possibilidades, condições e limites para o exercício do direito de greve por servidores públicos civis já foi, por diversas vezes, apreciado pelo STF. Em todas as oportunidades, esta Corte firmou o entendimento de que o objeto do mandado de injunção cingir-se-ia à declaração da existên-cia, ou não, de mora legislativa para a edição de norma regulamentadora específica. Precedentes: MI 20/DF, Rel. Min. Celso de Mello, DJ 22.11.1996; MI 585/TO, Rel. Min. Ilmar Galvão, DJ 02.08.2002; e MI 485/MT, Rel. Min. Maurício Corrêa, DJ 23.08.2002. 2.2 Em alguns precedentes(em especial, no voto do Min. Carlos Velloso, proferido no julgamento do MI 631/MS, Rel. Min. Ilmar Galvão, DJ 02..2002), aventou-se a possibilidade de aplicação aos servidores públicos civis da lei que disciplina os movimentos grevistas no âmbito do setor privado (Lei nº 7.783/1989). 3. Direito de greve dos ser-vidores públicos civis. Hipótese de omissão legislativa inconstitucional. Mora judicial, por diversas vezes, declarada pelo Plenário do STF. Riscos de consolidação de típica omissão judicial quanto à matéria. A experiência do direito comparado. Legitimidade de adoção de alternativas normativas e institucionais de superação da situação de omissão. 3.1 A permanência da situação de não regula-mentação do direito de greve dos servidores públicos civis contribui para a ampliação da regularida-de das instituições de um Estado democrático de Direito (CF, art. 1º). Além de o tema envolver uma série de questões estratégicas e orçamentárias diretamente relacionadas aos serviços públicos, a au-sência de parâmetros jurídicos de controle dos abusos cometidos na deflagração desse tipo específico de movimento grevista tem favorecido que o legítimo exercício de direitos constitucionais seja afas-tado por uma verdadeira ‘lei da selva’. 3.2 Apesar das modificações implementadas pela Emenda Constitucional nº 19/1998 quanto à modificação da reserva legal de lei complementar para a de lei ordinária específica (CF, art. 37, VII), observa-se que o direito de greve dos servidores públicos civis continua sem receber tratamento legislativo minimamente satisfatório para garantir o exercício dessa prerrogativa em consonância com imperativos constitucionais. 3.3 Tendo em vista as imperiosas ba-lizas jurídico-políticas que demandam a concretização do direito de greve a todos os trabalhadores, o STF não pode se abster de reconhecer que, assim como o controle judicial deve incidir sobre a atividade do legislador, é possível que a Corte Constitucional atue também nos casos de inatividade ou omissão do Legislativo. 3.4 A mora legislativa em questão já foi, por diversas vezes, declarada na ordem constitucional brasileira. Por esse motivo, a permanência dessa situação de ausência de regu-lamentação do direito de greve dos servidores públicos civis passa a invocar, para si, os riscos de consolidação de uma típica omissão judicial. 3.5 Na experiência do direito comparado (em especial, na Alemanha e na Itália), admite-se que o Poder Judiciário adote medidas normativas como alterna-tiva legítima de superação de omissões inconstitucionais, sem que a proteção judicial efetiva a direi-tos fundamentais se configure como ofensa ao modelo de separação de poderes (CF, art. 2º). 4. Direi-to de greve dos servidores públicos civis. Regulamentação da lei de greve dos trabalhadores em geral

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(Lei nº 7.783/1989). Fixação de parâmetros de controle judicial do exercício do direito de greve pelo legislador infraconstitucional. 4.1 A disciplina do direito de greve para os trabalhadores em geral, quanto às ‘atividades essenciais’, é especificamente delineada nos arts. 9º a 11 da Lei nº 7.783/1989. Na hipótese de aplicação dessa legislação geral ao caso específico do direito de greve dos servidores públicos, antes de tudo, afigura-se inegável o conflito existente entre as necessidades mínimas de legislação para o exercício do direito de greve dos servidores públicos civis (CF, art. 9º, caput, c/c art. 37, VII), de um lado, e o direito a serviços públicos adequados e prestados de forma contínua a todos os cidadãos (CF, art. 9º, § 1º), de outro. Evidentemente, não se outorgaria ao legislador qualquer poder discricionário quanto à edição, ou não, da lei disciplinadora do direito de greve. O legislador poderia adotar um modelo mais ou menos rígido, mais ou menos restritivo do direito de greve no âmbito do serviço público, mas não poderia deixar de reconhecer direito previamente definido pelo texto da Constituição. Considerada a evolução jurisprudencial do tema perante o STF, em sede do mandado de injunção, não se pode atribuir amplamente ao legislador a última palavra acerca da concessão, ou não, do direito de greve dos servidores públicos civis, sob pena de se esvaziar direito fundamental positivado. Tal premissa, contudo, não impede que, futuramente, o legislador infracons-titucional confira novos contornos acerca da adequada configuração da disciplina desse direito cons-titucional. 4.2 Considerada a omissão legislativa alegada na espécie, seria o caso de se acolher a pretensão, tão somente no sentido de que se aplique a Lei nº 7.783/1989 enquanto a omissão não for devidamente regulamentada por lei específica para os servidores públicos civis (CF, art. 37, VII). 4.3 Em razão dos imperativos da continuidade dos serviços públicos, contudo, não se pode afastar que, de acordo com as peculiaridades de cada caso concreto e mediante solicitação de entidade ou órgão legítimo, seja facultado ao Tribunal competente impor a observância a regime de greve mais severo em razão de tratar-se de ‘serviços ou atividades essenciais’, nos termos do regime fixado pelos arts. 9º a 11 da Lei nº 7.783/1989. Isso ocorre porque não se pode deixar de cogitar dos riscos decor-rentes das possibilidades de que a regulação dos serviços públicos que tenham características afins a esses ‘serviços ou atividades essenciais’ seja menos severa que a disciplina dispensada aos serviços privados ditos ‘essenciais’. 4.4 O sistema de judicialização do direito de greve dos servidores públi-cos civis está aberto para que outras atividades sejam submetidas a idêntico regime. Pela complexi-dade e variedade dos serviços públicos e atividades estratégicas típicas do Estado, há outros serviços públicos, cuja essencialidade não está contemplada pelo rol dos arts. 9º a 11 da Lei nº 7.783/1989. Para os fins desta decisão, a enunciação do regime fixado pelos arts. 9º a 11 da Lei nº 7.783/1989 é apenas exemplificativa (numerus apertus). 5. O processamento e o julgamento de eventuais dissídios de greve que envolvam servidores públicos civis devem obedecer ao modelo de competências e atribuições aplicável aos trabalhadores em geral (celetistas), nos termos da regulamentação da Lei nº 7.783/1989. A aplicação complementar da Lei nº 7.701/1988 visa à judicialização dos conflitos que envolvam os servidores públicos civis no contexto do atendimento de atividades relacionadas a necessidades inadiáveis da comunidade que, se não atendidas, coloquem ‘em perigo iminente a so-brevivência, a saúde ou a segurança da população’ (Lei nº 7.783/1989, parágrafo único, art. 11). 5.1 Pendência do julgamento de mérito da ADIn 3.395/DF, Rel. Min. Cezar Peluso, na qual se discu-te a competência constitucional para a apreciação das ‘ações oriundas da relação de trabalho, abran-gidos os entes de direito público externo e da Administração Pública direta e indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios’ (CF, art. 114, I, na redação conferida pela EC 45/2004). 5.2 Diante da singularidade do debate constitucional do direito de greve dos servidores públicos ci-vis, sob pena de injustificada e inadmissível negativa de prestação jurisdicional nos âmbitos federal, estadual e municipal, devem-se fixar também os parâmetros institucionais e constitucionais de defi-nição de competência, provisória e ampliativa, para a apreciação de dissídios de greve instaurados entre o Poder Público e os servidores públicos civis. 5.3 No plano procedimental, afigura-se reco-mendável aplicar ao caso concreto a disciplina da Lei nº 7.701/1988 (que versa sobre especialização das Turmas dos Tribunais do Trabalho em processos coletivos), no que tange à competência para apreciar e julgar eventuais conflitos judiciais referentes à greve de servidores públicos que sejam suscitados até o momento de colmatação legislativa específica da lacuna ora declarada, nos termos do inciso VII do art. 37 da CF. 5.4 A adequação e a necessidade da definição dessas questões de or-ganização e procedimento dizem respeito a elementos de fixação de competência constitucional de modo a assegurar, a um só tempo, a possibilidade e, sobretudo, os limites ao exercício do direito constitucional de greve dos servidores públicos, e a continuidade na prestação dos serviços públicos. Ao adotar essa medida, este Tribunal passa a assegurar o direito de greve constitucionalmente garan-tido no art. 37, VII, da Constituição Federal, sem desconsiderar a garantia da continuidade de pres-

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tação de serviços públicos – um elemento fundamental para a preservação do interesse público em áreas que são extremamente demandadas pela sociedade. 6. Definição dos parâmetros de competên-cia constitucional para apreciação do tema no âmbito da Justiça Federal e da Justiça Estadual até a edição da legislação específica pertinente, nos termos do art. 37, VII, da CF. Fixação do prazo de 60 (sessenta) dias para que o congresso nacional legisle sobre a matéria. Mandado de injunção deferido para determinar a aplicação das Leis nºs 7.701/1988 e 7.783/1989. 6.1 Aplicabilidade aos servidores públicos civis da Lei nº 7.783/1989, sem prejuízo de que, diante do caso concreto e mediante solici-tação de entidade ou órgão legítimo, seja facultado ao juízo competente a fixação de regime de greve mais severo, em razão de tratarem de ‘serviços ou atividades essenciais’ (Lei nº 7.783/1989, arts. 9º a 11). 6.2 Nessa extensão do deferimento do mandado de injunção, aplicação da Lei nº 7.701/1988, no que tange à competência para apreciar e julgar eventuais conflitos judiciais refe-rentes à greve de servidores públicos que sejam suscitados até o momento de colmatação legislativa específica da lacuna ora declarada, nos termos do inciso VII do art. 37 da CF. 6.3 Até a devida disci-plina legislativa, devem-se definir as situações provisórias de competência constitucional para a apre-ciação desses dissídios no contexto nacional, regional, estadual e municipal. Assim, nas condições acima especificadas, se a paralisação for de âmbito nacional, ou abranger mais de uma região da Justiça Federal, ou, ainda, compreender mais de uma unidade da Federação, a competência para o dissídio de greve será do Superior Tribunal de Justiça (por aplicação analógica do art. 2º, I, a, da Lei nº 7.701/1988). Ainda no âmbito federal, se a controvérsia estiver adstrita a uma única região da Justiça Federal, a competência será dos Tribunais Regionais Federais (aplicação analógica do art. 6º da Lei nº 7.701/1988). Para o caso da jurisdição no contexto estadual ou municipal, se a controvérsia estiver adstrita a uma unidade da Federação, a competência será do respectivo Tribunal de Justiça (também por aplicação analógica do art. 6º da Lei nº 7.701/1988). As greves de âmbito local ou mu-nicipal serão dirimidas pelo Tribunal de Justiça ou Tribunal Regional Federal com jurisdição sobre o local da paralisação, conforme se trate de greve de servidores municipais, estaduais ou federais. 6.4 Considerados os parâmetros acima delineados, a par da competência para o dissídio de greve em si, no qual se discuta a abusividade, ou não, da greve, os referidos Tribunais, nos âmbitos de sua juris-dição, serão competentes para decidir acerca do mérito do pagamento, ou não, dos dias de paralisa-ção em consonância com a excepcionalidade de que esse juízo se reveste. Nesse contexto, nos ter-mos do art. 7º da Lei nº 7.783/1989, a deflagração da greve, em princípio, corresponde à suspensão do contrato de trabalho. Como regra geral, portanto, os salários dos dias de paralisação não deverão ser pagos, salvo no caso em que a greve tenha sido provocada justamente por atraso no pagamento aos servidores públicos civis, ou por outras situações excepcionais que justifiquem o afastamento da premissa da suspensão do contrato de trabalho (art. 7º da Lei nº 7.783/1989, in fine). 6.5 Os Tribunais mencionados também serão competentes para apreciar e julgar medidas cautelares eventualmente incidentes relacionadas ao exercício do direito de greve dos servidores públicos civis, tais como: i) aquelas nas quais se postule a preservação do objeto da querela judicial, qual seja, o percentual mí-nimo de servidores públicos que deve continuar trabalhando durante o movimento paredista, ou mesmo a proibição de qualquer tipo de paralisação; ii) os interditos possessórios para a desocupação de dependências dos órgãos públicos eventualmente tomados por grevistas; e iii) as demais medidas cautelares que apresentem conexão direta com o dissídio coletivo de greve. 6.6 Em razão da evolu-ção jurisprudencial sobre o tema da interpretação da omissão legislativa do direito de greve dos ser-vidores públicos civis e em respeito aos ditames de segurança jurídica, fixa-se o prazo de 60 (sessen-ta) dias para que o Congresso Nacional legisle sobre a matéria. 6.7 Mandado de injunção conhecido e, no mérito, deferido para, nos termos acima especificados, determinar a aplicação das Leis nºs 7.701/1988 e 7.783/1989 aos conflitos e às ações judiciais que envolvam a interpretação do di-reito de greve dos servidores públicos civis.” (STF – MI 708 – Rel. Min. Gilmar Mendes – TP – J. 25.10.2007 – DJe-206 Divulg. 30.10.2008 – Public. 31.10.2008 – Ement. – v. 02339-02 – p. 00207 – RTJ – v. 00207-02 – p. 00471)

2534 – Prazos estabelecidos na constituição das omissões constitucionais caracterizadas pelo passar do tempo

“Mandado de injunção. Aposentadoria especial de servidor público. Art. 40, § 4º, da Constituição Federal, aplicação das normas do regime geral de Previdência Social. Não cabimento de manda-do de injunção para categorias que possuem lei específica regulamentando sua aposentadoria de forma diferenciada. Constitucionalidade da ausência de tempo de contribuição diferenciado para

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a concessão de aposentadoria especial a homens e mulheres. Agravo improvido. 1. Segundo a jurisprudência do STF, a omissão legislativa na regulamentação do art. 40, § 4º, da Constituição deve ser suprida mediante a aplicação das normas do Regime Geral de Previdência Social previstas na Lei nº 8.213/1991 e no Decreto nº 3.048/1999. Porém, os servidores públicos policiais, regi-dos pela Lei Complementar nº 51/1985, não têm direito ao aproveitamento de outras atividades para a sua aposentadoria, ainda que desempenhadas em condições especiais, diante da ausência de omissão legislativa. Ainda, a LC 51/1985 foi considerada recepcionada pela Constituição de 1988 no julgamento da ADIn 3817, não havendo inconstitucionalidade na exigência do mesmo tempo de contribuição para homens e mulheres, tratamento idêntico ao conferido pela norma que as impetrantes pretendem ver aplicada sobre a sua aposentadoria (art. 57 da Lei nº 8.213/1991). 2. Agravo regimental improvido.” (STF – MI 2406-AgRg – Rel. Min. Teori Zavascki – TP – J. 17.10.2013 – Acórdão Eletrônico DJe-225 Divulg. 13.11.2013 – Public. 14.11.2013)

2535 – Prescrição – Ação de ressarcimento ao Erário – Inocorrência

“Agravo regimental no agravo de instrumento. Direito administrativo. Dano ao Erário. Art. 37, § 5º, da CF. Imprescritibilidade. Precedentes. Pretensão de rejulgamento da causa pelo Plenário e alegação de necessidade de demonstração de dano concreto para se impor a condenação ao res-sarcimento em razão do dano causado à Administração Pública. Submissão da matéria a reexa-me pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal. Agravo regimental provido, determinando-se o processamento do recurso obstado na origem. 1. O Supremo Tribunal Federal tem jurisprudência assente no sentido da imprescritibilidade das ações de ressarcimentos de danos ao Erário. Prece-dentes: MS 26210/DF, TP, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, 10.10.2008; RE 578.428/RS-AgRg, Segunda Turma, Rel. Min. Ayres Britto, DJe 14.11.2011; RE 646.741/RS-AgRg, Segunda Turma, Rel. Min. Gilmar Mendes, DJe 22.10.2012; AI 712.435/SP-AgRg, Primeira Turma, Relª Min. Rosa Weber, DJe 12.04.2012. 2. Agravo regimental. Pleito formalizado no sentido de submeter o tema a reexame do Plenário da Corte. Cabimento da pretensão, porquanto entendo relevante a questão jurídica e aceno com a necessidade de reapreciação da matéria pelo Supremo Tribunal Federal. 3. Agravo regimental provido, determinando-se o processamento do recurso extraordinário obstado pelo Tribunal de origem.” (STF – AI 819135-AgRg – Rel. Min. Luiz Fux – 1ª T. – J. 28.05.2013 – Acór-dão Eletrônico DJe-161 Divulg. 16.08.2013 – Public. 19.08.2013)

Comentário IDPÉ lugar-comum ouvir nos primeiros semestres das faculdades de Direito a expressão “o Direito não socorre aos que dormem”, tradução do Latim dormientibus non succurrit jus. A regra, de fato, é a necessidade de agir para exercer o Direito, sendo este fulminado pela inércia após o decurso do prazo prescricional/decadencial estabelecido em Lei. Mas, como toda regra, esta também possui exceções que a confirmam. Algumas mais evidentes, como a imprescritibilidade dos crimes de racismo ou terrorismo (CF 1988, art. 5º, XLII e XLIV, respectivamente), outras menos, como o caso das ações de ressarcimento ao Erário decorrente da prática de ilícito.

Com efeito, o § 5º do art. 37 da Constituição determina que a “lei estabelecerá os prazos de prescrição para ilícitos praticados por qualquer agente, servidor ou não, que causem prejuízos ao Erário, ressalvadas as respectivas ações de ressarcimento”. A ressalva contida ao final do pa-rágrafo, portanto, deu margem ao entendimento amplamente majoritário na doutrina e pacífico na jurisprudência de que a possibilidade de ressarcimento de dano ao Erário não estaria sujeito às consequências do decurso do prazo para o seu exercício.

Por um lado, se abrir uma nova possibilidade de imprescritibilidade aumenta a já combalida noção de “segurança jurídica”, por outro lado revela a intenção (ainda que não muito clara no Texto Constitucional) do legislador constituinte, assim reconhecida na exegese do artigo feita pela Corte Suprema, de condenar com maior veemência atos de improbidade lesivos ao Erário.

Em suma, a segurança jurídica decorrente do decurso dos prazos prescricionais/decadenciais é um instrumento de defesa de todo e qualquer cidadão, uma proteção contra a “espada de Dâmo-cles” que possa pairar sobre a cabeça de qualquer um que por ação ou omissão, voluntária ou in-voluntária, culposa ou dolosa, consciente ou inconscientemente, possa ter causado algum dano. Essa segurança, no entanto, é retirada em situações excepcionais – e é de suma importância que estas situações permaneçam qualificadas como “excepcionais” –, onde o interesse coletivo se

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sobrepõe de tal forma, onde a conduta é tão reprovável, onde a ofensa aos valores sociais sejam tão graves, que nem o “cochilo” ou mesmo o “sono profundo” impeçam o socorro ao Direito.

Bruno Degrazia

2536 – Prescrição – Bolsista do CNPQ – devolução dos valores – imprescritibilidade – art. 37, § 5º, da Constituição

“Mandado de segurança. Tribunal de Contas da União. Bolsista do CNPQ. Descumprimento da obrigação de retornar ao País após término da concessão de bolsa para estudo no exterior. Res-sarcimento ao Erário. Inocorrência de prescrição. Denegação da segurança. I – O beneficiário de bolsa de estudos no exterior patrocinada pelo Poder Público não pode alegar desconhecimento de obrigação constante no contrato por ele subscrito e nas normas do órgão provedor. II – Prece-dente: MS 24.519, Rel. Min. Eros Grau. III – Incidência, na espécie, do disposto no art. 37, § 5º, da Constituição Federal, no tocante à alegada prescrição. IV – Segurança denegada.” (STF – MS 26210 – Rel. Min. Ricardo Lewandowski – TP – J. 04.09.2008, DJe-192 Divulg. 09.10.2008 – Pu-blic. 10.10.2008 – Ement. – v. 02336-01 – p. 00170 – RTJ – v. 00207-02 – p. 00634 – RT – v. 98 – nº 879 – 2009 – p. 170-176 – RF – v. 104 – nº 400 – 2008 – p. 351-358 – LEXSTF – v. 31 – nº 361 – 2009 – p. 148-159)

2537 – Transferência de aluno – conclusão do curso superior – teoria do fato consu mado

“Agravo regimental no recurso extraordinário. Aluno. Transferência. Conclusão do curso. Teo-ria do fato consumado. Aplicabilidade. O Supremo, ao analisar hipótese em que houvera conclu-são de curso superior antes do trânsito em julgado da decisão em que se discutia a idoneidade do ato de matrícula do aluno, manifestou-se pela aplicação da teoria do fato consumado à espécie. Agravo regimental a que se dá provimento.” (STF – RE 429906-AgRg – Rel. Min. Eros Grau – 2ª T. – J. 19.08.2008 – DJe-172 Divulg. 11.09.2008 – Public. 12.09.2008 – Ement. – v. 02332-04 – p. 00720 – RTJ – v. 00206-03 – p. 01133)

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Parte Geral – Doutrina

A Constituição dos Estados Unidos, Separação de Poderes e Poder Regulamentador1

DÉBORA MARA CORREA DE AZEVEDOPossui graduação em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (1996), Pós‑Graduação em Direito do Estado pela UFRGS. Atuou como advogada de 1997 a 2008. Atualmente exerce atividades na UFRGS (PPG‑Agronegócios), na qualidade de servidora es‑tatutária.

Submissão: 17.10.2013Decisão Editorial: 16.01.2013

RESUMO: Muitos estudos sobre a Constituição dos Estados Unidos têm sido realizados no sentido de tentar explicar a sua longevidade e vigência. Sabe‑se que, desde o final do século XVIII, ela exerce uma profunda influência sobre os modelos institucionais da democracia ocidental, e, como é de conhecimento de todos, permanece soberana e viva até os dias de hoje3. Entretanto, existem entendimentos no sentido de que a solidez desse documento possa estar abalada, seja no tocante a modificações exigíveis a todas as Constituições por conta da evolução social, situação econômica e administrativa de cada nação; seja em razão das demandas impostas aos governos para o próprio desenvolvimento do País. Estudos existem também no sentido de que a longevidade da Constitui‑ção estadunidense não teria perdurado por tanto tempo, e que, implicitamente, mudanças objetivas ocorreram nesses mais de 200 anos de existência. Tais mudanças objetivas seriam decorrência de alterações interpretativas que atribuíram sentidos diversos ao texto constitucional, e, por conseguin‑te, essas mudanças de compreensão teriam gerado novos direitos. Nesse diapasão foram travados, nos dias atuais, alguns debates entre constitucionalistas americanos acerca da possível necessidade de alteração da Constituição norte‑americana. Destaca‑se, nesse caso, uma possível nova divisão de poderes. Adiante, observar‑se‑á, em especial, o entendimento do Professor Bruce Ackerman, do Professor Neal Kumar Katyal, do também Professor Christopher Yoo e do Constitucionalista ameri‑cano Laurence Tribe, que tratam, entre outros assuntos, acerca da divisão de poderes e do poder regulamentador das agências reguladoras nos Estados Unidos. Diante desse estudo, é possível con‑cluir que, de fato, as alterações interpretativas da Constituição estadunidense foram tantas e tão grandes, podendo‑se afirmar que a Carta não permaneceu intacta durante os mais de 200 anos de sua existência. No tocante à doutrina da nova divisão de poderes, verifica‑se que há um debate acerca do assunto, sendo que alguns se mostram favoráveis à criação de agências reguladoras como um quarto poder, ou mesmo dentro do Poder Executivo, e outros, ainda, são contrários a essa teoria.

PALAVRAS‑CHAVE: Constituição norte‑americana; nova separação de poderes; agências reguladoras.

ABSTRACT: Many studies on the U.S. Constitution have been made trying to explain its longevity and effectiveness. It is known that since the late eighteenth century it exerts a deep influence on Western

1 Sugestão de publicação: Revista Direito Público (ISSN 1806-8200).

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institutional models of democracy, and as everybody knows, it remains sovereign and live up to the present. However, there are opinions that the solidity of that document may be shaken, either as to changes demandable to all Constitutions due to social evolution and the economical and administrati‑ve situation of each nation, or because of the demands imposed to governments for the development of the country. Also, there are studies affirming that the longevity of the U.S. Constitution would not have lasted so long, and that, implicitly, objective changes have occurred over 200 years of existen‑ce. Such objective changes would be due to interpretative alterations which had attributed different meanings to the constitutional text, and, therefore, those changes of understanding would have generated new rights. Currently, some discussions have occurred among the Constitutionalists about the possible necessity of changing the U.S. Constitution. It’s noteworthy, a possible new division of powers. Further, it will be observed, in particular, the understanding of Professor Bruce Ackerman, Professor Neal Kumar Katyal, and Professor Christopher Yoo, as well as the American constitutionalist Laurence Tribe who, among other things, deal with the division of powers and the regulatory power of the regulatory agencies in the United States. Thus, it is possible to conclude that interpretative changes of U.S. Constitution were so many and so large that it can be affirmed that the Constitution has not remained intact for over the 200 years of its existence. As to the new doctrine of division of powers, it is verified that there is a debate about the subject and some are favorable to the creation of regulatory agencies as a fourth Power, or even within the Executive Power, and others are against this theory.

KEYWORDS: U.S. Constitution; the new separation of powers; regulatory agencies.

SUMÁRIO: Introdução; 1 O surgimento da Constituição Norte‑Americana; 2 Bill of rigths e garantia dos direitos naturais; 3 Um novo olhar acerca da solidez e imutabilidade da Constituição Norte‑‑Americana; 4 O caso Plessy v. Ferguson; 5 A Corte de Warren; 6 Da divisão de poderes; 7 O sistema de checks and balances; 8 O poder regulador; 9 O Administrative Procedure Act (Lei de Procedimento Administrativo) e as agências reguladoras; 10 Discussão acerca da competência sobre as agências; 11 Das Modernas Doutrinas da Separação de Poderes; 11.1 Bruce Ackerman; 11.2 O entendimento do Professor Neal Kumar Katyal; 11.3 Pode o diálogo entre agências servir como a nova separação de poderes? (Professor Christopher S. Yoo); 11.4 Laurence Tribe; Conclusão; Referências.

INTRODUÇÃOO debate acerca dos fundamentos sobre os quais se assenta a Constitui-

ção norte-americana sempre existiu, mas a razão do poder efetivo desse docu-mento até hoje enseja discussões entre os mais renomados constitucionalistas. Interessante é notar que se trata, a Carta Constitucional, de um documento que possui somente sete artigos; e tão somente 27 emendas foram editadas desde a sua criação (1789), sendo que o presente estudo se propõe a analisar o enten-dimento de modernos doutrinadores acerca de mudanças propostas no sistema de divisão de poderes da constituição estadunidense.

1 O SURGIMENTO DA CONSTITUIÇÃO NORTE-AMERICANA Importa, por primeiro, relembrar o momento histórico em que a Consti-

tuição norte-americana foi promulgada.

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Sabe-se que no final do século XVIII as então colônias inglesas norte--americanas se desenvolviam com certa autonomia da coroa inglesa, sendo que o consequente descontentamento com o parlamento inglês decorrente da forte arrecadação imposta aos colonos, a desorganização administrativa da Inglaterra decorrente das constantes trocas de Primeiro Ministro efetuadas pelo Rei George II, entre outros fatores, culminaram com o processo de independência das treze colônias.

Nessa mesma época, as publicações de Russeau, Voltaire e Locke – o qual idealizou pela primeira vez o Princípio da Separação dos Poderes – apareciam na Europa e, por consequência, passaram a influenciar também a elite colonial da América do Norte. Enfim, o iluminismo francês florescia na América e influenciava sobremaneira também os idealizadores da primeira e única Constituição americana.

Sendo a primeira Constituição escrita no mundo, foi elaborada pelos re-presentantes de nove das treze colônias que formavam a nacionalidade das colônias inglesas, corporificando o raciocínio filosófico do século XVIII. Na sua formação prevaleceu a ideia de conceder à nacionalidade americana, já inde-pendente, uma Carta de Princípios que fortalecesse a nacionalidade, e conse-quentemente a liberdade, a prosperidade e a democracia. Os Fundadores da Constituição norte-americana, todos formados no iluminismo e no protestantis-mo, fizeram dela um modelo do racionalismo da época2.

O debate original que cercou a criação da Constituição em 1787-1788 formou-se entre os federalistas e os antifederalistas. Os primeiros, partidários e criadores da carta, argumentavam que a Constituição era o cumprimento, e não repúdio, da Revolução, e oferecia um governo inteiramente republicano e popular. Nesse sentido são as palavras de Martin Diamond: “Com a Consti-tuição os norte-americanos completaram a meia-revolução iniciada em 1776 e tornaram-se o primeiro povo moderno a enfrentar plenamente a questão da democracia”3.

Em contrapartida, os oponentes denunciavam que a Constituição era uma negação dos princípios de 1776 (Estatuto da Confederação) e um docu-mento aristocrático para criar um governo antidemocrático. Nesse passo, cum-pre salientar que permanece até hoje o entendimento de alguns estudiosos no sentido de que a Constituição é antidemocrática, e que se destinou a proteger os ricos frustrando as maiorias populares4.

Enfim, democrática ou não, o entendimento predominante é o de que a Constituição permanece até hoje incólume e soberana. Nesse sentido, pode-se

2 SCANTIMBURGO, João de. Prefácio. In: PADOVER, Saul K. A constituição viva dos Estados Unidos. São Paulo: IBRASA, 1987. p. 160.

3 GOLDWIN, Robert A; SCHAMBRA, William A. Constituição norte-americana. Rio de janeiro: Forense, 1986. p. 190.

4 Idem, ibidem.

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afirmar que certamente nenhum dos líderes revolucionários da época da inde-pendência poderia prever a possibilidade da ascensão, sobre toda a América, de um governo nacional tão forte e tão amplo quanto o que a Constituição ofereceu.

Alguns atribuem o fato de tratar-se, o futuro país que veio a ser cha-mado Estados Unidos da América, na época, de uma terra sem passado, sem história, que acolheu homens para nela começarem uma vida nova, e que foi preponderante para o estabelecimento de instituições duradouras, bem como para inaugurarem uma república presidencial. Os Fundadores restauraram a ideia da República, deram-lhe conteúdo político e acrescentaram-lhe o que nunca antes lhe fora possível, a eleição de um Presidente com mandato a prazo determinado5.

2 BILL OF RIGTHS E GARANTIA DOS DIREITOS NATURAIS Importa referir que, após a conclusão do texto constitucional, para aquie-

tar as severas críticas e lograr a ratificação do documento, os defensores da constituição prometeram uma Declaração de Direitos destinada a proteger os cidadãos contra o governo. Assim, no primeiro Congresso introduziu-se uma série de emendas, das quais as dez primeiras passaram a ser conhecidas como Declaração de Direitos (Bill of Rights) contendo garantias estritas e permanentes contra as indevidas e ilegais intromissões governamentais na vida do indivíduo. A Declaração de Direitos entrou em vigor em novembro de 1791, e é consi-derada por seus defensores um dos feitos mais nobres e sólidos da democracia norte-americana.

A ratificação ocorreu entre dezembro de 1787 e maio de 1790, sendo que Rhode Island foi o último Estado a promover a ratificação6.

A Constituição, portanto, confunde-se com o próprio ato de fundação dos Estados Unidos, mas vale dizer que ela não se limita a organizar instituições políticas do país. Inspirada também pelas ideias da escola de direito natural e recorrendo à ideia de contrato social, fixa solenemente os limites dos poderes reconhecidos às autoridades federais nas suas relações com o Estado e com os cidadãos. Tais limites foram especialmente determinados pelas dez primeiras emendas7.

A Constituição dos Estados Unidos garantiu também, após as Emendas nºs 13, 14 e 15, votadas no período da Guerra Civil, que alguns direito naturais não serão violados ou postos em xeque pelas autoridades dos Estados.

5 SCANTIMBURGO, João de. Prefácio. In: PADOVER, Saul K. Op. cit., p. 160.6 PADOVER, Saul K. A constituição viva dos Estados Unidos. São Paulo: IBRASA, 1987. p. 27-28.7 DAVID, Renè. Os grandes sistemas de direito contemporâneo. São Paulo: Martins Fontes, 2002. p. 494.

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Cumpre referir, finalmente, que o texto constitucional deixa perceber que na formação da Carta Constitucional houve uma preocupação com a rigidez formal e a flexibilidade material do documento, o que está claramente demons-trado na sua parte inicial quando trata da separação de poderes, não sendo ad-mitidas interferências recíprocas nem a transferência de poderes, nem parcial, nem temporal8.

3 UM NOVO OLHAR ACERCA DA SOLIDEZ E IMUTABILIDADE DA CONSTITUIÇÃO NORTE-AMERICANADe igual forma, importa ressaltar os entendimentos contrários que se re-

velam com o aprofundamento dos estudos acerca dessa renomada Constitui-ção. No artigo “O constitucionalismo norte-americano e sua contribuição para a compreensão contemporânea da Constituição”, o Professor Doutor José Luiz Quadro de Magalhães, da PUCMG e UFMG, refere que

sobre a Constituição norte-americana muito tem se falado, por isso muitos são também os equívocos. Primeiro diz-se que os Estados Unidos tiveram apenas uma Constituição, mas esta não parece ser a compreensão de seus intérpretes e estudiosos. Alguns autores afirmam encontrar-se nos Estados Unidos da América ao menos três Constituições, outros falam em sete Constituições diferentes. Isso significa que, embora desde 1787 o texto com sete artigos permaneça em vigor com 27 emendas, ocorreram modificações interpretativas que atribuíram senti-dos diversos aos significantes do seu texto, e essas mudanças de compreensão geraram novos direitos.

Para compreender o que foi dito, é importante lembrar que Constituição não é texto. O texto é um sistema de significantes aos quais atribuímos significa-dos. Nesse sentido, toda leitura de um texto significa atribuição de sentidos e atribuição de sentidos significa atribuir valores, que mudam quando mudam os valores sociais. A sociedade muda por meio das contradições e conflitos internos e externos. Logo, quando muda a sociedade, mudam os valores, logo, mudam os conceitos das palavras (significantes), aos quais, portanto, passamos atribuir novos significados.

O processo evolutivo da Constituição dos Estados Unidos da América ocorre, principalmente, por meio das suas mutações interpretativas, decorrentes da evo-lução de valores de uma sociedade em permanente conflito.9

Dessa forma, verifica-se uma nova forma de interpretação da Constitui-ção de 1789. Compartilham do mesmo entendimento do Professor Magalhães renomados constitucionalistas, conforme adiante se observará.

8 Idem, ibidem.9 MAGALHÃES, José Luiz Quadros de. O constitucionalismo norte-americano e sua contribuição para a

compreensão contemporânea da Constituição. Jus Navigandi, Teresina, n. 452, out. 2004. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/5769>. Acesso em: 18 dez. 2012.

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Interessante é notar o entendimento de Jorge Miranda quanto à necessi-dade de modificações constitucionais em âmbito geral:

Se as Constituições na sua grande maioria se pretendem definitivas no sentido de voltadas para o futuro, sem duração prefixada, nenhuma Constituição que vigore por um período mais ou menos longo deixa de sofrer modificações – para se adaptar às circunstâncias e a novos tempos ou para acorrer a exigências de solução de problemas que podem nascer até da sua própria aplicação.

A modificação das Constituições é um fenômeno inelutável da vida jurídica, im-posta pela tensão com a realidade constitucional e pela necessidade de efeti-vidade que as tem de marcar, mais do que modificáveis, as Constituições são modificadas. Ou, doutro prisma (na senda de certa doutrina): nenhuma Constitui-ção se esgota num momento único – o da sua criação; enquanto dura, qualquer constituição resolve-se num processo – o da sua aplicação – no qual intervêm todas as participantes na vida Constitucional.10

Calha referir, ainda, o posicionamento do Professor José Luiz Quadro de Magalhães, quando refere que o principal motivo da existência de poucas mu-danças formais do texto, por meio de emendas, é o fato de que esse texto sinté-tico e principiológico permite mutações interpretativas, mudança de compreen-são de seu sentido e do conceito de seus princípios, que torna desnecessário o recurso constante da mudança do texto, pois muda-se a Constituição mudando o seu sentido, a sua compreensão, sem ter que mudar o texto.

No tocante à limitação de interpretação constitucional, o Professor ressal-ta que a mudança interpretativa tem limites, impostos pelo próprio texto. Logo, um texto sintético, que contenha mais princípios do que regras, permite maiores mudanças interpretativas do que um texto analítico, com excesso de regras, que travem a mudanças de compreensão dos princípios. Quanto mais detalhado o texto, quanto mais regras, menor o espaço para as mudanças interpretativas. Se-gundo ele, pode-se dizer que mesmo um texto detalhado, minucioso, também muda de sentido, embora o espaço da mudança seja menor.

Conclui, aduzindo que, ao contrário do que se diz, de que a Constituição dos EUA é uma pequena, o seu texto sintético permite construções interpretati-vas muito amplas, fazendo com que a constituição dos EUA, juntamente com a Inglesa, seja uma das maiores Constituições do planeta, pois, para compreendê--la, é necessário buscar a leitura que os tribunais fazem do seu texto. Integram a Constituição as decisões judiciais que dão densidade aos seus princípios diante do caso concreto11.

10 MIRANDA Jorge. Teoria do estado da constituição. 3. ed. rev., atual. e ampl. Rio de Janeiro: Forense, 2011. p. 247

11 MAGALHÃES, José Luiz Quadros de. O constitucionalismo norte-americano e sua contribuição para a compreensão contemporânea da Constituição. Jus Navigandi, Teresina, n. 452, out. 2004. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/5769>. Acesso em: 18 dez. 2012.

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4 O CASO PLESSY V. FERGUSONA título ilustrativo convém referir que, nesse mesmo texto, o autor faz re-

ferência à pesquisa da Professora Carla Dumont Oliveira, da Pontifícia Univer-sidade Católica de Minas Gerais, sobre a reforma da Constituição dos Estados Unidos, exemplificando o famoso caso Plessy v. Ferguson, no qual foi questio-nada uma lei de Louisiana, de 1890, que exigia acomodações iguais para bran-cos e negros, porém em partes separadas de um mesmo trem. A Suprema Corte entendeu que tal exigência era razoável e não feria a décima quarta emenda, pois o que visava a referida lei era promover o interesse público, a paz pública e a boa ordem, e não oprimir uma classe específica. Consta, ainda, da decisão, cujo Relator foi o Juiz Brown, que, se as duas raças buscam igualdade social, isso precisa ser o resultado do consentimento voluntário dos indivíduos, sendo que a legislação é impotente para erradicar instintos raciais. Plessy v. Fergunson iniciou a denominada doutrina dos “separados, mas iguais”. Os precedentes Plessy v. Ferguson e Brown v. Board of Education foram retirados do livro The American Constitution: cases, comments, questions (p. 939-941)12.

Ainda acerca desse mesmo caso, a doutrina refere que a segregação em determinado período era legal nos Estados Unidos, relatando que o Juiz Brown, falando em nome do Tribunal, fundado na lei, rejeitou a alegação de que a sepa-ração forçada das duas raças marca a raça negra com estigma de inferioridade, e que, se isso acontecesse, não seria em virtude de qualquer coisa encontrada na lei, mas unicamente porque a raça negra resolveu interpretar desse modo13.

Conforme Bernard Schwartz, desde quando foi anunciada pela primeira vez, em 1954, a doutrina de Plessy v. Ferguson foi sistematicamente adotada pelo mais alto tribunal americano. Entretanto, diz o autor que a Suprema Corte, durante esse período não foi tão longe a ponto de reformar a decisão no caso Plessy, mas isso não significa, porém, que ela não tinha capacidade para tomar medidas importantes no sentido de melhorar a situação do negro dentro dos limites desse caso.

Enfim, naqueles tempos, a Suprema Corte sustentou e reconheceu a se-gregação, afirmando que ela seria válida somente se as acomodações destinadas aos negros fossem substancialmente iguais àquelas destinadas aos brancos14.

5 A CORTE DE WARREN Fala-se, ainda, de uma revolução constitucional que teve início em 1954

com a nomeação de Earl Warren para a presidência da Suprema Corte nor-te-americana. Acerca da chamada revolução constitucional, faz-se oportuno

12 Idem.13 SCHWARTZ, Bernard. Direito constitucional americano. Rio de Janeiro: Forense, 1966. p. 28914 Idem, ibidem.

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referir a manifestação do Professor Sérgio Moro, da Universidade Federal do Paraná, nos seguintes termos:

Nessa linha, é também imprescindível referência específica à célebre Corte de Warren, responsável por verdadeira revolução constitucional no período de 1953 a 1969. Sua influência ultrapassa as terras norte-americanas. O Direito Consti-tucional atual, e não somente nos Estados Unidos, mas em todos os países que adotam controle judicial de constitucionalidade, não pode ser compreendido sem referência à produção desta Corte. Para o bem ou para o mal, os termos dos debates constitucionais atuais foram estabelecidos por esta Corte.15

No que toca à segregação racial, somente com a Corte de Warren é que houve uma manifestação contrária a essa prática. Explica o Professor Sérgio Moro que no caso Brown v. Board Education, de 1954, é que foi declarada in-constitucional a segregação racial predominante nas escolas públicas no sul dos Estados Unidos, tendo a Corte, ainda, que enfrentar precedentes do caso Plessy v. Ferguson. Refere Sérgio Moro que Warren serviu-se de estudos psicológicos modernos para defender que a doutrina “separados, mas iguais”, estabelecida em Plessy, não tinha lugar em matéria educacional, pois a simples segregação já comprometia o desenvolvimento educacional do grupo segregado, concluindo que a segregação era inerentemente desigual.

Ainda a respeito de questões referentes à proteção de direitos fundamen-tais, em seu artigo, o Professor Sérgio Moro aduz que,

no início do século, a Suprema Corte americana vivia a época conhecida como a Era Lochner, assim denominada pelo conhecido caso Lchner v. New York, de 1905, o qual invalidou lei do Estado de Nova York que estabelecia limite para a carga horária de trabalho dos empregados de padaria. Destacou-se, nesse perío-do, por seu ativismo judicial conservador. Invalidou, sistematicamente, com base no princípio da razoabilidade e guiada pelo liberalismo econômico então predo-minante, as nascentes leis de intervenção do domínio econômico, inclusive, as que protegiam os trabalhadores.

A doutrina então aventada significava que a Corte passaria a adotar um duplo padrão no exame da constitucionalidade das leis.16

Em que pesem todas as discussões acerca da soberania, da democracia e da flexibilidade da Constituição norte-americana, parece que a questão da interpretação da Constituição pode dar azo a decisões que nem sempre respei-taram o Bill of Rigths, tão festejado pelos Fundadores da Constituição.

15 MORO, Sérgio Fernando. A corte exemplar: considerações sobre a Corte de Warren. Revista da Faculdade de Direito da UFPR, Curitiba, v. 36, 2001. p. 337.

16 Idem, ibidem.

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Diante dessas informações, fica a dúvida: essas possibilidades de diver-gentes interpretações seriam, de fato, a intenção dos idealizadores da Constitui-ção dos Estados Unidos?

6 DA DIVISÃO DE PODERESAnalisando a situação política vivenciada na época da promulgação da

Constituição norte-americana, não é difícil chegar à conclusão de que por meio dos pensamentos de Monstesquieu e Locke, acerca da doutrina da separação dos poderes, aliados ao temor da tirania do legislativo, é que a Constituição previu um modelo de separação de poderes em que o Poder Judiciário ficasse no mesmo nível político dos outros dois poderes, de modo a possibilitar uma limitação de força dos outros dois.

Montesquieu foi um dos pensadores que mais apoiou a separação de poderes em legislativo, executivo e judiciário. Sendo que, na divisão de pode-res proposta por John Locke, o autor apontava a existência de quatro funções fundamentais do Estado: a legislativa, que cabia ao Parlamento; a executiva, que era exercida pelo Rei; a função federativa, que era uma extensão da função executiva para atividades fora do Estado; e, finalmente, a quarta função, que era o Rei fazer o bem à sociedade sem se subordinar a regras.

Não restam dúvidas de que os escritos de Montesquieu influenciaram consideravelmente a opinião dos idealizadores da Constituição dos Estados Unidos, mostrando uma divisão de poderes como a que conhecemos hoje.

Conforme já dito, a teoria da Separação de Poderes na forma que co-nhecemos hodiernamente somente surgiu no Século XVIII. Foi com a obra “O Espírito das Leis” que Montesquieu expressou com mais clareza um sistema de poder o qual conjugou funções diversas de governar, referindo um poder legislador (para criar leis), um poder para executar as ordens e tarefas de um governo, e um poder para julgar. Todos harmônicos e independentes entre si, inspirando, assim, a configuração das Constituições que nasceriam posterior-mente a este posicionamento doutrinário.

É nesse mesmo sentido a célebre disposição contida no art. 16 da Decla-ração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789: “Toda sociedade na qual não esteja assegurada a garantia de direitos nem determinada a separação de poderes não possui Constituição”.

Cumpre referir aqui as palavras de James Madison:

A acumulação de todos os poderes, legislativos, executivos e judiciais, nas mes-mas mãos, sejam de um, de poucos ou de muitos, hereditárias, autonomeadas ou eletivas, pode-se dizer com exatidão que constitui a própria definição de tirania.17

17 GOLDWIN, Robert A.; SCHAMBRA, William A. Op. cit., p. 190.

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Desta forma, os elaboradores da Constituição estadunidense, com fundamento na concepção de Montesquieu, formaram o que se chamou de separação rígida de poderes.

Ao contrário da Inglaterra, onde se verificou a ascensão da soberania do Parlamento, os Estados Unidos aumentaram os Poderes do Judiciário evitando, dessa forma, a ditadura do legislativo18.

Dispõe a Constituição que o Poder Legislativo é atribuído ao Congresso, o qual é composto pelo Senado e pela Câmara de Representantes (Artigo I, Seção I), o Poder Executivo será exercido pelo Presidente dos Estados Unidos e pelo seu vice (Artigo II, Seção I), o Poder Judiciário se compõe de uma Suprema Corte e de tribunais inferiores que forem sendo estabelecidos por determinação do Congresso (Artigo III, Seção I)19.

Para os Estados Unidos da América, não é possível separar a Constitui-ção da função exercitada pela Suprema Corte, na qual as decisões se firmam com mais desembaraço, menos rigidez e mais flexibilidade do que nas cortes inferiores.

Resulta claro, portanto, que os fatores efetivos do poder estão refletidos de forma expressa no texto constitucional.

A jurisprudência daquele país colaborou para a longevidade do texto constitucional, que certamente não teria sobrevivido às crises históricas da so-ciedade americana. Não resta dúvida no sentido de que em razão do caráter atualizador da Suprema Corte norte-americana é que foram evitadas as reformas constitucionais.

7 O SISTEMA DE CHECKS AND BALANCESConforme Renè David,

a Constituição dos Estados Unidos foi interpretada, por princípio, com grande flexibilidade. Os juízes do Supremo Tribunal dos Estados Unidos, nesse aspecto, pelos seus métodos de interpretação, anteciparam em cem anos os métodos tele-ológicos enaltecidos na França por Josserand. A Constituição dos Estados Unidos, declarou o juiz Hughes, é o que dizem os juristas. Todo o desenvolvimento dos Estados Unidos, a distinção do direito federal e do direito dos Estados e a própria história dos Estados Unidos foram comandadas pela interpretação dada pelo Su-premo Tribunal a certas fórmulas da Constituição dos Estados Unidos.20

18 ROCHA, José de Albuquerque. Estudos sobre o poder judiciário. São Paulo: Malheiros, 1995. p. 88.19 ESTADOS UNIDOS. Constituição (1787). A constituição dos Estados Unidos da América. Disponível em:

<http://www.braziliantranslated.com/euacon01.html>. Acesso em: 10 dez. 2011.20 DAVID, René. Op. cit., p. 497.

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Nesse passo, não se pode deixar de referir o sistema de freios e con-trapesos (checks and balances) importado da “Constituição” inglesa. Naquele sistema havia uma ação da Câmara dos Lordes para balancear ou equilibrar os projetos de leis advindos da Câmara dos Comuns, de modo a evitar que o povo viesse a ameaçar os privilégios da nobreza.

Em que pese a adoção do referido sistema checks and balances, mister observar, por oportuno, que o direito constitucional americano difere em muito do direito constitucional inglês, exemplo disso é o princípio do controle judi-ciário da constitucionalidade das leis, preponderante nos Estados Unidos, que jamais foi admitido na Inglaterra.

Nesse mesmo sentido manifestou-se Bernard Schwartz:

A doutrina da revisão judicial da constitucionalidade das leis, e não o simples fato de que a Constituição é um documento escrito, é que estabelece a enorme diferença entre os sistemas americano e inglês. A pedra fundamental da estrutura constitucional da Inglaterra é a doutrina da supremacia parlamentar.

O mesmo autor invoca Jennings, salientando que “o Parlamento tem o direito de fazer ou desfazer qualquer lei, e que a lei da Inglaterra não reconhece a qualquer pessoa ou entidade o direito de rejeitar ou anular a legislação do Parlamento”21.

Mais adiante, Schwartz refere que “não é a Corte Suprema sozinha, mas a Corte Suprema, apoiada pela força da opinião pública informada, que tem tornado o controle judicial da constitucionalidade um fator tão importante no funcionamento do sistema de Governo americano”, uma vez que “a aceitação da Corte Suprema e de sua autoridade na esfera constitucional está atualmente tão arraigada na consciência americana quanto a aceitação da competência dos tribunais em questões de Direito Privado na Inglaterra”.

Conclui, dizendo que

o apoio básico do Judiciário federal dos Estados Unidos não se encontra na sua posição constitucional, que, em vários aspectos, é inerentemente fraca em com-paração com a do Legislativo e a do Executivo, mas na aceitação pela opinião pública do seu papel como guardião da Constituição americana. Num Governo democrático, representativo como o nosso, escreve um juiz americano, o poder do Judiciário depende grandemente de sua reputação quanto à sua independên-cia, integridade e bom senso.22

O caso que inaugurou o sistema de freios e contrapesos (checks and balances) nos Estados Unidos foi o conhecido Marbury X Madson, quando o Juiz-em-chefe Marshal decidiu no sentido de que o Poder Judiciário tinha por

21 SCHWARTZ, Bernard. Op. cit., p. 23-24.22 Idem. p. 184-186.

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missão declarar a inconstitucionalidade e tornar nulos os atos do Congresso quando não estivessem em acordo com a Constituição.

Assim, o Supremo Tribunal dos Estados Unidos estabeleceu a partir de 1803 o princípio do controle judiciário de constitucionalidade de leis, mesmo das federais.

De igual forma, pela doutrina do Judicial Review, embora não prevista na Constituição, o Poder Judiciário passa a controlar o abuso de poder dos outros ramos.

Conforme ensina Renè David, o Supremo Tribunal dos Estados Unidos não exerce o controle da constitucionalidade apenas sobre leis federais e esta-duais, ele exerce controle também sobre a maneira como as diversas jurisdições concebem a “commom law”. Assim, qualquer decisão judiciária pode ser anu-lada se for julgada contrária a uma regra prescrita pela Constituição.

Esse controle tem enorme importância, porque é o instrumento pelo qual se impõe às jurisdições e ao legislador o respeito a certos princípios fundamen-tais, assegurando, na medida necessária, a uniformidade do direito nos Estados Unidos. Considerando que a Constituição é a lei fundamental do país, pode pa-recer, conforme o entendimento da Escola de Direito Natural, o qual prevalecia em 1787, que a própria força da commom law deriva sua autoridade da Cons-tituição. Ela é a expressão autorizada do contrato social que une os cidadãos e legitima as instituições, não visando diretamente a resolver os litígios, mas estabelecendo as regras gerais de organização e de conduta dos governantes e dos administradores23.

Nos Estados Unidos, a lei não tem sentido enquanto não for interpretada pelos tribunais, é muito raro ver acórdãos estatuírem, sem invocarem preceden-tes judiciários, pela simples aplicação de uma lei. Em razão disso, há uma forte preocupação acerca da uniformidade do direito americano. A proliferação de leis nos Estados Unidos apresenta um problema bem particular daquele país: teme-se que a uniformidade da common law seja posta em perigo pelo fato de leis diferentes poderem intervir nos diversos Estados para modificar-lhe suas regras ou introduzir-lhes complemento.

O perigo de que a legislação dos Estados Unidos venha destruir a unifor-midade do direito americano não foi sentido no século XIX, quando o sentimen-to da independência dos Estados estava ainda desperto e as reformas afetavam mais o processo que a substância do direito. Tomou-se consciência disso so-mente no século XX. A fim de tentar-se evitar a destruição da uniformidade de leis dos Estados Unidos, dois mecanismos foram postos em prática concomitan-temente, quais sejam (i) a adoção de leis modelos, uniformes, em certas maté-rias em que a prática reconhecia a necessidade de uma intervenção legislativa;

23 DAVID, René. Op. cit., p. 494.

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e a (ii) o desenvolvimento do direito federal, esse segundo mecanismo consiste em fazer intervir o Congresso dos Estados Unidos, ou a administração federal em todas as matérias em que a uniformidade do direito é necessária.

As fórmulas gerais usadas pela Constituição dos Estados Unidos, tal como interpretadas pelo Supremo Tribunal, permitem essas intervenções em todos os casos em que elas se tornem necessárias. Uma considerável modificação foi efetuada no que diz respeito às respectivas competências do direito federal e do direito estadual, independentemente de qualquer modificação formal da Cons-tituição nos últimos cinquenta anos. É por esse meio – estendendo os poderes das autoridades federais – que se dá, principalmente, satisfação à necessidade de uniformidade do direito quando essa necessidade se faz sentir nos Estados Unidos da América24.

8 O PODER REGULADORNesse passo, importa referir que os métodos de interpretação da Cons-

tituição levaram os Estados Unidos e a Inglaterra ao desenvolvimento de um (novo) direito administrativo, e, consequentemente, de uma grande variedade de repartições públicas, comissões, tribunais administrativos. Não se quis so-mente por meio deles aliviar os tribunais já estabelecidos; pretendeu-se, tam-bém, assegurar o funcionamento das novas leis, especialmente nos domínios econômico e social, excluindo os métodos comumente utilizados nos tribunais. Este desenvolvimento produziu-se tanto no plano do direito federal quanto no direito dos diferentes Estados, tomando, especialmente no plano federal, uma extensão considerável.

O poder regulamentador não era atributo, em teoria, nos Estados Unidos, do Poder Executivo. A doutrina considera que se desenvolveu na sociedade um quarto poder – Administrative Power – distinto dos três poderes tradicionais. Tal como o Poder Executivo, esse poder foi confiado ao Presidente dos Estados Unidos. Mas, diferentemente do Poder Executivo, era exercido em colabora-ção e sob o controle de certo número de grandes comissões instituídas pelo Congresso. A primeira dessas grandes comissões foi a Interstate Commerce Co-mission, instituída em 1887 para controlar as estradas de ferro e regular, de modo geral, os transportes interestaduais. As grandes comissões administrativas multiplicaram-se a partir de então. Destaca-se, especialmente, a Federal Trade Comission, a Securities and Exchange Comission e a National Labor Relations Board. Estes organismos federais permanentes estão habilitados a estabelecer regulamentos e resolver litígios. O direito americano não pode ser compreen-dido em múltiplos domínios sem se estudar a obra dessas comissões. O novo corpo de direito (Administrative Law) é de caráter meio administrativo, meio

24 Idem, p. 508.

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jurisdicional, como a antiga equity, mas é elaborado e administrado por orga-nismos que funcionam sob o controle dos tribunais de justiça tradicionais25.

Essa questão será mais bem analisada adiante, eis que se trata de um as-sunto bastante difundido na doutrina constitucional moderna.

Ora, conforme antes referido, Renè David já aludia que a doutrina con-sidera que se desenvolveu na sociedade um quarto poder, o Administrative Power, o qual é exercido em colaboração e sob o controle das grandes comis-sões instituídas pelo Congresso.

Como no sistema da common law, os juízes têm competência para de-cidir tanto questões judiciais como administrativas, cabendo sempre ao Poder Judiciário apresentar a decisão final também acerca de questões que tramitam nos Tribunais Administrativos dos Estado Unidos.

Como já visto, nos Estados Unidos a existência das agências reguladoras data de 1887, quando foi criada a primeira agência independente dos Estados Unidos (Interstate Commercial Commission) para regulamentar os serviços in-terestaduais de transporte ferroviário, mas foi somente nos anos de 1937 que as agências se proliferaram, durante o New Deal26.

9 O ADMINISTRATIVE PROCEDURE ACT (LEI DE PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO) E AS AGÊNCIAS REGULADORAS

Em 1947 foi promulgada a Lei de Procedimento Administrativo (Adminis-trative Procedure Act), a qual estabeleceu dois tipos de procedimentos: normas gerais baixadas pelas agências (Rulemaking) e os atos individuais (Adjudica-tions), sendo que os Tribunais poderiam julgar ilegais os atos das agências, caso estes não estivessem de acordo com a Lei de Procedimentos27.

O conceito de agência nos Estados Unidos tem sentido bem amplo. Con-forme a Lei de Procedimento Administrativo, seria “qualquer autoridade do go-verno dos Estados Unidos, esteja ou não sujeita ao controle de outra agência, com exclusão do Congresso e dos Tribunais”. No entendimento de Maria Sylvia Zanella Di Pietro, excluídos os três poderes do Estado, todas as demais autori-dades públicas constituem agências.

Assim, pode-se afirmar que, nos Estados Unidos, falar em agência é o mesmo que falar em Administração Pública, mas se exclui do conceito a Presi-dência da República, ou seja, naquele país, toda a organização administrativa se resume em agências. Existem vários tipos de agências, sendo que a clas-sificação mais antiga considerava duas modalidades: as agências reguladoras

25 Idem, ibidem.26 Idem.27 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanela. Direito administrativo. 22. ed. São Paulo: Atlas, 2009. p. 462.

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(regulatory agency) e as não reguladoras (non regulatory agency), conforme tivessem ou não poderes normativos, delegados pelo Congresso para baixar normas que afetassem os direitos, as liberdades ou atividades econômicas dos cidadãos.

Outra distinção que se faz é entre as agências executivas (executive agency) e agências independentes (independent regulatory agency or commis-sions), sendo os dirigentes das primeiras livremente destituídos pelo Presidente da República e, os da segunda, protegidos por maior estabilidade, porque só podem perder seus cargos por razões expressamente estabelecidas em lei28.

Nessa mesma senda, Lucia Valle Figueiredo explica que a justificativa para proibição do Presidente de destituir o pessoal das independent regulatory agency or commissions é que a cessão, a uma agência, de poderes quase legis-lativos e quase judiciais necessita da permanência de seus membros, que não poderia ficar na dependência presidencial29. Então, as agências norte-america-nas exercem funções quase legislativas, porque editam normas; e funções quase judiciais, porque resolvem determinados conflitos de interesses, determinan-do o direito aplicável para solucioná-los. A função quase-judicial é aceita sem maiores complicações, uma vez que submetida ao controle pelos Tribunais. Sabe-se, entretanto, que tal função passou por toda essa evolução, no sentido de ampliar o controle.

A função quase legislativa tem sido objeto de grandes contestações, ten-do em vista principalmente a ideia de indelegabilidade de poder, decorrente do princípio da separação de poderes, bastante rígido no direito norte-americano; esse princípio impede que o legislativo delegue a sua função de legislar a órgãos de outros Poderes.

Não se pode afirmar que os poderes reconhecidos às agências tenham sempre a mesma natureza e extensão. O tema passou por toda uma evolução, havendo uma fase de grande prestígio das agências e outra (atual) em que seus poderes vêm sendo grandemente limitados, especialmente o que diz respeito à sua função reguladora, devido à disputa entre Legislativo e Presidência da República em exercer o controle sobre as mesmas30.

10 DISCUSSÃO ACERCA DA COMPETÊNCIA SOBRE AS AGÊNCIASLúcia Valle Figueiredo, mencionando Eloísa Carbonell, refere que a com-

petência do Poder Executivo sobre as agências é apenas político, no sentido de que poderá coordenar as diferentes ações públicas com a política desenvolvida pelo Governo. Para ela, as agências podem ser criadas pelo Legislativo que lhes

28 Idem.29 FIGUEIREDO, Lucia Valle. Curso de direito administrativo. 8. ed. rev. e ampl. São Paulo: Malheiros, 2006.

p. 152.30 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanela. Op. cit., p. 463.

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entregará a fatia de poder que lhes entenda ser devida. Referindo, ainda, Eloísa Carbonell, aduz que esta é a primeira polêmica, porque se coloca o princípio da responsabilidade democrática, uma vez que ditas agências não teriam sido eleitas pelo povo, tal como o membros do Poder Legislativo; portanto, não sendo elas detentoras da delegação popular, seu poder regulador poderia ser discutido.

A delegação do Congresso americano passou por nítida evolução: ini-cialmente, entendeu-se que não poderia o Congresso delegar o que lhe havia sido atribuído; depois, passou-se a aceitar, por forças das teorias contingented delegatio, named delegati e filling in details, a discricionariedade mínima do Executivo. Sendo ela o motivo principal da criação dessas agências pelos ame-ricanos, estava ligada à alta especialização nos vários campos de atuação do Executivo e ao entendimento de que, se houvesse possibilidade de gente espe-cializada executar, melhor seria a prestação do serviço ou fiscalização.

A Suprema Corte inicialmente entendeu tais delegações inconstitucio-nais, porque o Congresso não havia assinado diretrizes ao Executivo nem exi-gira motivação das decisões. O Congresso pode e deve – e efetivamente utiliza sua competência – controlar a atividade administrativa. As agências são obriga-das, pois, a remeter ao Congresso todos os documentos que sejam necessários ao controle. Exatamente porque as agências, como autoridades executivas, dis-punham de amplos poderes, foi criado o legislative veto (1932). Todavia, o pro-blema das agências ainda se revelava delicado nessa época, porque, se de um lado havia a arguição de que poderes dados ao Congresso são dele, e, portanto, haveria inconstitucionalidade da delegação, de outra parte, a Corte Suprema entendia que o sistema do veto legislativo também atritaria com a separação de poderes – nessa última hipótese estaria havendo intromissão do Congresso, ou seja, do poder Legislativo no Executivo. Segundo a autora, nas últimas dé-cadas produziu-se um progressivo aumento de interferência presidencial sobre as agências31.

Embora a Constituição norte-americana não refira nada acerca das agên-cias reguladoras, cumpre mencionar que, no seu Artigo I, Seção 8, cláusula 18, dispõe acerca da competência do Congresso em editar leis necessárias e apropriadas ao exercício dos poderes que a Constituição confere ao Governo.

11 DAS MODERNAS DOUTRINAS DA SEPARAÇÃO DE PODERES

11.1 bruce AckerMAn32

Em que pese a adequação do sistema de divisão de poderes trazidos pela Constituição norte-americana, sabe-se que tal princípio modernamente vem so-

31 FIGUEIREDO, Lucia Valle. Curso de direito administrativo. Op. cit., p. 151-152.32 ACKERMAN, Bruce. The new separation of powers. Harvard Law Review, Cambridge, v. 113, n. 3,

p. 633-725, 2000.

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frendo algumas alterações, mormente no que se refere à questão das agências, ensejando, dessa forma, novas discussões e também uma possível releitura do mesmo.

Bruce Ackerman, constitucionalista norte-americano e professor de di-reito e ciência política da Law and Political Science, de Yale, autor de 15 li-vros, entre os quais se destacam The Decline and Fall of the American Republic (2010), The Failure of the Founding Fathers (2005) e do artigo intitulado The New Separation of Powers, apresenta uma nova leitura do princípio da divisão de poderes.

Ackerman inicia seu artigo afirmando que a mera exportação do sistema de divisão de poderes norte-americano não estaria correta, pois deixa de con-siderar as bem sucedidas experiências do parlamentarismo, mormente o que denominou de parlamentarismo pós-guerra, existentes em países como Japão e Alemanha. Refere que tais países adotaram o “constrained parliamentarism”, ou parlamentarismo limitado, o qual teria origem no chamado “gabinete britâ-nico”, com alguns mecanismos de controle, de modo a diminuir a soberania parlamentar e a concentração de poder no seu órgão de cúpula.

No seu entendimento, o parlamentarismo limitado é uma força crescente no mundo e há muito o que ser aprendido com essa prática na última metade do século XX.

Da leitura de seu texto é possível observar claramente que Ackerman enfatiza pontos positivos do parlamentarismo, mostrando-se desfavorável ao re-gime presidencialista.

O autor faz várias críticas ao presidencialismo, asseverando que tal forma de governo traz um sistema político em torno de uma personalidade, sendo esse um grave defeito dentro do sistema. Ele considera que o sistema parlamentarista está menos sujeito a vicissitudes de uma personalidade, podendo, inclusive, haver um acordo multipartidário, fato que por si só já limitaria escândalos polí-ticos, próprios do presidencialismo.

11.1.1 Da crise de governabilidade observada por Ackerman

Segundo ele, ainda, o atual sistema de separação de poderes tem o con-dão de ensejar uma crise de governabilidade, principalmente em razão do sis-tema presidencialista, uma vez que os órgãos legislativos e a presidência são ocupados por partidos políticos diferentes, o que certamente pode vir a causar divergências de posicionamentos, havendo, no seu entendimento, duas formas de governo no sistema presidencialista: (i) impasse (quando não se detém a maioria no Congresso) e (ii) autoridade plena (quando há a maioria no Con-gresso).

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Afirma que o Poder Legislativo pode deixar de desempenhar sua função primordial para, utilizando-se de instrumentos previstos no próprio ordenamen-to jurídico, intervir na atuação do Poder Executivo, que, por sua vez, poderá, para evitar uma crise maior, realizar ações unilaterais sempre que entender ne-cessário. Enfim, ambas as formas de governo decorrentes do presidencialismo (impasse e autoridade plena) podem ser utilizadas de forma tirânica.

Para Ackermann, a nova separação de poderes procura evitar o impasse que pode surgir na crise de governabilidade.

A separação de poderes não envolveria tão somente a divisão entre Le-gislativo e Executivo, mas também a definição de qual a posição do Judiciário e das Agências Reguladoras dentro do sistema constitucional do país. Conforme seu entendimento, “é necessário que se defina de forma clara a função de cada um desses órgãos de modo a colaborar com a gestão do Estado”.

11.1.2 Da proposta de Ackerman

Para Ackerman, são três os ideais de legitimação para responder a per-gunta: “separar o poder em nome de que?”. O primeiro ideal é democracia: de um modo ou de outro, a separação deve ser para servir ao projeto do autogover-no popular. O segundo ideal é competência profissional: as leis democráticas permanecem puramente simbólicas a menos que as Cortes e os órgãos admi-nistrativos possam as executar de uma maneira relativamente imparcial, elogia o profissionalismo no judiciário dos Estados Unidos, mas não no executivo. O terceiro ideal é a proteção e o realce dos direitos fundamentais: sem estes, as administrações democrática e profissional podem tornar-se motores da tirania.

Em suma, Ackerman refere em seu artigo a necessidade de uma nova doutrina de separação de poderes no Estado contemporâneo. Para tanto, sugere duas propostas: (i) criação de um poder responsável pelo controle da corrupção (integraty Brunch) e (ii) criação de um poder regulatório (regulatory Brunch).

IntegrAty brunch

A corrupção não pode ser vista como um problema social, mas é certo que a burocracia não pode trabalhar se suas decisões ficam comprometidas, por exemplo, ao fato de uma de licitação de valor elevado intervir nas decisões administrativas. A construção digna de crédito de um poder responsável pela integridade deve ser uma prioridade máxima para os constituintes modernos.

regulAtory brunch Verifica-se a necessidade da criação de agências reguladoras, tendo em

vista que, embora a legislação democrática tenha os princípios de base, nem

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sempre os parlamentares têm a perícia e o conhecimento suficientes para ela-borarem decisões com resultados efetivamente corretos.

Deve ser exigido um projeto constitucional que aceite a necessidade de órgãos reguladores no âmbito da Administração, pois se sabe que, muito em-bora seja antiga a existência das agências reguladoras, as questões pertinentes a elas são resolvidas em nível infraconstitucional, e, para os Estados Unidos, a efetividade de qualquer lei depende da sua apreciação pelo Supremo Tribunal. O argumento para a nova separação (funcional) de poderes pressupõe o valor do conhecimento científico e da experiência profissional no esforço regulador moderno.

11.2 o entendIMento do professor neAl kuMAr kAtyAl33

Nesse passo, cumpre aduzir, ainda, que no The Yale Journal, Neal Kumar Katyal, professor de Direito da Georgetown University Law School, publicou um artigo muito interessante a respeito desse mesmo assunto, questionando como a separação de poderes pode ser refletida dentro do Poder Executivo quando esse ramo está fazendo muito mais leis hoje em dia. O Professor Katyal lamenta o que ele vê como o desaparecimento da função de checagem do Congresso. De acordo com Katyal, o colapso da doutrina da não delegação e do veto legislativo, bem como o desejo dos tribunais de transferir para o Poder Executivo as relações exteriores deixaram o Congresso com “escassez de armas que fiscalizassem o Presidente”.

11.2.1 Das modificações propostas pelo Professor Katyal

Para compensar o que considera como a abdicação do Congresso, da sua função, o Professor Katyal propõe uma série de reformas estruturais dentro do poder executivo. Refere que um mecanismo crítico para promover a separação de poderes interna é burocracia, a qual criaria um serviço civil (agências) sem criar obrigações com nenhuma administração particular, e criaria a longo prazo peritos com uma visão institucional de mundo. Seu artigo propõe um mecanis-mo que pode criar checks and balances dentro do Poder Executivo, na área dos negócios internacionais.

Os instrumentos seriam a separação e a sobreposição de jurisdição de agências, a consulta inter-agência, a revisão imperativa da ação governamental pelas diferentes agências, maior profissionalização do serviço civil, exigências de relatórios ao congresso, o estabelecimento de um diretor de julgamento in-dependente para resolver as disputas inter-agências e a indicação de um me-diador de agências.

33 KATYAL, Neal Kumar. Internal separation of powers: checking today’s most dangerous branch from within. The Yale Law Journal, New Haven, v. 115, p. 2314-2349, 2006. Disponível em: <http://www.yalelawjournal.org/pdf/115-9/Katyal.pdf>. Acesso em: 10 dez. 2011.

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Ou seja, sugere reformas dentro do Poder Executivo sem violar o com-promisso da Constituição relativo ao Executivo Unitário. Em seu ensaio, Katyal refere que os ataques de 11 de setembro deram ao Congresso e ao Presidente uma oportunidade de trabalharem juntos, mas essa oportunidade não foi apro-veitada.

Para ele, há muito o que falar acerca de violação de poderes em razão das decisões executivas decorrentes de 11 de setembro, mas o Congresso dos Estados Unidos não se manifestou a respeito. Por outro lado, ele comemora o potencial da burocracia (agências), explicando como essas instituições legais podem aumentar os seus poderes. Diz ele que a burocracia deve ser reformada e comemorada ao invés de ser removida e caluniada, e mecanismos neutros para solução de conflitos podem ser introduzidos; que escolhas de projetos como este podem ajudar a trazer de volta ao governo as linhas dos princípios previstos pelos Fundadores da Constituição norte-americana.

Conclui seu ensaio afirmando que a “América” tem duas escolhas, ou aceitar um Poder Executivo extremamente poderoso e os riscos decorrentes da reação (positiva ou negativa) do Tribunal, ou trazer de volta a tradicional di-visão de poderes que até então serviu tão bem ao país. Cabe aos americanos descobrirem como traduzir a ideia da divisão de poderes dentro de uma mo-dernidade em que Presidentes devem agir rapidamente para evitar calamidades.

Para o Professor Katyal, os tribunais, evidentemente, têm conhecimento de que existe a tendência de um Poder Executivo mais forte nos tempo de crise. Em consequência, pode-se esperar que, em razão de o Executivo se tornar mais monolítico, os tribunais funcionem tão somente como uma espécie de verifi-cação, mas que também tal verificação judicial poderá falhar. Aos tribunais, falta perícia em muitas áreas e podem intervir quando não devam e refrear a intervenção quando deveriam intervir. Por este motivo (e outros), devem ser feitas escolhas de projetos institucionais de forma a permitir que funcionem, simultaneamente, uma fonte de legitimidade do Executivo e também a vontade democrática e perícia.

Afirma, ainda, que responsabilidade política é um princípio central do Executivo Unitário, mas absolutamente não justifica o expansivo poder presi-dencial implantado em segredo e pareceres jurídicos designados a permanecer em segredo. Para ele, o pêndulo hoje começa a balançar tão forte em direção ao vigor do Poder Executivo que o que se deve temer é que os princípios do governo dividido, idealizado pelos fundadores, já não funcionem mais. Refere, finalmente, o Professor Katyal, que, dando força às tradições que já são parte do obscuro cenário constitucional, a superposição burocrática, proteção de servi-ços civis, adjudicação interna, exigência de relatórios são alguns movimentos que podem direcionar ao retorno do equilíbrio.

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11.3 pode o dIálogo entre AgêncIAs servIr coMo A novA sepArAção de poderes? (professor chrIstopher s. yoo)34

11.3.1 Resposta ao Professor Katyal

De outro lado, em alguns pontos concordando com o Professor Katyal e em outros pontos o contrariando, o Professor Christopher S. Yoo, da University of Pennsylvania Law School, publicou, em resposta, no mesmo The Yale Journal, um artigo chamado “Can Interagency Dialogue Serve as the New Separation of Powers?”, no qual refere que recomendou ao Professor Katyal que assumisse o princípio da separação de poderes ao invés de condená-lo como uma obstrução ou como um pretexto para engrandecimento presidencial (observe-se, como já visto, que Katyal sugeriu uma reforma no Poder Executivo sem, contudo, violar o compromisso da Constituição relativamente ao Executivo Unitário, criticando o aumento do Poder Executivo).

Assevera o Professor Yoo que o Congresso moderno já tem desenvolvido novas ferramentas para restringir o aumento do Poder Executivo. No mínimo, desde os anos 70, o Congresso cada vez mais tem confiado nos controles menos formais no comportamento da agência, conduzindo mais audiências e investi-gações de supervisão, decretando dotações, adendos e outras cláusulas admi-nistrativas, detalhando como os funcionários do executivo deveriam administrar a lei, inclusive a linguagem em discursos e relatórios de comitês para influen-ciar o comportamento da agência, escrevendo para as autoridades das agências sobre a resolução de casos em particular, e tirando concessões durante as au-diências de confirmação de administradores. Sendo que o uso destas práticas permanece difundido mesmo durante períodos de governo de partido único.

Sugere que o Professor Katyal observe a importância de tais instrumentos quando ele faz sua série de exigências.

Refere também que o Congresso já começou a empregar o tipo de con-sultas multiagência proposto pelo Professor Katyal. Por exemplo, a Lei das Tele-comunicações, de 1996, requer que a Comissão Federal de Telecomunicações consulte um Procurador-Geral antes de permitir que uma antiga empresa de telefonia regional venda serviços a longa distância em determinadas regiões. Os estatutos com relação a drogas, da mesma forma, exigem que o Procurador-Ge-ral busque a opinião do Secretário de Saúde e Serviços Sociais antes de adicio-nar uma droga à lista do governo federal de substâncias controladas. No mesmo artigo, o Professor Yoo provoca o debate afirmando que a principal solução do Professor Katyal para a incapacidade percebida do Congresso de supervisionar o poder Executivo é a burocracia, e que, a seus olhos, os burocratas são mais do

34 Yoo, Christopher S. Can interagency dialogue serve as the new separation of powers? The Yale Law Journal Pocket Part, New Haven, v. 116, p. 131-136, 2006. Disponível em: <http://yalelawjournal.org/images/pdfs/72.pdf>. Acesso em: 10 dez. 2011.

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que apenas fornecedores da burocracia, são repositórios da expertise e a perso-nificação do “profissionalismo ligado à tradição”; que os burocratas estruturam decisões em uma perspectiva de mais longo prazo que transcende as exigências políticas transitórias.

11.3.2 Burocracia segundo Marver e Niskanen

Esta, conclui ele, é apenas uma das muitas visões de burocracia, e as conclusões que se tira das consequências de dar poder à burocracia dependem fortemente da teoria que se defende. Segundo o Professor Yoo, deve ser consi-derado, em primeiro lugar, o trabalho seminal de Marver Bernstein, que carac-teriza as agências como passando por um ciclo de vida. Durante seus estágios iniciais, uma agência persegue o interesse público; com o decorrer do tempo, a agência perde a vitalidade e se torna cada vez mais alinhada à indústria que está encarregada de regularizar – um resultado também prognosticado pela “teoria da captura”. Sobre este ponto de vista, se a consulta inter-agência promovesse o expertise e uma perspectiva de mais longo prazo, dependeria do estágio de ciclo de vida de cada agência envolvida na decisão.

Refere, ainda, que William Niskanen afirma que os burocratas podem ser mais bem compreendidos enquanto construtores de império que tentam ma-ximizar seus orçamentos. O resultado é a superprodução sistemática de servi-ços governamentais, com funcionários do alto escalão do Executivo tentando tornarem-se advogados para os programas que eles representam e resistentes ao controle presidencial. Curiosamente, Niskanen propõe a concorrência en-tre agências, não apenas para consultoria, mas para a prestação de serviços ao governo. Os benefícios resultam não da expertise ou de uma perspectiva a mais longo prazo, mas, ao invés, da disciplina fornecida pela concorrência por financiamento, o que Niskanen considerou como muito mais eficaz do que a supervisão presidencial em restringir o comportamento de agências.

11.3.3 Burocracia segundo Lessig e Sunstein

Refere que o papel determinante desempenhado pela teoria particular da burocracia, usada para analisar o problema, é mais claramente ilustrado ao se comparar a proposta do Professor Katyal com uma oferecida por Lawrence Les-sig e Cass Sunstein. Embora Lessig e Sustein compartilhem a crença do Professor Katyal de que o setor executivo exerce agora maior poder sobre o fazer política, eles rejeitam a fé progressiva de Katyal na expertise burocrática, que conside-ram desacreditada e um tanto bizarra, em prol da opinião que os julgamentos administrativos são inerentemente políticos. Como resultado, eles acreditam que o crescente envolvimento da burocracia federal no fazer política justifica o fortalecimento do controle presidencial sobre os departamentos executivos.

Embora, o Professor Yoo não concorde com toda a análise de Lessig e Sunstein, considera surpreendente que as diferenças na teoria básica de buro-

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cracia os façam chegar a conclusões que divergem fortemente das do Professor Katyal, muito embora eles partam de um ponto inicial semelhante.

11.3.4 O Congresso e a Presidência

Conclui seu artigo aduzindo que algumas das posições assumidas pela Administração atual fazem com que o crescimento do Poder Executivo se torne um problema novo e perigoso. Na realidade, entretanto, o equilíbrio do poder executivo-legislativo tem fluxo e refluxo ao longo do tempo. A forte presidência de Abraham Lincoln foi precedida e seguida por períodos de dominação legis-lativa. Igualmente, Watergate gerou um período de Congresso forte – durante os quais muitas inovações nas quais o Professor Katyal confia –, tais como con-selhos e inspetores gerais independentes, alcançaram seu apogeu – que, por sua vez, foi seguido por um retorno à ascendência presidencial com Ronald Reagan. E, mesmo durante períodos de governo de partido único, tais como as administrações de Franklin Roosevelt, Kennedy, Johnson e Carter, bem como partes das Administrações de Truman e Eisenhower, membros do Congresso influenciaram agências administrativas e se distanciaram das ações executivas não populares. Por isso, a História sugere que a política, e não a estrutura ins-titucional, explica melhor as trocas no poder entre o Congresso e o Presidente.

Segundo ele, o próprio Professor Katyal parece reconhecer, no mínimo implicitamente, esta lição da história quando ele observa que, mesmo se o Con-gresso tivesse que criar um Diretor de Adjudicação para inspecionar as rei-vindicações de agências rivais, o Presidente, contudo, permaneceria livre para desconsiderar os resultados. Afirma que, na análise final, Katyal reconhece que as soluções estruturais apenas podem fazer uma parte, mas que as proteções básicas contra o poder presidencial são políticas e não legais.

11.4 lAurence trIbe35

Finalmente, importa referir o posicionamento de Laurence Tribe acerca da separação de poderes no que diz respeito às agências nos Estados Unidos.

Para Tribe, a separação de poderes comanda e permeia o Direito Consti-tucional norte-americano. A separação de poderes forma não somente os tópi-cos que implicam estrutura governamental ou a atribuição de poder (tais como os poderes de verificação dos tribunais federais, ou delegações, por parte do Congresso de autoridade aos organismos administrativos), mas também forma questões que se pressupõem incentivadas pela substância e pela estrutura cons-titucional (tais como os valores de justiça incorporados no processo legislativo). O princípio da separação de poderes tem efeitos penetrantes porque envolve a própria estrutura do governo; para ele nada está mais perto do núcleo do direito

35 TRIBE, Laurence H. American constitutional law. New York: Foundation Press, 2000. p. 624-650.

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do que o sistema de divisão de poderes (poderes divididos mas interligados), que estão incorporados na estrutura do nosso governo.

A doutrina da separação de poderes, que evoluiu nos últimos 200 anos, tem menos da filosofia política do que da experiência prática. Noções moder-nas da separação de poderes não podem ser facilmente destiladas a partir das inclinações filosóficas dos fundadores. Qualquer que seja a força normativa, aquelas intenções podem manter uma interpretação constitucional até os dias de hoje. Tanto os fundadores como os homens que participaram da primei-ra administração sob a nova Constituição (que muitas vezes eram as mesmas pessoas) estavam preocupados mais com melhorar a eficiência e a capacidade do governo nacional do que com a criação de um sistema de governo baseado nas máximas abstratas de filósofos políticos. Embora a separação de poderes desempenhe um papel de moldar as opiniões daqueles que forjaram o governo nascente, as opiniões expressadas não eram doutrinárias – em parte porque não havia doutrina clara. Embora possa ser algo exagerado, é mais ou menos verdade que a ideia de separação de poderes dos fundadores era sem forma e experimental, e que eles tinham alguns arranjos institucionais fixos em mente, além do princípio básico que deveria ser a separação.

Em muitos casos, a ideia de separação de poderes foi usada como uma arma retórica, com fins de exaustão política dos adversários ou até mesmo para legitimar as próprias preferências constitucionais, ao invés de um guia claro para a construção de um governo seguro e eficaz.

Devemos, portanto, buscar um entendimento da separação de poderes da Constituição, não principalmente no que os fundadores pensaram, nem em que os filósofos políticos do Iluminismo escreveram, mas no que a própria Constituição diz e faz. O que conta não é qualquer teoria abstrata de separações de poderes, mas a separação real de poderes “operacionalmente” definida pela Constituição. Portanto, onde o texto constitucional é informativo em relação a uma separação de poderes, é importante não pular esse trecho em favor de princípios abstratos para vê-los incorporados no nosso regime de poderes se-parados.

O autor recomenda cautela ao se trazer princípios abstratos para funda-mentar a interpretação do texto constitucional.

A ascensão do estado administrativo e das agências independentes, como a Securities and Exchange Commission e a Federal Reserve Board apresenta um desafio em relação ao plano de governo da Constituição. Provavelmente, o fato de que tais agências (apesar de serem uma novidade em relação à visibilidade dos fundadores) devam operar dentro dos limites estabelecidos pelo Congresso e devam ser executadas pelo Poder Judiciário Federal impede que elas represen-tem um verdadeiro “quarto Poder” de governo, portanto, violando a Constitui-ção, embora se vislumbre a suposta necessidade de existência de tais agências. É útil contrastar a delegação de poder para essas agências com as tentativas do

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Congresso de delegar poderes a si mesmo, ou a uma de suas casas ou comissão, ou outro organismo no seu âmbito, ou sujeitos ao seu controle.

Tal delegação introvertida, normalmente desenvolvida para atrelar o Congresso a uma agência para quem ele delega amplos poderes, inicialmente, poderia não fazer sentido prático em termos de dinâmica política da situação, mas certamente parece mudar radicalmente o desenho, ou estrutura do diagra-ma de poder da Constituição, confiando ao legislador nacional um papel direto na aplicação, ou execução, da sua própria lei.

A decisão da Suprema Corte no caso INS v. Chadha, que invalidou o chamado veto legislativo, não foi particularmente persuasiva, mas qualquer ou-tro resultado teria sido extremamente difícil de conciliar com o plano constitu-cional. Embora fosse possível apoiar a decisão invocando a proibição textual contra os membros do Congresso atuarem como oficiais dos Estados Unidos, a razão mais forte para a inconstitucionalidade do veto legislativo é a diferença fundamental entre um projeto constitucional, em que o legislador nacional é deliberadamente separado do ramo acusado de executar as leis, e um sistema essencialmente parlamentar, no qual o governo é escolhido a partir da legisla-tura e em nenhum sentido separado dela. Mais uma vez, a base constitucional para o julgamento torna-se, no fundo, uma organização e, portanto, caracterís-tica invariante da política norte-americana.

Quanto ao enraizamento das agências em nosso panorama social e eco-nômico por meio de um corpo enorme de direitos e uma variedade igualmente grande de prática, o ponto importante ao final é que o estatuto constitucional deve ser medido não em termos de texto somente, mas dentro da história e es-trutura da Constituição, bem como as considerações da doutrina constitucional e precedentes.

CONCLUSÃONo tocante à longevidade da Constituição norte-americana, ficou de-

monstrado que a interpretação jurisprudencial no sistema norte-americano alterou-se de tal forma ao longo desses mais de 200 anos que deu origem a decisões diametralmente opostas, mas que, no entanto, foram que baseadas no mesmo texto constitucional. Exemplos de mudança de interpretação não faltam ao longo da história jurídica dos Estados Unidos, seja no que diz com direi-tos fundamentais, sociais e econômicos, e políticos. Verificou-se, nesse passo, que a denominada Corte de Warren deixou sua marca por meio das drásticas mudanças de interpretação que as decisões daquela Corte legaram ao Direito norte-americano.

A partir daí, verifica-se que mudanças ocorreram no direito constitucio-nal americano, sem, contudo, haver mudança no texto legal. Conforme bem referiu José Luiz Quadros de Magalhães, o principal motivo da existência de

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poucas mudanças formais do texto constitucional por meio de emendas é que o referido texto é sintético e principiológico, permitindo, dessa forma, muta-ções interpretativas e mudança de compreensão do seu sentido, o que tornaria desnecessário o recurso de constante mudança de texto, pois se muda a Cons-tituição mudando-se apenas o seu sentido, sua compreensão, sem mudar-se o texto. Exemplo disso também se verifica que os métodos de interpretação levam os Estados Unidos ao desenvolvimento de um direito administrativo, conforme ensina Renè David.

Conclui-se, ainda, que os modernos constitucionalistas americanos são favoráveis a uma nova divisão de poderes, sendo que Ackerman sugere duas propostas à criação de um poder responsável pelo controle da corrupção e a criação de um poder regulatório (criação de agências reguladoras). Para Katyal, está havendo um aumento de poder do Executivo, sendo que o Congresso pade-ce do que ele chama de “escassez de armas que fiscalizem o Presidente”. Teme Katyal que, pelo fato de o Executivo tornar-se ainda mais forte, os tribunais funcionem tão somente como uma espécie de verificação, sendo que essa veri-ficação pode vir falhar, pois, segundo ele, falta aos tribunais perícia em muitas áreas e, em razão disso, sugere reformas dentro do poder executivo sem violar o compromisso da Constituição relativo ao Executivo Unitário. Sugere, assim, a criação de um serviço civil (agências) sem criar obrigações com nenhuma ad-ministração particular, que criaria peritos com uma visão institucional a longo prazo.

Já Christopher S. Yoo refere que o Congresso moderno já tem desenvolvi-do novas ferramentas para restringir o aumento do poder executivo, discordan-do, com Katyal, acerca da necessidade de criação de agências, mas concorda no sentido de que algumas posições assumidas pela Administração atual fazem com que o crescimento do Poder Executivo se torne um problema novo e pe-rigoso.

Para Tribe, a separação de poderes comanda e permeia o Direito Cons-titucional norte-americano, conforme o seu entendimento o que conta não é qualquer teoria abstrata de separação de poderes, mas a separação real de po-deres operacionalmente definida pela constituição.

Assevera que a ascensão do estado administrativo e das agências inde-pendentes apresenta um desafio em relação ao plano de governo da Consti-tuição, e que tais agências (apesar de serem uma novidade em relação à visi-bilidade dos fundadores) devem operar dentro dos limites estabelecidos pelo Congresso e devem ser executadas pelo Poder Judiciário Federal, impedindo-se, assim, que elas representem um verdadeiro “quarto Poder”. Recomenda, desta forma, cautela ao se trazer princípios abstratos para fundamentar a interpreta-ção do texto constitucional.

O presente artigo, portanto, trouxe a lume uma questão realmente nova para o direito atual, qual seja a hipótese de uma possível alteração no sistema

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de divisão de poderes da Constituição estadunidense, noticiando entendimen-tos divergentes de alguns doutrinadores modernos.

REFERÊNCIASACKERMAN, Bruce. The new separation of powers. Harvard Law Review, Cambridge, v. 113, n. 3, 2000. DAVID, Renè. Os grandes sistemas de direito contemporâneo. São Paulo: Martins Fontes, 2002. DI PIETRO, Maria Sylvia Zanela. Direito administrativo. 22. ed. São Paulo: Atlas, 2009.FIGUEIREDO, Lucia Valle. Curso de direito administrativo. 8. ed. rev. e ampl. São Paulo: Malheiros, 2006. GOLDWIN, Robert A; SCHAMBRA, William A. Constituição norte-americana. Rio de Janeiro: Forense, 1986. KATYAL, Neal Kumar. Internal separation of powers: checking today’s most dangerous branch from within. The Yale Law Journal, New Haven, v. 115, 2006. MAGALHÃES, José Luiz Quadros de. O constitucionalismo norte-americano e sua contribui-ção para a compreensão contemporânea da Constituição. Jus Navigandi, Teresina, n. 452, out. 2004. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/5769>. Acesso em: 18 dez. 2012. MIRANDA Jorge. Teoria do estado da constituição. 3. ed. rev., atual. e ampl. Rio de Janeiro: Forense, 2011. MORO, Sérgio Fernando. A corte exemplar: considerações sobre a Corte de Warren. Revista da Faculdade de Direito da UFPR, Curitiba, v. 36, 2001. ROCHA, José de Albuquerque. Estudos sobre o poder judiciário. São Paulo: Malheiros, 1995. SCHWARTZ, Bernard. Direito constitucional americano. Rio de Janeiro: Forense, 1966. TRIBE, Laurence H. American constitutional law. New York: Foundation Press, 2000. YOO, Christopher S. Can interagency dialogue serve as the new separation of powers? The Yale Law Journal Pocket Part. Disponível em: <http://thepocketpart.org/2006/11/2/yoo.html>.

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Parte Geral – Doutrina

Direito Fundamental à Propriedade e Proteção da Minoria Societária nas Sociedades Anônimas

FABRICCIO QUIXADÁ STEINDORFER PROENÇADoutorando em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Mestre em Direito (Direito e Desenvolvimento) pela Universidade Federal do Ceará (2001), Graduado em Direito pela Universidade Federal do Ceará (1995), Advogado da União, lotado na Consultoria Jurídica do Ministério de Minas e Energia. Tem ênfase em Direito Comercial e Administrati‑vo, atuando principalmente nos seguintes temas: Direito Falimentar, Direito Marítimo, Direito Societário, Direito Internacional Privado, Direito de Energia Elétrica, Direito de Petróleo e Gás e Direito Minerário. Lecionou na Universidade Federal do Ceará – UFC, na Universidade de Fortaleza – Unifor, no Centro Universitário de Brasília – UniCEUB, entre outros. Atuou na constru‑ção dos marcos regulatórios do pré‑sal e da mineração. Autor da obra A Licitação na Sociedade Economia Mista (2003).

Submissão: 10.12.2013Decisão Editorial: 03.02.2014

RESUMO: O presente trabalho pretende investigar os fundamentos constitucionais da proteção ao direito de propriedade, em especial os direitos decorrentes da propriedade de ações emitidas por sociedades anônimas detidas por acionistas não controladores, alheios ao processo decisório das sociedades anônimas. São abordados temas relevantes para a compreensão do assunto que se apresenta, especialmente o direito de propriedade e sua abrangência constitucional. Fez‑se uso da análise legal, jurisprudencial e doutrinária, na busca do melhor entendimento dos desafios jurídicos inerentes ao assunto.

PALAVRAS‑CHAVE: Direitos fundamentais; direito à propriedade; minoria acionária.

ABSTRACT: The present study aims to investigate the fundamentals of the constitutional protection of property rights, particularly the rights deriving from ownership of shares issued by corporations owned by non‑controlling shareholders, despite the decision‑making process of corporations. Rele‑vant issues are addressed to the understanding of the subject especially the right to property and its constitutional range. In order to search for an accuracy understanding of the legal challenges inherent in the subject, a legal, jurisprudential and doctrinal analysis was carefully conducted.

SUMÁRIO: Introdução; 1 A sociedade anônima; 1.1 Características, objeto e conceito da sociedade anônima; 1.1.1 Ações; 1.1.2 Responsabilidade; 1.1.3 Objeto; 1.1.4 Conceito; 1.2 Direitos dos acionis‑tas; 2 A responsabilidade do acionista controlador; 2.1 A sociedade de economia mista e a posição do acionista controlador; 3 O direito de propriedade e sua proteção constitucional; 3.1 A propriedade e sua conceituação; 3.1.1 O Direito romano; 3.1.2 A moderna concepção do direito de propriedade; 3.2 A tutela constitucional do direito de propriedade de ações; 3.2.1 Direito fundamental de primeira dimensão; 3.2.2 Propriedade e patrimônio; Conclusão; Referências.

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INTRODUÇÃO

Desenvolver um estudo que mescle conteúdos de disciplinas distintas sempre se constitui um desafio. Tratar-se-á adiante do direito dos acionistas minoritários frente ao acionista controlador. O cerne da questão reside na am-plitude do conceito de propriedade e nos limites da eventual responsabilidade do controlador, seja pessoa física, seja jurídica ou grupo de pessoas.

Para tanto, abordou-se, preliminarmente, a estrutura legal da sociedade anônima, dando ênfase ao seu caráter conceitual e estrutural: características, objeto, conceito, acionistas, responsabilidade, espécies de ações e natureza do objeto de uma sociedade anônima.

A seguir, abordaram-se detalhadamente o conceito, as características e as responsabilidades do acionista controlador, não apenas na sociedade anônima comum, como também na sociedade de economia mista.

Por fim, focou-se na propriedade e na sua proteção constitucional, desde a conceituação de propriedade no direito privado e no direito constitucional, a sua distinção do conceito de patrimônio até a sua tutela constitucional, com o desiderato de delinear o âmbito específico de proteção.

Com a utilização da pesquisa legal, doutrinária e jurisprudencial, pôde--se abalizar resultados significativos no estudo da questão proposta, alcançando conclusões relevantes na solução dos problemas apresentados.

1 A SOCIEDADE ANÔNIMA

A compreensão dos aspectos basilares da sociedade anônima é neces-sária ao entendimento do tema proposto, na medida em que a delimitação do direito dos acionistas consta da lei e não da Constituição, que tão somente o assegura. A seguir, serão abordados os principais fatores que norteiam a confor-mação patrimonial das ações emitidas e da responsabilidade do acionista con-trolador perante os demais acionistas, de forma a fornecer uma visão específica na esfera do direito societário.

1.1 cArActerístIcAs, obJeto e conceIto dA socIedAde AnônIMA

A Lei das Sociedades Anônimas – LSA (Lei nº 6.404, de 15 de dezembro de 1976) não cuidou de conceitos. Fez bem, não seria sua função. Tratou de caracterizar a sociedade e o seu objeto. Dessa forma, a companhia ou socieda-de anônima terá o capital dividido em ações, e a responsabilidade dos sócios ou acionistas será limitada ao preço de emissão das ações subscritas ou adqui-ridas (art. 1º). Inferem-se duas características do texto legal: a) capital dividido em ações; e b) a responsabilidade dos sócios limitada ao preço de emissão das ações subscritas ou adquiridas.

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1.1.1 Ações

A ação corresponde à fração mínima na divisão do capital social, e, no momento de sua emissão, o somatório deve corresponder ao total desse capital. Difere das cotas de uma sociedade contratual, pois sua quantidade expressa-se em números inteiros que designam um quantitativo unitário multiplicado por sua quantidade. As cotas são designadas apenas pela sua representação percen-tual no capital social.

Dividem-se as ações em três espécies, a saber: a) ordinárias; b) preferen-ciais; e c) de gozo ou fruição. São considerados, na distinção, fatores inerentes aos direitos conferidos aos seus detentores perante a sociedade.

As ações ordinárias garantem ao acionista o direito ao voto nas delibera-ções da assembleia-geral, podendo, em razão de sua classe, ser conversíveis em ações preferenciais, exclusivas para brasileiros natos ou naturalizados na forma da lei e, a depender do objeto da companhia, com direito a voto em separado para preenchimento de determinados cargos.

Preferenciais, que não podem ultrapassar cinquenta por cento das ações emitidas, não dão direito a voto ou têm o exercício desse direito restrito. Con-ferem, outrossim, ao seu titular a prioridade na distribuição do dividendo ou a prioridade no reembolso do capital. As vantagens podem ser previstas em conjunto ou em separado e serão acrescidas de pelos menos uma daquelas elencadas no § 1º do art. 17, caso se pretenda negociá-las em bolsa ou mercado de balcão.

As ações de fruição são aquelas que substituem outras espécies de ações quando estas são amortizadas. A amortização consiste no adiantamento ao acionista, em face da existência de reservas disponíveis do montante que lhe caberia em razão do valor de suas ações em caso de liquidação da companhia. As ações de fruição conservam as mesmas características das ações originais, exceto as que, em caso de liquidação da sociedade anônima, não farão jus ao pagamento do capital investido anteriormente pago1.

1.1.2 Responsabilidade

No ato de subscrição, o adquirente compromete-se a pagar o valor de emissão das ações negociadas, integralizando-as. A responsabilidade do acio-nista cinge-se, dessa forma, ao efetivo pagamento do valor prometido como condição ao aperfeiçoamento no negócio jurídico. Caso a integralização não ocorra na forma aprazada, será facultado à companhia executar o acionista remisso, ou quem for com ele solidariamente responsável, ou mandar vender as ações por conta e risco do acionista.

1 STEINDORFER PROENÇA, Fabriccio Q. A licitação na sociedade de economia mista, 2003, p. 29.

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Uma vez integralizado o valor ajustado, o sócio não poderá ser respon-sabilizado por qualquer ato praticado pela sociedade anônima, restringindo-se, assim, sua responsabilidade ao preço de compra das ações subscritas.

1.1.3 Objeto

O estatuto social deverá definir o objeto da sociedade anônima, que po-derá ser qualquer empresa de fim lucrativo, não contrária à lei, à ordem pública e aos bons costumes (art. 2º da LSA). Portanto, a companhia deverá ater-se a fim estritamente especulativo e será considerada mercantil qualquer que seja o seu objeto.

Como forma de conferir maior agilidade à atividade empresarial, o le-gislador de 1976 permitiu que a S/A tenha como objeto participar de outras sociedades, mesmo que não haja previsão estatutária expressa, como meio de realizar o seu objeto social, ou para usufruir de benefícios fiscais.

1.1.4 Conceito

Em razão das características e objeto apresentados nos números acima, cabe trazer a lume o conceito de sociedade anônima que melhor reflita suas características. Carvalho de Mendonça pontuou que a “sociedade anônima é aquela em que todos os sócios, denominados acionistas ou acionários, respon-dem pelas obrigações sociais até o valor com que entraram ou prometeram entrar para a formação do capital social”2.

Fran Martins, por seu turno, registrou que “sociedade anônima é a socie-dade em que o capital é dividido em ações, limitando-se a responsabilidade do sócio ao preço de emissão das ações subscritas ou adquiridas”3.

Em ambos os conceitos, irreparáveis em seu valor jurídico e histórico, verifica-se a ocorrência de dois fatores preponderantes: a) a divisão do capital social em ações; e b) a limitação da responsabilidade do sócio unicamente pela integralização das ações por ele subscritas.

Sem reparo aos conceitos colacionados, parece necessário acrescer um elemento: a mercantilidade presumida, independentemente do objeto. Essa ca-racterística, que não pode estar alheia ao seu conceito, ressalta a vocação da sociedade anônima para atividade comercial, que será caracterizada mesmo que seu objeto seja com ela incompatível por força da presunção contida no art. 2º, § 1º, da LSA.

Portanto, das considerações anteriormente citadas, poder-se-ia extrair o seguinte conceito: a sociedade anônima é a sociedade cujo capital é dividido em ações, respondendo os acionistas até o limite do valor de subscrição das

2 MENDONÇA, J. X. Carvalho de. Tratado de direito comercial brasileiro, V. III, Livro II, 1945, p. 285.3 MARTINS, Fran. Curso de direito comercial, p. 229.

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mesmas e a sua integralização, sendo o objeto mercantil por presunção legal absoluta.

1.2 dIreItos dos AcIonIstAs

Os direitos dos acionistas têm previsão no estatuto social, sendo assim fixados na assembleia de constituição ou nas assembleias subsequentes. A LSA, no entanto, como forma de proteger a minoria societária, estabeleceu direito mínimos que não podem ser suprimidos ou alterados, a não ser nas hipóteses previstas na própria lei.

Os direitos mínimos são: a) participar dos lucros sociais, direito a ser exercido conforme a espécie acionária (ordinária ou preferencial) e as condi-ções fixadas no certificado de emissão; b) participar do acervo da companhia, em caso de liquidação; não havendo especificação da espécie ou motivo da liquidação, é sempre garantido ao acionista a participação no acervo final da companhia, após o pagamento de todos os haveres; a ressalva fica por conta das ações de gozo nas quais o pagamento desse direito ocorreu de forma an-tecipada; c) fiscalizar, na forma prevista na lei, a gestão dos negócios sociais; a fiscalização ocorrerá não apenas por meio do Conselho Fiscal, mas também diretamente, de acordo com as prerrogativas estabelecidas no ordenamento vi-gente e no estatuto; d) preferência para a subscrição de ações, partes benefi-ciárias conversíveis em ações, debêntures conversíveis em ações e bônus de subscrição; o direito de preferência e a sua exclusão são disciplinados nos arts. 171 e 172 da LSA, aplicando regras de proporção e prevendo as normas para o exercício e eventual supressão desse direito; e) retirar-se da sociedade nos casos previstos na lei; o direito de retirada é tratado no art. 137 e consiste, em resumo, no direito de ser o acionista reembolsado no valor de suas ações nos casos previstos no art. 1364, incisos I a VI e IX.

Os direitos objetos de comentário nesse item são de basilar importância na análise da responsabilidade do acionista controlador na gestão dos negócios sociais, especialmente no que concerne à participação nos lucros e à proprieda-de de ações como direito fundamental constitucionalmente protegido.

4 “Art. 136. É necessária a aprovação de acionistas que representem metade, no mínimo, das ações com direito a voto, se maior quorum não for exigido pelo estatuto da companhia cujas ações não estejam admitidas à negociação em bolsa ou no mercado de balcão, para deliberação sobre: I – criação de ações preferenciais ou aumento de classe de ações preferenciais existentes, sem guardar proporção com as demais classes de ações preferenciais, salvo se já previstos ou autorizados pelo estatuto; II – alteração nas preferências, vantagens e condições de resgate ou amortização de uma ou mais classes de ações preferenciais, ou criação de nova classe mais favorecida; III – redução do dividendo obrigatório; IV – fusão da companhia, ou sua incorporação em outra; V – participação em grupo de sociedades (art. 265); VI – mudança do objeto da companhia; VII – cessação do estado de liquidação da companhia; VIII – criação de partes beneficiárias; IX – cisão da companhia; X – dissolução da companhia.”

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2 A RESPONSABILIDADE DO ACIONISTA CONTROLADORA Lei das Sociedades Anônimas, ao elencar, no art. 116, as característi-

cas do acionista controlador, define-o como a pessoa, natural ou jurídica, ou o grupo de pessoas vinculadas por acordo de voto, ou sob controle comum, que é titular de direitos de sócio que lhe assegurem, de modo permanente, a maioria dos votos nas deliberações da assembleia-geral e o poder de eleger a maioria dos administradores da companhia, usando efetivamente seu poder para dirigir as atividades sociais e orientar o funcionamento dos órgãos da companhia.

No exercício de sua atividade, o acionista controlador deve fazer a socie-dade cumprir sua função social, bem como realizar o seu objeto, podendo ser responsabilizado por danos causados por atos praticados com abuso de poder, que é exaustivamente descrito na lei (art. 117), sendo considerados abusivos os seguintes atos:

a) orientar a companhia para fim estranho ao objeto social ou lesivo ao interesse nacional, ou levá-la a favorecer outra sociedade, brasi-leira ou estrangeira, em prejuízo da participação dos acionistas mi-noritários nos lucros ou no acervo da companhia, ou da economia nacional. Nesse item, há especial interesse para o tema aqui estuda-do, ressaltando duas hipóteses de grande importância, quais sejam, a orientação a fim estranho ao objeto social ou lesivo ao interesse nacional;

b) promover a liquidação de companhia próspera, ou a transformação, incorporação, fusão ou cisão da companhia, com o fim de obter, para si ou para outrem, vantagem indevida, em prejuízo dos demais acionistas, dos que trabalham na empresa ou dos investidores em valores mobiliários emitidos pela companhia;

c) promover alteração estatutária, emissão de valores mobiliários ou adoção de políticas ou decisões que não tenham por fim o interesse da companhia e visem a causar prejuízo a acionistas minoritários, aos que trabalham na empresa ou aos investidores em valores mo-biliários emitidos pela companhia;

d) eleger administrador ou fiscal que sabe ser inapto, moral ou tecni-camente;

e) induzir, ou tentar induzir, administrador ou fiscal a praticar ato ile-gal, ou, descumprindo seus deveres definidos nesta LEI e no estatu-to, promover, contra o interesse da companhia, sua ratificação pela assembleia-geral;

f) contratar com a companhia, diretamente ou por meio de outrem, ou de sociedade na qual tenha interesse, em condições de favoreci-mento ou não equitativas;

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g) aprovar ou fazer aprovar contas irregulares de administradores, por favorecimento pessoal, ou deixar de apurar denúncia que saiba ou devesse saber procedente, ou que justifique fundada suspeita de irregularidade;

h) subscrever ações, para os fins do disposto no art. 1705, com a reali-zação em bens estranhos ao objeto social da companhia.

Duas conclusões afiguram-se necessárias. Primeiro, trata-se de uma enu-meração taxativa, não sendo possível enquadrar o acionista controlador em responsabilidade no exercício de seu poder em outras circunstâncias, para os efeitos previstos no caput do art. 117.

Segundo, com a adoção dessas regras, fica mais fácil apurar as responsa-bilidades do acionista controlador, que não poderá, assim, locupletar-se, com prejuízos para a companhia e para os acionistas minoritários e investidores em valores mobiliários da sociedade, com vantagens proporcionadas pela sua si-tuação privilegiada na condução dos negócios da empresa6.

Não se olvide que o acionista controlador não será obrigatoriamente uma única pessoa física ou jurídica. A lei expressamente autoriza o acordo de acio-nistas (art. 118) sobre a compra e venda de suas ações, preferência para adquiri--las, exercício do direito a voto ou do poder de controle. Aqui há a união de um grupo de acionistas que, mediante acordo arquivado junto à companhia, decidem votar em conjunto para a tomada de decisões sobre assuntos previa-mente determinados, não sendo possível aos integrantes do acordo eximirem-se da responsabilidade que lhes cabe como acionistas controladores.

2.1 A socIedAde de econoMIA MIstA e A posIção do AcIonIstA controlAdor

No foco que aqui se busca abordar, impende destacar a hipótese em que o acionista controlador é o Estado. Isso é possível em uma sociedade de econo-mia mista, uma sociedade anônima integrante da administração indireta, com personalidade jurídica de direito privado e cuja criação é autorizada por lei.

Por expressa determinação da LSA (art. 235), as sociedades de economia mista estão sujeitas ao seu regime. Nesse caso, é correto afirmar que a pessoa jurídica que controla a sociedade de economia mista (União, Estados, Distrito Federal ou Municípios) tem os deveres e as responsabilidades do acionista con-trolador (art. 238), não havendo dúvidas sobre a incidência dos arts. 116 e 117.

Nesse caso, os eventuais prejuízos sofridos pelos acionistas minoritários em razão da má administração do acionista controlador podem ser objeto de indenização, a depender da circunstância concreta que ensejou a querela. É

5 “Art. 170. Depois de realizados 3/4 (três quartos), no mínimo, do capital social, a companhia pode aumentá-lo mediante subscrição pública ou particular de ações.”

6 MARTINS, Fran. Op. cit., p. 413.

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fato que a sociedade de economia mista, não obstante faça parte da Adminis-tração Pública indireta, mantém a sua característica mercantil, o que corrobora com a expectativa dos demais acionistas em auferir lucro em razão do capital investido.

Está imbricado o eventual direito dos acionistas à indenização por danos decorrentes da depreciação do capital ao direito fundamental à proteção da propriedade, conforme se verá nos itens seguintes. Releva ressaltar que a pro-priedade, como direito objeto de proteção constitucional, tem um sujeito passi-vo, destinatário de uma obrigação negativa de não obstar seu livre exercício por parte do titular do direito. Tal proteção estende-se às ações e às participações societárias em geral, tais como debêntures, bônus de subscrição e partes bene-ficiárias.

3 O DIREITO DE PROPRIEDADE E SUA PROTEÇÃO CONSTITUCIONALOs princípios da prudência comum nem sempre governam a conduta

do indivíduo, não podendo ser confundidos com o autointeresse. O senso de conformação coletiva (simpatia e autodisciplina) teve um papel de grande im-portância na noção de bom comportamento de Adam Smith. Não obstante a prudência vá muito além da maximização do autointeresse, Smith a considera-va apenas como sendo, de todas as virtudes, a que mais auxilia o indivíduo, ao passo que humanidade, justiça, generosidade e espírito público são as qualida-des mais úteis aos outros7.

Nesse enfoque ético-econômico, a abordagem econômica do Direito não reside em mera aplicação dos princípios da economia à ciência jurídica, mas também na mudança da visão metodológica que guia o jurista na busca das soluções que melhor retratem o interesse coletivo. Esse interesse é guiado, fundamentalmente, pelos valores sociais vigentes os quais o Estado visa a reco-nhecer, garantir e proteger.

Falcão8 assevera que os grupos sociais apresentam facetas estáticas e facetas dinâmicas, se consideradas em um dado momento. Instituições man-tidas com vistas a organizar a sociedade propendem a estabilizar-se o mais que podem, sob roupagens diversas: instituições domésticas, religiosas, gover-namentais, econômicas, entre outras. Para não chamá-las de representações da inação estatal, podemos dizê-las formas de inação tendente ao imobilismo. Não é razoá vel cogitar-se de omissão pura e simples em termos de grupos sociais, ou mesmo de instituições, já que todos se entretecem de interações. Todavia, no caso das instituições ou das entidades institucionais, tal interação se dá, consciente ou inconscientemente, em um sentido estabilizador. É a busca da

7 SEN, Amartya. Sobre ética e economia, 2004, p. 38-9.8 FALCÃO, Raimundo Bezerra. Tributação e mudança social, 1981, p. 50.

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organização social, que apresenta, entre outras consequências, a estratificação e, em uma acepção mais ampla, toda a tessitura estrutural do grupo.

O direito de propriedade, tal qual inserido na Constituição, transita entre dois vieses de fundo claramente social: a proteção ao Direito contra interferên-cias não autorizadas em lei ou contrato e o cumprimento de sua função social9. Essas conclusões revelam a dupla faceta do Direito à propriedade na ótica cons-titucional. Verifica-se, por essa visão, a necessidade de estabilização conceitual e institucional do modelo constitucional ali colocado na linha do Estado do bem estar social (Welfare State).

3.1 A proprIedAde e suA conceItuAção

3.1.1 O Direito romano

A correta compreensão da propriedade e sua proteção, como direito fun-damental, na Constituição passa pelo conhecimento da origem e delimitação do instituto. No Direito romano, a propriedade estava no centro de tudo, e o seu titular gozava do mais amplo e ilimitado dos direitos, podendo usar, fruir, dispor, reivindicar e, até mesmo, abusar do bem de sua titularidade.

Utilizando os elementos históricos formadores do instituto da proprieda-de, Cretella Júnior trouxe conceito digno de nota quando assevera que a “pro-priedade é o poder jurídico, geral e potencialmente absoluto, de uma pessoa sobre uma coisa corpórea”10 (grifo meu).

Salvo, portanto, raras exceções, o direito de propriedade em Roma era absoluto, de viés individualista e visava tão somente à satisfação das necessida-des do seu titular, não importando as consequências sociais advindas do uso ou do não uso da propriedade e recaindo sempre sobre bens de natureza corpórea.

3.1.2 A moderna concepção do direito de propriedade

O desafio da conceituação do direito de propriedade permanece nos dias atuais. Entrementes, outros contornos surgiram e passaram a moldar a plena in re potesta em uma perspectiva social, incompreensível para o Direito romano, posto que, da mesma forma que a Constituição postou o direito de propriedade na categoria de direito fundamental, inseriu a necessidade de atender à sua fun-ção social, primando pela busca, ao menos utopicamente, do perfeito equilíbrio entre o interesse público e o privado.

9 “Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: [...] XXII – é garantido o direito de propriedade; XXIII – a propriedade atenderá a sua função social.” (grifo meu)

10 CRETELLA JÚNIOR, J. Curso de direito romano, 1993, p. 169.

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O conceito é, assim, feito à luz de três critérios: a) o sintético, que con-siste na submissão de uma coisa, em todas as suas relações, a uma pessoa; b) o analítico, sendo o direito de usar, fruir e dispor de um bem e de reavê-lo de quem injustamente o possua; e c) o descritivo, segundo o qual é o direito complexo, absoluto, perpétuo e exclusivo, pelo qual uma coisa fica submetida à vontade de uma pessoa, com as limitações da lei11.

Não obstante todas as dificuldades históricas envolvidas, destacam-se, além dos elementos acima descritos, a limitação ao direito de propriedade na consecução de sua finalidade social e o seu alcance em razão do objeto, abra-çando bens de natureza imaterial. Mendes destaca que:

Essencial para a definição e qualificação passa a ser a “utilidade privada” (Privatnützgkeit) do direito patrimonial para o indivíduo, isto é, a relação desse direito patrimonial com o titular. Vê-se, assim, que o conceito constitucional de proteção ao direito de propriedade transcende à concepção privatística estrita, abarcando outros valores de índole patrimonial, como as pretensões salariais e as participações societárias. Em rigor, trata-se de especificações do direito de propriedade no sentido em que Bobbio fala de especificações (novas) dos direitos patrimoniais.12 (grifo meu)

Portanto, tratando-se de direitos decorrentes de propriedade de ações e de sua defesa contra a má administração porventura perpetrada pelo acionista controlador, o alargamento do objeto da propriedade como direito constitu-cionalmente garantido, faz-se necessário à aplicação dos ditames protetivos. A aplicação do conceito de ordem exclusivamente privatista excluiria os direitos societários da proteção constitucional, posto que o direito privado reluta em reconhecer os direitos incorpóreos como objeto do direito de propriedade.

3.2 A tutelA constItucIonAl do dIreIto de proprIedAde de Ações

A par de proteger o direito de propriedade, a Constituição de 1988 dedi-cou-lhe dez incisos (XXII a XXXI) no título dos direitos e garantias fundamentais. Todavia, no mesmo momento em que lhe deu sustentáculo, impôs-lhe a limita-ção ao cumprimento de sua função social.

Essa feição socioeconômica não é novidade, inserida que é na própria base filosófica do Estado do bem-estar social, sendo inadmissível o irrestrito uso da propriedade sem as limitações naturais impostas pelo convívio em sociedade e as normas de conduta estabelecidas. Conforme pontifica Vera:

É a partir de como é regulado o direito de propriedade, quase tão antigo no mun-do quanto os códigos, que uma sociedade reconhece que certo bem pertence a um de seus membros e como define o grau de liberdade que este membro terá

11 GOMES, Orlando. Direitos reais, 1998, p. 97.12 MENDES, Gilmar Ferreira. Direitos fundamentais e controle de constitucionalidade, 2012, p. 142.

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para dispor do bem. Ter a propriedade sobre um bem é condição anterior e indis-pensável para o indivíduo poder transacionar esse bem ou contratar com outros. É um direito inerente ao homem, intrínseco à sua identidade. Seguindo este racio-cínio, é fácil inferir por que o estudo do direito de propriedade antecede o estudo dos contratos, área que também integra as categorias essenciais de direito para o estudo das consequências do direito na sociedade e para o desenvolvimento das nações.13

A limitação ao direito de propriedade serve, por outro lado, para conferir--lhe regularidade quando observada a destinação social em sua utilização. As-sim, a propriedade, empregada em observância aos parâmetros estabelecidos no ordenamento, é digna de proteção, na medida em que ao titular deve ser garantido o benefício esperado ante a sua correta destinação.

3.2.1 Direito fundamental de primeira dimensão

Afigura-se necessário determinar se o uso das expressões “direitos huma-nos” e “direitos fundamentais” pode dar-se de forma indistinta, já que comu-mente é possível verificar sua utilização como termos sinônimos. O emprego das expressões “direitos humanos” ou “direitos do homem” é mais comum na doutrina anglo-americana e latina, ao passo que a expressão “direitos funda-mentais” goza de maior prestígio entre os constitucionalistas alemães14.

No que respeita aos direito fundamentais, Schmitt15 estipulou dois crité-rios de ordem formal e um de ordem material para a sua distinção. De acordo com o primeiro critério formal, são considerados direitos fundamentais todos aqueles (direitos e garantias) elencados no Texto Constitucional.

Pelo segundo, os direitos fundamentais recebem da Constituição um grau mais elevado de garantia ou de segurança, sendo imutáveis (unabaenderliche) ou tendo sua alteração mais dificultosa (erschwert), por meio de emenda cons-titucional16.

Segundo o aspecto material, os direitos fundamentais variam conforme “a ideologia, a modalidade de Estado, a espécie de valores e princípios que a Constituição consagra”17. Nessa hipótese, pode haver variação no conteúdo dos direitos fundamentais de tal forma que não é possível determiná-los com exati-dão de um país para o outro.

Nessa via de ponderações terminológicas, cabe, da mesma forma, a per-gunta: qual a melhor expressão a designar cada grupamento de direitos funda-mentais? Geração ou dimensão?

13 VERA, Flávia Santinoni. Direito e economia no Brasil. In: TIMM, Luciano Benetti (Org.), 2012, p. 201.14 BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional, 1997, p. 514.15 Apud BONAVIDES, Paulo. Op. cit., p. 515.16 SCHMITTT, Carl Apud BONAVIDES, Op. cit., p. 515.17 Idem, ibidem.

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É sabido que a estratificação dos direitos humanos é proveniente dos ideais revolucionários franceses do século XVIII, expressos no lema liberdade, igualdade e fraternidade. Essa segmentação deu azo ao surgimento de classifi-cação mundialmente conhecida, que dividiu os direitos humanos em primeira (direitos de liberdade), segunda (direitos de igualdade) e terceira (direitos de fraternidade) gerações. Hoje há quem defenda a existência de direitos de quarta e até mesmo quinta e sexta gerações18.

Entrementes, o termo “geração” tem sido alvo de críticas, por encerrar a ideia de alternância e não de cumulatividade ou de complementaridade. As-sim, a mais moderna doutrina tem preferido o termo “dimensão” que melhor traduz o processo de expansão, cumulação e fortalecimento dos direitos funda-mentais19.

Após os necessários esclarecimentos acerca da acepção terminológica utilizada pela doutrina, tem-se por bem frisar que os direitos fundamentais de primeira dimensão são os direitos de liberdade, a saber, os direitos civis e po-líticos, tendo por titular o indivíduo, sendo oponíveis ao Estado. São, portanto, direitos de resistência ou de oposição e ostentam uma subjetividade que é seu traço mais característico20; direitos de conteúdo negativo, uma vez que dirigidos a uma abstenção do Estado na interferência dos direitos do cidadão21.

Acerca dos direitos em espécie, notadamente o direito de propriedade (objeto do presente estudo), socorrem, com precisão, as palavras de Sarlet22:

Assumem particular relevo no rol desses direitos, especialmente pela sua no-tória inspiração jusnaturalista, os direitos à vida, à liberdade, à propriedade e à igualdade perante a lei. São, posteriormente, complementados por um leque de liberdades, incluindo as assim denominadas liberdades de expressão coletiva (liberdades de expressão, imprensa, manifestação, reunião, associação, etc.) e pelos direitos de participação política, tais como o direito de voto e a capacidade eleitoral passiva, revelando, de tal sorte, a íntima correlação entre os direitos fundamentais e a democracia. (grifo meu).

O direito de propriedade, em seu viés de direito fundamental, caracte-riza-se, pois, como direito de oposição dirigido não só ao Estado, mas a toda a coletividade que tem o dever de abster-se da prática de atos atentatórios. É, dessa forma, um típico direito de resistência.

18 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais, 2012, p. 45.19 Idem, ibidem.20 BONAVIDES, Paulo. Op. cit., p. 517.21 SARLET, Ingo Wolfgang. Op. cit., p. 47.22 Idem, ibidem.

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3.2.2 Propriedade e patrimônio

Conforme pontificado alhures (vide item 4.1.2), o conceito de proprieda-de na esfera constitucional experimenta uma ampliação que lhe dá um raio de alcance consideravelmente maior do que no direito privado, podendo estender--se a direitos e bens imateriais.

Na medida em que o uso da propriedade sofre limitação pela sua função social, não mais podendo dela desvincular-se, recebeu como contrapeso a am-pliação de sua abrangência, se comparado aos parâmetros privatistas herdados da concepção romana do jus in re potesta. Esse vetor permite que se dê prote-ção constitucional não apenas à propriedade privada em sentido estrito (bens corpóreos), mas, da mesma forma, às demais relações de índole patrimonial. Esse conceito constitucional de propriedade abrange hipotecas, penhores, de-pósitos bancários, pretensões salariais, ações, participações societárias, direitos de patente e de marcas, entre outros23.

Não se pode deixar de indagar se essa ampliação no conceito de pro-priedade não ensejaria a sua confusão com o próprio conceito de patrimônio. A Corte Constitucional alemã rechaçou expressamente essa construção, afirman-do que o patrimônio não está sob a proteção do art. 14 da Lei Fundamental. No contexto tributário, todavia, a questão assume especial relevância, haja vista que, embora se afirme que o patrimônio não está sob a égide da proteção cons-titucional ao direito de propriedade, a doutrina e a jurisprudência nacionais têm entendido que as leis tributárias não podem ter efeito confiscatório, atribuindo--se ao patrimônio a proteção constitucional do direito de propriedade24.

Na abordagem aqui apresentada, entretanto, a importância maior reside na proteção ao direito de propriedade como bem incorpóreo, materializado em ações de uma sociedade anônima. Direito esse de titularidade de acionistas minoritários e cujo destinatário ou sujeito passivo será o acionista controlador, pessoa física, pessoa jurídica (de direito privado ou de direito público) ou grupo de pessoas reunidas por acordo de acionistas.

CONCLUSÃONa análise vertida, verificou-se que o ordenamento não padece de lacu-

nas graves no que atine à proteção ao direito de propriedade, à responsabilida-de do acionista controlador e ao direito dos acionistas minoritários na eventua-lidade de danos causados pela má administração da sociedade anônima.

Em fato, trata-se de assuntos de verves bem distintas, o que adiciona o dificultador da discrepância principiológica que envolve o direito público e o privado, especialmente no que concerne à abrangência do conceito de pro-

23 MENDES, Gilmar Ferreira. Op. cit., p. 142.24 Idem, p. 144.

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priedade, posto que essencial o seu correto entendimento para a solução da questão.

No direito privado, o conceito de propriedade é bem mais restrito, resu-mindo-se aos bens de natureza corpórea, em consonância com a antiga tradi-ção do Direito romano. No direito público, há uma ampliação conceitual, o que permite estender a proteção constitucional aos bens de natureza incorpórea, tais como as ações e as participações societárias em geral.

No que concerne ao acionista controlador, sua responsabilidade está de-limitada nos arts. 116 e 117 da Lei das Sociedades Anônimas, decorrendo ela do próprio exercício do controle efetivo, não sendo possível imputar tal respon-sabilidade quando o acionista ostenta a simples qualidade de majoritário, sendo necessário exercer o controle de fato.

Veja-se que o acionista controlador poderá ser pessoa física, pessoa jurí-dica ou grupo de pessoas reunidas por acordo de voto, quando a responsabili-dade recairá sobre todos, desde que exerçam o controle da companhia.

Sendo sociedade de economia mista, a responsabilidade do ente público terá as mesmas características da responsabilidade de um acionista controlador, nos termos do art. 238 da Lei das S/A, podendo, todavia, orientar as atividades da companhia de modo a atender ao interesse público que justificou a sua criação.

Nesse assunto, importa ressaltar uma característica específica do acio-nista controlador de uma sociedade de economia mista que inexiste em uma sociedade anônima comum: a possibilidade de invocar o interesse público para eximir-se de determinados atos. Não adentraremos aqui em meandros sobre essa questão, haja vista que se trata de assunto que demanda específica e apro-fundada discussão. Resta, entretanto, a indagação: quais são esses limites? Eles podem justificar o afastamento dos interesses comerciais da sociedade de eco-nomia mista?

Constatou-se aqui que, em termos gerais, a propriedade de ações e outras participações societárias (debêntures, bônus de subscrição, partes beneficiárias, etc.), como direito fundamental, é protegida pelos ditames constitucionais in-seridos no art. 5º e que o acionista controlador responde pelos prejuízos cau-sados aos acionistas minoritários, nos limites estatuídos na Lei das Sociedades Anônimas.

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Parte Geral – Jurisprudência

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Tribunal Regional Federal da 1ª RegiãoApelação Criminal nº 0000202‑03.2006.4.01.4300/TOProcesso na Origem: 2020320064014300Relator: Juiz Federal Klaus Kuschel (convocado)Apelante: Ministério Público FederalProcurador: Victor Manoel MarizApelado: Ednea Alves de CastroAdvogado: Altamiro de Araujo Lima FoApelado: Vicente Santana SampaioApelado: Silas Alves PereiraApelado: Adagsmar de Araujo MartinsAdvogado: Marcela Juliana FregonesiApelado: Evelyse Fonseca LeiteAdvogado: Fabio Alves dos SantosApelado: Edson Cabral de OliveiraAdvogado: Angelino Madeira

eMentA

PENAL – LEI Nº 8.666/1993 – ARTS. 86 E 90 – FRAUDE PROCESSO LICITATÓRIO – IRREGULARIDADES – DOLO NÃO DEMONSTRADO – ABSOLVIÇÃO – SENTENÇA MANTIDA

1. Da análise dos processos licitatórios nº 14.874/1998, 16.667/1998, 13.816/1998 e 4.525/1998 não se verificam elementos suficientes a em-basar a condenação dos apelados pelo tipo do art. 90 da Lei de Licita-ções, uma vez que não foi comprovado pela acusação a presença do ele-mento subjetivo indispensável à configuração do delito, qual seja, o dolo dos apelados em fraudar tais procedimentos para beneficiar terceiros.

2. Verificando os processos licitatórios celebrados para execução do Convênio nº 7.124/1997 pode-se notar uma série de pequenas irregulari-dades, mas de seu conjunto não se pode auferir, com a certeza necessária para uma condenação criminal, que os apelados que faziam parte da comissão de licitação agiam no sentido de direcionar as licitações para determinadas empresas.

3. Apelação da acusação não provida.

Acórdão

Decide a Terceira Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, à unanimidade, negar provimento ao Apelo da acusação.

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DPU Nº 56 – Mar-Abr/2014 – PARTE GERAL – JURISPRUDÊNCIA .......................................................................................................113

Brasília, 04 de dezembro de 2013 (data de Julgamento).

Juiz Federal Klaus Kuschel Relator Convocado

relAtórIo

O Exmo Sr. Juiz Federal Klaus Kuschel (Relator Convocado):

Vistos, etc.

O Ministério Público Federal ofereceu denúncia perante o MM. Juízo da 1ª Vara da Seção Judiciária do Estado de Tocantins contra Manoel Odnir Rocha pela suposta prática dos delitos capitulados no art. 1º, inciso I, do Decreto--Lei nº 201/1967; Osmar Lucena Neto, Ricardo da Silva Carreira, Edson Cabral de Oliveira, Davison Pereira dos Santos e Evelyse Fonseca Leite pela supos-ta prática dos delitos capitulados no art. 171, § 3º, do CP e art. 96, I, da Lei nº 8.666/1993; e Ednéa Alves de Castro, Vicente Santana Sampaio, Nubia Waleria Martins Cardoso, Silas Alves Pereira e Adagsmar de Araújo Martins pela suposta prática do crime capitulado no art. 90 da Lei nº 8.666/1993.

Narra, em síntese, a petição inicial (fls. 02/ 18) que:

“[...]

O Município de Palmas, por intermédio do então prefeito Manoel Odir Roch, celebrou, em 01 de dezembro de 1997, o convênio nº 7.124/97 com o Ministério da Educação e Desporto, sob a interveniência do Fundo Nacional de Desenvol-vimento Educação – FNDE, objetivando a ‘capacitação de recursos humanos e aquisição de material didático/pedagógico para a adequação de jovens e adultos, beneficiando 284 docentes e 4000 alunos dessa modalidade de ensino’.

[...]

Ao que consta dos autos, restou comprovada a existência de irregularidades na gestão do referido Convênio, tanto nos procedimentos licitatórios quanto na exe-cução do contrato decorrente de tal licitação, [...].

[...]. (fls. 03/10).”

A denúncia foi recebida em 27.01.2006 (fls. 326/327).

À fl. 683, comunicou esta Corte o trancamento da ação penal em re-lação ao acusado Osmar Lucena Neto, por força da decisão proferida no HC 2007.01.00.056291-6.

Os autos foram desmembrados em relação aos acusados Manoel Odir Rocha (fls. 764/768) e Edson Cabral de Oliveira (fl. 1162).

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Sentenciando o feito (fls. 1165/1182), o MM. Juiz a quo julgou improce-dente a denúncia para absolver os acusados, nos termos do art. 386, VII do CPP.

Inconformado, o Ministério Público Federal interpôs Recurso de Ape-lação (fls. 1186 e 1190/1213) requerendo que seja reformada a sentença para condenar os acusados Ednéa Alves de Castro, Silas Alves Pereira, Vicente Santana Sampaio e Evelyse Fonseca Leite, sustentando, em síntese, que:

– “[...] Os documentos acostados aos autos evidenciam que, nos certames licita-tórios acima mencionados, boa parte das empresas participantes eram sempre as mesmas que se alternavam na adjudicação do objeto licitado.” (fl. 1193)

– “Esta constatação, aliada aos demais elementos de prova a seguir descritos, demonstra o conluio existente entre os componentes da Comissão Permanente de Licitações – Ednéa, Silas e Vicente –, o Secretário de Educação do Estado do Tocantins, Adagsmar de Araújo Martins e um grupo de empresas para benefi-ciar os envolvidos em detrimento do interesse público lesado.” (fl. 1194)

– “[...] Várias fraudes foram cometidas, não foram executados os objetos do con-vênio, embora tenha havido repasse dos recursos respectivos. Sendo assim, estes teriam como única e possível destinação, o próprio bolso dos acusados.” (fls. 1212/1213)

Com contrarrazões dos réus (fls. 1215/1232), subiram os autos a esta Corte onde receberam parecer ministerial (fls. 1236/1239) pelo provimento da apelação do MPF.

É o relatório.

voto

O Exmo. Sr. Juiz Federal Klaus Kuschel (Relator convocado):

Recorre o Ministério Público Federal da sentença que absolveu os acu-sados Ednéa Alves de Castro, Silas Alves Pereira, Vicente Santana Sampaio, Evelyse Fonseca Leite.

Inicialmente verifico que, não obstante o MPF em suas razões recur-sais pugne também pela condenação dos acusados Edson Cabral de Oliveira e Adagsmar de Araújo Martins, verifico que na petição recursal de fl. 1186 so-mente se irresignou o parquet contra a absolvição de Ednéa Alves de Castro, Silas Alves Pereira, Vicente Santana Sampaio e Evelyse Fonseca Leite, motivo pelo qual não há recurso contra aqueles réus.

Dessa forma, conheço do apelo da acusação e passo a analisar as razões recursais do MPF, tão somente em relação aos réus Ednéa Alves de Castro, Silas Alves Pereira, Vicente Santana Sampaio e Evelyse Fonseca Leite.

Vejamos.

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Analisando as provas coligidas aos autos, tenho que não merece reforma a r. sentença recorrida, a qual absolveu os réus nos seguintes termos:

“a análise da materialidade das condutas descritas na denúncia exige a aprecia-ção das irregularidades de cada um dos processos licitatórios investigados, de modo a verificar se realmente ocorreram e, em caso positivo, se tais ocorrências implicaram na frustração do caráter competitivo da licitação.

É o que passo a fazer.

II.2.1 – Carta-Convite nº 427/1998 (Processo nº 14.874/1998)

Segundo as alegações finais da acusação, tal processo foi deflagrado para aquisi-ção de materiais de manutenção e desenvolvimento do ensino de 1 grau, haven-do sido os convites retirados em 08.06.1998 por Costa e Maciel Ltda., Papelaria do Estudante Ltda., Mac Pel Com. de Móveis e Equip. p/ Escritório e Pereira e Alfonso Ltda. (fl.29).

As vencedoras deste certame foram Papelaria do Estudante Ltda., Costa e Maciel Ltda. e Mac Pel Com. de Móveis e Equip. p/ Escritório.

A acusação relata que a empresa Mac Pel Com. de Móveis e Equip. p/ Escritório, uma das vencedoras do certame e representada por Evelyse Fonseca Leite, apre-sentou a proposta de preços com data anterior à publicação da respectiva Carta--Convite e certidão com data posterior à abertura das propostas.

Ocorre que, embora a Mac Pel tenha consignado no documento de fl. 35 do Pro-cesso nº 14.874/1998 (anexo) a data de 16.05.1998, isso por si só não demonstra que sua proposta efetivamente teria sido elaborada nessa data.

Ora, a própria Carta-Convite, nos campos preenchidos pela Prefeitura, indica como data de emissão o dia 08.06.1998.

É óbvio, portanto, que houve erro da Mac Pel ao datar o documento.

Provavelmente esse erro deve ter resultado da intenção da Mac Pel de vincular a validade da proposta à data de sua abertura, porquanto a mencionada validade era de 30 (trinta) dias e se relacionava a uma licitação cuja abertura ocorreria no dia 16.06.1998.

Em outros termos, a Mac Pel simplesmente pré-datou a Carta-Convite apenas para que o termo final da validade de sua proposta coincidisse com a abertura de todas as propostas, o que, a toda evidência, não denota qualquer fraude ou frustração do procedimento licitatório.

De outra parte, o fato de a Mac Pel ter apresentado certidão negativa do INSS expe-dida no dia seguinte à abertura das propostas (fl. 36 do Processo nº 14.874/1998) caracteriza mera irregularidade.

Afinal, isso indica apenas uma tolerância – apesar de indevida – da Comissão de Licitação quanto à apresentação do aludido documento em oportunidade pos-terior.

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Entretanto, as demais licitantes poderiam ter impugnado essa tolerância, mas não o fizeram.

Nessas circunstâncias, também não há como responder frustração ou fraude do caráter competitivo do procedimento licitatório em epígrafe.

Por derradeiro, não há prova de que a Mac Pel teria deixado de fornecer as mer-cadorias licitadas, nem que as teria vendido por preço superior ao de mercado.

Nessa circunstâncias, inexiste prova suficiente para a condenação dos acusados pela prática dos crimes lhes imputados relativamente à licitação em epígrafe.

II.2.2. – Carta-Convite nº 445/1998 (Processo nº 16.667/1998)

Segundo as alegações finais da acusação, tal processo foi deflagrado para a aquisição de materiais de expediente, havendo sido os convites retirados em 09.07.1998 por Pereira e Alfonso Ltda., Mac Pel Com. de Móveis e Equip. p/Escritório, Costa e Maciel Ltda. e Morais & Moura Ltda.

Sagraram-se vencedoras as empresas Papelaria do Estudante Ltda. e Costa e Maciel Ltda.

A acusação não apresentou quaisquer alegações de fraudes específicas nesse pro-cesso.

A análise da respectiva documentação também não aponta nesse sentido.

Por tais razões, não se vislumbra a ocorrência de ilícitos penais com respeito ao processo licitatório em epígrafe.

II.2.3. – Carta-Convite nº 408/1998 (Processo nº 13.806/1998)

Segundo as alegações finais da acusação, tal processo foi deflagrado para a aquisi-ção de livros de alfabetização, havendo sido os convites retirados em 28.05.1998 por Rime Artes Gráficas Ltda., Cartográfica Editora do Tocantins Ltda. e Gráfica Editora Primavera Ltda.

Sagraram-se vencedoras as empresas Rime Artes Gráficas Ltda. e Gráfica Ampa-ro Ltda., esta última havendo apresentado proposta mesmo sem retirar convite (fl. 29 do Processo nº 13.806/1998).

Com respeito a este processo licitatório, não foram apontados vícios até a adju-dicação do objeto.

No entanto, a acusação esclarece que houve dois pagamentos referente a este processo, nos valores de R$ 10.075,50 e R$ 293,75, efetuados sem cheque nomi-nal ou ordem bancária, o que contrariaria preceitos legais e dissimularia o desvio de dinheiro público.

Acrescenta, ainda, que os proprietários da Gráfica Amparo Ltda. seriam primos do prefeito Manoel Odir Rocha e, por todas essas razões, o processo licitatório em questão teria sido fraudado.

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Neste ponto, não merecem prosperar as alegações do MPF.

Em primeiro lugar, porque, como visto, não há indícios de fraude ao longo do referido processo licitatório.

Em segundo, porque, se o objetivo da fraude era adjudicar o objeto à Gráfica Amparo Ltda., seria de se esperar que a retirada do respectivo convite tivesse sido forjada também.

Em terceiro, porque o pagamento dos valores atinentes à entrega do objeto por outra via que não o cheque nominal ou a ordem bancária não constitui, por si só, evidência de fraude ao caráter competitivo do certame, especialmente quando se leva em consideração a ausência de provas de que o objeto não teria sido entre-gue pela licitante vencedora.

Em quarto, porque não há provas de ligação entre Manoel Odir e os proprietários da licitante vencedora e, mesmo que houvesse, tal circunstância sozinha não se prestaria a configurar a fraude.

Em quinto, o próprio MPF requereu a absolvição de Ricardo da Silva Carreira, sob o argumento de que houve meras irregularidades nos pagamentos realizados para a execução do objeto (fl. 1018).

Também não se pode olvidar que, à época dos fatos, ainda eram poucas as em-presas interessadas em participar de certames em Palmas, dadas as dificuldades e custos para a entrega do objeto licitado.

Logo, não há provas suficientes da ocorrência do crime relativamente à licitação em comento.

II.2.4. – Carta-Convite nº 162/1998 (Processo nº 4.525/1998)

De acordo com as razões finais do MPF, o referido processo licitatório foi inicia-do para aquisição de material de expediente, havendo sido os convites retirados em 29.03.1998 por Meta Com. de Artigos Desportivos Ltda., Costa e Maciel Ltda. (Comercial Santa Clara), DM Comércio e Representação de Artigos de Vidraçaria e Mac Pel Com. de Móveis Máq. e Equip. p/Escritório.

A licitação foi vencida por DM Comércio e Representação de Artigos de Vidra-çaria.

O parquet afirma que a empresa em questão foi constituída unicamente para disputar licitações simuladas, uma vez que seu verdadeiro proprietário era Délio de Oliveira, irmão do chefe de gabinete de Manoel Odir Rocha, que era também amigo pessoal de Ednéa Alves de Castro.

Segundo o representante ministerial, são indícios disso o fato de que a empre-sa possuía registrada em seu contrato social uma vasta gama de objetos, o que permitiria sua atuação em inúmeros certames organizados pela Administração Municipal, mas que seria incompatível com a realidade de qualquer empreen-dimento.

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No entanto, a peça acusatória e as alegações finais do MPF não indicam especi-ficamente qualquer irregularidade ocorrida ao longo do processo licitatório em questão e que representaria evidência de fraude ou frustração do caráter compe-titivo do certame.

Ao contrário, em sede de alegações finais, o MPF reconhece a ausência de pro-vas suficientes para a condenação e requer a absolvição de Davison Pereira dos Santos, que figura como proprietário da empresa DM Comércio e Representação de Artigos de Vidraçaria.

De fato, a partir da análise da documentação pertinente ao Processo nº 4.525/1998 acostada aos autos, não se vislumbram evidências de fraude.

Nessa ordem de idéias, faz-se necessário concluir pela inexistência de provas su-ficientes a aportar a ocorrência de crime relacionado àquele processo licitatório.

II.3 – CRIMES DE FALSIDADE E PECULATO IMPUTADOS A ADAGSMAR DE ARAÚJO MARTINS (PROCESSO Nº 14.875/1998)

Segundo as alegações finais da acusação, o acusado Adagsmar de Araújo Martins requereu instauração de processo de inexigibilidade de licitação para a contrata-ção de Edson Cabral de Oliveira, a fim de que ministrasse cursos de capacitação com professores da rede municipal de ensino a partir de junho de 1998 (fls. 03 e 36 do Processo nº 14.875/1998).

Os cursos seriam de “Multidisciplinaridade” e “Leitura e Produção de Textos”, ao valor de R$ 3.852,00 cada um (fls. 06, 10 e 11 do Processo nº 14.875/1998).

A inexigibilidade foi ratificada (fl. 40 do Processo nº 14.875/1998), empenhada (fls. 41/42) e há declaração no sentido de que Edson Cabral de Oliveira “prestou a contento desta Secretaria Municipal de Educação os serviços como monitor dos cursos constantes do ‘Projeto EJA – Capacitação de Professores de Educação de Jovens e Adultos’ (fl. 43 daquele Processo)”.

Os valores em questão foram efetivamente pagos a Edson, consoante comprovam os documentos de fls. 44/45 do Processo nº 14.875/1998, havendo, inclusive, sido descontados imposto de renda na fonte e ISSQN.

Contudo, segundo o Relatório de Inspeção nº 409/2000, a emissão desses recibos não se seguiu as exigências próprias do convênio, deixando de discriminar os serviços ou os materiais de consumo e apoio consumidos durante o curso.

Além disso, o trabalho de auditoria destaca que o empenho se deu com base na declaração de Adagsmar no sentido de que o serviço foi prestado (fl. 26).

Diante dessas provas, resta saber se o serviço foi efetivamente prestado.

Em seu interrogatório (fl. 959), o acusado Adagsmar de Araújo Martins confirma que o acusado Edson Cabral de Oliveira recebeu valores em pagamento por ha-ver ministrado cursos de capacitação, mas não se recorda a qual curso se referia o pagamento tratado nos autos (05’40”-05’52”).

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O acusado ainda confirma haver solicitado a contratação direta de Edson Cabral de Oliveira, em atendimento a solicitação da coordenação pedagógica do Muni-cípio, tendo em vista a escassez de profissionais capazes de promover a realiza-ção de cursos de capacitação, e alega que o profissional tinha competência para ministrar todos os cursos para os quais foi contratado (06’15”-06’54”).

O acusado relata acreditar que Edson Cabral de Oliveira recebeu os valores in-tegrais referentes aos cursos e depois os repassou a cada um dos professores que os aplicaram.

Entretanto, para o acusado a questão não assume ares de relevância, uma vez que todos os professores receberam e nenhum reclamou a falta da respectiva verba honorária (07’32”- 08’08”).

O acusado ainda afirma que não sabe se Edson Cabral de Oliveira tinha outra espécie de contrato com a Administração, mas que a prestação de serviços trata-da no convênio aludido foi realizada em prol da educação municipal e era mais do que necessária, dada a necessidade de treinar os diretores e os servidores da Secretaria da Educação (14’29”-15’30”).

Tal afirmação foi corroborada pela testemunha Clodoaldo Rodrigues de Lacerda, que afirmou que Edson foi contratado para prestar serviços junto à Secretaria de Educação (fls. 845, 15’16”-15’22”).

Por sua vez, o acusado Edson Cabral de Oliveira afirma, em seu interrogatório (fl. 959), que apresentou proposta para ministrar um curso de capacitação por meio de uma equipe multidisciplinar e que coube a essa equipe ministrar os cursos “Multidisciplinaridade” e “Leitura e Produção de Textos”, ficando ele pró-prio encarregado de ministrar o curso “Habilidades Gerenciais para Diretores de Escolas”.

Afirma, ainda, que recebeu única e exclusivamente por este serviço, sendo falsa a acusação sobre haver ele recebido valores por atividades anteriores (04’00”-05’18”).

Esse acusado também relata que o montante total da licitação fora por ele recebi-do, uma vez que o contrato foi realizado em seu nome, mas que neste montante estavam incluídos todos os demais professores componentes da equipe multidis-ciplinar.

Aduz que entregou o numerário a Clodoaldo Rodrigues de Lacerda, a quem ca-beria pagar todos os integrantes da equipe (05’19”-05’59”).

O acusado relata que não houve a contratação individual de cada professor em razão de especialidade de sua contratação e que isso facilitaria o andamento do processo.

Além disso, reconhece não ser regular tal procedimento, mas também afirma que não é razão para que se afirme a existência de prejuízo, tendo em vista que todos os serviços foram prestados e os respectivos pagamentos, feitos (06’25”-07’40”).

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A testemunha da acusação Clodoaldo Rodrigues de Lacerda (fl. 845) confirma que, por ordem do Secretário ou da Diretora de Educação (fl. 945) confirma que, por ordem do Secretário ou da Diretora de Educação – não se recordando exatamente quem –, Edson repassou-lhe uma quantia para ser transferida aos prestadores de serviço (06’54”-08’32”), sendo que vários monitores seriam pagos mesmo estando o processo exclusivamente em nome de Edson (15’22”-15’37”).

O depoente também não se recorda quando foi sacado, quanto foi repassando aos demais prestadores de serviço e nem se tal valor visava ao pagamento de serviços anteriores (10’23”- 11’51”), mas afirma que entendeu o procedimento como normal, até para facilitar a distribuição dos honorários entre os professores (09’23”-09’46”).

Há, portanto, evidências de irregularidades na contratação e no pagamento de Edson e dos demais profissionais que ministraram os aludidos cursos de capaci-tação.

Entretanto, como se viu do interrogatório dos réus e dos depoimento das teste-munhas, o objetivo buscado era apenas a facilitação do andamento do processo de contratação.

A busca desse objetivo, por si só, não revela dolo de apropriação indevida ou desvio de dinheiro público, elemento subjetivo indispensável para a caracteriza-ção do delito tipificado no art. 312 do Código Penal.

De outro lado, não há qualquer indício de que o serviço contratado não teria sido prestado adequadamente.

Ao contrário, a prova oral não acusou deficiências durante a execução dos cur-sos, tendo as testemunhas e os interrogados sido categóricos em afirmar que to-dos os prestadores de serviço foram pagos.

Além disso, os documentos relativos ao Processo nº 14.875/1998 demonstram que a contratação foi realmente formalizada apenas em nome de Edson, o que aponta no sentido de sua responsabilidade por arregimentar outras pessoas para auxiliá-lo a ministrar os cursos.

Logo, havia um vínculo contratual com o Município que tornava plausível o pagamento a Edson pelos serviços prestados em questão e o subsequente repasse de parte desses valores, diretamente ou por interpostas pessoas, aos demais pro-fissionais que participaram da prestação dos serviços (remuneração).

Em resumo, a conjuntura demonstrada pelas provas dos autos é a seguinte:

1. não há provas de que os cursos “Multidisciplinaridade” e “Leitura e Produção de Textos” não foram prestados;

2. não há provas de que os valores pagos não foram devidos;

3. não há evidências de que houve desvio “em proveito próprio ou alheio”, nem de que o acusado Adagsmar teria agido com esse propósito (dolo);

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4. não há indícios de dolo de Adagsmar em prejudicar o erário ou o direito de outrem.

A esse respeito, a própria testemunha Clodoaldo Rodrigues de Lacerda confirma que participou da operação de pagamento com o intuito de fazer um favor, vi-sando apenas a facilitação do pagamento aos monitores (fl. 845, 08’14”-09’46”).

Sendo assim, o pagamento retratado às 44/45 do Processo nº 14.875/1998 não caracteriza o delito de peculato, de modo que descabe a condenação de Adagsmar por tal crime.

Noutro compasso, o documento de fl. 43 do Processo nº 14.875/1998 não con-tém declaração falsa sobre fato relevante.

Afinal, nela o acusado Adagsmar se limita a atestar que Edson Cabral de Oliveira “prestou a contento... os serviços como monitor dos cursos constantes no ‘Projeto EJA – Capacitação para Professores de Educação de Jovens e Adultos’”.

E, como afirmado, os serviços realmente foram prestados, não há evidência de sua inadequação e a pessoa contratada para sua execução era Edson, além de inexistir no ato que materializou sua contratação a proibição de ele, sob sua

coordenação, recrutar outras pessoas para auxiliá-lo na execução do serviço.

Enfim, não há prova suficiente para a condenação de Adagsmar pelos crimes de falsidade ideológica e peculato.” (fls. 1171/1181)

Irretocáveis os argumentos acima transcritos, dos quais se valeu o MM. Juiz a quo como fundamento para a improcedência da denúncia.

Com efeito, da análise dos processos licitatórios nº 14.874/1998, 16.667/1998, 13.816/1998 e 4.525/1998 não se verificam elementos suficien-tes a embasar a condenação dos apelados pelo tipo do art. 90 da Lei de Licita-ções, uma vez que não foi comprovado pela acusação a presença do elemento subjetivo indispensável à configuração do delito, qual seja, o dolo dos apelados em fraudar tais procedimentos para beneficiar terceiros.

Na verdade, como muito bem asseverou o MM. Juiz a quo em seu decreto absolutório, verificando os processos licitatórios celebrados a para execução do Convênio nº 7.124/1997 pode-se notar uma série de pequenas irregularidades, mas de seu conjunto não se pode auferir, com a certeza necessária para uma condenação criminal, que os apelados que faziam parte da comissão de licita-ção agiam no sentido de direcionar as licitações para determinadas empresas.

Em relação à apelada Evelyse, também observo que a pré-datação da proposta bem como a apresentação de certidão negativa em data extemporânea na Carta-Convite nº 427/1998, não podem, por si só, embasar eventual decreto condenatório, uma vez que não há nos autos prova no sentido de que a mesma tenha agido com a intenção de fraudar o processo licitatório ou causar prejuízo ao erário.

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Por fim, é ainda de se destacar que todos os objetos dos contratos foram efetivamente entregues e que não há nos autos qualquer notícia de que as em-presas perdedoras dos processos licitatórios tenham procurado impugná-los, o que também corrobora no sentido da inexistência de fraude pré-ajustada pelos acusados nos referidos processos.

Ante o exposto, nego provimento ao Apelo.

Retifique-se a autuação desta apelação criminal excluindo-se Edson Cabral de Oliveira e Adagsmar de Araújo Martins.

É como voto.

voto revIsor

O Exmo. Sr. Desembargador Federal Cândido Ribeiro (Revisor):

Como consignado no relatório, trata-se de apelação interposta pelo Mi-nistério Público Federal contra sentença proferida pelo d. Juiz Federal Marcelo Velasco Nascimento Albernaz, da 1ª Vara da Seção Judiciária de Tocantins, que absolveu Núbia Waléria Martins Cardoso, Ednéa Alves de Castro, Silas Alves Pereira, Vicente Santana Sampaio, Evelyse Fonseca Leite, Adagsmar de Araújo Martins, Ricardo da Silva Carreira e Davison Pereira dos Santos da imputação dos delitos previstos na Lei nº 8.666/1993, com fundamento no art. 386, VII, do Código de Processo Penal.

Tal qual o Magistrado Relator, entendo que o conjunto probatório carre-ado aos autos é insuficiente para imposição do decreto condenatório, uma vez que não se desincumbiu a Acusação de comprovar, indene de dúvidas, o dolo específico, além do fato de ter havido a execução dos objetos contratados sem impugnação das empresas perdedoras quanto à lisura do certame, indicando a impossibilidade de ter havido qualquer fraude no procedimento.

Ante o exposto, acompanhando o entendimento do Relator, nego provi-mento à apelação e mantenho, na íntegra, a sentença.

É como voto.

trIbunAl regIonAl federAl dA 1ª regIão secretArIA JudIcIárIA

68ª Sessão Ordinária do(a) Terceira Turma

Pauta de: Julgado em: 04.12.2013 Ap 2006.43.00.000202-0/TO

Relator: Exmo. Sr. Juiz Federal Klaus Kuschel (Conv.)

Juiz(a) Convocado(a) conforme Ato nº 1.574 – 22.11.2013

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DPU Nº 56 – Mar-Abr/2014 – PARTE GERAL – JURISPRUDÊNCIA .......................................................................................................123

Revisor: Exmo (a). Sr(a). Desembargador Federal Cândido Ribeiro

Presidente da Sessão: Exmo(a). Sr(a). Desembargador Federal Candido Ribeiro

Proc. Reg. da República: Exmo(a). Sr(a). Dr(a). Aldenor Moreira de Sousa

Secretário(a): Cláudia Mônica Ferreira

Apte.: Justiça Pública

Procur.: Victor Manoel Mariz

Apdo.: Ednea Alves de Castro

Adv.: Altamiro de Araujo Lima Fo

Apdo.: Vicente Santana Sampaio

Apdo.: Silas Alves Pereira

Apdo.: Adagsmar de Araujo Martins

Adv.: Marcela Juliana Fregonesi

Apdo.: Evelyse Fonseca Leite

Adv.: Fabio Alves dos Santos

Apdo.: Edson Cabral de Oliveira

Adv.: Angelino Madeira

Nº de Origem: 2020320064014300 Vara: 1ª

Justiça de Origem: Justiça Federal Estado/Com.: TO

sustentAção orAl certIdão

Certifico que a(o) egrégia (o) Terceira Turma, ao apreciar o processo em epígrafe, em Sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:

A Turma, à unanimidade, negou provimento à Apelação, nos termos do voto do Relator.

Participaram do Julgamento os Exmos. Srs. Desembargador Federal Cândido Ribeiro e Juiz Federal Miguel Ângelo Alvarenga Lopes (convocado para completar, como vogal, o quorum de julgamento em face da ausência justificada da Exma. Sra. Desembargadora Federal Mônica Sifuentes).

Brasília, 4 de dezembro de 2013.

Cláudia Mônica Ferreira Secretário(a)

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Parte Geral – Jurisprudência

2539

Tribunal Regional Federal da 2ª RegiãoIV – Apelação Cível nº 2011.51.01.000573‑7Nº CNJ: 0000573‑83.2011.4.02.5101Relator: Desembargador Federal José Antonio NeivaApelante: Associação Coml. Indl. de Campo GrandeAdvogado: Carlos Mauricio Barbosa Silva e outroApelado: Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos – ECTAdvogado: Audrey Tinoco Magro Tavares da Silva e outrosOrigem: Vigésima Segunda Vara Federal do Rio de Janeiro (201151010005737)

eMentA

ADMINISTRATIVO – PROCESSUAL CIVIL – AÇÃO DE COBRANÇA – ECT – CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇO DE IMPRESSO ESPECIAL – COMPROVAÇÃO DOCUMENTAL DOS SERVIÇOS PRESTADOS – A RÉ FOI CIENTIFICADA ADMINISTRATIVAMENTE DA EXISTÊNCIA DO DÉBITO – ATUALIZAÇÃO MONETÁRIA E MULTA PREVISTA NO CONTRATO – SENTENÇA MANTIDA1. A Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos – ECT postula o paga-mento das faturas de nºs 08075009620 e 08095010233, acrescidas de atualização monetária entre as datas prevista e efetiva do pagamento, de acordo com a Taxa Selic e multa de 2%.

2. A cobrança da ECT está lastreada no Contrato de Prestação de Servi-ços firmado entres as partes, que “tem por objeto a prestação, pela ECT à Contratante, dos serviços de recebimento, tratamento e distribuição, em domicílio, em âmbito nacional, de objetos relativos ao serviço de Impresso Especial”.

3. Os documentos que instruem a petição inicial comprovam não só a prestação do serviço contratado, como também que a ré teve ciência da existência do débito exigido na presente demanda.

4. Por outro lado, a ré, ora apelante, foi intimada para especificar provas, mas restou silente. Acrescenta-se, ainda, que sua peça de contestação foi instruída apenas com documentos relativos aos atos constitutivos da Associação.

5. O Juiz pode formar o seu convencimento a partir de documentos e elementos que já existam nos autos (art. 131 do CPC), quando suficientes para solução da lide, razão pela qual deve indeferir provas consideradas desnecessárias (art. 130 do CPC).

6. Apelação conhecida e desprovida.

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DPU Nº 56 – Mar-Abr/2014 – PARTE GERAL – JURISPRUDÊNCIA .......................................................................................................125

Acórdão

Vistos e relatados os presentes autos em que são partes as acima indica-das, decide a Sétima Turma Especializada do Tribunal Regional Federal da 2ª Região, por unanimidade, negar provimento ao recurso, na forma do Relatório e do Voto, que ficam fazendo parte do presente julgado.

Rio de Janeiro, 30 de outubro de 2013 (data do Julgamento).

José Antonio Lisbôa Neiva Desembargador Federal Relator

relAtórIo

Trata-se de apelação interposta pela Associação Comercial e Industrial de Campo Grande em face da sentença de fls. 175/180 (autos virtuais – primei-ra instância) que julgou procedente o pedido formulado na ação de cobrança pelo rito sumário, com fulcro no art. 269, I, do CPC, ajuizada pela Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos – ECT, requerendo o pagamento das faturas nºs 08075009620 e 08095010233, acrescidas de atualização monetária entre as datas prevista e efetiva do pagamento, de acordo com a Taxa Selic, mais mul-ta de 2%, conforme previsão contratual, ao consignar em suma que:

“[...] Do conjunto probatório, concluo que a ECT efetivamente prestou serviço postal, o qual não restou pago, a tempo e modo, pela parte ré, conforme previsão contratual.

Isto porque, o boleto bancário, regularmente emitido, acompanhado de docu-mento que comprova a prestação de serviço – neste caso, contrato, extrato de faturas do Sistema Integrado de Faturamento da ECT, e comprovante do cliente firmado por gerente da ré (fls. 11 e 21) – goza de presunção relativa, a qual não restou desconstituída pela parte ré.

Note-se que o réu, em sua peça de resposta, limitou-se a deduzir alegações ge-néricas de ausência de provas de prestação de serviços, fazendo menção a pres-tação de serviço de entrega de boletos bancários que sequer é objeto do contrato ora em análise, conforme já fundamentado. Sendo válido ressaltar, também, que não apresentou qualquer documento de pagamento de fatura em favor da ECT.

Outrossim, verifico que a ECT efetuou o protesto, cobrando o valor de R$ 10.067,70, cujo custo remonta à quantia de R$ 121,46 (fl. 26), fazendo jus à indenização do montante despendido com tal cobrança. Contudo, como não restou consignado no pedido de sua petição inicial, em atenção ao princípio da adstrição ao pedido, resta forçoso a este Juízo a exclusão da aludida quantia.

Sendo assim, a procedência do pedido é medida que se impõe.”

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126 ...................................................................................................DPU Nº 56 – Mar-Abr/2014 – PARTE GERAL – JURISPRUDÊNCIA

Em suas razões, às fls. 182/185 (autos virtuais – primeira instância), alega a apelante, em síntese, que a ECT constantemente enviava os boletos de co-brança com atraso, apesar dos protestos feitos pela recorrente, causando-lhe prejuízos em razão dos encargos provenientes de pagamentos realizados poste-riormente à data do vencimento da fatura.

Não foram oferecidas contrarrazões.

É o relatório. Peço dia para julgamento.

Rio de Janeiro, 18 de outubro de 2013.

José Antonio Lisbôa Neiva Desembargador Federal Relator

voto

Conheço do recurso porque presentes os pressupostos de admissibili-dade.

Inicialmente, vale anotar que o recurso da apelante faz várias menções a danos materiais e morais, sendo certo que tais temas não têm qualquer re-lação com a presente Ação de Cobrança no Rito Sumário, onde a Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos – ECT postula o pagamento das faturas de nºs 08075009620 e 08095010233, acrescidas de atualização monetária entre as datas prevista e efetiva do pagamento, de acordo com a Taxa Selic e multa de 2%.

A cobrança da ECT está lastreada no Contrato de Prestação do Servi-ços firmado entres as partes (fls. 27/36 – autos virtuais), que “tem por objeto a prestação, pela ECT à Contratante, dos serviços de recebimento, tratamento e distribuição, em domicílio, em âmbito nacional, de objetos relativos ao serviço de Impresso Especial” (item 1.1).

O item 2.1, incisos I a V, do referido contrato, nomeia os objetos relativos ao serviço:

“2.1 Postar somente objetos que se enquadrem em uma das definições especifi-cadas a seguir:

I – Mala direta [...];

II – Propaganda [...];

III – Peças Promocionais [...];

IV – [...] outros tipos de materiais também utilizados para divulgação [...];

V – Periódicos.”

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DPU Nº 56 – Mar-Abr/2014 – PARTE GERAL – JURISPRUDÊNCIA .......................................................................................................127

No mais, o seu item 7.2 dispõe que, “ocorrendo atraso de pagamento, o valor devido será atualizado financeiramente, entre as datas prevista e efetiva do pagamento, de acordo com a variação da taxa referencial do Sistema de Liquidação e Custódia – Selic, ocorrida entre o dia seguinte ao vencimento da obrigação e o dia do efetivo pagamento, acrescido de multa de 2% (dois por cento) e demais cominações legais, independentemente de notificação”.

O MM. Juiz a quo julgou procedente o pedido, com os seguintes funda-mentos:

“[...]

Do conjunto probatório, concluo que a ECT efetivamente prestou serviço postal, o qual não restou pago, a tempo e modo, pela parte ré, conforme previsão con-tratual.

Isto porque, o boleto bancário, regularmente emitido, acompanhado de docu-mento que comprova a prestação de serviço – neste caso, contrato, extrato de faturas do Sistema Integrado de Faturamento da ECT, e comprovante do cliente firmado por gerente da ré (fls. 11 e 21) – goza de presunção relativa, a qual não restou desconstituída pela parte ré.

Note-se que o réu, em sua peça de resposta, limitou-se a deduzir alegações ge-néricas de ausência de provas de prestação de serviços, fazendo menção a pres-tação de serviço de entrega de boletos bancários que sequer é objeto do contrato ora em análise, conforme já fundamentado. Sendo válido ressaltar, também, que não apresentou qualquer documento de pagamento de fatura em favor da ECT.

Outrossim, verifico que a ECT efetuou o protesto, cobrando o valor de R$ 10.067,70, cujo custo remonta à quantia de R$ 121,46 (fl. 26), fazendo jus à indenização do montante despendido com tal cobrança. Contudo, como não restou consignado no pedido de sua petição inicial, em atenção ao princípio da adstrição ao pedido, resta forçoso a este Juízo a exclusão da aludida quantia.

[...]”

Porém, a recorrente sustenta que a recorrida não prestou devidamente seus serviços.

Não assiste razão à apelante, pois os documentos que instruem a petição inicial comprovam não só a prestação do serviço contratado, como também que a ré teve ciência da existência do débito exigido na presente demanda. Vejamos:

a) extrato demonstrando que foram realizados vários serviços (impresso espe-cial, selo e personalização, venda de carimbo e carimbo comemorativo) – fls. 09-10;

b) fatura dos serviços prestados – fl. 10;

c) documento emitido pelos Correios com listagem dos produtos impressos como a assinatura da gerente da Associação ré – fls. 11/13;

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128 ...................................................................................................DPU Nº 56 – Mar-Abr/2014 – PARTE GERAL – JURISPRUDÊNCIA

d) telegrama informando à ré que a fatura referente aos serviços prestados estava em aberto – fl. 14/15;

e) protesto de boleto de bancário no valor de R$ 10.067,70 – fls. 25/26 (autos virtuais).

Noutro giro, alega a recorrente que lhe “foi negada a oitiva das testemu-nhas que demonstrariam a veracidade de todos os fatos narrados na exordial” [grifei]. De certo, tal afirmação não coaduna com a realidade exposta nos pre-sentes autos.

Primeiro, quem narrou os fatos na exordial, por óbvio, foi a autora, ou seja, a Empresa Brasileira de Correis e Telégrafos. Portanto, a eventual demons-tração da veracidade dos fatos narrados prejudicaria justamente a ré, ora ape-lante.

Ademais, a recorrente foi intimada para especificar provas (despacho à fl. 173 – autos virtuais), mas restou silente (certidão – fl. 175 – autos virtuais). Acrescenta-se, ainda, que sua peça de contestação (fls. 116/118 – autos virtuais) foi instruída apenas com documentos relativos aos atos constitutivos da Asso-ciação.

Por fim, a presente controvérsia envolve apenas questões de direito.

De qualquer forma, o Juiz pode formar o seu convencimento a partir de documentos e elementos que já existam nos autos (art. 131 do CPC), quando suficientes para solução da lide, razão pela qual deve indeferir provas conside-radas desnecessárias (art. 130 do CPC).

O próprio Superior Tribunal de Justiça assinala que “O magistrado não está obrigado a julgar a questão submetida a seu exame de acordo com o pleiteado pelas partes e, sim, com o seu livre convencimento, utilizando-se dos fatos, provas, jurisprudência, aspectos pertinentes ao tema e da legislação que entender aplicáveis ao caso” (REsp 677.520/PR, 1ª Turma, Rel. Min. José Delgado, DJ de 21.02.2005).

Assim, merece ser prestigiada a sentença recorrida que condenou a ora apelante ao pagamento do valor devido, com a incidência de atualização mo-netária e multa prevista contratualmente.

Isto posto,

Conheço do apelo e nego-lhe provimento.

É como voto.

José Antonio Lisbôa Neiva Desembargador Federal Relator

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Parte Geral – Jurisprudência

2540

Tribunal Regional Federal da 3ª RegiãoDE publicado em 13.01.2014Apelação/Reexame Necessário nº 0004730‑59.2005.4.03.6111/SP2005.61.11.004730‑7/SPRelatora: Desembargadora Federal Cecilia MarcondesApelante: Auto Posto Guaimbê Ltda.Advogado: Silvio Guilen Lopes e outroApelante: União FederalAdvogado: Tércio Issami Tokano e outroApelante: Departamento Nacional de Infra‑Estrutura de Transportes – DNITAdvogado: Regis Tadeu da Silva e outroApelado: Os mesmosRemetente: Juízo Federal da 3ª Vara de Marília Sec. Jud./SPNº Orig.: 00047305920054036111 3ª Vr. Marília/SP

eMentA

PROCESSUAL CIVIL – RESPONSABILIDADE CIVIL – LEGITIMIDADE DA UNIÃO – QUESTÃO DECIDIDA NO SANEADOR – INTERDIÇÃO DE RODOVIA PARA REPAROS – PREJUÍZOS PARA ESTABELECIMENTOS COMERCIAIS SITUADOS À SUA MARGEM – LICITUDE DA INTERDIÇÃO – ANTERIOR OMISSÃO DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA COM O DEVER DE ZELAR PELA COISA – DANOS MATERIAIS COMPROVADOS – INEXISTÊNCIA DE DANO MORAL – RESPON-SABILIDADE SUBSIDIÁRIA DA UNIÃO JUNTO AO DNIT – CORREÇÃO MONETÁRIA – APLICAÇÃO DA LEI Nº 9.494/1997, EM SUA REDAÇÃO ATUAL

I – Descabe a preliminar de ilegitimidade de parte arguida pela União porque a questão fora decidida em sede de saneador. Contra esta de-cisão já se interpôs o recurso competente (agravo de instrumento), não cabendo a rediscussão da pretensão. Inteligência do art. 473 do CPC. Precedentes do STJ.

II – Inobstante, com a extinção do DNER a União assumiu legalmente seus direitos e obrigações (Decreto-Lei nº 512/1969), sendo assim legi-timada para figurar no polo passivo dos fatos passados antes da criação do DNIT.

III – Lastreia-se o pedido da autora na omissão da Administração Pú-blica com a conservação da Rodovia BR 153 que, por força do esta-do de conservação, necessitou ser interditada para a realização de obras. O mau estado da rodovia foi reconhecido judicialmente (ACP

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130 ...................................................................................................DPU Nº 56 – Mar-Abr/2014 – PARTE GERAL – JURISPRUDÊNCIA

1999.61.11.004357-9), proclamando-se a necessidade de se determinar a elaboração e a implantação de um projeto eficiente de reformulação, conservação e sinalização da Rodovia BR 153. Decisão esta que foi con-firmada pela e. 4ª Turma desta c. Corte.

IV – Tem-se que a interdição da rodovia decorreu de um ato legal e necessário. No entanto, sua origem é uma omissão da Administração, dolosa ou culposa, que acarretou sua degradação. Em outras palavras, se não tivesse havido omissão estatal com o dever de zelo e de conserva-ção, não seria necessária a medida drástica da intervenção da rodovia.

V – A responsabilidade da Administração Pública, ainda que para os ca-sos de omissão, é objetiva (art. 37, § 6º, CF) e decorre da adoção da teoria do risco administrativo. Posição que encontra amparo em ambas as Tur-mas do Supremo Tribunal Federal: AI 724098 AgR-segundo/RJ, 2ª Turma, Rel. Min. Teori Zavascki, J. 16.04.2013, DJe 26.04.2013; ARE 697326 AgR/RS, 1ª Turma, Rel. Min. Dias Toffoli, J. 05.03.2013, DJe 25.04.2013.

VI – O exercício regular de um direito corresponde à realização de uma faculdade de acordo com as respectivas normas jurídicas. A necessidade da intervenção não pode servir de justificativa para a excludente porque a origem do ato decorre de tempos de omissão e desídia. Tamanho era o desrespeito com a conservação da estrada que foi necessária uma con-denação judicial para que as rés providenciassem sua reforma. O desres-peito, pelo DNIT, ao art. 80 da Lei nº 10.233/2001 não pode justificar a excludente em tela, restando caracterizada sua ineficiência.

VII – O nexo causal encontra-se presente. A sentença não o rompeu por-que não criou um fato novo, mas tão só condenou os responsáveis a cumprir obrigação imposta por lei e até então descurada.

VIII – Ainda quando regular, a atividade estatal que cause danos a ter-ceiros inocentes legitima o ressarcimento. A interdição de uma rodovia acarreta prejuízos aos empresários estabelecidos às suas margens, que ficam privados do movimento contínuo de clientes, sejam eles assíduos ou eventuais. A interdição configura um risco anormal, imprevisível e decorrente da ineficiência estatal, não podendo ser confundida com o inerente risco do empreendedorismo.

IX – Presentes os pressupostos da obrigação de reparar o dano (omissão do Poder Público, dano suportado pelo autor e nexo causal).

X – O Código Civil impõe a obrigação de ressarcir os danos emergentes e também os lucros cessantes (art. 402), sendo estes o que razoavelmen-te se deixou de lucrar. A prova pericial apontou honestamente o que o posto de gasolina deixou de faturar no período que compreendeu a in-terdição da rodovia, promovendo, ao contrário do que alega a União, o

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DPU Nº 56 – Mar-Abr/2014 – PARTE GERAL – JURISPRUDÊNCIA .......................................................................................................131

desconto das despesas operacionais e dos custos. Condenação em lucros cessantes mantida.

XI – Não restou configurado o abalo moral da empresa. A variação de faturamento é ônus do negócio e não se demonstrou perda de credibili-dade da empresa.

XII – A União não responde solidariamente pelas dívidas de suas au-tarquias. A responsabilidade do DNIT é pessoal e a União só responde subsidiariamente, caso esgotadas as forças daquela.

XIII – Com o advento da Lei nº 11.960/2009 a atualização monetária dos débitos judiciais da Fazenda Pública deve observar o disposto no art. 1º-F da Lei nº 9.494/1997.

XIV – Apelação do autor e do DNIT improvidas. Parcialmente provida a apelação da União e a remessa oficial.

Acórdão

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, de-cide a Egrégia Terceira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, negar provimento à apelação do autor e à do DNIT e dar parcial provimento à apelação da União e à remessa oficial, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

São Paulo, 19 de dezembro de 2013.

Cecília Marcondes Desembargadora Federal Relatora

relAtórIo

Trata-se de apelações e de remessa oficial interpostas nos autos da ação de reparação de danos proposta por Auto Posto Guaimbê Ltda. contra a União e contra o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes – DNIT em virtude de interdição de rodovia.

Narra a petição inicial que em 17.11.2000 o DNER interditou a ponte so-bre o rio Tibiriçá, localizada no Km 228 da BR 153, que liga Marília a São José do Rio Preto, sob a alegação de que havia fissuras nas colunas de sustentação. Com esta medida, 52 quilômetros da rodovia acabaram sendo também interdi-tados porque os usuários eram obrigados a se utilizar de caminhos alternativos. Tempos depois, em 15.09.2004, por determinação judicial, o trecho do Km 195 ao Km 230 foi interditado para preservar a segurança dos usuários contra possíveis acidentes causados pela falta de sinalização e má conservação da ro-

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132 ...................................................................................................DPU Nº 56 – Mar-Abr/2014 – PARTE GERAL – JURISPRUDÊNCIA

dovia. Devido a esses fatos, os estabelecimentos comerciais situados à margem da rodovia passaram por incalculável redução nos lucros, pois com os desvios de rota os consumidores não chegavam aos estabelecimentos. Diz que, nesse período, deixou de quitar alguns compromissos assumidos anteriormente, o que causou humilhações e aborrecimentos, que necessitam de reparação. Entende que a Administração é responsável porque “não se pode afetar o legítimo direi-to daqueles que, sem culpa, passaram a ter prejuízos ou sofreram redução nos seus ganhos”. Pede uma indenização pelos danos morais suportados, em valor a ser arbitrado, e lucros cessantes pela diminuição na venda de combustíveis, no valor de R$ 473.309,01.

Atribuiu à causa o valor de R$ 500.000,00 em 20.10.2005.

Contestação da União às fls. 175/203 e do DNIT às fls. 305/324.

Réplica às fls. 438/444.

Decisão saneadora às fls. 640/642.

Contra esta decisão a União interpôs agravo de instrumento (fls. 663/677).

Laudo pericial às fls. 725/734.

Manifestação do autor às fls. 746/754 e 851/857, da União às fls. 765/773 e às fls. 813/837 e do DNIT às fls. 805/807.

Audiência para oitiva do perito às fls. 884/887v.

Alegações finais do DNIT às fls. 891, da União às fls. 894/902v e do autor às fls. 907/914.

O MM. Juiz a quo julgou improcedente o pedido de indenização por danos morais e parcialmente procedente o pedido de indenização por lucros cessantes, condenando a União a pagar, isoladamente, os resultados que o au-tor deixou de auferir nos meses de novembro/2000 a março/2001 e, juntamente com o DNIT, a indenizar o autor pelos lucros cessantes referentes aos meses de setembro/2004 a julho/2005, de acordo com o laudo pericial, corrigido mone-tariamente a partir do mês seguinte a cada competência pela UFIR até dezem-bro/2000 e, a partir de janeiro/2001, pelo IPCA-E do IBGE, acrescido de juros, a partir da citação, pela Selic, oportunidade em que deixará de incidir correção monetária. Diante da sucumbência recíproca, determinou que não seriam devi-dos honorários advocatícios de uma parte à outra (fls. 919/963).

Apelação do autor às fls. 946/959 alegando, em síntese, ter direito a inde-nização pelos danos morais suportados, salientando constituir ato ilícito o aban-dono da BR 153, fato este reconhecido judicialmente nos autos da Ação Civil Pública nº 1999.61.11.004357-9, que tramitou perante a e. 1ª Vara Federal de Marília. Sustenta que a diminuição das vendas levou ao atraso no cumprimento de obrigações, expondo seu nome a humilhações e aborrecimentos.

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DPU Nº 56 – Mar-Abr/2014 – PARTE GERAL – JURISPRUDÊNCIA .......................................................................................................133

Apelação da União às fls. 962/971 dizendo, em primeiro lugar, ser parte ilegítima para figurar no polo passivo da ação. Ultrapassada a preliminar, argu-menta que a atuação do Poder Público não comporta reprimenda, preenchendo o ato os requisitos de proporcionalidade e da razoabilidade. Entende que a interdição da rodovia ensejou mero condicionamento de direitos e não sacrifí-cio do direito de propriedade, configurando hipótese de dano não indenizável. Pondera, ainda, que o suposto dano faz parte do risco da atividade econômica, uma vez que a empresa autora optou por se estabelecer às margens da rodovia, não sendo o Poder Público garantidor de seus lucros. Questiona a metodologia utilizada pelo perito para fixar os lucros cessantes, afirmando ser necessário ex-trair da receita bruta todos os custos e despesas operacionais. Argumenta que, acaso mantida sua responsabilidade, ela deve ser de ordem subsidiária e que os juros de mora e correção monetária devem seguir o estatuído no art. 1º-F da Lei nº 9.494/1997.

O DNIT interpôs apelação às fls. 978/983 dizendo, em síntese, que a res-ponsabilidade civil da Administração Pública, no caso, é subjetiva por se tratar de omissão. Assevera que a interdição da rodovia ocorreu por questões de segu-rança, estando acobertada pela excludente do exercício regular de um direito. Sustenta que, dentro das limitações orçamentárias, não se furtou a gerenciar a rodovia e que a decisão judicial que determinou a interdição quebrou o nexo causal entre a sua conduta e os alegados prejuízos suportados pelo autor. Com base no risco da atividade econômica, defende que o empresário não pode re-passar ao poder público os prejuízos que teve, mormente por ter conhecimento da situação da estrada. Diz, ainda, não haver prova concreta dos lucros cessan-tes, requerendo a reforma da sentença.

Contrarrazões do autor às fls. 992/1004 e da União às fls. 1007/1012v.

Processados os recursos, e por força do reexame necessário, subiram os autos a esta e. Corte, sendo a mim distribuídos em 14.10.2010.

Hipótese de revisão consoante os ditames regimentais.

É o relatório.

Cecília Marcondes Desembargadora Federal Relatora

voto

Cuida-se de ação de reparação de danos decorrentes de interdição de rodovia.

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A preliminar de ilegitimidade de parte da União não comporta análise porque se trata de questão já definitivamente decidida e sobre a qual operou-se a preclusão.

Com efeito, na decisão saneadora (fls. 640/642) o juízo fixou a legitimi-dade da União sob o fundamento de que parte do pedido envolvia período an-terior à criação da autarquia DNIT. Nessa época, as atribuições de manutenção das rodovias federais estava a cargo do DNER, que foi extinto e coube à União sucedê-lo nos termos do art. 4º do Decreto nº 4.128/2002.

Inconformado com a decisão, a União interpôs tempestivamente o re-curso de agravo de instrumento. Portanto, a questão da legitimidade have-ria de ser julgada no recurso adequado, o agravo de instrumento, o qual, em face de desistência da agravante, não chegou a ser analisado por esta e. Corte (fls. 986/987).

A desistência do recurso fez operar preclusão sobre a decisão tomada, não cabendo mais qualquer análise a este respeito. É o que edita o art. 473 da norma regulamentadora processual:

“Art. 473. É defeso à parte discutir, no curso do processo, as questões já decidi-das, a cujo respeito se operou a preclusão.”

No mesmo sentido pauta-se a jurisprudência:

“PROCESSUAL CIVIL – LEGITIMIDADE DE AUTARQUIA – MATÉRIA JÁ DECI-DIDA – PRECLUSÃO – QUESTÃO DECIDIDA COM FUNDAMENTO CONSTI-TUCIONAL – IMPOSSIBILIDADE DE ANÁLISE PELO STJ – 1. O Tribunal estadual registrou que a autarquia federal foi excluída do feito em decisão saneadora, e que tal matéria encontra-se preclusa. Não há, portanto, como analisar tal ques-tão neste momento processual. 2. O acórdão a quo apreciou a legitimidade do Município de Faina com base em fundamento constitucional, cuja reapreciação é vedada ao STJ, sob pena de usurpação de competência do STFL. 3. Agravo Regimental não provido.”

(STJ, Ag-AREsp 46544, 2ª T., Rel. Min. Herman Benjamin, J. 06.12.2011, DJe 24.02.2012)

“PROCESSO CIVIL – ALEGAÇÃO DE REFORMATIO IN PEJUS E JULGAMENTO ULTRA PETITA – AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO – SÚMULA Nº 211/STJ – ILEGITIMIDADE PASSIVA AD CAUSAM – PRECLUSÃO – BEM DE FAMÍLIA – IMPENHORABILIDADE – INEXISTÊNCIA DE PROVA – INCIDÊNCIA DO ÓBICE DA SÚMULA Nº 7/STJ – 1. Não há como afastar o óbice da Súmula nº 211/STJ no caso concreto quando os temas relativos à reformatio in pejus e ao julgamento ultra petita não foram objeto de decisão pela Corte de origem. 2. Uma vez reco-nhecida a legitimidade da recorrente em decisão contra qual não houve interpo-sição de recurso, a teor do art. 473 do CPC, ‘é defeso à parte discutir, no curso do processo, as questões já decididas, a cujo respeito se operou a preclusão’.

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3. A tese defendida no recurso especial demanda o revolvimento do contex-to fático dos autos e desafia a Súmula nº 7/STJ. 4. Indevida a pretensão de re-distribuição do presente feito à Segunda Seção a partir da Emenda Regimental nº 11/2010, porquanto a referida alteração normativa operou-se ex nunc. 5. Agra-vo regimental improvido.”

(STJ, Ag-EDAG 1260497, 5ª T., Rel. Min. Jorge Mussi, J. 17.03.2011, DJe 05.04.2011 – grifo meu)

“PROCESSUAL CIVIL – CONDIÇÕES DA AÇÃO – ILEGITIMIDADE PASSIVA AFASTADA EM SEDE DE AGRAVO DE INSTRUMENTO TRANSITADO EM JUL-GADO – PRECLUSÃO – ART. 267, § 3º DO CPC. AUSÊNCIA DE PREQUESTIO-NAMENTO – SÚMULAS NºS 282 E 356/STFL. I – Afastada a pretendida falta de condição da ação, com prestação jurisdicional plena a respeito do tema, formou--se a coisa julgada, não sendo razoável exigir-se, do mesmo Tribunal, posterior revisão de matéria por ele já decidida. II – Quando o legislador refere-se, no art. 267, § 3º, do CPC, ao exame das condições da ação a qualquer tempo, não tem o objetivo de possibilitar seja revisto julgado definitivo, mas sim o de permitir o exame da matéria, mesmo de ofício, quando ainda não resolvida. III – Ausente o prequestionamento dos demais dispositivos legais ditos violados. IV – Recurso especial não conhecido.”

(STJ, REsp 216706, 3ª T., Rel. Min. Waldemar Sveiter, J. 15.08.2000, DJ 30.10.2000)

Como bem assinalado na decisão supra, o fato de a matéria ser daquelas que podem ser conhecidas a qualquer tempo e grau de jurisdição – ordem pú-blica – não legitima o seu rejulgamento porque o disposto no art. 267, § 3º, do CPC, mira as questões ainda não resolvidas no processo.

De todo modo, anoto o inteiro descabimento da alegada ilegitimidade porque a União sucedeu o DNER, assumindo, legalmente, todos os direitos e obrigações decorrentes de atos praticados pela extinta autarquia, conforme Decreto-Lei nº 512/1969.

Ultrapassada essa questão, compulsando a inicial, extrai-se que o sus-tentáculo fático do pedido da empresa autora lastreia-se na alegada omissão da Administração Pública em relação à conservação da Rodovia BR 153, que devido ao mau estado teve de ser interditada, o que lhe causou prejuízos de ordem financeira e moral porque muitos veículos deixaram de passar pelo local, provocando uma queda na venda de combustíveis.

O estado de conservação da rodovia era tão precário que o Mi-nistério Público Federal em Marília ajuizou ação civil pública (Processo nº 1999.61.11.004357-9) pleiteando a condenação da União, do DNER, do Estado de São Paulo, do DER e da Polícia Rodoviária Federal à “elaboração e à implantação de um projeto de reformulação, conservação, sinalização e fisca-lização da Rodovia BR 153, bem como dos trechos de intersecção desta com

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rodovias estaduais, estabelecendo-se multa para os casos de descumprimento da decisão” – fls. 36/49.

Essa demanda foi julgada parcialmente procedente pelo Poder Judiciário, que condenou a União, como sucessora do DNER, e o DNIT, a elaborar e a implantar um projeto eficiente de reformulação, conservação e sinalização da rodovia BR 153, confirmando a liminar anteriormente deferida (fls. 90/132). Este decisum foi mantido pela e. 4ª Turma deste c. Tribunal Regional Federal, que tão somente acolheu a delimitação do âmbito de eficácia da sentença, restringindo-a para os limites da competência territorial do órgão judicante.

Do v. acórdão, disponível para consulta no sítio eletrônico desta e. Corte, verifica-se que foi reconhecida a omissão do Poder Público no tocante à con-servação da estrada. Sobre a inércia administrativa, assim ficou consignado: “4. As medidas determinadas pela sentença não implicam compelir o Poder Exe-cutivo a edificar obra pública. Diversamente, o que se espera é a manutenção, em condições mínimas de segurança para os usuários, de obra já realizada. Em outras palavras, está-se a afastar a omissão do Poder Público no que tange à conservação da rodovia, em atenção aos objetivos essenciais previstos no art. 4º da Lei nº 10233/2001”.

Portanto, o que se tem na presente hipótese é que a desídia da Admi-nistração Pública com a conservação de rodovia que lhe pertence ensejou a interdição para reparos.

A interdição, que é um ato legal e necessário para a reparação da estra-da, teve por origem a anterior omissão, dolosa ou culposa, que acarretou a sua degradação. Em outras palavras, se não tivesse havido omissão estatal com o dever de zelo, de conservação da coisa (estrada), não seria necessária a medida drástica da interdição.

Ao contrário do que alega o DNIT, que sustenta a responsabilidade subjetiva para os casos de omissão, esta e. Corte tem entendido que mes-mo nos casos de ausência de ação a responsabilidade da Administração é de ordem objetiva, sendo dispensável a prova da culpa. Neste sentido: AC 00017737019954036100, 3ª Turma, Rel. Juiz Fed. Convocado Rubens Ca-lixto, e-DJF3 26.07.2013; AC 00000595720044036004, 6ª T., Relª Desª Fed. Regina Costa, e-DJF3 28.06.2013; AC 00019730320064036000, 6ª T., Rel. Des. Fed. Johonsom Di Salvo, e-DJF3 09.05.2013.

Aduzido posicionamento encontra respaldo na doutrina de Alexandre de Moraes, que ensina que uma vez adotada a teoria do risco administrativo pela Constituição Federal, a responsabilidade é objetiva, bastando a existência dos seguintes requisitos: “ocorrência do dano; ação ou omissão administrativa; existência de nexo causal entre o dano e a ação ou omissão administrativa e au-sência de causa excludente de responsabilidade estatal” (Constituição do Brasil Interpretada. 2. ed. Atlas, p. 903 – grifo inexistente no original).

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O Supremo Tribunal Federal, de acordo com os recentes arestos abaixo colacionados, oriundos de suas duas turmas, também já superou a discussão sobre a responsabilidade administrativa em caso de omissão, encerrando qual-quer controvérsia que outrora existia e definindo que a responsabilidade, tanto nos casos de ação quanto de omissão, é objetiva, nos termos do § 6º do art. 37 da Carta Magna. Neste sentido:

“ADMINISTRATIVO – RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO POR OMISSÃO – INCIDÊNCIA DO ART. 37, § 6º, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL – REQUISITOS MÍNIMOS PARA CONFIGURAÇÃO DA RESPONSABILIDADE (DANO, NEXO DE CAUSALIDADE, DEFICIÊNCIA NA PRESTAÇÃO DO SERVIÇO PÚBLICO) – NÃO-PREENCHIMENTO – PRECEDENTE: RE 481.110 AGR, MIN. CELSO DE MELLO, SEGUNDA TURMA, DJ DE 09.03.2007 RECURSO EXTRAORDINÁRIO – REEXAME FÁTICO-PROBATÓRIO – SÚMULA Nº 279/STFL – AGRAVO REGI-MENTAL A QUE SE NEGA PROVIMENTO.”

(AI 724098 AgR-segundo/RJ, 2ª T., Rel. Min. Teori Zavascki, J. 16.04.2013, DJe 26.04.2013)

“Agravo regimental no recurso extraordinário com agravo. Administrativo. Es-tabelecimento de ensino. Ingresso de aluno portando arma branca. Agressão. Omissão do Poder Público. Responsabilidade objetiva. Elementos da responsabi-lidade civil estatal demonstrados na origem. Reexame de fatos e provas. Impossi-bilidade. Precedentes. 1. A jurisprudência da Corte firmou-se no sentido de que as pessoas jurídicas de direito público respondem objetivamente pelos danos que causarem a terceiros, com fundamento no art. 37, § 6º, da Constituição Federal, tanto por atos comissivos quanto por omissivos, desde que demonstrado o nexo causal entre o dano e a omissão do Poder Público. 2. O Tribunal de origem concluiu, com base nos fatos e nas provas dos autos, que restaram devidamente demonstrados os pressupostos necessários à configuração da responsabilidade extracontratual do Estado. 3. Inadmissível, em recurso extraordinário, o reexame de fatos e provas dos autos. Incidência da Súmula nº 279/STFL. 4. Agravo regi-mental não provido.”

(ARE 697326-AgR/RS, 1ª T., Rel. Min. Dias Toffoli, J. 05.03.2013, DJe 25.04.2013)

“RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA DO PODER PÚBLICO – ELEMENTOS ESTRUTURAIS – PRESSUPOSTOS LEGITIMADORES DA INCIDÊNCIA DO ART. 37, § 6º, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA – TEORIA DO RISCO AD-MINISTRATIVO – MORTE DE INOCENTE CAUSADA POR DISPARO EFETUA-DO COM ARMA DE FOGO PERTENCENTE À POLÍCIA MILITAR DO ESTADO DO MATO GROSSO DO SUL E MANEJADA POR INTEGRANTE DESSA COR-PORAÇÃO – DANOS MORAIS E MATERIAIS – RESSARCIBILIDADE – DOUTRI-NA – JURISPRUDÊNCIA – RECURSO DE AGRAVO IMPROVIDO

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Os elementos que compõem a estrutura e delineiam o perfil da responsabilida-de civil objetiva do Poder Público compreendem (a) a alteridade do dano, (b) a causalidade material entre o eventus damni e o comportamento positivo (ação) ou negativo (omissão) do agente público, (c) a oficialidade da atividade causal e lesiva imputável a agente do Poder Público que tenha, nessa específica condição, incidido em conduta comissiva ou omissiva, independentemente da licitude, ou não, do comportamento funcional e (d) a ausência de causa excludente da res-ponsabilidade estatal. Precedentes. A ação ou a omissão do Poder Público, quan-do lesiva aos direitos de qualquer pessoa, induz à responsabilidade civil objetiva do Estado, desde que presentes os pressupostos primários que lhe determinam a obrigação de indenizar os prejuízos que os seus agentes, nessa condição, hajam causado a terceiros. Doutrina. Precedentes. Configuração de todos os pressu-postos primários determinadores do reconhecimento da responsabilidade civil objetiva do Poder Público, o que faz emergir o dever de indenização pelo dano moral e/ou patrimonial sofrido.”

(RE 603626 AgR-segundo/MS, 2ª T., Rel. Min. Celso de Mello, J. 15.05.2012, DJe 11.06.2012 – grifo inexistente no original)

“Agravo regimental em recurso extraordinário. 2. Responsabilidade objetiva pre-vista no art. 37, § 6º, da Constituição Federal abrange também os atos omissivos do Poder Público. Precedentes. 3. Impossibilidade de reexame do conjunto fáti-co-probatório. Enunciado nº 279 da Súmula do STFL. 4. Ausência de argumentos suficientes para infirmar a decisão recorrida. 5. Agravo regimental a que se nega provimento.”

(RE 677283 AgR/PB, 2ª T., Rel. Min. Gilmar Mendes, J. 17.04.2012, DJe 07.05.2012)

Firmada a responsabilidade objetiva da Administração, entendo inapli-cável, na hipótese sub judice, a excludente do exercício regular de um direito invocada pelo DNIT em seu apelo.

O exercício regular de um direito nada mais é do que a realização de uma faculdade de acordo com as respectivas normas jurídicas. Justifica-se como excludente porque uma ação juridicamente permitida não pode ser ao mesmo tempo proibida pelo ordenamento jurídico.

Pois bem, como anteriormente dito, a interdição da rodovia encontra justificativa na necessidade da realização de obras. Necessidade, esta, todavia, decorrente de tempos de omissão e de desídia com a sua conservação. Assim, se a ação estava revestida de licitude, a omissão anterior não estava.

Tamanho era o desrespeito com a conservação e, por corolário com a segurança dos usuários, que foi necessário uma condenação em ação civil pú-blica para que as rés providenciassem a reforma da rodovia. Reforma esta que dispensaria a intervenção judicial caso o DNIT cumprisse os objetivos que lhe foram traçados pela Lei nº 10.233/2001, cujo art. 80 estabelece:

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“Art. 80. Constitui objetivo do DNIT implementar, em sua esfera de atuação, a política formulada para a administração da infraestrutura do Sistema Federal de Viação, compreendendo sua operação, manutenção, restauração ou reposição, adequação de capacidade, e ampliação mediante construção de novas vias e terminais, segundo os princípios e diretrizes estabelecidos nesta Lei.”

Portanto, não há que se falar em exercício regular de um direito, mas sim em ineficiência da Administração Pública, que não se compactua com os princípios fixados pelo legislador constituinte (art. 37, caput, CF).

Tampouco pode-se sustentar ter ocorrido quebra do nexo causal por for-ça da decisão judicial. O nexo causal resta incólume porque a sentença não criou um fato novo, mas tão só condenou os responsáveis a cumprir uma obri-gação imposta por lei e até então descurada.

A atividade estatal, ainda que considerada regular, quando causadora de danos injustos legitima a ação de ressarcimento. E é indiscutível que a inter-dição de uma rodovia acarreta prejuízos aos comerciantes estabelecidos à sua margem, privados que ficam do movimento contínuo de clientes assíduos e dos eventuais.

Não se trata, como sustentam as apelantes, de transferir para o Poder Público os riscos de uma atividade lucrativa. Isso aconteceria caso o autor de-mandasse contra o Estado por não obter o lucro esperado. Mas o que se tem é que, por desídia administrativa, a rodovia pertencente e explorada pela União ficou sucateada a ponto de ser necessário o seu fechamento para a realização de obras.

Logo não estamos diante de um risco normal ao negócio, inerente a todos aqueles que são empreendedores neste país. Cuida-se de risco anormal, alheio à atividade do autor, que jamais imaginava ver a rodovia interditada.

Assim, presentes a omissão da Administração, o nexo causal e o dano suportado pelo autor, tem-se por preenchidos os pressupostos da obrigação de indenizar.

Dano material, de acordo com a doutrina, é o que repercute no patrimô-nio do lesado. E o patrimônio, por sua vez, é o conjunto das relações jurídicas de uma pessoa apreciáveis em dinheiro. O dano material é avaliado tendo em vista a diminuição sofrida no patrimônio e o objetivo do ressarcimento é justa-mente recompor o patrimônio lesado (Carlos Roberto Gonçalves in Responsa-bilidade Civil. 8. ed. Saraiva, p. 627).

O Código Civil dispõe que o ressarcimento pelos danos deve abranger não apenas o que efetivamente se perdeu, mas também o que razoavelmente deixou de lucrar (art. 402). Isso significa que o dano material compreende o dano emergente (o que se perdeu) e o lucro cessante (o que se deixou de lucrar).

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Utilizando exemplo do professor acima mencionado, “se um ônibus é abalroado culposamente, deve o causador do dano pagar todos os prejuízos efetivamente sofridos, incluindo-se as despesas com os reparos do veículo (dano emergente), bem como o que a empresa deixou de ganhar no período em que o veículo ficou na oficina. Apura-se, pericialmente, o lucro que a empresa normalmente auferia por dia e chega-se ao quantum que ela deixou de lucrar” (ob. cit., p. 629).

Na hipótese em apreço a condenação para ressarcir os danos materiais envolve unicamente os lucros cessantes suportados pela empresa autora.

A prova pericial, necessária para fixação do montante devido, com base nos documentos contábeis juntados aos autos apurou honestamente o quantum debeatur. Ao contrário do que alega a União, as despesas operacionais e custos foram efetivamente considerados para os efeitos da liquidação, conforme se verifica desta passagem do laudo (fl. 729, último parágrafo): “Adicionando es-sas receitas perdidas às demonstrações de resultados dos respectivos períodos, considerando-se as médias dos custos das mercadorias vendidas e mantendo--se as demais despesas, apuram-se os novos resultados, consubstanciados nos seguintes valores e percentuais” (grifo e destaque meus).

Logo, inexistem vícios no laudo pericial, devendo o trabalho do Sr. Perito ser adotado com as observações feitas pelo douto juízo em sentença.

O pedido de dano moral efetuado pelo autor, por seu turno, não com-porta acolhimento.

Dano moral “é o prejuízo que afeta o ânimo psíquico, moral e intelectual da vítima. Nesse campo, o prejuízo transita pelo imponderável, daí por que aumentam as dificuldades de se estabelecer a justa recompensa pelo dano. Em muitas situações, cuida-se de indenizar o inefável. Não é também qualquer dissabor comezinho da vida que pode acarretar a indenização. Aqui, também é importante o critério objetivo do homem médio, o bonus pater familias: não se levará em conta o psiquismo do homem excessivamente sensível, que se abor-rece com fatos diuturnos da vida, nem o homem de pouca ou nenhuma sensi-bilidade, capaz de resistir sempre às rudezas do destino” (VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil – Responsabilidade civil. 3. ed. Jurídico Atlas, v. IV, p. 33).

Empresas estão sujeitas a variação de faturamento e isso não configura abalo moral, sendo apenas ônus do negócio. O abalo de crédito configura pre-juízo material, já ressarcido.

Apesar da alegação, não há prova nos autos de que a empresa tenha perdido a sua credibilidade junto ao comércio local. Sem a prova efetiva da mácula à honra objetiva da pessoa jurídica, inexiste o dever de indenizar. Neste sentido:

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“PROCESSO CIVIL – RESPONSABILIDADE CIVIL – DANO MORAL REFLEXO – PESSOA JURÍDICA – SÓCIO-GERENTE COM NOME INDEVIDAMENTE INS-CRITO NO CADASTRO DE INADIMPLENTES – NEGATIVA DE EMPRÉSTIMO À SOCIEDADE – LEGITIMIDADE ATIVA AD CAUSAM DA PESSOA JURÍDICA – ABALO DE CRÉDITO – NÃO OCORRÊNCIA DE DANO IN RE IPSA – NECES-SIDADE DE COMPROVAÇÃO DA OFENSA À HONRA OBJETIVA – 1. O dano moral reflexo, indireto ou por ricochete é aquele que, originado necessariamente do ato causador de prejuízo a uma pessoa, venha a atingir, de forma mediata, o direito personalíssimo de terceiro que mantenha com o lesado um vínculo direto. Precedentes. 2. A Súmula nº 227 do STJ preconiza que a pessoa jurídica reúne potencialidade para experimentar dano moral, podendo, assim, pleitear a devida compensação quando for atingida em sua honra objetiva. 3. No caso concreto, é incontroversa a inscrição indevida do nome do sócio-gerente da recorrente no cadastro de inadimplentes, acarretando a esta a negativa de empréstimo junto à Caixa Econômica Federal. Assim, ainda que a conduta indevida da recorrida te-nha atingido diretamente a pessoa do sócio, é plausível a hipótese de ocorrência de prejuízo reflexo à pessoa jurídica, em decorrência de ter tido seu crédito ne-gado, considerando a repercussão dos efeitos desse mesmo ato ilícito. Dessarte, ostenta o autor pretensão subjetivamente razoável, uma vez que a legitimida-de ativa ad causam se faz presente quando o direito afirmado pertence a quem propõe a demanda e possa ser exigido daquele em face de quem a demanda é proposta. 4. O abalo de crédito desponta como afronta a direito personalíssimo – a honradez e o prestígio moral e social da pessoa em determinado meio – trans-cendendo, portanto, o mero conceito econômico de crédito. 5. A jurisprudência desta Corte já se posicionou no sentido de que o dano moral direto decorrente do protesto indevido de título de crédito ou de inscrição indevida nos cadastros de maus pagadores prescinde de prova efetiva do prejuízo econômico, uma vez que implica ‘efetiva diminuição do conceito ou da reputação da empresa cujo título foi protestado’, porquanto, ‘a partir de um juízo da experiência, [...] qualquer um sabe os efeitos danosos que daí decorrem’ (REsp 487.979/RJ, Rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar, DJ 08.09.2003). 7. Não obstante, no que tange ao dano moral indireto, tal presunção não é aplicável, uma vez que o evento danoso direcionou--se a outrem, causando a este um prejuízo direto e presumível. A pessoa jurídica foi alcançada acidentalmente, de modo que é mister a prova do prejuízo à sua honra objetiva, o que não ocorreu no caso em julgamento, conforme consignado no acórdão recorrido, mormente porque a ciência acerca da negação do emprés-timo ficou adstrita aos funcionários do banco. 8. Recurso especial não provido.”

(STJ, REsp 1022522, 4ª T., Rel. Min. Luis Felipe Salomão, J. 25.06.2013, DJe 01.08.2013 – grifo inexistente no original)

“Constitucional. Administrativo. Processual Civil. Responsabilidade da Adminis-tração. Execução trabalhista. Bloqueio de valores. Pessoa jurídica diversa. Equí-voco. Correção. Danos morais. Possibilidade. Danos e Nexo de causalidade. Não comprovação. Apelação improvida. 1. A Secretaria da 7ª Vara do Trabalho de João Pessoa bloqueou valores nas contas bancárias da apelante e de uma sócia--diretora, por equívoco, em face da semelhança entre os nomes das pessoas ju-

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rídicas da reclamada e da apelante, o que após petição da apelante junto àquele juízo, foi corrigido. 2. É possível a pessoa jurídica sofrer danos morais, consoante a Súmula nº 22, do STJ, sendo indenizada quando comprovado o abalo na sua imagem, no bom funcionamento dos negócios ou na sua credibilidade, decorren-tes de erro apontado, isto é, há o dever de indenizar quando provados os danos de índole objetiva e o nexo de causalidade. 3. Inexiste prova nos autos das obri-gações que não puderam ser cumpridas ante o bloqueio dos valores nas contas da empresa, e que, porventura, tenham causado algum dano de índole objetiva à apelante, não havendo, portanto, o dano, nem tampouco, o nexo de causalidade arguido. 4. Apelação improvida.”

(TRF 5ª R., AC 00073692420114058200, 2ª Turma, Rel. Des. Fed. Rubens de Mendonça Canuto, J. 23.07.2013, DJe 01.08.2013)

“CIVIL E PROCESSUAL CIVIL – AÇÃO DE RESCISÃO DE CONTRATO E INDENI-ZAÇÃO POR PERDAS E DANOS – CONTRATO DE FINANCIAMENTO IMOBILI-ÁRIO – PLANO EMPRESÁRIO POPULAR – RECURSOS DO FGTS – INADIMPLE-MENTO CONTRATUAL – IMPOSSIBILIDADE DE EXECUÇÃO DO CONTRATO PELA PARTE ADVERSA – DANOS EMERGENTES E LUCROS CESSANTES – DANO MORAL NÃO CARACTERIZADO – I – Nos termos da jurisprudência des-te egrégio Tribunal Regional ‘Na qualidade de gestora de recursos públicos pro-venientes de fundos governamentais destinados ao fomento de atividades sociais, é dever da instituição financeira operadora diligenciar no sentido de pelo menos garantir a existência de crédito para os financiamentos contratados, não poden-do se furtar à obrigação de indenizar quando ocorrer danos decorrentes do de-sequilíbrio econômico-financeiro do contrato firmado com o particular, sob o fundamento de que não há mais recursos’ (TRF 1ª R., AC 200401000113635, Juiz Federal Moacir Ferreira Ramos (Conv.), 6ª Turma, DJ Data: 04.06.2007). II – Comprovado o dano, bem como o nexo de causalidade entre o prejuízo e a inexecução culposa por parte da CEF, apresentar-se, na hipótese dos autos, im-perativo o dever de indenizar, compreendendo, pois, o dano emergente e o lucro cessante. III – Afigura-se, incabível, na espécie, a indenização por danos morais, uma vez que não restou comprovado nos autos abalo à imagem ou à credibili-dade da pessoa jurídica ensejadores de reparação por danos extrapatrimoniais. IV – No que tange aos juros moratórios, deve ser aplicado, na espécie, no per-centual de 0,5% (meio por cento) ao mês, até a vigência da Lei nº 10.406, de 10.01.2002 (novo Código Civil, com eficácia plena desde 13.01.2003), quan-do deve incidir o disposto nos arts. 405 e 406 da referida lei, ou seja, deverão observar a taxa que estiver em vigor para a mora do pagamento de impostos devidos à Fazenda Nacional, que no caso é a Selic, nos expressos termos da Lei nº 9.250/1995. V – Em sendo recíproca a sucumbência das partes, a condena-ção em honorários advocatícios há de ser submetida à regra do art. 21, caput, do CPC. VI – Apelação da Caixa desprovida. Recurso adesivo da parte autora provido em parte.”

(TRF 1ª R., AC 200801000653879, 5ª T., Rel. Juiz Fed. Conv. Carlos Eduardo Castro Martins, J. 10.07.2013, e-DJF1 26.07.2013)

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DPU Nº 56 – Mar-Abr/2014 – PARTE GERAL – JURISPRUDÊNCIA .......................................................................................................143

Inexiste, consequentemente, dever de indenizar os danos morais.

Merece atenção o requerimento da União formulado ad cautelam, para que sua responsabilidade seja definida como subsidiária.

De fato, a União é responsável, isoladamente, pelos danos ocasionados com a primeira interdição, que durou de novembro/2000 a março/2001, na condição de sucessora do extinto DNER. No período posterior, contudo, não responde solidariamente porque a obrigação pertence, unicamente, ao DNIT, autarquia criada especialmente para o fim de administrar as rodovias federais.

As autarquias integram a Administração Indireta e são titulares de direitos e de obrigações próprios, distintos daqueles pertencentes ao ente instituidor. Seus atos não responsabilizam a Administração a que integra, salvo subsidiaria-mente, quando esgotado seu patrimônio.

O saudoso Diógenes Gasparini em seu indefectível magistério já prele-cionava que “A Administração Pública a que pertence a autarquia não respon-de pelas suas obrigações. Também não responde pelos danos causados pela autarquia a terceiros, decorrentes de sua atuação ou de comportamento lesivo de seus servidores. A autarquia é pessoa de direito, e como tal deve responder pelas responsabilidades assumidas e pelos danos que causar a alguém” (Direito administrativo. 4. ed. Saraiva, p. 227).

Afirmava o mestre, categoricamente, que “não há que se falar em respon-sabilidade solidária da Administração Pública por atos ou negócios da autarquia por ele criada”, mas que “pode haver, isso sim, responsabilidade subsidiária” (ob. cit.). Este entendimento é adotado pacificamente pelos Tribunais brasilei-ros, de que são paradigmas os arestos abaixo colacionados:

“ADMINISTRATIVO – RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO – ACIDENTE DE TRÂNSITO – DANO MATERIAL – RESPONSABILIDADE DA AUTARQUIA – RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA DO ESTADO – A Jurisprudência desta Corte considera a autarquia responsável pela conservação das rodovias e pelos danos causados a terceiros em decorrência da má conservação, contudo remanesce ao Estado a responsabilidade subsidiária. Agravo regimental provido em parte para afastar a responsabilidade solidária da União, persistindo a responsabilidade subsidiária.”

(STJ, Ag-REsp 875604, 2ª T., Rel. Min. Humberto Martins, J. 09.06.2009, DJe 25.06.2009)

“RECURSO ESPECIAL – RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA – PODER CONCE-DENTE – CABIMENTO – PRESCRIÇÃO – NÃO OCORRÊNCIA – 1. Há respon-sabilidade subsidiária do Poder Concedente, em situações em que o concessio-nário não possuir meios de arcar com a indenização pelos prejuízos a que deu causa. Precedentes. 2. No que tange à alegada ofensa ao art. 1º, do Decreto nº 20.910/1932, mostra-se improcedente a tese de contagem da prescrição desde

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o evento danoso, vez que os autos revelam que a demanda foi originalmente intentada em face da empresa concessionária do serviço público, no tempo e no modo devidos, sendo que a pretensão de responsabilidade subsidiária do Estado somente surgira no momento em que a referida empresa tornou-se insolvente para a recomposição do dano. 3. Em apreço ao princípio da actio nata que infor-ma o regime jurídico da prescrição (art. 189, do CC), há de se reconhecer que o termo a quo do lapso prescricional somente teve início no momento em que se configurou o fato gerador da responsabilidade subsidiária do Poder Concedente, in casu, a falência da empresa concessionária, sob pena de esvaziamento da ga-rantia de responsabilidade civil do Estado nos casos de incapacidade econômica das empresas delegatárias de serviço público. 4. Recurso especial não provido.”

(STJ, REsp 1135927, 2ª Turma, Rel. Min. Castro Meira, J. 10.08.2010, DJe 19.08.2010)

“ADMINISTRATIVO – ACIDENTE DE TRÂNSITO – RESPONSABILIDADE SUBSI-DIÁRIA DO ESTADO – 1. O especial foi interposto nos autos de ação indenizató-ria ajuizada pelos recorridos contra o Estado do Rio Grande do Sul em razão de acidente de trânsito. 2. O Tribunal de origem não apreciou a questão à luz dos §§ 2º e 3º do art. 219 do Código de Processo Civil, que tratam, respectivamen-te, do ônus da parte em promover a citação e do prazo que o magistrado pode estender para que seja realizado esse ato processual. A ausência de prequestio-namento impõe a aplicação do disposto na Súmula nº 211 desta Corte, in verbis: ‘Inadmissível recurso especial quanto à questão que, a despeito da oposição de embargos declaratórios, não foi apreciada pelo tribunal a quo.’ 3. Não é possível conhecer do apelo quanto às alegações de ofensa aos arts. 43 e 186 do Código Civil de 2002 – ausência de nexo de causalidade na atuação estatal –, porque a pretensão esbarra no impedimento da Súmula nº 7/STJ. O Tribunal sulista foi enfático ao asseverar que ‘a omissão estatal teve relevância direta na causação do acidente’ (e-STJ fl. 599). 4. Malgrado a autarquia seja responsável pela con-servação das rodovias e pelos danos causados a terceiros em decorrência da má conservação, mantém-se a responsabilidade subsidiária do Estado, não havendo que se falar em extinção do processo sem resolução de mérito em face da alegada ilegitimidade passiva (AgRg-REsp 875.604/ES, Rel. Min. Humberto Martins, DJe de 25.06.2009). 5. Recurso especial conhecido em parte e não provido.”

(STJ, REsp 1137950, 2ª T., Rel. Min. Castro Meira, J. 18.03.2010, DJe 30.03.2010)

Portanto, altero o pronunciamento jurisdicional para reconhecer que a responsabilidade da União, para o período de interdição da rodovia posterior à criação do DNIT, é subsidiária e não solidária.

Finalmente, entende a União em seu apelo que a correção monetária, a partir de 30 de junho de 2009, deve observar o disposto no art. 1º-F da Lei nº 9.494/1997.

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DPU Nº 56 – Mar-Abr/2014 – PARTE GERAL – JURISPRUDÊNCIA .......................................................................................................145

Nesse ponto, mais uma vez, razão lhe assiste, porque com o advento da Lei nº 11.960/2009, que alterou o art. 1º-F da Lei nº 9.494/1997, nas condena-ções impostas à Fazenda Pública a atualização monetária deve seguir os índices oficiais de poupança.

Menciona o texto legal:

“Art. 1º-F. Nas condenações impostas à Fazenda Pública, independentemente de sua natureza e para fins de atualização monetária, remuneração do capital e compensação da mora, haverá a incidência uma única vez, até o efetivo paga-mento, dos índices oficiais de remuneração básica e juros aplicados à caderneta de poupança.”

Deste modo, a partir da alteração introduzida no ordenamento jurídico, a correção monetária deverá observar unicamente o acima transcrito.

Ante todo o exposto, nego provimento à apelação da parte autora e à do DNIT e dou parcial provimento à apelação da União e à remessa oficial.

É como voto.

Cecília Marcondes Desembargadora Federal Relatora

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Parte Geral – Jurisprudência

2541

Tribunal Regional Federal da 4ª RegiãoApelação Cível nº 0018263‑53.2013.404.9999/SCRelator: Des. Federal João Batista Pinto SilveiraApelante: José da Silva PeresAdvogado: Vanderlei FernandesApelado: Instituto Nacional do Seguro Social – INSSAdvogado: Procuradoria Regional da PFE‑INSS

eMentAPREVIDENCIÁRIO – PAGAMENTO DE VALORES DEVIDOS EM VIRTUDE DE AUXÍLIO-DOENÇA – CANCELAMENTO NA DATA DO ÓBITO

Os herdeiros têm direito ao pagamento dos valores devidos até a cessa-ção do benefício do de cujos.

Acórdão

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, de-cide a Egrégia 6ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por una-nimidade, dar provimento ao recurso, nos termos do relatório, votos e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Porto Alegre, 05 de fevereiro de 2014.

Desembargador Federal João Batista Pinto Silveira Relator

relAtórIo

Cuida-se de apelação interposta da sentença assim proferida:

3. Face ao exposto, julgo improcedente a demanda. Inaplicável o art. 129, parágrafo único, da Lei nº 8.213/1991, porquanto o pleito não foi fun-damentado na existência de um “acidente do trabalho”. Assim a parte autora arcará com o pagamento das custas processuais e honorários advocatícios em favor do procurador do requerido, que arbitro, com fundamento no art. 20, § 4ª, do CPC, em R$ 800,00. Fica, entretanto, suspensa a exigibilidade de tais verbas, por ser a parte beneficiária de justiça gratuita.

A parte autora apela. Sustenta estar comprovada a incapacidade labora-tiva do de cujos, fazendo jus os herdeiros ao pagamento dos valores devidos até o óbito.

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DPU Nº 56 – Mar-Abr/2014 – PARTE GERAL – JURISPRUDÊNCIA .......................................................................................................147

Regularmente processados, subiram os autos a este Tribunal.

É o relatório.

voto

A controvérsia cinge-se sobre o acerto ou não da sentença que julgou improcedente o pedido de auxílio-doença.

Não havendo controvérsia quanto à qualidade de segurado, passo à aná-lise da incapacidade laborativa.

Segundo entendimento dominante na jurisprudência pátria, nas ações em que se objetiva a concessão de aposentadoria por invalidez ou auxílio-doença, ou mesmo nos casos de restauração desses benefícios, o julgador firma seu convencimento com base na prova pericial, não deixando de se ater, entretanto, aos demais elementos de prova, sendo certo que embora possível, teoricamen-te, o exercício de outra atividade pelo segurado, ainda assim a inativação por invalidez deve ser outorgada se, na prática, for difícil a respectiva reabilitação, seja pela natureza da doença ou das atividades normalmente desenvolvidas, seja pela idade avançada.

Compulsando os autos, verifica-se que o de cujus esteve em gozo de auxílio-doença – NB 5316346838, DIB 12.08.2008, cuja cessação se deu pela ocorrência do óbito do autor, conforme fl. 91.

O próprio INSS peticiona alegando que nada é devido aos herdeiros em razão de o benefício ter sido mantido até o falecimento do demandante, fl. 90.

Todavia, consoante documento de fl. 93, emitido em 21.02.2001, obser-va-se que o benefício deixou de ser pago a partir da competência de fevereiro de 2009, razão pela qual a Autarquia deve ser condenada ao pagamento do montante devido no período de 1º de fevereiro a 12 de setembro de 2009 – data do óbito, fl. 63.

DOS CONSECTÁRIOS

Segundo o entendimento das Turmas previdenciárias do Tribunal Regio-nal Federal da 4ª Região estes são os critérios aplicáveis aos consectários:

a) Correção monetária:

A correção monetária, segundo o entendimento consolidado na 3ª Seção deste TRF4, incidirá a contar do vencimento de cada prestação e será calculada pelos índices oficiais e jurisprudencialmente aceitos, quais sejam:

– ORTN (10/1964 a 02/1986, Lei nº 4.257/1964);

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148 ...................................................................................................DPU Nº 56 – Mar-Abr/2014 – PARTE GERAL – JURISPRUDÊNCIA

– OTN (03/1986 a 01/1989, Decreto-Lei nº 2.284/1986);

– BTN (02/1989 a 02/1991, Lei nº 7.777/1989);

– INPC (03/1991 a 12/1992, Lei nº 8.213/1991);

– IRSM (01/1993 a 02/1994, Lei nº 8.542/1992);

– URV (03 a 06/1994, Lei nº 8.880/1994);

– IPC-r (07/94 a 06/1995, Lei nº 8.880/1994);

– INPC (07/1995 a 04/1996, MP 1.053/1995);

– IGP-DI (05/1996 a 03/2006, art. 10 da Lei nº 9.711/1998, combinado com o art. 20, §§ 5º e 6º, da Lei nº 8.880/1994);

– INPC (a partir de 04/2006, conforme o art. 31 da Lei nº 10.741/2003, combi-nado com a Lei nº 11.430/2006, precedida da MP 316, de 11.08.2006, que acrescentou o art. 41-A à Lei nº 8.213/1991, e REsp 1.103.122/PR).

Entendia a 3ª Seção deste Tribunal que a contar de 30.06.2009, data em que passou a viger a Lei nº 11.960/2009, de 29.06.2009, publicada em 30.06.2009 (a qual alterou o art. 1º-F da Lei nº 9.494/1997), deveria haver, para fins de atualização monetária e juros, a incidência, uma única vez, até o efeti-vo pagamento, dos índices oficiais de remuneração básica e juros aplicados à caderneta de poupança.

Não são aplicáveis, todavia, no que toca à correção monetária, os cri-térios previstos na Lei nº 11.960/2009, que modificou a redação do art. 1º-F da Lei nº 9.494/1997, por conta de decisão proferida pelo Plenário do Supre-mo Tribunal Federal, no julgamento das ADIs 4.357 e 4.425, que apreciou a constitucionalidade do art. 100 da CF, com a redação que lhe foi dada pela EC 62/2006. Essa decisão proferida pela Corte Constitucional, além de declarar a inconstitucionalidade da expressão “na data de expedição do precatório”, do § 2º; dos §§ 9º e 10; e das expressões “índice oficial de remuneração básica da caderneta de poupança” e “independente de sua natureza”, do § 12, todos do art. 100 da Constituição Federal de 1988, com a redação da Emenda Cons-titucional nº 62/2009, por arrastamento, também declarou inconstitucional o art. 1º-F da Lei nº 9.494, com a redação dada pelo art. 5º da Lei nº 11.960, de 29.07.2009 (atualização monetária pelo índice de remuneração da poupança).

Impõe-se, pois, a observância do que decidido com efeito erga omnes e eficácia vinculante pelo STF nas ADIs 4.357 e 4.425, restabelecendo-se, no que toca a juros e correção monetária, a sistemática anterior à Lei nº 11.960/2009, ou seja, apuração de correção monetária pelo INPC.

A sentença deve ser adequada, quanto à correção monetária, aos crité-rios acima definidos. De fato, em razão do que decidido pelo Supremo Tribunal Federal, as disposições do art. 1º-F da Lei nº 9.494, com a redação dada pelo

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DPU Nº 56 – Mar-Abr/2014 – PARTE GERAL – JURISPRUDÊNCIA .......................................................................................................149

art. 5º da Lei nº 11.960/2009, foram expungidas do ordenamento jurídico no que toca à correção monetária, a qual, como sabido, constitui acessório, sobre o qual pode e deve o órgão julgador deliberar. Eliminada do mundo jurídico uma norma legal em razão de manifestação do Supremo Tribunal Federal em ação direta de inconstitucionalidade, não pode subsistir decisão que a aplique, pois está em confronto com a Constituição Federal. Deve, portanto, haja vista os fundamentos constitucionais expostos, ser feita a adequação da correção monetária.

b) Juros de mora

Até 30.06.2009 os juros de mora, apurados a contar da data da citação, devem ser fixados à taxa de 1% ao mês, com base no art. 3º do Decreto-Lei nº 2.322/1987, aplicável analogicamente aos benefícios pagos com atraso, ten-do em vista o seu caráter eminentemente alimentar, consoante firme entendi-mento consagrado na jurisprudência do STJ e na Súmula nº 75 desta Corte.

A partir de 30.06.2009, por força da Lei nº 11.960, de 29.06.2009 (publi-cada em 30.06.2009), que alterou o art. 1º-F da Lei nº 9.494/1997, para fins de apuração dos juros de mora haverá a incidência, uma única vez, até o efetivo pagamento, do índice oficial de aplicado à caderneta de poupança. Registre-se que a Lei nº 11.960/2009, segundo o entendimento do STJ, tem natureza instru-mental, devendo ser aplicada aos processos em tramitação (EREsp 1207197/RS, Rel. Min. Castro Meira, Julgado em 18.05.2011).

Observo que as decisões tomadas pelo Plenário do Supremo Tribunal Fe-deral no julgamento das ADIs 4.357 e 4.425 não interferiram com a taxa de ju-ros aplicável às condenações da Fazenda Pública, consoante entendimento fir-mado no Superior Tribunal de Justiça a partir do julgamento do REsp 1.270.439. Com efeito, como consignado pela Ministra Eliana Calmon no julgamento do MS 18.217, “No julgamento do REsp 1.270.439/PR, sob a sistemática dos re-cursos repetitivos, esta Corte, diante da declaração de inconstitucionalidade parcial do art. 1º-F da Lei nº 9.494/99 no que concerne à correção monetária, ratificou o entendimento de que nas condenações impostas à Fazenda Pública após 29.06.2009, de natureza não tributária, os juros moratórios devem ser cal-culados com base na taxa de juros aplicáveis à caderneta de poupança”.

c) Honorários advocatícios: devem ser fixados em 10% sobre o valor da condenação, excluídas as parcelas vincendas, observando-se a Súmula nº 76 desta Corte: “Os honorários advocatícios, nas ações previdenciárias, devem in-cidir somente sobre as parcelas vencidas até a data da sentença de procedência ou do acórdão que reforme a sentença de improcedência”.

d) Custas processuais: o INSS é isento do pagamento das custas no Foro Federal (art. 4º, I, da Lei nº 9.289/1996) e na Justiça Estadual do Rio Grande do Sul, devendo, contudo, pagar eventuais despesas processuais, como as relacionadas a correio, publicação de editais e condução de oficiais de jus-

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150 ...................................................................................................DPU Nº 56 – Mar-Abr/2014 – PARTE GERAL – JURISPRUDÊNCIA

tiça (art. 11 da Lei Estadual nº 8.121/1985, com a redação da Lei Estadual nº 13.471/2010, já considerada a inconstitucionalidade formal reconhecida na ADI 70038755864 julgada pelo Órgão Especial do TJ/RS), isenções estas que não se aplicam quando demandado na Justiça Estadual do Paraná (Súmula nº 20 do TRF4), devendo ser ressalvado, ainda, que no Estado de Santa Catarina (art. 33, parágrafo único, da Lei Complementar Estadual nº 156/1997), a autar-quia responde pela metade do valor.

Frente ao exposto, voto por dar provimento ao recurso.

Desembargador Federal João Batista Pinto Silveira Relator

eXtrAto de AtA dA sessão de 05.02.2014

Apelação Cível nº 0018263-53.2013.404.9999/SC

Origem: SC 00010136720098240004

Relator: Des. Federal João Batista Pinto Silveira

Presidente: Néfi Cordeiro

Procurador: Procuradora Regional da República Solange Mendes de Souza

Revisor: Juiz Federal Alcides Vettorazzi

Apelante: José da Silva Peres

Advogado: Vanderlei Fernandes

Apelado: Instituto Nacional do Seguro Social – INSS

Advogado: Procuradoria Regional da PFE-INSS

Certifico que este processo foi incluído na Pauta do dia 05.02.2014, na sequência 323, disponibilizada no DE de 22.01.2014, da qual foi intimado(a) Instituto Nacional do Seguro Social – INSS.

Certifico que o(a) 6ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígra-fe, em sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:

A turma, por unanimidade, decidiu dar provimento ao recurso.

Relator Acórdão: Des. Federal João Batista Pinto Silveira

Votante(s): Des. Federal João Batista Pinto Silveira Juiz Federal Alcides Vettorazzi Des. Federal Néfi Cordeiro

Elisabeth Thomaz Diretora Substituta de Secretaria

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Parte Geral – Jurisprudência

2542

Tribunal Regional Federal da 5ª RegiãoGabinete do Desembargador Federal Rogério Fialho MoreiraAGTR 135383‑PE 0042104‑74.2013.4.05.0000Agrte.: João Coelho & Cia. Ltda.Adv./Proc.: Pedro Melchior de Melo Barros e outroAgrdo.: Fazenda NacionalOrigem: 28ª Vara Federal de Pernambuco (Arcoverde)Juíza Polyana Falcão BritoRelator: Desembargador Federal Rogério Fialho Moreira

eMentA

EXCEÇÃO DE PRÉ-EXECUTIVIDADE – APLICAÇÃO DA MULTA DE 75% PREVISTA NO ART. 44, I, DA LEI Nº 9.430/1996 – POSSIBILIDADE DIANTE DA INEXISTÊNCIA DE FATOS QUE DEMONSTREM, NO CASO CONCRETO, O SEU CARÁTER CONFISCATÓRIO – IMPROVIMENTO DO AGRAVO DE INSTRUMENTO1. Agravo de instrumento, com pedido de efeito suspensivo, inter-posto contra decisão do Juízo da 28ª Vara Federal da Seção Judiciá-ria de Pernambuco, que, nos autos da Execução Fiscal nº 0001078-66.2011.4.05.8310, rejeitou exceção de pré-executividade em que a ora agravante pleiteava a redução da multa de 75% sobre o crédito tributário, aplicada pela exequente com base no art. 44, I, da Lei nº 9.430/1996 sob o fundamento de suposto caráter confiscatório.2. Não obstante a jurisprudência desta Corte Regional (AC 296588, AC 501017 e Ag 128887), inclusive desta Turma, admita o recaimento do princípio constitucional da vedação ao confisco à multa de natureza tributária, deve ser ressaltado, também, que o caráter confiscatório dela deve ser avaliado de acordo com as peculiaridades do caso concreto, ha-vendo a necessidade de demonstração efetiva de sua abusividade, sendo insuficiente, para tanto, a alegação genérica.3. No caso em apreço, o agravante não apresentou os fatos pelos quais, no caso concreto, estaria evidenciado o caráter confiscatório do percen-tual de 75%, renovando as alegações genéricas de violação aos princí-pios constitucionais da capacidade contributiva e da vedação do confisco que elegeu como causa de pedir em sua exceção de pré-executividade.

4. Agravo de instrumento improvido.

Acórdão

Vistos, etc.

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152 ...................................................................................................DPU Nº 56 – Mar-Abr/2014 – PARTE GERAL – JURISPRUDÊNCIA

Decide a Quarta Turma do Tribunal Regional Federal da 5ª Região, à unanimidade, negar provimento ao agravo de instrumento, nos termos do voto do relator, na forma do relatório e notas taquigráficas constantes dos autos, que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Recife, 10.12.2013.

Des. Fed. Rogério Fialho Moreira Relator

relAtórIo

Trata-se de agravo de instrumento, com pedido de efeito suspensivo, interposto por João Coelho e Cia. Ltda. contra decisão do Juízo da 28ª Vara Federal da Seção Judiciária de Pernambuco, que, nos autos da Execução Fiscal nº 0001078-66.2011.4.05.8310, rejeitou exceção de pré-executividade oposta pelo ora agravante. Para tanto, concluiu a Juíza pela viabilidade da multa mo-ratória imposta ao devedor no percentual de 75% sobre o crédito tributário, afastando a alegação de que a penalidade teria caráter confiscatório.

O agravante requer a reforma da decisão agravada, argumentando que a multa de 75% seria desproporcional e teria caráter confiscatório, vez que “viola os princípios constitucionais da razoabilidade, do não confisco e da capacidade contributiva, sendo devida a redução para 20%”. Além disso, alega que as referi-das multas teriam sido aplicadas com base em legislação revogada (art. 44, § 1º, IV, da Lei nº 9.430/1996).

Não há contrarrazões.

É o relatório.

voto

Não obstante a jurisprudência desta Corte Regional, inclusive desta Tur-ma, admita o recaimento do princípio constitucional da vedação ao confisco à multa de natureza tributária, deve ser ressaltado, também, que o caráter confis-catório dela deve ser avaliado de acordo com as peculiaridades do caso concre-to, havendo a necessidade de demonstração efetiva de sua abusividade, sendo insuficiente, para tanto, a alegação genérica.

Eis os precedentes:

“PROCESSUAL CIVIL – TRIBUTÁRIO – MULTA DE 75% – IMPOSTO DE RENDA – AUTO DE INFRAÇÃO – CARÁTER CONFISCATÓRIO – RECURSO EXTRAOR-DINÁRIO – RESERVA DE PLENÁRIO – ART. 97 DA CF/1988 – APLICAÇÃO DO PARÁGRAFO ÚNICO DO ART. 481 DO CPC

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DPU Nº 56 – Mar-Abr/2014 – PARTE GERAL – JURISPRUDÊNCIA .......................................................................................................153

O e. Supremo Tribunal Federal anulou o acórdão proferido por esta Turma, tão somente na parte que se refere à redução da multa contida no art. 44, inciso I, da Lei nº 9.430/1996, de 75% (setenta e cinco por cento) para o patamar de 20% (vinte por cento), ante a inobservância da reserva de plenário, estabelecida no art. 97 da Carta Federal/88. A questão discutida no apelo se encontra pacificada, conforme se verifica em diversos julgados, em sede de arguição de inconstitu-cionalidade, sedimentados em decisão plenária desta Corte Regional (por todos: AC 337034/02/RN e AC 329010/02/RN), no sentido de que se deve afastar o con-trole abstrato ao analisar a natureza confiscatória ou não da multa em discussão, devendo este ser feito em cada caso concreto. No particular, o percentual de 75% aplicado sobre o montante a ser pago pelo contribuinte está além da razoa-bilidade, ultrapassando os contornos do bom senso pelo direito posto, o que en-seja, em última análise, transgressão ao princípio da vedação do confisco, erigido à proteção constitucional (CF, art. 150, IV). Deve-se reduzir a referida multa para o percentual de 20%, visto que atinge a sua função punitiva/pedagógica, sem vio-lar outros direitos tuteláveis do contribuinte, à vista de que, na espécie, a questão principal tergiversa sobre incidência de imposto de renda sobre pagamento de verba de natureza salarial (horas extras). Não obstante o STF tenha determinado que a matéria em liça seja submetida ao órgão especial deste Regional, não se afigura consentâneo com a busca da duração razoável do processo, assegurada pela Carta Maior (CF, art. 5º, inciso LXXVIII) e que deita raízes nos princípios da efetividade e celeridade processual, submeter o presente apelo ao Pleno deste Regional, quando a quaestio juris a ser dirimida se encontra, atualmente, paci-ficada pelo referido órgão, até mesmo porque o disposto no parágrafo único do art. 481 do CPC sufraga a não submissão ao Pleno na hipótese análoga a que ora se discute. Apelação provida para, considerando o caso concreto, reduzir o per-centual da multa de 75% (setenta e cinco por cento), previsto no art. 44, inciso I, da Lei nº 9.430/1996, para o limite de 20% (vinte por cento).”

(TRF 5ª R., 4ª T., AC 296588, Rel. Des. Fed. Edílson Nobre, public. DJe 20.01.2011)

“PROCESSUAL CIVIL – TRIBUTÁRIO – EMBARGOS À EXECUÇÃO FISCAL – [...] – VALIDADE DA CDA – EXAÇÃO COM EFEITO CONFISCATÓRIO – NECESSI-DADE DE DEMONSTRAÇÃO CONCRETA – IMPROCEDÊNCIA DAS TESES

1. Cuida-se a espécie de embargos à execução fiscal propostos pela Sociedade Médico Cirúrgico Desembargador Hermes Parahyba Ltda. com o desiderato pre-cípuo de expurgar eventuais excessos contidos no crédito tributário, sobretudo na multa, bem como lograr a decretação de nulidade da CDA, por não ter sido pre-cedida de um processo administrativo com oportunidade de defesa. 2. [...] 8. Não reconhecimento de efeito confiscatório à cobrança: I – A incidência dos juros e da correção monetária tem a finalidade de atualizar o valor da dívida e amenizar a mora para o credor, não configurando acréscimo desarrazoado ou excesso de execução. II – A aplicação da multa se apresenta como um ato sancionatório que visa a coibir as condutas ilícitas do contribuinte. Dado o caráter pedagógico (preventivo e repressivo) de sua imposição, a alegação genérica de que alcançou um patamar confiscatório não prospera sem a comprovação de dano concreto ao

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154 ...................................................................................................DPU Nº 56 – Mar-Abr/2014 – PARTE GERAL – JURISPRUDÊNCIA

contribuinte, ao prosseguimento das atividades empresariais ou que comprometa as finanças da entidade. [...]”

(TRF 5ª R., 1ª T., AC 501017, Rel. Des. Fed. José Maria Lucena, public. DJe 21.03.2013 – destaquei)

“PROCESSO CIVIL E TRIBUTÁRIO – MULTA – 75% – AUSÊNCIA DE CARÁTER CONFISCATÓRIO – RAZOABILIDADE DO PERCENTUAL – REDUÇÃO – IM-POSSIBILIDADE

1. A multa tem o objetivo de punir o contribuinte infrator, não se pode invocar, com relação à mesma, de forma genérica, sem uma apreciação do caso concre-to, o princípio da vedação do confisco. O Pleno deste Tribunal já se posicio-nou (ArgInc-AC 303007, Pleno, Relª Margarida Cantarelli, julgado por maioria em 11.04.2007, DJ 11.06.2007), no sentido de que a natureza confiscatória da multa não pode ser atestada em sede de controle abstrato de constitucionalida-de, devendo tal exame ser realizado nos casos concretos. Precedente: (TRF 5ª R., AC 200985000060727, Des. Fed. Francisco Cavalcanti, Primeira Turma, DJe Data: 07.04.2011) 2. Na hipótese vertente, que se tem lançamento suplemen-tar de ofício de imposto de renda pessoa física, decorrente de omissão de ren-dimentos pelo contribuinte, a multa aplicada pela administração tributária, nos percentual de 75%, em conformidade com a legislação, mostra-se razoável e pro-porcional, pelo que não cabe reduzi-la para o percentual de 20%. Precedentes: TRF 5ª R., Segunda Turma, AC 440902, Rel. Des. Fed. Francisco Barros Dias, DJe 23.09.2010; TRF 5ª R., Segunda Turma, AMS 96463, Rel. Des. Fed. Paulo Gadelha, DJe 22.06.2010; e TRF 1ª R., AC 200233000058369, Rel. Juiz Federal Sílvio Coimbra Mourthé, e-DJF-1 04.07.2012. 3. Provimento do agravo de instru-mento.”

(TRF 5ª R., 2ª T., Ag 128887, Rel. Des. Fed. Francisco Barros Dias, public. DJe 13.12.2012)

No caso em apreço, o agravante não apresentou os fatos pelos quais, no caso concreto, estaria evidenciado o caráter confiscatório do percentual de 75%, renovando as alegações genéricas de violação aos princípios constitucio-nais da capacidade contributiva e da vedação do confisco que elegeu como causa de pedir em sua exceção de pré-executividade.

Nego, pois, provimento ao agravo de instrumento.

É como voto.

Recife, 10.12.2013.

Des. Fed. Rogério Fialho Moreira Relator

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Parte Geral – Ementário

Administrativo

2543 – Concurso público – professor universitário – prova de títulos – doutorado – desconsi-deração – antiguidade – razoabilidade – ausência – invalidação

“Concurso público. Cargo de professor universitário (direito). Prova de títulos. Doutorado. Desconsi-deração em face da antiguidade (mais de cinco anos). Falta de razoabilidade. Invalidação. 1. Trata-se de apelação e remessa oficial de sentença em que se julgou ‘procedente o pedido para declarar a nulidade da limitação contida no item 4.10 do edital, bem como da decisão administrativa que a apli-cou, determinando seja realizada nova avaliação para a prova de títulos sem a limitação prevista no edital’. 2. A jurisprudência desta Corte é pacífica no sentido de que a ausência de impugnação prévia ao edital não torna preclusa discussão (judicial) sobre ilegalidade/inconstitucionalidade de regra-mento do certame, v.g.: AMS 0002687-21.2006.4.01.3800/MG, Rel. Des. Fed. João Batista Moreira, 5ª Turma, DJ de 19.10.2007, p. 61; EIAC 2006.34.00.000671-3/DF, Rel. Juiz Fed. (Conv.) David Wilson de Abreu Pardo, 3ª Seção, DJ 21.07.2008. 3. Pacífico, também, o postulado de que o con-trole judicial dos atos da instituição de ensino superior, especialmente no que concerne à adequa-ção aos ditames constitucionais, não fere o princípio da autonomia universitária. Confiram-se, v.g.: AMS 0020043-68.2002.4.01.3800/MG, Rel. Des. Fed. Jirair Aram Meguerian, 6ª Turma, e-DJF1 de 18.05.2011, p. 22; AMS 0014872-84.2007.4.01.3500/GO, Rel. Des. Fed. Fagundes de Deus, Rel. Conv. Juiz Fed. Renato Martins Prates (Conv.), 5ª Turma, e-DJF1 de 29.04.2011, p. 194. 4. Conforme bem lançado na sentença, ‘ao excluir os títulos acadêmicos ou a experiência anterior aos últimos cinco anos para a prova de títulos, a administração não elegeu critério condizente com a finalidade a ser alcançada com o concurso público. Se o objetivo é recrutar pessoas mais preparadas para o ofício de professor, como se viu, a limitação não se sustenta uma vez que não há correlação lógica entre a finalidade e o critério eleito pela administração. Ao contrário, somente com a avaliação de toda a vida acadêmica e profissional do candidato é que se pode aferir suas qualificações’. 5. Se em favor dos detentores de títulos mais recentes há uma certa presunção de que estão mais atualizados, em relação aos detentores de títulos mais antigos deve-se presumir que acompanharam mais de perto a evolução do conhecimento científico. Bem expressa José Souto Maior Borges que, sem a física clássi-ca não seria possível a física relativista. A revolução é, de fato, continuidade. Toda inovação tem uma dimensão conservadora. Já expressara L. Cabral de Moncada que as águas dos grandes rios tornam-se salgadas muitos quilômetros antes de desembocarem no mar, no que é seguido por Boaventura de Sousa Santos, quando diz, contra o desperdício da experiência, que ‘a morte de um dado paradigma traz dentro de si o paradigma que lhe há de suceder’. A metáfora da ‘transformação progressiva de uma atmosfera úmida em zona chuvosa’ (Edgar Morin) também serve para ilustrar a continuidade evolutiva do conhecimento. Todos os trabalhos aqui citados (referências completas no voto do rela-tor), bem a propósito, têm mais de cinco anos. 6. Também não prospera a alegação de que, em face da teoria do fato consumado, o resultado do concurso deve ser mantido, incluídas nomeação e posse da litisconsorte. A posse da litisconsorte ocorreu em 10 de setembro de 2009 e nos termos do art. 54 da Lei nº 9.784/1999, a administração pode (deve), no quinquênio, anular seus próprios atos eivados de ilegalidade. 7. Além disso, a litisconsorte foi exonerada do cargo em tela, o qual, a teor da peti-ção da instituição de ensino, encontra-se (ou se encontrava, na data da petição – 23.10.2013) vago. 8. Apelação e remessa oficial não providas.” (TRF 1ª R. – Ap-RN 0016136-68.2009.4.01.3500 – 5ª T. – Rel. Des. Fed. João Batista Moreira – DJe 12.02.2014)

Comentário Editorial SÍNTESETrata-se de apelação interposta contra sentença que julgou procedente o pedido da autora para declarar a nulidade da limitação contida no item 4.10 do edital, bem como da decisão adminis-trativa que a aplicou, determinando a realização de nova avaliação para a prova de títulos sem a limitação prevista no edital.

Referida limitação consistia na consideração apenas dos títulos, entre eles, mestrado e doutora-do, com menos de 5 anos.

A autora participou de concurso público para preenchimento de uma vaga de professor na Disciplina de Direito Tributário, e foi classificada em terceiro lugar, após prova escrita, didática e prova de título.

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156 ............................................................................................................DPU Nº 56 – Mar-Abr/2014 – PARTE GERAL – EMENTÁRIO

Ressaltou que a banca examinadora não pontuou vários de seus títulos, entre eles, mestrado e doutorado, por entenderem que só considerariam os títulos referentes a menos de 5 anos.

Diante da sentença, a Universidade Federal de Goiás (UFG) interpôs o recurso em estudo ale-gando que, ao inscrever-se no concurso público, a autora estava consciente das exigências e critérios estabelecidos no edital para a avaliação de títulos, assim, aceitou os seus termos ao efetuar a inscrição.

Sustentou ser inaceitável que, ao final do certame, a autora venha apontar ilegalidade e arbitra-riedades inexistentes a fim de favorecer-se, já que não foi a primeira classificada.

Enfatizou que o objetivo da limitação ora questionada é contratar professores que estejam mais atualizados segundo a natural evolução da ciência do Direito.

A 5ª Turma do TRF 1ª Região acolheu a fundamentação da sentença afirmando que, se o objeti-vo é contratar pessoas mais preparadas, a limitação não se sustenta, já que não existe correlação lógica entre a finalidade e o critério eleito pela administração. Pois, somente com a avaliação de toda a vida acadêmica e profissional do candidato é que será possível aferir suas qualificações.

Em seu voto, o Relator assim se manifestou:

“[...] Na sentença, com muita propriedade, fundamentou-se:

[...] a litisconsorte alega que a norma tem o objetivo de valorizar produção científica mais recente dos candidatos e de não privilegiar professores com pouca participação no meio aca-dêmico.

Se, de fato, esse foi o fundamento para o estabelecimento da limitação, não se pode deixar de reconhecer a nulidade do edital nesse aspecto.

De fato, ao excluir os títulos acadêmicos ou a experiência anterior aos últimos cinco anos para a prova de títulos, a administração não elegeu critério condizente com a finalidade a ser alcan-çada com o concurso público. Se o objetivo é recrutar pessoas mais preparadas para o ofício de professor, como se viu, a limitação não se sustenta uma vez que não há correlação lógica entre a finalidade e o critério eleito pela administração. Ao contrário, somente com a avaliação de toda a vida acadêmica e profissional do candidato é que se pode aferir suas qualificações.

Não se duvida que esse tipo de critério pode resultar no afastamento de candidatos com ex-tensa produção acadêmica e científica, com importantes obras publicadas ou com importantes atividades profissionais pelo simples motivo de que foram realizados ou praticados há mais de cinco anos.

A questão é mais séria, no caso, em vista de ter sido excluído do cômputo o título mais valioso de toda a carreira acadêmica, isto é, o título de doutor, pelo simples fato de ter sido expedido há mais de cinco anos.

Se em favor dos detentores de títulos mais recentes há uma certa presunção de que estão mais atualizados, em relação aos detentores de títulos mais antigos deve-se presumir que acompa-nharam mais de perto a evolução do conhecimento científico. Bem expressa José Souto Maior Borges que, sem a física clássica não seria possível a física relativista. A revolução é, de fato, continuidade. Toda inovação tem uma dimensão conservadora. Já expressara L. Cabral de Moncada que as águas dos grandes rios tornam-se salgadas muitos quilômetros antes de de-sembocarem no mar, no que é seguido por Boaventura de Sousa Santos, quando diz, contra o desperdício da experiência, que ‘a morte de um dado paradigma traz dentro de si o paradigma que lhe há de suceder’. A metáfora da ‘transformação progressiva de uma atmosfera úmida em zona chuvosa’ também serve para ilustrar a continuidade evolutiva do conhecimento. Todas as obras em referência, incluída a tese de doutorado do relator, em que foram citadas, contam muito mais de cinco anos desde a primeira edição. [...]”

2544 – Improbidade administrativa – ex-prefeito – leite em pó e latas de óleo – não distribui-ção – prejuízo ao Erário – prova insuficiente

“Administrativo. Improbidade administrativa. Ex-prefeito. Prejuízo ao Erário. Não distribuição de leite em pó e de latas de óleo. Convênio destinado ao Programa de Atendimento aos Desnutridos e às Gestantes de Risco Nutricional. Prova insuficiente. Desprovimento do apelo. 1. Ação de improbi-dade promovida a fim de que seja a conduta do réu/apelado enquadrada nos arts. 10 e 11 da Lei nº 8.429/1992, por haver causado dano ao Erário e violado princípios constitucionais da Administra-ção Pública. 2. Acusação de que o réu/apelante, na condição de prefeito do Município de São Luís do

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DPU Nº 56 – Mar-Abr/2014 – PARTE GERAL – EMENTÁRIO ................................................................................................................157

Curu/CE, teria deixado de distribuir 2.764,20Kg de leite e 240 latas de óleo, malgrado tenha recebido valores decorrentes de convênio firmado com o Fundo Nacional de Saúde, destinados à execução do Programa de Atendimento aos Desnutridos e às Gestantes de Risco Nutricional. 3. Contradição verificada entre o primeiro relatório (da Coordenação de Prestação de Contas do Fundo Nacional de Saúde, que havia detectado a prática de meras ‘impropriedades ou omissões formais’, que não caracterizariam prejuízo ao Erário) e o segundo relatório (de auditoria do Escritório de Representação do Ministério da Saúde), no qual foi informado que, ‘comparando as quantidades de produtos adqui-ridos no exercício de 1997 e as efetivamente distribuídas de acordo com os controles apresentados, verificamos [foi verificado] que 2.768,200Kg de leite e 240 latas de óleo não foram distribuídas’. 4. Diante da insuficiência da prova, deve prevalecer o princípio do in dubio pro reo. Ressalva do pon-to de vista da relatora. 5. Apelo desprovido.” (TRF 5ª R. – AC 2005.81.00.006954-6 – (479372/CE) – 3ª T. – Rel. Des. Fed. Luiz Alberto Gurgel – DJe 29.01.2014)

2545 – Licitação – licitante vencedora – assinatura do contrato – recusa – punição

“Direito constitucional, processual civil e administrativo. Licitação. Licitante vencedora. Recusa em assinar o contrato. Punição imposta pela Aneel (perda da garantia oferecida). Apresentação, em juízo, dos argumentos que já apresentara administrativamente para pedir sucessivas prorrogações de prazo, com a finalidade de justificar a recusa de assinatura do contrato. Superação da alegação de cerce-amento de defesa na esfera administrativa em face da ausência de manifestação prévia à punição. Requerimento genérico e ausência de indicação da natureza, forma e meios do pretendido exame pericial. Indeferimento. Cerceamento de defesa. Ausência. Teoria da imprevisão. Inaplicabilidade es-pecialmente para justificar recusa de assinatura do contrato. Ação cautelar para suspender execução do seguro-garantia. Ausência de fumus boni iuris. Indeferimento do pedido. Confirmação da senten-ça. 1. A apelante alega cerceamento de defesa, na esfera administrativa, pelo fato de não ter sido notificada a se manifestar prévia e especificamente sobre a sanção que lhe seria imposta. Se tivesse vindo a juízo com essa única alegação, poder-se-ia, para quem defende a tese de valor intrínseco ao devido processo legal, cogitar de anulação da decisão administrativa. Acontece que não se limita a alegar cerceamento de defesa; renova em juízo a argumentação substancial. Que já apresentara para pedir prorrogações de prazo. Destinada a sustentar motivo justificável para a recusa de assinatura do contrato. Essa conduta torna superada a alegação de cerceamento de defesa no processo admi-nistrativo. 2. No processo judicial, o requerimento de perícia não veio acompanhado de motivação objetiva, nem da indicação da forma e meios pelos quais pretendia examinar tecnicamente os fatos e situações. O mesmo aconteceu na apelação. Daí que também na esfera judicial não ocorre cerce-amento de defesa em face de indeferimento da produção de tal prova. 3. Os fatos apontados não são suficientes para justificar recusa em assinar o contrato para o qual a apelante se saíra vencedora na licitação. Quando muito, poderia, concomitantemente à assinatura do contrato, ingressar com pleito destinado a seu reequilíbrio econômico-financeiro, mas, de forma alguma, simplesmente recusar-se à assinatura. Assim o fazendo, sujeitou-se à punição legalmente prevista. 4. Ausência de fumus boni iuris. 5. Negado provimento à apelação.” (TRF 1ª R. – AC 0006241-39.2002.4.01.3400 – Rel. Des. Fed. João Batista Moreira – DJe 12.02.2014)

Destaque Editorial SÍNTESESelecionamos os julgados a seguir no mesmo sentido:

“ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL – CITAÇÃO POR EDITAL – REGULARIDADE – LI-CITAÇÃO EMPRESA ADJUDICATÁRIA – ASSINATURA DO CONTRATO – RECUSA INJUSTI-FICADA PENALIDADE – PREVISÃO NO EDITAL – CABIMENTO – DANOS COMPROVADOS – 1. As diligências empreendidas pelo oficial de justiça revelaram-se infrutíferas, o que denota a regularidade da citação por edital. Inteligência do art. 231 do CPC. 2. Nos termos do art. 81 da Lei nº 8.666/1993, a recusa injustificada do adjudicatário em assinar o contrato caracteriza descumprimento total da obrigação assumida, sujeitando-o à aplicação de penalidades. 3. In casu, a imposição da penalidade também encontra previsão no item 11.1.1, alínea b, do Edital de Concorrência nº 012/SR, norma inderrogável do certame, cujos contornos não podem ser olvidados pela Administração Pública e por aqueles que afluíram à disputa. Aplicação do princí-pio da vinculação ao instrumento convocatório. 4. Frustrada a assinatura e, consequentemente, a execução do contrato, são inegáveis os prejuízos materiais ao ente licitante, na medida em que deixou de auferir o preço ajustado. 5. Apelação a que se nega provimento.” (TRF 3ª R.,

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AC 0003446-35.1994.4.03.6100/SP, 6ª T., Relª Desª Fed. Mairan Maia, DJe 22.11.2012, p. 546) (Disponível em: online.sintese.com, sob o nº 109000256271. Acesso em: 12 fev. 2014)

“LICITAÇÃO – ASSINATURA DO CONTRATO – RECUSA DO VENCEDOR DO CERTAME – MUL-TA – ART. 81 DA LEI Nº 8.666/1993 – POSSIBILIDADE – Apelação cível. Licitação. Recusa da licitante vencedora em assinar o contrato. Aplicação da multa prevista no edital. Pretensão à declaração de nulidade do ato administrativo que lhe impôs a multa. Reconvenção da empresa licitante, objetivando a satisfação de seu crédito. Sentença que julgou improcedente o pedido inicial e procedente a reconvenção. Manutenção. Edital que exigia propostas válidas por 60 (ses-senta) dias. Convocação em prazo inferior. Suposto desequilíbrio contratual não demonstrado. Ausência de comprovação de alterações significativas na conjuntura econômica no período com-preendido entre 20.12.2002 e 23.01.2003. Multa prevista no edital e aplicada de acordo com o art. 81 da Lei de Licitações. Recurso improvido.” (TJSP, Ap 0010185-88.2009.8.26.0000, São Paulo, 8ª CDPúb., Rel. Osni de Souza, DJe 09.11.2012, p. 1026) (Disponível em: online.sintese.com, sob o nº 251300001396. Acesso em: 12 fev. 2014)

2546 – Procedimento administrativo – professora – rede estadual – licença – tratamento de saúde – função remunerada – exercício – vedação

“Processo disciplinar. Pena de suspensão por noventa dias. Professora da rede estadual de ensino, licenciada para tratamento de saúde, que no mesmo período exerceu função remunerada em muni-cípio. Conduta proibida. Art. 188 da Lei nº 10.261/1968. Funcionário licenciado não pode exercer qualquer atividade remunerada. Regularidade formal e legal do procedimento administrativo. Exame do mérito descabido. Ação principal e ação cautelar improcedentes. Recurso não provido.” (TJSP – Ap 0030279-05.2003.8.26.0053 – 12ª CDPúb. – Rel. Edson Ferreira – DJe 03.02.2014)

Transcrição Editorial SÍNTESEEstatuto dos Funcionários Públicos Civis do Estado (Lei nº 10.261/1968):

“Art. 188. O funcionário licenciado nos termos dos itens I e II do art. 181 ficará obrigado a seguir rigorosamente o tratamento médico adequado à doença, sob pena de lhe ser suspenso o pagamento do vencimento ou remuneração.”

2547 – Responsabilidade civil do Estado – instituição de ensino federal – aluno e professor – conflito – danos morais – descabimento

“Constitucional e administrativo. Responsabilidade civil do Estado. Instituição de ensino federal. Con-flito entre aluno e professor. Danos morais. Descabimento. 1. É legítima a solicitação efetuada pela de-mandada (membro do corpo discente), por via de e-mail, endereçada ao corpo técnico-administrativo do IFS, visando à intermediação deste na solução de conflito acadêmico com a demandante (corpo docente), consoante legislação pertinente. 2. Nada obstante, o cerne da questão resida no conteúdo da mensagem, em especial, nas expressões utilizadas, nesse contexto, não se vislumbra o teor ofen-sivo e desrespeitoso dos vocábulos descontrolado e exacerbado, enfatizados pela demandante. 3. A missiva tem caráter essencialmente técnico e foi endereçada ao conselheiro do curso, buscando-se a intermediação deste na solução de um problema acadêmico. Houve, tão somente, o cumprimento do Regulamento da Organização Didática do IFS. 4. Demandante que deu uma dimensão exagerada para a reparabilidade do dano moral, a partir de situação que não chega a caracterizar uma dor, um sofrimento, mas apenas um transtorno, um dissabor que se deu a partir de fatos meramente acadêmi-cos, ocorridos no IFS. 5. O acervo probatório demonstra que a mensagem enviada pela demandada ao conselheiro do curso e aos alunos de sua turma não tinha a conotação ofensiva sustentada pela autora desde a inicial, nem a intenção de ridicularizá-la junto à instituição de ensino e à coletividade estudan-til. Os desentendimentos, implicâncias e descontentamentos entre aluno e professor são, sabidamente, comuns no meio educacional, mas, nem por isso, haverão de dar automático motivo à reparação civil. 6. Diante da licitude do ato praticado pela demandada, tem-se não haver fato passível de imputar res-ponsabilidade à mesma e ao IFS, impondo-se o não acolhimento da pretendida indenização por danos morais. 7. A chefia da Divisão de Apoio à Pesquisa, Código FG-1; a representação legal do IFS junto ao Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica Pibic/Pibit/CNPq e a Direção Institucional dos Grupos de Pesquisa, instituída pela Portaria nº 527 de 12.04.2011, outrora ocupadas pela deman-dante, são funções de livre nomeação e exoneração, nos termos do art. 37, inciso II, da Carta Magna,

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de sorte que a exoneração da demandante dessas funções não gera, igualmente, direito à indenização por danos morais. Apelação improvida.” (TRF 5ª R. – AC 0000572-68.2012.4.05.8500 – (564781/SE) – 3ª T. – Rel. Des. Fed. Geraldo Apoliano – DJe 17.02.2014)

2548 – Servidão administrativa – instituição – imissão provisória da posse – pagamento inte-gral – prescindibilidade

“Administrativo. Agravo de instrumento. Ação de instituição de servidão administrativa. Liminar de imissão de posse deferida. Urgência. Depósito da quantia arbitrada. Requisitos legais demons-trados. Decisão mantida. 1. A imissão provisória de posse formulado em ação de instituição de servidão administrativa deve se ater ao disposto no Decreto-Lei nº 3.365/1941, que trata acerca das desapropriações por utilidade pública, e, em seu art. 15, caput, e § 1º, condiciona a imissão provisória na posse à demonstração de urgência e ao depósito da quantia arbitrada. 2. A imissão provisória na posse do imóvel, em caso de urgência, prescinde de avaliação prévia ou de paga-mento integral. Precedentes do STJ e deste Tribunal. 3. Agravo de instrumento improvido.” (TJMA – AI 004619-66.2013.8.10.0000 – (140542/2014) – Rel. Des. Lourival de Jesus Serejo Sousa – DJe 27.01.2014)

Transcrição Editorial SÍNTESEDecreto-Lei nº 3.365/1941:

“Art. 15. Se o expropriante alegar urgência e depositar quantia arbitrada de conformidade com o art. 685 do Código de Processo Civil, o juiz mandará imiti-lo provisoriamente na posse dos bens.

§ 1º A imissão provisória poderá ser feita, independente da citação do réu, mediante o depósito:

a) do preço oferecido, se este for superior a 20 (vinte) vezes o valor locativo, caso o imóvel esteja sujeito ao imposto predial;

b) da quantia correspondente a 20 (vinte) vezes o valor locativo, estando o imóvel sujeito ao imposto predial e sendo menor o preço oferecido;

c) do valor cadastral do imóvel, para fins de lançamento do imposto territorial, urbano ou rural, caso o referido valor tenha sido atualizado no ano fiscal imediatamente anterior;

d) não tendo havido a atualização a que se refere o inciso c, o juiz fixará, independente de avaliação, a importância do depósito, tendo em vista a época em que houver sido fixado origina-riamente o valor cadastral e a valorização ou desvalorização posterior do imóvel. (Redação dada ao parágrafo pela Lei nº 2.786, de 21.05.1956).”

2549 – Trânsito – CNH – bloqueio – fraudes – apuração – possibilidade

“Mandado de segurança. Administrativo. Bloqueio de prontuário de carteira nacional de habilitação. Ação visando o imediato desbloqueio. Sentença que denegou a segurança. Apelo do autor. Desper-suasão. Para apurar as fraudes e regularizar a situação dos motoristas que se habilitaram a partir de 2006, determinou-se o bloqueio dos prontuários de habilitação dos condutores oriundos do Estado de Minas Gerais, que tiveram suas CNHs emitidas pelas Ciretrans pertencentes ao Demacro, bem como pela Ciretran de Várzea Paulista/SP, e que ainda estejam cadastrados neste Estado de São Paulo. Autor que não providenciou a regularização. Endereço do prontuário diverso daquele em que reside. Ato por si só irregular e que o torna suspeito de participação na fraude. Sentença mantida. Apelo desprovido.” (TJSP – Ap 0005921-24.2013.8.26.0053 – 8ª CDPúb. – Rel. João Carlos Garcia – DJe 03.02.2014)

2550 – Trânsito – CNH – permissão – infrações grave/gravíssima – procedimento administra-tivo pendente – concessão – impedimento – inadmissibilidade

“Apelação cível. Mandado de segurança. Carteira Nacional de Habilitação não concedida. Infra-ções de natureza grave/gravíssima cometidas durante a vigência da permissão. Procedimento ad-ministrativo instaurado para cassação do direito de dirigir pendente de julgamento de recurso. Inadmissível o impedimento à concessão da CNH enquanto existir pendência de julgamento de recurso administrativo. Ordem concedida. Sentença mantida. Recursos não providos.” (TJSP – Ap 0004957-78.2012.8.26.0566 – 3ª CDPúb. – Rel. Ronaldo Andrade – DJe 28.01.2014)

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Ambiental2551 – Meio ambiente – poluição – emissão de fases – irregularidades – Anac – interesse jurí-

dico – Justiça Federal – competência

“Direito administrativo. Agravo de instrumento. Poluição. Meio ambiente. Irregularidades na emissão de gases poluentes. Competência federal. Interesse jurídico da Anac. A ação civil pública originária visa averiguar supostos danos ambientais no Município de Guarulhos/SP, ocasionados pela emissão de gases das turbinas das aeronaves que operam no Aeroporto Internacional de Guarulhos. A Anac é a Autarquia Federal criada pela Lei nº 11.182/2005, tendo por objetivo ‘adotar as medidas ne-cessárias para o atendimento do interesse público e para o desenvolvimento e fomento da aviação civil, da infra-estrutura aeronáutica e aeroportuária do País, atuando com independência, legalidade, impessoalidade e publicidade’ (art. 8º). As medidas a serem implementadas pela agravante em caso de procedência da demanda, envolveriam atribuições da Anac, especialmente no que se refere à questão do plantio de vegetação para amenizar as emissões de gases de efeito estufa e demais po-luentes decorrentes. Caracterizado o interesse jurídico da autarquia para fins de assistência (CPC, art. 50), deve-se reconhecer a competência da Justiça Federal. Agravo de instrumento provido.” (TRF 3ª R. – AI 0014998-94.2013.4.03.0000/SP – 3ª T. – Rel. Des. Fed. Márcio Moraes – DJe 14.02.2014)

Constitucional

2552 – Ação declaratória de constitucionalidade – petição inicial – indeferimento – princípio da colegialidade – violação – não configuração

“Recurso de agravo regimental. Ação declaratória de constitucionalidade. Petição inicial. Indeferi-mento. Violação ao princípio da colegialidade. Não configuração. Ausência de precedentes. Des-necessidade. Inaplicabilidade do art. 295 do CPC, às ações originárias. Tese sem fundamento legal. Súmula Vinculante nº 10/STF. Alegada ofensa não ocorrida. Ampla defesa e acesso a Justiça. Direitos não violados pela decisão que, liminarmente, obsta o prosseguimento da demanda. Inexistência de relevante controvérsia judicial sobre a lei objeto da ADC. Falta de impugnação a fundamento que, por si só, é capaz de manter a decisão atacada. Recurso desprovido. 1. O indeferimento da petição inicial da ação declaratória de constitucionalidade, por sua manifesta inépcia, não ofende o princípio da colegialidade, pois o próprio ordenamento jurídico confere ao Relator o poder de agir por delegação do colegiado, obstando, desde o início, recursos e ações originárias que não atendam os requisitos legais de admissibilidade, sem prejuízo de a parte que se sentir lesada interpor o recurso cabível. 2. A existência de precedentes judiciais só é exigida para prover-se, unipessoalmente, os recursos, nos ter-mos do art. 557, § 1º-A, do CPC, nada dispondo este diploma legal acerca de sua exigência para que o Relator indefira liminarmente a petição inicial das ações originárias. 3. O ordenamento jurídico pátrio não veda a aplicação do art. 295 do CPC, que prevê o indeferimento da petição inicial, pelos Magis-trados que atuam em segundo grau de jurisdição; Antes incentiva o seu uso, em respeito aos princípios da celeridade e economias processuais e da efetividade da jurisdição, que não tolera a continuidade de demandas já natimortas ou temerárias. 4. Não viola a Súmula Vinculante nº 10/STF a decisão que reconhece ser impossível valer-se da Lei Federal nº 9.868/1999 para o reconhecimento do cabimento de ação declaratória de constitucionalidade sem qualquer previsão na Constituição Estadual, visto que ausente, expressa ou implicitamente, juízo de valor acerca da incompatibilidade deste diploma legal com a Constituição da República pelo Relator.” (TJMT – AgRg 102702/2013 – Rel. Des. José Zuquim Nogueira – DJe 18.12.2013)

2553 – Ação direta de inconstitucionalidade – Lei Complementar Municipal – plano diretor – modificação – art. 116 da Constituição Estadual do RN – violação

“Constitucional. Ação direta de inconstitucionalidade. LC 056/2011, do Município de Mossoró, que modificou o seu plano diretor, excluindo a proibição de construção de residências em área especial de interesse industrial. Violação ao art. 116 da constituição do Estado do RN, tendo o ente municipal exorbitado de sua competência suplementar (CERN, art. 24). Precedentes. Alteração legislativa que possibilita a concretização de diversas consequências negativas do ponto de vista ambiental, com

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prejuízo ao adequado ordenamento da região, implicando malefícios para a coletividade. Proce-dência do pedido formulado na inicial, com a consequente declaração de inconstitucionalidade do art. 5º da LC 056/2011, do Município de Mossoró.” (TJRN – ADIn 2012.002191-5 – TP – Rel. Des. Cláudio Santos – DJe 10.01.2014)

Transcrição Editorial SÍNTESEConstituição do Estado do Rio Grande do Norte:

“Art. 116. A política de desenvolvimento urbano, executada pelo Poder Público Municipal, con-forme diretrizes gerais fixadas em lei, tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes.

§ 1º O plano diretor, aprovado pela Câmara Municipal, obrigatório para cidades com mais de vinte mil (20.000) habitantes, é o instrumento básico da política de desenvolvimento e de expansão urbana.

§ 2º A propriedade urbana cumpre sua função social quando atende às exigências fundamentais de ordenação da cidade expressas no plano diretor.

§ 3º As desapropriações de imóveis urbanos são feitas com prévia e justa indenização em dinheiro.

§ 4º É facultado ao Poder Público Municipal, mediante lei específica, para área incluída no plano diretor, exigir, nos termos da lei federal, do proprietário de solo urbano não edificado, sub-utiliza-do ou não-utilizado, que promova seu adequado aproveitamento, sob pena, sucessivamente, de:

I – parcelamento ou edificação compulsórios;

II – imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana progressivo no tempo;

III – desapropriação com pagamento mediante títulos da dívida pública de emissão previamente aprovada pelo Senado Federal, com prazo de resgate de até dez (10) anos, em parcelas anuais, iguais e sucessivas, assegurados o valor real da indenização e os juros legais.”

2554 – Ação popular – evento religioso – situação caótica – licença – cassação

“Ação popular. Atos administrativos. Município de Guarulhos. Licença para eventos concedida pelo Município à Igreja Mundial do Poder de Deus, com lotação máxima de 30.000 pessoas. Situação caótica que se instalou na inauguração da sede da Igreja Mundial, em janeiro de 2012, na qual com-pareceram cerca de 450.000 pessoas. Licença concedida pela Administração Municipal que violou os princípios da legalidade, impessoalidade e moralidade. Cassação da licença pelo Município de Guarulhos, em janeiro de 2012, ante a falta de laudo do Corpo de Bombeiros. Perda do objeto da de-manda. Falta de interesse processual superveniente. Extinção do processo, sem resolução do mérito, com fulcro no art. 267, VI, do CPC, que é medida de rigor. Liminar deferida para determinar o cance-lamento da realização de evento no dia 13 de janeiro de 2012. Representante legal da Igreja Mundial que, não obstante tenha sido intimado tempestivamente, optou por descumprir a ordem judicial. Multa aplicada de forma escorreita, respeitados os princípios da proporcionalidade, razoabilidade e adequação. Descabimento da tese de inexigibilidade de conduta diversa. Ônus da sucumbência mantidos na forma fixada pela r. sentença Incidência do princípio da causalidade. Recurso do Muni-cípio de Guarulhos provido e recurso da Igreja Mundial do Poder de Deus provido em parte.” (TJSP – Ap 0001420-33.2012.8.26.0224 – 11ª CDPúb. – Rel. Oscild de Lima Júnior – DJe 10.12.2013)

2555 – Ação popular – programas do Ministério da Cultura – negros e pardos – destinação exclusiva – ações afirmativas – constitucionalidade

“Direito constitucional e administrativo. Princípio da isonomia. Programas do Ministério da Cultura. Destinação exclusivamente a negros e pardos. Ações afirmativas. Constitucionalidade. Ação popular. Antecipação de tutela. Reforma da decisão. 1. Quatro programas lançados pelo Ministério da Cultura são questionados na ação popular: 1. ‘tem por objeto o fomento a 6 (seis) obras audiovisuais de curta--metragem, de 10 (dez) a 15 (quinze) minutos, dirigidos ou produzidos por jovens negros, de 18 a 29 anos, pessoa física, com temática livre (grifei), podendo ser ficção ou documentário, com a possibi-lidade de utilização de técnicas de animação’; 2. constitui objeto ‘a seleção de projetos de pesquisa para concessão de bolsas, propostos por pesquisadores e pesquisadoras negras, visando incentivar a produção de trabalhos originais, em território brasileiro, em qualquer uma das áreas e subáreas do

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conhecimento definidas pelo CNPq’; 3. ‘tem como objeto a formação de parcerias para o desenvol-vimento de projetos editoriais sob a forma de coedição, a fim de produzir publicações de autores brasileiros negros, na forma de livros, em meio impresso e/ou digital, com o propósito de divulgar, valorizar, apoiar e ampliar a cultura brasileira dos afrodescendentes, em geral, e dar maior acessibi-lidade a sua produção cultural, artística, literária e científica’; 4. constitui objeto ‘a premiação de 33 projetos nas áreas de artes visuais, circo, dança, música, teatro e preservação da memória, que se enquadrem nas linguagens e especificações descritas no item 1.2, a serem realizados por proponentes autodeclarados negros (pretos e pardos, de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE)’. 2. Em todos os editais há referência à Lei nº 8.666/1993, ainda que a título de aplicação su-pletiva ou no que couber (no quarto edital nem há a restrição ‘supletiva ou no que couber’). 3. Prevê a Lei nº 8.666/1993, art. 22, que ‘são modalidades de licitação: I – concorrência; II – tomada de preços; III – convite; IV – concurso (grifei); V – leilão’. No § 4º, está dito que ‘concurso é a modalidade de licitação entre quaisquer interessados (grifei) para escolha de trabalho técnico, científico ou artístico, mediante a instituição de prêmios ou remuneração aos vencedores, conforme critérios constantes de edital publicado na imprensa oficial com antecedência mínima de 45 (quarenta e cinco dias)’. No art. 3º, § 1º, já fora estabelecido que ‘é vedado aos agentes públicos: ‘I – admitir, prever, incluir ou tolerar, nos atos de convocação, cláusulas ou condições que comprometam, restrinjam ou frustrem o seu caráter competitivo e estabeleçam preferências ou distinções em razão da naturalidade, da sede ou domicílio dos licitantes ou de qualquer outra circunstância impertinente ou irrelevante para o específico objeto do contrato’. 4. Numa concepção positivista, para excepcionar essas regras, ainda que com a nobre finalidade de destinar os concursos, a título de ação afirmativa, exclusivamente a negros e pardos, haveria, no mínimo, a necessidade de outra lei. 5. Coincidentemente, neste exato momento, para instituir cota para negros em concurso público (instituto semelhante ao da licitação) está em tramitação projeto de lei federal no qual se prevê reserva de 20% das vagas. Todavia, em caso também semelhante – ingresso nas universidades mediante exame vestibular –, a jurisprudência chancelou a instituição de cotas por meio de resoluções administrativas. Admitiu, portanto, a apli-cação direta dos princípios constitucionais. Só mais tarde veio a Lei nº 12.711/2012 estabelecer o sistema de cotas (50% das vagas) para ‘estudantes que tenham cursado integralmente o ensino médio em escolas públicas’. Esse percentual de vagas será preenchido, em cada curso e turno de instituição federal de ensino superior, ‘por autodeclarados pretos, pardos e indígenas, em proporção no mínimo igual à de pretos, pardos e indígenas na população da unidade da Federação onde está instalada a instituição, segundo o último censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE)’ (art. 3º). 6. O autor da ação popular não discute a propriedade, em si, das ações afirmativas traduzidas em cotas sociais, mas o fato de que ‘4 (quatro) dos 5 (cinco) editais em questão ostentam grave vício de constitucionalidade, na medida em que limitam a participação no certame, em caráter de exclusivi-dade, a pessoas negras que trabalhem com linguagens de cinema, de literatura, de pesquisa de biblio-tecas, de artes visuais, de circo, de música, de dança e teatro’. Argumenta que ‘tal prática revela-se discriminatória, na medida em que, com base em critério exclusivamente racial ou étnico-racial, retira das pessoas que possuem outra cor de pele, a possibilidade de participação nos certames e, por via de consequência, de obtenção do prêmio oferecido a partir de recursos públicos’. 7. A União busca justificar a peculiaridade – destinação dos concursos apenas a negros – com o fato de que, ‘desde o ano de 1997 lançou um total de 55 (cinquenta e cinco) editais voltados a diversos segmentos específicos da cadeia produtiva, sendo apenas 1 (um) destinado a ações afirmativas, justamente este que vem sendo questionado’. 8. Não faz muita diferença destinar aos negros a fatia de um programa ou um programa inteiro dentro de um conjunto de programas. Essa observação é mais válida no caso em referência porque os programas instituídos não são de execução continuada, tal como acontece em curso universitário. 9. A justiça de uma discriminação define-se pela relação lógica e razoável (ra-zão suficiente) entre o critério empregado e o fim que se busca alcançar (Celso Antônio Bandeira de Mello). 10. Provimento ao agravo de instrumento.” (TRF 1ª R. – AI 0029353-66.2013.4.01.0000/MA – Rel. Des. Fed. João Batista Moreira – DJe 28.01.2014)

2556 – Educação – sistema de cotas – alunos oriundos de escolas públicas – limitação – prin-cípio da igualdade – violação

“Constitucional e administrativo. Mandado de segurança. Ensino superior. Vestibular. Sistema de cotas. 1ª série do ensino fundamental cursada em escola particular. Hipossuficiência demonstrada.

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Violação ao princípio da igualdade de tratamento. I – A limitação imposta pela Universidade Federal do Piauí – UFPI, quanto ao ingresso naquela instituição de ensino, pelo sistema de cotas, a alunos que tenham cursado o ensino médio e fundamental em escola pública, agride frontalmente a norma constitucional que proíbe qualquer forma de discriminação como fundamento da República Fede-rativa do Brasil, em flagrante violação ao princípio da igualdade (CF, art. 5º, caput) e inviabiliza a realização de um dos objetivos fundamentais da Carta Magna, qual seja, ‘promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação’ (CF, art. 3º, IV), agredindo, também, a norma do art. 5º, inciso II, da Constituição Federal, por não encontrar amparo legal para se sustentar. II – A todo modo, apesar de toda a controvérsia acerca da legitimidade, ou não, do sistema de cotas, o que se verifica, na sua essência, é que um de seus alardeados objetivos, seria propiciar ao aluno integrante de uma suposta minoria excluída, aí inclu-ído aquele economicamente hipossuficiente, a possibilidade de acesso ao ensino superior. III – Em sendo assim, afigura-se ilegítima a recusa da Instituição de Ensino Superior em matricular o candidato hipossuficiente, aprovado com êxito dentro das vagas destinadas ao sistema de cotas sociais, tendo em vista que, embora o impetrante tenha cursado a 1ª série do ensino fundamental em escola par-ticular, mostram-se aplicáveis, no caso, os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade com vistas a assegurar a concretização da ação afirmativa que garante a igualdade de acesso à educação superior, porquanto é inegável a precária situação financeira do recorrido, que, inclusive, litiga por intermédio da Defensoria Pública da União, bem assim, cursou praticamente todo o ensino básico em escola pública. IV – Apelação e remessa oficial desprovidas. Sentença confirmada.” (TRF 1ª R. – Ap-RN 0019320-16.2011.4.01.4000 – Rel. Des. Fed. Souza Prudente – DJe 13.12.2013)

Destaque Editorial SÍNTESEDo voto do Relator selecionamos o trecho a seguir:

“[...] Sobre o sistema de cotas para acesso ao ensino superior, tenho convicção formada, no sentido de que, não obstante a nobreza da intenção de que estão imbuídas as medidas dessa natureza, a sua instituição representa flagrante violação ao princípio da igualdade assegurado em nossa Constituição Federal (CF, art. 5º, caput) e inviabiliza a realização de um dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, qual seja, ‘promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação’ (CF, art. 3º, IV).Há de se ver que a igualdade constitucionalmente protegida visa, a despeito do sistema de cotas, garantir a igualdade de recursos, condições e oportunidades das pessoas, a fim de possibilitar a disputa equânime e a concorrência leal entre os candidatos ao direito buscado, aqui, ao nível superior de ensino, afigurando-se desinfluente, para fins de se alcançar esse tratamento isonô-mico, a circunstância do aluno ter cursado o ensino médio em escola particular, pois se assim o fez, certamente, é porque a atuação do Estado mostrou-se falha no cumprimento de um de seus deveres institucionais, insculpidos em nossa Constituição Federal (CF, art. 205).[...] A todo modo, apesar de toda a controvérsia acerca da legitimidade, ou não, do sistema de cotas, o que se verifica, na sua essência, é que um de seus alardeados objetivos, seria propiciar ao aluno integrante de uma suposta minoria excluída, aí incluído aquele economicamente hipossu-ficiente, a possibilidade de acesso ao ensino superior.Sob esse prisma, afigura-se manifesta a legitimidade da pretensão mandamental postulada pelo impetrante, tendo em vista que, embora tenha cursado a 1ª série do ensino fundamental em escola particular, mostram-se aplicáveis, no caso, os princípios da razoabilidade e da propor-cionalidade com vistas a assegurar a concretização da ação afirmativa que garante a igualdade de acesso à educação superior, porquanto é inegável a precária situação financeira do recorrido, que, inclusive, litiga por intermédio da Defensoria Pública da União, bem assim, cursou pratica-mente todo o ensino básico em escola pública. [...]”

2557 – Mandado de injunção – aposentadoria – complementação – Município – edição de lei – reposição da inflação – inadmissibilidade – ilegitimidade passiva

“Mandado de injunção. Complementação de aposentadoria. Pedido de condenação da Municipa-lidade de Mirante do Paranapanema a editar lei que efetue a reposição da inflação em relação aos

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proventos da impetrante. Inadmissibilidade. Ilegitimidade passiva ad causam da Municipalidade de Mirante do Paranapanema. Ação que deveria ser ajuizada em face do Prefeito Municipal de Mirante do Paranapanema, por força do que vem previsto no art. 44, inciso II, da Lei Orgânica do Município. Precedentes desta eg. Corte e do eg. Superior Tribunal de Justiça. Preliminar acolhida. Ordem dene-gada.” (TJSP – MI 0096528-48.2013.8.26.0000 – São Paulo – 2ª CDPúb. – Rel. Renato Delbianco – DJe 10.01.2014)

2558 – Mandado de injunção – servidor público – revisão geral anual – omissão legislativa – ordem concedida

“Ação de mandado de injunção. Servidor público estadual. Inocorrência de carência de ação. Prova pré-constituída. Despicienda. Fato notório. Assembleia legislativa legitimidade passiva. Poder exe-cutivo. Revisão geral anual. Garantia constitucional. Omissão legislativa obstativa do exercício do direito. Ordem concedida. I – O art. 5º, inciso LXXI, da Constituição Federal, estabelece que havendo omissão de norma regulamentadora inviabilizando o exercício de direito constitucional, que, in casu, está consubstanciado no art. 37, X/CF, nos termos suso mencionado, é comportável o mandado de injunção, motivo porque não há de se falar em carência de ação. II – Em que pese a aplicação da lei do mandado de segurança ao mandado de injunção pelo fato de inexistir procedimento específico, neste caso é despicienda a existência de prova pré-constituído pelo fato de ser notório a omissão legislativa vertente à luz do art. 334, I, do CPC. III – É legítima a figuração da assembleia legislativa do Estado de Goiás no polo passivo do mandado de injunção em decorrência de sua efetiva e ne-cessária participação nas fases constitucionalmente típicas do processo nomogenético. IV – Uma vez detectada a mora da autoridade impetrada quanto à edição de providência tendente a viabilizar a edição de lei regulamentadora do exercício da garantia constitucional insculpida no art. 37, X, da CF, forçosa a atuação do poder judiciário no sentido de determinar as providências hábeis para suprir a omissão a fim de, em 180 (cento e oitenta) dias, proceder a elaboração e remessa de projeto de lei à Assembleia Legislativa do Estado de Goiás. V – Ordem concedida para que a autoridade impetrada supra a omissão em 180 (cento e oitenta) dias, todavia, persistindo a mora legislativa, assegura-se aos impetrantes a revisão geral anual pretendida (anos de 2007 a 2010), com base no INPC, índice igualmente eleito pelo próprio executivo para os anos de 2011 e 2012, cujo projeto de lei tramita na assembleia legislativa do Estado de Goiás. Adotado parecer da procuradoria de justiça. Mandado de injunção procedente.” (TJGO – MI 201294297457 – C.Esp. – Rel. Des. João Waldeck Felix de Sousa – DJe 19.12.2013)

Transcrição Editorial SÍNTESEConstituição Federal:

“Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

[...]

LXXI – conceder-se-á mandado de injunção sempre que a falta de norma regulamentadora torne inviável o exercício dos direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes à na-cionalidade, à soberania e à cidadania; [...]”

Processo Civil e Civil2559 – Ação de abatimento de preço – discussão – natureza de venda de bem imóvel (se ad

corpus ou ad mensuram) – interpretação de cláusulas contratuais – inadmissibilidade

“Direito processual civil e civil. Agravo no recurso especial. Ação de abatimento de preço. Discus-são acerca da natureza de venda de bem imóvel (se ad corpus ou ad mensuram). Reexame de fatos. Interpretação de cláusulas contratuais. Inadmissibilidade. Súmulas nºs 5 e 7/STJ. Prequestionamento. Ausência. Súmula nº 282/STF. 1. O reexame de fatos e a interpretação de cláusulas contratuais em recurso especial são inadmissíveis. Súmulas nºs 5 e 7/STJ. 2. A ausência de decisão acerca dos argu-mentos invocados pelo recorrente em suas razões recursais impede o conhecimento do recurso es-

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pecial. Súmula nº 282/STF. 3. Agravo não provido.” (STJ – AgRg-REsp 1.215.479 – (2010/0171153-0) – 3ª T. – Relª Min. Nancy Andrighi – DJe 12.11.2013)

2560 – Ação revocatória – inépcia da petição inicial – causa de pedir – consilium fraudis – omissão

“Recurso especial. Direito processual civil e falimentar. Ação revocatória. Inépcia da petição inicial. Causa de pedir. Consilium fraudis. Omissão. Contestação apresentada. Estabilização da lide. Emenda da inicial. Descabimento. Dissídio jurisprudencial não comprovado. Artigos analisados: 264, pará-grafo único, 282, 284, 295, parágrafo único, do CPC e 53 do DL 7.661/1945. 1. Ação revocatória ajuizada em 20.06.2006. Recurso especial concluso ao gabinete em 09.09.2011. 2. Controvérsia que se cinge a definir se é cabível a determinação de emenda da petição inicial em momento pos-terior ao da apresentação da peça contestatória. 3. O dissídio jurisprudencial deve ser comprovado mediante o cotejo analítico entre acórdãos que versem sobre situações fáticas idênticas. 4. A aptidão da inicial pressupõe a articulação harmoniosa de alguns requisitos, dentre eles a indicação precisa dos fatos e dos fundamentos jurídicos que dão suporte ao direito vindicado. 5. A falta de explicitação da causa de pedir conduz ao reconhecimento da inépcia da petição inicial e ao seu consequente indeferimento. Inteligência do art. 295, parágrafo único, I, do CPC. Precedentes. 6. Tratando-se de ação revocatória proposta com fundamento no art. 53 da antiga Lei de Falências (DL 7.661/1945), a petição inicial deve, necessariamente, conter a descrição das condutas fraudulentas atribuídas aos réus como causa de pedir. É a própria norma invocada que reclama, como requisito a ser preenchido para decretação da ineficácia dos atos praticados pelo falido, a demonstração da existência de fraude imputável ao devedor e aos terceiros que com ele contrataram. 7. De acordo com a jurisprudência deste Tribunal, a petição inicial não pode ser emendada depois de apresentada a contestação, sob pena de malferir o princípio da estabilização da demanda. Ainda que essa perspectiva possa ser fle-xibilizada em situações excepcionais, o art. 264, parágrafo único, do CPC veda a alteração da causa de pedir após o saneamento do processo. 8. Negado provimento ao recurso especial.” (STJ – REsp 1.305.878 – (2011/0103688-7) – 3ª T. – Relª Min. Nancy Andrighi – DJe 11.11.2013)

2561 – Bem de família – penhora sobre fração ideal – possibilidade

“Processo civil e direito civil. Bem de família. Ausência de prequestionamento. Súmula nº 211/STJ. Bem indivisível. Penhora sobre fração ideal. Possibilidade. Precedentes. Súmula nº 83/STJ. Falta de intimação pessoal do patrono. Nulidade. Inocorrência. Art. 237, CPC. Terceiros legitimados à adju-dicação do bem penhorado. Intimação prévia. Desnecessidade. Art. 685-A, § 2º, CPC. 1. Inexistindo, no acórdão recorrido, os vícios apontados pelo recorrente, não há violação ao art. 535 do CPC. 2. A ausência de decisão acerca de dispositivos legais indicados como violados, não obstante a interposi-ção de embargos de declaração, impede o exame da insurgência. Súmula nº 211/STJ. 3. O acórdão recorrido que adota, no ponto atacado, a orientação firmada pela jurisprudência do STJ não merece reforma. Súmula nº 83/STJ. 4. O patrono da parte não possui direito subjetivo a intimação pessoal (v.g., por carta com aviso de recebimento), quando há a publicação dos atos processuais por órgão oficial (art. 237, caput, CPC). 5. O direito à adjudicação conferido à terceiros interessados, por força do art. 685-A, § 2º, do CPC, não alberga a exigência de prévia intimação destes para o seu exercício. 6. Recurso especial conhecido em parte e, nesta parte, negado provimento.” (STJ – REsp 1.376.173 – (2008/0271464-0) – 3ª T. – Relª Min. Nancy Andrighi – DJe 13.11.2013)

Remissão Editorial SÍNTESEVide, DPU nº 55 Jan-Fev/2014 – Ementa nº 2502 do TRT 4ª R.

Comentário Editorial SÍNTESECuida-se de ação de execução/cumprimento de sentença ajuizada pelo recorrido na qual foi penhorado e posteriormente adjudicado em favor do credor-recorrido 50% de um imóvel re-sidencial pertencente ao primeiro executado, cuja fração remanescente é de propriedade da recorrente, terceira interessada.

Uma decisão interlocutória deferiu a adjudicação da fração penhorada em prol do credor.

O TJRJ negou provimento ao agravo de instrumento interposto pela recorrente em ementa redi-gida nos seguintes termos:

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166 ............................................................................................................DPU Nº 56 – Mar-Abr/2014 – PARTE GERAL – EMENTÁRIO

“Execução por título judicial. Indenização. Adjudicação de parte do imóvel. Recurso manejado por terceiro. Não se afigura ilícita ou teratológica decisão judicial que determina a adjudicação ao credor de metade do imóvel penhorado, ficando resguardada a meação da terceira interessada, notadamente quando não há a transferência de sua posse. Consequência óbvia da transformação da penhora em adjudicação se os devedores não satisfazem o crédito exequendo, adotando-se o princípio da efetividade da execução. Recurso não provido.”No recurso especial alegou-se violação aos arts. 234, 236, §§ 1º e 2º, 237, II, 535, 685-A, § 2º, do CPC e art. 1º, parágrafo único, da Lei nº 8.009/1990. Pediu-se a anulação do acórdão recorrido por negativa de prestação jurisdicional e ausência de intimação do patrono da agra-vante na forma pleiteada (por correio, com aviso de recebimento). Subsidiariamente, pugna-se pela reforma da decisão recorrida, invalidando-se a adjudicação deferida, por ser de família e indivisível o bem penhorado e, ainda, por falta de intimação pessoal dos terceiros legitimados à adjudicação do bem.O STJ conheceu em parte do recurso especial e, nesta parte, negou-lhe provimento.O Relator asseverou que, quanto a outros prováveis interessados em exercer o direito de ad-judicação, supostamente preteridos pela falta de intimação prévia, não cabe aqui avaliar essa questão, pois de interesse unicamente destes, cuja defesa deve ser necessariamente exercida mediante legitimidade para tanto, em sede e momento oportunos.A penhora é um ato judicial destinado a apreender os bens de um devedor com a finalidade de que o pagamento seja cumprido. Os bens são tirados do devedor para servirem de garantia à execução que se processa contra este. Com o advento da Lei nº 8.009/1990, o que se considera como bem de família é resguardo, não podendo recair penhora sobre tal bem, caracterizando-se a impenhorabilidade do patrimônio familiar.Como bem colocado pelo STJ, a Lei nº 8.009/1990 teve por finalidade garantir a moradia da família, excluindo o imóvel e suas alfaias da execução por dívida contraída pelos cônjuges, pais ou filhos que sejam seus proprietários e nele residam. Se o único bem residencial do casal ou da entidade familiar está locado, servindo como fonte de renda para a subsistência da família, que passa a morar em prédio alugado, nem por isso aquele bem perde a sua destinação mediata, que continua sendo a de garantir a moradia familiar.Yone Frediani, em estudo sobre o bem de família, assim considerou:“O bem de família poderá consistir em prédio residencial urbano ou rural, suas pertenças e acessórios, destinando-se ao domicilio familiar, podendo, ainda, ser constituído por valores mo-biliários.O bem de família é isento de execução por dívidas posteriores à sua instituição, salvo se prove-nientes de tributos relativos ou prédio ou despesas de condomínio. A isenção perdurará enquanto viverem os cônjuges e na falta destes até que os filhos completem a maioridade, vale dizer, nesse caso, a impenhorabilidade é relativa.[...]No entanto, da leitura do texto legal apontado, constata-se, desde logo, que a impenhorabilidade do bem de família é relativa, diante das exceções previstas no art. 3º e respectivos incisos, quais sejam:a) créditos de trabalhadores da própria residência e de suas contribuições previdenciárias;b) crédito decorrente de financiamento destinado a construção ou aquisição do imóvel;c) crédito decorrente de pensão alimentícia;d) impostos, taxas e contribuições devidas, relativos ao imóvel familiar;e) execução de hipoteca existente sobre o imóvel, oferecido como garantia real;f) aquisição do imóvel com produto de crime;g) obrigação decorrente de fiança concedida em contrato de locação.Por oportuno, resta-nos ressaltar que, à semelhança das disposições contidas no diploma civi-lista, torna-se imprescindível a fixação do domicílio familiar com ânimo de permanência, a fim de que possa estar o imóvel revestido de impenhorabilidade.” (Bem de família. Repertório de Jurisprudência Editorial SÍNTESE, 3/23193, v. III, n. 21/2005, p. 647, 1ª quinz. nov. 2005)

2562 – Cessão de crédito – ausência de notificação – consequências – decisão agravada mantida

“Agravo regimental no recurso especial. Direito civil. Cessão de crédito. Ausência de notificação. Consequências. Decisão agravada mantida. Improvimento. 1. A cessão de crédito não tem eficácia em relação ao devedor, senão quando a este notificada. Isso não significa, porém, que a dívida não

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DPU Nº 56 – Mar-Abr/2014 – PARTE GERAL – EMENTÁRIO ................................................................................................................167

possa ser exigida quando faltar a notificação. 2. O objetivo da notificação é informar ao devedor quem é o seu novo credor, isto é, a quem deve ser dirigida a prestação. A ausência da notificação traz essencialmente duas consequências: Em primeiro lugar dispensa o devedor que tenha prestado a obrigação diretamente ao cedente de pagá-la novamente ao cessionário. Em segundo lugar permite que devedor oponha ao cessionário as exceções de caráter pessoal que teria em relação ao cedente, anteriores à transferência do crédito e também posteriores, até o momento da cobrança (art. 294 do Código Civil). 3. A falta de notificação não interfere com a existência ou exigibilidade da dívida, sendo de se admitir, inclusive, a inscrição indevida em cadastros de inadimplentes em caso de não pagamento, observadas as formalidades de estilo (art. 43, § 2º, Código de Defesa do Consumidor). 4. O agravo não trouxe nenhum argumento novo capaz de modificar o decidido, que se mantém por seus próprios fundamentos. 5. Agravo regimental a que se nega provimento.” (STJ – AgRg-REsp 1.408.914 – (2013/0331677-7) – 3ª T. – Rel. Min. Sidnei Beneti – DJe 14.11.2013)

2563 – Factoring – faturizador – direito de regresso – prequestionamento

“Agravo regimental no agravo em recurso especial. Factoring. Faturizador. Direito de regresso. Pre-questionamento. Súmula STJ nº 211. Improvimento. 1. O prequestionamento, entendido como a necessidade de o tema objeto do recurso haver sido examinado pela decisão atacada, constitui exi-gência inafastável da própria previsão constitucional, ao tratar do recurso especial, impondo-se como um dos principais requisitos ao seu conhecimento. Não examinada a matéria objeto do especial pela Instância a quo, mesmo com a oposição dos embargos de declaração, incide o Enunciado nº 211 da Súmula do Superior Tribunal de Justiça. 2. Agravo regimental improvido.” (STJ – AgRg-Ag-REsp 395.314 – (2013/0300011-5) – 3ª T. – Rel. Min. Sidnei Beneti – DJe 14.11.2013)

2564 – Sociedade anônima – assembleia geral – assunto omisso na publicação da ordem do dia – nulidade da deliberação – higidez

“Recurso especial. Direito societário. Violação do art. 535 do CPC. Não ocorrência. Sociedade anô-nima. Assembleia geral. Assunto omisso na publicação da ordem do dia. Nulidade da deliberação. Higidez da assembleia. Ações preferenciais. Voto contingente. Desnecessidade de publicação da aquisição de direito a voto. Acordo de acionistas. Acordo de voto em bloco. Limitação aos votos de vontade. Impossibilidade quanto aos votos de verdade. 1. Não viola o art. 535 do CPC acórdão que, integrado por julgado proferido em embargos de declaração, dirime, de forma expressa, congruente e motivada, as questões suscitadas nas razões recursais. 2. Da convocação para a assembleia geral ordinária deve constar a ordem do dia com a clara especificação dos assuntos a serem deliberados. 3. A votação de matéria não publicada na ordem do dia implica nulidade apenas da deliberação, e não de toda a assembleia. 4. Quando da convocação para a assembleia geral ordinária, não há necessidade de publicação da aquisição temporária do direito de voto pelas ações preferenciais (art. 111, § 1º, da LSA – voto contingente). 5. O detentor da ação preferencial que não recebeu seus dividendos conhece essa situação e deve, no próprio interesse, exercer o direito que a lei lhe conce-de. Ao subscrever quotas de capital, o acionista precisa conhecer as particularidades das ações que adquire, não podendo arguir o desconhecimento dos termos da lei. 6. O acordo de acionistas não pode predeterminar o voto sobre as declarações de verdade, aquele que é meramente declaratório da legitimidade dos atos dos administradores, restringindo-se ao voto no qual se emita declaração de vontade. 7. Recurso especiais desprovidos.” (STJ – REsp 1.152.849 – (2009/0157602-6) – 3ª T. – Rel. Min. João Otávio de Noronha – DJe 18.11.2013)

2565 – União estável – ação declaratória – existência de legitimidade ativa

“Direito civil e família. Recurso especial. Ação declaratória de existência de união estável legitimi-dade ativa. Exclusiva. Sujeitos da relação. Affectio societatis familiar. Efeitos pessoais e patrimoniais. Elemento subjetivo. Constituição de família. Credor. Interesses reflexos e indiretos. Ausência de legi-timidade. Artigos analisados. Art. 3º do CPC. 1. Ação de reconhecimento de união estável ajuizada em 13.11.2009. Recurso especial concluso ao Gabinete em 06.09.2011. 2. Discussão relativa à legitimidade ativa de credor para propositura de ação declaratória de união estável entre o devedor e terceiro. 3. A análise dos requisitos ínsitos à união estável deve centrar-se na conjunção de fatores presente em cada hipótese, como a affectio societatis familiar, a participação de esforços, a posse do estado de casado, a continuidade da união, a fidelidade, entre outros, sendo dispensável a formação de patrimônio comum. 4. A legitimidade, como condição da ação, implica a existência de uma re-

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lação de pertinência subjetiva entre o sujeito e a causa, ou seja, uma relação de adequação legítima entre o autor da ação e a tutela jurisdicional pretendida. 5. Nas ações de reconhecimento de união estável, o objetivo é alcançar a declaração judicial da existência de uma sociedade afetiva de fato, e essa pretensão encontra amparo no ordenamento jurídico, ainda que seja de cunho meramente de-claratório. 6. Todos os efeitos da declaração de união estável guardam íntima relação de pertinência subjetiva com o próprio casal, titulares da relação jurídica que pretendem ver declarada. 7. Compete exclusivamente aos titulares da relação que se pretende ver declarada, a demonstração do animus, ou seja, do elemento subjetivo consubstanciado no desejo anímico de constituir família. 8. Ainda que possa haver algum interesse econômico ou financeiro de terceiro credor no reconhecimento da união estável, ele terá caráter reflexo e indireto, o que não justifica a sua intervenção na relação processual que tem por objetivo declarar a existência de relacionamento afetivo entre as partes. 9. Recurso especial desprovido.” (STJ – REsp 1.353.039 – (2011/0221568-0) – 3ª T. – Relª Min. Nancy Andrighi – DJe 18.11.2013)

Remissão Editorial SÍNTESEVide, DPU nº 41 Set-Out/2011 – Ementa nº 1579 do STJ.

Comentário Editorial SÍNTESETrata-se de recurso especial interposto contra acórdão proferido pelo TJMS.

Foi interposta uma ação declaratória de existência de união estável c/c partilha de bens, ajuizada pela autora na condição de credora, pretendendo o reconhecimento da união estável entre a ré, bem como a partilha de bens, a fim de que a ré receba a meação que lhe cabe no inventário do de cujus e, consequentemente, tenha patrimônio para saldar a dívida com a autora.

A sentença de 1º grau extinguiu o processo sem resolução do mérito, haja vista a ilegitimidade ativa da autora para pleitear o reconhecimento da união estável entre a ré e terceiro.

O TJMS negou provimento ao recurso de apelação

Houve o recurso especial no qual a recorrente alegou violação do art. 3º do CPC, pois o acórdão recorrido afastou a sua legitimidade ativa, na condição de credora, para requerer a declaração de união de estável entre a ré e seu companheiro, a fim de poder habilitar seu crédito no inventário deste.

O STJ negou provimento ao recurso.

O Relator assim se manifestou:

“Partindo dessas premissas e considerando que, na hipótese dos autos, o interesse da recorrente é meramente econômico e indireto, porque se diz credora da recorrida, e pretende habilitar seu crédito no inventário de seu suposto companheiro, ela carece de legitimidade ativa para propor a ação de reconhecimento de união estável.

Com efeito, não há relação de pertinência subjetiva entre a recorrente e a pretensão declaratória da relação afetiva estabelecida entre a recorrida e terceiro. Mesmo na condição de credora, ela não é titular da relação jurídica que pretende ver declarada.

Consigne-se, por fim, que não interessam os motivos pelos quais a recorrida não se habilitou no inventário de B. O. S., como sua companheira. O que importa é que somente ela tem direito a pleitear o reconhecimento dessa condição. Em outras palavras, somente ela tem legitimidade para requerer a declaração de união estável e a aplicação efeitos decorrentes dessa declaração.”

Sobre a diferença entre união estável e concubinato no novo Código Civil, vejamos as lições de Marco Túlio Murano Garcia:

“Da mesma forma, o NCCB fez clara distinção entre união estável e concubinato, a primeira materializada pela união entre pessoas que abraçam o relacionamento de fato livremente, por opção, a despeito de poderem se casar, se quiserem, ou seja, a união entre pessoas não im-pedidas de se casar e o segundo caracterizado pela união de pessoas impedidas de se casar, que então optam pelo relacionamento de fato diante da impossibilidade de contraírem núpcias.

A distinção é mais relevante do que pode parecer num primeiro espasmo. O legislador fez clara distinção entre as figuras do ‘concubinato puro’ (= união de pessoas livres para o casamento) e

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DPU Nº 56 – Mar-Abr/2014 – PARTE GERAL – EMENTÁRIO ................................................................................................................169

do ‘concubinato impuro’ (= união de pessoas impedidas), definindo o ‘concubinato puro’ como união estável, digna de toda proteção como instituto de direito de família e o ‘concubinato im-puro’ simplesmente como concubinato, cujos efeitos parecem estar fora do âmbito do direito de família, aplicando-se a tal espécie de relação às teorias da sociedade de fato e da indenização por serviços prestados, forte no princípio que veda o enriquecimento sem causa.

De fato, o primeiro problema que se apresenta diante da distinção claramente efetivada pelo NCCB é este: como será tratado o concubinato”. Isto porque o NCCB criou 2 (dois) institutos que são distintos. A união estável, cujos efeitos vieram definidos e o concubinato, para o qual não houve nenhuma previsão de eficácia ou de tratamento, o que ficará por conta da jurisprudência.

Antes de prosseguir referindo esta questão da regulação da eficácia do concubinato, pedimos vênia para abrir um parêntese e mencionar que concordamos com esta distinção entre união estável e concubinato, inclusive do ponto de vista do seu principal efeito, que é o de excluir o concubinato da proteção que se dá à família oriunda do casamento, da união estável e também à monoparental. Tenho, principalmente no que diz com os relacionamentos que envolvem pes-soas casadas, e neste tanto forte na opinião de Rodrigo da Cunha Pereira, que o primado da monogamia exige tal postura do legislador. Ou abolimos a monogamia ou negamos eficácia aos relacionamentos adulterinos ou paralelos, sob pena de instalarmos a insegurança jurídica, que deve ser evitada a todo custo.

Houve um tempo em que era justificável a proteção de relações adulterinas, diante da dificul-dade que representava dissolver um casamento, seja do ponto de vista da moral social (resis-tência e preconceito), seja do ponto de vista jurídico (acesso muito estreito, primeiro apenas à separação e depois ao divórcio), de sorte que muitas pessoas só encontravam o caminho da felicidade e da realização pessoal por meio de relações adulterinas. Não por sua vontade, e sim por imposição legal e social.

Hoje, todavia, as coisas não se passam mais desta maneira. A sociedade é muito mais tole-rante e o direito, sobretudo depois do advento da CF/1988, consagrou enorme abertura para a separação e para o divórcio, não se justificando mais, sob nenhum prisma, que uma deter-minada pessoa escolha o caminho de um relacionamento clandestino. Se faz esta escolha, o faz livremente, não sendo lídima a intenção de, posteriormente, pretender extrair efeitos desta relação, sobretudo em detrimento da posição do cônjuge, quase sempre ignorante quanto ao relacionamento paralelo.

E não vai aqui nenhuma carga de preconceito. Muito pelo contrário, posto que somos mesmo a favor da poligamia institucionalizada, da qual poderão ser adeptos aqueles que livremente esco-lherem. Tudo é uma questão de liberdade e autodeterminação. Ou você se casa ou não se casa! Admitimos mesmo, sem maiores considerações, que alguém possa viver um relacionamento paralelo ao casamento, se isto lhe trouxer satisfação pessoal, mas daí a querer extrair efeitos jurídicos, pessoais (ex.: alimentos) e patrimoniais (ex.: partilha de bens) de tal relacionamento é outra coisa.

O que não se pode admitir, tanto do ponto de vista do cônjuge ignorante (que desconhece o relacionamento paralelo) quanto de terceiros que travem relações negociais com qualquer dos partícipes de uma relação com esta marca, é que possam vir a ter seus negócios questionados ou afetados, por exemplo, por uma demanda de índole patrimonial entre os concubinos, nos quais se possa questionar a alienação de bens imóveis adquiridos durante o concubinato e me-diante esforço comum. Também não parece legítimo obrigar o cônjuge alheio ao relacionamento paralelo a dividir patrimônio e/ou um benefício de aposentadoria com o concubino sobrevivente.

Admissível, em tese, seria proteger – até mesmo sob os auspícios da união estável (no mínimo quanto à partilha de patrimônio que tivesse auxiliado a adquirir, direta ou indiretamente) – o concubino de boa-fé, ou seja, aquele que vivesse uma relação paralela ignorando o estado de casado do outro, aplicando-se, nesta hipótese, a teoria do casamento putativo, que socorre o cônjuge que ignorar vício capaz de implicar na nulidade ou na anulação do casamento. Isto em nome da boa-fé.

O TJRS, em recente julgado, que muito embora prolatado antes da vigência do NCCB, ainda se mostra atual ante o raciocínio que desenvolvemos, decidiu exatamente o seguinte:

‘A união estável é entidade familiar e o nosso ordenamento jurídico sujeita-se ao princípio da mo-nogamia, não sendo possível juridicamente reconhecer uniões estáveis paralelas, até porque a própria recorrente reconheceu em outra ação que o varão mantinha com outra mulher uma união

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estável, que foi judicialmente declarada. Diante disso, o seu relacionamento com o de cujus teve cunho meramente concubinário, capaz de agasalhar uma sociedade de fato, protegida pela Súmula nº 380 do STF. Essa questão patrimonial esvaziou-se em razão do acordo entabulado entre a autora e a sucessão. Recurso desprovido, por maioria.’ (AC 70001494236, 7ª C.Cív., Rel. Des. Sérgio Fernando de Vasconcellos Chaves, DOE RS 14.02.2001)

Importante também foi a consagração pelo NCCB da ressalva há muito acolhida pela doutrina e jurisprudência, no sentido que a separação de fato e a separação judicial de um dos partícipes da união estável, em que pese o impedimento formal para o casamento determinado por tais situações, não inibe o aperfeiçoamento ou caracterização da união estável.

Com efeito, em que pese o separado de fato ainda ser formalmente casado e, portanto, impedido de se casar, o fato é que a separação de fato, sobretudo depois do lapso de 2 (dois) anos após o qual é possível o divórcio direto, na prática, produz efeitos tão densos quanto a separação judicial, não sendo justificável que um casamento, que nesta altura está relegado a uma mera reminiscência cartorial, possa ser obstáculo para a caracterização da união estável.” (GARCIA, Marco Túlio Murano. União estável e concubinato no novo código civil. Juris Síntese, Porto Alegre: IOB Thomson, maio/jun. 2005. 53 CD-ROM)

Penal/Processo Penal

2566 – Arrependimento posterior – Súmula nº 444 do STJ – incidência

“Recurso especial. Penal. Arrependimento posterior. Art. 16 do CP. Reparação integral do dano. Circunstância objetiva. Comunicabilidade aos demais autores. Pena-base. Personalidade. Valoração negativa. Processos criminais em curso. Ilegalidade flagrante. Súmula nº 444/STJ. 1. Pela aplicação do art. 30 do Código Penal, uma vez reparado o dano integralmente por um dos autores do deli-to, a causa de diminuição prevista no art. 16 do mesmo Estatuto estende-se aos demais coautores, por constituir circunstância de natureza objetiva, cabendo ao julgador avaliar a fração de redução que deve ser aplicada, dentro dos parâmetros mínimo e máximo previstos no dispositivo, confor-me a atuação de cada agente em relação à reparação efetivada. 2. É vedado considerar negativa a personalidade em razão da existência de processos criminais em curso (Súmula nº 444/STJ), razão pela qual houve ilegalidade flagrante na dosimetria da pena. 3. Recurso especial conhecido e im-provido. Habeas corpus concedido de ofício, para afastar a valoração negativa da personalidade, ficando a reprimenda do recorrido redimensionada para 2 anos, 2 meses e 20 dias de reclusão e 22 dias-multa, mantidos o regime aberto e a substituição efetivada pelas instâncias ordinárias.” (STJ – REsp 1.187.976 – (2010/0054706-4) – 6ª T. – Rel. Min. Sebastião Reis Júnior – DJe 26.11.2013)

Remissão Editorial SÍNTESEVide, DPU nº 52 Jul-Ago/2013 – Ementa nº 2335 do STJ.

2567 – Casa de prostituição – rufianismo – prisão preventiva – requisitos – impossibilidade

“Recurso ordinário em habeas corpus. Casa de prostituição e rufianismo. Prisão preventiva. Requisi-tos. Provas da materialidade e indícios suficientes da autoria delitiva. Presença. Negativa de partici-pação. Inviabilidade de exame na via eleita. Pretendida revogação da segregação. Crime cometido sem violência ou grave ameaça à pessoa. Medidas cautelares alternativas. Adequação e suficiência. Condições pessoais favoráveis. Coação ilegal demonstrada. Recurso provido em menor extensão. 1. Para a decretação da prisão preventiva, não se exige prova concludente da autoria delitiva, reser-vada à condenação criminal, mas apenas indícios suficientes desta, que, pelo cotejo dos elementos que instruem o mandamus, se fazem presentes. 2. A análise acerca da alegada ausência de provas su-ficientes quanto à participação do recorrente nos crimes é questão que não pode ser dirimida em sede de recurso ordinário em habeas corpus, por demandar o reexame aprofundado das provas colhidas no curso da instrução criminal, vedado na via sumária eleita. 3. Com a edição e entrada em vigor da Lei nº 12.403/2011, resta clara a natureza excepcional da prisão preventiva, a qual somente deve ser apli-

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DPU Nº 56 – Mar-Abr/2014 – PARTE GERAL – EMENTÁRIO ................................................................................................................171

cada quando outras medidas cautelares alternativas à segregação provisória se mostrarem ineficazes ou inadequadas. 4. Evidenciado que os fins acautelatórios almejados quando da ordenação da pre-ventiva podem ser alcançados com a aplicação de medidas cautelares diversas, presente o constrangi-mento ilegal apontado na inicial. 5. Observado o binômio proporcionalidade e adequação, devida e suficiente, diante das particularidades do caso concreto, a imposição de medidas cautelares diversas à prisão para garantir a ordem pública, evitando-se a reiteração delitiva, para assegurar a conveniência da instrução criminal e a aplicação da lei penal. 6. Condições pessoais favoráveis, mesmo não sendo garantidoras de eventual direito à soltura, merecem ser devidamente valoradas, quando demonstrada a possibilidade de substituição da prisão por cautelares diversas, proporcionais, adequadas e suficientes ao fim a que se propõem. 7. Recurso provido em menor extensão, para revogar a prisão preventiva do recorrente, mediante a imposição das medidas alternativas previstas no art. 319, incisos I, III, IV, V e VI, do CPP, devendo o Juízo singular estipular quem são as vítimas e a distância mínima que o acusado deverá manter destas, bem como determinar a suspensão das atividades do estabelecimento comercial denominado ‘Club 16’, localizado na Rua Marques de Caxias, nº 12/16, Centro, Niterói/RJ.” (STJ – RHC 40.423/RJ – (2013/0291035-3) – Rel. Min. Jorge Mussi – DJe 30.10.2013)

Comentário Editorial SÍNTESEO vertente acórdão trata de recurso ordinário em habeas corpus interposto contra acórdão do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro que denegou a ordem que manteve a decisão que decretou a prisão preventiva do recorrente nos autos da ação penal a que responde pela prática dos delitos previstos nos crimes de Casa de Prostituição e Rufianismo.O recorrente alega ocorrência de constrangimento ilegal sob o argumento de que a fundamenta-ção apresentada pela Corte de origem não seria apta a justificar a manutenção de sua constrição antecipada.Ressaltou, ainda, que nenhuma das testemunhas que se encontrava no estabelecimento cita o seu nome como um dos proprietários, destacando que restou denunciado tão somente pelo fato de seus documentos pessoais terem sido encontrados no local.Argumentou que não teriam sido apontados elementos concretos que demonstrassem a neces-sidade da medida para garantia da ordem pública, conveniência da instrução criminal ou para assegurar a aplicação da lei penal.Os crimes de Casa de Prostituição e Rufianismo são tipificados no Código Penal, nos arts. 229 e 230, in verbis:“Art. 229. Manter, por conta própria ou de terceiro, casa de prostituição ou lugar destinado a encontros para fim libidinoso, haja, ou não, intuito de lucro ou mediação direta do proprietário ou gerente:Pena – reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, e multa.Art. 230. Tirar proveito da prostituição alheia, participando diretamente de seus lucros ou fazen-do-se sustentar, no todo ou em parte, por quem a exerça:Pena – reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa.”O recorrente alega ser primário, possuir bons antecedentes e residência fixa, predicados que lhe permitiriam responder a ação penal em liberdade.Mencionou, ainda, que inexistem no caso as hipóteses elencadas no art. 312 do CPP a justificar a manutenção da segregação cautelar, não sendo caso de decretação de quaisquer das medidas cautelares previstas no art. 319 do mesmo Estatuto.

Requereu a revogação da preventiva, com a expedição de contramandado de prisão, comprome-tendo-se, desde logo, a comparecer a todos os atos processuais, sem criar qualquer obstáculo ou embaraço ao regular andamento da persecução penal e regular andamento do feito.

O art. 312 do Código de Processo Penal prevê:

“A prisão preventiva poderá ser decretada como garantia da ordem pública, da ordem econômi-ca, por conveniência da instrução criminal, ou para assegurar a aplicação da lei penal, quando houver prova da existência do crime e indício suficiente de autoria.”

Colacionamos julgados sobre decretação da prisão preventiva:

“HABEAS CORPUS – ROUBO MAJORADO PELO CONCURSO DE PESSOAS – ALEGAÇÃO DE FALTA DE JUSTA CAUSA – NÃO OCORRÊNCIA – CIRCUNSTÂNCIAS FÁTICAS QUE IMPEDEM

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A CONCESSÃO DO MANDAMUS – PRESENÇA DE JUSTA CAUSA – DECISÃO DO JUÍZO A QUO FUNDAMENTADA NO ART. 312 DO CPP – Alegação de constrangimento ilegal por falta de fundamentação na decretação da prisão preventiva. Decisão suficientemente fundamenta-da, embora sucinta, discorrendo acerca da necessidade dos pressupostos do art. 312 do CPP. Aplicação do princípio da confiança no juiz de 1º grau. Condições pessoais por si só não são suficientes para concessão da liberdade (Súmula nº 08 do TJE/PA). Excesso de prazo. Inocorrên-cia. Instrução penal encerrada. Aplicação da Súmulas nºs 52 do STJ e 01 do TJE-PA. Alegação de inépcia da denúncia. Impossibilidade. Necessidade de análise fática, conforme entendimento jurisprudencial. Impossibilidade de tal análise ser feita pela via estreita do habeas corpus. Or-dem denegada.” (TJPA, HC 20133032379-6, (128798), Belém, C.Crim.Reun., Relª Desª Vera Araujo de Souza, DJe 28.01.2014)

“HABEAS CORPUS – TRÁFICO DE ENTORPECENTES – NEGATIVA DE AUTORIA – MATÉRIA DE CUNHO PROBATÓRIO – NÃO CONHECIMENTO DO WRIT NESTE TOCANTE – Não são cabíveis discussões probatórias em sede de habeas corpus, uma vez que o writ é o instrumento proces-sual destinado a tutelar o direito de locomoção, descabendo o respectivo manejo com vistas ao exame aprofundado ou à discussão e valoração da prova. PRISÃO PREVENTIVA – PRETENDIDA A SUA REVOGAÇÃO – SEGREGAÇÃO JUSTIFICADA NA GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA, DA INSTRUÇÃO PROCESSUAL E DE EVENTUAL APLICAÇÃO DA LEI PENAL – QUANTIDADE DE DROGA – ‘BOCA DE FUMO’ – GRAVIDADE CONCRETA DA AÇÃO PERPETRADA – PACIENTE QUE SE ENCONTRA EVADIDA CONSTRANGIMENTO ILEGAL INEXISTENTE – ORDEM DENE-GADA – Inexiste constrangimento ilegal a ser reconhecido, se o Magistrado de primeiro grau, ao decretar a prisão preventiva da paciente, apontou elementos concretos a ensejar a mantença dessa medida segregatória, sobretudo para os fins de se garantir a ordem pública, em estrita observância aos requisitos previstos no art. 312 do Código de Processo Penal. Evidenciando-se a gravidade concreta do crime em tese cometido, diante da considerável quantidade e diversidade de entorpecente apreendido 150 g (cento e cinquenta gramas) de cocaína e quase meio quilo de maconha, bem como em razão de haver indícios de que na residência da paciente funcionaria uma ‘boca de fumo’, necessária a mantença da segregação cautelar, sobretudo diante do fato de a paciente encontrar-se evadida. Não provou a paciente possuir condições subjetivas favoráveis, já que não se juntou certidão de antecedentes criminais, e, mesmo que demonstradas, elas não ensejam a concessão automática da liberdade quando estão presentes os requisitos previstos nos arts. 312 e 313 do Código de Processo Penal.” (TJMS, HC 1603114-17.2013.8.12.0000, 1ª C.Crim., Relª Desª Maria Isabel de Matos Rocha, DJe 28.01.2014)

O Superior Tribunal de Justiça deu provimento ao recurso para denegar a ordem.

2568 – Crime ambiental – extração de recurso mineral – concurso formal – não ocorrência

“Processual penal. Penal. Extração de recurso mineral (ouro). Crime contra a ordem econômica (art. 2º da Lei nº 8.176/1991) e crimes ambientais (arts. 55 e 56 da Lei nº 9.605/1998). Possibilidade de concurso formal. Arts. 55 e 56 da Lei nº 9.605/1998. Consunção. Não ocorrência. Princípio da insignificância. Inaplicabilidade. Erro de proibição invencível. Não ocorrência. Materialidade e auto-ria comprovadas. Dosimetria. Concurso formal. Reforma. I – O crime do art. 2º da Lei nº 8.176/1991 tutela a ordem econômica e o do art. 55 da Lei nº 9.605/1998 objetiva proteger o meio ambiente, sendo possível, no caso em tela, a ocorrência de concurso formal, uma vez que a extração irregular de minerais (ouro) atinge mais de um bem jurídico tutelado. Precedentes. II – Não há que se falar em consunção entre os crimes dos arts. 55 e 56 da Lei nº 9.605/1998, uma vez que a guarda de substância nociva tem potencialidade lesiva muito além do crime de extração de recursos minerais sem autori-zação. III – A jurisprudência majoritária entende que nos casos de crimes ambientais não se aplica o princípio da insignificância, dada a indisponibilidade do bem jurídico tutelado. IV – Para a configura-ção do erro de proibição invencível, o acusado teria que agir sem completa consciência da ilicitude, bem como não há condições de conhecer tal situação, o que não se dá na hipótese. Não há nos autos qualquer justificativa apta a demonstrar a falta de conhecimento da ilicitude. V – Crimes dos arts. 2º, caput, da Lei nº 8.176/1991 e 55 e 56 da Lei nº 9.605/1998 suficientemente comprovados em todos os seus elementos, conforme a tipificação prevista nas respectivas leis. VI – Dosimetria da pena reformada para aplicar a regra do concurso formal próprio. V – Apelação parcialmente provida.” (TRF 1ª R. – ACr 0012447-25.2010.4.01.4100/RO – Rel. Des. Fed. Cândido Ribeiro – DJe 24.01.2014)

Remissão Editorial SÍNTESEVide, DPU nº 35 Set.-Out./2010 – Ementa nº 1189 TRF 4ª R.

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2569 – Crime contra a relação de consumo – exposição à venda de mercadoria imprópria – prova da materialidade – necessidade – absolvição

“Apelação criminal. Crime contra a relação de consumo. Exposição à venda de mercadoria imprópria para consumo. Prova da materialidade. Exame pericial. Necessidade. A prova da materialidade do delito previsto no art. 7º, IX, da Lei nº 8.137/1990 depende da existência de laudo pericial para com-provar a impropriedade da mercadoria ou da matéria-prima para o consumo humano. V.v. Apelação criminal. Crime contra as relações de consumo. Expor à venda produtos em condições impróprias ao consumo. Autoria e materialidade comprovadas. Laudo pericial. Prescindibilidade. Provas suficientes a ensejar um decreto condenatório. Necessidade. Recurso provido. Incorre na sanção do art. 7º, IX, da Lei nº 8.137/1990 aquele que expõe à venda mercadorias inadequadas ao consumo humano. Os crimes contra a relação do consumo são de perigo presumido, não havendo necessidade de efeti-vação de venda de produto impróprio para consumo ou de perigo à saúde do consumidor, sendo irrelevante a produção de exame pericial para tal finalidade.” (TJMG – ACr 1.0431.10.006136-2/001 – 6ª C.Crim. – Rel. Jaubert Carneiro Jaques – DJe 09.01.2014)

Comentário Editorial SÍNTESEO vertente acórdão trata de crime contra as relações de consumo previsto no art. 7º, IX, da Lei nº 8.137/1990, in verbis:

“Art. 7º Constitui crime contra as relações de consumo:

[...]IX – vender, ter em depósito para vender ou expor à venda ou, de qualquer forma, entregar matéria-prima ou mercadoria, em condições impróprias ao consumo;Pena – detenção, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, ou multa.”Consta dos autos, que o denunciado foi surpreendido em seu estabelecimento comercial, pela fiscalização da Vigilância Sanitária Municipal e Polícia Militar, que constatou que ali estava sen-do exposto à venda mercadorias impróprias ao consumo, sem a devida documentação.Com base na falta da existência de laudo pericial para comprovar a impropriedade da mercadoria ou da matéria-prima para o consumo humano, o réu foi absolvido.Inconformado com a decisão, o órgão Ministerial recorreu, pugnando pela condenação do réu pela prática delitiva contida na denúncia, por entender que há provas suficientes a comprovar a autoria e materialidade delitivas por parte do acusado.A defesa apresentou contrarrazões, pugnando pelo desprovimento do apelo e manutenção da sentença a quo.Vale trazer trecho do voto do Relator: “‘[...] que ao chegarem no estabelecimento constataram um canhão para fabricação de lingüiça sendo este proibido para funcionar em açougue, também foi apreendido carne comercializada que provem de abate clandestina sendo que a mesma não tinha rotulagem e não foi apresentada nota fiscal da carne, sendo que o proprietário apresentou uma nota fiscal de produtos diferentes.’ (relato de fl. 07)O relato do policial militar que realizou a diligência juntamente com o agente de fiscalização sanitária corrobora, ainda mais, a prática do ilícito por parte do acusado.‘[...] que durante operação conjunta entre Ministério Público Estadual, IMA, Vigilância Sanitária e PM, deslocamos até a Rua Rosa de Souza, 230, Centro, e durante a fiscalização no estabele-cimento comercial Mercearia Central, foi constatado pela fiscalização que o estabelecimento não dispõe de condições higiênico-sanitária, área física e boas práticas de manipulação necessárias a inocuidade no alimento manipulado conforme legislação vigente; que foi encontrado no esta-belecimento um (canhão) para fabricação de lingüiça o qual foi apreendido e ainda que a carne comercializada provem de abate clandestino; que a carne apreendida foi levada pelos fiscais para a inutilização da mesma [...]’ (relato do policial condutor Kleber Rogério Leocadio de fl. 06)Quanto à materialidade delitiva, em que pese o ilustre sentenciante sustentar que os produtos apreendidos não foram submetidos à perícia e, assim sendo, entendeu por bem em absolver o acusado do crime que lhe foi imputado, tenho que, diferentemente do entendimento adotado pelo douto Juiz a quo, a meu sentir, a mesma encontra-se robustamente comprovada nos autos, diante do A. P. F. D. de fl. 06/07, boletim de ocorrência de fl. 09/13 e Termo de Inspeção da Vigilância Sanitária de fl. 14.

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Neste sentido, tenho que a prova produzida nos autos nos remete a evidência do ilícito perpe-trado pelo recorrido, uma vez que as alegações sustentadas pelo apelado não são suficientes a elidir sua responsabilidade pelo fato ocorrido.”Desta forma, já decidiu o eg. TJMG:“APELAÇÃO CRIMINAL – DENÚNCIA NÃO FOI PRECEDIDA DE INQUÉRITO POLICIAL – DIS-PENSABILIDADE – ILEGITIMIDADE DA RÉ – NÃO RECONHECIDA – PRELIMINARES REJEI-TADAS – CRIME CONTRA AS RELAÇÕES DE CONSUMO – EXPOR À VENDA MERCADORIAS IMPRÓPRIAS AO CONSUMO – MATERIALIDADE E AUTORIA COMPROVADAS – ABSOL-VIÇÃO – INADMISSIBILIDADE – CONDENAÇÃO MANTIDA – MODALIDADE CULPOSA NÃO RECONHECIDA – DOLO ESPECÍFICO CARACTERIZADO – MAJORANTE DO ART. 12 DA LEI Nº 8.137/1990 – MANIFESTAMENTE PROCEDENTE – SURSIS – INAPLICABILIDADE – INTE-LIGÊNCIA DO ART. 77, INCISO III, DO CÓDIGO PENAL – RECURSO IMPROVIDO – O fato de a denúncia não estar fundamentada em inquérito policial, por si só, não tem o condão de caracte-rizar qualquer ofensa ao princípio do devido processo legal, nem mesmo de prejudicar a defesa dos apelantes. De acordo com os arts. 27 e 28 do Código de Processo Penal, nos crimes em que caiba ação pública, o Ministério Público poderá oferecer denúncia independentemente da instau-ração de inquérito policial, desde que detenha documentos satisfatórios e idôneos para instruir a ação penal. Se os réus são sócios proprietários do estabelecimento comercial, ambos exercem a administração, representação e a gerência dele. Logo, há de se reconhecer o concurso de agen-tes, pois ambos os réus agiram com o mesmo propósito ou mesmo um aderindo à conduta do outro. Os agentes tinham em depósito para a venda produtos impróprios para o consumo huma-no, consistentes em carne suína e leite bovino de procedência clandestina, não inspecionados e desprovidos de documentos sanitário e fiscal, objetivando o lucro indevido. Uma vez reconhecido o dolo específico na conduta dos réus, é inadmissível e até mesmo incompatível reconhecer o elemento subjetivo culpa. Entre os bens essenciais à vida e à saúde, incluem-se os alimentos em primeiro plano. Portanto, se a carne e o leite são gêneros alimentícios necessários ao consumo do homem médio, a causa de aumento prevista no art. 12, inciso III, da Lei nº 8.137/1990 é manifestamente procedente. O art. 77, III, do Código Penal estabelece que a suspensão da pena só será aplicada quando não for indicada ou cabível a substituição prevista no art. 44, do mesmo diploma legal.” (Apelação Criminal nº 1.0043.04.001560-4/001, Rel. Des. Fernando Starling, 1ª C.Crim., Julgamento em 30.09.2008, publicação da súmula em 14.10.2008)Neste sentido é a jurisprudência do STJ:“AGRAVO REGIMENTAL – AGRAVO DE INSTRUMENTO – DIREITO PENAL – LEI Nº 8.137/1990 – CRIMES CONTRA A RELAÇÃO DE CONSUMO – MERCADORIA IMPRÓPRIA PARA CONSUMO – EXAME PERICIAL – NECESSIDADE – ACÓRDÃO A QUO EM CONSONÂNCIA COM A JURIS-PRUDÊNCIA DESTE TRIBUNAL – INCIDÊNCIA DA SÚMULA Nº 83/STJ – 1. Cinge-se a contro-vérsia à necessidade, ou não, de realização de perícia cujo laudo ateste condições impróprias ao consumo para configuração do crime previsto no art. 7º, IX, da Lei nº 8.137/1990. 2. Julgados das Turmas que compõem a 3ª Seção deste Superior Tribunal entendem que, para a tipificação da conduta prevista no art. 7º, IX, da Lei nº 8.137/1990, faz-se imprescindível a realização de perícia a fim de atestar se as mercadorias apreendidas estavam em condições impróprias para o consumo. 3. A configuração do delito tipificado no art. 7º, IX, da Lei nº 8.137/1990 está con-dicionada a dois aspectos: a) existência de perícia e b) atestado acerca da impropriedade para o consumo. 4. A ausência de uma das condições aludidas – no caso, o laudo pericial afastou a impropriedade para o consumo – implica a inexistência de materialidade delitiva, consoante o acórdão de origem adequadamente concluiu. 5. A tese esposada pelo Tribunal a quo consolidou--se em reiterados julgados da 6ª e da 5ª Turmas deste Superior Tribunal – Súmula nº 83/STJ. 6. O agravo regimental não merece prosperar, porquanto as razões reunidas na insurgência são incapazes de infirmar o entendimento assentado na decisão agravada. 7. Agravo regimental improvido.” (AgRg no Agravo de Instrumento nº 1.418.565/RJ, (2011/0097972-0), Data da Publicação/Fonte DJe: 01.08.2013)“AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL – CRIME CONTRA AS RELA-ÇÕES DE CONSUMO – ART. 7º, IX, DA LEI Nº 8.137/1990 – MERCADORIAS SEM PRAZO DE VALIDADE EXPOSTO – TIPICIDADE – LAUDO PERICIAL – IMPRESCINDIBILIDADE – NECES-SIDADE DE DEMONSTRAÇÃO DA IMPROPRIEDADE AO CONSUMO – 1. O crime previsto no art. 7º, IX, da Lei nº 8.137/1990 possui como elementar do tipo ‘a impropriedade das mer-cadorias apreendidas ao consumo humano’. Logo, para fins de comprovação da elementar, é imprescindível a realização de prova pericial apta a comprovar que os produtos encontram-se impróprios ao consumo humano, não sendo, pois, suficiente para a caracterização da infração a mera exposição das mercadorias sem o prazo de validade exposto na embalagem. Prece-dentes. 2. Agravo regimental a que se nega provimento.” (AgRg-AREsp 333459/SC, Rel. Min.

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Marco Aurélio Bellizze, 5ª T., Data do Julgamento: 22.10.2013, Data da Publicação/Fonte DJe 04.11.2013)“HABEAS CORPUS – PROCESSUAL PENAL – CRIME CONTRA AS RELAÇÕES DE CONSUMO – ART. 7º, INCISO IX, DA LEI Nº 8.137/1990 – INDICIAMENTO FORMAL APÓS O RECE-BIMENTO DA DENÚNCIA – CONSTRANGIMENTO ILEGAL CONFIGURADO – MERCADORIA IMPRÓPRIA PARA CONSUMO – PERÍCIA – NECESSIDADE PARA CONSTATAÇÃO DA NOCIVI-DADE DO PRODUTO APREENDIDO – ORDEM CONCEDIDA – 1. É consolidada a jurisprudência desta Corte no sentido de que constitui constrangimento ilegal o indiciamento formal do acusado após recebida a inicial acusatória. 2. Para caracterizar o elemento objetivo do crime previsto no art. 7º, inciso IX, da Lei nº 8.137/1990, referente a mercadoria ‘em condições impróprias ao consumo’, faz-se indispensável a demonstração inequívoca da potencialidade lesiva ao consu-midor final. 3. No caso, evidenciam os autos, mormente a sentença condenatória e o acórdão que a confirmou, que não houve a realização de perícia para atestar a nocividade dos produtos apreendidos. 4. Ordem concedida para anular o indiciamento formal do paciente e trancar a ação penal.” (Habeas Corpus nº 132.257/SP, (2009/0055779-3), Min. Laurita Vaz, Data da Publicação/Fonte DJe 08.09.2011)“RECURSO ESPECIAL – PENAL E PROCESSUAL CRIMINAL – ABATEDOURO CLANDESTINO – ART. 7º, INCISO IX, DA LEI Nº 8.137/1990 E ART. 18, § 6º, INCISO II, DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR – NECESSIDADE DE LAUDO PERICIAL PARA A CONSTATAÇÃO DA IMPROPRIEDADE DA MERCADORIA – RECURSO IMPROVIDO – 1. Para a configuração do deli-to previsto no art. 7º, inciso IX, da Lei nº 8.137/1990, c/c art. 18, § 6º, inciso II, do Código de Defesa do Consumidor, necessária a comprovação, mediante perícia, de que a mercadoria esteja inadequada ao consumo, não bastando, in casu, a mera presunção de sua impropriedade pelo fato do abate dos bovinos ter sido realizado em abatedouro clandestino. Precedente do Pretório Excelso. 2. Recurso improvido.” (Recurso Especial nº 1.050.908/RS, 2008/0087615-2, Min. Jorge Mussi, Data da Publicação/Fonte DJe 03.08.2009)

2570 – Interrogatório – videoconferência – carta precatória – réus com domicílio distante do juízo da culpa – dificuldades financeiras – demonstração

“Penal e processual penal. Habeas corpus. Interrogatório mediante videoconferência ou carta preca-tória. Réus com domicílio distante do juízo da culpa. Dificuldades financeiras para o deslocamento. Excepcionalidade não demonstrada. Prejuízo à instrução criminal. Denegação da ordem. 1. O inter-rogatório do acusado é ato processual que deve ser realizado, em regra, presencialmente, perante o juízo onde a ação penal tem trâmite, sendo admissível, em situações excepcionais, devidamente justificadas, a sua realização através do sistema de videoconferência ou carta precatória. 2. Caso em que, nada obstante os pacientes residam em local distante do juízo da culpa, em outro Estado da Federação, a alegada hipossuficiência de recursos para o seu deslocamento não veio demons-trada com quaisquer elementos, restando enfraquecida a alegação diante da constatação, de um lado, de que a empresa titularizada pelos pacientes, no ramo de importação e exportação, tinha atuação, ao menos até fevereiro de 2009, no Município-Sede da Subseção Judiciária onde a perse-cução criminal está em processamento, sendo que foi nessa condição de empresários de comércio exterior que foram denunciados, e, de outro, que o capital social da pessoa jurídica, equivalente a R$ 6.500.000,00 (seis milhões e quinhentos mil reais), estava distribuído, à época dos fatos, à razão de metade das cotas para cada um. 3. Ademais, o pleito de realização do interrogatório junto ao domicílio dos pacientes veio formulado poucos dias antes da data aprazada pela autoridade dita coatora, embora as defesas já tivessem ciência, há muito tempo, de todo o encadeamento de atos processuais determinado pelo Magistrado, sendo incabível o remanejo da audiência sem que disso resultasse prejuízo à instrução criminal, em se tratando de feito com tramitação processual com-plexa, a qual vem se arrastando há mais de três anos, ausente qualquer inércia do aparato estatal. 4. Ordem denegada.” (TRF 4ª R. – HC 0006086-81.2013.404.0000/SC – 8ª T. – Rel. Des. Fed. Victor Luiz dos Santos Laus – DJe 14.01.2014)

Remissão Editorial SÍNTESEVide, DPU nº 39 Maio-Jun./2011 – Ementa nº 1477 do STF.

2571 – Violência doméstica – lesão corporal – palavra da vítima – absolvição – impossibilidade

“Penal. Violência doméstica. Lesão corporal. Palavra da vítima. Amparo nas demais provas. Ab-solvição. Impossibilidade. Erro na execução. Concurso formal de crimes. I – A palavra da vítima merece especial valor, ainda mais quando corroborada pelo laudo de corpo de delito e demais ele-

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mentos probatórios. II – Quando o agente, por erro na execução, atinge uma terceira pessoa, além daquela que visava, responde pelos crimes em concurso formal. III – Recurso improvido.” (TJDFT – Pen 20130310116139 – (747605) – Relª Desª Sandra de Santis – DJe 14.01.2014)

Trabalhista/Previdenciário

2572 – Ação regressiva – dano causado pelo ex-empregado a terceiros – ressarcimento de valores – cabimento

“Ação regressiva. Ressarcimento de valores. Dano causado pelo ex-empregado a terceiros. O res-sarcimento de valores em ação regressiva movida pelo empregador exige a comprovação de que o dano ocorreu durante a vigência do contrato de trabalho e que decorreu de ato doloso ou cul-poso do ex-empregado. Nesta última hipótese, é preciso ainda demonstrar que havia a prévia pac-tuação da obrigação de ressarcir prevista no § 1º do art. 462 da CLT.” (TRT 12ª R. – RO 0001946-39.2012.5.12.0030 – 3ª C. – Rel. Amarildo Carlos de Lima – DJe 11.10.2013)

Comentário Editorial SÍNTESECuida o acórdão em destaque do cabimento da ação regressiva para ressarcimento de valores por danos causados pelo ex-empregado.

A Constituição Federal de 1988, em seu art. 7º, XXII, atribui ao empregador a responsabilidade pela redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segu-rança.

Entretanto, a previsão contida no Texto Constitucional não é a que encontramos na realidade. O número de acidentes do trabalho devido a não observação das normas de segurança, saúde e higiene por parte do empregador, é cada vez mais significativo.

A consequência é um número maior de trabalhadores com licença-médica devido ao acidente de trabalho sofrido, onerando, com isso, os cofres da Previdência Social com o pagamento do benefício acidentário.

Assim, diante do preceito contido no art. 120 da Lei nº 8.213/1991, “nos casos de negligência quanto às normas padrão de segurança e higiene do trabalho indicadas para a proteção indivi-dual e coletiva, a Previdência Social proporá ação regressiva contra os responsáveis”.

Oportuno, assim, destacar a lição do Procurador Federal Dr. Miguel Horvath Júnior:

A ação regressiva tem natureza indenizatória, visando reparar o dano causado pelo empregador ou por terceiro. A ação é de direito comum. Lembrando-nos que a Justiça comum abrange tanto a Justiça Federal, quanto as Justiças Ordinárias dos Estados. O direito de regresso do INSS é direito próprio, independentemente do trabalhador ter ajuizado ação de indenização contra o empregador causador do acidente de trabalho. Não sendo possível compensar a verba recebida na ação acidentária com a devida na ação civil, pois as verbas têm naturezas distintas. As inde-nizações são autônomas e cumuláveis.

A responsabilidade civil que fundamenta a ação regressiva surge em virtude do não cumprimento (omissivo ou comissivo) das normas de prevenção, caracterizando o ato ilícito (aquele praticado em desacordo com a norma jurídica destinada a proteger interesses alheios; é o que viola o direito subjetivo individual causando prejuízo a outrem, criando o dever de reparar tal lesão). O ato ilícito caracteriza-se por ação ou omissão voluntária.

A responsabilidade no caso é subjetiva, ou seja, para sua caracterização é necessária a com-provação da culpa ou dolo do empregador. A responsabilidade civil subjetiva tem como seu fato gerador o ilícito. O ilícito pode ser definido como conduta omissiva ou comissiva que se afastou do conceito de bonus pater familias, gerando a obrigação da reparação.

O dever de ressarcir os danos gerados pela prática de atos ilícitos decorre da culpa em sentido amplo e estrito. A culpa, em sentido amplo, deve ser entendida como violação de um dever jurídico, imputável a alguém, em decorrência de fato intencional ou de omissão de diligência ou de cautela complementar e incluiu o dolo (intenção de causar a violação do dever jurídico). Já a culpa em sentido estrito compreende a imperícia, impudência e a negligência.

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A proteção contra acidentes de trabalho, ao ser transferida para a sociedade, transformou-se em seguro social. Cabe ao INSS propor ação regressiva, reconhecendo que a autarquia previdenciá-ria, enquanto órgão da Administração Pública indireta, age sempre visando o bem da coletivida-de, não podendo utilizar-se do princípio da disponibilidade do patrimônio público.

A Constituição Federal elenca como um dos fundamentos da ordem social (art. 193) da ordem econômica (art. 170, caput) e da própria República (art. 1º, incisos III e IV): o direito ao tra-balho.

De fundamental importância as ponderações feitas pelo Professor Wagner Balera no artigo “O Valor Social do Trabalho” (Revista LTr 58, n. 10, p. 1167, out. 1994):

“[...] Deveras, só se pode cogitar de uma sociedade livre quando mediante políticas sociais e econômicas, as forças vivas do País, perseguem, a todo custo o ideal do pleno emprego. [...] O trabalho, sobre ser um valor social fundamental na República (art. 1º, IV) possui uma categoria superior aos demais valores que a Ordem Social salvaguarda (art. 193). Essa primazia não sig-nifica outra coisa, em nosso entender, que aquela mesma idéia tão bem expressa pelo magistério social cristão e ainda agora reafirmada pelo Romano Pontífice. De feito, na Carta Encíclica Labo-rem Exercens, o Papa João Paulo II sublinha: ‘o trabalho humano é uma chave, provavelmente a chave essencial de toda a questão social normal’”.

O art. 145 da Constituição Federal prescreve ainda que a todos é assegurado o trabalho que pos-sibilite existência digna e finaliza afirmando que o trabalho é uma obrigação social, consistindo em um direito individual e em um dever para com a sociedade.

Um mesmo fato pode gerar várias relações jurídicas. Assim a ocorrência de um acidente de trabalho pode gerar mais de uma ação, a saber: ação requerendo a concessão do benefício aci-dentário ao INSS; ação indenizatória contra o empregador, se o acidente foi causado por culpa ou dolo do empregador; ação regressiva do INSS contra o empregador que descumpriu as normas de segurança e higiene do trabalho, além da responsabilidade penal.

O art. 7º, inciso XXVIII, da Constituição Federal, reza que o empregador é obrigado a indenizar o empregado caso o acidente seja provocado por culpa ou dolo.

A Lei nº 8.213/1991, nos arts. 120 e 121, sobre o tema prescreve:

“Art. 120. Nos casos de negligência quanto às normas padrão de segurança e higiene do traba-lho indicado para a proteção individual e coletiva, a Previdência Social proporá ação regressiva contra os responsáveis.

Art. 121. O pagamento, pela Previdência Social, das prestações por acidente do trabalho não exclui a responsabilidade civil da empresa ou de outrem”.

Ainda que não houvesse a previsão do art. 120, seria possível o ajuizamento da ação regressiva, tendo em vista as previsões dos arts. 159, 1.521, inciso III, c/c arts. 1.523 e 1.524 do Código Civil.

A Súmula nº 229 do STF leciona: “A indenização acidentária não exclui a do direito comum, em caso de dolo ou culpa grave do empregador”. (Ação regressiva em ação acidentária. Disponível em: online.sintese.com. Acesso em: 3 dez. 2013)

2573 – Acidente do trabalho – incapacidade e nexo causal – necessidade de nova perícia e de vistoria na empregadora – cabimento

“Acidente do trabalho. Incapacidade e o nexo de causalidade serem esclarecidos. Necessidade de nova perícia e de vistoria na empregadora. Converte-se o julgamento em diligência para realização de nova perícia e de vistoria na empregadora, quando o laudo médico não permite conclusão segura ao deslinde da ação.” (TJSP – Ap 0012063-94.2008.8.26.0481 – Presidente Epitácio – 17ª CDPúb. – Rel. Antonio Moliterno – DJe 12.12.2013 – p. 1225)

Remissão Editorial SÍNTESEVide, DPU 30 Nov.-Dez./2009 – Ementa nº 847 do TJSP.

2574 – Aposentadoria – acumulação de proventos – acumulação de dois benefícios de entes públicos diversos – possibilidade

“Recurso de revista. Acórdão nº 437/13-1ª Câmara. Aposentadoria. Negativa de registro. Servidor público municipal. Pretensão de acumulação de proventos de duas aposentadorias de entes públicos

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diversos, uma no âmbito estadual e outra no municipal. Possibilidade. Inteligência do art. 40, § 6º, da CF, com redação dada pela EC 20/1998. Conhecimento e provimento do recurso de revista.” (TCEPR – Proc. 214322/13 – (2848/13) – Rel. Cons. Nestor Baptista – DJe 31.07.2013 – p. 2)

2575 – Aposentadoria especial – agentes químicos e biológicos – conversão do período em tempo comum – benefício concedido

“Previdenciário. Aposentadoria especial. Atividade especial. Fator de conversão. Agentes químicos e biológicos. Habitualidade e permanência. Equipamentos de proteção individual. Marco inicial do benefício. 1. O reconhecimento da especialidade e o enquadramento da atividade exercida sob con-dições nocivas são disciplinados pela lei em vigor à época em que efetivamente exercidos; diferente-mente, o fator de conversão do tempo de serviço especial em comum rege-se pela lei vigente na data do implemento dos requisitos legais para a concessão do benefício, como já decidido pelo Superior Tribunal de Justiça ao julgar o Recurso Especial Repetitivo nº 1151363, da Relatoria do Ministro Jorge Mussi. 2. Até 28.04.1995 é admissível o reconhecimento da especialidade por categoria profissional ou por sujeição a agentes nocivos, aceitando-se qualquer meio de prova (exceto para ruído e calor); a partir de 29.04.1995 não mais é possível o enquadramento por categoria profissional, devendo existir comprovação da sujeição a agentes nocivos por qualquer meio de prova até 05.03.1997 e, a partir de então, por meio de formulário embasado em laudo técnico, ou por meio de perícia técnica. 3. A exposição a agentes químicos e biológicos enseja o reconhecimento do tempo de serviço como espe-cial. 4. Para a caracterização da especialidade, não se reclama exposição às condições insalubres du-rante todos os momentos da prática laboral, sendo suficiente que o trabalhador, em cada dia de labor, esteja exposto a agentes nocivos em período razoável da jornada, salvo exceções (periculosidade, por exemplo). 5. A habitualidade e permanência hábeis aos fins visados pela norma – que é protetiva – devem ser analisadas à luz do serviço cometido ao trabalhador, cujo desempenho, não descontínuo ou eventual, exponha sua saúde à prejudicialidade das condições físicas, químicas, biológicas ou associadas que degradam o meio ambiente do trabalho. 6. Os equipamentos de proteção individual não são suficientes, por si só, para descaracterizar a especialidade da atividade desempenhada pelo segurado, devendo cada caso ser apreciado em suas particularidades. 7. O laudo pericial acostado aos autos, ainda que não contemporâneo ao exercício das atividades, é suficiente para a comprova-ção da especialidade da atividade. 8. Implementados mais de 25 anos de tempo de atividade sob con-dições nocivas e cumprida a carência mínima, é devida a concessão do benefício de aposentadoria especial, a contar da data do requerimento administrativo, nos termos do § 2º do art. 57 c/c art. 49, II, da Lei nº 8.213/1991. 9. Quanto ao marco inicial da inativação, os efeitos financeiros devem, em regra, retroagir à data de entrada do requerimento do benefício (ressalvada eventual prescrição quin-quenal), independentemente de, à época, ter havido requerimento específico nesse sentido ou de ter sido aportada documentação comprobatória suficiente ao reconhecimento da atividade especial, tendo em vista o caráter de direito social da previdência social, o dever constitucional, por parte da autarquia previdenciária, de tornar efetivas as prestações previdenciárias aos beneficiários, o disposto no art. 54, combinado com o art. 49, ambos da Lei nº 8.213/1991, e a obrigação do INSS de conceder aos segurados o melhor benefício a que têm direito, ainda que, para tanto, tenha que orientar, sugerir ou solicitar os documentos necessários.” (TRF 4ª R. – AC 0006979-82.2012.404.9999/RS – 6ª T. – Rel. Des. Fed. Celso Kipper – DJe 03.12.2013 – p. 552)

2576 – Arbitragem – direito do trabalho – compatibilidade

“Arbitragem. Lei nº 9.307/1996. Aplicável às relações individuais do trabalho. Validade da sen-tença arbitral quando inexistente vício de consentimento ou coação. As regras contidas na Lei nº 9.307/1996 são aplicáveis às relações individuais de trabalho e a sentença arbitral deve ser de-clarada válida nas demandas trabalhistas quando não demonstrado nenhum vício de consentimento, coação ou irregularidade capaz de torná-la nula.” (TRT 5ª R. – RO 0001477-33.2012.5.05.0015 – 3ª T. – Rel. Des. Humberto Jorge Lima Machado – DJe 30.10.2013)

Remissão Editorial SÍNTESEVide, DPU nº 36 – Nov.-Dez/.2010 – Ementa nº 1270 do TRT 3ª R.

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2577 – Dano moral – revista íntima – excesso do poder diretivo do empregador – indenização devida

“Revista íntima. Indenização por dano moral. Direito à intimidade. Excesso do poder diretivo do empregador. No caso, o Regional, remetendo à prova testemunhal, consignou que a situação dos autos se tratava de revista íntima diária, a qual se exigia do empregado que ficasse completamente despido em frente de outros colegas para verificação de furto de valores. Assim, a revista não se limitava à fiscalização do conteúdo de bolsas e mochilas, não era superficial ou meramente visual, ao contrário, era exigido do empregado que ficasse completamente despido de suas vestes. Há de se considerar, ainda, a frequência diária com que ocorria a citada revista íntima. Esta Corte tem entendido que o poder diretivo e fiscalizador do empregador permite a realização de revista em bolsas e pertences dos empregados, desde que procedida de forma impessoal, geral e sem contato físico ou exposição do funcionário à situação humilhante e vexatória. Na hipótese verten-te, entretanto, tem-se nítida a extrapolação do poder diretivo da empregadora, ao exigir revistas íntimas com exposição total do corpo do trabalhador. Inquestionáveis a ocorrência de ato ilícito praticado pela reclamada e a lesão a um bem tutelado pela ordem jurídica. A reclamada subverteu ilicitamente o direito à intimidade do reclamante, que é inviolável por força de preceito da Cons-tituição Federal (art. 5º, inciso X, da Constituição Federal). Precedentes. Com efeito, o Regional, ao reformar a sentença para absolver a reclamada da condenação de pagar indenização por danos morais, ao fundamento de que a revista íntima realizada no reclamante estaria autorizada pelo poder de fiscalização do empregador, decidiu em desacordo com o art. 5º, inciso X, da Constitui-ção da República. Desse modo, cabível o restabelecimento da sentença, no tocante à condenação da reclamada de pagar indenização por danos morais ao reclamante, no valor de R$ 50.000,00, em razão de desrespeito ao direito à intimidade. Recurso de revista conhecido e provido.” (TST – RR 323900-19.2009.5.16.0012 – Rel. Min. José Roberto Freire Pimenta – DJe 18.10.2013 – p. 1074)

Comentário Editorial SÍNTESEO Ministro Relator do acórdão em estudo configurou o dano moral sofrido pelo empregado que teve sua intimidade violada por revistas íntimas realizadas pelo empregador.O abuso do poder diretivo atribuído ao empregador tem respaldo constitucional no art. 5º, X, da CF/1988:

“Art. 5º

[...]

X – são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;

[...].”

Nesse sentido, o Mestre Mauricio Godinho Delgado explica o fenômeno:

“O fenômeno do poder é um dos mais relevantes e recorrentes na experiência histórico-social do homem. Em qualquer relação minimamente constante (e mesmo em inúmeros contatos apenas episódicos) entre duas ou mais pessoas ou entre grupos sociais mais amplos desponta como elemento central de estruturação e dinâmica dessa relação o fenômeno do poder. Seja na dimen-são estritamente interindividual, seja na dimensão que se estende cada vez mais ao universo societário, o poder surge como componente essencial da experiência humana.

No contexto empregatício, manifesta-se uma das dimensões mais importantes do fenômeno do poder no mundo contemporâneo. De fato, ao se saber que a relação de emprego constitui-se na relação de trabalho mais significativa do sistema produtivo ocidental inaugurado há pouco mais de duzentos anos, depreende-se a relevância que tem, para a própria compreensão da atual sociedade, o conhecimento acerca do fenômeno do poder empregatício. Na verdade, essa dimensão específica do poder sofre os efeitos da configuração global do fenômeno no conjunto da sociedade (o contexto democrático ou autoritário mais amplo da sociedade influi na estrutura e dinâmica do poder, internas ao estabelecimento e à empresa). Do mesmo modo, o tipo de configuração do poder empregatício também cumpre importante papel no avanço e solidificação do processo democrático (ou autoritário) no conjunto mais amplo da sociedade envolvida.

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Por todas essas razões, mesmo o operador jurídico preocupado em debruçar-se sobre os aspec-tos técnico-jurídicos dessa específica dimensão do poder não pode descurar-se de perceber-lhe as projeções e reflexos sociais, efeitos muitas vezes decisivos à própria compreensão de sua estrutura e dinâmica meramente jurídicas.

Poder empregatício é o conjunto de prerrogativas asseguradas pela ordem jurídica e tendencial-mente concentradas na figura do empregador, para exercício no contexto da relação de emprego. Ou o conjunto de prerrogativas com respeito à direção, regulamentação, fiscalização e disciplina-mento da economia interna à empresa e correspondente prestação de serviços.

[...]

Poder diretivo (ou poder organizativo ou, ainda, poder de comando) seria o conjunto de prer-rogativas tendencialmente concentradas no empregador dirigidas à organização da estrutura e espaço empresariais internos, inclusive o processo de trabalho adotado no estabelecimento e na empresa, com a especificação e orientação cotidianas no que tange à prestação de serviços.

Luíza Riva Sanseverino o define como o poder atribuído ao empregador ‘[...] de determinar as regras de caráter predominantemente técnico-organizativas que o trabalhador deve observar no cumprimento da obrigação’. Aduz a autora que mediante ‘o exercício do poder diretivo o empre-gador dá destinação correta às energias de trabalho [...] que o prestador é obrigado a colocar e a conservar a disposição da empresa da qual depende’ (5).

A concentração do poder de organização faz-se na figura do empregador. Isso se explica em face do controle jurídico que o empregador tem sobre o conjunto da estrutura empresarial, sob os diversos ângulos, e em face também do princípio de assunção dos riscos do empreendimento que sobre ele recai.

Entretanto, há ressalvas no tocante a essa concentração. É que a democratização da sociedade política ocidental e a própria democratização do sistema de poder prevalecente dentro da em-presa têm levado a um crescente contingenciamento desse poder organizativo e de comando no que diz respeito à relação de emprego. Embora essas conquistas democratizantes apenas timidamente tenham alcançado a experiência juspolítica brasileira, também não se pode negar que já começam a desembarcar no país. A recente Convenção nº 158/OIT, por exemplo, invia-bilizando a ruptura contratual desmotivada por ato do empregador, é uma enfática ilustração de como a ordem jurídica tem buscado restringir a concentração unilateral do poder organizativo na figura do empregador.

[...]

Poder regulamentar seria o conjunto de prerrogativas tendencialmente concentradas no empre-gador dirigidas à fixação de regras gerais a serem observadas no âmbito do estabelecimento e da empresa.

Embora haja importantes vozes doutrinárias que identificam nessa atividade regulamentadora interna uma dimensão específica do poder empregatício, preponderá a avaliação contrária.

[...]

Poder fiscalizatório (ou poder de controle) seria o conjunto de prerrogativas dirigidas a propiciar o acompanhamento contínuo da prestação de trabalho e a própria vigilância efetivada ao longo do espaço empresarial interno. Medidas como o controle de portaria, as revistas, o circuito in-terno de televisão, o controle de horário e freqüência, a prestação de contas (em certas funções e profissões) e outras providências correlatas é que seriam manifestação do poder de controle.

Não se pode negar que a idéia de poder fiscalizatório como um poder autônomo perante os de-mais empregatícios tem um certo mérito didático, já que permite reunir, para estudo, um grupo semelhante de medidas de acompanhamento empresarial interno. Contudo, não há como deixar de se perceber nesse poder fiscalizatório também nada mais do que uma simples manifestação do poder diretivo, em geral realizada como pressuposto do poder disciplinar. Riva Sanseverino assim estabelece a relação: ‘Se assim se manifesta a disciplina do poder diretivo, tal poder continua a realizar-se, transformando-se em poder de controle, pela vigilância sobre a efetiva e regular atuação, seja da organização do trabalho estabelecida, seja pelas funções confiadas a cada prestador individualmente’.

[...]

Poder disciplinar é o conjunto de prerrogativas concentradas no empregador dirigidas a propi-ciar a imposição de sanções aos empregados em face do descumprimento por esses de suas

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obrigações contratuais. Embora possa também ser considerado uma dimensão, extensão ou corolário do poder de direção (10), o poder disciplinar tem sido universalmente identificado em uma seara conceitual própria, em decorrência da existência de figuras jurídicas específicas ao exercício desse poder, como, ilustrativamente, as noções de ilícito trabalhista, sanção e proce-dimento punitivo.

Ocorre nesta instância do poder empregatício o mesmo processo já percebido nas demais ma-nifestações de tal poder. A democratização da sociedade política ocidental e a própria democra-tização do sistema de poder prevalecente dentro da empresa têm levado a um crescente con-tingenciamento do poder disciplinar no âmbito da relação de emprego. Desse modo, tal como o poder diretivo (e se se quiser, o regulamentar e o poder de controle), o poder disciplinar também tem sido objeto de crescente democratização, em especial nas experiências mais consistentes da democracia ocidental.” (O poder no contrato de trabalho – Diretivo, regulamentar, fiscalizatório, disciplinar. Disponível em: online.sintese.com. Acesso em: 3 dez. 2013)

2578 – Rurícola – “troca de eito” – integração do tempo à jornada laboral – remuneração – forma de apuração

“Rurícola. Troca de eito. Integração do tempo à jornada laboral. Forma de apuração para remune-ração por produção. A fração de tempo dispendida pelo entre o término do trabalho em um eito e o início em outro integra-se à jornada de trabalho, nos termos do art. 4º da CLT. Essa ‘troca de eito’ característica de certas modalidades de labor rural, relacionada ao sistema de trabalho e à atividade produtiva coordenada pelo empregador. Percebendo o trabalhador remuneração por produção, em tal interregno deixa de produzir e, por conseguinte, sofre prejuízo em seu salário. Assim, a remunera-ção dessa fração temporal deve ocorrer de acordo com a média da produção do obreiro.” (TRT 9ª R. – RO 471-55.2012.5.09.0669 – Rel. Célio Horst Waldraff – DJe 25.10.2013 – p. 317)

Transcrição Editorial SÍNTESEConsolidação das Leis do Trabalho:

“Art. 4º Considera-se como de serviço efetivo o período em que o empregado esteja à disposição do empregador, aguardando ou executando ordens, salvo disposição especial expressamente consignada.”

Tributário

2579 – Contribuição previdenciária – parcelas trabalhistas reconhecidas em juízo – fato gera-dor do tributo – encargos moratórios – incidência

“Contribuição previdenciária. Parcelas trabalhistas reconhecidas em juízo. Fato gerador do tribu-to. Incidência de encargos moratórios. A Medida Provisória nº 449, de 03.12.2008, posteriormente convertida na Lei nº 11.491/2009, incluiu o § 2º, no art. 43 da Lei nº 8.212/1991, estabelecendo que ‘considera-se ocorrido o fato gerador das contribuições sociais na data da prestação do serviço’. Contudo, para a incidência da norma em comento impera atentar se as parcelas remuneratórias con-templadas no título executivo judicial e base de cálculo para a contribuição previdenciária referem-se à prestação de serviço ocorrida já na vigência da medida provisória, já que a nova redação do artigo acima somente produz efeitos sobre os fatos ocorridos noventa dias após a publicação da MP 449 (4 de dezembro de 2008), ou seja, a partir de 05.03.2009, na forma do art. 195, § 6º, da CR/1988. No tocante aos valores anteriores a 5 de março de 2009, deverá ser observado, como fato gerador, o pagamento dos créditos trabalhistas, com incidência de juros de mora e multa apenas a partir do dia dois do mês seguinte ao da liquidação de sentença.” (TRT 3ª R. – AP 1073/2005-005-03-00.7 – Rel. Juiz Conv. Eduardo Aurelio P. Ferri – DJe 27.11.2013 – p. 58)

2580 – Desembaraço aduaneiro – veículo – “veículo novo” – importação – critério de defi-nição

“1. A legislação brasileira não se opõe à importação de veículos automotores novos, desde que efetuada dentro das normas pertinentes. 2. Comprovada a condição de ‘veículo novo’ por perícia

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efetuada no juízo de origem, deve-se proceder ao desembaraço aduaneiro do bem importado, nos termos da sentença recorrida. 3. Vencida a União, a verba honorária é fixada consoante apreciação equitativa do juiz (CPC, art. 20, § 4º), não se aplicando os percentuais de 10 a 20% do § 3º desse artigo. É excessiva a verba de 20% sobre o valor da causa. 4. Apelação da União/ré parcialmente provida.” (TRF 1ª R. – AC 0020796-12.2012.4.01.3400 – 8ª T.Supl. – Relª Juiz Fed. Conv. Novély Vilanova – DJe 20.09.2013)

2581 – ICMS – e-commerce – consumidor final não contribuinte – limitação ao aproveitamen-to de créditos – alíquota interestadual – aplicação – impossibilidade

“Mandado de segurança. E-commerce. Decreto Estadual nº 13.162/2011 e Protocolo nº 21/2011. Inclusão do Estado de Mato Grosso do Sul. Carência de ação. Preliminar afastada. Mérito. Operações interestaduais. ICMS. Consumidor final não contribuinte do imposto. Incidência da alíquota interes-tadual. Decreto (MS) nº 13.162/2011 e Protocolo ICMS nº 21/2011. Incidência do ICMS. Ofensa à economia pública. Efeito multiplicador. Mercadorias apreendidas. Contribuinte inadimplente com o Fisco. Retenção da mercadoria. Apenas para lavratura do auto de infração. Crédito futuro. Salvo conduto. Inocorrência. Depósito do valor integral do débito. Suspensão da exigibilidade do crédito tributário. Limites da decisão. Créditos vincendos decorrentes da exigência prescrita pelo Decreto Estadual nº 13.162/2011. Segurança parcialmente concedida. Considerando-se que o Estado de Mato Grosso do Sul sofrerá diretamente os efeitos da tutela jurisdicional pleiteada, defere-se sua inclusão na presente lide como litisconsorte passivo. Não se trata no caso em tela de utilização de manda-do de segurança contra Lei em tese, mas sim de seu manejo contra ato direto do poder executivo, que fundamentado em Decreto estadual vem impondo a impetrante o recolhimento da diferença de ICMS, referente a mercadorias negociadas via Internet, showroom e telemarketing, sob pena de retenção. Consequentemente, também não merece prosperar a alegação de que o writ estaria sendo utilizado para efeito normativo futuro, uma vez que, como já dito, trata-se de ato concreto imposto sobre mercadorias já transacionadas e remetidas a este estado, e não sobre futuras vendas. O Decreto (MS) nº 13.162/2011 é o resultado do consenso mantido pela maioria dos estados da federação, que culminou na formalização do Protocolo ICMS nº 21, de 01.04.2011, no Rio de Janeiro/RJ, abrangen-do Acre, Alagoas, Amapá, Bahia, Ceará, Espírito Santo, Goiás, Maranhão, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Pará, Paraíba, Pernambuco, Piauí, Rio Grande do Norte, Roraima, Rondônia e Sergipe e o Distrito Federal, em decorrência da fuga de parte da receita tributária decorrente da aquisição ocor-rida na forma não presencial no estabelecimento remetente (Internet, telemarketing ou showroom). A deliberação do conselho do Confaz foi possível em razão do disposto no inciso III do art. 30 do Convênio ICMS nº 133/1997 (regimento do Conselho Nacional de Política Fazendária Confaz), que prevê decisões do conselho, por maioria dos representantes presentes, nas demais deliberações. A ar-recadação do ICMS com fulcro no Decreto Estadual nº 13.162/2011 não inova o ordenamento jurídi-co, pois está conformidade com o disposto no art. 155, VII, a, da Constituição Federal de 1988 e arts. 4º, 11 e 13 da Lei Complementar nº 87/1996. Admite-se a apreensão momentânea das mercadorias, somente pelo tempo necessário para lavratura do auto, cujo documento comprova a materialidade da infração fiscal cometida pelo contribuinte. Nos termo do art. 151, inciso II, do Código Tributário Nacional, o depósito dos créditos tributários vincendos do ICMS, decorrentes da exigência prescrita pelo Decreto Estadual nº 13.162/2011, deve ser deferido a impetrante, valores estes que deverão ser levantados pela Fazenda Pública estadual, quando do reconhecimento da legalidade da cobrança. Segurança parcialmente concedida.” (TJMS – MS 1600104-12.2012.8.12.0000 – Campo Grande – 4ª S.Cív. – Rel. Des. Vladimir Abreu da Silva – DJMS 30.09.2013)

Comentário Editorial SÍNTESEConforme amplamente veiculado pela mídia, diversos Estados da Federação passaram a incor-porar mecanismos às suas respectivas legislações tributárias que, em linhas gerais, permitam a cobrança de ICMS quando da entrada em seus territórios de mercadorias procedentes de outras unidades da Federação, vendidas a consumidor final por intermédio de sites na Internet (e-commerce).A justificativa principal apresentada pelas Secretarias de Fazenda responsáveis pela efetivação de tais medidas é a perda de potencial arrecadação do principal imposto estadual, tendo em vista que, atualmente, o ICMS é recolhido integralmente aos Estados de origem das mercadorias (em geral, São Paulo e Rio de Janeiro) quando a venda é realizada a consumidores finais.

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No âmbito do Confaz, os Estados de Acre, Alagoas, Amapá, Bahia, Ceará, Espírito Santo, Goiás, Maranhão, Mato Grosso, Pará, Paraíba, Pernambuco, Piauí, Rio Grande do Norte, Roraima, Rondônia e Sergipe e o Distrito Federal firmaram, em 1º de abril de 2011, o Protocolo ICMS nº 21/2011, que autoriza os Estados signatários do acordo a cobrar em seus territórios ICMS correspondente a aproximadamente 10%, nas operações iniciadas no Sul e Sudeste, e 5%, nas operações iniciadas no Norte, Nordeste e Centro-Oeste.Vejamos trecho do referido protocolo:“Cláusula primeira. Acordam as unidades federadas signatárias deste protocolo a exigir, nos ter-mos nele previstos, a favor da unidade federada de destino da mercadoria ou bem, a parcela do Imposto sobre Operações Relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestações de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação – ICMS – devida na operação interestadual em que o consumidor final adquire mercadoria ou bem de forma não presencial por meio de Internet, telemarketing ou showroom.Parágrafo único. A exigência do imposto pela unidade federada destinatária da mercadoria ou bem, aplica-se, inclusive, nas operações procedentes de unidades da Federação não signatárias deste protocolo.Cláusula segunda. Nas operações interestaduais entre as unidades federadas signatárias deste protocolo o estabelecimento remetente, na condição de substituto tributário, será responsável pela retenção e recolhimento do ICMS, em favor da unidade federada de destino, relativo à parcela de que trata a cláusula primeira.Cláusula terceira. A parcela do imposto devido à unidade federada destinatária será obtida pela aplicação da sua alíquota interna, sobre o valor da respectiva operação, deduzindo-se o valor equivalente aos seguintes percentuais aplicados sobre a base de cálculo utilizada para cobrança do imposto devido na origem:I – 7% (sete por cento) para as mercadorias ou bens oriundos das Regiões Sul e Sudeste, exceto do Estado do Espírito Santo;II – 12% (doze por cento) para as mercadorias ou bens procedentes das Regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste e do Estado do Espírito Santo.Parágrafo único. O ICMS devido à unidade federada de origem da mercadoria ou bem, relativo à obrigação própria do remetente, é calculado com a utilização da alíquota interestadual.”A despeito das evidentes diferenças regionais que motivaram os Estados originalmente signatá-rios do referido protocolo, bem como os Estados do Mato Grosso do Sul e Tocantins, que a ele aderiram posteriormente, a efetivar tal medida, a jurisprudência parece caminhar em sentido de negar legitimidade ao diploma.Nesse sentido, confira-se:“AGRAVO REGIMENTAL EM MANDADO DE SEGURANÇA – CONCESSÃO DA LIMINAR – CO-MÉRCIO ELETRÔNICO – VENDA DE MERCADORIA PELA INTERNET, TELEMARKETING OU SHOWROOM – COBRANÇA, PELO ESTADO DE MATO GROSSO DO SUL, DE DIFERENCIAL DE ALÍQUOTA DE ICMS NAS OPERAÇÕES EM QUE A MERCADORIA É DESTINADA A CON-SUMIDOR FINAL, AQUI RESIDENTE – APREENSÃO DE MERCADORIAS – PROTOCOLO Nº 21/2011 DO CONFAZ E DECRETO ESTADUAL Nº 13.162/2011 – PRESENTES REQUISI-TOS AUTORIZADORES DA CONCESSÃO DA LIMINAR – ART. 7º, III, DA LEI Nº 12.016/2009 – DECISÃO MANTIDA – RECURSO IMPROVIDO.” (MS 28727, 2011.028727-3/0002.00, Rel. Des. Divoncir Schreiner Maran, Julgamento em 29.02.2012, Publicado em 07.03.2012)“AGRAVO INTERNO – AGRAVO DE INSTRUMENTO DESPROVIDO MONOCRATICAMENTE – PROTOCOLO CONFAZ Nº 21/2011 – HIPÓTESE DE INCIDÊNCIA DE ICMS – AUSÊNCIA DE LEI EM SENTIDO FORMAL – POTENCIALIDADE DE BITRIBUTAÇÃO – ESTADO DE ORIGEM DA MERCADORIA – COMPETÊNCIA TRIBUTÁRIA – SUBVERSÃO – IMPOSSIBILIDADE – ADIN 4565 – RECURSO IMPROVIDO – 1. A linear jurisprudência deste eg. Tribunal de Justiça, com o conforto da orientação que dimana do Supremo Tribunal Federal, tem proclamado que (i) o Pro-tocolo Confaz nº 21/2011 viola o disposto nos arts. 155, inciso II, 2º, inciso VII, b, da CF/1988 e nos arts. 11, inciso I, e 3º da Lei Complementar nº 87/1996; (ii) em que pese as inovações tecnológicas existentes e até mesmo eventuais discussões acerca da injustiça do sistema arre-cadatório vigente no País, a Constituição Federal, no inciso I do art. 150, impõe que é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça, ao passo que o referido protocolo, que não é lei em sentido formal, disciplinou

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hipótese de incidência de ICMS sobre as operações interestaduais que destinem mercadorias ou bens ao consumidor final, cuja aquisição ocorrer de forma não presencial no estabelecimento remetente – denominado comércio eletrônico (Internet, telemarketing ou showroom); logo (iii) permitir a aplicação do protocolo em questão significaria consentir com a bitributação sem-pre que entes federados diversos exigirem de um mesmo contribuinte tributos iguais, sem au-torização constitucional. 2. Bem de ver, ainda, que o Plenário do Supremo Tribunal Federal, quando do enfrentamento da medida cautelar na ADIn 4565, suspendeu a eficácia de legislação estadual que havia subvertido o critério constitucional de partilha da competência tributária afeta ao estado de origem das mercadorias. Entendeu, no particular, que o deslocamento da sujeição ativa para o estado de destino dependeria de alteração do próprio Texto Constitucional (rectius: mediante reforma tributária), assim descabendo ao legislador ordinário – e a fortiori a atos normativos desprovidos do status de lei formal – confrontar uma opção política legíti-ma eleita pelo legislador constituinte. Recurso improvido. Acorda a eg. 3ª Câmara Cível, em conformidade da ata e notas taquigráficas da sessão, que integram este julgado, à unanimida-de, conhecer e negar provimento ao recurso. Vitória/ES, 13 de março 2012. Desembargador Presidente, Desembargadora Relatora.” (TJES, Agravo Interno [arts. 557/527, II, do CPC] no Agravo de Instrumento nº 24119015444, 3ª T., Relª Eliana Junqueira Munhos Ferreira, Data de Julgamento: 13.03.2012, Data da Publicação: 26.03.2012, Agvte.: Estado do Espírito Santo, Agvda.: Renner S/A)

2582 – Imunidade – IPTU – sociedade de economia mista – imunidade recíproca – aplicabili-dade

“Agravo regimental no recurso extraordinário. Tributário. Imposto predial e territorial urbano. IPTU. Sociedade de economia mista concessionária de serviço público. Imunidade recíproca: aplicabilida-de. Precedentes. Agravo regimental ao qual se nega provimento.” (STF – AgRg-RE 756.856 – Minas Gerais – 2ª T. – Relª Min. Cármen Lúcia – J. 03.12.2013)

2583 – ITCMD – base de cálculo – exegese

“Apelação. ITCMD. Base de cálculo. Pretensão de ver inexigível o recolhimento do ITCMD sobre o valor venal de referência adotado pela Fazenda Estadual, devendo incidir sobre a base de cálculo do valor venal adotado para o ITR lançado no exercício. Procedência pronunciada em primeiro grau. Decisório que merece subsistir. Base de cálculo do imposto em referência que é o valor venal do bem na época da abertura da sucessão. Inteligência do art. 38 do Código Tributário Nacional e § 1º do art. 9º da Lei Estadual nº 10.705/2000. Base de cálculo do valor venal do ITR lançado no exercício. Sentença mantida. Reexame necessário desacolhido.” (TJSP – APL 0001509-95.2010.8.26.0072 – Ac. 7151344 – Bebedouro – 8ª CDPúb. – Rel. Des. Rubens Rihl – J. 06.11.2013 – DJESP 13.11.2013)

2584 – Obrigações acessórias – classificação incorreta de mercadoria – boa-fé – comprovação – multa – não cabimento – compensação – limites

“Tributário. Despacho aduaneiro, classificação equivocada de mercadoria. Boa-fé do contribuinte. Multa indevida. Compensação com tributos federais. Impossibilidade. 1. Nos casos de multa em de-corrência de classificação equivocada de mercadoria por ocasião do despacho aduaneiro, a jurispru-dência tem reiteradamente mitigado a regra prevista no art. 136 do CTN, sempre que o contribuinte recolher o tributo devido em sua integralidade, demonstrando a sua boa-fé e intenção de atender ao quanto disposto na legislação tributária. 2. No caso em análise, a apelada não se furtou em nenhum momento em pagar o tributo devido, vez que o quitou na forma pretendida pelo Fisco e acatou a re-classificação realizada, após o fornecimento de todas as informações concernentes à mercadoria que pretendia ingressar no território nacional, razão pela qual está caracterizada sua boa-fé. 3. Por outro lado, entendo ser impossível a compensação do valor pago a título de multa com tributos federais de qualquer espécie, tendo em vista que se tratam de institutos com natureza distinta, razão pela qual acolhe-se o pedido sucessivo de restituição do indébito. 4. Apelação e remessa oficial parcialmente providas.” (TRF 1ª R. – AC 199838000391766 – 5ª T.Supl. – Rel. Juiz Fed. Conv. Wilson Alves de Souza – DJe 23.08.2013)

2585 – Taxa – fundo especial de dragagem – instituição – ilegalidade

“Ação declaratória de inexigibilidade de débito fundo especial de dragagem. Resolução DP nº 74.200/2000. Norma coercitiva e obrigatória, sem contraprestação, instituída por resolução de

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sociedade de economia mista. Descabimento. Ofensa ao princípio da legalidade. Natureza de tributo (espécie taxa). Necessidade de lei. Sentença de procedência da ação mantida. Precedentes deste eg. Tribunal de Justiça. Recurso adesivo. Inversão do ônus sucumbencial. Sentença de procedência. Condenação do autor na sucumbência. Embargos de declaração opostos acolhidos para sanar o erro material e determinar a condenação da ré. Perda do objeto recursal. Recurso adesivo da autora não conhecido. Recurso de apelação da requerida não provido.” (TJSP – Ap-ReexNec 0033142-61.2000.8.26.0562 – 5ª CDPúbl. – Rel. Des. Leonel Costa – DJe 23.09.2013)

Comentário Editorial SÍNTESETrata-se da instituição de Fundo Emergencial de Dragagem pela Codesp a incidir obrigatoriamen-te sobre todas as cargas embarcadas ou desembarcadas no porto organizado, independentemen-te de existência de contrato anterior.Deixando de lado a questão processual em que os embargos de declaração da autora, Usiminas, antiga Cosipa, foram suficientes para reverter a condenação nos honorários de sucumbência, le-vando à perda de objeto de seu recurso adesivo, merece atenção o direito material. Fundamental para entender o debate em tela é o art. 4º do CTN, in verbis: “Art. 4º A natureza jurídica específica do tributo é determinada pelo fato gerador da respectiva obrigação, sendo irrelevantes para qualificá-la:I – a denominação e demais características formais adotadas pela lei;II – a destinação legal do produto da sua arrecadação.”Embora o Código Tributário Nacional refira-se a esse ponto e quase sempre a tributos, o ar-tigo citado presta-se também para sanar impasses e pontos nebulosos do direito financeiro e tributário. No caso em tela, a inteligência do artigo é suficiente para demonstrar que o menos importante em uma entrada ou ingresso (financeiros) é o nome que se lhe dá, sendo o julgado, nesse ponto, bastante ilustrativo: o “Fundo Emergencial de Dragagem” foi instituído contra todos que embarcam ou desembarcam no porto organizado de Santos, embora a Codesp queira lhe nomear como preço público ou tarifa.Vejamos que há interseções com o direito portuário no que este conferiu ao Conselho de Autori-dade Portuária competência e autonomia na estipulação das tarifas portuárias que são cobradas, sempre na medida das contraprestações do porto organizado, seja a infraestrutura portuária em si, seja a infraestrutura aquaviária que inclui as facilidades como canal de acesso com profun-didade compatível, águas protegidas com a construção e manutenção de quebra-mares e outras proteções, sinalização, balizamento, etc.Vê-se, então, que, no caso em tela, não há, como corretamente afirma o Relator da apelação/reexame necessário, contraprestação específica alguma. Amolda-se, pois, o ingresso à espécie taxa, do gênero dos tributos, tendo clara natureza de exercício de jus imperium, já que cobrado contra todos os que usam o porto. E quando atentamos para o fato de o nome inventado para essa entrada estar ligado à dragagem, pode-se, inclusive, começar a pensar até na possível existência de uma dupla cobrança, já que a tarifa de infraestrutura aquaviária é o preço público já pago pelo uso dessas facilidades anteriormente descritas.E como taxa não pode prosperar, já que descumpriu as regras tributárias mais elementares, como bem observado pelo Relator do caso, podendo-se citar, para caracterizar de vez a sua ile-galidade, o próprio princípio da legalidade, pelo qual teria que ser instituída por lei e nunca por mera resolução, como foi o caso. O princípio da anterioridade também restou atingido, já que foi criada e cobrada dentro do mesmo exercício.Por último, o argumento da sucumbente de que os usuários poderiam demandar a outros portos causa preocupação, já que é de se perguntar como o maior porto da América Latina pode achar que é dispensável e que todos os usuários, ao não concordarem com a cobrança, poderiam reinventar seus esquemas logísticos de uma hora para outra, quase que instantaneamente?Desse modo, se vê que está sim presente o outro requisito da taxa, que é o da essencialidade. E podemos, assim, entender concretização do princípio da manutenção da segurança jurídica com um óbice à ideia da “prescindibilidade” do uso de um determinado porto.Como se pode conceber todos os atores envolvidos nos processos operacionais, portuários, de importação, transporte, exportação, etc. mudando repentinamente e repetidamente de um porto a outro? Isso seria desconsiderar inclusive a existência de cargas que se tornam cativas de arrendatários instalados dentro do porto organizado que fizeram pesados investimentos para as receberem com contratos de longa duração.

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Seção Especial – Doutrina Estrangeira

La Transparencia en la Administración Pública del Ecuador. Las Compras Públicas Electrónicas el “Cubo de Cristal” de la Accountability y Buen Gobierno

ANDRES MARTINEZ MOSCOSODoctor (c) Estudios Políticos y Constitucionales, Universidad de Alicante, España, Máster Universitario Oficial en Protección Internacional de los Derechos Humanos, Universidad de Alcalá de Henares, España, Máster en Liderazgo Político y Dirección Pública de Instituciones Políticos‑Administrativas, Universidad de Alicante, España, Especialista en Derecho Constitucional y Abogado de los Tribunales de Justicia de la República, Universidad del Azuay, Ecuador, Investigador del Observatorio Lucentino de Administración y Políticas Públicas Comparadas, Doctorando Área de Ciencia Política y de la Administración de la Universidad de Alicante Universidad de Alicante, Profesor e Investigador, Universidad del Azuay. Profesor y Asesor, Universidad de Cuenca.

Submissão: 23.08.2013Decisão Editorial: 19.09.2013

RESUMEN: El presente estudio realiza una aproximación desde la Ciencia Política y de la Administración, y el Derecho; a una de las herramientas más emblemáticas de la Administración Electrónica Ecuatoriana: el Portal de Compras Públicas, para lo cual demuestra el grado de importancia que tiene la transparencia y rendición de cuentas, como instrumento de lucha contra la corrupción y como variable de medición del nivel de gobernanza.

Para lograr lo antedicho, se compara esta herramienta electrónica de la contratación pública, con un cubo de cristal puesto a disposición de la ciudadanía, a fin de elevar la percepción de confianza, participación, transparencia y fiscalización. Además se establecen los retos a los cuales la Administración Electrónica Ecuatoriana se debe someter, así como el reforzamiento al que se deben someter los servidores públicos en materia de ética profesional a fin de cerrar el círculo virtuoso.

ABSTRACT: The paper makes an approximation since the Politic Science and Public Administration, and Law to one of the most emblematic tools of the Ecuadorian E‑Government: E‑Procurement Web Site, and show which is the level of importance that the transparency and the accountability represent like an instrument to combat the corruption problem and how this variable its use to weight the level of governance.

For find a solution for the problem descript, the study compare the E‑Procurement tool with a cube made of crystal which shows the citizens the reality at its interior, the paper considerate that this phenomenon increase the level of trust, participation and citizen control of the State. The paper traces the new objectives and challenges for Ecuadorian E‑Government and the role of the government employees with ethic behavior in order to close the virtuous circle.

PALABRAS CLAVES: Transparencia; Accountability; Contratación Pública; Administración Electrónica; Derecho Público.

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KEY WORDS: Transparency; Accountability; E‑Procurement; E‑Government; Public law.

SUMARIO: Introducción. I – La Constitución del Buen Vivir: Antecedentes y cambios en Ecuador; 1.1 La Ley Orgánica de Transparencia y Acceso a la Información; 1.2 La Ley Orgánica del Sistema Nacional de Contratación Pública; 1.2.1 El Sistema de Contratación Pública; II – La importancia de la Administración Electrónica; III – La Gobernabilidad y los Estados; 3.1 Las variables para su medición; 3.1.1 La Percepción de Corrupción; 3.1.2 La Rendición de Cuentas; IV – ¿Qué hacer para mejorar? 4.1 Las instituciones privadas; 4.2 El plano internacional; V – La Ética Pública y la Gestión Pública; VI – La Transparencia y la Participación Ciudadana; VII – Reflexiones finales y recomendaciones a futuro; Bibliografía básica consultada.

INTRODUCCIÓNEl objetivo general del presente estudio, es demostrar cómo una política

pública como las compras públicas electrónicas, pueden ayudar a mejorar la transparencia, y disminuir la percepción de corrupción, con la consecuente mejora de los índices de gobernabilidad.

El principio de transparencia aplicado a la democracia, tiene como objetivo principal generar en los ciudadanos la capacidad de controlar y fiscalizar desde sus hogares, así como permite al gestor público hacer efectivos el principio de publicidad con respecto a sus actuaciones y lograr la plena “accountability” o rendición de cuentas.

A mayor transparencia, mayor percepción de seguridad jurídica y en consecuencia disminución de percepción de corrupción, principal variable que se tiene en cuenta a la hora de medir el grado de gobernabilidad de un Estado.

En su célebre obra “El proceso”, su autor Franz Kafka, realiza un recorrido con su personaje “Josef. K” por las injusticias que muchas veces ofrece la Administración Pública y la verticalidad del Poder, frente a la cual el ciudadano común, no tiene opción de defenderse e incluso es tan complicado el proceso que termina sintiéndose en indefensión. Todo lo cual podría ser tomado conforme lo sugieren las narraciones “kafkianas”, como el ciudadano frente a una gran puerta burocrática que no puede flanquear. En este contexto, el Estado Ecuatoriano a través de la aplicación de un política pública integral, la Administración Electrónica, con herramientas como el Portal de Compras Públicas, quiere eliminar esa lejanía que ha tenido siempre el ciudadano así como busca generar mayor eficacia, eficiencia y seguridad en los procesos, convirtiendo así al sistema en el ejemplo fiel del “cubo de cristal de la Administración Pública”, entendida ésta como la posibilidad que tienen los ciudadanos, concursantes y proveedores, que a través de una plataforma web abierta se vea todo el proceso, sin trabas, procesos ocultos, simulando la administración un cubo de cristal que desde cualquiera de sus caras representan grandes ventanales que permiten la aplicación efectiva de los principios de transparencia, participación y fiscalización.

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Además en este estudio se reflexionará sobre la Gobernabilidad en los Estados y concentrará su estudio en la variable de percepción de corrupción y rendición de cuentas, donde se muestran los riesgos, estadísticas, para así ver cómo el Ecuador puede mejorar esta situación a través de la Administración Electrónica, y a través de la rendición de cuentas, la transparencia y la participación ciudadana. Finalizará el estudio con unas recomendaciones de futuro, sobre el estado actual del tema objeto de estudio.

I – LA CONSTITUCIÓN DEL BUEN VIVIR: ANTECEDENTES Y CAMBIOS EN ECUADORLa apuesta que la Constitución del Ecuador (2008) plantea es la

construcción de un Estado Constitucional de Derechos y Justicia, cuya plena aplicación permita el desarrollo de un régimen del Buen Vivir que de manera integral mejore la calidad de vida de las ecuatorianas y ecuatorianos. Y para ello es necesario contar con una Administración Pública1 que la define como un servicio a la colectividad, misma que se encuentra atada a principios básicos que garantizan que cumpla su función, en los cuales la eficacia, la eficiencia, la calidad, la jerarquía, desconcentración, descentralización, coordinación, participación, planificación, transparencia y evaluación, son los puntales donde se asienta un nuevo concepto de Administración, que aspira a superar los retos de la gestión pública del siglo XXI y que permitan el goce pleno del régimen del buen vivir.

Por su parte, en la materia de estudio la máxima norma del Estado señala que a diferencia de lo que ocurría en el pasado, las compras públicas deben estar sujetas al cumplimiento de cinco criterios: eficiencia, transparencia, calidad, responsabilidad ambiental y social.

De esta manera el Art. 100 en su numeral cuarto señala de manera expresa que en todos los niveles de gobierno la participación será un eje central de gestión, y sobre todo esta debe ser tenida en cuenta a fin de fortalecer la democracia, para lo cual se aplicará constantemente mecanismos de transparencia, rendición de cuentas y control social.

Muestra de ello es que en el texto constitucional del 2008, como respuesta a la propuesta de apropiación de lo público a favor de los ciudadanos, así como dotarles de todas las herramientas para que participen y realicen un efectiva fiscalización del poder público, se crea la Función de Transparencia

1 El concepto de Administración pública está estrecha e indisolublemente ligado al Derecho administrativo, ya que es precisamente éste el que surge como necesidad para regularla, tanto en lo que concierne a sus peculiares estructuras internas, así como por lo que se refiere a su comportamiento ad extra. (Vizueta, 2003, p. 118). Por otro lado siguiendo a García de Enterría, para el Derecho Administrativo la Administración es una persona jurídica, de esta manera señala que “… es el único factor que permanece siempre, que no cambia como cambian los órganos y las funciones, y por él se hace posible el Derecho Administrativo. Todas las relaciones jurídico-administrativas se explican en tanto la Administración Pública, en cuanto persona, es un sujeto de Derecho que emana declaraciones de voluntad, celebra un contratos, es titular de un patrimonio, es responsable, es justiciable, etc”. (García de Enterría, E, en Vizueta, 2003, p. 122).

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y Control Social, conocida como quinto poder y que se encuentra integrada por el Consejo de Participación Ciudadana y Control Social, la Defensoría del Pueblo, la Contraloría General del Estado y las superintendencias.

1.1 lA ley orgánIcA de trAnspArencIA y Acceso A lA InforMAcIón

El contexto histórico de aprobación de esta normativa se da a inicios del presente siglo, el 18 de mayo de 2004, y se fundamentaba en las disposiciones constitucionales de la Carta de 1998, así como en el Pacto Internacional de Derechos Civiles y Políticos, y en la Convención Americana de Derechos Humanos.

A diferencia de lo que ocurre en otras legislaciones, donde el acceso a la información pública2 se la hace sobre un catálogo cerrado de documentos sobre todo concernientes al ciudadano, en el caso ecuatoriano sucede lo contrario, pues toda información que posea el Estado es pública y de libre acceso, estableciéndose tan sólo excepciones respecto de la información reservada3, la cual suele justificarse por razones de interés público general o estatal. Documentación que deberá ser entregada al solicitante en el plazo de 10 días, prorrogables 5 más por causas justificadas.

A criterio de Mendel, (2009, p. 79) el objetivo de la ley ecuatoriana es no sólo garantizar el acceso a la información, sino que además ajustar la legislación a los parámetros exigidos en el plano internacional en materia de transparencia y rendición de cuentas, así como dotar de los recursos necesarios para que la ciudadanía ejerza un control social más efectivo que permita la supervisión en la toma de decisiones.

De esta manera antedicha los ciudadanos a través de la verdadera veeduría y control social, están atentos de las acciones u omisiones por parte de la Administración Pública, pero sobre todo refuerzan la democracia ecuatoriana y en consecuente al Estado de Derecho, pues a mayor libertad de información, mayor será el conocimiento y la posibilidad de realizar una adecuada

2 “En muchos países, uno de los mayores obstáculos para acceder a la información es el mal estado que se llevan en los registros. Los funcionarios a menudo no saben qué información tienen o, incluso si pueden hacerla saber, pues no pueden encontrar los registros que están buscando. Una buena gestión de los documentos oficiales no es sólo fundamental para la aplicación efectiva del derecho a la información y gestión de la información, sino que constituye una de las principales funciones del gobierno moderno y hacerlo bien es crucial para la efectiva la entrega de todos los objetivos de servicio público.” Trad. de (Mendel, 2009, p. 38).

3 Art. 17. LOATIP “….No procede el derecho a acceder a la información pública, exclusivamente en los siguientes casos: a) Los documentos calificados de manera motivada como reservados por el Consejo de Seguridad Nacional, por razones de defensa nacional… 1) Los planes y órdenes de defensa nacional, militar, movilización, de operaciones especiales y de bases e instalaciones militares ante posibles amenazas contra el Estado; 2) Información en el ámbito de la inteligencia, específicamente los planes, operaciones e informes de inteligencia y contra inteligencia militar, siempre que existiera conmoción nacional; 3) La información sobre la ubicación del material bélico cuando ésta no entrañe peligro para la población; y, 4) Los fondos de uso reservado exclusivamente destinados para fines de la defensa nacional; y, b) Las informaciones expresamente establecidas como reservadas en leyes vigentes”.

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participación ciudadana en los procesos de planificación, construcción y toma de decisiones estatales, regionales, provinciales, cantonales o parroquiales.

Marco Navas (2004) considera “…importante regular el ejercicio del derecho de acceso a la información pública de manera que brinde mayores oportunidades a las personas, a los grupos y a las comunidades, para obtener información necesaria que permita construir activamente la democracia en un espacio público”.

De esta forma uno de los aciertos que tuvo la L.O.A.T.I.P. y que sin duda fue innovadora para el momento, pero que en la actualidad se ha convertido ya en un imperativo de obligatorio cumplimiento en todas las instituciones del Estado es proporcionar a la ciudadanía en su Portal Web correspondiente, la Información pública respecto a la gestión administrativa que en la mayor parte de organizaciones se encuentra bajo el icono “Ley de Transparencia”4. Dentro de lo cual encontramos cinco grandes apartados de conformidad al Art. 7 del mencionado cuerpo legal: información organizacional, información sobre actividades y servicios, información económica y financiera, información legal, y otra información. Lo cual es verificado de manera anual por parte de la Defensoría del Pueblo, institución a la que se debe entregar no sólo la información sobre el cumplimiento de la L.O.A.T.I.P., sino también el detalle de las solicitudes de acceso y su trámite, así como el listado semestral de la posible información considerada como reservada. Lo cual en caso de incumplimiento por parte del servidor público, éste puede ser sancionado una vez finalizado el correspondiente trámite, que puede acarrear desde multas, suspensión en funciones, hasta la destitución del cargo.

Contar con información oportuna, transparente y veraz, contribuye sin duda significativamente a luchar en contra de la percepción de corrupción que viven los países.

1.2 lA ley orgánIcA del sIsteMA nAcIonAl de contrAtAcIón públIcA

Conocida es la doctrina que al hablar sobre los principios de la Contratación Pública, señala que éstos son: concurrencia, igualdad entre oferentes, publicidad y transparencia, a lo que José Roberto Dromi (1998) agrega la equidad y la eficiencia.

En este contexto la Ley Orgánica del Sistema Nacional de Contratación Pública, publicada el 22 de julio de 2008, dentro de la transición que vivió el país durante el proceso constituyente, la cual viene a articular los ya existentes

4 Por ejemplo en Gran Bretaña, ha tenido mucho éxito la rendición de cuentas que desarrolla David Cameron, a través de su Web Institucional, denominada “10 downing street”, que hace referencia al número de la residencia del primer ministro, donde consta toda la información, cifra por cifra de dónde se van los impuestos de los contribuyentes, incluso con las facturas de agua, luz, teléfono o internet de las instituciones. Disponible en la Red: https://www.gov.uk/government/organisations/prime-ministers-office-10-downing-street último acceso 17/06/2013.

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procesos de contratación y adquisición de bienes y servicios, pero que pone su mayor énfasis en la planificación, organización, ahorro de recursos, y transparencia a la hora de ejecutarlos a través de un sistema ágil y sobre todo que aprovecha de manera satisfactoria las herramientas desarrolladas por las TIC; cuyo ámbito de actuación engloba a todos los organismos y dependencias del Estado y que se lo desarrolla en los ocho numerales del artículo primero del mencionado cuerpo legal.

Es claro que los objetivos del Sistema Nacional de Contratación Pública además de garantizar tanto la calidad del gasto público, así como su correcta ejecución, llena un vacío que sufría la normativa ecuatoriana al dejar de lado la discrecionalidad en la adjudicación de contratos y regirlo en un sistema público, de libre acceso tanto a los usuarios así como a los ciudadanos de manera personal directamente en el portal, o por medio de veedurías creadas para el efecto; del mismo modo propicia la participación de las pequeñas y medianas empresas, PYMES, siendo desde ese punto ya innovador respecto a convertir al sistema en un dinamizador de la economía.

Además con la creación del Registro Único de Proveedores, RUP, dentro del sistema, para inscribir a las personas naturales o jurídicas nacionales o extranjeras, se cumple con el principio de publicidad y libre acceso a la información, pues de esta manera se elimina las posibles discrecionalidades por parte de las Administraciones Públicas de solicitar más documentos de los necesarios, así como contar con registros paralelos o con oferentes preferidos.

Se define así las normas comunes a todos los procesos de contratación pública, tanto para adquisición de bienes5 y prestación de servicios, al igual que la contratación de consultoría y procesos dinámicos como compras por catálogo, subasta inversa, licitación, cotización y menor cuantía, situaciones especiales y por supuesto aquellas contrataciones que se enmarquen en situaciones de emergencia, mismas que bien es cierto se sale del esquema, también exige cierta rigurosidad y cumplimiento de un procedimiento, pues debe estar debidamente fundamentadas y argumentadas, pues de igual manera se encuentran expuestas al proceso de fiscalización posterior.

1.2.1 El Sistema de Contratación Pública

A partir de la creación del Portal de Compras Públicas, el cual es admi-nistrado por el Instituto Nacional de Contratación Pública, INCOP, los ciuda-danos, los proveedores y las Administraciones Públicas, pueden con tan solo

5 A criterio de (Rose, Ackerman, 2001) “Los bienes de consumo son los principales candidatos de los sobornos, porque puede ser difícil a posteriori descubrir se entregaron realmente o no. En Malawi, por ejemplo, los autores descubrieron que en el Servicio de Publicaciones del Gobierno se habían “comprado” artículos de papelería inexistentes por varios millones de dólares”.

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un clic6 tener a su disposición tanto el catálogo electrónico de instituciones y contratistas, así como un informe detallado y estadísticas sobre los procesos de contratación, su estado y fechas importantes, pero también permite de manera pública, transparente y veraz conocer de primera fuente las instituciones que han incumplido con el Estado, lo cual cumple un doble propósito: primero, conocer a aquellos proveedores que no han honrado sus compromisos con el Estado para evitar su contratación; y segundo, que los proveedores sientan una presión indirecta para no constar en dicho listado7 y por ende quedar inhabili-tado, con lo cual la respuesta y satisfacción de la entrega de bienes y servicios es mayor.

La disposición general quinta de la ley, se refiere a las Seguridades Informáticas que se emplearán durante todo el proceso, para lo cual se entiende que el Portal de Compras Públicas durante todo el momento utilizará métodos actualizados y confiables para garantizar en todo momento la veracidad y exactitud de los procesos; sin embargo, la percepción en el usuario ecuatoriano es distinta, propia muchas veces de su idiosincrasia y sobre todo de su desconfianza respecto de la tecnología al haber estado “divorciado” mucho tiempo de estos recursos. Por lo que hace falta que se trabaje en demostrar al ciudadano cuales son las herramientas que ofrece el sistema, las seguridades así como la imposibilidad existente que desde la propia Administración se puedan manipular los procesos, y que por ejemplo en los sorteos públicos al tratarse de un sistema basado en algoritmos mal se puede direccionar o beneficiar a un determinado proveedor.

II – LA IMPORTANCIA DE LA ADMINISTRACIÓN ELECTRÓNICAUna de las respuestas frente a la globalización es el correcto entendimiento

y aprovechamiento de la Internet, pues no importa la ideología que defiendan todos los individuos interactúan a través de dicha plataforma (Eigen, 2004, p. 104), siendo sin duda su aporte más significativo la transparencia que ofrece, pues un servidor puede almacenar todo tipo de información en todos los formatos pero sobre todo ponerlo a disposición de los ciudadanos, sin importar donde se encuentra con tan solo contar con una conexión.

En este contexto, la e-democracia es necesaria no solo para mejorar los procesos democráticos sino también como manera de utilizar las TIC en beneficio en la correcta prestación de los servicios públicos. “… se refiere

6 Dentro de la materia, una de las buenas prácticas constituye el denominado Sistema OPEN “Mejora de Procedimiento en Línea”, desarrollado por la municipalidad de Seúl, Corea del Sur, en 1999, en el cual “Goh Kun, ex alcalde, director de TI de Corea y primer ministro del país, llega especialmente lejos en cuanto a la implementación de un Estado transparente; los ciudadano pueden seguir en todo el país el curso de aquellas transacciones administrativas de sus intereses”. (Eigen, 2004, p. 104).

7 De esta manera se unificó en un sólo listado, las múltiples bases de datos que tenían las Instituciones, y en particular la de Registro de Contratistas Incumplidos y Adjudicatarios Fallidos, administrado por la Contraloría General del Estado.

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a la aplicación de las TIC en la búsqueda mejoras en la satisfacción de las necesidades democráticas de los ciudadanos” (Belmonte, 2007, p. 3). La misma autora considera que es fundamental entender al e-goverment como aquel uso de las TIC en las Administraciones Públicas con el fin de mejorar la prestación en los servicios, misma que debe comprenderse en 3 apartados:

a) e-democracia.– aplicación de TIC para reforzar la democracia (voto electrónico).

b) e-administración.– uso de las TIC para mejorar los servicios públicos. Mejor y más barato. (back office) gestión más eficiente.

c) e-gobernanza.– nueva forma de gobernar con la ayuda de las redes.

Situación que en el presente estudio se concentra en los literal b) y c); y de esta manera hace falta comprender que nos encontramos en un momento en el cual la aplicación de las TIC en los procesos político-administrativos debe pasar de lo meramente tecnocéntrico, y pasar a mejorar real y objetivamente la democracia, a través de:

a) Los servicios públicos.– a través de la internet se pueden ofrecer mejores servicios. Las ventajas de las TIC es que ya no existen barreras y los servicios pueden ser 24 horas, 365 días al año, lo cual facilita la accesibilidad de los usuarios ciudadanos.

b) La participación ciudadana.– entendida como la forma que tienen los ciudadanos de interactuar en la política. Va más allá del tema meramente electoral. Las TIC sirven para crear nuevos espacios para democracia representativa y participativa. No se puede llegar automáticamente a una sociedad política sin representantes, se deben dar mayores elementos de control del elector sobre el mandatario.

Por su parte García Martín (2010), dentro de la Administración Electrónica señala que se pueden distinguir al menos tres aspectos que son necesarios tener en cuenta:

a) A manera de instrumento.– esto es como una herramienta que contribuye a la ejecución del trabajo dentro de una administración, ya sea en el antes, durante o después (planificación, ejecución o evaluación).

b) De manera transversal en los procesos.– dando un valor agregado en los mismos y tiñéndolos de modernidad, versatilidad y calidad.

c) Como una política pública independiente8 que es desarrollada dentro de una Administración Pública; y que tiene como misión

8 “…la suma de actividades de los gobiernos, bien por medio de una actuación directa, bien por medio de agentes, en la medida en que tenga una influencia sobre la vida de los ciudadanos”. (Peters, 1986, p.6) en Canales, José Manuel. (2002).

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principal establecer una línea de actuación que ponga en pleno relieve las ventajas y se convierte en un fin, no solo en una ayuda y/o herramienta.

Sin embargo, no hace falta que la Administración alcance sólo la informatización de sus procesos y la difusión de sus servicios por la Red, sino que del otro lado (usuario-ciudadano) también se encuentre preparado para responder con la tecnología apropiada (tener al menos un ordenador o en la actualidad un Smartphone) y sobre todo que se encuentre en capacidad de utilizarlo (pues los actuales destinatarios de las Administraciones Públicas no son precisamente nativos digitales), si al menos estos dos presupuestos no se cumplen el proceso se quebrará debido a la conocida “brecha digital”.

III – LA GOBERNABILIDAD Y LOS ESTADOSTal como lo señala, Manuel Alcántara Sáez (1994), la gobernabilidad

llega asociada a la estabilidad democrática y la paz social, en consecuencia evita la crisis de la democracia y consecuente del Estado. Pese a ello alrededor del mundo no todos los países tienen Estados de Derecho, al contrario existen problemas que ocasionan que el propio Estado entre en “Crisis”, pues no cumple a cabalidad con todas sus funciones y competencias que le dicta la Constitución por ejemplo, o su grado de corrupción o violencia es tan elevado que el gobierno no puede hacer nada al respecto y éste ha quedado en manos de terroristas, narcotraficantes o grupos subversivos (Estados fallidos9).

La gobernabilidad permite entender cómo y qué elementos se deben tener en cuenta a la hora de presentar un gobierno diferente, preparado para las nuevas circunstancias en el cual se permita la participación de las personas, el intercambio de ideas y no la imposición, para lo cual sabrá establecer nuevos canales de diálogo y tomar de manera conjunta las decisiones junto con los ciudadanos. Para construir el concepto de gobernabilidad, es necesario acudir a la definición de la Real Académica Española de la Lengua, la cual señala que gobierno es la “acción y efecto de gobernar o gobernarse”, pero también se lo entiende como el órgano, es decir “conjunto de los ministros de un Estado”, y por su parte define a la gobernabilidad como “cualidad de gobernable”.

Siendo objetivo primordial de todo gobierno democrático alcanzar el desarrollo, para ello cada Estado define sus propios parámetros de cómo entenderlo, cómo desarrollarlo, así como las maneras para alcanzarlo. En el caso ecuatoriano el régimen de desarrollo que se busca es el buen vivir o sumak kawsay.

Continuando con el concepto de gobernabilidad, es necesario tomar las palabras del profesor José Manuel Canales Aliende, quién al referirse al

9 Un claro ejemplo es la situación actual que atraviesa Somalia.

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tema hace una recapitulación histórica y no se refiere solamente a que en los informes del Banco Mundial se empezó a utilizar la palabra gobernabilidad, sino que cuando se inicia a hablar sobre el futuro del gobierno en los setenta, autores como Michel Croizer, Huntngton y Watanuki ya se refieren al tema, de la misma manera que lo hacen en Estado Unidos en los noventa en el conocido informe del entonces vicepresidente AL GORE denominado: “Crear un gobierno que trabaje mejor y cueste menos”, en el cual afrontaba el dilema de cómo gobernar a través de un sistema que en el plano político ofrezca más, demandando menos de los contribuyentes.

No se debe olvidar que el término gobernabilidad a la final es una traducción del término inglés “governance”:

“Rules, processes and behavior that affect the way on which powers are exercised at European level, particularly as regards openness, participation, accountability and coherence”10.

“Government; exercise of authority; direction; control; management, either of a public officer, or of a private guardian or tutor”11.

Razón por la cual autores como Josep Vallés consideran que en lugar de la traducción literal, que sería gobernancia, se debería utilizar el término gobernación entendida como una prueba o test para valorar el rendimiento de un sistema político, y de gran tradición en España y en América Latina.

Los organismos multilaterales como el Banco Mundial realizan una diferenciación entre lo que llaman “buena” y “mala” gobernabilidad, entendida la primera como: “… personificada por intermedio de un proceso de toma de decisiones predecible y abierto y una democracia imbuida de un ethos profesional actuando en fomento del interés público, el estado de derecho, el proceso de transparencia, y el fortalecimiento de la participación de la sociedad civil en los temas públicos”.

Mientras que la “mala gobernabilidad” o “bad governance” es aquella que se caracteriza “por un proceso de toma de decisiones arbitrario, una burocracia muy grande, sistemas legales injustos, Poder Ejecutivo que ejerce un poder abusivo, una sociedad civil apática de la vida pública e importantes prácticas corruptas” (Banco Mundial: 2000)12.

3.1 lAs vArIAbles pArA su MedIcIón

Las variables o indicadores han jugado un rol protagónico a la hora de diagnosticar en cada una de las sociedades el cumplimiento o no de unos

10 Este concepto hace relación al ámbito geográfico de la UNIÓN EUROPEA, UE.11 Webster’s 1828 American Dictionary.12 Disponible en http://idbdocs.iadb.org/wsdocs/getdocument.aspx?docnum=1004084 último acceso 13.04.2013.

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mínimos que permitan ejercer el gobierno con legitimidad y en consecuencia den la certeza y garantía para el correcto desarrollo tanto social como económico en determinado Estado.

En el ámbito de la gobernabilidad, uno de los estudios más serios que existe sobre la materia es el que ofrece el Banco Mundial, por más de 15 años y que establece 6 indicadores principales para medir la gobernabilidad en los Estados.

Los indicadores de Gobernabilidad desarrollados por el Instituto del Banco Mundial, abarcan 212 países13 y territorios y se basan en 35 fuentes de datos diferentes para captar información estadística de los países, y las opiniones de las decenas de miles de personas de todo el mundo que participan en encuestas de percepción, así como de miles de especialistas pertenecientes a organizaciones no gubernamentales y a los sectores público y privado. Estos indicadores recopilan información sobre las capacidades de los Estados para administrar los recursos públicos y generar políticas de forma eficiente y transparente que respondan a las demandas sociales. (FPDG, 2011, p. 3)

Los seis indicadores14 que permitirán que un Estado goce de una calificación sobresaliente o por el contrario deficiente, son: Percepción de Corrupción, Estado de Derecho, Efectividad de Gobierno, Rendición de Cuentas, Estabilidad Política, y Calidad de Regulación.

Para los fines del presente estudio, tan sólo se tomarán los indicadores de percepción de corrupción y de rendición de cuentas.

3.1.1 La Percepción de Corrupción

Una de las principales variedades del abuso del poder15 es precisamente la corrupción, la cual según cifras de Transparencia Internacional mueve alrededor del mundo un aproximado de cinco billones de dólares, lo que representa por ejemplo un producto interno bruto, PIB, similar al de un país medio europeo como España. (García, 2008, p.21). Y es precisamente en los peores escenarios, donde los índices de corrupción se encuentran más altos, pues la Administración se deja de despachar en las oficinas y pasa a ser realizada en los pasillos de las influencias junto al testaferrismo, donde la corrupción acompaña al Poder como la sombra al cuerpo (Nieto, 2012, p. 192-193).

13 Son 193 Estados miembros de ONU. Palestina y Vaticano (observadores). Y el resto corresponden a otros territorios dependientes, islas, etc.

14 Se ha criticado este tipo de indicadores pues consideran que se realiza una evaluación de corte subjetiva al Estado, sin embargo, es importante destacar que se usan un sin número de fuentes para la evaluación de cada indicador justamente para evitar que el análisis se base en información tergiversada, con lo cual con una muestra que repite una tendencia determinada ya no es posible equivocarse y evaluar injustamente a un país.

15 “… consiste en el uso de las instituciones públicas para reforzar el poder partidista y dificultar la labor de la oposición, tanto de la oposición de otros partidos como la de la sociedad civil… suele haber una voluntaria quiebra o manipulación de las reglas procedimentales de la democracia para beneficio partidista, pero puede hacerse plenamente dentro de la ley”. (Villoria, 2006, p. 256-257).

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Según el concepto que presenta el Banco Mundial (2011), para definir como variable de gobernabilidad, la “Percepción de corrupción.– es la existencia de pagos adicionales para obtener contratos, licencias y permisos, controles de precios y a la producción, requerimientos de especial atención por parte de las instituciones encargadas de brindar seguridad y justicia”. (Banco Mundial, 2011)

Entendido en la manera cómo la Administración Pública y sus órganos usan su posición o cargos16 para generar incremento de ganancias privadas valiéndose del poder; así como la presión o dependencia existente del gobierno con respecto a intereses privados.

El avance y desarrollo de la corrupción17 hace o que sus actores conforme avanzan en la ejecución de sus fechorías perfeccionen sus tácticas para no dejar rastro alguno del ilícito, ocasionando en las Administraciones serios perjuicios que se traducen en: desvío de recursos; ineficiencia en el funcionamiento de las organizaciones; incumplimiento del plan de gobierno, clientelismo político; insatisfacción de las necesidades de la población; y la consecuente pérdida de confianza en las instituciones y en el gobierno. (Diego, 2010).

Es por ello que existen razones por las cuales es importante preocuparse por la corrupción al interior de un Estado, y que a criterio de (Villoria, 2006) las define como razones políticas, económicas, institucionales, de gestión y sociales, que se desarrollan a continuación:

A las primeras atribuye no solo la mercantilización del gobierno por parte del sector empresarial con su desmedida influencia, sino que además lo califica como el cambio de la política ideológica a una de “confianza” y la consecuente mediatización de esta, entendido como tal el alto coste de las campañas políticas, mismas que son financiadas por el sector privado a cambio de “favores” durante la gestión.

Por su parte, las razones económicas vienen explicadas por la creciente globalización y por ende la abierta tentación por parte de empresarios de los países desarrollados para sobornar a aquellos Estados en vías de desarrollo a fin de generar mayores rendimientos en los proyectos que emprendan, lo cual encontraría una explicación en los “índices de corrupción” realizados por al ONG, Transparencia Internacional.

16 El inicio de la corrupción se da el momento en el que el Poder (entregado por los ciudadanos a un tercero, mandatario) es traicionado al no utilizarse para cumplir con su objetivo de satisfacer las necesidades públicas y se deriva para obtener un beneficio particular. (Nieto, 2012, p. 192). Lo cual termina en lo que se conoce como “desgobierno de lo público”.

17 A nivel regional para saber que sucedía en el primer lustro de este siglo “Un estudio del Banco Mundial aparecido en 2002 revela que en el 50% de los contratos estatales en Colombia se pagan sobornos. Otro estudio del Banco Mundial estima los costes de la corrupción en este país en 2600 millones de dólares anuales, lo que representa un 60% de la deuda del país”. (Eigen, 2004, p. 279-280); sin embargo, a la fecha Colombia gracias a las medidas acertadas para luchar en contra de la Corrupción se encuentra en el puesto 78 según Transparencia Internacional.

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Según fuentes de Peter Eigen, en su obra redes de la corrupción (2004) “…los cinco países en los que sus empresas son más propicias al soborno son, por orden: Rusia, China, Taiwán, Corea del Sur e Italia. Pero los cinco países en los que los gobiernos realizan más prácticas ilegítimas son: Estados Unidos, Francia, Gran Bretaña, Japón y China”. (Villoría, 2006, p. 79-80). Con lo cual queda demostrado que no siempre el pertenecer a aquellos países en vías de desarrollo es sinónimo de corrupción18, pues incluso las grandes potencias19 en busca de beneficios económicos sacrifican en múltiples ocasiones sus principios.

En tercero punto, las razones institucionales, pues las instituciones20 tienen de por sí un valor intrínseco, es decir que son portadoras de valores, y tienen un lado extrínseco pues reducen la incertidumbre y permiten la calidad en las Políticas. Es por ello que cuando estas no existen (dictadura) o se encuentran seriamente lesionadas la posibilidad para que la corrupción se desarrolle es mucho más alta. Por ello para generar mayor institucionalidad al interior del Estado implementar la meritocracia contribuye para contar con talento humano capaz y preparado para prestar el servicio público al ciudadano.

La cuarta razón se centra en la gestión, y pone como principal exponente a los procesos de privatización y externalización de servicios que supuso la aplicación de los presupuestos neoliberales de la Nueva Gestión Pública, que si bien es cierto, conforme lo explica (Olías de Lima, 2001), estas ayudarían a generar especialización, elevarían la competencia, así como sistemas de evaluación constante, dejaría la puerta abierta para que so pretexto de diligencia y rapidez se prescindan de controles previos y el Estado a través de sus instituciones pierdan cada vez sus competencias y vías de fiscalización; es por ello que el caso estudiado del portal de Compras Públicas, éste genera seguridad, previsión y hace efectivo el control del Estado evitando la arbitrariedad de los gestores públicos o políticos en la administración de la cosa pública.

Por último, la razón social viene a explicar como la corrupción cada vez importa más en la vida de las personas, ocupando por ejemplo en el Latinobarómetro el cuarto lugar en la preocupación de la sociedad. Sin embargo, es necesario que dicha preocupación de los ciudadanos se canalice a través de

18 Incluso se llegó a pensar que en ocasiones la corrupción era buena para los países en vías de desarrollo, pues generarían una especie de desregulación no oficial, así como completarían los bajos salarios de los funcionarios. Propuestas que no calaron de manera profunda, así como fueron desestimadas por múltiples informes que confirmaron las consecuencias negativas, siendo así que desde 1995 en adelante con investigaciones del Instituto del Banco Mundial.

19 “En Alemania, los sobornos se pagaron aparentemente para obtener contratos por un valor de 2.500 millones de marcos para construir la Terminal 2 en el aeropuerto de Frankfurt. Según el fiscal, la corrupción condujo a un aumento de precios que oscilaron entre el 20 y 30%”. (Rose-Ackerman, 2001, p.38).

20 “… se deduce que las instituciones importan y, en particular, aquellas que son coherentes con el desarrollo de los mercados, proporcionando un marco de seguridad y estabilidad a las inversiones y el tráfico económico”. (Villoria, 2006, p. 88).

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dotarles de medios suficientes para que estos vuelven a creer en la clase política y en la Administración.

En este sentido el cubo de cristal que representa el sistema de contratación pública no solo que genera transparencia al mostrar el proceso de compras públicas durante todas sus fases, sino que además a través de las TIC ofrece el canal idóneo para que la sociedad acceda, se informe, cuestione, denuncie e incluso actúe a través de veedurías ciudadanas.

Por lo que la tarea para combatir la corrupción no es sencilla ni tiene que basarse en un proceso de “moralización”, sino que es preciso entenderla a través de su naturaleza sus causas y efectos, a fin de luchar contra ella desde diferentes frentes.

A continuación se muestra el gráfico elaborado por Transparencia Internacional sobre la percepción de corrupción en el caso ecuatoriano.

21

Fuente: Transparencia Internacional (2012)

Frente a estos datos, Ecuador ha venido trabajando a través de la Secretaria Nacional de Transparencia de Gestión, en un elaborado y articulado “Plan Nacional de Transparencia y Lucha contra la Corrupción”22, el cual respecto de la materia estudiada puede a través de su primero, segundo y tercer objetivo, otorgar soluciones adecuadas y a mediano plazo para luchar frente a este fenómeno, pues se prevé “contar con una administración pública ética,

21 Transparencia Internacional (2012). El índice de percepción de corrupción mide a los países dentro de cómo se percibe este en su sector público. Para lo cual se lo elabora a partir de datos de expertos y ejecutivos así como instituciones reputadas e independientes. Disponible en la Red: http://www.transparency.org/country#ECU última consulta 05/06/2013.

22 Disponible en la Red: http://www.transparencia.gob.ec/wp-content/uploads/downloads/2012/07/PLAN_DE_TRANSPARENCIA_.pdf última consulta 7/07/2013

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transparente y eficiente”, de igual modo se propende hacia el fortalecimiento de “la participación ciudadana, el control social y la cultura de transparencia”, y por último que todo esto se encuentre debidamente articulado con las demás funciones del Estado.

Pese a ello es necesario recordar que el servidor público, debe hacer suyos estos principios, valorarlos, interiorizarlos y sobre todo ponerlos en práctica en el desarrollo de sus actividades, lo cual tan solo se alcanza con un verdadero convencimiento personal e íntimo.

3.1.2 La Rendición de Cuentas

Su concepto23 deriva del inglés “accountability” que se lo ha venido traduciendo como control, fiscalización o responsabilidad, y son justo estas palabras los elementos que integran la rendición de cuentas a los mandantes. Por tanto ésta involucra “…el derecho a recibir información y la obligación correspondiente de divulgar todos los datos necesarios. Pero también implica el derecho a recibir una explicación y el deber correspondiente de justificar el ejercicio del poder”. (Schedler, 2004, p. 14).

Además es propia de la idea misma de la delegación de poder, pues a través de las urnas en las países democráticos se eligen a los representantes de la ciudadanía quienes tienen la responsabilidad de administrar el Estado, así como cumplir con las aspiraciones de sus mandantes. Se considera como el respeto y la posibilidad de ejecutar libremente los derechos civiles y políticos, así como la participación por parte de la ciudadanía en la elección de los gobernantes y su control al contar con información veraz, actualizada y fundamentada.

Dentro de la misma línea (Schedler, 2004, p. 12) indica que para que proceda la rendición de cuentas será necesario el establecimiento de dos condicionamientos básicos: “…por un lado, la obligación de los políticos y funcionarios de informar sobre sus decisiones y de justificarlas en público; por otro, incluye la capacidad de sancionar a los políticos y funcionarios en caso de que hayan violado sus deberes públicos”.

Es por ello que los mandatarios tienen la obligación de explicar las distintas actuaciones que realizan en el ejercicio de su cargo, sobre todo de manera periódica, pues caso contrario pierde el fundamento del mismo.

La costumbre en Latinoamérica, ha sido que los Jefes de Estado realicen una rendición de cuentas pública al menos una vez al año, pues la mayor parte de sus textos constitucionales exigen al Ejecutivo se lo haga ante el órgano Legislativo. Esto es lo que se conoce como sesión parlamentaria de control al Ejecutivo.

23 “Rendición de cuentas.– Libertades individuales, transparencia electoral, libertad de prensa, participación e integración social y política, transferencia ordenada de poder, concesión de intereses y rendiciones de cuentas por los funcionarios”. (Banco Mundial, 2011)

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Sin embargo, debido a los elevados índices de corrupción, los nuevos líderes de la región han optado por tomar maneras alternativas de rendir cuentas a sus mandantes, por ejemplo a través de programas semanales de radio y televisión, así como mediante canales nacionales en las cuales se hace el mismo ejercicio, cambiando de auditorio y de periodicidad.

IV – ¿QUÉ HACER PARA MEJORAR?

4.1 lAs InstItucIones prIvAdAs

Los movimientos sociales así como las distintas organizaciones de la sociedad civil, se han interesado por el problema de la corrupción, sobre todo sus iniciadores fueron aquellos que se constituyeron en Estados Unidos de América, tales como el Common Cause (1979), Centro Carter (1982), Transparencia Internacional (1993) y ya en el ámbito latinoamericano podemos destacar a la Comisión Andina de Juristas (1982), Probidad para América Latina (PAL) (1994), PROÉTICA24 (2001), entre otras. Pese a ello las críticas que han recibido algunas de ellas se centran sobre todo debido a las formas mediante las cuales desarrollan sus actividades así como por sus fuentes de financiamiento, puesto que estos factores restan independencia y autonomía en sus actuaciones.

Constituye un elemento trascendental que no tan sólo las Administraciones Públicas cuenten con Códigos de Ética, sino también las empresas privadas, ya que es necesario generar una mayor sensibilidad hacia la corrupción por parte de los gestores privados y sus agentes, pues son estos los que interactúan con el Estado, generando así un respeto mutuo basado en la percepción del interés general. (García, 2008, p. 53). Caso contrario nada se puede hacer de manera aislada y solamente desde una esquina del problema.

4.2 el plAno InternAcIonAl

Desde finales del siglo pasado los Estados25 preocupados por el fenómeno de la corrupción, y de cómo éste se apoderaba principalmente de sus Administraciones Públicas, causando en sus ciudadanos inseguridad y con efectos negativos que alejaban la inversión extranjera; diseñaron unos instrumentos jurídicos que buscaban sobre todo la cooperación en el plano internacional para el combate de este grave problema. De este modo se redactaron un sinnúmero de acuerdos que se resumen en el siguiente cuadro:

24 Su labor se desarrolla dentro de los principios de: Transparencia; Neutralidad; Independencia; Comple-mentariedad; Profesionalismo; Publicidad; y, Flexibilidad.

25 “En 1992, en Italia se llevó a cabo la operación “Manos Limpias”, que trajo a la luz casos de financiamiento ilícito de partidos políticos y abusos desde los puestos públicos con el fin de obtener ganancias individuales. En 1994 el Consejo de Europa creó un Grupo Multidisciplinario sobre la corrupción.” (Diego, 2010, p. 1).

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TABLA 1. PRINCIPALES INSTRUMENTOS INTERNACIONALES DE LUCHA CONTRA LA CORRUPCIóN

INSTRUMENTO INTERNAC-IONAL

FECHA CELEBRACIóN OBJETIVO ÁMBITO

Convención de las Naciones Unidas contra la Corrupción

31.10.2003 Promover y fortalecer medidas para prevenir y combatir más eficaz y eficientemente la cor-rupción

Mundial

Convención de las Naciones Unidas contra la delincuencia organizada

15.11.2000 Promover la cooperación para prevenir y combatir más eficaz-mente la delincuencia organizada transnacional

Mundial

Convención Interamericana contra la corrupción

29.03.1996 Promover y fortalecer el desarrol-lo de los mecanismos necesarios para prevenir, detectar y sancio-nar y erradicar la corrupción.

Regional (países miembros OEA)

Convenio relativo a la lucha contra los actos de corrupción en los que estén implicados funcionarios de las Comunidades Europeas o de Estados miembros de la Unión

25.06.1997 Establecimiento de medidas de cooperación interestatal y armo-nización legislativa para actuar frente a actos de corrupción.

Regional (miem-bros de UE)

Convención de la Unión Africana para la prevención y lucha contra la corrupción

12.07.2003 Promover y reforzar los mecan-ismos necesarios para prevenir, descubrir, castigar y erradicar la corrupción.

Regional (Miem-bros de UA)

Código Iberoamericano de de Buen Gobierno.1

05.11.2006 Alcanzar el buen gobierno.2 Regional (Ibero- américa)

Fuente: Elaboración propia.

V – LA ÉTICA PÚBLICA Y LA GESTIÓN PÚBLICADos conceptos básicos para que los Estados en la actualidad puedan

alcanzar una gestión pública que cumpla con su papel dentro de la sociedad, se relaciona directamente con la calidad de su democracia y en la forma mediante la cual desarrolla prácticas de buen gobierno, y uno de esos elementos que lo sustentan constituye justamente la ética pública, la cual como parte de la ética que busca el “deber ser” de la sociedad, en este caso su papel se desarrolla más en el ámbito público de los gestores políticos y públicos y la relación de éstos con los ciudadanos. (Canales, 2007, p. 3).

TABLA 1. LOS PRINCIPIOS DE LA GESTIóN PúBLICA DEL SIGLO XXI

Excelencia La búsqueda de calidad e innovación en los procesos

Eficacia Los objetivos planteados han sido alcanzados debido a la correcta elección de alternativas que garantizan un mayor beneficio.

Eficiencia La diferencia existente entre los recursos empleados y resultados obtenidos.

Economía Entendida como la correcta distribución de escasos recursos entre los miembros de la sociedad.

Ética El correcto comportamiento de los servidores públicos.

Em-prendimiento

La Nueva Gestión Pública busca nuevos campos y apoya la incursión en áreas no explota - das previamente por la Administración Pública.

Equidad El trabajo bajo principios solidarios para alcanzar la igualdad

Ecología El respeto al medioambiente

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TABLA 1. LOS PRINCIPIOS DE LA GESTIóN PúBLICA DEL SIGLO XXI

Elegibilidad La libertad e independencia en el proceso de selección de gestores y de bienes y servicios.

Evaluación La revisión de la ejecución, impacto y resultados de la puesta en marcha de una política pública.

Empowerment La delegación de funciones.

Fuente: Elaboración propia a partir de (Canales, 2007, p. 4-5).

“El arranque de la Ética del gobierno y de la Administración como disciplina científica se produjo en los EE.UU26 en la década de los setenta…” (García, 2008, p.50), donde se dio una trascendental importancia a la educación y prevención como formas mediante las cuales se debía combatir la corrupción, pues senadores como Douglas, consideraban que dichas prácticas no se debían al dolo o falta de ética de los funcionarios, sino al contrario a su falta de formación e ignorancia. Sin embargo, no olvidemos que son estos los que en su papel de representantes del Estado se encuentran encargados de tutelar el bien común a través del establecimiento y administración de los servicios públicos.

Es por ello la trascendencia que tiene la lucha contra la corrupción como instrumento que mejora a los actores, y sobre todo hace que disminuya la percepción en la sociedad de inseguridad jurídica.

Sin embargo, tal como lo señala Jaime Rodríguez (2010, p. 269 y sig.) quien apela por la construcción de un Estado Ético, es necesario comprender que cuando hablamos de Ética27, ésta automáticamente estará determinada a un tipo de política, así como vinculada con una filosofía específica: liberal, republicana o comunitaria. En este contexto, se puede decir que en la sociedad del siglo XXI, la Ética se encuentra en tiempos de crisis pues hace falta repensar aquellos valores comunitarios, a fin de alcanzar una ciudadanía participativa y ajena a la indiferencia. Crisis que ha sido producida por el modelo neoliberal en el cual el individuo posmoderno se apegue a modelos hedonistas que como Bauman (1999) señala se basan en necesidades subjetivas y pasajeras que superponen los planes individuales de vida sobre aquellos comunitarios o propios de la polis, con la consecuente crisis de valores públicos y la distorsión

26 Sin embargo, nuestra tradición hispánica a diferencia de lo que sucede con los anglosajones donde a criterio de Max Weber se aplica una “ética calvinista”, esto es basado en la mayor capacidad de ahorro e inversión de los grupos sociales, se puede apreciar incluso en la literatura hispanoamericana, muestra de ello son los personajes que aparecen en el propio Quijote, donde Cervantes supo plasmar la picardía y el oportunismo, donde las riquezas no se conseguían con trabajo y tesón, sino al contrario se debían a golpes de suerte o presiones por la fuerza. (Llorente, 2005, p.74)

27 En la vida pública se termina reflejando la ética del cuerpo social; los cuales a veces terminan comportando grandes escándalos que afectan a la sociedad cuando se da sobre personajes conocidos que irritan a la sociedad; pese a ellos variaciones de la corrupción también se presentan en actividades familiares, sociales, en ámbitos públicos y privados.

1 Su antecedente se encuentra en el Foro Iberoamericano de combate a la corrupción del CLAD, en junio de 1998 en Santa Cruz de la Sierra, Bolivia.

2 Fundamento 4. “…que busca y promueve el interés general, la participación ciudadana, la equidad, la inclusión social y la lucha contra la pobreza, respetando todos los derechos humanos, los valores y procedimientos de la democracia y el Estado de Derecho.”

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de la prestación de los servicios públicos para satisfacer intereses generales y privilegiar el capital privado individual. Pues solo de esta manera se comprende la desmedida búsqueda del poder político por élites económicas y sociales que aspiran hacerse con la Administración Pública para ponerla a su servicio a fin de obtener prebendas de todo tipo para sus empresas o familias.

Es aquí donde cobra trascendencia la Ética Pública28, puesto que su fin último es aplicarla hacia el servicio e interés general que realizan los servidores públicos. Para lo cual utiliza todos los medios para seleccionar al personal “…más idóneo para gobernar, de personas capaces y leales a la constitución política y que tengan un gran sentido de justicia”. (Naessens, 2010, p. 335). La misma autora señala que para que esto se logre cada organización pública es óptimo que cuente con un Código de Ética29 que permita cumplir al menos con seis directrices: 1) El servicio al interés general; 2) La imparcialidad y la transparencia; 3) El uso de los bienes públicos; 4) La responsabilidad profesional; 5) La lealtad a la administración; y, 6) La humanización de la Administración.

Sin embargo, de poco servirá conocer a la perfección los valores en los que se fundamenta la Ética Pública30, mas, su importancia radica en aplicarla en el día a día.

VI – LA TRANSPARENCIA Y LA PARTICIPACIÓN CIUDADANACon el intenso desarrollo de las TIC en el presente siglo, el acceso a

basta información de manera libre y sobre todo rápida genera en la sociedad la posibilidad de traspasar fronteras y flanquear muros que antes estuvieron puestos y que privilegiaban por ejemplo las actuaciones de las Administraciones Públicas, frente a ello los ciudadanos exigen de estas mayor transparencia31, entendida como la posibilidad de obtener mayor información de manera más clara y precisa ya sea sobre sujetos, organismos o situaciones determinadas, para que con esta se potencien nuestra posibilidad de elección, de fiscalización y comprensión, necesarias en toda sociedad democrática. (Naessens, 2010, p. 346). Por ello no siempre esta cualidad se encuentra en todas las organizaciones públicas, y es menester de la población exigir su desarrollo y cumplimiento, pues solo de esta manera se puede concebir el concepto de buen gobierno.

28 “Señala los principios y los valores deseables para ser aplicados en la conducta del hombre que desempeña la función pública”. (Diego, 2009, p. 32).

29 A nivel nacional, la Función Ejecutiva Cuenta con un “Código de Ética para el Buen Vivir”, elaborado por la Secretaria Nacional de Transparencia y Gestión. Disponible en la Red: http://www.transparencia.gob.ec/wp-content/uploads/downloads/2012/12/CODIGO_ETICA_.pdf último acceso 07/07/2013.

30 El proceso de asimilación de la ética en el servidor público debe darse a través de: a) Reflexión y deliberación; b) Adquirir conocimiento; c) Distinguir entre los conveniente y lo nocivo; d) Adoptar principios positivos; e) Asumir deberes; y, f) Actuar de manera íntegra y responsable. (Diego, 2010, p. 421).

31 Para Guerrero Gutiérrez (2008), se puede entender desde tres distintas esferas a la transparencia: la primera como una calidad de un objeto; la segunda como atributo de un sujeto; y, la última como atributo de un grupo o colección de sujetos.

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Y no hay mejor manera que alcanzar lo antes dicho, sino dotando a la ciudadanía de toda la información de los actos y contratos del Estado, que como se señalaba cuando se trataba acerca de los principios de la L.O.A.T.I.P., en el caso ecuatoriano la entrega y publicidad de información pública es la norma, a contrario de otros Estados donde esto es la excepción, y es aquí donde recae la importancia del Portal de Compras Públicas, pues no solo agiliza la gestión pública y ahorra ingentes recursos para la Administración, sino que permite a los ciudadanos acceder en tiempo real, cual si se tratase de un cubo de cristal, que desde todas sus caras de manera cristalina se puede divisar, comprender y evaluar el proceso de Contratación Pública.

Siguiendo a Sartori (2009), a diferencia de lo que sucede respecto de la participación con la democracia electoral en la cual basta sólo con que los ciudadanos se encuentren debidamente informados de a quién elegir y saber qué hace quién lo va a dirigir; distinta es la relación con la democracia entendida como participación pues en ésta “…un ciudadano participante que decide él mismo también las cuestiones (en vez de delegar a los representantes)”. Este autor entiende que para que opere la denominada participación ciudadana es necesario que ésta sea voluntaria y personal, es decir que nazca del individuo (de abajo hacia arriba), pues caso contrario si se le obliga dejaría de ser participación en el sentido propiamente dicho de la palabra y se convertiría en movilización (de arriba hacia abajo), y si seguimos esta tesis la verdadera “fuerza” de la participación se daría en concentraciones pequeñas donde cada individuo lo hace cumpliendo las condiciones señaladas, situación diametralmente a lo que sucede en nuestra sociedad pues avalamos y consideramos participación a las grandes concentraciones humanas. (Sartori, 2009, p. 35-36).

De acuerdo a aquella reflexión kantiana que señala que “…el hombre no debe ser tomado nunca como medio, sino como fin”. (En Vergara, 2008, p. 31), es necesario que para alcanzar un verdadero desarrollo de la sociedad hace falta que se lo construya a partir de mayores libertades para los ciudadanos, los cuales tienen la obligación de hacer efectivos tales derechos y volverse protagonistas y no simples actores pasivos pues su participación es clave a la hora de hablar de desarrollo, y en nuestro caso de Buen Vivir.

VII – REFLEXIONES FINALES Y RECOMENDACIONES A FUTUROUna de las características fundamentales que le debemos a la transparencia,

es su obligatoriedad de encontrarse presente en toda democracia, pues de su existencia depende que los gobernantes rindan cuentas, así como que los ciudadanos tengan acceso a la información con la que cuenta la Administración Pública. Por ello es necesario insistir que corrupción y democracia son hasta tal punto incompatibles que, conforme lo señala Nieto (2012), en rigor, no puede hablarse de una democracia que sea corrupta, pues deja de ser democracia y pasa a ser desgobierno de lo público.

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Del mismo modo, el hecho señalado de poder contar con esta información no sólo permite enterarse de los acontecimientos, sino sobre todo posibilita un debate público, así como una constante fiscalización ejercida no sólo por el legislativo, sino en esta oportunidad a través del control social de la propia ciudadanía que realiza de manera periódica una evaluación de eficacia administrativa hacia la administración.

Además coincidiendo con las reflexiones que hacen Baena y Cruz (2011), la necesidad de contar con una normativa adecuada que garantice el libre acceso a la información permite no solo hacer visibles los casos de corrupción, sino que sobre todo se convierte en una herramienta que permite tanto en la prevención así como en el control, a la par que crea adecuados medios de participación para que los ciudadanos estén atentos a las actuaciones de las instituciones públicas y supervisar que estas se desenvuelvan dentro de los parámetros del debido proceso que debe regir en todo Estado de Derecho.

Son importantes los pasos que se ha dado en el Estado Ecuatoriano para desarrollar la ética pública, a través de un gobierno mucho más abierto a través de las múltiples plataformas de la Administración Electrónica que han permitido contar con una mejor transparencia que contribuye a la construcción y toma de decisiones, así como mejoran los niveles de confianza de la ciudadanía en “lo público”, pues la percepción de que los servidores públicos gestionan la Administración de manera correcta bajo principios de justicia se va elevando poco a poco.

Por lo que siguiendo a García (2008, p. 45), dentro de la gestión pública si se desea tener resultados más eficaces e eficientes, el trabajo no se puede concentrar en tan solo invertir capital en el desarrollo de programas anticorrupción, pues como se ha dicho ya en el presente trabajo solamente la democracia y mayores niveles de libertad permiten al ciudadano volver a creer en sus instituciones, con lo cual el Estado se consolida crece, se desarrollo y luego redistribuye riqueza hacia la sociedad.

Oscar Diego Bautista (2010), destaca que para que triunfe la transparencia y los problemas como el de la corrupción disminuyan, es necesario trabajar en la consolidación de la burocracia (cuerpo institucional consolidado), la aplicación estricta de la ley, el reclutamiento de los servidores públicos por mérito, la reforma salarial y sobre todo una necesaria y publicitada rendición de cuentas por parte de los gestores públicos; y para ello la Administración Electrónica presenta una serie de herramientas que deben ser aprovechadas por los gobiernos para que los ciudadanos se encuentren directamente conectados con esta, la fiscalicen y vean lo diáfanas que pueden llegar a ser las actuaciones públicas, lo cual se convertiría en aquella “caja de cristal” que compara el presente estudio con el Portal de Compras Públicas.

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Seção Especial – Teorias e Estudos Científicos

Direito à Igualdade e Livre Desenvolvimento da Personalidade: Construindo a Democracia de Triplo Vértice

MAURÍCIO SULLIVAN BALHE GUEDESAcadêmico do Curso de Direito e Bolsista de Iniciação Científica da Universidade da Amazônia – Unama, Extensão em Direito Constitucional Avançado – Instituto Brasiliense de Direito Público – IDP.

Submissão: 16.02.2013Decisão Editorial: 28.08.2013

RESUMO: Oriundo de pesquisa doutrinária e jurisprudencial, o presente artigo estuda o direito à igual‑dade em suas diversas acepções jurídicas, seja em âmbito formal, material, ou funcionando como potencializador de um direito de ação geral, correlacionando‑o com o direito ao livre desenvolvimento da personalidade, que, por sua vez, é facilmente extraído do princípio da dignidade da pessoa huma‑na, consagrado constitucionalmente. Estudar também a democracia de triplo vértice no pensamento de Carlos Ayres Britto, entendimento que se mostra indispensável para a satisfação do objetivo al‑mejado, qual seja, a demonstração de que a democracia fraternal depende, para seu funcionamento adequado, da plena efetividade do direito à igualdade, sendo capaz de afirmar que existe verdadeira conexão entre a igualdade em suas mais diversas manifestações e o livre desenvolvimento da perso‑nalidade, enquanto direitos que, quando efetivos, constroem a democracia de triplo vértice.

PALAVRAS‑CHAVE: Direito à igualdade; livre desenvolvimento da personalidade; democracia de tri‑plo vértice; jurisdição constitucional.

ABSTRACT: Originally from doctrinal and jurisprudential research, this article studies the right to equa‑lity in its variety of legal meanings, whether in the formal, material, or functioning as potentiating a right of general action, correlating it with the right to free development of personality which, in its turn, is easily extracted from the principle of human dignity established constitutionally. It studies too triple vertex democracy as thought by Carlos Ayres Britto, understanding its indispensable for fulfilling the objective pursued, the demonstration that fraternal democracy depends, for its proper functio‑ning, on the full realization of the right to equality, being able to say that there is a real connection between equality in its variety of manifestations and the free development of personality, while rights that, when effective, build triple vertex democracy.

SUMÁRIO: Introdução; 1 O direito à igualdade formal; 2 Igualdade material; 3 Igualdade potencializa‑dora do livre desenvolvimento da personalidade; 4 A democracia constitucional e o seu triplo vértice; Considerações finais; Referências.

INTRODUÇÃOAo contrário do que se faz expresso no Texto Constitucional brasileiro,

o direito fundamental à igualdade, mesmo em tempos hodiernos, é amplamen-te desrespeitado, seja na relação Estado versus cidadão, ou mesmo no que se

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refere aos seus efeitos entre particulares. Tal desrespeito é devido à compreen-são inadequada de diversos aspectos relacionados a ele, tais quais suas facetas enquanto igualdade formal, material ou, ainda, igualdade enquanto reconheci-mento de uma situação de risco e, além, a igualdade enquanto potencializadora do direito ao livre desenvolvimento da personalidade.

Não expresso, porém implícito na Constituição brasileira, como decor-rente do princípio à dignidade da pessoa humana, o direito ao livre desenvolvi-mento da personalidade pode ser encontrado no art. 2º, inciso I, da Lei Funda-mental da Alemanha de 1949, que determina o seguinte: “Todos têm direito ao livre desenvolvimento da sua personalidade, desde que não violem os direitos de outros e não atentem contra a ordem constitucional ou a lei moral”.

Entretanto, para que o indivíduo possa desenvolver adequadamente sua personalidade, dentro de suas possibilidades cognitivas naturais, é necessário que ele se encontre em mínimas condições de igualdade para com os demais seres envolvidos no mesmo processo socioevolutivo, isto é: para que uma aluna do ensino médio matriculada na rede pública de ensino possa estar em mínima igualdade de desenvolver seus estudos, é indispensável que a mesma tenha condições materiais e não tão somente formais de adquirir livros que venham a servir como instrumento de conhecimento, ou mesmo ter transporte adequado que a encaminhe até a escola com segurança e dignidade, tais quais as demais pessoas que se façam em situação análoga.

De tal feita, a condição de igualdade deve ser tida como universal, seja em seu aspecto formal ou material, não tão somente dentro da esfera social na qual um indivíduo singular esteja inserido.

Este estudo busca enfrentar a problemática do desenvolvimento teórico do direito à igualdade enquanto questão ainda não totalmente amadurecida dentro da dogmática jurídica, relacionando-o com o livre desenvolvimento da personalidade e com a democracia de triplo vértice no pensamento de Carlos Ayres Britto.

1 O DIREITO À IGUALDADE FORMALIsonomia, do grego isonomos, é literalmente lei igual. Ou seja, o prin-

cípio da isonomia determina que todos serão tratados de maneira igualitária perante a lei, não havendo qualquer consideração maior no que se refere com desigualdades naturalmente apresentadas entre os seres. Trata-se, para o legis-lador, de proibição de hierarquização entre os cidadãos sem motivo constitu-cionalmente justificado. Ainda que se possa afirmar que “qualquer elemento residente nas coisas, pessoas ou situações, pode ser escolhido pela lei como fator discriminatório”1, é essencial que se reconheça a necessidade de um parâ-

1 BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. O conteúdo jurídico do princípio da igualdade. 3. ed. São Paulo: Malheiros, 2012. p. 17.

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metro de controle constitucionalmente determinado, não podendo a igualdade formal ser pervertida ao prazer do legislador, sob pena de perder seu caráter de direito de defesa2.

Por outro lado, para as relações interpessoais, trata-se de critério a ser de-terminado de acordo com as situações diversas. Por exemplo, em uma relação de compra e venda de imóvel, via de regra, não caberá distinção quanto ao com-prador; entretanto, caso o imóvel se destine, em sua concepção, a melhorar a qualidade de vida de pessoas com deficiência física, sendo adaptado para as ne-cessidades especiais dessas pessoas, por óbvio que haverá discriminação quanto ao público alvo. Perceba que ainda que a concepção do objeto (imóvel adaptado) vise à concretização de uma igualdade material, a relação jurídica estabelecida no ato de compra e venda é originalmente desigual em âmbito formal.

Sobre a igualdade em sua acepção formal, afirma Luís Roberto Barroso:

A igualdade formal que está na origem histórica liberal do princípio impede a hie-rarquização entre pessoas, vedando a instituição de privilégios ou vantagens que não possam ser republicanamente justificadas. Todos os indivíduos são dotados de igual valor e dignidade. O Estado, portanto, deve agir de maneira impessoal, sem selecionar indevidamente a quem beneficiar ou prejudicar.3 (grifo no original)

Entretanto, ao contrário do que se preconiza, a igualdade em seu aspecto tão somente formal tendo a letra fria da lei caráter quase que absoluto se mos-trou agente da injustiça social. Imagine a situação: se todos são iguais perante a lei, não podendo haver discriminação positiva, pessoas de rendas diferentes deverão ser tributadas de maneira igualitária, ainda que o tributo possa, para o pobre, significar a miséria total e, para o rico, a contribuição insignificante.

Quanto às relações de gênero, as mulheres ao longo da história ociden-tal se mostram em situação de desigualdade, sendo naturalmente desigual se comparada ao homem. Seja por questões fisiológicas, como menstruação ou gestação, seja por aquelas impostas pelas sociedades devido ao machismo. As sociedades patriarcais ao longo dos anos excluíram a mulher do seio da socie-dade política e do desenvolvimento social, e mesmo quando alguns direitos fo-ram adquiridos, em especial tendo como base a igualdade formal, as mulheres não poderiam exercê-lo devido ausência de entendimento material quanto à interpretação de tal direito.

O direito à igualdade é pilastra ao exercício adequado dos demais di-reitos, mesmo da própria dignidade4. Por exemplo: partindo de um ponto de

2 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1998. p. 254.

3 BARROSO, Luís Roberto. Diferentes, mas iguais: o reconhecimento jurídico das relações homoafetivas no Brasil. Disponível em: <http://www.luisrobertobarroso.com.br/wp-content/themes/LRB/pdf/diferentes_mas_iguais_atualizacao_2011.pdf>. Acesso em: 17 set. 2012.

4 Tendo a dignidade da pessoa humana como fundamento, muitas decisões históricas já foram proferidas em sede de jurisdição constitucional pelo Supremo Tribunal Federal, entre elas a constitucionalidade da pesquisa com células tronco embrionárias; uniões homoafetivas; etc. Entretanto, cabe ressaltar que o princípio da

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vista formal, se todos são iguais perante a lei, o que justificaria a concessão de prioridade para gestantes em filas de caixas eletrônicos em agências bancárias?

Entretanto, é conhecida a máxima aristotélica de que, ainda que sob a figura do direito à igualdade, os desiguais devem ser tratados na medida de suas desigualdades, tendo como finalidade a igualdade material. Curiosamente, afirmam Luiz Alberto David Araújo e Vidal Serrano Júnior: “[...] a grande difi-culdade reside exatamente em determinar, em cada caso concreto, quem são os iguais, quem são os desiguais e qual a medida dessa desigualdade5”.

O exemplo da gestante no caixa eletrônico, sendo concedido a ela direi-to de prioridade devido sua condição especial, é claro caso de discriminação positiva para que ela não tenha possíveis transtornos durante uma provável es-pera demasiada e que não tenha sua dignidade ferida. O reconhecimento social acerca da condição feminina no período que compreende a gestação, faz com que o direito à igualdade dos demais, naquela situação concreta, seja relativiza-do em prol da materialização do direito à igualdade da mulher.

2 IGUALDADE MATERIALPara que se possa tratar de igualdade material, antes é necessário que

sejam reconhecidas as desigualdades sociais. Não é possível que todos sejam tidos como iguais perante a lei se não há igualdade entre os integrantes de uma mesma sociedade; tal desigualdade pode ser tanto de caráter social quanto eco-nômico, racial, sexual, etc.

Por exemplo, a desigualdade de gênero é reconhecida constitucional-mente. A Constituição brasileira, em seu art. 7º, inciso XVIII, garante para a gestante o direito à licença maternidade durante o período de cento e vinte dias, sem prejuízo do emprego e do salário. No entanto, o mesmo não se faz presente quanto à licença paternidade que é concedida por “prazo definido em lei”.

A especial proteção demonstra evolução constitucional no que se refere quanto à consagração da igualdade material que, por vezes, faz com que o

dignidade da pessoa humana é pautado na concepção de o Estado prover ao cidadão um mínimo existencial imutável para que o mesmo não tenha sua dignidade ofendida. Não se trata de oferecer privilégios a um cidadão ou a um determinado grupo de pessoas, mas sim o de manter digna sua existência. Neste sentido, decidiu o Tribunal: “A cláusula da reserva do possível – que não pode ser invocada, pelo Poder Público, com o propósito de fraudar, de frustrar e de inviabilizar a implementação de políticas públicas definidas na própria Constituição – encontra insuperável limitação na garantia constitucional do mínimo existencial, que representa, no contexto de nosso ordenamento positivo, emanação direta do postulado da essencial dignidade da pessoa humana [...] A noção de mínimo existencial, que resulta, por implicitude, de determinados preceitos constitucionais (CF, art. 1º, III, e art. 3º, III), compreende um complexo de prerrogativas cuja concretização revela-se capaz de garantir condições adequadas de existência digna, em ordem a assegurar, à pessoa, acesso efetivo ao direito geral de liberdade e, também, a prestações positivas originadas do Estado, viabilizadoras da plena fruição de direitos fundamentais básicos, tais como o direito à educação, o direito à proteção integral da criança e do adolescente, o direito à saúde, o direito à assistência social, o direito à moradia, o direito à alimentação e o direito à segurança. Declaração Universal dos Direitos da Pessoa Humana, de 1948 (Artigo XXV)” (ARE 639.337-AgRg, 2ª T., Rel. Min. Celso de Mello, Julgamento em 23.08.2011, DJe de 15.09.2011).

5 Curso de direito constitucional, p. 163.

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Estado seja obrigado a intervir nas relações sociais. Tal intervenção se dá es-pecialmente quando tratamos de direitos sociais, tais quais a saúde, educação, trabalho, moradia, etc.

É evidente que as necessidades, no que se refere ao exercício do direito à saúde de uma gestante, serão diferentes daquelas de uma mulher que não esteja grávida. Percebe-se que neste ponto a desigualdade se faz dentro do próprio gênero feminino, e não somente entre gêneros opostos. De tal feita, a materiali-zação do direito à igualdade não é somente uma forma de equilibrar a balança perante gêneros opostos, como também é indispensável para que dentro do próprio gênero seja atingida a igualdade substancial.

Outro exemplo que explicita o raciocínio empregado é que, para uma pessoa que tenha suas funções locomotoras não comprometidas devido a algum tipo de deficiência, a ausência de uma rampa, por mais simples que seja, em uma calçada, não faz grande diferença, pois não irá impedir que essa pessoa caminhe livremente pela via. Entretanto, o mesmo não se poderia dizer caso um cadeirante buscasse a mesma finalidade.

Quanto à igualdade material e ao tratamento desigual para que a mesma seja atingida, Bodo Pieroth e Bernhard Schlink afirmam:

Só é jurídico-constitucionalmente relevante, isto é, necessitado de uma justifi-cação jurídico-constitucional, o tratamento desigual do que é “essencialmente igual”. [...]

Vigora o princípio segundo o qual nenhuma pessoa é exatamente como a outra e de que nenhuma situação é exatamente como a outra. Por isso, “igualdade es-sencial” só pode significar que as pessoas, os grupos de pessoas ou as situações são comparáveis. A comparabilidade necessita, em primeiro lugar, de ponto de referência (tertium comparationis).6 (grifos no original)

Mas qual seria tal ponto de referência?

A questão acerca do que seria relevante constitucionalmente é de suma importância para que se possa aferir parâmetro legítimo, evitando-se, assim, que uma discriminação positiva se torne verdadeira discriminação injusta e ins-titucionalizada no seio estatal, de modo que, se o constituinte originário7 elege minorias como prioridades, é lógico que o ponto de referência será a condição a qual um determinado grupo majoritário se encontra quanto ao exercício, gozo ou mesmo conhecimento acerca de certos direitos ou deveres.

6 Direitos fundamentais, p. 206-207. 7 Sobre o poder constituinte originário, afirma Michel Temer: “Visa a criar o Estado. Antes dessa manifestação,

o Estado, tal como veio a ser positivado, não existia. Existe, é, a partir da Constituição. [...] Ressalte-se a ideia de que surge novo Estado a cada nova Constituição, provenha ela de movimento revolucionário ou de assembléia popular. O Estado brasileiro de 1988 não é o de 1969, nem o de 1946, de 1937, de 1934, de 1891, ou de 1824. Historicamente é o mesmo. Geograficamente pode ser o mesmo. Não o é, porém, juridicamente [...]” (Elementos de direito constitucional, p. 35).

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De um modo geral, desde que o sistema governamental seja pautado em uma Constituição rígida8 e suprema9, a democracia deixa de possuir seu signi-ficado clássico de “governo da maioria” e passa a ser definida como o governo da maioria sem a supressão dos direitos e deveres das minorias.

Ora, caso assim não o fosse, estaríamos diante de verdadeira democracia “absolutista” e não democracia constitucional, onde uma maioria seria tão tira-na e cruel quanto um rei abençoado por um Deus do velho testamento!

3 IGUALDADE POTENCIALIZADORA DO LIVRE DESENVOLVIMENTO DA PERSONALIDADEO direito ao livre desenvolvimento da personalidade não se faz expresso

na Constituição Brasileira de 1988, porém é extraível do princípio da dignidade da pessoa humana, pois, como define Ingo Wolfgang Sarlet:

[...] temos por dignidade da pessoa humana a qualidade intrínseca e distintiva reconhecida em cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e con-sideração por parte do Estado e da comunidade, implicando, neste sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem a pessoa tanto con-tra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições existenciais mínimas para uma vida saudável, além de pro-piciar e promover sua participação ativa e corresponsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão com os demais seres humanos, mediante o devido respeito aos demais seres que integram a rede da vida.10 (grifo no original)

A personalidade só pode ser desenvolvida de maneira adequada caso reste respeitado o direito à igualdade material, isto é, caso uma pessoa se mostre desigual devido suas condições financeiras, culturais, intelectuais e quaisquer outras que se façam nocivas ao devido digno-constitucional, ou seja, tendo os preceitos constitucionais como parâmetro de aferição de desenvolvimento adequado, cabe ao Estado prover a ela condições adequadas para que a mesma possa exercer o direito ao desenvolvimento da personalidade. O mesmo pode ser aplicado para as demais formas de desigualdade, porém nem sempre caben-do somente ao Estado a função de estabelecer a paridade social.

Por exemplo, quanto ao direito à educação11, o mesmo é definido constitu-cionalmente como sendo um direito de todos e um dever do Estado e da família,

8 Afirma Paulo Bonavides: “Rígidas, as que não podem ser modificadas da mesma maneira que as leis ordinárias. Demandam de um processo de reforma mais complicado e solene. Quase todos os Estados modernos aderem a essa forma de Constituição, nomeadamente os do espaço atlântico. Variável, porém, é o grau de rigidez apresentado [...]” (Curso de direito constitucional, p. 83).

9 Sobre a supremacia da constituição, afirma Barroso: “A supremacia da constituição revela sua posição hierárquica dentro do sistema, que se estrutura de forma escalonada, em diferentes níveis. É ela o fundamento de validade de todas as demais normas. Por força dessa supremacia, nenhuma lei ou ato normativo – na verdade, nenhum ato jurídico – poderá subsistir validamente se estiver em desconformidade com a Constituição” (O controle de constitucionalidade no direito brasileiro. p. 23).

10 SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana na Constituição Federal de 1988, p. 73.11 Sobre o direito à educação já afirmou o Supremo Tribunal Federal: “A educação é um direito fundamental

e indisponível dos indivíduos. É dever do Estado propiciar meios que viabilizem o seu exercício. Dever a

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devendo ser promovida e incentivada pela sociedade. Neste caso, não é somente o Estado que tem o dever de promover a educação12, como a própria sociedade. Ao Estado, em casos onde são verificáveis discriminações sociais, em especial as que se referem ao gênero, cabe a importância da promoção do bem de todos13, este sendo inclusive um objetivo fundamental da República Brasileira.

Como afirma Gilmar Ferreira Mendes: A concepção que identifica os direitos fundamentais como princípios objetivos legitima a ideia de que o Estado se obriga não apenas a observar os direitos de qual-quer indivíduo em face das investidas do Poder Público (direito fundamental en-quanto direito de proteção ou de defesa – Abwehrrecht), mas também a garantir os direitos fundamentais contra agressão propiciada por terceiros.14 (grifo no original)

Direito de ação em geral, o desenvolvimento livre da personalidade é direito fundamental que “compreende toda a atuação do cidadão não coberta pelos demais direitos de liberdade”15, sendo, portanto, direito de incidência

ele imposto pelo preceito veiculado pelo art. 205 da CB. A omissão da administração importa afronta à Constituição” (RE 594.018-AgRg, 2ª T., Rel. Min. Eros Grau, julgamento em 23.06.2009, DJe de 07.08.2009).

12 Ainda sobre o direito à educação, o mesmo deve ser tido como básico e universal na formação de todo e qualquer cidadão, de modo que a simples cobrança de taxa de matrícula em universidades públicas, por exemplo, recorre de vício de inconstitucionalidade, ao menos neste sentido decidiu o Supremo Tribunal Federal: “A cobrança de matrícula como requisito para que o estudante possa cursar universidade federal viola o art. 206, IV, da Constituição. Embora configure ato burocrático, a matrícula constitui formalidade essencial para que o aluno tenha acesso à educação superior. As disposições normativas que integram a Seção I do Capítulo III do Título VIII da Carta Magna devem ser interpretadas à dos princípios explicitados no art. 205, que configuram o núcleo axiológico que norteia o sistema de ensino brasileiro” (RE 500.171, Plenário, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, Julgamento em 13.08.2008, DJe de 24.10.2008).

13 Preconiza a Constituição da República Federativa do Brasil, em seu art. 3º, IV, a promoção do bem de todos; tendo isto em mente, no caso das uniões homoafetivas, a promoção do bem de todos foi um dos fundamentos que nortearam a decisão do Tribunal, como se extrai do acórdão: “Proibição de discriminação das pessoas em razão do sexo, seja no plano da dicotomia homem/mulher (gênero), seja no plano da orientação sexual de cada qual deles. A proibição do preconceito como capítulo do constitucionalismo fraternal. Homenagem ao pluralismo como valor sociopolítico-cultural. Liberdade para dispor sobre a própria sexualidade, inserida na categoria dos direitos fundamentais do indivíduo, expressão que é da autonomia de vontade. Direito à intimidade e à vida privada. Cláusula pétrea. O sexo das pessoas, salvo disposição constitucional expressa ou implícita em sentido contrário, não se presta como fator de desigualação jurídica. Proibição de preconceito, à luz do inciso IV do art. 3º da CF, por colidir frontalmente com o objetivo constitucional de ‘promover o bem de todos’. Silêncio normativo da Carta Magna a respeito do concreto uso do sexo dos indivíduos como saque da Kelseniana ‘norma geral negativa’, segundo a qual ‘o que não estiver juridicamente proibido, ou obrigado, está juridicamente permitido’. Reconhecimento do direito à preferência sexual como direta emanação do princípio da dignidade da pessoa humana: direito a autoestima no mais elevado ponto da consciência do indivíduo. Direito à busca da felicidade. Salto normativo da proibição do preconceito para a proclamação do direito à liberdade sexual. O concreto uso da sexualidade faz parte da autonomia da vontade das pessoas naturais. Empírico uso da sexualidade nos planos da intimidade e da privacidade constitucionalmente tuteladas. Autonomia da vontade. Cláusula pétrea. [...] Ante a possibilidade de interpretação em sentido preconceituoso ou discriminatório do art. 1.723 do CC, não resolúvel à luz dele próprio, faz-se necessária a utilização da técnica de ‘interpretação conforme a Constituição’. Isso para excluir do dispositivo em causa qualquer significado que impeça o reconhecimento da união contínua, pública e duradoura entre pessoas do mesmo sexo como família. Reconhecimento que é de ser feito segundo as mesmas regras e com as mesmas consequências da união estável heteroafetiva” (ADIn 4.277 e ADPF 132, Plenário, Rel. Min. Ayres Britto, Julgamento em 05.05.2011, DJe de 14.10.2011).

14 Curso de direito constitucional, p. 678.15 SOUSA, António Francisco de. Reuniões e manifestações no estado de direito. 2. ed. São Paulo: Saraiva,

2011. p. 27.

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subsidiária. Apresenta-se em três facetas, exemplificativas, comumente desta-cadas pela doutrina: direito à autodeterminação, à autopreservação e à autoa-presentação16.

Quanto à autodeterminação, afirmam Bodo Pieroth e Bernhard Schlink:

[...] o direito de personalidade em geral, como direito à autodeterminação, garan-te ao particular determinar por si próprio a sua identidade. Disso faz parte, dentre outras coisas, o direito de se assegurar da sua própria identidade e a liberdade de não ser onerado de maneira que afete massivamente a formação e a afirmação da identidade.17 (grifo no original)

A determinação da própria identidade se dá quando, sob as mesmas con-dições que os demais, a pessoa é capaz de se autodeterminar, seja no âmbito profissional, isto é, devidamente capacitada para concorrer aos melhores cargos empregatícios, desde que assim deseje, ou mesmo no âmbito material, sendo proprietária dos bens que melhor expressem sua personalidade, e claro, no seu trato perante a sociedade.

No que se refere à autopreservação da personalidade, esta se dá quando o indivíduo se recolhe, livremente, em sua esfera íntima, resguardando suas dores e perturbações, ou mesmo para atingir a paz interior tanto almejada por muitos. Trata-se do “poder retirar-se, proteger-se e ficar por sua conta”18.

É fato que, ao constituir devidamente a personalidade, o ser humano, naturalmente, ao longo de sua existência, é acometido de grandes marcas; pro-vocadas por momentos bons ou ruins, o fato é que a autopreservação enquanto direito decorrente da personalidade em geral fornece a ele meios adequados de ficar por si.

Cabe ressaltar que não se confundem direito à intimidade e direito ao livre desenvolvimento da personalidade enquanto autopreservação, pois en-quanto o primeiro se refere a “uma divisão linear entre o ‘eu’ e os ‘outros’, de forma a criar um espaço que o titular deseja manter impenetrável mesmo aos mais próximos”19, o outro se faz presente quando tal esfera íntima é arbitraria-mente violada.

Sendo a intimidade conteúdo essencial do livre desenvolvimento da per-sonalidade em geral, quando a mesma resta atacada, por exemplo, em virtude de discriminação motivada por orientação sexual, ou seja, tendo sido a esfera íntima do indivíduo violada, o exercício do livre desenvolvimento da personali-dade enquanto autopreservação o resguarda de maiores danos causados por pa-lavras, gestos ou agressões em geral cometidas injustamente contra sua pessoa.

16 V. PIEROTH, Bodo; SCHLINK, Bernhard. Direitos fundamentais, p. 177-186.17 Direitos fundamentais, p. 177-178. 18 Idem, p. 178.19 Curso de direito constitucional, p. 183.

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Já enquanto autoapresentação, “o direito de personalidade em geral ga-rante ao particular a possibilidade de se defender não só contra apresentações públicas desprestigiantes, falseadoras, desfigurantes e indesejadas, mas também de observações secretas e indesejadas da sua pessoa”20.

Isto é, enquanto autodeterminação, se tem a criação da identidade pesso-al; já no que se refere à autopreservação, lidamos com o exercício de defesa da identidade pessoal devidamente desenvolvida; na autoapresentação, estamos diante da publicidade da personalidade desenvolvida e defendida pelo ser hu-mano; estamos diante, portanto, do que o indivíduo entende por adequado a ser transmitido socialmente acerca da sua personalidade.

De modo que, respeitada a igualdade formal, estando o indivíduo equi-parável aos demais perante as legislações interna e externa, e que tal igualdade seja fornecida pelo Estado em seu aspecto material, fazendo com que a não hierarquização legal entre pessoas formalmente garantida pela isonomia se tor-ne verdade no mundo dos fatos, reconhecendo-se as desigualdades e atuando para desmascará-las e, se não exterminá-las, atenuá-las, que sejam por meio de ações afirmativas ou mesmo qualquer outro mecanismo válido constitucio-nalmente, ao atingir o final deste processo evolutivo, já não mais estaremos em exercício de igualdade material, e sim de igualdade enquanto livre desenvolvi-mento da personalidade.

De tal feita, se a igualdade formal é o ser igual perante a lei; se a igualdade material é a atuação estatal para atenuar desigualdades contundentes, a igualdade enquanto livre desenvolvimento da personalidade é o resultado satisfatório de-corrente do processo evolutivo de respeito para com a igualdade material. Trata--se, na realidade, de oferecer condições materiais igualitárias entre os indivíduos componentes de um mesmo corpo social, tendo por finalidade garantir um desen-volvimento pessoal constitucionalmente adequado, potencializando, assim, um direito de ação geral, tal qual o desenvolvimento livre da personalidade.

4 A DEMOCRACIA CONSTITUCIONAL E O SEU TRIPLO VÉRTICEA Constituição possui diversos objetivos, seja a restruturação do Estado,

a redemocratização do sistema de governo, a institucionalização dos direitos fundamentais, etc.21.

Porém, cabe ressaltar que não há como se falar que tais objetivos são ma-terializados sem que se tenha a devida compreensão da força normativa maior

20 Direitos fundamentais, p. 179-180. 21 Neste sentido, Afirma Luís Roberto Barroso que: “No mundo moderno, sem embargo dos múltiplos modelos

constitucionais que podem ser adotados, os objetivos últimos da Constituição podem ser assim sistematizados: a) institucionalizar um Estado democrático de direito, fundado na soberania popular e na limitação do poder; b) assegurar o respeito aos direitos fundamentais, inclusive e especialmente o das minorias políticas; c) contribuir para o desenvolvimento econômico e para a justiça social; d) prover mecanismos que garantam a boa administração, com racionalidade e transparência nos processos de tomada de decisão, de modo a propiciar governos eficientes e probos” (Curso de direito constitucional contemporâneo, p. 113-114).

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que emana do Texto Constitucional, decorrente de sua própria supremacia no ordenamento jurídico.

Entretanto, para que tal força normativa seja resguardada, cabe recorrer aos ensinamentos de Konrad Hesse:

Quanto mais o conteúdo de uma Constituição lograr corresponder à natureza singular do presente, tanto mais seguro há de ser o desenvolvimento de sua força normativa. [...] Constitui requisito essencial da força normativa da Constituição que ela leve em conta não só os elementos sociais, políticos e econômicos do-minantes, mas também que, principalmente, incorpore o estado espiritual [...] de seu tempo. Isso lhe há e assegurar, enquanto ordem adequada e justa, o apoio e a defesa da consciência geral. Afigura-se, igualmente, indispensável que a Cons-tituição mostre-se em condições de adaptar-se a uma eventual mudança dessas condicionantes. Abstraídas as disposições de índole técnico-organizatória, ela deve limitar-se, se possível, ao estabelecimento de alguns poucos princípios fun-damentais, cujo conteúdo específico, ainda que apresente características novas em virtude das céleres mudanças na realidade sócio-política, mostre-se em con-dições de ser desenvolvido. A constitucionalização de interesses momentâneos ou particulares exige, em contrapartida, uma constante revisão constitucional, com a inevitável desvalorização da força normativa da Constituição.22

Se a democracia é pautada nos ditames constitucionais, resguardando especialmente a justiça social, os direitos fundamentais com especial proteção aos grupos minoritários e à dignidade da pessoa humana, se mostra claramente que tais ditames são institucionalizados visando garantir o devido desenvolvi-mento dos indivíduos, lato sensu, daqueles os quais viverem sob a força norma-tiva de tal Texto Constitucional.

Porém, a democracia constitucional, apesar de una, possui competências e vértices distintos, entretanto conexos, cada qual com a sua própria maneira de composição, atuação, finalidade, etc., de modo que a democracia consti-tucional, no pensamento de Carlos Ayres Britto, pode ser procedimentalista, substancialista ou material, e fraternal23.

Apresentados como “traços fisionômicos”, afirma o eminente autor: [...] status civilizatório ou elevado padrão de civilidade de todo um povo é uma terceira dimensão conceitual do humanismo. A mais recorrente, por sinal. A ser alcançada mediante mecanismos de Direito positivo que já se contêm no con-temporâneo conceito de democracia [...].24

Isto posto, revela o entendimento do autor no sentido de que a democra-cia constitucional, apresentada em caráter de vértice triplo, é pressuposto para a concretização do humanismo enquanto categoria constitucional. Vamos além,

22 HESSE, Konrad. A força normativa da constituição. Trad. Gilmar Ferreira Mendes, p. 20-21. 23 V. BRITTO, Carlos Ayres. O humanismo como categoria constitucional, p. 33-34. 24 Idem, p. 33.

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é pressuposto para a devida garantia da dignidade da pessoa humana e de todos os demais direitos fundamentais decorrentes da mesma.

Nas palavras do autor, a democracia procedimentalista:

[...] também conhecida por Estado Formal de Direito ou Estado Democrático de Direito, traduzida no modo popular-eleitoral de constituir o Poder Político (composto pelos parlamentares e pelos que se investem na chefia do Poder Exe-cutivo), assim como pela forma dominantemente representativa de produzir o direito legislado.25

A democracia procedimentalista é, portanto, aquela que afere e cuida de-vidamente da igualdade formal entre os integrantes de uma mesma sociedade. Concretiza-se com a escolha dos representantes políticos dos cidadãos, legiti-madas por um probo processo de voto, tendo cada cidadão o respeito ao voto paritário, isto é, o voto de um tem o mesmo valor do voto dos demais, onde os direitos políticos devem ter sido exercidos com ausência de qualquer vício que os contamine, e com os caminhos percorridos pelo Direito positivado por tais representantes, limitados, obviamente, pela Constituição.

Por óbvio, diversas são as questões suscitadas, por assim dizer, no pro-cedimento da democracia procedimentalista; pois, ainda que se afirme que ela se traduz no modo popular-eleitoral, cabe reconhecer que tal manifestação, por vezes, não se faz aceita aos próprios preceitos democráticos, por exemplo, ao eleger um representante sem conhecer sua plataforma de campanha, ou mesmo tendo conhecimento da ausência de probidade do mesmo. Caso perfeita fosse, a democracia procedimentalista não necessitaria de uma lei como a do “ficha limpa” que, em termos gerais, tem por finalidade limitar direito fundamental de exercício extremamente limitado26; para além disso, busca-se no direito à “salvação” do voto livre, é a sociedade (afinal, legislação de iniciativa popular) exigindo que haja uma lei que restrinja, ainda mais, direitos políticos de tercei-ros, para que a própria sociedade possa votar em candidatos diferentes!

Seria de fato necessária uma legislação neste sentido?

No que concerne ao direito à igualdade, cuida-se, assim, formalmente do resguardo à igualdade em sua acepção formal, respeitando a vontade de uma maioria legitimamente expressa nas urnas eleitorais, porém com todos os cida-dãos sendo formalmente equiparados perante a legislação vigente, portando-se a Constituição como escudo contra qualquer ingerência em sentido oposto.

Já quanto à democracia substancialista ou material:

25 Idem, p. 34. 26 Afinal, não basta que o cidadão queira exercer o direito de ser votado para que isso aconteça. Primeiro

é necessário satisfazer imposições constitucionais relativas à idade para ocupação do cargo; isto feito, é necessário que o cidadão se filie a um partido político; depois, cabe a ele conseguir o apoio de uma maioria política dentro do próprio partido para que seja lançada sua candidatura; somente então seu nome será levado para votação popular; e, como se não bastasse, além de necessitar atingir expressiva votação popular, deve satisfazer o que determina a lei do “ficha limpa”.

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[...] a se operacionalizar: a) pela multiplicação dos núcleos decisórios de po-der político, seja do lado de dentro do Estado (descentralização orgânica), seja do lado de fora das instâncias estatais (descentralização personativa, como, por amostragem, o plebiscito, o referendo e a iniciativa popular); b) por mecanismos de ações distributivas no campo econômico-social [...].27

De tal feita, no pensamento do autor, a democracia material é expressa no princípio federalista que norteia a forma estatal, ou mesmo por meio do exercício da democracia semidireta, além de que por “mecanismos de ações distributivas” tem-se presente a própria concepção de igualdade material ou materializadora de condições, em especial da distribuição de renda.

Entretanto, cabe questionar o verdadeiro funcionamento de tal demo-cracia substancialista em um Estado Federal como a República Brasileira, pois, ainda que a Constituição garanta autonomia política/administrativa dos Estados--membros, é fato que tal autonomia é bastante restrita, impedindo, por vezes, a própria materialização de condições à população de um determinado Estado--membro que, mesmo apresentando características distintas dos demais Esta-dos, acaba por não poder legislar de modo regionalizado devido incompetência constitucionalmente expressa, caindo na abrangência da legislação federal.

Já no que se refere ao processo semidireto de participação popular, tal argumento nos parece cabível na democracia procedimentalista e não como exemplo do vértice substancialista, pois trata-se de exercício de direito político de participação dos caminhos a serem percorridos pelo Estado, porém não jaz diferente de um modo “popular-eleitoral de constituir o poder político”, haja vista o fato de que uma majoritariedade, por exemplo, por meio do referendo, irá se manifestar acerca de uma determinada matéria.

Sendo assim, se da democracia procedimentalista é extraível a igualdade formal, da democracia substancialista, enquanto segundo vértice da democra-cia constitucional, se extrai a igualdade em sua concepção formal voltada à organização das instituições estatais que deve ser devidamente observada pelo Estado em um regime pautado na democracia constitucional, bem como no tra-to entre os entes que compõem a Federação; entretanto, apresenta também viés de igualdade material, fornecendo meios para que os entes federados possam estabelecer políticas adequadas para a sua realidade própria, tendo por finalida-de a concretização do art. 3º, III, da Constituição Federal de 198828.

No que concerne à democracia fraternal:

[...] caracterizada pela positivação dos mecanismos de defesa e preservação do meio ambiente, mais a consagração de um pluralismo conciliado com o não pre-conceito, especialmente servido por políticas públicas de ações afirmativas que operem como fórmula de compensação das desvantagens historicamente sofridas

27 O humanismo..., p. 34.28 “Erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais.”

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por certos grupamentos sociais, como os multirreferidos segmentos dos negros, dos índios, das mulheres, dos portadores de deficiência física (espécie de igualdade civil-moral, como ponto de arremate da igualdade política e econômico-social).29

A democracia fraternal como último vértice da democracia constitucio-nal é caracterizada pela preservação do meio ambiente para as próximas gera-ções, entendido tal direito ao meio ambiente saudável como indispensável para o devido gozo da vida humana, além da devida positivação de mecanismos que visem igualar a balança social, ações afirmativas essas que, como já vimos aci-ma, ao terem seu objetivo concretizado, são instrumento da igualdade material para que seja alcançado um direito de ação geral, tal qual o livre desenvolvi-mento da personalidade.

A proposta é verdadeiramente fraternal, pois estende a mão àqueles que historicamente foram agredidos por uma maioria social, o que ao longo do tempo fez com que um grande preconceito fosse construído quanto à imagem de tal grupo de pessoas, além das demais violências decorrentes de tal processo discriminatório.

Neste sentido, tendo por finalidade a promoção do bem de todos sem preconceitos, independentemente de origem, raça, sexo, cor, idade e quais-quer outras formas de discriminação (Constituição Federal Brasileira de 1988, art. 3º, IV), o Poder Público desenvolve os mais diversos projetos de caráter so-cial, tal qual o Programa “Viver sem Limites”30 – que busca facilitar a acessibili-dade de pessoas deficientes por meio do Plano Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência31 –, assim como busca a normatização de medidas inclusivas, como o sistema de cotas sociais estabelecido pela Lei nº 12.711/2012.

Consoante, cabe destacar o papel da jurisdição constitucional, especial-mente no que concerne à proteção de tais grupos minoritários. Funcionando como verdadeiro escudo da sociedade contra ela mesma, o Supremo Tribunal Federal, ainda que por vezes enfrentando o ônus da contramajoritariedade, já se manifestou pela constitucionalidade da política de cotas étnico-raciais (ADPF 186); assim como proferiu interpretação conforme à Constituição à exegese fei-ta a partir dos dispositivos do Código Penal que criminalizavam o aborto de feto anencefálico (ADPF 54); e se manifestou de acordo com a constitucionalidade da união estável entre pares homoafetivos (ADIn 4.277 e ADPF, recebida como ADIn 132), todos exemplos de precedentes que podem ser apontados como inclusivos, não discriminatórios e verdadeiramente proferidos em uma demo-cracia que busca a fraternidade.

29 O humanismo..., p. 34.30 Que pode ser melhor conhecido no link a seguir: <http://www.brasil.gov.br/viversemlimite>. Acesso em: 12

fev. 2013. 31 Composto pelos Decretos nºs 7.612/2011, 7.613/2011, 7.617/2011, 7.660/2011 e 7.705/2012, além

das Portarias nºs 793/2012, 971/2012, 2.109/2012 e Portaria Interministerial nº 362/2012. E, por fim, da Lei nº 12.613/2012.

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De tal feita, o direito à igualdade lato sensu decorre, sem maiores dificul-dades interpretativas, da Constituição, dentro de um sistema de governo demo-crático constitucional, porém a própria democracia constitucional é dotada de triplo vértice, que faz com que o direito à igualdade assuma, por consequência lógica, também um triplo vértice.

Se a democracia constitucional tem como vértices o caráter procedimen-talista, substancialista ou material, e o fraternal, da mesma maneira se apresen-ta o direito à igualdade, com traços fisionômicos enquanto formal, material e livre desenvolvimento da personalidade (potencializada pela satisfação total de ações afirmativas).

CONSIDERAÇÕES FINAISNo presente estudo, as seguintes conclusões puderam ser alcançadas:

1. O direito à igualdade reveste-se de características marcantes e essen-ciais para seu funcionamento adequado, seja de modo formal, material ou ain-da enquanto propulsor da satisfação de um direito de ação geral. Trata-se de direito fundamental mínimo (ou de defesa) de grande importância para a con-cretização dos demais direitos fundamentais. Não há dignidade sem igualdade, e ainda que se possa criticar que a afirmação inversa seria tão adequada quanto – o que não se pretende combater até devido ao caráter concorrente dos direitos fundamentais –, é fato que a evolução do estudo acerca da isonomia deve ser capaz de levá-lo a novos rumos. Buscou-se, pois, almejar tais rumos.

Se a igualdade formal apresenta defesa vertical (isto é, cidadão-Estado), cabe ao legislador respeitá-la, de modo que a não fornecer meios para sua vio-lação, assim como não permitir a hierarquização entre indivíduos que estejam em uma mesma situação fática, necessitando, portanto, de uma normatização igual. Por exemplo, para não ocorrer em proteção insuficiente (untermassverbot) e, assim sendo, por vezes, violar uma pretensão de igualdade na lei, cabe ao legislador realizar ampla pesquisa, preferencialmente pluralística, para que a sociedade aberta dos intérpretes da Constituição possa se manifestar em tempo hábil, tendo por finalidade evitar a positivação de documento inconstitucional.

Por outro lado, no que se refere à defesa horizontal (isto é, cidadão--cidadão) do direito à igualdade, cabe ao cidadão, no âmbito de suas relações privadas, fazer valer a norma constitucional, respeitando-a e potencializando sua eficácia, não realizando discriminação onde esta não cabe. Vale dizer, de grande problemática é a questão relativa ao efeito total ou à eficácia das nor-mas constitucionais entre particulares, devendo, entretanto, prevalecer a força normativa da Carta Maior. Exige-se, pois, vontade de Constituição (Wille zur Verfassung)32 aos membros de uma determinada sociedade.

32 HESSE, Konrad. A força normativa da constituição, p. 19.

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2. Já no que concerne à igualdade material, cabe sensibilidade prática para se fazer o devido reconhecimento acerca dos grupos sociais que restam em situação de desigualdade para com os demais; onde carece, neste caso, intervenção estatal para que a igualdade substancial – e não mais tão somente formal – seja devidamente restabelecida no seio daquela sociedade. Para além disso, cabe garantir condições para que uma determinada minoria social, opri-mida pela força da maioria, possa exercer seus demais direitos fundamentais de modo igualitário, ainda que seja necessário para tanto a discriminação positiva entre os membros que compõem a sociedade.

Neste sentido, os mais diversos mecanismos de inclusão social são de-senvolvidos pelo Estado, justamente tendo por finalidade a diminuição da situa-ção de desigualdade. Quando o constituinte originário impôs a promoção do bem de todos como princípio fundante da República Brasileira, acabou por vin-cular a máquina estatal (Executivo, Legislativo, Judiciário) à devida execução, positivação e manutenção efetiva de tais mecanismos de inclusão. No artigo que se apresenta, para além disso, coube afirmar que, quando satisfeitas as mais diversas ações afirmativas, isto é, quando os mecanismos de inclusão social obtiverem satisfação plena quanto aos seus objetivos, estar-se-ia diante de uma manifestação pouco explorada acerca do direito à igualdade, a igualdade en-quanto potencializadora do livre desenvolvimento da personalidade.

3. Direito de ação geral, o desenvolvimento livre da personalidade é sub-sidiário aos demais direitos de liberdade, de modo que, onde as mais diversas li-berdades (comunicação, manifestação, opinião, religião, ideologia, etc.) do indi-víduo não atuem, o livre desenvolvimento da personalidade atuará. Identificado enquanto autodeterminação, autopreservação e autoapresentação, pressupõe para o seu devido exercício a satisfação de parâmetros de desenvolvimento que sejam minimamente adequados, o que aqui se conformou em afirmar como digno-cons-titucional, parâmetro de desenvolvimento, portanto, aferido constitucionalmente.

Isto é, quando a Constituição Brasileira impõe a educação básica obri-gatória e gratuita dos quatro aos dezessete anos de idade33 e considerando que o ensino deve ser ministrado com base nos princípios da igualdade de condi-ções para o acesso e permanência na escola34; liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber35; e ainda o pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas36; se faz claramente presente a promoção do livre desenvolvimento da personalidade do indivíduo por meio de direitos fundamentais especiais, agindo tais direitos (em especial o direito à educação) como parâmetro de digno-constitucional a ser atingido.

33 Art. 208, I, da CF/1988.34 Art. 206, I, da CF/1988.35 Art. 206, II, da CF/1988.36 Art. 206, III, da CF/1988.

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4. Entretanto, o desenvolvimento teórico que aqui se propõe não seria pos-sível caso não reconhecida a democracia de triplo vértice, pois não há exercício pleno de liberdade – seja ela qual for – que se faça à margem de um Estado de-mocrático. Não há devido desenvolvimento personal em um Estado controlador do pensamento, da manifestação deste por meio da reunião popular, ou da in-formação ofertada ou recebida. Por tal motivo, a democracia, já no seu primeiro vértice – tal qual como teorizada por Ayres Britto – procedimentalista, sendo o Estado regido por uma Constituição rígida e suprema no ordenamento jurídico, se faz de grande valia para o desenvolvimento teórico que aqui coube realizar.

Faz importante que se reconheça que, no primeiro vértice da democra-cia, o Estado democrático de direito se relaciona com a igualdade formal que deve existir perante a lei entre os cidadãos, sem discriminação onde não jaz motivo substancial para tal, além de estabelecer a força do voto popular como indispensável para sua manutenção, e portando-se o Texto Constitucional como instrumento a repelir qualquer tipo de ingerência que dificulte ou ameace o funcionamento da democracia procedimentalista.

Já quanto à democracia substancialista ou material, relaciona-se com o princípio federalista, da descentralização do poder a fim de resguardar com maior competência as diferentes regiões do Estado, cada qual com suas pecu-liaridades que em âmbito nacional não poderiam ser devidamente cuidadas; trata-se de igualdade formal enquanto a organização dos entes estatais e igual-dade material ou materializadora de condições, especialmente por meio da dis-tribuição de renda. Que seja ressaltado, entretanto, que no Estado brasileiro não necessariamente o federalismo enquanto vértice democrático alcança seu objetivo. Ainda que se possa afirmar que de fato há alguma descentralização no que concerne ao âmbito decisório, faz bem reconhecer que tal âmbito deci-sório, por força constitucional, é mínimo, prejudicando, assim, a satisfação dos anseios da democracia material.

A democracia fraternal, terceiro vértice apontado por Ayres Britto, tem sua esfera de proteção voltada à preservação do meio ambiente para as futuras gera-ções, tendo por finalidade a perpetuação sadia no tempo da espécie humana. Para além disso, busca restabelecer a igualdade material entre as pessoas, porém já não somente no aspecto financeiro, e sim social, como por meio da promoção de cam-panhas educativas de combate ao preconceito, ou mesmo com a positivação de mecanismos afirmativos (ações afirmativas), devendo o Estado ficar ao lado daque-les grupos sociais que historicamente são oprimidos em sua existência, havendo, inclusive, mandamento constitucional que imponha tal conduta estatal, tal qual a promoção do bem de todos sem qualquer tipo de distinção.

5. Não se duvida que a sociedade contemporânea acaba, por vezes, fa-zendo com que o mundo jurídico se torne obsoleto quanto aos objetos de direi-to, ou ao menos quanto ao entendimento que se tem a respeito de tais objetos. Entretanto, há situações em que a questão se inverte, cabendo à sociedade – e não ao direito – evoluir; há momentos históricos em que o direito é obrigado a fazer o processo evolutivo seguir seu rumo, e espera-se que seja capaz de defi-

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nir um rumo adequado: de promoção do bem de todos, de fraternidade, tendo por finalidade dar devida eficácia aos direitos fundamentais.

Braço direito deste entendimento, a jurisdição constitucional exerce pa-pel de fundamental importância quanto à proteção de grupos oprimidos. Ainda que caindo no ônus da contramajoritariedade, o juiz constitucional precisa ser capaz de dar total efetividade aos direitos fundamentais, ainda que de minorias. Neste sentido, o Supremo Tribunal Federal brasileiro já se mostrou de acordo com o pensamento que aqui se desenvolve, em julgados que somente se mos-tram possíveis em um sistema efetivo da democracia de triplo vértice.

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Seção Especial – Comentários Bibliográficos

Recensão Crítica da ObraSOUSA, António Francisco. Reuniões e manifestações no estado de direi-to. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2011.1

ANA RAQUEL MATOSMestre em Sociologia, frequenta o Programa de Doutoramento em Governação, Conheci‑mento e Inovação do Centro de Estudos Sociais e da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra. É investigadora no Núcleo de Estudos sobre Ciência e Tecnologia em Sociedade do CES. Beneficia‑se, actualmente, de uma bolsa de Doutoramento atribuída pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia, no âmbito da qual investiga a relação da participação cidadã e (re)formulação de políticas públicas e, nesse contexto, entre ciência e conhecimentos.

Submissão: 03.02.2014Decisão Editorial: 11.02.2014

Tendo já contribuído com outras análises sobre o direito de manifestação e os movimentos de contestação ou protesto, assim como sobre outras questões relacionadas, António Francisco Sousa consegue elevar este livro ao estatuto de verdadeiro manual, tanto na perspectiva da compreensão como na perspectiva do exercício do direito de reunião e de manifestação. De forma simples e eloquente, o autor permite a transposição – para muitos leitores – dos inacessíveis muros da análise jurídica, colocando em diálogo esta disciplina com outras áreas das ciên-cias sociais.

A análise empreendida conduz-nos a uma leitura em forma de puzzle, que vai acrescentando em cada parágrafo mais uma peça, em um esforço de interrela-cionar, interpretar e colocar em diálogo o saber jurídico com a interpretação pe-rita. Simultaneamente, ao ancorar a escrita na antecipação das múltiplas dúvidas que deste ponto de vista possam surgir para os mais leigos, consegue contrariar a visão espartilhada e dispersa que encontramos nos vários diplomas legais que regulam estas questões.

Assumindo como ponto de partida os dispositivos jurídicos em vigor no Direito português, o autor vai construindo pontes, enumerando contradições e avaliando os efeitos recíprocos que se estabelecem entre a Constituição da Repú-blica Portuguesa (CRP) e a Lei Ordinária, mas também entre (e com) os dispositi-vos do Direito internacional. Tudo isto cerzido com um grande suporte teórico, sobretudo no universo jurídico. Por outro lado, embarca tão retrospectivamente quanto possível em uma viagem pela história comparativa do direito de reunião

1 Este texto foi originalmente publicado no nº 88 da Revista Crítica de Ciências Sociais do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra, reportando-se à edição portuguesa da obra de António Francisco de Sousa, Direito de reunião e de manifestação. Lisboa: Quid Juris, 2009.

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e de manifestação, confrontando a realidade portuguesa com outras realidades, sobretudo europeias.

O livro estrutura-se em seis partes, incluindo um importante acervo de le-gislação em anexo à obra, para além de um índice remissivo de assuntos.

O ponto I dá conta da liberdade de reunião e de manifestação em face da CRP e ao Estado de Direito, analisando não só a realidade portuguesa como a de outros países (Inglaterra, França, Espanha, Alemanha, Itália, entre outros). Neste sentido, deixa-se claro que a evolução do(s) direito(s)/liberdade(s) se fez acom-panhar da trajetória socioeconómica de cada país até o(s) mesmo(s) se tornar(em) indissociável(eis) do quotidiano político da generalidade das sociedades democrá-ticas ocidentais.

Na versão da última revisão constitucional, a todo(a) cidadão(ã) por-tuguês(esa) é consagrado o direito de reunião e de manifestação, como estabelece o capítulo dos “Direitos, liberdades e garantias pessoais” da Constituição da Repú-blica Portuguesa, de 2 de abril de 1976 (direito que está igualmente consagrado na Convenção Europeia dos Direitos do Homem, em vigor desde 1953).

Uma questão central do direito de reunião e de manifestação é a pertinência e a inalienabilidade do seu exercício em respeito pela fórmula “de forma pacífica e sem armas” (art. 45º da CRP), surgindo aqui um primeiro questionamento que a leitura não esclarece totalmente. Ou seja, como se pode exigir pacificidade a uma ação que é enquadrada enquanto direito de manifestação? Isto é, por uma ação cujo motivo pode estar longe de ser “pacífico”? Talvez o problema resida na ambi-guidade da palavra “pacífico” (questionamento que se coloca também para o termo “sem armas”). Neste sentido, o autor assinala que a CRP não define, mas exige pa-cificidade, podendo concluir-se que nem toda reunião e manifestação sem armas pode ser pacífica e interpretando-se que o seu contrário é quase inevitavelmente a “violência” ou o “tumulto”, encerrando-se assim a exigida pacificidade, sem maio-res explicações ou definições, no respeito pela integridade física (no âmbito dos crimes contra a vida e a liberdade de outros e contra bens jurídicos de terceiros).

Igualmente central na obra em análise é a discussão sobre a amplitude do(s) conceito(s) de “reunião e manifestação”, tanto no que se refere ao fim e ao obje-to, como ao número de participantes que implica(m). Pela análise empreendida, fica clara a ampla adoção do conceito quanto aos fins (podendo preconizarem--se quaisquer fins de carácter público, mas também privado) e ao objeto (sendo possível considerar reuniões e manifestações de carácter político ou de natureza particular, desde que circunscritas a propósitos lícitos). Menos consensual, e por isso mais discutível, é o número mínimo de pessoas exigido para que se possa estar juridicamente perante o exercício deste(s) direito(s). Na CRP, o conceito ape-nas exclui o cidadão isolado, enquanto a lei ordinária estabelece o mínimo de três promotores.

Partindo dos pressupostos anteriores, o autor define de forma bastante com-pleta o que é o direito de reunião e de manifestação: “Faculdade que duas ou mais pessoas têm de se encontrar, de forma temporária, pacífica e sem armas,

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num determinado local, público ou aberto ao público, geralmente mediante uma convocatória prévia e com o mínimo de organização, para ouvir, debater e/ou ma-nifestar ideias e opiniões ou para prosseguir outros interesses comuns lícitos” (26).

O autor discute ainda – sobretudo do ponto de vista do direito – se reunião e manifestação são partes de um mesmo direito ou, antes, direitos distintos. Per-filhando a corrente jurídica que advoga a clara distinção entre o exercício destas duas liberdades, passa a definir direito de reunião como ação coletiva, de âmbito privado ou público, que serve a propósitos variados (desde recreativos e profissio-nais a políticos, etc.), e o direito de manifestação como capacidade de ação indivi-dual, de carácter exclusivamente público, que serve normalmente a propósitos ou motivações políticas. Mas talvez o traço mais distintivo entre reunião e manifes-tação incida no entendimento do direito de manifestação como “simples estorvo demonstrativo”, o que supõe a “expressão de uma mensagem dirigida contra ou em direção a terceiros” (47).

Ainda nesta primeira parte, António Francisco Sousa assume o direito de reunião e de manifestação enquanto indicadores preciosos do tipo de democracia vivida por uma determinada sociedade, isto é, como “elementos vitais da demo-cracia e sedes da soberania popular” (43). Ao considerar que “as reuniões e ma-nifestações são uma verdadeira válvula de segurança da sociedade democrática, porque através das reuniões e manifestações as minorias, normalmente afastadas dos centros de decisão, podem erguer a sua voz e dar a conhecer as suas exigên-cias” (42), o autor vem reforçar a noção de que o cenário privilegiado para o exer-cício destes direitos é aquele que se pinta com as cores da democracia representa-tiva, ignorando, por conseguinte, as possibilidades de enquadrar estes direitos em articulação com uma palete de mecanismos mais coloridos, capazes de estimular uma democracia de mais alta intensidade, de base participativa.

Apesar disso, o autor envereda por uma linha argumentativa que considera estes direitos como dos “mais fundamentais” direitos políticos, inscritos no campo do direito básico de participação política democrática, contrariamente às áreas de análise das ciências sociais que se dedicam às questões da participação cidadã na vida política e que, muitas vezes, resistem a conceder protagonismo à contestação e aos protestos (ou ao direito de manifestação), enquanto mecanismos nobres de participação na vida pública.

Nesse sentido, aprofunda ainda a definição de participação, entendendo-a como “o envolvimento das pessoas presentes”, o que sugere a limitação da par-ticipação à sua dimensão presencial em um determinado espaço público. Como entender, assim, o direito de manifestação, e, portanto, de participação, a partir das novas formas de protesto virtual que dispensam o avistamento físico do partici-pante no espaço público? Tal indagação suscita, aliás, outras questões inevitáveis como, por exemplo, a de saber o que pode ser considerado espaço público.

Para o autor, “a organização política que não reconheça o direito de reu-nião e de manifestação revela a sua incapacidade para responder aos desafios das democracias modernas” (42). Deve, contudo, sublinhar-se que essa incapacidade

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é bem mais complexa, não residindo só no não reconhecimento destes direitos essenciais, mas também – à luz das verdadeiras democracias modernas – na pro-moção de outras formas de participação.

Nesse mesmo sentido, refere-se que o direito de manifestação e o de reu-nião são uma “janela por onde se fazem ouvir as minorias” (43), uma visão talvez demasiado redutora desses direitos. Considerando-os como indicadores indisso-ciáveis do tipo de democracia praticada em uma sociedade, esperar-se-ia que o autor os fizesse entrar pela porta principal da democracia.

O ponto II dedica especial atenção à questão jurídico-procedimental, iden-tificando as partes envolvidas nestes processos, a necessidade de aviso-prévio e a constitucionalidade deste dever, consolidando a ideia de que o livro pode servir de manual de funcionamento sobre o direito de reunião e manifestação, já que discute, por exemplo, a utilidade funcional de meios materiais usados em reuniões e manifestações (altifalantes, cartazes, bancas de informação, etc.), bem como a da pertinência que assume a total liberdade de escolha do visual, dos objetos, de exercício artístico e de expressão (nos limites da lei).

No ponto III, analisam-se as manifestações de bloqueio, discutindo-se a controvérsia suscitada, por exemplo, por corpos acorrentados ou deitados em um ato de bloqueio e explorando até onde levar os limites da violência e do exercício deste direito, incluindo a questão da sua licitude.

A matéria de suspensão e dissolução das reuniões e manifestações é tratada no ponto IV, sendo as questões alusivas à intervenção policial analisadas com mais detalhe no ponto V, no qual é interessante notar o recurso à psicologia de massas para explicar a polícia como “faísca no bidão de pólvora” (177) no desen-cadear de uma escalada de violência em que podem converter-se as reuniões e manifestações. Faz uma alusão, ainda que vaga, ao que considera serem “medidas mínimas” ou “suaves” (177) a aplicar sempre que a ordem é perturbada durante o exercício destas liberdades.

Finalmente, a parte VI explora as questões do regime sancionatório a apli-car. Reconhece-se, neste âmbito, que “as reuniões e manifestações constituem um domínio dos mais ricos e expressivos, em termos de análise da intervenção policial, mas também dos mais sensíveis para o cidadão e para o Estado de direito democrático” (185).

António Francisco Sousa conclui a obra aludindo à dificuldade de delimitar os contornos de certas liberdades, como a liberdade artística, de expressão e de crítica, bem como à dificuldade em delimitar o significado de ordem pública. O livro encerra com uma séria advertência, no sentido de que o legislador passe a elaborar normas claras e precisas, capazes de definir satisfatoriamente os limites dos direitos e liberdades dos cidadãos e da própria ação policial.

Esta obra apresenta-se, assim, como uma reflexão profunda e crucial, plena de atualidade, elaborada a partir da ótica jurídica sobre as mais diversas questões implicadas no exercício do direito de reunião e de manifestação.

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Resenha Legislativa

LEIS

leI nº 12.955, de 05.02.2014 – publIcAdA no dou de 06.02.2014Acrescenta § 9º ao art. 47 da Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente), para estabelecer prioridade de tramitação aos proces-sos de adoção em que o adotando for criança ou adolescente com deficiência ou com doença crônica.

leI nº 12.954, de 05.02.2014 – publIcAdA no dou de 06.02.2014Cria o Centro de Tecnologias Estratégicas do Nordeste, o Instituto Nacional de Pesquisa do Pantanal e o Instituto Nacional de Águas; altera a estrutura básica do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação; cria cargos em comissão do Grupo-Direção e Assessoramento Superiores – DAS; altera a Lei nº 10.683, de 28 de maio de 2003; revoga dispositivo da Lei nº 11.906, de 20 de janeiro de 2009; e dá outras providências.

DECRETOS

decreto nº 8.199, de 26.02.2014 – publIcAdo no dou de 27.02.2014Altera o Decreto nº 7.973, de 28 de março de 2013, que aprova o Estatuto da Caixa Econômica Federal – CEF.

decreto nº 8.198, de 20.02.2014 – publIcAdo no dou de 21.02.2014 – edIção eXtrA

Regulamenta a Lei no 7.678, de 8 de novembro de 1988, que dispõe sobre a produção, circulação e comercialização do vinho e derivados da uva e do vinho.

decreto nº 8.197, de 20.02.2014 – publIcAdo no dou de 20.02.2014 – edIção eXtrA

Dispõe sobre a programação orçamentária e financeira, estabelece o cronograma mensal de desembolso do Poder Executivo para o exercício de 2014 e dá outras providências.

decreto nº 8.196, de 19.02.2014 – publIcAdo no dou de 20.02.2014Dispõe sobre o saldo remanescente das autorizações para provimento de cargos, empregos e funções constantes do Anexo V à Lei nº 12.798, de 4 de abril de 2013 – Lei Orçamentária Anual de 2013.

decreto nº 8.195, de 12.02.2014 – publIcAdo no dou de 13.02.2014Altera os Anexos I e II ao Decreto nº 8.030, de 20 de junho de 2013, que aprova a Estrutura Regimental e o Quadro Demonstrativo dos Cargos em Comissão da Secretaria de Políticas para as Mulheres da Presidência da República, e remaneja cargos em comissão.

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DPU Nº 56 – Mar-Abr/2014 – RESENHA LEGISLATIVA .........................................................................................................................233

decreto nº 8.194, de 12.02.2014 – publIcAdo no dou de 13.02.2014Estabelece a aplicação de margem de preferência em licitações realizadas no âmbito da administração pública federal para aquisição de equipamentos de tec-nologia da informação e comunicação, para fins do disposto no art. 3º da Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993.

decreto nº 8.193, de 06.02.2014 – publIcAdo no dou de 07.02.2014Dispõe sobre o remanejamento, em caráter temporário, de cargos em comissão para o Ministério do Esporte.

decreto nº 8.192, de 30.01.2014 – publIcAdo no dou de 31.01.2014Fixa, para a Aeronáutica, os quantitativos de vagas para promoções obrigatórias de oficiais, para os Quadros que menciona, no ano-base de 2013.

decreto nº 8.191, de 30.01.2014 – publIcAdo no dou de 31.01.2014Fixa, para o Exército, os quantitativos de vagas para promoções obrigatórias de Oficiais das Armas, Quadros e Serviços que menciona, no ano-base de 2013.

decreto nº 8.190, de 30.01.2014 publIcAdo no dou de 31.01.2014Fixa, para a Marinha do Brasil, os quantitativos de vagas para promoções obriga-tórias de oficiais para os Corpos e Quadros que menciona, no ano-base de 2013.

decreto nº 8.189, de 21.01.2014 – publIcAdo no dou de 21.01.2014 – edIção eXtrA

Aprova a Estrutura Regimental e o Quadro Demonstrativo dos Cargos em Co-missão e das Funções Gratificadas do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão e remaneja cargos em comissão e funções comissionadas técnicas.

decreto nº 8.188, de 17.01.2014 – publIcAdo no dou de 20.01.2014Dispõe sobre a composição e as competências do Conselho de Participação de Fundos Garantidores para Cobertura de Riscos em Operações de Projetos de In-fraestrutura de Grande Vulto – CPFGIE e do Conselho de Participação em Fundo Garantidor de Operações de Comércio Exterior – CPFGCE.

decreto nº 8.187, de 17.01.2014 – publIcAdo no dou de 20.01.2014Altera o Decreto nº 6.759, de 5 de fevereiro de 2009, que regulamenta a admi-nistração das atividades aduaneiras, e a fiscalização, o controle e a tributação das operações de comércio exterior.

decreto nº 8.186, de 17.01.2014 – publIcAdo no dou de 20.01.2014Estabelece a aplicação de margem de preferência em licitações realizadas no âmbito da administração pública federal para aquisição de licenciamento de

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234 .....................................................................................................................DPU Nº 56 – Mar-Abr/2014 – RESENHA LEGISLATIVA

uso de programas de computador e serviços correlatos, para fins do disposto no art. 3º da Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993.

decreto nº 8.185, de 17.01.2014 – publIcAdo no dou de 20.01.2014Estabelece a aplicação de margem de preferência em licitações realizadas no âmbito da administração pública federal para aquisição de aeronaves executivas, para fins do disposto no art. 3º da Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993.

decreto nº 8.184, de 17.01.2014 – publIcAdo no dou de 20.01.2014Estabelece a aplicação de margem de preferência em licitações realizadas no âmbito da administração pública federal para aquisição de equipamentos de tec-nologia da informação e comunicação, para fins do disposto no art. 3º da Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993.

decreto nº 8.183, de 17.01.2014 – publIcAdo no dou de 20.01.2014Altera o Decreto nº 8.079, de 20 de agosto de 2013, que regulamenta o paga-mento de subvenção econômica aos produtores fornecedores independentes de cana-de-açúcar e às unidades industriais produtoras de etanol combustível, os quais desenvolvam suas atividades na região Nordeste, referente à produção da safra 2011/2012 de que trata a Lei 12.865, de 9 de outubro de 2013.

decreto nº 8.182, de 08.01.2014 – publIcAdo no dou de 09.01.2014Promulga o Acordo entre o Governo da República Federativa do Brasil e o Go-verno da República de Cingapura sobre a Isenção Parcial de Vistos, firmado em Cingapura, em 14 de dezembro de 2011.

MEDIDA PROVISÓRIA

MedIdA provIsórIA nº 638, de 17.01.2014 – publIcAdA no dou de 20.01.2014Altera a Lei nº 12.715, de 17 de setembro de 2012, que institui o Programa de In-centivo à Inovação Tecnológica e Adensamento da Cadeia Produtiva de Veículos Automotores – Inovar-Auto.

Fechamento da Edição: 27.02.2014

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Clipping Jurídico

Demora da administração não pode prejudicar contribuinte na concessão de ex-tarifárioA Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) restabeleceu sentença que garantiu à Empresa Goodyear do Brasil Produtos de Borracha Ltda. a redução da alíquota do Imposto de Importação, de 14% para 2%, para o equipamento deno-minado Sistema Integrado de Alta Produção de Lâminas. A redução foi concedida mediante expedição da Resolução Camex nº 8, publicada em 30 de março de 2005, dois dias depois de ter sido expedida a Ficha de Mercadoria Abandonada, o que levou o Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF3) a decidir pela não inci-dência da redução. Segundo a decisão do TRF3, a demora na apreciação do pedido de ex-tarifário (regime de redução temporária de alíquota) e a inércia administrativa quanto ao pedido de prorrogação do prazo de permanência da mercadoria não suspendem ou interrompem o prazo para o desembaraço aduaneiro. “A conces-são do benefício pela Portaria Camex nº 8/2005 não tem efeitos retroativos para abarcar fatos geradores anteriores e que se submetiam a regra própria e expressa”, afirmou o TRF3. • Razoabilidade: O Relator do caso, Ministro Arnaldo Esteves Lima, entendeu que a demora injustificada da administração na análise do pedido de concessão de ex-tarifário, somente concluída mediante expedição da portaria correspondente logo após a internação do bem, não pode prejudicar o contribuin-te que atuou com prudente antecedência, devendo ser assegurada a redução da alíquota do Imposto de Importação. “Se o produto importado não contava com similar nacional desde a época do requerimento do contribuinte, que cumpriu os requisitos legais para a concessão do benefício fiscal, deve-lhe ser assegurada a redução do Imposto de Importação, mormente quando a internação do produ-to estrangeiro ocorre antes da superveniência do ato formal de reconhecimento por demora decorrente de questões meramente burocráticas”, afirmou o ministro. • Sem similar: A Goodyear protocolou, em 16 de junho de 2004, na Secretaria de Desenvolvimento da Produção do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, pedido de concessão de ex-tarifário para o equipamento des-tinado à fabricação de pneus radiais. O objetivo era obter redução de alíquota do Imposto de Importação, de 14% para 2%, uma vez que o bem não teria similar nacional. O ex-tarifário consiste na isenção ou redução de alíquota do Imposto de Importação, a critério da administração fazendária, para o produto desprovido de similar nacional, sob a condição de comprovação dos requisitos permanentes. No caso, a empresa recebeu o atestado de inexistência de similar nacional, conferido pela Associação Brasileira de Indústria de Máquinas e Equipamentos (ABMAQ) e pelo Sindicato Nacional de Indústria de Máquinas, em 8 de outubro de 2004. Assim, instruiu o pedido de concessão com o atestado e comprou a máquina em dezembro do mesmo ano, no valor de US$ 13.976.233. • Mandado de segurança: A mercadoria atracou no Porto de Santos em 18 de dezembro de 2004 e permane-ceu no recinto pelo prazo máximo de 90 dias, antes que fosse aplicada a pena de perdimento, em 18 de maio de 2005. A concessão do ex-tarifário se deu seis dias depois da aplicação da pena e, mesmo com ela, a empresa não conseguiu retirar a mercadoria, pois lhe estava sendo exigida a alíquota sem a redução, bem como multas decorrentes do abandono da mercadoria por prazo superior ao permitido. A Goodyear, então, impetrou mandado de segurança perante a Justiça Federal. A

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sentença deferiu o pedido, mas o TRF3 decidiu pela não incidência da redução de alíquota. A decisão da Primeira Turma do STJ, de restabelecer a sentença, foi unânime. Nº do Processo: REsp 1174811. (Conteúdo extraído do site do Superior Tribunal de Justiça)

Lei antidumping não tem aplicação retroativaA 8ª Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região mandou liberar mercadoria importada da China que estava retida na alfândega porque, segundo a Fazenda Nacional, a empresa importadora (um bazar) não havia pagado os direitos anti-dumping instituídos por resolução. O processo teve origem na Justiça Federal do Distrito Federal. A sentença julgou improcedente o pedido do bazar para declarar a inexigibilidade do pagamento dos direitos antidumping instituídos pela Resolução Camex nº 24, de 28.04.2010, em relação a canetas esferográficas. Inconformada, a empresa recorreu à segunda instância, no Tribunal Regional Federal da 1ª Região, alegando que o contrato de compra de canetas foi feito em 31.03.2010, data em que as mercadorias foram embarcadas para o Brasil, sem que houvesse qualquer restrição legal relativa à proteção do mercado nacional (antidumping). Entretanto, no dia 29.04.2010 foi publicada a Resolução Camex nº 24, de 28.04.2010, que aplicou os direitos antidumping, por até cinco anos, às importações brasileiras de canetas esferográficas. Outro argumento do bazar foi o de que uma resolução edi-tada posteriormente excluiu dos direitos antidumping certos tipos de caneta, dentre eles alguns dos modelos importados. Ao analisar o recurso, o Relator, Juiz Federal Convocado Clodomir Sebastião Reis, observou que a discussão não se refere à legalidade das disposições contidas na Resolução Camex nº 24/2010, mas, sim, ao momento de sua aplicação. O magistrado explicou que o dumping é um me-canismo de defesa utilizado pelo Estado para a proteção de sua indústria interna contra práticas consideradas desleais de comércio exterior. Segundo o julgador, “a Lei nº 9.019/1995, que dispõe sobre a aplicação dos direitos previstos no Acor-do Antidumping, veda a aplicação do citado direito sobre bens despachados para consumo antes da publicação do ato que o estabelecer, ou seja, proíbe a aplicação do ano normativa de forma retroativa às mercadorias já embarcadas para o Brasil”. Por esse motivo, o magistrado deu razão à empresa (parte agravante), já que as mercadorias foram despachadas para o Brasil em 31.03.2010, antes, portanto, da entrada em vigor da resolução. O relator também observou que vários modelos de canetas importadas não estavam sujeitos ao regime tributário excepcional previs-to nas resoluções discutidas nos autos (Camex nº 24/2010 e Camex nº 57/2010). Ele determinou que tais modelos sejam imediatamente liberados e que as demais canetas sejam desembaraçadas independentemente do pagamento dos direitos an-tidumping instituídos pela Resolução Camex nº 24/2010. Em ambos os casos, sem prejuízo da fiscalização aduaneira. Seu voto foi acompanhado pelos demais ma-gistrados da 8ª Turma. Nº do Processo: 0038551-20.2010.4.01.3400. (Conteúdo extraído do site do Tribunal Regional Federal da 1ª Região)

Prova que delineia conduta ilícita de réu basta para sustentar condenaçãoA 2ª Câmara Criminal do TJ manteve condenação imposta a um homem por porte ilegal de armas e uso de substância tóxica. A sentença aplicou pena de três anos de

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DPU Nº 56 – Mar-Abr/2014 – CLIPPING JURÍDICO..............................................................................................................................237

reclusão em regime aberto, substituída por duas medidas restritivas de direito mais multa, pelo porte ilegal de arma de fogo com numeração suprimida; e três meses de serviços comunitários, pelo uso de drogas. Para a reforma da decisão, o réu negou a autoria das infrações e alegou insuficiência de provas e falhas técnicas no pro-cesso. “Não há como acolher a pretensão do réu, calcada na negativa de autoria e na suposta fragilidade do acervo probatório, tendo em vista que a prova produzida no processo é suficiente para delinear a conduta ilícita perpetrada pelo acusado”, anotou o Desembargador Substituto Volnei Celso Tomazini, Relator da apelação. A decisão foi unânime (Apelação Criminal nº 2012.037879-7). (Conteúdo extraída do site do Tribunal de Justiça de Santa Catarina)

Ex-vice-prefeita é condenada por peculato A Ex-Vice-Prefeita de Cuiabá, Jacy Ribeiro Proença, foi condenada por crime de peculato a quatro anos de reclusão, e a então Chefe de gabinete, Jeniffer Moraes Matos, a 3 anos e seis meses de reclusão, por desviarem R$ 5 mil do Município. Ambas terão que pagar, respectivamente, 90 e 80 dias-multa, sendo fixado cada dia em um terço do salário-mínimo vigente na época dos fatos. A decisão é da Juíza Selma Rosane Santos Arruda, da Vara Especializada Contra o Crime Organizado Crimes Contra a Ordem Tributária e Econômica, Crimes Contra a Administração Pública, Crimes de Lavagem de Dinheiro de Cuiabá. A magistrada substituiu as pe-nas privativas de liberdade por duas penas restritivas de direito. As rés vão prestar serviços gratuitos à comunidade. Terão que realizar serviços gerais em entidade a ser indicada pelo juízo competente para a execução. Elas terão que cumprir uma hora de tarefa por dia de condenação, durante sete horas por semana. Jacy e Jeniffer ainda não poderão sair de suas casas aos sábados e domingos, entre os horários de 23h e 6h. Consta nos autos que o desvio efetuado pelas rés teve como objetivo pagar dívida particular contraída na época da campanha eleitoral de 2006, quando Jacy disputou cargo para deputada federal. Jacy contratou a Empresa Dea Indús-trias Gráficas, do empresário Shinaider Bonfim Gomide, e emitiu cheque que não foi compensado por duas vezes por insuficiência de fundos. Dois anos depois, já como vice-prefeita, simulou tomada de preços e, fraudulentamente, a Empresa Dea foi a vencedora para que pudesse receber o valor dos adesivos veiculares confec-cionados anteriormente para a campanha à Câmara Federal. “Por fim, é importante esclarecer que a convicção do juízo no sentido de que as rés praticaram o ilícito imputado na denúncia não decorre exclusivamente da gravação da conversa entre Shinaider e Jennifer, mas de todo o contexto probatório, testemunhal e documen-tal, que convergente e harmônico e resulta na lógica conclusão de que tudo não passou de uma fraude que visou à quitação de despesa pessoal da ré Jacy mediante a utilização de recursos públicos municipais”, afirma a magistrado em trecho da decisão. (Conteúdo extraído do site do Tribunal de Justiça de Mato Grosso)

Turma reconhece relação de emprego rural entre caseiro e dono de sítioNos termos dos arts. 2º e 3º da Lei nº 5.889/1973, que regula as relações de traba-lho rural, é considerado empregado rural aquela pessoa física que presta serviços em imóvel rural ou prédio rústico a empregador rural, com exploração de atividade agroeconômica. Esse o fundamento que levou a Turma Recursal de Juiz de Fora,

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em sua maioria, a dar provimento parcial ao recurso de um empregado contratado como caseiro, reconhecendo a existência de relação de emprego rural entre ele e o dono do sítio. Na petição inicial, o reclamante informou que foi admitido na fun-ção de trabalhador rural e tinha como atribuições cuidar do gado, efetuar serviços de carpintaria, fazer pedidos e pagamentos de compra de rações e suprimentos necessários ao dia a dia de uma fazenda. Em sua defesa, o reclamado negou que o reclamante fosse trabalhador rural, afirmando que o empregado exercia a função de caseiro, com caráter doméstico, em sítio localizado em uma pequena proprie-dade rural, utilizado unicamente para o lazer em fins de semana. O Juízo de 1º grau reconheceu a relação de emprego doméstico, condenando o réu a pagar ao reclamante aviso-prévio indenizado, férias atrasadas e proporcionais, 13ºs salários, feriados e repousos semanais, com devidos reflexos. Contra essa decisão recorreu o trabalhador, insistindo no seu enquadramento como trabalhador rural. Ele afirmou que a prova oral demonstrou que na fazenda havia dez cabeças de gado, compro-vando a sua finalidade lucrativa. Ao analisar as provas, o Relator do recurso, De-sembargador Luiz Antônio de Paula Iennaco, deu razão ao reclamante. De acordo com o magistrado, há nos autos um documento que demonstra que o reclamado é cadastrado como produtor rural nos registros da Receita Estadual. Além disso, em seu depoimento, o próprio réu informou que havia dez vacas no sítio, cujo leite era vendido para um vizinho, dono de uma padaria. Segundo frisou o relator, a prova oral também foi favorável ao reclamante, pois testemunhas afirmaram que ele reti-rava o leite das vacas todos os dias. E mais: a testemunha do reclamado confirmou que o leite era armazenado no sítio e vendido. Diante das provas, o desembarga-dor entendeu demonstrado que o reclamante participava do cuidado com o gado e da retirada do leite e chegou à conclusão de que ele não era caseiro, mas sim empregado rural, embora a exploração agropecuária fosse modesta. Por maioria de votos, a Turma deu provimento parcial ao recurso do reclamante e declarou o vín-culo empregatício rural entre as partes, acrescentando à condenação o pagamento do FGTS acrescido da multa de 40%, durante todo o período contratual, inclusive sobre o 13º salário; o pagamento das multas dos arts. 467 e 477, § 8º, da CLT, bem como a entrega das guias CD/SD, sob pena de indenização substitutiva (RO 0000763-07.2013.5.03.0076). (Conteúdo extraído do site do Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região)

Falta de provas na ação reintegratória leva à extinção com resolução de mérito A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) reformou acórdão do Tri-bunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) que extinguiu um processo de reintegra-ção de posse de imóvel rural, sem resolução de mérito, por ausência de interesse processual, nos termos do art. 267, inciso VI, do Código de Processo Civil (CPC). No caso em questão, o juízo de primeiro grau julgou o pedido improcedente por ausência de provas do exercício da posse anterior sobre a área em litígio. O TJ mi-neiro confirmou o entendimento, mas alterou a parte dispositiva da sentença para julgar o processo extinto, sem resolução de mérito, por carência de ação (ausência de interesse processual). A parte recorreu ao STJ, defendendo a necessidade de ex-tinção do processo com resolução de mérito, justamente por não terem os autores produzido provas dos fatos constitutivos do seu direito. A controvérsia estava em

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saber se, não tendo os autores da ação reintegratória se desincumbido do ônus de provar a posse alegada (art. 927, inciso I, do CPC), o processo deveria ser extinto com ou sem resolução de mérito. • Interesse processual: Citando doutrina e pre-cedentes, o Relator do recurso, Ministro Villas Bôas Cueva, ressaltou que o TJMG não poderia alterar a parte dispositiva da sentença de primeiro grau para extinguir o processo por carência de ação e sem resolução de mérito, já que o interesse pro-cessual exige a conjugação do binômio necessidade e adequação, cuja presença cumulativa é sempre indispensável para franquear à parte a obtenção da senten-ça de mérito. Para o relator, o acórdão recorrido merece ser reformado porque a condição da ação denominada interesse processual, ou interesse de agir, surge da necessidade de se obter, por meio de um provimento jurisdicional, a proteção a determinado interesse substancial. De acordo com o ministro, no caso julgado, os autores narraram na petição inicial que eram possuidores, por vários anos e sem qualquer oposição, de duas glebas de terra. “Nota-se que há alegação de posse anterior e de esbulho, acompanhadas de suas delimitações temporais, o que torna a ação de reintegração de posse a via adequada e necessária para a retomada do imóvel, não havendo falar, portanto, em ausência de interesse de agir”, enfatizou o relator em seu voto. Para Villas Bôas Cueva, o fato de os autores não terem compro-vado a posse alegada na fase instrutória só pode levar à extinção do processo com resolução de mérito, pois nada impede que a prova seja feita ao longo do processo, em audiência de justificação prévia, ou posteriormente, na fase instrutória própria, de modo a alcançar o juízo de procedência da ação. Assim, o relator concluiu que os autores detinham interesse processual na ação de reintegração de posse, não sendo o caso de extinção do processo sem resolução de mérito. Acompanhando o voto do relator, a Turma deu provimento ao recurso especial para restabelecer a sentença de primeiro grau. Nº do Processo: REsp 930336. (Conteúdo extraído do site do Superior Tribunal de Justiça)

STJ – Terceira Turma aplica relativização da coisa julgada em investigação de paternidade Por maioria de votos, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) deu provimento a recurso especial para retratar julgamento que reconheceu a coisa julgada em investigação de paternidade confirmada sem a realização de exame de DNA. A decisão aplicou ao caso o entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF) que, em repercussão geral, admitiu a relativização da coisa julgada nas ações em que não foi possível determinar a efetiva existência de vínculo genético. O caso envolveu uma ação de investigação de paternidade ajuizada em 1990 e julgada procedente com base em provas documentais e testemunhais. Em 2004, após a realização de dois exames de DNA, foi constatada a ausência de vínculo genético entre pai e filho. O suposto pai, então, moveu ação negatória de paternidade. A sentença julgou procedente a ação. Foram determinados a retificação do registro civil e o fim do pagamento de alimentos. A decisão, entretanto, foi reformada em acórdão de apelação. No recurso especial interposto, o STJ manteve a decisão do Tribunal de origem. Na época, a jurisprudência da Corte era firme no sentido de que, “se está firmada a paternidade, com base nas provas então disponíveis, não é possível pretender a anulação do registro que daí decorre”. • Repercussão geral: Em

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2011, entretanto, no julgamento do Recurso Extraordinário nº 363.889, o STF, sob o instituto da repercussão geral, consolidou o entendimento de que “deve ser rela-tivizada a coisa julgada estabelecida em ações de investigação de paternidade em que não foi possível determinar-se a efetiva existência de vínculo genético a unir as partes, em decorrência da não realização do exame de DNA, meio de prova que pode fornecer segurança quase absoluta quanto à existência de tal vínculo”. Diante dessa orientação, o recurso foi submetido à nova apreciação no STJ, e o Relator, Ministro Sidnei Beneti, concluiu pela retratação do julgamento anterior. “Firmou-se no Supremo Tribunal Federal que, se na ação anterior, reconhecendo a paternida-de (seja na procedência da investigatória movida pelo filho, seja na improcedência da negatória movida pelo genitor), não houve exame de DNA (omissão decorrente de fato não atribuível ao genitor – o que seria questão nova, não constante do julgamento de repercussão geral, que não enfocou a matéria à luz do art. 2º, pará-grafo único, da Lei de Investigação de Paternidade –, nem se chegando, também, nem mesmo a tangenciar a análise da Súmula nº 301/STJ), essa ausência de exame de DNA anterior é o que basta para admissão da nova ação”, disse Beneti. A in-vestigação de paternidade dos filhos tidos fora do casamento é regulada pela Lei nº 8.560/1992. A Súmula nº 301 do STJ diz que, “em ação investigatória, a recusa do suposto pai a submeter-se ao exame de DNA induz presunção juris tantum de paternidade”. (Conteúdo extraído do site do Superior Tribunal de Justiça)

Fechamento da Edição: 28.02.2014

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Bibliografia Complementar

Recomendamos como sugestão de leitura complementar aos assuntos abordados nesta edição os seguintes conteúdos:

ARTIGOS DOUTRINÁRIOS

• Responsabilização de Agentes Políticos por Improbidade Adminis-trativa

Oscar Valente Cardoso Juris SÍNTESE ONLINE e SÍNTESENET, Disponíveis em: online.sintese.com

• Benefícios por Incapacidade e os Direitos Fundamentais Sociais – Concessão de Benefício por Incapacidade à Pessoa que Vive com o Vírus de Imunodeficiência Humana (HIV): Um Estudo de Caso Envolvendo o Assintomático

Tatiana Sada Jordão Juris SÍNTESE ONLINE e SÍNTESENET, Disponíveis em: online.sintese.com

• O Casamento entre Pessoas do Mesmo Sexo – Uma Abordagem Atual e Desideologizada

José Conrado Kurtz de Souza Juris SÍNTESE ONLINE e SÍNTESENET Disponíveis em: online.sintese.com

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Índice Alfabético e Remissivo

Índice por Assunto Especial

DOUTRINA

Assunto

Tempo e ConsTiTuição

• O Futuro das Constituições na Era da Globaliza-ção. Identidade Nacional e “Estado Constitucio-nal Cooperativo” na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 ( Paolo Ridola)..........9

Autor

paolo riDola

• O Futuro das Constituições na Era da Globaliza-ção. Identidade Nacional e “Estado Constitucio-nal Cooperativo” na Constituição da RepúblicaFederativa do Brasil de 1988 .................................9

TEXTOS CLÁSSICOS

Tempo e ConsTiTuição

• Prolegómenos de um Entendimento da Consti-tuição “Adequada ao Tempo” (Peter Häberle) .....24

Autor

peTer HäBerle

• Prolegómenos de um Entendimento da Consti-tuição “Adequada ao Tempo” ..............................24

JURISPRUDÊNCIA

manDaDo De segurança

• Mandado de segurança – Tribunal de Contas da União – Bolsista do CNPQ – Descumprimento da obrigação de retornar ao país após término da concessão de bolsa para estudo no exte-rior – Ressarcimento ao erário – Inocorrência de prescrição – denegação da segurança (STF) ..................................................................2529, 54

EMENTÁRIO

asCensão funCional

• Ascensão funcional – decisão judicial de anu-lação proferida mais de 10 anos após a altera-ção – segurança jurídica – aquisição de direitos ..................................................................2530, 63

Desapropriação

• Desapropriação indireta – prazo – aquisição de direitos ......................................................2531, 63

exeCução De senTença

• Execução de sentença em ação coletiva – ne-cessidade de preservação de situações jurídicasconsolidadas – segurança jurídica .............2532, 64

omissão ConsTiTuCional

• Omissão constitucional – ausência de regula-mentação de direito fundamental – transcursode prazo ....................................................2533, 64

prazo ConsTiTuCional

• Prazos estabelecidos na constituição das omis-sões constitucionais caracterizadas pelo passardo tempo ...................................................2534, 67

presCrição

• Prescrição – Ação de ressarcimento ao Erário –Inocorrência ..............................................2535, 68

• Prescrição – Bolsista do CNPQ – devolução dos valores – imprescritibilidade – art. 37, § 5º, daConstituição ..............................................2536, 69

TransferênCia De aluno

• Transferência de aluno – conclusão do cursosuperior – teoria do fato consu mado ..........2537, 69

Índice Geral

DOUTRINA

Assunto

DireiTo funDamenTal

• Direito Fundamental à Propriedade e Proteção da Minoria Societária nas Sociedades Anônimas(Fabriccio Quixadá Steindorfer Proença)..............97

separação De poDeres

• A Constituição dos Estados Unidos, Separação de Poderes e Poder Regulamentador (Débora MaraCorrea de Azevedo) .............................................70

Autor

DéBora mara Correa De azeveDo

• A Constituição dos Estados Unidos, Separação de Poderes e Poder Regulamentador ........................70

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DPU Nº 56 – Mar-Abr/2014 – ÍNDICE ALFABÉTICO E REMISSIVO ................................................................................................................243 faBriCCio QuixaDá sTeinDorfer proença

• Direito Fundamental à Propriedade e Proteção da Minoria Societária nas Sociedades Anônimas ............................................................................97

Seção Especial

DOUTRINA ESTRANGEIRA

Assunto

aDminisTraCión púBliCa

• La Transparencia en la Administración Pública del Ecuador. Las Compras Públicas Electróni-cas el “Cubo de Cristal” de la Accountability y Buen Gobierno (Andres Martinez Moscoso) ..........................................................................186

Autor

anDrés marTinez mosCoso

• La Transparencia en la Administración Pública del Ecuador. Las Compras Públicas Electrónicas el “Cubo de Cristal” de la Accountability y BuenGobierno ...........................................................186

TEORIAS E ESTUDOS CIENTÍFICOS

DireiTo à igualDaDe

• Direito à Igualdade e Livre Desenvolvimento da Personalidade: Construindo a Democra-cia de Triplo Vértice (Maurício Sullivan BalheGuedes) .............................................................210

Autor

mauríCio sullivan BalHe gueDes

• Direito à Igualdade e Livre Desenvolvimento da Personalidade: Construindo a Democracia deTriplo Vértice .....................................................210

COMENTÁRIOS BIBLIOGRÁFICOS

• Recensão Crítica da Obra (Ana Raquel Matos)...228

ACÓRDÃOS NA ÍNTEGRA

ação De CoBrança

• Administrativo – Processual civil – Ação de co-brança – ECT – Contrato de prestação de serviço de impresso especial – Comprovação documen-tal dos serviços prestados – A ré foi cientifica- da administrativamente da existência do débi-

to – Atualização monetária e multa prevista nocontrato – Sentença mantida (TRF 2ª R.) ..2539, 124

auxílio-Doença

• Previdenciário – Pagamento de valores devidos em virtude de auxílio-doença – Cancelamento na data do óbito (TRF 4ª R.) .....................2541, 146

exCeção De pré-exeCuTiviDaDe

• Exceção de pré-executividade – Aplicação da multa de 75% prevista no art. 44, I, da Lei nº 9.430/1996 – Possibilidade diante da ine-xistência de fatos que demonstrem, no caso concreto, o seu caráter confiscatório – Impro-vimento do agravo de instrumento (TRF 5ª R.) ................................................................2542, 151

liCiTação

• Penal – Lei nº 8.666/1993 – Arts. 86 e 90 – Frau-de processo licitatório – Irregularidades – Do- lo não demonstrado – Absolvição – Sentença mantida (TRF 1ª R.) ..................................2538, 112

responsaBiliDaDe Civil Do esTaDo

• Processual civil – Responsabilidade civil – Le-gitimidade da união – Questão decidida no sa- neador – Interdição de rodovia para reparos – Pre- juízos para estabelecimentos comerciais situa- dos à sua margem – Licitude da interdição – An-terior omissão da administração pública com o dever de zelar pela coisa – Danos materiais comprovados – Inexistência de dano moral – Responsabilidade subsidiária da União junto ao DNIT – Correção monetária – Aplicação da Lei nº 9.494/1997, em sua redação atual (TRF 3ª R.) ................................................................2540, 129

EMENTÁRIO

Administrativo

ConCurso púBliCo

• Concurso público – dados atualizados – manu-tenção – candidato – responsabilidade ....2543, 155

improBiDaDe aDminisTraTiva

• Improbidade administrativa – ex-prefeito – leite em pó e latas de óleo – não distribuição – pre-juízo ao Erário – prova insuficiente ..........2544, 156

liCiTação

• Licitação – licitante vencedora – assinatura do contrato – recusa – punição .....................2545, 157

proCeDimenTo aDminisTraTivo

• Procedimento administrativo – professora – rede estadual – licença – tratamento de saúde – função remunerada – exercício – vedação ................................................................2546, 158

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244 .........................................................................................................DPU Nº 56 – Mar-Abr/2014 – ÍNDICE ALFABÉTICO E REMISSIVO

responsaBiliDaDe Civil Do esTaDo

• Responsabilidade civil do Estado – instituição de ensino federal – aluno e professor – conflito – danos morais – descabimento .............. 2547, 158

serviDão aDminisTraTiva

• Servidão administrativa – instituição – imissão provisória da posse – pagamento integral – pres-cindibilidade ..........................................2548, 159

TrânsiTo

• Trânsito – CNH – bloqueio – fraudes – apura-ção – possibilidade ..................................2549, 159

• Trânsito – CNH – permissão – infrações grave/gravíssima – procedimento administrativo pen-dente – concessão – impedimento – inadmissi-bilidade ...................................................2550, 159

Ambiental

meio amBienTe

• Meio ambiente – poluição – emissão de fases – irregularidades – Anac – interesse jurídico – Justiça Federal – competência .................2551, 160

Constitucional

ação DeClaraTória De ConsTiTuCionaliDaDe

• Ação declaratória de constitucionalidade – pe-tição inicial – indeferimento – princípio da colegialidade – violação – não configuração ................................................................2552, 160

ação DireTa De inConsTiTuCionaliDaDe

• Ação direta de inconstitucionalidade – Lei Com-plementar Municipal – plano diretor – modi- ficação – art. 116 da Constituição Estadual doRN – violação ..........................................2553, 160

ação popular

• Ação popular – evento religioso – situação caó-tica – licença – cassação ..........................2554, 161

• Ação popular – programas do Ministério da Cultura – negros e pardos – destinação exclu-siva – ações afirmativas – constitucionalidade ...............................................................2555, 161

eDuCação

• Educação – sistema de cotas – alunos oriundos de escolas públicas – limitação – princípio da igualdade – violação ................................2556, 162

manDaDo De inJunção

• Mandado de injunção – aposentadoria – com-plementação – Município – edição de lei – re-

posição da inflação – inadmissibilidade – ilegi-timidade passiva ......................................2557, 163

• Mandado de injunção – servidor público – re-visão geral anual – omissão legislativa – ordemconcedida ................................................2558, 164

Processo Civil e Civil

ação De aBaTimenTo De preço

• Ação de abatimento de preço – discussão – na-tureza de venda de bem imóvel (se ad corpus ou ad mensuram) – interpretação de cláusulas contratuais – inadmissibilidade ................2559, 164

ação revoCaTória

• Ação revocatória – inépcia da petição inicial – causa de pedir – consilium fraudis – omissão ................................................................2560, 165

Bem De família

• Bem de família – penhora sobre fração ideal– possibilidade .........................................2561, 165

Cessão De CréDiTo

• Cessão de crédito – ausência de notificação – consequências – decisão agravada mantida ................................................................2562, 166

Factoring

• Factoring – faturizador – direito de regresso –prequestionamento ................................. 2563, 167

soCieDaDe anônima

• Sociedade anônima – assembleia geral – as-sunto omisso na publicação da ordem do dia –nulidade da deliberação – higidez .......... 2564, 167

união esTável

• União estável – ação declaratória – existênciade legitimidade ativa .............................. 2565, 167

Penal/Processo Penal

arrepenDimenTo posTerior

• Arrependimento posterior – Súmula nº 444 doSTJ – incidência .......................................2566, 170

Casa De prosTiTuição

• Casa de prostituição – rufianismo – prisão pre-ventiva – requisitos – impossibilidade ......2567, 170

Crime amBienTal

• Crime ambiental – extração de recurso mineral– concurso formal – não ocorrência ........ 2568, 172

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DPU Nº 56 – Mar-Abr/2014 – ÍNDICE ALFABÉTICO E REMISSIVO ................................................................................................................245 Crime ConTra a relação De Consumo

• Crime contra a relação de consumo – exposi-ção à venda de mercadoria imprópria – prova da materialidade – necessidade – absolvição ................................................................2569, 173

inTerrogaTório

• Interrogatório – videoconferência – carta preca-tória – réus com domicílio distante do juízo da culpa – dificuldades financeiras – demonstração ............................................................... 2570, 175

violênCia DomésTiCa

• Violência doméstica – lesão corporal – pala-vra da vítima – absolvição – impossibilidade ................................................................2571, 175

Trabalhista/Previdenciário

ação regressiva

• Ação regressiva – dano causado pelo ex-em-pregado a terceiros – ressarcimento de valores – cabimento .............................................2572, 176

aCiDenTe De TraBalHo

• Acidente do trabalho – incapacidade e nexo causal – necessidade de nova perícia e de visto-ria na empregadora – cabimento .............2573, 177

aposenTaDoria

• Aposentadoria – acumulação de proventos – acumulação de dois benefícios de entes públi-cos diversos – possibilidade .....................2574, 177

• Aposentadoria especial – agentes químicos e biológicos – conversão do período em tempo comum – benefício concedido ............... 2575, 178

arBiTragem

• Arbitragem – direito do trabalho – compatibili-dade ........................................................2576, 178

Dano moral

• Dano moral – revista íntima – excesso do poder diretivo do empregador – indenização devida ................................................................2577, 179

ruríCola

• Rurícola – “troca de eito” – integração do tem-po à jornada laboral – remuneração – forma deapuração ................................................ 2578, 181

Tributário

ConTriBuição previDenCiária

• Contribuição previdenciária – parcelas traba-lhistas reconhecidas em juízo – fato gerador

do tributo – encargos moratórios – incidência ................................................................2579, 181

DesemBaraço aDuaneiro

• Desembaraço aduaneiro – veículo – “veícu-lo novo” – importação – critério de definição ................................................................2580, 181

iCms

• ICMS – e-commerce – consumidor final não contribuinte – limitação ao aproveitamento de créditos – alíquota interestadual – aplicação – impossibilidade .....................................2581, 182

imuniDaDe

• Imunidade – IPTU – sociedade de economia mista – imunidade recíproca – aplicabilidade ................................................................2582, 184

iTCmD

• ITCMD – base de cálculo – exegese ........2583, 184

oBrigação aCessória

• Obrigações acessórias – classificação incorreta de mercadoria – boa-fé – comprovação – mul-ta – não cabimento – compensação – limites ............................................................... 2584, 184

Taxa

• Taxa – fundo especial de dragagem – institui-ção – ilegalidade ....................................2585, 184

RESENHA LEGISLATIVA

leis

• Lei nº 12.955, de 05.02.2014 – publicada no DOU de 06.02.2014 .........................................232

• Lei nº 12.954, de 05.02.2014 – publicada no DOU de 06.02.2014 .........................................232

DeCreTos

• Decreto nº 8.199, de 26.02.2014 – publicado no DOU de 27.02.2014 ....................................232

• Decreto nº 8.198, de 20.02.2014 – publicadono DOU de 21.02.2014 – edição extra..............232

• Decreto nº 8.197, de 20.02.2014 – publicado no DOU de 20.02.2014 – edição extra..............232

• Decreto nº 8.196, de 19.02.2014 – publicadono DOU de 20.02.2014 ....................................232

• Decreto nº 8.195, de 12.02.2014 – publicadono DOU de 13.02.2014 ....................................232

• Decreto nº 8.194, de 12.02.2014 – publicado no DOU de 13.02.2014 ....................................233

• Decreto nº 8.193, de 06.02.2014 – publicadono DOU de 07.02.2014 ....................................233

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246 .........................................................................................................DPU Nº 56 – Mar-Abr/2014 – ÍNDICE ALFABÉTICO E REMISSIVO

• Decreto nº 8.192, de 30.01.2014 – publicado no DOU de 31.01.2014 ....................................233

• Decreto nº 8.191, de 30.01.2014 – publicadono DOU de 31.01.2014 ....................................233

• Decreto nº 8.190, de 30.01.2014 – publicadono DOU de 31.01.2014 ....................................233

• Decreto nº 8.189, de 21.01.2014 – publicadono DOU de 21.01.2014 – edição extra..............233

• Decreto nº 8.188, de 17.01.2014 – publicadono DOU de 20.01.2014 ....................................233

• Decreto nº 8.187, de 17.01.2014 – publicadono DOU de 20.01.2014 ....................................233

• Decreto nº 8.186, de 17.01.2014 – publicadono DOU de 20.01.2014 ....................................233

• Decreto nº 8.185, de 17.01.2014 – publicado no DOU de 20.01.2014 ....................................234

• Decreto nº 8.184, de 17.01.2014 – publicadono DOU de 20.01.2014 ....................................234

• Decreto nº 8.183, de 17.01.2014 – publicado no DOU de 20.01.2014 ....................................234

• Decreto nº 8.182, de 08.01.2014 – publicado no DOU de 09.01.2014 ....................................234

meDiDa provisória

• Medida Provisória nº 638, de 17.01.2014 –publicada no DOU de 20.01.2014 ....................234

CLIPPING JURÍDICO

• Demora da administração não pode prejudicarcontribuinte na concessão de ex-tarifário ..........235

• Ex-vice-prefeita é condenada por peculato ........237

• Falta de provas na ação reintegratória leva à ex-tinção com resolução de mérito .........................238

• Lei antidumping não tem aplicação retroativa ...236

• Prova que delineia conduta ilícita de réu basta para sustentar condenação ................................236

• STJ – Terceira Turma aplica relativização da coi-sa julgada em investigação de paternidade ........239

• Turma reconhece relação de emprego rural en-tre caseiro e dono de sítio ..................................237


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