7/25/2019 JUVENAL E O DRAGAO e Outros Folhetos
1/169
JUVENALEODRAGOEOUTROSFOLHETOS
7/25/2019 JUVENAL E O DRAGAO e Outros Folhetos
2/169
Juvenal e o Drago
As Proezas de um Namorado Mono
O Testamento do Canco de Fogo
A Histria do Boi Misterioso
Casamento e Divrcio da Lagartixa
O Cavalo que Defecava Dinheiro
A Bela Adormecida no Bosque
O Dinheiro (E o Testamento do Cachorro)
Uma Viagem ao Cu
Histria do Cachorro dos Mortos
SUMRIO
ORIENTAES PARA IMPRESSO:
Para imprimir no tamanho do cordel, selecione im-presso de 2 pginas por folha com orientao vertical
7/25/2019 JUVENAL E O DRAGAO e Outros Folhetos
3/169
JUVENAL E O DRAGO E OUTROS FOLHETOS1
Tomei contato com a poesia de Leandro Gomes deBarros ainda na infncia. No atravs da leitura de folhetos,mas por via oral, atravs de meu pai, de meu av e outraspessoas da regio onde nasci, no interior do Cear. Nuncaesqueci as estrofes iniciais da Peleja de Manoel Riacho como diabo e fragmentos de A Batalha de Oliveira e Ferrabrs.
Anos depois fui descobrindo os autores das narrativas ouvi-das na infncia e fui me interessando de modo mais siste-
mtico pela obra desta grande poeta. Esta antologia uma pequena amostra da riqueza ediversidade da produo de Leandro Gomes de Barros. Mui-tos pesquisadores j apontaram as linhas temticas presen-tes na obra do poeta. Destacamos a seca, o amor, os temasheroicos, a stira aos mais diversos segmentos sociais, a per-sonicao de animais (a famosa tpica dos tempos em queos bichos falavam), o cangao, a sogra, dentre fontes outras. Como se trata de uma antologia voltada para umaseleo do Mestrado em Linguagem e Ensino, espera-se queos leitores, alm de identicar temas e procedimentos for-mais, reitam sobre as possibilidades de abordagem dos fo-lhetos no espao escolar.
Desejamos que a Antologia seja um estmulo lei-tura mais detida de rica obra de Leandro Gomes de Barros.
Campina Grande, 26 de maio de 2015
Jos Helder Pinheiro Alves
UFCG-CH-UAL-POSLE
1 Seleo dos folhetos: profa. Naelza de A. Wanderlei e Jos Hlder Pinheiro Alves
7/25/2019 JUVENAL E O DRAGAO e Outros Folhetos
4/169
JUVENALEODRAGO
Quem ler esta histria todaDo jeito que foi passada
Ver que o falso vil
Nunca nos serviu de nada
A honra e a fidelidade
Sempre foi recompensada.
Morava um campons
No subrbio dum ducado
J fazia sete anos
Que ele tinha enviuvado
S ficou com dois filhinhos
No que mais tinha cuidado.
7/25/2019 JUVENAL E O DRAGAO e Outros Folhetos
5/169
02
O velho adoeceu muito
Conhecendo que morria
Um casebre e trs carneiros
S era o que possua
Deu como herana aos filhos
E morreu no mesmo dia.
Ficaram ambos sozinhosUma moa e um rapaz
Disse ela ao irmo:
A partilha voc faz
Fique l com os carneiros
Que no valor so iguais.
Ficou ela na choupana
Cumprindo a sorte fatalO seu nome era Sofia
E o dele era Juvenal
Que pensava em aventura
Atrs do bem ou do mal.
03
Juvenal disse irm:
Eu no posso ter demora
V viver com seu padrinho
Que amanh vou embora
Junto com os meus trscarneiros
Por este mundo afora.
Quando foi no outro dia
Limpou dos carneiros a l
Muniu-se do necessrio
Despediu-se da irm
Seguiu com os trs carneiros
s 6 horas da manh.
Quando bateu meio-diaEle estava descansando
Na sombra dum arvoredo
Os trs carneiros pastando
Viu que um sujeito estranho
Perto dele ia chegando.
7/25/2019 JUVENAL E O DRAGAO e Outros Folhetos
6/169
04
Aquele sujeito estranho
Tinha sado bem cedo
Caando com trs cachorros
No penhasco dum rochedo
Foi descansar neste dia
Naquele mesmo arvoredo.
Chegando no arvoredoFoi dizendo: Oh! Meu rapaz
So seus aqueles carneiros
Que eu vejo ali por detrs?
Quer trocar pelos cachorros?
Veja o negcio que faz.
Juvenal lhe respondeu:
Ns no podemos trocarOs meus carneiros no matoProcuram se alimentar
A passo que seus cachorros
preciso eu sustentar.
05
Lhe disse o desconhecido:
Nenhum dos trs ruim
Na hora que estou com fome
Basta s dizer assim:
Rompe Ferro, mos obra
Traz pra ele e para mim.
- Cada um desses cachorros um grande defensor
Se acabam, morrem lutando:
Em defesa do senhor
So chamados Rompe Ferro
Ventania e Provedor.
Juvenal pensou um pouco
De ficar sem os cordeirosMas lembrou-se que os ces
So amigos verdadeiros
Lhe disse: est feita a troca
Pode levar os carneiros.
7/25/2019 JUVENAL E O DRAGAO e Outros Folhetos
7/169
06
Dizia o rapaz consigo:
Na troca no fiz vantagem
Andar com estes trs ces
Precisa muita coragem
s duas horas da tarde
Seguiu a sua viagem.
Mais tarde chegou-lhe a fomeNo tinha onde comprar
Fez como o sujeito disseNo momento de trocar
- Rompe Ferro, mos obra!
O cachorro foi buscar.
Toda ordem que ele dava
O cachorro obedeciaMandou ele s 5 horas
Antes de findar-se o dia
Trouxe-lhe uma linda cesta
Cheia de comedoria.
07
Juvenal pegou a cesta
Quando acabou de jantar
Deu ela aos ces dizendo:
Comam at se fartar
Eu com trs amigos desses
No temo de viajar.
Quando os trs ces acabaramDavam pulos de alegria
Um corria atrs do outro
Em tresloucada folia
Fazendo festa ao moo
Que satisfeito sorria.
Juvenal seguiu viagem
Cada vez mais animadoNaquela zona esquisita
Com seus cachorros de lado
Foi dormir no outro dia
Na terra doutro reinado.
7/25/2019 JUVENAL E O DRAGAO e Outros Folhetos
8/169
08
J fazia um ms e tanto
Que ele andava de viagem
No p duma grande serraAvistou uma carruagem
At para dois cavalos
Era difcil a passagem.
Ele vendo a carruagemFoi logo se aproximando
Viu dentro uma linda moa
Vinha de longe chorando
O cocheiro muito triste
Suspirava de vez em quando.
Juvenal viu a princesa
Em pranto sem se calarDirigiu-se ao cocheiro
- Desculpe eu lhe perguntar
Que vem ver esta princesa
Nas brenhas deste lugar?
09
Quase sem poder falar
O cocheiro respondeu:
A princesa est chorando
Mas o culpado no fui eu
D licena, eu vou contar
O caso como se deu.
- Daqui a cinquenta lguasExiste um grande reinado
Que passou mais de cem anos
Sendo o povo devorado
Por um monstro horrendo e feio
Misterioso e malvado.
- impossvel contar
A fora que a fera tinhaNo respeitava princesaDuque, nem rei, nem rainha
Devorou toda a polcia
O exrcito e a marinha.
7/25/2019 JUVENAL E O DRAGAO e Outros Folhetos
9/169
10
- O povo todo alarmado
Morrendo sem remisso
Por toda parte que ia
No achava proteo
O rei no tinha recurso
Para remir a nao.
- O rei j muito nervosoS esperava morrer
Um dia estava dormindo
Ouviu uma voz dizer:
Vou te propor um negcio
Responda se quer fazer.
- Eu sou a tirana fera
Que venho me despedirPretendo dar-lhe um descanso
E deixar de o perseguir
Se o senhor prometer
Fazer o que vou pedir.
11
- Se acaso aceita o negcio
Desde j fique avisado
Pra me mandar todo ano
Num lugar determinado
Uma das moas bonitas
Que tiver no seu reinado.
- Eu s fao este negcioPra cessar a mortandade
Se o senhor no cumprir
E usar de falsidade
Eu venho de l da furna
Devorar toda a cidade.
- Diante desta ameaa
O rei ficou sem aoComo ele enfrentaria
To grave situao?
O jeito era dar apoio
proposta do drago.
7/25/2019 JUVENAL E O DRAGAO e Outros Folhetos
10/169
12
- Ento o rei sujeitou-se
A todo ano mandar
Uma das moas bonitas
Que tivesse no lugar
Daqui vai ela pra furna
Para a fera devorar.
- esse o motivo justoDa nossa grande tristeza
Pra aqui j tenho trazido
Muitas filhas da pobreza
Mas hoje tocou de sorte
A esta infeliz princesa.
Juvenal ficou imvel
Vendo a triste narraoPerguntou ao cocheiro:
Onde habita esse drago?
Numa furna desta serra
E apontou com a mo.
Juvenal disse ao cocheiro:
Vou fazer uma loucura
Ando percorrendo terra
Em busca duma aventura
No vou deixar essa fera
Comer esta criatura.
- No digo por pabulagem
Nunca temi inimigo
Eu junto com meus trs ces
S Deus poder comigo
Enfrento um cento de feras
No digo que vi perigo.
Disse o cocheiro princesa:
Acho bom se apearTodas que vm para aqui
Vo a ele se entregar
Se vossa alteza no for
O monstro vem lhe buscar.
13
7/25/2019 JUVENAL E O DRAGAO e Outros Folhetos
11/169
Ela a desceu do carro
Transpassada de tristeza
Juvenal com muita pena
Desta morte sem defesa
Chamou os seus trs cachorros
Acompanhou a princesa.
O cocheiro que estava
Quase morto de pavor
Gritou para Juvenal:
Aonde vai, meu senhor?
Volte da, no prossiga
O monstro devorador!
Juvenal nem deu ouvidos
Ao que ele estava dizendoPorm de repente viu
A montanha estremecendo
Conheceu no mesmo instante
Que a fera vinha descendo.
14
Ia a princesa na frente
Juvenal mais atrasado
Quando a fera viu a moa
Deu um urro agigantado
At os trs ces ficaram
Com o cabelo arrepiado.
A a fera avanou
Para agarrar a princesa
Juvenal tomou a frente
Porm no mostrou fraqueza
Depois gritou: Rompe-Ferro
Preciso tua defesa!
Quando Rompe-Ferro ouviu
O grito do seu senhorQue tinha enfrentado a fera
Sem ter medo nem pavor
Partiu pra cima do monstro
Como um raio abrasador.
15
7/25/2019 JUVENAL E O DRAGAO e Outros Folhetos
12/169
O moo era destemido
Com seu cachorro valente
Eles dois incorporados
Lutando com a serpente
Juvenal no ferro frio
E o co fiel pelo dente.
Era um monstro sem feitio
De um corpo descomunal
Todo coberto de escamasMais duras do que metal
Tudo era mole, na ponta
Do punhal de Juvenal.
A moa vendo o embrulho
Pender pro fundo da grutaDando cada rabiaca
Com uma fora absoluta
Vendo a hora que o rapaz
Se acabava na luta.
16
Ajoelhou-se por terra
Implorando ao Criador:
- Valei-me, Pai Poderoso
Livrai-me deste terror
Salvai tambm este moo
Do drago devorador!
- Tambm prometo, Senhor
Meu pranto no fingido
Se nesta luta sangrenta
O jovem no for ferido
Quando voltar ao reinado
Farei dele meu marido!
E l no fundo da gruta
A luta era tenebrosaA serpente dava urros
E rabiaca raivosa
Fazendo tremer a terra
Naquela gruta rochosa.
17
7/25/2019 JUVENAL E O DRAGAO e Outros Folhetos
13/169
Esse monstro possua
No grande corpo um lugar
Debaixo da asa esquerdaQue quem pudesse acertar
Com um pequeno ferimento
Era capaz de o matar.
Rompe-Ferro, experienteNesse lugar farejou
Debaixo da asa esquerda
De repente mergulhou
No lugar mais perigoso
O cachorro abocanhou.
Viu-se logo a diferena
Quando o cachorro mordeuO monstro deu um esturro
Que toda a terra tremeu
Na segunda abocanhada
A serpente esmoreceu.
18
Assim que Juvenal viu
A fera desanimar
Sentou-se pra outro lado
Dizendo: Vou descansar
E deu ordem a Rompe-Ferro
Para acabar de matar.
Disse o rapaz: Para que
Ningum duvide da histria
Que briguei com este monstro
Na luta alcancei vitria
Tiro dois dentes da fera
Para servir de memria.
Quando a moa viu-se livre
Daquele horrendo animalFoi ajoelhar-se chorandoDiante de Juvenal
Pedindo pra acompanh-la
At a corte real.
19
7/25/2019 JUVENAL E O DRAGAO e Outros Folhetos
14/169
- Exijo que v comigo
Para meu pai conhecer
Esse homem destemido
Que me salvou de morrer
Mesmo pra recompens-lo
Da forma que merecer.
- Ters l no meu reinadoTeu nome reconhecido
Por todos da minha corte
Hs de ser bem recebido
O mundo ser ciente
Do teu valor merecido.
- Tu salvaste minha vida
Enfrentando este dragoComo tambm te arriscando
Salvaste a minha nao
Portanto aqui te entrego
Alma, vida e corao.
20
Disse ele: Eu nada quero
Do benefcio que fiz
Desejo que sua alteza
Siga em paz, seja feliz
Vou v-la de hoje a trs anos
Na capital do pas.
O cocheiro no pensavaO moo a fera matar
Ele que estava de longeOuvindo a serra zoar
Quase morria de medo
Nem se moveu do lugar.
Juvenal, muito vexado
No pde mais ter demora
Disse princesa: Desculpe
Eu no ir com a senhora
Botou-a na carruagem
Despediu-se e foi embora.
21
7/25/2019 JUVENAL E O DRAGAO e Outros Folhetos
15/169
A imagem do rapaz
Gravou-se divinamente
Ante os olhos da princesa
To linda, casta, inocente
E uma paixo sublime
Germinou rapidamente.
Juvenal nunca pensouQue a sua protegida
Fosse cair novamente
Nas mos da fera homicida
Que o tal cocheiro imundo
Quisesse tirar-lhe a vida.
O cocheiro seguiu com ela
Adiante lhe perguntou:Vossa alteza pagou bem
quele que lhe salvou?
Disse ela: Quis pagar-lhe
Mas ele no aceitou.
22
Com os olhos de traidor
Lhe respondeu o cocheiro:
Aquele que lhe salvou
um grande aventureiro
Anda vagando no mundo
No precisa de dinheiro.
- Se Vossa Alteza quiserCom muita facilidade
Pode fazer num momento
A minha felicidade
Dizer que matei a fera
Que devorava a cidade.
- A senhora nada perde
Me fazendo este favorPois aquele aventureiro
bruto, no tem valor
Vossa Alteza perde tempo
Se for consagrar-lhe amor.
23
7/25/2019 JUVENAL E O DRAGAO e Outros Folhetos
16/169
Disse a princesa ao cocheiro:
Eu no sou desconhecida
No vou contar uma histria
Que no foi acontecida
Tornando-me facinorosa
Pra quem salvou minha vida.
- Nem permito que um JudasCovarde, vil, descabido
Insulte desta maneira
Um moo to destemido
Que no sendo Deus e ele
Agora eu tinha morrido.
Iam passando uma ponte
O cocheiro disse assim:O fulano no precisa
Arranje isto pra mim
Se a senhora no fizer
Aqui mesmo dou-lhe fim!
24
- Lhe atiro da ponte abaixo
O diabo tem que a levar
Quando eu chegar na corte
Se algum me perguntar
Eu digo: A fera comeu-a
Ningum vai mais procurar.
Assim, a infeliz princesaConhecendo que morria
Jurou perante ao cocheiro
Fazer como ele queria
E aquele horrendo segredo
Por ela ningum sabia.
- Eu juro perante a Deus
Que negarei a verdadeQuando chegar l na corte
Farei a vossa vontade
Digo que mataste a fera
Que devorava a cidade.
25
7/25/2019 JUVENAL E O DRAGAO e Outros Folhetos
17/169
O cocheiro olhou pra ela
Riu-se de satisfao:
- Agora sim, princesinha
Sou um grande cidado
Serei perante o monarca
O grande heri da nao.
Quando chegaram na corteA cidade estremeceu
Dizia o povo em delrio:
A princesa no morreu
O cocheiro trouxe ela
A fera no a comeu!
Quando o rei viu a princesa
Quase morre de alegriaE contaram a histria
Como o cocheiro queria
O rei muito interessado
Toda a histria dele ouvia.
26
Disse o cocheiro: - Monarca
D-me licena narrar
Quando chegamos na furna
Que fiz o carro parar
Eu disse para a princesa:
- Acho bom se apear.
- Ela a desceu do carroTranspassada de tristeza
Eu fiquei com muita pena
Dessa morte sem defesa
Saquei pelo meu punhal
E acompanhei a princesa.
- A princesa como estava
Quase morta de pavorMe disse: deixe-me s
Volte corte, por favor,
Volte daqui, no prossiga
O monstro devorador!
27
7/25/2019 JUVENAL E O DRAGAO e Outros Folhetos
18/169
- Eu a no dei ouvidos
Ao que ela estava dizendo
Porm de repente vi
A montanha estremecendo
Conheci no mesmo instante
Que a fera vinha descendo.
- Ia a princesa na frenteEu ia mais atrasado
Quando a fera viu a moa
Deu um urro agigantado
Confesso que at fiquei
De cabelo arrepiado.
- Mas uma coisa dizia:
No deixe a moa morrerSe salvares a princesa
Muito feliz hs de ser
Portanto, enfrenta o perigo
Repara o que vais fazer.
28
- A a fera avanou
Para agarrar a princesa
Ligeiro, tomei a frente
Porm no mostrei fraqueza
Nunca pensei, Majestade
Possuir tanta destreza.
- Era um monstro sem feitioDe corpo descomunal
Todo coberto de escamas
Mais duras do que metal
Porm tudo ficou mole
Na ponta do meu punhal.
- Danei-lhe uma punhalada
Chega seu corpo rangeuA fera deu um esturroQue toda a terra tremeu
Na segunda punhalada
A serpente esmoreceu.
29
7/25/2019 JUVENAL E O DRAGAO e Outros Folhetos
19/169
- Acabei de lhe matar
Como quem no faz vantagem
Botei a linda princesa
Sem fora na carruagem
Deixei a fera estendida
Voltei ento da viagem.
O povo todo deu crenaAo que o cocheiro dizia
O rei disse: - s um heri
Mostraste ter valentia
Vou promover-te a fidalgo
Da alta aristocracia.
Apertou ele nos braos
Cheio de contentamentoDizendo: minha filha vive
Pelo teu merecimento
Como no posso pagar-te
Dou-te ela em casamento.
30
A princesa quando ouviu
Falar-se em tal casamento
Mudou de cor de repente
Quase d-lhe um passamento
- Oh! Meu Deus, dizia ela
Pra que fiz tal juramento?!
E correndo pra seu quartoNum pranto descomedido
Exclamava: meu bom pai
Oh! Quanto tenho sofrido!
Mandai Juvenal, meu Deus
Coitado, ele foi trado!
- Pelo dio e ambio
De um imundo cocheiroVou perder o meu amigo
O meu heri verdadeiro
Dai-lhe um aviso, meu pai
Deste plano traioeiro!
31
7/25/2019 JUVENAL E O DRAGAO e Outros Folhetos
20/169
- Ah! Se eu pudesse agora
Contar tudo a Majestade
Dizer que este cocheiro
No quer contar a verdade
Mas devido a minha jura
Perdi a felicidade!
Leitor, deixemos aquiFechada em seu aposento
A bela e meiga princesa
Lamentando o seu tormento
E vamos ver Juvenal
Onde est nesse momento.
Depois de salvar a moa
O belo moo saiuEm busca de outra aventura
A viagem prosseguiu
Junto com os trs cachorros
Em outro reino dormiu.
32
Naquela noite sonhou
Que estava num reinado
Em uma linda manh
E o castelo engalanado
De rosas e lindas flores
Era o solo atapetado.
Um perfume inebrianteRecendia no espao
Belas damas sorridentes
Tinha ele em cada brao
Vestindo finas fazendas
E faces de fino trao.
Num lindo trono de ouro
Se via a linda princesaTrajando um vestido branco
De fulgurante beleza
Trazendo vu e capela
Deslumbrante na riqueza.
33
7/25/2019 JUVENAL E O DRAGAO e Outros Folhetos
21/169
7/25/2019 JUVENAL E O DRAGAO e Outros Folhetos
22/169
Mas depois disse consigo:
No posso temer traio
Sei mesmo que a princesa
Me ama de corao
Saberei toda a verdade
Ao regressar nao.
- E se algum atrevidoUm covarde ou traidor
Tiver forado a princesa
A recusar meu amor
Nesse dia fico louco
Bebo sangue do impostor.
Confiando na princesa
No punhal e no DivinoJuvenal seguiu viagem
Sempre como peregrino
Com seus cachorros do lado
Protegendo o seu destino.
36
E assim passou um ano
E Juvenal prosseguia
Sua vida aventurosa
Pensando voltar um dia
Pois ele disse princesa
Com trs anos voltaria.
Deixemos ele um instanteE voltemos ao reinado
Onde o cocheiro covarde
Viu seu plano coroado
Era agora heri do rei
S faltava ser casado.
A princesa em casamento
No queria ouvir falarO rei marcou para um ano
Dali se realizar
No tempo ela adoeceu
Somente pra no casar.
37
7/25/2019 JUVENAL E O DRAGAO e Outros Folhetos
23/169
Foi uma doena sria
Acompanhada de dor
Mas tudo isso arranjadoPor conhecido doutor
Bem pago pela princesa
Filha do imperador.
O cocheiro aperreadoSempre junto a majestade
Pedia para apressar
Este lao de amizade
Temendo que com mais tempo
Se descobrisse a verdade.
O comentrio na rua
Era bem desencontradoUm dizia que o cocheiro
De fato tinha lutado
Com a fera desumana
Que devorava o reinado.
38
Outro porm respondia
Que era combinao
O rei no queria dar
A filha para o drago
E mais tarde quem pagava
Eram os filhos da nao.
Paremos aqui, leitorDeixemos isso pra frente
Vamos saber como passa
A princesinha doente
Seu pai estava ficando
Severo e muito exigente.
Assim passou-se dois anos
Com mais um fazia trsDisse o rei a sua filha:Hs de casar desta vez
Eu garanti a teu noivo
De no passar deste ms.
39
7/25/2019 JUVENAL E O DRAGAO e Outros Folhetos
24/169
A moa mais uma vez
Lembrou-se de Juvenal
Exclamou: - Tudo acabou-se
Minha sina foi fatal
Vou casar-me com um monstro
Traidor como chacal!
Faltavam apenas dois diasPara o grande casamento
O castelo em rebolio
Era grande o movimento
Enfeites, bolos e comida
Tudo estava em andamento.
Na vspera do casamento
Viu-se entrar um viajanteLevando mais trs cachorros
Dum tamanho extravagante
Era Juvenal que vinha
Em busca de sua amante.
40
Juvenal ouviu dizendo
Por uma felicidade:
Casa hoje um grande heri
Com a filha da majestade
Por que matou o drago
Que devorava a cidade.
Juvenal, cego de raivaNa mesma hora rompeu:
Esse homem mentirosoSem ver o monstro correu
O drago de quem se fala
Quem matou ele foi eu.
As praas ouvindo a fala
Daquele nobre senhorDisseram logo: - Est preso
Infame conspirador
Maltratando em praa pblica
O genro do imperador!
41
7/25/2019 JUVENAL E O DRAGAO e Outros Folhetos
25/169
Juvenal pulou pra trs
E bateu palma ao seu co
Partiu pra ele dizendo:
Sou filho de outra nao
Ainda vindo o exrcito
Eu no me entrego priso.
A travou-se uma lutaOs ces entraram no meio
Em menos de meia hora
Era estandarte feio
Que o rei l do palcio
Escutou o tiroteio.
Foram dar parte ao rei
Da grande calamidadeDizendo: a tem um moo
Que hoje entrou na cidade
Tem morto tanto soldado
Que uma barbaridade.
42
- Ele conduz trs cachorros
So trs panteras iguais
O homem briga por dez
Pula mais que Satans
Da sua espada sai fogo
Igual s chamas infernais.
O noivo com a notciaDoeu-lhe no pensamento
Disse o rei aos convidados:
Demorem a um momento
Esperem minha chegada
Pra fazer o casamento.
O rei chegou, foi entrando
No meio da multidoGritou: est garantido
Quem fez a revoluo
Quero saber como foi
O princpio da questo.
43
7/25/2019 JUVENAL E O DRAGAO e Outros Folhetos
26/169
Com a chegada do rei
O povo todo acalmou
Juvenal com os trs ces
Um arranho no levou
Chegou pra perto do rei
Por esta forma falou:
- Sua Alteza v sabendoNunca fui homem malvado
Pretendo contar-lhe tudo
Da forma que foi passado
Mas quero que minha histria
Seja ouvida no reinado.
Dali mesmo o rei levou
Juvenal para o saloPra contar de que maneiraPrincipiou a questo
Quando o moo entrou na sala
Tudo mudou de feio.
44
A moa ao ver seu amante
Chorou de tanta alegria
Por saber que toda a farsa
Ele agora descobria
E finalmente depois
Com ela se casaria.
Mas quando o cocheiro viuAquele recm-chegado
Conheceu logo os cachorros
Ficou da cor de um finado
E disse consigo mesmo:
Agora estou desgraado!
Disse Juvenal ao rei:
Me disseram sem maldadeHoje casa um grande heri
Com a filha da majestade
Porque matou o drago
Que devorava a cidade.
45
7/25/2019 JUVENAL E O DRAGAO e Outros Folhetos
27/169
- Eu fiquei cego de raiva
Porque isso no se deu
E disse: ele mentiroso
Sem ver o monstro correu
O drago de quem se fala
Quem matou ele foi eu.
A os soldados todosMe deram voz de priso
Eu gritei por meus cachorros
E fiquei de prontido
Por esse grande motivo
Principiou a questo.
- Lutei pelo meu direito
Como qualquer um lutavaMe acabava lutando
Mas eu no me entregava
O cu virava fumaa
A terra se desmanchava.
46
- Estou contando a histria
Que a condio me obrigou
A fera de quem se fala
Este homem que matou
A princesa testemunha
De tudo que se passou.
O rei chamou a princesaPra contar o que sabia
Ela prontamente veio
Transpassada de alegria
Desabafar esta mgoa
Que h trs anos sofria.
Ela a continuou
Para todo mundo ver:- Meu pai est perguntando
Porque deseja saber
Sim senhor foi este o homem
Que me salvou de morrer!
47
7/25/2019 JUVENAL E O DRAGAO e Outros Folhetos
28/169
- Quando eu fiquei no bosque
Onde o cocheiro deixou
Que ia subindo a serraEste homem me acompanhou
Foi lutar com o drago
Eu vi quando ele o matou.
- Quando ele matou o monstroNesta mesma ocasio
Arrancou dois grandes dentes
Julgando ter preciso
Se no perdeu inda tem
Os dois dentes do drago.
- Depois o moo levou-me
Botou-me na carruagemMuito decente e modesto
Como quem no faz vantagem
Ali apertou-me a mo
E seguiu sua viagem.
48
- Agora o cocheiro, sim
Fez verdadeira traio
Ele pensava, meu pai
Que no tinha punio
Mas vou contar a mido
Toda sua narrao.
O cocheiro saiu comigoAdiante me perguntou:
Vossa alteza pagou bem
quele que lhe salvou?
Eu lhe disse: fui pagar-lhe
Mas ele no aceitou.
- Disse ele: sendo assim
Me d vossa proteoDizendo em casa a seu paiQue eu matei o drago
Todo mundo lhe acredita
E ningum dir que no.
49
7/25/2019 JUVENAL E O DRAGAO e Outros Folhetos
29/169
- Ento eu disse pra ele:
Nunca fui desconhecida
No vou contar uma histria
Que no foi acontecida
Usando de falsidade
Pra quem salvou minha vida.
- Nem permito que um JudasCovarde, vil, descabido
Insulte desta maneira
Um homem to destemido
Que no sendo ele e Deus
Agora eu tinha morrido.
amos perto da ponte
Quando ele disse assim:Abra seus olhos, princesa
Arranje isto pra mim
Se a senhora me negar
Aqui mesmo dou-lhe fim.
50
- Lhe atiro da ponte abaixo
O diabo tem que a levar
Quando eu chegar na corte
Que algum me perguntar
Eu digo: a fera comeu-a
E ningum vem procurar.
- Eu que estava sozinhaConhecendo que morria
Jurei perante o cocheiroFazer como ele queria
Jurando mais que o segredo
Por mim no se descobria.
- E foi assim, meu bom pai
Que pude me defenderDe ser lanada da ponte
De afogar-me e morrer
Mas Deus, protetor dos fracos
Fez a verdade vencer.
51
7/25/2019 JUVENAL E O DRAGAO e Outros Folhetos
30/169
A descobriu-se tudo
O rei ficou se mordendo
Disse para o cocheiro:
Voc vai morrer sabendo!
Mandou por quatro carrascos
Tirar-lhe o couro ele vendo.
Casou-se a linda princesaCom o valente Juvenal
Repercutiu a notcia
Por toda a posse real
Rolou festa quinze dias
No palcio imperial.
Juvenal no outro dia
s seis horas da manhMandou um grande cortejo
Buscar sua linda irm
Aquela menina esbelta
Da face cor de rom.
52
Quando os ces viram a menina
Ficaram de prontido
E disseram a Juvenal:Est finda a nossa misso
Queramos ver se a riqueza
Mudava teu corao.
Os ces eram encantadosNo podiam ter demora
Se viraram em trs pssaros
Alvos da cor da aurora
Disseram: adeus, Juvenal!
Voaram e foram embora.
53
7/25/2019 JUVENAL E O DRAGAO e Outros Folhetos
31/169
7/25/2019 JUVENAL E O DRAGAO e Outros Folhetos
32/169
02
Vivia o rapaz sofrendo
Grande contrariedade
Chorava ao romper da aurora
Gemia ao virar da tarde
A moa era como um pssaro
Privado da liberdade.
Porque Joo-mole, o pai dela
era um velho perigoso,
Embora que Z-pitada
Dizia ser revoltoso,
Adiante o leitor ver
Qual era o mais valoroso.
Marocas vivia triste
Pitada vivia em nsia,
Ele como rapaz moo
No vigo de sua infncia,
Falar depende de flego
Porm obrar sustncia.
03
Disse pitada a Marocas,
Eu preciso lhe falar
J tenho toda certeza,
Que necessrio a raptar,
noite espere por mim
Que havemos de contratar.
Disse Marocas a Zezinho:
Papai no de brincadeira,
Diz Z-pitada, ora esta!
Voc pode ver-me as tripas,
Porm no ver carreira.
Diga a que hora hei de ir,
Eu dou conta do recadoInda seu pai sendo fogo,
Por mim ser apagado,
Eu juro contra minh'alma
Que seu pai corre assombrado.
7/25/2019 JUVENAL E O DRAGAO e Outros Folhetos
33/169
7/25/2019 JUVENAL E O DRAGAO e Outros Folhetos
34/169
06
A febre j me atacou,
Sinto frio horrivelmente.
Com muita dor de cabea,
Uma enorme dor de dente,
Esta me dando a erisipela,
J sinto o corpo dormente.
Antes eu hoje estivesse
Encerrado na cadeia,
De que morrer na desgraa,
E d'uma morte to feia,
Veja se pode arrastar-me,
Que minha cala est cheia.
Por alma de sua me,
E pela sagrada paixo,
Me arraste por uma perna
E me bote no porto,
A moa quis arrast-lo,
No teve onde pr a mo.
07
Ela tirou-lhe a botina,
Para ver se o arrastava,
Mas era uma fedentina,
Que a moa no suportava,
Aquela matria fina
J todo o cho alagava.
Disse a moa: quer um beijo?
Para ver se tem melhora?
Ele com cara de choro,
Respondeu-lhe, no, senhora,
Beijo no me salva a vida,
Eu s desejo ir-me embora.
Ento lhe disse Marocas,
Para ver se tem melhora?
Ele com cara de choro,
Respondeu-lhe, no, senhora,
Beijo no me salva a vida,
Eu s desejo ir-me embora.
7/25/2019 JUVENAL E O DRAGAO e Outros Folhetos
35/169
08
Ento lhe disse Marocas,
Desgraado!... eu bem sabia,
Que um ente de teu calibre,
No pode ter serventia.
Creio que fostes nascido
Em fundo de padaria.
Meu pai ainda no veio
Eu hoje estou sozinha,
Z-pitada a se ergueu,
E disse, oh minha santinha!
A moa meteu-lhe o p,
Dizendo: vai-te murrinha!
E deu-lhe ali uma lata,
Dizendo: est a o poo,
Voc ou lava o quintal
Ou come um cachorro ensolso,
Se no eu meto-lhe os ps
No lhe deixo inteiro um osso.
09
Disse ele, oh! meu amor!
O corpo todo me treme,
Minha cabecinha est,
Que s um barco sem leme,
Parece-me faltar o pulso,
O Anjo da Guarda geme.
Ento a moa lhe disse:
O senhor lava o quintal
Olhe uma tabica aqui!...
Lava por bem ou por mal,
Covardia para mim,
crime descomunal.
E l foi nosso rapaz
Se arrastando com a lata,A moa ali ao p dele,
Lhe ameaando a chibata,
Ele exclama chorando
Por amor de Deus no bata.
7/25/2019 JUVENAL E O DRAGAO e Outros Folhetos
36/169
10
Vai miservel de porta
Quero j limpo isso tudo,
Um homem de sua marca
Pequeno, feio e panudo,
S tendo sido criado
Onde se vende miudo.
Disse o Z quando saiu:
Eu juro por Deus agora,
Ainda uma moa sendo
Filha de Nossa Senhora,
E olhar para mim, eu digo:
Degraada, v embora.
Nesta histria o leitor viuQuem era Canco de Fogo
Era aquele que dizia:
- A vida mesmo um jogo
P'ra morrer no falta tempo
P'r'a dar no precisa rogo.
Roubar de quem tem demais
E forma de caridade
Tirar dez de quem tem vinte
Est na regularidade
Quem no precisa de tudo
Basta ficar-lhe a metade.
B
O TESTAMENTODECANCODEFOGO
7/25/2019 JUVENAL E O DRAGAO e Outros Folhetos
37/169
02
Foi o que Canco de Fogo
Dissera na hora da morte
A fortuna tem o peso
Que tem a tirana sorte
A desgraa quando vem
No respeita quem forte.
Quando ele viu que morriaChamou a mulher p'ra junto
E disse: - Minha mulher
No precisa chorar muito
No h tempo mais perdido
Do que chorar pelo defunto.
Disse um filho: - Vou chamar
Com pressa um facultativoAli tem um mdico bom
Inteligente e ativo
Disse Canco: - asneira
Dar remdio a quem est vivo.
03
Agora depois de morto
Voc o mande chamar
Pergunte quanto ele quer
Para me ressuscitar
E diga logo; eu s pago
Se meu pai se levantar.
- Isso no, disse-lhe o filhoMorrendo a se liquida
Disse-lhe Cano: - Meu filho
Isso coisa conhecida
O que consente a morte
No faz com que eu volte vida
A pessoa que tomar
Remdio p'ra no morrerE como quem salga a carne
Depois dela apodrecer
E rezar para So Bento
Depois da cobra morder.
7/25/2019 JUVENAL E O DRAGAO e Outros Folhetos
38/169
04
Chegou um frade e lhe disse:
- Venho ajud-lo a morrer
Disse Canco de Fogo
- Tenho que agradecer
- Deite-se a para um canto
Cuide logo em se torcer.
- 'torcer como'? Disse o fradeDisse Cano: - Meu amigo
O senhor no vem morrer
Para ir junto comigo?
O frade respondeu: - Vtes!
Um burro quem vai contigo.
Disse Canco de Fogo:
- Se eu no tivesse prostradoTinha voc que sair
Cortez e civilizado
S entraria em casa
Depois que fosse chamado.
05
- Meu irmo, lhe disse o frade
Eu vim aqui exort-lo
O inferno est aberto
O Diabo a esper-o
As chamas do purgatrio
Esto prontas para queim-lo.
Disse-lhe o Canco de Fogo:- Frade eu quero que me d
Explicao do inferno
Lhe peo como merc
No inferno ainda haver
Um Diabo como voc?
Eu no mandei-o chamar
Ns no temos amizadeEu nunca quis relaes
Com cigano nem com frade
Apenas tenho a dizer-lhe
Dane-se por caridade.
7/25/2019 JUVENAL E O DRAGAO e Outros Folhetos
39/169
06
Agora quero que chame
O juiz e o escrivo
De alguns bens que restam
Vou fazer a doao
Vou fazer publicamente
Minha recomendao
Entrou em casa o juizJunto com o escrivo
Foram logo para o quarto
Aonde estava Canco
O juiz disse: - Aqui estou
A sua disposio.
Disse o juiz: - O senhor
Tem uns bens pala deixar- Sim senhor: disse Canco
Eu no posso levar
Se algum quiser ir comigo
Tem um bom frete a ganhar
07
O escrivo disse: - No brinque
Repare que a morte crua
- Pode at ser cozinhada
Pode vir vestida ou nua
Eu brinco c com a minha
Voc l respeite a sua.
O juiz lhe perguntou:- Voc no tem dois sobrados
Quer deix-los com algum?
Disse Canco: - Esto vexados
Ou vocs so dois gatunos
Ou meus filhos so bastardos
Disse o juiz: - Ora essa
Entenda-se esta charadaGente em casa lhe esperando
O senhor dando massada
Eu fazendo falta l
Devido a sua embrulhada.
7/25/2019 JUVENAL E O DRAGAO e Outros Folhetos
40/169
08
Disse o Canco: - Meu amigo
Voc assim no vai bem
Vexames trazem fadigas
Das quais no escapa algum
Padre, juiz, escrivo
No fazem falta a ningum.
Puxou um papel lacradoDe dentro do travesseiro
Entregou-o ao juiz
E disse: - Leia-o primeiro
Veja quem eu constituo
Como meu testamenteiro.
Sessenta mil cruzeiros
Que tenho depositadosNo banco nacional
Trs casas e dois sobrados
Esto fora do testamento
Sero inventariados.
09
Ao Dr. Joo Cerqueira
Escrivo dos testamentos
Deixo em Belo Horizonte
Na praa dos Sacramentos
A casa nmero 100
Com todos os compartimentos.
Ao Dr. Alves da LiraEu deixo em Canta Galo
A casa nmero 6
Na rua So Gonalo
E o stio dos Ausentes
Na capital de So Paulo.
Disse o juiz: - Oh! senhor
E, muita dignidadeO senhor dar tanta coisa
Por sua livre vontade
A mim e ao escrivo
Isso ter muita bondade.
7/25/2019 JUVENAL E O DRAGAO e Outros Folhetos
41/169
10
- No doutor: - disse Canco
Meus filhos fcam a
Podem precisar um dia
Os senhores so daqui
Disse o doutor: - Precisando
J sabem, eu moro ali.
Saram numa palestraO juiz e o escrivo
Dizendo um ao outro:
- Foi sublime aquela ao
S ns dois nos livraramos
De um calote de Canco.
Morreu Canco de Fogo
A mulher participou;Poucos minutos depois
O juiz se apresentou
Da uns dez minutos
O tabelio chegou.
11
Disse o juiz mulher
- Seu marido j morreu
Com relao ao enterro
Deixe que quem faz sou eu
Eu no quero que despenda
Um centavo do que seu.
Fique com essa importnciaPorque talvez necessite
Mandou fazer catacumba
Foi quem fez todo convite
Disse mulher de Canco;
- Com a senhora estou quite.
Depois de quarenta dias
Que Canco tinha morridoProcedeu-se o inventrio
Foi tudo bem dividido
Filhos e mulher de Canco
Cada qual foi bem servido.
7/25/2019 JUVENAL E O DRAGAO e Outros Folhetos
42/169
12
O juiz depois pensou
Que havia preciso
De exigir a escritura
Da famlia de Canco
Chegou l no encontrou
Quem desse definio.
Mas depois disse consigo:Eu tenho provas legais
Provo com o testamento
No precisa nada mais
Tratou de tomar o trem
Partiu p'ra Minas Gerais.
Saltou em Belo Horizonte
Foi ao hotel almoouIndagou onde era
Uma pessoa ensinou
A rua at era perto
Num instante ele chegou.
Quando o doutor viu o prdio
Sorriu-se a de contente
Examinou-o por fora
Achou-o muito excelente
Tinha cem palmos de fundo
E setenta e dois de frente.
Ento batendo na portaCom pouco um homem chegou
- Que deseja cavalheiro?
O homem lhe perguntou
- Sou dono deste prdio
O homem a o fitou.
- De qual prdio meu senhor'?
- Deste aqui que voc mora- Isso conto do vigrio
cedo ainda no hora
A bateu o postigo
Nem falou mais, foi embora.
13
7/25/2019 JUVENAL E O DRAGAO e Outros Folhetos
43/169
O Dr. Joo Cerqueira
Disse: momentos danados
Ficou possesso de tudo
Porm minutos passados
Foi ao cartrio e mandou
Dar busca nos registrados.
Foi ao cartrio e bateuSaiu o tabelio
O doutor disse: - me consta
Que o colega escrivo
E eu venho em seu cartrio
Decidir uma questo.
E puxou a do bolso
Os papis do testamentoE disse: - O colega veja
Se acha este apontamento
Veja se no legal
Todo este meu documento.
14
Encontraram a escritura
Da casa j referida
Vendida pelo doutor
Flix Teixeira Guarida
Comprada por uma rf
Da viva Margarida.
- Colega como foi isso?Pergunta o tabelio
- Foi um conto do vigrio
Passado por um ladro
Disse o tabelio: Este
igualmente a Canco
- Pois foi esse tal Canco
Que mora no Rio de JaneiroDisse-lhe o tabelio:
- Esse um grande estradeiro
Quando ele era pequeno
Roubou o mundo inteiro.
15
7/25/2019 JUVENAL E O DRAGAO e Outros Folhetos
44/169
Aqui mesmo certa vez
Uma noite de So Joo
Um ladro veio roubar-lhe
Ele roubou o ladro
E o gatuno por isso
Acabou-se na priso.
O ladro tinha dois milQue de algum tinha roubado
E julgando que Canco
Fosse algum vendilho de gado
Foi ver se passava um quengo
Mas foi quem saiu quengado.
Disse o gatuno a Canco:
- Patro eu tenho dinheiroDesejo fazer srias
Transaes com o cavalheiro
Disse Canco: - E preciso
Que eu examine primeiro.
16
O ladro quando ouviu isso
Ficou bastante assombrado
O Canco de fogo disse:
- Ladro! Eu sou delegado
Desde trs horas da tarde
Que tinha sido avisado
O ladro ficou imvelSem saber o que fizesse
Pensou se aquele dinheiro
Se acaso Canco o quisesse
Seria o meio que ele
Uma escapula lhe desse.
- Meu moo, disse o ladro
Por vida de vossos paisPeo por Nossa Senhora
Deixe-me aqui em paz
Me solte, que lhe prometo
Nunca hei-de roubar mais.
17
7/25/2019 JUVENAL E O DRAGAO e Outros Folhetos
45/169
A tirou o dinheiro
E disse: - Senhor delegado
Pegue dois mil cruzeiros
Aceite do seu criado
Canco tomou o dinheiro
E disse; - V com cuidado.
Botou-lhe um cerco por foraAdiante denunciou-o
A patrulha foi atrs
Minutos depois pegou-o
O gatuno reconheceu
Que outro gatuno roubou-o.
O gatuno confessou
Quando a polcia o prendeuAinda caaram Canco
Ele desapareceu
O gatuno na cadeia
Deu-lhe bexiga e morreu.
18
Um preto aqui fazendeiro
No tempo da escravido
Botou-o como empregado
E ele uma ocasio
Foi a um comprador de escravo
E l vendeu o patro.
Meteu o cobre no bolsoE ningum o pde achar
O preto viu-se apertado
P'ra se desembaraar
O que Canco tinha feito
Deu trabalho desmanchar.
Passou quengadas enormes
Com tanta facilidadeEnto nas empresas dele
Tinha tal felicidade
Que nunca pde cair
Em poder da autoridade.
19
7/25/2019 JUVENAL E O DRAGAO e Outros Folhetos
46/169
Eu no sei como o colega
Mora no Rio de Janeiro
No sabia que Canco
Era o maior estradeiro
- Estradeiro, no: ladro
Um falsrio verdadeiro.
Tambm o Dr. CerqueiraFicou encolerizado
Passou em Belo Horizonte
Uma noite incomodado
Pelo conto do vigrio
Que Canco tinha passado.
Dizia: - Sou escrivo
Nunca roubei um vintmTrinta, quarenta cruzeiros
No roubo de ningum
O roubo que eu considero
E o que passa de cem.
20
E eu, fazer o enterro
Do Diabo do ladro
Gastar seiscentos cruzeiros
Sem a mnima preciso
Dar sepultura ao gatuno
Como se fosse um baro.
Raios te partam danadoL por onde tu andares
O prejuzo que tive
No inferno hs de pagares
Tenho f na Providncia
Que l tu tens de amargares.
Quase trezentos cruzeiros
Nesta viagem gasteiQuando o Diabo morreu
Quantas passadas eu dei
Gastei meu tempo e dinheiro
Veja agora o que lucrei?
21
7/25/2019 JUVENAL E O DRAGAO e Outros Folhetos
47/169
Tambm voltou apitando
Com a carranca mais feia
Chegou em casa deitou-se
E no quis saber da ceia
E l soube que oj uiz
J tinha ido cadeia.
Porque foi em Canta CaloVer a casa que herdou
Na Rua So Gonalo
A dita casa encontrou
O morador era o dono
A quem ele o intimou.
Como o dono no saiu
Botou-o a pulso p'ra foraO homem foi polcia
Prendeu-o na mesma hora
O botaram num asilo
Quase que no vai embora.
22
O escrivo logo cedo
Foi casa de Canco
E disse para a mulher:
- Seu marido era um ladro
Depois de morrer roubou-me
Eu sendo dele escrivo.
A senhora viu a casaQue ele pra mim deixou-a
Sendo a casa de uma rf
Que o Diabo no comprou
Disse a mulher de Canco
- Doutor ele no levou-a
O meu marido deixou
O prdio que o senhor dizDeixou vinte e dois estados
Que tem o nosso pas
Ficou para quem quisesse
Ele nada disso quis.
23
7/25/2019 JUVENAL E O DRAGAO e Outros Folhetos
48/169
O doutor correu e disse:
- Tambm garanto senhora
Se Deus bot-lo no cu
Pode esperar pela hora
De uma quengada dele
Que bota Deus para fora.
Porque eu nunca encontreiLadro fino como aquele
Desgraado do defunto
Que sepultar-se com ele
Eu acho Canco capaz
De roubar os ossos dele.
E a senhora tambm
Desculpe a minha ousadiaVossa merc herdou dele
Costume e categoria
Pois a mulher do filsofo
Aprende a filosofia.
24
A mulher disse: - Doutor
Meu marido no roubava
Mas com algum escrivo
Que ele se acostumava
Sendo um pouco inteligente
Muitas coisas decorava.
Ele chamou os senhoresQuando estava aqui prostrado
Porque queria imitar
O Cristo crucificado
Queria morrer tambm
Com um ladro de cada lado.
O doutor sabe que a gente
Estando perto de morrerAs vezes sente remorsos
E teme de se perder
Dizem que no outro mundo
A pessoa h de sofrer.
25
7/25/2019 JUVENAL E O DRAGAO e Outros Folhetos
49/169
O doutor no viu o frade
Vir tambm por sua vez
E, no viu o meu marido
Que barulho logo fez
Disse: - Chamei dois ladres
No preciso de trs.
A lhe disse o escrivo:- D licena vou embora
Sou obrigado a dizer
Que tenho medo da senhora
Eu acho vossa excelncia
Capaz de vender-me agora.
- At logo senhor doutor
Disse a mulher de CancoAqui fico s suas ordens
Se acaso houver preciso
Tem uma empregada aqui
A sua disposio.
26
- Dana-te cachorra doida...
Disse o escrivo correndo
O Diabo quem vem c
Ainda estando morrendo
O quengo do teu marido
Em ti agora estou vendo.
27
7/25/2019 JUVENAL E O DRAGAO e Outros Folhetos
50/169
A HISTRIADOBOIMISTERIOSO
Leitor, vou narrar um fatoDe um boi da antiguidade
Como no se viu mais outro
At a atualidade
Aparecendo hoje um desses
Ser grande novidade.
Durou vinte e quatro anos
Nunca ningum o pegou
Vaqueiro que tinha fama
Foi atrs dele chocouCavalo bom e bonito
Foi l porm estancou.
7/25/2019 JUVENAL E O DRAGAO e Outros Folhetos
51/169
7/25/2019 JUVENAL E O DRAGAO e Outros Folhetos
52/169
04
No serto de Quixelou
Na fazenda Santa Rosa
No ano de vinte e cinco
Houve uma seca horrorosa
Ali havia uma vaca
Chamada "Misteriosa".
Isso de MisteriosaFicou o povo a chamar
Porque um vaqueiro disse
Indo uma noite emboscar
Uma ona na carnia
Viu isso que vou narrar.
Era meia-noite em ponto
O campo estava esquisitoHavia at diferena
Nos astros do infinito
Nem do nambu nessa hora
Se ouvia o saudoso apito.
05
Dizia o vaqueiro: eu estava
Em cima dum arvoredo
Quando chegou esta vaca
Que me causou at medo
Depois chegaram dois vultos
E ali houve um segredo.
O vaqueiro viu que os vultosEram de duas mulheres
Uma delas disse vaca
Parte por onde quiseres
Eu protegerei a ti
E aos filhos que tiveres.
Ali o vaqueiro viu
Um touro preto chegarEnto disseram os vultos
So horas de regressar
Disse o touro montem em mim
Que o galo j vai cantar.
7/25/2019 JUVENAL E O DRAGAO e Outros Folhetos
53/169
06
A clareou a noite
O vaqueiro pde ver
Eram duas moas lindas
Que mais no podia haver
O touro era de uma espcie
Que ele no soube dizer.
Ele ento ouviu montarViu quando o touro saiu
A vaca se ajoelhou
E atrs dele seguiu
Depois veio a ona e ele
Atirou-lhe, ela caiu.
Por isso teve essa vaca
Da em diante esse nomeUns chamavam-na feiticeira
Outro a vaca lobisomem
Diziam que ela era a alma
De um boi que morreu fome.
07
O coronel Sezinando
Fazendeiro dono dela
Se informando da histria
No quis que pegassem ela
Disse que o morador dele
No tirasse leite nela.
No ano de vinte e quatroPouca chuva apareceu
Em todo serto do Norte
A lavoura se perdeu
At o prprio capim
Faltou chuva no cresceu.
Ento entrou vinte e cinco
O mesmo vero trincadoMorreu muita gente fome
Quase no escapa o gado
Escapou alguma rs
L num ou noutro cercado.
7/25/2019 JUVENAL E O DRAGAO e Outros Folhetos
54/169
08
A vaca misteriosa
No houve mais quem a visse
O dono no importava
Que ela tambm sumisse
Podia at pegar fogo
Que na fumaa subisse.
A vinte e quatro de agostoData esta receosa
Que quando o diabo pode
Saltar-se e dar uma prosa
Pois foi nesse dia o parto
Da vaca misteriosa.
Dela nasceu um bezerro
Um pouco grande e nutridoPreto da cor de carvo
O pelo muito luzido
Representando j ter
Um ms ou dois de nascido.
09
Um vaqueiro da fazenda
Assistiu ele nascer
Foi noite casa grande
Ao coronel lhe dizer
O coronel disse ento:
- Se nasceu, deixe crescer.
Em maro de vinte e seisEstava o inverno pegado
O coronel Sezinando
Mandou juntar todo o gado
Que ele queria saber
Que reses tinham escapado.
Ento a misteriosa
Pde vir no meio do gadoTrazia o dito bezerro
Grande e muito bem criado
O que era de vaqueiro
Vinha tudo admirado.
7/25/2019 JUVENAL E O DRAGAO e Outros Folhetos
55/169
7/25/2019 JUVENAL E O DRAGAO e Outros Folhetos
56/169
12
Mas o boi se fez no casco
E no campo se estendeu
Gritou-lhe o vaqueiro: - Boi
Tu no sabes quem sou eu!
O boi que boto o cavalo
carne que apodreceu.
Com menos de meia lguaEstava o vaqueiro perdido
No soube em que instante
O tal boi tinha sumido
Estava o cavalo suado
E j muito esbaforido.
Voltou ento o vaqueiro
Sem saber o que fizessePensando ao chegar em casa
Ento que histria dissesse
Se pegando com os santos
Que o coronel no soubesse.
Contou ento o vaqueiro
O que se tinha passado
Dizendo que aquele boi
S sendo bicho encantado
Se havia mandinga em boi
Aquele era batizado.
No outro dia seguiramSeis vaqueiros destemidos
Em seis cavalos soberbos
Dos melhores conhecidos
Pois s de cinco fazendas
Puderam ser escolhidos.
Foi Norberto da Palmeira
Ismael do RiachoCalixto do P da Serra
Flix da Demarcao
Benvenuto do Desterro
Z Preto do Boqueiro.
13
7/25/2019 JUVENAL E O DRAGAO e Outros Folhetos
57/169
Tinha j ido dizer
Na fazenda Santa Rosa
Que o vaqueiro Apolinrio
Da fazenda Venturosa
Tinha encontrado com o boi
Da vaca misteriosa.
O coronel duvidouQuando contaram-lhe o fato
Disse a pessoa: - Os vaqueiros
J seguiram para o mato
O coronel foi atrs
Saber se aquilo era exato.
Disse ento Apolinrio
Que andava campeandoViu um boi preto bem grande
E dele se aproximando
Viu no lado esquerdo o ferro
Do coronel Sezinando.
14
- Pois bem, disse o coronel
Esse garrote encantado
Quando desapareceu
Inda no estava ferrado
Foi-se orelhudo de tudo
Nem sequer estava assinado.
Pois tem na orelha esquerdaTrs mossas mais um canzil
Tem na orelha direita
Brinco lascado e funil
O ferro da Santa Rosa
Est nele a marca buril.
Foram onde Apolinrio
tarde o tinha encontradoPouco adiante estava ele
Numa malhada deitado
Levantou-se lentamente
Como quem estava enfadado.
15
7/25/2019 JUVENAL E O DRAGAO e Outros Folhetos
58/169
A tratou de partir
Em desmedida carreira
O coronel Sezinando
Disse ao vaqueiro Moreira:
- Aquele no h quem pegue
Voltemos, pois asneira.
Disse o vaqueiro Norberto:- Eu posso no o pegar
Porm s me desengano
Quando o cavalo cansar
Nunca vi boi na igreja
Para padre o batizar.
Norberto tinha um cavalo
Chamado "Rosa do campoCalixto do P da Serra
Um chamado "Pirilampo
O de Apolinrio, "Nisce
Era de raa de pampo.
16
O do vaqueiro Ismael
Chamava-se "Perciano
O do ndio Benvenuto
Chamava-se "Soberano
Flix tinha um poldro preto
Chamado "Riso do Ano".
O do vaqueiro Z PretoTinha o nome de Calixto
Dentre todos os cavalos
Aquele era o mais bonito
Era filho de um cavalo
Que trouxeram do Egito.
Era meio dia em ponto
Quando formaram carreiraO boi fazia na frente
Uma nuvem de poeira
Nos riachos ele pulava
De uma a outra barreira.
17
7/25/2019 JUVENAL E O DRAGAO e Outros Folhetos
59/169
7/25/2019 JUVENAL E O DRAGAO e Outros Folhetos
60/169
- Tenho sessenta e dois anos
Em clculo no tenho um erro
E disse que me faltasse
O cho para o meu enterro
Quando aquela vaca fosse
A me daquele bezerro.
Disse o coronel: - Voc um caboclo cismado
No deixa de acreditar
Nisso de boi batizado
E mesmo aquele no
O tal bezerro encantado.
- No ? Ora se no !
Veremos se ele ou noVossa senhoria ajunte
Os vaqueiros do serto
Do Rio da Prata ao Par
E depois me diga ento.
20
Disse o coronel: - Caboclo
Z Preto no pegou ele?
- Ora! Pegou, coronel
Mas no sabe o que h nele
Dou a vida se houver um
Que traga um pelo dele.
- Eu digo com conscinciaSenhor coronel Sezinando
O boi misterioso
Para que estar lhe enganando?
O boi filho de um gnio
Uma fada o est criando.
- A me d'gua do Egito
Foi quem deu-lhe de mamarA fada de Borborema
Tomou-o para criar
Na Serra do Araripe
Foi ele se batizar.
21
7/25/2019 JUVENAL E O DRAGAO e Outros Folhetos
61/169
O coronel Sezinando
Dizia: - Eu no acredito
Na fada de Borborema
E na me d'gua do Egito
Gnio e fada para mim
um dito esquisito.
Quarenta e cinco vaqueirosSaram para peg-lo
Dizia o ndio: - S hoje
Eles podiam encontr-lo
No dia de sexta-feira
Duvido de quem ach-lo.
E de fato nesse dia
Nem o rastro dele viramVoltaram para a fazenda
No outro dia partiram
s nove horas do dia
No rastro dele seguiram.
22
Na garganta de uma serra
Acharam ele deitado
Na sombra de uma aroeira
Estava ali descuidado
Pulou instantaneamente
Na rapidez de um veado.
O boi entrou na caatingaQue no procurava jeito
Moror, jurema branca
Ele levava de eito
Rolava pedra nos cascos
Levava angico no peito.
Disse Fernandes de Lima
Um dos vaqueiros paulistas:- De todos esses cavalos
No h mais um que resista
Dormirmos aqui, convm
Ningum perd-lo de vista.
23
7/25/2019 JUVENAL E O DRAGAO e Outros Folhetos
62/169
Dormiram todos ali
Naquele campo to vasto
Pearam a cavalgadura
Deixaram ganhar o pasto
s seis horas da manh
Seguiram logo no rastro.
O cavalo SoberanoAo ver o rastro do boi
Gemeu, pulou para trs
E o ndio gritou: Oi!
Deixou os outros vaqueiros
Correu para trs, se foi.
Disse o ndio Benvenuto:
- Eu no posso campearO cavalo est doente
preciso descansar
Faz muitos dias que corre
E eu preciso regressar.
24
Ento disse o coronel:
- Existe aqui um mistrio
Antes de haver este boi
Voc no era to srio?
Voc faz do boi uma alma
E do campo um cemitrio.
Benvenuto respondeu:- Haja o que houver, vou embora
Querendo me dispensar
Pode me dizer agora
V quem quiser, eu no vou
No posso mais ter demora.
Andaram duzentos metros
Logo adiante foram vendoUm vaqueiro disse: - Olhe
O boi ali se lambendo
Tambm no houve um vaqueiro
Que no partisse correndo.
25
7/25/2019 JUVENAL E O DRAGAO e Outros Folhetos
63/169
O campo tinha uma lgua
Sem ter nele um p de mato
Esse boi corria tanto
Que s veado ou um gato
Ento fazia uma sombra
Pouco maior que a de um rato.
Disse o Lopes do Exu:- Juro f de cavaleiro
No sairei mais de casa
Chamado por fazendeiro
Vendo o cavalo e a sela
E deixo de ser vaqueiro.
s cinco horas da tarde
Pretenderam regressarEnto os cavalos todos
No podiam mais andar
Os vaqueiros no podiam
Tanta fome suportar.
26
Voltaram para a fazenda
E tornaram a contratar
A 21 de novembro
Cada um que ali chegar
O coronel Sezinando
Lhes mandaria avisar.
O coronel SezinandoHomem muito caprichoso
Tirou trs contos de ris
Disse: - para o venturoso
Que venha a esta fazenda
E pegue o boi misterioso.
A vinte e um de novembro
Venceu-se o trato afinalA fazenda Santa Rosa
Ficou como um arraial
Ou uma povoao
Numa noite de Natal.
27
7/25/2019 JUVENAL E O DRAGAO e Outros Folhetos
64/169
J um criado chamava
O povo para o almoo
Quando viram ao longe um vulto
Divulgaram ser um moo
Ento vinha num cavalo
Que parecia um colosso.
Era um cavalo caxitoTinha uma estrela na testa
Vaquejada que ele ia
Ali tornava-se em festa
Ganhou numa apartao
Nome de "Rei da Floresta".
Chegou ento o vaqueiro
Saudou a todos daliPerguntou: - Qual dos senhores
o coronel aqui?
Apontaram o coronel
Disseram: - esse a.
28
O coronel perguntou-lhe:
- De que parte s, cavaleiro?
- Eu sou de Minas Gerais
Disse o rapaz, sou vaqueiro
Vim porque soube que aqui
Existe um boi mandingueiro.
Disse o coronel: - ExisteEsse boi misterioso
Tem-se corrido atrs dele
Ele sai vitorioso
J tem sado daqui
Vaqueiro at desgostoso.
- Queria ver esse boi
Disse sorrindo o vaqueiroTenho vinte e quatro anos
Nunca vi boi feiticeiro
Disse o coronel: - Pegando-o
Ganha avultado dinheiro.
29
7/25/2019 JUVENAL E O DRAGAO e Outros Folhetos
65/169
- Quem peg-lo em pleno campo
Disse a o coronel
Ganhar pago por mim
Um relgio e um anel
Tem mais trs contos de ris
Em ouro, prata ou papel.
- Salvo se algum o pegarQuando ele estiver doente
Ou lhe atirando de longe
Isso coisa diferente
H de pegar pelo p
Ele bom perfeitamente.
Disse o moo: - No aceito
Objetos nem dinheiroEu s desejo ganhar
A vitria de um vaqueiro
Esse seu menor criado
filho de um fazendeiro.
30
- De sbado a tera-feira
Descansados a cabea
Disse o coronel, tarde
Quem for vaqueiro aparea
Sairemos quarta-feira
Antes que o dia amanhea.
Na quarta-feira seguiuComo tinha contratado
O povo que o coronel
tarde tinha avisado
Eram dez horas do dia
Inda o boi viram deitado.
Disse o vaqueiro de Minas:
- Perdi de tudo a viagemEu pegando um boi daquele
No conto por pabulagem
Para o cavalo que venho
Inda dez no vantagem.
31
7/25/2019 JUVENAL E O DRAGAO e Outros Folhetos
66/169
- Pensei que fosse maior
Segundo o que ouvi falar
Parece at um garrote
Que criou-se sem mamar
Um bicho manso daquele
Faz pena at derrubar.
Porm o cavalo aViu o boi se levantar
Estremeceu e bufou
Fastou e quis se acuar
Que deu lugar ao vaqueiro
Daquilo desconfiar.
A chegou-lhe as esporas
E o cavalo partiuEm menos de dois minutos
O boi tambm se sumiu
Deu uns trs ou quatro pulos
Ali ningum mais o viu.
32
O boi entrou na caatinga
Com o vaqueiro tambm
Por dentro do cipoal
Que no passava ningum
Tanto que o coronel disse:
- Socorro ali ningum tem.
Eram seis horas da tardeEstava o grupo reunido
Sem notcia do vaqueiro
Que atrs do boi tinha ido
Via-se a batida apenas
Por onde tinha seguido.
Um dizia: - Ele morreu
Outro que tinha cadoOutro dizia: - O vaqueiro
Arrisca-se ter fugido
No pde pegar o boi
Voltou de l escondido.
33
7/25/2019 JUVENAL E O DRAGAO e Outros Folhetos
67/169
Acenderam o facho e foram
Por onde tinham entrado
Acharam sempre roteiro
Por onde tinham passado
O coronel Sezinando
J ia desenganado.
Passava da meia-noiteGritaram ele respondeu
O coronel acalmou-se
E disse: - Ele no morreu
Porm o grito era longe
Que quase no se entendeu.
Trs horas da madrugada
Foi que puderam o acharMas o cavalo cado
Sem poder se levantar
E ele mais contrariado
Sem poder quase falar.
34
O coronel perguntou-lhe
O que tinha sucedido
Respondeu que tal desgraa
Nunca tinha acontecido
Dizendo: - Antes casse
E da queda ter morrido.
- O cavalo em que eu vimNingum nunca viu cansado
Correu um dia seis lguas
Inda no chegou suado
E da carreira de hoje
Ficou inutilizado.
- No volto a Minas Gerais
Porque chego com vergonhaOs vaqueiros j esperam
Uma notcia risonha
Eu chegando l com essa
Do-me uma vaia medonha.
35
7/25/2019 JUVENAL E O DRAGAO e Outros Folhetos
68/169
- Menos de cinquenta passos
Inda me aproximei dele
Inda estirei a mo
Mas no pude tocar nele
Apenas posso dizer
No sei que boi aquele.
- Nunca vi bicho correrCom tanta velocidade
S lampejo de relmpago
Em noite de tempestade
Nem peixe n'gua se move
Com tanta facilidade.
Ele um boi muito grande
Tem o corpo demasiadoNo sei como corre tanto
Dentro de um mato fechado
Por isso que muitos pensam
Que seja um boi encantado.
36
O coronel disse a:
- Acho bom tudo voltar
Disse o vaqueiro de Minas:
- No precisa descansar
Vejam se do-me um cavalo
Que vou me desenganar.
O coronel SezinandoChamou Mamede Veloso
Lhe disse: - Mamede, v
fazenda do Mimoso
Diga ao vaqueiro que mande
O cavalo "Perigoso".
- Diga que mate uma vaca
Leve queijo e rapaduraE v esperar por ns
Na Fazenda da Bravura
Diga que somos sessenta
Leve jantar com fartura.
37
7/25/2019 JUVENAL E O DRAGAO e Outros Folhetos
69/169
- O vaqueiro cumpriu tudo
Que seu amo lhe ordenou
Deu o cavalo a Mamede
Puxou a vaca e matou
s onze horas do dia
Ento Mamede chegou.
Trouxe o cavalo cardoCom a espcie de rudado
Disse o vaqueiro de Minas:
- Oh! Bicho de meu agrado
Lhe disseram: - O nome dele
Foi muito bem empregado.
O vaqueiro levantou-se
Com o guarda-peito no ombroSe aproximou do cavalo
Passou-lhe a mo pelo lombo
O cavalo deu um sopro
Que quase causa-lhe assombro.
38
Ento o vaqueiro disse:
- Eu vou experimentar
Se o cavalo Perigoso
Presta para campear
Disse ento o coronel:
- Cuidado quando montar.
- Veja que ele j matouCom queda quatro vaqueiros
Os que causaram mais pena
Foram dois piauizeiros
Ento respondeu o Srgio:
- No eram bons cavaleiros.
Quando o vaqueiro montou
O cavalo se encolheuChegou-lhe ainda as esporas
O sangue logo desceu
Quase trs metros de altura
Ele da terra se ergueu.
39
7/25/2019 JUVENAL E O DRAGAO e Outros Folhetos
70/169
Mas o cavaleiro era destro
Ali no desaprumou
Chegou-lhe ainda as esporas
Ele de novo pulou
Esse pulo foi to grande
Que tudo se admirou.
Fez uma curva no saltoTirou pelos quartos a sela
O vaqueiro era um heri
Saltou aprumado nela
Dizendo: - Hoje achei um testo
Que deu na minha panela.
Saltou mas no afrouxando
Ambas as rdeas do cavaloSabia que se soltasse
Ningum podia peg-lo
Dizendo: - O cavalo serve
Vou logo experiment-lo.
40
Selou de novo o cavalo
E tornou a se montar
Tanto que o coronel disse:
- Este sabe cavalgar
O cavalo conheceu
Ali no quis mais saltar.
Passava do meio diaQuando os vaqueiros saram
Acharam o rastro do boi
Todos sessenta seguiram
Adiante encontraram ele
No limpo que todos viram.
Srgio, o vaqueiro de Minas
Foi o primeiro que viuPerguntou:- Ser aquele
Que l do mato saiu?
Todos disseram: - aquele
A o Srgio partiu.
41
7/25/2019 JUVENAL E O DRAGAO e Outros Folhetos
71/169
7/25/2019 JUVENAL E O DRAGAO e Outros Folhetos
72/169
Porm o vaqueiro disse:
- Aonde entrares eu entro
Se tu entrares no mar
Viro-me em peixe, vou dentro
Algum que for procurar-me
Acha-me morto no centro.
O boi com facilidadeO trancadilho rompeu
Quase no centro do vo
O vaqueiro conheceu
O cavalo Perigoso
Da carreira adoeceu.
- Diabo!,disse o vaqueiro
Est doente o PerigosoAh! Boi do diabo enfim
Te chamas Misterioso
Eu puxei a meu av
Que morreu por ser teimoso.
44
Voltou para o campo limpo
O cavalo to suado
Com um talho no pescoo
Um casco quase furado
De forma que o vaqueiro
No pde voltar montado.
s oito horas da noiteVieram os outros chegar
A estrada que o boi fez
Deu para tudo passar
Cinquenta e nove cavalos
Sem nenhum se embaraar.
- Colega, cad o boi?
Perguntou o SezinandoO Srgio se levantou
E respondeu espumando:
- Coronel, eu j pensei
Que s me suicidando.
45
7/25/2019 JUVENAL E O DRAGAO e Outros Folhetos
73/169
- Suicidar-se por qu?
O Srgio ento respondeu:
- O coronel no est vendo
O que j me sucedeu?
Matei meu cavalo aqui
Inutilizei o seu.
Disse o coronel: - Faz penaPerigoso se acabar
Porm nosso, paguei-o
Ningum mais vem o cobrar
E dou vinte pelo seu
Se dois ou trs no pagar.
Eram sessenta cavalos
Uns de diversos sertesE todos esses no iam
A todas apartaes
Em vaquejadas garbosas
Mostraram lindas aes.
46
Havia um cavalo russo
Chamado Paraibano
Carioca, Rio-grandense
Paturi e Pernambucano
Paulista e Vitoriense
Flor do Prado e Sergipano.
Pombo Roxo e PapagaioFlor do Campo, Catingueiro
Soc Boi, Canrio Verde
Patola e Piauizeiro
guia Branca e Bem-te-vi
Flecha Peixe e Campineiro.
E os outros que aqui no posso
Seus nomes mencionarEra tambm impossvel
Quem me contou se lembrar
melhor negar o nome
Do que depois enganar.
47
7/25/2019 JUVENAL E O DRAGAO e Outros Folhetos
74/169
7/25/2019 JUVENAL E O DRAGAO e Outros Folhetos
75/169
O coronel disse a ele:
- Eu fico penalizado
No digo que se demore
Porque seu pai tem cuidado
Veja se volta em janeiro
Que me acho preparado.
Ento o Srgio saiuNo pde se demorar
O coronel Sezinando
No deixava de pensar
Por que forma aquele boi
Ningum podia pegar.
Chamou o escravo e lhe disse:
- Monte num cavalo e v Fazenda do Desterro
Diga ao vaqueiro de l
Que eu mando dizer a ele
Que sem falta venha c.
50
O escravo cumpriu todo
O dever de portador
Achou a casa fechada
Perguntou a um morador
Se sabia do vaqueiro
Esse disse: - No senhor.
Ento o morador disse:- Na noite de sexta-feira
O ndio foi ao curral
Deixou aberta a porteira
Saiu montado a cavalo
E levou a companheira.
Voltou o escravo e disse
Tudo que tinha sabidoQue na sexta-feira noite
O ndio tinha sado
E carregou a mulher
Como quem sai escondido.
51
7/25/2019 JUVENAL E O DRAGAO e Outros Folhetos
76/169
- Inda v mais essa agora!
O coronel exclamou
Aquele bruto saiu
E no me comunicou
Que diabo teve ele
Que at o gado soltou?
No outro dia foi lAchou a casa fechada
Ento a porta da frente
Tinha ficado cerrada
At a mala de roupa
Inda estava destrancada.
O fazendeiro com isso
Ficou muito constrangidoPensava logo em crime
Que pudesse ter havido
O ndio no tinha causa
Porque sasse escondido.
52
Ento mandou gente atrs
Pelo mundo a procurar
No achou uma pessoa
Que dissesse eu vi passar
Em todo serto que havia
Ele mandou indagar.
Ento o povo diziaQue o ndio era feiticeiro
E uma fada pediu-lhe
Que no fosse mais vaqueiro
A fada transformou ele
Em um veado galheiro.
Os faladores diziam
Que ele foi assassinadoE talvez o coronel
Tivesse mesmo mandado
Matar ele e a mulher
Para ficar com o gado.
53
7/25/2019 JUVENAL E O DRAGAO e Outros Folhetos
77/169
Outros diziam ao contrrio
At juravam que no
Os dois cavalos do ndio
Aonde botaram ento
Mesmo assim o coronel
No fazia aquela ao.
Bem encostadinho ao ndioUma velha fiandeira
Morava numa casinha
E fiava a noite inteira
Disse que quase se assombra
Ali numa sexta-feira.
Disse: - meia-noite em ponto
Eu inda estava fiandoEm casa de Benvenuto
Eu ouvi gente falando
Espiei por um buraco
Vi chegar um boi urrando.
54
A velha disse: - Deus mande
A cascavel me morder
Se de l de minha casa
No ouvi o boi dizer
Boa noite, Benvenuto
Eu s venho aqui te ver.
- O boi disse outras palavrasQue eu de l no pude ouvir
O caboclo e a mulher
Disso ficaram a sorrir
O boi, o ndio e a mulher
Todos eu vi sair.
- A fui guardar o fuso
E a cesta de algodoCredo em cruz! Dizia eu
Aquilo arte do Co
So coisas do fim do mundo
Bem diz Frei Sebastio.
55
7/25/2019 JUVENAL E O DRAGAO e Outros Folhetos
78/169
7/25/2019 JUVENAL E O DRAGAO e Outros Folhetos
79/169
Uma noite de So Joo
Na fazenda Santa Rosa
S a noite de Natal
Estaria to venturosa
Porque em todo serto
Aquela era a mais garbosa.
Trs classes ali danavamEm redobrada alegria
No salo da casa grande
Os lordes da freguesia
Em latadas de capim
A classe pobre que havia.
O leitor deve saber
Do estilo do sertoO que no fizer fogueiraNas noites de So Joo
Fica odiado do povo
Tem fama de mau cristo.
58
O coronel Sezinando
Derrubou uma aroeira
E vinte e oito pessoas
Carregaram essa madeira
Para o ptio da fazenda
E fizeram uma fogueira.
Estava a noite vinte e trsDo ms do Santo Batista
Como outra no serto
Nunca tinha sido vista
S faltava ali a msica
Discurso e fogos-de-vista.
Estava o povo todo ali
Uns danando e outros bebendoUm prazer demasiado
Em tudo estava se vendo
Mais de cinquenta pessoas
Assando milho e comendo.
59
7/25/2019 JUVENAL E O DRAGAO e Outros Folhetos
80/169
Meia-noite mais ou menos
Pde o povo calcular
O galo pai do terreiro
Estava perto de cantar
Quando viram um touro preto
No ptio se apresentar.
Meteu os cascos na terraCobriu tudo com poeira
Soltou um urro to grandeQue ouviu-se em toda ribeira
Deixou em cima da casa
Toda a brasa da fogueira.
Dos cachorros da fazenda
Nem um sequer acudiuO gado urrava de medo
Parte do povo fugiu
O coronel Sezinando
Foi o nico que saiu.
60
Ainda viu o vulto dele
Que pelo ptio ia andando
Chamou os cachorros todos
Esses fugiram uivando
O povo todo em silncio
J muitos se retirando.
Ento acabou-se a festaO povo se debandou
Os moradores de perto
L um ou outro ficou
Aquele claro garboso
Em escuro se tornou.
No outro dia s dez horas
O coronel SezinandoEstava com sua mulher
No alpendre conversando
Quando o ndio Benvenuto
Chegou e foi se apeando.
61
7/25/2019 JUVENAL E O DRAGAO e Outros Folhetos
81/169
7/25/2019 JUVENAL E O DRAGAO e Outros Folhetos
82/169
- Eu atrs dele no vou
No lhe trago no engano
Pois no quero desgostar
Meu cavalo Soberano
Por eu ir l uma vez
Tive castigo de um ano.
Z Preto do BoqueiroNaquela hora chegou...
Perguntou ao coronel
- O que foi que se passou?
Respondeu o coronel:
- Foi o co que se soltou.
Disse Z Preto: - Eu tambm
Venho aqui bem receosoO coronel me conhece
V que no sou mentiroso
Inda agora quando vinha
Vi o Boi Misterioso.
64
- Na Malhada do Balo
Passei, e ele deitado
Foi o boi que veio aqui
Eu fiquei desconfiado
Porque vi o chifre dele
E parece estar queimado.
Srgio, o vaqueiro de MinasNesse momento chegou
Disse: - Senhor coronel
s suas ordens eu estou
Pois recebi o recado
Que o coronel me mandou.
Disse o Srgio: - Eu recebi
Do coronel um recadoQue no dia vinte e sete
Estava o povo contratado
Pois o Boi Misterioso
Tinha j sido encontrado.
65
7/25/2019 JUVENAL E O DRAGAO e Outros Folhetos
83/169
Ento disse o coronel
Que o recado no mandou
Ali contou a mido
A cena que se passou
E disse: - Z Preto agora
Me disse que encontrou.
Nisso chegou um vaqueiroUm caboclo curiboca
O nariz grosso e rolio
Da forma de uma taboca
Em cada lado do rosto
Tinha uma grande pipoca.
- Bom dia, Seu coronel!
Disse o tal recm-chegado- Tenha o mesmo o cavaleiro
Respondeu desconfiado
Dizendo, dentro de si:
De onde este danado?
66
O coronel perguntou-lhe
- De que parte , cavaleiro?
- Do serto de Mato GrossoRespondeu o tal vaqueiro
- A que negcio que vem?
Perguntou-lhe o fazendeiro.
- Venho a vossa senhoriaA mandado do patro
Ver um Boi Misterioso
Que existe neste serto
O coronel quer que pegue
Me d autorizao.
- Meu patro bom vaqueiro
Disse-lhe o desconhecidoSoube que desta fazenda
Um boi tinha se sumido
Mandou-me ver se esse boi
J havia aparecido.
67
7/25/2019 JUVENAL E O DRAGAO e Outros Folhetos
84/169
7/25/2019 JUVENAL E O DRAGAO e Outros Folhetos
85/169
7/25/2019 JUVENAL E O DRAGAO e Outros Folhetos
86/169
- Voc bem v o cavalo
Que eu venho montando nele
E conhece meu patro
Sabe que o cavalo dele
O boi a se virou
E olhou bem para ele.
A desceu do oiteiroEm desmarcada carreira
Deixando por onde ia
Uma nuvem de poeira
O curiboca gritou-lhe:
- No corra, que asneira.
Ento seguiram no campo
Onde tudo se avistavaO cavalo do caboclo
Fogo da venta deitava
Dava sopro na campina
Que tudo ali se assombrava.
72
O coronel disse a todos:
- Devemos seguir atrs
Est decidido que ali
Anda a mo do Satans
Convm agora ns vermos
Que resultado isso traz.
Bem no centro da campinaHavia uma velha estrada
Feita por gado dali
Porm j estava apagada
Depois com outra vereda
Faziam uma encruzilhada.
Iam o vaqueiro e o boi
Pela dita cruz passarAli enguiava a cruzOu tinha ento que voltar
Devido a outros vaqueiros
No havia outro lugar.
73
7/25/2019 JUVENAL E O DRAGAO e Outros Folhetos
87/169
Mas o boi chegando perto
No quis enguiar a cruz
Tudo desapareceu
Ficou um foco de luz
E depois dela saram
Uma guia e dois urubus.
Tudo ali observouO fato como se deu
Dizendo que o cho se abriu
E o campo estremeceu
Pela abertura da terra
Viram quando o boi desceu.
Voltaram todos os homens
O coronel constrangidoO boi e o tal vaqueiro
Terem desaparecido
A terra abriu-se e fechou-se
Ps tudo surpreendido.
74
Julgam que a guia era o boi
Que quando na terra entrou
Ali havia uma fada
Em uma guia o virou
O vaqueiro e o cavalo
Em dois corvos os transformou.
O coronel SezinandoFicou to contrariado
Que vendeu todas as fazendas
E nunca mais criou gado
Houve vaqueiro daqueles
Que um ms ficou assombrado.
L ainda hoje se v
Em noites de trovoadasAvaca misteriosa
Naquelas duas estradas
Duas mulheres falando
Rangendo os dentes e chorando
Onde as cenas foram dadas.
75
7/25/2019 JUVENAL E O DRAGAO e Outros Folhetos
88/169
L
CASAMENTOEDIVRCIODALAGARTIXA
No se h que viva no mundo
que no deseje gozar.
Desde o velho criancinha
Quer a vida desfrutar e tudo
aspira o amor,
Porque viver diz: - Amar.
Disse Lagartixa um dia:
- Eu s ficarei solteira
se no achar nesta terra
um diabo que me queira.
Procurei desde as casas
at o largo da feira.
7/25/2019 JUVENAL E O DRAGAO e Outros Folhetos
89/169
02
Mame com quarenta anos
tava ficando titia,
mas tomou uma cachaa
da mais forte que havia,
foi feira, achou papai,
voltou rica neste dia.
- o que eu fao tambm...Tomo um dia uma cachaa,
vou para a porta da rua,
ali nem mosquito passa.
E s volto com um marido
ou emprestado ou de graa.
Mame dizia uma coisa
que eu achava muito exato:"Quando faltar o cachorro,
se pode caar com gato.
E no tenho um desses dois,
ento bota a me no mato".
03
Uma tia disse a ela:
- Minha filha no se veixe!
Respondeu a Lagartixa:
- O que vier na rede peixe.
Eu vou procurar marido,
se achar muito trago um feixe.
Lagartixa ento saiuvendendo azeite s canadas.
Encontrou com o Calango,
uma alma dispersada,
que andava com a molstia
procurando namorada.
o Calango suspirava
pela vida de casado.A Lagartixa tambm
tinha se desenganado
que no acharia nunca
quem fosse seu namorado.
7/25/2019 JUVENAL E O DRAGAO e Outros Folhetos
90/169
04
Quando o Calango viu ela,
ficou todo animado.
Disse consigo: j sei,
hoje volto transformado...
Tambm disse a Lagartixa:
j encontrei namorado...
Cumprimentaram-se amboscom grande contentamento,
o Calango com requebros,
ela com derretimento.
Com cerimnias um do outro,
no trataram casamento.
Ela perguntou-lhe apenas
como que ele se chamava.Ele perguntou a ela
onde o pai dela morava,
se a me no tinha cime
quando ela passeava.
05
Respondeu a Lagartixa:
- O papai faz cara feia.
Tem dias que ele se zanga,
jura de meter-me a peia,
mas saio na lua nova
e volto na lua cheia...
Era um namoro rombudo...Ela chamava neguinho,
Calango flocava a cauda,
pedia a ela um beijinho...
A Lagartixa dizia:
- Espere a, meu anjinho!
O velho s vezes dizia:
- Eu quero sinceridade.A me dela ento dizia:
.o,- Meu velho, isto bestidade,
rapaz brincar com uma moa
so coisas da mocidade.
7/25/2019 JUVENAL E O DRAGAO e Outros Folhetos
91/169
06
Voc j est esquecido
do tempo do nosso amor?
Eu era como uma abelha,
voc, como um beija-flor!
Eu desfrutava em seus braos
o mais suave calor!
A me afrouxava ela,sendo uma moa solteira.
Calango dava-lhe o brao,
iam passear na feira.
Se a fome no os apertasse,
passavam a semana inteira.
O pai de nada sabia,
porque vivia por fora.Calango meteu-se dentro
como quem diz: - agora!
O velho de longe assim
no v se a filha namora.
07
Ora, o pai da Lagartixa
era um pobre analfabeto,
entendia que Calango
fosse um mulato correto.
Quando veio abrir os olhos,
foi tarde, j tinha neto.
E foi o velho lagartose queixar autoridade,
dizendo que o Calango
fez-lhe aquela falsidade:
desonrou a sua filha
sendo de menor idade.
Nesse tempo o Cururu
era subdelegado.O velho foi l chorando
porque andava injuriado.
O Cururu disse: - Volte,
que voc ser vingado...
7/25/2019 JUVENAL E O DRAGAO e Outros Folhetos
92/169
7/25/2019 JUVENAL E O DRAGAO e Outros Folhetos
93/169
10
Casou-se sempre o Calango,
embora fosse obrigado.
Botou um grande negcio,
O tratou de ser homem honrado.
A Lagartixa em trs dias
vendeu dali tudo fiado.
O Calango comprou tudofiado ao Camaleo,
entregou Lagartixa,
foi tratar de uma eleio.
Quando voltou no achou
nem onde tinha a armao.
At o prprio balco
ela o tinha empenhado,deu para embrulhar sabo
o livro do apurado;
os utenslIos da venda
tudo j tinha voado.
11
O Calango com aquilo
entristeceu de repente,
exclamou: - Mulher danada,
voc me deixou doente.
Me diga agora que conta
Presto eu ao seu parente?
A Lagartixa lhe disse:- No precisa se vexar,
seu primo Camaleo
por isso no vai lhe dar
D-lhe uma satisfao,
diga que vai arranjar...
O Calango respondeu:
- Eu no passo. por velhaco...Respondeu-lhe a Lagartixa:
- Voc ainda d cavaco?
Os calotes do comrcio
hoje se chamam "buraco".
7/25/2019 JUVENAL E O DRAGAO e Outros Folhetos
94/169
12
Ento o Calango disse:
- Veja se bota o almoo...
Respondeu-lhe a Lagartixa:
- Tenha pacincia, moo,
falta de dois vintns
eu ontem comi ensosso.
E se voc voltou liso,dana-se agora o negcio,
pode arrumar logo a trouxa
e vamos abrir divrcio.
Caixeiro sem capital
s nos lucros ter scio.
Marido sem nem um X
no quero, que no me acode,no tem que ficar zangado
nem que puxar o bigode,
mulher hoje em dia luxo
e luxo s tem quem pode.
Mame dizia ao papai:
"Se estiver aborrecido,
me avise logo com tempo,
pode ficar prevenido,
da forma que eu mudo a saia
mudo tambm o marido".
E note bem que j fezmais de ms que estou casada
e no agento mais
esta vida assim privada.
Trabalhar para comer?
Vote, seu Z, vai l nada...
O Calango disse a ela:
- Mulher, no fale em divrcio!Respondeu-lhe a Lagartixa:
- Voc parece um becio...
Escolha, de duas uma:
ou deix-lo ou dar-lhe um scio.
13
7/25/2019 JUVENAL E O DRAGAO e Outros Folhetos
95/169
7/25/2019 JUVENAL E O DRAGAO e Outros Folhetos
96/169
Mulher feia e homem ruim
isto todo dia aumenta,
a fartura j tanta
que o mundo no se agenta.
Eu fui ver se achava um,
Encontrei mais de quarenta.
Disse o Calango: - Meu paito bem casado viveu!
A Lagartixa lhe disse:
- Ento era como o meu...
Mame tinha dez maridos,
nove foi papai quem deu.
O namoro suja o nome,
eu conheo que exato.Mas eu no tenho dinheiro,
namoro cachorro e gato,
do ar s deixo urubu
e da terra, carrapato.
16
Por favor oua mais essa,
se no for verdade, diga,
capricho familiar
resulta sempre a intriga,
honestidade no veste,
honra no enche barriga.
O Calango disse a ela:- Minha me viveu honrada,
se acabou nua e com fome,
porm nunca foi manchada...
Respondeu a Lagartixa:
- Tambm morreu desgraada.
Minha av morreu velhinha,
porm no lugar que iaquinze, vinte namorados
todas as vezes trazia,
fora muitos que ficavam
que meu av no sabia.
17
7/25/2019 JUVENAL E O DRAGAO e Outros Folhetos
97/169
7/25/2019 JUVENAL E O DRAGAO e Outros Folhetos
98/169
Limpou as armas bem limpas
e amolou o faco,
escovou o bacamarte,
apertou o cinturo,
muniu bem a cartucheira
e seguiu na direo.
Levou como testemunhao Besouro-mangang,
e avisou o Papa-vento
que se preparasse l...
Disse o Papa-vento: - Digalhe
que pode vir, estou c.
Chegou ento o Calango
e falou ao Papa-vento:- Um de ns descer hoje
ao cho do esquecimento,
eu j dei terminaes
at do meu testamento.
20
Ento disse o Papa-vento:
- A vida quase uma peta.
O risco que corre a broca
corre tambm a marreta;
eu no sou como sagi,
para morrer com careta.
Ento disse a Lagartixa:- Quero ver quem cai primeiro.
O que ganhar j se sabe
que foi o melhor guerreiro.
Eu corro os bolsos do morto
para ver se tem dinheiro.
Calango atirou primeiro,
Papa-vento se livrou,naquele mesmo momento
nele tambm atirou;
Calango era muito destro
do tiro se desviou.
21
7/25/2019 JUVENAL E O DRAGAO e Outros Folhetos
99/169
Tr