MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE GOIÁS57ª Promotoria de Justiça de GoiâniaRua 23, esq. com a Av. Fued José Sebba, Qd. 06, Lts. 15/24sala 332, Jardim Goiás, Goiânia-Goiás - CEP 74.805-100e-mail: [email protected] 3243-8442 e 127 | www.mpgo.mp.br
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AO JUÍZO DE DIREITO DA VARA DA FAZENDA PÚBLICA ESTADUAL DA
COMARCA DE GOIÂNIA
O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE GOIÁS, por sua
Promotora de Justiça em substituição automática na 57ª Promotoria de Justiça de Goiânia,
com suporte nos arts. 127, caput, e 129, II e III, da Constituição Federal, no art. 17, caput,
da Lei 8.429/1992, nos arts. 1º, IV e VIII, e 5º, I, da Lei 7.347/1985, art. 25, IV, da Lei
8.625/1993, e art. 46, VI, da Lei Complementar Estadual 25/1998, vem perante Vossa
Excelência propor
AÇÃO CIVIL PÚBLICA
por Ato de Improbidade Administrativa
com pedido de tutela provisória
em desfavor de:
MARCONI FERREIRA PERILLO JÚNIOR, brasileiro, casado, RG nº
1.314.602-DGPC/GO, CPF nº 035.538.218-09, domiciliado na Alameda Itu, nº
547, apt. 74, Edifício São João Del Rey, Cerqueira César, São Paulo/SP, CEP
01421-001; e
BRENCO COMPANHIA BRASILEIRA DE ENERGIA RENOVÁVEL –
EM RECUPERAÇÃO JUDICIAL, pessoa jurídica de direito privado, inscrita
no CNPJ sob o nº 08.070.566/0012-54, com sede na Rodovia GO-341, Km 67 à
direita 13 km, Zona Rural, Mineiros-GO, CEP 75830-002; e
ESTADO DE GOIÁS, pessoa jurídica de direito público, representada por seu
Procurador-Geral, domiciliado na Praça Dr. Pedro Ludovico Teixeira, nº 132,
Centro, Goiânia/GO, CEP 74003-010, pelos fatos e fundamentos jurídicos a
seguir expostos.
I – DOS FATOS
I.1) O encaminhamento do projeto de lei nº 2012001256
No ano de 2012, na cidade de Goiânia, o ex-Governador do Estado de Goiás e
ora réu MARCONI FERREIRA PERILLO JÚNIOR deu causa à renúncia fiscal de
Imposto sobre Circulação de Mercadoria e Serviços (ICMS) em desobediência ao
ordenamento legal vigente.
A renúncia de receita se deu por meio do encaminhamento de projeto de lei à
Assembleia Legislativa goiana que, como se tornou habitual em Goiás, aprovou as medidas
sem nada questionar.
Em 04 de abril de 2012, por meio do Ofício Mensagem nº 32/12, MARCONI
PERILLO encaminhou à Assembleia Legislativa do Estado de Goiás projeto de lei para
2/30A.C.S.
alterar a redação do art. 3º da Lei 13.246/19981, autorizando o Chefe do Poder Executivo a
conceder crédito outorgado de ICMS aos industriais do setor alcooleiro enquadrados no
programa Fomentar e Produzir, em percentual a ser estabelecido em regulamento, mas tendo
como limite máximo o percentual de 60% sobre o saldo devedor do valor que seria obtido,
caso a responsabilidade pelo imposto nas operações com álcool anidro fosse do industrial.
Após tramitação e aprovação da Assembleia Legislativa do Estado de Goiás, o
aludido projeto de lei foi encaminhado e sancionado, dando origem à Lei nº 17.640, de 21 de
maio de 2012.
Na ocasião, MARCONI descumpriu o art. 14 da Lei Complementar Federal nº
101, de 4 de maio de 2000 (Lei de Responsabilidade Fiscal), pois o projeto de lei não atendeu
aos requisitos legais exigidos para concessão de benefícios fiscais2.
Ora, MARCONI não disse sequer o valor total da renúncia fiscal, tampouco
qual seria o impacto orçamentário-financeiro da benesse para os anos de 2012, 2013 e 2014.
Também não comprovou que o benefício fiscal previsto no projeto que resultou na Lei nº
17.640/2012 estava em conformidade com a LDO de 2012 (Lei nº 17.393/2011). Nenhum
mísero cálculo sobre adequação com a lei orçamentária acompanhou o citado projeto de lei
(confira a íntegra do PL nº 2012001256 anexado à presente petição inicial).
Além disso, o primeiro réu não indicou quais medidas (aumento de receita,
elevação de alíquotas, criação de tributos etc.), seriam tomadas para compensar a renúncia de
receita levada a efeito pela Lei Estadual 17.640/2012, o que demonstra que MARCONI se
portou como um administrador absolutamente irresponsável.
A Lei Estadual 17.640/2012 também não foi precedida de autorização
outorgada por convênio firmado entre os Estados e o Distrito Federal, como exige o art. 155,1 Anteriormente a essa alteração, o art. 3º da Lei 13.246/1998 previa como teto o percentual de 30%, conforme
redação da Lei 16.286/2008.2 a) estimativa do impacto orçamentário-financeiro no exercício em que deva iniciar a vigência e nos dois
seguintes (art. 14, caput, da LRF); b) atender ao disposto na Lei de Diretrizes Orçamentárias (art. 14, caput);c) demonstração de que a renúncia foi considerada na estimativa de receita da lei orçamentária, na forma doart. 12 da LRF, e de que não afetará as metas de resultados fiscais previstas no anexo próprio da LDO (art.14, I); ou estar acompanhada de medidas de compensação, no período mencionado no caput, por meio doaumento de receita, proveniente da elevação de alíquotas, ampliação da base de cálculo, majoração oucriação de tributo ou contribuição (art. 14, II).
3/30A.C.S.
§ 2º, XII, “g”, da Constituição Federal e a Lei Complementar nº 24, de 7 de janeiro de 1975,
em casos de concessão de incentivo fiscal envolvendo ICMS. Portanto, a benesse veiculada
pela Lei Estadual 17.640/2012 viola o pacto federativo, pois dá azo à famigerada “guerra
fiscal”.
I.2) A edição de decretos concedendo benefícios fiscais
A partir da publicação da Lei 17.640/2012, MARCONI poderia tomar uma
entre três atitudes: a) manter os benefícios fiscais aos industriais do setor sucroalcooleiro em
30%; b) diminuir os créditos outorgados de ICMS até 0%; ou c) aumentar os benefícios
fiscais para os usineiros até 60%.
MARCONI executou a alternativa “c”. Veja-se.
A Gerência de Combustíveis da Secretaria de Estado da Economia, por meio do
Despacho nº 92/2019-GECOM-05557, informou que, após a Lei 17.640, de 21/05/2012, o ex-
Governador MARCONI PERILLO editou decretos fixando o percentual de crédito
outorgado sobre o saldo devedor do valor do ICMS que seria obtido, caso a responsabilidade
pelo imposto nas operações com álcool anidro fosse do industrial, quais sejam, Decreto nº
7.661, de 03 de julho de 20123, Decreto nº 7.668, de 10 de julho de 20124, e Decreto nº
8.148, de 14 de abril de 20145.
O Decreto nº 7.661, editado logo após a publicação da Lei 17.640/2012 e
vigente entre 1º/01/2012 e 30/06/2012, aumentou o crédito outorgado de 30% para 40%. O
Decreto nº 7.668, publicado uma semana após o decreto anterior e vigente entre 1º/07/2012 e3 “Art. 1º O inciso XXVI do art. 11 do Anexo IX do Decreto nº 4.852, de 29 de dezembro de 1997,
Regulamento do Código Tributário do Estado de Goiás -RCTE-, passa a vigorar com a seguinte alteração:“Art. 11 (…) XXVI – para o industrial do setor alcooleiro enquadrado nos Programas FOMENTAR ouPRODUZIR, o valor correspondente à aplicação do percentual de 40% (quarenta por cento) sobre o saldodevedor do valor do ICMS que seria obtido, caso a responsabilidade pelo imposto nas operações com álcoolanidro fosse do industrial, observado o seguinte (Lei nº 13.246/99, art. 3º, II): (...)
4 “Art. 1º O percentual de que trata o caput do inciso XXVI do art. 11 do Anexo IX do Decreto nº 4.852, de 29de dezembro de 1997, Regulamento do Código Tributário do Estado de Goiás - RCTE-, passa a ser de 50%(cinquenta por cento), a partir de 1º de julho de 2012.”
5 “Art. 1º O art. 11 do Anexo IX do Decreto nº 4.852, de 29 de dezembro de 1997, Regulamento do CódigoTributário do Estado de Goiás - RCTE -, passa a vigorar com a seguinte alteração: Art. 11 (…) XXVI - para oindustrial do setor alcooleiro enquadrado nos Programas FOMENTAR ou PRODUZIR, o valorcorrespondente à aplicação do percentual de 60% (sessenta por cento) sobre o saldo devedor do valor doICMS que seria obtido, caso a responsabilidade pelo imposto nas operações com álcool anidro fosse doindustrial, observado o seguinte (Lei nº 13.246/99, art. 3º, II):” (NR) (...)”
4/30A.C.S.
13/04/2014, alterou o percentual do benefício fiscal de 40% para 50%. Por fim, o Decreto nº
8.148, com vigência a partir de 14/04/2014, mas que alcançou o período iniciado em
1º/01/2013, alterou o crédito outorgado de ICMS de 50% para 60%, ou seja, o patamar
máximo permitido em lei.
Eis os valores totais do dano ao erário levado a efeito por MARCONI
(conforme Despacho nº 92/2019-GECOM-05557 da Gerência de Combustíveis da Secretaria
de Estado da Economia):
Ano Crédito outorgadoapropriado na escrita
fiscal
Estimativa do valorcorrespondente ao aumento do
percentual
2012 R$ 75.259.478,00 R$ 25.086.493,00
2013 R$ 125.961.675,00
R$ 225.586.547,0062014 R$ 199.249.564,00
2015 R$ 212.364.322,00
2016 R$ 316.300.586,00 R$ 158.150.293,00
2017 R$ 332.601.509,00 R$ 166.300.754,00
2018 R$ 251.137.818,00 R$ 125.568.909,00
TOTAL R$ 1.512.874.951,00 R$ 700.692.905,00
Portanto, ao editar os Decretos 7.661/2012, 7.668/2012 e 8.148/2014, que
majoraram os créditos outorgados para os industriais do setor sucroalcooleiro de 30% até
60%, MARCONI deu causa a um dano ao erário da ordem de R$ 700.692.905,00
(setecentos milhões, seiscentos e noventa e dois mil e novecentos e cinco reais).
Os Decretos 7.661/2012, 7.668/2012 e 8.148/2014 padecem dos mesmos vícios
de sua lei autorizadora (Lei 17.640/2012), quais sejam, violação ao art. 14 da LRF,
desrespeito à LDO, e violação ao art. 155, § 2º, XII, “g”, da Constituição Federal e à Lei
Complementar nº 24/1975, cuja argumentação foi explanada no tópico anterior.
Contudo, o Decreto 8.148/2014 possui um vício a mais: a violação ao art. 73, §
10, da Lei 9.504/19977, pois MARCONI concedeu benefício fiscal em ano eleitoral, o que é6 Período de 2013 a 2015 estimado em conjunto em função do efeito retroativo da norma que aumentou o
benefício e do parcelamento do aproveitamento da diferença dele decorrente.7 Art. 73. São proibidas aos agentes públicos, servidores ou não, as seguintes condutas tendentes a afetar a
igualdade de oportunidades entre candidatos nos pleitos eleitorais: (…) § 10. No ano em que se realizareleição, fica proibida a distribuição gratuita de bens, valores ou benefícios por parte da Administração
5/30A.C.S.
vedado expressamente pela Lei Geral das Eleições.
I.3) O encaminhamento do projeto de lei nº 2018000882
Como dito em linhas pretéritas, os industriais do setor alcooleiro no Estado de
Goiás gozam de benefícios fiscais de ICMS nos termos do art. 3º, II, da Lei 13.246/1998,
tendo sido ainda mais agraciados a partir da Lei 17.640/2012 e dos Decretos 7.661/2012,
7.668/2012 e 8.148/2014.
Como se sabe, o benefício fiscal de crédito outorgado é calculado pela
aplicação de um percentual sobre o saldo devedor do valor do ICMS que seria obtido caso a
responsabilidade pelo imposto fosse do beneficiado. Portanto, quanto maior a alíquota do
tributo, maior o valor do crédito outorgado.
O valor da alíquota do ICMS aplicável nas operações internas com etanol
(hidratado ou anidro) é dada pelo art. 27, IX, “a”, do Código Tributário do Estado de Goiás.
Por meio da Lei 19.925, publicada no Suplemento do Diário Oficial do Estado de Goiás de
27/12/2017, a alíquota de ICMS para o álcool combustível a partir de 1º/01/2018 foi reduzida
de 29% para 23%.
Para o povo, isto é, para quem paga imposto, foi uma ótima medida, mas para
quem vive do capitalismo de estado foi péssimo. No caso, os industriais do setor alcooleiro
experimentaram diminuição de seus créditos outorgados a partir da Lei 19.925/2017.
A fim de privilegiar os industriais do setor alcooleiro e em pleno ano de
eleições gerais, em 09 de março de 2018 o então Governador MARCONI PERILLO enviou
o Ofício Mensagem nº 31/2018 para a Assembleia Legislativa com projeto de lei cujo objetivo
era restabelecer a alíquota de 29% de ICMS para o álcool combustível para o cálculo do
crédito outorgado, tudo de modo a aumentar o benefício fiscal em favor dos usineiros.
A proposta tinha a seguinte redação:
Pública, exceto nos casos de calamidade pública, de estado de emergência ou de programas sociaisautorizados em lei e já em execução orçamentária no exercício anterior, casos em que o Ministério Públicopoderá promover o acompanhamento de sua execução financeira e administrativa.
6/30A.C.S.
Art. 1º O art. 3º da Lei nº 13.246, de 13 de janeiro de 1998, passa a vigorar com aseguinte alteração: “Art. 3º .....................................................……………………………………………....................................................................§ 4º Para efeito do cálculo do saldo devedor do valor do ICMS que seria obtido, deque trata a alínea “a” do inciso II do “caput” deste artigo, devem ser considerados osdébitos de ICMS relativos às saídas internas e interestaduais, com a utilização dasalíquotas respectivas, vigentes à data de publicação da Lei Complementar nº 160, de07 de agosto de 2017.”(NR)
Assim como na Lei 17.640/2012, o projeto de lei que originou a Lei
20.063/2018 resultou em renúncia fiscal de ICMS em desobediência ao art. 14 da Lei
Complementar 101, de 4 de maio de 2000.
Conforme informado pela Gerência de Combustíveis da Secretaria de Estado
da Economia (Despacho nº 92/2019-GECOM-05557):
A redução na alíquota das operações internas implicou em redução domontante de crédito outorgado do etanol anidro apropriado pelos industriais, vistoque a utilização de alíquota menor no cálculo dos débitos de ICMS relativos àsoperações internas (23%, ao invés de 29%) também reduziu o montante do saldodevedor do ICMS sobre o qual é calculado o benefício fiscal.
Neste contexto, o art. 1º da Lei 20.063/2018, ao acrescentar o § 4º do art. 3ºda Lei 13.246/1998, permitiu que, no cálculo do crédito outorgado do etanol anidroa ser aproveitado pelo industrial, seja utilizada a alíquota de 29% para as operaçõesinternas (alíquota vigente na data da publicação da Lei Complementar nº 160, de 07de agosto de 2017) ao invés da alíquota de 23% atualmente prevista na legislaçãoestadual.
Portanto, face à legislação estadual então vigente, a alteração promovida peloart. 1º da Lei 20.063/2018 representou um aumento no valor do crédito outorgado doetanol anidro concedido aos industriais do setor sucroalcooleiro.
O impacto do mencionado aumento nos períodos de JULHO A DEZEMBROde 2018, estimado a partir das informações da Escrita Fiscal Digital – EFD dosbeneficiados disponíveis da base de dados da SEFAZ/GO, e a sua projeção para umperíodo de 12 meses são os seguintes:
Mês Impacto
07/2018 R$ 5.142.686,00
08/2018 R$ 5.038.101,00
09/2018 R$ 5.118.992,00
10/2018 R$ 5.551.833,00
11/2018 R$ 4.946.123,00
12/2018 R$ 5.379.445,00
Total no período R$ 31.177.180,00
Média mensal: R$ 5.196.197,00
7/30A.C.S.
Mês Impacto
Projeção para 12 meses R$ 62.354.360,00
Considerando, portanto, a data de publicação da Lei 20.063 (D.O.E. de
10/07/2018), a data da propositura da presente ação e a média mensal do impacto calculada
pela Gerência de Combustíveis da Secretaria de Estado da Economia (vide quadro acima),
tem-se que a renúncia fiscal operada por MARCONI foi da ordem de R$ 93.531.546,00
(noventa e três milhões, quinhentos e trinta e um mil e quinhentos e quarenta e seis reais).
Na ocasião, MARCONI descumpriu o art. 14 da Lei Complementar Federal nº
101, de 4 de maio de 2000 (Lei de Responsabilidade Fiscal), pois o projeto de lei não atendeu
aos requisitos legais exigidos para concessão de benefícios fiscais8.
Ora, MARCONI não disse sequer o valor total da renúncia fiscal, tampouco
qual seria o impacto orçamentário-financeiro da benesse para os anos de 2018, 2019 e 2020.
Também não comprovou que o benefício fiscal previsto no projeto que resultou na Lei nº
20.063/2018 estava em conformidade com a LDO de 2018 (Lei nº 19.801/2017). Nenhum
mísero cálculo sobre adequação com a lei orçamentária acompanhou o citado projeto de lei
(confira a íntegra do PL nº 2018000882 anexado à presente petição inicial).
Além disso, o réu não indicou quais medidas (aumento de receita, elevação de
alíquotas, criação de tributos etc., seriam tomadas para compensar a renúncia de receita
levada a efeito pela Lei Estadual 20.063/2018, o que demonstra que MARCONI se portou
como um administrador absolutamente irresponsável.
A Lei Estadual 20.063/2018 também não foi precedida de autorização
outorgada por convênio firmado entre os Estados e o Distrito Federal, como exige o art. 155,
§ 2º, XII, “g”, da Constituição Federal e a Lei Complementar nº 24, de 7 de janeiro de 1975,
em casos de concessão de incentivo fiscal envolvendo ICMS. Portanto, a benesse veiculada
8 a) estimativa do impacto orçamentário-financeiro no exercício em que deva iniciar a vigência e nos doisseguintes (art. 14, caput, da LRF); b) atender ao disposto na Lei de Diretrizes Orçamentárias (art. 14, caput);c) demonstração de que a renúncia foi considerada na estimativa de receita da lei orçamentária, na forma doart. 12 da LRF, e de que não afetará as metas de resultados fiscais previstas no anexo próprio da LDO (art.14, I); ou estar acompanhada de medidas de compensação, no período mencionado no caput, por meio doaumento de receita, proveniente da elevação de alíquotas, ampliação da base de cálculo, majoração oucriação de tributo ou contribuição (art. 14, II).
8/30A.C.S.
pela Lei Estadual 20.063/2018 viola o pacto federativo, pois dá azo à famigerada “guerra
fiscal”.
I.4) Omissão, valor do dano ao erário e benefício auferido pela BRENCO
Como dito acima, a partir da publicação da Lei 17.640/2012, MARCONI
poderia tomar uma entre três atitudes: a) manter os benefícios fiscais aos industriais do setor
sucroalcooleiro em 30%; b) diminuir ou até mesmo zerar os créditos outorgados de ICMS; ou
c) aumentar os benefícios fiscais para os usineiros até 60%.
De acordo com os dados informados pela Gerência de Combustíveis da
Secretaria de Estado da Economia, por meio do Despacho nº 92/2019-GECOM-05557, entre
2012 e 2018 o crédito outorgado apropriado na escrita fiscal pelos industriais do setor
alcooleiro alcançou o montante de R$ 1.512.874.951,00 (A).
Também de acordo com o Despacho nº 92/2019-GECOM-05557, desse total,
R$ 700.692.905,00 (B) decorrem dos aumentos de percentuais provocados pelos Decretos
7.661/2012, 7.668/2012 e 8.148/2014, isto é, 46,32% do montante total.
Por outro lado, a omissão de MARCONI ocasionou um dano ao erário da
ordem de R$ 812.182.046,00 (A - B = C), ou seja, 53,68% do total, pois o ex-Governador
deveria ter agido para extinguir os créditos outorgados de ICMS aos industriais do setor
sucroalcooleiro, pois a Lei 13.246/1998, desde sua redação original, sempre manteve a
concessão, majoração ou diminuição de benefícios fiscais como uma faculdade do Chefe do
Poder Executivo e não um dever.
Do montante total do dano ao erário provocado pelos incentivos fiscais de
ICMS outorgados aos industriais do setor alcooleiro a partir de 2012, isto é, R$
1.512.874.951,00, conforme informado pela Superintendência de Informações Fiscais da
Secretaria de Estado da Economia (Memorando nº 455/2019-SIF-15955), R$ 206.344.938,16
(duzentos e seis milhões, trezentos quarenta e quatro mil, novecentos e trinta e oito reais e
dezesseis centavos) foram em benefício da ré BRENCO COMPANHIA BRASILEIRA DE
ENERGIA RENOVÁVEL – EM RECUPERAÇÃO JUDICIAL.
9/30A.C.S.
A Secretaria de Estado da Economia, apesar de ter informado os valores
auferidos pela sociedade empresária ré a título de crédito outorgado de ICMS, com apoio no
Parecer GIAD-15961 nº 237/2019, negou acesso às escrituras fiscais digitais da segunda ré
sob a justificativa de sigilo fiscal. Apesar disso, a negativa de acesso às escrituras fiscais
digitais da BRENCO pela Superintendência de Informações Fiscais da Secretaria de Estado
da Economia não gerará maiores transtornos, notadamente por força do § 2º do art. 8º da Lei
Federal 7.347/19859 (Lei da Ação civil Pública).
Por fim, o dano ao erário pode ser assim resumido:
Valor do dano provocado pela Lei 20.063/2018 R$ 93.531.546,00
Valor do dano provocado por ação (Lei 17.640/2012 e Decretos 7.661, 7.668 e 8.148) R$ 700.692.905,00
Valor do dano provocado por omissão R$ 812.182.046,00
Valor do dano total (ação + omissão) R$ 1.512.874.951,00
Valor do dano que resultou em proveito da BRENCO (ação + omissão) R$ 206.344.938,16
Com efeito, a título de dano ao erário, interessa à presente ação o montante
concedido pelo Estado de Goiás em créditos outorgados de ICMS à BRENCO, isto é, R$
206.344.938,16 (duzentos e seis milhões, trezentos quarenta e quatro mil, novecentos e trinta
e oito reais e dezesseis centavos).
II – DO DIREITO
II.1) DA INCONSTITUCIONALIDADE DAS LEIS Nº 17.640/2012 e 20.063/2018
II.1.1) Da violação ao art. 24, I e II, § 2º, e ao art. 163, I, da Constituição Federal:
O artigo 14 da Lei Complementar Federal 101, de 4 de maio de 2000 (Lei de
Responsabilidade Fiscal), preceitua:
9 Art. 8º Para instruir a inicial, o interessado poderá requerer às autoridades competentes as certidões einformações que julgar necessárias, a serem fornecidas no prazo de 15 (quinze) dias. (...) § 2º Somente noscasos em que a lei impuser sigilo, poderá ser negada certidão ou informação, hipótese em que a ação poderáser proposta desacompanhada daqueles documentos, cabendo ao juiz requisitá-los.
10/30A.C.S.
Art. 14. A concessão ou ampliação de incentivo ou benefício de natureza tributáriada qual decorra renúncia de receita deverá estar acompanhada de estimativa doimpacto orçamentário-financeiro no exercício em que deva iniciar sua vigência enos dois seguintes, atender ao disposto na lei de diretrizes orçamentárias e a pelomenos uma das seguintes condições:
I - demonstração pelo proponente de que a renúncia foi considerada na estimativa dereceita da lei orçamentária, na forma do art. 12, e de que não afetará as metas deresultados fiscais previstas no anexo próprio da lei de diretrizes orçamentárias;
II - estar acompanhada de medidas de compensação, no período mencionado nocaput, por meio do aumento de receita, proveniente da elevação de alíquotas,ampliação da base de cálculo, majoração ou criação de tributo ou contribuição.
§ 1º A renúncia compreende anistia, remissão, subsídio, crédito presumido,concessão de isenção em caráter não geral, alteração de alíquota ou modificação debase de cálculo que implique redução discriminada de tributos ou contribuições, eoutros benefícios que correspondam a tratamento diferenciado.
§ 2º Se o ato de concessão ou ampliação do incentivo ou benefício de que trata ocaput deste artigo decorrer da condição contida no inciso II, o benefício só entraráem vigor quando implementadas as medidas referidas no mencionado inciso.
§ 3º O disposto neste artigo não se aplica:
I - às alterações das alíquotas dos impostos previstos nos incisos I, II, IV e V do art.153 da Constituição, na forma do seu § 1º;
II - ao cancelamento de débito cujo montante seja inferior ao dos respectivos custosde cobrança.
Como visto no art. 14 da LRF acima transcrito, qualquer ato que importe
renúncia de receita deve ser precedido de estudo e planejamento para que seja possível
identificar as consequências imediatas e futuras sobre a arrecadação e indicar as medidas de
compensação cabíveis.
Como dito em linhas volvidas, as Leis Estaduais 17.640/2012 e 20.063/2018,
não respeitaram as exigências do art. 14 da Lei de Responsabilidade Fiscal.
A princípio, a violação de uma norma federal por uma legislação estadual
ensejaria mero vício de legalidade, todavia, não é do que se trata. Veja-se.
A Lei Complementar 101, de 04 de maio de 2000, foi editada pela União para
estabelecer normas de finanças públicas voltadas para a responsabilidade na gestão fiscal,
com amparo nos artigos 163 a 169 da Constituição Federal.
11/30A.C.S.
Demais disso, a Lei de Responsabilidade Fiscal versa sobre orçamento e direito
financeiro, matérias de competência concorrente entre a União e os Estados, nos termos do
art. 24, I e II, da Constituição Federal. Como se sabe, nessas situações cabe à União fixar
normas gerais (art. 24, § 1º) e aos Estados resta a competência suplementar (art. 24, § 2º).
In casu, a Lei de Responsabilidade Fiscal (art. 14) trouxe uma série de
exigências para que medidas de renúncia fiscal sejam válidas, de modo a não comprometer as
finanças dos entes públicos. Entretanto, as Leis Estaduais 17.640/2012 e 20.063/2018
ignoraram essas balizas de responsabilidade na gestão fiscal, o que importa em violação ao
art. 24, § 2º, e art. 163 da Constituição Federal.
Nesse passo, quando lei estadual dispõe contrariamente ou ignora normas
próprias de lei nacional, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal considera direta a
violação ao modelo de repartição de competência legislativa traçado pela Constituição, ainda
que tal análise pressuponha o prévio confronto de leis de caráter infraconstitucional.
Assim, a edição, por determinado Estado-membro, de lei que contrarie,
frontalmente, critérios mínimos legitimamente veiculados, em sede de normas gerais, pela
União Federal ofende, de modo direto, o texto da Constituição (ADI 2903, Relator(a): Min.
CELSO DE MELLO, Tribunal Pleno, julgado em 01/12/2005, DJe-177 DIVULG 18-09-2008
PUBLIC 19-09-2008 EMENT VOL-02333-01 PP-00064 RTJ VOL-00206-01 PP-00134).
No mesmo sentido: RE 960486 AgR, Relator(a): Min. ROBERTO
BARROSO, Primeira Turma, julgado em 21/06/2016, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-159
DIVULG 29-07-2016 PUBLIC 01-08-2016.
Especificamente sobre violação da LRF por norma estadual, o Supremo
Tribunal Federal possui precedente paradigmático, verbis:
CONSTITUCIONAL E FINANCEIRO. ART. 50, DA LEI 1.005/15, DO ESTADODE RORAIMA. FIXAÇÃO DE DIRETRIZES ORÇAMENTÁRIAS LOCAISPARA O EXERCÍCIO DE 2016. MODIFICAÇÃO DOS LIMITES DE GASTOSCOM PESSOAL DOS PODERES EXECUTIVO E LEGISLATIVO. SUPERAÇÃODO TETO PREVISTO NA LEGISLAÇÃO FEDERAL, NESTE ÚLTIMO CASO.PLAUSÍVEL USURPAÇÃO DA COMPETÊNCIA PRIVATIVA DA UNIÃO (ART.169, DA CF). RISCO DE PREJUÍZO AO ERÁRIO LOCAL COM A VIGÊNCIA
12/30A.C.S.
DA NORMA. CAUTELAR PARCIALMENTE CONCEDIDA. 1. Leis orçamentárias que materializem atos de aplicação primária da ConstituiçãoFederal podem ser submetidas a controle de constitucionalidade em processosobjetivos. Precedentes.2. A incompatibilidade entre os termos do dispositivo impugnado e os padrõesda lei de responsabilidade fiscal (Lei Federal Complementar 101/00) não seresume a uma crise de legalidade. Traduz, em verdade, um problema deenvergadura maior, a envolver a indevida apropriação de competências daUnião, em especial a de conceber limites de despesas com pessoal ativo e inativo(art. 169, caput, da CF), controvérsia que comporta solução na via da açãodireta de inconstitucionalidade.3. Os limites traçados pela lei de responsabilidade para os gastos com pessoal ativo einativo nos Estados, Distrito Federal e Municípios valem como referência nacional aser respeitada por todos os entes federativos, que ficam incontornavelmentevinculados aos parâmetros máximos de valor nela previstos.4. Ao contemplar um limite de gastos mais generoso para o Poder Legislativo local,o dispositivo impugnado se indispôs abertamente com os parâmetros normativos dalei de responsabilidade fiscal, e com isso, se sobrepôs à autoridade da União paradispor no tema, pelo que fica caracterizada a lesão ao art. 169, caput, da CF.5. Liminar referendada pelo Plenário para suspender, com efeitos “ex nunc” (art. 11,§ 1º, da Lei 9.868/99, até o julgamento final desta ação, a eficácia da expressão“Poder Legislativo 4,5%”, do art. 50 da Lei estadual 1.005/2015.(ADI 5449 MC-Ref, Relator(a): Min. TEORI ZAVASCKI, Tribunal Pleno, julgadoem 10/03/2016, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-077 DIVULG 20-04-2016PUBLIC 22-04-2016)
No mesmo sentido: ADI 5814, Relator(a): Min. ROBERTO BARROSO,
julgado em 07/05/2018, publicado em PROCESSO ELETRÔNICO DJe-089 DIVULG
08/05/2018 PUBLIC 09/05/2018.
Portanto, as Leis Estaduais 17.640/2012 e 20.063/2018, ao concederem crédito
outorgado de ICMS (1) sem estimarem o impacto orçamentário-financeiro da benesse, (2)
sem demonstrarem a previsão da renúncia de receita na lei orçamentária e (3) sem preverem
medidas de compensação, violaram os requisitos legitimamente erigidos pela União em sede
de norma geral (art. 14 da LRF), o que ao fim e ao cabo acarreta em violação ao art. 24, I e
II, § 2º, e art. 163, I, da Constituição Federal.
II.1.2) Da violação ao art. 155, § 2º, XII, “g”, da Constituição Federal:
Mas não é só. Ao realizar concessão unilateral de crédito outorgado de ICMS
sem amparo em convênio interestadual, as Leis 17.640/2012 e 20.063/2018 vulneraram,
ainda, o art. 155, § 2º, XII, “g”, da Constituição Federal, verbis:
Art. 155. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre: (…)
13/30A.C.S.
II - operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviçosde transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que asoperações e as prestações se iniciem no exterior; (…)§ 2º O imposto previsto no inciso II atenderá ao seguinte: (…)XII - cabe à lei complementar: (…)g) regular a forma como, mediante deliberação dos Estados e do Distrito Federal,isenções, incentivos e benefícios fiscais serão concedidos e revogados.
A ausência de convênio aprovado pelo Conselho Nacional de Política
Fazendária (CONFAZ), órgão integrado por representantes de todos os Estados e o Distrito
Federal, torna a legislação concessiva de benefício fiscal de ICMS inconstitucional, conforme
pacífica jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, verbis:
CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. IMPOSTO SOBRE OPERAÇÃO DECIRCULAÇÃO DE MERCADORIAS E SERVIÇOS. ICMS. BENEFÍCIOSFISCAIS. NECESSIDADE DE AMPARO EM CONVÊNIO INTERESTADUAL.ART. 155, XII, G DA CONSTITUIÇÃO. Nos termos da orientação consolidada poresta Corte, a concessão de benefícios fiscais do ICMS depende de prévia aprovaçãoem convênio interestadual, como forma de evitar o que se convencionou chamar deguerra fiscal. Interpretação do art. 155, XII, g da Constituição. São inconstitucionaisos arts. 6º, no que se refere a “benefícios fiscais” e “financeiros-fiscais”, 7º e 8º daLei Complementar estadual 93/2001, por permitirem a concessão de incentivos ebenefícios atrelados ao ICMS sem amparo em convênio interestadual. Ação direta deinconstitucionalidade julgada parcialmente procedente.(ADI 3794, Relator(a): Min. JOAQUIM BARBOSA, Tribunal Pleno, julgado em01/06/2011, DJe-146 DIVULG 29-07-2011 PUBLIC 01-08-2011 EMENT VOL-02556-01 PP-00014)
No mesmo sentido: ADI 4276, Relator(a): Min. LUIZ FUX, Tribunal Pleno,
julgado em 20/08/2014, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-181 DIVULG 17-09-2014 PUBLIC
18-09-2014; ADI 3702, Relator(a): Min. DIAS TOFFOLI, Tribunal Pleno, julgado em
01/06/2011, DJe-166 DIVULG 29-08-2011 PUBLIC 30-08-2011 EMENT VOL-02576-01
PP-00078 RTJ VOL-00227-01 PP-00114; ADI 2376, Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO,
Tribunal Pleno, julgado em 01/06/2011, DJe-125 DIVULG 30-06-2011 PUBLIC 01-07-2011
EMENT VOL-02555-01 PP-00006.
II.1.3) Da não incidência da Lei Complementar nº 160/2017:
Como já explicitado anteriormente, para a concessão de benefícios fiscais
envolvendo o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) a Constituição
Federal exige em seu art. 155, § 2º, XII, “g” a realização de convênio aprovado pelos Estados
e Distrito Federal.
14/30A.C.S.
Sucede que diversos Estados concediam benefícios fiscais (redução de base de
cálculo, crédito outorgado, remissão, anistia, etc) de ICMS unilateralmente, sem submeter ao
escrutínio dos demais Estados e Distrito Federal, o que provocou uma competição entre as
unidades federadas para saber quem atraía mais investimentos.
Como não poderia deixar de ser, a discussão dessa guerra fiscal foi parar no
Poder Judiciário, o que aumentou sensivelmente a insegurança jurídica dos beneficiados.
Provocado por meio de ADI’s propostas pelos governadores dos Estados prejudicados, o
Supremo Tribunal Federal passou a declarar a inconstitucionalidade de diversas leis estaduais
por violação ao art. 155, § 2º, XII, “g”, da Constituição.
Com receio de decisões do STF com efeitos ex tunc e das dramáticas
consequências que daí adviriam, iniciaram-se as tratativas para resolver a guerra fiscal sem
necessitar do Poder Judiciário.
Após 3 (três) anos de tramitação, foi aprovada pelo Congresso Nacional a Lei
Complementar nº 160, de 7 de agosto de 2017, a qual tem a pretensão de pôr um ponto final
na guerra fiscal travada entre os Estados e o Distrito Federal.
A mencionada lei complementar trouxe a possibilidade de convalidação,
mediante convênio do CONFAZ, dos benefícios fiscais outorgados em desacordo com o art.
155, § 2º, XII, “g”, da Constituição Federal e com o art. 14 da Lei Complementar nº
101/2000, desde que sua instituição tenha ocorrido até 8 de agosto de 2017, isto é, a data da
publicação da citada lei complementar.
Tendo em conta, pois, que a Lei Estadual 20.063 foi publicada no Diário
Oficial do Estado de Goiás de 10/07/2018, o benefício fiscal (crédito outorgado) por ela
previsto foi feito ao arrepio do art. 14 da LRF e do art. 155, § 2º, XII, “g”, da Constituição
Federal e não pode ser convalidado pela Lei Complementar nº 160/2017.
Em segundo lugar, mesmo se a Lei Complementar nº 160, de 7 de agosto de
2017, contemplasse, em tese, a Lei Estadual nº 17.640/2012, isso não seria capaz de afastar a
15/30A.C.S.
inconstitucionalidade do diploma legal goiano.
As Leis 17.640/2012 e 20.063/2018 foram editadas em franca violação ao art.
155, § 2º, XII, “g”, art. 24, I e II, § 2º, e art. 163, I, da Constituição Federal. Não existe no
Brasil a figura da “constitucionalidade superveniente”, portanto, o que nasce inconstitucional
será sempre inconstitucional, até mesmo se o parâmetro da Constituição Federal for alterado
por emenda. No caso em tela, as normas paramétricas da Constituição Federal sequer foram
alteradas, o que reforça o argumento de nulidade das leis estaduais que concederam crédito
outorgado aos industriais do setor alcooleiro.
Confira-se o entendimento do Supremo Tribunal Federal:
Ação Direta de Inconstitucionalidade. PGR. Lei nº 12.398/98-Paraná. Decretoestadual nº 721/99. Edição da EC nº 41/03. Substancial alteração do parâmetro decontrole. Não ocorrência de prejuízo. Contribuição dos inativos.Inconstitucionalidade sob a EC nº 20/98. Precedentes. 1. Em nosso ordenamento jurídico, não se admite a figura daconstitucionalidade superveniente. Mais relevante do que a atualidade doparâmetro de controle é a constatação de que a inconstitucionalidade persiste eé atual, ainda que se refira a dispositivos da Constituição Federal que não seencontram mais em vigor. Caso contrário, ficaria sensivelmente enfraquecida aprópria regra que proíbe a convalidação.2. A jurisdição constitucional brasileira não deve deixar às instâncias ordinárias asolução de problemas que podem, de maneira mais eficiente, eficaz e segura, serresolvidos em sede de controle concentrado de normas.3. A Lei estadual nº 12.398/98, que criou a contribuição dos inativos no Estado doParaná, por ser inconstitucional ao tempo de sua edição, não poderia serconvalidada pela Emenda Constitucional nº 41/03. E, se a norma não foiconvalidada, isso significa que a sua inconstitucionalidade persiste e é atual,ainda que se refira a dispositivos da Constituição Federal que não se encontrammais em vigor, alterados que foram pela Emenda Constitucional nº 41/03.Superada a preliminar de prejudicialidade da ação, fixando o entendimento de,analisada a situação concreta, não se assentar o prejuízo das ações em curso, paraevitar situações em que uma lei que nasceu claramente inconstitucional volte aproduzir, em tese, seus efeitos, uma vez revogada as medidas cautelares concedidasjá há dez anos.4. No mérito, é pacífica a jurisprudência desta Corte no sentido de que éinconstitucional a incidência, sob a égide da EC nº 20/98, de contribuiçãoprevidenciária sobre os proventos dos servidores públicos inativos e dospensionistas, como previu a Lei nº 12.398/98 do Estado do Paraná (cf. ADI nº2.010/DF-MC, Relator o Ministro Celso de Mello, DJ de 12/4/02; e RE nº408.824/RS-AgR, Segunda Turma, Relator o Ministro Eros Grau, DJ de 25/4/08). 5.Ação direta julgada procedente.(ADI 2189, Relator(a): Min. DIAS TOFFOLI, Tribunal Pleno, julgado em15/09/2010, DJe-247 DIVULG 15-12-2010 PUBLIC 16-12-2010 EMENT VOL-02452-01 PP-00040)
No mesmo sentido: ADI 2158, Relator(a): Min. DIAS TOFFOLI, Tribunal
16/30A.C.S.
Pleno, julgado em 15/09/2010, DJe-247 DIVULG 15-12-2010 PUBLIC 16-12-2010 EMENT
VOL-02452-01 PP-00010 RTJ VOL-00219-01 PP-00143 RT v. 100, n. 906, 2011, p. 410-426
RSJADV abr., 2011, p. 40-49; RE 474267, Relator(a): Min. JOAQUIM BARBOSA, Tribunal
Pleno, julgado em 06/11/2013, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-055 DIVULG 19-03-2014
PUBLIC 20-03-2014; RE 439796, Relator(a): Min. JOAQUIM BARBOSA, Tribunal Pleno,
julgado em 06/11/2013, ACÓRDÃO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO
DJe-051 DIVULG 14-03-2014 PUBLIC 17-03-2014; RE 346084, Relator(a): Min. ILMAR
GALVÃO, Relator(a) p/ Acórdão: Min. MARCO AURÉLIO, Tribunal Pleno, julgado em
09/11/2005, DJ 01-09-2006 PP-00019 EMENT VOL-02245-06 PP-01170.
Por esses motivos, as Leis Estaduais 17.640/2012 e 20.063/2018, devem ser
declaradas inconstitucionais incidentalmente nesta ação civil pública por ato de improbidade
administrativa, posto que vulneram o art. 155, § 2º, XII, “g”, art. 24, I e II, § 2º, e art. 163, I,
da Constituição Federal.
II.2) DA CONCESSÃO DE BENEFÍCIO FISCAL EM ANO ELEITORAL
Além do exposto, tem-se que a Lei Estadual nº 20.063/2018 e o Decreto nº
8.148/2014 foram editados em ano eleitoral, o que é expressamente vedado pelo artigo 73, §
10, da Lei nº 9.504/1997, que assim dispõe:
Art. 73. São proibidas aos agentes públicos, servidores ou não, as seguintes condutastendentes a afetar a igualdade de oportunidades entre candidatos nos pleitoseleitorais: (…)§ 10. No ano em que se realizar eleição, fica proibida a distribuição gratuita de bens,valores ou benefícios por parte da Administração Pública, exceto nos casos decalamidade pública, de estado de emergência ou de programas sociais autorizadosem lei e já em execução orçamentária no exercício anterior, casos em que oMinistério Público poderá promover o acompanhamento de sua execução financeirae administrativa.
Tal vedação se dá em razão de a conduta de conceder benefícios a contribuintes
tender a afetar a igualdade de oportunidades entre os candidatos nos pleitos.
Pois bem. Sobre a concessão de benefícios fiscais em ano eleitoral, o Tribunal
Superior Eleitoral se manifestou nos seguintes termos:
17/30A.C.S.
DÍVIDA ATIVA DO MUNICÍPIO - BENEFÍCIOS FISCAIS - ANO DASELEIÇÕES. A norma do § 10 do artigo 73 a Lei nº 9.504/1997 é obstáculo a ter-se,no ano das eleições, o implemento de benefício fiscal referente à dívida ativa doMunicípio bem como o encaminhamento à Câmara de Vereadores de projeto de lei,no aludido período, objetivando a previsão normativa voltada a favorecerinadimplentes.(Consulta nº 153169, Acórdão, Relator(a) Min. Marco Aurélio Mendes De FariasMello, Publicação: DJE - Diário de justiça eletrônico, Tomo 207, Data 28/09/2011,Página 81)
Ressalta-se que não é necessária, para configuração da conduta vedada pela
Legislação Eleitoral, a caracterização da potencialidade lesiva dos atos e nem a influência
destes no resultado da eleição, bastando que esteja plenamente comprovada a efetivação do
ato.
Neste sentido, decidiu o TSE:
AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. CONDUTA VEDADA.DISTRIBUIÇÃO DE BENS, VALORES E BENEFÍCIOS EM PERÍODOVEDADO. RESSALVA DO ART. 73, § 10, DA LEI Nº 9.504/97. AUTORIZAÇÃOEM LEI E EXECUÇÃO ORÇAMENTÁRIA NO EXERCÍCIO ANTERIOR.REQUISITOS. MULTA. RAZOABILIDADE. AGRAVOS PARCIALMENTEPROVIDOS.1. A instituição de programa social mediante decreto, ou por meio de lei, mas semexecução orçamentária no ano anterior ao ano eleitoral não atende à ressalvaprevista no art. 73, § 10, da Lei nº 9.504/97.2. Para a configuração da conduta vedada do art. 73, § 10, da Lei nº 9.504/97 não épreciso demonstrar caráter eleitoreiro ou promoção pessoal do agente público,bastando a prática do ato ilícito. Precedente.[...](Agravo Regimental em Recurso Especial Eleitoral nº 36026, Acórdão de31/03/2011, Relator(a) Min. ALDIR GUIMARÃES PASSARINHO JUNIOR,Publicação: DJE - Diário da Justiça Eletrônico, Tomo 84, Data 05/05/2011, Página47)
II.3) DOS ATOS DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA:
O art. 73 da Lei Complementar 101, de 4 de maio de 2000, preceitua:
Art. 73. As infrações dos dispositivos desta Lei Complementar serão punidassegundo o Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal); a Lei nº1.079, de 10 de abril de 1950; o Decreto-Lei nº 201, de 27 de fevereiro de 1967; aLei nº 8.429, de 2 de junho de 1992; e demais normas da legislação pertinente.
Portanto, havendo violação aos comandos da Lei de Responsabilidade Fiscal é
18/30A.C.S.
de rigor a incidência da Lei 8.429/1992 (Lei de Improbidade Administrativa).
No caso, a violação ao art. 14 da Lei Complementar 101, de 4 de maio de 2000,
enseja a prática de ato de improbidade administrativa, conforme magistério de Waldo Fazzio
Júnior, verbis:
A Lei nº 8.429/92 relaciona, a título de exemplos de ato lesivo ao erário, diversascondutas significativas do que a Lei Complementar nº 101/00 chama de gestãoirresponsável. É a gestão que, sobre romper com a legalidade, arranha a moralidadee a eficiência. (…)A questão é que, sempre que gasta e se compromete financeiramente, o PoderPúblico está aplicando a lei. Sem a lei não pode gastar nem se comprometer. Quem ofaz por ele, ainda que culposamente, pratica ato de improbidade administrativa,previsto no art. 10, se houver prejuízo para o erário. Se inocorrer o prejuízo público,sempre terá violado diretamente o princípio da legalidade, realizando operaçãofinanceira que sabia contrária ao direito positivo, razão pela qual pode se inserir naprevisão genérica do art. 11, caput.(FAZZIO JÚNIOR, Waldo. Improbidade Administrativa. 4ª ed., São Paulo: Atlas,2016, p. 229-231)
A jurisprudência também tem entendido que a violação ao art. 14 da LRF
enseja a prática de ato de improbidade administrativa:
AÇÃO CIVIL PÚBLICA Improbidade administrativa Concessão de ampliação deincentivo ou beneficio de natureza tributária da qual decorreu renuncia de receita -Não atendimento aos requisitos dispostos na Lei de Responsabilidade Fiscal (art. 14,da LC 101/00) - Conduta que, por si só, caracteriza ato de improbidadeadministrativa - Proporcionalidade das sanções aplicadas - Sentença mantida - Recurso nãoprovido.(TJSP; Apelação 0007528-27.2009.8.26.0081; Relator (a): Rebouças de Carvalho;Órgão Julgador: 9ª Câmara de Direito Público; Foro de Adamantina - 2ª. VaraJudicial; Data do Julgamento: 13/11/2013; Data de Registro: 18/11/2013)
EMBARGOS INFRINGENTES - AÇÃO CIVIL PÚBLICA - EX-PREFEITOMUNICIPAL - CONCESSÃO DE BENEFÍCIOS FISCAIS SEM AUTORIZAÇÃOLEGAL - NEGLIGÊNCIA NA ARRECADAÇÃO E RENÚNCIA ILEGAL DERECEITA TRIBUTÁRIA - LESÃO AO ERÁRIO - CONDUTA CULPOSA - ART.10, INCISOS VII E X, DA LEI Nº 8.429/92 - EMBARGOS ACOLHIDOS. Se oadministrador público concede benefícios fiscais sem observar os requisitosprevistos tanto na Constituição Federal (art. 150, § 6º) quanto na Lei deResponsabilidade Fiscal (art. 14), em especial ao não elaborar uma lei específica queregule exclusivamente sobre esta matéria, ele age de forma negligente - omitindo-seno cumprimento de uma determinação legal - ao arrecadar os tributos sob suaresponsabilidade, deixando de exigir o recolhimento integral dos valores devidossem a correspondente previsão dos mecanismos de compensação financeira. Oconjunto probatório caracteriza patente improbidade administrativa, com perfeitasubsunção da conduta culposa do embargante nos incisos VII e X, do art. 10, daLIA, uma vez que se trata de ato ímprobo que causa prejuízo ao erário. (TJMG - Embargos Infringentes 1.0106.01.000973-1/003, Relator(a): Des.(a)Edilson Olímpio Fernandes, 6ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 06/11/2012,
19/30A.C.S.
publicação da súmula em 19/11/2012)
A expedição do Decreto nº 8.148 em 14/04/2014 e o envio do projeto de lei nº
2018000882 em 09/03/2018 se deu em violação ao art. 73, § 10, da Lei 9.504/199710, o que
acarreta a prática de ato de improbidade administrativa, conforme entendimento do E.
Tribunal de Justiça do Estado de Goiás, verbis:
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. IMPROBIDADEADMINISTRATIVA. LITISCONSÓRCIO. VEREADORES. DESNECESSIDADE.BENEFÍCIO CONCEDIDO EM ANO ELEITORAL. ILEGALIDADE. ATOÍMPROBO CARACTERIZADO. MULTA CIVIL. 1- Considerando que osvereadores não contribuíram para a prática do ato ímprobo, conquanto a concessãodos benefícios ou incentivos de natureza tributária deve se dar por meio de leimunicipal de iniciativa exclusiva do chefe do executivo municipal, não há se falarem formação de litisconsórcio. 2- Conforme disposto no art. 73 da lei n. 9.504/1997,é proibida a distribuição gratuita de bens, valores ou benefícios por parte daadministração pública. 3- Tendo ocorrido o sorteio de um veículo para quem pagasseem dia o IPTU em pleno ano eleitoral, comprovado está a afronta ao princípio dalegalidade e da moralidade, conquanto a legislação é taxativa quanto à proibição deconcessão do benefício no período referido, impondo-se a condenação do agentepúblico pela prática de ato ímprobo. 4- Resta pertinente a manutenção de multa civilaplicada (três vezes o valor da última remuneração), por se encontrar dentro darazoabilidade e proporcionalidade, bem como em observância à legislação vigente.Acolhido parecer da Procuradoria Geral de Justiça. APELAÇÃO CONHECIDA EDESPROVIDA.(TJGO, APELAÇÃO CÍVEL 23375-60.2013.8.09.0127, Rel. DES. WALTERCARLOS LEMES, 3ª CÂMARA CÍVEL, julgado em 19/01/2016, DJe 1962 de03/02/2016)
No mesmo sentido, isto é, impingindo de improbidade administrativa as
condutas vedadas pelo art. 73 da Lei 9.504/1997, confiram-se outros julgados: TJGO,
Apelação (CPC) 0276675-25.2016.8.09.0069, Rel. MARCUS DA COSTA FERREIRA, 5ª
Câmara Cível, julgado em 01/07/2019, DJe de 01/07/2019; TJGO, Apelação (CPC) 0165752-
03.2009.8.09.0157, Rel. LEOBINO VALENTE CHAVES, 3ª Câmara Cível, julgado em
11/09/2017, DJe de 11/09/2017.
Ante o exposto, o réu MARCONI PERILLO incorreu na prática dos atos de
improbidade administrativa descritos no artigo 10, caput, incisos VII e X, e artigo 11, caput,
I, todos da Lei Federal 8.429/1992, in verbis:
10 Art. 73. São proibidas aos agentes públicos, servidores ou não, as seguintes condutas tendentes a afetar aigualdade de oportunidades entre candidatos nos pleitos eleitorais: (…) § 10. No ano em que se realizareleição, fica proibida a distribuição gratuita de bens, valores ou benefícios por parte da AdministraçãoPública, exceto nos casos de calamidade pública, de estado de emergência ou de programas sociaisautorizados em lei e já em execução orçamentária no exercício anterior, casos em que o Ministério Públicopoderá promover o acompanhamento de sua execução financeira e administrativa.
20/30A.C.S.
Art. 10 - Constitui ato de improbidade administrativa que causa lesão ao erárioqualquer ação ou omissão, dolosa ou culposa, que enseje perda patrimonial, desvio,apropriação, malbaratamento ou dilapidação dos bens ou haveres das entidadesreferidas no art. 1º desta lei, e notadamente:(...)VII - conceder benefício administrativo ou fiscal sem a observância dasformalidades legais ou regulamentares aplicáveis à espécie;(…)X - agir negligentemente na arrecadação de tributo ou renda, bem como no que dizrespeito à conservação do patrimônio público;
Art. 11 - Constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípiosda administração pública qualquer ação ou omissão que viole os deveres dehonestidade, imparcialidade, legalidade, e lealdade às instituições, e notadamente:I - praticar ato visando fim proibido em lei ou regulamento ou diverso daqueleprevisto, na regra de competência;
Por sua vez, a BRENCO se beneficiou de modo direto dos atos de
improbidade administrativa perpetrados pelo réu agente público, enquadrando-se nos mesmos
dispositivos acima mencionados, por força do que dispõe o art. 3º da Lei 8.429/1992:
Art. 3º - As disposições desta lei são aplicáveis, no que couber, àquele que,mesmo não sendo agente público, induza ou concorra para a prática do ato deimprobidade ou dele se beneficie sob qualquer forma direta ou indireta.
Assim, imperiosa é a condenação dos réus nas sanções previstas no artigo 12,
incisos II e III da Lei 8.429/1992.
Considerando a ocorrência de lesão ao patrimônio público, os réus sujeitar-se-
ão, ainda, ao art. 5º da Lei 8.429/92, ou seja, à obrigação de ressarcimento do dano (“Art. 5°
Ocorrendo lesão ao patrimônio público por ação ou omissão, dolosa ou culposa, do agente
ou de terceiro, dar-se-á o integral ressarcimento do dano.”).
II.4) DA TUTELA PROVISÓRIA
II.4.1) DA TUTELA DE EVIDÊNCIA
Para concretização de parte da providência jurisdicional pedida, calcada no art.
5º da Lei Federal 8.429/1992, afigura-se imprescindível a concessão de tutela provisória de
evidência consistente no bloqueio de bens dos réus, forte no que dispõem o art. 37, § 4º, da
21/30A.C.S.
Constituição Federal, art. 7º da Lei 8.429/1992 c/c arts. 294, caput, 297, 311, II e IV, do
CPC/2015.
É preciso ter presente que a decretação de indisponibilidade de bens inaudita
altera pars em Ações de Improbidade Administrativa não viola o art. 17, § 7º, da Lei
8.429/1992, podendo ser deferida antes mesmo da notificação prévia, conforme entendimento,
pacífico, do Superior Tribunal de Justiça (REsp 862.679/PR, Rel. Ministro MAURO
CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 02/09/2010, DJe 04/10/2010).
A possibilidade de concessão de tutela provisória de evidência inaudita alter
pars foi consagrada no art. 9º, parágrafo único, II, e art. 311, parágrafo único, do CPC, razão
por que não há nenhum óbice para o deferimento da medida pleiteada pelo autor sem a ouvida
dos réus.
Por outro lado, é cediço que as medidas antecipatórias, em regra, exigem, para
a sua concessão, o cumprimento de dois requisitos: o fumus boni iuris (plausibilidade do
direito alegado) e o periculum in mora (fundado receio de que a outra parte, antes do
julgamento da lide, cause ao seu direito lesão grave ou de difícil reparação).
No caso da medida de indisponibilidade de bens, prevista no art. 7º da Lei
8.429/1992, não se vislumbra uma típica tutela de urgência, mas sim uma tutela de
evidência, uma vez que o periculum in mora não é oriundo da intenção do agente dilapidar
seu patrimônio e, sim, da gravidade dos fatos e do montante do prejuízo causado ao erário, o
que atinge toda a coletividade. O próprio legislador dispensa a demonstração do perigo de
dano, em vista da redação imperativa da Constituição Federal (art. 37, § 4º) e da própria Lei
de Improbidade Administrativa (art. 7º).
Releva observar que para o deferimento da indisponibilidade de bens em Ações
de Improbidade Administrativa não é preciso demonstrar que o réu esteja dilapidando seu
patrimônio ou na iminência de fazê-lo, uma vez que o periculum in mora encontra-se
implícito no art. 37, § 4º, da Constituição Federal e no art. 7º da Lei 8.429/1992.
Depois de muitos julgados, o Superior Tribunal de Justiça, conforme
22/30A.C.S.
noticiado no Informativo STJ n.º 547, de 8 de outubro de 2014, por meio de sua PRIMEIRA
SEÇÃO, que congrega as duas Turmas de Direito Público da Corte, em processo submetido
ao rito dos recursos repetitivos (art. 543-C, CPC/1973 e art. 1.036 e ss do CPC), pacificou o
tema em aresto paradigmático (REsp 1366721/BA, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES
MAIA FILHO, Rel. p/ Acórdão Ministro OG FERNANDES, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado
em 26/02/2014, DJe 19/09/2014).
No que interessa para a presente ação, a tutela provisória de evidência é
regulada pelo art. 311, II e parágrafo único, do CPC11.
As alegações de fato do Ministério Público estão embasadas em provas
documentais produzidas em sede de inquérito civil, o qual é composto por documentos
oficiais encaminhados pelo Ministério Público de Contas do TCE-GO, Assembleia Legislativa
do Estado de Goiás e Secretaria de Estado da Economia.
Ademais, há tese firmada pelo Superior Tribunal de Justiça em recurso
repetitivo sobre indisponibilidade de bens em ações fundadas na Lei Federal 8.429/1992
(REsp 1.366.721/BA).
Bem por isso, estão preenchidos os requisitos previstos no art. 311, II e
parágrafo único, do CPC para concessão liminar de bloqueio de bens dos réus.
Outrossim, o fumus boni iuris se encontra presente, notadamente nos fatos e
fundamentos jurídicos esgrimidos nesta petição inicial, embasados, inclusive, em cópia
integral de processos legislativos, nos quais é possível perceber que o réu MARCONI
PERILLO não instruiu os projetos de lei que culminaram nas Leis 17.640/2012 e
20.063/2018 com qualquer estimativa de impacto orçamentário-financeiro ou mesmo previsão
de medidas de compensação para fazer frente a renúncia fiscal operada.
É cediço que a indisponibilidade de bens deve recair sobre o patrimônio de
modo suficiente não só a garantir o integral ressarcimento do prejuízo ao erário, mas11 Art. 311. A tutela da evidência será concedida, independentemente da demonstração de perigo de dano ou de
risco ao resultado útil do processo, quando: (…) II - as alegações de fato puderem ser comprovadas apenasdocumentalmente e houver tese firmada em julgamento de casos repetitivos ou em súmula vinculante; (…)Parágrafo único. Nas hipóteses dos incisos II e III, o juiz poderá decidir liminarmente.
23/30A.C.S.
também, considerando o valor de possível multa civil como sanção autônoma. Bem por isso,
devem ser bloqueados tantos bens quantos forem bastantes para dar cabo da execução
em caso de procedência da ação.
Considerando o art. 12, caput, II, da Lei 8.429/1992, estão os réus sujeitos,
dentre as demais cominações estabelecidas por lei, ao pagamento de multa civil de até duas
vezes o valor do dano.
Assim, a determinação de bloqueio de bens dos réus se impõe, porquanto
constatada a presença dos requisitos legais autorizadores. Os bens a serem indisponibilizados
são:
RÉUS Valor a título de dano aoerário
Valor a título de multa(2x o valor do dano)
Marconi Ferreira Perilo JúniorR$ 206.344.938,16
R$ 412.689.876,32
Brenco Cia. Bras. de Energia Renovável R$ 412.689.876,32
TOTAL R$ 206.344.938,16 R$ 825.379.752,64
TOTAL A SER BLOQUEADO R$ 1.031.724.690,80
A indisponibilidade deve se dar em contas bancárias e/ou aplicações
financeiras dos réus, sendo as constrições realizadas por meio do sistema BacenJud 2.0,
porquanto possível o uso da penhora on line de forma acautelatória e não somente na fase de
execução/cumprimento de sentença, o que inegavelmente geraria efetividade ao processo,
evitando-se a dilapidação do patrimônio dos réus e garantindo-se o perdimento de bens em
favor do Estado de Goiás ao final da ação.
Caso o bloqueio de valores acima referido não alcançar o montante total,
requer seja decretada a indisponibilidade de bens imóveis e veículos dos réus , com
expedição de comunicado eletrônico à Central Nacional de Indisponibilidade de Bens – CNIB
(www.indisponibilidade.org.br), nos termos do Provimento CNJ n.º 39/2014, para averbação
na matrícula dos imóveis cuja propriedade lhes pertença, bem como o bloqueio de veículos
registrados em nome dos réus por meio do sistema RENAJUD.
Frise-se que o art. 835, I, do CPC/2015 dispõe que a penhora recairá
24/30A.C.S.
preferencialmente sobre o dinheiro, em espécie ou em depósito ou aplicação em instituição
financeira, sendo desnecessário buscar outros bens antes de se efetuar o bloqueio via
BacenJud, conforme restou definido pela Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça ao
julgar o REsp 1.112.943/MA, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, julgado em 15/09/2010,
DJe 23/11/2010 (Informativo STJ n.º 447, de 13 a 17 de setembro de 2010).
É necessário registrar que o bloqueio de bens aqui pleiteado não se afigura
como antecipação de aplicação de sanções aos réus, mas tão somente meio de assegurar o
resultado útil do processo, instaurado em defesa do patrimônio público e dos princípios da
Administração Pública.
II.4.2) DA TUTELA DE URGÊNCIA
O art. 300 do CPC prevê que a tutela de urgência será concedida quando
houver elementos que evidenciem a probabilidade do direito e o perigo de dano ou o risco ao
resultado útil do processo.
A probabilidade do direito restou demonstrada na presente petição, ocasião em
que o Ministério Público demonstrou que as Leis Estaduais 17.640/2012 e 20.063/2018 e os
Decretos 7.661/2012, 7.668/2012 e 8.148/2014 vulneram o art. 14 da Lei de Responsabilidade
Fiscal, o art. 73, § 10, da Lei 9.504/1997, e o art. 155, § 2º, XII, “g”, art. 24, I e II, § 2º, e art.
163, I, da Constituição Federal.
O perigo de dano está presente, pois, de acordo com a Gerência de
Combustíveis da Secretaria de Estado da Economia (Despacho nº 92/2019-GECOM-05557),
somente a Lei 20.063/2018 gera um prejuízo mensal médio ao Estado de Goiás da ordem de
R$ 5.196.197,00 (cinco milhões, cento e noventa e seis mil, cento e noventa e sete reais).
Se for considerado todo o arcabouço legislativo que permite a concessão de
créditos outorgados para os industriais do setor alcooleiro (ainda de acordo com o Despacho
nº 92/2019-GECOM-05557 da Gerência de Combustíveis da Secretaria de Estado da
Economia) o valor do dano em 7 (sete) anos perfaz o montante de R$ 1.512.874.951,00, o que
dá uma média mensal de R$ 18.010.416,08 (dezoito milhões, dez mil, quatrocentos e
25/30A.C.S.
dezesseis reais e oito centavos).
Portanto, a necessidade de impedir novas ocorrências de dano ao erário é
urgente.
Assim, em razão da violação ao art. 14 da Lei de Responsabilidade Fiscal, art.
73, § 10, da Lei 9.504/1997, e art. 155, § 2º, XII, “g”, art. 24, I e II, § 2º, e art. 163, I, da
Constituição Federal, a tutela provisória de urgência deve ser concedida, na forma
preconizada pelo art. 1.059 do CPC, para o fim de suspender os efeitos das Leis Estaduais
17.640/2012 e 20.063/2018 e dos Decretos 7.661/2012, 7.668/2012 e 8.148/2014, retornando
ao patamar máximo de 30% previsto no art. 3º, II, “a”, da Lei 13.246/1998, com redação dada
pela Lei 16.286/2008.
II.5) DO DANO MORAL DIFUSO E COLETIVO:
A previsão de responsabilização por danos morais coletivos encontra guarida,
dentre outros diplomas legais, na Lei 7.347/85, in verbis:
Art. 1º Regem-se pelas disposições desta Lei, sem prejuízo da ação popular, asações de responsabilidade por danos morais e patrimoniais causados: (…) IV - a qualquer outro interesse difuso ou coletivo.
Art. 3º A ação civil poderá ter por objeto a condenação em dinheiro ou ocumprimento de obrigação de fazer ou não fazer.
Além da expressa previsão legal, a doutrina advoga que “os valores da
coletividade não se confundem com os valores de cada um dos indivíduos que a compõem,
admitindo-se, assim, que um determinado fato possa abalar a imagem e a moral coletivas,
independentemente dos danos individualmente suportados”.12
Ademais, “o dano moral (lesão a direito personalíssimo) não se confunde com
a dor, com o abalo psicológico, com o sofrimento da vítima, sendo estes apenas os efeitos da
ofensa. Por isso é perfeitamente possível entender a proteção dos direitos da personalidade
para os direitos difusos e coletivos, a exemplo do que já é feito em relação às pessoas12 ANDRADE, Adriano; MASSON, Cleber; ANDRADE, Landolfo. Interesses Difusos e Coletivos
Esquematizado. 7ª ed., São Paulo: Método, 2017, p. 461.
26/30A.C.S.
jurídicas, passíveis de sofrerem dano moral”.13
Emerson Garcia leciona:
A Lei n. 8.429/1992, como temos defendido, não se destina unicamente à proteçãodo erário, concebido como o patrimônio econômico dos sujeitos passivos dos atos deimprobidade, devendo alcançar, igualmente, o patrimônio público em sua acepçãomais ampla, incluindo o patrimônio moral. Danos ao patrimônio histórico e cultural,bem como ao meio ambiente, afora o prejuízo de ordem econômica, mensurávelcom a valoração do custo estimado para a recomposição do status quo, causamevidente comoção no meio social, sendo passíveis de caracterizar um dano moralcoletivo, o qual encontra previsão expressa no art. 1º da Lei n. 7.347/1985, com aredação dada pela Lei n. 8.884/1994.(…) deve-se observar que o patrimônio público, de natureza moral ou patrimonial,em verdade, pertence à própria coletividade, o que, ipso facto, demonstra quequalquer dano causado àquele erige-se como dano causado a esta. Assim, ao se falarnum dano dessa natureza, apesar da separação das partes que atingem a pessoajurídica lesada e a coletividade, não se está instituindo uma verdadeira dicotomiaentre os sujeitos passivos do ilícito, mas, unicamente, individualizando uma parcelado dano experimentado pelo verdadeiro titular do bem jurídico, o povo.(GARCIA, Emerson; ALVES, Rogério Pacheco. Improbidade Administrativa. 8ª ed.,São Paulo: Saraiva, 2014, p. 655-656)
Com apoio nesse entendimento, o Superior Tribunal de Justiça tem admitido
sistematicamente a possibilidade de responsabilização por dano moral coletivo, sua função
punitiva e a legitimidade do Ministério Público para pleiteá-la em sede de ação civil pública.14
Importante frisar que há forte tendência no STJ e na doutrina em eleger dois
requisitos para a configuração do dano moral coletivo: a) razoável significância do fato
transgressor e b) repulsa social.15 In casu, esses requisitos estão presentes.
A significância do fato transgressor está presente, porquanto esta ação civil
pública por ato de improbidade administrativa está a sindicar um dano ao erário de R$
206.344.938,16.
A repulsa social também é evidente, pois enquanto o réu MARCONI
PERILLO concedia benefícios fiscais sem qualquer critério razoável, abrindo mão de boa
13 Ibidem, p. 436.14 REsp 1057274/RS, Rel. Ministra ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA, julgado em 01/12/2009, DJe
26/02/2010; REsp 1221756/RJ, Rel. Ministro MASSAMI UYEDA, TERCEIRA TURMA, julgado em02/02/2012, DJe 10/02/2012; AgRg no REsp 1003126/PB, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES,PRIMEIRA TURMA, julgado em 01/03/2011, DJe 10/05/2011;
15 Ibidem, p. 437.
27/30A.C.S.
parte dos tributos de responsabilidade do Estado de Goiás, a população goiana via o Estado
mergulhar no mais profundo caos financeiro.
Com efeito, a gestão do último governo foi de tal modo ruinosa que a folha de
pagamento do mês de dezembro de 2018 dos servidores públicos do Poder Executivo foi
quitada em meados de setembro de 2019 pela atual Administração. A dívida deixada para o
sucessor é da ordem de R$ 3,4 bilhões.
Bem por isso, conceder remissão e anistia de créditos de ICMS em favor da
BRENCO em um momento de crise financeira como o que se vive no país é uma afronta à
sociedade.
Desse modo, presentes os requisitos aptos à configuração do dano moral
coletivo, resta quantificar o valor a título de reparação.
Para tanto, deve-se observar os princípios da razoabilidade e
proporcionalidade, assim como sua função compensatória, no sentido de reparar ou, ao
menos, reduzir os danos extrapatrimoniais suportados pela coletividade; sancionatória,
impondo uma punição pela conduta lesiva e antijurídica; e, ainda, pedagógica,
desestimulando-o a reincidir na prática do ato ilícito.
Assim, tendo em vista a gravidade da conduta praticada pelos réus, bem
como o abalo provocado à confiança e crédito do Estado e das instituições públicas, a
comoção social causada, em razão do elevado grau de torpeza da conduta dos réus, e
mais, considerando que deve a indenização pelo dano moral difuso e coletivo ser fixada em
montante que represente uma significativa perda patrimonial aos réus, a fim de cumprir seu
papel indenizatório e inibitório de comportamentos lesivos, postula seja ela fixada em
montante não inferior a R$ 20.000.000,00 (vinte milhões de reais).
Por fim, os valores devem ser recolhidos ao fundo a que alude o art. 13 da Lei
Federal 7.347/1985.
28/30A.C.S.
III – DO PEDIDO
Ante o exposto, o Ministério Público requer:
a) o deferimento da tutela provisória de evidência inaudita altera pars;
b) o deferimento da tutela provisória de urgência na forma preconizada pelo
art. 1.059 do Código de Processo Civil;
c) que V. Exa., nos termos do art. 8º, § 2º, da Lei 7.347/1985, requisite à
Secretária de Estado da Economia cópia de escritas fiscais digitais da BRENCO
COMPANHIA BRASILEIRA DE ENERGIA RENOVÁVEL que permitiram à
Superintendência de Informações Fiscais da Secretaria de Estado da Economia encontrar os
valores mencionados no Memorando nº 455/2019-SIF-15955;
d) a notificação pessoal dos réus, nos termos do artigo 17, § 7º, da Lei
Federal 8.429/1992;
e) nos termos do art. 319, VII, do CPC/2015, o autor opta pela não
realização de audiência de conciliação ou mediação;
f) o recebimento da inicial, nos termos do artigo 17, § 9º, da Lei de
Improbidade Administrativa e posterior citação dos réus;
g) a procedência do pedido para:
g.1) anular, com efeitos ex tunc, os Decretos 7.661/2012, 7.668/2012 e
8.148/2014;
g.2) em razão da prática dos atos de improbidade administrativa
tipificados no art. 10, caput, VII e X, art. 11, caput, I, e art. 3º da Lei
Federal 8.429/1992, condenar os réus nas sanções do artigo 12, II e
III, da Lei Federal 8.429/1992;
h) a condenação dos réus ao pagamento de custas e emolumentos
processuais e ônus de sucumbência;
i) a juntada de documentos extraídos do inquérito civil nº 53/18 (registro
Atena nº 201800311894), bem como a produção de todas as provas legalmente admitidas;
Valor da causa: R$ 1.031.724.690,80 (um bilhão, trinta e um milhões,
29/30A.C.S.
setecentos e vinte e quatro mil, seiscentos e noventa reais e oitenta centavos).
Pede deferimento.
Goiânia, 12 de dezembro de 2019.
Villis MarraPromotora de Justiça
- em substituição automática -
30/30A.C.S.