Conto e Teatro, foram atribuídos a Nas diversas modalidades de Romance,
Mário de Carvalho os prémios literários
(designadamente os Grandes Prémios deportugueses mais prestigiados
Romance, Conto e Teatro da APE, o prémio
do Pen Clube e o prémio internacional
Pégaso). Os seus livros encontram-se
traduzidos em várias línguas.
Desde então,
tem praticado diversos géneros literários – romance, ensaio, novela,
conto e teatro –, percorrendo várias épocas e ambientes. Utiliza uma multiforme mudança de registos, que tanto pode
moldar uma narrativa histórica como
um romance de actualidade; um tema dolente e sombrio como uma sátira viva e certeira;
uma escrita cadenciada e medida
como a pulsão duma prosa endiabrada e surpreendente. www.mariodecarvalho.com
Obras como A Inaudita Guerra da Avenida, Gago Coutinho, Um Deus Passeando
pela Brisa da Tarde, O Varandim seguido de Ocaso em Carvangel,
A Liberdade de Pátio ou Quem Disser o Contrário É Porque Tem Razão são a
comprovação dessa extrema versatilidade.
Eis um livro de ficção sobre sexo. Todas as histórias nele contidas narram
percalços, espantos e sobressaltos de ligações íntimas entre homens e mulheres.
O que se desvenda, o que se oculta. Rasgos perversos. Permanências e rupturas.Nem sempre se encontra o que se espera, nem se espera o que se encontra.
A variedade é avassaladora. A diferença inevitável. Neste jogo de corpos
enlaçados, não poucas leitoras ficarão admiradas com certo olhar masculino.
Talvez passem a conhecer ainda melhor outras mulheres. E os leitores também
não perdem nada em saber o que pode surpreendê-los nas voltas do mundo.
da resistência contra o salazarismo,
Desde muito cedo ligado aos meios
serviço militar interrompido pela prisão.
em 1944. Licenciou-se em Direito e viu o
Mário de Carvalho nasceu em Lisboa
foi condenado a dois anos de cadeia, tendo de se exilar após cumprir a maior parte da pena. Depois da Revolução dos
Cravos, em que se envolveu intensamente, exerceu advocacia em Lisboa.
O seu primeiro livro, Contos da Sétima Esfera, causou surpresa
pelo inesperado da abordagem ficcional e pela peculiar atmosfera, entre o maravilhoso e o fantástico.
ISBN 978-972-0-04864-6
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Ronda das mil belas em frol
Mário de Carvalho
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Reservados todos os direitos. Esta publicação não pode ser reproduzida, nem
transmitida, no todo ou em parte, por qualquer processo electrónico, mecânico,
fotocópia, gravação ou outros, sem prévia autorização escrita da Editora.
RONDA DAS MIL BELAS EM FROLMário de Carvalho
Publicado porPorto EditoraDivisão Editorial Literária – LisboaEmail: [email protected]
© 2016, Mário de Carvalho e Porto Editora
1.ª edição: Setembro de 2016
A cópia ilegal viola os direitos dos autores.Os prejudicados somos todos nós.
Por vontade expressa do autor, a presente obra não segue as regras do Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa.
Execução gráfica Bloco Gráfico, Lda.Unidade Industrial da Maia.
DEP. LEGAL 412383/16 ISBN 978-972-0-04864-6
Rua da Restauração, 3654099-023 PortoPortugal
www.portoeditora.pt
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Esta caminhante vida
Gil Vicente
Não cuides de render-me; que não sei
Tornar a entrar-me onde não há saída.
Luís de Camões
Osservate, leggete con me
Lorenzo Da Ponte
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Dedicado, com recomendações mil, aos fariseus
pudibundos deste país. E aos filisteus também.
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Nota do Autor
Este livro contém nua ficção sem ponta de real.
Os considerandos só vinculam o signatário.
Não se recomenda a menores.
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Índice
Calma 13
Baque 17
Bel-prazer 21
Lassitude 25
Recesso 29
Proeza 33
Alcance 39
Pube 43
Pasmo 49
Opção 53
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Viravolta 59
Desagravo 65
Colisão 71
Audácia 75
Declive 81
Rebate 87
Epílogo 95
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Calma
Triste toda a animalidade após o coito, menos duas excep-
ções? Muito sabias tu disso, ó prestimoso grego, médico de im-
peradores, promotor de tonitruante latinada. A parte dos galos
ignoro-a, apenas embirro, mas as damas é vê-las a cantarolar,
a dispor florinhas nos vasos, todas gestos alados, gaiteirices,
álacres meiguras, como de passes dançantes que lhes tocas-
sem. Se não é isso sétimo céu, perto andará.
Debitando esta sentença, eu não estou triste nem deixo de
estar. Fatigado, sim. Exaustão e saciedade não são — que se
saiba — pouso obrigatório de tristura. Quanto a Gherda, o meu
desenfreado amor de há pouco, o maior do mundo, o mais de-
saustinado, por estas horas até às seis, passeia-se lá em baixo na
praia. Ofereci-me, claro, para o frete de a acompanhar, sendo
como sou cumpridor dos preceitos. Que não queria, que prefe-
ria estar sozinha. E um sorriso e um beijo e novo sorriso. E uma
saída em pontas, porta encostada com suavidade e o tapetape
alegrete pelos degraus de madeira abaixo. Há uma sugestão
qualquer de mistério que não me apetece averiguar. Violinos,
e tal. Adeus, minhas encomendas. Pelo vidro panorâmico, es-
pécie de montra encastoada na falésia, distingo-a, lá ao longe,
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a tirar os sapatos antes de entrar na areia. Triste é que ela não
parece. Mas o estonteio também não me agradaria de mais. Tre-
sanda a compromisso.
Desapareceu por detrás das rochas. O mar, na mesma.
Virei-me para o outro lado, acabei de me vestir. Casita simpá-
tica e discreta, lá nestas alcândoras das gaivotas. Numas pra-
teleiras brancas, à entrada, bricabraque solto e a eterna barca
da Nazaré, rebrilhante de azuis, pontuda, com um desalinho
chinfrim de petrechos da faina. Pensei insinuar a Gherda que
aconselhasse a amiga (quem seria?) a tirar aquilo dali. Mas não
quis ser grosseiro e mal-agradecido. Bastava o que bastava. De
resto, Gherda vinha da Dinamarca. O folclore dava-lhe para a
ternura. E, daí, mal ao mundo não vinha.
Era serena, doce e silenciosa, a boca abria-se para um ar-
quejar demorado que mal chegava a ouvir-se e os olhos pardos
extraviavam-se para além dos cantos do tecto. Eu sussurrava-
-lhe perguntas sobre ritmos, êxtases, cumeadas, ela passava-
-me o dedo magro ao correr das sobrancelhas, e eu nunca
soube bem se o seu sorriso aquietado era um traslado de sobe-
rania ou de grata submissão. Nunca lhe surpreendi qualquer
irrupção de vocabulário fescenino, legitimado e movido pelo
crescendo dos envolvimentos eróticos em jogo, e tido por al-
gumas praticantes como o supra-sumo da excitação lasciva.
Às vezes parava, de súbito, quando os meus dedos tocavam
uma minúscula protuberância rosada, ao de leve, circularmente,
e reentravam, coleantes, no rebordo da misteriosa abertura. Es-
treitava as pernas, afastava-me a mão e suspirava. Mas logo se
dobrava sobre mim e me beijava de novo. Da parada amorosa
fazem parte certas dificuldades — ou impossibilidades — de
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interpretação. Talvez não valha a pena reflectir demasiado a
respeito. Dentro daquela generalizada, recorrente, repassada
— e por vezes exasperante — mesmice, as mulheres são todas
diferentes umas das outras. O que se demonstrará.
«Sou muito apertada», dizia, encolhendo-se, numa espécie
de frémito entre o pudor e o desplante risonho. Verdade seria.
A isso não me competia redarguir. Mas não era já a mesma es-
treiteza húmida e polpuda da juvenilidade. Podia sobretudo
louvar-lhe, como louvei, a delicadeza da púbis loura, quase
branca, que era mais um discreto ornato, brandura de apre-
sentação e entrega, do que selva de ocultação e embuço.
O repousado sorriso, tão aconchegado e acolhedor, trazia-
-me à lembrança a boca bem preenchida na volúpia de mo-
mentos antes, a tensão do rosto, o deslizar vagaroso do contacto,
faces, queixo, pescoço, lábios outra vez, um esboço quase inau-
dível de murmúrio entrecortado.
Gustav estava na Dinamarca, coisas de família, de maneira
que Gherda se encontrava livre e distensa. Não quis pensar que
este afastamento oportuno do marido fizesse parte de um cál-
culo para me predispor a aceitar certo empréstimo. Há tantas
ocasiões para exercer um saudável cinismo, porque desperdiçá-
-lo nesta, afinal com momentos tão amenos e compensadores?
Regressada do passeio, Gherda ofereceu-me conchinhas,
que eu teria o cuidado de depositar no primeiro recipiente do
lixo da minha rua. O que contou foi a intenção. Antes, mão esten-
dida sobre a mesa, dedos entrosados com os meus, um olhar va-
garoso, insistente… Palavras não foram ditas, mas aqueles olhos
pardos, ora ridentes, ora preocupados, sondando, queriam sig-
nificar a mesma coisa de sempre, onde Gherda compaginava a
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lição implícita e consabida de quase todas as outras amantes:
«Não faço amor com toda a gente. Não fique a pensar mal de
mim. O sexo é uma extensão do sentimento. Você é um caso
muito especial.»
Propus um duche.
CO
MC
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