Mulheres e Mudanças Climáticas *Deborah Munhoz
Adaptação do Artigo publicado parcialmente na Revista Ecologia Integral, No 30, ano 7
Já parou para pensar na relação entre mulheres e mudanças climáticas? E, especificamente, em
como as mulheres são e serão afetadas por tais mudanças? Neste artigo vou busca compartilhar
algumas questões que passam pela minha cabeça e que envolvem a vulnerabilidade das
mulheres ao desafio climático.
A vulnerabilidade às mudanças climáticas pode ser definida como a característica de uma pessoa
ou grupo em termos de sua capacidade de antecipar, lidar com, resistir e recuperar-se dos
impactos de um desastre climático.
É algo inerente a uma população determinada e variará de acordo com suas possibilidades
culturais, sociais e econômicas. Segundo o Painel Intergovernamental em Mudança do Clima –
IPCC, aquele(a)s que possuem menos recursos serão o(a)s que mais dificilmente se adaptarão e
portanto são o(a)s mais vulneráveis. Uma das consequências das mudanças no clima será o
aumento da a incidência de doenças tais como dengue, malária, hepatite A, cólera, diarreia,
leptospirose. A desnutrição também aumentará, como conseqüência da redução da oferta de
alimentos. Espera-se também mudança nos padrões de alergia e doenças respiratórias. Haverá
cada vez mais refugiados provenientes das áreas afetadas. Pergunto: sobre quem pesará os
cuidados com as vítimas de tais doenças?
Exceto as diferenças fisiológicas, as diferenças entre homens e mulheres são construídas
culturalmente por nossa sociedade e possuem importantes reflexos em vários aspectos do
cotidiano feminino. No processo histórico da nossa civilização, homens e mulheres são
atingidos de formas diferentes pelos problemas sócio-econômicos e também ambientais. Com os
problemas climáticos não é nem será diferente. No contexto da nossa sociedade atual, as
mulheres ainda possuem menores oportunidades de acessar os recursos materiais e sociais,
assim como de tomar decisões em assuntos que afetam sua vida e o funcionamento da
sociedade.
Ainda que os meios de comunicação anunciem aos quatro ventos como a mulher avançou no
mercado de trabalho, a maioria ainda ganha de 10 a 40 % a menos que os homens para ocupar o
mesmo cargo, desempenhar a mesma função ou a mesma tarefa. Essa é uma realidade mundial
que une países ricos e pobres. As mulheres foram trabalhar fora de casa, construíram suas
carreiras nas mais variadas áreas do conhecimento humano mas permaneceram sem educar
devidamente os homens para compartilhar as responsabilidades em regime de igualdade nas
tarefas domésticas. E principalmente, não os prepararam para ter cuidado! Com as coisas, com
as pessoas, com as cidades, nem com o planeta.
Essa dificuldade de prepara os homens para a cultura do cuidado é bastante acentuada na
América Latina, onde o Brasil está inserido. Assim, mulheres dedicam grande número de
horas na execução de tarefas não remuneradas tais como cuidar das crianças (educação,
banho, alimentação), zelar pelos enfermos e anciãos, cuidar da saúde dos membros da família.
Possuem a função biológica de procriação da espécie humana, limpam e organizam a casa,
lavam a roupa ou cuidam para que casa e roupa sejam limpos ensinando outras mulheres, as
empregadas ou diaristas, a fazê-lo. Assim como serviços prestados pela natureza como a
polinização das plantas e a produção de oxigênio), o trabalho silencioso do cuidado feminino, na
prática, não tem status na sociedade contemporânea. Aliás, atualmente, os serviços da natureza,
chamado de serviços ecossistêmicos, já começam a ser valorados enquanto as horas de cuidado
exercida majoritariamente por mulheres continuam a serem desconsideradas como um
importante suporte para a parte visível da economia.
Hazel Henderson, uma das raras economistas de reconhecimento internacional, denomina esse
trabalho desempenhado pelas mulheres de “Economia do Amor”. O ônus de cuidar cai sobre as
mulheres, particularmente durante as crises econômicas quando os homens vão embora em
busca de novas oportunidades. Como o clima afeta diretamente a saúde e a economia, essa é
uma das vulnerabilidades específicas das mulheres às mudanças climáticas.
Como lembra Jared Diamond, em seu livro “Colapso”, na raiz de todo problema ambiental existe
uma questão política. Raras mulheres possuem preparo para ocuparem o espaço público e,
quando ocupam, como várias vezes já falou Marta Suplicy, têm dificuldade de serem ouvidas.
Sendo assim, as leis e decisões que afetam o destino de uma nação são em geral feitas sem
contemplar a ótica feminina.
Como a questão climática envolve também decisões política de governos, eis aqui mais uma das
vulnerabilidades. Há uma urgente necessidade de mulheres bem preparadas ocuparem cargos
públicos para ajudar os homens a tomar decisões saudáveis e sensatas em todas as instâncias
que envolvem políticas públicas para que essas possam finalmente contemplar as demandas
específicas das mulheres e suas famílias. Há também necessidade das mulheres se informarem e
politizarem para fazer melhores escolhas ao longo da vida para tornar elas próprias menos
vulneráveis aos desastres naturais de maneira geral. Isso irá se refletir na educação das
crianças, na escolha de parceiros e, claro, na escolha e cobrança de desempenho de políticos
em todos os níveis governamentais. A questão da contracepção também é desafiadora. A mulher
precisa educar homens para serem responsáveis pelas suas sementes, participando ativamente
do planejamento familiar. Mais um bebe na família significa também mais um ser humano a
consumir recursos do planeta. O controle de natalidade precisa vir de um despertar de
consciência da mulher sobre o seu corpo para evitar que, num futuro próximo, como em um
conto de ficção científica, tal controle venha de uma decisão governamental autoritária visando a
redução de impacto sobre os recursos do planeta.
Outros desafios já fazem e farão parte do universo feminino diante das questões climáticas,.
Podem ser citadas as consequências da perda e/ou acesso à biodiversidade, reduzindo a
disponibilidade de alimentos, plantas medicinais, o livre acesso e uso de tais plantas e
medicamentos naturais derivados, a produtividade da agricultura, afetando a segurança alimentar,
dentre outros.
A capacidade de adaptação de uma população está ligada a sua riqueza, tecnologia, educação,
informação, habilidades, infraestrutura, a cesso a recurso e capacidade de gestão. Para suavizar
os impactos e facilitar a adaptação às mudanças do clima, é estratégico a informação, a
educação e o compartilhamento de conhecimento entre as mulheres.
Deborah Munhoz é Química e Mestre em Saneamento, Meio Ambiente e Recursos Hídricos. É
consultora em Gestão da Qualidade de Vida e Sustentabilidade
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