O EQUILÍBRIO ENTRE OS PODERES: ARGUMENTAÇÃO JURÍDICA E A
TEORIA PÓS-POSITIVISTA.
THE BALANCE BETWEEN THE POWERS: ARGUMENT AND LEGAL THEORY
POSTPOSITIVIST.
Gleisson Lucas Cardoso1 [email protected]
Sumário: I. Introdução. II. As origens da divisão dos poderes. III. A ascensão
institucional do Judiciário. IV. O ativismo Judicial. V. O Pós-positivismo jurídico. VI. Teoria
da argumentação jurídica. VII. Conclusão.
RESUMO:
O artigo propõe-se analisar e discutir a disparidade entre os poderes da União no que diz
respeito à suas funções típicas e atípicas de cada um, bem como retratar as raízes da teoria da
tripartição de poderes tanto na perspectiva global como no ordenamento jurídico brasileiro, a
partir do advento da Constituição de 1891, cuja inspiração decorreu do texto constitucional
estadunidense de 1787. Mormente, têm - se o fito de expor a atuação intensa do judiciário
brasileiro, no período pós-constituição de 1988, com o escopo de asseverar o ativismo judicial
e sua influência na sociedade por meio da mídia, objetivando, ascender à discussão e trazer as
objeções à crescente intervenção judicial na sociedade. Por fim, elabora-se um itinerário deste
estudo, delimitando o pós-positivismo jurídico e a teoria da argumentação jurídica defendida
por Chaïm Perelman e Robert Alexy, a fim de solucionar a celeuma e elucidar a discussão aqui
tratada.
PALAVRAS-CHAVE: Equilíbrio entre poderes. Ativismo Judicial. Pós-positivismo Jurídico.
Argumentação Jurídica.
ABSTRACT:
The paper seeks to analyze and discuss the disparity between the powers of the Union as regards
its typical and atypical features of each as well as portraying the roots of the theory of tripartition
of powers both the global perspective as the Brazilian legal system from the advent of the 1891
Constitution, whose inspiration stemmed from the U.S. Constitution of 1787. Especially, have
- if the aim of exposing the intense action of the Brazilian judiciary, in the post-1988
constitution period, with the aim of asserting judicial activism and its influence on society
through the media, aiming to ascend to the discussion and bring objections to increasing judicial
intervention in society. Finally, we undertake an itinerary of this study, outlining the legal post-
positivism and the theory of legal argument advocated by Chaim Perelman and Robert Alexy
in order to solve the fuss and elucidate the discussion dealt here.
KEYWORDS: Balance of powers. Judicial Activism. Legal post-positivism. Legal arguments.
1Bacharelando em Direito pela – Universidade Presidente Antônio Carlos – UNIPAC - Uberlândia -
MG.
2
I. INTRODUÇÃO
O artigo tem como objetivos em um primeiro momento buscar as raízes da divisão dos
poderes na República, com a teoria da tripartição dos poderes, elaborada por Montesquieu, em
sua obra o Espírito das leis, pensamento político-filosófico que se introduziu na Constituição
estadunidense de 1787 com Revolução Americana. Por influência de Ruy Barbosa de Oliveira
essa forma de governo for herdada, dos Estados Unidos para o Brasil, que se iniciou aqui com
a Constituição, de 1891.
Posteriormente, tem-se o fito de apresentar objeções à crescente intervenção judicial na
vida brasileira, tanto quanto, os riscos para a legitimidade democrática e a força constitucional
que teve o judiciário Pós - Constituição de 1988, analisando assim, a ascensão institucional do
mesmo, bem como, a necessidade de equilibrar os poderes.
Ademais, analisa-se a prestação jurisdicional e a interpretação da norma jurídica feita
pelos operadores do Direito, que em algumas hipóteses haverá a atuação criativa jurisdicional
destes. O Ministro do Supremo Tribunal Federal, Luís Roberto Barroso, assinala, dizendo:
“Toda interpretação é produto de uma época, de um momento histórico, e envolve os fatos a
serem enquadrados, o sistema jurídico, as circunstâncias do intérprete e o imaginário de cada
um”. 2
Essencialmente, nas últimas décadas, o Supremo Tribunal Federal tem tomado uma
série de decisões sobre questões de grande impacto, gerando discussões em prol desses
julgamentos, tanto quanto, contra. É possível assinalar uma escala de diversos fatores
extrajurídicos que contribuem para a tomada de decisões nos julgamentos, como a opinião
pública, e a formação acadêmica dos Ministros, dentre outros. Neste sentido, pontifica Barroso:
A Judicialização significa que algumas questões de larga repercussão política
ou social estão sendo decididas por órgãos do Poder Judiciário, e não pelas
instâncias políticas tradicionais: O Congresso Nacional e o Poder Executivo –
em cujo âmbito se encontram o Presidente da República, seus ministérios e a
administração pública em geral. Com intuitivo, a judicialização envolve uma
transferência de poder para juízes e tribunais, com alterações significativas na
linguagem, na argumentação e no modo de participação da sociedade. 3
2BARROSO, Luís Roberto apud BULOS, Uadi Lammêgo – Curso de Direito Constitucional, 4ª ed.
Reformulada e atualizada. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 351. 3Idem – Judicialização, ativismo judicial e legitimidade democrática, Artigo publicado na Revista de
direito do Estado 13:71, 2009, p. 03.
3
Assim, mediante as considerações do Ministro, na avaliação do ativismo judicial, deve-
se também apreciar essa atuação do judiciário, fazendo uma reflexão sobre as objeções a essa
crescente intervenção judicial e a violação ao princípio da separação dos poderes.
Pretendendo solucionar as referidas controvérsias, entre o ativismo judicial, à crescente
intervenção institucional do poder judiciário no meio social e os limites de sua atuação, em
essencial ao Supremo, contemplamos autores Pós-positivistas como Chaïm Perelman e Robert
Alexy, que por meio das teorias do discurso prático racional propõe alternativa para a solução
deste embate.
II. AS ORIGENS DA DIVISÃO DOS PODERES
A origem moderna da teoria da separação dos poderes teve como mais importante figura,
o político e filosófico francês, Charles Louis de Secondat, conhecido como
Montesquieu, nasceu em 18 de janeiro de 1689, em Bordeaux, na França, no Castelo de La
Brède.
Montesquieu constrói uma teoria política, que propõe a divisão dos poderes que é
apresentada na sua principal obra; l'esprit des lois – O Espírito das leis, 1748, que tem o intuito,
de estabelecer à relação que as leis devem ter com a constituição de cada governo.
Em sua obra, o Montesquieu analisa de maneira extensa os fatos humanos, e ainda,
distingue três formas de governo; quais sejam: O Republicano, o Monárquico e o Despótico 4
Ao estabelecer os diferentes tipos de governo ele se preocupa mais com a forma que o poder
será exercido.
O autor ainda faz um parâmetro com relação aos poderes, constituindo termos ligados a
cada de tipo de governo, sendo estes, de suma importância dentro de cada gestão, vejamos: “Tal
como a virtude é necessária numa república e a honra necessária numa monarquia, o medo é
necessário num governo despótico; nesse governo a virtude é totalmente desnecessária, e a
honra, perigosa”.5
A teoria apresentada pelo francês desenvolve a idéia de reprimir a violência e o abuso
de poder, por meio da separação dos poderes, podendo assim, estabelecer um controle. O autor
ao se referir a Constituição da Inglaterra, sob o exame do governo republicano, faz análise dos
três poderes, proclama dizendo que para manter o equilíbrio, a liberdade, e a virtude, deve-se
4Montesquieu – Do Espírito das Leis, 1973 – Editora Abril Cultural – p. 39 5 Ibidem, p. 53.
4
fazer uma desconcentração de poder, para fugir da institucionalização de um governo tirano.
Sobre a perspectiva histórica, percebe-se que desde àquela época já se tinha um pensamento
controlador, por temer a instauração de um governo despótico.
Embora, já se tenha passado séculos, esse pensamento político e filosófico do equilíbrio
de poderes perdura nas constituições de vários países do mundo ate os dias atuais, como por
exemplo, na Constituição Federal brasileira de 1988, que em seu art. 2º estabelece que são
“Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o
Judiciário”.6 Montesquieu propõe a separação dos poderes para proteger a liberdade, e deixa
evidente que o opressor da liberdade é o poder, como certifica parte do texto de sua obra:
Não haverá também liberdade se o poder de julgar não estiver separado do
poder legislativo e do executivo. Se estivesse ligado ao poder legislativo, o
poder sobre a vida e a liberdade dos cidadãos seria arbitrário, pois o juiz seria
legislador. Se estivesse ligado ao poder executivo, o juiz poderia ter a força
de um opressor.7
Tempos depois, com a publicação da obra O Federalista, os autores, Hamilton, Madison
e Jay, a partir de um conjunto de artigos publicados na época, resgatam esta construção política
de Montesquieu e ainda buscam explicar o funcionamento da república que se acabara de
instalar nos Estados Unidos em 1787, com reuniões que ocorreram na Filadélfia para elaboração
da Constituição Americana. Sob a mesma égide do filósofo francês os autores de O Federalista
preservam a teoria da separação dos poderes.
O oráculo sempre consultado e citado a respeito é o famoso Montesquieu. Se
não foi o autor deste inestimável preceito da ciência política, pelo menos tem
o mérito de tê-lo divulgado e recomendado, fazendo com que fosse objeto da
universal atenção. Tentemos, em primeiro lugar, descobrir a interpretação do
filósofo francês sobre este ponto.8 (HAMILTON, MADISON e JAY, 1984, p.
394). Não se nega que o poder é, por natureza usurpador, e que precisa ser
eficazmente contido, a fim de que não ultrapasse os limites que lhes foram
fixados. Assim, após a discriminação teórica das diferentes categorias de
poder, que pertencem naturalmente ao legislativo, ao Executivo ou ao
judiciário, a tarefa seguinte e mais difícil esta em prover para cada um deles
certa segurança prática contra invasões por parte dos outros. Como será tal
segurança – eis o grande problema a ser resolvido.9
6 BRASIL, Constituição Federal, 1988 – Brasília: Senado Federal Subsecretaria de edições Técnicas,
2007, p. 13. 7Montesquieu – Do Espírito das Leis, 1973 – Editora Abril Cultural, p. 157 8HAMILTON, Alexander; MADISON, James; JAY, John – O Federalista - Editora da UnB, Brasília,
1984, p.394. 9Ibidem, p. 401.
5
É possível depreender do trecho acima, artigo de autoria de Madison, a clara defesa da
separação dos poderes, os tornando independentes, sem que um interfira na alçada da jurisdição
do outro. Entretanto, irrompe um contratempo para se solucionar a forma precisa em assegurar
essa liberdade e autonomia.
O próprio Madison mostra a imprescindibilidade de existir freios e contrapesos em uma
república, para garantir a independência dos poderes, em uma de suas citações diz: “Todavia, a
grande segurança contra uma gradual concentração de vários poderes no mesmo ramo do
governo consiste em dar aos que administram cada um deles os necessários meios
constitucionais e motivações pessoais para que resistam às intromissões dos outros.”
10(HAMILTON, MADISON e JAY, 1984, p.418).
Esses meios constitucionais e motivações estão se referindo as prerrogativas, garantias
políticas – jurídicas asseguradas aos membros de cada poder. Na Constituição Federal brasileira
de 1988, quando se refere ao poder judicial, tem-se a presença de garantias aos membros do
judiciário no artigo 95 da Carta, como, vitaliciedade, inamovibilidade e irredutibilidade de
subsídio, assim como, os poderes, legislativo e executivo gozam de prerrogativas, todos
certamente para garantir à resistência a possíveis abusos emergidos de outros poderes.
O constitucionalista, Uadi Lammêgo Bulos, em parte de sua obra afirma o surgimento
do presidencialismo e a influência da teoria da tripartição dos poderes, vejamos: “O
Presidencialismo surgiu com a Constituição norte-americana de 1787, influenciada pela Teoria
da Tripartição de Poderes de Montesquieu. Seu personagem principal é o Presidente da
República”.11 Bulos, ainda descreve; “No Brasil, o regime presidencialista de governo iniciou-
se com a nossa primeira Constituição republicana, de 1891, por influência de Ruy Barbosa,
permanecendo até hoje”.12
É importante ressaltar que essa forma de governo no Brasil já foi contestada e,
consagrada em 1993, quando decidida por meio de plebiscito, como previsto no artigo 2º do
ADCT, ato das disposições Constitucionais transitórias: no dia 7 de setembro de 1993 o
eleitorado definirá, através de plebiscito, a forma (república ou monarquia constitucional) e o
sistema de governo (parlamentarismo ou presidencialismo) que devem vigorar no País.
Alexandre de Moraes pontifica dizendo:
10Ibidem, p. 418 11 BULOS, Uadi Lammêgo – Curso de Direito Constitucional - 4ª ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 1090. 12Ibidem, p. 1090.
6
A Constituição Federal, visando, principalmente, evitar o arbítrio e o
desrespeito aos direitos fundamentais do homem, previu a existência dos
Poderes do Estado e da Instituição do Ministério Público, independentes e
harmônios entre si, repartindo entre eles as funções estatais e prevendo
prerrogativas e imunidades para que bem pudessem exercê-las, bem como
criando mecanismos de controles recíprocos, sempre como garantias da
perpetuidade do Estado democrático de Direito. 13
Estabelecida o modelo republicano e presidencialista no Brasil, e evidentemente adotada
a tripartição dos poderes, há a necessidade de – se ter controle e equilíbrio entre eles, sobretudo,
constata-se, na contemporaneidade que a série de decisões do Supremo Tribunal Federal em
diversas áreas, tem alçado o mesmo a uma grande influência no país propagada através da
mídia, revigorando assim, o ativismo judicial. Pontifica Barroso nesse sentido: “A idéia de
ativismo judicial está associada a uma participação mais ampla e intensa do judiciário na
concretização dos valores e fins constitucionais, com maior interferência no espaço de atuação
dos outros dois Poderes.” 14 Assunto que será tratado nos próximos capítulos.
III. A ASCENSÃO INSTITUCIONAL DO JUDICIÁRIO.
Vale destacar, antes de examinar a ascensão institucional do judiciário, o pretérito
Regime Militar ditatorial presente no Brasil, vigente entre os anos de 1964 e 1985, que foi
instituído pelo golpe de estado em 1º de abril de 1964 e se encerrou em 15 de Março de 1985.
É importante sublinhar que a Ditadura militar ficou marcada pela instituição do AI-5 (Ato
Institucional número 5), que entrou em vigor em 13 de dezembro de 1968.
Algumas imposições do Ato Institucional foram à censura prévia para jornais, a
proibição de manifestações populares de caráter político, além de conceder poder ao Presidente
da República para cassar mandatos de deputados federais, estaduais e vereadores, dentre outros.
Todos os exemplos mencionados contribuem para que a governança seja autoritária, tirânica,
cerceando assim, a liberdade que se faz presente na democracia, somente com as Diretas já15,
movimento civil de reivindicação por eleições presidenciais diretas no Brasil, ocorrido
13 MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional – 23ª ed. São Paulo: Atlas, 2008, p. 402. 14 BARROSO, Luís Roberto. Judicialização, ativismo judicial e legitimidade democrática, Artigo
publicado na Revista de direito do Estado 13:71, 2009, p. 06. 15 Diretas Já foi um movimento civil de reivindicação por eleições presidenciais diretas no Brasil
ocorrido em 1983-1984. A possibilidade de eleições diretas para a Presidência da República no Brasil se
concretizou com a votação da proposta de Emenda Constitucional Dante de Oliveira pelo Congresso.
Entretanto, a Proposta de Emenda Constitucional foi rejeitada, frustrando a sociedade brasileira. Ainda
assim, os adeptos do movimento conquistaram uma vitória parcial em janeiro do ano seguinte
quando Tancredo Neves foi eleito presidente pelo Colégio Eleitoral.
7
em 1983-1984, é que o Regime Militar começa a perder força e se instaura o Estado
democrático de direito com a promulgação da Constituição Federal de 1988.
Com a redemocratização caracterizada pela Constituição de 1988, o poder judiciário
teve prestígio, pois, a Carta Política, o constituiu como seu guardião, atribuindo a ele o dever
de conter os abusos cometidos pelos demais poderes e com a obrigação de preservar a aplicação
da Constituição e seus valores.
Ademais, foi delegado ao judiciário o controle de constitucionalidade concentrado na
década de 90 conferido pela lei 9.868/99, verificando a adequação da norma, a fim de extirpar
aquelas que fossem incompatíveis com a lei maior. O Supremo deixando a sua preponderante
função que é zelar pelo cumprimento da Constituição, passa do mesmo modo a atuar como
“legislador negativo”, uma vez que além de garantir a aplicação da Constituição, tem o
compromisso de expurgar do ordenamento jurídico, às leis vulneráveis e contrárias a ela.
Aceitando então o modelo de Hans Kelsen de que o Tribunal atuaria como um
“legislador negativo”, exemplo disso foi o advento da Lei 9.868/199916 deixando evidente esse
exercício negativo feito pelo Supremo, vejamos:
“Art. 27. Ao declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, e tendo
em vista razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse social,
poderá o Supremo Tribunal Federal, por maioria de dois terços de seus
membros, restringir os efeitos daquela declaração ou decidir que ela só tenha
eficácia a partir de seu trânsito em julgado ou de outro momento que venha a
ser fixado.”
O Supremo obteve força maior com a emenda constitucional Nº 45, de 08 de Dezembro
de 2004, podendo os ministros da corte aprovar súmula que, a partir de sua publicação na
imprensa oficial, teria efeito vinculante, a seguir o dispositivo de lei:
Art. 103 – A.O Supremo Tribunal Federal poderá, de ofício ou por
provocação, mediante decisão de dois terços dos seus membros, após
reiteradas decisões sobre matéria constitucional, aprovar súmula que, a
partir de sua publicação na imprensa oficial, terá efeito vinculante em
relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública
direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal, bem como
proceder à sua revisão ou cancelamento, na forma estabelecida em lei. 17
(grifos meus)
16Lei 9.868/99 - Dispõe sobre o processo e julgamento da ação direta de inconstitucionalidade e da ação
declaratória de constitucionalidade perante o Supremo Tribunal Federal. 17BRASIL, Constituição Federal, 1988 – Brasília: Senado Federal Subsecretaria de edições Técnicas,
2007, p. 79.
8
Percebe-se, que o poder judiciário adquire uma atuação mais ativa a partir desta emenda
constitucional, visto que, passa exercer atribuição típica do poder legislativo ao fazer vigorar
com força de lei, súmulas editadas pelo Supremo.
IV. O ATIVISMO JUDICIAL.
O ativismo judicial é uma expressão cunhada nos Estados Unidos.18O conceito de
ativismo judicial embora não se tenha um consenso entre os estudiosos do Direito, designa-se
uma atuação proativa de interpretar a Constituição, ampliando o seu sentido e alcance sobre os
valores e institutos constitucionais.
O ativismo do judiciário se da com a aplicação da Constituição em casos não expressos
no texto da Carta, expandindo o seu sentido ao interpretá-la. Isso acontece essencialmente
quando o Poder Legislativo é inerte na sua função típica, e na ausência das leis, o judiciário em
nome da Constituição, com a prolação de decisões suprem essas omissões do Legislativo,
criando normas por meio delas.
São inúmeros os exemplos de intervenção do judiciário na esfera legislativa em
essencial, quando resulta da regressão do legislativo, exemplo clássico que tivemos foi o aborto
anencéfalo, que por inércia do legislativo coube ao guardião da Constituição decidir, se haveria
crime nesse caso ou não, a seguir parte final da ementa da ADPF – 54 sobre o aborto anencéfalo
que foi decidido pelo Supremo:
ESTADO – LAICIDADE. O Brasil é uma república laica, surgindo
absolutamente neutro quanto às religiões. Considerações. FETO
ANENCÉFALO – INTERRUPÇÃO DA GRAVIDEZ – MULHER –
LIBERDADE SEXUAL E REPRODUTIVA – SAÚDE – DIGNIDADE –
AUTODETERMINAÇÃO – DIREITOS FUNDAMENTAIS – CRIME –
INEXISTÊNCIA. Mostra-se inconstitucional interpretação de a
interrupção da gravidez de feto anencéfalo ser conduta tipificada nos
artigos 124, 126 e 128, incisos I e II, do Código Penal. (ADPF 54,
Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO, Tribunal Pleno, julgado em
12/04/2012, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-080 DIVULG 29-04-2013
PUBLIC 30-04-2013).(grifos meus)19
18 A locução “Ativismo judicial” foi utilizada, pela primeira vez, em artigo de um historiador sobre a
Suprema Corte americana no período do New Deal, publicado em revista de circulação ampla. V. Arthur
M. Schlesinger, Jr., The SupremeCourt: 1947, Fortune, jan. 1947, p. 208, apud Barroso, Luís Roberto
– Constituição, Democracia e Supremacia Judicial: Direito e Política no Brasil Contemporâneo – p. 09. 19Disponível em: http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=3707334
acesso em: 12/12/2013 às 08:31 horas.
9
Vê-se que por inatividade do legislativo em prever norma que regule o caso em
concreto, coube ao judiciário a tarefa árdua de decidir a lide, avaliando os preceitos religiosos,
se haveria crime nessa circunstância, assim como, avaliar a dignidade da pessoa humana, os
direitos fundamentais e a liberdade sexual e reprodutiva. Isso expõe que cada vez se torna mais
comum a atuação do judiciário, no sentido de exercer sua função atípica de criar normas por
meio de decisões, gerando novos imperativos sobre as leis já estabelecidas.
Já data 25 anos da promulgação da Constituição, e evidentemente houve modificações,
emendas constitucionais para que o texto da Carta Magna pudesse estar sempre correlato com
as mudanças da sociedade, sobretudo, não se pode admitir violação a Supremacia da
Constituição. Percebe-se que o uso de prerrogativas do Judiciário está transcendendo a
Constituição, como exemplo, citamos um julgado da AP 470, avista-se:
O STF recebeu do Poder Constituinte originário a competência para
processar e julgar os parlamentares federais acusados da prática de
infrações penais comuns. Como consequência, é ao STF que compete a
aplicação das penas cominadas em lei, em caso de condenação. A perda do
mandato eletivo é uma pena acessória da pena principal (privativa de
liberdade ou restritiva de direitos), e deve ser decretada pelo órgão que
exerce a função jurisdicional, como um dos efeitos da condenação, quando
presentes os requisitos legais para tanto...”(AP 470, rel. min. Joaquim
Barbosa, julgamento em 17-12-2012, Plenário, DJE de 22-4-2013.) No
mesmo sentido: AP 396 QO e AP 396 ED-ED, rel. min. Cármen Lúcia,
julgamento em 26-6-2013, Plenário, Informativo 712. Em sentido
contrário: AP 565, rel.min. Cármen Lúcia, julgamento em 8-8-2013,
Plenário, Informativo 714.(grifos meus)20
É possível constatar que o julgado acima esta em desacordo com o disposto no artigo
55, VI § 1º da Constituição Federal de 1988, que prescreve sobre a competência para decidir a
perda do mandato de Deputado ou Senador, sendo esta competência, da Câmara dos Deputados
ou pelo Senado Federal.
Mediante o exemplo supra, é importante ressaltar algumas objeções a essa intervenção
judicial, e que trazem riscos a legitimidade democrática, pois, a Constituição conferiu ao
Supremo, poderes para manter a guarda da Constituição, fazendo com que por meio de suas
decisões preservem a vontade do constituinte ou do legislador, sendo eles, representantes do
povo.
20 Disponível em: http://www.stf.jus.br/portal/constituicao/artigoBd.asp?item=727 acesso em:
19/11/2013 às 21:57 horas.
10
No entanto, não se deve generalizar a atuação do judiciário estritamente a lei positivada,
sabe-se que em algumas situações o aplicador do Direito precisa ir além do que está escrito ao
fio da lei, e se torna em certos casos, co-participante do processo de criação do Direito, visto
que ele não pode se eximir de aplicar a norma, à qual ele não pode furtar-se sem cometer uma
denegação de justiça, entendimento este desde a codificação do Código Napoleônico na
França.21
No código Francês essa obrigação está formulada assim no art.4º do Código de
Napoleão: “O juiz que recusar julgar, a pretexto do silêncio, da obscuridade ou da insuficiência
da lei, poderá ser processado como culpado de denegação de justiça,” 22 ainda que, esta não
tenha na norma previsão do caso tratado. Alexy, ao tratar o problema do positivismo jurídico,
proclama dizendo:
Existirá um caso duvidoso, por exemplo, quando a lei a ser aplicada for
imprecisa e as regras da metodologia jurídica não levarem necessariamente de
modo exato a um resultado. Quem identifica o direito com a lei escrita, ou
seja, quem defende a tese do positivismo legal deve afirmar que, nos casos
duvidosos a decisão é determinada por fatores extrajurídicos. 23 (ALEXY,
2009, p. 11/12)
Ressalta-se, entretanto, que o judiciário deve-se manter o mais próximo da norma
positivada ao interpretá-la, por uma questão de segurança jurídica. Não pode o Poder Judiciário
se usurpar da competência do legislativo, devendo sempre manter decisões racionais com fulcro
na Constituição, ressalvadas, àquelas situações em que o legislador originário não previu, e
dependerá da interpretação abrangente do judiciário, estando esta, agregado com a
Constituição.
Outro fator interessante é a politização da justiça, sendo necessário dizer que o Direito
não está necessariamente ligado a política, devendo os Ministros decidir com um único
sentimento, o de agir em nome da Constituição e das leis, sem procurar favorecer este ou aquele
a priori por favores pessoais, ou por indicação de sua investidura no cargo em que ocupa. No
entanto, ao proferir suas decisões devem ponderar o sentimento social, sem, contudo, deixar
que este interfira de maneira tendenciosa em suas decisões.
21 PERELMAN, Chaïm – Ética e Direito – São Paulo, Editora Martins Fontes, 1996, p. 646. 22 Ibidem, p. 646 23ALEXY, Robert – Conceito e validade do Direito – Editora WMFMartins Fontes – Tradução: Gercélia
Batista de Oliveira Mendes – São Paulo: 2009, p. 11,12.
11
Sobretudo, há uma limitação do judiciário em debater determinados casos, isso pode ser
constatado no próprio Supremo, pois, ainda que tenham os magistrados um saber jurídico digno;
são exemplos desses casos: o uso de células-tronco, o aborto anencéfalo, temas estes que
exigem determinado conhecimento técnico para a tomada certa de qualquer decisão que os
envolva. O judiciário, contudo, recorre a institutos como amicus curiae 24 , que são
representantes de entidades que se manifestam nos autos do processo que discute o assunto
controverso, podendo o judiciário se valer dessa ferramenta apenas nas ações de controle
concentrado de constitucionalidade. Nota-se aqui a presença do debate público e que trará
questões políticas para o julgamento.
Incumbe, portanto, a cada um dos três poderes a interpretação da Constituição, pois,
sabe-se que em caso de excessos o poder judiciário terá o dever de solucionar o litígio.
Sobretudo, deve-se evitar que tenhamos uma instância hegemônica e política para que não haja
uma onipotência judicial ou um comando de juízes.
V. O PÓS-POSITIVISMO JURÍDICO.
Para compreender o plexo das teorias pós-positivista, é necessário distinguir o
positivismo do pós-positivismo. Para descrever o positivismo jurídico é preciso recorrer-se a
célebres autores positivistas. “Em síntese, o impulso para a legislação nasce da dupla exigência
de pôr ordem no caos do direito primitivo e de fornecer ao Estado um instrumento eficaz para
a intervenção na vida social.” 25
São várias questões que envolvem o positivismo jurídico e abrem margem para diversas
discussões neste cenário. O positivismo difunde a ideia da norma26 posta de maneira codificada,
num corpo de normas expressamente elaboradas. “Com efeito, a ideia da codificação surgiu,
por obra do pensamento iluminista, na segunda metade do século XVIII e atuou no século
24Descrição do Verbete: "Amigo da Corte". Intervenção assistencial em processos de controle de
constitucionalidade por parte de entidades que tenham representatividade adequada para se manifestar
nos autos sobre questão de direito pertinente à controvérsia constitucional. Não são partes dos processos;
atuam apenas como interessados na causa. Disponível em:
http://www.stf.jus.br/portal/glossario/verVerbete.asp?letra=A&id=533 acesso em 12/12/2013 às 09:41
horas. 25BOBBIO, Norberto – O positivismo jurídico: Lições de filosofia do direito – São Paulo – Editora:
Ícone, 2006, p. 120. 26 Para Norberto Bobbio: “Norma significa imposição de obrigações (imperativos, comando, prescrição,
etc.); onde há obrigação , como já vimos, há poder”. Teoria do Ordenamento jurídico – Norberto Bobbio
– Brasília – Editora Universidade de Brasília. 10ª edição, 1999, p.58.
12
passado: portanto, há apenas dois séculos o direito se tornou direito codificado.” 27 O código
que é considerado o primeiro a obter um considerado êxito irrefutável e a influenciar sistemas
legais de vários países, foi o Código de Napoleão de 1804 na França.
É no desenrolar da Revolução Francesa, que a implantação de um código adquire força
e consistência, influenciada pelo iluminismo, assim, as normas estariam codificadas de maneira
a prever todas as condutas do meio social, sendo um código em completude do Direito, sem
espaços, interpretações valorativas, sendo a lei fonte única representada pela codificação.
Norberto Bobbio, elabora sete pontos fundamentais da doutrina juspositivista e alguns são
relevantes destacar aqui.28
O autor italiano estabelece pontos fundamentais, como o modo de abordar e encarar o
direito, e responde a isto considerando o direito como um fato e não como um valor.
Posteriormente, diz respeito à definição do direito, e define o direito em função do elemento da
coação, de onde deriva a teoria da coatividade do direito.29
Ainda, diz respeito á teoria da norma jurídica, considerando a norma como comando,
formulando uma teoria imperativista do direito. E por fim, Bobbio diz que o positivismo
jurídico sustenta a teoria da interpretação mecanista, que na atividade do jurista faz prevalecer
o elemento declarativo sobre o produtivo ou criativo direito, considerando o jurista uma espécie
de robô ou calculadora eletrônica. .30
“O positivista jurídico assume uma atitude científica frente ao direito já que, como dizia
Austin, ele estuda o direito tal qual é, e não tal qual deveria ser. O positivismo jurídico
representa, portanto, o estudo do direito como fato, não como valor.” 31Estando à norma
codificada aplica-se como mencionado no parágrafo retro a teoria da coatividade do direito, a
norma além de positivada deve estabelecer sanção aos seus violadores, para que a mesma possa
ter eficácia e aplicabilidade.
No primeiro momento analisou-se a norma jurídica isoladamente, posteriormente
veremos um conjunto e complexo de normas que se constitui num todo, o ordenamento jurídico.
“As normas jurídicas nunca existem isoladamente, mas sempre em um contexto de normas com
27 Idem - O positivismo jurídico: Lições de filosofia do direito – São Paulo – Editora: Ícone, 2006, p.63. 28 Ibidem, p. 131 29 Ibidem, p. 131 30 Ibidem,p. 133 31 Ibidem, p. 136
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relações particulares entre si (e estas relações serão em grande parte objeto de nossa análise).
Esse contexto de normas costuma ser chamado de “ordenamento”.” 32
Bobbio, ao fazer essa análise sobre o ordenamento jurídico como um conjunto de
normas, trabalha com a completude do direito, estritamente ligado a certeza do direito. “Por
“completude” entende-se a propriedade pela qual um ordenamento jurídico tem uma norma
para regular qualquer caso. Uma vez que a falta de uma norma se chama geralmente “lacuna”
(num dos sentidos do termo “lacuna”), “completude” significa “falta de lacunas”.” 33
Além de dizer ser positivista diferentemente de Kelsen reconhece a possibilidade de
brechas no sistema, defende o autor ainda, o dever do juiz julgar com base em normas
pertencentes ao sistema, sendo vedado a ele de se abster da sua função de julgar. A base dos
ordenamentos fundados sobre o dogma da completude, como já foi dito, é o Código Civil
Francês, cujo artigo 4º diz: “O juiz que recusar julgar, a pretexto do silêncio, da obscuridade ou
da insuficiência da lei, poderá ser processado como culpado de denegar a justiça.” 34 Na França
à escola jurídica que após a codificação foi se fortalecendo com esse pensamento é designada
como escola da exegese. .
Com pensamento antagônico ao da escola da exegese surge à escola do Direito livre
influenciada pelo jurista alemão Eugen Ehrlich, segue pensamento defendido pela escola do
Direito livre e as críticas feitas pela mesma:
Os sustentadores da nova escola afirmam que o Direito constituído está cheio
de lacunas e, para preenchê-las, é necessário confiar principalmente no poder
criativo do juiz, ou seja, naquele que é chamado a resolver os infinitos casos
que as relações sócias suscitam, além e fora de toda a regra pré-constituída.35
É por meio dessas críticas, que se eclodiu na contemporaneidade o pensamento de
autores Pós-Positivistas como: Chaïm Perelman, Jürgen Habermas e Robert Alexy. A lato sensu
os teóricos Pós-Positivistas, acreditam que o conhecimento humano não é baseado no
incontestável, as leis não são irrefutáveis, não há completitude das normas, pois as lacunas de
fato existem já que nossas ações são hipotéticas, assim, impossível estar todas elas enumeradas
no ordenamento jurídico.
32 Idem - Teoria do Ordenamento jurídico – Brasília – Editora Universidade de Brasília. 10ª edição,
1999, p.19. 33 Ibidem, p. 115. 34 Ibidem, p. 118. 35 Ibidem, p. 123.
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Enseja então um espaço para a interpretação abrangente das normas, para que seja
possível ao julgador decidir diversos casos a ele apresentado sem alegar omissão de norma
jurídica expressa e, não se abstenha jamais da sua função de julgar. É com a teoria do discurso
racional como teoria da fundamentação jurídica que se oferece a solução da celeuma. Alexy
apresenta essas teorias e propõe desenvolve-las oferecendo tal como modelo, assunto a ser
tratado no próximo capítulo.
VI. TEORIA DA ARGUMENTAÇÃO JURÍDICA.
A proposta Pós-positivista apresenta teorias que propõe resolver os problemas não
solucionados pelo Positivismo, assim como o poder discricionário do julgador.
“Os textos legais constituem um elemento, mas não o único ponto de partida, da
interpretação jurídica.” 36 A lato sensu os teóricos do pós-positivismo jurídico defendem a
razoabilidade do positivismo, equilibrando segurança jurídica e equidade, sempre em busca do
bem comum sobre os fins admitidos na norma. Nesse sentido é necessário ressaltar os escritos
de Chaïm Perelman:
Sem negar a autoridade do legislador, admitir-se-á que sua vontade não pode
ser arbitrária, que os textos que adota devem cumprir uma função reconhecida,
promover valores socialmente aceitos. Sem ser a expressão de uma razão
abstrata, supor-se-á que, para ser aceito e aplicado, o direito positivo deve ser
razoável, noção vaga que expressa uma síntese que combina a preocupação da
segurança jurídica com a da equidade, a busca do bem comum com a eficácia
na realização dos fins admitidos. Será no juiz, bem mais do que no legislador,
que se confiará para a realização dessa síntese, aceita porque razoável
(vernünftig). É impossível fornecer, de uma vez por todas, o critério do
razoável. Como todas as idéias vagas, esta será mais facilmente reconhecida
de uma forma negativa: o acordo sobre o desarrazoado permite, por exclusão,
aproximar-se do razoável.37
Como observou - se no Positivismo jurídico, o fundamento da validade do Direito está
adstrito ao que esta na norma positivada. Em contrapartida os pós-positivistas apresentam
objeções a esse pensamento, procuram dirimir um conflito axiológico entre a força dos
argumentos e a lei codificada, e que por ora aquela será conferida ao juiz. Sendo assim, é
36 PERELMAN, Chaïm – Ética e Direito – São Paulo, Editora Martins Fontes – 1996, p. 622. 37 Ibidem, p. 463.
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necessário uma Teoria da Argumentação, ou seja, uma nova retórica, ponto este destacado por
Perelman.
“O conceito básico da teoria de Perelman é o de auditório (auditoire). Este é o conjunto
daqueles sobre os quais o orador quer influir por meio de sua argumentação.” 38 O autor
partindo da retomada da tradição da antiga retórica, pensamento de Aristóteles, objetiva
elaborar o estudo do discurso persuasivo, colocando a retórica como ferramenta indispensável
para tornar o direito mais democrático. Nesse sentido vale observar:
O papel da retórica se torna indispensável numa concepção do direito menos
autoritária e mais democrática, quando os juristas inistem sobre a importância
da paz judiciária, sobre a idéia de que o direito não deve somente ser
obedecido, mas também reconhecido, que ele será, aliás, tanto mais bem
observado quanto mais largamente aceito. 39
Perelman, visando uma democracia mais ampla para o direito atribuiu ao julgador à
tarefa de solucionar as lacunas da lei e paliar suas antinomias, tendo a faculdade de escolher
uma ou outra interpretação ao texto legal. Sobretudo esta interpretação deve ser argumentativa
e racional, partindo do discurso de auditório universal, só se pode persuadir mediante
argumentos racionais. 40
O autor ainda distingue a diferença entre persuadir e convencer. “Quem busca somente
o acordo de um auditório particular persuade; quem se esforça em alcançar o auditório universal
quer convencer.” 41. Afirma que é possível se obter diferentes formas de se argumentar, ainda
que os esforços subjetivos sejam os mesmos e em proporção igual à objetiva. 42
Surge um contratempo, se a solução desses conflitos é essencial dentro do direito, como
podem justificar as decisões tomadas? Qual raciocínio de fato deve ser utilizado pelo juiz? É
com base nesses inconvenientes que nos valemos da teoria do discurso prático racional de
38PERELMAN, Chaïm – The New Rhetoric, em: Progmatics of Natural languages, org. por y. Bar-
Hillel, Dordrecht-Holanda, 1971, p. 145 Apud Alexy, Robert – Teoria da Argumentação Jurídica: a
teoria do discurso racional como teoria da fundamentação jurídica – 3ª Ed. – Rio de Janeiro: Forense,
2013, p.159. 39 PERELMAN, Chaïm – Ética e Direito – São Paulo, Editora Martins Fontes – 1996, p.554. 40 Idem, Apud ALEXY, Robert - Teoria da Argumentação Jurídica: a teoria do discurso racional como
teoria da fundamentação jurídica – 3ª Ed. – Rio de Janeiro: Forense, 2013, p. 162 41 La Nauvelle Rhétorique, pág. 36; PERELMAN, Reply to Mr. Zaner, pág. 169, Apud – ALEXY,
Robert – Teoria da Argumentação Jurídica: a teoria do discurso racional como teoria da fundamentação
jurídica – 3ª Ed. – Rio de Janeiro: Forense, 2013, p. 165. 42 ALEXY, Robert - Teoria da Argumentação Jurídica: a teoria do discurso racional como teoria da
fundamentação jurídica – 3ª Ed. – Rio de Janeiro: Forense, 2013, p.164 ,165
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Alexy, que com base no pensamento de Perelman, elabora sua teoria a fim de trazer solução a
essas controvérsias.
Na teoria do discurso prático racional de Alexy, o autor estabelece teorias do discurso
possíveis, classificando-as como empírica, analítica ou normativa. Afirma que a teoria do
discurso racional é uma teoria normativa. “Finalmente, é normativa quando nela se estabelecem
e fundamentam critérios para a racionalidade do discurso.” 43. Acredita que nela é possível
verificar como podem fundamentar as regras do discurso. Contempla o autor, sobretudo, as
regras do discurso delimitando em quatro categorias, são elas: fundamentação técnica,
empírica, definitória e a fundamentação progmático-transcendental ou pragmático-universal.44
A fundamentação técnica consiste em contemplar as regras do discurso como as que
prescrevem os meios para determinar os fins. Na fundamentação empírica consiste em
determinadas regras que são consideradas de fato, regras que correspondem a princípios
normativos realmente existentes. Já a fundamentação definitória, aqui trata - se de jogos de
linguagem, que de fato existem ou são hipotéticos. Por fim, a fundamentação progmático-
transcendental caracteriza por ser uma comunicação lingüística, porém, o termo
“transcendental” expressão marcada por Kant, foi contestada por Habermas, por isso, propõe-
se possíveis processos de comunicação, ou seja, o pragmatismo-universal.
Alexy embora tenha exposto essas formas de fundamentação, diz-se que não pretendem
serem estas completas, declara que nenhum modo de fundamentação esta livre de pontos
frágeis. “Se os resultados encontrados no discurso não podem pretender uma certeza definitiva,
é necessário que sua revisão seja sempre possível”.45 Com isso apresenta a transição para o
discurso jurídico.
O discurso prático geral se diferencia do discurso jurídico porque aqui possui um marco
de que a argumentação jurídica se caracteriza vinculando ao direito vigente. O discurso jurídico
é tratado como caso especial em relação ao discurso prático geral. No discurso jurídico Alexy
estabelece a pretensão da correção.
Nessa pretensão afirma-se, que a sentença proferida ou o enunciado jurídico, além de
ser racional, deve também ser racionalmente fundamentado dentro do contexto do ordenamento
jurídico válido, ou seja, vigente. Permanece aqui a idéia de Perelman, se quer modificar o
precedente deve - se indicar as razões para essa mudança de maneira fundamentada.
43Ibidem, p. 180. 44 Ibidem, p. 180 45 Ibidem, p. 204.
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As decisões devem estar fundamentadas de acordo com o direito em vigor e possuir a
pretensão da correção. Para maior esclarecimento, faz-se a seguinte suposição, ainda que
hipoteticamente certo juízo venha proferir sentença condenando o agente sob a acusação de
homicídio e fundamente em sua decisão dizendo: condeno o agente B sob a acusação de
homicídio ainda que não haja razões probatórias para isso. É possível verificar que não há nessa
decisão a pretensão da correção, pois não foi fundamentada racionalmente.
Alexy analisa exemplos próximos a esse, e vai dizer que a sentença é válida, porém,
defeituosa não só por questões morais, aponta ainda o fato de existir deliberações jurídicas para
discutir intensamente a correção de uma decisão para se buscar a decisão efetivamente mais
correta.
Dentro da Ciência do Direito não se pretende que essas proposições normativas a serem
fundamentadas, tenham um acordo mútuo num embate sem limites, pretende que sob a
orientação do ordenamento jurídico vigente esteja de acordo com essas proposições. Portanto,
a teoria do discurso racional se mostra adequada e especialmente necessária para a melhor
compreensão teórica da argumentação.
Sobretudo, questiona-se, o que será uma fundamentação racional no ordenamento
jurídico vigente? É com fundamento nesse questionamento que Alexy vai responder traçando
linhas fundamentais de uma teoria da argumentação jurídica, sendo a justificação interna e a
justificação externa.
A princípio a justificação interna é amplamente discutida como silogismo jurídico, aqui
diz respeito à lógica interna da decisão, verificando se a decisão segue as razões apresentadas,
que podem ser questões de fato e de direito. Verifica-se se a decisão é uma conclusão certa sob
a análise das premissas apresentadas.
A premissa maior é a norma posta e a menor os fatos que são expostos. Na justificação
interna o autor diz que a satisfação da justificação é feita por meio de regras universais.
Observando uma regra que obriga tratar da mesma maneira todos os seres que estão numa
mesma categoria.
Já na justificação externa o objetivo é fundamentar as premissas utilizadas na
justificação interna. Nesta justificação a argumentação é mais abrangente, Alexy classifica em
seis grupos as formas de justificação, vejamos:
As formas de argumentos e as regras de justificação externa podem classificar-
se, grosso modo, em seis grupos: regras e formas (1) de interpretação, (2) da
argumentação da Ciência do Direito (dogmática), (3) do uso dos precedentes,
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(4) da argumentação prática geral e (5) da argumentação empírica, assim como
(6) das chamadas formas especiais de argumentos jurídicos. 46
Avista-se no texto citado, que mediante a justificação externa é possível utilizar diversas
formas de interpretação. “A tarefa de uma teoria da justificação é, em primeiro lugar, a análise
lógica das formas de argumentação que se reúnem nestes grupos.” 47
Enfim, mediante as considerações feitas à teoria do discurso racional, ela se aproxima
melhor de uma teoria da fundamentação jurídica, mais precisamente quando se refere ás
justificações interna e externa, para maiores conclusões, segue as considerações feitas durante
todo o estudo deste artigo.
VII. CONCLUSÃO.
O estudo empreendido neste artigo, busca esclarecer primeiramente, as origens da
tripartição dos poderes da União, e ressaltar sua importância. Atentando também para a violação
do princípio da separação dos poderes quando passa a haver disparidade entre estes.
Propôs-se aqui a analisar o ativismo judicial exacerbado, elaborando crítica a essa
atuação intensa e desproporcional do judiciário apontando assim, riscos para a legitimidade
democrática, como a possibilidade de existir um poder hegemônico ou um governo feito de
juízes.
Contudo, pondera-se a necessidade de termos um poder judiciário vivo para garantir a
eficácia e aplicação das nossas leis, o judiciário é um órgão que deve ser ativo, mas com
proporções aceitáveis dentro do Estado democrático de direito. Temos um embate nessa
questão, com o seguinte questionamento: Como deve ser fundamentada a decisão judicial de
fato? Quais são os seus limites?
Para responder a essas questões e sanar as incontroversas, investigamos a proposta Pós-
positivista que tem a pretensão de solucionar os problemas não resolvidos pelo Positivismo
Jurídico. Para isso propomos a Teoria da Argumentação Jurídica de Alexy, que sob a égide da
Teoria do Discurso Racional, apresenta um discurso voltado para a retórica com força nos
argumentos.
É com a justificação interna e externa que propõe – se fundamentar racionalmente as
decisões. Na justificação interna, é necessário verificar todas as premissas sobre as quais a
46 Ibidem, p. 229. 47 Ibidem, p. 229.
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decisão se fundamenta de maneira lógica evitando falácias. A justificação externa vai dizer que
todas as premissas devem ser fundamentadas, é considerado o campo próprio para a
fundamentação. É aqui que a teoria do discurso racional tem maior colaboração.
Enfim, entendemos que pela modernidade e evolução social, é necessário admitir a
aplicação do ativismo judicial de forma moderada, ou seja, à existência de uma argumentação
jurídica que não invada a competência do legislativo, atuando de maneira eficaz na sua
jurisdição sem adentrar em questões que não lhe compete, para isso nos valemos da Teoria do
Discurso Racional com a aplicação da justificação interna e externa da decisão, evitando assim,
que tenhamos uma instância hegemônica e conseqüentemente a violação ao princípio da
separação dos poderes.
É com a aplicação da Teoria do Discurso Racional proposta por Alexy, que se acredita
na aproximação melhor da solução buscada aqui, tornando o aplicador do Direito a sentenciar
racionalmente num ordenamento jurídico incompleto que pelas características da interpretação
jurídica oferece as mais distintas dificuldades de interpretação.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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– Tradução: Gercélia Batista de Oliveira Mendes, 2009.
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Editora: Ícone, 2006.
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BULOS, Uadi Lammêgo – Curso de Direito Constitucional – 4ª ed. Reformulada e atualizada.
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