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Carlos Eduardo Moretti

O Lean Thinking Aplicado ao Agronegócio

1. INTRODUÇÃO

s significativos resultados obtidos pela Toyota através da aplicação do Sistema Toyota de Produção (STP) ou simplesmente “Lean” – como é

chamado por muitos – fizeram com que, gradativamente, o sistema rompesse as barreiras da manufatura e passasse a ser disseminado em áreas tais como serviços, saúde e entretenimento, por exemplo. Uma busca no Google utilizando-se a frase “Sistema Toyota de Produção” retorna, aproximadamente, 1.000.000 de resultados. O site Amazon.com oferece mais de 7.000 títulos sobre o tema Lean. Contudo, o Manufacturing Performance Institute de Cleveland-USA constatou, em novembro de 2007, que entre quase 450 empresas pesquisadas, apenas 2% atingiram os resultados esperados com a implantação do Lean e que, aproximadamente, 75% obtiveram pouco ou nenhum progresso!

A diferença entre o sucesso e o fracasso de um processo de implantação do Lean reside na capacidade dos agentes de provocar uma mudança da Cultura Organizacional. Em seu artigo “Coming to a new awareness of organizational

culture” (Sloan Manager Review), Edgar Schein definiu Cultura Organizacional como sendo o...

“Conjunto de crenças que um grupo desenvolveu ao aprender a

lidar com problemas de adaptação externa ou integração

interna, que funcionou bem o suficiente para ser considerado

válido e, portanto, transmitido a novos membros como a forma

correta de pensar, perceber e se sentir em relação a esses

problemas.”

Em resumo, uma vez que a aplicação de uma prática provou ser reiteradamente eficaz em determinadas situações, os membros de um grupo não mais questionarão se devem ou não utilizá-la: todos a utilizarão de forma instintiva e não por uma decisão explícita.

Schein afirmou ainda que uma Cultura Organizacional pode ser dividida em três níveis (Figura 1):

O

2007 2006 Nenhum progresso 12,8% 19,6% Pequeno Progresso 61,1% 54,3%

Progresso Significativo 24,2% 24,7% Atingiu plenamente seus

objetivos 1,9% 1,4%

Tabela 1 (Fonte: Industrial Week – Census of US Manufacturers)

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Resumidamente, pode-se dizer que são quatro as Crenças das Pessoas da empresa Lean:

Crenças – Empresa Lean

1- Devemos projetar processos para que os problemas sejam notados “imediatamente”.

2- Todos devemos solucionar problemas e promover a Melhoria contínua 3- Devemos compartilhar o conhecimento gerado nos processos de

Solução de Problemas e de melhorias. 4- Líder=Mestre Líderes devem disseminar as 4 “crenças” nos membros

da equipe.

Figura 1 – Níveis da Cultura Organizacional

Artefatos (“Aquilo que vemos”): Tudo aquilo que é tangível, manifestado verbal ou visualmente em uma organização. São os elementos visíveis de uma Cultura e podem ser reconhecidos por pessoas que não são parte dela.

Normas (“Aquilo que dizemos”): É como os elementos de uma organização explicam o porquê de as coisas serem como são.

Crenças (“Aquilo que está em

nosso inconsciente”): Premissas básicas que estão profundamente enraizadas.

Figura 2 - Crenças das Pessoas da Empresa Lean

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2. EXEMPLO DE APLICAÇÃO NO AGRONEGÓCIO

Para ilustrar a aplicação dos conceitos discutidos no item 1, daremos como exemplo um projeto de implantação do Lean Thinking num de nossos clientes: uma empresa que presta serviços de terceirização de colheita e plantio mecanizado de cana de açúcar, para usinas de produção de etanol, no estado de Goiás.

Segue breve descritivo do processo: As mudas são colhidas (figura 1) em áreas indicadas pelo cliente, transportadas de caminhão a distâncias que variam de 20 a 60 quilômetros (figura 2), onde são plantadas (figura 3).

Figura 1 - Colheita da Muda

Figura 2 - Transporte

Figura 3 – Plantando as mudas

Figura 4 - Escolaridade

Não

completaram o

1º grau

2%

Completaram o

1º grau

22%

Não

completaram o

2º grau

42%

Completaram o

2º grau

32%

Completaram o

3º grau

2%

Dado o nível de educação formal de sua mão de obra (figura 4) e a necessidade deste efetivo lidar com equipamentos sofisticados, tais como computadores de bordo e GPS, os colaboradores foram treinados em normas e procedimentos desenvolvidos internamente para este fim. Inicialmente experimentou-se um salto na qualidade, com diminuição de retrabalhos, quebra de equipamentos, etc.

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Contudo, com o passar do tempo, as melhorias se degradavam, visto que as mudanças realizadas nos processos eram pontuais e não sistêmicas. Analisando esta situação, os diretores buscaram opções e entenderam que o Sistema Toyota de Produção seria a solução.

3. IMPLANTANDO O SISTEMA TOYOTA DE PRODUÇÃO -

AGRONEGÓCIO

FASE 1 - DESENHANDO PROCESSOS PARA QUE OS PROBLEMAS SEJAM

NOTADOS “IMEDIATAMENTE”

PADRÕES

Inicialmente, a produção (expressa em hectares1 plantados) que era medida mensalmente, passou a ser monitorada diariamente (figura 5), através de controles visuais, localizados na área de vivência, da frente de plantio.

De maneira qualitativa, chegou-se ao consenso de que os Padrões de produção não estavam sendo atingidos em função de problemas na operação dos diversos equipamentos e do elevado número de horas de manutenção corretiva nos mesmos. (Até aquele momento, não se mediam as horas improdutivas – “downtime”). Para garantir um Padrão na utilização e na checagem dos equipamentos (manutenção preventiva), foram criadas Instruções de Trabalho para as diversas etapas do processo, seguindo-se os conceitos do TWI (Training Within Industry):

1 1 hectare = aproximadamente, a área de um campo de futebol = 10,000 m

2

Figura 5 - Gestão Visual

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Primeiramente, foi realizada

Macro divisão das Atividades:

Em seguida, as atividades foram

divididas em Tarefas Centrais e

Auxiliares

As tarefas foram divididas em

etapas de treinamento

Por fim, para cada uma das etapas de

treinamento foram definidas as

etapas de execução e respectivos

pontos chave, justificativa para sua

realização e pontos de segurança.

Estes elementos foram transcritos

para as Instruções de Trabalho.

(figura 6)

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O passo seguinte foi a criação de Matrizes de Versatilidade: documentos que definem o grau de conhecimento atual de cada colaborador, em relação ao conteúdo das diversas Instruções de Trabalho (figura 7).

Figura 6- IT de Manutenção Preventiva de Distribuidora de Cana

Figura 7 - Matriz de Versatilidade da Sulcação

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A partir deste momento, experimentou-se o crescimento do “sentimento de propriedade” por parte dos operadores, visto que esta equipe passou a participar ativamente da conservação dos equipamentos. O número de horas de manutenção corretiva baixou sensivelmente.

Neste ponto, iniciou-se a definição de padrões de tempo de abastecimento de adubo (operação “gargalo”, naquele momento). Para tanto, foi utilizada a técnica de Troca Rápida de Ferramentas (TRF), onde o processo é filmado e decomposto em atividades, que posteriormente são reagrupadas ou eliminadas. (figura 8)

Figura 8 - Planilha de análise

A técnica de Troca Rápida também foi aplicada aos processos de abastecimento de adubo e de mudança de área de plantio, quando toda a estrutura de máquinas e equipamentos (tratores, área de vivência, caminhões de manutenção, plantadoras, entre outros) deve ser transportada a distâncias que podem chegar a 60 km.

Por fim, foram estabelecidos estrutura e cronograma de treinamentos. À medida que o cronograma avançou, passaram a ser registradas – para cada máquina – as horas paradas por necessidade de manutenção corretiva. Estes dados serviram para a verificação da eficácia do processo. O padrão de treinamentos baseado em Instruções de Trabalho facilitou, não só a multiplicação do conhecimento inerente a cada atividade, mas principalmente a verificação de sua correta utilização.

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CONEXÕES

Dado o grande número de variáveis no processo de plantio das mudas de cana fora do controle do pessoal da empresa (topologia, tipo de solo, variedade da cana, entre outros), foi impossível estabelecer-se o fluxo contínuo entre as operações de sulcação (que abre os sulcos e deposita adubo) e de plantio da muda (figura 3). Desta forma, estabeleceu-se um “estoque padrão” de 10 hectares de sulcos preparados, entre o trator sulcador e a plantadora. Este “estoque” intermediário foi suficiente para absorver as variações.

FASE 2 - TODOS SÃO RESPONSÁVEIS POR RESOLVER PROBLEMAS E

PROMOVER A MELHORIA CONTÍNUA

KAIZEN TEIAN

Nos primeiros 18 meses do programa, foram aprovados e implantados mais de 120 kaizens. Aproximadamente, 40% destes kaizens focaram em melhorias nos tratores e implementos, fato que veio reforçar o comprometimento dos colaboradores com o perfeito estado de funcionamento destes equipamentos.

Com a estrutura de treinamentos funcionando de forma adequada, os colaboradores passaram a ser treinados em Kaizen Teian – técnica que promove a melhoria contínua dos processos. Uma vez que todos os colaboradores haviam sido treinados, iniciou-se um sistema de premiação semestral, em função do número de kaizens aprovados por colaborador. Como prêmios são distribuídos brindes, tais como lanternas, fornos de micro-ondas, etc. São considerados válidos Kaizens que trazem benefícios relacionados à Segurança, Produção, Qualidade e/ou Custos, e/ou eliminam pelo menos 1 dos 7 desperdícios. O proponente também deve apresentar uma análise de causa raiz do problema, baseando-se nos “5 porquês”.

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5 PORQUÊS

A padronização das contramedidas é garantida através de revisões e/ou criação de novas Instruções de Trabalho. Em paralelo, pode-se checar a eficiência da do processo de manutenção preventiva e definidas ações para aprimora-las.

A3 DE SOLUÇÃO DE PROBLEMAS

Problemas complexos são resolvidos com auxílio de métodos científicos de Solução Problemas (Toyota Business Practices)

Em abril/14, o controle de produção passou a ser efetuado Hora a Hora: diariamente, considerando variáveis como topologia, tipo de solo, distâncias entre a colheita de mudas e plantio, o Coordenador de Plantio passou a prever a área a ser plantada no dia seguinte, dividindo este valor pelas horas disponíveis. No decorrer dos turnos, a quantidade de hectares plantados é checada a cada hora e, havendo desvios em relação ao padrão, a equipe se reúne, busca – através de um diagrama de Ishikawa – as causas raiz dos problemas e define as contramedidas cabíveis.

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FASE 3 - DEVEMOS COMPARTILHAR O CONHECIMENTO GERADO NOS

PROCESSOS DE SOLUÇÃO DE PROBLEMAS E DE MELHORIA

YOKOTEN (APRENDIZADO LATERAL)

Além das constantes atualizações das Instruções de Trabalho e respectivos treinamentos, os kaizens teian são exibidos aos colaboradores em quadros, durante o processo que vai desde sua proposição até sua implantação

4. RESULTADOS

Desde o início da implantação (24 meses), o principal indicador de produtividade – número de Hectares plantados por mês – experimentou um acréscimo de, aproximadamente, 30% (mantidos o número de máquinas e colaboradores).

5. PRÓXIMOS PASSOS

• Iniciar a implantação dos Círculos de Controle da Qualidade; • Implantar a Padronização de Trabalho da Liderança. • Diminuir o buffer de hectares sulcados entre o Sulcador e a Plantadora

O quadro de Yokoten fica num posto de gasolina, às margens de uma rodovia. Neste ponto de encontro, os trabalhadores tomam os ônibus que os levará até as áreas de colheita e plantio das mudas.

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Sobre o autor:

Carlos Eduardo Moretti: Formado em Engenharia pela Escola Politécnica da Universidade de São Paulo possui mais de 20 anos de experiência em melhoria de processos. Recebeu treinamento nas técnicas do Toyota Production System (TPS – Lean Manufacturing) diretamente dos Senseis da Toyota do Brasil, Canadá, Venezuela e Japão. Tem apoiado empresas dos segmentos de autopeças, gráfico, lavanderia industrial, produção de alimentos (food & pet food), lentes para óculos, produtos para higiene pessoal, calibração de instrumentos de medição, colheita e plantio mecanizados de cana de açúcar, projeto de tubos flexíveis, seguros e corretagem de seguros em sua jornada para alcançar a excelência no Pensamento Lean; no Brasil, Estados Unidos, México, Venezuela, Polônia e Itália. Palestrante convidado do curso de graduação em Engenharia de Produção da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo. Docente da Fundação Vanzolini. Palestrante do I Portugal Lean Summit e do X Fórum Nacional de Lean. Co-autor do livro “Toyota by Toyota: Reflections from the Inside Leaders on the Techniques That Revolutionized the Industry”, editado pela CRC Press.


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