Ministério do Trabalho e Emprego
Secretaria de Políticas de Públicas de Emprego
Plural Cooperativa de Pesquisa, Consultoria e Serviços
O papel das microfinanças no fortalecimento do empreendedorismo de
pequeno porte no Brasil: propostas de política pública
Reginaldo Sales Magalhães – mestrando do PROCAM/USP
Gilson Alceu Bittencourt – Mestre pelo IE/UNICAMP
Ricardo Abramovay – Professor Titular – Departamento de Economia da FEA e
PROCAM/USP – www.econ.fea.usp.br/abramovay/
Relatório final
NOTA: Este texto exprime estritamente a opinião de seus autores e não a posição
oficial das instituições que apoiaram a pesquisa de que ele se origina.
São Paulo, agosto de 2003.
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O PAPEL DAS MICROFINANÇAS NO FORTALECIMENTO DO
EMPREENDEDORISMO DE PEQUENO PORTE NO BRASIL:
PROPOSTAS DE POLÍTICA PÚBLICA
SUMÁRIO
APRESENTAÇÃO 3
1 ALCANCE DO EMPREENDEDORISMO DE PEQUENO PORTE NO BRASIL 7
1.1 DELIMITANDO O UNIVERSO 7
1.2 DUAS CARACTERÍSTICAS CENTRAIS 14
2 O ACESSO A SERVIÇOS FINANCEIROS COMO BASE DO DESENVOLVIMENTO
TERRITORIAL 22
2.1 INTRODUÇÃO 22
2.2 A DIFICULDADE DE ACESSO AO CRÉDITO 24
2.3 ATENUANDO A EXCLUSÃO FINANCEIRA 28
2.4 NOVOS ARRANJOS INSTITUCIONAIS 35
2.5 SUSTENTABILIDADE DOS PEQUENOS EMPREENDIMENTOS 36
2.6 O CRÉDITO ASSISTIDO 41
2.7 A VIABILIDADE DOS SERVIÇOS DE MICROFINANÇAS 42
3 O PROGRAMA DE MICROFINANÇAS 46
3.1 OBJETIVOS DO PROGRAMA DE MICROFINANÇAS 46
3.2 O REPASSE DOS RECURSOS DO FAT 46
3.3 CREDENCIAMENTO E CONTRATAÇÃO 49
3.4 CONTRATOS DE FINANCIAMENTO 51
3.5 FUNDO DE FOMENTO AO DESENVOLVIMENTO DO EMPREENDEDORISMO DE PEQUENO
PORTE 53
3.6 MONITORAMENTO DO PROGRAMA 56
BIBLIOGRAFIA 58
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APRESENTAÇÃO
O principal objetivo da política nacional de microfinanças é reduzir o impressionante
contraste entre a importância do empreendedorismo de pequeno porte no Brasil e seu
precário acesso a serviços financeiros. Não se trata apenas de sugerir mecanismos com
base nos quais se ofereça crédito a segmentos até aqui distantes do setor bancário. Ao
crédito devem somar-se não apenas os seguros e a poupança, mas, sobretudo serviços
variados, capazes de fortalecer os negócios subjacentes às atividades financeiras dos
indivíduos e das famílias.
A política nacional de microfinanças apóia-se em três premissas centrais. Em primeiro
lugar, ela não considera o “empreendedorismo de pequeno porte” (Sachs, 2002) como
resquício do passado ou momento transitório da existência de indivíduos prestes a
ingressar no mercado de trabalho assalariado. É bem verdade que, uma parte dos nano e
micro-empreendedores iniciam suas atividades por falta de alternativa no mercado de
trabalho, como mostram as informações da mais importante pesquisa nacional sobre o
tema, a Economia Informal Urbana, ECINF, publicada pelo IBGE em 1999. Mas a
perenidade dos negócios, os vínculos de proximidade em que se apóiam, a experiência
adquirida em sua gestão, e as funções sociais que preenchem, não permitem que sejam
encarados como uma forma de organização efêmera e obsoleta a ser sepultada juntamente
com as péssimas condições sociais que hoje a caracterizam. Por maiores que sejam as taxas
de crescimento econômico dos anos vindouros, não serão capazes de atrair ao trabalho
assalariado, a maioria dos indivíduos e das famílias que, durante anos, vêm sobrevivendo
graças à experiência e aos conhecimentos adquiridos na condução de pequenos
empreendimentos (Veiga, 2003). Portanto, o objetivo estratégico da política nacional de
microfinanças é promover o fortalecimento, a expansão e a competitividade do
empreendedorismo de pequeno porte.
A segunda premissa postula a importância de que as microfinanças respondam ao que a
literatura internacional (Meyer, 2003) tem chamado de triângulo da sustentabilidade: as
organizações que oferecem serviços financeiros a populações sem acesso ao sistema
bancário devem ser avaliadas por três fatores básicos: pelo alcance social de suas
operações, pelo impacto sócio-econômico de seus serviços e pela própria
sustentabilidade financeira de suas estruturas. O triângulo está organicamente articulado:
atingir populações vivendo próximo à linha de pobreza com base em organizações não
sustentáveis sinaliza para precário impacto sócio-econômico dos serviços financeiros
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colocados a sua disposição. Por outro lado, é óbvio que a sustentabilidade financeira das
organizações, por si só, significa pouco, quando não se apóia na real incorporação dos que
vivem próximo à linha de pobreza aos serviços oferecidos. E, último vértice do triângulo,
dotar de crédito os mais pobres sem que isso tenha impacto na melhoria das condições de
funcionamento de seus empreendimentos econômicos não justifica a construção de uma
política pública de caráter nacional.
É exatamente daí que vem a terceira premissa da política nacional de microfinanças. Um
exame superficial dos números agregados parece mostrar que a exclusão financeira
(Servet e Vallat, 2001; Servet e Guérin, 2002) reduz-se nitidamente no Brasil
contemporâneo: aumenta o número de contas bancárias e a quantidade de equipamentos
colocados à disposição dos usuários. Basta, entretanto, segmentar as regiões e o público
beneficiados para constatar que a maioria dos brasileiros encontra-se distante não só do
crédito, mas de praticamente todos os serviços bancários que poderiam abrir-lhes
oportunidades de melhor gerir seus orçamentos e seus negócios. Razão pela qual a política
nacional de microfinanças tem a missão central de corrigir as falhas de mercado que
afastam as populações e as regiões mais pobres do acesso aos serviços financeiros
fundamentais para sua reprodução social. O critério fundamental de avaliação da política
de microfinanças está em seu poder de reduzir a exclusão financeira que compromete as
capacidades das populações vivendo próximo à linha de pobreza e diminui o alcance
econômico e social do empreendedorismo de pequeno porte no Brasil.
O Estado brasileiro dispõe hoje, por meio do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT), de
recursos abundantes, que poderiam destinar-se a financiar o empreendedorismo de
pequeno porte. Foi fundamentalmente com base nestes recursos que se construiu um dos
mais importantes programas de microcrédito do mundo, o PRONAF (Programa Nacional
de Fortalecimento da Agricultura Familiar), que abriu o financiamento agropecuário a
centenas de milhares de famílias que jamais haviam obtido anteriormente qualquer serviço
bancário. Das 4,2 milhões de unidades familiares de produção agropecuária 750 mil (18%
do total) têm hoje acesso ao crédito, por meio do setor bancário, e, fundamentalmente, do
Banco do Brasil. Ora, das 9,5 milhões de empresas familiares não agrícolas estimadas pelo
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IBGE em 1997 (1), no âmbito da “economia informal urbana”, apenas 205 mil (2,2%)
tiveram acesso a crédito em bancos públicos ou privados.
Como ampliar este universo, atingindo populações que hoje estão distantes dos bancos,
estimulando sua geração de renda, o alargamento de suas oportunidades e permitindo a
construção de organizações economicamente sustentáveis e cuja força reflita sua
contribuição ao desenvolvimento das localidades onde se encontram? Este texto aborda
apenas parte da resposta a esta questão e concentra-se nas ações ao alcance do Ministério
do Trabalho e Emprego, especialmente no que se refere ao FAT. As medidas aqui
propostas são complementares a um conjunto recente de deliberações – que na prática
contribui para o fortalecimento das microfinanças e do empreendedorismo de pequeno
porte – voltadas a ampliar o público com acesso a serviços financeiros no Brasil e,
especialmente, o financiamento de suas atividades empreendedoras.
O foco aqui está em políticas que possam contribuir para que os recursos do FAT cheguem
a segmentos sociais que a ele dificilmente têm acesso, no âmbito de uma engenharia
institucional que reforce os laços dos empreendedores de pequeno porte com os mercados
em que se inserem e de que dependem. Isso não será alcançado por um só tipo de
organização. Os bancos terão aí um papel decisivo, mas nem de longe exclusivo.
Cooperativas de crédito, Organizações Não Governamentais, diferentes modalidades de
correspondentes bancários, são algumas das formas organizacionais que contribuirão para
reduzir a exclusão financeira no Brasil. O desafio maior consiste em fazer com que as
políticas e os recursos públicos estimulem este conjunto variado de organizações a oferecer
serviços para segmentos da população que até hoje pouco se beneficiaram com a força do
sistema financeiro nacional.
Antes da formulação das propostas que deverão compor o Programa Nacional de
Microfinanças, este trabalho discute os critérios de estratificação daquilo que hoje se
chama de “microempresa” no Brasil e apresenta algumas das características básicas do
empreendedorismo de pequeno porte que justificam a existência de um conjunto de
medidas governamentais voltadas a seu fortalecimento e das quais as microfinanças têm
papel de destaque (parte 1).
1 Nem todas as 9,5 milhões de empresas (9.477.973) são estritamente familiares. Há 8,2 milhões “por conta própria” e 1,3 milhão classificadas como pertencentes a um “empregador”. As empresas com 3 pessoas ou mais trabalhando são 776 mil. No interior deste universo há muitas em que trabalham mais de um membro da família. Portanto, na sua esmagadora maioria, o empreendedorismo de pequeno porte estudado na ECINF corresponde a empreendimentos onde o trabalho é fundamentalmente, ainda que não exclusivamente familiar.
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A parte 2 do trabalho procura discutir diferentes facetas de uma política de fortalecimento
do empreendedorismo de pequeno porte por meio das finanças de proximidade, o alcance e
os limites das medidas recentes de ampliação do acesso a serviços financeiros. O
importante aqui é que a ampliação na oferta dos serviços financeiros liga-se organicamente
à própria viabilidade dos negócios financiados e a um ambiente que favoreça as iniciativas
e os negócios do público ao qual se volta ao programa. São apresentadas então sugestões
práticas de políticas tanto para segmentar o público (expostas na primeira parte do
trabalho), como para estimular atividades de formação e de fortalecimento do ambiente
empresarial local por parte das organizações financeiras.
Por fim, a terceira parte do trabalho propõe medidas concretas que podem ampliar as
possibilidades de que os recursos do FAT cheguem a organizações de fato interessadas no
fortalecimento do empreendedorismo de pequeno porte, por meio da ampliação da base
social de organizações que oferecem serviços financeiros de proximidade.
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1 ALCANCE DO EMPREENDEDORISMO DE PEQUENO PORTE NO BRASIL
1.1 Delimitando o universo
Um dos principais obstáculos à ampliação da oferta de serviços financeiros para o
empreendedorismo de pequeno porte está em sua inadequada delimitação legal e
estatística. O Brasil possui uma lei da micro e pequena empresa e uma capilarizada
organização nacional voltada especialmente a seu fortalecimento (o Serviço Brasileiro de
Apoio às Micro e Pequenas Empresas – SEBRAE) cujo papel tem sido, de fato, cada vez
mais importante. As definições existentes são, porém, tão genéricas, que contribuem ao
reforço de um atendimento que só contempla as necessidades dos segmentos de maior
renda entre os empreendedores. O SEBRAE, por exemplo, classifica como micro o
empreendimento industrial que possui até 19 empregados e o de comércio e serviços
que possui até 9 empregados. A pequena empresa industrial fica no limite entre 20 e 99
empregados e a de serviço e comércio entre 10 e 49 empregados. Já a lei 9.841 de
5/10/99 estabelece em R$ 244 mil o limite em que uma empresa é classificada como micro
(e em R$ 1,2 milhão, como pequena) para finalidades fiscais.
O que chama a atenção é a distância entre o universo assim delimitado e aquele que pode
ser encontrado quando se estudam as informações disponíveis sobre o empreendedorismo
de pequeno porte, no Brasil. É interessante, para isso, comparar as pesquisas sobre os
empreendimentos formais com o abrangente estudo sobre a “Economia Informal
Urbana”.(IBGE, 1999). Quando se aplicam os critérios do SEBRAE e da lei 9.841 às
informações do CEMPRE (Estatísticas do Cadastro Central de Empresas, IBGE, 2002) e
da Pesquisa Anual do Comércio (PAC, IBGE, 2003) – ambas do IBGE e ambas sobre a
economia formal – conclui-se que mais de 90% das empresas formais brasileiras podem
ser classificadas como micro. Mas quando se compara este universo ao da Economia
Informal Urbana, percebe-se uma distância social cuja ignorância pode comprometer
seriamente o alcance da política nacional de microfinanças. Respeitadas as definições da
lei da microempresa e do SEBRAE, o resultado é que a esmagadora maioria do
empreendedorismo de pequeno porte – e aquele que a maior distância se encontra do
sistema bancário – não será alcançada pela política pública. A política nacional de
microfinanças parte de uma delimitação do universo do empreendedorismo de pequeno
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porte que não pode ter base nem nas definições legais de microempresa, nem nas do
SEBRAE.
No CEMPRE (Estatísticas do Cadastro Central de Empresas, IBGE, 2002) estão
registradas 4,1 milhões de empresas formais (dotadas de um CNPJ). Suas informações
são estratificadas por faixa de pessoal ocupado (2). Destas, 409 mil empresas são
industriais e, entre elas, apenas 26 mil possuem mais de 30 empregados (3). As que
possuem 10 empregados ou mais somam 78 mil: as microempresas (pelo critério do
SEBRAE) industriais devem, portanto, corresponder a quase 90% do universo total das
indústrias. Dos 2.052.478 de empreendimentos comerciais (“comércio, reparação de
veículos automotores, objetos pessoais e domésticos”), estudados pelo IBGE, nada menos
que 1.955.199 (95%) constituem-se de microempresas pelo critério do SEBRAE. Na recém
divulgada Pesquisa Anual de Comércio (PAC, IBGE, 2003), existem 1.286.342 empresas
comerciais (a definição é um pouco diferente da que consta no CEMPRE, daí o número
menor), das quais 94% têm menos de 10 empregados. Infelizmente o CEMPRE não
estratifica o universo das empresas por valor da receita, o que não permite verificar o
universo que a lei 9.841 define como pertencente à micro e à pequena empresa.
A Pesquisa Anual do Comércio de 2002 (IBGE, 2003, tabela 4) faz esta estratificação, mas
a primeira faixa de receita em que o universo é subdividido vai até R$ 300 mil (bem acima
do teto da microempresa, R$ 240 mil, definido na lei) e abrange 1.167.409 das 1.268.342
empresas estimadas (92% do total).
O que estas informações mostram é menos a importância social da microempresa no Brasil
do que a necessidade de conhecer suas diferenciações internas para que a política nacional
de microfinanças possa beneficiar os segmentos que mais dela necessitam. Manter
definições tão genéricas quanto as da legislação atual e a do SEBRAE é um convite a que a
política se volte aos segmentos superiores do universo assim definido: tanto mais quanto
mais tênues são os limites que separam seus diversos segmentos.
2 Para que se tenha uma idéia da distância que pode separar o universo formal do real basta comparar o CEMPRE com o Censo Agropecuário. Enquanto o CEMPRE encontrou 26.554 empresas na “agricultura, silvicultura e exploração florestal” em 2000 (IBGE, 2002), o Censo indica nada menos que 4,8 milhões de estabelecimentos em 1996. Como a esmagadora maioria dos empreendimentos agropecuários (inclusive os patronais) não tem CNPJ, deixa simplesmente de constar do CEMPRE. É verdade que se trata de uma particularidade da agricultura, mas não é menos certo que uma imensa quantidade de empreendimentos econômicos fica fora daquelas estatísticas que se referem a negócios formais.3 A estratificação do IBGE faz os cortes em 0 a 4, 5 a 9, 10 a 29, 30 a 49, 50 a 99, 100 a 499 e 500 e mais empregados.
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Realizada em 1997 e divulgada em 1999, a pesquisa Economia Informal Urbana (ECINF)
é a mais importante base de análise sobre o empreendedorismo de pequeno porte em
atividades não agropecuárias. Ela não tem, infelizmente, o alcance de um censo
econômico, uma vez que se baseia em seleção de domicílios que, no âmbito da Pesquisa
Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), possuíam trabalhadores por conta própria e
empregadores com até cinco empregados. Mas o interesse maior da ECINF é que –
contrariamente aos censos econômicos – examina, ao mesmo tempo, dimensões
relacionadas às empresas e às famílias “rompendo com isso a rigidez de barreiras entre
pesquisas domiciliares e pesquisas de estabelecimentos” (IBGE, 1999:17). Além disso,
contrariamente ao Cadastro Central de Empresas (CEMPRE) do IBGE (2002), a ECINF
permite que as atividades dos informantes sejam estratificadas segundo o valor de seu
faturamento.
Apesar das restrições que se podem opor a sua base de cálculo esta estratificação é
essencial quando se pretende delimitar o universo do empreendedorismo de pequeno porte
no Brasil. As informações quanto às receitas, despesas, investimentos, crédito e dívidas do
estabelecimento foram levantadas apenas para o mês em que foi realizada a pesquisa,
outubro de 1997, mas, em alguns casos, referem-se ao período dos três meses anteriores. A
pesquisa não oferece medida da receita líquida dos estabelecimentos. Portanto, os dados
aqui expostos são muito mais indicações, ordens de grandeza, do que informações precisas
sobre a magnitude econômica dos empreendimentos. Além disso, a promessa de que a
ECINF seria realizada novamente em 2002 infelizmente não se cumpriu. Razão a mais
para que se considerem os dados aqui apresentados como aproximativos.
A ECINF estuda empresas do setor informal - definidas, não tanto, por sua situação
jurídica, mas pelo fato de possuírem, no máximo cinco empregados que desenvolveram
atividades não agrícolas, “independentemente do número de não remunerados e sócios”
(IBGE, 1999:25). Na explicação sobre “conceitos e definições” o IBGE diz: “foram
consideradas como empresas pertencentes ao setor informal aquelas cuja constituição
jurídica não pertencia ao grupo das Sociedades Anônimas e também, aquelas cujo
preenchimento da declaração anual do Imposto de Renda de Pessoa Jurídica em 1997, não
foi feito no formulário – Lucro Real”. Os graus de formalização deste universo são
variados: das 9,5 milhões de empresas estimadas, 3,2 milhões possuíam licença municipal
e 1,3 milhão possuíam constituição jurídica (4) (IBGE, 1999, tabela 10).4Em outras palavras, 1/3 das empresas possui formalização local e 14% delas formalização jurídica completa. A característica central destes empreendimentos está muito mais ligada a seu tamanho que a sua constituição
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O IBGE estratificou as empresas por classe de valor da receita obtida no mês de outubro de
1997. A tabela 1 mostra que das 9.477.973 milhões de “empresas do setor informal”,
4.777.961 tiveram receita até R$ 500,00 em outubro de 1997. A tabela propõe uma dupla
extrapolação: ela anualiza o valor de outubro de 1997, multiplicando-o por doze e atualiza-
o com base no INPC até julho de 2003. Claro que é impossível saber se outubro é um mês
típico o que exige precaução nos resultados aqui atingidos. Feita esta ressalva, as
4.777.961 de empresas, correspondentes a pouco mais da metade do universo total, teriam
tido um faturamento anual inferior a R$ 10.000,00 (R$ 9.577,00) caso a receita de outubro
de 1997 exprimisse média mensal e com base na atualização dos valores em que se apoiou
a estratificação proposta pelo IBGE para aquela data.
MAIS DA METADE DAS EMPRESAS FATURA ATÉ R$ 10 MIL POR ANO
TABELA 1. BRASIL: EMPRESAS DO SETOR INFORMAL, SEGUNDO AS CLASSES DE VALORES DA RECEITA EM OUTUBRO DE 1997.
Classes de valores da receita em
outubro de 1997 (R$)
Empresas do setor informal
Valor anual corrigido (R$)*
Número de empresas
Freqüência acumulada absoluta**
Número percentual de empresas**
Freqüência acumulada
percentual**1 a 100 até 1.915 1.154.476 1.154.476 12,58 12,58 101 a 200 1.916 a 3.830 1.283.680 2.438.156 13,99 26,57201 a 300 3.831 a 5.746 944.490 3.382.646 10,29 36,86301 a 500 5.747 a 9.577 1.395.315 4.777.961 15,21 52,07501 a 1.000 9.578 a 19.154 1.686.208 6.464.169 18,38 70,441.001 a 2.000 19.155 a 38.308 1.283.315 7.747.484 13,98 84,432.001 a 5.000 38.309 a 95.772 954.613 8.702.097 10,40 94,835.001 ou mais 95.773 ou mais 474.535 9.176.632 5,17 100,00Sem receita 236.430Sem declaração 64.912Total 9.477.973Fonte: IBGE – ECINF 1999.* Corrigido pelo INPC de outubro de 1997 a julho de 2003.** Para efetuar o cálculo não foram incluídas empresas sem receita ou sem declaração.
As empresas sem receita ou sem declaração correspondem a 3,17% do total pesquisado. A
camada superior das “empresas do setor informal” (474.535 unidades, segundo a tabela 1)
situadas na faixa que, em outubro de 1997, faturou R$ 5.000 e mais faturou menos da
metade do limite estabelecido na Lei da Microempresa.
jurídica.
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A tabela 2 deixa claro o contraste entre o critério de classificação do SEBRAE para
microempresa segundo o número de trabalhadores e a realidade detectada na ECINF: das
9.477.973 empresas, 7.545.317 ocupam apenas uma pessoa e outras 1.155.450 ocupam
duas pessoas. As que ocupam mais de cinco pessoas somam apenas 81 mil (1,4% do total).
O EMPREENDEDORISMO DE PEQUENO PORTE É FUNDAMENTALMENTE
INDIVIDUAL OU FAMILIAR
TABELA 2. BRASIL: EMPRESAS DO SETOR INFORMAL, POR NÚMERO DE PESSOAS OCUPADAS – 1997.
Empresas do setor informal Número de
pessoas ocupadas
Número de empresas
Freqüência acumulada absoluta* Percentual*
Freqüência acumulada percentual*
1 7.545.317 7.545.317 79,62 79,622 1.155.450 8.700.767 12,19 91,813 389.016 9.089.783 4,10 95,914 196.352 9.286.135 2,07 97,995 109.681 9.395.816 1,16 99,14
Mais de 5 81.114 9.476.930 0,86 100,00Sem declaração 1.043
Total 9.477.973Fonte: IBGE – ECINF 1999.* Para efetuar o cálculo não foram incluídas as empresas sem declaração. As empresas sem declaração correspondem a 0,011% do total pesquisado.
Por mais inexatos que sejam estes números - e arbitrária a extrapolação aqui tentada -
mostram, entretanto, a distância entre o tamanho econômico do empreendedorismo de
pequeno porte tal como caracterizado pela pesquisa do IBGE e os critérios a partir dos
quais são fixados os limites dos benefícios da política pública. É claro que em princípio, o
limite superior do universo não exclui que sejam contemplados os segmentos situados
abaixo do topo. Mas quanto maior a distância entre o piso do conjunto social visado
pela política e o topo de sua pirâmide, maior será a tendência de que sejam
beneficiados os segmentos que se encontram em melhor situação econômica: são os
que, provavelmente, têm melhores condições de responder às exigências do financiamento
bancário. Foi o que ocorreu, por exemplo, quando teve início o PRONAF. As primeiras
pesquisas sobre o tema (Abramovay e Veiga, 1999) mostram que, de fato, era familiar o
público beneficiado com seus financiamentos, em seus dois primeiros anos de
funcionamento. Entretanto, somente conseguiam crédito, agricultores que já tinham uma
certa relação com os bancos, com agroindústrias, situados em regiões mais prósperas e
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melhor integrados aos mercados. Foi necessário segmentar institucionalmente o público
para que os recursos chegassem efetivamente aos agricultores e às regiões de fato
excluídos até então do acesso ao Programa.
A política nacional de microfinanças deve ter como ponto de partida uma segmentação de
seu público beneficiário com critérios que favoreçam a inclusão daqueles empreendedores
situados bem abaixo do que a lei define como valor limite para o microcrédito. Mesmo o
limite de receita estabelecido no “PROGER-FAT empreendedor popular” (R$ 120 mil5)
parece excessivamente alto, diante do que mostram os dados da ECINF – ele está acima do
que seria o faturamento da camada situada no topo da pirâmide do empreendedorismo de
pequeno porte, pelo que mostra a tabela 1 - e não sinaliza para o esforço de alcançar a
grande maioria dos micro-empreendedores.
Esta é a razão pela qual, a política nacional de microfinanças deve adotar uma
segmentação do empreendedorismo de pequeno porte e definir modalidades de incentivo
(conforme proposto na parte três deste trabalho) para que determinadas parcelas dos
recursos públicos voltem-se especificamente aos setores com maiores dificuldades de
inclusão bancária.
TABELA 3 - UMA PROPOSTA DE SEGMENTAÇÃO DO PÚBLICO DE MICROFINANÇAS
Classes de valores de receita Número estimado de
empresas
Demanda potencial
(empresas)
Demanda potencial (valores)
Até R$ 10.000,00 4.800.000De R$ 10.001,00 a R$ 60.000,00 4.000.000De R$ 60.001,00 a R$ 240.000,00 500.000
Fonte: IBGE – ECINF 1999.
A demanda por crédito aumenta conforme o próprio volume de negócios das empresas.
Não há elementos para uma estimativa minimamente rigorosa desta demanda6. O que não
se pode dizer, entretanto, é que os menores negócios simplesmente recusam o crédito. Se o
acesso for facilitado, é bem provável que a demanda seja alta, ainda que em montantes
individuais pequenos e para giro de curto prazo. Esta é a razão pela qual os segmentos
superiores em classes de valores de receita deverão receber montantes proporcionalmente
maiores que os inferiores. Ainda assim, a política nacional de microfinanças deve criar
5 Neste programa deve ser observado o limite de pelo menos 80% dos recursos para beneficiários com faturamento anual do empreendimento de até R$ 60 mil sendo o restante para beneficiários com faturamento anual do empreendimento de até R$ 120 mil.6 Por isso a tabela 3 está em branco no que se refere à demanda por microcrédito.
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mecanismos para que aqueles com maior dificuldade de acesso possam, de fato, ser
contemplados com o crédito. É importante observar que, na tabela acima, não se incluem
as empresas do setor formal: as mais de 3,5 milhões que seriam classificadas pelos critérios
da legislação e os do SEBRAE como micro empresas. O pressuposto é que a grande
maioria destas empresas tem acesso ao crédito bancário. Seu problema maior é,
provavelmente, com as taxas de juros cobradas e não com o acesso a serviços financeiros.
Pode-se opor à visão aqui exposta dois argumentos básicos. O primeiro é de natureza
técnica e refere-se à imprecisão dos dados da ECINF. Quanto a isso, é importante insistir
que se trata muito mais de ordem de grandeza do que de quantidades e valores precisos.
Estes valores chamam a atenção para a distância entre as diferentes definições de
microempresa e o universo social definido pela mais importante pesquisa nacional
disponível a respeito do tema.
O segundo argumento é mais importante: os empreendimentos estudados pela ECINF
seriam tão precários que, na verdade, não demandariam crédito. O problema, neste caso,
não estaria na falta de oferta, mas na escassez da própria demanda de serviços financeiros,
derivada da pobreza da grande maioria dos empreendimentos econômicos estudados na
ECINF. Na verdade, não existem informações precisas que permitam testar cada uma
destas hipóteses (escassez de demanda ou obstáculo na oferta). As estimativas sobre a
demanda potencial de crédito no Brasil são muito variadas e em geral desprovidas das
informações sobre suas fontes (7). Todas, entretanto, convergem no sentido de afirmar que
a distância entre o universo atendido e o potencial é da ordem da dezena de milhões (8).
Um exame das características centrais das “empresas do setor informal” sugere fortemente
a existência de um vasto espaço para ampliar a quantidade de famílias e negócios
beneficiários do acesso a serviços financeiros, mesmo que os números a respeito não sejam
muito precisos. Mais importante do que reproduzir as informações imprecisas sobre o
assunto é reconhecer dois traços centrais da demanda por serviços financeiros do
7 13 milhões é um número citado com freqüência, na imprensa: refere-se, provavelmente (já que raramente mencionam-se as fontes da informação) à soma do número de empresas estimado pela ECINF e o número de microempresas do CEMPRE (formais). Mas é uma cifra nitidamente superestimada: nem todo o empreendedorismo de pequeno porte vai demandar crédito caso lhe seja ofertado; além disso, parte importante das microempresas formais tem acesso aos bancos.8 O CGAP (Grupo Consultativo de Ayuda a la Población Más Pobre do Banco Mundial), divide a oferta e a demanda de crédito microempresarial na América Latina em três grupos. Em primeiro lugar estão países como Bolívia, Honduras, Nicarágua e El Salvador cuja demanda - inferior a 500 mil clientes - é atendida quase inteiramente. Num segundo situam-se Paraguai, Guatemala, Peru, Chile, Colômbia, República Dominicana, Equador e Costa Rica, com uma demanda de 2,5 milhões de microempresários, dos quais cerca de 500 mil são atendidos. Por fim, México e Brasil não atendem 200 mil clientes de uma demanda potencial que chegaria a quase sete milhões (CGAP, 2001).
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empreendedorismo de pequeno porte: a unidade entre negócio e família e a perenidade das
empresas.
1.2 Duas características centrais
1.2.1 A unidade entre negócio e família
O traço mais importante do empreendedorismo de pequeno porte é que reúne família e
negócio numa unidade orgânica quase sempre indissolúvel: tanto mais, quanto menor for o
tamanho do empreendimento econômico. O mais importante teórico sobre o tema - o
economista e agrônomo russo Alexander Chayanov (1925/1986) - mostra que a fusão entre
domicílio e unidade produtiva não é um traço apenas da economia camponesa, mas de todo
empreendimento que se apóia fundamentalmente sobre o trabalho familiar e cuja renda
destina-se à cobertura das necessidades vitais da família.
A literatura internacional sobre o tema insiste na “fungibility” dos recursos financeiros de
que dispõe a família: não é raro que o dinheiro da aposentadoria sirva para fortalecer o
negócio, assim como um financiamento produtivo poderá ser crucial para enfrentar um
problema de saúde. Ao mesmo tempo, contar com recursos para enfrentar um problema de
saúde pode evitar que a família tenha que se desfazer de ativos decisivos para a
continuação do próprio empreendimento. Contrariamente às empresas regidas por claras
exigências contábeis, na grande maioria do empreendedorismo de pequeno porte os
recursos da família e os do negócio entram numa espécie de caixa comum.
Quando se trata da agricultura familiar, esta fusão entre negócio e família se traduz no fato
de que, na maior parte das vezes, o domicílio situa-se, fisicamente, no próprio
empreendimento. No caso do micro-empreendedorismo urbano esta fusão é,
evidentemente, menos nítida, embora também significativa: a tabela 3 mostra que das
9.477.973 de empresas estudadas pela ECINF, 2.698.161 funcionam no próprio domicílio
da família. Outras 464.115 funcionam “no domicílio e fora do domicílio”. Um terço das
unidades produtivas guardam, portanto, forte relação física com a casa de seu titular.
E é interessante observar que a maioria dos que trabalham “fora do domicílio” não possui
um outro estabelecimento: dos 6,3 milhões que trabalham fora do domicílio, 2,5 milhões
trabalham no domicílio do cliente, 847 mil em via pública e 525 mil em veículos: as lojas e
oficinas – aqui sim, estabelecimentos claramente separados do domicílio - são 2,2 milhões.
Esta fusão entre domicílio e negócio é um dos traços mais importantes do
empreendedorismo de pequeno porte, tanto em meio rural como nas regiões
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metropolitanas. Por mais que se concebam linhas de crédito estritamente produtivas, é
importante sempre ter em mente que a família vai lidando com suas necessidades de
recursos (dos indivíduos e do empreendimento) de forma integrada. É claro que o
desenvolvimento do próprio negócio e o estabelecimento de uma contabilidade formal –
hoje quase inexistente – vai contribuir à separação destes dois universos e a imprimir maior
estabilidade a ambos. Mas o ponto de partida é a atual integração entre eles.
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A CASA E O NEGÓCIO
TABELA 4. BRASIL: EMPRESAS DO SETOR INFORMAL, SEGUNDO O LOCAL DE FUNCIONAMENTO - 1997
Empresas do setor informalNúmero de empresas Percentual
Total 9.477.973 100,00Só no domicílio 2.698.161 28,47Só fora do domicílio 6.315.147 66,63
Loja, oficina 2.221.250 23,44Domicílio de cliente 2.543.754 26,84Via pública 846.679 8,93Veículo 524.965 5,54Outros 151.767 1,60Sem declaração 26.732 0,28
No domicílio e fora do domicílio 464.115 4,90Loja, oficina 45.938 0,48Domicílio de cliente 333.599 3,52Via pública 50.565 0,53Veículo 5.492 0,06Outros 28.008 0,30Sem declaração 513 0,01
Sem declaração 549 0,01Fonte: IBGE – ECINF 1999.
Esta fusão entre domicílio e empreendimento econômico traz conseqüências decisivas sob
o ângulo dos serviços financeiros de que dependem as famílias e seus negócios.
Exatamente por atenderem empreendimentos fundamentalmente familiares, as
organizações locais podem também prestar um conjunto variado de serviços financeiros
para a família, que acabam permitindo a própria rentabilidade das organizações
financeiras.
Aí reside a diferença mais importante entre microcrédito e microfinanças.
Organizações de microfinanças, ou de finanças de proximidade não se limitam a oferecer e
cobrar créditos: elas também abrem o caminho a que as famílias encontrem serviços
financeiros que ampliem seu conforto (pagamento de contas e remessa de dinheiro, por
exemplo) que atenuem suas oscilações de renda, que lhes permitam enfrentar imprevistos e
onde possam poupar seus recursos. As reportagens a respeito dos primeiros passos para a
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democratização do sistema creditício brasileiro já revelam a necessidades de poupança de
populações vivendo muito próximo à linha de pobreza. Priscila Néri apresenta o caso de
uma catadora de papel cuja renda varia entre R$ 100 e R$ 450 mensais e cujo dinheiro
poderá ser guardado em conta bancária da Caixa Econômica Federal: “fiquei muito alegre
porque, com o dinheiro no banco, gasto menos, ninguém pode me roubar como antes e
posso até economizar para alugar um quarto”. Um outro catador de papel citado na mesma
reportagem também associa a conta bancária à possibilidade de organizar-se para “sair da
rua” (Néri, 2003). São casos que confirmam as conclusões dos mais recentes estudos
internacionais sobre o tema (Rutheford, 2002): mesmo quem vive abaixo da linha de
pobreza necessita de serviços financeiros, cuja presença pode representar possibilidade
substancial de ganho de renda. As microfinanças ou finanças de proximidade caracterizam-
se exatamente pela capacidade de oferecer serviços financeiros amplos, flexíveis a
populações excluídas do sistema bancário com base num conjunto de mecanismos que
reforçam vínculos de confiança decisivos para o próprio reforço do empreendedorismo
(Alves & Soares, 2003).
Organizações de microfinanças tendem a se viabilizar e ganhar sustentabilidade econômica
à medida que ampliem e diversifiquem os serviços oferecidos a seu público. O alto custo
operacional de oferecer, monitorar e receber crédito é coberto não só pelos juros cobrados
nos empréstimos, mas pela renda que se extrai do conjunto de serviços oferecidos
(poupança, seguros, remessa de dinheiro, conta corrente, entre outros). Ao mesmo tempo, o
acesso a estes serviços permite que as famílias evitem recorrer a fontes de empréstimo
excessivamente caras (crediário de lojas) ou que vinculam financiamentos a formas
clientelistas de dependência dos tomadores (agiotas). É claro que a oferta de crédito por si
só já é um serviço extremamente relevante, sobretudo, quando consolida uma rede de
agentes de crédito capazes de estimular a adimplência e, portanto, os vínculos de confiança
entre os indivíduos de uma certa localidade. É o que acontece com boa parte das
Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIPs). Entretanto a relevância de
seu trabalho não pode escamotear o limite representado pelo fato de serem organizações
unidimensionais, voltadas estritamente à oferta e à cobrança de créditos e não a uma gama
variada de serviços financeiros fundamentais para as famílias e seus negócios.
A sustentabilidade das organizações de finanças de proximidade poderá ser reforçada por
mecanismos estatais que concedam prêmio às que conseguem, efetivamente chegar ao
público até aqui excluído do sistema bancário e que estimulem o aprimoramento de suas
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capacidades produtivas e de gestão tanto de seus orçamentos como de seus negócios. A
parte três deste trabalho propõe mecanismos que premiam as iniciativas que façam da
ampliação de serviços financeiros a populações pobres a base de sua própria viabilidade
econômica.
1.2.2 A perenidade dos empreendimentos
São conhecidas as informações sobre as altas taxas de natalidade e de mortalidade das
microempresas. Mas nem sempre se insiste na perenidade que caracteriza os negócios do
empreendedorismo de pequeno porte. A ECINF traz informações interessantes a este
respeito.
O empreendedorismo de pequeno porte não é atividade ocasional, própria a um período de
desemprego. Contrariamente ao trabalho informal assalariado, o empreendedorismo de
pequeno porte não tende a se reduzir de maneira significativa com uma reforma que alivie
os custos trabalhistas de contratação e, portanto, a tão generalizada ilegalidade em que se
encontra hoje parte crescente dos assalariados, sobretudo em empresas pequenas e médias
(9).
Transformar-se em empreendedor – ainda que de pequeno porte – é uma decisão individual
que requer um conjunto de capacidades que não se improvisam: mesmo quando não há,
aparentemente maiores dificuldades técnicas, existe um aprendizado e uma acumulação de
conhecimento ao se estabelecerem relações com os mercados que não permitem encarar os
pequenos empreendimentos como um simples refúgio ocasional diante da perda da
atividade assalariada. Apesar de sua precariedade material e técnica, da escassa formação
educacional de seus titulares e da falta de uma rigorosa contabilidade na esmagadora
maioria dos casos, o empreendedorismo de pequeno porte é uma atividade que exige
aptidão profissional especializada.
Das 9,5 milhões de “empresas do setor informal” estimadas pelo IBGE em 1997 nada
menos que 8,6 milhões declararam funcionar durante todos os meses do ano e 7,1 milhões
funcionaram efetivamente nos últimos doze meses que precederam a pesquisa.
MICROEMPRESAS NÃO SÃO NEGÓCIOS OCASIONAIS
9 O número de trabalhadores formais cai de 54,5% do total a 43,6% do total entre 1991 e 2000, no Brasil. Mas o total de assalariados, no universo dos ocupados, cai muito menos: de 75,4% em 1991 para 71% em 2000 (Paiva, 2003). Uma reforma trabalhista poderia aumentar a formalização do trabalho. Os dados apresentados logo abaixo sugerem que ela não teria, entretanto, o poder de voltar ao trabalho assalariado a grande maioria dos que se dedicam ao empreendedorismo de pequeno porte.
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TABELA 5. BRASIL: EMPRESAS DO SETOR INFORMAL, SEGUNDO AS CARACTERÍSTICAS DE FUNCIONAMENTO - 1997
Empresas do setor informal Número de meses que funcionou
nos últimos 12 meses Número de empresas PercentualAté 3 490.128 5,174 a 6 540.207 5,707 a 11 1.342.984 14,17
12 7.104.655 74,96Total 9.477.973 100,00
Fonte: IBGE – ECINF 1999.
Esta informação é tanto mais importante que quase dois terços dos proprietários de
“empresas do setor informal” adquiriram seus negócios há mais de três anos e mais da
metade deles (5 milhões, ao todo) há mais de cinco anos (tabela 6). Apenas 18% deles
estão na atividade há menos de um ano. A tabela mostra também o ingresso mais recente
das mulheres na atividade: 16% dos homens estão no negócio há apenas um ano, contra
22% das mulheres. Em contrapartida, os negócios com duração superior a dez anos,
ocupam 31% dos homens e apenas 22% das mulheres. Estes números sugerem que nas
atividades de formação e assistência técnica e contábil, associadas ao microcrédito
deveriam ser criadas linhas especialmente voltadas a mulheres.
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O DESEMPREGO NÃO EXPLICA O EMPREENDEDORISMO DE PEQUENO PORTE
TABELA 6 – BRASIL: Proprietários de empresas do setor informal, segundo o motivo que os levou a iniciar o negócio e o tempo em que se tornou proprietário - 1997
Proprietários de empresas do setor informalMotivo que os levou a iniciar o
negócio e tempo em que se tornou proprietário
Total Homens Mulheres
AbsolutoPercentual em relação ao total de proprietários
Freqüência acumulada percentual*
AbsolutoPercentual em relação ao total
de homensAbsoluto
Percentual em relação ao total
de mulheresTotal 10.117.959 100,00 6.654.497 100,00 3.463.462 100,00
Não encontrou emprego 2.531.932 25,02 1.891.864 28,43 640.068 18,48Independência 2.036.317 20,13 1.467.667 22,06 568.650 16,42Tradição familiar 857.235 8,47 662.822 9,96 194.413 5,61Complementação da renda familiar 1.786.860 17,66 636.424 9,56 1.150.436 33,22Experiência na área 871.902 8,62 709.087 10,66 162.815 4,70Negócio promissor 837.337 8,28 615.004 9,24 222.333 6,42Outros motivos ou sem declaração 1.196.376 11,82 671.629 10,09 524.747 15,15
Tempo que se tornou proprietárioAté 1 ano 1.818.921 17,98 17,98 1.059.738 15,93 759.183 21,921 a 3 2.043.189 20,19 38,17 1.256.187 18,88 787.002 22,723 a 5 1.193.992 11,80 49,98 761.637 11,45 432.355 12,485 a 10 2.262.281 22,36 72,34 1.540.235 23,15 722.046 20,85Mais de 10 2.798.784 27,66 100,00 2.036.340 30,60 762.444 22,01Sem declaração 793 0,01 362 0,01 431 0,01
Fonte: IBGE – ECINF 1999.*Para efetuar o cálculo foram excluídas empresas sem declaração
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Não surpreende constatar a precária formação educacional dos proprietários de empresas
do setor informal. Mais da metade deles não tem o primeiro grau completo, como mostram
as informações da tabela 7, o que contribui a reforçar o caráter perene de suas atividades:
considerando sua idade (tabela mostrando idade) e sua formação, suas chances no mercado
de trabalho assalariado são bem escassas.
MAIS DA METADE DOS EMPREENDEDORES NÃO TEM O PRIMEIRO GRAU
TABELA 7. BRASIL: PROPRIETÁRIOS DE EMPRESAS DO SETOR INFORMAL, SEGUNDO O NÍVEL DE INSTRUÇÃO - 1997
Nível de instruçãoNúmero de
proprietários PercentualTotal 9.959.065 100,00
Sem instrução ou menos de um ano de estudo 771.109 7,74Primeiro grau incompleto 4.673.299 46,93Primeiro grau completo 1.255.893 12,61Segundo grau incompleto 657.612 6,60Segundo grau completo 1.548.697 15,55Superior incompleto 244.992 2,46Superior completo 796.140 7,99Sem declaração 11.323 0,11
Fonte: IBGE – ECINF 1999.
A tabela 6 mostra também que o desemprego não é o principal motivo para a abertura e a
manutenção de um pequeno negócio. Ele aparece como explicitamente importante apenas
para um quarto de todos os proprietários. A “independência” é a mais forte justificativa
para a abertura dos negócios por parte dos homens. Já por parte das mulheres, destaca-se a
“complementação da renda familiar”. Note-se que são importantes também fatores como
“tradição familiar”, “experiência na área” e a consideração de que se tratava de “negócio
promissor”. Isso significa que, para a maioria dos empreendedores, o negócio associa-
se a atributos que valorizam a atividade que exercem e não simplesmente a um
momento transitório de suas vidas.
Não é de estranhar então que dos 9,5 milhões de empresas estimadas pela ECINF, apenas
os titulares de 1,2 milhão declararam que pretendem abandonar a atividade e procurar
emprego: 3,5 milhões disseram que querem aumentar o negócio. 2,8 milhões vão continuar
o negócio e mantê-lo no mesmo nível e 885 mil vão mudar de ramo, mas continuar na
atividade independente (tabela 8).
A MAIORIA QUER CONTINUAR OU AUMENTAR O NEGÓCIO
TABELA 8. BRASIL: EMPRESAS DO SETOR INFORMAL, SEGUNDO PLANOS FUTUROS PARA O NEGÓCIO - 1997
Planos para o futuro do negócioEmpresas do
setor informal PercentualAumentar o negócio 3.543.836 37,39Continuar o negócio no mesmo nível 2.843.884 30,01Mudar de atividade e continuar independente 885.272 9,34Abandonar a atividade e procurar emprego 1.145.466 12,09Outros planos, não sabe ou sem declaração 1.059.515 11,18Total 9.477.973 100,00Fonte: IBGE – ECINF 1999.
As informações até aqui apresentadas parecem suficientes para fundamentar as propostas
feitas neste trabalho. Por um lado, o empreendedorismo de pequeno porte tem importância
social e econômica suficiente para justificar uma política voltada a seu fortalecimento. Por
outro lado, a oferta de serviços financeiros de proximidade é parte decisiva desta política.
Claro que as microfinanças, isoladamente, têm alcance muito limitado. Exatamente por
isso, a segunda parte deste trabalho discute um conjunto de medidas voltadas a inserir as
microfinanças em processos localizados – territorializados - de desenvolvimento.
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2 O ACESSO A SERVIÇOS FINANCEIROS COMO BASE DO DESENVOLVIMENTO TERRITORIAL
2.1 Introdução
Reduzir o imenso abismo entre a oferta e a demanda de microfinanças para os
empreendimentos de pequeno porte depende fundamentalmente da modificação das
barreiras institucionais que impedem o acesso aos serviços financeiros, da criação de
ambientes favoráveis à sustentabilidade dos negócios financiados e da implantação de
sistemas de gestão que garantam a viabilidade econômica das instituições financeiras, ou
seja, o triangulo da sustentabilidade das microfinanças (Meyer, 2003).
O PROGER se propõe a ser um programa de crédito voltado aos empreendimentos de
pequeno porte com o objetivo de gerar emprego e renda e de promover o desenvolvimento
local. Diversas restrições institucionais limitam o acesso do público potencial e a
sustentabilidade dos negócios financiados. Uma avaliação global do impacto social do
PROGER é dificultada pela pouca disponibilidade de dados. A fragilidade dos controles
operacionais do programa impede uma avaliação precisa do impacto do PROGER na
geração de emprego e renda. Os agentes financeiros não monitoram o resultado dos
financiamentos nos empreendimentos e o Ministério do Trabalho não dispõe de
informações sobre o impacto das linhas de financiamento. Pior: não há qualquer dado
sobre a estratificação social dos beneficiários do Programa, o que impede o julgamento de
seu impacto.
Em vários países desenvolvidos, existe o monitoramento estatal do alcance social e
regional das ações bancárias. Nos Estados Unidos, por exemplo, o Community
Reinvestment Act estabelece a obrigatoriedade de os bancos fornecerem informações
quanto a seu atendimento a clientelas consideradas potencialmente excluídas (10). Com
mais forte razão, o Programa Nacional de Microfinanças deve apoiar-se na formação de
10 O Community Reinvestment Act (CRA) faz parte de um conjunto de leis destinadas a garantir o fair lending (empréstimo justo), nos Estados Unidos, e de impedir toda discriminação racial, por sexo por origem nacional por religião ou por idade na atribuição de financiamentos a quem for “digno de crédito”. Introduzida em 1977, a lei visa evitar o redlining, ou seja, a prática de discriminar certas regiões como áreas de concessão de empréstimos. O texto permite que as agências federais de controle das instituições financeiras atribuam notas aos bancos segundo seu desempenho em matéria dce empréstimos e de participações financeiras. São atingidas pela lei as instituições cujos depósitos recebem garantias federais. As notas serão levadas em consideração quando o poder federal tiver que autorizar abertura de novas agências ou fusões bancárias. Além desta legislação, o governo Clinton estimulou a formação de uma rede de organizações voltadas especificamente para atender o público excluído das organizações convencionais: são as “Community Development Financial Institutions” (Servet, 2001).
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uma sólida base de dados quanto ao real alcance social das práticas de todas as
organizações que, de uma forma ou outra, lidam com recursos públicos. Mas, pode-se
afirmar com segurança que, por mais que possibilite o acesso a empreendedores que até
então nunca tinham obtido crédito junto a bancos, pelos canais de distribuição utilizados, o
PROGER não oferece serviços acessíveis a empreendimentos que não apresentam
garantias ou que apresentam restrições cadastrais.
São grandes as barreiras institucionais ao acesso dos pequenos empreendimentos a serviços
financeiros formais. Estas barreiras vão além das limitações impostas pelas regras de
gestão do crédito. São muito elevados os custos de transação que os empreendedores têm
que incorrer para ter acesso a estes serviços, mesmo considerando a redução destes custos
com as medidas recentemente adotadas.
Além de pouco acessíveis, as políticas de crédito também não oferecem melhores
condições à sustentabilidade dos pequenos empreendimentos. A pesquisa realizada pelo
IBASE em 1999 contabiliza a geração de 101.409 ocupações através do investimento de
R$ 649,4 milhões, no período de 1995 e 1998. Porém, estudo realizado pelo IPEA em
Pernambuco (Araujo e Lima, 2000) mostra que o impacto na geração de empregos é menor
que as expectativas e metas do programa: cerca de 30% dos empregos gerados após o
acesso dos empreendimentos a financiamento do PROGER são perdidos, segundo o estudo
feito em Pernambuco. Os financiamentos possibilitaram, em média, a geração de 2,5
empregos por empreendimento. Porém, 30% destes empregos, 0,8 emprego por
empreendimento, foram perdidos após o prazo de financiamento. Nos financiamentos para
pessoa física, apenas 28% das ocupações geradas após o financiamento são mantidas
depois de um ano. A dificuldade de manutenção dos empregos gerados pelo programa de
financiamento mostra que a sustentabilidade dos negócios depende de outros fatores que
não são suficientemente equacionados com o financiamento. A sustentabilidade é ainda
menor naqueles empreendimentos que tomaram empréstimos de valores menores que R$
40 mil. É claro que em outros Estados a situação pode ser diferente da que mostra o
trabalho sobre Pernambuco. Mas o mais provável é que se trate aí de uma situação mais
próxima à regra que à exceção.
Outro grave problema é a viabilidade das instituições de microfinanças e dos serviços de
microfinanças oferecidos pelas instituições financeiras. Estas atividades são ainda
fortemente dependentes de subsídios governamentais que, na maioria das vezes, mal
direcionados, comprometem a perenidade destas instituições e o seu potencial como
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financiadoras do desenvolvimento local. Esta questão tornou-se crucial com a
multiplicação de organizações de microcrédito, nos últimos anos.
Portanto, os principais desafios para as políticas de promoção do empreendedorismo de
pequeno porte, e em torno de cuja discussão organiza-se esta parte do trabalho, são:
(1) Como ampliar o acesso de empreendimentos de pequeno porte que não apresentem
garantias e cadastro positivo aos serviços de microfinanças?
(2) De que forma os serviços financeiros podem contribuir para a sustentabilidade dos
empreendimentos de pequeno porte?
(3) Que arranjos institucionais são necessários para garantir a viabilidade econômica
de serviços de microfinanças?
(4) Qual a sustentabilidade de programas de crédito assistido?
2.2 A dificuldade de acesso ao crédito
A característica mais marcante do sistema financeiro brasileiro é a enorme concentração
nas regiões economicamente mais dinâmicas do país. O Brasil é um dos países com as
menores taxas de poupança interna, de crédito com relação ao PIB e de cobertura da rede
bancária. No cadastro do Banco Central, descontados os correspondentes bancários,
registra-se que 30% dos municípios brasileiros, chegando a 73%, na região Norte, e 79%,
na região Nordeste, não são cobertos por atendimento bancário. Os bancos são as
instituições financeiras que apresentam o maior grau de concentração. O número de
cooperativas de crédito, mesmo um pouco melhor distribuído, é ainda muito pequeno,
devido às grandes restrições institucionais e à existência de poucas políticas de incentivo
ao longo da história do sistema financeiro brasileiro.
Há uma enorme concentração geográfica de instituições financeiras nas regiões Sudeste,
com 59% do total de instituições e Sul, com 21% do total. Apenas o Estado de São Paulo
possui 32% das instituições financeiras do País. A região Norte é a que possui o menor
número de instituições, com apenas 4%, em segundo lugar a região Centro-Oeste, com 7%
e a região Nordeste, com 10%. Esta grande concentração oculta, porém a baixa cobertura
de instituições financeiras mesmo nas regiões metropolitanas. Na cidade de São Paulo, por
exemplo, os bairros de periferia contam com poucos postos de atendimento bancário o que
torna difícil o acesso das pessoas de baixa renda aos serviços financeiros formais.
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A ECINF oferece interessantes informações sobre o grau de exclusão bancária no Brasil
hoje. Fizeram investimentos e/ou aquisições nos doze meses que precederam outubro de
1997 um total de 1,5 milhão de empresas ou 16% do total do universo levantado pela
ECINF.
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PARTE IMPORTANTE DOS EMPREENDEDORES FAZ INVESTIMENTOS
TABELA 9. BRASIL: EMPRESAS DO SETOR INFORMAL QUE FIZERAM INVESTIMENTOS, SEGUNDO A ORIGEM DOS RECURSOS - 1997
Fizeram investimentos e/ou aquisições nos últimos 12 meses Origem dos recursos Número de empresas PercentualLucros de exercícios anteriores 959.568 62,5
Empréstimos bancários 74.745 4,9Outros tipos de empréstimos 127.943 8,3Outros 371.782 24,2Sem declaração 1.569 0,1Total 1.535.606 100
Fonte: IBGE – ECINF 1999.
A maneira como foram financiados os investimentos é um forte indicativo da exclusão
bancária: apenas 75 mil empresas conseguiram empréstimo bancário para investimento. A
grande maioria (960 mil) investiu com base nos “lucros de exercícios anteriores”.
Mas o investimento não é a única forma de utilização do crédito. A ECINF pergunta aos
titulares das empresas se utilizaram crédito nos últimos três meses. A utilização foi feita
por 472 mil empresas. Destas, apenas 205 mil conseguiram os recursos junto ao sistema
bancário. Mesmo que se parta da premissa de que nem todas as 9,5 milhões de empresas
demandam crédito, é claro que existe um imenso universo de ampliação da oferta de
serviços financeiros, bloqueado por um conjunto variado de fatores.
MENOS DA METADE DOS EMPRÉSTIMOS VEM DOS BANCOS
TABELA 10. BRASIL: EMPRESAS DO SETOR INFORMAL QUE OBTIVERAM CRÉDITO NOS ÚLTIMOS TRÊS MESES, SEGUNDO ORIGEM DOS RECURSOS - 1997
Empresas do setor informal que obtiveram crédito nos últimos três mesesOrigem dos recursos Número de empresas PercentualCom amigos e parentes 151.096 32,01Bancos públicos ou privados 205.240 43,48Com o próprio fornecedor 54.847 11,62Com outras empresas ou pessoas 46.384 9,83Outra origem 13.393 2,84Sem declaração 1.087 0,23Total 472.047 100,00
Fonte: IBGE – ECINF 1999.
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A restrição no número de agências bancárias em várias regiões do País é apenas um deles
e, nem de longe, o mais importante. O principal fator de restrição ao crédito é o enorme
custo que as pessoas de baixa renda e os pequenos negócios têm que pagar para ter acesso
a este serviço. Até que uma operação financeira seja realizada são necessárias diversas
operações por parte dos clientes e das instituições, muitas vezes com elevados custos, tanto
para as instituições quanto para os seus clientes. Os clientes apresentam altos custos com o
deslocamento até as instituições, com o levantamento de certidões negativas, comprovantes
de renda, de residência, avalistas, etc. As instituições de microfinanças apresentam altos
custos com advogados e funcionários para organização de cadastros, elaboração de
contratos, monitoramento, cobrança e segurança. Instituições de microfinanças
descentralizadas e arranjos institucionais baseados em relações de proximidade e laços
interpessoais de confiança costumam apresentar custos de transação mais baixos que
instituições bancárias que se baseiam em relações impessoais, apoiadas exclusivamente em
informações cadastrais.
Empreendimentos que não possuem garantias reais e cujos ativos financiados não podem
ser utilizados como garantia do crédito, na forma de alienação fiduciária, não são atendidos
pelos agentes financeiros. Empreendimentos formais e empreendedores informais que
apresentam restrições cadastrais não são aprovados pelas instituições bancárias e pela
grande maioria das instituições financeiras. Em julho de 2003, 315 mil pessoas físicas
apresentaram restrições junto ao SPC e foram registrados 10,5 milhões de cheques sem
fundo no Banco Central (Bacen, 2003).
Isto não significa que tais empreendimentos não tenham condições de utilizar serviços de
crédito. O problema é que as instituições financeiras não adotam metodologias adequadas
para atender este público, principalmente porque não conseguem obter informações
suficientes para analisar o risco de crédito e não conseguem criar mecanismos de cobrança
mais efetivos. Como contam apenas com as informações cadastrais e tentam se prevenir da
inadimplência através de garantias, as instituições financeiras passam a ser muito
excludentes. Mas mesmo assim, as instituições bancárias e de microfinanças sofrem um
alto grau de exposição a riscos de crédito. A média brasileira de carteiras em risco
(inadimplência por mais de 30 dias) é de 7,5% segundo levantamento do BNDES em 2002.
Algumas instituições mudaram suas metodologias de análise de crédito e passaram a se
basear em garantias alternativas. O São Paulo Confia reduziu a zero a inadimplência,
atendendo clientes com restrições cadastrais através de grupos solidários (ver box 1).
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28
Box 1
O crédito solidário na região metropolitana de São Paulo
Uma das fortes premissas do microcrédito no Brasil, que tomam como referência exclusiva
o modelo Grameen Bank, é que o crédito solidário é viável apenas em áreas rurais onde as
relações sociais são mais densas e solidárias e que a dispersão social das áreas urbanas
impede o uso desta metodologia. O São Paulo Confia, instituição de microcrédito criada
pela Prefeitura de São Paulo contradiz esta premissa e consegue ao mesmo tempo ampliar
o acesso ao crédito para pessoas de mais baixa renda e reduzir a zero a inadimplência.
Até um ano após a sua criação vinha adotando a metodologia de concessão de crédito
utilizado pela maioria das instituições, ou seja, a oferta para um público disperso e
pulverizado. Isto levou a um resultado insatisfatório em termos de ampliação do acesso a
pessoas de mais baixa renda. Desde 2001, o método mudou: os empréstimos são
concedidos a partir da formação de grupos solidários de quatro indivíduos que não
guardam entre si laços de parentesco. Dentro dos grupos existem freqüentemente
indivíduos cujos nomes constam das listas de serviços de proteção ao crédito. Isso não
impede, entretanto, que paguem em dia seus empréstimos: o fato de terem passado por uma
situação de inadimplência e de não terem conseguido “limpar” o nome, não significa
absolutamente que não sejam dignos de crédito. E a reputação local parece mais
importante, para estes indivíduos, que a presença numa listagem que lhes é socialmente
distante. A inadimplência dos empréstimos em grupo é praticamente zero, em contraste
com o método de controle individual, cujo não pagamento atingia proporções
consideráveis.
Há especialmente uma grande dificuldade de acesso para novos empreendimentos. Os
agentes financeiros, incluindo as instituições de microcrédito, raramente financiam
empreendimentos que tenham menos de um ano de funcionamento. Como não há um
histórico que possibilite uma análise da viabilidade dos negócios e da capacidade
empreendedora dos seus gestores, estes novos negócios são os que apresentam maiores
dificuldades de acesso ao crédito. Conforme se mostrou na primeira parte deste trabalho,
em outubro de 1997, apenas 18% dos titulares das empresas eram proprietários há menos
de um ano. Mas não se pode esquecer que as principais vítimas deste procedimento são as
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mulheres que detêm as maiores proporções de novos empreendimentos, caso as
informações da ECINF sejam até hoje de atualidade.
É importante salientar que as restrições ao financiamento de novos negócios não podem ser
consideradas como o principal motivo que limite o acesso dos micro-empreendedores ao
crédito. Ainda assim, não se pode ignorar que esta é uma das mais importantes dificuldades
encontradas pelos programas voltados a geração de renda, especialmente aqueles centrados
na criação de cooperativas: novos empreendimentos sofrem especialmente com a
dificuldade de acesso ao crédito. Políticas de geração de renda através da formação de
novos empreendimentos geralmente não conseguem alcançar metas expressivas devido a
uma forte restrição ao crédito. Grupos de trabalhadores desempregados e com pouca
experiência na atividade a que se propõem não reúnem credibilidade suficiente para
convencer os agentes financeiros.
Por isto, uma imensa parcela da população busca alternativas para as suas necessidades em
serviços financeiros informais. (Abramovay, 2003). Inserida em densas redes de laços
sociais, utiliza um conjunto de regras informais de características muito próprias de cada
localidade. O baixo custo de transação do acesso a estes serviços explica o altíssimo custo
financeiro cobrado pela maioria dos agentes financeiros informais.
2.3 Atenuando a exclusão financeira
As instituições bancárias vêm adotando muito recentemente estratégias diferenciadas para
atingir uma população até então excluída dos seus serviços. Além dos bancos públicos que
repassam linhas de microcrédito de programas governamentais, alguns bancos privados
estão iniciando a implementação de linhas próprias de microcrédito. O ABN AMRO, o
UNIBANCO e o SANTANDER estão desenvolvendo metodologias de microcrédito
bancário a partir das experiências das OSCIPs e SCM’s. O UNIBANCO atua por meio de
instituições específicas para o microcrédito. O SANTANDER, que iniciou recentemente
sua atuação no segmento de microfinanças, empresta a 2% ao mês e atua através de
parceria com organizações sociais e ONG’s locais. Estes bancos trabalham com agentes de
crédito e buscam estabelecer relações de proximidade com seus clientes.
A entrada dos bancos no setor de microcrédito não deverá, porém significar uma grande
mudança no mercado para as instituições especializadas em microcrédito, mesmo que a
taxa de juros fique no patamar de 2% ao mês. Em primeiro lugar porque existem fortes
dúvidas se esta taxa de juros será suficiente para cobrir a totalidade dos custos que os
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bancos terão com os produtos de microcrédito, principalmente, devido às estimativas de
uma inadimplência em torno dos 18%. Os bancos buscarão, além disso, clientes que
apresentem menores riscos, que possuam garantias reais a oferecer e que não tenham
restrições cadastrais, como aposentados e assalariados com autorização para desconto dos
pagamentos em folha.
Estas estratégias mostram que as tradicionais agências bancárias são provavelmente
inadequadas para oferecer um serviço de microcrédito. Mas a rede bancária vem se
diversificando. A previsão da Febraban é de um grande crescimento na cobertura da rede
bancária, com a criação dos correspondentes bancários e terminais eletrônicos que já
somam quase 60% do total de postos de atendimento bancário. A criação de
correspondentes bancários do Banco do Brasil e da Caixa Econômica Federal com
cooperativas de crédito e as parcerias entre Banco do Brasil e cooperativas de crédito rural
para repasse de PRONAF vem propiciando um novo arranjo institucional no mercado
financeiro com potencial de grande ramificação e massificação destes serviços. A maioria
dos correspondentes bancários, porém não oferece todos os serviços disponíveis nas
agências bancárias. Uma ampliação do potencial dos correspondentes bancários se daria
por meio da parceria com instituições financeiras não bancárias.
Um exemplo deste tipo de parceria é a relação entre a Caixa Econômica Federal e a
Cooperativa de Crédito dos Servidores Municipais de Chapecó. Por meio de contrato de
prestação de serviços, a cooperativa recebe títulos, faturas, contas e prestações de
financiamento habitacional, paga benefícios como bolsa escola, seguro desemprego, Fundo
de Garantia e aposentadoria. Na cooperativa podem ser abertas contas de poupança e
contas corrente, bem como toda a movimentação de depósitos, saques e transferências.
Este convênio possibilitou a abertura de contas na Caixa para sócios da cooperativa e
ampliou a oferta e o acesso a serviços financeiros para pessoas que não se enquadram no
quadro social da cooperativa. Para realizar este serviço a cooperativa recebe taxas por
operações realizadas, contribuindo para ampliar as suas receitas. A cooperativa considera
os valores pagos pelos serviços muito baixos frente ao trabalho realizado, mas considera
um trabalho relevante para a comunidade.
As negociações entre governo federal, empresários e bancos para permitir o desconto em
folha do pagamento de empréstimos deverá ampliar consideravelmente o acesso dos
trabalhadores assalariados ao crédito bancário bem como a redução nas taxas de juros. Mas
poderá provocar uma externalidade negativa que é o alto endividamento destas pessoas.
31
31
As Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público não são regulamentadas pelo
Banco Central, mas são organizações não governamentais, sem fins lucrativos, autorizadas
pelo Ministério da Justiça a realizar serviços de interesse social. Existem 1.112 instituições
no Brasil, sendo que destas, 127 OSCIP’s são autorizadas a operar linhas de microcrédito.
A distribuição destas instituições é menos concentrada que a das demais instituições. A
região Sul possui a maior parte, 42 instituições, seguida da região Sudeste com 34 e da
região Nordeste com 33. As Sociedades de Crédito ao Microempreendedor são instituições
que compõem o Sistema Financeiro Nacional e são regulamentadas pelo Banco Central.
Estas instituições possuem fins lucrativos, especializadas em microfinanças. Atualmente
existem apenas 46 instituições em todo o país. Do total de SCM’s, 72% estão concentradas
na região Sudeste e 17% na região Sul, com apenas 7% na região Nordeste e 2% nas
regiões Centro-Oeste e Norte. O objetivo principal da criação destas inovações
institucionais é a formação de uma rede de instituições mais adequadas para a oferta de
crédito para pequenos empreendimentos. Foram estimuladas principalmente pela ação de
ONG’s que administravam fundos rotativos, prefeituras, pelo programa de microfinanças
do BNDES e do apoio do Sebrae.
As OSCIP’s e SCM’s operam serviços financeiros dentro de uma concepção restrita de
microcrédito, oferecendo apenas linhas de financiamento de pequenos valores para
pequenos empreendedores. A concentração exclusiva na oferta de crédito vem criando
problemas para a maioria das instituições que, ou não conseguem atingir as populações de
mais baixa renda, ou não conseguem se viabilizar financeiramente e perpetuam-se apenas
devido aos subsídios que lhes são oferecidos. Esta fragilidade institucional das instituições
de microcrédito é um dos principais limitantes para a sua expansão.
Algumas OSCIP’s atuam através de agentes de crédito e grupos solidários. Este sistema de
governança cria laços de cooperação que reduzem custos, riscos e ampliam o alcance dos
serviços para pessoas que não tinham até então acesso a serviços financeiros formais.
Algumas organizações formam também parcerias com organizações de capacitação e
assistência técnica. Nestes casos, a maior possibilidade de sustentabilidade dos negócios
financiados proporciona maior segurança para as organizações de microcrédito e maior
impacto na geração de trabalho e renda.
Devido ao pouco vínculo com organizações sociais, as instituições de microfinanças
apresentam, com freqüência, relações distante e impessoais com os tomadores de crédito.
Com isto são obrigadas a manter as mesmas restrições adotadas pelos bancos que limitam
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32
o acesso ao crédito. A maioria das instituições de microfinanças também não adota ou não
se articula com políticas de capacitação e assistência técnica, financiando assim projetos
com baixa capacidade técnica, especialmente as que adotam a chamada concepção
minimalista11.
Outro importante problema do programa de microfinanças é a assimetria existente entre a
oferta e a demanda de crédito. As linhas de financiamento são estruturadas sem uma
devida análise da demanda que muitas vezes não são de microcrédito, mas de volumes
maiores de financiamentos, especialmente no caso de empreendimentos coletivos. As
demandas, muitas vezes, não são também de crédito para produção, no caso de pessoas
muito pobres, que necessitam em geral de um crédito mais barato para consumo e para
enfrentar situações emergenciais. A necessidade de outros serviços - como o acesso a uma
conta bancária ou à poupança - também é freqüentemente negligenciada.
A maioria das instituições de microfinanças apresenta alto risco e alto custo operacional e
financeiro, elevando consideravelmente as taxas de juros e reduzindo a margem de
viabilidade dos projetos econômicos financiados.
As cooperativas de crédito apresentam um importante diferencial com relação a outras
instituições financeiras. O fato de prestarem a maior parte dos serviços financeiros -
especialmente depósitos e empréstimos - apenas para associados confere um maior grau de
coesão, proximidade, confiança e controle social nas relações entre os indivíduos e a
cooperativa. Esta forma de relacionamento reduz riscos e custos das operações financeiras.
Outro aspecto relevante é a possibilidade de captar a poupança local, favorecendo a
capacidade de mobilizar recursos locais para investimentos no desenvolvimento.
Porém, uma grande parte das cooperativas existentes limita-se a oferecer serviços
financeiros para os empregados de empresas (cooperativas de crédito mútuo por empresa).
A formação de novas cooperativas por ramos de atividade e por território, sejam elas de
crédito mútuo, de microempreendedores ou de livre adesão, agregando trabalhadores
assalariados ou não, empreendimentos e outras organizações do setor e da região apresenta
grande potencial de formação de instituições financeiras mais fortemente inseridas em
projetos de desenvolvimento.
11 Este é um conceito utilizado no setor que expressa um tipo de instituição que atua exclusivamente com finanças e não desenvolve outros tipos de políticas, como capacitação e assistência técnica.
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Nos últimos meses o governo federal adotou várias medidas procurando incentivar o
microcrédito e as microfinanças. Estas medidas são destinadas principalmente ao meio
urbano, e podem ser divididas em três grandes grupos de propostas:
a) Incentivo ao cooperativismo de crédito;
b) Apoio à expansão do microcrédito;
c) Bancarização da população de baixa renda.
O apoio ao cooperativismo de crédito foi realizado por meio de uma Resolução no. 3.106,
de 25/06/03, do Conselho Monetário Nacional. Esta Resolução permitiu a constituição de
cooperativas de crédito de “livre adesão”, formada por um conjunto de pessoas físicas de
uma determinada área de atuação, independente da categoria profissional ou atividade
econômica desenvolvida por seus membros. Esta Resolução também manteve a
autorização para formação de cooperativas de micro e pequenos empresários e de micro e
pequenos empreendedores, já permitidos pela Resolução no. 3.058, de 20/12/02.
Mais recentemente, o BACEN modificou o fator “F” utilizado no cálculo do Ativo
Ponderado pelo Risco (APR), que define os limites de endividamento das cooperativas de
crédito, reduzindo-o de 0,15 para 0,13 para as cooperativas de crédito não vinculadas a
central de crédito e de 0,13 para 0,11 para as cooperativas filiadas a centrais de crédito,
igualando-as, neste sentido, aos bancos comerciais. Esta medida aumentou, de forma
significativa, os limites de endividamento das cooperativas.
Visando ampliar a oferta de microcrédito, o governo editou uma medida provisória (MP
122/03) e o Conselho Monetário Nacional aprovou a Resolução no. 3.109. A Resolução
obriga que, no mínimo, 2% dos saldos dos depósitos à vista, captados por bancos múltiplos
com carteira comercial, bancos comerciais, a Caixa Econômica Federal, bem como
cooperativas de crédito de pequenos empresários e as de livre admissão, sejam aplicadas
em operações de microfinanças destinadas às populações de baixa renda. O valor das
operações não pode ser superior a R$ 500,00 quando destinado a pessoas físicas de baixa
renda, e de R$ 1.000,00 quando destinado a microempreendedores (pessoas físicas e
jurídicas) classificadas como microempresas pela legislação12 em vigor (público das SCM).
Os recursos destes financiamentos podem ser utilizados tanto para o crédito de consumo
como para o crédito de produção.
12 A legislação que define microempresas permite renda bruta anual de até R$ 240 mil.
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34
Estas operações de microcrédito devem ter prazo superior a 120 dias, sendo que as taxas de
abertura de crédito não podem ser superiores a 2% quando o crédito for de até R$ 500,00 e
de 4% para os créditos destinados a grupo, que pode acessar até R$ 1.000,00. Caso as
operações tenham menos de 120 dias de prazo, as taxas de abertura de crédito deverão ser
cobradas proporcionalmente ao prazo. As instituições financeiras que desejarem, podem
realizar estas operações através de outras instituições financeiras, inclusive SCM’s,
OSCIP’s e Organizações Não Governamentais (ONG’s) que operem com microcrédito.
Ainda com o objetivo de incentivar as operações de microcrédito, o BNDES reestruturou
seu programa de crédito popular, modificando os critérios para repasse. Com fundos do
FAT, o BNDES está disponibilizando recursos a municípios, sindicatos, SCM’s, OSCIP’s,
bancos comerciais, cooperativas de crédito, agências de fomento e instituições financeiras
federais. O custo do dinheiro varia de acordo com o tipo de operação realizada. Quando as
operações de crédito são em média de R$ 1.000,00 com 2% de juros ao mês, o BNDES
cobra apenas a TJLP para qualquer uma das instituições repassadoras. Quando as
operações são realizadas com taxas de juros ao tomador de 5% ao mês em média, o custo
do recurso é de TJLP + 2% aa para operações de R$ 1.000,00 até R$ 5.000,00 e de TJLP +
8% aa, para operações de R$ 5.000,00 até R$ 10.000,00. Somente as SCM’s, OSCIP’s,
cooperativas de crédito e bancos comerciais podem operar, com estes recursos, a taxas
superiores aos 2% ao mês.
Para facilitar e ampliar o acesso aos serviços financeiros (bancarização) pela população de
baixa renda, o CMN aprovou a Resolução 3.104 em 25/06/03. Esta resolução reduziu as
exigências para a abertura de contas (depósito a vista) de baixo valor em todos os bancos
comerciais, bancos múltiplos com carteira comercial e a Caixa Econômica Federal. Estas
contas não podem ter saldo superior a R$ 1.000,00. Estas contas somente poderão ser
movimentadas com cartão eletrônico. Não poderão ser cobradas tarifas para a abertura de
contas ou manutenção das mesmas. Os correntistas poderão realizar até quatro saques,
quatro depósitos e retirar até quatro extratos mensais.
O Banco do Brasil e a CEF saíram na frente, devendo abrir milhares destas contas ainda
até o final de 2003. A previsão de abertura de 500 mil novas contas para este público até o
final de 2003 será certamente superada: entre junho e agosto de 2003, a CEF registra 474
mil novas contas (Néri, 2003). O BB já foi autorizado a constituir uma subsidiária voltada
ao desenvolvimento das microfinanças.
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O apoio ao cooperativismo de crédito através da permissão para constituição de
cooperativas de “livre adesão”, além da possibilidade de maior endividamento pela
mudança do Ativo Ponderado pelo Risco (APR) também deve facilitar o acesso aos
serviços financeiros a um número maior de pessoas em todo o país.
De uma forma geral, o governo deu um grande passo no sentido de ampliar as fontes de
recursos e facilitar a atuação de instituições de microcrédito e de microfinanças (IMF).
Entretanto, muito pouco foi proposto visando a garantia de sustentabilidade destas
instituições, restrito praticamente ao aumento da responsabilidade das cooperativas centrais
de crédito na fiscalização e acompanhamento de suas filiadas. Na outra ponta, a
constituição de cooperativas de crédito foi facilitada e estimulada pelo governo. A
obrigatoriedade de aplicação de 2% dos depósitos à vista deve ampliar os recursos
disponíveis para crédito em diversas IMF’s. O BNDES está ampliando o leque de
instituições que atuam com microcrédito que terão acesso aos seus recursos. Faltam
recursos para formação inicial das instituições de microfinanças, especialmente para
capacitação de seus quadros em gestão financeira e concessão de crédito. A ação central do
governo está em aumentar a oferta de crédito. Há pouca preocupação em como estes
recursos chegam aos demandantes (sustentabilidade das instituições) e como estes recursos
serão aplicados, materializado no crédito assistido e na qualidade dos projetos financiados.
O sucesso das cooperativas de crédito rural no fornecimento de serviços financeiros -
incluindo o microcrédito com recursos próprios e o repasse de recursos oficiais de crédito
rural (PRONAF e PROGER) - não pode ser simplesmente reproduzido para o meio urbano.
O meio urbano não dispõe da mesma organização social existente no meio rural. Nas áreas
urbanas é necessário constituir e potencializar arranjos produtivos, que podem ser por
vizinhança ou por atividade setorial. Sem organização social, as experiências de
cooperativas de crédito terão pouco sucesso no objetivo de reduzir a pobreza através do
financiamento de projetos geradores de renda e sustentáveis ao longo do tempo.
Os bancos, por mais que possam avançar no fornecimento de serviços financeiros a
população de baixa renda, não têm a capilaridade, o perfil nem a experiência para operar
com esta população. Mesmo nas regiões mais desenvolvidas, onde existem muitas agências
bancárias, os bancos não têm conseguido atender a população mais pobre.
A política de microcrédito do BNDES no atual governo deixou de ser voltada
exclusivamente para a sustentabilidade das instituições de microfinanças. Até então havia
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pouca preocupação com o perfil, com o número de pessoas atendidas e com as condições
do crédito ao tomador final. A política atual passou a ser mais focada no beneficiário e nas
condições do crédito ofertado na ponta, sendo que a sustentabilidade das IMF’s deixou de
ser uma preocupação central. O mais coerente, neste caso, seria uma ação que mantivesse
alguma preocupação com a sustentabilidade econômica das IMF’s, associada a medidas
que visassem ampliar a disponibilidade de crédito em condições acessíveis para o maior
público possível.
2.4 Novos arranjos institucionais
Para que as instituições de microfinanças consigam atuar nos segmentos de
empreendimentos de mais baixa renda são necessários mecanismos de gestão diferenciados
daqueles regularmente utilizados pelos bancos e por muitas das instituições de
microfinanças. São mecanismos que substituam as garantias reais e a análise dos cadastros
oficiais pelas garantias informais e pela credibilidade das suas comunidades. São
mecanismos de governança local que fortalecem também a cooperação e a confiança entre
os agentes. (Magalhães, 2003)
As redes de cooperação organizadas através de parcerias entre instituições financeiras e
não financeiras como organizações sociais, organizações de capacitação, assistência
técnica, facilitam o fluxo de informações necessário para uma boa avaliação por parte das
instituições financeiras dos potenciais clientes e o controle social da comunidade local
sobre as suas instituições.
Os agentes de desenvolvimento local atuam também de forma descentralizada na redução
da assimetria de informação, na redução dos custos de transação e na construção de laços
de maior proximidade e confiança.
Os comitês de projetos qualificam a análise dos projetos e constroem direcionamentos
estratégicos que são fundamentais para o sucesso dos negócios financiados pelas
instituições de microfinanças. Uma análise técnica dos potenciais dos mercados locais, a
identificação de melhores estratégias de investimento, a avaliação correta das demandas
dos projetos de financiamento, o monitoramento dos projetos são condições indispensáveis
para a redução dos riscos de crédito.
Os grupos de aval solidário contribuem da mesma forma para a redução da assimetria de
informação, dos custos de transação, para o fortalecimento dos laços de proximidade e
confiança e, principalmente para o fortalecimento de compromissos acordados entre os
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membros dos grupos e das instituições. Porém, quando não são formados a partir de laços
de confiança pré-existentes, elevam os custos de transação para os tomadores de crédito,
dificultando o acesso ao serviço quando esta passa a ser uma condição.
Não se pode esquecer, entretanto, que o aval solidário não é o único método de criação de
confiança entre indivíduos e instituições quando se trata de microcrédito (Meyer, 2003).
2.5 Sustentabilidade dos pequenos empreendimentos
A formação de arranjos produtivos locais tem sido identificada através da análise de
diversas experiências internacionais como a principal estratégia de sustentabilidade de
pequenos empreendimentos. A concentração espacial de empreendimentos de uma mesma
atividade ou de atividades complementares aumenta a produtividade de cada
empreendimento individual. A especialização decorrente da divisão do trabalho gera
aumento de eficiência e qualidade dos processos produtivos, gerando economias externas,
derivadas do crescimento geral do setor. A proximidade, ao mesmo tempo setorial e
territorial, entre os empreendimentos favorece a maior atração de fornecedores e
consumidores, a constituição de uma força de trabalho especializada, a maior circulação de
informações e a utilização de serviços, equipamentos e infra-estrutura especializada e mais
eficiente. Esta proximidade é o que lhes confere a principal vantagem com relação a outros
arranjos de empreendimentos: a maior capacidade de inovação. Em ambientes onde são
formadas relações de cooperação e instituições informais resulta numa maior capacidade
de aprendizagem que modifica a capacidade competitiva dos empreendimentos. (Piore e
Sabel, 1984 e Sabel, 1996)
A capacidade de inovação se refere à formação de novas organizações e instituições que
possibilitem maior acesso a novas tecnologias e a novos mercados. Por isso, são
necessárias ações sistêmicas e integradas que resultem de um claro diagnóstico das
potencialidades locais e da construção de relações de cooperação entre os
empreendimentos. Assim, mais do que associar a capacitação ao crédito é necessário
articular os investimentos financiados pelo crédito a processos de inovação tecnológica,
mas principalmente organizacional. Um conjunto amplo e complexo de fatores e de atores
a ser coordenado exige então uma grande capacidade de planejamento e de coordenação
local. A presença de instituições locais com esta capacidade é uma questão chave para o
sucesso destes arranjos.
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A promoção de ações articuladas para o desenvolvimento local exige a formação de um
novo desenho institucional para o Programa de Microfinanças. Sobretudo é necessário
romper com a visão do balcão de atendimento a demandas pulverizadas. É necessário
formular projetos integrados que compartilhem diferentes atores e políticas de forma
cooperativa. O processo de construção de políticas articuladas para o desenvolvimento
passa então a ter como centralidade um processo de planejamento, coordenação e controle
social que articula o conjunto de atores econômicos, políticos e grupos sociais em torno de
projetos territoriais de desenvolvimento. O território é neste sentido o grande articulador
das políticas de desenvolvimento. Contratos de desenvolvimento deveriam ser os eixos de
orientação da ação das instituições financeiras. (Beduschi e Abramovay, 2003)
A grande dificuldade é construir uma identidade social entre os pequenos
empreendimentos urbanos. Como destaca Abramovay (2002), a ausência de redes
territoriais e profissionais, como a existente entre os atores sociais que organizam o
público-alvo do PRONAF, dificulta a organização da demanda de crédito, de demais
políticas públicas, de ações articuladas que promovam a formação de arranjos produtivos,
de relacionamentos com o mercado e de inserção social nas áreas urbanas.
Em alguns setores apresentam-se ainda que incipientes, mas promissores processos de
formação de arranjos institucionais entre micro empreendimentos. É o caso de catadores de
produtos recicláveis, que vêm formando cooperativas e fóruns para negociar políticas
públicas de coleta seletiva e melhor acesso a mercados e de motoboys, perueiros e taxistas
que, organizados em sindicatos e em parcerias com prefeituras, concessionárias e
instituições financeiras, conseguem reduzir custos de transação no acesso ao crédito (ver
box 2).
Granovetter (2000) mostra que o distanciamento entre as instituições financeiras e os
negócios que elas financiam faz com que sejam pouco conhecidos os detalhes técnicos e
permaneçam a parte dos seus círculos sociais e profissionais. Este modelo de
financiamento pressupõe a existência de mercados estáveis e que, portanto faz com que as
instituições financeiras sejam pouco estimuladas a financiar processos de inovação. Já a
existência de ligações estreitas entre as redes de financiamento e as redes técnicas e
comerciais possibilita inovações organizacionais que podem mais facilmente levar ao
sucesso dos pequenos negócios.
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Box 2
Salas do Empreendedor - parcerias para ampliar acesso ao crédito
Na Sala do Empreendedor de São Paulo os empreendimentos que mais têm acesso ao
crédito são os motoboys. Dos 1.000 projetos financiados entre janeiro e julho de 2003, 816
foram de motoboys e eles nem precisam ir até as agências. Isto foi possível através da
formação de uma parceria entre a Sala do Empreendedor, as concessionárias que vendem
motos e empresas que contratam os serviços dos motoboys. Os clientes elaboram os
pedidos de financiamento nas concessionárias que encaminham os processos de
financiamento e contratam o seguro dos veículos. As empresas de prestação de serviço
comprovam a atividade dos motociclistas e apresentam declaração das suas receitas. As
Salas apresentam os projetos de financiamento para as agências do Banco do Brasil. Com
este arranjo, o tempo para a liberação dos financiamentos é reduzido a metade.
A Sala do Empreendedor está organizando parcerias também entre perueiros, Secretaria
Municipal de Transportes, concessionárias e cooperativas, entre costureiras e lojas de
máquinas de costura, entre professores e a Itautec para o financiamento na compra de
computadores e entre empresas de franquia e franqueados.
Estas parcerias possibilitam uma grande redução dos custos de transação para os tomadores
de crédito e de redução dos riscos para a instituição financeira na concessão de crédito.
“Clusterbanks” (bancos de conglomerados) são exemplos deste tipo de ligação entre
instituições financeiras e arranjos locais. São instituições financeiras focadas no
financiamento de arranjos de micro e pequenas empresas. Seu principal objetivo é
dinamizar as economias locais através do financiamento da inovação. O principal
argumento da maior eficiência deste tipo de instituição é o maior aprendizado e
especialização proporcionados pelo enraizamento das instituições financeiras nos sistemas
locais. O conhecimento das condições comerciais, tecnológicas e gerenciais dos
empreendimentos permite às instituições oferecer serviços financeiros mais adequados às
suas demandas específicas. A proximidade permite uma troca informal de informações que
contribui para a redução da assimetria de informações e dos riscos de crédito.
Um dos primeiros passos para o estímulo à formação de arranjos produtivos é a formação
de redes e parcerias, especialmente entre organizações comerciais, de capacitação,
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40
tecnologia e financiamento. A formulação de projetos de médio e longo prazo que
orientem ações coordenadas entre redes de organizações locais é um importante
mecanismo para promover melhores condições de sustentabilidade dos pequenos negócios.
Contratos territoriais de desenvolvimento estabelecem uma nova forma de relação entre
atores locais e o Estado, superando a demanda de “balcão”, substituindo-a por uma nova
institucionalidade que possibilita a ação local articulada de diferentes atores na
descentralização de políticas públicas (13).
As comissões municipais de emprego seriam instâncias privilegiadas de governança dos
agentes locais para orientar as diversas políticas de desenvolvimento local e de geração de
trabalho e renda. Porém, o estudo realizado por Araújo e Lima (2000) chama a atenção que
o desenho institucional do PROGER pressupõe um grau de organização social pouco
encontrado na maior parte das regiões brasileiras. Na maioria dos municípios, o
funcionamento das comissões municipais de emprego, não lhes permite realizar
efetivamente o direcionamento e o controle sobre os financiamentos como previsto no
programa. Como não existem agentes locais com capacidade de orientar a aplicação dos
recursos, os agentes financeiros atuam exclusivamente segundo seus critérios, ocorrendo
assim grandes “falhas de transferência institucional” (Greif, 2001) entre os objetivos
estabelecidos pelo CODEFAT e o encaminhamento concreto das operações do programa.
Dificuldades de gestão de estruturas descentralizadas de execução e multiplicidade de
objetivos são apontadas por Cardoso et alli (2000) como as maiores limitações à eficiência
das políticas públicas no Brasil. São os chamados problemas de agência derivados
essencialmente da dificuldade que os agentes têm de reconhecer os objetivos expostos nos
documentos oficiais dos programas e de consolidar tais objetivos nos contratos de
execução das políticas. A falta de mecanismos de incentivo agrava ainda mais os
problemas e gera uma série de ineficiências. É muito comum que objetivos de agentes
locais, raramente explícitos, se sobreponham a objetivos gerais do programa. Fortalecer a
capacidade de planejamento e coordenação das comissões municipais e a articulação delas
com os demais conselhos municipais é essencial para fortalecer a capacidade de
governança local das políticas públicas.
Segundo Azevedo (2001) para a difusão e o desenvolvimento de instrumentos de
microfinanças para arranjos e sistemas produtivos locais é necessário priorizar o
atendimento de grupos de empreendimentos que contenham atividades complementares e 13 Para uma interessante proposta sobre contratos territoriais de desenvolvimento nas áreas rurais, ver Veiga, 2002
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clientes individuais inseridos em um arranjo ou sistema produtivo. A capacitação das
instituições de microfinanças sobre arranjos produtivos locais é também importante para
sensibiliza-las quanto à importância desta estratégia, mas principalmente para que possam
oferecer serviços orientados para o fortalecimento destes arranjos. Mas a integração entre
instituições financeiras e arranjos produtivos locais depende, sobretudo da ampliação do
leque de produtos financeiros oferecidos para empreendedores.
A maioria das instituições financeira possui linhas de financiamento para pequenos
empreendimentos com serviços muito específicos que não atendem adequadamente as suas
demandas. Devido à grande escassez de crédito, os empreendimentos tomam tais
financiamentos mesmo não que não correspondam exatamente à suas necessidades. Esta
tentativa de se adequar à oferta gera distorções e custos na gestão que podem comprometer
a sua viabilidade. Dois estudos recentes (Brusky, 2002 e ADS/SEBRAE 2003) mostram
que a demanda financeira dos empreendimentos de pequeno porte é bastante diversificada.
A sustentabilidade dos pequenos empreendimentos depende da oferta diversificada de
serviços financeiros, formada por um mix de serviços, composto por crédito, poupança e
seguros. Além disso, como foi mostrado na primeira parte deste trabalho, a ausência de
segmentação do público a ser beneficiado com os programas existentes tende a fazer
chegar os recursos aos empreendedores de maior renda.
O crédito para investimento geralmente necessita estar associado a financiamentos para
capital de giro e, ocasionalmente, crédito pessoal para os proprietários. Como não há uma
clara separação entre as finanças dos negócios e as finanças das famílias que os
administram a necessidade de crédito pessoal para atender emergências familiares muitas
vezes leva a crises financeiras nos pequenos negócios. A grande exposição a riscos a que
os pequenos empreendimentos estão submetidos gera uma importante demanda por
serviços de seguros. A poupança é particularmente importante para a sustentabilidade dos
pequenos negócios. O planejamento financeiro para realização de investimentos futuros é
fundamental para a redução de custos financeiros e para assegurar um crescimento regular
e sustentável dos pequenos empreendimentos.
O Sebrae é um ator decisivo na promoção dos Arranjos Produtivos Locais. Exerce
importante papel na formulação da proposta de criação de cooperativas de crédito de
microempreendedores, estimulando a sua formação como instituições financeiras de
arranjos produtivos. A articulação do programa de microfinanças do Ministério do
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Trabalho com o Sebrae é fundamental para a construção de um amplo Programa Nacional
de Fortalecimento do Empreendedorismo de Pequeno Porte.
O grupo de trabalho para o Programa Brasil Empreendedor III recomenda também a
criação de mecanismos de incentivo e mudanças institucionais que favoreçam a formação
de fundos de capital de risco locais, principalmente a partir de fundos de previdência
complementar.
2.6 O crédito assistido
A principal estratégia das políticas públicas para ampliar a sustentabilidade dos pequenos
empreendimentos está na política de crédito assistido, ou seja, condicionar o acesso ao
crédito à participação em programas de capacitação para a gestão dos negócios. A Sala do
Empreendedor e o CrediAmigo são os dois mais importantes programas de crédito
assistido para microempreendedores urbanos dentro do âmbito do PROGER. Mas estes
programas atendem uma parcela muito pequena dos empreendimentos.
A Sala do Empreendedor é um espaço dentro de agências do Banco do Brasil especializado
na oferta de crédito e serviços de capacitação e orientação a empreendedores. É resultado
de uma parceria entre o Centro CAPE, FAT, MTE, Banco do Brasil e Fundação Banco do
Brasil. Nas 40 salas em funcionamento foram concedidos 15,7 mil financiamentos a
empreendedores formais e informais.
Nas Salas do Empreendedor apenas 14% dos empreendedores que buscaram financiamento
foram atendidos com crédito. Em 12 das 40 Salas existentes menos de 10% dos
interessados foram beneficiados pelo serviço de crédito e no Rio de Janeiro, apenas 3% dos
empreendedores conseguiram financiamento. Segundo depoimentos dos gestores das salas,
o principal motivo da distância entre a demanda e a oferta de crédito é a incapacidade dos
empreendedores em atender as regras que o Banco do Brasil estabelece para aprovação dos
pedidos de financiamento. As principais barreiras de acesso são a restrição cadastral, o não
financiamento de capital de giro puro e o não financiamento de novos empreendimentos.
As Salas do Empreendedor são na verdade importantes agências de capacitação de
pequenos empreendimentos e contribuem significativamente para reduzir assimetrias de
informação entre empreendedores e o Banco do Brasil. As salas fazem a capacitação
gerencial dos empreendimentos e oferecem consultorias para a elaboração de planos de
negócios. A proximidade entre a Sala do Empreendedor e o Banco do Brasil reduz
consideravelmente a assimetria de informação. Processos internos e critérios de análise de
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crédito que não são plenamente conhecidos por agentes externos são utilizados pela Sala
do Empreendedor na elaboração dos projetos de financiamento facilitando a sua aprovação.
Mas ainda assim há problemas de assimetria de informação entre a Sala e o Banco cujos
processos automatizados de análise de crédito não captam com a mesma sensibilidade que
os agentes de crédito projetos viáveis, mas que não se enquadram nos critérios formais do
Banco, principalmente no caso de novos empreendimentos e de empreendimentos com
restrições cadastrais. Parcerias entre a Sala do Empreendedor e instituições de
microfinanças, poderiam ampliar o acesso àqueles que não são aprovados pelos bancos.
A desarticulação do programa de qualificação profissional administrado pelo Ministério do
Trabalho com o PROGER reduz a eficiência dos recursos utilizados pelos programas
voltados à geração de emprego e renda. A descontinuidade do programa de qualificação,
que restringe a sua execução a poucos meses do ano e a incapacidade das comissões
municipais e estaduais de emprego de construir uma amarração mais efetiva entre a
capacitação e o crédito, pode ser considerada uma das principais falhas institucionais dos
programas coordenados pelo Ministério do Trabalho e Emprego.
O exemplo da Sala do Empreendedor mostra a importância de estimular parcerias entre
instituições de capacitação e instituições de microfinanças. A qualificação profissional se
disseminou em todo o país nos últimos anos como política de geração de emprego e um
grande número de instituições foram criadas com esta finalidade. Há, porém uma grande
dificuldade de integrar os programas de capacitação com as políticas de financiamento.
Para promover maior articulação entre o crédito e a capacitação o melhor caminho é
incorporar as demandas de capacitação das instituições de microfinanças aos Planos
Territoriais de Qualificação do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE, 2003).
A melhoria da qualidade da capacitação para os empreendimentos de pequeno porte
financiados pode ser desenvolvida se integrada à “política de certificação profissional e
ocupacional” do MTE.
2.7 A viabilidade dos serviços de microfinanças
A taxa de juros está relacionada, sobretudo a fatores macroeconômicos, mas uma série de
fatores locais pode elevar ou reduzir os custos das instituições financeiras, e estes custos
são repassados para as taxas de juros cobradas nos financiamentos.
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Os custos financeiros da captação dos recursos que são utilizados nas operações de crédito
são muito variáveis. Os recursos próprios das instituições financeiras, principalmente
aqueles que compõem o seu capital social, é a fonte de recursos de mais baixo custo,
seguido dos depósitos à vista não remunerados e dos depósitos a prazo remunerados.
Instituições que possuem as condições legais e gerenciais para ampliar a captação de
recursos de baixo custo tendem a apresentar custos financeiros mais baixos e,
conseqüentemente, menores taxas de juros. A principal desvantagem destas fontes de
financiamento é a alta rotatividade destes fundos, o que permite apenas realizar
financiamentos de curto prazo.
Recursos doados por instituições públicas ou privadas para instituições de microfinanças
apresentam baixos custos financeiros, mas são pouco disponíveis no mercado e as fontes
são muito instáveis. Empréstimos ou investimentos de risco por parte de bancos e grandes
instituições financeiras são ainda pouco disponíveis devido à grande assimetria de
informação entre estas instituições e as de microfinanças.
Repasses de fundos públicos de longo prazo apresentam custos financeiros intermediários,
principalmente nas linhas de financiamento com taxas de juros subsidiadas. A principal
vantagem destas fontes de recursos é que podem financiar projetos de médio e longo prazo,
mas apresentam custos de transação elevados na relação entre governo, bancos públicos e
instituições de microfinanças.
As transações financeiras dependem da troca de um amplo conjunto de informações, com o
objetivo de reduzir o risco das operações. O acesso a informações tem custos que devem
ser pagos pelas instituições financeiras e quanto mais alto este custo maior será a taxa de
juros a ser cobrada pelas instituições.
A assimetria de informações entre instituições e usuários limita a capacidade das
instituições de analisar os riscos das operações financeiras. Para enfrentar este problema as
instituições financeiras utilizam diferentes estratégias de gestão. Os bancos, em geral,
adotam estratégias de forte restrição de acesso ao crédito para aqueles tomadores cujas
informações sobre o risco tenham um custo muito alto para serem obtidas. Por outro lado,
algumas financeiras adotam sistemas pouco rígidos de controle de risco, mas cobram taxas
de juros muito elevadas para cobrir a alta inadimplência.
Em arranjos institucionais locais, onde redes de organizações sociais e comunitárias
participam da gestão dos serviços financeiros os custos de acesso a informações são
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45
pulverizados, é possível reduzir a assimetria de informação, reduzir o risco e os custos,
contribuindo assim para a redução das taxas de juros.
As instituições financeiras precisam provisionar as perdas ocasionadas pelo não pagamento
dos empréstimos não pagos. Quanto maior o risco de inadimplência, maiores serão os
custos para as instituições financeiras a serem repassados para as taxas de juros cobradas
nos empréstimos. A implantação de sistemas de gerenciamento do risco promove a
redução dos custos e das taxas de juros. Instituições de microfinanças com forte
enraizamento local e inseridas em redes de organizações comunitárias apresentam menores
riscos de inadimplência e com isto, operam com custos e taxas de juros mais baixas.
Num cenário muito provável de redução das taxas de juros as instituições que dependam
exclusivamente dos spreads das operações de crédito sofrerão fortes restrições financeiras.
As OSCIP’s e SCM’s que atualmente oferecem apenas serviços de crédito terão
particularmente maiores dificuldades de viabilidade econômica e sofrerão forte
concorrência direta ou indireta com os serviços oferecidos pelos bancos que hoje começam
a oferecer linhas de crédito com taxas de juros que chegam a um terço da média cobrada
por estas instituições. A diversificação de serviços é fundamental para garantir a sua
viabilidade econômica.
O ideal é que as instituições de microfinanças pudessem combinar a oferta de crédito com
a captação de poupança. A restrição que a legislação impõe às OSCIP’s e SCM’s coloca
para estas instituições a necessidade de atuar em parcerias com bancos, principalmente na
forma de correspondentes bancários. Pagamentos de contas, uso de cartões de crédito,
serviços de seguros, trocas de cheques, penhora, consórcios são serviços que podem ser
oferecidos pelas instituições de microfinanças elevando as suas receitas e as condições de
viabilidade.
A formatação de produtos financeiros adaptados à real demanda dos potenciais usuários
das instituições de microfinanças é essencial para ampliar o impacto social e econômico
dos serviços financeiros, bem como para reduzir o risco para as instituições de
microfinanças. Para isto, é necessária a realização de pesquisas sobre as demandas
financeiras nas diversas categorias sociais, econômicas e territoriais do público a ser
atendido pelas instituições de microfinanças, disponibilizar estas informações para as
instituições e capacitá-las a formular produtos financeiros a partir destas demandas.
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TABELA 11. ESTIMATIVA DE RESULTADOS EM INSTITUIÇÕES DE MICROFINANÇAS
Elaboração: Plural/USP
O modelo hipotético de contas para instituição de microfinanças apresentado acima aponta
para uma taxa de juros ao tomador final de 2,6%. Outros modelos podem ser desenhados
resultando em ligeiras alterações na taxa final. Apenas a ampliação de receitas das
instituições financeiras, através da diversificação de serviços financeiros e não financeiros,
poderá levar à redução da taxa de juros final ou à ampliação de atividades de capacitação.
Com uma redução na taxa de juros ao longo dos próximos meses, todas as instituições de
microfinanças, inclusive as OSCIP’s, terão que oferecer novos serviços para se tornarem
viáveis.
3 O PROGRAMA DE MICROFINANÇAS
3.1 Objetivos do Programa de Microfinanças
Os objetivos do Programa de Microfinanças do Ministério do Trabalho deveriam ser:
(1) Ampliar o acesso dos empreendimentos de pequeno porte a serviços financeiros;
(2) Proporcionar recursos para a expansão de instituições de microfinanças;
(3) Criar incentivos para a formação de arranjos locais que ampliem o acesso e as
condições de sustentabilidade dos empreendimentos de pequeno porte.
3.2 O Repasse dos Recursos do FAT
O FAT dispõe de recursos para o microcrédito com um custo mínimo da TJLP. Na outra
ponta, existe um grande número de pessoas que desenvolvem dezenas de tipos de atividade
econômica de pequeno porte demandando recursos para ampliar ou iniciar novas
atividades produtivas. O grande dilema é criar um elo de ligação entre a oferta e a demanda
de recursos, com o menor custo possível de intermediação e sem ampliar
significativamente a burocracia.
Os agentes intermediários neste processo podem ser tanto instituições financeiras bancárias
(públicas e privadas) como não bancárias (cooperativas de crédito e SCM’s), ou ainda,
instituições não financeiras (OSCIP’s e ONG’s de crédito). Entretanto, as instituições de
microfinanças podem cumprir um importante papel neste processo, especialmente nos
pequenos municípios. Mais do que um intermediário de crédito, as IMF’s, pelo maior
conhecimento da realidade local e das pessoas com quem atuam, têm condições de
desenvolver mecanismos mais adequados e baratos que os bancos para operar com a
população de baixa renda.
De qualquer forma, o primeiro desafio é ampliar as possibilidades em relação aos agentes
financeiros que possam operar com os recursos do FAT, hoje limitados legalmente aos
bancos públicos federais (Banco do Brasil, Caixa Econômica Federal, Banco da Amazônia,
Banco do Nordeste e BNDES). Não seria adequado, para ampliar o acesso ao microcrédito
com recursos do FAT, manter sua atuação restrita exclusivamente aos bancos públicos
federais, como ocorre até aqui. Para ampliar o leque de intermediários entre os recursos do
FAT e seu público beneficiário existem três possibilidades.
3.2.1 Criação de uma Agência de Crédito de “segundo piso” no interior do Ministério do Trabalho para operar repasses de recursos para outras instituições de crédito;
Esta poderia ser a proposta ideal para reduzir a burocracia e os custos de transação
financeira. Permitiria que os recursos do FAT passassem diretamente para as instituições
operadoras do crédito, independente de sua estrutura jurídica: bancos, cooperativas de
crédito, SCM, OSCIP e ONG’s de crédito.
Entretanto, esta proposta tende a ser a mais difícil de se concretizar, além de demandar
mais tempo para se efetivar. Seria preciso, inicialmente, a alteração das Leis 7.998/90 e
8.019/90 que disciplinam o FAT, permitindo que os seus recursos possam ser destinados
diretamente para outras instituições que não os bancos públicos federais.
Em seguida, seria necessário criar uma estrutura operacional no interior do MTE para
gerenciar estas operações. O número de intermediários financeiros que se relacionariam
com o FAT passaria dos atuais cinco bancos federais para mais de 150 instituições
operadoras de microcrédito. Além da estrutura física e de pessoal, uma agência com estas
características precisaria de pessoal técnico qualificado para este tipo de trabalho. A
ingerência e as pressões políticas que estes funcionários públicos estariam sujeitos também
podem dificultar uma avaliação correta da sustentabilidade das instituições demandadoras
de crédito. As limitações legais relacionadas ao orçamento do MTE dificultariam a
manutenção de uma estrutura mínima necessária ao funcionamento da agência. Seria difícil
reter um percentual dos recursos repassados a título de spread para manter a estrutura
operacional. Da mesma forma, teria muita dificuldade (legal, principalmente) para dividir
os riscos com as instituições operadoras.
As restrições que seriam impostas pelo CODEFAT, visando a manutenção de seu
patrimônio, podem inclusive limitar as operações de repasses em função do excesso de
burocracia e de garantias exigidas. Ou seja, ou invés de reduzir a burocracia, a tendência
seria de um aumento das exigências atuais.
Uma alternativa a esta proposta pode ser a constituição de uma agência de
refinanciamento autônoma e independente do FAT e do MTE. Esta agência seria
responsável pela centralização dos recursos do FAT destinados aos financiamentos,
inclusive por aplicações financeiras dos recursos não aplicados, e para o repasse às demais
instituições financeiras. O grande limitante desta proposta seria a aceitação pelo
CODEFAT e, principalmente, a aprovação no Congresso Nacional de uma proposta neste
sentido. Esta proposta poderia ser defendida caso a agência de microcrédito assumisse a
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responsabilidade de gerir outras fontes de recursos, como aqueles originários dos depósitos
de bancos que não queiram ou não possam utilizar os recursos da exigibilidade
obrigatoriamente destinados ao microcrédito.
3.2.2 O BB, através de sua subsidiária de microfinanças, atuar como banco de “segundo piso” repassando os recursos para os demais agentes financeiros;
Esta proposta depende da aceitação do Banco do Brasil, além da definição de mecanismos
que impedissem este banco de agir em benefício próprio. Uma vez que o Banco do Brasil
também atuaria no varejo com estes recursos, ele poderia ter uma ação monopolista,
evitando o repasse para outras instituições onde é de seu interesse operar diretamente os
financiamentos. Esta medida não permitiria a competição entre os agentes financeiros,
reduzindo a eficiência das instituições.
Nestas operações, a subsidiária do Banco do Brasil receberia um percentual dos
financiamentos a título de spread. Teria também que assumir parte dos riscos das
operações, pois este banco fornece as garantias ao FAT pelos recursos alocados.
3.2.3 O BNDES atuar como banco de “segundo piso” para todos os programas de microcrédito desenvolvidos pelo Ministério do Trabalho com recursos do FAT.
Esta alternativa é a defendida neste trabalho na medida em que as duas primeiras são mais
limitadas e de maior dificuldade de operacionalização. O repasse dos recursos para as
entidades financeiras interessadas via BNDES é a proposta mais simples, rápida e eficaz
para ampliar a oferta de microcrédito. Não existe nenhum empecilho legal ou normativo. O
BNDES precisaria apenas ampliar sua equipe de trabalho visando aumentar o número de
entidades atendidas. O mais recomendado seria a constituição de uma diretoria dentro do
BNDES especialmente para trabalhar com este tema. A centralização dos recursos no
BNDES é a melhor opção porque:
a) Conta com uma estrutura operacional para administrar os recursos, não
demandando grandes investimentos para ampliar a carteira de crédito;
b) Tem experiência na gestão de recursos para crédito e no repasse para instituições
financeiras, inclusive instituições formais e informais que operam com microcrédito;
c) Tem acesso aos recursos do FAT e cobra um pequeno spread;
d) Não atua no varejo, portanto não será um competidor com as instituições que
acessam seus recursos;
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50
e) Como instituição financeira, sofre menos pressão e ingerência política na escolha
das entidades a serem atendidas;
f) Tem facilidade para inovar na exigência de garantias nos empréstimos;
g) Como já disponibiliza outras modalidade de microcrédito, evitaria duplicar ações,
reduzindo custos e potencializando os recursos existentes;
h) Com o tempo poderia unificar, na estrutura operacional do Banco, as ações de
microcrédito com as operações do PRONAF, ampliando as possibilidades de repasse
para as entidades de microfinanças.
Os bancos públicos federais continuariam a operar diretamente com o FAT (menor custo e
maior agilidade). Entretanto, deveriam seguir as mesmas regras definidas pelo governo
federal (dono dos recursos) e adotadas pelo BNDES.
3.3 Credenciamento e contratação
O Programa de Microfinanças deve ser destinado a todos os tipos de instituições que atuam
com microcrédito e microfinanças, como cooperativas de crédito, SCM’s, OSCIP’s de
crédito, ONG’s de crédito, bancos comerciais e de fomento. Para evitar que o grande
número de instituições demandantes restrinja a ação do BNDES no repasse, este banco
deve procurar operar com organizações de representação. No caso de cooperativas de
crédito, necessariamente as operações devem ser realizadas com as centrais de crédito, à
exceção de cooperativas isoladas com um grande número de associados e que demandem
valores elevados de recursos.
Em relação as OSCIP’s e SCM’s, consolidando-se a expansão deste tipo de instituição,
deveria ser estimulada a formação de instituições de segundo grau semelhantes às centrais
de crédito. Como ainda não existem, será necessário que o BNDES interaja com cada uma
individualmente.
O credenciamento das instituições financeiras deve ser feito pelo Ministério do Trabalho e
Emprego. Mediante análise de projetos, o Ministério estabelecerá que faixas de
financiamento a instituição poderá dispor. A análise dos projetos buscará identificar o
público para o qual a instituição financeira está se orientando, quais as condições que estão
sendo criadas para que este público tenha reais condições e baixo custo de acesso às linhas
de financiamento, que outros serviços financeiros e não financeiros serão oferecidos, como
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serão realizados as políticas de capacitação e assistência técnica aos empreendimentos
financiados e que arranjos locais estão sendo formados com a finalidade de ampliar o
acesso e a sustentabilidade dos empreendimentos de pequeno porte.
A contratação de instituições locais de microfinanças poderia ser conduzida pelos mesmos
procedimentos da operacionalização do Plano Nacional de Qualificação, de forma
descentralizada e compartilhada com as Comissões/Conselhos Estaduais de
Trabalho/Emprego e as Comissões/Conselhos Municipais de Emprego/Trabalho.
Esta política de pré-credenciamento de Instituições de Microfinanças (IMF’s) permitirá ao
MTE o desenvolvimento de ações direcionadas a determinados setores econômicos e
regiões, em função de sua prioridade. O TEM poderá ampliar a oferta de recursos para
IMF’s que atuam onde existe pouca oferta de crédito.
A partir do credenciamento pelo MTE, a instituição de microfinanças deverá procurar o
BNDES para contratar as operações de repasse. Neste momento, o BNDES exigirá toda a
documentação das instituições e analisará as condições para a realização dos
financiamentos.
Deve-se destacar que o credenciamento pelo MTE não garante que o financiamento será
realizado pelo BNDES. Caso a IMF não cumpra as exigências cadastrais e econômicas
definidas pelo BNDES e acordadas pelo MTE, esta não acessará os recursos. Além disso, o
valor repassado também poderá ser inferior ao solicitado e aprovado pelo MTE em função
das condições econômicas das instituições demandantes dos recursos.
Mesmo não garantindo que as instituições de microfinanças credenciadas recebam
automaticamente os recursos, o MTE poderá monitorar o trabalho do BNDES através do
acompanhamento das IMF’s que solicitam o credenciamento e que depois conseguem
acessar os recursos. Caso o número de instituições credenciadas que não estão conseguindo
acessar os recursos seja significativo, o MTE poderá propor ao BNDES uma revisão dos
critérios operacionais adotados por este banco.
O contrato entre o Ministério do Trabalho e a instituição financeira estabelecerá também as
metas, a forma de monitoramento e de avaliação do desempenho dos serviços contratados.
Uma vez assinado o contrato entre o Ministério do Trabalho e a instituição financeira, esta
estará habilitada a contratar o financiamento, na forma como será exposta a seguir.
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3.4 Contratos de financiamento
Os beneficiários deste programa de crédito serão classificados em 3 grupos de acordo com
o faturamento bruto apresentado anteriormente na tabela 3. Para cada grupo de
beneficiários será definido um volume de recursos a ser disponibilizado pelo FAT, o qual
poderá sofrer alterações dependendo da demanda ocorrida nos demais grupos. Para o grupo
de menor faturamento, sugere-se trabalhar inicialmente com 30% dos recursos totais
disponíveis. O grupo intermediário ficaria com outros 40%, e o grupo de maior
faturamento, com os 30% restantes. O objetivo desta focalização é procurar atender a todos
os grupos de empreendedores, evitando assim uma seleção excessiva pelo agente
financeiro. Além disso, pretende-se melhor conhecer os diversos grupos demandantes do
crédito, inclusive facilitando o desenvolvimento de novos produtos financeiros mais
adaptados a cada grupo social, além de procurar romper as principais barreiras para o
acesso aos créditos inerentes a cada grupo de microempreendedores.
Os maiores custos que normalmente são inerentes aos projetos de menor valor, destinados
aos microempreendedores com menor faturamento bruto anual serão compensados por um
custo menor do recurso tomado junto ao BNDES.
As instituições de microfinanças não são iguais, sendo que algumas fornecem outros
serviços financeiros ou não financeiros vinculados ao crédito. Existem IMF’s que
simplesmente fornecem o microcrédito. Outras, além de ofertar o crédito, vinculam a sua
liberação com o fornecimento de algum curso de formação para o demandante, ou então,
mantém algum acompanhamento do projeto financiado, fornecendo inclusive assistência
técnica. Para cada serviço adicional ao crédito ampliam-se os custos para as IMF’s. O FAT
deve contribuir com este processo de formação e acompanhamento, mas não deve ser o
único responsável por cobrir os custos com estes serviços. As instituições financeiras que
oferecem outros serviços financeiros além do crédito, como a poupança, seguros e outros,
terão também taxas de juros menores com relação às que fornecem apenas o serviço de
crédito. Esta é uma medida que visa estimular o atendimento às diferentes demandas por
serviços financeiros, contribuindo de forma mais ampla para a sustentabilidade dos
negócios e dos orçamentos familiares financiados.
Assim, o custo dos recursos do FAT para as IMF’s deve variar de acordo com o público
atendido (três grupos) e com os serviços financeiros e não financeiros fornecidos pelas
IMF’s. Sugere-se que a taxa cobrada pelos recursos tenha uma variação compreendida
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entre o intervalo de TJLP + 1 até TJLP + 9 ao ano. O 1% aa cobrado nas operações seria
destinado ao BNDES para cobrir os custos de intermediação dos recursos. Os até 8% ao
ano adicionais à TJLP (custo do recurso do FAT) seriam destinados a um fundo de
fomento ao desenvolvimento do empreendedorismo de pequeno porte.
As condições de acesso aos recursos do FAT pressupõem a existência de contrapartidas
por parte das instituições financeiras: (a) contrapartidas financeiras, através da mobilização
de recursos próprios ou da captação da poupança local; (b) contrapartidas em serviços não
financeiros, através da realização de atividades de capacitação e assistência técnica aos
empreendimentos financiados; e (c) contrapartidas institucionais, através da formação de
arranjos locais que confiram melhor condição de sustentabilidade aos negócios
financiados.
Os dois quadros a seguir apresentam os grupos beneficiários e as condições dos serviços
prestados pelas IMF associados aos financiamentos.
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TABELA 12. Grupos de beneficiários do programa nacional de microfinanças
GRUPO Empréstimos destinados a empreendedores com faturamento anual de:
A Menor que R$ 10.000,00B De R$ 10.000,00 até menos de R$ 60.000,00C De R$ 60.000,01 até R$ 240.000,00
TABELA 13. Condições de acesso das instituições financeiras aos recursos do FAT
Características da instituição Condições de acesso Beneficiário Condições de financiamento
Instituições que ofereçam exclusivamente serviços de crédito
Apresentar projetos com linhas de crédito a serem oferecidas aos empreendedores
Grupo A TJLP + 4
Grupo B TJLP + 6
Grupo C TJLP + 9
Instituições que possuam agentes de desenvolvimento, grupos solidários e ofereçam serviços ou possuam parcerias com instituições de capacitação e assistência técnica
Apresentar projeto com linhas de financiamento e serviços de capacitação e assistência técnica a serem oferecidos ou contratos de parcerias com instituições de capacitação e assistência técnica
Grupo A TJLP + 1
Grupo B TJLP + 3
Grupo C TJLP + 6
A taxa de juros cobrada dos tomadores deste programa de microcrédito deve ser limitada a
no máximo a TJLP + 21% aa, o que resultaria em uma taxa de até 33% aa de juros nas
condições atuais da TJLP (12%). Esta taxa deve ser limitada para evitar o estímulo a
instituições de microfinanças não sustentáveis economicamente, além de abusos
econômicos que poderiam ser realizados com recursos públicos. Considera-se, portanto,
que um spread de 12% a 20% aa são suficientes para cobrir os custos operacionais em
operações de microcrédito, inclusive fornecendo alguns serviços adicionais ao
financiamento.
Para diferenciar os tipos de instituições financeiras em relação ao acesso dos recursos, o
programa pode separar as instituições em relação a capacidade de oferecer contrapartidas.
Por exemplo, bancos comerciais e bancos múltiplos com carteira comercial, que tem
maiores condições de disponibilizar recursos para o microcrédito, devem alocar no
programa de microcrédito, com recursos próprios, no mínimo, R$ 2,00 para cada R$ 1,00
repassado pelo FAT. Cooperativas de crédito, bancos de fomento (estaduais), SCM’s,
OSCIP’s e ONG’s de crédito devem manter esta relação em 1 para 1.
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Os riscos das operações de microcrédito são sempre da instituição financeira operadora
final. O FAT e o BNDES não devem assumir riscos nestas operações. Para facilitar o
acesso e reduzir a burocracia e as exigências por garantias, este programa também deve ter
acesso aos recursos do fundo de garantia do PROGER (FUNPROGER).
3.5 Fundo de Fomento ao Desenvolvimento do Empreendedorismo de Pequeno
Porte
A criação de um fundo de fomento é uma importante iniciativa para garantir uma oferta
permanente e contínua de recursos para financiar políticas de fomento ao
empreendedorismo de pequeno porte.
O fundo poderá ser institucionalização de duas diferentes formas. A primeira opção é a
criação de um fundo público controlado pelo Ministério do Trabalho. Para criar este fundo
será necessária a aprovação de uma lei que autorize a sua criação, defina fontes de recursos
e atribuições. Do valor pago pelas instituições financeiras, 1% ao ano ficariam com o
BNDES a título de spread. O FAT receberá como remuneração pelos seus recursos a
TJLP. O Fundo de Fomento será formado pelos recursos advindos do pagamento dos juros
que excederem a TJLP + 1% ao ano nos contratos de financiamento entre as instituições
financeiras e o BNDES. A desvantagem deste modelo institucional é a subordinação do
orçamento do fundo às restrições fiscais impostas ao orçamento público.
A segunda opção é a criação de um Fundo no BNDES. Para capitalização deste fundo, o
BNDES receberia 2% dos valores pagos pelas instituições financeiras, sendo 1% a título de
pagamento dos custos operacionais e 1% para o Fundo de Fomento. A gestão do fundo
poderia ser dirigida por um conselho formado pelo BNDES, Ministério do Trabalho e
instituições de microfinanças, segundo regras a serem estabelecidas no detalhamento deste
Programa de Microfinanças. A principal vantagem deste modelo institucional é que por
não se caracterizar como um fundo público, o seu orçamento e a sua governabilidade
estarão menos sujeitas às restrições do orçamento público.
O acesso aos recursos do Fundo de Fomento será mediante apresentação de projeto
conforme edital a ser lançado anualmente. O Fundo poderá ser utilizado para a constituição
de novas instituições de microfinanças e para a formação de arranjos locais. O foco nestas
duas estratégias se justifica pela importância na descentralização do sistema de
microfinanças e pelo fortalecimento da capacidade de autosustentação dos
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empreendimentos de pequeno porte. Além disso, a necessidade de ações mais
especializadas e, por este motivo, de maior custo, para o desenvolvimento destas duas
estratégias, exige a participação de recursos que não podem ser disponibilizados por
instituições locais, especialmente em regiões mais carentes.
Porém, isto não significa que estas ações tenham que ser integralmente subsidiadas. Os
gastos públicos neste programa devem ser contrapartida de gastos e de esforços locais com
projetos de desenvolvimento. Para isto, é essencial a formação de contratos de
desenvolvimento entre instituições que estabeleçam compromissos com metas para o
desenvolvimento local.
O repasse de recursos deve ser condicionado a existência de contratos de desenvolvimento
que visem a adoção de sistemas de governança que reduzam os custos de transação,
principalmente dos tomadores, a inserção das instituições de microfinanças em redes de
cooperação local, a formação de parcerias com instituições de capacitação e assistência
técnica e a vinculação das instituições de microfinanças a projetos de desenvolvimento
local inovadores e de qualidade, com estratégias econômicas viáveis.
O Ministério do Trabalho definirá regras operacionais que visem estreitar a articulação
entre as políticas de financiamento e os “planos territoriais de qualificação” (MTE, 2003)
do Plano Nacional de Qualificação do Ministério do Trabalho e Emprego.
As Comissões Municipais de Emprego e Renda podem ser fóruns que articulam e
coordenam processos locais que resultem na consolidação destes contratos de
desenvolvimento, bem como atuar no monitoramento da execução das atividades e
serviços previstos nestes contratos.
A criação de organizações de segundo nível para as instituições de microfinanças é uma
importante estratégia por parte do governo e agentes financeiros que atuam em parceria
com estas instituições, especialmente porque reduz consideravelmente os custos de
negociação, contratação e controle. Pelo lado do Banco Central, a formação de órgãos de
segundo grau traria também a redução de custos de controle e fiscalização. Por parte das
instituições de microfinanças a sua organização em centrais de microfinanças traria
importantes vantagens como a redução de custos com serviços de contabilidade, controle
ou investimentos em tecnologia e um gerenciamento mais eficaz de riscos, que lhes
proporcionariam maior credibilidade e melhores condições de acesso ao mercado
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financeiro. Por estes motivos, a promoção de centrais de microfinanças deve ser também
um alvo deste fundo de fomento.
A expansão de instituições de microfinanças depende de políticas de apoio e de aporte de
recursos para o seu início de funcionamento, quando o equilíbrio financeiro e a capacidade
institucional não estão ainda plenamente alcançados.
Para atender a estes objetivos podem ser implementadas as seguintes linhas de fomento:
Programas de capacitação e assessoria orientados a formação de arranjos produtivos
locais;
Programas de capacitação para constituição e gestão de instituições de microfinanças.
3.5.1 Estimativa de receita do Fundo
Um cálculo estimado da receita do Fundo de Fomento, prevendo a realização de 500 mil
contratos entre as duas modalidades de contrato com instituições financeiras e a
participação prevista de empreendimentos por faixa de faturamento, o Fundo teria uma
entrada anual de R$ 12,25 milhões.
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Tabela 14. Estimativa de receitas do fundo de fomento
Grupos de clientesNúmero de
empréstimosValor médio Valor total
Receita do Fundo
Grupo A com capacitação75.000 1.000,00 75.000.000,00 750.000,00
Grupo B com capacitação100.000 2.000,00 200.000.000,00 2.000.000,00
Grupo C com capacitação75.000 5.000,00 375.000.000,00 3.750.000,00
Grupo A sem capacitação75.000 1.000,00 75.000.000,00 -
Grupo B sem capacitação100.000 2.000,00 200.000.000,00 2.000.000,00
Grupo C sem capacitação75.000 5.000,00 375.000.000,00 3.750.000,00
Total 1.300.000.000,00 12.250.000,00
Elaboração: Plural/USP
3.6 Monitoramento do Programa
Monitorar o desempenho das instituições de microfinanças é fundamental para o
desenvolvimento de uma rede de microfinanças sustentável e medir o impacto dos serviços
de microfinanças na geração de trabalho, emprego e renda é fundamental para garantir a
contribuição efetiva das atividades de microfinanças para o desenvolvimento local. Este
monitoramento do mercado de microfinanças deve ser organizado através do uso de um
sistema de indicadores. A análise do impacto e do desempenho deve ser uma das condições
para a continuidade ou ampliação do acesso das instituições de microfinanças aos recursos
do programa.
O monitoramento do desempenho das instituições financeiras será feito a partir de metas
previamente estabelecidas nos contratos com o FAT. É fundamental a obrigatoriedade de
fornecimento de informações cadastrais que permitam acompanhar se o público visado
pelo programa está efetivamente sendo contemplado.
Indicadores de monitoramento:
empreendimentos financiados por faixas de faturamento anual;
número de postos de trabalho gerados;
manutenção dos postos de trabalho ao longo dos 3 anos posteriores ao financiamento.
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O Ministério do Trabalho dispõe atualmente de uma frágil estrutura de monitoramento.
Não são levantadas, por exemplo, informações que são chave para a avaliação do impacto
do FAT na geração de trabalho, emprego e renda. A falta de rigor na cobrança de
informações das instituições financeiras e a falta de uma estrutura de monitoramento da
economia informal impossibilitam também uma clara análise de custos de intermediação,
uma análise mais precisa das demandas financeiras, o que dificulta o desenho mais
adequado para um programa de microfinanças.
A RAIS e o CAGED são poderosos sistemas de informação do mercado de trabalho
formal, mas dado o crescimento do mercado de trabalho informal e a necessidade de
políticas ativas para geração de trabalho, seja ele autônomo, associativo ou mesmo
informal, é fundamental que o Ministério do Trabalho disponha de um sistema de
informação sobre a economia informal.
Duas medidas neste sentido serão fundamentais para que o programa possa ser futuramente
avaliado e que possam ser feitos ajustes para tornar o programa mais acessível e com maior
impacto social. Em primeiro lugar, o próprio Ministério deve ter uma estrutura de
monitoramento, com softwares integrados às instituições financeiras e equipe técnica
qualificada para processamento e análise das informações. Em segundo lugar, o Ministério
do Trabalho deve solicitar ao Ministério do Planejamento e ao IBGE a realização periódica
da Pesquisa da Economia Informal Urbana e utiliza-la para a formulação e monitoramento
de suas políticas.
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Conclusões
Existe uma clara determinação por parte do Governo Federal de ampliar de forma
significativa o acesso a serviços financeiros a populações vivendo próximo à linha de
pobreza. A imprensa registra já em meados de 2003 os primeiros resultados desta política e
seus impactos altamente positivos sobre a vida de populações até aqui excluídas do sistema
bancário. Ao mesmo tempo, é nítida a disposição de vários bancos privados e estatais de
encarar as finanças dos pobres como oportunidade de negócios. O presente trabalho é uma
contribuição a este movimento geral que já extrapola o próprio Governo e atinge, de
maneira cada vez mais significativa, os setores privado e associativo. Seu principal foco
está na eliminação dos principais obstáculos que impedem que os recursos do Fundo de
Amparo ao Trabalhador cheguem à grande maioria dos empreendedores de pequeno porte,
que constituem parcela tão expressiva da força de trabalho nacional.
O trabalho parte da premissa de que o fortalecimento do empreendedorismo de pequeno
porte é o objetivo estratégico da política nacional de microfinanças. Esta proposição tem
uma dupla conseqüência. Em primeiro lugar, exige que se segmente o público destinatário
desta política: hoje os recursos do FAT atingem parcela extremamente minoritária entre os
micro-empreendedores urbanos e não chega aos de menor porte. Ampliar a base social da
polícia nacional de microfinanças exige, entretanto, instituições que possam contemplar
não apenas a necessidade de crédito, mas uma ampla e diversificada demanda por serviços
financeiros que caracteriza a vida das famílias vivendo próximo à linha de pobreza. A
sustentabilidade financeira das organizações de microfinanças é um dos mais importantes
sinais de seu enraizamento social e, portanto, do atendimento à demanda das localidades
onde se inserem.
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Esta demanda, entretanto, pode ser atendida de maneira socialmente concentrada e com
impacto reduzido sobre a criação de melhores condições para o processo de
desenvolvimento. Em outras palavras, é possível que organizações sustentáveis – bancárias
e não bancárias – se afirmem economicamente atendendo à demanda dos segmentos que se
encontram no alto da pirâmide social em que se estratificam os empreendedores de
pequeno porte. E, deixadas a sua própria iniciativa, as organizações financeiras
dificilmente encontram estímulos para financiar arranjos produtivos capazes de fortalecer o
tecido econômico das localidades em que se inserem. É exatamente para suprir esta dupla
falha de mercado – que exclui os empreendedores de menor porte e desestimula o
desenvolvimento territorial – que a proposta aqui formulada segmenta o público do
Programa Nacional de Microfinanças e estabelece condições mais favoráveis de obtenção
de recursos para as organizações que atenderem à demanda dos segmentos inferiores dos
empreendedores de pequeno porte e para aquelas que tiverem ações no sentido de
fortalecer os arranjos produtivos localizados, por meio de ações variadas, entre as quais
destacam-se as de formação.
O importante é que estas ações não oneram o Tesouro Nacional e financiam-se pela própria
ampliação do acesso ao crédito. As formas mais corriqueiras deste acesso (as que não
visam especialmente o público situado na base da pirâmide social, nem se conjugam a
ações de capacitação) conduzem ao pagamento de juros mais altos às fontes de recursos:
este diferencial entre o custo do dinheiro (TJLP) e o que por ele pagam os que praticam
apenas o crédito, vai financiar o esforço de se atingir os segmentos de mais baixa renda e a
própria capacitação. As simulações expostas no trabalho mostram que se trata de política
economicamente viável.
Mas é claro que esta política exige um arranjo político e institucional inovador. Em
primeiro lugar – contrariamente à tradição brasileira neste sentido – não se trata de fazer
dos bancos estatais os atores financeiros únicos da política governamental. Ao contrário,
ela convida os setores privado e associativo, as organizações bancárias e não bancárias a
tomarem parte da ampliação do acesso a serviços financeiros para populações e áreas
carentes. Cooperativas de crédito, bancos privados, OSCIP’s, ONG’s, SCM’s terão um
lugar de destaque, bem como as comissões e conselhos municipais (e estaduais) que têm
papel decisivo na aceitação de organizações que se candidatem a receber recursos
governamentais.
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É importante salientar que o Ministério do Trabalho e Emprego, com base nestas
organizações locais e em sua estrutura própria, é que responde pelas diretrizes políticas do
Programa, credenciando as organizações e, sobretudo controlando a qualidade social e
profissional de sua atuação.
O BNDES responde não apenas pela saúde financeira do programa, como também pela
gestão dos recursos que permitirão a viabilidade das operações com um público até hoje
distante das microfinanças e de arranjos produtivos que têm sido pouco estimulados. Esta
separação entre a direção política do programa e a saúde financeira de sua gestão é um dos
componentes básicos da proposta aqui formulada.
Este trabalho propõe em suma que o Programa Nacional de Fortalecimento do
Empreendedorismo de Pequeno Porte - por meio acesso ampliado ao crédito e outros
serviços financeiros aos pobres e com base em organizações locais economicamente
sustentáveis – seja um dos elementos estratégicos na luta contra o desemprego e a exclusão
social no Brasil.
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