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Ocupação Lanceiros Negros de Porto Alegre: a busca por
visibilidade por meio das redes sociais
Caroline de Mendonça Musskopf
Gabriela M. Ramos de Almeida
Palavras-chave: Ocupação Lanceiros Negros; Movimentos sociais; Comunicação
alternativa; Redes sociais.
RESUMO EXPANDIDO
Este trabalho se propõe a analisar o uso das redes sociais por movimentos sociais
a partir de um estudo de caso da página mantida pela Ocupação Lanceiros Negros, de
Porto Alegre, no Facebook. Foram catalogados e observados ao longo dos três meses
todos os conteúdos publicados na fanpage chamada Ocupação Lanceiros Negros MLB –
RS e mantida por integrantes do Movimento de Luta nos Bairros, Vilas e Favelas (MLB).
A pesquisa se baseia no conceito de comunicação alternativa (ATTON, 2001;
PERUZZO, 2006; GIMÉNEZ, 1979) e visa fomentar a discussão a respeito da
necessidade de existência da comunicação alternativa para a afirmação do direito
constitucional à comunicação e para a criação de um lugar de fala (BRAGA, 2000) para
grupos sociais historicamente marginalizados e criminalizados. O trabalho também se
baseia nas contribuições de Manuel Castells (1999; 2001; 2013) para fundamentar a
reflexão sobre o desenvolvimento das redes de movimentos sociais na internet.
A coleta de dados ocorreu de forma quantitativa e qualitativa. Como etapa
metodológica da pesquisa, as postagens da página Ocupação Lanceiros Negros MLB -
RS foram separadas em “resumo do primeiro mês de funcionamento”, “resumo do
segundo mês de funcionamento” e “resumo do terceiro mês de funcionamento”, nos quais
seus conteúdos foram classificados em seis categorias, a partir do teor percebido no
processo de análise. São elas: 1) Divulgação da ocupação; 2) Pedido de doações; 3)
Divulgação de ato público; 4) Divulgação de atividade cultural; 5) Reivindicação e
denúncia; e 6) Divulgação de outros movimentos sociais.
Em seguida, foi escolhida uma publicação de cada mês à qual foi dedicada uma
análise de conteúdo específica. O critério para a escolha foi a repercussão do post,
considerando o número de curtidas, somado ao número de compartilhamentos e ao de
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comentários. A tabulação e análise dos dados levantados permitiu perceber que, nos três
primeiros meses analisados, a quantidade de conteúdos com o intuito de divulgação da
ocupação e, indiretamente, do MLB, foi consideravelmente maior que todas as outras
categorias de conteúdos, sugerindo fortemente que essa foi a finalidade da criação da
página.
Contudo, os posts que mais repercutiram - tendo em vista o número de
compartilhamentos, somado ao número de curtidas e ao de comentários - foram aqueles
que possuíam um viés de reivindicação e denúncia, localizando o público leitor em
determinada situação.
Durante a análise da página da Ocupação Lanceiros Negros, outro ponto levantado
foi a categoria que obteve especificamente o maior número de compartilhamentos. Dentre
as opções de escolha para a análise - curtidas, comentários ou compartilhamentos - a
última recebeu essa atenção específica pois implica no aparecimento da respectiva
postagem no perfil do Facebook do indivíduo que o faz. Isso gera, portanto, uma carga
de significado maior para ele que uma postagem que ele apenas curtiu ou comentou.
Apesar da intenção estratégica para a criação da página ter sido a de divulgação da
ocupação, esta intencionalidade não foi o que definiu qual das categorias de análise
obteve um número maior de compartilhamentos. Novamente, obtivemos "reivindicação
e denúncia" no local de destaque.
Tendo em vista o conceito de comunicação alternativa e o objetivo de
desenvolvimento de um lugar ativo de fala na vida dos moradores da Ocupação Lanceiros
Negros, entende-se porque a categoria “Reivindicação e denúncia” ficou em uma posição
de repercussão consideravelmente superior à de todos os outros grupos. Afinal, se essa é
uma possibilidade de dar voz própria para pessoas que não se sentem devidamente
representadas pela mídia tradicional, é natural que o público atingido pelas postagens se
sinta no dever de compartilhar, para os seus próprios amigos e para o mundo, quando
alguma reivindicação direta é divulgada.
O Facebook, mesmo não sendo uma mídia livre, por se tratar de uma instituição
privada e, portanto, suscetível a censuras, tem sido uma alternativa para a narrativa de si
proposta pela Ocupação Lanceiros Negros. As redes sociais, portanto, possibilitam um
espaço para a produção de conteúdo autônoma dos movimentos e grupos sociais que, fora
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delas, não teriam um lugar de fala representativo, bem como uma contingência nas
relações de poder da comunicação de massa no Brasil.
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Harry Potter em tempos de midiatização: uma experiência
interacional no aplicativo Snapchat Felipe Jailson Souza Oliveira Florêncio
Universidade Federal do Pará, Belém, PA
Palavras-chave: Harry Potter; midiatização; interação; Snapchat.
RESUMO EXPANDIDO
1. Introdução
Este trabalho visa apresentar o resultado de uma análise exploratória a respeito de
dois recursos do aplicativo para smartphones Snapchat (as Live Stories e os filtros) que
utilizaram a temática “Harry Potter” em 31 de julho de 2016, considerando o lançamento,
neste dia, da versão em inglês do livro com o roteiro da peça teatral Harry Potter and the
Cursed Child1, vista como a oitava história da saga. Para desenvolver a análise,
iniciaremos com uma breve revisão das nossas perspectivas teóricas do conceito de
midiatização, trabalhado por Muniz Sodré (2012) e por José Luiz Braga (2011), que toma
como objeto dos estudos comunicacionais as interações humanas e considera
midiatização como nosso processo interacional de referência. Dialogamos também com
Dominique Wolton (2004), que considera que toda comunicação prescinde da interação,
tanto na concepção de comunicação funcional quanto na normativa. Em seguida, fazemos
uma contextualização a respeito da série Harry Potter e do aplicativo Snapchat,
finalizando com a análise, a partir dos conceitos, de duas amostras, uma de 27
printscreens2 do recurso das Live Stories e outra de 51 printscreens do recurso dos filtros.
A partir dessa reflexão, percebemos a série Harry Potter como objeto midiatizado e
vetorizador de processos interacionais.
2. Referencial teórico
Segundo Sodré (2012), a midiatização seria um conjunto de mediações baseadas
na comunicação como processo informacional a reboque do sistema capitalista e no que
ele chama de tecnointeração, ou seja, interações caracterizadas pela presença de uma
1 “Harry Potter e a Criança Amaldiçoada”, em português. Tradução adotada pela editora Rocco ao anunciar,
para outubro de 2016, a publicação da versão em português, no Brasil. 2 Captura de tela.
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prótese tecnológica denominada medium: um fluxo comunicacional acoplado a um
dispositivo técnico.
A midiatização implica um novo modo de estar e se relacionar no/com o mundo.
É o que ele denomina como bios midiático (SODRÉ, 2012). Ao tratar de midiatização
nessa perspectiva, o autor não se fecha na visão de como a mídia influenciaria a sociedade,
mas em como o processo de midiatização significa uma nova maneira de existir e se
comunicar.
Nesse sentido, aproximamos o pensamento de Sodré (2012) ao de Braga (2011),
que compreende midiatização como processo comunicacional da sociedade
contemporânea. Para Braga (2011), as mídias teriam destaque entre as interações na
sociedade e o midiático estaria presente em todos os espaços da vida. Entretanto, o autor
vê os meios de comunicação apenas como fenômeno empírico. O que se deve enxergar
neles é seu caráter proporcionador da “interação social comunicacional” (BRAGA, 2011,
p. 69) que seriam os processos simbólicos e práticos que organizam as trocas entre os
seres humanos. Braga (2011) trabalha para superar a disjunção entre “mídia” e
“interações”. Para ele, existe uma continuidade entre os processos comunicacionais da
midiatização e os processos interacionais mais distantes do “midiatizado”. A midiatização
faz parte da vida social em todos os seus aspectos.
Isso nos leva à perspectiva de Wolton (2004): é a interação que define a
comunicação, processo que possui três sentidos principais. Primeiramente, de
compartilhar com o outro. Em segundo, de conjunto de técnicas. E por último, de
necessidade social funcional, indispensável para a manutenção e desenvolvimento dos
sistemas globais.
Por funcional, o autor entende as necessidades que as economias e sociedades
abertas possuem de se comunicar. Atrelada à essa concepção, está a dimensão normativa,
relacionada ao que ele considera o ideal da comunicação: estar em contato com o outro,
compartilhar o comum, compreender-se. O autor nos mostra que essas dimensões não
existem desaliadas (WOLTON, 2004).
3. Harry Potter e o Snapchat
Percebendo a sociedade contemporânea tecida por interações midiatizadas,
selecionamos um exemplo empírico de experiência midiatizada para este exercício
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teórico-experimental. Escolhemos Harry Potter, uma das sagas ficcionais mais bem-
sucedidas da contemporaneidade (PERES, GOMES, 2008)3. Além de livros, deu origem
a filmes, jogos eletrônicos, RPG's e se proliferou na internet com blogs e fanfics (PERES,
GOMES, 2008; BORELLI, 2007).
Em 2016, a série migrou para o teatro. A autora J. K. Rowling, em parceria com
o diretor teatral Jack Thorne e o roteirista John Tiffany, desenvolveu o roteiro de uma
peça teatral, continuando o enredo da série original. A peça “Harry Potter and the Cursed
Child” estreou no dia 30 de julho de 2016, em Londres. No dia seguinte, ocorreu o
lançamento do seu roteiro em formato de livro, que, segundo o site Potterish4, bateu
recordes desde a pré-venda.
Este lançamento repercutiu nas redes sociais, entre elas, o Snapchat, aplicativo
para compartilhar fotos, vídeos e trocar mensagens. O seu diferencial é que esses
conteúdos, aos serem trocados entre usuários, têm a proposta de ficarem disponíveis
somente entre 1 e 10 segundos.
Um dos recursos do Snapchat são as “Live Stories”, uma reunião de snaps5
postados por usuários e selecionados pelo aplicativo para compor uma história a respeito
de determinado tema. O usuário envia seu snap para compor Live Stories. Esses snaps
são avaliados pela equipe de funcionários do aplicativo, que montam uma narrativa
composta por uma média de 20 a 50 snaps recebidos e a disponibiliza para todos os
usuários do aplicativo. Esse recurso tem sido utilizado para coberturas de eventos
culturais (MONTEIRO, MAZZILLI, 2016)6.
No dia 31 de julho de 2016, o Snapchat utilizou uma Live Story para a cobertura
do lançamento do livro com o roteiro da peça. A narrativa foi composta por um total de
27 snaps disponibilizados em sequência. Ao percebermos essa movimentação, realizamos
em nossa conta pessoal a coleta desses conteúdos através de printscreens.
3 Os livros foram traduzidos para 77 idiomas (Disponível em:
<http://www.jkrowling.com/pt_BR/#/works/os-livros>. Acesso em: 16 ago. 2016). De acordo com
Henriques (2015), os títulos da série venderam mais de 450 milhões de exemplares mundialmente. Somente
no Brasil, a estimativa é de cerca de 3 milhões de exemplares. 4, Potterish é o maior site de Harry Potter do Brasil e um dos cinco maiores do mundo, premiado pela
própria autora J.K. Rowling. Disponível em: <http://potterish.com>. Acesso em: 16 ago. 2016. 5 É assim que se chama os conteúdos compartilhados pelos usuários do Snapchat. 6 O usuário do Snapchat, ao clicar na Live Story assiste aos snaps em sequência, como se fosse um vídeo
formado por várias partes de vídeos menores.
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Além disso, o Snapchat forneceu outro recurso com o tema “Harry Potter” neste
dia: um filtro temático, com o qual os usuários podiam filmar/fotografar a si mesmos com
elementos que caracterizam o personagem título da saga: olhos verdes, cicatriz em forma
de raio na testa, cachecol vermelho e dourado e uma varinha. Neste caso, além de coletar
printscreens dos nossos contatos pessoais que utilizaram o filtro, solicitamos, via
WhatsApp, que 20 amigos procurassem, entre seus contatos do Snapchat, pessoas que
utilizaram o filtro, pedissem autorização para uso da imagem e, fornecida a autorização,
realizassem printscreens para compor nossa amostra. Durante aproximadamente 24h
foram coletados 51 printscreens. É a partir dessas duas experiências no Snapchat (o Live
Stories do lançamento do livro e o filtro temático) que construímos nossa análise
exploratória.
4. Análise exploratória
A análise trabalhou a construção de uma Live Story a partir da nossa perspectiva
teórica-conceitual. Na sociedade midiatizada, linguagens das tecnologias da comunicação
se hibridizam e são acionadas para promover interações. Montar uma narrativa coerente
com usuários de diversas partes do mundo evidencia que as tecnologias introduzem os
elementos do tempo real no espaço virtual, possibilitando outros regimes de visibilidade
e convivência de diferentes mundos (SODRÉ, 2012).
Braga (2011) propõe as interações como “ângulo de entrada” promissor para
análises comunicacionais, e a midiatização é o meio pelo qual a sociedade contemporânea
aciona suas interações. A partir desse recurso, foi possível considerar Harry Potter como
um objeto midiatizado que funciona como um ponto em comum na vida dos fãs e que
vetoriza interações entre os usuários do Snapchat escolhidos para a Live Story. Um
processo que pode ser analisado também a partir do que Sodré (2012) denomina como
tecnointeração.
Para Wolton (2004), a questão das técnicas é apenas a parte visível da vontade
humana de entrar em relação com o outro. Considerando o equilíbrio entre as dimensões
normativa e funcional (WOLTON, 2014), vemos o envio de snaps para compor uma Live
Story como um exemplo de tentativa de aproximação ao outro, ambição de todo processo
de comunicação, mesmo que ligado a objetivos funcionais.
Essas reflexões também são pertinentes para analisar a utilização do filtro
temático. A utilização desse filtro e a própria reunião dos printscreens também são
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exemplos de tecnointeração, que apesar de baseada em uma oferta midiática, não impede
diferentes apropriações da parte dos usuários. Fato que evidencia um sintoma da expansão
do capital, característica da midiatização. Mas, como vimos em Wolton (2004), o caráter
funcional da comunicação de forma alguma anula o normativo. Um filtro como esse, no
Snapchat, é uma manifestação, tecnointeracional, que visibiliza um ponto em comum
entre esses diferentes usuários, a presença da série Harry Potter em suas vidas. Para nós,
é esse comum que pode promover processos interacionais.
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Analítica da midiatização esportiva: estratégias discursivas
das colunas/istas Juca Kfouri e Tostão sobre a Copa do
Mundo de 2014 na Folha de S. Paulo
Gilson Luiz Piber da Silva
Centro Universitário Franciscano, UNIFRA e
Universidade Federal de Santa Maria, UFSM
Palavras-chave: Estratégias discursivas. Analítica. Colunas/colunistas. Midiatização.
Copa 2014.
RESUMO EXPANDIDO
Consideramos a coluna jornalística, de modo geral, e as colunas esportivas de Juca
Kfouri e Tostão publicadas no jornal Folha de S. Paulo, eleitas por nós como objeto de
pesquisa de uma tese de doutorado no PPGCom da Unisinos, espaços singulares e
recortados, com autoria, regularidade, temática, regras e enunciação próprias. São lugares
de mediação, associados a práticas que se estruturam e se desenvolvem a partir de
operações de sentido engendradas no âmbito enunciativo da cultura midiática. Também
nos chamou atenção o fato de os dois colunistas não falarem só sobre futebol, com seus
aspectos físico, técnico e tático, mas de outros assuntos - economia, política, cultura,
sociedade. Os indícios e os primeiros observáveis das colunas nos levaram a formular o
nosso problema de pesquisa nos seguintes termos: como se manifesta uma analítica da
midiatização na esfera do jornalismo, a partir das estratégias discursivas e enunciativas
das colunas de Juca Kfouri e Tostão sobre a Copa do Mundo de 2014, publicadas no
Jornal Folha de S. Paulo?
Juca Kfouri e Tostão, atores sociais reconhecidos no jornalismo esportivo
brasileiro, ao assinarem colunas para a Folha de S. Paulo, oferecem agendas singulares
aos leitores na formação de suas ideias e de seus comportamentos. Ambos os colunistas
adotam estratégias discursivas e enunciativas, segundo operações enunciativas que dão,
às narrativas de suas colunas, singularidade, ao tratarem a temática da Copa em três
momentos específicos, o antes, durante e após o certame. Assim, nossa motivação foi
estudar as marcas e operações que emergiam dessa processualidade, algo que nos levou
a formular a hipótese estudada, segundo a qual Juca Kfouri e Tostão faziam uma analítica
singular da Copa de 2014 como acontecimento esportivo.
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Tais elementos nos ensejaram, então, a formular o objetivo geral da pesquisa, que
foi o de compreender as estratégias discursivas e enunciativas das colunas jornalísticas
esportivas escritas por Juca Kfouri e Tostão, na Folha de S. Paulo, sobre a cobertura da
Copa do Mundo de Futebol de 2014 no Brasil, a fim de descrever o funcionamento de
uma analítica diferenciada sobre a midiatização da Copa de 2014.
Os objetivos específicos visaram a identificar as marcas das operações
enunciativas utilizadas pelos dois colunistas, tendo em vista as temáticas abordadas nos
textos; descrever como as duas colunas implicavam o atravessamento de práticas sociais
em função dos episódios externos ao jogo em si; e apontar como se manifestava a
produção discursiva dos dois colunistas, visando à produção de uma analítica da
midiatização do acontecimento esportivo.
Para fins de entendimento do leitor sobre midiatização, nos valemos de uma
definição de Fausto Neto (2008):
A midiatização resulta da evolução de processos midiáticos que se instauram
nas sociedades industriais, tema eleito em reflexões analíticas de autores feitas
nas últimas décadas e que chamam atenção para os modos de estruturação e
funcionamento dos meios nas dinâmicas sociais e simbólicas (FAUSTO
NETO, 2008, p. 90).
A midiatização funciona, afeta e é afetada pelas práticas sociais diversas. Tal
processo amplia a complexidade da sociedade. Por exemplo, a questão não é o que
determinado jornal diz, mas que tipo de ação tenta fazer ou faz para dizer algo ao seu
leitor.
A Copa do Mundo de Futebol é um macro acontecimento, de caráter mundial, que
é construído por meio de intervenções de estratégias de diferentes campos sociais. Pode
ser considerado um fenômeno cultural diverso porque seu desenvolvimento se dá através
de uma complexa construção, envolvendo muitas operações, agenciamentos, transações
etc. Tais fatores levam o jornalismo a lidar com esse acontecimento, segundo variadas
motivações e perspectivas interpretativas. No caso dos colunistas, eles trabalham em
termos de enunciação com uma analítica que se engendra nas discursividades que se
manifestam em suas colunas durante os momentos da Copa – antes, durante e depois.
O argentino Eliseo Verón é o pioneiro na construção conceitual de midiatização
no contexto latino-americano. Suas pesquisas servem de base para outros estudos,
particularmente, os desenvolvidos no PPGCOM da Unisinos, ao qual nos filiamos.
Segundo ele mesmo formula, da perspectiva histórica de longo prazo.
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A midiatização certamente não é um processo universal que caracteriza todas
as sociedades humanas, do passado e do presente, mas é, mesmo assim, um
resultado operacional de uma dimensão nuclear de nossa espécie biológica,
mais precisamente, sua capacidade de semiose. Essa capacidade foi
progressivamente ativada, por diversas razões, em uma variedade de contextos
históricos e tem, portanto, tomado diferentes formas. Entretanto, algumas das
consequências estiveram presentes em nossa história evolucionária desde o
início e afetaram profundamente a organização das sociedades ocidentais
muito antes da modernidade (VERÓN, 2014, p. 14).
Verón (2012, p. 18) trata de deixar claro que a midiatização é a exteriorização de
processos cognitivos que teria iniciado com a indústria da pedra e de “maneira plena na
famosa revolução neolítica”. Para ele, a midiatização tem características particulares nos
últimos tempos e implica a materialização de processos cognitivos. A partir do raciocínio
do autor, o processo de midiatização ainda está incompleto. Verón destaca que o desafio
atual é compreender o papel dos dispositivos, pois sobre eles está calcado o conceito de
midiatização. Para refletir sobre esse processo, o autor propõe o conceito de espaços
mentais que se agrupariam e se aglutinariam graças aos dispositivos técnicos, o que seria
uma consequência histórica.
Verón (2004) enfatiza que a midiatização não é um fenômeno abstrato, mas que
afeta o funcionamento da sociedade e de todas as práticas sociais, ainda que de modo não
uniforme.
Mata (1999) aproxima-se, de alguma forma, da perspectiva veroniana, ao destacar
que o que acontece é algo mais amplo, uma mudança de paradigma, um novo modelo no
desenho das interações sociais. A midiatização, nesse contexto, suscita o processo
fundamental de compreender a transformação na qual uma ordem social se comunica, se
reproduz e se transforma.
A midiatização, na ótica de Gomes (2015), é um conceito que descreve o processo
de expansão dos diferentes meios técnicos e considera as inter-relações entre a mudança
comunicativa dos meios e a mudança sociocultural. Grosso modo, midiatização significa
ação de midiatizar, dar visibilidade, colocar na mídia. Porém, Gomes (2015, p. 33) destaca
mais que isso, dizendo que “cada um lhe dá o significado (midiatização) que melhor lhe
agrada... e o conceito de midiatização é tratado através de múltiplas vozes”. Isso significa
que existe uma atividade intensa de elaboração sobre tal conceito no mundo acadêmico,
em termos recentes.
Braga (2012) percebe hoje a midiatização da sociedade como uma criação e
recriação contínua de circuitos, nos quais, articulados com processos de oralidade e
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processos do mundo da escrita, os processos que exigem ou exercem intermediação
tecnológica se tornam particularmente caracterizadores da interação. Diz que, na
sociedade em midiatização, não são “os meios”, ou “as tecnologias”, ou “as indústrias
culturais” que produzem os processos – mas sim todos os participantes sociais, grupos
ad-hoc, sujeitos e instituições que acionam tais processos e conforme os acionam (Braga
2012). O envolvimento vai além dos meios técnicos e coloca sujeitos e instituições no
centro da processualidade, com ênfase para os circuitos e as interações estabelecidos entre
as partes envolvidas.
Fausto Neto (2008) aborda a midiatização da perspectiva das práticas e dos ofícios
jornalísticos. A midiatização, como possibilidade de ação tecno-discursiva-interpretativa
que se institucionaliza crescentemente na sociedade, implica levar em conta dois
aspectos: o processo crescente de autonomia e de transformação do campo midiático e
que se manifesta na própria singularização das estratégias deste universo, enquanto um
novo; e a compreensão que o próprio trabalho teórico tem sobre esses processos de
autonomização e de transformação do campo midiático, sobretudo, dos seus efeitos, ao
refletir sobre as transformações da sociedade dos meios na sociedade midiatizada
(FAUSTO NETO, 2008). Ocorre a migração dos processos referenciais da realidade para
outras práticas sociais, com atravessamento e afastamento por operações significantes,
cujo emprego é condição para que as mesmas passem a ser reconhecidas.
Já Ferreira e Folquening (2010, p. 11) destacam o valor dos processos de
midiatização, agrupados em três níveis: de comunicação, os dispositivos e os processos
sociais. Para eles, “a midiatização são as relações e intersecções entre esses três níveis
definidos a partir de aportes teóricos e epistemológicos”.
Antes disso, Ferreira (2007b) desenvolveu um conceito de midiatização articulado
a partir de três polos em relação de mútua determinação, formando uma matriz, que busca
definir a midiatização por meio das relações e intersecções entre dispositivos (DISP),
processos sociais (PS) e processos de comunicação (PC). Na visão de Ferreira (2007b, p.
2), “essa matriz primária indica um conjunto de relações possíveis de interpretação da
midiatização”, com a adoção do método histórico-dialético. Mesmo considerando tratar-
se de um conjunto teórico (abstrato), o pesquisador comentou que, somente por uma
abstração, é possível separar as três dimensões, que devem, num segundo movimento de
análise, ser reintegradas para que possamos falar de midiatização.
No nosso entender, a analítica é uma atividade de leitura e de interpretação do
mundo, conforme práticas que envolvem objetos vários, mas no caso, os dispositivos
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tecno-discursivos midiáticos. E, nestas condições, cada colunista, no caso em estudo,
elege modelos e estratégias de leitura para ver a cena esportiva, ainda mais numa Copa
do Mundo, acontecimento complexo cuja processualidade existe, pois o certame
estrutura-se em torno de um calendário que envolve três fases - um antes, um durante e
um depois, segundo a mobilização de processos narrativos.
O período estudado da nossa pesquisa foi de 1º de janeiro de 2014 a 14 de agosto
de 2014, com ênfase em três momentos da Copa do Mundo, o antes (de 1º de janeiro a 11
de junho), o durante (de 12 de junho a 13 de julho) e o depois do acontecimento esportivo
(de 14 de julho a 14 de agosto). Nesta fase, foram publicadas cerca de 300 colunas de
Juca Kfouri e Tostão. Deste total, elegemos um corpus de 178 colunas, levando em conta
a extração de textos que abordavam a temática Copa do Mundo de 2014. Das 178,
inicialmente, selecionamos 53 colunas. Na sequência, esse número caiu para 41 em
virtude de marcas repetidas dentre as colunas escolhidas. O corpus final fechou em 30
colunas. A partir daí, definimos quatro categorias para análise: 1) operações alusivas à
midiatização 2) tematização explícita, 3) operações comparativas e 4) marcas
interpretativas (avaliativas), que foram identificadas nos materiais pré-observáveis.
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A (re)ordenação do Sistema Moda em dois momentos da
sociedade: a sociedade dos meios e a sociedade em vias de
midiatização
Juliana Bortholuzzi
Universidade do Vale do Rio dos Sinos
Palavras-chave: moda; midiatização; indústria criativa.
RESUMO EXPANDIDO
O presente artigo traz as reflexões propostas no projeto de tese da autora, cuja
temática central discute as articulações entre a moda e os processos sócio-midiáticos na
contemporaneidade, mais especificamente, a compreensão de como a aceleração do
consumo e as novas formas de consumir, foram, aos poucos, alterando as configurações
do sistema moda, antes formatado nos moldes da indústria cultural e aos poucos, se
adaptando aos da criativa. O cenário em que tais alterações ocorrem se desenha em dois
momentos da sociedade, o sistema moda na sociedade dos meios e na sociedade em vias
de midiatização.
O sistema moda vive num contexto em que todos os mercados estão interligados
economicamente, as fast fashions despejam coleções a cada quinze dias, a produção em
escala possibilita que os preços sejam acessíveis, o marketing cria desejos, a
intensificação das tecnologias possibilita a comunicação dessas informações de forma
imediata, e todos esses fatores juntos aceleram o consumo de moda. Em contra partida,
temos o despertar da consciência de que nosso planeta tem recursos finitos, uma geração
de consumidores mais conscientes, o slow fashion, o retorno do artesanal, do local e várias
marcas tentando entrar ou se manter no mercado através com negócios cuja força motriz
é a criatividade, e não reprodução.
Considerando o momento de transição vivido pelo sistema moda, impactado pelos
fatores acima descritos, o problema de pesquisa do projeto busca entender de que forma
o sistema moda se articula e se reorganiza? Qual a relação da comunicação midiática
com as (re)ordenações desse sistema? Uma hipótese levantada é a de que as marcas de
moda criadas na lógica da indústria criativa constroem sua imagem de marca junto com
a imagem do produto, através da comunicação midiática, e utilizam ela para todas as
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formas de comunicação de seus produtos, ações, lançamentos, entre outras coisas, para
com os seus consumidores.
Nesse sentido e tendo como ponto de partida a discussão das relações da moda
com a indústria cultural e a criativa, o objetivo geral da pesquisa é compreender como o
processo de midiatização afeta as formas de consumir, e por consequência, a construção
de novas marcas, e reordena o sistema moda? Que espaços midiáticos são ocupados por
estas marcas quando da construção de suas identidades? Como todas essas reordenações
impactam o sistema moda? Nesse sentido, e para que possamos resolver tal problemática,
serão investigadas, num estudo de casos múltiplos, três marcas criadas e sediadas em
Porto Alegre, a Insecta Shoes, a Helen Hödel e a Oh Studio.
Para dar conta do objetivo central proposto, foram traçados alguns objetivos
específicos, quais sejam: compreender o funcionamento do sistema moda na sociedade
dos meios e sua ordenação sob a lógica da indústria cultural, bem como as alterações
sofridas no seu funcionamento, quando na sociedade em vias de midiatização e sua
reordenação para a lógica da indústria criativa.
O sistema moda é o reflexo do contexto sociocultural em que ele é produzido,
estando diretamente relacionado a fatores econômicos, sociais, culturais, históricos,
comportamentais, estéticos, identitários e tecnológicos desse cenário. A moda é norteada
por um fenômeno sociológico que determina seu contexto estético e está relacionado ao
surgimento da sociedade de consumo, transformando-se numa das instituições mais
características do ocidente, e porque não dizer, da própria contemporaneidade.
O sociólogo alemão George Simmel trabalha com a ideia de imitação social, que
se configura como um sistema original de regulação e de pressões sociais relacionando o
indivíduo com o seu contexto, e complementa que esse modelo leva à disputa geral por
símbolos superficiais e instáveis de status, onde a elite inicia uma moda e quando as
classes mais baixas a imitam, num esforço de eliminar as barreiras externas de classe, ela
a abandona esta por outra moda nova e assim sucessivamente; gênese do princípio da
obsolescência, constituinte central do sistema moda (SIMMEL, 1961).
No sistema da moda, a forma de produção foi regida pela alta costura até 1960,
onde as peças eram feitas à mão num processo lento e individual, apenas a partir da
segunda metade do século xx, ela começou a tomar outro rumo, onde novos setores e
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formas de produção do vestuário começaram a surgir e surgiu o pret-à-porter, que
culminou no processo de a industrialização da moda (GRUMBACH, 2009).
A mesma indústria que viabiliza o prêt-à-porter evolui mais ainda e com ela, a
forma de uma geração consumir e pensar, que obriga ao sistema moda se reordenar
novamente, passando a um nível ainda mais rápido, com ainda mais apelo para o
consumidor, com ainda mais provocação de desejo e de necessidade de comprar,
passamos para a moda rápida, a chamada fast fashion, utilizada por grandes magazines
para produção rápida e contínua de novidades, e com preço bem abaixo dos formatos até
então explanados.
Nesse sentido, faz-se necessário analisar que o sistema moda se dá em dois
momentos da sociedade: a sociedade midiática ou dos meios, e a sociedade em vias de
midiatização. Na primeira delas, são os meios que exercem a centralidade na atividade de
divulgação dos bens societários, eles fazem a mediação entre as instituições produtoras
de bens materiais, e os consumidores. Para Fausto Neto (2006b, p.23), na “sociedade
midiática os meios se constituem em setores estratégicos, no âmago da vida e da dinâmica
tensional dos campos sociais”.
O sistema moda regido pela lógica do consumo desenfreado, pela busca do novo
e do exógeno está relacionado com a indústria cultural, já que esta visa exclusivamente
gerar um consumo padronizado e orquestrar os gostos dos consumidores, sem, é claro,
que estes percebam que estão sendo fisgados pela isca de uma ideologia interessada em
sua reprodução. O conceito de indústria cultural foi criado por Adorno e Horkheimer, em
meados dos anos 1940, onde era analisada a produção industrial dos bens culturais como
movimento de produção da cultura e mercadoria passível de consumo. Dessa maneira, o
termo “indústria cultural” foi associado à produção industrial de bens e serviços culturais
para sua difusão e comercialização para as massas (ADORNO e HORKHEIMER, 1991).
Com a evolução produtiva, a mercantilização da cultura e o surgimento da
imprensa, lançaram-se no mercado inúmeras novidades, as quais intensificaram cada vez
mais o consumo de massa. Assim, entre marcas, butiques, grifes e confecções, prevalecerá
a ordem de criar, produzir e vender, e quem se encarregará desta última função será a
publicidade – parceira essencial da indústria cultural, que irá comunicar os bens criados
para os consumidores, cuja mediação será exercida pelos meios.
17
Neste momento, se faz necessário falarmos do segundo momento da sociedade em
que o sistema moda se insere, a sociedade em vias de midiatiazação, que, de acordo com
Braga, neste momento da sociedade não são os meios, ou as tecnologias, ou as indústrias
culturais que produzem processos, mas todos os participantes sociais, sujeitos e
instituições que acionam os processos e de acordo como eles são acionados, e que a
midiatização atravessa todos os processos sociais (BRAGA, 2012).
Nas palavras de Maldonado, o processo de midiatização “possui a característica
de atravessar todos os campos, condicioná-los e adequá-los às formas expressivas e
representativas da mídia” (MALDONADO, 2002, p. 4).
Neste momento da sociedade, todo o processo societário que envolve desde as
instituições das mais diversas ordens, inclusive a moda, até os seus usuários, são afetados
por operações de mídias. Podemos aqui falar dos consumidores, que são atores sociais
que também participam das atividades produtivas, pois manejam os bens técnicos como
a internet, por exemplo, não estando mais passivos.
O atravessamento midiático no consumo de moda é facilitado porque a mídia
ocupa um lugar central na dinâmica de informação de tendências de moda para grande
parte das leitoras que por sua vez, recebem estes conteúdos não só pela internet, mas
também através das novelas, das revistas, jornais e cinema, entre outros.
Desse modo, Schmitz nos ensina que, enquanto a moda se vale da mídia para ter
alcance de massa e adapta-se aos protocolos midiáticos para ser “publicizada”, a mídia
atua a partir de algumas características inicialmente atribuídas ao sistema de moda,
principalmente a partir do prêt-à-porter, que é quando a moda passa a operar dentro de
um sistema industrial (SCHMITZ, 2007); em que o tempo entre uma coleção e outra é
cada vez menor, para alinhar-se as três lógicas desta relação: a da moda, a midiática e a
do receptor- sujeito da sociedade midiatizada.
Como consequência da configuração do novo sistema, as grandes marcas
sobrevivem tranquilamente, pois conseguem ter rapidez e preço para competir, pois
trabalham com volume grande de produção e buscam os mercados onde a mão de obra é
mais barata para fabricar seus produtos. Diante desse contexto, e na contramão desse
cenário, as marcas menores ou marcas/designers que estão iniciando seus negócios, para
entrar e sobreviver no mercado, optaram por ter a criatividade como aliada para criar
produtos/serviços inovadores e criativos, para poder se destacar nesse mercado pela
18
diferença não mais pela reprodução e padronização, alavancada pelo mercado global
midiatizado.
À medida que isso foi sendo constatado, começaram a surgir no mundo todo
modelos de negócios e setores completamente novos, fomentando a geração de empregos
e riqueza, todos gerados a partir de ideias criativas: as indústrias criativas, que, de acordo
com Howkins, são aquelas que desenvolvem produtos criativos vinculados à propriedade
intelectual, já a economia criativa é formada pela transação destes produtos, dotados de
valores intangíveis. Ela é o conjunto de atividades que resultam em indivíduos
exercitando a sua imaginação e explorando seu valor econômico. Pode também ser
definida como processos que envolvam criação, produção e distribuição de produtos e
serviços, usando o conhecimento, a criatividade e o capital intelectual como principais
recursos produtivos (HOWKINS, 2013).
O protagonista da economia criativa é o ser humano, ele será o produtor criativo
deste tipo de indústria, e a criatividade e o conhecimento humano serão seus insumos
inesgotáveis, o que de imediato difere das empresas cujos recursos não são renováveis e
são finitos. Neste contexto, a moda, enquanto indústria criativa é considerada um setor da
economia criativa, e, portanto, da indústria criativa.
É este cenário, entre esses dois momentos da sociedade, entre esses dois tipos de
indústria, que o sistema moda se ordena e reordena, sempre compreendendo as
especificidades de cada um, e tendo a mídia como papel fundamental para o sistema se
(re)organizar.
Referências:
ADORNO, Theodor; HORKHEIMER, Max. The Culture industry: elighetenment as
mass deception. Nova Iorque: The Seabury Press, 1991.
BRAGA, José Luiz. Circuitos versus campos sociais, 2012. In: MATOS, Maria Ângela;
JANOTTI JUNIOR, Jeder; JACKS, Nilda Aparecida. Mediação e Midiatização: Livro
Compós 2012. Salvador/Brasília: UFBA/COMPÓS.
GRUMBRACH, Didier. História da Moda. São Paulo: Cosac Naify, 2009.
FAUSTO NETO, Antônio. UM PROGRAMA EM TEMPOS DE MIDIATIZAÇÃO.
REVISTA ANIMUS, SANTA MARIA: UFSM, V. 5, P. 9-26, JUN, 2006B.
HOWKINS, John. Economia Criativa. São Paulo: M Books do Brasil , 2013.
19
MALDONADO, Efendy, 2002. Produtos midiáticos, estratégias, recepção: a perspectiva
transmetodológica. Ciberlegenda, Rio de Janeiro, n.9, p. 1-23. Disponível em:
<http://www.uff.br/mestcii/efendy2.htm> Acesso em junho 2015
SCHMITZ, Daniela Maria, 2007. Mulher na moda: recepção e identidade feminina nos
editoriais de moda da revista Elle. Dissertação de Mestrado. Universidade do Vale do Rio
dos Sinos. UNISINOS, São Leopoldo.
SIMMEL, G. Filosofia de la moda. In:______. Cultura feminina e outros ensaios.
México: Espasa Calpe, 1961.
20
“O carimbó não morreu. Está de volta outra vez: o ritmo
amazônico e processos de mediação das narrativas sobre as
matrizes culturais amazônicas paraenses”.
Juliana de Nazaré Alvares Brito
Joyce Priscila Ferreira da Silva
Keyla de Nazaré Gusmão Negrão
Estácio de Sá – FAP – Polo Belém-PA
RESUMO EXPANDIDO
Resumo: Esse artigo pretende lançar pistas de análise de uma problemática cultural sobre o
carimbó, ritmo amazônico paraense, a partir de uma plataforma de estratégias de narrativas de
vários campos sociais que se apropriam do ritmo para comunicar sentidos de cultura num contexto
de demarcação de políticas culturais na Amazônia.
Palavras-chave: Carimbó, Amazônia, Cultura, Mediação e Midiatização.
O carimbó não morreu,
está de volta outra vez
O carimbó nunca morre,
quem canta o carimbó sou eu.7
É considerado uma manifestação cultural tradicional paraense, o carimbó foi
instituído enquanto patrimônio imaterial cultural brasileiro no ano de 2014, após
iniciativa pública dos movimentos sociais e culturais com apoio do Instituto do
Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan). Dentro desse ritmo é possível observar
algumas características fundamentais, tais como o uso de instrumentos como: curimbó,
banjo, milheiros, maracas, reco-reco, paus, triângulo, rufo e tambor de onça. Nas letras
aspectos lúdicos são ressaltados, com assuntos do cotidiano dos ribeirinhos, exaltando
ainda a fauna e a flora amazônicas. E entre um rodopio e outro da dança, ora se dança
sozinho, ora se dança em par, sempre imitando as danças de roda, tradicional entre os
povos indígenas. Já na batida das palmas das mãos vê-se resquícios das danças
portuguesas. Enquanto o rebolado remete à sensualidade presente na dança de povos
negros. Segundo definição do Iphan:
historicamente, o carimbó se apresenta como uma manifestação cultural que
congrega um conjunto de práticas sociais festivas seculares, mas também
religiosas incorporadas no cotidiano das populações interioranas do Pará. Estas
práticas estão dispostas em torno da elaboração musicada, cantada e dançada
7 Trecho da música o carimbó não morreu, composta pelo Mestre Verequete – um dos principais nomes
do carimbó.
21
dos conjuntos de carimbó produzidas nos contextos de trabalho e lazer dos seus
reprodutores. (Dossiê IPHAN, 2013: p.14)
Nosso objeto busca perceber, no processo de legitimação dessa manifestação no
marco das políticas culturais brasileiras, as vozes que comunicam cultura e as
problemáticas que motivam sobre a Amazônia Cultural. As políticas culturais aqui
entendidas como esforços conjuntos de intervenção simbólica que tornassem o carimbó
uma manifestação cultural brasileira, nos termos que García-Canclini define políticas
culturais:
Los estudios tienden a incluir hoje bajo este concepto al conjunto de
intervenciones realizadas por el estado, las instituiciones civiles y los
comunitários organizados a fin El desarrollo simbólico, satisfacer lãs
necesidades culturales de La población y obtener consenso para um tipo de
orden o transformación social. Pero esta manera de caracterizar el âmbito de
lãs políticas culturales necesitam ampliada teniendo em cuenta El carácter
transnecional de los procesos simbólicos y materiales em la actualidade.
(GARCÍA-CANCLINI, 2005: p.78)
É objetivo de nossa contribuição, então, observar e propor uma mirada sobre as
várias formas de intervenção simbólica, comunicacional – mediações - que concorreram
para que o carimbó conquistasse esse título de manifestação nacional, no marco das
políticas de cultura. Nossa intenção é propor um olhar para comunicação dos sentimentos
latentes – vibrantes e mornos- das matrizes periféricas que originaram o carimbó e se
estenderam pelas terras da faixa norte do Pará, que expressam as lutas de uma parte
insular do Brasil: a Amazônia.
Albino Rubim (2012) faz um mapeamento dessas políticas, desde a década de 30
até os anos 90 do século passado. Destaca que nos registros das ações andradianas na
década de 30 já se via sinalizações dos ritmos da Amazônia como um “sintoma” de
manifestações culturais vibrantes e jamais registradas, narradas, das regiões Nordeste e
Amazônia:
(...) patrocinar duas missões etnográficas às regiões amazônica e nordestina
para pesquisar suas populações deslocadas do eixo dinâmico do país e de sua
jurisdição administrativa, mas possuidoras de significados, acervos culturais,
modos de vida, e de produção, valores sociais, histórias, religiões, lendas,
mitos, narrativas, literaturas, músicas, danças, etc. (RUBIM, 2012: p.15)
22
Que vozes movimentam o carimbó
Durante esse processo – desde a concepção até a intensificação da campanha de
incentivo na transformação do carimbó como patrimônio imaterial cultural – houve um
interesse massivo dos veículos de comunicação em toda a capital paraense, bem como a
sociedade em geral: “dentro desse processo você tem uma efervescência, porque tem a
sua notoriedade principalmente na mídia, mas também se passou a ver programas de
governo, que facilitaram o deslocamento dos grupos de carimbó”, afirma Edgar Chagas8,
coordenador técnico da pesquisa que passou por 39 municípios no Pará, mapeando os
mais diversos núcleos da manifestação do carimbó.
García-Canclini em “Culturas Híbridas” (2003) cita a obra magna de Martín-
Barbero “Dos às Mediações” (2009), lembrando que aquele autor afirma como os
processos e dinâmicas de legitimação da cultura envolvem várias interações, inclusive
das comunicações e tecnologias:
Martín-Barbero chega a dizer que os projetos nacionais se consolidaram graças
ao encontro dos estados com as massas promovidos pelas tecnologias da
comunicacionais. Se fazer um país não é apenas conseguir que o que se produz
numa região chegue a outra sequer um projeto político cultural unificado, um
consumo simbólico compartilhado que favoreça o desenvolvimento do
mercado, a integração propiciada pelos meios de comunicação não contribui
casualmente com os populismos nacionalistas. Para que cada país deixe de ser
um país em países foi decisivo que o rádio retomasse de forma solidária as
culturas orais de diversas regiões e incorporasse as vulgaridades proliferantes
nos centros urbanos. Como o cinema e como em parte a televisão fez em
seguida e traduziu-se a ideia de nação em sentimento de cotidianidade.
(GARCÍA-CANCLINI, 1998: p.256)
Em relação ao carimbó, nossa questão toca esse problema da articulação que as
mídias fazem com vários campos sociais nesse contexto de reconhecimento do ritmo
como patrimônio imaterial cultural brasileiro. Algo que parece estranho, estrangeiro ao
resto do Brasil, passa estar na pauta das políticas nacionais e motiva a efervescência de
um tema e um sentimento que é latente, cotidiano na região, como afirma Luís Arnaldo
Campos, cineasta e documentarista, autor do curta metragem Chama Verequete9:
2 Atualmente Edgar é professor universitário da Universidade da Amazônia, licenciado em Geografia e
doutor em antropologia e sociologia pela Universidade Federal do Pará. 3 Chama Verequete é um documentário poético sobre o vodun da música paraense, Mestre Verequete.
Chama Verequete é um filme conduzido pelas histórias e canções do Mestre, intercalado por invenções
ficcionais que documentam a luta do carimbó contra o preconceito e a discriminação, até a sua vitória final,
com o reconhecimento público de sua condição de ritmo raiz do Pará.
23
O título de certa forma ajudou, ele fortalece o reconhecimento por parte
daquela população que é, digamos que originária ou população que deveria se
apropriar desse patrimônio, às vezes deixa passar batido, e quando essa
comunidade assume, reconhece, se orgulha, isso fortalece a manifestação
cultural. (CAMPOS: Entrevista em 22/09/2016)
Essa pauta do carimbó ganhava destaque não só nos veículos de comunicação
locais, mas também na agenda política, como afirma a vereadora autora do projeto de Lei
municipal do carimbó:
Quando estive no senado, em 2011, acompanhei de perto o trabalho que o
Iphan estava fazendo desde meados de 2008 para que o carimbó (e os bens
culturais a ele associados) fosse reconhecido como patrimônio imaterial
nacional. Isso hoje é uma realidade. Mas, o que me chamou a atenção foi a
relação do conjunto desses bens que estão presentes nas práticas de lazer,
religiosidade, manifestações artísticas, brincadeiras, festas comunitárias e
familiares paraenses que envolvem, delimitam e estabelecem relações
complexas são o que entendemos por carimbó. Lembro, que nos 11 meses que
estive no senado federal, não houve uma atuação organizada do campo político
do nosso estado formado por 17 deputados federais e 3 senadores. (BRITO
RODRIGUES. Entrevista em 22/09/2016)
Quando as mídias ocupam a roda?
Após a mobilização para o título, porém, fomentou-se uma discussão sobre a
fragilidade do carimbó enquanto pauta social contínua. Esperança Bessa – Editora-Chefe
do caderno Cultura do Jornal Diário do Pará10, em entrevista no dia 21 de setembro de
2016 fala sobre essa regularidade do tema:
Uma matéria de jornal ela não sobrevive se não tiver alguns elementos, e um
deles é o critério da factualidade e da organização, ter porta-vozes que falem
sobre isso. Não adianta eu querer fazer uma matéria sobre o carimbó e não
saber por onde começar, qual é o gancho, qual é o sentido. Eu preciso que este
movimento esteja organizado. E o carimbó sempre rende por mais que os
grupos não sejam organizados, mas a maioria das pautas que emplacam é sobre
divulgação (...) os movimentos têm uma organização para fazer eventos e
shows. E isso é sempre uma dualidade, eles reclamam que não têm uma
visibilidade ao mesmo tempo em que não têm organização; não se tem uma
assessoria de imprensa, um canal aberto com a imprensa. (BESSA. Entrevista
em 21/09/2016)
4 Jornal local que traz notícias de todo o estado do Pará.
24
Desta forma, chegamos ao nosso problema, quando nos dispomos a observar e
investigar como as mídias se tornaram uma instância de mediação das culturas que se
deslocam do eixo central do país, e como dessa Amazônia periférica se constrói a ideia e
noção de uma cultura local e popular midiatizada. Como se sustenta a ideia de uma
manifestação cultural, a partir de debates locais midiatizados, de pautas organizadas por
entes sociais que protagonizaram a luta pelo título dado ao carimbó em 2014. Desejamos
pensar a sociedade amazônica, a partir dessa problemática cultural e suas interações
midiáticas no interior desse debate, e sobretudo, perceber isso como uma estrutura, uma
narrativa de poder encampada por diversos campos. Que sentidos articulam a experiência
cotidiana do fenômeno do carimbó nesse contexto do movimento pela aquisição do título
de patrimônio nacional?
Como afirma Adriano Duarte Rodrigues (1990), a narrativa que se tem sobre os
objetos orienta instâncias de legitimação de determinados fenômenos e suas relações com
os campos da experiência entre si. Isso, talvez, minimize o risco de adensarmos mais a
cultura que a experiência comunicacional, como nos ajuda a elaborar esse percurso
Adriano Duarte Rodrigues afirma:
(...) o objetivo dos estudos de comunicação consiste na averiguação da
especificidade da comunicação entre esses mundos que se ignoram e que, no
entanto, de certa maneira à distância estão em constante relação e se acenam
em permanência, tanto nas relações com o mundo natural, como nas relações
intra-subjetivas e intersubjetivas e nas relações sociais. (DUARTE
RODRIGUES, 1992: p.102)
De modo que, objetivamos entender esse fenômeno cultural, nos ancorando no
problema comunicacional, quando desejamos entender esse fenômeno nas suas ordens de
relações de comunicação entre vários campos. Efetivamente, desejamos pensar em
resultados de um mapa que aponte consensos e contradições tal como é a dinâmica da
própria da cultura e da comunicação.
Referências
GARCÍA CANCLINI, Nestor. Culturas híbridas: Estratégias para entrar e sair da
modernidade. Trad. Heloísa Cintrão e Ana Lessa. São Paulo: EdUSP, 2003.
MARTÍN-BARBERO, Jesús. Dos meios às mediações: Comunicação, cultura e
hegemonia. Trad. Ronald Polito e Sérgio Alcides. Rio de Janeiro: EdUFRJ, 2009.
RODRIGUES, Adriano Duarte. Comunicação e cultura: A experiência cultural na era
da informação. Lisboa: Editorial presença, 1993.
25
_________________________. . Estratégias da comunicação: Questão
comunicacional e formas de sociabilidade. Lisboa: Editorial Presença, 1990.
ALBINO RUBIM E ALEXANDRE BARBALHO (orgs). Políticas culturais no Brasil.
Salvador/ BA: Coleção Cult Edufba, 2012.
INVENTÁRIO NACIONAL DE REFERÊNCIAS CULTURAIS. Dossiê IPHAN
{Carimbó}. Belém – Pará, 2013.
Entrevistas:
BESSA, Esperança. Entrevista em 21/09/2016. Belém-PA
CAMPOS, Arnaldo. Entrevista em 22/09/2016. Belém-PA
BRITO RODRIGUES, Marinor. Entrevista em 22/09/2016. Belém-PA
CHAGAS, Edgar. Entrevista em 26/09/2016. Belém-PA
26
Culturas Underground Midiatizadas e Dispositivos Midiáticos
Articuladores no Processo de Circulação Comunicacional Luísa Schenato Staldoni
Universidade do Vale do Rio dos Sinos
Palavras-chave: Midiatização. Dispositivos. Circulação. Veganismo.
RESUMO EXPANDIDO
Ao pensarmos a comunicação na atualidade, em contexto de midiatização, é
notório que vivemos em um momento de expansão da utilização da internet para cobertura
e divulgação dos mais diversos tipos de movimentos sociais e culturas underground11. Os
discursos feministas, LGBTs, veganos e artísticos fora dos espaços mainstream12 tem
conseguindo circular mais facilmente pelo tecido social, assim vemos emergido daí
algum tipo de “ massificação” desses grupos, mas o que isso estaria mudando de
fato? Estaria acontecendo um verdadeiro empoderando desses setores mais
marginalizados na sociedade? Ao mesmo tempo em que a midiatização, aparentemente,
contribui ou facilita a circulação desses conteúdos, coloca-os em choque com
agrupamentos antagônicos e gera disputas internas e externas. Entendemos que, ao
investigar e problematizar estes espaços, onde encontram-se tensionamentos e
construções de campos polêmicos, seremos capazes de compreender melhor a
problemática da midiatização na atualidade.
Diante dessa premissa, nossa proposta é analisar parte do processo de circulação
comunicacional (na perspectiva intra e intermidiática (FERREIRA, 2007; 2013 e ROSA;
2012) de um ambiente não vinculado, diretamente, a cultura de massa, sob a ótica dos
conceitos: dispositivo midiático (BRAGA, 2015 e FERREIRA, 2006; 2015) e circuitos
comunicacionais (BRAGA, 2012). Para tal, selecionamos o Portal Vista-se13, que destina-
se a divulgação e discussão de assuntos relacionados ao veganismo. Foi criando em 2007,
pelo publicitário Fábio Chaves, que hoje é o maior site relacionado ao tema no Brasil.
Partindo dessas concepções teóricas, entendemos o Portal Vista-se como um
dispositivo midiático interacional, uma vez que envolve processos interacionais com seus
participantes, seguidores e simples leitores (o que inclui suas matérias, suas posições,
11 Em tradução literal significa subterrâneo, aqui refere-se às culturas que fogem dos padrões normais e
conhecidos pela sociedade, que geralmente não são veiculadas nos espaços midiáticos mais tradicionais. 12 Antônimo de underground, expressa a ideia de algo hegemônico, dominante, popular. 13 https://vista-se.com.br/
27
seus objetivos, os participantes de todos os tipos, os processos e táticas segundo os quais
relaciona esses elementos) e que está inserido em uma cultura underground mais ampla
(veganismo). Dessa forma, buscamos compreender o processo de circulação vinculado
ao Portal a fim de verificar as relações que este estabelece com o que está “dentro” e
“fora” do veganismo, pois entendemos que as afetações da midiatização manifestadas nos
circuitos comunicacionais (BRAGA, 2012) e nos dispositivos midiáticos (Braga, 2015 e
Ferreira, 2006; 2013), fazem com que indivíduos, instituições e culturas permaneçam em
constante interação entre si, criando zonas de indeterminação (FAUSTO NETO, 2013)
onde ocorrem embates e disputas, que podem afetar profundamente o âmago desses
indivíduos, instituições e culturas.
Para delimitar o corpus a ser analisado acionamos o conceito de episódio
comunicacional (BRAGA, 2015), analisando um episódio singular (e seus
desdobramentos) envolvendo o Portal Vista-se. O episódio comunicacional escolhido se
desenvolveu da seguinte forma: no dia 25/09/2015 uma carreta que transportava porcos
para um abatedouro tombou próximo a um pedágio no trecho da rodovia Rodoanel,
em Barueri, na Grande São Paulo14. Essa notícia foi vinculada primeiro no Bom Dia SP
e no Portal G1. Devido a gravidade do acidente muitos animais ficaram presos às
ferragens e os funcionários do abatedouro e do concessionário do pedágio não
conseguiam remover a carreta da pista, fazendo com que os animais ficassem ali por 7
horas. Um grupo de ativistas (um coletivo vegano) se dirigiu ao local para dar
medicamentos, água e comida aos animais feridos. Quando chegaram lá foram
informados que esses animais não poderiam mais ser batidos para consumo humano, pois
a lei brasileira não permite, portanto se quisessem poderia ficar com os 120 animais.
Então, o grupo decidiu que faria o resgate dos animais. Fábio Chaves (criador do Vista-
se) foi contato e, apesar de não estar geograficamente próximo do local do acidente,
“tomou a dianteira” e iniciou uma cobertura e mobilização nacional para o resgate.
Através de sua conta pessoal no facebook e do Portal Vista-se ele convocou ativistas para
ajudar no local do acidente, criou um hot site para cobertura ao vivo do ocorrido, contatou
um santuário de animais que aceitou abrigar os animais e criou uma campanha de
financiamento coletivo para ajudar com as despesas. Os animais foram resgatados e uma
semana depois, o G1 e R7 fizeram matérias para mostram como estavam vivendo os
porcos sobreviventes do acidente. Mais recentemente, descobriu-se que todos os animais
14 http://g1.globo.com/sao-paulo/noticia/2015/08/carreta-que-transportava-porcos-tomba-no-trecho-oeste-
do-rodoanel.html
28
eram fêmeas e algumas das porcas deram cria, aumentando exponencialmente o número
de animais no santuário. O que gerou uma nova movimentação dos ativistas e da própria
mídia15, fato que reforça a noção de fluxo contínuo (BRAGA, 2012). No episódio descrito
nos parece evidente que o Portal Vista-se fez a “mediação” ou a articulação entre o
veganismo brasileiro e a mídia tradicional, e é a partir dessa proposição que
desenvolvemos nossa observação e análise.
Referências Bibliográficas
BRAGA, José Luiz . “Dispositivos interacionais”. Versão em progresso de capítulo de
livro em elaboração (“Uma heurística para a Comunicação” – título provisório).
2015.
______________. Circuitos versus campos sociais. In: MATTOS, Maria Ângela;
JANOTTI JUNIOR, Jeder; JACKS, Nilda (Org.) Mediação & midiatização. 1.
ed. Salvador/Brasília: EDUFBA/COMPÓS, 2012.
FAUSTO NETO, Antonio. Como as linguagens afetam e são afetadas na circulação?.
In: Braga, José Luiz; Ferreira, Jairo; Fausto Neto, Antônio; Gomes, Pedro
Gilberto. (Org.). 10 Perguntas para a produção de conhecimento em
comunicação. 1ed. São Leopoldo: Unisinos, 2013, v. I, p. 38 - 58
FERREIRA, Jairo. A Pólis que se Faz em Processos Midiáticos: proposições sobre a
política na perspectiva da midiatização. Livro da Compós, 2016. No prelo.
______________. ANALOGIAS: operações para construção de casos sobre a
midiatização e circulação como objetos de pesquisa. In: XXIV Encontro Nacional
da Compós, 2015, Brasilia. 2015 - XXIV COMPOS: BRASÍLIA/DF. BRASILIA:
COMPÓS. v. 1. p. 11-18.
______________. Como a circulação direciona os dispositivos, indivíduos e
instituições?. In: Braga, José Luiz; Ferreira, Jairo; Fausto Neto, Antônio; Gomes,
Pedro Gilberto. (Org.). 10 Perguntas para a produção de conhecimento em
comunicação. 1ed. São Leopoldo: Unisinos, 2013, v. I, p. 140-155.
______________. Midiatização: dispositivos, processos sociais e de comunicação. E-
Compós (Brasília), v. 10, p. 1-15, 2007a.
______________. Uma abordagem triádica dos dispositivos midiáticos. In: Libero, São
Paulo, Faculdade Cásper Libero, n. 17, p. 137-145, jun. 2006. Disponível em:
<http://www.revistas.univerciencia.org/index.php/libero/article/view/6112/5572
>. Acessado em: 01 de maio de 2015.
15 http://g1.globo.com/sao-paulo/sorocaba-jundiai/noticia/2015/12/porcas-do-rodoanel-dao-cria-e-deixam-
ativista-em-panico-falta-verba-diz.html
29
______________; ROSA, Ana Paula da. Midiatização e poder: a construção das imagens
na circulação intermidiática. IN: TEMER, Ana Carolina Rocha Pessoa (org).
Mídia, Cidadania & Poder. Goiania: FACOMB/FUNAPE, 2011. (p. 19-38).
ROSA, Ana Paula da. Imagens-totens: a fixação de símbolos nos processos de
midiatização. 2012. 360 f. Tese (Doutorado em Ciências da Comunicação) -
Universidade do Vale do Rio dos Sinos – UNISINOS, São Leopoldo, 2012.
30
TAL TV e a série Mi país, Nuestro Mundo:
protagonismo juvenil frente às questões ambientais Priscilla Teixeira Lamy Diniz
Resumo:
Este trabalho foca a série de vídeos documentários denominada Mi País, Nuestro Mundo,
produzida e veiculada pela TAL TV em parceria com produtoras de 9 (nove) países da América
Latina, sendo 4 (quatro) episódios por país, totalizando, portanto, 36 episódios. O objetivo é
discutir as decisões de produção que definiram como eixos comuns a temática ambiental e a
entrega da câmera e roteiro a jovens de 14 a 18 anos. A proposta, assim, é problematizar o
protagonismo juvenil em uma produção audiovisual focada em problemas ambientais locais, mas
sempre em articulação às temáticas globais da preservação do meio ambiente.
Palavras-chave
Juventude; Meio Ambiente; América Latina; TV TAL; Documentário
RESUMO EXPANDIDO
“Uma Jornada através dos problemas e desafios de preservação ambiental (...). A
série acompanha protagonistas que investigam problemas ambientais, realizam ações e
buscam possíveis soluções”. É assim que a TAL TV descreve Mi país, Nuestro Mundo,
que compreende 36 curtas, com duração entre 12 e 15 minutos cada. São histórias
produzidas por jovens com diferentes idades, de regiões e biomas diversos, e oriundos de
nove países da América Latina: Argentina, Bolívia, Brasil, Colômbia, Equador, México,
Paraguai, Uruguai e Venezuela. Suas produções trazem temáticas ligadas ao meio
ambiente desses países com “abordagem jovem” para a discussão dos problemas
apontados por eles nas regiões onde residem. Essa série é uma produção da Rede TAL
TV, criada em 2003 com o objetivo de promover a união latino-americana e valorização
da cultura regional.
Na série, cada país foi responsável pela realização de quatro documentários de
curta metragem, abordando, cada um, os problemas ambientais de uma região diferente,
bem como a relação dos jovens com esses problemas e projetos pela preservação dessas
localidades. Os tipos de biomas escolhidos, as questões abordadas e a forma que foram
tratadas são, portanto, bem diversos. Tal abordagem tem como pressuposto construir
material para reflexão e discussão das questões tratadas sob a ótica destes jovens, a
despeito de todos os vídeos terem um diretor e uma equipe de produção profissional.
Considerando este desenho de produção, a nossa proposta é problematizar tais decisões
mapeando nos 36 episódios as temáticas tratadas, problematizando as constantes e as
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específicas, em cotejo às demandas dos problemas ambientais considerados fundamentais
destas regiões. Interessa-nos, também, discutir a questão do protagonismo juvenil,
recuperando, brevemente, a própria ideia de construção do conceito de juventude,
destacando alguns marcos que permitem uma compreensão deste processo. Para tal
percurso, julgamos fundamentais o trabalho e os conceitos de Catani e Gilioli (2004),
Hall (1997), Margulis e Urresti (2000), Dayrell (2008) e Borelli, Rocha e Oliveira (2007).
Por último, consideramos importante debater os perfis dos protagonistas jovens e suas
propostas, valorizando, em especial, o discurso comum e, ainda, demarcar, de forma
macro – em função do limite de tempo – as principais estratégias narrativas dos
documentários, tendo como base autores como Bill Nichols, Silvio Da-Rin, Fernão
Ramos, Guy Gauthier, entre outros.
O foco neste corpus implica, também, uma localização da principal produtora da
série, a TAL TV. Segundo Viana (2013), a Rede Tal trabalha há mais de dez anos com a
cultura de cooperação entre emissoras de televisão pública de toda a América Latina,
sendo responsável por intermediar o intercâmbio, o compartilhamento e solidariedade
entre essas emissoras, além de promover interação entre artistas, técnicos, produtores e
pensadores do audiovisual latino-americano. A TAL é uma rede sem fins lucrativos que
reúne centenas de associados de toda a região. São canais públicos e instituições culturais
e educativas que compartilham suas produções (documentários, séries e curtas) sempre
como contribuição e de forma solidária – gratuita. A TAL TV também é um banco de
armazenamento de conteúdo audiovisual, uma web TV e uma produtora de conteúdos
especiais, com um acervo de mais de 800 programas feitos por instituições e profissionais
do continente. Esse material circula de forma gratuita por toda a América Latina,
projetando, também, a região para outras partes do mundo por meio de parcerias com
grupos e televisões de outros continentes. Também é objetivo da TAL divulgar a cultura
e a identidade latino-americana para além das fronteiras regionais.
As coproduções da Rede TAL têm como objetivo viabilizar séries que abordem
histórias relevantes para a região, que valorizem a complexidade e diversidade estética e
narrativa de cada país. Os projetos seguem a dinâmica de cooperação em que cada canal
produz os próprios episódios e recebe os demais gratuitamente, a partir da coordenação
geral e da distribuição da TAL. As séries produzidas até aqui tiveram uma média de 20
episódios, com mais de sete países envolvidos por projeto. Um exemplo desse tipo de
produção é a série que focamos, Mi país, Nuestro Mundo, que estreou em 2012. Vale
ressaltar que esta concepção de rede tem como inspiração, inclusive no sentido de rever,
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o que ocorria nos anos 1960/1970 na América Latina, quando diversos grupos de
cineastas discutiam projetos que, grosso modo falando, articulavam cinematografias
sustentadas pela ótica do investimento na cultura nacional, no ideário de romper as
desigualdades sócio-econômicas da região latino-americana e na fabulação de uma
estética própria, desvencilhada do modelo hegemônico do cinema norte-americano. Entre
estes cineastas, estava Orlando Senna, que foi Secretário do Audiovisual do primeiro
governo Lula (2003-2006) e que integra a TAL TV desde 2007. Senna, de certo modo,
traduz um movimento de revisão por parte da chamada esquerda latino-americana da
crítica à televisão como mídia exclusivamente alienante. Esta nova visão da TV gerou,
entre outros movimentos, no investimento de governos eleitos após o fim das ditaduras
nos países da América do Sul (em especial) e também em países da América Central e
México, em criação de televisão e redes públicas. São estas, como já colocamos, as que
mais têm permitido a existência da web TAL TV, na medida que fornecem material
gratuito para esta.
A maior parte deste acervo é composta de documentários. Como coloca Da-Rin,
“se o documentário coubesse dentro de fronteiras fáceis de estabelecer, certamente não
seria tão rico e fascinante em suas múltiplas manifestações” (2004, p.15). Nesse sentido,
buscamos compreender como os jovens se apropriam da linguagem do documentário para
mostrar seus esforços em mudar a realidade ambiental de suas comunidades ou ainda de
preservá-la. Também: como eles concebem o que querem discutir e mostrar às câmeras?
Outras questões que mobilizam esta comunicação são essas relações dos jovens com o
meio ambiente ou, em outras palavras, sobre os discursos que estão sendo construídos por
esses jovens sobre as questões que focam e que elegem como “problemas” da América
Latina retratada na série. E, quem são estes jovens, afinal, se nós o observarmos a partir
de uma certa tipologia que foi construída ao longo do tempo sobre juventude e,
particularmente, juventude latino-americana.
Neste sentido, é importante frisar a diversidade encontrada no perfil dos jovens
protagonistas de Mi país, Nuestro Mundo, bem como no tema que cada um aborda. Entre
os 36 filmes temos protagonistas de ambos os gêneros e diferentes idades, incluindo
crianças, adolescentes e jovens adultos, formações e culturas distintas. Suas origens
também são distintas, o que confere à série um painel multifacetado bastante significativo.
Também a forma como vivem e suas origens são fortemente indicadas em cada episódio.
Estes indicadores, somados ao próprio título da série, constituem, a nosso ver, um material
suficiente para impulsionar reflexões e digressões que nos permitem compreender o papel
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da comunicação – particularmente o do audiovisual – tanto na construção do imaginário
como na tradução e expressão de um dado momento histórico, cultural e geográfico, em
sintonia com os propósitos deste Seminário centrado nas Midiatizações e Processos
Sociais.
Referências Bibliográficas:
CACCIA-BAVA, Augusto (et. all.) Jovens na América Latina. São Paulo: Escrituras,
2004.
CATANI, Afrânio Mendes; GILIOLI, Renato de Sousa Porto. Culturas juvenis:
múltiplos olhares. São Paulo: Editora UNESP, 2008.
DA-RIN, Silvio. Espelho Partido: tradição e transformação do documentário
cinematográfico. Rio de Janeiro: Azougue Editorial, 2004.
DAYRELL, J. Escola e culturas juvenis. In: FREITAS, M. V.; PAPA, F. de C. (Orgs.).
Políticas Públicas: a juventude em pauta. 2ª Ed. Ação Educativa. Fundação Friedrich
Ebert. São Paulo: Cortez, 2008.
HALL, Stuart. A Questão Multicultural. In Da diáspora: identidade e mediações
culturais. Organização Liv Sovik. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2006.
MARGULIS, M.; URRESTI, M. La juventud es más que una palabra. In: ARIOVICH,
L. et al. La juventud es más que una palabra: ensayos sobre cultura y juventud.
Buenos Aires: Biblos, 2000
MARTÍN-BARBERO, J. “Jóvenes: des-orden cultural y palimpsestos de identidad”, in
CUBIDES, H. J.; TOSCANO, M. C. L. & VALDERRAMA, C. E. H. (orgs.). Viviendo
a toda: jóvenes, territorios culturales y nuevas sensibilidades. Bogotá: Siglo del
Hombre/DIUC, 1998.
NICHOLS, Bill. Introdução ao Documentário. Campinas, SP: Papirus, 2005.
RAMOS, Fernão. Mas afinal... O que é mesmo documentário? São Paulo: Editora
Senac, 2008.
ROCHA, Rose de Melo; BORELLI, Silvia Helena Simões. “Juventudes, midiatizações e
nomadismos: a cidade como arena”. In Comunicação, mídia e consumo. São Paulo, v.5,
n.13, pp.27-40, jul.2008.
VIANA, Malu et al. Tal 10 Anos. São Paulo: Pacto das Letras, 2013.
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OS NOVOS BAIANOS EM REDE: Mídia, Cultura e
Mestiçagem
Therence Santiago Alves Feitosa
Departamento de Pós Graduação em Comunicação e Semiótica da
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
Palavras-chave: Novos Baianos; comunicação; semiótica da cultura.
RESUMO EXPANDIDO
Resumo
O artigo pretende mostrar partindo de algumas canções dos Novos Baianos
elementos da mestiçagem. A ideia é evidenciar a partir de paisagens
poéticas/sonoras/sensoriais os múltiplos elementos culturais em relações miniaturais
sintáticas filigrânicas. Isso pensando a comunicação segundo Barbero (2013) em
constante “processo”. Comunicação a qual apresenta elementos como aponta Canclini
(1997) hibridizantes em seus inúmeros e inconstantes processos metonímicos. Para isso
foi utilizado enquanto natureza de pesquisa qualitativa o método dedutivo amparado por
referenciais teóricos da comunicação, antropologia e semiótica da cultura. O que
interessou aqui foi identificar os diversos elementos semióticos interagindo nas mais
variadas semiosferas, dentro do que Lótman (1978) chama de “continuum semiótico”.
Tendo como atenção maior os processos tradutórios, intuiu-se desenvolver certa
cartografia do período (anos de 1970) a partir da produção sonoro/poética/cultural dos
Novos Baianos.
Partindo de intenções atreladas a análises culturais (no sentido pleno do termo
cultura) é possível/desejado aqui, articular reflexões as quais se direcionem para o
pensamento do meio, pensamento o qual se concentra em transitar na complexidade do
meio e não na cristalização das pontas. Pretende-se nesse artigo fugir do que Pinheiro
(2013) chama de “binarismos/dicotômicos”. É fato que sofremos desde longa data uma
enorme influência centro-europeia no que tange as produções de conhecimentos. A
chamada era da “razão” ainda ecoa forte por aqui (Brasil). Sofremos o que Pinheiro
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(2013) chama de “reflexos da razão ocidental”, fato esse que diversas vezes engessa
nossas percepções estéticas analíticas a víeis de mãos únicas quando o assunto é cultura.
Seguindo nessa direção pode-se pensar que até na comunicação reducionismos
epistêmicos ocorrem, pois segundo Barbero (2013) uma vez que se pensa a comunicação
simplesmente nas esferas das teorias das mídias, a mesma (comunicação) é empobrecida
enquanto área do conhecimento. Nesse artigo, tentarei escapar desse beco sem saída, para
isso, vou abordar/olhar a comunicação como algo maior, algo gerador de vínculos
afetivos, os quais se conectam (no caso das canções dos Novos Baianos se conectaram
em rede) a partir de experiências sensíveis estéticas (pensando aqui esse conceito partindo
da ideia dos gregos como sendo os modos de sentir) que essas canções provocaram e
ainda provocam nas cenas musicais da cultura pop brasileira.
É interessante pensar que dentro das semiosferas segundo Lotman (1996) os
choques e conflitos culturais se dão em relações combinatórias de múltiplos elementos
variáveis que se formam e se (de) formam a partir de processos tradutórios. Isso acaba
sendo na visão desse autor a argamassa do que ele chama de sistemas modelizantes,
fenômeno esse que ajuda consideravelmente a produção e fluxo dos sentidos produzidos
pelos sujeitos da cultura (no caso aqui os músicos da banda e seu público). A partir das
inúmeras e intermináveis séries da cultura, a música (enquanto texto possível) trabalha
consideravelmente na construção de imagens/paisagens (sonoras, visuais, táteis, etc.) que
servem de registro cartográfico de um tempo histórico especifico.
As canções nessa direção servem para o desenrolar do que Pinheiro (2013) chama
de “proximidades barroco-antropofágica e sintático-metonímica”, as quais dão um ritmo
não ortogonal, as tramas transversalizadas expostas nessas canções. Canções as quais se
movimentam em trajetos tessiturais curvilíneos (em constante movimentos/fluxos
sensíveis/comunicacionais). Ai, nesse espaço semiótico, onde os processos tradutórios
atuam freneticamente que ocorre a produção/construção dos vínculos comunicacionais.
Percebeu-se que tais canções apresentavam em suas narrativas performances sonoras
potentes. Partindo aqui da ideia de performance de Zumthor (2005), é possível presumir
que tais canções provocaram tessituras semióticas que resultaram em indumentárias
comunicacionais entrelaçadas no que tange as relações entre cultura/sujeito/natureza.
Tendo em vista que tais fenômenos aconteceram dentro da efervescente cena musical
brasileira da referente época.
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