Adolescentes Negros e Escola

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    CARMELICE AIRES PAIM DOS SANTOS

    DISSERTAO DE MESTRADO: ADOLESCENTES NEGROS NO ENSINOFUNDAMENTAL: Representaes de si e construo de identidades

    Campinas2010

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    CARMELICE AIRES PAIM DOS SANTOS

    ADOLESCENTES NEGROS NO ENSINO FUNDAMENTAL:Representaes de si e construo de identidades

    Dissertao apresentada ao Instituto de Estudos daLinguagem, da Universidade Estadual de Campinas, paraobteno do Ttulo de Mestre em Lingustica Aplicada.

    Orientador(a): Prof. Dr. Roxane Helena Rodrigues Rojo

    Campinas2010

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    Ficha catalogrfica elaborada pela Biblioteca do IEL - Unicamp

    P159aPaim, Carmelice Aires.

    Adolescentes negros no ensino fundamental: representaes de si econstruo de identidades / Carmelice Aires Paim dos Santos. --Campinas, SP : [s.n.], 2010.

    Orientadora : Roxane Helena Rodrigues Rojo.Dissertao (mestrado) - Universidade Estadual de Campinas,

    Instituto de Estudos da Linguagem.

    1. Adolescentes - Identidade (Psicologia). 2. Negros - Brasil. 3.Lingustica aplicada - Estudo e ensino. I. Rojo, Roxane HelenaRodrigues, 1952-. II. Universidade Estadual de Campinas. Instituto deEstudos da Linguagem. III. Ttulo.

    cqc/iel

    Ttulo em ingls: Black teenagers in elementary school: representations of self andidentity construction.

    Palavras-chave em ingls (Keywords): Teenagers - Identity (Psychology); Blacks Brazil; Applied linguistics - Study and teaching.

    rea de concentrao: Lngua Materna.

    Titulao: Mestre em Lingustica Aplicada.

    Banca examinadora: Profa. Dra. Roxane Helena Rodrigues Rojo (orientadora), Profa.Dra. Terezinha de Jesus Machado Maher e Prof. Dr. Kleber Aparecido da Silva.

    Data da defesa: 10/12/2010.

    Programa de Ps-Graduao: Programa de Ps-Graduao em Lingustica Aplicada.

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    Banca examinadora dos trabalhos de Defesa de Dissertao de Mestrado, em

    sesso pblica realizada em 10 de Dezembro de 2010, considerou o (a) candidato (a)

    Carmelice Aires Paim dos Santos aprovado(a).

    UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMINAS

    Instituto de Estudos da Linguagem

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    Tereza Aires Paim Me, Estrela de primeira grandeza -

    pelas lies de fora, coragem eretido.

    (In memorian).

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    Agradecimentos

    Gostaria de agradecer imensamente a todas as pessoas que participaram direta ou indiretamente

    da organizao deste trabalho, em especial:

    prof. Dr. Roxane Helena Rodrigues Rojo, pela colaborao, confiana e participao ativa

    neste empreendimento.

    Ao meu marido, Ronaldo Gonalves dos Santos, que to significativamente mudou minha vida e

    teve intensa participao no (demasiadamente) longo processo de composio e escrita desta

    dissertao; pela incansvel colaborao nos procedimentos de formatao e organizao.

    Aos adolescentes que to responsvel e interessadamente participaram como informantes nestetrabalho de pesquisa e aos quais homenageio na pgina de epgrafes.

    Aos pais desses alunos, que no s colaboraram mediante a autorizao da participao dos seus

    filhos neste empreendimento, como enfatizaram a importncia deste para o desenvolvimento

    pessoal, emocional e social dos seus filhos;

    toda equipe da escola na qual foi realizada a investigao, os quais to bem me acolheram como

    profissional e como pesquisadora (Prof Roberto, Cllia, Ana, Maria)

    s minhas ir[Mes], Carmem e Cleonice, pelo apoio, compreenso, respeito, valorizao e

    encorajamento;

    A Elias Ribeiro da Silva, amigo de todas as horas, pelo imenso respeito, carinho, fora, ateno e

    colaborao; pelo constante encorajamento, pelas correes e orientaes e pelas longas horas de

    discusso;

    A Claudiomiro Vieira da Silva, pelo carinho e pelos momentos to agradveis de conversas de

    corredor, do cafezinho na cantina e pela troca de experincias.

    A todos os meus colegas do grupo de pesquisa, com carinho todo especial ao Heitor Gribl, pela

    dedicao e ateno e pelo esprito solidrio;

    Prof. Dr. Terezinha de Jesus Maher, pelas observaes to convenientemente organizadas e

    pelas orientaes delas decorrentes.

    Ao Prof. Dr. Kleber Aparecido da Silva e Prof. Dr. Cladia Hilsdorf Rocha, pelas orientaes

    iniciais na escrita do projeto de pesquisa que deu origem a este trabalho.

    A toda equipe de funcionrios da Biblioteca do IEL e da Secretaria de Ps-Graduao pelos

    esclarecimentos e colaborao.

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    ... todo mundo tem uma histria assim, n/ todas as naes etudo mais tem uma histria bem forte, marcante/ mas assim.../

    o negro, ele tem uma histria assim to triste/to...sabe...assim../ e que eu acho que/ passa despercebido e

    nas mos de muitos, n?/ muitos...assim.../ c v que aspessoas assim...talvez / da minha idade mais ou menos

    assim.../ ele no sabe direito a histria/ [](Samantha -13 anos)

    Negativo as ofensas, n?// como eu j havia comentado// notem como no lembrar...[]Acho muito ruim isso, n? /

    diferenciar por causa da cor.../(Gustavo 13 anos)

    Professores/ rede de ensino/ todos/ acho que eles deveriambuscar muito mais a cultura negra/ precisa de muito mais pra

    ficar uma coisa bem legal... (Samantha -13 anos)

    Porque eu sempre.../eu sempre sofri com isso, sabe? / N?/desde pequena, assim.../

    (Tainara 12 anos)

    ...mas... uma sugesto: / porque sugestes so sempre abertasassim..../ pra...que a escola desse...sabe?/ buscar um pouco

    mais assim esse lado, sabe? / o aluno negro na escola/ comoque ele se sente/ se ele bem recebido/ se ele no ...

    (Samantha 13 anos)

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    Resumo:

    Na fase atual das suas apresentaes, os estudos de cunho etnogrfico daLingustica Aplicada revelam-se cada vez mais comprometidos com questes da vidasocial. Entretanto, tais estudos ainda no foram suficientes para mapear a diversidade dequestes envolvendo as identidades no mbito da globalizao, uma vez que, no contextodas transformaes globais, os processos que envolvem a identidade e afetamsensivelmente os contextos socioculturais tm levado os sujeitos a problematizarem asdelimitaes dos seus pertencimentos e sua relao com o outro e consigo mesmos.Inserido neste universo de preocupaes, o presente trabalho que apresenta-se como umaestudo de cunho etnogrfico, organizou-se a partir da anlise os elementos formadores dosdiscursos identitrios dos adolescentes afrodescendentes de uma escola de pequeno porte,

    no interior paulista, buscando-se observar os referenciais etnorraciais utilizados por taissujeitos no momento de construir posies de identidades. Vale lembrar que a identidade foiaqui problematizada como uma noo complexa, no essencializada, pluridimensional eque mantm estreita relao, com a histria, com a cultura, com a linguagem e com asexperincias comuns ocorrentes na vida cotidiana. Parametrizado por tal noo oempreendimento investigativo ora relatado, apoiou-se nos pressupostos que reafirmam ocontexto familiar como um locus de manuteno dos elementos culturais dosafrodescendentes investigados, desenvolvendo-se por meio de um estudo de caso,construdo a partir de narrativas (histria de vida) de tais sujeitos. Orientados nessametodologia e lanando mo de procedimento dinmico interacional norteado porentrevistas semidirigidas, as quais foram gravadas e posteriormente transcritas, buscou-se

    traar/apreender o modo como esses adolescentes representam a si mesmos ao construir assuas narrativas de vida. A proposta investigativa ora apresentada torna-se relevante para osestudos da Lingustica Aplicada, medida que reafirma a importncia desta comodisciplina aplicada e trasndisciplinar e favorece a ampliao das discusses em torno dasquestes sociais que envolvem a linguagem, uma vez que o objeto da pesquisa, constituiu-se como objeto complexo que, dada a sua significativa relevncia social, exigiu umapostura dialgica com outras disciplinas.

    Palavras-chaves: Adolescentes- Afrodescendentes Identidades Lingustica Aplicada

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    Resumen:

    En la fase actual de su presentacin, el estudio de la Lingstica Aplicada estndemostrando ser cada vez ms comprometidos con las cuestiones de la vida social. Sin

    embargo, estos estudios no fueron suficiente para conocer la diversidad de temasrelacionados con las identidades en el contexto de la globalizacin, ya que en el contexto delas transformaciones globales, los procesos que involucran a afectar sustancialmente a laidentidad y los contextos socio-culturales ha llevado los sujetos a problematizar lademarcacin de sus pertenencias y su relacin con los dems y consigo mismo. Dentro deeste universo de preocupacin, el presente trabajo, que se presenta como un estudioetnogrfico, se organiz a partir del anlisis de los elementos de formacin de los discursossobre la identidad de los adolescentes de ascendencia africana a partir de una pequeaescuela en So Paulo, con el objetivo de observar los puntos de referencia etno-racialesutilizados por estos individuos en el momento de construir posiciones de identidad.Importante recordar que la identidad es problematizado aqu como un concepto complejo,

    no esencializada, multidimensional y mantiene estrechos vnculos con la historia, con lacultura, con el lenguaje y con las experiencias comunes que se producen en la vidacotidiana. Guiado por este concepto y utilizando una metodologa de investigacinetnogrfica, la investigacin que aqu se describen, se bas en los supuestos que reafirmanel contexto familiar como lugar para el mantenimiento de los elementos culturales deafrodescedndentes investigados, desarrollo a travs de un estudio caso, construido a partirde narraciones (la historia de vida) en estos temas. Apoiados en esta metodologa yhaciendo uso del procedimiento dinmico de interaccin guiada por entrevistas semi-dirigidas, grabadas y transcritas, se intent delinear / entender cmo estos adolescentesrepresentarse a s mismos en el momento de construir sus narraciones de la vida. Deacuerdo con nuestra visin, el trabajo de investigacin presentada aqu es relevante para el

    estudio de la Lingstica Aplicada, em el que reafirma su importancia como una disciplinaaplicada y trasndisciplinar y favorece la expansin de los debates sobre las cuestionessociales relacionadas con el idioma, ya que el objeto de la investigacin, se estableci comoun objeto complejo que dada su importancia social significativo, exigi una actituddialgica con otras disciplinas.

    Palabras claves: Identidad Afrodscendente - Lingstica Aplicada

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    SUMRIO

    PERCURSO DE PESQUISA........................................................................................................19CAP TULO 1:A PESQUISA ........................................................................................................27

    1.1. Pressupostos epistemolgicos e justificativa da pesquisa....................................................27

    1.2. Consideraes metodolgicas sobre a pesquisa...................................................................29

    1.3. Os sujeitos da pesquisa: critrios de seleo........................................................................30

    1.4. Metodologia e instrumentos de gerao de dados................................................................32

    1.5. Procedimento de gerao de dados...................................................................................38

    CAP TULO 2: CONSIDERAES SOBRE AS IDENTIDADES...............................................43

    2.1. Identidades tnicas ou raciais?.............................................................................................43

    2.1.1.Identidades raciais....................................................................................................44

    2.1.2.Identidades tnicas....................................................................................................49

    2.2. Identidades na modernidade.................................................................................................52

    2.2.1.Identidade social, identidade pessoal e identidade do ego.......................................55

    2.3. Identidade racial e etnicidade na Alta Modernidade O espao da globalizao...............58

    2.4. Dispora do Atlntico Negro: trao constitutivo das identidades negras no Ocidente.........64

    2.5. O negro no Brasil: o processo de reinveno das culturas negras e das identidadesafricanas...............................................................................................................................67

    2.5.1. Percurso histrico das identidades afrodescendentes no Brasil e a relao com aideologia etnorracial nacional...................................................................................73

    2.5.2. As culturas negras no Brasil na Alta Modernidade....................................................79

    CAP TULO 3: AFRODESCENDENTES - VOZES DE UMA JOVEM MINORIA ....................83

    3.1. Claro/escuro: representao do positivo/negativo da identidade etnorracial.......................84

    3.2. O negro como signo ideolgico............................................................................................99

    CAP TULO 4: RUIM ISSO, N?/ DIFERENCIAR POR CAUSA DA COR..............................113

    4.1. O que dizer sobre o agora?: Afrodescendentes no contexto da Alta Modernidade.........114

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    4.2. Famlia, msica, futebol e arte: de onde vem os referencias identitrios?........................126

    4.3. O ns e o eles cada qual no seu quadrado: Afrodescendentes e as questesetnorraciais da Alta Modernidade....................................................................................139

    CONSIDERAES FINAIS...............................................................................145

    REFER NCIAS BIBLIOGR FICAS ......................................................................................151

    ANEXOS.......................................................................................................................................159

    Atividades da pesquisa.............................................................................................................159

    Termo de consentimento..........................................................................................................161

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    PERCURSO DE PESQUISA

    O interesse pela presente pesquisa nasceu de dois mbitos, consecutivamente:

    profissional e acadmico. Como professora de Lngua Portuguesa do Ensino Fundamental

    da Rede Pblica e Particular, sempre tive um tempo de convivncia significativo com as

    classes nas quais ministrava aulas, devido extensa carga horria que constitui a Disciplina

    (seis aulas semanais em cada classe), o que me levava consequentemente a estabelecer

    relaes de maior proximidade com o corpo discente: ouvir suas histrias, trocar

    experincias e, principalmente observ-los mais detidamente.

    Partindo desse contexto, pude observar como o adolescente costuma lidar com

    suas experincias e quais so as situaes mais comuns presentes na vida desses sujeitos.

    Chamou-me ateno, particularmente, o fato dos adolescentes afrodescendentes ainda queinseridos nesses mesmos grupos (classes) escolares - vivenciarem algumas experincias

    bastante diferenciadas dos demais alunos, dentro e fora de sala de aula e os efeitos que tais

    experincias causavam na vida dessas pessoas. Os apelidos; os termos pejorativos sempre

    associados s caractersticas fenotpicas (macaco, saci, etc.); o tratamento excludente

    manifestado pelos prprios colegas; a ridicularizao frente aos seus traos fsicos

    caractersticos (lbios, nariz, cabelos, etc.) levava a reaes que variavam da agressividade

    ao isolamento.

    Aps ter observado tais fatos, busquei, atravs de uma breve anlise da

    literatura sobre o negro no Brasil, verificar como os estudos acadmicos tm descrito a

    situao da populao negra no pas e como os problemas de ordem epidrmico-racial tem

    sido vivenciados por essa populao. Tal procedimento me fez entrever como os

    A identidade marca o encontro de nosso passado comas relaes ciais, culturais e econmicas nas quaisvivemos agora... A identidade a interseo de nossasvidas cotidianas com as relaes econmicas e

    polticas de subordinao e dominao(RUTHERFORD, 1990; 19-20).

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    mecanismos que determinam as relaes epidrmico-raciais no Brasil so sustentados e

    perpetuados no interior das estruturas econmicas e sociais vigentes na atualidade.

    Motivado por tais discusses, Clvis Moura, em a Sociologia do negro

    brasileiro (1988) faz um panorama das pesquisas sobre o negro no Brasil, pontuando aimportncia dos estudos patrocinados pela UNESCO, aps a Segunda Guerra Mundial. Tais

    estudos, segundo o autor, teriam tido importncia capital na desmistificao das

    generalidades otimistas e ufanistas (MOURA, 1988, p. 28) e do mito da democracia

    racial no Brasil, uma vez que, atravs de tais investigaes constatou-se que o Brasil

    altamente preconceituoso e o mito da democracia racial uma ideologia arquitetada para

    esconder uma realidade social altamente conflitante e discriminatria no nvel das relaes

    intertnicas (MOURA, 1988, p. 30). Como parte integrante do resultado da sua pesquisa, o

    autor ainda considera o mito da democracia racial como um mecanismo de impedimento a

    ascenso da comunidade negra aos cargos de liderana e prestigio social.

    De acordo com Moura, (1988, p. 34), pesquisas realizadas pelo jornal Folha de

    S. Paulo, em maro de 1984, sobre o preconceito de cor constatou que 73% dos paulistanos

    consideram o negro marginalizado, no Brasil; 60,9% dizem conhecer pessoas e instituies

    que discriminam o negro. Somando-se s concluses de Moura, estudos realizados pelo

    IBGE, na dcada seguinte e apresentados pela mdia, sobre perspectiva de emprego e

    rendimento relativos s diferenas raciais no Brasil apontavam que,em maro de 2009, o

    desemprego

    era mais elevado para os pretos ou pardos do que para os brancos. Almdisso, o rendimento mdio de pretos ou pardos, de acordo com o instituto,era quase a metade do recebido pelos brancos. Os nmeros foramcontabilizados a partir de dados da Pesquisa Mensal de Emprego (PME)referente a maro de 2009.

    A taxa de desocupao dos pretos ou pardos (10,1%) era mais alta que a

    dos brancos (8,2%). Alm disso, entre a populao em idade ativa (10anos de idade ou mais) nas mesmas seis principais regies metropolitanasdo Pas, os brancos tinham, em mdia, 9,1 anos de estudo, enquanto ospretos ou pardos tinham 7,6 anos. J o rendimento mdio habitual dostrabalhadores pretos ou pardos (R$ 847,71) "praticamente a metade" doque recebem os brancos (R$ 1.663,88). (O ESTADO 13/05/ 2009)

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    A manuteno dos mecanismos de barragem, tal qual apontada por Moura

    (1988) -assim como a natureza produtiva de tais mecanismos-, ainda so constatados nos

    estudo mais recentes sobre a diferenciao social com base na classificao epidrmica.

    Um estudo comparativo realizado, este ano, pelo Observatrio da Educao, sobre asituao socioeducativa entre pretos e pardos no Brasil, descreve:

    Atualmente, a proporo de jovens entre 15 e 17 anos cursando o ensinomdio no Brasil de 50,4%. No entanto, entre negros e pardos o nmerocai para 42,2% e entre brancos de 61%. [...] J na rea rural, apenas33,3% esto cursando o ensino mdio, ante 54,3% nas zonas urbanas.Tambm muito lenta a queda na taxa de analfabetismo, que permanecena casa dos 10% da populao brasileira, destaca Maringela, novamenteressaltando a diferena entre regies e entre a rea urbana e a rural. Na

    populao preta / parda o nmero sobe para 13,6% e, na branca, cai para6,2%. []

    No acesso a creche e educao infantil, tambm muito grande adiferena entre crianas brancas e negras. Dentre as pretas e pardas,apenas 15,5% frequentam creche, ante 20,7% das brancas.(CONFERENCIA 4: 27.03.2010)

    Estes resultados, que sero considerados no momento de delinear o cenrio

    social sob o qual os adolescentes afrodescendentes constroem suas identidades,

    apresentam-se como uma projeo da situao da populao negra no Brasil e reafirma asconcepes de Moura (1988) sobre as relaes raciais na nossa sociedade. Segundo o autor,

    o brasileiro de classe mdia tem um subconsciente permeado por concepes racista,

    considerando-se que o conjunto de mecanismos ideolgicos que se organizam

    basicamente em torno de esteretipos - apresenta-se de forma inconsciente para a

    maioria, uma vez que elaborado por uma elite racista (p.76). Esses mecanismos iro

    refletir objetivamente no processo de seleo econmica do contingente afrodescendente no

    Brasil, delineando por meio dessa seleo, uma situao social caracterstica das sociedades

    segregacionistas.

    Relativamente situao socioeconmica anteriormente descrita, atravs de

    constantes conversas com os adolescentes em questo, pude observar que muitos deles j

    haviam desenvolvido certa percepo de pelo menos uma parte dos problemas pontuados

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    pelos estudos acadmicos sobre a questo da discriminao racial no Brasil. Chamava-me

    ateno diversidade de formas como esses adolescentes posicionavam-se frente a tais

    questes e a forma como esses problemas pareciam influenciar na questo da construo de

    suas identidades.Paralelamente, mais ou menos no mesmo perodo, comecei a refletir sobre as

    leituras e discusses sobre a identidade (mais precisamente sobre a identidade na

    modernidade recente), realizadas durante o curso de graduao na Universidade Federal da

    Bahia. Tais discusses, nas quais as questes da Alta Modernidade apresentavam-se com

    um nvel considervel de frequncia, eram organizadas em torno da concepo de um

    sujeito fragmentado, concebido a partir de uma redefinio, realinhamento das fronteiras

    socioculturais, com traos identitrios antagnicos e conflitivos (BHABHA, 1990; HALL,

    2006; BIRMAN, 1999).

    Norteada por essas concepes e somando minhas inquietaes s questes do

    multiculturalismo no ambiente escolar, levantadas durante os seminrios da Prof. Dr.

    Roxane Rojo, ao me ver diante de questes, que abrangem tanto o espao temporal quanto

    a organizao subjetiva, passei a me interrogar a respeito da relao entre esse sujeito

    pertencente a um grupo tnico1 marcado por esteretipos2

    1 O termo grupo tnico ser tomado em perspectiva semelhante quela adotada por (LIMA, 2008, p.38), o

    qual esclarece que no contexto brasileiro, as etnias, so demarcadas pelas razes histricas socioculturaise polticas que marcam a formao populacional brasileira. No que se refere aos afrodescendentes, oelemento fundamental de tais razes est na experincia da dispora, do escravismo e na ancestralidadeafricana. (Cf. HALL, 1996; SANSONE, 2004)

    comuns - o que pressupe a

    construo de uma identidade organizada em tornos de uma experincia coletiva- e o

    sujeito da Alta Modernidade, cuja identidade resulta de uma srie de negociaes e

    deslocamentos, dos excedentes da soma das partes da diferena (HALL, 2006, p. 20),

    delineando a partir da os objetivos da pesquisa, a partir do qual buscaramos investigar (a)

    como os adolescentes afrodescendentes participantes deste trabalho tm se posicionado

    frente s questes etnorraciais que perpassam a Alta Modernidade, no intuito de (b)

    observar o modo como essas questes tm sido focalizadas e /ou administradas no

    processo de construo das suas identidades etnorraciais.

    2Conjunto de traos que caracterizam um grupo em seu aspecto fsico, mental ou comportamental. (HALL,apud ZARATE, 1986; 63).

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    A fim de atingir nossos objetivos e considerando tambm que as culturas negras

    tm passado por um processo constante de refaco um sincretismo cultural (HALL,

    1998, p. 92) - a partir da relao de intercmbio entre as populaes negras de vrias

    partes do mundo, formulamos as seguintes perguntas de pesquisa:1. Como o grupo de adolescentes afrodescendentes investigado tem se

    posicionado frente s questes etnorraciais que envolvem a Alta Modernidade, visto que

    tais questes apontam tanto para a criao de identidades defensivas quanto para a

    fragmentao das paisagens culturais relativas etnicidade?

    2. Quais elementos tnicos e socioculturais, presentes nos discursos desses

    adolescentes, tm sido utilizados no processo de construo de suas identidades?

    3. Quais so as posies assumidas por esses adolescentes diante dasexperincias sociais comumente vivenciadas pelo seu grupo etnorracial3

    Diante de tais questes fomos envolvidas por uma srie de indagaes de

    ordem terico-metodolgicas a respeito do desenvolvimento da pesquisa: Que enfoque

    terico seria mais adequado para problematizar, num mesmo espao de discusso,

    questes referentes ao sujeito, cultura

    ?

    4

    Nosso primeiro horizonte de discusso delineou-se em tornos das concepes

    tecidas na vertente dos Estudos Culturais, uma vez que, a partir das consideraes

    formuladas por esse campo disciplinar, a anlise de posies subjetivas implicaria em

    pontuar as mudanas sociais e culturais observadas a partir do processo de descentramento

    do sujeito moderno.

    e s identidades? Qual a metodologia mais

    apropriada? A fim de obter possveis respostas para as indagaes que, mais adiante se

    tornariam a base da nossa investigao, recorremos a duas vertentes tericas que

    problematizavam a relao entre modernidade recente e descentramento subjetivo,

    reafirmando com essa postura, a natureza transdisciplinar do nosso investimento.

    3Esse termo ser utilizado em consonncia com a perspectiva de Helms (1993, apud FERREIRA, 2000, p. 68),o qual, ao utilizar o termo racial como referncia desenvolvida pela pessoa ao compartilhar a heranacomum a um grupo particular, ele, na verdade, est se referindo tanto a aspectos raciais quanto a aspectostnicos compartilhados pelo grupo.4O termo cultura ser aqui entendido como: sistema partilhado de significao no qual h entre osmembros de uma sociedade, um certo grau de consenso sobre como classificar as coisas a fim de manteralguma ordem social (WOODWARD, 2000, p. 41-42).

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    Considerando-se que tanto a constituio quanto a disperso desse sujeito se

    do no e pelo discurso, e que as tradies culturais exercem importante papel na produo e

    manuteno desse mesmo discurso, mantendo por isso uma estreita relao com a formao

    e representao do sujeito, adotamos um enfoque terico que contemplasse as proposiesconceptuais advindas da Lingustica Aplicada, da Sociologia (mais especificamente a

    vertente dos Estudos Culturais), da Geografia e da Histria, uma vez que a narrativa de si

    seria a principal via pela qual se daria a observao das posies subjetivas assumidas pelos

    sujeitos da pesquisa e a prpria Lingustica Aplicada, por se interessar por outros campos

    do saber, alm do conhecimento lingustico, tem apresentado nos ltimos anos um campo

    terico que se intersecciona com tais reas de conhecimento.

    A anlise do sujeito e de sua relao com a linguagem sob a perspectiva

    sociocultural - que concebe o discurso como constitutivamente heterogneo, polifnico,

    dotado de um sistema de significao poltica e historicamente constitudo -, apresenta-se

    como um procedimento mais adequado a uma tentativa de recuperao, pela via do

    discurso, dos traos culturais e dos processos de resistncia e negociao recorrentes na

    construo e na manifestao das identidades dos sujeitos envolvidos neste trabalho de

    pesquisa.

    A importncia de articular essas trs diferentes reas est no fato de que,

    embora discutam a questo do sujeito com nfase em diferentes perspectivas, todas essas

    vertentes de pensamento caracterizam o sujeito como descentrado, contraditrio, e

    inacabado: desvinculado da orientao cartesiana que o afirma como fruto da razo e da

    viso puramente objetiva.

    A importncia das Teorias Discursivas para o nosso estudo justifica-se pela

    relao entre o nosso objeto de estudo - representao de si e construo de identidade - e a

    funo que os estudos relacionados narrativa tm assumido nas ltimas dcadas,

    considerando-se que a representao que o sujeito faz dele mesmo (tanto para si como parao outro) se d primordialmente na/pela linguagem e as investigaes que problematizam a

    constituio subjetiva busca apreender na materialidade lingustica do discurso, os

    movimentos constitutivos da linguagem, da representao e do prprio sujeito.

    De forma anloga, a vertente sociolgica apresentada neste estudo afigura-se

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    como uma importante base terica para as discusses que relacionaro a questo

    etnorracial e a Alta Modernidade, tendo em vista que ambas sero problematizadas sob a

    perspectiva dos conflitos sociais que emergem a partir da escala de valores orientada pela

    classificao cromtica epidrmica dos indivduos.Orientados pelas concepes dos estudos da Alta Modernidade que tm

    focalizado a questo do sujeito sob a gide da construo/desconstruo das identidades,

    sem deixar de pontuar o aspecto imprevisvel; incompleto; hbrido e fugidio da identidade

    desse mesmo sujeito e, mais particularmente, nas reflexes de Hall (1998) que tm

    apontado para uma volta estratgica das identidades mais defensivas entre as prprias

    comunidades minoritrias, em resposta experincia do racismo e da excluso cultural,

    partiremos de duas pressuposies fundamentais para a nosso empreendimento: a primeira

    delineia-se na ideia de que:

    1. As tradies culturais presentes na famlia ainda tem funcionado para os

    adolescentes em questo, como elementos que subsidiam a constituio de suas identidades

    etnorraciais e individuais;

    e, a segunda orientada pelo noo de que:

    2. A relao estabelecida entre a cultura hegemnica e as referidas tradies

    tem sido significativamente problematizada / questionadas por tais sujeitos.

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    CAPTULO 1

    A PESQUISA

    Introduo

    Este captulo ser dedicado descrio dos procedimentos metodolgicos

    adotados para desenvolvimento desta pesquisa. Vale ressaltar que tais procedimentos foram

    descritos de acordo com a sequncia a seguir: (1) Pressupostos epistemolgicos e

    justificativa da pesquisa; (2) Contexto da pesquisa (3) O objeto da pesquisa (4)

    Procedimentos seletivo do corpus; (5) Procedimentos de anlise.

    1.1. Pressupostos epistemolgicos e justificativa da pesquisa

    O conjunto de questes que vem sendo colocadas por muitos pesquisadores das

    Cincias Sociais tem apontado para a necessidade de se implementar novos paradigmas

    polticos e sociais a partir dos quais se possam gerar novas formas de produo de

    conhecimento (cf. MOITA-LOPES, 2006). O problema que se apresenta frente a tal

    questo, diz respeito, ento, s formas de entendimento da vida contempornea e criao

    de alternativas sociais que tornem audveis as vozes dos que esto margem: os pobres, os

    favelados, os negros, os indgenas, homens e mulheres homoerticos, mulheres e homens

    em situao de dificuldades sociais (...) (MOITA-LOPES, 2002, p. 143).No campo das preocupaes pedaggicas, aponta-se para o fato de que as

    investigaes sobre a maneira como as identidades so desenvolvidas microgeneticamente,

    construdas localmente em diferentes pontos do discurso parecem constituir uma rea de

    grande importncia (BAMBERG, 1977, p.178). Norteadas por tais concepes, as

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    pesquisas no campo da educao tem se desenvolvido com foco nas questes relativas

    identidade, sob a perspectiva de interveno para a soluo de problemas estruturais em

    sociedade cuja dinmica das relaes sociais, (KLEIMAN, 2002, p. 268) compromete a

    afirmao das identidades das minorias.No tocante Lingustica Aplicada (doravante, LA), especialmente em algumas

    das suas vertentes contemporneas, o que tem sido proposto pelos estudiosos da rea um

    modo de produo de conhecimento mais comprometido com questes da vida social, a

    exemplo das teorias emergentes na Alta Modernidade de ordem crticas, feministas ou

    antirracistas.

    Partindo de tais perspectivas, a proposta de observar, pela via do discurso, quais

    elementos tnicos, culturais e sociais os adolescentes afrobrasileiros ora investigados tm

    utilizado para compor suas identidades tnicas, apresenta-se como um objeto de forte

    relevncia para os estudos da LA, uma vez que tende a favorecer a ampliao das

    discusses em torno das questes sociais que envolvem a linguagem e reafirmar a

    identidade da LA como disciplina de natureza aplicada. Isso possvel, pois o objeto aqui

    focalizado, alm de constituir-se como objeto complexo, que exige uma postura dialgica

    com outras disciplinas, (Sociologia, Histria, Geografia), tambm um problema com

    relevncia social suficiente para exigirem respostas tericas que tragam ganhos s prticas

    sociais a seus participantes, no sentido de uma melhor qualidade de vida [...] (ROJO,

    2006, p. 258).

    Outro ponto que torna relevante a investigao sobre as posies identitrias de

    adolescentes afrodescendentes sua contribuio para o campo pedaggico, considerando-

    se que as observaes mais apuradas, a respeito das formaes dessas posies identitrias,

    no contexto discursivo, podero contribuir para a elaborao de estratgias e prticas

    pedaggicas (a exemplo de uma possvel reestruturao curricular, curso de formao de

    professores, etc.) voltadas para a soluo de problemas que envolvem questes tnicas eculturais dentro e fora do contexto escolar.

    A complexidade do objeto investigado nos conduziu a uma atitude

    transdisciplinar, uma vez que este, o objeto, exigiu uma postura terico-metodolgica

    capaz de articular, de maneira dialgica e eficaz, os saberes de referncia necessrios a sua

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    interpretao e resoluo (ROJO, 2006, p. 259). Sendo assim, atravs

    do apelo s diferentes reas de conhecimento, foi possvel responder questo

    de ordem terico-metodolgica, apresentada nas indagaes iniciais apresentadas nesta

    investigao: Qual o enfoque terico mais adequado para problematizar, num mesmoespao de discusso, questes referentes ao sujeito, cultura e s identidades?

    1.2. Consideraes metodolgicas sobre a pesquisa

    Nosso objeto de estudo foi constitudo a partir de entrevistas com treze alunos

    afrodescendentes, estudantes do nvel fundamental de uma instituio de ensino privada

    (sem fins lucrativos e de atuao em mbito nacional), situada na cidade de Valinhos,

    interior do Estado de So Paulo. Trata-se de uma escola de mdio porte, situada num bairro

    prximo regio central da cidade, na qual so oferecidos diferentes nveis de ensino em

    perodos assim distribudos: Ensino Fundamental (5a 8asries), no perodo da manh; (1a

    4a), no perodo da tarde; e Educao de Jovens e Adultos, (Nvel Fundamental) no perodo

    noturno. As turmas dos trs perodos so compostas por uma mdia de 35 a 40 alunos.

    O espao fsico da instituio composto de doze (12) salas de aula; duas

    quadras de esportes (interna e externa); uma pequena biblioteca (onde acontecem as aulas

    de leitura); quatro banheiros; uma sala de vdeo; uma sala de artes (para as aulas prticas da

    disciplina): uma sala de educao fsica (destinada a guardar os materiais utilizados pelos

    professores da disciplina); uma sala de orientao pedaggica, onde os alunos so recebidos

    pela coordenadora (psicopedagoga) para tratar de questes referentes ao comportamento,

    aprendizagem etc.; e um refeitrio, o qual utilizado tanto para as refeies do corpo

    discente como para a execuo de atividades fora da sala de aula (realizao de trabalhos de

    diversas disciplinas, ensaios de danas, montagem de peas teatrais, etc.). O corpo docenteque atua na instituio, no perodo da manh (no qual foi realizada a pesquisa) composto

    por um grupo de 12 professores de classe mdia, graduados em Faculdades particulares,

    com idade entre 30 e 55 anos e residentes, em sua maioria, em cidades da regio

    (Campinas, Sumar e Paulnia). Vale ressaltar que 95% desses docentes declararam-se

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    brancos e os outros 5% declararam-se morenos claros 5

    O primeiro contato com os sujeitos participantes desta investigao ocorreu por

    conta da minha aprovao em concurso (de carter pblico) para ministrar aulas em uma

    das unidades escolares que compem a rede de ensino em questo. Ministrei aulas paraalguns desses adolescentes, numa 6srie do Ensino Fundamental, durante o ano de 2006,

    continuando na mesma unidade escolar, ministrando aulas para as turmas de 5srie, at o

    ms de abril do ano seguinte (2007), quando, de acordo com as normas do CNPq, precisei

    pedir a resciso do meu contrato junto referida Instituio para dar incio pesquisa

    descrita nesta dissertao. Durante esse perodo, j havia comunicado direo da escola

    minhas intenes de pesquisa e j havia recebido a aprovao do grupo de gestores.

    .

    1.3. Os sujeitos da pesquisa critrios de seleo

    Os alunos que participaram deste trabalho foram selecionados entre a totalidade

    do corpo discente daquele ambiente escolar (aproximadamente, 450 alunos) sendo que

    esses eram os nicos afrodescendentes existentes na composio das turmas de 5 a 8

    sries6. Para tanto foram utilizados os seguintes critrios: (a) tinham idade entre 12 a 15

    anos; (b) estavam de acordo em participar do projeto de pesquisa e; (d) apresentaram a

    concordncia (por via documental) dos seus pais ou responsveis, relativa a tal

    participao. Tais sujeitos so pessoas pertencentes classe mdia baixa, com idade entre

    12 a 15 anos, residentes em diferentes pontos (centro, periferia, semiperiferia) das cidades

    de Campinas ou Valinhos e, quase todos, filhos de profissionais atuantes no setor industrial.

    O ambiente familiar no qual se inserem esses adolescentes so famlias de pequeno ou

    mdio porte7

    5O percentual de docentes que se declararam morenos claros justificam essa autoclassificao com base

    no fato de que apesar de serem filhos de negros com brancos apresentam de forma mais ostensiva(atravs do tom da pele) os traos fenotpicos destes ltimos.

    , compostas, em sua maioria, por pais de diferentes caractersticas tnicas

    6 O perodo da manh era composto apenas por turmas de 5 a 8 sries. Portanto, todos os alunosvinculados a essa fase de aprendizagem e, consequentemente com idade entre 12 a 15 anos estavammatriculados naquele perodo.

    7 O critrio escolhido para a classificao do tamanho das famlias foi a quantidade de filhos (naturais ou

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    (famlias mistas).

    A escolha de tais indivduos para atuarem como sujeitos-participantes deste

    trabalho de pesquisa justifica-se primeiramente por: (a) a inexistncia, nos estudos

    lingusticos e sociais, de trabalhos de pesquisa que focalizem o adolescente negro de classemdia, considerando-se que grande parte dos estudos sobre o negro no Brasil, concentra o

    seu foco de anlise nos grupos da classe baixa da periferia, a exemplo dos trabalhos de

    Vasconcellos (2004) A escola da periferia: escolaridade e segregao nos subrbios,

    organizado em torno da noo de "escola da periferia" cujo objetivo fundamentalmente o

    de abordar as desigualdades escolares, nos estabelecimentos de ensino pblico situadas

    nessas reas; Silva Jnior; Vasconcelos (2000 a 2003) Autoestima em afrodescendentes: a

    partir de estudos comparativos,organizado a partir da observao, para fins comparativos

    do grau de autoestima manifestado por dois grupos de estudantes afrodescendentes do

    Ensino fundamental do Estado de Alagoas e no qual toma como foco de anlise um grupo

    de crianas 30 (trinta) crianas, de ambos os sexos, com idade com idade entre 7 e 13 anos,

    dentre as quais metade vivem na periferia da capital e a outra metade formada por so

    oriundas de comunidade quilombola, localizada no mesmo estado; ou ainda o estudo

    desenvolvido por Carvalho (2004) Quem so os meninos que fracassam na escola?, no

    qual busca-seconhecer as formas cotidianas de produo do fracasso escola, por meio de

    um estudo realizado entre meninos 1 a 4 sries de uma escola pblica do Municpio de

    So Paulo, buscando compreender os processos que tm conduzido um maior nmero de

    meninos do que meninas, e, dentre eles, uma maioria de meninos negros e/ou provenientes

    de famlias de baixa renda, a obter conceitos negativos e a ser indicados para atividades de

    recuperao (CARVALHO, 2004, p.11)

    importante ressaltar que, de acordo com os procedimentos ticos desta

    investigao, as identidades dos sujeitos participantes foram preservadas, com a utilizao

    de codinomes, no sentido de evitar que as informaes recolhidas durante as entrevistaspudessem causar qualquer tipo de constrangimento, transtorno ou prejuzo para os referidos

    sujeitos. Da mesma forma, as informaes sobre os participantes no foram de forma

    adotivos) existentes no ambiente familiar desses adolescentes. Assim, foram classificadas como famlias depequeno porte aquela que so compostas pelo casal com apenas um filho e; famlias de mdio porteaquelas que so compostas pelo casal mais dois ou trs filhos.

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    alguma revelada a terceiros, a fim de evitar o uso de tais informaes com fins polticos ou

    pessoais.

    Sendo assim, aps o afastamento das salas de aula, passei a tomar as primeiras

    providncias para a coleta de dados. Primeiramente, organizei uma breve reunio com osalunos previamente selecionados8, expliquei a natureza e o propsito da pesquisa e

    verifiquei quais deles gostariam de participar na qualidade de informantes. Felizmente, para

    a minha surpresa, dos quinze (15) alunos selecionados, apenas um (01) no concordou em

    participar do trabalho, sendo que posteriormente um segundo participante tambm veio a

    abrir mo da sua participao neste trabalho9

    Ao final da reunio, todos receberam um pequeno formulrio - elaborado em

    conjunto com a diretoria da escola - no qual eram descritos a natureza e os objetivos da

    pesquisa e era solicitada a autorizao dos pais ou responsveis para a participao dos seus

    filhos ou tutelados no processo de coleta de dados deste empreendimento investigativo.

    Novamente para minha surpresa, todos os pais e responsveis autorizaram a participao

    dos adolescentes no projeto, sendo que alguns deles, alm de fornecerem a autorizao por

    escrito, entraram em contato com a escola (por telefone ou e-mail) para elogiar a iniciativa

    e expressar opinies sobre a necessidade pesquisas que focalizassem a questo tnica no

    ambiente escolar.

    . Por conta disso o nosso corpus de

    investigao passou efetivamente a ser composto por 13 adolescentes, dos quais apenas 11

    tiveram suas falas transcritas nos excertos a serem apresentados nos captulos de anlise.

    1.4. Metodologia e instrumentos de gerao de dados

    A metodologia de pesquisa de cunho etnogrfico, uma vez que no foi

    organizada se preocupa em focalizar a ''percepo que os participantes tm da interaolingustica e do contexto social em que esto envolvidos'' (MOITA-LOPES, 2003, p. 22).

    8 O procedimento seletivo ser detalhadamente descrito na prxima seo9O segundo participante a desistir do projeto foi uma menina de 14 anos. A participante alegava que suas

    notas estavam baixas, e que no disponibilizava de tempo para realizao das atividades escritas, uma vezque sua rotina de estudos deveria ser intensificada.

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    Os dados coletados abrangem um total de seis (06) horas de gravao dos depoimentos dos

    adolescentes. Como parte integrante dessa metodologia, foram utilizados os seguintes

    instrumentos de pesquisa: (a) atividades escritas (em anexo); (b) entrevistas semidirigidas

    e; (c) gravaes em udio.As atividades escritas10

    Orientadas por tais princpios, cada uma dentre as diferentes atividades

    apresentadas aos entrevistados foi elaborada com o objetivo de alcanar um determinado

    campo estrutural da vida desses adolescentes. Assim, por meio da realizao da Atividade

    1. (Representao de si), buscvamos apreender, atravs da anlise das representaes

    , que foram realizadas gradativamente pelos

    adolescentes selecionados, por meio de respostas escritas, normalmente seguidas de

    explicaes orais, serviram de base para a estruturao das entrevistas, sendo utilizadas em

    substituio ao tipo de perguntas fechadas, geralmente apresentadas nas entrevistas formais

    ou estruturadas. A ideia de utilizarmos um pequeno conjunto de questes, que suscitavam

    os mais variados tipos de respostas e conduziam narrativa dos diferentes aspectos da vida

    dos adolescentes, foi motivada pela inteno de estabelecer um nvel significativo de

    naturalidade na interao com os sujeitos entrevistados. Orientados pela perspectiva

    etnogrfica, buscamos interagir com os participantes da pesquisa de forma natural,

    excluindo tanto quanto possvel o aspecto intrusivo da relao entre investigador e sujeito

    investigado, pois consideramos que o grau de naturalidade e de profundidade apresentando

    nos depoimentos dos entrevistados pode estar diretamente vinculado ao nvel de

    naturalidade apresentado pelo pesquisador. Importante ressaltar que as consideraes

    escritas apresentadas em resposta s questes propostas no quadro de atividades eram

    geralmente muito resumidas, tornando-se muito mais ampla e muito mais claras atravs

    das explicaes orais elaboradas pelos prprios sujeitos investigados.

    10

    Conjunto de pequenas atividades que suscitavam respostas relativas a vida cotidiana dos entrevistados,encontra-se na seo de anexos, no final do trabalho. Tais atividades foram organizadas, inicialmente apartir da perspectiva da linha de pesquisa Subjetividade e Identidade, Desconstruo e Psicanlisea qualme encontrava vinculada e cuja proposta era discutir a questo identitria com base numa orientao

    psicanaltica. Por ocasio da adoo de uma nova vertente investigativa - Ensino-Aprendizagem deLngua Materna; Letramentos,a qual me encontro atualmente vinculada e que pivilegiava os aspectossocioculturais das formaes identitrias, as atividades 1(Representao de si) e 5(Identificaes), apesarde j terem sido realizadas pelos sujeitos da pesquisa, no foram consideradas no momento da anlise dosdados, para fins de adequao a essa nova linha de pesquisa.

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    grficas construdas por esse sujeitos, elementos materiais que tem sido utilizados por esses

    adolescentes para dar sentido, orientar e explicar as suas aes na vida cotidiana; a

    Atividade 2 (Exemplos) teve como principal objetivo dar vazo s narrativas que

    explicitassem o tipo e a dimenso das relaes sociais e da interaes mantidas por essessujeitos no ambiente escolar. A escolha do ambiente escolar como foco dessa atividade, foi

    orientada pela relevncia da escola na vida dos indivduos, ainda que, por nenhuma outra

    razo, pelo menos em termos da quantidade de tempo que passam/passaram na escola e

    pelo fato de que as prticas discursivas neste contexto desempenham um papel importante

    no desenvolvimento de sua conscientizao sobre suas identidades e a dos outros

    (MOITA-LOPES, 2003, p. 310).

    AAtividade 3

    (Rememorao

    ), teve como principal objetivo o

    desencadeamento de narrativas que possibilitassem a expresso das experincias, opinies e

    das possveis aes a serem tomadas pelos sujeitos em situaes especficas da vida

    cotidiana que pudessem envolver tanto os prprios sujeitos quanto ao grupo tnico e social

    ao qual pertencem. A organizao dessa atividade foi orientada sob a perspectiva que v as

    aes cotidianas como uma forma contundente e sistemtica de manifestao das posies

    identitrias assumidas pelo indivduo, considerando-se que atravs da linguagem que se

    buscam formas de agir sobre o mundo e sobre si mesmo.

    A elaborao da Atividade 4 (Minha histria) se deu com o objetivo de

    perceber a forma como esses adolescentes situam-se, descrevem-se e percebem-se a si

    mesmos dentro de suas prprias histrias de vida e da vida das suas famlias. Levamos em

    considerao nessa atividade, a concepo de que contar uma histria fornece um

    autorretrato: uma lente lingustica atravs da qual se podem descobrir vises (um tanto

    idealizadas) das pessoas sobre elas mesmas como localizadas em uma situao

    social.(SCHIFFRIN, 1996 apud MOITA-LOPES, 2002, p. 65). Os relatos sobre as

    relaes familiares e o conjunto de elementos culturais apresentados e valorizados nocotidiano de tais famlias tambm foram colocados como foco de investigao dessa

    atividade, considerando-se a relevncia de tais relaes na constituio das identidades dos

    sujeitos da pesquisa. importante ressaltar que um ponto de extrema significncia para os

    resultados dessa atividade foi a produtividade da narrativa como instrumento norteador do

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    processo de construo da identidade e dos sentidos atribudos vida do sujeito, uma vez

    que as narrativas, como uma forma de organizao do discurso, tm portanto um potencial

    de criar um sentido de ns mesmos ao permitir que negociemos e construamos nossas

    identidades sociais por meio dos eventos narrados (MOITA-LOPES, 2002, p. 143).A elaborao e aplicao Atividade 5(Identificaes) se deu com o intuito de

    suscitar narrativas que pontuassem o conjunto de caractersticas fsicas utilizados por esses

    adolescentes como parmetro de identificaes estticas. A finalidade dessa atividade era

    observar, atravs de uma temtica relacionada expresso dos desejos e aspiraes dos

    entrevistados, o nvel de identificao entre os sujeitos da pesquisa e os traos fsicos

    inerentes ao grupo tnico desses mesmos sujeitos. Sendo assim, atravs da realizao dessa

    atividade, foi possvel observar os significados construdos por esses adolescentes sobre as

    suas prprias caractersticas fsicas e sobre as questes de apreciao valorativa que so

    associadas a tais caractersticas. Pontuamos, entretanto que as falas decorrentes das

    Atividades 2 (Exemplos) e 3 (Rememorao) foram as que geraram dados mais

    significativos para compor as nossas anlises, estando presente nos excerto em frequncia

    bem maior do que as falas referentes s demais atividades.

    No tocante s entrevistas, pertinente afirmar que foram os instrumentos

    capitais na realizao do nosso trabalho de pesquisa, tendo em vista que tais instrumentos

    foram utilizados como base de aprofundamento das falas dos sujeitos, durante os

    comentrios (ou avaliao) das atividades escritas. Tais entrevistas foram orientadas pelas

    atividades anteriormente relacionadas, e por breves intervenes feitas pela pesquisadora,

    durante comentrios realizados pelos participantes a respeito das respostas que eles haviam

    escrito.

    Em uma dinmica interacional, buscamos traar/apreender o modo como esses

    adolescentes representam a simesmos por meio dessas entrevistas semidirigidas, as quais

    podem ser classificadas, de acordo com as consideraes de Bogdan (1994), comoentrevistas em profundidade ou ainda entrevista de estrutura flexvel. Privilegiamos

    essa modalidade, orientados pordois importantes aspectos: o primeiro relaciona-se ao fato

    de que o carter flexvel desse tipo de abordagem permite aos sujeitos responderem de

    acordo com a perspectiva pessoal, em vez de terem que se moldar a questes previamente

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    elaboradas (BOGDAN, 1994, p. 17) e o segundo remete-nos importncia da auto

    narrativa no processo de construo das identidades pessoais. Tnhamos em vista que,

    quando os sujeitos narram a si prprios, eles falam de suas experincias historicamente

    constitudas desde o lugar que ocupam, e so essas histrias que produzem uma identidadeparticular, diferente, no subsumida na identidade essencialista do sujeito da modernidade

    (COSTA, 2002, p. 112)

    Seguindo essa perspectiva, a utilizao de tal instrumento se deu com o

    propsito de investigar detalhadamente as concepes que os adolescentes tm sobre os

    diversos aspectos que envolvem suas vidas e a forma como esses mesmos adolescentes

    desenvolvem seus quadros de referncia identitria. Levamos em conta em nossa anlise,

    que odiscurso

    um objeto histrico que mantm sempre uma relao com o sujeito, com a

    cultura e com os sistemas de representaes historicamente constitudas acerca desse

    sujeito. Para tanto consideramos consideramos que

    a prpria experincia de si no seno o resultado de um complexoprocesso histrico de fabricao no qual se entrecruzam os discursos quedefinem a verdade do sujeito, as prticas que regulam seu comportamentoe as formas de subjetividade nas quais se constitui sua prpriainterioridade. (LARROSA, 1994, p. 43 apud COSTA, 2002, p. 112)

    Assim, a narrativa de sifoi tomada como instrumento privilegiado das nossas

    anlises, e concebida como um processo que se constitui como uma explorao dos

    elementos culturais e sociais sobre os quais os adolescentes negros constroem suas

    identidades, ao passo que, a nfase metodolgica foi direcionada para relao entre o

    sujeito, discurso e Alta Modernidade.

    O primeiro estgio da coleta de dados foi a distribuio das atividades

    anteriormente expostas, a partir das quais seriam originadas as narrativas dos adolescentes

    selecionados para participar da pesquisa. Essas atividades seguiram o horrio normal dasatividades letivas e foi realizada fora da sala de aula, numa sala da prpria escola, reservada

    para tal fim, com o objetivo de resguardar as informaes fornecidas pelos sujeitos

    entrevistados. As questes presentes nessas atividades, as quais serviram de base para a

    constituio das entrevistas, suscitavam diferentes modalidades de respostas (escritas, orais

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    ou por meio de representao grfica), visando alcanar as diferentes vertentes temticas

    (famlia, relacionamento, identificaes, representaes) passveis de serem expressas nas

    narrativas dos sujeitos entrevistados.

    Considerando-se que todos os alunos receberam a primeira atividade escritadurante a reunio de apresentao do projeto de pesquisa, as atividades de entrevista foram

    realizadas individualmente, em momentos diferenciados, atendendo a seguinte sequncia:

    (a) o aluno era retirado da sala de aula, mediante o consentimento do professor da

    disciplina, para comentar as respostas que elaborou para a atividade escrita; (b) ao final da

    entrevista, recebia a atividade do encontro seguinte; (c) realizava a atividade (em casa ou

    em lugar de sua preferncia); e (d) no dia seguinte ou em outro dia da mesma semana, era

    chamado novamente para fazer os comentrios das respostas que elaborou. Esses

    comentrios (narrativas) eram normalmente intercalados com perguntas feitas pela

    pesquisadora, com o fim de provocar o aprofundamento ou a extenso das narrativas.

    O conjunto de atividades foi dividido em cinco fases (uma fase para cada

    atividade), sendo permitido ao aluno realizar apenas uma fase a cada dia, retomando

    quando necessrio (quando da sua vontade) as falas das atividades anteriores.

    Considerando-se que a proposta capital deste trabalho de pesquisa foi gerada a

    partir do nosso interesse em observar quais so os elementos tnicos, culturais e sociais

    recorrentes no discurso dos adolescentes negros no processo de formao e afirmao das

    suas identidades, e que tal proposio fundamentada nos pressupostos que reafirmam o

    contexto familiar como um locus de manuteno dos elementos culturais da populao

    afrodescendentes no Brasil, a escolha do corpus analisado no presente trabalho foi,

    primeiramente, parametrizada pelos trechos das narrativas que ofereciam volume

    significativo de informaes referentes: (a) as estruturas das famlias dos entrevistados; e

    (b) as relaes familiares que permeiam as vidas dos sujeitos da pesquisa. O objetivo dessa

    primeira seleo foi obter informaes que permitissem a realizao de um mapeamentodos aspectos etnorraciais (Cf.fig. 6) e afetivos da vida de tais sujeitos (cf. Fig.4).

    Ressaltamos, entretanto, que o perfil socioeconmico desses adolescentes, foi tambm

    (subliminarmente) delineado por conta de tais narrativas no momento em que estes

    pontuavam o local de moradia, (Cf.fig. 1) o tamanho das suas famlias (cf. Fig. 5) e o setor

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    ocupacional dos pais ou responsveis. (Cf.fig. 2).

    Numa segunda fase de seleo, a nossa preocupao foi escolher as narrativas

    cujas temticas fornecessem dados suficientes para que fossem analisados os aspectos

    relacionados: (a) s relaes sociais mantidas por tais sujeitos dentro e fora do ambienteescolar, (b) s impresses e opinies desses adolescentes em relao ao seu grupo tnico de

    referncia; (c) as origem dos traos culturais formadores das identidades desses sujeitos; (d)

    as posies identitrias apresentadas nos discursos dos entrevistados; (e) Posicionamento de

    tais sujeitos em relao aos fatos sociais inerentes ao grupo etnorracial com o qual se

    identifica ou/ do qual se declara participante.

    1.5. Procedimento de gerao de dados

    Motivada pela necessidade apontada pela pesquisa de cunho etnogrfico de

    focalizar o contexto social no qual esto envolvidos os participantes da pesquisa, os dados

    descritivos (abaixo relacionados) referentes s caractersticas socioeconmicas do grupo

    familiar; situao matrimonial; profissional e das caractersticas etnorraciais dos

    familiares; local de residncia, etc. foram gerados a partir das informaes fornecidas pelos

    participantes, durante seus depoimentos.

    Com base nesse levantamento, foi possvel traar um breve perfil do contexto

    socioeconmico e cultural no qual esto inseridos os participantes desta investigao, no

    intuito de contextualizar a realidade de tais sujeitos. Vale ressaltar que os dados coletados

    no levantamento foram utilizados apenas como instrumento de contextualizao da

    realidade social dos participantes, no sendo utilizados como critrio de seleo do corpus.

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    Fig. 1-Regies de moradia

    Fig. 2: Situao profissional dos pais

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    Fig.3: Tamanho das famlias

    Fig. 4: Composio familiar

    Esse mapeamento nos ajudou a estabelecer uma viso mais elaborada dos sujeitos

    em estudo, ''mediante um conhecimento mais aprofundado do contexto'' (BOGDAN, 1994,p. 69) e da natureza da vida social desses adolescentes. Tal anlise proporcionou um

    delineamento mais preciso do espao contextual em que se realizaria a observao do

    objeto a ser investigado

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    A utilizao do mtodo interpretativo para analisar as narrativas dos sujeitos da

    pesquisa, nos conduziu s respostas para a nossa segunda questo de pesquisa:Quais so os

    elementos tnicos, sociais e culturais presentes nos discursos desses adolescentes no

    processo de construo discursiva de suas identidades? Tal escolha foi orientadaprimeiramente pelo grau de importncia atribuda anlise da narrativa no mbito das

    cincias sociais:

    no s por representar um foco de investigao diferente, revelador,portanto, de novas descobertas que no esto ao alcance nas pesquisaspositivistas, mas tambm por avanar um tipo de pesquisa que pode sermais adequado natureza subjetiva do objeto das Cincias Sociais(MOITA-LOPES, 1996, p. 22)

    Importncia semelhante foi atribuda a esse tipo de anlise dentro dos

    procedimentos metodolgicos do presente trabalho, uma vez que, situamos como propsito

    inicial desta pesquisa, a observncia, por via do discurso, dos elementos recorrentes no

    processo de formao das identidades de um grupo de adolescentes afrodescendentes

    brasileiros. Com base em tais perspectivas, a anlise nos permitiu observar a forma como os

    adolescentes se baseiam em discursos culturais e se posicionam diante desses discursos em

    suas afirmaes a respeito de quem so, isto , em seu trabalho de identidade

    (BAMBERG, 1977, p. 159).A escolha da anlise discursiva das narrativas como parte fundamental da metodologia

    desta investigao, se deu com base numa concepo metodolgica que v a narrativa como

    um instrumento de considervel importncia para as pesquisas que focalizam o discurso

    como elemento norteador da construo dos significados sociais e das identidades. Sendo

    assim, consideramos que por meio desse processo de construo de significados, no qual

    o interlocutor crucial, que as pessoas se tornam conscientes de quem so construindo suas

    identidades sociais ao agir no mundo por intermdio da linguagem (MOITA-LOPES,

    2002, p. 30). Seguindo esse ponto de vista, a narrativa foi tomada como nossa principal

    unidade de anlise tanto para o mapeamento da situao sociocultural dos participantes

    quanto para a anlise qualitativa dos dados gerados a partir dos depoimentos dos sujeitos da

    pesquisa.

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    CAPTULO 2

    CONSIDERAES SOBRE AS IDENTIDADES

    Introduo

    No presente captulo, faremos uma breve exposio das discusses que

    focalizam o tema central do presente trabalho -as identidades

    . Sendo assim, abriremos o

    captulo com algumas consideraes sobre as identidades tnicas e identidades raciais,

    buscando definir, o quanto possvel, os traos distintivos dessas duas concepes de

    identidade.Ocuparemos-nos em problematizar o contexto de emergncia dessa categoria -

    a modernidade;a distino entre identidade social, identidade pessoal e identidade do ego,

    e o papel das relaes sociais na formao de tais identidades.

    Ainda neste captulo, implementaremos algumas discusses referentes s

    Identidades raciais e etnicidade na Alta Modernidade o espao da globalizao, as quais,

    sero problematizadas a partir de uma perspectiva que toma aDispora do Atlntico Negro

    como um trao constitutivo das identidades negras do Ocidente. As sees finais

    focalizaro as identidades negras no contexto nacional a partir das discusses que pontuam:

    O negro no Brasil: dialgica da reinveno das culturas e das identidades africanas; o

    Percurso histrico das identidades afrodescendentes no Brasil e a relao ideologia

    identitria etnorracial nacional e; as culturas negras no Brasil na Alta Modernidade.

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    2.1. Identidades tnicas ou raciais?

    Quando falamos em identidades raciais, temos em vista as caractersticas fsicas

    predominantes em cada indivduo ou estamos nos referindo aos traos culturais que este

    apresenta no seu cotidiano? De que um indivduo necessita para ser identificado como

    pertencente uma determinada raa ou etnia? pertinente falar em raa, relativamente

    pessoa humanas, quando as discusses presentes nas cincias biolgicas j atestaram

    cientificamente, que a humanidade pertence ao mesmo grupo biolgico na cadeia animal?

    Sendo assim, como podemos definir os traos de uma identidade racial? E como podemos

    definir os traos de uma identidade tnica? Esses dois tipos de identidades so

    intercambiveis ou excludentes entre si? Como os estudos da Alta Modernidade tm tratado

    as questes relativas s identidades raciais e a etnicidade?

    Esta sesso ser dedicada a uma breve discusso acerca das questes aqui

    enumeradas, pois consideramos que tais esclarecimentos sero fundamentais para o

    entendimento das proposies que aliceram nosso trabalho de pesquisa.

    2.1.1. Identidades Raciais

    Originria do indo-europeu Wrad, o termo raa, na sua acepo mais antiga,

    significa: ramo; raiz.

    Etnologicamente,o conceito de raa veio do italianorazza, que por suavez veio dolatim ratio, que significa sorte, categoria, espcie. Na histria

    das cincias naturais, o conceito de raa foi primeiramente usado naZoologia e na Botnica para classificar as espcies animais e vegetais.(MUNANGA, 2003, p. 01)

    Entretanto, esse sentido original adquiriu novos contornos e passou a ser

    utilizado em diversas acepes, medida que se desenvolviam novos e variados campos de

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    interesse dentro das relaes entre os diversos grupos humanos.

    No latim medieval, o conceito de raa passou a designar a descendncia, alinhagem, ou seja, um grupo de pessoa que tm um ancestral comum eque, ipso facto, possuem algumas caractersticas fsicas em comum. Em1684, o francs Franois Bernier emprega o termo no sentido moderno dapalavra, para classificar a diversidade humana em grupos fisicamentecontrastados, denominados raas. Nos sculos XVI-XVII, o conceito deraa passa efetivamente a atuar nas relaes entre classes sociais daFrana da poca, pois utilizado pela nobreza local que si identificava comos Francos, de origem germnica em oposio ao Gauleses, populaolocal identificada com a Plebe. No apenas os Francos se consideravacomo uma raa distinta dos Gauleses, mais do que isso, eles seconsideravam dotados de sangue puro, insinuando suas habilidadesespeciais e aptides naturais para dirigir, administrar e dominar osGauleses, que segundo pensavam, podiam at ser escravizados.(MUNANGA, 2003, p. 01)

    Na perspectiva de tais relaes, o uso do termo raa orientou nas mais

    diversas sociedades, consideraes que aliceraram inmeras polticas de extermnio e de

    dominao, as quais se apoiavam, no s nas ideias de pureza de sangue, disseminadas

    entre os franceses, mas tambm nas concepes naturalistas que, a partir do sculo XVIII,

    passaram a apresentar uma escala de valores na descrio das trs raas, utilizando-se de

    um discurso que relacionava os traos biolgicos s caractersticas morais e psicolgicas.

    Assim, os indivduos da raa branca, foram decretados coletivamentesuperiores aos da raa negra e amarela, em funo de suascaractersticas fsicas hereditrias, tais como a cor clara da pele, o formatodo crnio (dolicocefalia), a forma dos lbios, do nariz, do queixo, etc. quesegundo pensavam, os tornam mais bonitos, mais inteligentes, maishonestos, mais inventivos, etc. e consequentemente mais aptos para dirigire dominar as outras raas, principalmente a negra mais escura de todas econsequentemente considerada como a mais estpida, mais emocional,menos honesta, menos inteligente e portanto a mais sujeita escravido ea todas as formas de dominao. (MUNANGA, 2003, p. 01)

    Orientada pelos princpios de tal diviso, surge a raciologia, teoria pseudo-

    cientfica que serviu de base para justificar a dominao racial entre as raas humanas e

    alicerou as idias de supremacia racial presentes, at hoje, em diversas regies do planeta.

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    Os nacionalistas na Alemanha acreditavam na existncia de raasinferiores. Tambm consideravam os judeus uma raa e se empenharamna tentativa de extermin-los. Na frica do Sul, em tempos recentes, odomnio poltico dos brancos era justificado em termos de uma doutrinade superioridade deles sobre os negros. (REX, 1996, p. 637)

    No intuito de reconsiderar a amplitude, a ambiguidade e as implicaes de tais

    consideraes, em 1950, a UNESCO reuniu especialistas para problematizar o conceito de

    raa em suas inmeras acepes e estabelecer o modo como este poderia ser

    cientificamente utilizado. Orientados por tais proposies, os estudiosos chegaram

    inmeras concluses, das quais selecionamos apenas as mais relevantes para a sustentar as

    discusses que envolvem nosso trabalho de pesquisa:

    Todos os seres humanos pertencem a mesma espcie. HomoSapiens; tambm so provavelmente originrios do mesmo tronco. Asdiferenas que existem entre grupos de seres humanos se devem aoisolamento, deriva e fixao aleatria de partculas materiais quecontrolam a hereditariedade (os genes), mudana na estrutura dessaspartculas, hibridizao e seleo natural.

    O homo sapiens constitudo por certo nmero depopulaes, cada uma das quais diferindo das outras na frequncia eocorrncia de um ou mais genes.

    As maiores populaes distinguveis foram designadas comoraas e h razovel concordncia entre os antroplogos em que ahumanidade pode ser dividida em trs grupos principais: (a) omongoloide, (b) o negride (c) o caucaside [...]

    Dentro desses grupos podem distinguir-se muitos subgrupos,mas h muito menos concordncia entre os antroplogos sobre as suascaractersticas especficas.

    Com base em tais concluses, Rex (1996) aponta para a falta de justificativa do

    uso do termo raa, pelas cincias biolgicas, na sua acepo mais popular. Do ponto de

    vista desse autor, aquilo que a biologia define como raa, no sentido mais usual, nada mais

    do que diferentes grupos nacionais, tnicos ou de mesma religio, que compartilham os

    mesmos valores polticos e culturais.

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    Semelhantemente a essa tica, Munanga (2003), considera que,

    A raa, sempre apresentada como categoria biolgica, isto natural, defato uma categoria etno-semntica. De outro modo, o campo semntico doconceito de raa determinado pela estrutura global da sociedade e pelasrelaes de poder que a governam. (p. 06)

    e afirma que

    Os conceitos de negro, branco e mestio no significam a mesma coisanos Estados Unidos, no Brasil, na frica do Sul, na Inglaterra, etc. Porisso que o contedo dessas palavras etno-semntico, poltico-ideolgicoe no biolgico. (p. 06)

    Partindo dessa perspectiva, possvel afirmar que, no contexto brasileiros, as

    identidades raciais, e mais particularmente as identidades raciais do segmento

    afrodescendente, podem ser definidas como o tipo de identidade que

    so imbricadas na semelhana a si prprio, e na identificao ediferenciao com o outro e se constituem em foco central nas relaessociais, sendo continuamente construdas a partir de repertrios culturais ehistricos de matrizes africanas, e das relaes que se configuram navivncia em sociedade, sendo que sua existncia tem as marcas dasrelaes processadas ao longo dos sculos de explorao do escravismo.

    Portanto, as identidades tm um carter histrico e cultural, carter esteque demarca os conceitos de afrodescendncia e etnia, imbricados natrajetria histrica dessa populao em relao com outros grupos.(LIMA, 2008, p. 39)

    Em relao ao seu sentido mais popular e a sua empregabilidade como

    elemento do imaginrio coletivo, ele afirma:

    Se na cabea de um geneticista contemporneo ou de um bilogomolecular a raa no existe, no imaginrio e na representao coletivos de

    diversas populaes contemporneas existem ainda raas fictcias e outrasconstrudas a partir das diferenas fenotpicas como a cor da pele e outroscritrios morfolgicos. a partir dessas raas fictcias ou raas sociaisque se reproduzem e se mantm os racismos populares. (MUNANGA,2003, p. 06)

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    Essa discusso apresenta-se como particularmente interessante para a nossa

    investigao, considerando-se que, com base nessas acepes que compreendemos o

    processo das discriminaes raciais, como elemento significativo para a construo e

    reafirmao das identidades dos sujeitos da nossa pesquisa.Vale lembrar que, ainda nesse contexto, tambm sero consideradas as

    proposies sociolgicas, segundo as quais, o processo de distino fenotpica pode ser

    situado dentro dos processos de conflitos tnicos, pois admitimos que na sua acepo mais

    popular o termo raa, consegue incluir no seu leque de definies, as questes relativas s

    diferenas culturais.

    Tais distines podem basear-se no reconhecimento de diferenas fsicas,

    mas tambm ocorrem quando as distines so culturais, assentes na falsasuposio de que as caractersticas mentais e culturais so biologicamenteherdadas. (REX, 1996, p. 639)

    Norteados por tais proposies, conduziremos nossas reflexes acerca das

    questes identitrias relativas aos afrodescendentes no Brasil, sob a perspectiva dos

    cientistas sociais, uma vez observado que ao utilizarmos o termo etnorracial estaremos

    tomando o termo raa, em sentido semelhante quele adotado por Munanga (2003),

    conforme citao acima apresentado, uma vez observado que

    Para Sodr (1983,1999)

    as identidades negras so concebidas como construes mltiplas,complexas, social e historicamente (re)construdas com base nosdispositivos de matrizes africanas; tais dispositivos so processados nasrelaes scio-culturais, polticas e histricas que se deram a partir doseqestro dos nossos ancestrais africanos para o Brasil. (apud LIMA,2008, p. 40)

    Sendo assim, considerando-se que elas esto

    relacionadas, no s ao conhecimento, mas tambm ao reconhecimentosocial, caracterizam-se estas identidades como elementos polticos ehistricos, constitudas a partir do passado de escravizados e nos dias

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    atuais com os repertrios de base africana dessa populao. Identidadescujas vivncias foram e so mediados pelas condies sociais concretasque inseriu e mantm a maioria dessa populao entre os pobres,miserveis, subempregados, desempregados, analfabetos e despossudosem geral; quadro que indicia que no campo das relaes tnicas no Brasil

    h uma poltica de no-representatividade da populao negra, o queimplica em identidades no-manifestas, em benefcios negados e emdignidade aviltada. (LIMA, 2008, p. 40)

    2.1.2. Identidades tnicas

    Com origem na cultura grega, a palavra etnia, no sentido mais antigo de que se

    tem conhecimento, foi formada a partir de termo ethnos ="povo".11

    Historicamente, a palavra "etnia" significa "gentio", proveniente doadjetivo grego "ethnikos." O adjetivo se deriva do substantivo ethnos, quesignifica gente ou nao estrangeira. O substantivo deixou de estarrelacionado com Pago em princpios do Sc. XVIII. O uso do modernosentido da palavra comeou na metade do sec. XX. (SILVA JR. ,2005, p.02)

    Os primeiros usos da palavra etnia descreviam, portanto,

    os povos que viviam margem das sociedades histricas e que eramchamados brbaros, selvagens, primitivos, etc. Nesse caso, etnia era umtermo mais ou menos correspondente a nao, s que qualificando oschamados povos primitivos. Em sua origem, etnia designava os povos nocivilizados, o que supunha a idia do extico em oposio ao civilizado,estando implcita a a idia de progresso. (NICOLAS, 1973 apudSEYFERTH 1986, p. 436)

    Aliada ideia de progresso, essa definio guarda forte influncia ideolgica do

    momento e das circunstncias do seu aparecimento no contexto cientfico Ocidental, uma

    vez que, nas sociedades do Ocidente, esse termo surge concomitantemente ao florescimentoda disciplina Etnologia - termo originado no sculo XIX, a partir das pesquisas

    antropolgicas implementadas pelos ingleses - para designar estudos comparativos dos

    11 A palavra grega elenoe designava o povo grego e etnoe todos os outros povos. In: (MATTOS, 2001,p. 03)

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    modos de vida dos seres humanos (MATTOS, 2001, p. 03). Vale lembrar que o referido

    perodo foi marcado pelas grandes teorizaes sobre a origem da vida humana alm das

    inmeras teorias que fomentavam as ideias de superioridade racial. Somando-se a isso

    a questo da diversidade de desenvolvimento tambm emerge nestecontexto. Ainda no mesmo perodo, os europeus ocidentais estavamengajados no colonialismo em todo o mundo, descobrindo uma variedadeimensa de sociedades desconhecidas e radicalmente diferentes nas formasbsicas de organizao de grupamentos humanos, religio, linguagem.(MATTOS, 2001, p. 03)

    Numa concepo mais prxima das questes referentes Alta Modernidade,

    outras vises, com foco mais dirigido s questes de afirmao identitria, tambm tm

    sido utilizadas para definir o termo, a exemplo de Nicolas (1975 apudSEYFERTH, 1986,

    p. 436) que define etnia como certas formaes marginais, que se colocam em oposio

    cultura dominante e dificilmente se fundem com a massa comum.

    Apresentadas de modo a contemplar as rupturas e as contestaes apreendidas

    no contexto da Alta Modernidade,

    Etnia tem sido um termo dos mais usados nos mais diversos contextos dascincias sociais, mas inexplicavelmente, ou por causa de sua

    ambiguidade, nunca recebeu uma conceituao mais elaborada. umtermo que no se encontra nos dicionrios e enciclopdias de cinciassociais mais conhecidos. Seu emprego sempre no sentido de um meroqualificador de grupo tnico (NICOLAS, 1973 apud SEYFERTH, 1986,p. 436)

    Ainda assim, de modo geral, essas definies apresentam-se de forma menos

    problemtica, embora persistam alguns entraves conceituais, no mbito das cincias sociais,

    uma vez que, nos estudos organizados nesse campo de investigao, o uso excessivo do

    termo antecedeu, em termos gerais, a organizao de um consenso em tornos da suadefinio.

    Sendo assim, no campo das cincias sociais, o conceito de etnia encontra-se

    vinculado aos de cultura e de grupo tnico, sendo, no obstante, frequentemente utilizado

    como sinnimo deste ltimo. Entretanto, na viso de alguns estudiosos, essa definio tem

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    na base biolgica os alicerces da sua organizao. De acordo com tais perspectivas, uma

    etnia deve ser concebida como um grupo com caractersticas raciais prprias

    (SEYFERTH, 1986, p. 435). A etnia, na perspectiva assim delineada, pode estar associada

    tanto cultura como ideia de raa. Isso conduz a um novo problema de ordem conceitual,considerando-se que essa possibilidade de associao tem dado margem ao uso do conceito

    de etnia como equivalente do conceito de raa, o qual por razes ticas e polticas foi

    eliminado das cincias sociais pelo seu contedo biolgico (SEYFERTH, 1986, p. 435) e

    pelas implicaes de ordem racista frequentemente imbricada na sua utilizao.

    Com base em tais restries, a literatura antropolgica atual tem se preocupado

    com a constante relao entre etnia e cultura, sem deixar de pontuar a diferenciao entre

    raa e etnia.

    Orientados por tais definies e seguindo a perspectiva adotada por Sansone

    (2004) ao considerarmos sobre a histria tnica e sobre as dimenses da identidade racial

    no Brasil, adotaremos uma definio que atende tanto as caractersticas fenotpicas quanto

    os traos culturais dos sujeitos ora investigados, considerando-se que, no Brasil, como em

    muitos outros contextos, a raa e etnicidade se entrelaam, uma vez que a raa existe e

    praticada graas a um conjunto de smbolos tnicos; ao passo que a identificao tnica

    frequentemente racializada adquire conotaes fenotpicas. (SANSONE, 2004, p. 249).

    Sendo assim, estaremos adotando o termo etnorracial para nos referirmos ao tipo de

    identidade sobre o qual discorrero nossas consideraes, em conformidade com a

    perspectiva adotada por Helms (1993), e comentadas por Ferreira, (2000), uma vez que,

    ao utilizar o termo racial como referncia desenvolvida pela pessoa aocompartilhar a herana comum a um grupo particular, ele, na verdade, estse referindo tanto a aspectos raciais quanto a aspectos tnicoscompartilhados pelo grupo. (p. 68)

    Sendo assim, como uma tomada de posio diante dos entraves conceituais

    apresentados no mbito das cincias humanas, em lugar de nos atermos aos aspectos que

    dizem respeito raa ou a etnia separadamente, passaremos a nos ocupar dos aspectos

    etnorraciais das identidades dos adolescentes participantes do nosso trabalho de pesquisa

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    -, assumindo uma postura que admite a intercambialidade entre esses dois termos.

    2.2. Identidade na modernidade

    Embora o nosso propsito no presente trabalho seja discutir questes referentes

    identidade naAlta Modernidade, consideramos importante pontuar as diferentes acepes

    atribudas categoria durante o perodo que registra a sua formao: a modernidade, uma

    vez que as principais discusses a respeito do surgimento e emprego desse termo nas

    cincias sociais e na psicologia se deram basicamente nesse momento histrico.

    No pensamento moderno, a identidade encontra-se frequentemente associada

    ascenso do individualismo. De acordo com Plumer (1996), as primeiras anlises sobre a

    identidade foram realizadas a partir dos textos de Jonh Locke e David Hume, empiristas

    britnicos do sculo XVIII. Entretanto, a partir do sculo XX com a publicao de The

    Lonely Crowd(RIESMAN et. Al, 1950) eIdentity and Anxiety(STEIN ET. Al, 1960), obras

    que focalizavam a crescente perda de significao na sociedade de massa e a posterior

    busca de identidade (PLUMER, 1996, p. 369), que o termo passa a ser popularmente

    utilizado. No cerne de tais discusses, essa noo ganhou popularidade atravs do crescente

    uso no mundo das artes e da organizao de uma vasta literatura sobre a identidade.

    Durante esse perodo, a identidade torna-se clich na sociedade moderna, passando a ser

    frequentemente utilizada nas descries das crises enfrentadas por minorias tnicas e

    religiosas, principalmente na Amrica do Norte.

    A poltica das identidades surge como resultado das movimentaes e

    discusses em torno dessas minorias, ainda nos anos 60 do sculo XX, como um tipo

    especfico de poltica que concentra-se em afirmar a identidade cultural das pessoas que

    pertencem a um determinado grupo oprimido ou marginalizado (HALL, 2001, p.44).De acordo com o autor, o surgimento daquilo que se define como poltica das

    identidades est intimamente relacionado ao

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    enfraquecimento ou a quebra da poltica de classes, e das organizaespolticas de massa associadas a essa poltica, assim como suafragmentao em movimentos sociais separados e variados. Cadamovimento apelava para a identidade social dos que o apoiavam. Destamaneira, o feminismo atraia as mulheres, a poltica sexual os gays e

    lsbicas, lutas raciais os negros, o movimento anti-guerra os pacifistas, eassim por diante. Este o nascimento histrico do que veio a serconhecido como poltica de identidade - uma identidade por movimento.(HALL, 2001, p.45)

    Organizadas com base nas teorias marxistas sobre a conscincia de classe, o

    objetivo dessa poltica concentra-se no direito de criao (ou afirmao) de uma identidade

    grupal distinta por parte dessas minorias. Essa nova vertente poltica, alm de estabelecer

    uma forte cultura de apoio, lanou as bases de profundas mudanas sociais e da relao

    dialtica entre identidade, poltica, cultura e sociedade.

    Enquanto isso, no campo das cincias sociais, as discusses sobre a identidade

    se articulavam em torno de duas tradies: a psicodinmica e a sociolgica.

    Iniciada por Freud, a partir da teoria da identificao, a teoria psicodinmica

    enfatizava que o centro de uma estrutura psquica constitudo por uma identidade

    contnua. Esse trao de continuidade identificado por Lichtenstein como a capacidade de

    permanecer a mesma em meio a uma mudana constante (LICHTENSTEIN, 1977 apud.

    PLUMER, 1996, p. 369). Erikson, no entanto, estendeu a concepo a uma dimensocultural, com base em seus estudos biogrficos. Entre esses, o discurso proferido por

    Sigmund Freud, em 1926, em Viena, perante a sociedade de B'nai B'rith, no qual explica o

    seu vnculo ao judasmo:

    O que me vincula ao judasmo (tenho vergonha de confess-lo) no a fnem o orgulho nacional, pois sempre fui um ateu e fui criado semqualquer religio, embora no respeito pelos chamados padres ticos dacivilizao humana. Sempre que senti uma inclinao para o entusiasmo

    nacional lutei por suprimi-lo como nocivo e errado, alarmado pelosexemplos acauteladores dos povos entre os quais ns, os judeus, vivemos.Mas muitas outras coisas permanecem tona para tornar irresistvel aatrao do Judasmo e dos judeus muitas foras emocionais obscurastanto mais poderosas quanto menos podiam ser expressas em palavras,assim como uma ntida conscincia de identidade ntima, a seguraintimidade de uma construo mental comum. E para alm de tudo isso,havia uma percepo que era exclusivamente minha natureza judaica

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    que eu daria caractersticas que se me tornaram indispensveis no difcilcurso da minha vida. Porque era judeu, encontrei-me livre de muitospreconceitos que restringiam em outros o uso do intelecto; e como judeuestava preparado para aderir Oposio e dispensar qualquer acordo coma maioria compacta. (Citado em ERIKSON, 1968, p. 19)

    A despeito de pontuar o uso fortuito e nico da palavra identidade, no discurso

    de Freud, Erikson, orienta-se pelo sentido tnico com o qual foi empregada, para afirmar a

    identidade - sendo ela positiva ou negativa - como um processo localizado no mago do

    indivduoe, entretanto, tambm no ncleo central da sua cultura coletiva, um processo que

    estabelece, de fato, a identidade dessas duas identidades (ERIKSON, 1968, p. 21, itlicos

    do autor), considerando-se que a identidade pessoal ou de um grupo, estabelece-se em

    relao com outras identidades pessoais ou de outros grupos.Entretanto, uma das mais importantes contribuies desse psico-historiador,

    para a noo de identidade foi o desenvolvimento do termo crise de identidade, criado

    durante a Segunda Guerra Mundial, para referir-se aos veteranos que haviam perdido a

    noo de identidade pessoal e de continuidade histrica. De acordo com Erikson,

    A expresso crise de identidade foi usada pela primeira vez, se bem merecordo, para uma finalidade clnica especfica, na Clnica de Reabilitaode Veteranos de Monte Sion, durante a Segunda Guerra Mundial, uma

    emergncia que permitiu aos psiquiatras de diferentes credos e filiaes,entre eles Emanuel Windholz e Joseph Wheelwright, trabalharharmoniosamente em conjunto. A maioria dos nossos pacientes, foi o queconclumos nessa poca, no sofria de neurose de guerr