Upload
viviane-pereira
View
218
Download
0
Embed Size (px)
Citation preview
7/25/2019 Adolescentes Negros e Escola
1/149
i
CARMELICE AIRES PAIM DOS SANTOS
DISSERTAO DE MESTRADO: ADOLESCENTES NEGROS NO ENSINOFUNDAMENTAL: Representaes de si e construo de identidades
Campinas2010
7/25/2019 Adolescentes Negros e Escola
2/149
iii
CARMELICE AIRES PAIM DOS SANTOS
ADOLESCENTES NEGROS NO ENSINO FUNDAMENTAL:Representaes de si e construo de identidades
Dissertao apresentada ao Instituto de Estudos daLinguagem, da Universidade Estadual de Campinas, paraobteno do Ttulo de Mestre em Lingustica Aplicada.
Orientador(a): Prof. Dr. Roxane Helena Rodrigues Rojo
Campinas2010
7/25/2019 Adolescentes Negros e Escola
3/149
iv
Ficha catalogrfica elaborada pela Biblioteca do IEL - Unicamp
P159aPaim, Carmelice Aires.
Adolescentes negros no ensino fundamental: representaes de si econstruo de identidades / Carmelice Aires Paim dos Santos. --Campinas, SP : [s.n.], 2010.
Orientadora : Roxane Helena Rodrigues Rojo.Dissertao (mestrado) - Universidade Estadual de Campinas,
Instituto de Estudos da Linguagem.
1. Adolescentes - Identidade (Psicologia). 2. Negros - Brasil. 3.Lingustica aplicada - Estudo e ensino. I. Rojo, Roxane HelenaRodrigues, 1952-. II. Universidade Estadual de Campinas. Instituto deEstudos da Linguagem. III. Ttulo.
cqc/iel
Ttulo em ingls: Black teenagers in elementary school: representations of self andidentity construction.
Palavras-chave em ingls (Keywords): Teenagers - Identity (Psychology); Blacks Brazil; Applied linguistics - Study and teaching.
rea de concentrao: Lngua Materna.
Titulao: Mestre em Lingustica Aplicada.
Banca examinadora: Profa. Dra. Roxane Helena Rodrigues Rojo (orientadora), Profa.Dra. Terezinha de Jesus Machado Maher e Prof. Dr. Kleber Aparecido da Silva.
Data da defesa: 10/12/2010.
Programa de Ps-Graduao: Programa de Ps-Graduao em Lingustica Aplicada.
7/25/2019 Adolescentes Negros e Escola
4/149
v
Banca examinadora dos trabalhos de Defesa de Dissertao de Mestrado, em
sesso pblica realizada em 10 de Dezembro de 2010, considerou o (a) candidato (a)
Carmelice Aires Paim dos Santos aprovado(a).
UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMINAS
Instituto de Estudos da Linguagem
7/25/2019 Adolescentes Negros e Escola
5/149
vii
Tereza Aires Paim Me, Estrela de primeira grandeza -
pelas lies de fora, coragem eretido.
(In memorian).
7/25/2019 Adolescentes Negros e Escola
6/149
ix
Agradecimentos
Gostaria de agradecer imensamente a todas as pessoas que participaram direta ou indiretamente
da organizao deste trabalho, em especial:
prof. Dr. Roxane Helena Rodrigues Rojo, pela colaborao, confiana e participao ativa
neste empreendimento.
Ao meu marido, Ronaldo Gonalves dos Santos, que to significativamente mudou minha vida e
teve intensa participao no (demasiadamente) longo processo de composio e escrita desta
dissertao; pela incansvel colaborao nos procedimentos de formatao e organizao.
Aos adolescentes que to responsvel e interessadamente participaram como informantes nestetrabalho de pesquisa e aos quais homenageio na pgina de epgrafes.
Aos pais desses alunos, que no s colaboraram mediante a autorizao da participao dos seus
filhos neste empreendimento, como enfatizaram a importncia deste para o desenvolvimento
pessoal, emocional e social dos seus filhos;
toda equipe da escola na qual foi realizada a investigao, os quais to bem me acolheram como
profissional e como pesquisadora (Prof Roberto, Cllia, Ana, Maria)
s minhas ir[Mes], Carmem e Cleonice, pelo apoio, compreenso, respeito, valorizao e
encorajamento;
A Elias Ribeiro da Silva, amigo de todas as horas, pelo imenso respeito, carinho, fora, ateno e
colaborao; pelo constante encorajamento, pelas correes e orientaes e pelas longas horas de
discusso;
A Claudiomiro Vieira da Silva, pelo carinho e pelos momentos to agradveis de conversas de
corredor, do cafezinho na cantina e pela troca de experincias.
A todos os meus colegas do grupo de pesquisa, com carinho todo especial ao Heitor Gribl, pela
dedicao e ateno e pelo esprito solidrio;
Prof. Dr. Terezinha de Jesus Maher, pelas observaes to convenientemente organizadas e
pelas orientaes delas decorrentes.
Ao Prof. Dr. Kleber Aparecido da Silva e Prof. Dr. Cladia Hilsdorf Rocha, pelas orientaes
iniciais na escrita do projeto de pesquisa que deu origem a este trabalho.
A toda equipe de funcionrios da Biblioteca do IEL e da Secretaria de Ps-Graduao pelos
esclarecimentos e colaborao.
7/25/2019 Adolescentes Negros e Escola
7/149
xi
... todo mundo tem uma histria assim, n/ todas as naes etudo mais tem uma histria bem forte, marcante/ mas assim.../
o negro, ele tem uma histria assim to triste/to...sabe...assim../ e que eu acho que/ passa despercebido e
nas mos de muitos, n?/ muitos...assim.../ c v que aspessoas assim...talvez / da minha idade mais ou menos
assim.../ ele no sabe direito a histria/ [](Samantha -13 anos)
Negativo as ofensas, n?// como eu j havia comentado// notem como no lembrar...[]Acho muito ruim isso, n? /
diferenciar por causa da cor.../(Gustavo 13 anos)
Professores/ rede de ensino/ todos/ acho que eles deveriambuscar muito mais a cultura negra/ precisa de muito mais pra
ficar uma coisa bem legal... (Samantha -13 anos)
Porque eu sempre.../eu sempre sofri com isso, sabe? / N?/desde pequena, assim.../
(Tainara 12 anos)
...mas... uma sugesto: / porque sugestes so sempre abertasassim..../ pra...que a escola desse...sabe?/ buscar um pouco
mais assim esse lado, sabe? / o aluno negro na escola/ comoque ele se sente/ se ele bem recebido/ se ele no ...
(Samantha 13 anos)
7/25/2019 Adolescentes Negros e Escola
8/149
xiii
Resumo:
Na fase atual das suas apresentaes, os estudos de cunho etnogrfico daLingustica Aplicada revelam-se cada vez mais comprometidos com questes da vidasocial. Entretanto, tais estudos ainda no foram suficientes para mapear a diversidade dequestes envolvendo as identidades no mbito da globalizao, uma vez que, no contextodas transformaes globais, os processos que envolvem a identidade e afetamsensivelmente os contextos socioculturais tm levado os sujeitos a problematizarem asdelimitaes dos seus pertencimentos e sua relao com o outro e consigo mesmos.Inserido neste universo de preocupaes, o presente trabalho que apresenta-se como umaestudo de cunho etnogrfico, organizou-se a partir da anlise os elementos formadores dosdiscursos identitrios dos adolescentes afrodescendentes de uma escola de pequeno porte,
no interior paulista, buscando-se observar os referenciais etnorraciais utilizados por taissujeitos no momento de construir posies de identidades. Vale lembrar que a identidade foiaqui problematizada como uma noo complexa, no essencializada, pluridimensional eque mantm estreita relao, com a histria, com a cultura, com a linguagem e com asexperincias comuns ocorrentes na vida cotidiana. Parametrizado por tal noo oempreendimento investigativo ora relatado, apoiou-se nos pressupostos que reafirmam ocontexto familiar como um locus de manuteno dos elementos culturais dosafrodescendentes investigados, desenvolvendo-se por meio de um estudo de caso,construdo a partir de narrativas (histria de vida) de tais sujeitos. Orientados nessametodologia e lanando mo de procedimento dinmico interacional norteado porentrevistas semidirigidas, as quais foram gravadas e posteriormente transcritas, buscou-se
traar/apreender o modo como esses adolescentes representam a si mesmos ao construir assuas narrativas de vida. A proposta investigativa ora apresentada torna-se relevante para osestudos da Lingustica Aplicada, medida que reafirma a importncia desta comodisciplina aplicada e trasndisciplinar e favorece a ampliao das discusses em torno dasquestes sociais que envolvem a linguagem, uma vez que o objeto da pesquisa, constituiu-se como objeto complexo que, dada a sua significativa relevncia social, exigiu umapostura dialgica com outras disciplinas.
Palavras-chaves: Adolescentes- Afrodescendentes Identidades Lingustica Aplicada
7/25/2019 Adolescentes Negros e Escola
9/149
xv
Resumen:
En la fase actual de su presentacin, el estudio de la Lingstica Aplicada estndemostrando ser cada vez ms comprometidos con las cuestiones de la vida social. Sin
embargo, estos estudios no fueron suficiente para conocer la diversidad de temasrelacionados con las identidades en el contexto de la globalizacin, ya que en el contexto delas transformaciones globales, los procesos que involucran a afectar sustancialmente a laidentidad y los contextos socio-culturales ha llevado los sujetos a problematizar lademarcacin de sus pertenencias y su relacin con los dems y consigo mismo. Dentro deeste universo de preocupacin, el presente trabajo, que se presenta como un estudioetnogrfico, se organiz a partir del anlisis de los elementos de formacin de los discursossobre la identidad de los adolescentes de ascendencia africana a partir de una pequeaescuela en So Paulo, con el objetivo de observar los puntos de referencia etno-racialesutilizados por estos individuos en el momento de construir posiciones de identidad.Importante recordar que la identidad es problematizado aqu como un concepto complejo,
no esencializada, multidimensional y mantiene estrechos vnculos con la historia, con lacultura, con el lenguaje y con las experiencias comunes que se producen en la vidacotidiana. Guiado por este concepto y utilizando una metodologa de investigacinetnogrfica, la investigacin que aqu se describen, se bas en los supuestos que reafirmanel contexto familiar como lugar para el mantenimiento de los elementos culturales deafrodescedndentes investigados, desarrollo a travs de un estudio caso, construido a partirde narraciones (la historia de vida) en estos temas. Apoiados en esta metodologa yhaciendo uso del procedimiento dinmico de interaccin guiada por entrevistas semi-dirigidas, grabadas y transcritas, se intent delinear / entender cmo estos adolescentesrepresentarse a s mismos en el momento de construir sus narraciones de la vida. Deacuerdo con nuestra visin, el trabajo de investigacin presentada aqu es relevante para el
estudio de la Lingstica Aplicada, em el que reafirma su importancia como una disciplinaaplicada y trasndisciplinar y favorece la expansin de los debates sobre las cuestionessociales relacionadas con el idioma, ya que el objeto de la investigacin, se estableci comoun objeto complejo que dada su importancia social significativo, exigi una actituddialgica con otras disciplinas.
Palabras claves: Identidad Afrodscendente - Lingstica Aplicada
7/25/2019 Adolescentes Negros e Escola
10/149
xvii
SUMRIO
PERCURSO DE PESQUISA........................................................................................................19CAP TULO 1:A PESQUISA ........................................................................................................27
1.1. Pressupostos epistemolgicos e justificativa da pesquisa....................................................27
1.2. Consideraes metodolgicas sobre a pesquisa...................................................................29
1.3. Os sujeitos da pesquisa: critrios de seleo........................................................................30
1.4. Metodologia e instrumentos de gerao de dados................................................................32
1.5. Procedimento de gerao de dados...................................................................................38
CAP TULO 2: CONSIDERAES SOBRE AS IDENTIDADES...............................................43
2.1. Identidades tnicas ou raciais?.............................................................................................43
2.1.1.Identidades raciais....................................................................................................44
2.1.2.Identidades tnicas....................................................................................................49
2.2. Identidades na modernidade.................................................................................................52
2.2.1.Identidade social, identidade pessoal e identidade do ego.......................................55
2.3. Identidade racial e etnicidade na Alta Modernidade O espao da globalizao...............58
2.4. Dispora do Atlntico Negro: trao constitutivo das identidades negras no Ocidente.........64
2.5. O negro no Brasil: o processo de reinveno das culturas negras e das identidadesafricanas...............................................................................................................................67
2.5.1. Percurso histrico das identidades afrodescendentes no Brasil e a relao com aideologia etnorracial nacional...................................................................................73
2.5.2. As culturas negras no Brasil na Alta Modernidade....................................................79
CAP TULO 3: AFRODESCENDENTES - VOZES DE UMA JOVEM MINORIA ....................83
3.1. Claro/escuro: representao do positivo/negativo da identidade etnorracial.......................84
3.2. O negro como signo ideolgico............................................................................................99
CAP TULO 4: RUIM ISSO, N?/ DIFERENCIAR POR CAUSA DA COR..............................113
4.1. O que dizer sobre o agora?: Afrodescendentes no contexto da Alta Modernidade.........114
7/25/2019 Adolescentes Negros e Escola
11/149
xviii
4.2. Famlia, msica, futebol e arte: de onde vem os referencias identitrios?........................126
4.3. O ns e o eles cada qual no seu quadrado: Afrodescendentes e as questesetnorraciais da Alta Modernidade....................................................................................139
CONSIDERAES FINAIS...............................................................................145
REFER NCIAS BIBLIOGR FICAS ......................................................................................151
ANEXOS.......................................................................................................................................159
Atividades da pesquisa.............................................................................................................159
Termo de consentimento..........................................................................................................161
7/25/2019 Adolescentes Negros e Escola
12/149
19
PERCURSO DE PESQUISA
O interesse pela presente pesquisa nasceu de dois mbitos, consecutivamente:
profissional e acadmico. Como professora de Lngua Portuguesa do Ensino Fundamental
da Rede Pblica e Particular, sempre tive um tempo de convivncia significativo com as
classes nas quais ministrava aulas, devido extensa carga horria que constitui a Disciplina
(seis aulas semanais em cada classe), o que me levava consequentemente a estabelecer
relaes de maior proximidade com o corpo discente: ouvir suas histrias, trocar
experincias e, principalmente observ-los mais detidamente.
Partindo desse contexto, pude observar como o adolescente costuma lidar com
suas experincias e quais so as situaes mais comuns presentes na vida desses sujeitos.
Chamou-me ateno, particularmente, o fato dos adolescentes afrodescendentes ainda queinseridos nesses mesmos grupos (classes) escolares - vivenciarem algumas experincias
bastante diferenciadas dos demais alunos, dentro e fora de sala de aula e os efeitos que tais
experincias causavam na vida dessas pessoas. Os apelidos; os termos pejorativos sempre
associados s caractersticas fenotpicas (macaco, saci, etc.); o tratamento excludente
manifestado pelos prprios colegas; a ridicularizao frente aos seus traos fsicos
caractersticos (lbios, nariz, cabelos, etc.) levava a reaes que variavam da agressividade
ao isolamento.
Aps ter observado tais fatos, busquei, atravs de uma breve anlise da
literatura sobre o negro no Brasil, verificar como os estudos acadmicos tm descrito a
situao da populao negra no pas e como os problemas de ordem epidrmico-racial tem
sido vivenciados por essa populao. Tal procedimento me fez entrever como os
A identidade marca o encontro de nosso passado comas relaes ciais, culturais e econmicas nas quaisvivemos agora... A identidade a interseo de nossasvidas cotidianas com as relaes econmicas e
polticas de subordinao e dominao(RUTHERFORD, 1990; 19-20).
7/25/2019 Adolescentes Negros e Escola
13/149
20
mecanismos que determinam as relaes epidrmico-raciais no Brasil so sustentados e
perpetuados no interior das estruturas econmicas e sociais vigentes na atualidade.
Motivado por tais discusses, Clvis Moura, em a Sociologia do negro
brasileiro (1988) faz um panorama das pesquisas sobre o negro no Brasil, pontuando aimportncia dos estudos patrocinados pela UNESCO, aps a Segunda Guerra Mundial. Tais
estudos, segundo o autor, teriam tido importncia capital na desmistificao das
generalidades otimistas e ufanistas (MOURA, 1988, p. 28) e do mito da democracia
racial no Brasil, uma vez que, atravs de tais investigaes constatou-se que o Brasil
altamente preconceituoso e o mito da democracia racial uma ideologia arquitetada para
esconder uma realidade social altamente conflitante e discriminatria no nvel das relaes
intertnicas (MOURA, 1988, p. 30). Como parte integrante do resultado da sua pesquisa, o
autor ainda considera o mito da democracia racial como um mecanismo de impedimento a
ascenso da comunidade negra aos cargos de liderana e prestigio social.
De acordo com Moura, (1988, p. 34), pesquisas realizadas pelo jornal Folha de
S. Paulo, em maro de 1984, sobre o preconceito de cor constatou que 73% dos paulistanos
consideram o negro marginalizado, no Brasil; 60,9% dizem conhecer pessoas e instituies
que discriminam o negro. Somando-se s concluses de Moura, estudos realizados pelo
IBGE, na dcada seguinte e apresentados pela mdia, sobre perspectiva de emprego e
rendimento relativos s diferenas raciais no Brasil apontavam que,em maro de 2009, o
desemprego
era mais elevado para os pretos ou pardos do que para os brancos. Almdisso, o rendimento mdio de pretos ou pardos, de acordo com o instituto,era quase a metade do recebido pelos brancos. Os nmeros foramcontabilizados a partir de dados da Pesquisa Mensal de Emprego (PME)referente a maro de 2009.
A taxa de desocupao dos pretos ou pardos (10,1%) era mais alta que a
dos brancos (8,2%). Alm disso, entre a populao em idade ativa (10anos de idade ou mais) nas mesmas seis principais regies metropolitanasdo Pas, os brancos tinham, em mdia, 9,1 anos de estudo, enquanto ospretos ou pardos tinham 7,6 anos. J o rendimento mdio habitual dostrabalhadores pretos ou pardos (R$ 847,71) "praticamente a metade" doque recebem os brancos (R$ 1.663,88). (O ESTADO 13/05/ 2009)
7/25/2019 Adolescentes Negros e Escola
14/149
21
A manuteno dos mecanismos de barragem, tal qual apontada por Moura
(1988) -assim como a natureza produtiva de tais mecanismos-, ainda so constatados nos
estudo mais recentes sobre a diferenciao social com base na classificao epidrmica.
Um estudo comparativo realizado, este ano, pelo Observatrio da Educao, sobre asituao socioeducativa entre pretos e pardos no Brasil, descreve:
Atualmente, a proporo de jovens entre 15 e 17 anos cursando o ensinomdio no Brasil de 50,4%. No entanto, entre negros e pardos o nmerocai para 42,2% e entre brancos de 61%. [...] J na rea rural, apenas33,3% esto cursando o ensino mdio, ante 54,3% nas zonas urbanas.Tambm muito lenta a queda na taxa de analfabetismo, que permanecena casa dos 10% da populao brasileira, destaca Maringela, novamenteressaltando a diferena entre regies e entre a rea urbana e a rural. Na
populao preta / parda o nmero sobe para 13,6% e, na branca, cai para6,2%. []
No acesso a creche e educao infantil, tambm muito grande adiferena entre crianas brancas e negras. Dentre as pretas e pardas,apenas 15,5% frequentam creche, ante 20,7% das brancas.(CONFERENCIA 4: 27.03.2010)
Estes resultados, que sero considerados no momento de delinear o cenrio
social sob o qual os adolescentes afrodescendentes constroem suas identidades,
apresentam-se como uma projeo da situao da populao negra no Brasil e reafirma asconcepes de Moura (1988) sobre as relaes raciais na nossa sociedade. Segundo o autor,
o brasileiro de classe mdia tem um subconsciente permeado por concepes racista,
considerando-se que o conjunto de mecanismos ideolgicos que se organizam
basicamente em torno de esteretipos - apresenta-se de forma inconsciente para a
maioria, uma vez que elaborado por uma elite racista (p.76). Esses mecanismos iro
refletir objetivamente no processo de seleo econmica do contingente afrodescendente no
Brasil, delineando por meio dessa seleo, uma situao social caracterstica das sociedades
segregacionistas.
Relativamente situao socioeconmica anteriormente descrita, atravs de
constantes conversas com os adolescentes em questo, pude observar que muitos deles j
haviam desenvolvido certa percepo de pelo menos uma parte dos problemas pontuados
7/25/2019 Adolescentes Negros e Escola
15/149
22
pelos estudos acadmicos sobre a questo da discriminao racial no Brasil. Chamava-me
ateno diversidade de formas como esses adolescentes posicionavam-se frente a tais
questes e a forma como esses problemas pareciam influenciar na questo da construo de
suas identidades.Paralelamente, mais ou menos no mesmo perodo, comecei a refletir sobre as
leituras e discusses sobre a identidade (mais precisamente sobre a identidade na
modernidade recente), realizadas durante o curso de graduao na Universidade Federal da
Bahia. Tais discusses, nas quais as questes da Alta Modernidade apresentavam-se com
um nvel considervel de frequncia, eram organizadas em torno da concepo de um
sujeito fragmentado, concebido a partir de uma redefinio, realinhamento das fronteiras
socioculturais, com traos identitrios antagnicos e conflitivos (BHABHA, 1990; HALL,
2006; BIRMAN, 1999).
Norteada por essas concepes e somando minhas inquietaes s questes do
multiculturalismo no ambiente escolar, levantadas durante os seminrios da Prof. Dr.
Roxane Rojo, ao me ver diante de questes, que abrangem tanto o espao temporal quanto
a organizao subjetiva, passei a me interrogar a respeito da relao entre esse sujeito
pertencente a um grupo tnico1 marcado por esteretipos2
1 O termo grupo tnico ser tomado em perspectiva semelhante quela adotada por (LIMA, 2008, p.38), o
qual esclarece que no contexto brasileiro, as etnias, so demarcadas pelas razes histricas socioculturaise polticas que marcam a formao populacional brasileira. No que se refere aos afrodescendentes, oelemento fundamental de tais razes est na experincia da dispora, do escravismo e na ancestralidadeafricana. (Cf. HALL, 1996; SANSONE, 2004)
comuns - o que pressupe a
construo de uma identidade organizada em tornos de uma experincia coletiva- e o
sujeito da Alta Modernidade, cuja identidade resulta de uma srie de negociaes e
deslocamentos, dos excedentes da soma das partes da diferena (HALL, 2006, p. 20),
delineando a partir da os objetivos da pesquisa, a partir do qual buscaramos investigar (a)
como os adolescentes afrodescendentes participantes deste trabalho tm se posicionado
frente s questes etnorraciais que perpassam a Alta Modernidade, no intuito de (b)
observar o modo como essas questes tm sido focalizadas e /ou administradas no
processo de construo das suas identidades etnorraciais.
2Conjunto de traos que caracterizam um grupo em seu aspecto fsico, mental ou comportamental. (HALL,apud ZARATE, 1986; 63).
7/25/2019 Adolescentes Negros e Escola
16/149
23
A fim de atingir nossos objetivos e considerando tambm que as culturas negras
tm passado por um processo constante de refaco um sincretismo cultural (HALL,
1998, p. 92) - a partir da relao de intercmbio entre as populaes negras de vrias
partes do mundo, formulamos as seguintes perguntas de pesquisa:1. Como o grupo de adolescentes afrodescendentes investigado tem se
posicionado frente s questes etnorraciais que envolvem a Alta Modernidade, visto que
tais questes apontam tanto para a criao de identidades defensivas quanto para a
fragmentao das paisagens culturais relativas etnicidade?
2. Quais elementos tnicos e socioculturais, presentes nos discursos desses
adolescentes, tm sido utilizados no processo de construo de suas identidades?
3. Quais so as posies assumidas por esses adolescentes diante dasexperincias sociais comumente vivenciadas pelo seu grupo etnorracial3
Diante de tais questes fomos envolvidas por uma srie de indagaes de
ordem terico-metodolgicas a respeito do desenvolvimento da pesquisa: Que enfoque
terico seria mais adequado para problematizar, num mesmo espao de discusso,
questes referentes ao sujeito, cultura
?
4
Nosso primeiro horizonte de discusso delineou-se em tornos das concepes
tecidas na vertente dos Estudos Culturais, uma vez que, a partir das consideraes
formuladas por esse campo disciplinar, a anlise de posies subjetivas implicaria em
pontuar as mudanas sociais e culturais observadas a partir do processo de descentramento
do sujeito moderno.
e s identidades? Qual a metodologia mais
apropriada? A fim de obter possveis respostas para as indagaes que, mais adiante se
tornariam a base da nossa investigao, recorremos a duas vertentes tericas que
problematizavam a relao entre modernidade recente e descentramento subjetivo,
reafirmando com essa postura, a natureza transdisciplinar do nosso investimento.
3Esse termo ser utilizado em consonncia com a perspectiva de Helms (1993, apud FERREIRA, 2000, p. 68),o qual, ao utilizar o termo racial como referncia desenvolvida pela pessoa ao compartilhar a heranacomum a um grupo particular, ele, na verdade, est se referindo tanto a aspectos raciais quanto a aspectostnicos compartilhados pelo grupo.4O termo cultura ser aqui entendido como: sistema partilhado de significao no qual h entre osmembros de uma sociedade, um certo grau de consenso sobre como classificar as coisas a fim de manteralguma ordem social (WOODWARD, 2000, p. 41-42).
7/25/2019 Adolescentes Negros e Escola
17/149
24
Considerando-se que tanto a constituio quanto a disperso desse sujeito se
do no e pelo discurso, e que as tradies culturais exercem importante papel na produo e
manuteno desse mesmo discurso, mantendo por isso uma estreita relao com a formao
e representao do sujeito, adotamos um enfoque terico que contemplasse as proposiesconceptuais advindas da Lingustica Aplicada, da Sociologia (mais especificamente a
vertente dos Estudos Culturais), da Geografia e da Histria, uma vez que a narrativa de si
seria a principal via pela qual se daria a observao das posies subjetivas assumidas pelos
sujeitos da pesquisa e a prpria Lingustica Aplicada, por se interessar por outros campos
do saber, alm do conhecimento lingustico, tem apresentado nos ltimos anos um campo
terico que se intersecciona com tais reas de conhecimento.
A anlise do sujeito e de sua relao com a linguagem sob a perspectiva
sociocultural - que concebe o discurso como constitutivamente heterogneo, polifnico,
dotado de um sistema de significao poltica e historicamente constitudo -, apresenta-se
como um procedimento mais adequado a uma tentativa de recuperao, pela via do
discurso, dos traos culturais e dos processos de resistncia e negociao recorrentes na
construo e na manifestao das identidades dos sujeitos envolvidos neste trabalho de
pesquisa.
A importncia de articular essas trs diferentes reas est no fato de que,
embora discutam a questo do sujeito com nfase em diferentes perspectivas, todas essas
vertentes de pensamento caracterizam o sujeito como descentrado, contraditrio, e
inacabado: desvinculado da orientao cartesiana que o afirma como fruto da razo e da
viso puramente objetiva.
A importncia das Teorias Discursivas para o nosso estudo justifica-se pela
relao entre o nosso objeto de estudo - representao de si e construo de identidade - e a
funo que os estudos relacionados narrativa tm assumido nas ltimas dcadas,
considerando-se que a representao que o sujeito faz dele mesmo (tanto para si como parao outro) se d primordialmente na/pela linguagem e as investigaes que problematizam a
constituio subjetiva busca apreender na materialidade lingustica do discurso, os
movimentos constitutivos da linguagem, da representao e do prprio sujeito.
De forma anloga, a vertente sociolgica apresentada neste estudo afigura-se
7/25/2019 Adolescentes Negros e Escola
18/149
25
como uma importante base terica para as discusses que relacionaro a questo
etnorracial e a Alta Modernidade, tendo em vista que ambas sero problematizadas sob a
perspectiva dos conflitos sociais que emergem a partir da escala de valores orientada pela
classificao cromtica epidrmica dos indivduos.Orientados pelas concepes dos estudos da Alta Modernidade que tm
focalizado a questo do sujeito sob a gide da construo/desconstruo das identidades,
sem deixar de pontuar o aspecto imprevisvel; incompleto; hbrido e fugidio da identidade
desse mesmo sujeito e, mais particularmente, nas reflexes de Hall (1998) que tm
apontado para uma volta estratgica das identidades mais defensivas entre as prprias
comunidades minoritrias, em resposta experincia do racismo e da excluso cultural,
partiremos de duas pressuposies fundamentais para a nosso empreendimento: a primeira
delineia-se na ideia de que:
1. As tradies culturais presentes na famlia ainda tem funcionado para os
adolescentes em questo, como elementos que subsidiam a constituio de suas identidades
etnorraciais e individuais;
e, a segunda orientada pelo noo de que:
2. A relao estabelecida entre a cultura hegemnica e as referidas tradies
tem sido significativamente problematizada / questionadas por tais sujeitos.
7/25/2019 Adolescentes Negros e Escola
19/149
27
CAPTULO 1
A PESQUISA
Introduo
Este captulo ser dedicado descrio dos procedimentos metodolgicos
adotados para desenvolvimento desta pesquisa. Vale ressaltar que tais procedimentos foram
descritos de acordo com a sequncia a seguir: (1) Pressupostos epistemolgicos e
justificativa da pesquisa; (2) Contexto da pesquisa (3) O objeto da pesquisa (4)
Procedimentos seletivo do corpus; (5) Procedimentos de anlise.
1.1. Pressupostos epistemolgicos e justificativa da pesquisa
O conjunto de questes que vem sendo colocadas por muitos pesquisadores das
Cincias Sociais tem apontado para a necessidade de se implementar novos paradigmas
polticos e sociais a partir dos quais se possam gerar novas formas de produo de
conhecimento (cf. MOITA-LOPES, 2006). O problema que se apresenta frente a tal
questo, diz respeito, ento, s formas de entendimento da vida contempornea e criao
de alternativas sociais que tornem audveis as vozes dos que esto margem: os pobres, os
favelados, os negros, os indgenas, homens e mulheres homoerticos, mulheres e homens
em situao de dificuldades sociais (...) (MOITA-LOPES, 2002, p. 143).No campo das preocupaes pedaggicas, aponta-se para o fato de que as
investigaes sobre a maneira como as identidades so desenvolvidas microgeneticamente,
construdas localmente em diferentes pontos do discurso parecem constituir uma rea de
grande importncia (BAMBERG, 1977, p.178). Norteadas por tais concepes, as
7/25/2019 Adolescentes Negros e Escola
20/149
28
pesquisas no campo da educao tem se desenvolvido com foco nas questes relativas
identidade, sob a perspectiva de interveno para a soluo de problemas estruturais em
sociedade cuja dinmica das relaes sociais, (KLEIMAN, 2002, p. 268) compromete a
afirmao das identidades das minorias.No tocante Lingustica Aplicada (doravante, LA), especialmente em algumas
das suas vertentes contemporneas, o que tem sido proposto pelos estudiosos da rea um
modo de produo de conhecimento mais comprometido com questes da vida social, a
exemplo das teorias emergentes na Alta Modernidade de ordem crticas, feministas ou
antirracistas.
Partindo de tais perspectivas, a proposta de observar, pela via do discurso, quais
elementos tnicos, culturais e sociais os adolescentes afrobrasileiros ora investigados tm
utilizado para compor suas identidades tnicas, apresenta-se como um objeto de forte
relevncia para os estudos da LA, uma vez que tende a favorecer a ampliao das
discusses em torno das questes sociais que envolvem a linguagem e reafirmar a
identidade da LA como disciplina de natureza aplicada. Isso possvel, pois o objeto aqui
focalizado, alm de constituir-se como objeto complexo, que exige uma postura dialgica
com outras disciplinas, (Sociologia, Histria, Geografia), tambm um problema com
relevncia social suficiente para exigirem respostas tericas que tragam ganhos s prticas
sociais a seus participantes, no sentido de uma melhor qualidade de vida [...] (ROJO,
2006, p. 258).
Outro ponto que torna relevante a investigao sobre as posies identitrias de
adolescentes afrodescendentes sua contribuio para o campo pedaggico, considerando-
se que as observaes mais apuradas, a respeito das formaes dessas posies identitrias,
no contexto discursivo, podero contribuir para a elaborao de estratgias e prticas
pedaggicas (a exemplo de uma possvel reestruturao curricular, curso de formao de
professores, etc.) voltadas para a soluo de problemas que envolvem questes tnicas eculturais dentro e fora do contexto escolar.
A complexidade do objeto investigado nos conduziu a uma atitude
transdisciplinar, uma vez que este, o objeto, exigiu uma postura terico-metodolgica
capaz de articular, de maneira dialgica e eficaz, os saberes de referncia necessrios a sua
7/25/2019 Adolescentes Negros e Escola
21/149
29
interpretao e resoluo (ROJO, 2006, p. 259). Sendo assim, atravs
do apelo s diferentes reas de conhecimento, foi possvel responder questo
de ordem terico-metodolgica, apresentada nas indagaes iniciais apresentadas nesta
investigao: Qual o enfoque terico mais adequado para problematizar, num mesmoespao de discusso, questes referentes ao sujeito, cultura e s identidades?
1.2. Consideraes metodolgicas sobre a pesquisa
Nosso objeto de estudo foi constitudo a partir de entrevistas com treze alunos
afrodescendentes, estudantes do nvel fundamental de uma instituio de ensino privada
(sem fins lucrativos e de atuao em mbito nacional), situada na cidade de Valinhos,
interior do Estado de So Paulo. Trata-se de uma escola de mdio porte, situada num bairro
prximo regio central da cidade, na qual so oferecidos diferentes nveis de ensino em
perodos assim distribudos: Ensino Fundamental (5a 8asries), no perodo da manh; (1a
4a), no perodo da tarde; e Educao de Jovens e Adultos, (Nvel Fundamental) no perodo
noturno. As turmas dos trs perodos so compostas por uma mdia de 35 a 40 alunos.
O espao fsico da instituio composto de doze (12) salas de aula; duas
quadras de esportes (interna e externa); uma pequena biblioteca (onde acontecem as aulas
de leitura); quatro banheiros; uma sala de vdeo; uma sala de artes (para as aulas prticas da
disciplina): uma sala de educao fsica (destinada a guardar os materiais utilizados pelos
professores da disciplina); uma sala de orientao pedaggica, onde os alunos so recebidos
pela coordenadora (psicopedagoga) para tratar de questes referentes ao comportamento,
aprendizagem etc.; e um refeitrio, o qual utilizado tanto para as refeies do corpo
discente como para a execuo de atividades fora da sala de aula (realizao de trabalhos de
diversas disciplinas, ensaios de danas, montagem de peas teatrais, etc.). O corpo docenteque atua na instituio, no perodo da manh (no qual foi realizada a pesquisa) composto
por um grupo de 12 professores de classe mdia, graduados em Faculdades particulares,
com idade entre 30 e 55 anos e residentes, em sua maioria, em cidades da regio
(Campinas, Sumar e Paulnia). Vale ressaltar que 95% desses docentes declararam-se
7/25/2019 Adolescentes Negros e Escola
22/149
30
brancos e os outros 5% declararam-se morenos claros 5
O primeiro contato com os sujeitos participantes desta investigao ocorreu por
conta da minha aprovao em concurso (de carter pblico) para ministrar aulas em uma
das unidades escolares que compem a rede de ensino em questo. Ministrei aulas paraalguns desses adolescentes, numa 6srie do Ensino Fundamental, durante o ano de 2006,
continuando na mesma unidade escolar, ministrando aulas para as turmas de 5srie, at o
ms de abril do ano seguinte (2007), quando, de acordo com as normas do CNPq, precisei
pedir a resciso do meu contrato junto referida Instituio para dar incio pesquisa
descrita nesta dissertao. Durante esse perodo, j havia comunicado direo da escola
minhas intenes de pesquisa e j havia recebido a aprovao do grupo de gestores.
.
1.3. Os sujeitos da pesquisa critrios de seleo
Os alunos que participaram deste trabalho foram selecionados entre a totalidade
do corpo discente daquele ambiente escolar (aproximadamente, 450 alunos) sendo que
esses eram os nicos afrodescendentes existentes na composio das turmas de 5 a 8
sries6. Para tanto foram utilizados os seguintes critrios: (a) tinham idade entre 12 a 15
anos; (b) estavam de acordo em participar do projeto de pesquisa e; (d) apresentaram a
concordncia (por via documental) dos seus pais ou responsveis, relativa a tal
participao. Tais sujeitos so pessoas pertencentes classe mdia baixa, com idade entre
12 a 15 anos, residentes em diferentes pontos (centro, periferia, semiperiferia) das cidades
de Campinas ou Valinhos e, quase todos, filhos de profissionais atuantes no setor industrial.
O ambiente familiar no qual se inserem esses adolescentes so famlias de pequeno ou
mdio porte7
5O percentual de docentes que se declararam morenos claros justificam essa autoclassificao com base
no fato de que apesar de serem filhos de negros com brancos apresentam de forma mais ostensiva(atravs do tom da pele) os traos fenotpicos destes ltimos.
, compostas, em sua maioria, por pais de diferentes caractersticas tnicas
6 O perodo da manh era composto apenas por turmas de 5 a 8 sries. Portanto, todos os alunosvinculados a essa fase de aprendizagem e, consequentemente com idade entre 12 a 15 anos estavammatriculados naquele perodo.
7 O critrio escolhido para a classificao do tamanho das famlias foi a quantidade de filhos (naturais ou
7/25/2019 Adolescentes Negros e Escola
23/149
31
(famlias mistas).
A escolha de tais indivduos para atuarem como sujeitos-participantes deste
trabalho de pesquisa justifica-se primeiramente por: (a) a inexistncia, nos estudos
lingusticos e sociais, de trabalhos de pesquisa que focalizem o adolescente negro de classemdia, considerando-se que grande parte dos estudos sobre o negro no Brasil, concentra o
seu foco de anlise nos grupos da classe baixa da periferia, a exemplo dos trabalhos de
Vasconcellos (2004) A escola da periferia: escolaridade e segregao nos subrbios,
organizado em torno da noo de "escola da periferia" cujo objetivo fundamentalmente o
de abordar as desigualdades escolares, nos estabelecimentos de ensino pblico situadas
nessas reas; Silva Jnior; Vasconcelos (2000 a 2003) Autoestima em afrodescendentes: a
partir de estudos comparativos,organizado a partir da observao, para fins comparativos
do grau de autoestima manifestado por dois grupos de estudantes afrodescendentes do
Ensino fundamental do Estado de Alagoas e no qual toma como foco de anlise um grupo
de crianas 30 (trinta) crianas, de ambos os sexos, com idade com idade entre 7 e 13 anos,
dentre as quais metade vivem na periferia da capital e a outra metade formada por so
oriundas de comunidade quilombola, localizada no mesmo estado; ou ainda o estudo
desenvolvido por Carvalho (2004) Quem so os meninos que fracassam na escola?, no
qual busca-seconhecer as formas cotidianas de produo do fracasso escola, por meio de
um estudo realizado entre meninos 1 a 4 sries de uma escola pblica do Municpio de
So Paulo, buscando compreender os processos que tm conduzido um maior nmero de
meninos do que meninas, e, dentre eles, uma maioria de meninos negros e/ou provenientes
de famlias de baixa renda, a obter conceitos negativos e a ser indicados para atividades de
recuperao (CARVALHO, 2004, p.11)
importante ressaltar que, de acordo com os procedimentos ticos desta
investigao, as identidades dos sujeitos participantes foram preservadas, com a utilizao
de codinomes, no sentido de evitar que as informaes recolhidas durante as entrevistaspudessem causar qualquer tipo de constrangimento, transtorno ou prejuzo para os referidos
sujeitos. Da mesma forma, as informaes sobre os participantes no foram de forma
adotivos) existentes no ambiente familiar desses adolescentes. Assim, foram classificadas como famlias depequeno porte aquela que so compostas pelo casal com apenas um filho e; famlias de mdio porteaquelas que so compostas pelo casal mais dois ou trs filhos.
7/25/2019 Adolescentes Negros e Escola
24/149
32
alguma revelada a terceiros, a fim de evitar o uso de tais informaes com fins polticos ou
pessoais.
Sendo assim, aps o afastamento das salas de aula, passei a tomar as primeiras
providncias para a coleta de dados. Primeiramente, organizei uma breve reunio com osalunos previamente selecionados8, expliquei a natureza e o propsito da pesquisa e
verifiquei quais deles gostariam de participar na qualidade de informantes. Felizmente, para
a minha surpresa, dos quinze (15) alunos selecionados, apenas um (01) no concordou em
participar do trabalho, sendo que posteriormente um segundo participante tambm veio a
abrir mo da sua participao neste trabalho9
Ao final da reunio, todos receberam um pequeno formulrio - elaborado em
conjunto com a diretoria da escola - no qual eram descritos a natureza e os objetivos da
pesquisa e era solicitada a autorizao dos pais ou responsveis para a participao dos seus
filhos ou tutelados no processo de coleta de dados deste empreendimento investigativo.
Novamente para minha surpresa, todos os pais e responsveis autorizaram a participao
dos adolescentes no projeto, sendo que alguns deles, alm de fornecerem a autorizao por
escrito, entraram em contato com a escola (por telefone ou e-mail) para elogiar a iniciativa
e expressar opinies sobre a necessidade pesquisas que focalizassem a questo tnica no
ambiente escolar.
. Por conta disso o nosso corpus de
investigao passou efetivamente a ser composto por 13 adolescentes, dos quais apenas 11
tiveram suas falas transcritas nos excertos a serem apresentados nos captulos de anlise.
1.4. Metodologia e instrumentos de gerao de dados
A metodologia de pesquisa de cunho etnogrfico, uma vez que no foi
organizada se preocupa em focalizar a ''percepo que os participantes tm da interaolingustica e do contexto social em que esto envolvidos'' (MOITA-LOPES, 2003, p. 22).
8 O procedimento seletivo ser detalhadamente descrito na prxima seo9O segundo participante a desistir do projeto foi uma menina de 14 anos. A participante alegava que suas
notas estavam baixas, e que no disponibilizava de tempo para realizao das atividades escritas, uma vezque sua rotina de estudos deveria ser intensificada.
7/25/2019 Adolescentes Negros e Escola
25/149
33
Os dados coletados abrangem um total de seis (06) horas de gravao dos depoimentos dos
adolescentes. Como parte integrante dessa metodologia, foram utilizados os seguintes
instrumentos de pesquisa: (a) atividades escritas (em anexo); (b) entrevistas semidirigidas
e; (c) gravaes em udio.As atividades escritas10
Orientadas por tais princpios, cada uma dentre as diferentes atividades
apresentadas aos entrevistados foi elaborada com o objetivo de alcanar um determinado
campo estrutural da vida desses adolescentes. Assim, por meio da realizao da Atividade
1. (Representao de si), buscvamos apreender, atravs da anlise das representaes
, que foram realizadas gradativamente pelos
adolescentes selecionados, por meio de respostas escritas, normalmente seguidas de
explicaes orais, serviram de base para a estruturao das entrevistas, sendo utilizadas em
substituio ao tipo de perguntas fechadas, geralmente apresentadas nas entrevistas formais
ou estruturadas. A ideia de utilizarmos um pequeno conjunto de questes, que suscitavam
os mais variados tipos de respostas e conduziam narrativa dos diferentes aspectos da vida
dos adolescentes, foi motivada pela inteno de estabelecer um nvel significativo de
naturalidade na interao com os sujeitos entrevistados. Orientados pela perspectiva
etnogrfica, buscamos interagir com os participantes da pesquisa de forma natural,
excluindo tanto quanto possvel o aspecto intrusivo da relao entre investigador e sujeito
investigado, pois consideramos que o grau de naturalidade e de profundidade apresentando
nos depoimentos dos entrevistados pode estar diretamente vinculado ao nvel de
naturalidade apresentado pelo pesquisador. Importante ressaltar que as consideraes
escritas apresentadas em resposta s questes propostas no quadro de atividades eram
geralmente muito resumidas, tornando-se muito mais ampla e muito mais claras atravs
das explicaes orais elaboradas pelos prprios sujeitos investigados.
10
Conjunto de pequenas atividades que suscitavam respostas relativas a vida cotidiana dos entrevistados,encontra-se na seo de anexos, no final do trabalho. Tais atividades foram organizadas, inicialmente apartir da perspectiva da linha de pesquisa Subjetividade e Identidade, Desconstruo e Psicanlisea qualme encontrava vinculada e cuja proposta era discutir a questo identitria com base numa orientao
psicanaltica. Por ocasio da adoo de uma nova vertente investigativa - Ensino-Aprendizagem deLngua Materna; Letramentos,a qual me encontro atualmente vinculada e que pivilegiava os aspectossocioculturais das formaes identitrias, as atividades 1(Representao de si) e 5(Identificaes), apesarde j terem sido realizadas pelos sujeitos da pesquisa, no foram consideradas no momento da anlise dosdados, para fins de adequao a essa nova linha de pesquisa.
7/25/2019 Adolescentes Negros e Escola
26/149
34
grficas construdas por esse sujeitos, elementos materiais que tem sido utilizados por esses
adolescentes para dar sentido, orientar e explicar as suas aes na vida cotidiana; a
Atividade 2 (Exemplos) teve como principal objetivo dar vazo s narrativas que
explicitassem o tipo e a dimenso das relaes sociais e da interaes mantidas por essessujeitos no ambiente escolar. A escolha do ambiente escolar como foco dessa atividade, foi
orientada pela relevncia da escola na vida dos indivduos, ainda que, por nenhuma outra
razo, pelo menos em termos da quantidade de tempo que passam/passaram na escola e
pelo fato de que as prticas discursivas neste contexto desempenham um papel importante
no desenvolvimento de sua conscientizao sobre suas identidades e a dos outros
(MOITA-LOPES, 2003, p. 310).
AAtividade 3
(Rememorao
), teve como principal objetivo o
desencadeamento de narrativas que possibilitassem a expresso das experincias, opinies e
das possveis aes a serem tomadas pelos sujeitos em situaes especficas da vida
cotidiana que pudessem envolver tanto os prprios sujeitos quanto ao grupo tnico e social
ao qual pertencem. A organizao dessa atividade foi orientada sob a perspectiva que v as
aes cotidianas como uma forma contundente e sistemtica de manifestao das posies
identitrias assumidas pelo indivduo, considerando-se que atravs da linguagem que se
buscam formas de agir sobre o mundo e sobre si mesmo.
A elaborao da Atividade 4 (Minha histria) se deu com o objetivo de
perceber a forma como esses adolescentes situam-se, descrevem-se e percebem-se a si
mesmos dentro de suas prprias histrias de vida e da vida das suas famlias. Levamos em
considerao nessa atividade, a concepo de que contar uma histria fornece um
autorretrato: uma lente lingustica atravs da qual se podem descobrir vises (um tanto
idealizadas) das pessoas sobre elas mesmas como localizadas em uma situao
social.(SCHIFFRIN, 1996 apud MOITA-LOPES, 2002, p. 65). Os relatos sobre as
relaes familiares e o conjunto de elementos culturais apresentados e valorizados nocotidiano de tais famlias tambm foram colocados como foco de investigao dessa
atividade, considerando-se a relevncia de tais relaes na constituio das identidades dos
sujeitos da pesquisa. importante ressaltar que um ponto de extrema significncia para os
resultados dessa atividade foi a produtividade da narrativa como instrumento norteador do
7/25/2019 Adolescentes Negros e Escola
27/149
35
processo de construo da identidade e dos sentidos atribudos vida do sujeito, uma vez
que as narrativas, como uma forma de organizao do discurso, tm portanto um potencial
de criar um sentido de ns mesmos ao permitir que negociemos e construamos nossas
identidades sociais por meio dos eventos narrados (MOITA-LOPES, 2002, p. 143).A elaborao e aplicao Atividade 5(Identificaes) se deu com o intuito de
suscitar narrativas que pontuassem o conjunto de caractersticas fsicas utilizados por esses
adolescentes como parmetro de identificaes estticas. A finalidade dessa atividade era
observar, atravs de uma temtica relacionada expresso dos desejos e aspiraes dos
entrevistados, o nvel de identificao entre os sujeitos da pesquisa e os traos fsicos
inerentes ao grupo tnico desses mesmos sujeitos. Sendo assim, atravs da realizao dessa
atividade, foi possvel observar os significados construdos por esses adolescentes sobre as
suas prprias caractersticas fsicas e sobre as questes de apreciao valorativa que so
associadas a tais caractersticas. Pontuamos, entretanto que as falas decorrentes das
Atividades 2 (Exemplos) e 3 (Rememorao) foram as que geraram dados mais
significativos para compor as nossas anlises, estando presente nos excerto em frequncia
bem maior do que as falas referentes s demais atividades.
No tocante s entrevistas, pertinente afirmar que foram os instrumentos
capitais na realizao do nosso trabalho de pesquisa, tendo em vista que tais instrumentos
foram utilizados como base de aprofundamento das falas dos sujeitos, durante os
comentrios (ou avaliao) das atividades escritas. Tais entrevistas foram orientadas pelas
atividades anteriormente relacionadas, e por breves intervenes feitas pela pesquisadora,
durante comentrios realizados pelos participantes a respeito das respostas que eles haviam
escrito.
Em uma dinmica interacional, buscamos traar/apreender o modo como esses
adolescentes representam a simesmos por meio dessas entrevistas semidirigidas, as quais
podem ser classificadas, de acordo com as consideraes de Bogdan (1994), comoentrevistas em profundidade ou ainda entrevista de estrutura flexvel. Privilegiamos
essa modalidade, orientados pordois importantes aspectos: o primeiro relaciona-se ao fato
de que o carter flexvel desse tipo de abordagem permite aos sujeitos responderem de
acordo com a perspectiva pessoal, em vez de terem que se moldar a questes previamente
7/25/2019 Adolescentes Negros e Escola
28/149
36
elaboradas (BOGDAN, 1994, p. 17) e o segundo remete-nos importncia da auto
narrativa no processo de construo das identidades pessoais. Tnhamos em vista que,
quando os sujeitos narram a si prprios, eles falam de suas experincias historicamente
constitudas desde o lugar que ocupam, e so essas histrias que produzem uma identidadeparticular, diferente, no subsumida na identidade essencialista do sujeito da modernidade
(COSTA, 2002, p. 112)
Seguindo essa perspectiva, a utilizao de tal instrumento se deu com o
propsito de investigar detalhadamente as concepes que os adolescentes tm sobre os
diversos aspectos que envolvem suas vidas e a forma como esses mesmos adolescentes
desenvolvem seus quadros de referncia identitria. Levamos em conta em nossa anlise,
que odiscurso
um objeto histrico que mantm sempre uma relao com o sujeito, com a
cultura e com os sistemas de representaes historicamente constitudas acerca desse
sujeito. Para tanto consideramos consideramos que
a prpria experincia de si no seno o resultado de um complexoprocesso histrico de fabricao no qual se entrecruzam os discursos quedefinem a verdade do sujeito, as prticas que regulam seu comportamentoe as formas de subjetividade nas quais se constitui sua prpriainterioridade. (LARROSA, 1994, p. 43 apud COSTA, 2002, p. 112)
Assim, a narrativa de sifoi tomada como instrumento privilegiado das nossas
anlises, e concebida como um processo que se constitui como uma explorao dos
elementos culturais e sociais sobre os quais os adolescentes negros constroem suas
identidades, ao passo que, a nfase metodolgica foi direcionada para relao entre o
sujeito, discurso e Alta Modernidade.
O primeiro estgio da coleta de dados foi a distribuio das atividades
anteriormente expostas, a partir das quais seriam originadas as narrativas dos adolescentes
selecionados para participar da pesquisa. Essas atividades seguiram o horrio normal dasatividades letivas e foi realizada fora da sala de aula, numa sala da prpria escola, reservada
para tal fim, com o objetivo de resguardar as informaes fornecidas pelos sujeitos
entrevistados. As questes presentes nessas atividades, as quais serviram de base para a
constituio das entrevistas, suscitavam diferentes modalidades de respostas (escritas, orais
7/25/2019 Adolescentes Negros e Escola
29/149
37
ou por meio de representao grfica), visando alcanar as diferentes vertentes temticas
(famlia, relacionamento, identificaes, representaes) passveis de serem expressas nas
narrativas dos sujeitos entrevistados.
Considerando-se que todos os alunos receberam a primeira atividade escritadurante a reunio de apresentao do projeto de pesquisa, as atividades de entrevista foram
realizadas individualmente, em momentos diferenciados, atendendo a seguinte sequncia:
(a) o aluno era retirado da sala de aula, mediante o consentimento do professor da
disciplina, para comentar as respostas que elaborou para a atividade escrita; (b) ao final da
entrevista, recebia a atividade do encontro seguinte; (c) realizava a atividade (em casa ou
em lugar de sua preferncia); e (d) no dia seguinte ou em outro dia da mesma semana, era
chamado novamente para fazer os comentrios das respostas que elaborou. Esses
comentrios (narrativas) eram normalmente intercalados com perguntas feitas pela
pesquisadora, com o fim de provocar o aprofundamento ou a extenso das narrativas.
O conjunto de atividades foi dividido em cinco fases (uma fase para cada
atividade), sendo permitido ao aluno realizar apenas uma fase a cada dia, retomando
quando necessrio (quando da sua vontade) as falas das atividades anteriores.
Considerando-se que a proposta capital deste trabalho de pesquisa foi gerada a
partir do nosso interesse em observar quais so os elementos tnicos, culturais e sociais
recorrentes no discurso dos adolescentes negros no processo de formao e afirmao das
suas identidades, e que tal proposio fundamentada nos pressupostos que reafirmam o
contexto familiar como um locus de manuteno dos elementos culturais da populao
afrodescendentes no Brasil, a escolha do corpus analisado no presente trabalho foi,
primeiramente, parametrizada pelos trechos das narrativas que ofereciam volume
significativo de informaes referentes: (a) as estruturas das famlias dos entrevistados; e
(b) as relaes familiares que permeiam as vidas dos sujeitos da pesquisa. O objetivo dessa
primeira seleo foi obter informaes que permitissem a realizao de um mapeamentodos aspectos etnorraciais (Cf.fig. 6) e afetivos da vida de tais sujeitos (cf. Fig.4).
Ressaltamos, entretanto, que o perfil socioeconmico desses adolescentes, foi tambm
(subliminarmente) delineado por conta de tais narrativas no momento em que estes
pontuavam o local de moradia, (Cf.fig. 1) o tamanho das suas famlias (cf. Fig. 5) e o setor
7/25/2019 Adolescentes Negros e Escola
30/149
38
ocupacional dos pais ou responsveis. (Cf.fig. 2).
Numa segunda fase de seleo, a nossa preocupao foi escolher as narrativas
cujas temticas fornecessem dados suficientes para que fossem analisados os aspectos
relacionados: (a) s relaes sociais mantidas por tais sujeitos dentro e fora do ambienteescolar, (b) s impresses e opinies desses adolescentes em relao ao seu grupo tnico de
referncia; (c) as origem dos traos culturais formadores das identidades desses sujeitos; (d)
as posies identitrias apresentadas nos discursos dos entrevistados; (e) Posicionamento de
tais sujeitos em relao aos fatos sociais inerentes ao grupo etnorracial com o qual se
identifica ou/ do qual se declara participante.
1.5. Procedimento de gerao de dados
Motivada pela necessidade apontada pela pesquisa de cunho etnogrfico de
focalizar o contexto social no qual esto envolvidos os participantes da pesquisa, os dados
descritivos (abaixo relacionados) referentes s caractersticas socioeconmicas do grupo
familiar; situao matrimonial; profissional e das caractersticas etnorraciais dos
familiares; local de residncia, etc. foram gerados a partir das informaes fornecidas pelos
participantes, durante seus depoimentos.
Com base nesse levantamento, foi possvel traar um breve perfil do contexto
socioeconmico e cultural no qual esto inseridos os participantes desta investigao, no
intuito de contextualizar a realidade de tais sujeitos. Vale ressaltar que os dados coletados
no levantamento foram utilizados apenas como instrumento de contextualizao da
realidade social dos participantes, no sendo utilizados como critrio de seleo do corpus.
7/25/2019 Adolescentes Negros e Escola
31/149
39
Fig. 1-Regies de moradia
Fig. 2: Situao profissional dos pais
7/25/2019 Adolescentes Negros e Escola
32/149
40
Fig.3: Tamanho das famlias
Fig. 4: Composio familiar
Esse mapeamento nos ajudou a estabelecer uma viso mais elaborada dos sujeitos
em estudo, ''mediante um conhecimento mais aprofundado do contexto'' (BOGDAN, 1994,p. 69) e da natureza da vida social desses adolescentes. Tal anlise proporcionou um
delineamento mais preciso do espao contextual em que se realizaria a observao do
objeto a ser investigado
7/25/2019 Adolescentes Negros e Escola
33/149
41
A utilizao do mtodo interpretativo para analisar as narrativas dos sujeitos da
pesquisa, nos conduziu s respostas para a nossa segunda questo de pesquisa:Quais so os
elementos tnicos, sociais e culturais presentes nos discursos desses adolescentes no
processo de construo discursiva de suas identidades? Tal escolha foi orientadaprimeiramente pelo grau de importncia atribuda anlise da narrativa no mbito das
cincias sociais:
no s por representar um foco de investigao diferente, revelador,portanto, de novas descobertas que no esto ao alcance nas pesquisaspositivistas, mas tambm por avanar um tipo de pesquisa que pode sermais adequado natureza subjetiva do objeto das Cincias Sociais(MOITA-LOPES, 1996, p. 22)
Importncia semelhante foi atribuda a esse tipo de anlise dentro dos
procedimentos metodolgicos do presente trabalho, uma vez que, situamos como propsito
inicial desta pesquisa, a observncia, por via do discurso, dos elementos recorrentes no
processo de formao das identidades de um grupo de adolescentes afrodescendentes
brasileiros. Com base em tais perspectivas, a anlise nos permitiu observar a forma como os
adolescentes se baseiam em discursos culturais e se posicionam diante desses discursos em
suas afirmaes a respeito de quem so, isto , em seu trabalho de identidade
(BAMBERG, 1977, p. 159).A escolha da anlise discursiva das narrativas como parte fundamental da metodologia
desta investigao, se deu com base numa concepo metodolgica que v a narrativa como
um instrumento de considervel importncia para as pesquisas que focalizam o discurso
como elemento norteador da construo dos significados sociais e das identidades. Sendo
assim, consideramos que por meio desse processo de construo de significados, no qual
o interlocutor crucial, que as pessoas se tornam conscientes de quem so construindo suas
identidades sociais ao agir no mundo por intermdio da linguagem (MOITA-LOPES,
2002, p. 30). Seguindo esse ponto de vista, a narrativa foi tomada como nossa principal
unidade de anlise tanto para o mapeamento da situao sociocultural dos participantes
quanto para a anlise qualitativa dos dados gerados a partir dos depoimentos dos sujeitos da
pesquisa.
7/25/2019 Adolescentes Negros e Escola
34/149
43
CAPTULO 2
CONSIDERAES SOBRE AS IDENTIDADES
Introduo
No presente captulo, faremos uma breve exposio das discusses que
focalizam o tema central do presente trabalho -as identidades
. Sendo assim, abriremos o
captulo com algumas consideraes sobre as identidades tnicas e identidades raciais,
buscando definir, o quanto possvel, os traos distintivos dessas duas concepes de
identidade.Ocuparemos-nos em problematizar o contexto de emergncia dessa categoria -
a modernidade;a distino entre identidade social, identidade pessoal e identidade do ego,
e o papel das relaes sociais na formao de tais identidades.
Ainda neste captulo, implementaremos algumas discusses referentes s
Identidades raciais e etnicidade na Alta Modernidade o espao da globalizao, as quais,
sero problematizadas a partir de uma perspectiva que toma aDispora do Atlntico Negro
como um trao constitutivo das identidades negras do Ocidente. As sees finais
focalizaro as identidades negras no contexto nacional a partir das discusses que pontuam:
O negro no Brasil: dialgica da reinveno das culturas e das identidades africanas; o
Percurso histrico das identidades afrodescendentes no Brasil e a relao ideologia
identitria etnorracial nacional e; as culturas negras no Brasil na Alta Modernidade.
7/25/2019 Adolescentes Negros e Escola
35/149
44
2.1. Identidades tnicas ou raciais?
Quando falamos em identidades raciais, temos em vista as caractersticas fsicas
predominantes em cada indivduo ou estamos nos referindo aos traos culturais que este
apresenta no seu cotidiano? De que um indivduo necessita para ser identificado como
pertencente uma determinada raa ou etnia? pertinente falar em raa, relativamente
pessoa humanas, quando as discusses presentes nas cincias biolgicas j atestaram
cientificamente, que a humanidade pertence ao mesmo grupo biolgico na cadeia animal?
Sendo assim, como podemos definir os traos de uma identidade racial? E como podemos
definir os traos de uma identidade tnica? Esses dois tipos de identidades so
intercambiveis ou excludentes entre si? Como os estudos da Alta Modernidade tm tratado
as questes relativas s identidades raciais e a etnicidade?
Esta sesso ser dedicada a uma breve discusso acerca das questes aqui
enumeradas, pois consideramos que tais esclarecimentos sero fundamentais para o
entendimento das proposies que aliceram nosso trabalho de pesquisa.
2.1.1. Identidades Raciais
Originria do indo-europeu Wrad, o termo raa, na sua acepo mais antiga,
significa: ramo; raiz.
Etnologicamente,o conceito de raa veio do italianorazza, que por suavez veio dolatim ratio, que significa sorte, categoria, espcie. Na histria
das cincias naturais, o conceito de raa foi primeiramente usado naZoologia e na Botnica para classificar as espcies animais e vegetais.(MUNANGA, 2003, p. 01)
Entretanto, esse sentido original adquiriu novos contornos e passou a ser
utilizado em diversas acepes, medida que se desenvolviam novos e variados campos de
7/25/2019 Adolescentes Negros e Escola
36/149
45
interesse dentro das relaes entre os diversos grupos humanos.
No latim medieval, o conceito de raa passou a designar a descendncia, alinhagem, ou seja, um grupo de pessoa que tm um ancestral comum eque, ipso facto, possuem algumas caractersticas fsicas em comum. Em1684, o francs Franois Bernier emprega o termo no sentido moderno dapalavra, para classificar a diversidade humana em grupos fisicamentecontrastados, denominados raas. Nos sculos XVI-XVII, o conceito deraa passa efetivamente a atuar nas relaes entre classes sociais daFrana da poca, pois utilizado pela nobreza local que si identificava comos Francos, de origem germnica em oposio ao Gauleses, populaolocal identificada com a Plebe. No apenas os Francos se consideravacomo uma raa distinta dos Gauleses, mais do que isso, eles seconsideravam dotados de sangue puro, insinuando suas habilidadesespeciais e aptides naturais para dirigir, administrar e dominar osGauleses, que segundo pensavam, podiam at ser escravizados.(MUNANGA, 2003, p. 01)
Na perspectiva de tais relaes, o uso do termo raa orientou nas mais
diversas sociedades, consideraes que aliceraram inmeras polticas de extermnio e de
dominao, as quais se apoiavam, no s nas ideias de pureza de sangue, disseminadas
entre os franceses, mas tambm nas concepes naturalistas que, a partir do sculo XVIII,
passaram a apresentar uma escala de valores na descrio das trs raas, utilizando-se de
um discurso que relacionava os traos biolgicos s caractersticas morais e psicolgicas.
Assim, os indivduos da raa branca, foram decretados coletivamentesuperiores aos da raa negra e amarela, em funo de suascaractersticas fsicas hereditrias, tais como a cor clara da pele, o formatodo crnio (dolicocefalia), a forma dos lbios, do nariz, do queixo, etc. quesegundo pensavam, os tornam mais bonitos, mais inteligentes, maishonestos, mais inventivos, etc. e consequentemente mais aptos para dirigire dominar as outras raas, principalmente a negra mais escura de todas econsequentemente considerada como a mais estpida, mais emocional,menos honesta, menos inteligente e portanto a mais sujeita escravido ea todas as formas de dominao. (MUNANGA, 2003, p. 01)
Orientada pelos princpios de tal diviso, surge a raciologia, teoria pseudo-
cientfica que serviu de base para justificar a dominao racial entre as raas humanas e
alicerou as idias de supremacia racial presentes, at hoje, em diversas regies do planeta.
7/25/2019 Adolescentes Negros e Escola
37/149
46
Os nacionalistas na Alemanha acreditavam na existncia de raasinferiores. Tambm consideravam os judeus uma raa e se empenharamna tentativa de extermin-los. Na frica do Sul, em tempos recentes, odomnio poltico dos brancos era justificado em termos de uma doutrinade superioridade deles sobre os negros. (REX, 1996, p. 637)
No intuito de reconsiderar a amplitude, a ambiguidade e as implicaes de tais
consideraes, em 1950, a UNESCO reuniu especialistas para problematizar o conceito de
raa em suas inmeras acepes e estabelecer o modo como este poderia ser
cientificamente utilizado. Orientados por tais proposies, os estudiosos chegaram
inmeras concluses, das quais selecionamos apenas as mais relevantes para a sustentar as
discusses que envolvem nosso trabalho de pesquisa:
Todos os seres humanos pertencem a mesma espcie. HomoSapiens; tambm so provavelmente originrios do mesmo tronco. Asdiferenas que existem entre grupos de seres humanos se devem aoisolamento, deriva e fixao aleatria de partculas materiais quecontrolam a hereditariedade (os genes), mudana na estrutura dessaspartculas, hibridizao e seleo natural.
O homo sapiens constitudo por certo nmero depopulaes, cada uma das quais diferindo das outras na frequncia eocorrncia de um ou mais genes.
As maiores populaes distinguveis foram designadas comoraas e h razovel concordncia entre os antroplogos em que ahumanidade pode ser dividida em trs grupos principais: (a) omongoloide, (b) o negride (c) o caucaside [...]
Dentro desses grupos podem distinguir-se muitos subgrupos,mas h muito menos concordncia entre os antroplogos sobre as suascaractersticas especficas.
Com base em tais concluses, Rex (1996) aponta para a falta de justificativa do
uso do termo raa, pelas cincias biolgicas, na sua acepo mais popular. Do ponto de
vista desse autor, aquilo que a biologia define como raa, no sentido mais usual, nada mais
do que diferentes grupos nacionais, tnicos ou de mesma religio, que compartilham os
mesmos valores polticos e culturais.
7/25/2019 Adolescentes Negros e Escola
38/149
47
Semelhantemente a essa tica, Munanga (2003), considera que,
A raa, sempre apresentada como categoria biolgica, isto natural, defato uma categoria etno-semntica. De outro modo, o campo semntico doconceito de raa determinado pela estrutura global da sociedade e pelasrelaes de poder que a governam. (p. 06)
e afirma que
Os conceitos de negro, branco e mestio no significam a mesma coisanos Estados Unidos, no Brasil, na frica do Sul, na Inglaterra, etc. Porisso que o contedo dessas palavras etno-semntico, poltico-ideolgicoe no biolgico. (p. 06)
Partindo dessa perspectiva, possvel afirmar que, no contexto brasileiros, as
identidades raciais, e mais particularmente as identidades raciais do segmento
afrodescendente, podem ser definidas como o tipo de identidade que
so imbricadas na semelhana a si prprio, e na identificao ediferenciao com o outro e se constituem em foco central nas relaessociais, sendo continuamente construdas a partir de repertrios culturais ehistricos de matrizes africanas, e das relaes que se configuram navivncia em sociedade, sendo que sua existncia tem as marcas dasrelaes processadas ao longo dos sculos de explorao do escravismo.
Portanto, as identidades tm um carter histrico e cultural, carter esteque demarca os conceitos de afrodescendncia e etnia, imbricados natrajetria histrica dessa populao em relao com outros grupos.(LIMA, 2008, p. 39)
Em relao ao seu sentido mais popular e a sua empregabilidade como
elemento do imaginrio coletivo, ele afirma:
Se na cabea de um geneticista contemporneo ou de um bilogomolecular a raa no existe, no imaginrio e na representao coletivos de
diversas populaes contemporneas existem ainda raas fictcias e outrasconstrudas a partir das diferenas fenotpicas como a cor da pele e outroscritrios morfolgicos. a partir dessas raas fictcias ou raas sociaisque se reproduzem e se mantm os racismos populares. (MUNANGA,2003, p. 06)
7/25/2019 Adolescentes Negros e Escola
39/149
48
Essa discusso apresenta-se como particularmente interessante para a nossa
investigao, considerando-se que, com base nessas acepes que compreendemos o
processo das discriminaes raciais, como elemento significativo para a construo e
reafirmao das identidades dos sujeitos da nossa pesquisa.Vale lembrar que, ainda nesse contexto, tambm sero consideradas as
proposies sociolgicas, segundo as quais, o processo de distino fenotpica pode ser
situado dentro dos processos de conflitos tnicos, pois admitimos que na sua acepo mais
popular o termo raa, consegue incluir no seu leque de definies, as questes relativas s
diferenas culturais.
Tais distines podem basear-se no reconhecimento de diferenas fsicas,
mas tambm ocorrem quando as distines so culturais, assentes na falsasuposio de que as caractersticas mentais e culturais so biologicamenteherdadas. (REX, 1996, p. 639)
Norteados por tais proposies, conduziremos nossas reflexes acerca das
questes identitrias relativas aos afrodescendentes no Brasil, sob a perspectiva dos
cientistas sociais, uma vez observado que ao utilizarmos o termo etnorracial estaremos
tomando o termo raa, em sentido semelhante quele adotado por Munanga (2003),
conforme citao acima apresentado, uma vez observado que
Para Sodr (1983,1999)
as identidades negras so concebidas como construes mltiplas,complexas, social e historicamente (re)construdas com base nosdispositivos de matrizes africanas; tais dispositivos so processados nasrelaes scio-culturais, polticas e histricas que se deram a partir doseqestro dos nossos ancestrais africanos para o Brasil. (apud LIMA,2008, p. 40)
Sendo assim, considerando-se que elas esto
relacionadas, no s ao conhecimento, mas tambm ao reconhecimentosocial, caracterizam-se estas identidades como elementos polticos ehistricos, constitudas a partir do passado de escravizados e nos dias
7/25/2019 Adolescentes Negros e Escola
40/149
49
atuais com os repertrios de base africana dessa populao. Identidadescujas vivncias foram e so mediados pelas condies sociais concretasque inseriu e mantm a maioria dessa populao entre os pobres,miserveis, subempregados, desempregados, analfabetos e despossudosem geral; quadro que indicia que no campo das relaes tnicas no Brasil
h uma poltica de no-representatividade da populao negra, o queimplica em identidades no-manifestas, em benefcios negados e emdignidade aviltada. (LIMA, 2008, p. 40)
2.1.2. Identidades tnicas
Com origem na cultura grega, a palavra etnia, no sentido mais antigo de que se
tem conhecimento, foi formada a partir de termo ethnos ="povo".11
Historicamente, a palavra "etnia" significa "gentio", proveniente doadjetivo grego "ethnikos." O adjetivo se deriva do substantivo ethnos, quesignifica gente ou nao estrangeira. O substantivo deixou de estarrelacionado com Pago em princpios do Sc. XVIII. O uso do modernosentido da palavra comeou na metade do sec. XX. (SILVA JR. ,2005, p.02)
Os primeiros usos da palavra etnia descreviam, portanto,
os povos que viviam margem das sociedades histricas e que eramchamados brbaros, selvagens, primitivos, etc. Nesse caso, etnia era umtermo mais ou menos correspondente a nao, s que qualificando oschamados povos primitivos. Em sua origem, etnia designava os povos nocivilizados, o que supunha a idia do extico em oposio ao civilizado,estando implcita a a idia de progresso. (NICOLAS, 1973 apudSEYFERTH 1986, p. 436)
Aliada ideia de progresso, essa definio guarda forte influncia ideolgica do
momento e das circunstncias do seu aparecimento no contexto cientfico Ocidental, uma
vez que, nas sociedades do Ocidente, esse termo surge concomitantemente ao florescimentoda disciplina Etnologia - termo originado no sculo XIX, a partir das pesquisas
antropolgicas implementadas pelos ingleses - para designar estudos comparativos dos
11 A palavra grega elenoe designava o povo grego e etnoe todos os outros povos. In: (MATTOS, 2001,p. 03)
7/25/2019 Adolescentes Negros e Escola
41/149
50
modos de vida dos seres humanos (MATTOS, 2001, p. 03). Vale lembrar que o referido
perodo foi marcado pelas grandes teorizaes sobre a origem da vida humana alm das
inmeras teorias que fomentavam as ideias de superioridade racial. Somando-se a isso
a questo da diversidade de desenvolvimento tambm emerge nestecontexto. Ainda no mesmo perodo, os europeus ocidentais estavamengajados no colonialismo em todo o mundo, descobrindo uma variedadeimensa de sociedades desconhecidas e radicalmente diferentes nas formasbsicas de organizao de grupamentos humanos, religio, linguagem.(MATTOS, 2001, p. 03)
Numa concepo mais prxima das questes referentes Alta Modernidade,
outras vises, com foco mais dirigido s questes de afirmao identitria, tambm tm
sido utilizadas para definir o termo, a exemplo de Nicolas (1975 apudSEYFERTH, 1986,
p. 436) que define etnia como certas formaes marginais, que se colocam em oposio
cultura dominante e dificilmente se fundem com a massa comum.
Apresentadas de modo a contemplar as rupturas e as contestaes apreendidas
no contexto da Alta Modernidade,
Etnia tem sido um termo dos mais usados nos mais diversos contextos dascincias sociais, mas inexplicavelmente, ou por causa de sua
ambiguidade, nunca recebeu uma conceituao mais elaborada. umtermo que no se encontra nos dicionrios e enciclopdias de cinciassociais mais conhecidos. Seu emprego sempre no sentido de um meroqualificador de grupo tnico (NICOLAS, 1973 apud SEYFERTH, 1986,p. 436)
Ainda assim, de modo geral, essas definies apresentam-se de forma menos
problemtica, embora persistam alguns entraves conceituais, no mbito das cincias sociais,
uma vez que, nos estudos organizados nesse campo de investigao, o uso excessivo do
termo antecedeu, em termos gerais, a organizao de um consenso em tornos da suadefinio.
Sendo assim, no campo das cincias sociais, o conceito de etnia encontra-se
vinculado aos de cultura e de grupo tnico, sendo, no obstante, frequentemente utilizado
como sinnimo deste ltimo. Entretanto, na viso de alguns estudiosos, essa definio tem
7/25/2019 Adolescentes Negros e Escola
42/149
51
na base biolgica os alicerces da sua organizao. De acordo com tais perspectivas, uma
etnia deve ser concebida como um grupo com caractersticas raciais prprias
(SEYFERTH, 1986, p. 435). A etnia, na perspectiva assim delineada, pode estar associada
tanto cultura como ideia de raa. Isso conduz a um novo problema de ordem conceitual,considerando-se que essa possibilidade de associao tem dado margem ao uso do conceito
de etnia como equivalente do conceito de raa, o qual por razes ticas e polticas foi
eliminado das cincias sociais pelo seu contedo biolgico (SEYFERTH, 1986, p. 435) e
pelas implicaes de ordem racista frequentemente imbricada na sua utilizao.
Com base em tais restries, a literatura antropolgica atual tem se preocupado
com a constante relao entre etnia e cultura, sem deixar de pontuar a diferenciao entre
raa e etnia.
Orientados por tais definies e seguindo a perspectiva adotada por Sansone
(2004) ao considerarmos sobre a histria tnica e sobre as dimenses da identidade racial
no Brasil, adotaremos uma definio que atende tanto as caractersticas fenotpicas quanto
os traos culturais dos sujeitos ora investigados, considerando-se que, no Brasil, como em
muitos outros contextos, a raa e etnicidade se entrelaam, uma vez que a raa existe e
praticada graas a um conjunto de smbolos tnicos; ao passo que a identificao tnica
frequentemente racializada adquire conotaes fenotpicas. (SANSONE, 2004, p. 249).
Sendo assim, estaremos adotando o termo etnorracial para nos referirmos ao tipo de
identidade sobre o qual discorrero nossas consideraes, em conformidade com a
perspectiva adotada por Helms (1993), e comentadas por Ferreira, (2000), uma vez que,
ao utilizar o termo racial como referncia desenvolvida pela pessoa aocompartilhar a herana comum a um grupo particular, ele, na verdade, estse referindo tanto a aspectos raciais quanto a aspectos tnicoscompartilhados pelo grupo. (p. 68)
Sendo assim, como uma tomada de posio diante dos entraves conceituais
apresentados no mbito das cincias humanas, em lugar de nos atermos aos aspectos que
dizem respeito raa ou a etnia separadamente, passaremos a nos ocupar dos aspectos
etnorraciais das identidades dos adolescentes participantes do nosso trabalho de pesquisa
7/25/2019 Adolescentes Negros e Escola
43/149
52
-, assumindo uma postura que admite a intercambialidade entre esses dois termos.
2.2. Identidade na modernidade
Embora o nosso propsito no presente trabalho seja discutir questes referentes
identidade naAlta Modernidade, consideramos importante pontuar as diferentes acepes
atribudas categoria durante o perodo que registra a sua formao: a modernidade, uma
vez que as principais discusses a respeito do surgimento e emprego desse termo nas
cincias sociais e na psicologia se deram basicamente nesse momento histrico.
No pensamento moderno, a identidade encontra-se frequentemente associada
ascenso do individualismo. De acordo com Plumer (1996), as primeiras anlises sobre a
identidade foram realizadas a partir dos textos de Jonh Locke e David Hume, empiristas
britnicos do sculo XVIII. Entretanto, a partir do sculo XX com a publicao de The
Lonely Crowd(RIESMAN et. Al, 1950) eIdentity and Anxiety(STEIN ET. Al, 1960), obras
que focalizavam a crescente perda de significao na sociedade de massa e a posterior
busca de identidade (PLUMER, 1996, p. 369), que o termo passa a ser popularmente
utilizado. No cerne de tais discusses, essa noo ganhou popularidade atravs do crescente
uso no mundo das artes e da organizao de uma vasta literatura sobre a identidade.
Durante esse perodo, a identidade torna-se clich na sociedade moderna, passando a ser
frequentemente utilizada nas descries das crises enfrentadas por minorias tnicas e
religiosas, principalmente na Amrica do Norte.
A poltica das identidades surge como resultado das movimentaes e
discusses em torno dessas minorias, ainda nos anos 60 do sculo XX, como um tipo
especfico de poltica que concentra-se em afirmar a identidade cultural das pessoas que
pertencem a um determinado grupo oprimido ou marginalizado (HALL, 2001, p.44).De acordo com o autor, o surgimento daquilo que se define como poltica das
identidades est intimamente relacionado ao
7/25/2019 Adolescentes Negros e Escola
44/149
53
enfraquecimento ou a quebra da poltica de classes, e das organizaespolticas de massa associadas a essa poltica, assim como suafragmentao em movimentos sociais separados e variados. Cadamovimento apelava para a identidade social dos que o apoiavam. Destamaneira, o feminismo atraia as mulheres, a poltica sexual os gays e
lsbicas, lutas raciais os negros, o movimento anti-guerra os pacifistas, eassim por diante. Este o nascimento histrico do que veio a serconhecido como poltica de identidade - uma identidade por movimento.(HALL, 2001, p.45)
Organizadas com base nas teorias marxistas sobre a conscincia de classe, o
objetivo dessa poltica concentra-se no direito de criao (ou afirmao) de uma identidade
grupal distinta por parte dessas minorias. Essa nova vertente poltica, alm de estabelecer
uma forte cultura de apoio, lanou as bases de profundas mudanas sociais e da relao
dialtica entre identidade, poltica, cultura e sociedade.
Enquanto isso, no campo das cincias sociais, as discusses sobre a identidade
se articulavam em torno de duas tradies: a psicodinmica e a sociolgica.
Iniciada por Freud, a partir da teoria da identificao, a teoria psicodinmica
enfatizava que o centro de uma estrutura psquica constitudo por uma identidade
contnua. Esse trao de continuidade identificado por Lichtenstein como a capacidade de
permanecer a mesma em meio a uma mudana constante (LICHTENSTEIN, 1977 apud.
PLUMER, 1996, p. 369). Erikson, no entanto, estendeu a concepo a uma dimensocultural, com base em seus estudos biogrficos. Entre esses, o discurso proferido por
Sigmund Freud, em 1926, em Viena, perante a sociedade de B'nai B'rith, no qual explica o
seu vnculo ao judasmo:
O que me vincula ao judasmo (tenho vergonha de confess-lo) no a fnem o orgulho nacional, pois sempre fui um ateu e fui criado semqualquer religio, embora no respeito pelos chamados padres ticos dacivilizao humana. Sempre que senti uma inclinao para o entusiasmo
nacional lutei por suprimi-lo como nocivo e errado, alarmado pelosexemplos acauteladores dos povos entre os quais ns, os judeus, vivemos.Mas muitas outras coisas permanecem tona para tornar irresistvel aatrao do Judasmo e dos judeus muitas foras emocionais obscurastanto mais poderosas quanto menos podiam ser expressas em palavras,assim como uma ntida conscincia de identidade ntima, a seguraintimidade de uma construo mental comum. E para alm de tudo isso,havia uma percepo que era exclusivamente minha natureza judaica
7/25/2019 Adolescentes Negros e Escola
45/149
54
que eu daria caractersticas que se me tornaram indispensveis no difcilcurso da minha vida. Porque era judeu, encontrei-me livre de muitospreconceitos que restringiam em outros o uso do intelecto; e como judeuestava preparado para aderir Oposio e dispensar qualquer acordo coma maioria compacta. (Citado em ERIKSON, 1968, p. 19)
A despeito de pontuar o uso fortuito e nico da palavra identidade, no discurso
de Freud, Erikson, orienta-se pelo sentido tnico com o qual foi empregada, para afirmar a
identidade - sendo ela positiva ou negativa - como um processo localizado no mago do
indivduoe, entretanto, tambm no ncleo central da sua cultura coletiva, um processo que
estabelece, de fato, a identidade dessas duas identidades (ERIKSON, 1968, p. 21, itlicos
do autor), considerando-se que a identidade pessoal ou de um grupo, estabelece-se em
relao com outras identidades pessoais ou de outros grupos.Entretanto, uma das mais importantes contribuies desse psico-historiador,
para a noo de identidade foi o desenvolvimento do termo crise de identidade, criado
durante a Segunda Guerra Mundial, para referir-se aos veteranos que haviam perdido a
noo de identidade pessoal e de continuidade histrica. De acordo com Erikson,
A expresso crise de identidade foi usada pela primeira vez, se bem merecordo, para uma finalidade clnica especfica, na Clnica de Reabilitaode Veteranos de Monte Sion, durante a Segunda Guerra Mundial, uma
emergncia que permitiu aos psiquiatras de diferentes credos e filiaes,entre eles Emanuel Windholz e Joseph Wheelwright, trabalharharmoniosamente em conjunto. A maioria dos nossos pacientes, foi o queconclumos nessa poca, no sofria de neurose de guerr