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Reflexes sobre significados e mtodos
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Acio Gomes de Matos
2003
srieDEBATES
eAO
Volume 4
ORGANIZAO
SOCIALDEBASEReflexes sobre significados e mtodos
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Ficha Bibliogrfica
Matos, Acio Gomes de, 2003 Organizao social de base: reflexes sobre significados e
mtodos / Acio Gomes de Matos, Braslia: Ncleo de EstudosAgrrios e Desenvolvimento Rural NEAD / Conselho Nacional
de Desenvolvimento Rural Sustentvel / Ministrio do Desen-volvimento Agrrio, Editorial Abar, 2003.
104 p.
1. Cincias Sociais. 2. Organizaes Sociais. I. Ncleo de Estu-dos Agrrios e Desenvolvimento Rural NEAD. II. ConselhoNacional de Desenvolvimento Rural Sustentvel. III. Ministriodo Desenvolvimento Agrrio. IV. Editorial Abar. V. Acio Go-mes de Matos. VI. Ttulo.
CDU 300306
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Sumrio
Prefcio 7
I Introduo 11
II Uma retrospectiva da organizao
popular no Brasil 24
III A dialtica da organizao social 43
IV Os fundamentos da organizao social de base 53
V A importncia da organizao na base 76
VI Referncias metodolgicas 89
VII guisa de concluses 96
Referncias bibliogrficas 98Sobre os autores 101
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Prefcio
No de hoje que a "mobilizao das massas"merece um tratamento crtico por parte dopensamento social. Ortega y Gasset partilhava do
mesmo temor de Tocqueville quanto ao perigo do"plebesmo", do imprio absoluto e imediato da"vontade popular". Rousseau distinguia ossentimentos expressos aqui e agora pela maioriados indivduos da "vontade geral", mais consistente ede acordo com os ditames da razo. John Stuart Mill
tambm se insurgiu contra o perigo da ditadura damaioria. E a prpria tradio marxista sempreestabeleceu uma ntida separao cujos resultadosnem sempre foram edificantes para a democracia, nose deve esquecer entre os interesses imediatos dosoperrios e sua conscincia revolucionria.
Dirigir um olhar que permita pensar criticamentesobre a prpria "voz de Deus" (a voz do povo) fazparte da melhor reflexo na histria das Cincias Sociais.O livro de Acio Matos no se limita, entretanto, areforar esta tradio crtica. Ele reconhece que a"organizao de massa" tal como se exprime emmovimentos determinados uma das fontes de
vitalidade da prpria democracia e no, fundamen-talmente a origem potencial de sua destruio.
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Compreend-la exige, porm, um estudo queenvolva duas outras esferas. Em primeiro lugar, elese volta s formas institucionalizadas desta
mobilizao. Condies necessrias para amobilizao social, a prpria estabilidade dasorganizaes acaba por conter em si relaes deautoridade nem sempre compatveis com oflorescimento das prticas democrticas. Weberacreditava que mesmo as organizaes mais libertrias
s se estabilizariam por meio de certas formas dedominao. Acio se insurge, de certa forma, contraesta regra geral e postula o que Weber enxergaria comouma espcie de quadratura do crculo: ofortalecimento das prticas participativas, como formade democratizar as prprias organizaes populares.
Acio conhece especialmente bem as organizaesmais expressivas das lutas sociais no campo e,portanto, identifica de maneira interessante seu alcancee seus limites, neste sentido.
Mas para isso necessrio identificar uma outra esferaque imprime todo interesse ao trabalho de Acio Matos:
so as formas moleculares de organizao social, vividaspelos indivduos no seu prprio cotidiano, asorganizaes de base, a sociabilidade mais elementardas pessoas. Seu livro expe um conjunto de eventoshistricos cuja base exatamente esta organizao socialmais primria dos indivduos e grupos sociais.
Situado na fronteira entre a psicologia social e asociologia, Acio Gomes de Matos percorre uma
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vasta bibliografia contempornea, para enfrentar umapreocupao central: como impedir que a mobilizaodas massas se converta no seu contrrio, isto , num
exerccio de manipulao em que os prpriosinteressados acabam por renunciar a sua identidade ea seu poder em benefcio de formas convencionaisde dominao? A questo existe desde o incio dascincias sociais modernas e percorre o trabalho dosclssicos do pensamento social.
No momento em que a mobilizao social adquireum peso to importante na prpria execuo daspolticas pblicas e no s em um conjuntodeterminado de reivindicaes o trabalho de Acioadquire importncia ainda maior.
To importante quanto seu arsenal terico so asrecomendaes metodolgicas e militantes voltadasa reduzir a importncia de novas formas dedominao que sempre acabam por acompanhar efrustrar os processos emancipatrios. Mas que oleitor no espere conselhos: este livro um convite a
que a interveno transformadora na vida social nuncaabandone a salutar prtica da auto-reflexo.
Ricardo Abramovaywww.econ.fea.usp.br/abramovay
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IIntroduo
No momento em que o pas inicia a gesto de um
governo popular, nascido das bases organizadas quese constituram no Partido dos Trabalhadores econquistaram a Presidncia da Repblica e a maiorbancada do Congresso Nacional, nos parece defundamental importncia uma reflexo sobre osprocessos de organizao social e, em particular,
sobre os fundamentos da sustentabilidade que seconstituem na base da nossa sociedade.
No restam dvidas sobre a evoluo do processodemocrtico que o nosso pas experimenta desde os anos80, nem sobre o crescimento das organizaesrepresentativas dos trabalhadores e dos movimentossociais que ajudaram a escrever a histria das duas ltimasdcadas, com as lutas pela anistia, pelas diretas j, pelacassao dos mandatos eletivos de um presidente daRepblica e de inmeros parlamentares pilhados emesquemas de corrupo e de quebra de decoro.
Mas, apesar de tudo, no podemos nos vangloriarcomo se a tarefa da democracia j tivesse sido
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completada. O avano poltico que conseguimos ataqui precisa ser sistematicamente analisado numaperspectiva histrica, com ateno para o
aperfeioamento e a sustentabilidade de umademocracia que contemple todos os brasileiros. Umareflexo que, superando a euforia das vitrias recentes,se posicione numa perspectiva crtica sobre o que faltafazer, sobre as fragilidades e potencialidades da nossademocracia e, em particular, sobre a autonomia e
capacidade de iniciativa da organizao social donosso povo.
Para aprofundar essa reflexo, propomosinicialmente que se observe com mais ateno oprocesso de organizao poltica da nossa sociedadee, em particular, o poder e a capacidade que ascamadas populares da cidade e do campo tm de seconstituir como sujeitos da sua prpria histria, semtutelas nem dependncias. E que essa observaopossa distinguir, no apenas segmentos sociaisdiferenciados, mas tambm nveis de abrangncia dasestruturas organizadas. S assim poderemos entender
as diferenas entre as organizaes de segmentosarticulados, como os operrios do ABC e osseringueiros da Amaznia, entre uma organizaonacional dos trabalhadores e os sindicatos locais. Doponto de vista metodolgico, essa distino permitiruma maior clareza do processo de organizao social,
suas interdependncias e contradies internas eexternas aos diversos segmentos sociais.
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Alm de permitir o aprofundamento da anlise,esse procedimento metodolgico de diferenciaopoder facilitar reflexes mais dirigidas para o
fortalecimento dos diversos segmentos e nveis daorganizao social, contemplando desde asorganizaes institucionalizadas no plano nacional at,no outro extremo, os coletivos locais, compreendendodesde a expresso da vontade popular nos processoseleitorais at a participao cidad nas decises
comunitrias; da universalidade das normas sociais eda vontade coletiva da maioria ao direito ssingularidades individuais.
Trs nveis de organizao social
Nessa perspectiva, propomos que, parasistematizar uma reflexo mais aprofundada quecompreenda a complexidade da organizao socialnos mais diversos mbitos da estrutura social, seestabelea uma segmentao entre os variados nveisde organizao da sociedade, do micro ao macro.
Temos conscincia que um procedimento arbitrriode compreender o todo por meio de umasegmentao, por mais criteriosa que seja, temimplicaes reducionistas e pode levar a equvocosde anlise para os quais preciso estar atento.Pretendendo superar essa dificuldade, nos propomos
a lanar mo de mtodos de anlise que, considerandoa integridade do processo social, no escamoteie as
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diferenas e contradies dialticas, no apenas sobrea diversidade da estrutura social, mas tambm sobrea prpria estrutura da anlise e sobre as implicaes
dos pesquisadores. Atentos, sobretudo, pretensodo domnio da verdade sobre a complexidade doprocesso social e s tentaes de pretender ditarnormas de regulao social na perspectiva decontornar os problemas encontrados.
As nossas anlises sobre a complexidade daorganizao social nos levaram a propor a distinode trs nveis diferenciados, complementares eimbricados na estrutura do processo de organizaosocial: a organizao de massas, a organizao polticae institucional, e a organizao de base.
Organizaode base
Organizaoinstitucional
Organizaode massa
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A seguir, procuramos conceituar e esclarecer asdiferenas e complementaridades desses trs nveis deorganizao, como base para as reflexes que faremos
mais adiante.
A organizao de massa
O primeiro nvel de organizao de massa aqueleem que se expressam as mobilizaes coletivas mais
amplas, envolvendo expressivos contingentes dasociedade com pouca visibilidade para asindividualidades e com uma grande predominnciado anonimato. O fator central de organizao aidentificao com uma causa ou objetivo comum,quase sempre com uma atuao determinante de
lderes nos quais se projetam as idealizaes coletivase em quem se depositam coletivamente poderes paradirigir e orientar a massa. nesse nvel de organizaoque se estruturam as lutas polticas que inscrevem aao dos movimentos sociais acima citados,dinamizando a vida poltica do nosso pas nas duas
ltimas dcadas, como nos referimos acima.Movimentos que representam, sem dvida, um graude evoluo poltica de um povo que se posiciona emmassa diante de momentos importantes da vidanacional e cuja ao determinante nas grandesmudanas dos rumos da sociedade.
importante considerar aqui que, apesar do enormepoder de transformao desse nvel de organizao
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social, preciso estar atento s suas limitaes. precisoconsiderar, sobretudo, o carter emocional e instveldo envolvimento das pessoas nesse tipo de mobilizao.
Primeiramente, chamamos a ateno para os aspectosafetivos dos processos de identificao com modelose referncias idealizadas que servem de refernciascoletivas maniquestas para as abordagens de massa eque funcionam tanto no sentido positivo (referncia deidentificao), como no sentido negativo na
caracterizao das posies antagnicas. Essasabordagens mobilizam o lado impulsivo docomportamento humano, fundamentalmenteinfluenciado pelas instncias do imaginrio, investidode posies ideolgicas que sacralizam e demonizamfiguras pblicas ou posturas polticas. Essas
mobilizaes contam cada dia mais com as tecnologiasdo marketing poltico, com imagens, cores e smbolosmarcantes, palavras de ordem e msicas que tocamfundo no plano emocional.
Se esse nvel organizacional de massas fundamental para ganhar posies no quadro
macropoltico, no parece seguro depositar nelegrandes expectativas de sustentabilidade e de garantiado processo democrtico. Considerando o carterinstvel dos comportamentos de fundo emocional,seria conveniente procurar uma maior estabilidade doprocesso democrtico em outros nveis de
organizao social mais estruturados.
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A organizao institucionalizada
O segundo nvel de organizao a que nosreferimos acima tem um carter institucional, isto ,se estrutura sistematicamente com base em contratossociais mais ou menos formais, nos quais se ordenamnormas funcionais para a sociedade, os papis, direitose deveres que regulam as relaes sociais. Aconstituio, em nvel nacional, a estrutura funcionaldo aparelho do Estado, as empresas privadas e oscdigos que as regem, os partidos polticos, oscontratos de trabalho, os sindicatos e os prpriosmovimentos sociais (mesmos os que no tmpersonalidade jurdica) so exemplos da organizaoinstitucional a que nos referimos. So estruturas que,
pela sua prpria essncia, gozam de maiorestabilidade, para o bem e para o mal: para o bem,porque a que se estabilizam as regras do jogodemocrtico que permitem o acesso das foraspopulares ao poder e negociao de pactos sociaismais justos; para o mal, porque tambm nas
instituies que se cristalizam e se consolidamhegemonias institudas que tendem a se perpetuar nopoder, em detrimento dos movimentos instituintesde renovao e progresso social.
Existe um interesse especial em tratar a questo daorganizao social do ponto de vista institucional
porque desse foco pode-se analisar com mais clareza adialtica que se opera entre o lado institudo da
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sociedade, onde se estruturam normas e regras sociaisdeterminadas pelas foras dominantes do cenriopoltico, e o lado instituinte, onde se instalam as foras
da contestao, da mudana e do desenvolvimento, quefreqentemente se associam ao nvel de organizaode massa a que nos referimos anteriormente.
Segundo Lourau (1975:39), a filosofia do direito,desde Hegel, ressalta o lugar do institudo naabordagem institucional, como o momento dauniversalidade que
arrola as normas universais, as formas deregulao estabelecidas, j existentes nos cdigos ounos costumes no escritos, (...) funo ideolgica dodireito, consistindo emtornar evidente, intocvel e
sagrado o que apenas contingncia poltica, o filsofodo direito, torna-seo filsofo do Estado, legitimandono plano ideolgico o que s justificado pela fora.
Na prtica, as formas institucionais de organizaosocial estruturadas que se encontram no estado, nasempresas, nos partidos, nos sindicatos, nas associaes
de moradores etc., so resultados da mediao dascontradies dialticas que envolvem, de um lado, ocarter institudo das regras que se impem pela forado direito, da tradio e da cultura, e, do outro, ainsatisfao com ostatus quoe a luta permanente pelasmudanas sociais. Compreende-se assim que, em
qualquer forma instituda de organizao social,sempre haver as foras da situao em conflito com
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as foras da mudana. A mediao dialtica dessasduas tendncias opostas, que compem a essncia dosprocessos sociais, ser to mais equilibrada quanto for
a simetria do institudo e do instituinte no cenriopoltico da sociedade. Esse carter contraditrio donvel institucional da organizao social nos remete,mais uma vez, questo da sustentabilidade doprocesso democrtico, acrescentando que, tanto aestabilidade quanto instabilidade no so sinnimos
do desenvolvimento e da maturidade de umasociedade. A dialtica do processo democrticocompreende a contradio como inerente naturezada organizao social e o conflito criativo como fontede desenvolvimento.
Nessa perspectiva, a estabilidade e o conflito
configuram contraditoriamente o grau de maturidadee a sade do processo democrtico. Por isso mesmoas formas de organizao institudas precisam sersimultaneamente sustentadas e criticadas, no havendolugar para uma acomodao, para a defesaincondicional de posies polticas, nem para posturas
de vestais intocveis, por mais honestas e justas quesejam as causas defendidas e a histria das organizaese pessoas envolvidas.
Outro aspecto importante a ser considerado nadialgica do nvel institucional de organizao social a forma indireta de exerccio da democracia, uma vez
que as instituies hierarquizam a participao por meiode representaes que falam e decidem em nome das
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maiorias. Na prtica, se estabelecem categorias e nveisdiferenciados de funes e papis institudos, comolderes ou delegados que assumem os espaos de poder
nas instituies em nome dos segmentos sociais que osautorizam. Constituem-se, assim, diferenas qualitativasde participao poltica que so tanto maiores quantos distncias entre os representados e seusrepresentantes. O lder fala em nome dos seus lideradoscom o poder correspondente ao capital social da
imagem pblica do conjunto desses liderados, poderque institucionalmente deve ser usado para exercciode sua funo como representante, mas do qual podese apropriar como prerrogativa pessoal. assim, porexemplo, que falam os governantes e parlamentares emnome de seus eleitores; assim que os servidores
pblicos e as autoridades institudas falam em nomedo Estado; assim que muitas lideranas se apropriamdos mandatos dos seus liderados em defesa dos seusprprios projetos pessoais.
Finalmente, chamamos a ateno, nesta altura dareflexo, sobre o carter impessoal desses dois nveis
de organizao. De um lado, a unicidade e totalidadeque caracterizam a ao integradora dos movimentosde massa, em que as expresses das singularidadesindividuais tendem a ser desviantes e isoladas comoindividualismos ou simplesmente excludas; dooutro, a universalidade e o carter representativo das
instncias institudas que se impem sobre asinstncias individuais, determinando modelos de
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conformidade social e um posicionamento coletivoou, por uma gradao hierrquica, que todos devemaceitar, se adequar ou ser submetido. As questes
que se colocam para a democracia nesses nveis deorganizao so de ordem prtica: como fica oespao da individualidade no coletivo? Como reduzira essencialidade das prerrogativas individuais conformidade universal ou a comportamentosmassificados? Sabemos, de nossa prpria histria,
que no se pode compreender a democracia sem asliberdades individuais, no se pode aniquilar aindividualidade, nem as singularidades dos pequenosgrupos sociais sem instrumentos de massificaoideolgica ou de represso poltica, ambosincompatveis com os preceitos democrticos.
A organizao de base
Como pudemos observar pelos comentriosrelativos aos dois nveis de organizao apresentadosacima, nem o carter universal da organizao
institucional, nem a condio impessoal daorganizao de massa poderiam esgotar nossareflexo sobre a organizao social sem a abordagemda organizao de base, onde se pratica umademocracia direta, onde os indivduos podem falarpor si mesmos em pequenos coletivos locais. Em
ltima instncia, a base se constitui nos ncleoscomunitrios, nas relaes de vizinhana, nos coletivos
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de interesse em comum, nos grupos de trabalho, naslutas conjuntas, onde as pessoas se conhecemmutuamente, se relacionam diretamente, umas com
as outras e no por intermdio de representantes;escutam-se mutuamente, desenvolvendo laosafetivos e construindo juntas suas histrias individuaise coletivas. um espao onde se pode construir umaprxispela reflexo crtica das experincias coletivas,onde se pode constituir sujeitos sociais autnomos
que se expressam nas relaes com outros sujeitossociais, com as autoridades institudas, com outrossegmentos da sociedade.
Esse nvel de organizao o tema central destetexto, resultado de nossas pesquisas e experincias decampo, que tem como objetivo primeiro contribuirpara uma reflexo coletiva sobre as condies doprocesso de organizao social, na perspectiva deconsolidao da democracia e de polticas pblicas
voltadas para a eqidade e justia social. Pensamosque, neste momento, uma reflexo crtica sobre essaquesto poderia ajudar na consolidao das
instituies democrticas e da vitria das foraspopulares nas urnas, particularmente pelo necessrioinvestimento nas organizaes sociais de base, ondese constri mais efetivamente a conscincia social docidado com o desenvolvimento comunitrio, comofica cada vez mais evidente na atuao articulada das
organizaes da sociedade civil em muitos rincesdesse nosso pas.
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Durante um perodo recente das lutas polticas noBrasil, a organizao de base tornou-se um temaproscrito. A palavra basismo tinha um carter
pejorativo no contraponto dos grupos de vanguardaque assumiam o saber revolucionrio em nome dopovo, no pressuposto de que a populao alienada noconseguiria mudar os destinos do pas. Os temposmudaram, os movimentos sociais reinscreveram o temada organizao de base numa pauta mais
comprometida com as mudanas e com a democraciado que com projetos quimricos que passavam ao largodas demandas mais caras s classes populares. nessedebate que pretendemos nos inserir com esta reflexo.
Numa perspectiva histrica do futuro da sociedadebrasileira, no se pode correr o risco de fundar a
democracia apenas nos movimentos de massa e emestruturas institucionais que ficam ao sabor do contextoeleitoral. Estes dois nveis organizacionais estopermanentemente sujeitos s condies conjunturais daorientao dos formadores de opinio da mdia demassa, da articulao poltica das elites nacionais, dosefeitos internos da economia globalizada, das condiespolticas internacionais e do imaginrio populardecorrente desses fatores exgenos. Compre-endemosque s com uma organizao de base bem articulada possvel garantir a conscincia social e oposicionamento cidado que dar suporte sinstituies democrticas e expresso popular, ambas
fundamentais ao desenvolvimento humano quepretendemos alcanar no pas.
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IIUma retrospectiva da
organizao popular no Brasil
Estabelecido o referencial de base de nossareflexo sobre os nveis de organizao social e antesde nos aprofundarmos nas questes especficas daorganizao de base, ser interessante realizar umarpida retrospectiva da evoluo das lutas sociais, das
formas de organizao e de participao popular nanossa histria. Nesta retrospectiva, procuramosobservar, particularmente, qual a contribuio dasmobilizaes de massa, das estruturas poltico-institucionais e das organizaes de base popular naconstruo da democracia brasileira, e quais as
contradies e subordinaes entre esses diversosnveis de organizao.
As elites na histria das lutas sociais
Sem dvida, a histria do Brasil foi palco de lutas
picas e revoltas de bases populares, desde osquilombos, que marcaram o final do sculo XVII. Para
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iniciar, registramos como exemplo, pelo seusignificado simblico na histria das lutas popularesno Brasil, o Movimento Cabanagem que em 1835,
mobilizou negros, ndios, mestios e brancos dascamadas mais pobres da sociedade, num movimentoarmado que instalou um primitivo governo popularno Par e terminou derrotado, numa luta que durouat 1840, em que morreram mais de 30 mil pessoas.Mas essa luta, com o seu carter eminentemente
popular, tem sido pouco considerada pela nossahistria oficial. Da mesma forma, o movimento social-libertrio de Canudos (1874-1897) referido pormuitos historiadores como fanatismo religioso.
No obstante esses exemplos que ressaltam aenergia das foras populares, a reviso dos
movimentos e lutas sociais feitas por Gohn (2001),registra uma tendncia marcante da liderana dosmovimentos polticos da histria brasileira quetomaram corpo em grupos de elite, sejam originriosdas classes dominantes ou da vanguarda intelectual epoltica. Alguns exemplos tpicos colhidos da resenha
que a autora fez desde os primeiros sculos da nossahistria, ajudam a compreender este argumento.
A histria da nossa luta contra o domnio colonial,cujo marco simblico foi a Inconfidncia Mineira(1789), considera que a independncia foipromulgada, no pelos lderes que por ela lutaram ou
por um lder que tenha chefiado numerosas e gloriosaslutas populares, mas ao contrrio, por um prncipe
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herdeiro de uma monarquia decadente, com o apoioda conservadora elite rural do pas que andavatemerosa s de ouvir os ecos das lutas que eclodiam
na Europa (id., ibid.:19). De fato, a InconfidnciaMineira, segundo a autora, "foi um movimentocomposto basicamente de elites intelectuais,mineradores ricos e proprietrios rurais, alm declrigos e militares" (id., ibid.:21).
Da mesma forma, apesar das lutas escravas que
precederam a abolio, desde os primeirosquilombos, o ato de concesso da lei urea terminasendo creditada ao humanismo da princesa Isabel, spresses inglesas, aos intelectuais, como Castro Alvese Joaquim Nabuco, e at poltica das elites agrriaspaulistas, com o vis da colonizao europia. Assim,
o movimento republicano associado lutaabolicionista, como um movimento das elites militarescom respaldo popular, que se expressa na Marcha da
Vitria, em 15 de novembro.
H ainda outros exemplos dessa tendncia elitistaque vo alm do vis dos nossos historiadores. Em1798, a Conspirao dos Alfaiates, considerada aprimeira revoluo social brasileira, se inicia pelamobilizao de brancos pertencentes s elites baianasque constituram a Sociedade Secreta Cavaleiros daLuz (influenciados pelas idias da revoluo francesa)articulados com as camadas populares formadas de
brancos e negros pobres, artesos, soldados eescravos. As diferenas sociais se expressavam
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tambm nas diferenas de objetivos: as elites, numaperspectiva mais revolucionria, os pobres, comreivindicaes mais imediatas, os escravos, com suas
lutas libertrias. Dissolvida s vsperas de suadeflagrao, a conjurao resulta na condenao morte de todos os pertencentes s classes populares,enquanto nenhum dos membros da SociedadeCavaleiros da Luz foi condenado (id., ibid.:21).
Da mesma forma, a Balaiada (1830-41), cujo nome
se refere a um instrumento artesanal e popular detransporte de mercadorias (o balaio), resultado daarticulao de um conjunto de manifestaes popularesno Maranho, estava intrinsecamente ligada a questesdefendidas "sob a tica dos interesses das elites locaisque queriam a expulso dos portugueses e a restrio
dos direitos dos adotivos" (id., ibid.:32). No RioGrande do Sul, o Movimento Farroupilha (1835-45),considerado um dos maiores movimentos polticos danossa histria, foi de fato uma luta das elites gachascontra o domnio imperial, uma luta de secesso sob ocomando de estancieiros e caudilhos que armaram um
exrcito de 5 mil homens sem-terra, aos quaisdistribuam armas, cavalos, roupas, erva-mate e salrios.Nos escales intermedirios os caudilhos contaramcom a colaborao de componentes de classes no-populares que receberam terra, gado e escravos pelasua adeso. (id., ibid.:35).
Se no contam toda a histria das lutas sociais da nossahistria, esses exemplos j permitem compreender que
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muitas das lutas sociais no Brasil, quando no forammanipuladas pelas elites, foram esmagadas pelo Estadoa servio das oligarquias dominantes.
A vanguarda nas lutas populares
A segunda dcada do sculo XX foi marcada pelapresena das elites intelectuais, militantes e polticas,que constituram um marco na organizao poltica e
cultural do pas com o Movimento Modernista, aRevolta dos Tenentes do Forte de Copacabana, afundao do Partido Comunista Brasileiro e a Marchada Coluna Prestes. A se articulava uma nova posturado Estado brasileiro, pautada pela tica, pelademocracia e pela modernidade. Esse movimento que
cresce politicamente, sem maiores bases populares,atinge seu auge com a fundao da Aliana LibertadoraNacional (1935), que representava as esperanas demodernizao da sociedade brasileira, sob inspiraodas democracias europias. Esse movimento foiesmagado com poucas e localizadas resistncias pela
represso do Estado Novo que se instala com suaconstituio de inspirao fascista (1937), acabandocom a autonomia dos poderes constitucionais e dossindicatos, fechando os partidos polticos, nomeandointerventores para os estados e instalando o regimede represso policial at 1945, quando comea uma
nova fase de liberdades democrticas. Pelas duasdcadas seguintes se reorganizam os partidos de
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esquerda, na esteira dos quais se ampliam asorganizaes sindicais e os movimentos populares nacidade e no campo.
Neste mesmo perodo, comea a mobilizao dostrabalhadores rurais com as ligas camponesas quenasceram entre 1945-46, sob influncia e comoinstrumento do PCB no meio rural, sem conseguirforjar um movimento de massas de algum vigor queultrapasse os seus prprios limites polticos e
organizacionais (MORAIS, 1976apudJACCOUD,1990:32). Segundo a autora (id., ibid.:33), as ligas seexpandem por todo o pas, at que foramdesarticuladas em 1947, quando o PCB foi colocadona ilegalidade e se instala um novo perodo derepresso poltica. Com a redemocratizao, a partir
de 1952, e o retorno do PCB legalidade, o trabalho retomado numa perspectiva mais pragmtica, comnfase para a sindicalizao e para a reforma agrria.
Ainda a se mantm uma orientao de vanguarda,sob a orientao dos comunistas.
Durante os anos 50, surgem vrios movimentoslocalizados por todo o pas com caractersticasdiferenciadas, que se articulam nacionalmente, aindapela mo do PCB, como foi o caso da 1 e da 2Conferncia Nacional dos Trabalhadores Agrcolasrealizadas em 1953 e 54, com reunies simultneasem So Paulo e em estados nordestinos, e do I
Congresso Nacional dos Lavradores e TrabalhadoresRurais, realizado em Belo Horizonte, em 1961.
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A organizao social no campo comea a crescerem aes mais localizadas. Em Pernambuco, segundo
Jaccoud (id., ibid.:39), as ligas camponesas ganham
fora com o movimento dos posseiros do engenhoGalilia, que se refora com o apoio poltico decisivodos setores progressistas e populares da capital eterminam ganhando o reconhecimento da AssembliaLegislativa e do Governo do Estado, que faz adesapropriao da rea em 1959. Cresce rapidamente
a mobilizao das ligas no Estado, com uma propostade reforma agrria radical, rompendo com o PCB,em 1961, que se dedicava, ento, ao fortalecimentodo movimento sindical, rea em que eraindiscutivelmente mais articulado, sem perder aperspectiva da aliana operrio-camponesa.
Apesar das Ligas Camponesas terem sido saudadaspela histria como um dos mais autnticosmovimentos de base no meio rural brasileiro e, emparticular, nordestino, importante registrar amarcante presena das elites polticas na sua conduo,mantendo assim o vis da conduo das lutas sociais
pelas elites. Segundo Jaccoud (id., ibid.:37), as ligascamponesas eram
(...) uma estrutura de organizaocentralizada e verticalizada, estruturada dacidade para o campo (...) sendo o seu ncleodirigente (o conselho deliberativo) responsvel
por todas as decises que dizemrespeito sdefinies tticas eestratgicas deao poltica,
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bemcomo as suas articulaes polticas comoutros setores da sociedade, atuando como seuncleo poltico e ideolgico (AZEVEDO,
1982:75-76) (...) composto por militantes doPCB, PTB, PSB etinhacomo seu presidente dehonra o deputado Francisco Julio.
Sem uma organizao de base autnoma que lhesdesse uma maior sustentabilidade, as ligas camponesas,que haviam ressurgido em todo o pas, foram
combatidas pelas foras conservadoras e, finalmente,desarticuladas pelos militares aps o golpe de Estadode 1964.
A conduo dos movimentos sociais pelavanguarda sem uma sustentao correspondente nasorganizaes de base levou durante um longo perodode nossa histria, frustrao das lutas populares e conseqente limitao da mobilizao social. A ttulode exemplo, para confirmar essa tendncia, Gohn(2001:97) registra os conflitos agrrios em Gois, em1955, onde o PCB ajuda os posseiros vindos de vriasregies do pas a constiturem uma associao querendeu um acordo com o Estado para regularizaode uma rea de 10 mil km2, qual denominaramEstado Livre de Trombas e Formoso, com umaorientao popular e socialista e que foi desmanteladoem 1964 pelo governo militar. No caso doMovimento de Arrendatrios, em Santa F do Sul,
no Estado de So Paulo, iniciado em 1955, a lutacontra a expulso durou dez anos, at que em 1964,
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seu lder foi preso, assumindo uma outra liderana deestilo messinico, mas tambm terminou preso pela
justia militar em 1970, sendo liberado em 1979.
Registre-se tambm, pela importncia histrica queteve nas origens do MST, a criao em 1960, no RioGrande do Sul, do Movimento dos Agricultores SemTerra (Master), representando 300 famlias deposseiros que viviam h 50 anos numa rea de 1.600hectares, inicialmente com o apoio do PTB brizolista,
que termina fortemente reprimido no governoseguinte, de Meneghetti.
Desde o incio da dcada de 60 se ampliam nocampo as lutas por objetivos mais prximos dostrabalhadores, como a reforma agrria e a extensodos direitos trabalhistas e sociais (j conquistados
pelos trabalhadores urbanos) aos assalariados docampo, resultando na aprovao do Estatuto doTrabalhador Rural, em 1963, no transitrio governoGoulart, quando puderam se expressar de maneiramais aberta s presses sociais. Novamente, a falta deuma organizao poltica consistente, com sustentao
nas bases populares que respaldasse essasmanifestaes de massa, termina em mais umretrocesso do processo democrtico, com o golpemilitar de 1964, praticamente sem resistncia.
Para se ter uma idia da importncia das formasinstitucionais de organizao, bom lembrar que foi
justamente este estatuto que constituiu a baseinstitucional para a retomada do movimento sindical
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pela Confederao Nacional dos Trabalhadores naAgricultura (Contag), a partir de 1968, em defesa dosdireitos trabalhistas, da previdncia rural e de outras
lutas que compem, ainda hoje, a pauta dostrabalhadores rurais.
O projeto de reforma agrria, que no chegou aser votado, foi substitudo pelo Decreto 4.504, deiniciativa do governo Castelo Branco (30/ 11/ 1964),criando o Estatuto da Terra, at hoje uma das
principais referncias da poltica fundiria do pas,apesar das suas contradies. De fato, emboraestabelea, por exemplo, as bases de uma reformaagrria legal, o estatuto garante, de um lado, o direitode propriedade (provavelmente a principal motivaodos governantes); de outro, a funo social da terra,
estabelecendo critrios para a desapropriao porinteresse social, com indenizao a preos de mercado.No final das contas, assegurava-se a prevalncia dapropriedade medida que os limites objetivos doprograma federal de reforma agrria ficavamsubordinados s dotaes oramentrias da Unio,
decididas pelo Congresso Nacional, tradicionalmentecomprometido com as oligarquias agrrias, e cujaexecuo estava sempre na dependncia dasprioridades do poder executivo.
Aps o golpe de 64, as organizaes clandestinasque mantiveram a resistncia ao regime militar
reforam o vis dos modelos de vanguarda, atmesmo pelas condies de segurana necessria
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defesa contra o aparelho repressivo. Nesse sentido, aluta revolucionria no Brasil continua elitista, tantopelo isolamento imposto pela clandestinidade, como
pela postura diferenciada da vanguarda em relao smassas populares e s classes mdias consideradasalienadas, face ao fundamentalismo ideolgico damilitncia, como pela distncia que se mantinha entreos objetivos da luta clandestina e as necessidades ereivindicaes objetivas das classes trabalhadoras e
das populaes mais pobres.
Conscincia e autonomia das organizaessociais de base
Finalmente, a redemocratizao iniciada
timidamente em meados da dcada de 70, cria ascondies de reorganizao dos movimentos sociais,aproveitando as brechas do regime nos espaoscriados no partido oficial de oposio, o MovimentoDemocrtico Nacional (MDB), onde se trabalhavanuma semiclandestinidade com apoio decisivo de uma
parte do clero catlico por intermdio dosMovimentos Eclesiais de Base e da Comisso Pastoralda Terra. Foi a que comearam, efetivamente, osfundamentos dos primeiros movimentos sociais debase popular, particularmente nas regies onde aestrutura capitalista industrial estava mais bem
assentada, no ABC paulista, justamente pelaconscincia social, e a luta de classe tinha uma expresso
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mais arraigada ao cotidiano das lutas salariais. Foinesse contexto que as posturas dos intelectuais deesquerda e as mobilizaes das classes trabalhadoras
entraram em ressonncia e se criaram as bases de ummovimento popular mais conseqente e com maiorsustentao poltica, fora das elites.
A importncia desse movimento na evoluohistrica do processo poltico brasileiro, ficadefinitivamente marcada pela candidatura de LuizIncio Lula da Silva Presidncia da Repblica, em1990, num ciclo que se completa com a sua eleiopara o cargo, em 2002.
O sindicalismo crtico nascido no ABC paulista nose estrutura apenas na mobilizao de massa; os
sindicatos se estruturaram com assessorias jurdicasde alto nvel e constituram seu prprio ncleo deanlises (Departamento Sindical de Estudos eEstatsticas Sociais e Econmicas Dieese), de ondepassaram a argumentar em p de igualdade com ospatres e com o governo. Essa nova organizao
sindical deslancha, em 1978, uma onda de greves quese espalha por todo o pas, marcando o nveldiferenciado de organizao sindical e poltica, assimcomo a liderana do operariado do ABCD paulistana vanguarda do processo de democratizao do pas.
Para compreender esse fenmeno na perspectivada organizao e da conscincia dos trabalhadores noplano nacional, resgatamos um estudo de
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(FREDERICO, 1978:43) que, para compreender aconscincia operria no Brasil, neste perodo, lanamo dos referenciais tericos de Lnin e de Lukcs
para distinguir no movimento operrio trs categoriasdiferenciadas quanto prtica social e quanto ao nvelde conscincia de classe:
A) A massa operr i a: a classetrabalhadora em si que viveria cegamente adiviso entre a reificao de sua conscinciae a inquietude decorrente da situao de classe.Ela somente pode elevar-se conscincia, isto, deixar de ser um mero dado objetivo daestratificao social, atravs da ao que,fornecendo aos trabalhadores umaexperincia nas relaes com o patronato, os
capacitaria a desenvolver uma compreensomais clara de sua situao de classe.
B)Os operrios avanados:formam aparte da classe que j participou de diversosconflitos trabalhistas. O que diferencia essesoperrios dos demais a experinciaadquirida na participao em greves ereivindicaes. Essa experincia, formada aolongo da vida profissional, faz com que elessejam cautelosos em relao aos conflitos eespontneos e realistas quanto ao alcance dasaes improvisadas. A experincia dos
operrios avanados faz com que eles sejamadmirados e respeitados pelos demais
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operrios, que os tomam como um grupode referncia nos locais de trabalho, tanto nosproblemas do dia-a-dia quanto nos
momentos de tenso. Pode-se dizer que elesso os lderes naturais da classe que sempreexiste em cada fbrica. Entretanto, aconscincia dos operrios avanadosdesenvolvida diretamente na experinciaprtica, uma conscincia emprica e
pragmtica que no pode chegar por si mesma apreenso da totalidade.
C)O ncleo revolucionrio:forma-seatravs de um processo individual de seleoentre os operrios mais aptos a assimilar teoriae p-la em prtica. A conscincia dessesoperrios sustentada pelo conhecimentoterico para alcanar a massa, devenecessariamente passar pela mediao dosoperrios avanados e somente atravs desua interveno que os operrios avanadospodem ir alm de uma conscincia sindicalistae influenciar a massa nessa direo.
Nesta perspectiva, o autor justifica o papel davanguarda na organizao dos trabalhadores medidaque compreende que
A conscincia da massa operria uma conscincia
desarticulada que no consegue apreendero sentido domovimento da totalidade; ela apenas visualiza os
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aspectos isolados e externos dos fenmenos,sem se aperceber das oposies e contradiesque mantm a realidade unida. O
conhecimento que a incipiente prtica damassa operria permite no vai alm dasensao eda impresso.
Dessa forma, para o autor, cuja obra foi escritanos anos 70, a estratgia de um projeto poltico maisambicioso como o da vanguarda de ento, precisariapassar pela ampliao da conscincia de classe parauma conscincia poltica, o que teria levado, a nosso
juzo, as organizaes dos trabalhadores a investirmais na organizao institucional do que naorganizao de base. Por isso mesmo, a articulaoentre os movimentos operrios e as novas estruturasde organizao poltica passou a ser o foco centraldos investimentos das foras populares,particularmente enriquecidas com o retorno dosanistiados polticos. De fato, foi justamente a partirdos sindicalistas paulistas, que surgiu o Partido dosTrabalhadores, em 1980, a recriao da Central nicados Trabalhadores, em 1983, em oposio Confederao Geral dos Trabalhadores, criada em1982, sob a influncia de partidos mais moderados,como o PMDB e o PCB.
Tambm no meio rural, a redemocratizao do pas
fortalece as organizaes dos trabalhadores com acriao da Contag, constituda com uma grande
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vocao de luta pelas reformas de base, praticamentes vsperas do golpe militar de 1964, sofre duramente20 anos seguintes uma forte represso do regime
militar, associado s oligarquias rurais. Ficou sobinterveno at 1968, mas se ampliou gradualmente,tendo realizado sete congressos at constituir aestrutura atual que rene 3.630 sindicatos em todosos estados do pas, representando mais de 15 milhesde trabalhadores rurais.1 Tem hoje como linhas
programticas, a defesa dos interesses dos assalariadosrurais; a agricultura familiar; a reforma agrria, aprevidncia e a assistncia social, a sade e a educaodo trabalhador; as questes de gnero e gerao; ocombate ao trabalho infantil e ao trabalho escravo.Uma pauta que mantm estreita relao com as
questes de interesse direto dos assalariados e dosprodutores rurais de base familiar.
Ainda na rea rural, o Movimento dosTrabalhadores Sem Terra (MST), fundado em 1984,com base na linha das mobilizaes promovidas pelaComisso Pastoral da Terra, desde o final dos anos70, no Rio Grande do Sul, constitui-se um dos grandesfenmenos polticos contemporneos, com uma pautainicialmente centrada sobre a questo da terra,mobilizando hoje cerca de 300 mil famlias assentadase 80 mil acampadas.2Sem a quantidade de afiliaes
1) Ver www.contag.org.br (em 18.11.2002)
2) Ver www.mst.org.br (em 18.11.2002)
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de uma central sindical, o MST tem, nos dias atuais,uma presena poltica, uma estrutura organizacionale operacional to mobilizada quanto da Contag, com
presena em todos os estados e uma rede de militnciaorientada e disciplinada na lgica do centralismodemocrtico. Montado em bases filosficas eideolgicas com orientao explicitamente socialista,o MST potencializou as suas vitrias nas lutas contrao latifndio e no seu poder de pressionar o governo,
dando uma orientao mais poltica s suasmobilizaes, que extrapolam os limites estritos dapauta dos trabalhadores rurais em campanhas contraa Alca, contra os alimentos transgnicos, pelalibertao da Palestina, participando publicamente emtodas as mobilizaes pelas liberdades democrticas,
por justia social e pela cidadania.
... e a organizao de base
No auge das conquistas polticas dessas estratgiasque marcaram as lutas dos trabalhadores da cidade e
do campo para conquistar o poder pelas viasinstitucionais, poderia parecer extemporneo colocaro foco da discusso no nvel de organizao menosinvestido, que a organizao de base. Mas, aocontrrio, pensamos que este justamente o momentomais adequado para esse tipo de reflexo, pela aberturano sentido de prover estratgias complementares asustentabilidade das conquistas pelo fortalecimentoda base. A mobilizao das massas responsveis pela
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mobilizao social e a organizao institucional quepermitiu o acesso ao poder institucional, precisa agoraconstruir uma base onde se consolide a cidadania, a
partir da conscincia social que se constitui cada vezmais em ncleos comunitrios em que se expressa asolidariedade entre pessoas, onde o tecido social fortalecido por relaes pessoais, pela credibilidadedo companheirismo, pela regulao legtima doscoletivos locais.
Nesta perspectiva, devemos saudar a crescenteparticipao de organizaes no- governamentais eplos sindicais que se dedicam, com afinco ecompetncia, a apoiar a formao de ncleos dedesenvolvimento local, onde as aes objetivas,financiadas por polticas pblicas ou com recursos da
cooperao internacional, so instrumentos dereflexo e decises coletivas que, alm de melhorar aeficincia e efetividade dos projetos em si, servem deinstrumento para o fortalecimento da conscinciasocial e para a apropriao da cidadania. No mesmosentido, registre-se uma nova cultura institucional de
formao de conselhos consultivos e deliberativos,desde o plano nacional, onde j funciona regularmenteo Conselho Nacional de Desenvolvimento Rural,respaldado pelas principais entidades representantesdo mundo rural, inclusive os conselhos congneresno plano das Unidades da Federao. Nos municpios
se instalam, alm dos conselhos para questesespecficas, como o da criana e do adolescente, o de
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educao, de meio ambiente, de desenvolvimentourbano, entre outros, em que, pelo menos em tese, oscidados podem interferir diretamente na
administrao. verdade que, muitos dessesconselhos, funcionam precariamente ou servemapenas para justificar o acesso a programas federais,e que ainda levar algum tempo at que o cidadocomum tenha acesso s prerrogativas que esse institutode participao popular lhe confere, mas preciso
considerar que a evoluo das instituies abrecaminho para o amadurecimento da cidadania. Se oaumento da conscincia social puder ser aceleradopelo incremento da organizao social na base, essesconselhos sero fundamentais consolidao doprocesso democrtico.
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Reflexes sobre significados e mtodos
IIIA dialtica da organizao social
Antes de entrarmos na questo da organizao de
base em si, ser importante estabelecer algumasconsideraes sobre o referencial dialtico com quetrabalhamos a complexidade do processoorganizacional. Sem pretender realizar uma incursomais profunda nos meandros tericos do tema,
julgamos indispensveis algumas referncias
epistemolgicas de base que nos levaro a estabeleceros limites da racionalidade no trato da questoorganizacional.
A questo da complexidade
Para compreender uma abordagem dos sistemascomplexos (como o caso da organizao social),Morin (1990:101) considera que a construo dopensamento complexo precisa distinguir trs refernciaslgicas de aproximao da realidade: razo,racionalidade e racionalizao. A razo corresponde
capacidade de construo de uma viso coerente dosfenmenos, das coisas e do universo, como um
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movimento incontestemente lgico. A razo comoa capacidade de pensar e de buscar o conhecimento.Nesse contexto, a racionalidade seria o dilogo
incessante do nosso esprito que cria estruturas lgicas,com base na razo e que as aplica sobre o mundo edialoga com o mundo real, (...) mas preciso admitirque o nosso sistema lgico insuficiente e que apenasencontra uma parte do real. Finalmente, para Morin,a racionalizao seria uma patologia dos que pretendem
encerrar a realidade num sistema coerente, umamegalomania dos que pensam poder dominar averdade sobre a realidade complexa.
Nessa perspectiva, a dialtica, como essncia doobjeto complexo e como lgica de aplicao da razoem busca da racionalidade deve seguir alguns
princpios fundamentais. O primeiro, dialgico,compreende a existncia de duas tendncias opostasque se complementam no seio de uma unidade. Umatendncia que garante a manuteno e reproduo doprocesso social e cuja estabilidade pode trazer umamemria que a torna hereditria; outra, instvel que
degrada e se reconstitui permanentemente (id.,ibid.:106 e 107). Nesse sentido, a cada tendncia demudana corresponderia uma resistncia pelamanuteno das condies existentes.
O segundo princpio,recursivo, compreende que osobjetos complexos se constituem de processos em
que os produtos e os efeitos so, ao mesmo tempo,causas e produtores daquilo que os produziu. A
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Reflexes sobre significados e mtodos
sociedade produzida pela interao entre osindivduos, mas a sociedade, uma vez produzida,retroage sobre os indivduos (id., ibid.:108).
O terceiro princpio, enunciado por Morin ohologramtico, que compreende que no s a parte estno todo, mas como o todo est na parte e, citandoPascal, no posso conceber o todo sem conceber aspartes e no conceber as partes sem conceber o todo.(id., ibid.:108). A idia central desse princpio deque cada parte de um objeto complexo se inscreve ascaractersticas do conjunto, como o DNA nos seres
vivos, permitindo identificar suas origens.
Esses trs princpios se integram entre si, na anlisedos processos sociais, produzindo uma ruptura
definitiva com a lgica linear e positivista, medidaque negam espao s posturas classificatrias queexcluem os contrrios; aos raciocnios lineares decausa-efeito e lgica parcial, que no reconhece auniversalidade das partes.
Uma postura dialtica de anlise do social
Essa ruptura aponta na direo de umaepistemologia dialtica, apta leitura da complexidadeporque compreende que a dinmica do social se definepor causalidade e contradies mltiplas que se
sucedem em evolues cclicas, abertas como numaespiral, alternando sistematicamente movimentos
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positivos de afirmao e estabilidade (teses) emovimentos de negao (antteses) que,contraditoriamente, carregam em si a sua prpria
negao (negao da negao) e ganham estabilidade(uma nova tese), provocando novas antteses egarantindo a dinmica do processo. A espiral, comouma curva aberta, representa a negao do crculo,porque apesar da aparente repetio, nunca refaz omesmo caminho, porque, a cada novo ciclo, altera a
sua trajetria. A dialtica a essncia e a natureza dosobjetos complexos, conforme se confirma pela leituramaterialista que Engels (1975:34) faz da dialticahegeliana (transformao da quantidade em qualidadee vice-versa; interpenetrao dos contrrios; negaoda negao); no como uma lgica do pensamento,
mas como caracterstica da histria e da natureza doobjeto, confirmando os princpios defendidos porEdgar Morin e reforando a determinao deestabelecer a leitura da organizao pelo enfoque dopensamento complexo.
Nessa direo, deixamos clara nossa convico de
que a anlise dos processos organizacionais umatarefa que requer, alm de um compromisso tico queevite a manipulao e os silogismos, um certo rigormetodolgico, o que no significa, necessariamente,posturas acadmicas. Nesse sentido, importanteregistrar os limites das abordagens empiristas,
baseadas nas tcnicas operativas com nfase para aracionalidade instrumental. Desenvolvidas nos anos
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Reflexes sobre significados e mtodos
60 para acelerar os mtodos de desenvolvimentoorganizacional das grandes empresas americanas e,posteriormente, adaptadas ao planejamento
governamental, muitas dessas tcnicas, que j tinhamum carter participativo (mobilizar o conhecimentodos participantes na formulao dos diagnsticos edos planos e, ao mesmo tempo, engajar as pessoas nasua execuo), terminaram sendo adaptadas para otrabalho comunitrio, com algumas possibilidades
efetivas, mas com muitos problemas que precisam sermais bem analisados.
Em primeiro lugar, preciso romper de uma vezpor todas com os conhecimentos fundados no sensocomum (GRAMSCI, 1986:14) sobre a modernidadee a eficincia empresarial, em que se ancoram osparadigmas da gesto capitalista e suas tcnicasinstrumentais.3 preciso romper, sobretudo, com aincorporao dessas tcnicas ao planejamento dasorganizaes sociais, onde no se aplicam as mesmasestratgias produtivistas das empresas privadas. Aracionalidade das organizaes sociais precisa se fundar
em reflexes crticas sobre a realidade, inspiradas nafilosofia da prxis, reduzindo a especulao aos seus
justos limites ... a metodologia histrica mais adequada realidade e verdade (id., ibid.:79).
3) Gramsci (1988:77) distingue as tcnicas meramente instrumentais que estruturamo senso comum e o conformismo cultural das tcnicas do pensamento reflexivo (dadialtica), que corrigem as distores do senso comum.
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A multidisciplinaridade
Alm dessa distncia das tcnicas inadequadas aotrabalho com as singularidades prprias dacomplexidade das organizaes sociais, esta reflexofundada em Morin, nos remete necessidade de umarcabouo terico com amplitude e profundidadepara captar as mais diversas nuances do quadro social,exigindo uma maior integrao de disciplinas eprofissionais complementares, como a sociologia e a
psicologia, a histria, a antropologia, a economia, amedicina, entre outras. A constituio de umaepistemologia convergente que pudesse permitir aproblematizao mltipla das situaes sociais, semreducionismos dos conceitos de um campo tericosobre os demais. No caberia psicologia, por
exemplo, analisar os processos e as estruturas sociais,tarefa precpua da sociologia, com base em conceitose teorias prprias; nem, por outro lado, caberia sociologia analisar os processos mentais envolvidosno mesmo fenmeno social em questo.
Para superar os obstculos da multidisciplinaridade,Pags (1984:25) sugere o conceito deautonomia relativa,em que cada corpo terico analisa o mesmo objeto apartir de suas prprias leis para, em seguida, se fazerum esforo de integrao terica, estabelecendoconjuntamente as correlaes entre as concluses deuma e de outra anlise. A sociologia pode compreender,
por exemplo, como se estrutura o poder a partir dasestruturas sociais, mas a psicologia que pode analisar
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Reflexes sobre significados e mtodos
as reaes individuais e o desenvolvimento decomportamentos que reforam ou questionam asestruturas de poder existentes. Assim, a autonomia de
cada campo terico para analisar o objeto do seu pontode vista se relativiza quando se trata de compreenderas interfaces entre dois campos tericoscomplementares. necessrio estabelecer um dilogoonde cada um tem a acrescentar, a ouvir o que o outrotem a dizer e a procurar compatibilidades entre os
pontos de vista diferentes, definindo qual o escopo datarefa multidisciplinar. Essa postura parece importantepara evitar fantasias de um domnio polivalente dosaber, o que tem levado a reducionismos e a outrosequvocos nas anlises sobre os objetos complexos,particularmente no campo social.
O saber cientfico e o saber popular
preciso questionar tambm sobre a distncia quesepara um tal propsito cientfico do saber acessvel scamadas populares que formam na base da organizao
social, onde reduzido o saber letrado. No se podenegar que grande o risco de se reproduzir nestecaminho o mesmo vis das vanguardas polticas. Naprtica, o que se espera aqui dos formuladores tericosno a sua prpria anlise do quadro social e aconscientizao das comunidades sobre seus
problemas e sobre os melhores caminhos parasuper-los. Do ponto de vista epistemolgico, o maior
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apoio que os intelectuais poderiam dar s organizaespopulares seria a popularizao dos fundamentos dasmetodologias apropriadas s singularidades
organizacionais dessas comunidades, aos seus objetivos,s suas referncias culturais.
Nesse sentido, cabe um destaque especial posturadessa orientao filosfica com relao aos papis dosujeito e do objeto da reflexo e da ao poltica. Atendncia tradicional das elites e das vanguardas,
protecionistas e diretivas, tratar as camadaspopulares como objeto de polticas sociais para asquais preciso definir e implementar programas soba tutela das competncias tcnicas. O objeto umainstncia passiva sob os cuidados de agentes externosque passam a deter o saber e o poder de tomar
iniciativa e de transformar a realidade para o outro,supostamente incompetente. O sujeito o agenteativo, que age movido por suas prprias razes, quereflete e decide com autonomia, que se apropria deum saber construdo na sua prpria histria, com oqual reorienta seu destino. O sujeito popular, assim
compreendido, o fundamento e a essncia daorganizao de base.
Afilosofia da prxis comprometida com a autonomiapoltica e a reduo da alienao dos atores sociaisdiante das estruturas de poder dominantes, assume areflexo crtica sobre a realidade social como sua tarefa
precpua e necessria transformao das camadaspopulares em sujeitos ativos do desenvolvimento.
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Castoriadis (1975:103) chama deprxiso fazer, ondeo outro ou os outros so vistos como seres autnomose considerados como agente essencial do
desenvolvimento de sua prpria autonomia. Nessareflexo, a comunidade, como objeto dastransformaes sociais, assume, ao mesmo tempo, aposio de sujeito de sua prpria histria, provocandouma nova ruptura na construo do saber cientfico,tirando do cientista o domnio da verdade sobre o
outro. este outro, transformado de objeto passivoem sujeito ativo que assume responsabilidade naconstruo do saber sobre si mesmo e sobre sua prpriarealidade. E esse novo saber um saber que libertapela conscincia. Segundo Morin (1995:57),
pode-se conceber, semque haja umfosso
epistmico intransponvel, quea auto-refernciaconduza conscincia de si, quea reflexibilidadeconduza reflexo, emresumo, que aparecemsistemas dotados deto alta capacidade de auto-organizao que conduzama uma misteriosaqualidade chamada conscincia de si.
Castoriadis (id., ibid.:103) refora que naprxisaautonomia do outro ou dos outros um fim e ummeio; a prxisvisa autonomia como um fim e autiliza como um meio. Em outras palavras, o quedefendemos que os grupos de base sejam sujeitosdos processos sociais nos quais esto envolvidos,
sujeitos autnomos que se apropriam da reflexosobre sua prpria realidade e da construo da sua
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histria. s vanguardas polticas e aos intelectuais, cabeum papel que preserve o saber local e facilite aconstruo crescente da autonomia. O respeito ao
saber local e busca de integrao do saber tcnico ecientfico (sem o etnocentrismo que tem caracterizadoa poltica e a cincia das elites dirigentes) um desafioque deve mobilizar no apenas os intelectuais e osquadros da poltica partidria, mas tambm amilitncia que assume a vanguarda da organizao
social e coordena os processos na base. precisoabdicar da hegemonia e do controle centralizado dosprocessos sociais em benefcio da autonomia local,garantindo a reflexo crtica como fundadora docontrole social pela comunidade.
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IVOs fundamentos daorganizaco de base
Para explorar os fundamentos da organizao socialno nvel da base, alm dessas rpidas diretrizesepistemolgicas, precisamos de algumas refernciasconceituais que caracterizem e diferenciem a formaodos ncleos coletivos locais, com identidades prprias,que se constituem como sujeitos sociais autnomos,
que se apropriam de seus prprios processos deorganizao, inclusive dos mtodos e dos dispositivosde auto-regulao que os mantm coesos sem precisarde ingerncias externas. So conceitos que procuramdelinear os contornos que diferenciam uma organizaosocial de base, no sentido que tratamos aqui, dos
coletivos que so construdos de fora pra dentro, aservio de interesses outros que os da prpriacomunidade, s quais se podem fazer pequenasconcesses em troca de subordinao, de voto ou deoutras manipulaes menos lcitas, como no caso donarcotrfico que domina as comunidades faveladas das
grandes cidades. So conceitos fundados no referencialdialtico exposto anteriormente, indispensveis para
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justificar uma postura metodolgica diferenciada deoutras menos comprometidas com a autonomia dascomunidades locais.
O imaginrio e o simblico na organizao social
Estes dois conceitos, tradicionalmente esquecidosnas abordagens mais tradicionais das questes sociais,nos parecem fundamentais para compreender alguns
aspectos da organizao social de base, particularmentequanto percepo dos indivduos sobre seus prpriosvnculos coletivos e seus processos de identificao nacomunidade. Compreende-se que, os comportamentosindividuais e coletivos, e as atitudes tomadas emsituaes determinadas, tm representaes que vo
alm do ato em si, constituindo expresses simblicascom significados prprios ao processo de organizaoem questo. Esses significados no so precisos ecarecem de interpretaes relativamente complexasporque envolvem processos imaginrios que seconstroem por referncias coletivas que aparecem meio
travestidos nas estrias e nos falatrios da comunidade. o imaginrio popular que permeia a organizaosocial nas comunidades, como registro fundamental daconstruo e organizao dos coletivos de base.
Segundo Castoriadis (1985:177),
o imaginrio deve utilizar o simblico no apenaspara seexprimir, o que natural, mas para existir,para passar do virtual a algo mais. O delrio mais
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elaborado, como fantasma mais secreto e omais vago, so feitos de imagens, mas essasimagens esto l como representantes de
outras coisas, tendo, portanto, uma funosimblica...
O simblico , assim, uma funo mais elaboradae que permite ao imaginrio se representarestabelecendo uma linguagem que articula asubjetividade e a objetividade no plano individual esocial. O trabalho com as referncias simblicas daorganizao social se constitui, assim, uma forma deconsiderar a expresso do imaginrio coletivofundamental compreenso dos processos deidentificao em torno de referncias comuns. Somodelos de comportamentos, dolos, mitos, ritos que
representam o que Pichon-Rivire (1988:113) chamoude Ecro Esquema Conceitual e ReferencialOperativo que constituem o fundamento dasorganizaes sociais de base. Registrar, valorizar,analisar e procurar interpretar o repertrio desmbolos de uma comunidade um caminho rico em
significados para a construo de coletivos que, seapropriando de sua histria, podem se lanar naconstruo de sua autonomia e de seudesenvolvimento.
Para realizar este trabalho, fundamental no fundiresses dois conceitos, guardando as diferenas ecomplementaridades, de maneira a que o que explicitado por meio das simbologias organizacionais,
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como representao social, no seja confundido com oimaginrio, minimizando a importncia dos elementosinconscientes neste segundo conceito, cuja riqueza para
o processo organizacional , muitas vezes, maior do queo que consegue ser representado simbolicamente. Semprejuzo das anlises mais objetivas do simblico, oestudo inesgotvel do imaginrio coletivo justifica umesforo sistemtico de reflexo coletiva como prticacomunitria no sentido de resgatar as bases de uma
construo grupal como um processo de anlise doquadro social (com apoio de referncias psicanalticas),buscando outros significados determinantes organizao social de base. Uma espcie de anlisecoletiva, teoricamente sofisticada, mas com uma prticafacilmente apropriada pelas comunidades, como vimos
em alguns grupos de pessoas iletradas, com e sem apoiode facilitadores externos.
preciso, ainda, compreender que essas refernciasimaginrias tm uma influncia fundamental nofuncionamento dos grupos dos quais se esperamposturas construtivas, como nas associaes
comunitrias. Para Bion, citado por Anzieu (1993:25),O comportamento de umgrupo se efetua emdois
nveis, o da tarefa comume o das emoes comuns.O primeiro nvel racional e consciente, ... o xitodesta tarefa depende da anlisecorreta da realidadeexterior correspondente, da distribuio ecoordenao sensatas dos papis no interiordo grupo,da regulao das aespelas pesquisas e das causas
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dos fracassos e sucessos, da articulao dosmeios possveis para as metas, visadas de
forma relativamente homognea pelos
diferentes membros. Trata-se, unicamente,do que Freud chamou de processos psquicossecundrios: percepo, memria, juzo,raciocnio. Eles constituem condiesnecessrias, mas no suficientes. Basta colocar emumgrupo pessoas quese comportamhabitualmente
de forma racional, enquanto esto sozinhas diantede umproblema, para quese tornemdificilmentecapazes de uma conduta racional coletiva. queintervm o segundo nvel, caracterizado pelapredominncia dos processos psquicos primrios.
Emoutras palavras, a cooperao consciente dos
membros do grupo, necessria ao xito de suasempreitadas, requer entre eles uma circulaoemocional efantasmtica inconsciente. Aquela, ora paralisada ora estimulada por esta.
As posturas tcnicas tradicionais, que supem aracionalidade coletiva em processos participativos,
precisam levar em conta essa caracterstica fundamentalda estrutura grupal para compreender e agir sobre asaparentes incoerncias e disfunes que ocorrem naprtica comunitria, freqentemente atravessadas porquestes afetivas, de parentescos e compadrios.
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O conceito de sujeito social
Antes de tudo, preciso compreender que aorganizao social tem uma natureza e uma essnciadiferente dos indivduos que a compem: o grupo uma totalidade (ANZIEU, 1992:36). Dessa forma,o grupo no pode ser compreendido apenas comouma soma dos seus componentes. Os prpriosindivduos, quando esto em um grupo, agemdiferentemente do que agiriam se estivessem isoladosou em outro grupo. Isto significa que, embora oindivduo componha o grupo, ele estabelece umarelao com este, como coletivo, como totalidadediferenciada. Uma relao to importante que capazde condicionar o seu prprio comportamento.
O conceito de sujeito social decorre dessacompreenso do coletivo como uma totalidade, cujaautonomia se constri a partir da capacidade deorganizao, como uma unidade autoconstituda, seexprimindo pelo reconhecimento recproco e porsentimento de incluso, que se caracteriza pelo uso da
primeira pessoa do plural: ns.Segundo Barus-Michel (1987:27),
ao contrrio do sujeito individual, o sujeito socialno se definea partir de umsubstrato orgnico quelhe garantiria a integridade. apenas umaorganizao, uma unidade postulada, construda,quepretende segarantir a si mesma, para estabelecera lei queespecifica o social.
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Para Bauleo, citado por Andrade (1982:164), oconceito de grupos sociais remete a duas instncias:os grupos reais, constitudos por sujeitos reais, por
um lado, e a representao grupal, por outro lado,(...) um modelo ideal, fantasiado ou imaginrio quetem um funcionamento diferenciado dofuncionamento do grupo real.
E a prpria autora completa, confirmando oconceito de sujeito social anunciado acima, que essainstncia constituda pelas projees individuais vaiter uma certa independncia e provocar nos indivduosdeterminados comportamentos (id., ibid.:165).
Essa abordagem da questo organizacional se orientano sentido de compreender o social como uma categoria
diferente e mais complexa que os indivduos que acompem, carregada das intersubjetividades das relaessociais, para alm dos aspectos explcitos dos objetivossociais e funes tcnicas que estruturam as relaesformais. Em outras palavras, para compreender asorganizaes sociais, h que se ir alm dos processos
racionais, procurando uma leitura mais profunda darealidade no simblico e no imaginrio coletivo.
Ohabituse a castrao da autonomia coletiva
A organizao social de uma determinada
sociedade se constri historicamente com base emsistemas funcionais e operacionais relativamente
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estveis, sedimentados pela reproduo sistemtica demodelos que traduzem a ideologia das relaes sociaise modos de produo, socialmente estratificados sob
controle das classes dominantes, em um determinandotempo e espao social.
O conceitohabitus, segundo Barbier (1985:147), nospermite compreender esse processo de construohistrica do social como interiorizao da exterioridadeinstituda e, ao mesmo tempo, indica como essemecanismo se perpetua pela ao e pela organizaoinconsciente dos agentes sociais. Ohabitusse estabelecede maneira sutil como uma cultura dominante que seconstri e que passa de gerao a gerao, sedimentandoa ideologia dominante e construindo, pelo senso comum,uma matriz universal de interpretao da realidade,comprometida com os interesses das classes dominantes.Uma interpretao que assumida como verdade social,porque est interiorizada acriticamente, medida que
justifica e oculta o prprio processo de dominao doqual est a servio.
Nesse sentido, Bourdier & Passeron (1992:37)destacam que
numa formao social determinada, a culturalegtima, isto , a cultura dotada delegitimidadedominante, no outra coisa queo arbtrio culturaldominante, na medida emqueele desconhecido em
sua verdade objetiva dearbitrrio cultural e dearbitrrio cultural dominante.
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Nessa direo, a alienao e a submisso ideologia, cultura e aos interesses das classes dominantes, surgemcomo fenmeno social, que, segundo Castoriadis
(1975:148),a alienao encontra suas condies para
almdo inconscienteindividual e das relaesintersubjetivas que ocorrem no mundo social.
Existe, para alm do discurso do outro,alguma coisa que o carrega de um peso
irremovvel, quelimita e torna quase v todaautonomia individual. O que se manifestacomo massa de condies de privao e deopresso, como estrutura solidificada global,material e institucional, da economia, dopoder e da ideologia, como induo,
mistificao, manipulao e violncia.Esse conceito de habitus fundamental
compreenso dos processos sociais porque aorganizao oethusonde se estabelecem identidades,referncias ideolgicas e culturais, vnculos polticos,profissionais, histrico-existenciais e afetivos. O
habitustem, assim, um carter simultaneamenteideolgico e comportamental (...) e impostosutilmente por meio de processos e prticas que soretidas e transmitidas socialmente, como um modoapropriado de pensar e sentir a respeito do mundoorganizacional (TAVARES, 1991:29).
Em outras palavras, ohabitus o que se retm e sereproduz como prtica comprometida com as foras
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institudas que determinam comportamentoscontrolados pelo senso comum, pela ideologiadominante, onde se estabilizam as estruturas de poder
resistentes mudana e que precisam ser desalojadaspelas foras instituintes mobilizadas pela intervenosociolgica.
Nessa perspectiva, a constituio de sujeitos sociaisautnomos exigiria a superao da conformidadealienada, que se insere nas comunidades como umhabitusarraigado ao cotidiano das comunidades comoparte da natureza das pessoas e dos coletivos. Umasuperao que no pode ser imposta de fora pradentro por uma nova ideologia, mas por um processode reflexo coletiva, centrado sobre os fatos objetivosda vida da comunidade e suas contradieshistoricamente ocultadas pelo senso comum e pelohabitus. O mesmo processo de anlise coletiva a quenos referimos acima.
A organizao como sistema sociomental4
A tradicional segmentao entre o saber sobre asquestes sociais (atribudo s Cincias Polticas eSociais) e o saber sobre o ser humano ( Medicina e Psicologia), parecem estar a servio de interessesprofissionais, mas na prtica servem para escamotear
4) Terminologia usada por Max Pags (1987) para designar o referencial tericocom o qual analisa a dominao e o controle absoluto das empresas hipermodernassobre os seus quadros dirigentes.
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processos de controle e dominao social maisestruturados e pouco questionados. Subverter essadicotomia parece um exerccio interessante para
compreender os processos de dominao social einvestir numa metodologia que facilite a construoda autonomia das organizaes sociais de base, que o objetivo central deste texto.
A leitura institucional das organizaes sociais aque nos referimos algumas pginas atrs (institudo x
instituinte) pode ser associada a uma outra leitura,tambm dialtica do indivduo, permitindo umaanlise articulada e simultnea dos aspectossocioinstitucionais e psicossociais dos processosorganizacionais. Esta leitura articulada d conta, noapenas do carter humano do espao social, mas
permite explicar, concomitantemente, a influncia dosocial sobre os comportamentos humanos.
Nessa perspectiva, considera-se que, para alm doseu substrato fsico, o homem tem uma essnciapsquica por meio da qual constitui as suas refernciassociais. A viso dialtica que Wilhelm Reichdesenvolveu sobre essa essncia psquica (na primeiratpica freudiana), apresenta o Ego como uma snteseda contradio entre o Id e Superego. O Id, comoexpresso da vida, representando as pulsesassociadas ao princpio do prazer. O Superego, comouma instncia conservadora, mobilizando interdies
morais e culpas, e reprimindo o comportamentohumano nos limites socialmente adequados.
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A leitura que se pode fazer a partir das infernciascruzadas entre as estruturas psquicas (Ego, Id eSuperego) e as estruturas institucionais (instituio,
instituinte e institudo), viabiliza uma anlise articuladados processos sociais e dos comportamentoshumanos, explicitando as correspondncias entre opoder das normas sociais institudas e as imposiesdo Superego; entre as insatisfaes do Id e as lutaslibertrias do instituinte; entre as estruturas
organizacionais e as da personalidade.Compreender a articulao entre essas duas dialticas
fundamental para a anlise da articulao e dainterdependncia entre os processos sociais e individuais,particularmente no que diz respeito ao reforo mtuoque esses processos se do, no plano das normas
institudas e das interdies psquicas, conscientes einconscientes. Nessa perspectiva, seria possvelcompreender os processos de resistncia s mudanasque so centrais na organizao social de base, comoresistncia poltica ao deslocamento de interesses e depapis, com rebatimentos nos planos ideolgico e
psicolgico, pela conservao dos valores historicamenteinternalizados a partir da ideologia dominante.
O esquema grfico, apresentado a seguir, podefacilitar a compreenso dessas correspondncias einferir as possibilidades de influncias mtuas entreas estruturas sociais pautadas pelos processos
institucionais e estruturas da personalidade que seconstituem no aparelho psquico.
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Reflexes sobre significados e mtodos
PROCESSO INSTITUCIONAL PROCESSO PSQUICO
tese
sntese
Organizaosocial real
Institudo
Instituinte
Id
Ego
Superego
Segundo Reich (1972:30), o controle do processosocial se estrutura e se fundamenta no aparelhopsquico medida que a inibio sexual altera de talmodo a estrutura do homem economicamenteoprimido que ele passa a agir, sentir e pensar contraseus prprios interesses materiais.
Na mesma linha do pensamento reichiano, possvel compreender o processo de dominao pela
articulao das instncias sociais (variveiseconmicas, polticas e ideolgicas) e individuais(variveis psicolgicas conscientes e inconscientes, ebioenergticas).
Sabe-se que o processo de dominao social, noplano mais restrito das organizaes ou na sociedade,
de um modo geral, se opera nos planos poltico eeconmico, com respaldo ideolgico e comporta-
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mental. No plano ideolgico, os valores dominantesse expressam sob a forma de cultura, de moral e decrenas, assumidos de maneira inconteste como
verdade a ser respeitada, como condio de aceitaoe reconhecimento social. Contest-los tem osignificado objetivo de afrontas sociais, punidas pelaspatrulhas ideolgicas com ameaas de ruptura, demarginalizao e excluso do grupo social. Essaameaa, mesmo quando expressa de forma subjetiva,
no-declarada, resulta em ansiedades e angstias, cujasdefesas inconscientes do forma aos comportamentossociais adequados e constituem a ncora que garantea dominao social fora do controle consciente e da
vontade da pessoa.
nesse processo de estruturao dos comportamen-
tos que se consolidam a cultura e as estruturas institudase se articulam as resistncias s mudanas, garantindoestabilidade aos sistemas sociais (inclusive nas organiza-es). Em outras palavras, poderamos dizer que a esta-bilidade (e, em conseqncia, a estagnao) social se es-trutura em dois processos complementares: o primeiro,
induz comportamentos socialmente adequados s nor-mas sociais; o segundo, cristaliza os fundamentos mo-rais desses comportamentos num universo inconscien-te, inacessvel ao senso comum.
Dessa forma, a resistncia mudana que caracterizao comportamento conservador das maiorias silenciosas,
alm de garantir a estabilidade das estruturas sociais dedominao poltica e econmica, molda e estabiliza
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Reflexes sobre significados e mtodos
comportamentos socialmente adequados, com respaldoem ideologias e culturas socialmente dominantes,ancorados no plano inconsciente, com remota
possibilidade de reverso.A subverso dos modelos socialmente adequados
de comportamento assim vivida pelo homemcomum, que no exerce uma anlise crtica da suarealidade e do seu tempo, com ameaas reais suaprpria integridade psquica, ampliando as ansiedadese as angstias do dia-a-dia, at o limite da ameaainconsciente de destruio das estruturas vigentes edo prprio indivduo. Segundo essa teoria, asresistncias conservadoras do homem comum, as suasdificuldades de enxergar sua prpria realidade e osprocessos de explorao a que est submetido, no
poderiam ser superadas apenas pelo convencimentoracional e pelo envolvimento ideolgico. As razes daestrutura conservadora esto encravadas no planoinconsciente, s acessveis a reflexes mais profundase mais sistemticas, cujo carter determinante paraa definio das metodologias de desenvolvimento
social e de constituio de sujeitos sociais autnomos.
Identidade e identificao nas organizaessociais
A constituio de uma organizao social de base
passa necessariamente por processo de identificaoentre as pessoas e das pessoas com o grupo. Por essa
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razo, importante tecer algumas consideraes sobrea dinmica do sistema sociomental que alimenta esseprocesso. Segundo Castoriadis (1975:303), nos
processos organizacionais a lgica identitriaconstitui uma dimenso essencial e impossvel de sereliminada, no somente da linguagem, mas de toda a
vida e de toda atividade social. Nesse sentido, osgrupos humanos, como as organizaes de base e,em particular, as comunidades locais, constituem
referncias essenciais na formao da identidade socialdos indivduos medida que por meio delas, que seprocessa a insero poltica na defesa de interessescoletivos, no lazer e em todas as atividades onde ohomem se expressa socialmente.
Para melhor compreender as organizaes de base,h que se considerar que a essncia da formao dessaidentidade social se funda numa dialtica de inclusoe