Os Puritanos e o
Cristianismo do Avivamento
Por Iain Murray
Traduzido, Adaptado e
Editado por Silvio Dutra
Dez/2019
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M982 Murray, Iain Os puritanos e o cristianismo do avivamento /
Iain Murray Tradução e adaptação Silvio Dutra Alves – Rio de Janeiro, 2019. 53p.; 14,8 x21cm 1. Teologia. 2. História 3. Igreja I. Título. CDD 252
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Seguindo de perto a Reforma, não surpreende
que o movimento puritano na Inglaterra
acreditasse tão firmemente nos avivamentos da
religião como o grande meio pelo qual a Igreja
avança no mundo. Pois a Reforma foi, por si só,
o maior avivamento desde o Pentecostes - uma
primavera de nova vida para a Igreja em tal
escala que as instâncias registradas na era
apostólica de que três mil foram convertidos em
um dia e de uma grande multidão de pessoas. os
sacerdotes “tornando-se” obedientes à fé não
pareciam mais incrédulos.
A Reforma e, mais ainda, o Puritanismo, foram
considerados sob muitos aspectos, mas tem sido
muitas vezes esquecido que as principais
características desses movimentos, como, por
exemplo, a extensão de sua influência, a posição
singular dada às Escrituras e a transformação no
caráter dos descuidados moralmente, são todos
efeitos do reavivamento. Quando o Espírito
Santo é derramado em um dia de poder, o
resultado deve afetar comunidades inteiras e
até nações. A convicção do pecado, a ansiedade
de possuir a Palavra de Deus e a dependência
daquelas verdades que glorificam a Deus na
salvação do homem são consequências
inevitáveis.
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Hoje, os homens podem se perguntar sobre as
influências que mudaram a direção espiritual
da Inglaterra e da Escócia, tão rapidamente
quatrocentos anos atrás, tornando-as nações
leitoras da Bíblia e testemunhas de um credo tão
pouco lisonjeiro para a natureza humana e
odioso para o orgulho humano.
Inúmeros escritores tentaram explicar os
fenômenos por considerações políticas e
sociais. Eles supunham que o sucesso alcançado
pelos reformadores e puritanos históricos
ocorreu através de uma curiosa combinação de
circunstâncias históricas que não se pode
esperar que aconteça novamente. Para os
cristãos daquela época, no entanto, a explicação
era inteiramente diferente. Eles leram nas
Escrituras que quando o Espírito é derramado
do alto, o deserto se torna um campo frutífero
[Isaías 32:15]. Eles também leram: “Não por
força, nem por poder, mas pelo meu Espírito, diz
o Senhor dos Exércitos” [Zacarias 4: 6], e
atribuíram toda a renovação espiritual de sua
era à misericórdia de Deus.
Assim, na época da Reforma, foi recuperada a
crença no que pode ser chamado de avivamento
do cristianismo, e a atenção que os puritanos
que seguiram deram a essa área da verdade
influenciou profundamente os séculos
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seguintes e deu ao mundo de língua inglesa o
que se pode chamar a escola clássica da crença
protestante no avivamento. De fato, essa
perspectiva tornou-se tão predominante que,
até o século XIX, todos os que escreveram
especificamente sobre o assunto
representavam o ponto de vista puritano. Desses
escritores, os mais notáveis que trataram
longamente o assunto do avivamento foram
Robert Fleming [1630-1694] em O Cumprimento
das Escrituras, Jonathan Edwards [1703-1758]
em várias obras, e John Gillies [1712-1796] em
suas coleções históricas relacionadas a períodos
notáveis do sucesso do evangelho.
O início da Reforma na Inglaterra e na Escócia
foi marcado por uma sede das Escrituras entre o
povo. A versão de Tyndale do Novo Testamento
circulou em ambos os reinos a partir de 1526 e
logo um grupo de pregadores apareceu, a
princípio em número pequeno, cujo ministério
era acompanhado por efeitos que não eram
vistos por muitos séculos. Do reformador
escocês George Wishart, martirizado em 1546,
temos o seguinte relato de sua pregação ao ar
livre: “Ele montou uma cerca de terra e
continuou pregando ao povo por mais de três
horas, e Deus operou tão maravilhosamente por
esse sermão que dos homens mais perversos do
país, o Lord de Sheld, foi convertido por ele, e
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seus olhos correram com tanta abundância de
lágrimas que todos os homens o admiraram.
Cenas como essa logo se tornariam comuns no
reino do norte. Em maio de 1556, John Knox,
dirigindo as manobras das potências católicas
que ainda controlavam o país, pregou por dez
dias consecutivos em Edimburgo. Quando ele
voltou à Escócia novamente, em 1559, o
reavivamento espiritual tornou-se geral. "Deus
multiplicou nosso número", escreveu Knox
sobre o crescimento da causa protestante, "que
parecia que os homens haviam chovido das
nuvens". Em uma carta a um amigo inglês
escrita em 23 de junho de 1559, ele diz: “Agora,
quarenta dias e mais, meu Deus usou minha
língua em meu país natal, para a manifestação
de Sua glória. Tudo o que agora se seguir, ao
tocar minha própria carcaça, Seu santo nome
será louvado. A sede das pessoas pobres, assim
como da nobreza daqui, é maravilhosa,
Olhando para trás neste período glorioso, o
historiador da Igreja Escocesa, Kirkton,
escreveu mais tarde: “A Igreja da Escócia tem
sido singular entre as igrejas. E, primeiro, é de
admirar que, enquanto em outras nações o
Senhor julgasse suficiente condenar alguns em
uma cidade, vila ou família a si mesmo,
deixando a maior parte na escuridão, na
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Escócia, toda a nação foi convertida por
caroço; e dentro de dez anos após a descarga do
papoula na Escócia. não havia nela dez pessoas
de qualidade que não professassem a verdadeira
religião reformada, e assim estava entre os
comuns em proporção. Eis aqui uma nação
nascida em um dia!
Mesmo quando são concedidos subsídios ao
número que foi levado pela persuasão externa, e
não pela convicção espiritual interior, a história
da Reforma Escocesa registra eloquentemente
o vasto sucesso que o Evangelho teve então. Foi
um grande avivamento.
O mesmo vale para a Inglaterra. Apesar das
severas penalidades contra a posse das
Escrituras e contra a pregação não autorizada, a
preocupação espiritual se espalhou
rapidamente nos últimos anos de Henrique
VIII, após o surgimento do Novo Testamento de
Tyndale. Durante o reinado do menino rei,
Edward VI [1547-1553], a pregação pública do
Evangelho por Latimer, Hooper, Bradford e
outros foi assistida com notável sucesso. Uma
entrada nos registros de St. Margaret’s,
Westminster, dá seu próprio testemunho do
modo como as pessoas pressionavam para ouvir
a Palavra de Deus; observa que foram gastos um
xelim e seis centavos, "para consertar bancos de
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bancos quebrados quando o doutor Latimer
pregou". Falando alguns anos depois, John
Jewell escreve assim sobre reuniões ao ar livre
na cidade de Londres: “Às vezes em Paul’ s Cruz
seis mil pessoas estavam sentadas juntas, o que
foi muito doloroso para os papistas. “ Detalhes
como esses mostram que a Reforma Inglesa foi
muito mais do que uma série de Atos
legislativos executados pelas
autoridades. Decisões políticas certamente
entraram, mas a política de queimadas que
reivindicou quase trezentos protestantes no
reinado de Mary Tudor [1553-1558] serviu para
demonstrar que as convicções foram plantadas
em muitos corações que nenhuma força
poderia arrancar. Após a morte de Maria, o
último monarca católico inglês passou de cena
até a restauração de Carlos II em 1660, e dois
anos depois, em 1560, o Parlamento escocês
aboliu formalmente a religião católica na
Escócia.
A tempestade de perseguição que explodiu no
reinado de Maria fez mais do que testar as raízes
da nova fé. Ao levar para o exílio temporário
vários líderes espirituais mais jovens, os
colocou em contato mais próximo com as
igrejas reformadas do continente. A influência
dos dois teólogos continentais, Martin Bucer e
Peter Martyr, já era sentida como ensinaram em
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Cambridge e Oxford, respectivamente, nos dias
de Eduardo VI, mas agora, com uma
congregação de cerca de duzentos exilados
reunidos em Genebra, e todo o peso do
ministério de Calvino - tão poderoso no púlpito
quanto na sala de aula - foi experimentado em
primeira mão. Deste refúgio nos Alpes suíços,
Knox e Christopher Goodman foram para a
Escócia, enquanto os outros retornaram à
Inglaterra após a adesão de Elizabeth I em 1558.
Posteriormente, os dois grupos, "os
Convenants", chamados no norte por causa dos
convênios públicos e nacionais pelos quais
afirmaram sua lealdade comum a Deus, e os
Puritanos, na Inglaterra, desenvolveram-se em
linhas paralelas, como duas correntes
originárias de uma fonte. A fonte não era tanto
Genebra, como a Bíblia que os exilados
recentemente traduziram e emitiram com
muitas notas marginais em 1560. Entre aquela
data e 1644, nada menos que 140 edições da
Bíblia de Genebra seriam publicadas e, como diz
um escritor moderno, “foi lido em todos os lares
presbiterianos e puritanos em ambos os
reinos”. Quando essas duas correntes se
reuniram novamente na convocação da
Assembleia de Westminster, em 1643, sua
unanimidade foi dada expressão inigualável nas
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grandes verdades da religião evangélica
estabelecidas na Confissão de Fé.
O problema que enfrentou os evangélicos inglês
e escocês em 1560 era basicamente o mesmo, a
saber, a necessidade de espalhar o evangelho no
nível da paróquia em países que se tornaram
formalmente protestantes. Na Inglaterra, o
principal obstáculo a esse empreendimento foi
o peso morto da Igreja, que embora "reformada"
pelos Atos do Parlamento permaneceu em
muitas áreas em sua antiga condição espiritual
pré-reforma. No século seguinte, os
“puritanos”, como foram apelidados na década
de 1560, se entregaram ao trabalho de
renovação na Igreja nacional - um trabalho que
foi encerrado pela expulsão da maioria deles
após a aprovação do Ato de Uniformidade em
1662. A era puritana propriamente dita durou
cem anos.
Na Escócia, desde o início, a Igreja da Escócia
estava livre dos emaranhados que o estado
semi-reformado da Igreja causou na
Inglaterra. De uma só vez, o antigo sacerdócio e
a hierarquia episcopal perderam seus lugares,
exceto nas terras altas ainda católicas, e a
liderança da Igreja Reformada estava nas mãos
de Knox [c. 1514-1572] e seus irmãos. Contudo, a
forma presbiteriana de governo da igreja, que os
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libertou da corrupção da prelazia e tornou
possível o exercício de uma disciplina bíblica da
igreja, não teve muito tempo para continuar
desimpedida. James VI, da Escócia, não tinha
mais entusiasmo pela piedade experimental do
que sua mãe, Mary Queen of Scots, que foi
deposta do trono em 1567, e logo se colocou
contra os sucessores de Knox, uma atividade na
qual ele poderia se engajar com mais poder
quando também se tornasse James I, rei da
Inglaterra em 1603. Posteriormente, auxiliado
por bispos dispostos, ele trabalhou para impedir
a independência da Igreja escocesa e suprimir
os puritanos ingleses. Essa foi a política que
levou longamente à Guerra Civil de 1642 e à
derrota de seu filho, Charles I.
Apesar da força exercida contra as causas
puritana e de aliança, ambas prosperaram e isso
porque a maré crescente da vida espiritual não
pôde ser efetivamente combatida. Uma escola
de pregadores surgiu em ambos os domínios,
dos quais se pode dizer verdadeiramente que o
evangelho deles não veio apenas em palavras,
“mas, sobretudo, em poder, no Espírito Santo e
em plena convicção,”. [I Tes. 1: 5].
No sul, a Universidade de Cambridge era o
berçário dessa escola. Thomas Cartwright deu
impulso ao movimento no final da década de
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1560, quando suas pregações na Grande Santa
Maria se tornaram tão populares que "o
sacristão era fraco em segurar as janelas, por
causa das multidões que o ouviam". Cartwright
e outros foram logo depostos por sua ousadia,
mas a palavra de ordem do movimento
continuou sendo: “Ore por reforma pelo poder
da palavra pregada”. A partir de 1570, amigos de
Cartwright, como Richard Rogers, John Dod e
Arthur Hildersham, começaram a colocar isso
em prática no nível da paróquia. Nos trinta anos
seguintes, poucos foram inundados, em parte
pela fundação do Emmanuel College em
Cambridge por Sir Walter Mildmay em 1584.
Perkins, nascido no ano da adesão de Elizabeth,
tornou-se um estudante no Christ”s College,
Cambridge, em 1577, quando não tinha nenhum
interesse espiritual. A grande mudança veio
enquanto ele ainda era um estudante. Aos 24
anos, tornou-se membro de sua faculdade e
mais tarde, por mais de quinze anos, até sua
morte prematura em 1602, pregou na igreja de
St. Andrew, na mesma cidade
universitária. Nessas capacidades, Perkins teve
uma influência enorme. Mesmo em 1613,
quando Thomas Goodwin foi para Cambridge,
ele nos diz que "toda a cidade estava cheia do
discurso do poder do ministério do Sr.
Perkins". "Mestre Perkins", diz Samuel Clarke,
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"exibia uma luz ardente e brilhante, cujas faíscas
voavam para o exterior em todos os cantos do
reino".
Um poder semelhante repousava sobre o
ministério de Laurence Chaderton [1546? -
1640], o primeiro Mestre do Emmanuel College,
uma posição que ele renunciou em favor de
outro puritano, John Preston, em 1622. Por
cinquenta anos, Chaderton também foi
professor em St. Clement’s, Cambridge, e
quando ele proferiu essa acusação em 1618, aos
setenta e dois anos, diz-se que quarenta
ministros imploraram que ele continuasse,
atribuindo sua conversão a ele. Thomas
Goodwin relata as palavras de um amigo de
Cambridge que, falando da convicção do pecado
que acompanhou sua pregação, declarou que
“quando ouviu o Sr. Chaderton pregar o
evangelho, sua apreensão era como se o sol, ou
seja, Jesus Cristo, brilhasse sobre um
monte“. Em uma ocasião em que Chaderton
pregou por duas horas e prometeu parar, ele foi
interrompido por um grito da congregação:
“Por Deus”. Senhor, continue, continue!
No final do século XVI, Cambridge começava a
colher resultados do trabalho realizado pela
primeira geração de puritanos no nível
paroquial. Richard Rogers, por exemplo, que
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trabalhou com muito sucesso em Wethersfield,
Essex, de 1574 a 1618, viu Paul Baynes, um dos ex-
alunos de sua escola paroquial, se tornar o
sucessor de Perkins na conferência na Igreja de
Santo André em 1602. Não desejando ter outro
como Perkins, as autoridades mais tarde
suspenderam Baynes, mas não antes de ele ter
sido um instrumento na conversão de muitos,
incluindo Richard Sibbes, que se tornou um dos
pregadores mais bem-sucedidos da era
puritana. Quando Sibbes foi nomeado professor
em Holy Trinity, Cambridge, em 1610, galerias
adicionais tiveram que ser construídas para
acomodar a congregação lotada. Depois de 1615,
ele era "pregador" na Gray’s Inn, Londres, mas
ele retornou a Cambridge, como mestre do St.
Katherine’s Hall, em 1626 e combinou isso com
seu cargo em Londres até sua morte em 1635.
Um dos companheiros do St. Katherine’s Hall
nesse período foi Thomas Goodwin, que em um
sermão pregado naquele momento refletia
assim na grande obra de Deus em Cambridge:
“Se em qualquer época ou em qualquer costa
tem ou já teve maré cheia, está agora na
Inglaterra... E este evangelho fez deste reino e
desta cidade uma "coroa de glória na mão do
Senhor"; e "a glória de toda a terra", como é
chamada Jerusalém.”
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É quando olhamos para algumas das colheitas
produzidas nesta escola de pregadores em
Cambridge que a era puritana como uma era de
avivamentos se revela. Aqui podemos apenas
fazer uma pausa para dar alguns exemplos
ilustrativos.
William Gouge [1575-1653], um estudante em
Cambridge nos dias de Perkins, tornou-se
ministro da igreja em Black-Friars, Londres, em
1608; aqui ele permaneceu por quarenta e cinco
anos e seis meses. Sua prática geral era pregar
duas vezes no domingo e uma vez toda quarta-
feira a uma igreja lotada. Seus sermões
expositivos sobre Hebreus somavam mais de
mil, uma obra que economizou meio capítulo
que ele havia concluído para publicação na
época de sua morte. Deste homem que lemos,
Deus fez dele um pai envelhecido em
Cristo... pois milhares foram convertidos e
edificados pelo seu ministério“. Seu filho,
Thomas Gouge, o seguiu no ministério e, após
sua expulsão em 1662, fez muito para
estabelecer o evangelho no Principado de Gales.
Samuel Fairclough [1594-1677] deixou
Cambridge em 1623 para Barnardiston em East
Anglia. Dois anos depois, ele se mudou para
Kedington, a dezessete milhas de Cambridge,
onde permaneceu até a Grande Ejeção. Na
16
época de seu assentamento, o lugar era
caracterizado por palavrões e ignorância, mas
"quando ele esteve lá em algum momento tão
grande foi a alteração que não havia uma família
em vinte, que não professou a piedade". Muitos
viajavam de Cambridge para ouvir a "palestra"
de Fairclough na quinta-feira e pouco depois
foram esquecidos os dias de bênção espiritual. A
Igreja de Kedington, Samuel Clarke nos diz,
estava "tão lotada que [apesar de uma vila ser
muito grande e espaçosa ainda] não havia como
entrar, a não ser por algumas horas antes do
início do culto.”
É claro que cenas como essa estavam longe de
serem raras em East Anglia na primeira metade
do século XVII. O pai de Samuel Fairclough,
Lawrence Fairclough, tinha visto prosperidade
espiritual em seu ministério em Haverhill,
Suffolk, antes de sua morte em 1603. O sucessor
de seu trabalho em Haverhill foi um dos mais
“despertadores” de todos os pregadores
puritanos e aquele cujo ministério era com um
poder que ainda estava sendo falado em meados
do século XVIII. Era John Rogers, sobrinho de
Richard Rogers de Wethersfield, por cujo apoio
financeiro ele estudou em Emmanuel de 1588 a
1592. Em 1605, ele foi chamado de Haverhill para
ser “conferencista” no belo vale de
Dedham, mais tarde conhecido em todo o
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mundo pelas pinturas de John Constable, mas
famoso no século XVII pela grande colheita
espiritual que ocorreu sob o ministério de
Rogers. "Vamos a Dedham pegar um pouco de
fogo" tornou-se um ditado comum entre seus
contemporâneos.
Quem foi Thomas Goodwin, enquanto
estudante em Cambridge, e muitos anos depois,
quando ele era Dr. Goodwin e Presidente do
Magdalen College, Oxford, relatou sua memória
a John Howe. Howe registrou o seguinte: “Ele
me disse que, sendo ele mesmo, na juventude,
um estudante em Cambridge, e tendo ouvido
muito do Sr. Rogers de Dedham, em Essex,
propositadamente, viajou de Cambridge a
Dedham para ouvi-lo pregar no dia da palestra. E
nesse sermão, ele cai em uma exposição com as
pessoas sobre a negligência da Bíblia [receio que
seja mais negligenciada em nossos dias]; ele
personifica Deus para o povo, dizendo-lhes:
"Bem, confiei em você por tanto tempo com a
minha Bíblia; você a desprezou; ela fica em tais e
tais casas, todas cobertas de poeira e teias de
aranha. Você se importa em não olhar para ela.
Você usa minha Bíblia assim? Bem, você não
terá mais a minha Bíblia ". E ele pega a Bíblia da
sua almofada e parecia que estava indo embora
com ela, e carregando-a deles; mas
imediatamente se vira novamente e personifica
18
o povo para Deus, cai ajoelhado, clama e implora
com sinceridade: "Senhor, tira tudo o que nos
custe, não tira a tua Bíblia de nós; mate nossos
filhos, queime nossas casas, destrua nossos
bens; só nos poupe da sua Bíblia, só não tire a sua
Bíblia". E então ele personifica Deus novamente
para o povo: "Diz isso? Bem, vou tentar um pouco
mais; e aqui está a minha Bíblia para você, vou
ver como você a usará, se você a amará mais, se
você a valorizará mais, se você a observará mais,
se a praticará mais e se viverá mais de acordo
com isto". Mas, por essas ações [como o médico
me disse], ele colocou toda a congregação em
uma postura tão estranha que ele nunca viu
nenhuma congregação em sua vida. O lugar era
um mero Boquim, o povo geralmente [como se
fosse] inundado com suas próprias lágrimas; e
ele me disse que ele mesmo, quando saísse, e
que iria voltar a andar a cavalo, era fraco para
pendurar um quarto de hora no pescoço do
cavalo, chorando, antes que ele tivesse poder de
montar, uma impressão tão estranha. estava lá
sobre ele, e geralmente sobre o povo, depois de
ter sido exposto pela negligência da Bíblia.”
Outra testemunha ocular do ministério de John
Rogers foi John Angier, que estava sob sua
supervisão por um período enquanto
completava sua preparação para o
ministério. ”Sr. Rogers, diz Angier, era um
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prodígio de zelo e sucesso em seus trabalhos
ministeriais e lembrou como um senso da
grandeza das questões eternas às vezes
superava a igreja lotada em Dedham; Numa
dessas ocasiões, Rogers segurou os suportes do
dossel sobre o púlpito com as duas mãos
“rugindo horrivelmente para representar os
tormentos dos condenados”. Em outro
momento, quando Rogers estava prestando um
culto de casamento, ele pregou sobre a
necessidade da roupa do casamento: “Deus
tornou a palavra tão eficaz que a solenidade do
casamento se transformou em amargo luto.”
Quando o "Grande Despertamento" começou
nos Estados Unidos em 1740 e seus críticos se
queixaram da novidade dos sinais exteriores de
tristeza e convicção a serem testemunhados em
muitas congregações, o velho Timothy Edwards
lembrou-os de quão comum isso havia sido nos
dias de John Rogers.
Vamos nos contentar com mais um exemplo da
extraordinária medida do Espírito Santo que
repousou sobre muitas pregações na Inglaterra
no período puritano. Desta vez, podemos citar
uma das poucas narrativas ministeriais pessoais
que sobreviveram a trezentos anos atrás, a
Autobiografia de Richard Baxter. Baxter nasceu
e passou sua juventude em Shropshire, uma
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parte da Inglaterra comparativamente pouco
influenciada pelo movimento puritano. Na
infância, ele ouviu a palavra “Puritano” apenas
como um desprezo em sua vizinhança, onde os
moradores passaram o domingo, exceto pelo
breve período em que a oração comum foi lida
“dançando sob um poste de maio e uma grande
árvore, não muito longe da porta do meu
pai“. Os livros, no entanto, penetraram onde não
havia pregador digno. Por volta dos quinze anos,
Baxter foi acordado e foi embora. Muitos dias
com uma consciência latejante “através da
leitura da Resolução de Edmund Bunny. Outro
livro, obtido de um viajante, resolveu esse
estado de tristeza: foi Richard Sibbes “Bruised
Reed”, que abriu mais o Amor de Deus para mim
e me deu uma apreensão mais viva do Mistério
da Redenção, e da minha dívida com Jesus
Cristo“.
A teologia de Baxter nunca alcançou a
maturidade bíblica completa da escola de
Sibbes e Perkins, em parte, talvez, porque ele
não compartilhou as oportunidades que muitos
tiveram que treinar em Cambridge nesses
anos. No entanto, como um pregador que
despertava a consciência, com ênfase constante
na necessidade de piedade pessoal, Baxter
alcançou a primeira posição entre os puritanos
posteriores. Seu ministério mais memorável foi
21
exercido em Kidderminster, Worcestershire,
primeiro por dois anos antes da Guerra Civil de
1642-6; depois, retomando no final da década de
1640, quando a paz foi novamente restaurada, e
até 1660. Olhando para a grande mudança
ocorrida em Kidderminster, Baxter escreveu
sobre o ano de 1666: “Quando cheguei lá
primeiro, havia cerca de uma família em uma
rua que adorava a Deus e invocava seu nome, e
quando eu vim embora, havia algumas ruas
onde não havia uma família no lado de uma rua
que não o fazia; e isso, ao professar piedade
séria, nos deu esperanças de sinceridade... E
Deus também ficou satisfeito em me dar
incentivo abundante nas palestras que eu
preguei no exterior em outros lugares; como em
Worcester, Cleobury, etc., mas especialmente
em Dudley e Sheffnal; no primeiro dos quais
[sendo o primeiro lugar em que eu preguei], os
pobres Nailers e outros trabalhadores não
apenas aglomerariam a Igreja mais cheia do que
jamais vi em Londres, mas também se
pendurariam nas janelas e nas pistas
externas... para que eu deva aqui, para louvor do
meu querido Redentor, estabelecer esse pilar de
lembrança, mesmo para o louvor de Deus que
me empregou tantos anos em uma obra tão
confortável, com um sucesso tão encorajador!“
22
Baxter continua a escrever sobre o sucesso
espiritual geral que marcou o período da
Commonwealth e refuta os desdém daqueles na
época de Carlos II, que atribuíram a “piedade”
da era anterior ao lucro material que os homens
obtiveram por sua hipocrisia:
“Sei que, nesses tempos, você pode encontrar
homens que afirmam com confiança que toda a
religião foi pisada, e que a heresia e o cisma
eram a única piedade; mas aviso a todas as
idades que eles prestem atenção em como
acreditam... Devo prestar este fiel testemunho
daqueles tempos, que até onde eu conhecia,
onde antes havia um pregador lucrativo e
piedoso, havia então seis ou dez; e, tomando um
lugar com o outro, suponho que haja um
aumento proporcional de pessoas
verdadeiramente piedosas, sem contar hereges,
rebeldes perversos ou perturbadores da igreja
como tais: Mas esse aumento da piedade não era
em todos os lugares da mesma maneira: pois em
alguns lugares onde os ministros eram formais,
ou ignorantes, ou fracos e imprudentes,
contenciosos ou negligentes; as paróquias eram
tão duras quanto antes. E em alguns lugares,
onde os ministros tiveram excelentes partes, e
vidas santas, e sedentas pelo bem das almas, e se
devotaram totalmente, seu tempo, força e
propriedades, e não pensaram em dores ou alto
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custo; a abundância foi convertida em séria
piedade. E com os de um estado intermediário,
geralmente eles tinham uma medida
intermediária de sucesso. E devo acrescentar
isso às verdadeiras informações da posteridade,
que Deus abençoou maravilhosamente os
trabalhos de seus ministros fiéis unânimes, que
não foram para a facção dos Prelatistas de um
lado que atraíram homens e as facções dos
sectários vertiginosos e turbulentos do outro
lado, [que derrubaram todo o governo,
entristeceram os ministros e quebraram tudo
em confusão, e trouxeram o povo à sua volta o
juízo final, sem saber de que religião deve
ser]; juntamente com alguma preguiça e
egoísmo em muitos ministérios, eu digo.”
O testemunho de Philip Henry [1631-1696]
também pode ser citado em relação à
prevalência da religião evangélica no período da
Commonwealth. Henry foi para Christ Church,
Oxford, em 1647, e poucos anos depois que
Thomas Goodwin se tornou presidente do
Magdalen College e John Owen, reitor da Christ
Church, a Universidade desfrutou de um
período de vida espiritual comparável ao
conhecido em Cambridge anteriormente.
Outras pessoas que estudavam ou lecionavam
na Universidade incluem Joseph Alleine, John
Howe e Stephen Charnock. Mais tarde, no
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século XVII, quando a praga espiritual que
acompanhou a Restauração fez seu trabalho, o
elegante Espectador desviou seus leitores com
uma história de como Goodwin examinava os
candidatos em Magdalen não tanto em latim e
grego quanto no estado de suas almas. O exame
de um menino medroso, criado por pais
honestos, foi resumido em uma pergunta curta,
a saber, se ele estava preparado para a
morte? Por mais ridículo que isso possa parecer
para os leitores do Espectador, mas Matthew
Henry aprendeu de maneira diferente no
Oxford daqueles dias:
Ele costumava mencionar isso com gratidão a
Deus, que grande ajuda e vantagens ele tinha na
Universidade, não apenas pelo aprendizado,
mas pela religião e piedade. A piedade séria
estava na reputação e, além das oportunidades
públicas que eles tinham, havia muitos
estudiosos que costumavam se reunir para orar
e fazer conferências cristãs, para a grande
confirmação do coração um do outro no temor
e no amor de Deus, e preparando-os para o
serviço da igreja em sua geração. Eu o ouvi falar
do método prudente que eles usaram sobre os
sermões da Universidade no dia do Senhor à
tarde; que costumava ser pregado pelos
bolsistas de faculdades em seu curso; mas, não
sendo encontrado tanto para edificação, o Dr.
25
Owen e o Dr. Goodwin prestaram esse serviço
alternadamente.
Philip Henry passou os primeiros oito anos de
seu ministério em Worthenbury, em Flintshire,
e depois em Broad Oak, Flintshire, até sua morte
em 1696. Naqueles anos posteriores, o grande
benefício que a Inglaterra desfrutava
anteriormente se tornou mais aparente. ”Ele
dizia algumas vezes”, escreve seu filho, “que
durante aqueles anos entre quarenta e sessenta
[1640-1660], embora em contas civis houvesse
grandes desordens, e "as fundações estavam
fora de curso", no entanto, assuntos da adoração
de Deus, as coisas correram bem; havia
liberdade e reforma, e uma face de piedade
estava sobre a nação, embora houvesse aqueles
que faziam apenas uma máscara dela. As
ordenanças foram administradas em poder e
pureza; e, embora houvesse muita coisa errada,
ainda assim a religião, pelo menos na profissão
dela, prevaleceu. Isto, diz ele, sabemos bem.
26
NOTA DO TRADUTOR:
É somente pelo convencimento e instrução do
Espírito Santo que podemos compreender
adequadamente qual seja o significado do
pecado.
Sem esta operação do Espírito Santo, ou quando
ainda nos encontramos a caminho de ser
melhor esclarecidos por Ele, é muito comum
até mesmo negar-se a existência do pecado, ou
classificá-lo das mais variadas formas possíveis
que em pouco ou nada correspondem ao seu
verdadeiro e pleno significado.
De modo que quando se diz que Jesus carregou
sobre si os nossos pecados (I Pedro 2.24) e que
Ele se manifestou para tirar o pecado, não é dada
a devida importância a este maravilhoso fato,
que é a resposta à única e principal necessidade
do ser humano relativa à vida, pois sem a
solução do problema do pecado que a todos
atinge, não é possível ter a vida eterna de Deus.
Então, não se deve pensar em Jesus em alguém
que veio ao mundo para que pudéssemos errar
menos, ou ainda que melhorássemos nossas
ações morais, pois a obra de expiação e remoção
do pecado está relacionada a uma questão de
27
vida, caso concluída, ou de morte eterna, em
caso contrário.
Então é preciso saber qual é a origem e a
natureza do pecado e a sua forma de agir na
humanidade para que o vencendo possamos
atingir ao propósito de Deus na nossa criação e
viver de modo agradável a Ele.
Ora, se o pecado é o que se opõe à possibilidade
de se ter vida eterna, então, necessitamos
refletir mais cuidadosamente sobre a relação
que há entre pecado e morte, e santidade e vida.
Então, é muito importante que tenhamos uma
compreensão adequada do significado de vida
eterna, para que não nos enganemos quanto a se
temos alcançado ou não o propósito de Deus
quanto a isto.
Antes de tudo, vida em seu sentido geral é muito
mais do que simples existência, porque os
corpos inanimados existem e no entanto, não
possuem vida.
Ainda que alguns seres espirituais existam
eternamente, pois espíritos não podem ser
aniquilados, todavia não se pode dizer deles que
possuem vida eterna, e a par da existência
consciente deles são classificados como mortos
espiritual e eternamente, tal é o caso de Satanás,
dos demônios e de todos os seres humanos que
28
morreram sob a condenação do pecado, estando
desligados de Deus.
Deus é a fonte e o padrão da verdadeira vida.
É pelo que existe em sua natureza, portanto, que
se define o que é e o que não é participante da
vida eterna.
A vida eterna é perfeita e completa em Deus,
mas nas criaturas (anjos eleitos e santos) que
alcançam a participação nesta vida, estão
sujeitos a crescimento na mesma rumo à
perfeição divina, que sendo infinita, será para
eles sempre um alvo a ser buscado.
Daí se dizer que quando alguém nasce de novo
do Espírito Santo, que ele é um bebê espiritual
em Cristo. Ele deve crescer na graça e no
conhecimento do Senhor, e isto será feito neles
pela operação do Espírito Santo, até contemplar
neles a maturidade espiritual que é chamada de
perfeição, mas não sendo ainda aquela
perfeição total como ela se encontra somente
em Deus.
Não devemos ficar, portanto, satisfeitos
somente com a conversão inicial a Cristo, pela
qual fomos tornados filhos de Deus e novas
criaturas, mas devemos prosseguir em busca
daquela santificação que nos tornará cada vez
mais à imagem e semelhança de Jesus.
29
O grande indicador do progresso neste
crescimento na vida eterna, é o de aumento de
graus em santificação. Este aperfeiçoamento
em santificação é a vontade de Deus quanto ao
seu propósito em nos ter tornado seus filhos. (I
Tessalonicenses 4.3, 5.23).
Esta é a vida em abundância que Jesus veio dar
àqueles que se tornariam filhos de Deus por
meio da fé nele.
Podemos entender melhor isto quando fazemos
um contraste com o pecado, pois se o pecado é o
que produz morte, a santidade é o que produz
vida.
Concluímos que somente aqueles que forem
santificados têm acesso à vida eterna. Daí se
dizer que sem santificação ninguém verá o
Senhor.
É fácil entendermos esta verdade quando
refletimos que de fato não se pode dizer que há
a vida de Deus onde domina o orgulho, a
impureza, a malícia, a cobiça, o adultério, o ódio,
o roubo, a corrupção, a inveja, e todas as obras
da carne que operam segundo o pecado.
Mas, onde o que prevalece é a fé, a humildade, o
amor, a bondade, a misericórdia, a
30
longanimidade, a reverência, o louvor, a
adoração ao Senhor, a obediência aos Seus
mandamentos e tudo o mais que compõe o fruto
do Espírito Santo, pode-se dizer que temos em
tudo isto indícios ou evidências onde há vida
eterna.
Os que afirmam andar na luz e pertencerem a
Jesus, quando na verdade caminham nas trevas,
são chamados pelo apóstolo João de mentirosos,
e que não têm de fato a vida eterna que eles
alegam possuir, porque onde ela foi semeada
por Jesus, não produz os frutos venenosos do
pecado e da justiça própria, senão os que são
provenientes da santidade e da justiça de Jesus
atuando em nós.
Como o conhecimento verdadeiro de Deus,
consiste em termos um conhecimento pessoal
de Seu caráter, virtude, obras e atributos, e isto,
por uma revelação que recebamos da parte dEle
em Espírito, e para tanto temos recebido o dom
da fé, então, não somos apenas justificados por
este conhecimento, como também acessamos à
vida eterna, alcançando que sejam implantadas
em nós as mesmas virtudes e caráter de Cristo.
É este conhecimento real, espiritual e pessoal
de quem seja de fato Deus, o que promove a
nossa santificação e aumentos em graus na
31
posse da vida eterna, ou melhor dizendo, para
que a vida eterna se aposse em maiores graus de
nós.
Quando nos falta este viver piedoso na verdade,
ainda que sejamos crentes, Deus nos vê como
mortos e não como vivos, e por isso somos
chamados ao arrependimento e à prática das
primeiras obras, para que tenhamos o
necessário reavivamento espiritual. (Apocalipse
3.1-3,17-19).
Enganam-se todos aqueles que por julgarem
estarem cheios de energia, e envolvidos na
realização de muitas obras, que isto é um sinal
evidente de vida abundante neles, quando toda
esta energia é carnal e não acompanhada por
um viver realmente piedoso que seja operado
neles pelo Espírito Santo, pela aplicação da
Palavra de Deus às suas vidas.
É na medida em que as obras da carne são
mortificadas que mais se manifesta em nós a
vida eterna que há em Cristo.
Se não houver a crucificação do ego carnal, a
mortificação do pecado, a vida ressurreta de
Cristo não se manifestará.
32
A verdadeira santidade que conduz à vida é
dependente das operações sobrenaturais do
Espírito Santo, mediante a obra realizada por
Jesus Cristo em nosso favor. A mera prática da
moralidade não pode produzir esta santidade
necessária à vida eterna. A simples religiosidade
carnal na busca de cumprimento dos
mandamentos de Deus, segundo a nossa própria
justiça, também não pode produzir esta
santidade. O jovem rico enganou-se quanto a
isto, e por não se sujeitar à justiça que vem de
Cristo, não alcançou a vida eterna.
Há necessidade de convencimento do pecado
pelo Espírito Santo, de que Ele nos convença de
nossa completa miserabilidade diante de Deus,
e de nossa total dependência da sua
misericórdia, graça e bondade, para que nos
salve, mediante a confiança que temos colocado
em Jesus e na obra que Ele realizou em nosso
favor. Sem isto, não pode haver salvação, e por
conseguinte vida eterna, porque Deus não pode
operar santidade em um coração que se rebela
contra Ele e Sua vontade.
Deus não contempla nossos meros desejos e
palavras. Ele olha o nosso coração. Ele opera
somente segundo a verdade, e não segundo
nossas emoções, sentimentos, vontades, pois
podem não estar conformados à verdade da Sua
33
Palavra revelada na Bíblia, e assim não podendo
chegar a um verdadeiro arrependimento, torna-
se impossível sermos contemplados com uma
salvação cujo fim é a nossa santificação.
Para o nosso presente propósito, não basta ir ao
relato de como o pecado entrou no mundo
através do primeiro casal criado, atendo-nos
apenas aos fatos relacionados à narrativa da
Queda, sobretudo quanto à maneira desta
entrada mediante tentação vindo do exterior da
parte de Satanás sobre a mulher. É preciso
entender o mecanismo de operação desta
tentação naquela ocasião, uma vez que ela
ocorreu quando a mulher era inocente, não
conhecia nem bem e nem mal, não sendo
portanto ainda uma pecadora, e no entanto, pela
tentação, teve o desejo de praticar algo que lhe
havia sido proibido por Deus.
Poderia este desejo, sem a consumação do ato,
ser considerado como sendo a própria entrada
do pecado? Em caso contrário, o que seria
necessário haver também para que assim fosse
considerado?
Por que desde aquele primeiro pecado, toda a
descendência de Adão ficou encerrada no
pecado? Por que o pecado permanece ligado à
34
natureza dos próprios crentes, mesmo depois da
conversão deles?
Por que o pecado desagrada tanto a Deus que
como consequência produz a morte?
Estas e outras perguntas, procuraremos
responder nas linhas a seguir.
Antes de apresentar qualquer consideração
específica ao caso, é importante destacar que o
único ser que possui vontade absoluta, gerada
em si mesmo, e sempre perfeita e aprovada, é
Deus, cuja vontade é o modelo de toda vontade
também aprovada. Esta é a razão de Ele não
poder ser tentado ao mal, e a ninguém tentar.
Sua vontade é santíssima e perfeitamente justa.
Mas no caso dos homens e até mesmo dos anjos,
cuja vontade é a de uma criatura, sendo dotados
de vontade livre, estão contingenciados a
submeterem suas vontades à de Deus naqueles
pontos em que o exercício da própria vontade
deles colidisse com esta vontade divina. Eles são
livres para pensar, imaginar, agir, criar, mas
tudo dentro de uma esfera que não ultrapasse os
limites que lhes são determinados por Deus,
quer na lei natural impressa em suas
consciências, quer na lei moral revelada em Sua
Palavra, a qual é também impressa nas mentes e
corações dos crentes.
35
Temos assim, desde o início da criação, um
campo aberto para um possível conflito de
vontades. Deus por um lado agindo pelo Espírito
Santo buscando nos mover à negação do ego
para fazer não a nossa, mas a Sua vontade, e o
nosso ego querendo fazer algo que possa ser
eventualmente diferente daquilo que Deus
determina para que façamos ou deixemos de
fazer.
Neste ponto, podemos entender que a proposta
de Satanás para Eva no paraíso, buscava
estimular e despertar desejos e sentimentos em
Eva para que a sua vontade fosse conduzida pela
do diabo, e não pela de Deus.
Se ao sentir-se inclinada à desobediência ela
tivesse recorrido à graça divina, clamando por
ajuda para rejeitar a tentação e permanecer
obediente, a fé teria triunfado em sua confiança
no Senhor e sujeição a ele, e em vez de um ato
pecaminoso, haveria um motivo para Deus ser
glorificado. E isto ocorreria todas as vezes em
que ao ser tentado a fazer algo diferente do que
havia sido determinado por Deus, o homem
escolhesse obedecer à Sua Palavra, e não aos
desejos criados em seus pensamentos e
imaginação.
36
Podemos tirar assim a primeira grande
conclusão em ralação ao que seja o pecado, de
que não se trata de algo corpóreo, ainda que
invisível, com existência própria e poder
inteligente para nos influenciar, mas é algo
decorrente de nossas próprias inclinações,
desejos e más escolhas, especialmente quando
não nos permitimos ser dirigidos e instruídos
por Deus, e não nos exercitamos em sujeitar
todas as nossas faculdades a Ele para agir
conforme a Sua santa, boa, perfeita e agradável
vontade.
É pelo desconhecimento desta verdade que
muitos crentes caminham de forma
desordenada, uma vez que tendo aprendido que
a aliança da graça foi feita entre Deus Pai e Deus
Filho, e que são salvos exclusivamente por meio
da fé, que então não importa como vivam uma
vez que já se encontram salvos das
consequências mortais do pecado.
Ainda que isto seja verdadeiro, é apenas uma
das faces da moeda da salvação, que nos
trazendo justificação e regeneração
instantaneamente pela graça, mediante a fé, no
momento mesmo da nossa conversão inicial,
todavia, possui uma outra face que é a relativa ao
propósito da nossa justificação e regeneração, a
saber, para sermos santificados pelo Espírito
37
Santo, mediante implantação da Palavra em
nosso caráter. Isto tem a ver com a mortificação
diária do pecado, e o despojamento do velho
homem, por um andar no Espírito, pois de outra
forma, não é possível que Deus seja glorificado
através de nós e por nós. Não há vida cristã
vitoriosa sem santificação, uma vez que Cristo
nos foi dado para o propósito mesmo de se
vencer o pecado, por meio de um viver
santificado.
O homem, tendo sido criado em um estado tão
santo e glorioso, foi colocado no Paraíso, que era
sua residência.
No meio deste Jardim do Éden estava a árvore da
vida, que não consideramos pertencer a uma
certa espécie, mas era uma árvore singular na
natureza. “E do chão fez o Senhor Deus crescer
todas as árvores ... a árvore da vida também no
meio do jardim ”(Gênesis 2: 9). Portanto, essa
árvore não foi encontrada em outros locais.
No Paraíso, havia também a árvore do
conhecimento do bem e do mal. “Mas da árvore
do conhecimento do bem e do mal, dela não
comerás” (Gn 2:17; 3: 3). Como lá havia apenas
uma árvore da vida; portanto, havia apenas uma
árvore do conhecimento do bem e do mal. Não
se afirma que isto se refere ao tipo de árvore,
38
mas ao número. É simplesmente referido como
"a árvore". A razão para esse nome pode ser
deduzido do próprio nome.
(1) Era uma árvore probatória pela qual Deus
desejava provar ao homem se ele perseveraria
em fazer o bem ou se ele cairia no mal, como se
encontra em 2 Crônicas 32:31: “... Deus o deixou,
para julgá-lo, para que ele pudesse saber tudo
que estava em seu coração."
(2) O homem, ao comer desta árvore, saberia em
que condição pecaminosa e triste ele tinha
trazido a si mesmo.
O Senhor colocou Adão e Eva neste jardim para
cultivá-lo e guardá-lo (Gn 2:15).
O sábado era a exceção, pois então ele era
obrigado a descansar e a se abster de trabalhar
de acordo com o exemplo que seu Criador lhe
dera e ordenara que ele imitasse.
Assim, Adão tinha todas as coisas em perfeição
e para deleite do corpo e da alma. Se ele tivesse
perseverado perfeitamente durante seu período
de estágio, ele, sem ver nenhuma morte, teria
sido conduzido ao terceiro céu, para a glória
eterna. Embora o corpo tivesse sido construído
a partir de elementos materiais, sua condição
39
era tal que era capaz de estar em união essencial
com a alma imortal e capaz de existir sem nunca
estar sujeito a doença ou morte.
Se ele não tivesse pecado, o homem não teria
morrido, mas teria subido ao céu com corpo e
alma. Isso pode ser facilmente deduzido do fato
de que Enoque, mesmo depois da entrada do
pecado no mundo, foi arrebatado ao terceiro
céu, sem passar pela morte, em razão de ter
andado com Deus.
Sendo este o desígnio de Deus na criação do
homem, a saber, que ele andasse em santidade
de vida na Sua presença, então não é difícil
concluir quão enganados se encontram aqueles
que apesar de terem muita prosperidade
material e facilidades no mundo, e que todavia
não estão santificados pela Palavra de Deus,
aplicada pelo Espírito Santo, em razão da fé em
Jesus, e que os tais encontram-se mortos à vista
de Deus em delitos e pecados, permanecendo
debaixo de uma maldição e condenação eternas,
enquanto permanecerem na citada condição
sem arrependimento e conversão.
Aqui percebemos a natureza abominável do
pecado, enquanto o homem, sendo dotado de
faculdades tão excelentes para estar unido ao
40
Seu Criador com tantos laços de amor, partiu
dEle, e O desprezou e O rejeitou.
Ele agiu para que o Criador não o dominasse,
mas que pudesse ser seu próprio senhor e viver
de acordo com a sua própria vontade.
Aqui brilha a incompreensível bondade e
sabedoria de Deus, na medida em que reconcilia
tais seres humanos maus consigo mesmo
novamente através do Mediador Jesus
Cristo. Ele fez com que este mediador viesse de
Adão como santo, tendo a mesma natureza que
pecara, para suportar a punição do pecado do
próprio homem e, assim, cumprir toda a
justiça. Tais seres humanos, Ele novamente
adota como Seus filhos e toma para Si em
felicidade eterna. A Ele seja dado eterno louvor
e honra por isso. Amém.
Eva foi seduzida a comer da árvore do
conhecimento do bem e do mal. Ela não foi
coagida, mas o fez por vontade própria.
Além disso, Adão não foi o primeiro a ser
enganado, nem foi enganado pela serpente, mas
como o apóstolo declara em 1 Tim 2:14, por uma
Eva enganada - e, portanto, subsequente a
ela. Estou convencido de que, se Adão
permanecesse de pé, Eva teria suportado o
41
castigo sozinha. Como Adão também pecou, no
entanto, toda a natureza humana, toda a raça
humana, tornou-se culpada, como Paulo disse:
"Portanto, como por um homem o pecado
entrou no mundo ..." (Romanos 5:12). Ele não
apenas se refere ao pecado de Eva, mas ao
pecado de toda a raça humana, que é total e
inteiramente encerrada em Adão e Eva, que
eram um em virtude de seu casamento. Em vez
disso, ele se refere especificamente ao pecado
de Adão, que foi o primeiro homem, a primeira
e única fonte, tanto de Eva como de toda a raça
humana.
Entenda-se este ato de ter sido encerrado por
Deus no pecado, não como se Deus tivesse feito
a cada um de nós pecadores, ou então que
tivesse transferido para nós o pecado praticado
por Adão, mas como a consideração e
imputação de culpa a toda a humanidade, e
sujeição à maldição da condenação pela morte,
uma vez que não haveria quem não pecasse, já
que o homem revelou desde Adão que de um
modo ou de outro faria um uso indevido de sua
vontade, opondo-se a Deus. Pois sem a
concessão da Graça de Deus é impossível que o
homem possa vencer o pecado. E a Graça para
tal propósito somente é concedida aos que
creem em Jesus.
42
O pecado inicial não pode ser encontrado no ato
externo, nas emoções, afetos e inclinações, nem
na vontade. Em uma natureza perfeita, vontade
e emoções estão sujeitos ao intelecto, pois não
precedem o intelecto em sua função, mas são
uma consequência do mesmo.
O pecado inicial deve ser buscado no intelecto,
que por meio de raciocínio enganoso foi levado
a concluir que eles não morreriam e que havia
um poder inerente àquela árvore para torná-los
sábios, uma sabedoria que eles poderiam
desejar sem serem culpados de pecado. Essa
árvore tinha o nome de conhecimento, que era
desejável para eles. Mas também trazia o nome
de bem e mal, mesmo que estivesse escondido
deles quanto ao que era compreendido na
palavra mal. A serpente usa esse nome como se
grandes questões estivessem ocultas nessas
palavras. Como o intelecto se concentrou mais
na conveniência de se tornar sábio quanto a
árvore pela qual, como meio ou causa, essa
sabedoria poderia ser transmitida a eles, a
intensa e viva consciência da proibição de não
comer e da ameaça de morte tendem a
diminuir. A faculdade de julgamento, sugerindo
que seria desejável comer dessa árvore,
despertou a inclinação de adquirir sabedoria
dessa maneira. Além disso, havia o fato de que
43
“... a mulher viu que a árvore era boa para comer,
e agradável aos olhos” (Gn 3: 6).
A decepção do intelecto não foi consequência da
natureza da árvore e de seus frutos, mas devido
às palavras da serpente e as palavras da mulher
para Adão. Assim, foi tomada por verdadeira a
palavra da serpente, e depois a da mulher, em
vez da Palavra de Deus. Portanto, o primeiro
pecado foi a fé na serpente, (ainda que não no
animal propriamente dito, mas naquele que o
usou como seu instrumento, a saber, Satanás.),
acreditando que eles não morreriam, mas, em
vez disso, adquiririam sabedoria.
O ato implicava uma descrença em Deus que
havia ameaçado a morte ao comer dessa
árvore. Assim Eva em virtude da incredulidade
tornou-se desobediente, estendeu a mão e
comeu. Ao fazer isso, ela creu na serpente e
foi enganada, este pecado é denominado como
tal em 1 Tim 2:14 e 2 Cor 11: 3.
Da mesma maneira, ela seduziu Adão. Portanto,
o primeiro pecado não era orgulho, isto é, ser
igual a Deus, também não rebelião,
desobediência ou apetite injustificado, mas
incredulidade.
44
Não crer na palavra de Deus, não dar a devida
observância a ela e não praticá-la, é tudo
consequente de incredulidade, e este é o pecado
principal do qual os demais se originam, pois o
justo viverá por sua fé, e por esta fé é possível até
mesmo confessar-se culpado, arrepender-se e
converter-se a Deus, e tudo isto sucede por
conta de se dar crédito às ameaças de Deus
contra o pecado.
Concluímos, que o pecado sempre jaz à porta,
ele sempre nos assedia bem de perto, conforme
afirmam as Escrituras, pois o intelecto sempre é
solicitado de uma forma ou de outra, por
tentações internas ou externas, a despertar a
vontade e desejos pecaminosos, que se não
forem resistidos por meio da graça, sempre
prevalecerão.
Daí nos ser ordenado a vigiar e orar
incessantemente, porque a carne é fraca. A
andarmos continuamente no Espírito Santo
para podermos vencer as obras da carne, e não
ceder às tentações.
É por meio de uma vida santificada que nos
tornamos fortes para resistir ao pecado, pois
eliminá-lo de uma vez por todas enquanto
andamos neste mundo, equivaleria a remover
de nós toda a liberdade que temos de escolher
45
livremente o que fazer e o que não fazer. De
modo que se não nos negarmos, se não
sujeitarmos a nossa vontade à de Deus,
seguindo o exemplo de nosso Senhor Jesus
Cristo, jamais poderemos ter um caminhar
vitorioso neste mundo.
Quando nosso Senhor foi conduzido ao deserto
para ser tentado pelo diabo, Ele foi solicitado a
transformar pedras em pães porque era grande
a sua fome no final do jejum de quarenta dias e
noites. O diabo vislumbrou nEle este desejo por
comida, e então reforçou o desejo por meio de
tentação dizendo-lhe que se era de fato o Filho
de Deus, poderia transformar pedras em pães.
Se Ele o fizesse, teria pecado porque estava sob o
comando total do Espírito Santo e somente
poderia fazer o que lhe fosse ordenado pelo Pai.
Nada poderia fazer por seu próprio poder, ao
qual deveria renunciar em seu ministério
terreno, para ser obediente não como Deus, mas
como homem, segundo a instrução do Espírito
Santo. O desejo de comer não era em si
pecaminoso, mas a ordem era que somente
quebrasse o jejum quando lhe fosse permitido
pelo Pai. Assim, Jesus renunciou ao desejo,
porque nem só de pão material vive o homem,
mas de toda palavra que procede da boca de
Deus. O desejo não foi consumado e portanto
46
não houve pecado, mas uma obediência pela
qual Deus foi glorificado.
O mesmo sucede conosco sempre que somos
solicitados pelo nosso intelecto a fazer o que nos
seja vedado pela Palavra de Deus. Se
renunciarmos à nossa própria vontade para
fazer a do Senhor, então somos aprovados e
nisto Ele é glorificado.
Assim, qualquer tentação específica traz em si
mesma o potencial para a nossa ruína, ou para a
glória de Deus, em caso de desobediência ou
obediência, respectivamente.
“Se alguém vem a mim e não aborrece a seu pai,
e mãe, e mulher, e filhos, e irmãos, e irmãs e
ainda a sua própria vida, não pode ser meu
discípulo. E qualquer que não tomar a sua cruz e
vier após mim não pode ser meu discípulo.”
(Lucas 14.26,27).
A cruz representa o ato de sacrificarmos a nossa
própria vontade para escolher fazer a de Deus.
“Assim, pois, todo aquele que dentre vós não
renuncia a tudo quanto tem não pode ser meu
discípulo.” (Lucas 14.33)
O fato de que Deus desde a eternidade conheceu
a queda, decretando que permitiria que
47
ocorresse, não é apenas confirmado pelas
doutrinas de sua onisciência e decretos, mas
também pelo fato de que Deus desde a
eternidade tem ordenado um Redentor para o
homem, para libertá-lo do pecado: o Senhor
Jesus Cristo, a quem Pedro chama de Cordeiro,
“que em verdade foi predestinado antes da
fundação do mundo” (1 Pedro 1:20).
O pecado causa a morte eterna mas o seu efeito
pode ser revertido por meio da fé em Jesus
Cristo. A Lei de Deus que opera segundo a Sua
justiça, é implacável e amaldiçoa a todo aquele
que vier a transgredir a qualquer dos seus
mandamentos. Mas o amor, a misericórdia, a
longanimidade e bondade de Deus dão ao
pecador a oportunidade de se voltar para Ele,
através do arrependimento e da fé, pois o
próprio Deus proveu uma aliança com o Filho,
através da qual pode adotar pecadores como
filhos amados, para serem tornados santos por
Ele, prometendo-lhes conduzi-los à perfeição
total quando eles partirem para a glória
celestial, assim como havia feito nos próprios
dias do Velho Testamento, dando inclusive um
novo corpo perfeito e glorificado a Enoque e a
Elias. Mas todos os espíritos dos que nEle
creram foram transladados em perfeição para o
mesmo céu de glória.
48
Deus nos ensina, quando nele cremos, que a sua
graça é suficiente e poderosa para nos firmar
em santidade, pois na nossa própria experiência
conhecemos que quanto mais nos consagramos
a Ele, mais somos fortalecidos pela graça para
resistir e vencer o pecado, inclusive o que
procura se levantar em nossa própria natureza
terrena. Por isso temos recebido em Cristo uma
nova natureza, ao lado da antiga, para subjugar
esta última, pois a nova natureza é celestial,
espiritual, divina e santa, e sempre nos inclina
para aquilo que é de Deus e que é conforme a
Sua santa vontade.
É por uma caminhada constante no Espírito
Santo, mediante a prática da Palavra, que somos
tornados cada vez mais espirituais e menos
inclinados para a carne que não é sujeita à lei de
Deus e nem mesmo pode ser.
Mas é de tal ordem a bondade e misericórdia
que Deus nos tem concedido por meio da
aliança da graça em Cristo, que mesmo aqueles
que não tenham feito grande progresso em
santificação têm a condenação eterna anulada
por causa da união deles com Jesus, por meio de
quem receberam um novo nascimento
espiritual para pertencerem a Ele. Não serão
jamais lançados fora conforme a Sua promessa,
porque isto seria a negação da verdade de que
49
foram de fato salvos por pura graça e não por
mérito, virtude ou obras deles mesmos.
Deus nos trata conforme a cabeça da raça sob a
qual nos encontramos: se apenas em Adão,
estamos condenados pela sentença que foi
lavrada sobre ele e todos aqueles que viriam a
ser da sua descendência; mas se estamos sob a
cabeça de Cristo, recebemos um novo
nascimento e somos ligados espiritualmente a
Ele, e não somos apenas livrados da sentença
que tínhamos sob Adão, pois somos
considerados por Deus como tendo morrido
juntamente com Cristo, como também somos
conduzidos à vida eterna, pelo poder da
justificação e da ressurreição, que o próprio
Cristo experimentou, para que fosse também
comunicado aos que estão unidos a Ele pela fé.
Todos os homens, tendo pecado em Adão, são
roubados da imagem de Deus, então todo
homem nasce vazio de luz espiritual, amor,
verdade, vida e santidade.
Então ao se analisar o que seja o pecado não se
deve simplesmente pensar nas ações
pecaminosas que são resultantes do princípio
que opera na natureza caída, mas nas
consequências de estarmos sem Cristo, e por
conseguinte destituídos da graça de Deus.
50
Pois ainda que alguém que não pertença a
Cristo, estivesse isolado em um lugar ermo, e
sem pensamentos pecaminosos ou
possibilidade de ser tentado a pecar, ainda
assim, esta pessoa estaria morta
espiritualmente, em completa ignorância de
Deus e da Sua vontade santa, sem a
possibilidade de ter comunhão com Ele, e
portanto ter paz, alegria e vida espiritual e
participação em todas as virtudes de Cristo, pois
é esta a condição do homem natural sem Cristo.
Pela entrada do pecado no mundo, em razão da
incredulidade, é somente por meio da fé que
Deus pode se manifestar e habitar no interior do
homem.
A justiça de Deus exige que todo aquele que se
aproxima dele para ter comunhão com ele, seja
também justo. E como poderia o pecador,
destituído totalmente da justiça divina se
aproximar dEle, senão por meio dAquele que foi
dado por Deus a ele para tal aproximação por
meio da fé?
A imagem de Deus é restaurada na
regeneração. Tudo o que foi restaurado foi uma
vez perdido, e o que quer que seja dado não
estava em posse anteriormente. “E vos
revestistes do novo homem que se refaz para o
51
pleno conhecimento, segundo a imagem
daquele que o criou;” (Cl 3:10); “no sentido de
que, quanto ao trato passado, vos despojeis do
velho homem, que se corrompe segundo as
concupiscências do engano, e vos renoveis no
espírito do vosso entendimento, e vos revistais
do novo homem, criado segundo Deus, em
justiça e retidão procedentes da verdade.” (Ef 4:
22-24).
Ao nos dar Cristo, Deus resolve o problema do
pecado pela raiz, porque não trata conosco no
varejo de nossas transgressões, mas destrói a
fábrica de veneno para que dali não saiam mais
produtos venenosos, pois a corrupção herdada
também consiste em uma propensão ao pecado.
O pecado original não consiste apenas na
ausência da justiça original, mas também na
posse de uma propensão ao contrário à justiça.
A falta de ação da graça divina no coração do
pecador é o que faz com que seja avesso à
vontade de Deus, e busque seguir a sua própria
vontade. É a graça somente quem pode
transformar o nosso coração de pedra
insensível a Deus, por um coração de carne
sensível a Ele.
Então, pela própria entrada do pecado no
mundo, podemos ser ensinados por Deus que
não podemos viver de modo agradável a Ele se
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não nos submetermos inteiramente a Cristo,
para que possamos receber graça sobre graça,
que é a única maneira de sermos mantidos
firmes na fé e em santidade na Sua presença.
De modo que o maior pecado que uma pessoa
pode cometer além da sua condição natural
pecaminosa é o de rejeitar a graça que lhe está
sendo oferecida em Cristo para ser curada do
pecado e de suas consequências, e a principal
delas que é a morte espiritual e eterna.
O pecado e a morte que é consequente dele
devem ser combatidos com a vida de Jesus, e é
em razão disso que Ele sempre destacou em seu
ministério terreno que a principal coisa que
temos a fazer é crer nEle, e disso os apóstolos e
todos nós fomos encarregados para dar
testemunho desta verdade.
Não podemos considerar devidamente o pecado
à parte de Jesus, pois Ele não se manifestou
apenas para que deixássemos de fazer o que é
errado para fazer o que é certo, mas para que
tivéssemos vida em abundância e santa, para
que pudéssemos estar em comunhão com Deus,
sendo coparticipantes da Sua natureza divina,
condição esta que foi perdida por Adão, e por
ele, toda a sua descendência.
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Muitas outras considerações podem ser feitas
sobre o que seja o pecado e o modo como ele
opera, e também o modo como podemos
alcançar a vitória sobre o pecado por meio da fé,
mas entendemos que as considerações que
foram apresentadas são suficientes para o
objetivo de conhecermos melhor este inimigo,
que não sendo vencido pode interromper a
nossa comunhão com Deus ou até mesmo
impedir que alcancemos a vida eterna, pela
incredulidade em Cristo.