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RESUMO
Apesar de não tratada com riqueza pela doutrina as páginas que se seguem tratam da responsabilidade civil por ação e por omissão do promotor de justiça, dos serventuários da justiça e do delegado.
Foram utilizados obras de doutrinadores como Maria Helena Diniz, Hely Lopes Meirelles, Celso Antônio Bandeira de Melo e Rui Stoco além de citações jurisprudenciais.
Destaca-se que este trabalho foi realizado com o objetivo expor de forma compreensível o material pesquisado extraindo deste suas principais partes.
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SUMÁRIO
1. INTRODUÇÃO.................................................................................03
2. RESPONSABILIDADE DO REPRESENTANTE DO MINISTÉRIO
PÚBLICO..............................................................................................04
3. RESPONSABILIDADE DOS SERVENTUÁRIOS DA JUSTIÇA E
DAS SERVENTIAS EXTRAJUDICIAIS............................................08
4. RESPONSABILIDADE CIVIL DOS OFICIAIS DE JUSTIÇA.....22
5. RESPONSABILIDADE CIVIL DO DELEGADO DE POLÍCIA...26
6. JURISPRUDÊNCIA.........................................................................32
7. CONCLUSÃO..................................................................................67
8. REFERÊNCIAS................................................................................69
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1. INTRODUÇÃO
O presente trabalho é uma explanação da responsabilidade civil, que
é a respectiva responsabilidade que uma pessoa que cause dano a outrem
deve ressarci-lo deste.
Neste trabalho iremos tratar estritamente da responsabilidade civil
por ação e omissão dos serventuários da justiça, do promotor de justiça e
do delegado.
Para maior compreensão deste insta salientar que o Estado responde
perante terceiros objetivamente pela conduta dos agentes públicos
(serventuários e delegado) cabendo a ele ação de regresso. Quanto aos
agentes políticos (promotores de justiça) que causem danos por atos
danosos ou fraudulentos o Estado responde objetivamente também
assegurado a este ação de regresso.
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2. RESPONSABILIDADE CIVIL DO REPRESENTANTE DO
MINISTÉRIO PÚBLICO
Segundo ensinamento de José Frederico Marques,
ao contrário do que entendem alguns, o Ministério Público
não é órgão do Poder Judiciário. E, tampouco, um quarto poder da
soberania nacional. Enquadra-se entre os órgãos da Administração
Pública, embora em posição especial, resultante de suas magnas
funções na tutela do interesse público(Rui Stoco apud Manual de
Direito Processual Civil. São Paulo: Saraiva, 1974, v. 1, p. 291-292)
Nesse sentido, Cretella Júnior diz que
os agentes do Ministério Público não são considerados
órgãos judiciários, não exercem jurisdição, nem são auxiliares do
Poder Judiciário, acrescentando que a corporação é histórica e
constitucionalmente formada de agentes do Poder Executivo,
reconhecendo que os atos danosos que porventura pratiquem,
empenham a responsabilidade civil do Estado, que arcará com a
reparação (Rui Stoco,2007 apud O Estado e a Obrigação de
Indenizar, n. 209, p. 303).
A respeito do Ministério Público a Constituição Federal estabelece:
Art. 127 O Ministério Público é instituição permanente, essencial à função
jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do
regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis.
§ 1º São princípios institucionais do Ministério Público a unidade, a
indivisibilidade e a independência funcional (...)”.
Na área penal o Ministério Público é o dominus litis, com
prerrogativa exclusiva para dar início à ação penal.
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No plano do processo civil, como evidencia Rui Stoco, 2007 apud
Yussef Said Cahali, “o Ministério Público desempenha uma tarefa híbrida,
de agente equiparado às partes, ou de interveniente necessário nas causas,
nos casos previstos em lei”.
O legislador irroga-lhe assim inumeráveis atividades que se vinculam
à prestação do serviço judiciário pelo Estado, fazendo dele um instrumento
de intermediação do interesse público na administração da Justiça (Rui
Stoco, 2007 apud Responsabilidade Civil do Estado. 2. ed. São Paulo:
Malheiros, 1995, p. 645).
Sua responsabilidade funcional, sob o aspecto civil, está prevista no
art. 85 do CPC, dispondo que “órgão do Ministério Público será civilmente
responsável quando, no exercício de suas funções, proceder com dolo ou
fraude”, sustentando o autor por último citado que, “no desempenho dessa
atividade junto ao Poder Judiciário, os membros do Ministério Público
atuam, dentro de sua especialização, como funcionários públicos, ainda que
como agentes da Justiça” (Rui Stoco, Tratado da Responsabilidade Civil p.
221).
Nessa linha de raciocínio tem-se que os membros do Ministério
Público podem ser responsabilizados pessoalmente pelos atos que
pratiquem no exercício de seu múnus ou funções típicas, quando procedam
com dolo ou fraude, sendo certo que a fraude constitui uma conduta dolosa,
e também por culpa em sentido estrito, embora Pontes de Miranda tenha
obtemperado que, inobstante o art. 85 do CPC não tenha falado, como fez o
art. 133, I, com relação aos juízes, da recusa, omissão ou retardamento”,
sem justo motivo, de providência que deva ordenar de ofício, ou a
requerimento da parte (art..133, II), a interpretação desse art. 85 não deve
dar oportunidade a que se reduza a pouquíssimos casos os de
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responsabilidade civil dos órgãos dessa instituição (Rui Stoco, 2007 apud
Comentários ao Código de Processo Civil, v. 2, p. 147-148).
Nada impede, contudo, que a ação seja dirigida contra a Fazenda
Pública, posto que esses membros do Ministério Público são agentes
públicos, incidindo a regra do art. 37, § 6º, da CF, cuja responsabilidade é
objetiva.
Aliás, como o responsável imediato por ato de seus agentes é o
Estado, representado pela Fazenda Pública, com direito de regresso contra
estes, nos termos do dispositivo mencionado na Carta Magna, a ação deve
primeiramente ser dirigida ao ente público, que, se condenado, deverá,
obrigatoriamente, voltar, em ação regressiva, contra o agente causador do
dano, impondo-lhe provar culpa deste.
Não se nega que o interessado que tenha sofrido dano ingresse contra
um ou outro, ou mesmo contra ambos, sendo certo, contudo, que a
responsabilidade objetiva somente atinge o Estado.
Reformulando nosso entendimento anterior, evoluímos no sentido de
admitir a responsabilidade pessoal do membro do Ministério Público por
dolo ou culpa, em qualquer das suas modalidades e graus, na consideração
de que sua obrigação decorre dos princípios que informam o dever de
reparar e do preceito constitucional que empenha obrigação ressarcitória
dos agentes públicos, nos casos de dolo ou culpa, quando nessa condição
causem danos a terceiros (CF/88 art. 37, § 6º).
Assim, mostra-se despiciendo que o art.85 do CPC ou as Leis
Orgânicas do Ministério Público, no âmbito federal ou estadual, tenham
eventualmente se omitido acerca desse aspecto.
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1. Indenização. Responsabilidade civil. Dano moral. Promotor de
Justiça. Envio de peças de processo para instauração de inquérito
policial. Conduta que não constitui ilícito civil, mas exercício das
funções. Dolo não comprovado. Ilegitimidade passiva de parte.
Carência da ação. Recurso não provido - “Não comprovado dolo na
conduta de Promotor de Justiça, que age por delegação do Poder
Público, não pode ele ser agente passivo de ação de indenização”
(TJSP – 8ª C. Férias “B” de Dir. Privado – Ap. – Rel. Egas Galbiabi
– j. 18.09.96 – JTJ-LEX 186/92).
2. Este é processo natimorto. Não há ato ilícito algum no
comportamento de Promotor de Justiça que, diante de representação
do pai da suposta vítima, requisita abertura de inquérito policial
para apurar fato suscetível de qualificar o crime previsto no art. 218
do CP. Querer negá-lo a fórceps, debaixo do pretexto de ofensa à
honra alheia, é tentativa canhestra de intimidar os representantes do
Ministério Público no exercício das funções!(TJSP- 2ª C.Dir.
Privado – Ap. – Rel. Cezar Peluso – j. 17.02.98-JTJ-LEX203/87).
3. Ação indenizatória. Dano moral. Entrevista jornalística considerada
ofensiva à honra. Ação interposta contra o entrevistado.
Legitimidade passiva ad causam. Normas dos art. 49, § 2º, e 50 da
Lei 5.250/67 que não derrogaram o princípio da responsabilidade
civil por atos ilícitos previstos no art. 159 do CC [atual art. 186].
Irrelevância de o causador do dano ser Promotor de Justiça, eis que
a circunstância do exercício do Ministério Público não elimina a
possibilidade de ação direta contra seu representante. Voto vencido
(TJSP – 5ª C. Dir. Privado – Einfrs. 75.286.4/4-01 – Rel. Silveira
Netto – j. 02.12.99 – RT 775/225).
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3. RESPONSABILIDADE DOS SERVENTUÁRIOS DA JUSTIÇA E
DAS SERVENTIAS EXTRAJUDICIAIS
Responsabilidade civil dos notários e registradores à luz da
Constituição Federal e das Leis 8.935/94 e 9.492/97.
a) O art. 236 da CF/88:
Até o advento da Constituição Federal de 1988 os titulares e
funcionários das serventias extrajudiciais, ou seja, dos Cartórios de Notas,
Registro de Imóveis, Registro de Títulos e Documentos, Protesto e Registro
Civil de Pessoas Naturais eram considerados, pela doutrina e por nossos
pretórios, servidores públicos.
Segundo ensina Moacyr Amaral Santos, Os tabeliães, cujas origens remontam aos tabiliones, ou
tabularie, dos romanos, função que exerciam com caráter privado, até
que os imperadores Arcádio e Honório a oficializaram, são, no direito
brasileiro, de herança portuguesa e canônica, ‘serventuários
públicos’, investidos de fé pública, que têm por função precípua
lavrar atos e contratos e livros de notas conferindo-lhes autenticidade
(Rui Stoco, 2007 apud Primeiras Linhas de Direito Processual Civil.
5ª ed. São Paulo: Saraiva, v. 1, p. 117-118)
São também chamados de notários, denominação de origem
canônica, usada por franceses e italianos. No campo dos servidores
públicos, formam o grupo de serventuários, para se distinguirem dos
funcionários públicos.
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Uns e outros são investidos em cargos criados por lei, mas, enquanto
estes percebem vencimentos dos cofres públicos, aqueles podem, conforme
a lei local que os reger, quando não percebam vencimentos, como os
funcionários públicos em geral, auferir pagamento pelos serviços que
prestam, por meio de custas e emolumentos.
E prossegue: “São os oficiais de registros públicos serventuários e
funcionários públicos que têm por função registrar atos, contratos, para
autenticidade, segurança e validade dos mesmos. Função primordial dos
registros públicos é a publicidade que atribuem aos atos e contratos que lhe
são levados”.
Frederico Marques sintetizou: O escrivão é portador de fé pública e pode ser funcionário
público da administração judiciária, ou serventuários, consoante a
fonte de onde percebe sua remuneração pecuniária. O serventuário é
órgão indireto do Estado, por tratar-se de órgão privado no exercício
de função pública, remunerados pelas partes ou interessados, ao
invés de o ser pelo Estado, como acontece com o que é
funcionário(Rui Stoco, 2007 apud Manual de Direito Processual
Civil. São Paulo: Saraiva, 1974, v. 1, p. 243).
Com a vida a lume da Constituição Federal em 05.10.88, o art. 236
previu a regulação das atividades dos notários, oficiais de registro e seus
prepostos, nos seguintes termos:
“Art. 236. Os serviços notariais e de registro são exercidos em
caráter privado, por delegação do Poder Público.
§ 1º Lei regulará as atividades, disciplinará a responsabilidade civil e
criminal dos notários, dos oficiais de registro e de seus prepostos, e definirá
a fiscalização de seus atos pelo Poder judiciário.
§ 2º Lei federal estabelecerá normas gerais para fixação de
emolumentos relativos aos atos praticados pelos serviços notariais e de
registro.
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§ 3º O ingresso na atividade notarial e de registro depende de
concurso público de provas e títulos, não se permitindo que qualquer
serventia fique vaga, sem abertura de concurso de provimento ou de
remoção, por mais de seis meses”.
Como se verifica, à lei regulamentadora pouco restou, considerando
as margens estabelecidas pela própria Carta Magna.
Da disposição transcrita ressuma claro alguns aspectos importantes:
a) os serviços notariais e de registro têm natureza pública, como,
aliás, nunca se controverteu, até porque a própria CF/88 dispôs no art. 22,
XXV, competir privativamente à União legislar sobre registros públicos;
b) esses serviços serão exercidos em caráter privado, por delegação
do Poder Público, com fiscalização dos atos praticados pelo Poder
Judiciário como, aliás, ocorria antes mesmo da colocação em vigor da lei
sob comentário;
c) o titular da serventia só pode ingressar na atividade notarial e de
registro através de concursos públicos de provas e títulos.
Antes mesmo da edição da lei ordinária regulamentadora, por força
do disposto no art. 236 da CF/88, já se podia afirmar que o titular da
serventia extrajudicial continuaria sendo servidor público, posto só se exige
concurso público para admissão de servidor com essa qualidade.
E, como se confirma em inúmeros julgados do TJSP, a
jurisprudência, de imediato, posicionou-se nesse sentido, quando chama a
dirimir questões postas por titulares de serventias, compelidos pelo órgão
censório da Magistratura paulista se aposentarem aos 70 anos de idade, nos
termos da disposição constante do art. 40, § 1º, II, da CF/88.
Ocorre, porém, que com a vinda à luz da Lei 8.935, de 18.11.94, que
regulamentou o art. 236 da CF, passou-se a entender que, tanto os
funcionários dos cartórios extrajudiciais, como seus titulares, desvestiram-
se da sua condição anterior de servidores públicos. E mais, vem-se
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interpretando o novel regulamento no sentido de ter consagrado a
responsabilidade objetiva dos notários e registradores pelos danos que eles
e seus prepostos causarem a terceiros.
Nada mais inexato, como se pretende demonstrar.
b) Conceito de agente público e sua evolução:
Na Constituição do Império, de 1824, quando ainda se preconizava a
teoria subjetiva para responsabilização do Estado, o inc. 29 do art. 179
estabelecia que os empregados públicos eram estritamente responsáveis
pelos abusos e omissões que praticassem no exercício de suas funções e
ainda por não fazerem efetivamente responsáveis aos seus sulbalternos.
Na Carta de 1891 substituiu-se a palavra empregados por
funcionários públicos, mantida, ainda, a exigência do elemento culposo,
nos termos seguintes: “Art. 82. Os funcionários públicos são estritamente
responsáveis pelos abusos e omissões em que incorrerem no exercício de
seus cargos, assim pela indulgência ou negligência em não
responsabilizarem efetivamente os seus subalternos”.
Avanço notável ocorreu com a Carta de 1946, ao adotar a teoria do
risco administrativo, mantida, porém, a expressão funcionários: “Art. 194.
As pessoas jurídicas de direito público interno são civilmente responsáveis
pelos danos que seus funcionários, nessa qualidade, causarem a terceiros”.
Essa redação foi mantida quase que integralmente pela Constituição
da República de 1967 e pela EC 1/69, assim enunciando: “Art. 107. As
pessoas jurídicas de direito público responderão pelos danos que seus
funcionários, nessa qualidade, causarem a terceiros”.
O Código Civil de 1916, no art. 15, usou a palavra representante para
qualificar essas pessoas.
Somente com a atual Constituição Federal é que o legislador
constituinte deu exato alcance e a dimensão correta ao conceito daqueles
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que gravitam em torno do Estado, na condição de seus representantes ou
delegados, substituindo todas as expressões anteriores por outra mais
técnica e abrangente, qual seja, agente, assim dispondo:
Art. 37. (...)
§ 6º As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado
prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes;
nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurando o direito de regresso
contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.
Mostrou-se técnico também o Código Civil de 2002, ao empregar a
expressão “agente” no art. 43.
A expressão agente abarca não só aqueles que prestam serviços com
caráter de efetividade à Administração direta, como à indireta, às empresas
privadas concessionárias ou permissionárias de serviços públicos e àqueles
que prestam serviços, a qualquer delas, em caráter precário ou transeunte.
Demonstrou José Afonso da Silva, estabelecendo o alcance do
significado dessa expressão, o elemento subjetivo do órgão público – o titular – denomina-
se genericamente agente público, que dada a diferença de natureza
das competências e atribuições a ele cometidas, se distingue em:
agentes políticos, titulares de cargos que compõem a estrutura
fundamental do governo, e agentes administrativos, titulares de
cargo, emprego ou função pública, compreendendo todos aqueles que
mantêm com o Poder Público relação de trabalho, não eventual sob
vínculo de dependência, caracterizando-se, assim, pela
profissionalidade e relação de subordinação hierárquica(Rui
StocoCurso de Direito Constitucional Positivo. 9. ed. 3. tir. São
Paulo: Malheiros, 1993, p. 578).
Observa-se que a Constituição foi mais técnica por incluir no
campo da responsabilidade objetiva todas as pessoas que operam
serviços públicos e por ter abandonado o termo funcionário, que não
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exprimia adequadamente o sentido da norma, substituído agora pelo
termo preciso agente.
Portanto, revela-se evidente que, inobstante os funcionários públicos
constituam uma das mais importantes categorias de agentes públicos, não
são os únicos, mas apenas uma espécie, dentro da variedade tipológica de
pessoas que servem de veículo de expressão de atribuições estatais.
Desde há muito Aliomar Baleeiro já preconizava o alargamento do
conceito de preposto ou representante do Poder Público, Assim, a meu ver, o art. 105 da CF/67 abarca em sua
aplicação os órgãos e agentes do Estado, como Chefes do Poder
Executivo, os Ministros e Secretários de Estado, os Prefeitos, ainda
que não sejam funcionários no sentido do Direito administrativo. E,
com maior razão, também os juízes, como agentes do Estado para a
função jurisdicional deste, que os coloca sob regime especial e a
natureza específica de sua atividade não lhe tiram o caráter de
funcionários, lato sensu” (Voto proferido no RE 70,121, do STF, RDA
114/300).
Portanto, agente público tanto será servidor público típico, nomeado
em caráter efetivo, com o atributo da estabilidade, após concurso público,
como funcionário admitido em caráter precário, ocupando cargo, emprego
ou função pública, ou o funcionário público por equiparação.
Inclui-se, ainda, nesse conceito, a pessoa física ou jurídica que
pratica atos ou exerce atividade pública por delegação do estado.
Obtemperou, aliás, Adilson de Abreu Dallari que a Constituição Federal de 1988 apresenta uma significativa
melhoria de redação relativamente à Carta que a precedeu. Com
efeito, os preceitos relativos aos servidores públicos agora estão
localizados dentro do capítulo que cuida da Administração Pública, o
qual, por sua vez, se insere no título que trata da Organização do
estado, abrangendo a União, os Estados, o Distrito Federal, os
Territórios Federais e os Municípios. Além disso, o art. 37, que abre o
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capítulo acima referido, se refere à Administração Pública direta e
indireta, de todos os ramos do poder e de todas as esferas de governo
(Regime Constitucional dos Servidores Públicos. São Paulo: Ed. RT,
1992, p. 20).
c) Inclusão dos notários e registradores como agentes públicos:
Esclarece Rui Stoco, 2007 apud Celso Antônio que os titulares dos
serviços notariais e de registro são “particulares em colaboração com a
administração, na condição de delegados de ofícios públicos”.
Mesmo antes da promulgação da Lei 8.935/94, regulamentando o art.
236 da CF/88, a jurisprudência já se posicionara no sentido de considerar
tais agentes como verdadeiros servidores do Estado.
O TJSP, em inúmeras oportunidades, assim declarou, citando-se,
como exemplo, os seguintes julgados:
1. TJSP – 4ª C. Ap. 127.578-1 – Rel. Olavo Silveira – j. 27.09.90; e
2. TJSP – 7ª C – Ap. – Rel. Godofredo Mauro – j. 10.08.94 – RT 710/48.
Expressivo despacho do Ministro Sepúlveda Pertence, do STF,
esclarece, Há décadas, entende o STF que os tabeliães são funcionários
públicos, jurisprudência que contraria o fundamento do recurso
interposto. São exemplos dessa orientação os acórdãos prolatados no
RE 8.500, de 06.10.47, RDA 19/142, Castro Nunes; MS 5.422, Luiz
Gallotti; Rp 891, 13.06.73, RTJ 68/283, Djaci Falcão e mais
recentemente a RP 1.489, DJ 05.08.88, Octávio Gallotti, que assim
redigiu a ementa do julgado: É incompatível com a Constituição
Federal (arts. 13, V, 101, II, e 108), a Lei 10.393, de 16.11.70, do
Estado de São Paulo, na parte que enseja aos segurados da Carteira
das Serventias não oficializadas, a permanência na atividade, após
completarem 70 anos de idade. Condição de funcionário público em
sentido lato desses servidores (precedentes) (Rui Stoco, 2007 apud
STJ – Ag. 134.067-3 – parte do despacho do Ministro Sepúlveda
Pertence – j. 30.04.90 – DJU 09.05.90 – p. 3.934).
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E, como se verifica, a lei regulamentadora não dispôs de modo
diferente daquilo que a Constituição Federal enunciara, e do que a doutrina
e a jurisprudência já haviam consagrado.Cabem reduzidos acréscimos,
posto que essa messe de julgados torna pacífica a questão, dispensando-se
digressões mais dilargadas.
É certo que a lei 8.935/94 com que privatizou os serviços notariais e
de registro, não obstante atribuição do Poder Público, de modo que agora
passa a ser exercido por delegação do Estado.
Sendo certo, ainda, que a partir de então, os funcionários dessas
serventias passam a ser admitidos sem qualquer vínculo com o Poder
Público, ligados, sob regime da Consolidação das Leis do Trabalho, apenas
e tão-somente ao titular da serventia contratante, estabelecendo-se entre
eles um contrato de trabalho, tanto que o Poder judiciário já não mais terá
qualquer poder censório ou disciplinar sobre eles, mantido evidentemente,
o seu poder fiscalizatório sobre os atos praticados.
Não menos certo, porém, que o titular – notário ou registrador – atua
como agente público, devendo ser considerado servidor público por
equiparação.
Hely Lopes Meireles situa os tabeliães e registradores entre os agentes públicos
delegados, ao lado dos concessionários e permissionários de obras e
de serviços públicos, dos leiloeiros e dos tradutores, caracterizando-
os como particulares que recebem a incumbência da execução de
determinada atividade, obra ou serviço público e o realizam em nome
próprio, por sua conta e risco mas segundo as normas do Estado e
sob a permanente fiscalização do delegando, constituindo uma
categoria à parte de colaboradores do Poder Público (Direito
Administrativo Brasileiro. 32ª. ed. São Paulo: Malheiros, 2006, p.
75).
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Celso Antônio Bandeira de Mello situa essa categoria (titulares de
serventias da Justiça não oficializada) entre os que chamou de “particulares
em colaboração com a Administração” (Curso de Direito Administrativo.
18. ed. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 234).
Não aderimos ao entendimento dos ilustres citados quando os
classificam como “particulares”. Perceba-se que essas pessoas exercem
função pública delegada e têm os mesmos direitos e obrigações dos
servidores em geral, não podendo exercer qualquer outra atividade
remunerada. São dotados de fé pública e praticam atos privativos do
Estado. Como não se desconhece, o conceito de agente público é o mais
dilargado possível. Para efeitos penais esse conceito é extremamente
expandido, como se verifica no art. 327 do CP. Ora, é servidor público
quem exerce função pública, ainda que delegada. O § 1º do art. 327 do CP
equipara a funcionário quem exerce cargo, emprego ou função em entidade
paraestatal, empresa prestadora de serviço, visando a execução de atividade
típica estatal. No âmbito eleitoral esse espectro é ainda mais abrangente
(Cód. Eleitoral, art. 283)
Tanto isso é correto que, segundo a Lei Magna e a lei de regência
dos serviços notariais e de registros, a aquisição do direito de delegação
para o exercício da atividade depende da aprovação em concurso público
de provas e títulos, preenchidos requisitos só exigíveis para o ingresso na
atividade estatal.
Ademais, submetem-se a punições administrativas por faltas
disciplinares, também só impostas a servidores típicos, e só perdem a
delegação por sentença judicial transitada em julgado, ou por decisão
proferida em processo administrativo, assegurados o contraditório e a
ampla defesa, garantias essas também só concedidas aos servidores
estáveis.
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Por fim, anotem-se características e atributos encontráveis apenas
nessa classe de servidores como;
a) o serventuário é investido, em caráter permanente, em cargo
público, criado por lei, com denominação própria;
b) a serventia é regulada por lei, com atividade sujeita à hierarquia
administrativa e fiscalização do Poder Judiciário;
c) o acesso aos cargos de titular depende de concurso público
(CF/88, art. 236, §§1º e 3º), embora o cartório desempenhe, por delegação
do Estado, atividade de caráter privado;
d) os emolumentos e custas têm o crivo de receita pública, tanto que
o § 2º, do art. 236 da CF/88 preceitua que “Lei federal estabelecerá normas
gerais para fixação de emolumentos relativos aos atos praticados pelos
serviços notariais e de registro” (STJ, RDA 191/148).
Assentadas, pois, essas premissas e demonstrado que esses
serventuários são agentes públicos típicos (cf. decidiu também o STF no
RMS 9.456, Rel. Felix Fischer, j. 03.09.98, RSTJ 117/487), cabe analisar a
sua responsabilidade por atos que causem prejuízo a terceiros.
d) Os arts. 22 da Lei 8.935, de 18.11.94, e 38 da Lei 9.492, de
10.09.97, em face dos princípios da responsabilidade direta do
Estado e do direito de regresso:
No que pertine à responsabilidade civil dos notários e oficiais de
registro, a Lei 8.935/94 dispõe: “Art. 22. Os notários e oficiais de registro
responderão pelos danos que eles e seus prepostos causem a terceiros, na
prática de atos próprios da serventia, assegurado aos primeiros direito de
regresso no caso de dolo ou culpa dos prepostos”.
Por decorrência da redação do texto transcrito, mediante exegese
gramatical, certa corrente em entendendo que a lei infraconstitucional
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adotou a teoria da responsabilidade objetiva dos notários e oficiais de
registro.
Partiu-se do suposto de que se o elemento culpa foi ali previsto
somente na parte final do artigo e apenas para assegurar a ação regressiva
do titular da serventia, em face do preposto causador do dano, e somente
quando se tiver agido (ou se omitido) com dolo ou culpa.
Daí resultaria, por exclusão, que, omitindo-se o preceito quanto a
referir-se ao elemento subjetivo com relação àqueles (os titulares), teria a
norma estabelecido que esses agentes devem reparar o dano mesmo sem
culpa, em qualquer caso.
Vem-se, pois, extraindo daquela regar a exegese de que a ausência de
referência ao elemento culpa do titular da serventia, no corpo do artigo, só
pode conduzir à conclusão de se prescindir desse elemento subjetivo para a
obrigação de indenizar nele estabelecida.
Nada mais incorreto, não contra o agente.
Cabe, antes de enfrentar a questão fulcral posta sob análise, trazer à
colação o entendimento pacífico – e hoje sedimentado – acerca da
responsabilidade direta do Estado e derivada de seus agentes, por força do
cânon esculpido no art. 37, § 6°, da CF/88, como, aliás, já dispunham as
Cartas anteriores.
Mostra o respeitado jurista José Afonso da Silva que “a obrigação de
indenizar é da pessoa jurídica a que pertencer o agente. O prejudicado há
que mover ação de indenização contra a Fazenda Pública respectiva ou
contra a pessoa jurídica privada prestadora de serviço público, não contra o
agente causador do dano. O princípio da impessoalidade vale aqui também”
(Rui Stoco, 2007 apud Dos Princípios Constitucionais da Administração
Pública. 9. ed. 3. São Paulo: Malheiros, 1993, p. 575).
Com perfeita exação, como é de seu hábito, ensina Rui Stoco, 2007
apud Yussef Said Cahali que “o reconhecimento da responsabilidade do
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Estado, como sendo direta perante o administrador lesado, vincula-se,
assim, por definição, à concepção organicista do ente público”
(Responsabilidade Civil do Estado. São Paulo: Ed. RT, 1982, p. 47).
E, em face das disposições constitucionais anteriores e da regra
contida no art. 37, § 6°, da atual Carta, há uniformidade de entendimento
entre autores, com base (ou não) na doutrina organicista do Estado, no
sentido de ser direta a responsabilidade civil da Administração Pública.
Em verdade, a responsabilidade do serviço público se constitui numa
responsabilidade primária, vinculando o patrimônio da Administração,
imediata e diretamente, à reparação do dano; desaparece a dualidade de
pessoas, absorvida a pessoa física do funcionário pelo ente administrativo.
Segundo Celso Antônio Bandeira de Melo, O conceito de agente público também apresenta relevo para
reconhecimento de hipóteses em que cabe – embora muitas vezes
subsidiariamente – invocar responsabilidade do Estado por atos
lesivos, praticados no exercício de função pública. Com efeito, é
compreensível que o Estado deva responder (conquanto
subsidiariamente em muitos casos) pelos danos que agentes públicos
causem a terceiros, ao atuarem revestidos de tal qualidade. De fato,
quando é o exercício de prerrogativa estatal (portanto: condição de
agente público, agente do Estado) que serve de ocasião e meio para
que alguém, mesmo particular, produza uma lesão a um bem jurídico
de terceiro, não é possível considerar o Estado estranho à relação
jurídica daí derivada e isento do dever de repará-la subsidiariamente,
nas ocasiões em que descaiba sua responsabilidade direta, na forma
do art. 37, § 6°, da Constituição (Rui Stoco, 2007 apud Celso Antônio
Bandeira de Mello. Regime Constitucional dos Servidores da
Administração Direta e Indireta. São Paulo: Ed. RT, 1990, p. 7-8).
Deve-se considerar que a Constituição Federal, no referido § 6° do
art. 37, adotou a teoria da responsabilidade direta e objetiva do Estado,
pelos danos que seus agentes causarem a terceiros.
20
Consagrou com isso, princípio que não pode ser modificado,
deslembrado ou contrariado pela lei infraconstitucional.
Prova disso é que o agente responsável pelo ato lesivo, segundo a
expressa dicção do preceito constitucional, só pode responder através de
exercício do direito de regresso por parte do Poder Público, apenas nos
casos de dolo ou culpa.
Se assim é, não pode a lei ordinária responsabilizar diretamente o
agente público, posto que, ademais de contrariar texto expresso da
Constituição, nega-lhe vigência.
Preceito que assim disponha está fulminado pela suprema eiva – a
inconstitucionalidade – vício que o torna ineficaz.
Não se pode deslembrar que a adoção da teoria subjetiva exigida
para responsabilização do preposto, pela via da ação regressiva, exsurge
como garantia constitucional, de modo que a lei inferior não pode impor-
lhe gravame maior do que a Lei Magna estabeleceu.
Impõe-se licenciar-se para dissentir de parte daquela afirmação, pois
a Lei 8.935, de 18.11.94, regulamentou o art. 236 da CF e dispôs sobre os
serviços notariais e de registro, sendo certo que o art. 22 preceitua que “os
notários e oficiais de registro responderão pelos danos que eles e seus
prepostos causem a terceiros, na prática de atos próprios da serventia,
assegurado aos primeiros direito de regresso no caso de dolo ou culpa dos
prepostos”. Se é certo que a redação da norma não é clara e deixou dúvidas,
cabe verberar que o conceito de “notários e registradores” se incluem os
tabeliães de protesto de títulos (CF. art.5º, III, da Lei 8.935/94). Ora, a lei
9.492, de 10.09.97, que regulamenta os serviços de protesto de títulos
dispõe no art. 38: “Os tabeliães de Protesto de Títulos são civilmente
responsáveis por todos os prejuízos que causarem, por culpa ou dolo,
pessoalmente, pelos substitutos que designarem ou escreventes que
autorizarem, assegurado o direito de regresso”.
21
Do que se infere não haver como responsabilizar objetivamente – a
um só tempo e pelo mesmo fato – tanto o Estado como seu agente.
Vislumbra-se aí a verdadeira contraditio in terminis.
Isto porque esse último, como visto, só responde regressivamente, se
agiu com dolo ou culpa, nos termos do art. 37, § 6°, da CF/88.
Ora, mostra-se impossível a responsabilidade objetiva do Estado e do
agente a um só tempo, posto que responsabilizando um, não se pode exigir
a indenização do outro, sob o mesmo fundamento jurídico (obrigação
objetiva, sem perquirição de culpa).
E, como é cediço, inexiste a chamada “obrigação regressiva
indireta”, que permita ao preposto exercer este direito regressivo contra o
Poder Público, excrescência tão ilógica quanto injurídica.
Para Rui Stoco, Se possível fosse a responsabilização sem culpa do Estado e
do seu agente, a redação da lei em estudo seria bem outra, posto
haveria de estabelecer, expressamente, a responsabilidade objetiva
solidária (embora, se assim fizesse, seria de todo inaplicável, porque
traria em suas entranhas o vício da inconstitucionalidade intrínseca –
ou seja, a inconstitucionalidade na lei – tão ou mais pernicioso do
que a inconstitucionalidade perante a lei).
Tal como Lei Maior, consagrou também o direito de regresso.
Não se olvide, ainda, que a responsabilidade objetiva do Estado
decorre da teoria do risco administrativo.
E a ninguém ocorrerá estender essa obrigação de risco ao próprio
servidor ou agente público que, tendo em vista os princípios da hierarquia e
da legalidade, só pode fazer aquilo que a lei permite sem qualquer margem
de discricionariedade. Isso quer dizer que seus atos, sendo regrados, só por
abuso, excesso, desídia, emulação, imprudência ou negligência podem ser
diretamente responsabilizados.
22
E, como não se desconhece, estes são componentes da culpa lato
sensu.
A verdadeira exegese do art. 22 da Lei 8.935/94, segundo nos parece,
não pode ser extraída de sua literalidade, ou seja, não há como aplicar a
interpretação literal ou gramatical e sim teológica, de modo que se
harmonize e conforte com a regra constitucional que lhe antecedeu.
Do contrário, mostrar-se-á em antinomia com o § 6° do art. 37 da
CF/88 e, portanto, afetado pelo vício insanável da inconstitucionalidade.
4. RESPONSABILIDADE CIVIL DOS OFICIAIS DE JUSTIÇA
Para tratar da responsabilidade civil do Oficial de Justiça, mister se
faz trata sobre a regra geral de responsabilidade civil do Estado, em razão
de sua qualidade de funcionário público.
Segundo tal regra, enunciada no art. 37, § 6° da Carta Magna,
haverá sempre a responsabilidade do poder público quando seus agentes,
nesta qualidade, causarem danos a terceiros, configurando esta a chamada
responsabilidade objetiva do Estado. De tal maneira, sempre que um
funcionário público, entenda-se também o agente público, agente político,
empregado público ou ainda o particular prestador de serviço público,
causar algum dano a terceiro, é o Estado responsável por este ato, devendo
indenizar o lesado, independente de culpa ou dolo do Poder Público.
Singelamente significa dizer que basta ao lesado comprovar o dano em
decorrência do ato do “funcionário público” e o nexo causal entre esta
conduta e o dano para merecer a reparação, não sendo necessária a
comprovação da culpa (lato senso) do poder público, ressalvadas as
considerações quanto à concorrência de culpa e culpa exclusiva do terceiro.
23
Todavia segundo o mesmo mandamento constitucional, poderá o
Estado cobrar este dano do funcionário em ação regressiva, sendo neste
caso necessária a comprovação da culpa (lato senso). Significa dizer então
que o Estado repara ao particular o dano sofrido independente de sua culpa,
mas para se reparar, em ação regressiva contra aquele que agiu em seu
nome, deverá estar comprovado o dolo ou culpa do agente. Desta forma, a
responsabilidade do agente em reparar o dano sofrido em regresso ao
Estado ou mesmo diretamente ao particular será subjetiva, ou seja, deverá
decorrer de dolo ou culpa. Nesta linha, enquanto funcionário público, o
Oficial de Justiça terá responsabilidade sempre que causar dano a terceiro
no cumprimento de seu ofício, sendo esta responsabilidade civil sempre
subjetiva, necessária a comprovação de sua culpa.
Tratando da matéria sobre a responsabilidade civil do Oficial de
Justiça dispõe o art. 144 do CPC que este será responsável civilmente
quando:
I – sem motivo justo se recusar a cumprir, dentro do prazo, os atos
que lhe forem impostos por lei, ou os que o juiz, a que estiver subordinado,
lhes cometer;
II – praticar ato nulo com dolo ou culpa.
Verifica-se que a Lei federal tratou especificamente da
responsabilidade civil do Oficial de Justiça atendendo aos preceitos
constitucionais. Assim, no desempenho de suas funções, sempre que o
Oficial não cumprir sua atribuição, seja imposta pela lei ou determinada
pelo juízo, não apresentando qualquer motivo justo, será responsabilizado
civilmente por isso. Note-se que o inc. I, diz “sem motivo justo” o que pode
configurar, em tese, uma negligência por sua parte ou até mesmo a intenção
em não cumprir. Fica assim caracterizado que ao menos a culpa estrito
senso deve ser comprovada, uma vez que a responsabilidade do agente será
sempre subjetiva. Ainda é necessário mencionar que a expressão “lei”,
24
utilizada pelo Código de Processo Civil está empregada no sentido lato,
englobando qualquer espécie normativa, tais como Leis Estaduais,
Regimentos Internos dos Tribunais, assim como Resoluções ou Portarias,
inclusive no âmbito das normas expedidas pelas direções de foro. Por fim,
toda vez que o Oficial praticar ato nulo, seja agindo com dolo ou culpa,
será responsabilizado. Ressalte-se somente, que a responsabilidade civil
existe quando há dano, ou seja, quando terceiro foi lesado de alguma
forma, adquirindo um prejuízo, sem o qual, não há que se falar em
responsabilidade civil, podendo configurar ilícito administrativo, passível
também, de responsabilização, com alguma forma de punição nesta esfera,
como advertência, suspensão, demissão, dentre outras, já que esfera
autônoma e independente. E, ainda com as mesmas qualidades a esfera
poderá responsabilizar o Oficial quando o ato praticado configurar também
um crime.
Mais especificamente, a Lei Complementar n° 59/01, do Estado de
Minas Gerais, que dispõe sobre a Organização e Divisão Judiciárias do
Estado, traz em seu art. 273 os deveres dos servidores dos órgãos auxiliares
dos Tribunais e da Justiça de 1ª Instância, dentre os quais está: exercer com
acuidade, dedicação e probidade as atribuições do cargo, mantendo conduta
compatível com a moralidade administrativa; ser assíduo e pontual; atender
com presteza e urbanidade aos magistrados, representantes do Ministério
Público, advogados e ao público em geral (...); observar as normas legais e
regulamentares; e outros.
No capítulo das proibições, reza o art. 274 da mesma lei que é
proibido ao servidor opor resistência injustificada ao andamento de
documentos, ao curso de processos ou à execução de serviços; valer-se do
cargo para lograr proveito pessoal ou de outrem, em detrimento da
dignidade do exercício do cargo; aceitar ou receber propina, comissão,
25
presente ou vantagem de qualquer espécie, em razão de suas atribuições;
proceder de forma desidiosa, dentre outras.
Verifica-se portanto, que sempre que o servidor descumprir um
dever enumerado nesta lei ou mesmo praticar ato descrito como proibido,
estará incorrendo em falta, sendo está passível de responsabilização civil
quando lesar terceiros ou a própria instituição a que está vinculado. Nesta
linha, a mencionada Lei Complementar, em consonância com os preceitos
da Lei Fundamental e da Lei Federal descreve em seu art. 276, que a
“responsabilidade civil decorre de ato omissivo ou comissivo, doloso ou
culposo que resulte em prejuízo ao erário ou a terceiros”. Frise-se que o ato
passível de responsabilização na esfera civil, poderá ser uma conduta
positiva ou negativa. Isto implica dizer que o dano pode ser causado com
uma conduta de omissão, onde o servidor deveria praticar determinado ato
e assim não o faz de forma intencional ou negligente; ou ainda quando o
servidor pratica ação tendente a causar lesão, seja dolosamente ou de forma
imprudente ou sem observância de normas técnicas.
Vislumbre-se a hipótese em que o oficial deve cumprir determinada
ordem urgente de arresto de bens consubstanciada no mandado, e, sabendo
que o requerido está para retirar os bens do local, em razão de amizade
entre ambos, retarda o cumprimento da ordem, não logrando êxito na
localização de quaisquer bens posteriormente. Emergindo um dano ao
terceiro requerente pela impossibilidade de não mais conseguir localizar os
bens móveis que seriam arrestados, em razão da conduta omissiva dolosa
do oficial, podendo responsabilizá-lo civilmente por isto.
Em outra hipótese, no cumprimento de um mandado de busca e
apreensão de veículo, o oficial procede ao arrombamento do portão
devidamente autorizado para retirá-lo da garagem, entretanto ao praticar o
ato acaba por não observar os devidos cuidados na diligência vindo a
causar dano à lataria e pintura de outro veículo que também estava
26
estacionado na garagem. Assim, mediante sua ação, causou de forma
culposa um prejuízo ao proprietário do veículo, podendo ser
responsabilizado na esfera civil pelo seu ato.
Em suma, diante das prescrições legais, haverá a responsabilização
civil do Oficial quando este vier a causar qualquer dano ou prejuízo a
terceiro, inclusive ao judiciário, através de uma ação ou omissão sua,
resultante de sua vontade ou de forma culposa. Por se tratar de
responsabilidade subjetiva, será sempre necessária a prova da culpa no seu
sentido amplo, juntamente com a comprovação do dano e do nexo causal
entre a conduta do Oficial e o referido dano.
Por fim, é imperioso lembrar que a responsabilidade civil é, via de
regra, independente, autônoma e perfeitamente cumulável com as
responsabilidades administrativa e criminal.
Responsabilidade Civil dos Oficiais de Justiça – Texto segundo
entrevista dada por Marcelo de Almeida Matos – Oficial de Justiça.
5. RESPONSABILIDADE CIVIL DO DELEGADO DE POLÍCIA
Antes de iniciarmos as letras desta parte do tema é necessário
observar que não se encontra na doutrina e é escasso na jurisprudência
conteúdo específico a respeito, o que se encontrou foram matérias sobre a
responsabilidade do Estado sobre seus agentes.
27
Após pesquisas concluiu-se que o Delegado de Polícia é um agente
público do Estado. Conceitua Celso Antônio Bandeira de Melo agente
público como “o sujeito que serve ao Poder Público como instrumento
expressivo de sua vontade ou ação... Quem quer que desempenhe funções
estatais, enquanto as exercita, é um agente público” (Curso de Direito
Administrativo 2006, p.235 e 236).
Funções do delegado
Projeto de lei substituto ao projeto de lei nº 3.274, de 2000:
Art. 17. São atribuições do Delegado-Geral de Polícia:
I - exercer a direção geral, o planejamento institucional e a administração
superior por meio da supervisão, coordenação, controle e fiscalização das
funções da Polícia Civil;
II - presidir o Conselho Superior de Polícia Civil;
III - indicar ou prover, mediante delegação, os cargos em comissão dos
quadros de pessoal da Polícia Civil, observada a legislação em vigor;
IV - promover a movimentação de policiais civis, observadas as
disposições legais;
V - autorizar o policial civil a afastar-se da respectiva unidade federativa,
em serviço e dentro do País;
VI - determinar a instauração de processo administrativo disciplinar;
VII - avocar, excepcional e fundamentadamente, em caso de irregularidade,
mediante deliberação do Conselho Superior de Polícia Civil, inquéritos
policiais e outros procedimentos para redistribuição;
VIII - suspender porte de arma de policial civil por recomendação médica
ou como medida cautelar em processo administrativo disciplinar;
28
IX - decidir, em grau de recurso, sobre instauração de inquérito policial ou
de outros procedimentos formais;
X - editar atos normativos para consecução das funções de competência da
Polícia Civil; e
XI - praticar os demais atos necessários à administração da Polícia Civil,
nos termos da legislação.
Art. 27. São atribuições privativas de delegado de polícia:
I - instaurar e presidir inquéritos policiais, termos circunstanciados e outros
procedimentos legais para a apuração de infração penal ou ato infracional;
II - dirigir, coordenar, supervisionar e fiscalizar as atividades logísticas e
finalísticas da unidade sob sua direção;
III - no curso de procedimentos de sua competência:
a) expedir intimações e determinar, em caso de não-comparecimento
injustificado, a condução coercitiva;
b) requisitar a realização de exames periciais e complementares, destinados
a colher e resguardar indícios ou provas da ocorrência de infrações penais;
e
c) representar à autoridade judiciária competente pela decretação de prisões
e medidas cautelares e pela concessão de mandados de busca e apreensão;
IV - requisitar, no interesse das investigações policiais:
a) às entidades públicas e privadas, documentos, informações e dados
cadastrais pertinentes à pessoa investigada, observado o disposto no inciso
X do art. 5o da Constituição;
b) temporariamente, serviços, técnicos especializados e meios materiais de
órgãos públicos ou de particulares que detenham delegação de serviço
público;
c) informações a respeito da localização de usuário de telefonia fixa ou
móvel;
29
d) informações a respeito da localização de usuário de cartão de crédito;
e) às empresas de transporte, informações a respeito de reservas, bilhetes,
escalas, rotas, tripulantes e passageiros; e
V - requerer, no interesse das investigações policiais, observado o disposto
no inciso X do art. 5o da Constituição:
a) informações e documentos de caráter público ou privado;
b) extratos com os dados e registros telefônicos; e
c) registros de conexões de usuários de serviço de acesso à rede mundial de
computadores, à empresa provedora do respectivo serviço.
§ 1o Ao delegado de policia incumbe preservar o sigilo das informações,
dados e documentos que nessa condição lhe forem confiados, sob pena de
responsabilidade.
§ 2o A recusa, o retardamento ou a omissão, injustificados, no
fornecimento de informações, dados ou documentos requisitados pelo
delegado de polícia, implicará responsabilidade penal, cível e
administrativa de quem lhe der causa.
Caso venha o agente público descumprir alguma de suas funções por
ação ou omissão causando dano a terceiro incumbe ao Estado o dever de
ressarci-la, uma vez que este responde objetivamente e de forma
extracontratual pela conduta de seus agentes (particular X Estado) cabendo
contra eles ação de regresso como prega o art. 37 par.6º CF:
As pessoas jurídicas de direito público e as de direto privado
prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus
agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito
de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.
Sobre a responsabilidade civil objetiva do Estado tem - se três
teorias:
30
1. A da culpa administrativa do preposto;
2. A do acidente administrativo ou da falta impessoal do serviço
público;
3. A do risco integral.
Aplica-se a teoria do risco integral nos casos de lesão a direitos de
particulares por isso será brevemente explicada no presente trabalho nas
linhas seguintes.
Teoria do risco integral é a que cabe indenização de todos os danos
causados por comportamentos dos agentes do Poder Público mediante
comprovação do dano e nexo causal entre a conduta do agente público e a
lesão.
Consoante Maria Helena Diniz,
...para alguns autores, foi a teoria adotada pelo direito brasileiro,
no que concerne a atos comissivo ou omissivos do funcionário, pois o
art. 43 do Código Civil, dispõe que “ as pessoas jurídicas de direito
público interno são civilmente responsáveis por atos dos seus agentes
que nessa qualidade causem dano a terceiros, ressalvado direito
regressivo contra os causadores do dano”.(Curso de Direito Civil
Brasileiro vol 7 p. 626)
Quanto a responsabilidade civil do agente na ação de regresso
(Estado X agente público) explica Hely Lopes Meirelles (2006),
A responsabilidade civil é a obrigação que se impõe ao
servidor de reparar o dano causado à Administração por culpa ou
dolo no desempenho de suas funções. Não há, para o servidor,
responsabilidade objetiva ou sem culpa. A sua responsabilidade nasce
com o ato culposo e lesivo e se exaure com a indenização. Essa
responsabilidade (civil) é Independente das demais(administrativa e
31
criminal) e se apura na forma do Direito Privado, perante a Justiça
Comum (Direito Administrativo Brasileiro p.499).
Os agentes não podem ser isentos de responsabilidade civil, uma
vez que o Estado deve zelar o patrimônio público e qualquer um que cause
dano a ele deve repará-lo. Insta salientar que o art37 par.6º da CF trata da
responsabilidade civil do agente, porém este também terá responsabilidade
penal (arts. 312 a 327 do Código Penal) e administrativa (conforme
estatuto) conforme o dano causado. Essas três responsabilidades são
independentes mas podem ser apuradas separada ou conjuntamente.
A condenação criminal não absolve o agente civil nem
administrativamente, absolvição criminal não se estende a responsabilidade
civil e administrativa salvo se provada a inexistência do fato ou a não
autoria do agente.
Culpa e dolo
O art.37 par 6º da CF fala da culpa ou dolo do agente. A culpa se
encontra na ação ou omissão lesiva em que o autor agiu com negligência,
imprudência ou imperícia, no dolo o resultado da ação ou omissão era
querido pelo agente ou o risco provocado assumido por ele.
A culpa do agente resulta em responsabilidade civil e
administrativa e não necessariamente em responsabilidade criminal,
contudo a ação ou omissão dolosa respondem além de civil e
administrativa, dependendo do dano causado, criminalmente também.
Para se efetuar a responsabilidade civil deve-se comprovar a culpa
do agente e o dano patrimonial causado, através de processo
administrativo, visto que a responsabilidade civil é de caráter pecuniário.
32
Sendo assim, após comprovados o dano e a culpa a autoridade
competente impõe ao agente a obrigação de indenização e sua forma de
pagamento que poderá ser de uma só vez, ou descontado em folha de
pagamento ( não mais que 10% dos vencimentos) com assentimento do
responsável. Todavia pode o agente não aceitar a as disposições da
obrigação, caso isso ocorra o Estado pelas vias judiciais propõe ação de
indenização em face do agente, executando a sentença condenatória
criminal ou a certidão de dívida ativa. Segundo Hely Lopes Meirelles,
É óbvio que o servidor pode ter interesse em intervir na ação,
principalmente para assegurar o justo valor da indenização, devendo
fazê-lo na qualidade de assistente voluntário, e nunca de litisconsorte
necessário (CPC, art. 75,I), situação que lhe permite, entre outras
coisas, confessar os fatos alegados pelo autor(art. 75, III),
prejudicando a defesa da Administração e obrigando-a a uma
indenização nem sempre devida, sem possibilidade, na maioria das
vezes, de ressarcir-se (Direito Administrativo Brasileiro p.502).
6. JURISPRUDÊNCIA
Número do processo: 1.0024.07.383558-9/001(1)
Relator: WANDER MAROTTA
Relator do Acordão: WANDER MAROTTA
Data do Julgamento: 26/08/2008
Data da Publicação: 03/10/2008
Inteiro Teor:
EMENTA: AÇÃO DE INDENIZAÇÃO - RESPONSABILIDADE
CIVIL - DENÚNCIA. CONTRA DELEGADO DE POLÍCIA, POR
CRIME NÃO COMETIDO - - CULPA OBJETIVA DO ESTADO -
DEVER DE INDENIZAR - DANOS MORAIS. O Estado responde
33
objetivamente pelos danos causados aos administrados, conforme preceito
da CF, art. 37, § 6º. Somente deixa de ser responsabilizado se demonstrar
que o dano ocorreu por culpa exclusiva da vítima. O dever de reparar,
imposto a quem causa dano a outrem, é princípio geral de direito, no qual
se baseia toda a teoria da RESPONSABILIDADE (art. 159 do Código
Civil vigente à época dos fatos - e art. 186 do Novo Código). Responde o
Estado pela reparação dos danos morais resultantes da imputação, a
DELEGADO de POLÍCIA, da autoria de crime sem qualquer indício de
autoria. Na fixação da indenização por danos morais, deve-se levar em
consideração sua gravidade objetiva, a personalidade da vítima, sua
situação familiar e social, a gravidade da falta e as condições do autor do
ilícito.
APELAÇÃO CÍVEL / REEXAME NECESSÁRIO N° 1.0024.07.383558-
9/001 - COMARCA DE BELO HORIZONTE - REMETENTE: JD 4 V
FAZ COMARCA BELO HORIZONTE - APELANTE(S): ESTADO
MINAS GERAIS - APELADO(A)(S): ARLEN BAHIA DA SILVA -
RELATOR: EXMO. SR. DES. WANDER MAROTTA
ACÓRDÃO
Vistos etc., acorda, em Turma, a 7ª CÂMARA CÍVEL do Tribunal de
Justiça do Estado de Minas Gerais, incorporando neste o relatório de fls.,
na conformidade da ata dos julgamentos e das notas taquigráficas, à
unanimidade de votos, EM CONFIRMAR A SENTENÇA, NO
REEXAME NECESSÁRIO, PREJUDICADO O RECURSO
VOLUNTÁRIO.
Belo Horizonte, 26 de agosto de 2008.
34
DES. WANDER MAROTTA - Relator
NOTAS TAQUIGRÁFICAS
O SR. DES. WANDER MAROTTA:
VOTO
Conheço do recurso voluntário e do reexame necessário.
ARLEN BAHIA DA SILVA ajuizou ação de indenização por danos
morais contra o ESTADO DE MINAS GERAIS, alegando, para tanto, ser
titular do cargo de DELEGADO de POLÍCIA desde 1998, estando
lotado, atualmente, na 2ª Delegacia de Plantão da Seccional Noroeste. Em
19/01/2006, policiais militares prenderam, em flagrante, um indivíduo sem
qualquer documento de identidade, que, ao ser apresentado e autuado na
Delegacia na qual trabalha o autor, afirmou chamar-se Emerson Souza e
Silva, revelando sua filiação e falso número da carteira de identidade.
Considerando o delito praticado e a legalidade da prisão, o autor
determinou que fosse lavrado o respectivo auto, com o prosseguimento das
diligências. Remetidos os autos do inquérito à Justiça, descobriu-se que o
preso, na realidade, era Edmar Souza da Silva, e que se atribuíra o nome do
irmão, motivo pelo qual o juiz singular encaminhou ofício à Corregedoria
Geral da POLÍCIA para a adoção das medidas cabíveis, ensejando a
instauração de investigação policial para apuração de suposto crime de
prevaricação praticado pelo autor. Denunciado, impetrou habeas corpus
preventivo contra o ato judicial, demonstrando que não agira com o
objetivo de satisfazer interesse ou sentimento pessoal, obtendo resultado
favorável unânime deste Tribunal. Em razão dos fatos, teve seu nome e
imagem denegridos não só no âmbito profissional como social, motivos
35
pelos quais pugna pela procedência do pedido.
Contestação considerando correta a atitude do Judiciário ao solicitar da
Corregedoria de POLÍCIA a investigação dos fatos, não estando
demonstrado o nexo de causalidade entre a conduta do ente público e o
suposto dano moral, uma vez que pautada no estrito cumprimento do dever
legal. Enfatiza que o procedimento causou apenas alguns transtornos ao
autor, insuficientes a causarem dano moral. Caso assim não se entenda,
requer seja o valor indenizatório arbitrado no limite mínimo, evitando-se
enriquecimento sem causa.
Procedida à instrução processual, as partes apresentaram memoriais.
A sentença julgou procedente o pedido para condenar o réu ao pagamento
da indenização no importe de R$3.800,00, além dos honorários
advocatícios arbitrados em R$1500,00 - (fls. 111/116).
Inconformado, recorre o Estado - (fls. 117/127), sustentando que o
procedimento levado a efeito foi correto, uma vez que existia um fato
aparentemente delituoso a ser apurado, qual seja, a identificação falsa do
preso, e que não foi levado ao conhecimento do Juiz de Direito responsável
pelo processo-crime, tendo a autoridade agido no estrito cumprimento do
dever legal ao instaurar o inquérito para a apuração do ocorrido, a cargo da
Corregedoria-Geral da POLÍCIA Civil. Afirma que a liminar, no habeas
corpus, foi indeferida, o que evidencia a observância das normas legais,
ressaltando não haver prova do dano moral alegado, hábeis, pelo menos, a
ensejarem pedido indenizatório. Caso assim não se entenda, insurge-se
contra o valor arbitrado, entendendo-o excessivo, o mesmo ocorrendo em
relação à verba honorária.
36
Sobre a RESPONSABILIDADE civil da Administração Pública, dispõe a
Constituição Federal:
"Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes
da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos
princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e
eficiência e, também, ao seguinte:
...
§ 6º As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado
prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes,
nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso
contra o responsável nos casos de dolo ou culpa".
Consagrou-se, pois, a RESPONSABILIDADE objetiva das pessoas
jurídicas de direito público. Significa que tal RESPONSABILIDADE
passou a fundar-se na causalidade e não mais na culpabilidade, autorizando
o novo ordenamento jurídico o reconhecimento da
RESPONSABILIDADE sem culpa de tais pessoas jurídicas.
Discorrendo sobre a matéria, o renomado mestre Caio Mário da Silva
Pereira (in Instituições de Direito Civil, Ed. Forense, v. III, 8ª ed. 1990, p.
397) assim se posiciona:
"Daí assentarmos a nossa posição já delineada aliás em o n. 115, no tocante
a este problema e à sua solução: a regra geral, que deve presidir a
RESPONSABILIDADE civil, e a sua fundamentação na idéia de culpa;
mas, sendo insuficiente esta para atender às imposições do progresso,
cumpre ao legislador fixar especialmente os casos em que deverá ocorrer a
obrigação de reparar, independentemente daquela noção. Não será sempre
37
que a reparação de dano se abstrairá do conceito de culpa, porém quando o
autorizar a ordem jurídica positiva"
Nos termos da norma insculpida no art. 37, § 6º, da Constituição Federal
descabe examinar se houve ou não culpa do autor, respondendo
objetivamente o Estado pelos danos causados por seus funcionários a
terceiros, conforme determina o referido dispositivo.
Só a existência de culpa exclusiva da vítima poderia afastar ou mitigar-lhe
a RESPONSABILIDADE, visto que, ao adotar a
RESPONSABILIDADE objetiva, tal admissão não implica na aceitação
da teoria do risco integral, mas na do chamado "risco administrativo", que
admite temperamentos, tal como expõe, com maestria, o Ministro Carlos
Mário da Silva Veloso (confira-se em "Temas de Direito Público" - Belo
Horizonte, Del Rey - 1994 - p. 463/469).
Tal entendimento foi esposado no Supremo Tribunal Federal, quando do
julgamento do RE 68.107-SP - Rel. Min. Thompson Flores.
Na lição de Hely Lopes Meireles (in Direito Administrativo Brasileiro,
Malheiros Editores, 18ª ed. p. 555):
"O risco administrativo não significa que a administração deva indenizar
sempre e em qualquer caso o dano suportado pelo particular; significa,
apenas e tão-somente, que a vítima fica dispensada da prova da culpa da
Administração, mas esta poderá demonstrar a culpa total ou parcial do
lesado no evento danoso, caso em que a Fazenda Pública se eximirá
integral ou parcialmente da indenização".
A Constituição Federal adotou, enfim, a RESPONSABILIDADE
objetiva, mas com fundamento na teoria do risco administrativo, na qual o
38
que importa é a relação de causa e efeito, o nexo de causalidade entre o
evento e o resultado.
No plano da RESPONSABILIDADE objetiva, o dano ressarcível tanto
resulta de ato doloso ou culposo como também de ato revelador de falha da
máquina administrativa e que se tenha caracterizado como injusto para o
particular, como lesivo a direito subjetivo, independente de culpa de
agente. Mister se faz, no entanto, a prova de que a lesão ocorrida resultou
induvidosamente do fato da atividade administrativa, do procedimento
comissivo ou omissivo da Administração. Havendo o dano e o nexo de
causalidade entre este e a conduta do agente, surge a obrigação de
indenizar, mesmo se não há culpa.
Aqui, procura o Estado esquivar-se da RESPONSABILIDADE ao
argumento da inexistência do nexo de causalidade entre os supostos danos
sofridos e o Estado, entendendo-os decorrentes da conduta regular de seus
agentes.
Os argumentos expendidos pelo apelante não podem prevalecer, já que está
evidenciada a sua RESPONSABILIDADE objetiva, princípio
constitucionalmente estabelecido no art. 37, § 6º, da Carta da República.
Como bem observou o ilustre magistrado de primeiro grau, "o Judiciário,
representando um dos Poderes do Estado, tem como atribuição administrar
a justiça, garantindo a observação do princípio da legalidade. Assim, um
magistrado que vislumbre qualquer situação suspeita de ilegitimidade,
deverá obrigatoriamente diligenciar de maneira a apurá-la. In casu, a
conduta do Juiz de Direito não foi arbitrária ou abusiva, e somente buscou
a averiguação das supostas irregularidades. Ademais, o ofício por ele
remetido, fls 47, apenas solicitou a adoção das 'providências cabíveis' e, em
39
momento algum, atribuiu ao DELEGADO de POLÍCIA a autoria do
crime de prevaricação" (fls. 113).
Entretanto, o mesmo não se pode dizer do procedimento levado a efeito
pela Corregedoria-Geral de POLÍCIA que, apesar da inexistência de
quaisquer indícios de que o recorrido, ao autuar o conduzido, pudesse
suspeitar da falsidade das declarações, atribuiu-lhe a autoria do crime como
ocorrido.
Ao analisar o pedido de habeas corpus impetrado pelo autor, assim se
manifestou este Tribunal:
"A falsa identidade atribuída pelo então indiciado somente veio a ser
descoberta posteriormente, já na fase judicial, sem que tal fato houvesse
chegado ao conhecimento do paciente como DELEGADO de POLÍCIA
responsável pela convalidação da prisão em flagrante. Daí, certamente, a
razão pela qual não houve a devida comunicação ao Juízo competente para
a apreciação do caso.
De tal forma que não há sequer suspeita que tivesse o paciente agido
objetivando satisfazer interesse ou sentimento pessoal, elemento subjetivo
da prevaricação, única tipificação que se poderia atribuir à conduta do
agente na condição de DELEGADO de POLÍCIA.
De qualquer sorte, convenço-me de que o fato investigado clara e
induvidosamente não constitui crime, nem mesmo em tese, ausente o
comportamento doloso que se poder a imputar ao paciente" - (fls. 58).
Não resta dúvida de que a denúncia levada a efeito pelo Ministério Público
contra o autor causou-lhe transtornos, contrariedades, e abalo da imagem,
tanto no meio profissional como social, principalmente ao constatar-se não
40
haver nenhuma prova a desabonar sua conduta no exercício do cargo.
A prova testemunhal não deixa dúvidas quanto aos fatos.
Luiz Flávio Cotat declara que já trabalhou na mesma Delegacia com o
apelado, e "que se recorda que o autor, assim como o próprio depoente que
teve uma situação semelhante, ficou extremamente chateado com toda a
situação," informando que "no momento em que determinado cidadão é
conduzido até a delegacia, inclusive na seccional noroeste, a identificação
é feita mediante a coleta de três fichas datiloscópicas, especialmente na
hipótese do cidadão não ter nenhum documento de identificação, sendo tais
fichas encaminhadas pelo expediente da delegacia para o instituto de
Identificação. Que a resposta normalmente vem de 2 a 3 meses, sendo que
esta resposta chega às mãos do DELEGADO titular do distrito, e jamais o
DELEGADO de plantão toma conhecimento dessa resposta. Que o
depoente pode afirmar que o autor é pessoa de mais alta conta e pessoa
ilibada, tanto socialmente quanto profissionalmente, e jamais tomou
conhecimento de qualquer fato que pudesse desabonar sua conduta" (fls.
95).
Luis Otávio Borges afirma que "conhece o autor há cinco ou seis anos
aproximadamente. Que o depoente tem conhecimento que teria sido aberto
inquérito contra o autor, que posteriormente foi trancado no Tribunal, em
virtude da identificação de um preso. Que o depoente se recorda de que
isto gerou um abalo emocional no autor, uma vez que ele sempre foi uma
pessoa que jamais teve qualquer problema pessoal" (fls. 96).
Luiz Fernando da Silva Leitão noticia que "o problema vivido pelo autor
causou-lhe muito constrangimento, não só com a família, especialmente
com a mãe do autor muito idosa, como também profissionalmente, uma
41
vez que o autor na ocasião deixou de se submeter a outros concursos na
área jurídica, como na magistratura e no Ministério Público. Que o
depoente tem conhecimento também que esse fato acabou prejudicando o
autor na sua promoção por merecimento, sendo que o autor só acabou
promovido recentemente por antiguidade" (fls. 97).
Deve, pois, o apelante, arcar com o pagamento da indenização pleiteada na
exordial, contra o qual se insurge por reputá-lo excessivo.
Apesar de antiga, a indenização por dano moral, impulsionada por seus
ardorosos defensores, emerge, na atualidade, prevista no art. 5º, incisos V e
X, da Carta Magna, tornando-se princípio legal de natureza cogente,
obrigando o legislador e o Juiz.
Segundo o magistério de Caio Mário da Silva Pereira,
"o argumento baseado na ausência de um princípio geral desaparece. E
assim, a reparação do dano moral integra-se definitivamente em nosso
direito positivo", acrescentando que, "com duas disposições contidas na
Constituição Federal de 1988, o princípio da reparação do dano moral
encontra o batismo que a inseriu em a canonicidade de nosso direito
positivo. Agora, pela palavra mais firme e mais alta da norma
constitucional, tornou-se princípio de natureza cogente o que estabelece a
reparação por dano moral em nosso direito, obrigatório para o legislador e
para o Juiz" (in RESPONSABILIDADE Civil, ed. Forense, Rio, 3ª ed.
1992, p.58).
Consagrado o princípio da reparação do dano moral, sua indenizabilidade
"que ainda gera alguma polêmica na jurisprudência, ganha foros de
constitucionalidade. Elimina-se o materialismo exagerado de só se
42
considerar objeto do Direito das Obrigações o dano patrimonial" (in
HUMBERTO THEODORO JÚNIOR; Alguns impactos da nova ordem
constitucional sobre o Direito Civil, RT 662/8).
Danos morais, segundo a definição do insigne mestre Wilson Mello da
Silva, autor de um dos melhores trabalhos sobre o assunto na literatura
jurídica brasileira,
"são lesões sofridas pelo sujeito físico ou pessoa natural de direito em seu
patrimônio ideal, entendendo-se por patrimônio ideal, em contraposição a
patrimônio material, o conjunto de tudo aquilo que não seja suscetível de
valor econômico"(in O Dano Moral e sua reparação - 2ª ed., Forense - p.
13).
E continua afirmando que
"o patrimônio moral decorre dos bens da alma e os danos que dele se
originam seriam, singelamente, danos da alma, para usar da expressão do
evangelista São Mateus, lembrada por Fischer e reproduzida por Aguiar
Dias".
Em sede de indenização por danos morais, a questão da prova se apresenta
de forma simples, quando se trata de demonstrar o prejuízo. Ao
prejudicado cumpre provar o dano.
Segundo o magistério de Aguiar Dias (in Da RESPONSABILIDADE
civil, 6ª ed. 1979, v. l, pp. 93/94),
"o que o prejudicado deve provar, na ação, é o dano, sem consideração ao
seu "quantum", que é matéria da liquidação. Não basta, todavia, que o
autor mostre que o fato de que se queixa, na ação, seja capaz de produzir
43
dano, seja de natureza prejudicial. É preciso que prove o dano concreto,
assim entendida a realidade do dano que experimentou, relegando para a
liquidação a avaliação do seu montante".
Ainda segundo o renomado jurista,
"o prejuízo deve ser certo. É a regra essencial da reparação. Com isso, se
estabelece que o dano hipotético não justifica a reparação"(Repertório
Enciclopédico do Direito Brasileiro, vol. 14/221 - Carvalho Santos e
colaboradores).
Por danos morais compreendem-se as ofensas aos direitos da
personalidade, da pessoa sobre ela mesma e, por isso mesmo, insuscetíveis
de serem avaliados em termos monetários.
Na hipótese, não resta dúvida de que o procedimento da Corregedoria
Geral de POLÍCIA provocou no autor danos de natureza moral, ou
extrapatrimonial como se quer hoje.
No tocante ao quantum da indenização, o conceito de ressarcimento
abrange aqui duas forças: uma de caráter punitivo, visando castigar o
causador do dano, pela ofensa que praticou; outra, de caráter
compensatório, que proporcionará à vítima algum bem em contrapartida ao
mal sofrido.
Oportuno lembrar a lição de Maria Helena Diniz (in Curso de Direito Civil
Brasileiro, São Paulo, Saraiva, 1990, v. 7, RESPONSABILIDADE Civil,
5ª ed. p. 78/79):
"A fixação do quantum competirá ao prudente arbítrio do magistrado de
acordo com o estabelecido em lei, e nos casos de dano moral não
44
contemplado legalmente a reparação correspondente será fixada por
arbitramento (CC, art. 1553, RTJ, 69: 276, 67: 277). Arbitramento é o
exame pericial tendo em vista determinar o valor do bem, ou da obrigação,
a ele ligado, muito comum na indenização dos danos. É de competência
jurisdicional o estabelecimento do modo como o lesante deve reparar o
dano moral, baseado em critérios subjetivos (posição social ou política do
ofendido, intensidade do ânimo de ofender; culpa ou dolo) ou objetivos
(situação econômica do ofensor, risco criado, gravidade e repercussão da
ofensa). Na avaliação do dano moral o órgão judicante deverá estabelecer
uma reparação equitativa, baseada na culpa do agente, na extensão do
prejuízo causado e na capacidade econômica do responsável. Na reparação
do dano moral o juiz determina, por eqüidade, levando em conta as
circunstâncias de cada caso, o quantum da indenização devida, que deverá
corresponder à lesão e não se equivalente, por ser impossível tal
equivalência".
Para Carlos Alberto Bittar (in Reparação civil por danos morais, RT, 1993,
pág. 130):
"Com efeito, o dano moral repercute internamente, ou seja, na esfera
íntima, ou no recôndito do espírito, dispensando a experiência humana
qualquer exteriorização a título de prova, diante das próprias evidências
fáticas".
A verba indenizatória, decorrente de dano moral, tem como objetivo
minimizar a dor e a aflição suportada pelos autores. Tem caráter
compensatório, e não pode constituir fonte de enriquecimento ilícito,
defeso por lei.
Na fixação da indenização por danos morais, enfim, deve prevalecer o
45
prudente arbítrio do julgador, que levará em consideração as circunstâncias
do caso de modo a evitar que a condenação represente captação de
vantagem.
Sobre essa valoração, vale lembrar o entendimento do Superior Tribunal de
Justiça:
"O valor da indenização por dano moral sujeita-se ao controle do Superior
Tribunal de Justiça, sendo certo que, na fixação da indenização a esse
título, recomendável que o arbitramento seja feito com moderação,
proporcionalmente ao grau de culpa, ao nível sócio-econômico dos autores
e, ainda, ao porte econômico dos réus, orientando-se o juiz pelos critérios
sugeridos pela doutrina e pela jurisprudência, com razoabilidade, valendo-
se de sua experiência e do bom senso, atento à realidade da vida e às
peculiaridades de cada caso. Depreendendo-se das razões recursais qual a
questão jurídica colocada, desnecessária a particularização dos dispositivos
eventualmente violados, não incidindo o enunciado 284 do Supremo
Tribunal Federal, que supõe a impossibilidade de exata compreensão de
controvérsia." (STJ-REsp nº 145.358- MG, Rel. Min. Sálvio de Figueiredo
Teixeira, DJU de 01/03/99).
O procedimento adotado pela Corregedoria de POLÍCIA Civil causou,
sem dúvida, abalo psíquico no autor ,que se viu processado criminalmente
sem ter cometido qualquer delito, como ficou demonstrado.
Fixada a indenização em R$3.800,00, considero o valor como justo.
Com respeito à verba honorária arbitrada em R$1.500,00 não há o que
modificar, pois está legal e suficientemente justificada, adequando-se aos
46
parâmetros aqui adotados.
Diante do exposto, em reexame necessário, confirmo a sentença,
prejudicado o recurso voluntário.
Custas recursais pelo Estado. Isento.
Votaram de acordo com o(a) Relator(a) os Desembargador(es):
BELIZÁRIO DE LACERDA e HELOISA COMBAT.
SÚMULA : CONFIRMARAM A SENTENÇA, NO REEXAME
NECESSÁRIO, PREJUDICADO O RECURSO VOLUNTÁRIO.
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE MINAS GERAIS
APELAÇÃO CÍVEL / REEXAME NECESSÁRIO Nº 1.0024.07.383558-
9/001
Número do processo: 1.0024.04.292367-2/001(2)
Relator: PEDRO BERNARDES
Relator do Acordão: PEDRO BERNARDES
Data do Julgamento: 27/02/2007
Data da Publicação: 24/03/2007
Inteiro Teor:
EMENTA: Ação de indenização proposta em face de cartório de notas -
Inexistência de personalidade jurídica - RESPONSABILIDADE pessoal
de cada um dos agentes do cartório pelos seus atos - Ilegitimidade passiva -
Ausência de condenação - Fixação dos honorários de acordo com o
disposto nos §§3º e 4º do C.P.C. - O cartório extrajudicial não possui
personalidade jurídica, e por esta razão cada um dos seus agentes é
47
pessoalmente responsável pelos seus atos. - Se o ato praticado em cartório
surtiu danos, a RESPONSABILIDADE por estes é do agente notarial que
o realizou. - Não podendo o cartório responder pelos danos decorrentes de
atos notariais, não tem legitimidade para figurar no pólo passivo da ação de
indenização. - Se não há condenação, os honorários advocatícios de
sucumbência devem ser fixados de acordo com o disposto nos §§3º e 4º, do
C.P.C.
APELAÇÃO CÍVEL N° 1.0024.04.292367-2/001 - COMARCA DE
BELO HORIZONTE - APELANTE(S): ESPÓLIO DE ALAOR SATUF
RESENDE REPDO(A) PELO(A) INVENTARIANTE NEUSA SATUF
RESENDE - APELADO(A)(S): CART 9º OF NOTAS COMARCA BELO
HORIZONTE POR WALQUÍRIA MARA GARCIANO MACHADO
RABELO - NA QUALIDADE DE TABELIÃ . - RELATOR: EXMO. SR.
DES. PEDRO BERNARDES
ACÓRDÃO
Vistos etc., acorda, em Turma, a 9ª CÂMARA CÍVEL do Tribunal de
JUSTIÇA do Estado de Minas Gerais, na conformidade da ata dos
julgamentos e das notas taquigráficas, EM DAR PARCIAL
PROVIMENTO, VENCIDO PARCIALMENTE O DESEMBARGADOR
REVISOR.
Belo Horizonte, 27 de fevereiro de 2007.
DES. PEDRO BERNARDES - Relator
>>>
06/02/2007
48
9ª CÂMARA CÍVEL
ADIADO
NOTAS TAQUIGRÁFICAS
APELAÇÃO CÍVEL Nº 1.0024.04.292367-2/001 - COMARCA DE BELO
HORIZONTE - APELANTE(S): ESPÓLIO DE ALAOR SATUF
RESENDE REPDO(A) PELO(A) INVENTARIANTE NEUSA SATUF
RESENDE - APELADO(A)(S): CART 9º OF NOTAS COMARCA BELO
HORIZONTE POR WALQUÍRIA MARA GARCIANO MACHADO
RABELO - NA QUALIDADE DE TABELIÃ . - RELATOR: EXMO. SR.
DES. PEDRO BERNARDES
Produziu sustentação oral, pelo apelante, o Dr. Daniel Farnese Cordeiro de
Aguiar.
O SR. DES. PEDRO BERNARDES:
VOTO
Tendo o MM Juiz da 11ª Vara Cível da Comarca de Belo Horizonte
julgado extinta, sem análise de mérito, a Ação de Indenização proposta
pelo Espólio de Alaor Satuf Resende em face do Cartório 9º Ofício da
Comarca de Belo Horizonte (fls. 284/293), aquele interpôs o presente
apelo, buscando a reforma do decisum.
Em razões de fls. 295/314 afirma a apelante, em síntese, que o MM. Juiz
de primeiro grau não decidiu corretamente ao reconhecer a ilegitimidade
passiva do apelado; que os cartórios possuem personalidade jurídica
própria, e por esta razão respondem pelos atos ilícitos praticados pelos seus
funcionários; que se deve reconhecer ao menos a personalidade formal ou
49
judiciária dos cartórios; que se qualifica como de consumo a relação
jurídica existente entre o cartório e as pessoas que procuram os serviços
por eles prestados; que em se tratando de relação de consumo, se aplica a
teoria da aparência; que mesmo que os atos ilícitos mencionados nos autos
tenham sido praticados na época em que outra pessoa era a tabeliã do
cartório, esta responde pelos danos causados; que não há que se falar em
RESPONSABILIDADE do tabelião da época da ocorrência dos fatos; que
se deve reconhecer a legitimidade do Cartório do 9º Ofício de Notas de
Belo Horizonte para ocupar o pólo passivo da presente relação processual;
que os honorários de sucumbência devem ser fixados de acordo com o
disposto nos §§3º e 4º do C.P.C; que deve haver redução dos honorários de
sucumbência. Tece outras considerações, cita decisões judiciais e, ao final,
pede que a sentença seja cassada.
Intimado o apelado, apresentou contra-razões a sua tabeliã (fls. 318/328)
afirmando, em síntese, que os cartórios não possuem personalidade
jurídica, e por esta razão não possuem legitimidade ad causam; que a
RESPONSABILIDADE dos tabeliães pela atividade notarial decorre de
lei; que a RESPONSABILIDADE pelos atos praticados no cartório é do
tabelião titular na época da ocorrência dos fatos; que o cartório é tão
somente o local onde são praticados os atos notariais; que não há que se
falar em reforma da sentença; que não estando presentes todas as condições
da ação o feito deve ser extinto sem análise de mérito; que não há que se
falar em redução dos honorários de sucumbência; que os procuradores do
apelado sempre atuaram com zelo; que este já é o segundo apelo interposto
neste feito; que os honorários devem ser fixados com base no valor
atribuído à causa. Tece outras considerações, cita decisões judiciais e, ao
final, pede que seja negado provimento ao apelo.
50
Comprovação do preparo feita às fls. 315.
Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do apelo.
De acordo com o que foi afirmado pelo apelante, o falecido Alaor Satuf
Rezende e s/m Isabel de Fátima Belo Pinaud celebraram contrato de
compra e venda de imóvel, em 11/08/93, tendo como vendedores
Aguinaldo Pereira e s/m Solange Patrocínio Pereira.
Diz mais que, com o falecimento do comprador varão, houve abertura do
inventário, tendo a inventariante solicitado certidão imobiliária no Cartório
de Registro de Imóveis, para apresentá-lo nos autos do inventário, quando,
então, a inventariante tomou conhecimento de que a citada venda não foi
feita pelos verdadeiros proprietários do imóvel, mas por terceiros falsários.
Diante destes fatos, afirma o apelante a ilicitude da conduta do apelado ao
possibilitar a lavratura da escritura sem antes verificar se as assinaturas
apostas pelos vendedores naquela oportunidade eram compatíveis com
aquelas pertencentes aos verdadeiros proprietários do imóvel. Alega ainda
o apelante que a mencionada ilicitude possibilitou a caracterização de
danos morais e materiais, motivo pelo qual o apelado deve ser condenado
ao pagamento das indenizações pleiteadas.
O MM. Juiz de primeiro grau extinguiu o feito sem resolver o mérito com
fundamento na ilegitimidade passiva do apelado, o que a meu sentir se
mostra correto.
A presente ação foi proposta em face do Cartório do 9º Ofício da Comarca
de Belo Horizonte; todavia, entendo que este não possui legitimidade ad
causam, do que se conclui pela carência de ação, e extinção do feito sem
51
resolução do mérito.
A Lei 8.935/94, que regula o art. 236 da Constituição da República, prevê
no capítulo destinado à RESPONSABILIDADE civil e criminal que os
danos decorrentes dos atos praticados no cartório devem ser reparados
pelos seus agentes, notários, oficiais de registro, bem como seus prepostos,
como se pode ver:
Art. 22. Os notários e oficiais de registro responderão pelos danos que eles
e seus prepostos causem a terceiros, na prática de atos próprios da
serventia, assegurado aos primeiros direito de regresso no caso de dolo ou
culpa dos prepostos.
Ora, em nenhum momento o citado diploma legal previu a possibilidade de
se responsabilizar o próprio cartório pelos atos praticados pelos seus
agentes, concluindo-se assim pela RESPONSABILIDADE pessoal de
cada um deles.
Infere-se que o cartório é tão somente o local onde são praticados os atos
notariais, não possuindo assim personalidade própria; constitui-se como
uma serventia que pertence ao Estado, devendo ser considerado como uma
repartição pública destituída de capacidade jurídica.
Em voto proferido pelo em. Des. Armando Freire, na apelação nº 355579-
1, julgada em 16/05/02, este comparou os cartórios notariais às secretarias
deste eg. Tribunal. Nesta oportunidade o julgador afirmou que da mesma
forma que não é possível propor ação indenizatória contra a secretaria em
razão de ato praticado pelo escrivão, não é plausível o ajuizamento de ação
em face do cartório em razão de ato praticado por um dos notários, como
52
se pode ver:
(...)
Se houve falha, tal falha não é imputável ao CARTÓRIO, mas sim ao
NOTÁRIO! Se houve culpa, a culpa não foi do CARTÓRIO, mas do
NOTÁRIO! Se houve dolo, não foi do CARTÓRIO, mas do NOTÁRIO!
Processar um CARTÓRIO, é a mesma aberração jurídica que processar a
SECRETARIA DA PRIMEIRA VARA CÍVEL do foro de Uberaba, por
ato culposo ou doloso da ESCRIVÃ!!! É de lógica mediana que a
SECRETARIA não tem qualquer RESPONSABILIDADE civil, mas sim
a ESCRIVÃ e, solidariamente, o Estado! O mesmo acontece com os
cartórios.
Essa lição, se mostra clara no escólio de YOUSSEF CAHALI, ao afirmar
que a jurisprudência tem proclamado que a ação de ressarcimento poderá
ser proposta contra o TITULAR DA SERVENTIA ou contra o ESTADO,
ou contra ambos em litisconsórcio passivo (sem grifos e marcas no
original)" (f. 521-522).
(...).
Desta forma, deveria o apelante ter pleiteado o pagamento da indenização
por danos morais e materiais em face do agente notarial que foi
encarregado de lavrar e registrar a escritura relativa ao imóvel que
supostamente havia sido alienado ao de cujus, e não demandar em face do
Cartório do 9º Ofício da Comarca de Belo Horizonte.
As decisões abaixo citadas são neste sentido:
53
CARTÓRIO - CAPACIDADE PROCESSUAL - ILEGITIMIDADE.
O Cartório de Notas não detém personalidade jurídica e o responsável por
eventual dano causado ao particular é o tabelião titular da serventia.
(TJMG. Apel. nº 400603-9. 13ª Câm. Cív. Rel. Elias Camilo. 11/09/03.).
AGRAVO DE INSTRUMENTO - CARTÓRIO - CAPACIDADE
PROCESSUAL - ILEGITIMIDADE PASSIVA. (voto vencido
parcialmente) O Cartório de Notas é simples serventia, não detém
personalidade jurídica não sendo sujeito de direitos e obrigações. O
responsável por eventual dano causado ao particular é o tabelião titular da
serventia, que tem legitimidade para responder a demanda. Recurso
parcialmente provido. (...). (TJMG. Agravo de Instrumento nº 458259-8.
Rel. Hilda Teixeira da Costa. 13ª Câm. Cív. 02/09/04.).
AÇÃO DE INDENIZAÇÃO - DANO MORAL - CARTÓRIO - ATO DE
OFÍCIO - ESCRITURA - EXTRAPOLAÇÃO AOS LIMITES DO
MANDATO EM QUE SE BASEOU - RESPONSABILIDADE
CONFIGURADA.
Os cartórios extrajudiciais não detém personalidade jurídica própria, razão
por que não podem integrar o pólo passivo da ação de indenização, posto
que incumbe ao seu titular responder pelos danos que eles e seus prepostos
causem a terceiros, na prática de atos próprios da serventia. (...). (TJMG.
Apel. nº 461493-5. 15ª Câm. Cív. Rel. D. Viçoso Rodrigues. 04/08/05.).
Desta forma, tenho que decidiu corretamente o MM. Juiz de primeiro grau
ao reconhecer a ilegitimidade do apelado, e extinguir o processo sem
resolução do mérito.
No que concerne aos honorários advocatícios de sucumbência, tenho que
54
assiste razão ao apelante ao afirmar que não poderiam ter sido fixados com
base no valor atribuído à causa.
Não havendo condenação, aplica-se o disposto nos §§3º e 4º, do Código de
Processo Civil, ou seja, os honorários devem ser fixados consoante
apreciação eqüitativa do juiz, atendidos os seguintes critérios: o grau de
zelo do profissional; o lugar da prestação do serviço; a natureza e
importância da causa, o trabalho realizado pelo advogado e o tempo
exigido para o seu serviço.
No caso, o MM. Juiz fixou os honorários em 20% do valor atribuído à
causa, que foi de R$70.000,00, corrigido a partir da data da propositura da
ação. Assim, sem correção, os honorários importariam em R$14.000,00.
Entendo, data venia, que ainda que se entendesse que era o caso de fixar os
honorários em percentual sobre o valor da causa, não era o caso de se fixar
no valor máximo.
Considerando-se que o processamento do feito iniciou-se em 2004, que os
procuradores possuem escritório no mesmo local onde aquele tramitou, e
que não houve a demanda pela produção de muitas provas, tenho que se
mostra justo fixar os honorários em R$7.000,00 (sete mil reais).
Com a alteração mínima do julgado e considerando que apenas quanto a
honorários, deverá o apelante responder pelas custas do recurso.
Assim, DOU PARCIAL PROVIMENTO ao apelo, e fixo os honorários
advocatícios de sucumbência em R$7.000,00 (sete mil reais), os quais
deverão ser atualizados monetariamente pela tabela da Corregedoria de
JUSTIÇA, a partir da publicação do acórdão.
55
Custas do recurso, pelo apelante.
O SR. DES. TARCISIO MARTINS COSTA:
VOTO
Peço vista,
O SR. DES. JOSÉ ANTÔNIO BRAGA:
VOTO
Ouvi com atenção os argumentos do Dr. Daniel Cordeiro Farnese. Estou
acompanhando o eminente Des. Relator integralmente e o faço porque a
delegação do serviço extrajudicial é outorgada à pessoa natural, pois quem
presta concurso para ingresso é bacharel e para a posse e exercício não se
exige a constituição de pessoa jurídica, pois o ato, como repriso, é da
função executiva para uma pessoa natural que pode contratar auxiliares.
A Lei Federal 8935/94, desde então, suprimiu a expressão "cartório" e hoje
utiliza tão-somente "serviço extrajudicial" e, como bem registrou o
eminentemente procurador da parte apelante, insere no art. 22 a
responsabilização pessoal do delegado.
Concluindo, cartório é nome de fantasia, é expressão que vem do direito
lusitano e que, há doze anos está abolida do nosso ordenamento jurídico.
Relativamente à redução dos honorários, acompanho também
integralmente o eminente Des. Relator.
>>>>
56
NOTAS TAQUIGRÁFICAS
O SR. DES. PRESIDENTE:
VOTO
O julgamento deste feito foi adiado na sessão anterior, a pedido do
Desembargador Revisor, quando, então, o Desembargador Relator dava
parcial provimento e o Vogal, em adiantamento de voto, o acompanhava.
O SR. DES. TARCISIO MARTINS COSTA:
VOTO
A controvérsia instaurada nos autos se restringe em saber se o cartório de
notas pode ser demandado em ação indenizatória por ato de seu
SERVENTUÁRIO.
Os eminentes Relator e Vogal, este em adiantamento de voto, comungando
com o entendimento do MM. Juiz singular, consideraram que a serventia
extrajudicial é parte ilegítima para figurar no pólo passivo da relação
processual, por não ser ela dotada de personalidade jurídica, cabendo ao
agente notarial que realizou o ato reputado lesivo responder pelos prejuízos
eventualmente causados.
Ainda que reconhecendo se tratar de questão controversa e a existência de
dissídio jurisprudencial nesta mesmas Eg. Corte de JUSTIÇA, em
consonância com o posicionamento unânime deste Douto Colegiado,
sempre tive o mesmo entendimento externado nos votos precedentes,
conforme se vê da Apelação Cível nº 1.0024.04.353605-1, de minha
relatoria, que ficou assim ementada:
57
"PROCESSUAL CIVIL. CARTÓRIO DE REGISTRO PÚBLICO.
ILEGITIMIDADE PASSIVA. FALTA DE INTERESSE DE AGIR.
CARÊNCIA DA AÇÃO. - Cartório de Registros Públicos não tem
personalidade jurídica e, conseqüentemente, capacidade de ser parte em
juízo. - Caracteriza a falta de interesse de agir o pedido de suprimento de
registro público sem a prévia observância do procedimento de Suscitação
de Dúvida, previsto para dirimir questões relacionadas à negativa de
registro.
Ocorre, entretanto, como bem demonstrado pelo apelante, em suas razões
de recurso, reafirmadas em candente sustentação oral proferida por seu
ilustre advogado, Dr. Daniel Cordeiro Farnese de Aguiar, o colendo STJ
vem consagrando posição diversa, de que é exemplo o REsp. nº 456.532-
RJ (2002/0079415-2), litteris:
CARTÓRIO DE NOTAS. Tabelionato. RESPONSABILIDADE civil.
Legitimidade passiva do cartório. Pessoa formal. Recurso conhecido e
provido para reconhecer a legitimidade do cartório de notas por erro quanto
à pessoa na lavratura de escritura pública de compra e venda de imóvel."
(Quarta Turma - Relator Ministro Ruy Rosado de Aguiar - 20/05/2003 - DJ
04.08.2003).
Permito-me, aqui, transcrever o seguinte excerto do judicioso voto das
lavra do em. Ministro Relator, litteris:
"(...) 1. Trata-se de saber se o cartório de notas pode ser demandado em
juízo, por ato de seu SERVENTUÁRIO. Nesta Quarta Turma já assim foi
decidido sobre a legitimidade das pessoas formais: 'Desta forma, o réu
estaria legitimado para demandar e ser demandado, por defender um
interesse próprio, sendo ele equiparado a uma das várias figuras
58
denominadas 'pessoas formais', contempladas pela lei como titulares de
personalidade judiciária, conquanto não-detentoras de personalidade
jurídica, tais como a massa falida, e espólio, as heranças jacente e vacante
e o condomínio, sendo pertinente a lição de Thereza Alvim, em O Direito
Processual de Estar em Juízo (RT, 1996, n. 1.7, p. 71), no sentido de não
ser taxativo o rol elencado no art. 12 do Código de Processo Civil'.
Logo adiante prossegue:
"Nesse sentido, aliás, a observação feita pelo Ministro Athos Carneiro no
seu admirado estudo Intervenção de Terceiros (Saraiva, 1994, 6ª ed., n. 3.2,
nota 12, p. 12/13): 'Em voto na AC 31.130 (julgada em 3-4-1979 pela 1ª
Cãm. Cív. E publicada na RJTJRS, 76:286), tivemos oportunidade de
afirmar que podem atuar em juízo inclusive comunidades de pessoas ou
patrimônios desprovidos de personalidade jurídica, e inclusive assiste
capacidade para ser parte até órgãos internos de pessoas jurídicas quando
na defesa de interesse peculiares ao mesmo órgão. São as chamadas
'pessoas formais', as quais inclusive compreendem, na boa lição de
Tornaghi, as pessoas jurídicas em formação e as pessoas jurídicas em
liquidação: daí a antecipação e o prolongamento da personalidade jurídica
dos corpos ainda, ou já, sem personalidade jurídica (Comentários ao
Código de Processo Civil, Revista dos Tribunais, 1974, v. 1, p. 132-3)' (fl.
769)."
E conclui:
"Assim, tenho que o cartório de notas pode figurar na relação processual
instaurada para a indenização pelo dano decorrente da alegada má
prestação dos serviços notariais. Tanto ele está legitimado, como o
59
tabelião, como o Estado". (grifamos).
A respeito, o festejado HELY LOPES MEIRELLES, ao reconhecer a
legitimidade ativa dos chamados "entes despersonalisados" (massa falida,
condomínio, espólio e outros), para a impetração da segurança, justifica:
"Isto porque a 'personalidade jurídica' é independente da 'personalidade
judiciária', ou seja, da capacidade para ser parte em Juízo; esta é um 'minus'
em relação àquela. Toda pessoa física ou jurídica tem necessariamente
capacidade processual, mas para postular em juízo nem sempre é exigida
personalidade jurídica; basta a personalidade judiciária, isto é, a
possibilidade de ser parte para a defesa de direitos próprios" (Mandado de
Segurança e Ação Popular, Ed. Revista dos Tribunais, 7ª ed., 1980, p. 4).
A questão relativa à legitimidade processual das serventias judiciais restou,
ainda, enfrentada pelo Colendo Superior Tribunal de JUSTIÇA, no REsp.
774.991-MG, quando o cartório, embora não reconhecida a sua
personalidade jurídica, foi considerado dotado de personalidade judiciária,
ou seja, de capacidade para ser parte em juízo:
"PROCESSUAL CIVIL. CARTÓRIO DE NOTAS. PESSOA FORMAL.
CAPACIDADE PROCESSUAL. ILEGITIMIDADE PASSIVA. ERRO
MATERIAL. CORREÇÃO DE OFÍCIO. REQUESTIONAMENTO.
VIOLAÇÃO DO ART. 535 DO CPC. NÃO-OCORRÊNCIA.
1. Tendo a Corte Regional fundamentado sua decisão em base jurídica
adequada e suficiente ao desate da lide, não haveria por que reexaminar a
matéria sob perspectiva diversa ditada pela embargante. Violação do art.
535 do CPC não-caracterizada.
2. Entre as atribuições do magistrado, inclui-se a prerrogativa de, a todo
60
temo, zelar pela higidez da relação processual, determinando as
providências corretivas que julgar adequadas para que o processo ultime-se
de modo eficaz e efetivo. Hipótese em que o apego excessivo à
formalidade da norma adjetiva contraria os princípios que informam a
razoabilidade, a efetividade e a economia processual.
3. O Cartório de Notas, conquanto não detentor de personalidade jurídica,
ostenta a qualidade de parte no sentido processual, ad instar do que ocorre
com o espólio, a massa falida etc., de modo que tem capacidade para estar
em juízo.
4. Recurso especial não-provido" REsp 774911/MG - Ministro João Otávio
de Noronha - Segunda Turma - 18/10/2005 - DJ 20.02.2006 p. 313) -
(grifamos).
Trilhando esse mesmo entendimento, as lições jurisprudenciais abaixo
transcritas.
"O cartório de notas é "assemelhado à pessoa formal" tendo, por isso,
capacidade para estar em juízo, ativa e passivamente." (JTJ 176/121,
Theotônio Negrão, Código de Processo Civil e legislação processual em
vigor, Saraiva, 3ª edição, 1999, atualizada até 5.1.99, p. 110).
"AÇÃO DE COBRANÇA DE ALUGUÉIS. CARTÓRIO. CAPACIDADE
DE ESTAR EM JUÍZO. RECURSO ADESIVO. FALTA DE
INTERESSE.
1 - Cartório extrajudicial, de notas ou registro, assemelha-se à "pessoa
formal", tendo, por isso, capacidade para estar em juízo, ativa e
passivamente, em ação de cobrança de aluguel de imóvel onde está
61
instalado.
2 - Dispondo, no entanto, o locador de contato por escrito, título executivo
extrajudicial (CPC, art. 585, IV), pode promover execução contra o
cartório e seu titular em exercício, não tendo, assim, interesse de agir em
ação de cobrança de aluguéis.
3 - Não se conhece de recurso adesivo quando o recorrente carece de
interesse para recorrer.
4 - Apelo não provido. Recurso adesivo não conhecido." (Apelação Cível
19999.01.006596-7 - 4ª Turma Cível - TJDF - Rel. Jair Soares)
Nesse mesmo norte, a copiosa jurisprudência do então TAMG, hoje
incorporado a esta eg. Corte de JUSTIÇA, trazida pelo Espólio apelante,
ao impugnar a contestação (f. 95-127).
Assim, rogando vênia aos que pensam de modo diverso, revendo
posicionamento anteriormente assumido, tenho que haverá de prevalecer o
entendimento consolidado no colendo Superior Tribunal de JUSTIÇA, a
quem incumbe a custódia da uniformização do direito infraconstitucional,
no sentido de que o cartório de notas ou de registros se assemelha à pessoa
formal, tendo, assim, capacidade para estar em juízo, ativa ou
passivamente, podendo o lesado, para a recomposição do dano a ele
causado pelo servidor investido de função de natureza pública, acionar a
serventia, podendo, ainda, fazê-lo em relação ao tabelião, ou ao Estado,
isolada ou conjuntamente.
Finalmente, quanto ao vocábulo Cartório, rechaçado no voto do em. Vogal,
embora a questão a mim me pareça sem maior relevância, sabe-se que é
genérico e engloba uma diversidade de funções que são desempenhadas
62
nos Tabelionatos ou Ofício de Notas, nos Registros Públicos e nas
Escrivanias de JUSTIÇA.
Após a promulgação da Lei Federal 8.935/94, que regulamentou o art. 246,
dispondo sobre os serviços notarias e registrais, questionou-se a respeito de
se saber se o legislador pátrio havia ou não mantido em seu vocabulário a
palavra Cartório.
Tanto, assim que a Corregedoria-Geral do Estado de São Paulo, baixou o
Provimento 1/98, relacionado, em anexo, as novas denominações das
unidades de serviço de notas naquele no estado.
Discorrendo sobre o assunto, ELVINO SIVLA FILHO, em ensaio
intitulado "Formação Jurídica do Cartorário", inserto na obra
Corregedorias do Poder Judiciário (Editora RT, coordenada por Wladimir
Passos de Freitas, 2003, p. 38), destaca do parecer que informou a
prefalada Portaria o seguinte trecho:
"Ainda que tecnicamente não mais exista cartório como unidade do serviço
do foro extrajudicial a quem se atribuía a competência para a execução da
atividade notarial e de registro, e no qual eram os serventuários providos,
nada obsta que a sede da unidade do serviço onde esteja guardado o acervo
do tabelião ou do registrador, continue sendo chamado cartório".
Lembra, entretanto, o autor que tal vocábulo "está inserido,
tradicionalmente, tanto na linguagem como na memória do povo brasileiro,
como é, também, constantemente usado linguagem jurídica". (p. 38).
De qualquer sorte, "Cartório", "Tabelionato", "Ofício de Notas ou de
Registro", "Serventia", independentemente do nome que se queira adotar,
assemelha-se a "pessoa formal", dotada de capacidade judiciária, podendo
63
responder ativa ou passivamente em juízo, conforme anteriormente
asseverado.
Ao impulso dessas considerações, rogando vênia aos que pensam de modo
diverso, entendo que não há como prevalecer a r. sentença de primeiro grau
que extinguiu o processo, sem resolução de mérito, por ilegitimidade
passiva ad causam do "Cartório de Notas do Nono Ofício de Belo
Horizonte".
SÚMULA : DERAM PARCIAL PROVIMENTO, VENCIDO
PARCIALMENTE O DESEMBARGADOR REVISOR.
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE MINAS GERAIS
APELAÇÃO CÍVEL Nº 1.0024.04.292367-2/001
RE-AgR 209354 / PR - PARANÁ
AG.REG.NO RECURSO
EXTRAORDINÁRIO
Relator(a): Min. CARLOS VELLOSO
Julgamento: 02/03/1999 Órgão Julgador: Segunda Turma
Publicação
DJ 16-04-1999 PP-00019 EMENT VOL-01946-07 PP-01275
Parte(s)
AGTE. : ESTADO DO PARANÁ
AGDO. : RIFAN ELIAS RIFAN
ADVDOS. : LUIZ JULIO BERTIN E OUTROS
AGDO. : MARIA DE FÁTIMA MIDAUAR SEGHESI
../jurisprudencia/l RE-AgR209354 /
64
Ementa
EMENTA: - CONSTITUCIONAL. SERVIDOR PÚBLICO.
TABELIÃO. TITULARES DE OFÍCIO DE JUSTIÇA:
RESPONSABILIDADE CIVIL. RESPONSABILIDADE DO
ESTADO. C.F. , art. 37, § 6º. I. - Natureza estatal das atividades
exercidas pelos serventuários titulares de cartórios e registros
extrajudiciais, exercidas em caráter privado, por delegação do Poder
Público. Responsabilidade objetiva do Estado pelos danos praticados a
terceiros por esses servidores no exercício de tais funções, assegurado o
direito de regresso contra o notário, nos casos de dolo ou culpa (C.F.,
art. 37, § 6º). II. - Negativa de trânsito ao RE. Agravo não provido.
Indexação
CV0052 , RESPONSABILIDADE CIVIL, TABELIÃO, TERCEIRO,
DANO, ESTADO,
RESPONSABILIDADE OBJETIVA, DIREITO DE
REGRESSO,
CABIMENTO,
DOLO, CULPA, HIPÓTESE.
Legislação
LEG-FED CF ANO-1988
ART-00037 PAR-00006 ART-00102 INC-00003
LET-A ART-00236
CF-1988 CONSTITUIÇÃO FEDERAL
LEG-FED LEI-005869 ANO-1973
ART-00259 INC-00005
CPC-1973 CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL
65
LEG-FED LEI-006015 ANO-1973
ART-00028
LRP-1973 LEI DE REGISTROS PÚBLICOS
Observação
Votação: unânime.
Resultado: desprovido.
Acórdãos citados: RE-116662, RE-178236 (RTJ-162/772).
N.PP.:(12). Análise:(JBM). Revisão:(AAF).
Inclusão: 06/05/99, (MLR).
Alteração: 24/02/06, (MLR).
RE 99214 / RJ - RIO DE JANEIRO
RECURSO EXTRAORDINÁRIO
Relator(a): Min. MOREIRA ALVES
Julgamento: 22/03/1983 Órgão Julgador: SEGUNDA TURMA
Publicação
DJ 20-05-1983 PP-17058 EMENT VOL-01295-03 PP-00609
RTJ VOL-00106-03 PP-01182
Ementa
RESPONSABILIDADE CIVIL. EXEGESE DO ARTIGO 107 DA
CONSTITUIÇÃO FEDERAL. AÇÃO DIRETA CONTRA O
SERVIDOR PÚBLICO COM BASE NO ARTIGO 159 DO CÓDIGO
../jurisprudencia/l RE99214 / RJ - RI
66
CIVIL. O ARTIGO 107 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL NÃO
IMPEDE QUE A VÍTIMA DE DANO DECORRENTE DE ATO DE
SERVIDOR PÚBLICO - COMO O E O SERVENTUARIO DA
JUSTIÇA, AINDA QUE DE SERVENTIA NÃO OFICIALIZADA -
PROPONHA CONTRA ESTE AÇÃO DIRETA, COM
FUNDAMENTO NO ARTIGO 159 DO CÓDIGO CIVIL. RECURSO
EXTRAORDINÁRIO CONHECIDO, MAS NÃO PROVIDO.
Indexação
CV0052,RESPONSABILIDADE CIVIL
TABELIAO
CULPA IN VIGILANDO
Legislação
LEG-FED EMC-000001 ANO-1969 ART-00107
CF-1969 CONSTITUIÇÃO FEDERAL
LEG-FED LEI-003071 ANO-1916 ART-00159
CC-1916 CÓDIGO CIVIL
Observação
VOTAÇÃO: UNÂNIME.
RESULTADO: CONHECIDO E IMPROVIDO.
VEJA: RE-77169, RE-90071, RTJ-544/260.
ANO: 1983 AUD:20-05-1983
Alteração: 12/11/98, (SVF).
67
7. CONCLUSÃO
Podemos perceber no decorrer do trabalho e de acordo com as
informações que obtivemos em livros e através de entrevistas que existe
uma responsabilidade civil de seus agentes para com o Estado, Promotores,
Delegados e Serventuários, responderão subjetivamente junto ao Estado,
por suas ações de dolo ou culpa.
O Estado num primeiro momento responderá diretamente pelo dano
causado a outrem, mas caberá a esse direito de regresso para com os seus
agentes, toda vez que os mesmos incorrerem em culpa ou dolo para com a
população, no exercício de suas atribuições, tendo o Estado não só o
direito, como o dever de regresso.
E a ninguém ocorrerá estender essa obrigação de risco ao próprio
servidor ou agente público que, tendo em vista os princípios da hierarquia e
da legalidade, só pode fazer aquilo que a lei permite sem qualquer margem
de discricionariedade. Isso quer dizer que seus atos, sendo regrados, só por
abuso, excesso, desídia, emulação, imprudência ou negligência podem ser
diretamente responsabilizados.
E, como não se desconhece, estes são componentes da culpa lato
sensu.
Nenhuma das figuras estudadas podem extrapolar nos seus deveres
ou se eximir de suas responsabilidades, respondendo civilmente por seus
atos.
68
Portanto, impossível será a responsabilidade objetiva do Estado e do
agente ao mesmo tempo, visto que responsabilizando um, não se pode
exigir a indenização do outro, sob o mesmo fundamento jurídico. Desta
forma responderá o Estado com direito de regresso sobre seu agente
causador do dano.
69
8. REFERÊNCIAS
CARNEIRO, Paulo Cezar Pinheiro. O Ministério Público do Processo
Civil e Penal . 6ª Ed. Rio de janeiro: Forense, 2001.
DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro: vol7 –
Responsabilidade Civil. 22ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2008.
FILHO, Sérgio Cavalieri. Programa de Responsabilidade Civil. 3ª Ed.
São Paulo: Malheiros, 2002.
Marcelo de Almeida de Matos (oficial de justiça)- Entrevista:
Responsabilidade Civil dos Oficiais de justiça
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 32ª Ed.
São Paulo: Malheiros, 2006.
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo.
22ª Ed. São Paulo: Malheiros, 2006.
MOREIRA, Diogo de Figueiredo Neto Regime constitucional dos
servidores públicos2ª edição. São Paulo: RT, 1992.
SILVA, José Afonso. Direito Constitucional Positivo. 9ª Ed. São Paulo:
Malheiros, 1993.
STOCO,Rui. Tratado de Responsabilidade Civil – Doutrina e
Jurisprudência revista, atualizada e ampliada. 7ª Ed. São Paulo: Editora
Revista dos Tribunais - RT.
VADE MECUM. 5ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2008.
70
ELIZETE FERREIRA DIAS
RAÍSSA RIBEIRO DELFINO
THAÍSE RAMOS
RESPONSABILIDADE CIVIL POR AÇÃO E POR OMISSÃO DO PROMOTOR DE JUSTIÇA; DOS SERVENTUÁRIOS DA JUSTIÇA E
DO DELEGADO
FACULDADE DE DIREITO DO SUL DE MINAS
POUSO ALEGRE
2008
71
ELIZETE FERREIRA DIAS
RAÍSSA RIBEIRO DELFINO
THAÍSE RAMOS
RESPONSABILIDADE CIVIL POR AÇÃO E POR OMISSÃO DO PROMOTOR DE JUSTIÇA; DOS SERVENTUÁRIOS DA JUSTIÇA E
DO DELEGADO
Trabalho apresentado como requisito parcial para obtenção da nota do 4º bimestre em Direito Civil II, sob a orientação do professor Adilson Ralf Santos.
FACULDADE DE DIREITO DO SUL DE MINAS
POUSO ALEGRE
2008
72