POLÍCIA MILITAR DE SANTA CATARINA
UNIVERSIDADE DO SUL DE SANTA CATARINA
JOSÉ ALFREDO ESTANISLAU
REGULAMENTO DISCIPLINAR DA POLÍCIA MILITAR DE SANTA CATARINA –
PROPOSTA DE ATUALIZAÇÃO
Florianópolis 2010
JOSÉ ALFREDO ESTANISLAU
REGULAMENTO DISCIPLINAR DA POLÍCIA MILITAR DE SANTA CATARINA –
PROPOSTA DE ATUALIZAÇÃO
Monografia apresentada ao Curso Superior de Polícia da
Polícia Militar de Santa Catarina com especialização lato
sensu em Gestão Estratégica de Segurança Pública,
como requisito para obtenção do título de Especialista
em Gestão Estratégica de Segurança Pública pela
Universidade do Sul de Santa Catarina.
Orientador: Prof°. Mestre Clóvis Lopes Colpani
Florianópolis 2010
JOSÉ ALFREDO ESTANISLAU
REGULAMENTO DISCIPLINAR DA POLÍCIA MILITAR DE SANTA CATARINA –
PROPOSTA DE ATUALIZAÇÃO
Esta Monografia foi julgada adequada à obtenção
do título de Especialista em Gestão Estratégica de
Segurança Pública e aprovada em sua forma final
pelo Curso de Gestão Estratégica de Segurança
Pública, da Universidade do Sul de Santa
Catarina.
.
Florianópolis, 15 de março de 2010.
________________________________ Prof°. Mestre Clóvis Lopes Colpani
Universidade do Sul de Santa Catarina
___________________________________
Cel PM Marlon Jorge Teza, Esp. Universidade do Sul de Santa Catarina
____________________________________ Ten Cel PM Fernando da Silva Cajueiro, Esp.
Universidade do Sul de Santa Catarina
Dedico esta monografia a Polícia Militar de
Santa Catarina, Instituição que há 28 anos
atrás, abriu as portas para um jovem nascido
nos campos de Lages, e que hoje é um ser
humano melhor.
AGRADECIMENTOS
Agradeço a Deus, por ter me proporcionado a chance de ver a Luz e por
saber discernir as virtudes dos vícius.
A minha mãe Iolanda de Souza Estanislau sempre presente na minha
vida.
A minha esposa Neuza de Fátima por estar comigo em todas as horas,
dividindo os momentos felizes e desagradáveis que cercam as nossas vidas.
Aos meus filhos César, Nadjara e Nayara pelo incentivo, aos quais
sempre procuro deixar os bons exemplos.
Aos meus companheiros de caserna pela dedicação as causas da Polícia
Militar.
Aos meus amigos do Curso Superior de Polícia 2009, pela compreensão,
amizade e camaradagem em todas as horas durante o Curso. Tenho certeza que a
amizade que já existia ficou mais fortalecida com esta convivência.
Ao Centro de Ensino da Policia Militar e a todo Corpo Docente do Curso
Superior de Polícia 2009, pelos ensinamentos repassados e apoio em todas as
horas.
7
RESUMO
Este trabalho monográfico analisa o Regulamento Disciplinar da Polícia Militar de
Santa Catarina a luz da Constituição Federativa do Brasil de 1988, comparando-
o com outros regulamentos disciplinares e, ao final, apresentando uma proposta
de atualização. Com a promulgação da Carta Magna de 1988, os brasileiros
foram contemplados com vários avanços na área social. O relacionamento entre
Estado e servidores foi revestido de nova roupagem, por conta de maiores
garantias individuais conquistadas. Os militares das Forcas Armadas e das
Polícias Militares das Unidades da Federação viram seus regulamentos
disciplinares defasados diante do novo ordenamento constitucional. Muito
embora o texto constitucional tenha recepcionado todas as leis e os
regulamentos disciplinares dos militares Federais e Estaduais, ainda assim a
atualização é uma necessidade imediata. Em alguns Estados da Federação, bem
como o próprio Exército Brasileiro já atualizaram seus regulamentos
disciplinares. A Polícia Militar de Santa Catarina se inclui nas que não
atualizaram seu regulamento disciplinar e, por conta dos avanços sociais, sente
essa necessidade no seu dia-a-dia.
Palavras-Chave: Regulamento Disciplinar. Legislação Polícial Militar.
8
ABSTRACT
This monograph analyzes the Disciplinary Regulations of the Military Police of Santa
Catarina in light of the Constitution of Brazil of 1988, compared with other disciplinary
rules and in the end, presenting a proposal to upgrade. With the promulgation of the
Magna Carta of 1988, the Brazilians were awarded several advances in the social
area. The relationship between state and servers was covered with a new package,
due to greater earmarking conquered. The military of the Armed Forces and Military
Police Units of the Federation saw its disciplinary regulations outdated before the
new constitutional order. Although the constitutional text has been approved all the
laws and disciplinary regulations of the Federal and State military, yet the update is
an immediate need. In some states of the Federation and the Brazilian Army itself
have updated their disciplinary regulations. The Military Police of Santa Catarina is
included in that updated its rules and discipline, on behalf of social progress, feel this
need in their day-to-day.
Key-words: Disciplinary Regulations. Legislation military police.
9
LISTA DE SIGLAS
CADH – Convenção Americana de Direitos Humanos CAO – Curso de Aperfeiçoamento de Oficiais CF – Constituição Federal CI – Comunicação Interna DGP – Departamento Geral de Pessoal IGPM – Inspetoria Geral das Polícias Militares IMEs – Instituições Militares Estaduais OPM – Organização Policial Militar PAD – Processo Administrativo Disciplinar PMSC – Polícia Militar de Santa Catarina RDE – Regulamento Disciplinar do Exército RDPMSC – Regulamento Disciplinar da Polícia Militar de Santa Catarina
10
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO........................................................................................................11
1.1 FORMULAÇÃO DO PROBLEMA.........................................................................12
1.1.1 Justificativa........................................................................................................13
1.2 OBJETIVO GERAL...............................................................................................14
1.2.1 Objetivos específicos.........................................................................................14
1.3 METODOLOGIA ..................................................................................................14
1.4 DESCRIÇÃO SUMÁRIA DOS CAPÍTULOS.........................................................15
2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA..............................................................................16
2.1 CONSIDERAÇÕES GERAIS...............................................................................16
2.2 AS PM E OS CBM APÓS A REVOLUÇÃO DE 1964...........................................18
2.3 PROCESSOS ADMINISTRATIVOS E PROCEDIMENTOS
ADMINISTRATIVOS...................................................................................................19
3 PODER DE PUNIR..................................................................................................20
3.1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS...............................................................................20
3.2 PODERES ADMINISTRATIVOS..........................................................................21
3.3 PODER HIERÁRQUICO......................................................................................22
3.4 PODER DISCIPLINAR.........................................................................................24
4 REGULAMENTO DISCIPLINAR DA POLÍCIA MILITAR DE SANTA CATARINA
NA ÓTICA CONSTITUCIONAL.................................................................................26
4.1 PRINCÍPIOS GERAIS DA HIERARQUIA E DA DISCIPLINA..............................27
4.2 ESPECIFICAÇÃO DAS TRANSGRESSÕES.......................................................31
4.3 JULGAMENTO DAS TRANSGRESSÕES...........................................................34
4.4 CLASSIFICAÇÃO DAS TRANSGRESSÕES.......................................................35
4.5 GRADAÇÃO DAS PUNIÇÕES E APLICAÇÃO....................................................36
4.6 APLICAÇÃO E CUMPRIMENTO DAS PUNIÇÕES.............................................40
4.6.1 Habeas Corpus nas transgressões disciplinares..............................................42
4.7 RECURSOS E MODIFICAÇÃO NA APLICAÇÃO DAS PUNIÇÕES....................45
4.8 RECOMPENSAS..................................................................................................48
5 PROPOSTAS DE ATUALIZAÇÕES AO RDPMSC................................................49
6 CONCLUSÃO.........................................................................................................52
REFERÊNCIAS..........................................................................................................55
11
1 INTRODUÇÃO
A Polícia Militar de Santa Catarina foi criada pela Lei n° 012, de 05 de
maio de 1835, pelo então Presidente da Província de Santa Catarina Feliciano
Nunes Pires. Nesta mesma lei, em seu Artigo 3°, ficou estabelecido que o
Presidente da Província editaria regulamento da Força Policial, o que ocorreu em
1836. Dentre os assunto regulamentados estava o que tratava da disciplina da Força
Policial.
Criada inicialmente como Força Policial para manter a tranqüilidade
pública, Artigo 4° da Lei n° 012, de 05 de maio de 1835, esta mesma instituição
durante o período imperial atuou ao lado do Exército Nacional, como força conjunta,
nas diversas guerras e guerrilhas que ocorreram no território nacional. A defesa se
dava de forma interna, mantendo-se como unidade imperial e atuando de forma
externa, para defender nossas fronteiras. Entre tantos movimentos citamos os
movimentos revolucionários como a guerra do Paraguai e revolução Farroupilha,
apenas para exemplificar.
Neste longo período de existência a Força Policial, mais tarde
denominada Força Pública pela Lei n° 1.137, de 30 de setembro de 1916, também
passou a ser considerada força reserva do Exército, através de acordo entre a União
e o Estado, em 1917. Este acordo foi ratificado na Constituição Federativa do Brasil
de 1934 no seu artigo 167, “As polícias militares são consideradas reservas do
Exército, e gozarão das mesmas vantagens a este atribuídas, quando mobilizadas
ou a serviço da União”. Nota-se que a então Força Pública já aparece com a
designação de Polícia Militar.
A partir da Constituição Federativa do Brasil de 1946, no seu artigo 183,
“As polícias militares instituídas para a segurança interna e a manutenção da ordem
nos Estados, nos Territórios e no Distrito Federal, são consideradas, como forças
auxiliares, reserva do Exército”. Além da denominação Polícia Militar, também com a
missão de manutenção da ordem e segurança interna, sendo de responsabilidade
da União, conforme artigo 5°, inciso XV, letra f, legislar sobre a “organização,
instrução, justiça e garantias das polícias militares e condições gerais da sua
utilização pelo Governo federal nos casos de mobilização ou de guerra”. O
12
regulamento disciplinar utilizado pelas instituições policiais militares, a partir de
então, era o Regulamento Disciplinar do Exército (RDE).
Após a revolução de 1964 entra em vigor o Decreto Lei n° 667, de 02 de
julho de 1969, reorganizando as policiais militares e os corpos de bombeiros
militares, mantendo-as como forças auxiliares reservas do Exército. No capítulo V
deste Decreto Lei, que trata da justiça e disciplina, seu artigo 18 estabelece que os
regulamentos disciplinares das policiais militares serão redigidos à semelhança do
Regulamento Disciplinar do Exército (RDE), adaptados as condições de cada
corporação. Em alguns Estados da Federação as policiais militares continuaram a
adotar o regulamento disciplinar do Exército, dentre elas a de Santa Catarina.
Na Polícia Militar de Santa Catarina essa orientação legal perdurou até o
ano de 1980, quando através do Decreto n° 12.112, de 16 de setembro de 1980, o
então Governador do Estado Jorge Konder Bornhausem aprova a nova legislação
disciplinar para a corporação, documento legal que vigora até os dias atuais.
Com a promulgação da Constituição Federal de 1988 a nossa norma
disciplinar, embora recepcionada pela carta magna, não teve nenhuma mudança ou
alteração, apenas compartilhou algumas providências legais através da Portaria n°
009/PMSC/2001 do Comando Geral da PMSC, documento legal que regula os
Procedimentos Administrativos Disciplinares na PMSC.
1.1 FORMULAÇÃO DO PROBLEMA
A partir da promulgação da Constituição da República Federativa do
Brasil em outubro de 1988, a sociedade brasileira obteve avanços sociais, dando um
salto nas garantias fundamentais individuais e coletivas.
Diante dessa nova perspectiva e embora alguns textos legais tenham sido
recepcionados pela nova Constituição, ainda assim carecem de uma
contextualização moderna para se adequar à nova realidade social.
Não é diferente com o Regulamento Disciplinar da Polícia Militar de Santa
Catarina (RDPMSC), aprovado pelo Decreto 12.112 de 16 de setembro de 1980,
muito embora seu texto legal traga no seu bojo um avanço social, precisa ser
13
atualizado, pois as medidas disciplinares sofreram e ainda sofrem as influências
sociais, motivadas pelo modelo de serviço prestado em constante interação com o
público.
O estudo se faz necessário para atualizar o Regulamento Disciplinar da
Polícia Militar de Santa Catarina, dando uma nova visão dinâmica e prática, na sua
aplicabilidade.
A pesquisa visa uma atualização do Regulamento Disciplinar por entender
que a disciplina, numa organização militar, é de fundamental importância juntamente
com a hierarquia, para o cumprimento das missões que lhes são afetas. Para a
manutenção da disciplina é importante um regulamento que busque a equidade e a
justiça na aplicação das sanções disciplinares, bem como nas recompensas.
1.1.1 Justificativa
O Regulamento Disciplinar da Polícia Militar de Santa Catarina é um
instrumento que tem por finalidade especificar e classificar as transgressões
disciplinares, estabelecer normas relativas à amplitude e a aplicação das sanções
disciplinares.
A ordem institucional da Polícia Militar de Santa Catarina precisa de um
instrumento forte para a sua manutenção. Este instrumento deve estar dotado de
regras que permitam a manutenção da disciplina. A importância da disciplina não se
restringe tão somente à aplicação das sanções pelas faltas cometidas, mas também
pelas recompensas por serviços prestados de forma meritória, a todos os policiais
militares que assim se destacarem.
Em termos de organização policial militar o estudo tem relevância pela
nova visão que será dada a manutenção da disciplina. A busca por uma justiça
disciplinar passa por um mecanismo capaz de dotar a instituição de um regulamento
atualizado dentro da perspectiva moderna na ótica da administração militar.
Socialmente é claro que um regulamento que atende a todos os anseios
do público interno da corporação, sob o ângulo da justiça, passa a ser um
instrumento de pacificação institucional, fim que todas as instituições buscam.
14
1.2 OBJETIVO GERAL
Analisar sobre o prisma do direito administrativo disciplinar, os
procedimentos disciplinares no âmbito da Polícia Militar de Santa Catarina e
apresentar uma proposta de atualização.
1.2.1 Objetivos específicos
Verificar os princípios constitucionais vigentes dos procedimentos do
Regulamento Disciplinar da Policia Militar de Santa Catarina.
Identificar as mudanças a serem propostas para atualização do
Regulamento Disciplinar.
Propor as reformas necessárias para a nova contextualização do
Regulamento Disciplinar.
1.3 METODOLOGIA
O método de abordagem usado neste trabalho monográfico foi o dedutivo,
através da pesquisa bibliográfica e análise da legislação vigente nas instituições
militares, Forças Armadas, Polícias Militares e Corpo de Bombeiro Militar. Para
Vergara (1998, p.48), a pesquisa bibliográfica:
“[...] é o estudo sistematizado desenvolvido com base em material publicado em livros, revistas, jornais, redes eletrônicas, isto é, material, acessível ao público em geral. Fornece instrumental analítico para qualquer outro tipo de pesquisa, mas também pode esgotar-se em si”.
Nesta mesma corrente Marconi e Lakatos, (2007, p.185) sobre pesquisa
bibliográfica:
“[...] A pesquisa bibliográfica, ou fontes secundárias, abrange toda bibliografia já tornada pública em relação ao tema de estudo, desde publicações avulsas, boletins, jornais, revistas, livros, pesquisas, monografias, teses, material cartográfico, etc., até meios de comunicações orais: rádio, gravações em fita magnética e audiovisuais: filmes e televisão.
15
Sua finalidade é colocar o pesquisador em contato direto com tudo o que foi escrito, dito ou filmado sobre determinado assunto, inclusive conferências seguidas de debates que tenham sido transcritos por alguma forma, quer publicadas, quer gravadas“.
1.4 DESCRIÇÃO SUMÁRIA DOS CAPÍTULOS
O capítulo primeiro apresentou a introdução do trabalho monográfico, a
formulação do problema e, inserida nesta, a justificativa. Em seguida os objetivos
gerais e específicos, além da metodologia.
O capítulo segundo descreve a fundamentação teórica, inserida nesta as
considerações gerais do trabalho, a organização das polícias militares e corpo de
bombeiros militares após a revolução de 1964. Fazemos ainda uma análise dos
processos administrativos e procedimentos administrativos, buscando estabelecer
as diferenças entre ambos.
No capítulo terceiro descrevemos o poder de punir que o Estado tem em
relação a seus servidores administrativos, dando enfoque aos poderes
administrativos, especialmente ao poder hierárquico e poder disciplinar, que estão
ligados diretamente à pesquisa.
No capítulo quarto se desenvolve praticamente os objetivos da pesquisa.
Neste capítulo se procura apresentar uma visão do regulamento disciplinar da
Polícia Militar de Santa Catarina sob a ótica constitucional, analisando os princípios
gerais da hierarquia e disciplina, a especificação das transgressões, o julgamento
das transgressões e sua classificação, a gradação das punições e aplicação, a
aplicação e cumprimento das punições, inserido aqui uma visão doutrinaria sobre o
habeas corpus nas transgressões disciplinares, recursos e modificação na aplicação
das punições e as recompensas.
No capítulo quinto se apresenta uma proposta de atualização ao
regulamento disciplinar da Polícia Militar de Santa Catarina, dando enfoque a alguns
regulamentos já atualizados ao novo texto constitucional e também a alguns
trabalhos já produzidos versando sobre a mesma matéria.
Por fim se apresenta a conclusão, os resultados obtidos e algumas
considerações finais a respeito do trabalho.
16
2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
2.1 CONSIDERAÇÕES GERAIS
Os integrantes da Polícia Militar do Estado de Santa Catarina, juntamente
com as outras Polícias Militares das Unidades da Federação, instituídas com base
na hierarquia e disciplina, são militares dos Estados, do Distrito Federal e dos
Territórios (Constituição Federativa do Brasil de 1988, artigo 42).
Conforme já foi citado acima, a Força Policial foi criada pela Lei n° 012, de
05 de maio de 1835, e já nascia como organização militar, pois o seu artigo primeiro
prescrevia a composição do seu efetivo, que seria composto de “...um primeiro e um
segundo Comandante, de um Cabo, e oito Soldados de Cavalaria, montados à sua
custa, e de quatro Cabos, trinta e seis Soldados e um Corneta de Infantaria”. No
artigo terceiro, que trata do regulamento da Força Policial, “...que compreenderá a
Disciplina, Uniforme, Instrução e Engajamento será feito pelo Presidente da
província, e submetida à aprovação Assembléia provincial...”. O referido
Regulamento entrou em vigor no ano de 1836.
Para Bastos Júnior (2006, p.18): “Quase um ano depois de sua criação, a
Força Policial teve seu primeiro regulamento, aprovado pela Lei n° 31, de 2 de maio
de 1836, já na gestão do Presidente da Província José Mariano de Albuquerque
Cavalcanti, que sucedera a Feliciano Nunes Pires no Governo da Província”.
Esse regulamento além das normas gerais, diretrizes e missão da Força
Policial, também regulava a disciplina interna de seus integrantes, com punições
previstas para faltas disciplinares e ainda segundo Bastos Júnior (2006, p.19):
“A falta de exação no cumprimento dos deveres, a embriaguez, a alteração com camaradas em atos de serviço ou quando estivesse a força ou parte dela reunida por qualquer motivo e a ausência da cidade sem autorização, seriam punidas com repreensão, particular ou na frente da tropa, serviço dobrado até oito dias e/ ou prisão simples pelo mesmo tempo. O comandante aplicaria punições até três dias. Acima desse prazo, a competência era do presidente da província, que, em caso de faltas habituais, poderia determinar a exclusão do faltoso”.
E segue Bastos Júnior (2006, p.19):
17
“Eram consideradas faltas mais graves, sujeitando o autor à prisão fechada por oito a trinta dias – com privação da metade do soldo durante o tempo do castigo – ou exclusão, a critério do presidente da província: exceder licença por três dias ou faltar às chamadas, sem causa justificada; reclamar contra ordem ou detalhe (escala) de serviço, na presença de camaradas ou em público; desobedecer, em ato de serviço, ao comandante ou às escoltas, guardas, patrulhas a qualquer autoridade a que estivesse subordinado; desacatar o comandante ou outra autoridade; praticar, de qualquer modo e em quaisquer circunstâncias, ato de insubordinação”.
A razão principal de uma instituição militar ter um regulamento tão severo
era, principalmente, o caráter da missão que era desempenhada pelos seus
integrantes. Além da responsabilidade pela segurança pública, também atuavam ao
lado das Forças de 1ª Linha (Exército Nacional) nas missões de defesa interna.
A Força Policial, considerada o braço armado da então Província de
Santa Catarina lutou lado a lado com o Exército Nacional, repelindo muitas
revoluções internas e também algumas agressões externas que ocorreram no
território nacional e fora dele, sempre defendendo as ordens legais do Império e
mais tarde também as da República.
Ainda no período imperial a Força Policial teve, entre os anos de 1872 e
1874, dois novos regulamentos institucionais. O de 1872, que teve um período curto
de existência, trouxe “como novidade se instituía, para faltas graves das praças, a
prisão fechada, de 60 a 90 dias, com perda de dois terços do soldo, e, se o
“delinqüente” fosse solteiro, o recrutamento para o Exército; se fosse casado, seria
expulso...depois de cumprir a pena (arts. 17 a 21).” (Bastos Junior, 2006, p.25). Este
regulamento foi assinado por ato do Vice-presidente Provincial Ignácio Acioli de
Almeida, quando exerceu o governo entre 15 de junho de 1872 a 08 de julho de
1872.
No ano de 1874 foi baixado pelo então Presidente da Província João
Tomé da Silva, um novo regulamento para a Força Policial. Este novo regulamento
abrangia, além das matérias disciplinares, também outras matérias como
organização institucional, vencimentos, regularização de uniformes, parte
administrativa, entre outras. Este regulamento tratava também de matéria criminal,
onde “os crimes previstos eram os de deserção, injúria, ofensas físicas, furto e
roubo, cujo processo e julgamento cabiam a três espécies de conselhos, conforme o
caso: de disciplina, de investigação e de julgamento.” (Bastos Junior, 2006, p.26).
18
Além das punições de prisão, prevista no regulamento, também figuravam
as de “carregar de duas a quatro armas por dois dias, duas horas de manhã e duas
horas à tarde”, ( art.113, § 5°, apud Bastos Junior, 2006, p.26).
No período republicano, em 1916, através da Lei n° 1.137, de 30 de
setembro, recebe a denominação de Força Pública e no ano de 1917 em acordo
firmado entre Estado e União, passa a ser considerada força reserva do Exército de
1ª linha. Esta atribuição é constitucionalizada a partir da Constituição Federativa do
Brasil de 1934, onde no seu texto legal, artigo 167 “as polícias militares são
consideradas reservas do Exército, e gozarão das mesmas vantagens a este
atribuídas, quando mobilizadas ou a serviço da União”. Nota-se ainda que o texto
constitucional já não trata mais como Força Pública e sim como Polícias Militares e
assim consideradas como forças reserva do Exército, agora com status
constitucional.
2.2 AS PM E OS CBM APÓS A REVOLUÇÃO DE 1964
Após a revolução de 1964, as Polícias Militares e os Corpo de Bombeiros
Militares foram reorganizados pelo Decreto Lei n° 667, de 02 de julho de 1969. Esse
Decreto revogou o Decreto Lei n° 317, de 13 de março de 1967, que criou a
Inspetoria Geral das Polícias Militares (IGPM), que era subordinada ao
Departamento Geral de Pessoal – DGP do Ministério do Exército e comandada por
um General de Brigada. O Decreto Lei 667 fez com que a IGPM integrasse o Estado
Maior do Exército.
No capítulo V do Decreto Lei 667, que regula a justiça e disciplina, o
artigo 18 reza: “As Polícias Militares serão regidas por Regulamento Disciplinar
redigido à semelhança do Regulamento Disciplinar do Exército e adaptado às
condições especiais de cada Corporação”. A partir de então algumas Polícias
Militares de Unidades da Federação passaram a usar o próprio Regulamento
Disciplinar do Exército (RDE), dentre estas a Polícia Militar de Santa Catarina.
Conforme já mencionado, somente no ano de 1980 o Governador do
Estado de Santa Catarina, Jorge Konder Bornhausen, através do Decreto 12.112, de
19
16 de setembro de 1980, aprova o Regulamento Disciplinar da Polícia Militar de
Santa Catarina (RDPMSC). Este regulamento disciplinar, muito embora tenha sido
decretado pelo Governo do Estado de Santa Catarina, não apresentou nenhuma
novidade, pois foi editado a semelhança do Regulamento Disciplinar do Exército
Brasileiro.
2.3 PROCESSOS ADMINISTRATIVOS E PROCEDIMENTOS ADMINISTRATIVOS
A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 proporcionou
aos brasileiros muitos avanços nos direitos e garantias fundamentais. Um desses
avanços fundamentais está escrito no artigo 5º, inciso LV que prescreve “aos
litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são
assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela
inerentes”. Esta garantia corrigiu uma série de abusos que ocorriam, até então, na
análise e julgamento das infrações administrativas cometidas pelos militares
estaduais.
Muito embora a Carta Magna de 1988 tenha recepcionado os estatutos e
regulamentos que regem as organizações policiais militares estaduais, estas
obrigatoriamente não podem contrariar a nova ordem legal, conforme as palavras de
Paulo Tadeu Rodrigues Rosa (2009, p. 63):
“Em atendimento ao princípio da recepção, os regulamentos disciplinares aprovados por meio de decretos foram recebidos pela nova ordem constitucional, como ocorreu com o Código Penal, Código de Processo Penal, Código Penal Militar, Código de Processo Penal Militar e outros diplomas legais. O fato de estes diplomas legais terem sido recepcionados não significa que possam sofrer modificações em desacordo com o previsto na CF”.
Antes da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, muito
embora o nosso regulamento disciplinar fosse e continua sendo o mesmo, apenas
com algumas alterações, a forma de análise das infrações disciplinares era diferente
da que ocorre nos dias atuais. Quando o Comandante do policial militar transgressor
tinha conhecimento da transgressão cometida, geralmente transcrita em parte,
simplesmente ouvia de forma verbal a justificativa do transgressor e em seguida
20
aplicava ou não a sanção disciplinar. Em alguns casos, quando se tratava de
situações mais complexas, o Comandante determinava a abertura de uma
sindicância e depois de concluída, aplicava-se à sanção disciplinar. Ressaltamos
que esta sindicância não assegurava a plenitude do instituto da ampla defesa do
acusado, pois se tratava de um procedimento investigatório e não de um processo
administrativo.
Com a edição da Portaria nº 009/PMSC/2001, de 30 de março de 2001,
assinada pelo então Coronel PM Walmor Backes, Comandante Geral da Polícia
Militar de Santa Catarina da época, foi aprovado o regulamento de processo
administrativo disciplinar. Nesta Portaria é que o instituto da ampla defesa começava
a se solidificar na Polícia Militar de Santa Catarina. Foi o primeiro passo que
assegurou de forma ampla tal direito constitucional.
Por ser uma “novidade” legal na caserna, o Processo Administrativo
Disciplina (PAD), durante algum tempo, ainda foi confundido com sindicância, que é
um procedimento administrativo investigatório. E enquanto imperou a confusão
muitos processos administrativos foram eivados de nulidades, justamente pelo
instituto da ampla defesa ter sido prejudicada.
Hoje em dia, os processos administrativos disciplinares já se tornaram
prática rotineira das Organizações Policiais Militares (OPM) da Polícia Militar de
Santa Catarina, cultura que vem sendo mantida conforme previsão legal
constitucional, aplicando com maior justiça o regulamento disciplinar.
3 PODER DE PUNIR
3.1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS
Diferentemente das empresas privadas, onde o regime trabalhista permite
que o empregador aplique punições corretivas e até mesmo a demissão sumária,
aos empregados que cometam faltas funcionais, no serviço público, de um modo
geral, os servidores estão sujeitos a uma legislação própria, através de estatutos e
21
uma gama de leis administrativas, que conferem ao Estado o controle e fiscalização
da produção funcional de cada servidor.
Como o Estado é figura abstrata, sua organização funcional é
estabelecida pela Constituição Federal que distribui delegações funcionais aos seus
servidores, os agentes públicos, dotando-os de poderes de gerência do próprio
Estado. “Essa organização faz-se normalmente por lei, e excepcionalmente por
decreto e normas inferiores, quando não exige a criação de cargos nem aumenta a
despesa pública.” (Hely Lopes Meirelles, 1996, p.59).
O controle estatal impede que os agentes públicos descumpram a
natureza do Estado, qual seja, a de garantia da paz social através de prestação de
serviços públicos de interesse coletivo.
Ao serem investidos em seus cargos, os agentes públicos têm por dever
legal desempenhá-los dentro dos parâmetros estabelecidos pela Constituição
Federativa, os princípios básicos da administração. Quando fogem desses
princípios, incorrem em algum tipo de falta, seja por excesso ou omissão, sendo que
a própria administração pública, dotada de mecanismos de apuração, aplica as
sanções cabíveis dentro da medida de cada falta cometida, com sanções que vão de
simples advertência à demissão do serviço público.
Muito embora o direito administrativo não possua um código processual
específico para a regulamentação e normatização de sua processualística, a
administração se serve de princípios constitucionais, escorando-se também nas
legislações processuais civis e penais, conforme nos ensina o Professor José
Cretella Junior (2008, p.38):
“[...] Por esse motivo, embora as regras do Código de Processo Civil não se apliquem, de todo, à esfera administrativa, são aplicáveis os princípios gerais do processo, salvo disposição contrária da lei ou incompatibilidade com a organização destas jurisdições”.
3.2 PODERES ADMINISTRATIVOS
A gerência do Estado obriga que seus agentes sejam dotados de
poderes. Tais poderes são concedidos pelo próprio Estado para o alcance de sua
22
finalidade e de seus objetivos e são verdadeiros instrumentos de trabalho para a
realização das missões administrativas.
Impossível imaginar o Estado funcionando onde seus agentes fossem
desprovidos de poder. A Constituição Federal bem como as legislações esparsas
são suficientes para que os agentes públicos possam cumprir suas missões. Elas
são o limite dos agentes, mas numa administração tão complexa, a necessidade na
liberdade de ação dos agentes, para bem atender aos interesses públicos, os
poderes administrativos suprem tal necessidade.
Constituída a administração com ela nascem os poderes administrativos e
conforme nos ensina Hely Lopes Meirelles (1996, p.100):
“Os poderes administrativos nascem com a administração e se apresentam diversificados segundo as exigências do serviço público, o interesse da coletividade e os objetivos a que se dirigem. Dentro dessa diversidade, são classificados, consoante a liberdade da Administração para a prática de seus atos, em poder vinculado e poder discricionário; segundo visem ao ordenamento da Administração ou à punição dos que a ela se vinculam, em poder hierárquico e poder disciplinar; diante de sua finalidade normativa, em poder regulamentar; e, tendo em vista seus objetivos de contenção dos direitos individuais, em poder de polícia”.
Como este trabalho visa tão somente à análise e proposta de mudança do
Regulamento Disciplinar da Polícia Militar de Santa Catarina, vai se ater apenas aos
poderes hierárquico e disciplinar, que dizem mais respeito ao trabalho. Não há como
confundir poder hierárquico com poder disciplinar, ambos andam juntos por serem
os sustentáculos de toda organização administrativa.
3.3 PODER HIERÁRQUICO
Nesta fase não vamos confundir poder hierárquico com hierarquia. O
poder ao qual se faz referência é o utilizado pela administração pública para ordenar
e distribuir funções aos seus órgãos, rever a atuação de seus agentes e estabelecer
uma relação de subordinação entre os servidores do seu quadro de pessoal.
Difícil seria imaginar uma administração, seja ela pública ou privada, sem
um poder hierárquico que a ordenasse. É este poder que estabelece a relação de
subordinação dos órgãos e agentes da administração, também distribui funções e a
23
gradação da autoridade de cada um. Seu objetivo é coordenar, corrigir, controlar e
ordenar as atividades da administração pública no âmbito interno.
Para Hely Lopes Meirelles (1996, p.105):
“[...]Ordena as atividades da Administração, repartindo e escalonando as funções entre os agentes do Poder, de modo que cada um possa exercer eficientemente seu encargo; coordena, entrosando as funções no sentido de obter o funcionamento harmônico de todos os serviços a cargo do mesmo órgão; controla, velando pelo cumprimento da lei e das instruções e acompanhando a conduta e o rendimento de cada servidor; corrige os erros administrativos, pela ação revisora dos superiores sobre os atos dos inferiores. Desse modo, a hierarquia atua como instrumento de organização e aperfeiçoamento do serviço e age como meio de responsabilidade dos agentes administrativos, impondo-lhes o dever de obediência”.
A hierarquia impõe ao subalterno a obediência das ordens legais e
diretrizes dos superiores hierárquicos, definindo a responsabilidade de cada um.
Todas as determinações superiores devem ser cumpridas, sem restrição ou
ampliação. Todavia se essas determinações forem estritamente ilegais, não devem
ser cumpridas, resguardando o princípio constitucional que diz “ninguém será
obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa, senão em virtude de lei” (artigo 5°,
II), ficando assim patente que o subordinado não pode ser compelido pelo superior a
praticar ato ilegal. O respeito à hierarquia está nos limites da lei. O cumprimento de
ordens sempre esta associado ao aspecto legal, se ocorrer uma ordem dada, onde
os efeitos da mesma gerem aspectos ilegais, cabe ao subordinado denunciá-la, sob
pena de incorrer em crime de prevaricação (artigo 319 do código penal).
Algumas faculdades estão implícitas no poder hierárquico para o superior,
tais como a de dar ordens e fiscalizar o seu cumprimento, a de delegar e avocar
atribuições e o de rever atos de subordinados. Dar ordens é determinar aos
subordinados a execução das tarefas afetas a administração pública, onde a
responsabilidade de gerência cabe ao superior e atrelado a esta faculdade está à
fiscalização da ordem dada. A fiscalização é o acompanhamento da tarefa a ser
executada pelo subordinado. Fiscalizar para ver se o objetivo foi cumprido e acima
de tudo alcançado. Delegar atribuições é conferir a outrem uma competência que
cabe ao delegante. Ressalta-se que somente podem ser delegadas as atribuições
não restritas pela lei, ou seja, aquelas que a própria lei não veda e que não são de
caráter estritamente funcional. Também é faculdade do superior avocar, bem como
rever, algumas funções atribuídas ao subordinado, tomando para si a função ou
mesmo delegando a outro, caso esta não esteja sendo cumprida conforme o
24
determinado, ou por algum outro motivo, que entenda o superior, ser mais vantajoso
para a administração pública. O fim de todas essas faculdades sempre será a
administração pública.
3.4 PODER DISCIPLINAR
Poder Disciplinar é o direito de correção que a administração pública
exerce através de seus órgãos, estando sujeitos a disciplina de correção todos os
servidores públicos e pessoas ligadas a administração. A correção se faz através de
punições aplicadas às faltas cometidas pelos servidores. Esta faculdade é uma
supremacia que o Estado exerce a todos aqueles que estão vinculados à
administração.
Há uma grande aproximação dos poderes hierárquico e disciplinar, muito
embora eles não se confundam. A administração pública através do poder
hierárquico distribui e escalona suas funções e quando faz uso do poder disciplinar,
controla o desempenho dessas funções, além de corrigir a conduta interna de seus
servidores, responsabilizando-os pelas faltas cometidas. A administração só exerce
o poder disciplinar em benefício do serviço, como forma de controle dos seus
servidores. O objetivo geral do Estado é o bem estar da população, sendo este bem
estar proporcionado pelos servidores públicos, através da prestação de serviços.
Estes serviços, quando mal executados ou não prestados pelos servidores, devem
de imediato ser corrigidos e, responsabilizam-se aqueles que não cumpriram sua
obrigação funcional. Esta correição é feita pelo poder disciplinar através das suas
diretrizes e regulamentos legais.
Não devemos confundir poder disciplinar com poder punitivo do Estado,
pois este é realizado pela justiça penal, o que fica patente nas palavras de Hely
Lopes Meirelles (1996, p.109):
“[...] O poder disciplinar é exercido como faculdade punitiva interna da Administração e, por isso mesmo, só abrange as infrações relacionadas com o serviço; a punição criminal é aplicada com finalidade social, visando à repressão de crimes e contravenções definidas nas leis penais, e por esse motivo é realizada fora da Administração ativa, pelo Poder Judiciário”.
25
As punições disciplinares e criminais são diferentes, assim como suas
penalizações, seus fundamentos são diversos. Por essa razão é possível à
aplicação das duas penalidades, pela mesma falta, sem que ocorra o bis in idem. A
mesma falta pode ser avaliada no âmbito penal (punição criminal) e no
administrativo (punição disciplinar). “Daí resulta que toda condenação criminal por
delito funcional acarreta a punição disciplinar, mas nem toda falta administrativa
exige sanção penal” (Georges Vedel, 1961, p.559).
O superior hierárquico tem o poder e o dever na aplicação da sanção
disciplinar, aos seus subordinados, quando estes incorrerem em faltas
administrativas, sob pena de incorrer em condescendência criminosa que é crime
contra a administração pública.
As sanções disciplinares têm uma certa variação entre os órgãos
públicos, haja vista a gama desses nas administrações federais, estaduais e
municipais. Alguns com estatutos próprios, outros regidos pelos estatutos gerais dos
servidores, mas todos com a mesma finalidade. No geral as sanções são de
advertência, suspensão, demissão e de cassação de aposentadoria, numa escala
crescente.
As sanções aplicadas aos militares das forças armadas, das policiais
militares e corpo de bombeiros militares seguem outro padrão, qual seja advertência,
detenção, prisão e exclusão do serviço ativo.
As sanções aplicadas pelos militares, previstas em estatutos e
regulamentadas por regulamentos próprios, são mais severas até pela característica
do serviço prestado pelos militares. Inclusive são levados até a perda temporária da
liberdade, no caso de detenção e prisão. Tais sanções são inclusive resguardadas
pela Constituição Federativa, que no seu artigo 142, § 2°, reza “não caberá habeas
corpus em relação a punições disciplinares militares”.
Toda falta disciplinar deve ter uma apuração rigorosa e isenta, através de
procedimento administrativo, o que pode resultar em processo administrativo
disciplinar, concedendo ao faltoso o instituto da ampla defesa, consagrado na nossa
Constituição Federativa, artigo 5°, LV, “aos litigantes, em processo judicial ou
administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e a ampla
defesa, com os meios e recursos a ela inerentes”.
26
4 REGULAMENTO DISCIPLINAR DA POLÍCIA MILITAR DE SANTA CATARINA
NA ÓTICA CONSTITUCIONAL
Muito embora a Constituição da República Federativa do Brasil,
promulgada em 05 de outubro de 1988, tenha recepcionado todas as Leis, Federais
e Estaduais, bem como os Regulamentos Disciplinares que normatizam e regulam a
disciplina nas Forças Armadas, Polícias Militares e Corpo de Bombeiros Militares,
existem algumas divergências entre o texto constitucional e algumas normas
expressas nestas leis e regulamentos.
O artigo 18, do Decreto-Lei 667, de 02 de julho de 1969, entrou em vigor
para reorganizar as policias militares e corpo de bombeiros militares dos Estados e
Distrito Federal e no artigo 18 prescreve “as policiais militares serão regidas por
regulamentos disciplinar redigido à semelhança do regulamento disciplinar do
exército e adaptado às condições especiais de cada corporação”.
Este Decreto-Lei foi cumprido na sua totalidade pelas policiais militares e
corpo de bombeiros militares estaduais, sendo que no caso da Polícia Militar de
Santa Catarina, que até o ano de 1980, usava como mantenedor da disciplina na
corporação, o próprio Regulamento Disciplinar do Exército Brasileiro (RDE).
Conforme já pontuado, em 16 de setembro de 1980, através do Decreto
12.112, o então Governador do Estado de Santa Catarina, Jorge Konder
Bornhausen, decreta o Regulamento Disciplinar da Polícia Militar de Santa Catarina
(RDPMSC), documento legal que se encontra em vigor até os dias de hoje, mas que
foi cópia fiel do Regulamento Disciplinar do Exército, descumprindo o decreto-lei
667, em seu artigo 18, que prescrevia a “adaptação às condições especiais de cada
corporação”, prescrição legal que não ocorreu, pois o nosso RDPMSC foi cópia fiel
do RDE.
A Constituição Federal de 1988 nos legou muitos avanços na área social,
pois é considerada a constituição cidadã. Muito embora o texto constitucional tenha
recepcionado as leis e regulamentos que normatizam as instituições militares,
Forças Armadas, Polícias Militares e Corpo de Bombeiros Militares, muitas dessas
instituições não adaptaram suas legislações a nova ordem social. O artigo 5° da
Constituição Federal, que trata dos direitos e deveres individuais e coletivos, é
27
cláusula pétrea, não podendo ser objeto de emenda constitucional, conforme o
próprio artigo 60, parágrafo 4°, inciso IV.
A atualização do Regulamento Disciplinar da Polícia Militar de Santa
Catarina se faz necessário, haja vista que alguns desses direitos fundamentais
individuais, preconizados pela nossa carta magna são conflitantes com este
regulamento. Difícil é aplicar uma norma que não se coaduna com a nossa lei maior.
Numa tentativa de atualização, foi editada a Portaria n° 009/PMSC/2001,
de 30 de março de 2001, pelo então Comandante Geral da Polícia Militar de Santa
Catarina, Coronel PM Walmor Backes, regulando o Processo Administrativo
Disciplinar (PAD), em uso na corporação, regulando a aplicação do RDPMSC
através de processo administrativo, em conformidade com o artigo 5°, inciso LV, da
Constituição Federal, que reza “aos litigantes, em processo judicial ou
administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e a ampla
defesa, com os meios e recursos a ela inerentes”.
Muito embora esta portaria tenha, de certa forma, trazido algo novo, em
termos de aplicação do nosso regulamento disciplinar, é entendimento de alguns
juristas que qualquer alteração em regulamentos disciplinares, que foram objetos de
decretos governamentais anteriores a constituição de 1988, devem ser regulados
por leis complementares de seus respectivos poderes legislativos. Nesse viés, o
professor Paulo Tadeu Rodrigues Rosa (2009, p. 63 e 64):
“[...] Ao tratar dos crimes militares e das transgressões disciplinares, a Constituição Federal de 1988, no art. 5°, inciso LXI, dispõe que ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente, salvo nos casos de transgressão militar ou crime propriamente militar, definidos em lei. Com base no dispositivo constitucional, percebe-se claramente que os regulamentos disciplinares somente podem ser modificados por meio de lei, no seu aspecto técnico, ou seja, por meio de norma elaborada pelo Poder Legislativo. Negar esta interpretação seria o mesmo que negar a existência do Estado democrático de Direito, ou retirar do cidadão o direito ao voto, ou o direito de ir, vir e permanecer”.
4.1 PRINCÍPIOS GERAIS DA HIERARQUIA E DA DISCIPLINA
A finalidade principal dos regulamentos disciplinares é o respeito que
deve existir entre os militares e a preservação da hierarquia e da disciplina, que são
28
as vigas mestras de todas as organizações militares. “O regulamento disciplinar é o
diploma castrense que trata das transgressões disciplinares, às quais estão sujeitos
os militares pela inobservância dos princípios de hierarquia, disciplina e ética” (Paulo
Tadeu Rodrigues Rosa, 2009, p.7).
Em todos os regulamentos disciplinares, hierarquia e disciplina, recebem
um capítulo à parte, onde são transcritos seus conceitos e algumas normas a serem
seguidas, sob pena de prática de transgressão em caso de seu não cumprimento.
Apenas para compararmos alguns conceitos de hierarquia e disciplina, em alguns
regulamentos disciplinares.
O regulamento disciplinar da Polícia Militar do Estado do Pernambuco,
Decreto 6.752, de 1° de outubro de 1980, define em seu artigo 5°, “A hierarquia
policial militar é a ordenação de autoridades, em níveis diferentes, por postos e
graduações” e no seu artigo 6°, “A disciplina policial militar é a rigorosa observância
e o integral acatamento às leis, regulamentos, normas e disposições, traduzindo-se
pelo perfeito cumprimento do dever por parte de todos e de cada um dos
componentes do organismo policial militar”.
O regulamento disciplinar da Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro,
Decreto 6.579, de 5 de março de 1983, define em seu artigo 5°, “A Hierarquia
Policial Militar é a ordenação da autoridades, em níveis diferentes, por postos e
graduações” e no seu artigo 6°, “A Disciplina Policial Militar é rigorosa observância e
o acatamento integral das leis, regulamentos, normas e disposições, traduzindo-se
pelo perfeito cumprimento do dever por parte de todos e de cada um dos
componentes do Organismo Policial Militar”.
O regulamento disciplinar da Polícia Militar do Estado do Goiás, Decreto
4.717, de 7 de outubro de 1996, define em seu artigo 5°, “A hierarquia militar é a
ordenação da autoridades em níveis distintos, dentro da estrutura militar, por postos
e graduações” e no seu artigo 6°, “A disciplina militar é a rigorosa observância e o
acatamento integral das leis e regulamentos, traduzindo-se pelo perfeito
cumprimento do dever por parte de todos e de cada um dos componentes da polícia
militar”.
O regulamento disciplinar da Polícia Militar do Estado de Alagoas,
Decreto 37.042, de 6 de novembro de 1996, define em seu artigo 5°, parágrafo 1°,
“A hierarquia militar é a ordem e a subordinação dos diversos postos e graduações
29
que constituem a carreira militar, na conformidade do Estatuto dos Policiais Militares
do Estado de Alagoas, e que investe de autoridade o de maior posto ou graduação,
ou de cargo mais elevado” e no seu artigo 5°, parágrafo 2°, “A disciplina policial
militar é a rigorosa observância e o acatamento integral das leis, regulamentos,
normas e disposições, traduzindo-se pelo perfeito cumprimento do dever por parte
de todos e de cada um dos componentes do organismo policial militar”.
O regulamento disciplinar da Polícia Militar do Estado de São Paulo, Lei
Complementar 893, de 9 de março de 2001, define em seu artigo 3°, “Hierarquia
policial-militar é a ordenação progressiva da autoridade, em graus diferentes, da
qual decorre a obediência, dentro da estrutura da Polícia Militar, culminando no
Governador do Estado, Chefe Supremo da Polícia Militar” e no seu artigo 9°, “A
disciplina policial-militar é o exato cumprimento dos deveres, traduzindo-se na
rigorosa observância e acatamento integral das leis, regulamentos, normas e
ordens, por parte de todos e de cada integrante da Polícia Militar”.
O Código de Ética e Disciplina dos Militares do Estado de Minas Gerais,
Lei Estadual 14.310, de 19 de junho de 2002, define em seu artigo 6°, parágrafo 1°,
“A hierarquia é a ordenação da autoridade, em níveis diferentes, dentro da estrutura
das IMEs” e no seu artigo 6°, parágrafo 2°, reza:
“[...] A disciplina militar é a exteriorização da ética profissional dos militares do Estado e manifesta-se pelo exato cumprimento de deveres, em todos os escalões e em todos os graus da hierarquia, quanto aos seguintes aspectos: I – pronta obediência às ordens legais; II – observância às prescrições regulamentares; III – emprego de toda a capacidade em benefício do serviço; IV – correção de atitudes; V – colaboração espontânea com a disciplina coletiva e com a efetividade dos resultados pretendidos pelas IMEs”.
O Regulamento Disciplinar do Exército – R-4, Decreto 4.346, de 26 de
agosto de 2002, define em seu artigo 7°, “A hierarquia militar é a ordenação da
autoridade, em níveis diferentes, por postos e graduações” e no seu artigo 8°, “A
disciplina militar é a rigorosa observância e o acatamento integral das leis,
regulamentos, normas e disposições, traduzindo-se pelo perfeito cumprimento do
dever por parte de todos e de cada um dos componentes do organismo militar”.
O Regulamento Disciplinar da Polícia Militar de Santa Catarina
(RDPMSC), Decreto 12.112, de 16 de setembro de 1980, define em seu artigo 5°, “A
hierarquia militar é a ordenação da autoridade, em níveis diferentes, dentro da
estrutura das Forcas Armadas e das Forças Auxiliares, por postos e graduações” e
30
no seu artigo 6°, “A disciplina policial-militar é a rigorosa observância e o acatamento
integral das leis, regulamentos, normas e disposições, traduzindo-se pelo perfeito
cumprimento do dever por parte de todos e de cada um dos componentes do
organismo policial-militar”.
Os conceitos traduzem numa mesma linha de significação, a definição
transcrita pelo Regulamento Disciplinar do Exército, que por dispositivo legal,
conferido pelo artigo 18 do decreto-lei 667, determinou que os regulamentos
disciplinares das policiais militares seriam redigidos à semelhança do regulamento
disciplinar do Exército.
Ainda que o regulamento disciplinar do Exército tenha sofrido uma
atualização, algumas forças policiais militares, dentre estas a Polícia Militar de Santa
Catarina, não atualizaram seus respectivos regulamentos disciplinares. No capítulo
que trata da hierarquia e disciplina, o RDPMSC, em seu artigo 7°, parágrafo 3°,
regula: “Quando a ordem importa em responsabilidade criminal para o executante,
poderá o mesmo solicitar sua confirmação por escrito, cumprindo à autoridade que a
emitiu, atender à solicitação”. Este parágrafo esta totalmente inconstitucional, pois o
artigo 5°, inciso II da Constituição Federal apregoa “ninguém será obrigado a fazer
ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”.
Também no Regulamento Disciplinar da Polícia Militar de Santa Catarina
(RDPMSC), no capítulo 3°, artigo 8°, parágrafo 1°, reza que: “o disposto neste
regulamento aplica-se no que couber aos Capelães Policiais-Militares”, dispositivo
contrário e desnecessário a luz da carta magna, pois diferencia uma categoria
dentro de uma instituição, o que é inconstitucional, pois o caput do artigo 5° apregoa
que “todos são iguais perante a lei...”.
O artigo 10, parágrafo 1°, do Regulamento Disciplinar da Polícia Militar de
Santa Catarina (RDPMSC), o capítulo 3°, utiliza o termo “Parte”, para a comunicação
de fatos contrários a disciplina. A “parte” era um documento usado, pelas instituições
militares, para comunicações diversas, do subordinado ao seu superior imediato,
onde neste documento se fazia os pedidos de direitos e comunicações de fatos
contrários à disciplina. A “parte” era transcrita numa metade de folha de papel ofício.
Atualmente, na Polícia Militar de Santa Catarina, não se utiliza mais este expediente.
As solicitações e comunicações são efetivadas através de documento denominado
“Comunicação Interna (CI)”, que é utilizado pelos órgãos do governo, inclusive a
Polícia Militar, para mensagens internas. No RDPMSC ainda consta, conforme
31
reportado, a “parte” como documento de comunicação interna da Polícia Militar. O
Exército Brasileiro ainda utiliza este expediente, conforme artigo 12, parágrafo 1° do
RDE.
4.2 ESPECIFICAÇÃO DAS TRANSGRESSÕES
A Lei 6.218, de 10 de fevereiro de 1983, Estatuto dos Policiais Militares de
Santa Catarina, que é lei orgânica da Polícia Militar de Santa Catarina, portanto sua
lei maior, depois das constituições federal e estadual, em seu artigo 47, prescreve
que: “O Regulamento Disciplinar da Polícia Militar especificará e classificará as
transgressões disciplinares e estabelecerá as normas relativas à aplicação das
penas disciplinares, a classificação do comportamento Policial-militar e a
interposição de recursos contra as penas disciplinares”. Como os verbos normativos,
do respectivo artigo da norma legal, estão todos no tempo futuro, entende-se que
um novo estatuto “especificará e classificará as transgressões disciplinares e
estabelecerá as normas relativas a aplicação das penas disciplinares...”.
Ressaltamos que o Regulamento Disciplinar da Polícia Militar de Santa Catarina,
decreto 12.112, entrou em vigor na data de 16 de setembro de 1980, sendo que o
Estatuto dos Policiais Militares de Santa Catarina, Lei 6.218, entrou em vigor em 10
de fevereiro de 1983, portanto posterior ao regulamento disciplinar. Na hierarquia
das Leis, uma lei esta acima de um decreto, que estatuiu um regulamento, ainda
mais uma lei estatutária de uma organização, que é sua lei maior. O que fica patente
é que perante nossa própria lei orgânica o nosso regulamento disciplinar não é legal.
Ainda assim o Regulamento Disciplinar da Polícia Militar de Santa
Catarina se encontra produzindo todas as deliberações, que dele se espera e no seu
artigo 12 define, “transgressão disciplinar é qualquer violação dos princípios da
Ética, dos deveres e das obrigações policiais-militares na sua manifestação
elementar e simples e qualquer omissão ou ação contrária aos preceitos estatuídos
em leis, regulamentos, normas ou disposições, desde que não constituam crime”.
Note-se que as “normas contrárias, ação ou omissão, devem estar estatuídas em
leis...”, ou seja, devem ferir os preceitos estatutários da organização.
32
O Regulamento Disciplinar da Polícia Militar do Estado de São Paulo
define em seu artigo 12 que: ”transgressão disciplinar é a infração administrativa
caracterizada pela violação dos deveres policiais-militares, cominando ao infrator as
sanções previstas neste Regulamento”. Observa-se que o regulamento da Polícia
Militar de São Paulo é Lei Complementar, já adequada aos preceitos constitucionais.
O Regulamento Disciplinar da Polícia Militar de Minas Gerais em seu
artigo 11 define: “transgressão disciplinar é toda ofensa concreta aos princípios da
ética e aos deveres inerentes às atividades das IMEs em sua manifestação
elementar e simples, objetivamente especificada neste Código, distinguindo-se da
infração penal, considerada violação dos bens juridicamente tutelados pelo Código
Penal Militar ou comum”. Igualmente como o regulamento disciplinar da Polícia
Militar de São Paulo, o regulamento disciplinar da Polícia Militar de Minas Gerais
também foi constituído através de lei estadual, o que esta em conformidade com os
preceitos constitucionais. Alguns outros regulamentos disciplinares das policiais
militares das unidades da federação, mesmo aqueles que são posteriores a
constituição de 1988, entraram em vigor através de decretos, contrariando
dispositivo constitucional que diz em seu artigo 5°, inciso LXI, ”ninguém será preso
senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade
judiciária competente, salvo nos casos de transgressão militar ou crime
propriamente militar, definidos em lei”. Mesmo tendo a Constituição preservado as
transgressões disciplinares e os crimes militares, a ressalva “definidos em lei”,
obriga os regulamentos serem objetos de lei e não de decretos como alguns ainda
vigoram.
O Regulamento Disciplinar da Polícia Militar de Santa Catarina, no seu
artigo 13, números 1 e 2, especifica as transgressões disciplinares, orientando que
todas as faltas se encontram elencadas no anexo I do mesmo diploma legal.
Também regula no número 2, do mesmo artigo, que “todas as ações, omissões ou
atos, não especificados na relação de transgressão do Anexo I citado, que afetem a
honra pessoal, o pundonor policial-militar, o decoro da classe ou o sentimento do
dever e outras prescrições contidas no Estatuto dos Políciais-Militares, leis e
regulamentos, bem como aquelas praticadas contra regras e ordens de serviços
estabelecidas por autoridades competentes”.
O anexo I do RDPMSC traz uma relação de transgressões disciplinares,
enumeradas de 01 a 122. As transgressões que por ventura sejam cometidas e que
33
não se enquadrem nas 122 transgressões do anexo I, são enquadradas
subjetivamente no número 2, do artigo 13 já reportado. Pelo direito administrativo
moderno, já enquadrado na carta magna de 1988, é direito de todo acusado, em
processo crime ou administrativo, conhecer o teor da acusação. Tal acusação deve
estar prescrita em lei ou regulamento. Os conceitos de honra pessoal, pundonor
policial militar, decoro da classe e outros como sentimentos do dever são conceitos
subjetivos. Para a aplicação de sanção disciplinar, esta deve estar tipificada em
regulamento disciplinar, não pode ficar a juízo da autoridade processante.
Os regulamentos disciplinares da Polícia Militar dos Estados de São
Paulo, Minas Gerais, Goiás e Alagoas, já se atualizaram em relação à tipificação das
transgressões disciplinares. O Regulamento Disciplinar do Exército, decreto 4.346,
de 26 de agosto de 2002, no seu artigo 6°, inciso I, II e III, conceitua honra pessoal,
pundonor militar e decoro da classe. Muito embora tenha este dispositivo
regulamentar uma importância significativa para quem vai aplicar o regulamento,
ainda assim é entendimento geral entre os juristas que toda falta, penal ou
administrativa, deve estar tipificada em lei ou regulamento. No mesmo sentido as
palavras do professor Paulo Tadeu Rodrigues Rosa (2009, p. 06):
“[...] Com fundamento nos dispositivos constitucionais, fica evidenciado que o princípio da inocência é aplicável ao Direito Administrativo Militar. A ampla defesa e o contraditório pressupõem o respeito ao princípio do devido processo legal, no qual se encontra inserido o princípio da inocência”.
Na mesma corrente o Professor José Cretella Junior (2008, p.81):
“[...] Tarefa importante é fixar com exatidão o conceito de falta disciplinar ou infração disciplinar, porque a existência do processo disciplinar depende dessa determinação e da correspondente classificação das penas cabíveis em cada caso”.
Assim o direito administrativo moderno, referendado pela Constituição
Federal, recomenda que as faltas disciplinares cometidas por servidores públicos,
sejam eles civis ou militares, devem ser objetos de processo administrativo, onde
essas faltas devem ser tipificadas por leis ou regulamentos disciplinares.
34
4.3 JULGAMENTO DAS TRANSGRESSÕES
No julgamento das transgressões disciplinares pelo Regulamento
Disciplinar da Polícia Militar de Santa Catarina (RDPMSC), a orientação legal ao
julgador é para se ater às causas que justifiquem o cometimento da transgressão, as
circunstâncias atenuantes e agravantes.
No artigo 16, são elencadas as causas de justificação das transgressões
disciplinares e no parágrafo único deste artigo a regulamentação: “Não haverá
punição quando for reconhecida qualquer causa de justificação”. O termo justificação
não parece o mais apropriado nesta regulamentação disciplinar. Até porque durante
a instrução do processo administrativo, para apuração de infrações disciplinares,
podem ocorrer causas que justifiquem a infração disciplinar cometida pelo militar,
que não se enquadrem naquelas causas especificadas pelo regulamento disciplinar.
Como o direito administrativo é carente de regras processuais, busca no direito
processual penal e mesmo no civil, uma analogia quando da aplicação do direito
administrativo. No direito penal brasileiro existe causas que excluem o crime, são as
chamadas excludentes de ilicitude. Os regulamentos disciplinares, de um modo
geral, utilizam causas de justificação para determinadas situações, onde se excluem
as sanções disciplinares. Seria mais didático se utilizassem o termo excludentes de
infrações disciplinares, pois mesmo algumas faltas que não se enquadram nas
situações de justificação, também podem ser justificadas durante a instrução do
devido processo administrativo. Nesse sentido não ficaria a autoridade que aplica o
regulamento em dúvida na hora de sua aplicação.
O artigo 17, do RDPMSC, elenca as circunstancias atenuantes. No item 1,
aparece como circunstância atenuante bom comportamento. Como o próprio
regulamento disciplinar, no artigo 50, ao classificar o comportamento das praças, o
classifica numa escala decrescente em excepcional, ótimo, bom, insuficiente e mau.
Segundo o próprio texto legal, somente o bom comportamento é circunstância
atenuante, excluindo, também numa escala crescente, os comportamentos ótimo e
excepcional.
O regulamento disciplinar da Polícia Militar do Estado de São Paulo, Lei
Complementar 893, de 09 de março de 2001, no capítulo VIII, seção III, que trata do
35
julgamento, no seu artigo 35, regula que “são circunstâncias atenuantes: I – estar,
no mínimo, no bom comportamento...”. Ao que parece este é o texto mais justo na
hora da aplicação do regulamento disciplinar, o qual poderia servir de modelo aos
demais regulamentos disciplinares, inclusive ao RDPMSC.
4.4 CLASSIFICAÇÃO DAS TRANSGRESSÕES
É unanimidade em todos os regulamentos disciplinares a classificação
das transgressões disciplinares em leve, média e grave. Alguns regulamentos
disciplinares mais atualizados como os da Polícia Militar de São Paulo, Minas
Gerais, Alagoas e Goiás, na tipificação das transgressões, as mesmas já são
classificadas em transgressão leve, média ou grave, facilitando a autoridade que irá
aplicar a sanção. A própria transgressão disciplinar, na sua tipificação, já trás no seu
bojo a classificação.
O regulamento disciplinar do exército, embora tenha sido atualizado em
muitos aspectos, haja vista que entrou em vigor através do decreto 4.346, de 26 de
agosto de 2002, ainda mantém a classificação dos antigos regulamentos, onde
todas as transgressões são elencadas no anexo I do regulamento e deixa para a
autoridade, a qual compete a aplicação da punição, o mister de classificá-la em leve,
média ou grave, segundo artigo 21, parágrafo único: “A competência para classificar
a transgressão é da autoridade a qual couber sua aplicação”. Regula ainda, no
artigo 22, que: “Será sempre classificada como “grave” a transgressão da disciplina
que constituir ato que afete a honra pessoal, o pundonor militar ou o decoro da
classe”, todavia estes conceitos também são regulamentados pelo decreto 4.346, o
que não ocorria nos antigos regulamentos.
Conforme já demonstrado, o regulamento Disciplinar da Polícia Militar de
Santa Catarina (RDPMSC), ainda mantém a “cópia” fiel dos regulamentos antigos do
exército, conforme a prescrição legal do decreto lei 667, de 02 de julho de 1969, que
em seu artigo 18, prescreve que as polícias militares serão regidas por regulamentos
disciplinares redigidos a semelhança do regulamento disciplinar do exército.
O RDPMSC, no seu artigo 19, classifica as transgressões em leve, média
e grave. No parágrafo único deste mesmo artigo regula: “A classificação da
36
transgressão compete a quem couber aplicar a punição, respeitadas as
considerações estabelecidas no artigo 14”. Este artigo deixa ao mister da autoridade
que irá aplicar a sanção disciplinar, toda a responsabilidade pela aplicação, sem
nenhuma orientação legal estabelecida no regulamento, deixando a critério de sua
discricionariedade esta grande responsabilidade. É preciso seguir os ensinamentos
do saudoso jurista Hely Lopes Meirelles (1996, p.103):
“[...] Convém esclarecer que poder discricionário não se confunde com poder arbitrário. Discricionariedade e arbítrio são atitudes inteiramente diversas. Discricionariedade é liberdade de ação administrativa, dentro dos limites permitidos em lei; arbítrio é ação contrária ou excedente da lei”.
O artigo 20 do RDPMSC é semelhante ao artigo 22 do RDE, regulando:
“A transgressão da disciplina deve ser classificada como “grave” quando, não
chegando a constituir crime, constitua a mesma ato que afete o sentimento do dever,
a honra pessoal, o pundonor militar ou o decoro da classe”. A diferença é que no
Regulamento Disciplinar do Exército (RDE) estes conceitos estão definidos e no
Regulamento Disciplinar da Polícia Militar de Santa Catarina (RDPMSC) não.
A orientação moderna dos processos administrativos disciplinares, já
adequados à Constituição Federal, é que todas as transgressões sejam tipificadas,
ou seja, a transgressão deve estar transcrita no regulamento como falta disciplinar e
na própria tipificação também já tragam sua classificação, conforme a natureza da
falta e gravidade, em leve, média e grave. No momento do enquadramento da falta
cometida, quando da abertura do devido processo legal, evita-se de cometer
injustiças, até porque é direito do acusado conhecer o teor da acusação, para poder
melhor conduzir sua defesa e justificativas legais, conforme prescreve o artigo 5°,
inciso LV, da Constituição Federal do Brasil.
4.5 GRADAÇÃO DAS PUNIÇÕES E APLICAÇÃO
As punições disciplinares, graduadas nos regulamentos disciplinares,
antes da Constituição Federal de 1988, seguiam o mesmo padrão, ou seja, era
classificada em advertência, repreensão, detenção, prisão, prisão em separado e
licenciamento à bem da disciplina.
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Com os avanços nos direitos individuais e garantias fundamentais escritos
na carta magna de 1988, mesmo tendo o texto constitucional preservado os dogmas
militares, ainda assim as garantias fundamentais estão acima de tudo, como
cláusula pétria dos novos mandamentos da nação brasileira.
Os regulamentos disciplinares das polícias militares, das unidades da
federação, que são anteriores a constituição de 1988, entre elas a Polícia Militar de
Santa Catarina, Rio de Janeiro e Pernambuco, ainda trazem no seu texto legal o
modelo antigo que é aplicado. Outras Polícias Militares e até mesmo o Exército
Brasileiro, que tiveram seus regulamentos disciplinares atualizados após a
constituição de 1988, onde citamos a Polícia Militar de Goiás, São Paulo e Minas
Gerais, estas apresentam uma nova nomenclatura para a gradação das punições
disciplinares, onde a grande preocupação é com o cerceamento da liberdade do
militar, muito embora o artigo 5°, inciso LXI, da Constituição Federal estabeleça que
“ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada
de autoridade judiciária competente, salvo nos casos de transgressão militar ou
crime propriamente militar, definidos em lei”.
Embora a Constituição aceite as prisões por transgressões disciplinares,
faz uma ressalva bem clara, ou seja, as transgressões disciplinares devem estar
definidas em lei, o que não ocorre, pois todos os regulamentos disciplinares foram
impostos através de decretos federais para as Forças Armadas e estaduais para as
Policiais Militares. Nesse sentido, “Os regulamentos disciplinares foram impostos por
meio de decretos federais (Forças Armadas) e estaduais (Polícias Militares e Corpos
de Bombeiros Militares) e não podem se sobrepor à Constituição Federal em
respeito à hierarquia das leis” (Paulo Tadeu Rodrigues Rosa, 2009, p.10).
A primeira inovação quanto à gradação das punições disciplinares foi
apresentada pela lei complementar 893, de 09 de março de 2001, que instituiu o
Regulamento Disciplinar da Polícia Militar de São Paulo. Nesta Lei Complementar,
no seu artigo 14, regula a gradação das punições disciplinares conforme segue: “As
sanções disciplinares aplicáveis aos militares do Estado, independentemente do
posto, graduação ou função que ocupem, são: I – advertência; II – repreensão; III –
permanência disciplinar; IV – detenção; V – reforma administrativa disciplinar; VI –
demissão; VII – expulsão; VIII – proibição do uso do uniforme”.
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O termo “prisão” foi abolido totalmente do texto legal. Como inovação
aparece a figura da Permanência Disciplinar, que é segundo o artigo 17, a sanção
em que o transgressor ficará na OPM, sem estar circunscrito a determinado
compartimento. Esta sanção disciplinar ainda poderá ser abatida pelo transgressor,
por escala de serviço extraordinário, ou seja, um dia de prestação de serviço
extraordinário equivale ao cumprimento de um dia de permanência, (parágrafo 2° do
artigo 18). A detenção, conforme o artigo 20, consiste na retenção do militar do
Estado de São Paulo no âmbito da sua OPM, sem participar de qualquer serviço,
instrução ou atividade. Durante o tempo que ficar detido, o militar perderá todas as
vantagens e direitos decorrentes do exercício do posto ou graduação, tempo esse
não computado para efeito algum (parágrafo 1° do artigo 20). Ressalta-se que a
aplicação da detenção é privativa do Secretário da Segurança Pública, Comandante
Geral da PMSP e pelos demais Oficiais ocupantes de funções próprias do posto de
Coronel (artigo 21).
A lei estadual 14.310, de 19 de junho de 2002, que dispõe sobre o
Código de Ética e Disciplina dos Militares do Estado de Minas Gerais, no seu Título
III, Capítulo I, que trata das Sanções Disciplinares, no seu artigo 24 estabelece que:
“[...] Conforme a natureza, a gradação e as circunstâncias da transgressão, serão aplicáveis as seguintes sanções disciplinares: I – advertência; II – repreensão; III – prestação de serviços de natureza preferencialmente operacional, correspondente a um turno de serviço semanal, que não exceda a oito horas; IV – suspensão de até dez dias; V – reforma disciplinar compulsória; VI – demissão; VII – perda do posto, patente ou graduação do militar da reserva”.
As punições disciplinares estabelecidas pelo Código de Ética da Polícia
Militar de Minas Gerais não contempla nenhuma sanção que prive o transgressor de
sua liberdade. Mas mais do que privar a liberdade, este código avança no aspecto
da punição pecuniária, ou seja, esta prevista no parágrafo 1°, do artigo 25, “Quando
se tratar de falta ou abandono ao serviço ou expediente, o militar perderá os
vencimentos correspondentes aos dias em que se verificar a transgressão,
independentemente da sanção disciplinar”. Nesse mesmo sentido o artigo 31 regula:
“A suspensão consiste em uma interrupção temporária do exercício de cargo,
encargo ou função, não podendo exceder a dez dias, observando o seguinte: I – os
dias de suspensão não serão remunerados; II – o militar suspenso perderá todas as
vantagens e direitos decorrentes do exercício do cargo, encargo ou função”.
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O decreto 4.346, de 26 de agosto de 2002, que aprova o Regulamento
Disciplinar do Exército (R-4), também traz inovações na gradação das punições
disciplinares. Abandonou o sistema antigo na forma de punir e se adequou aos
novos tempos. Já não trata a punição disciplinar como uma forma de puro castigo ao
transgressor, mas se revela mais educativa e moderna aos novos tempos em que
vive a sociedade brasileira. No seu artigo 24 regula: “segundo a classificação
resultante do julgamento da transgressão, as punições disciplinares a que estão
sujeitos os militares são, em ordem de gravidade crescente: I – advertência; II – o
impedimento disciplinar; III – a repreensão; IV – a detenção disciplinar; V – a prisão
disciplinar; e VI – o licenciamento e a exclusão a bem da disciplina”.
O avanço alcançado por esse novo texto legal diz respeito à abolição da
prisão em separado, que isolava totalmente o transgressor de qualquer
comunicação com outros militares. A permanência da detenção e prisão militar é em
razão da missão específica das Forças Armadas, neste caso o Exército Nacional, na
defesa interna da nação. A razão maior é que todos os anos incluem milhares de
brasileiros para prestação do serviço militar e, neste caso, um regulamento com
sanções disciplinares severas faz parte do adestramento que é realizado.
O Regulamento Disciplinar da Polícia Militar de Santa Catarina
(RDPMSC), aprovado pelo decreto 12.112, de 16 de setembro de 1980, foi
elaborado a semelhança do antigo regulamento disciplinar do Exército e continua em
vigor até os dias de hoje. Na gradação das punições, conforme prescreve o artigo
20, estabelece numa ordem crescente de agravamento as seguintes punições:
advertência, repreensão, detenção, prisão e prisão em separado, licenciamento e
exclusão a bem da disciplina. Muito embora seja raro, ou costumeiramente quase
não seja mais aplicada, a sanção prisão em separado ainda faz parte do texto legal,
o que não impede que qualquer autoridade que tenha competência para aplicar as
punições disciplinares, utilize-se deste expediente, conforme a gravidade da
transgressão, para aplicar a prisão em separado.
Os sustentáculos de uma organização militar são a hierarquia e a
disciplina. Estas bases são reforçadas quando a organização conta com um
regulamento disciplinar severo, porém justo. Um regulamento disciplinar não pode
negar direito, ainda que o transgressor tenha cometido a maior das faltas. Um
regulamento não pode conflitar com a Constituição Federal, conforme ensinava Rui
40
Barbosa, “a Constituição é a rainha das leis, a verdadeira soberana dos povos” (Rui
Barbosa, apud Paulo Tadeu Rodrigues Rosa, 2009, p.10). A revisão de um texto
legal se faz necessário, dentro de uma organização, para adequá-lo aos avanços
sociais.
4.6 APLICAÇÃO E CUMPRIMENTO DAS PUNIÇÕES
O artigo 30 do Regulamento Disciplinar da Polícia Militar de Santa
Catarina (RDPMSC), normatiza “A aplicação da punição compreende uma nota de
punição, a qual contém uma descrição sumária, clara e precisa dos fatos e
circunstâncias que determinaram a transgressão (anexo II) e a conseqüente
publicação em Boletim Interno da OPM”. O texto legal se apresenta de forma
conclusiva, dando conta que todas as outras fases processuais, admitidas no direito
administrativo, já foram cumpridas.
Na realidade o decreto 12.112, de 16 de setembro de 1980, que aprovou
o Regulamento Disciplinar da Polícia Militar de Santa Catarina, é semelhante ao
antigo Regulamento Disciplinar do Exército, não regulando o devido processo
administrativo disciplinar, para apuração da falta disciplinar cometida pelo militar
estadual.
Somente no ano de 2001, foi editada a Portaria n° 009/PMSC/2001,
aprovando o Regulamento Administrativo Disciplina (PAD) na Polícia Militar de
Santa Catarina, numa forma de tentar corrigir um erro antigo que ficou mais patente
a partir de 1988, quando a Constituição Federal foi promulgada.
Não faz muito tempo, uma falta disciplinar cometida por um policial militar,
chegava ao conhecimento de seu comandante, através de um documento
denominando “parte”1. Esse documento era analisado e ouvido verbalmente o
infrator, que justificava ou tentava justificar sua falta disciplinar. Após se aceitasse as
justificativas, o comandante arquivava a parte. Caso não aceitasse, determinava o
1 Parte era um documento usado nas comunicações militares. Era redigido na metade de uma folha
de papel ofício A-4. Este documento foi substituído na Polícia Militar de Santa Catarina pela Comunicação Interna. No Exército Brasileiro este documento de comunicação ainda esta em vigor.
41
ajudante que preparasse uma nota de punição para publicação em Boletim Interno,
sobre a falta cometida e a respectiva sanção disciplinar.
Esta forma de aplicar as punições disciplinares era costumeira, porém
com a Carta Magna de 1988, no seu artigo 5°, inciso LV, “aos litigantes, em
processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o
contraditório e a ampla defesa, com os meios a ela inerentes”, mudou tal postura,
sendo que as administrações militares, mesmo com seus regulamentos disciplinares
defasados, tiveram que se adequar aos novos ditames constitucionais.
Esta adequação obrigou a adoção do Processo Administrativo Disciplinar
(PAD), conforme ocorreu na Polícia Militar de Santa Catarina, através da Portaria n°
009/PMSC/2001. Em outras polícias militares, como é o caso da Goiana, o seu novo
regulamento disciplinar, decreto 4.717, de 7 de outubro de 1996, no seu artigo 14,
regula que a apuração da prática de transgressão disciplinar será apurada mediante
a instauração de sindicância. Na Polícia Militar de São Paulo, a lei complementar
893, de 9 de março de 2001, regula em seu artigo 28, parágrafo 3°, que conhecendo
a comunicação preliminar da transgressão disciplinar praticada, a autoridade
competente elaborará o termo acusatório (libelo), expondo as razões do fato, para
que o militar infrator possa, no prazo de cinco dias, expor por escrito suas alegações
de defesa.
No decreto 4.346, de 26 de agosto de 2002, que aprovou o Regulamento
Disciplinar do Exército (R-4), no seu artigo 35, parágrafo 1°, regula que:
“[...] Nenhuma punição disciplinar será imposta sem que ao transgressor sejam assegurados o contraditório e a ampla defesa, inclusive o direito de ser ouvido pela autoridade competente para aplicá-la, e sem estarem os fatos devidamente apurados”.
Mesmo no regulamento do Exército, que já foi modelo para todos os
regulamentos disciplinares das polícias militares das unidades da federação, os
dispositivos constitucionais da ampla defesa e do contraditório, já fazem parte do
seu texto legal.
O local de cumprimento das punições disciplinares, dependendo do tipo
de punição, continua sendo o Quartel, onde se encontra lotado o militar estadual. Os
regulamentos editados após a Constituição da República Federativa do Brasil de
1988, já não contemplam o confinamento do militar estadual em compartimento
fechado, isolado. Neste sentido o regulamento disciplinar da Polícia Militar de Goiás.
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Os regulamentos disciplinares das Polícias Militares de São Paulo e Minas Gerais já
não contemplam mais a prisão como uma sanção disciplinar. O regulamento
disciplinar da Polícia Militar de São Paulo aparece as sanções disciplinares
classificadas em Permanência Disciplinar e a Detenção, mas ambas não confinam o
infrator punido com cerceamento da liberdade.
O Regulamento Disciplinar da Polícia Militar de Santa Catarina
(RDPMSC), em vigor desde 1980, encontra-se defasado em relação a alguns
regulamentos disciplinares que já se adequaram às normas constitucionais. O
RDPMSC ainda contempla a prisão, como sansão disciplinar, onde o policial militar
transgressor deve ficar confinado a um compartimento fechado, designado para tal,
denominando-se de “prisão de Sub Ten e Sgt”, para Subtenentes e Sargentos e
“Xadrez” para as demais praças.
4.6.1 Habeas Corpus nas transgressões disciplinares
É discussão corrente entre os juristas sobre a aceitação legal do Habeas
Corpus nas transgressões disciplinares. A discussão começa dentro do próprio texto
constitucional que no seu artigo 142, parágrafo 2° reza: “Não caberá Habeas
corpus em relação a punições disciplinares militares”. Este dispositivo constitucional
fica fortalecido, de certa forma, pelo artigo 5°, inciso LXI, que reza: “ninguém será
preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade
judiciária competente, salvo nos casos de transgressão militar ou crime
propriamente militar, definidos em lei”. Em oposição aos citados textos legais, a
mesma constituição, no artigo 5°, inciso XXXV e inciso LXVIII institui que “a lei não
excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito” e “conceder-
se-á habeas corpus sempre que alguém sofrer ou se achar ameaçado de sofrer
violência ou coação em sua liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de
poder”.
Independente de doutrinadores e juristas, a polêmica jurídica começa
dentro do próprio texto constitucional. Tal polêmica é dirimida pelo artigo 60,
parágrafo 4°, “Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a
abolir: I - ...; II - ...; III - ...; IV – os direitos e garantias individuais”. Nesse sentido,
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para o texto constitucional, o artigo 5°, que trata dos direitos e deveres individuais e
coletivos, é considerado cláusula pétrea, não podendo ser objeto de emenda. Alguns
ainda sustentam que o inciso LXI, do artigo 5°, exclui a transgressão militar ou crime
propriamente militar, dos casos de prisão abusiva, quando esta não for em flagrante
delito ou por ordem judicial fundamentada, porém como observa o professor Paulo
Tadeu Rodrigues Rosa (2009, p. 14):
“[...] Deve-se observar que a maioria dos regulamentos disciplinares das forças de segurança são decretos do poder executivo (estadual ou federal) que em tese foram recepcionados pela nova ordem constitucional. Mas qualquer alteração nos diplomas castrenses somente poderá ser realizada por meio de lei provinda do Poder Legislativo, o que não tem sido observado na atualidade, o que torna ilegal qualquer modificação pós-1988 feita por decreto”.
Prossegue ainda o professor Paulo Tadeu Rodrigues Rosa (2009, p. 16):
“[...] Assim, ainda que se possa defender a constitucionalidade da vedação do cabimento da ação constitucional de habeas corpus em sede de transgressão disciplinar, verifica-se que esta não foi à posição adotada pelo Supremo Tribunal Federa, e nem pelo Superior Tribunal de Justiça, que de forma reiterada já reconheceram a possibilidade de interposição de habeas corpus em sede de transgressão disciplinar, ainda que seja apenas para analisar os aspectos extrínsecos da punição. Esse entendimento é compartilhado pelo Superior Tribunal Militar, S.T.M., que vem conhecendo das ações de habeas corpus referentes às transgressões disciplinares, ou contravenções disciplinares, conforme o regulamento disciplinar da marinha do Brasil, que são propostas perante aquele Egrégio Tribunal Militar”.
O artigo 5°, parágrafo 2°, da CF, ainda nos lembra: “Os direitos e
garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e
dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República
Federativa do Brasil seja parte”. Nesse sentido lembramos que o Brasil ratificou a
Convenção Americana de Direitos Humanos (CADH), pacto de São José da Costa
Rica, que passou a ser norma interna de conteúdo constitucional, onde o artigo 7°,
n° 6, da CADH preceitua que:
“[...] Toda pessoa privada da liberdade tem direito a recorrer a um juiz ou tribunal competente, a fim de que este decida, sem demora, sobre a legalidade de sua prisão ou detenção e ordene sua soltura se a prisão ou detenção forem ilegais. Nos Estados Partes cujas leis prevêem que toda pessoa que se vir ameaçada de ser privada de sua liberdade tem direito a recorrer a um juiz ou tribunal competente a fim de que este decida sobre a legalidade de tal ameaça, tal recurso não pode ser restringido nem abolido. O recurso pode ser interposto pela própria pessoa ou por outra pessoa” (Convenção Americana de Direitos Humanos, apud Paulo Tadeu Rodrigues Rosa, 2009, p.15)”.
Em sentido contrário, outros autores entendem não caber o instituto do
habeas corpus em transgressões disciplinares, argumentando que o remédio jurídico
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para abusos de autoridade se tratando de transgressões disciplinares é o mandado
de segurança. Nesse sentido o Tenente Coronel PM Renato José Thiesen, da
Polícia Militar de Santa Catarina (1997, p. 23):
“[...] É evidente que se o ato punitivo militar é editado com observância dos pressupostos legais, estando reunidos os elementos que dão validade ao referido ato, é óbvio não caber habeas corpus. Não se pode descartar a possibilidade do ato administrativo estar eivado de vícios e, para tanto, necessita de remédio jurídico. Nesse caso, aplica-se instituto do “Mandado de Segurança”. Este remédio jurídico é aplicado para “proteger direito líquido e certo, não amparado por habeas corpus ou habeas data, quando o responsável pela ilegalidade ou abuso de poder for autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de atribuição do poder Público””.
Muito embora os argumentos sejam bem arrazoados, a favor ou contra, a
adoção do habeas corpus nas transgressões disciplinares militar, um fato que não
podemos mais negar é os grandes avanços sociais que atingiu a sociedade
brasileira, após a Constituição Federal de 1988. Os regulamentos disciplinares das
forças armadas e de algumas polícias militares de unidades da federação, que
entraram em vigor após o ano de 1988, já mostraram mudanças significativas em
relação a preservação dos direitos individuais de seus militares. Alguns avançaram
muito, a ponto de abolirem a chamada prisão militar administrativa, outros muito
embora ainda contemplem esta sanção disciplinar, tomaram o cuidado de avançar
na processualística administrativa, abrindo todos os caminhos para a ampla defesa e
contraditório (institutos constitucionais), bem como ampliaram as formas recursais
do suposto transgressor. Alguns regulamentos já estão, inclusive, utilizando as
sanções pecuniárias, para os militares que infringem os seus regulamentos.
Este tipo de sanção disciplinar, as sanções pecuniárias, ainda são uma
novidade no nosso ordenamento jurídico disciplinar, de forma que somente o tempo
poderá nos confirmar se tais medidas são as mais justas e educativas, para o
Estado e mesmo na disciplina militar, do que as sanções que privam, ainda que
provisoriamente, a liberdade temporária de seus integrantes. Os direitos individuais
devem estar sempre num patamar acima de todos, conforme nos ensina o professor
Paulo Tadeu Rodrigues Rosa (2009, p. 21):
“[...] A hierarquia e a disciplina devem ser preservadas por serem princípios essenciais, básicos, das Corporações Militares, mas os direitos e as garantias fundamentais previstos no art. 5°, da CF, são normas de aplicação imediata (art. 5°, § 1°, da CF), que devem ser asseguradas a todos os cidadãos (civis ou militares, brasileiros ou estrangeiros), sem qualquer distinção, na busca do fortalecimento do Estado de Direito”.
45
4.7 RECURSOS E MODIFICAÇÃO NA APLICAÇÃO DAS PUNIÇÕES
Os recursos representam um dos pilares mais importantes em qualquer
processo, seja administrativo, criminal ou cível. Difícil seria imaginar o direito
processual que fosse despido de qualquer recurso durante sua instrução ou até
mesmo depois de findado.
Muito embora todos os regulamentos disciplinares contemplem em seus
textos legais a apresentação de recursos, estes por um longo tempo no passado,
foram vistos no seio da caserna, como uma afronta à disciplina, ou seja, nenhum
superior hierárquico, na graduação militar, sentia-se confortável quando um
subordinado apresentava um recurso, em razão de uma transgressão disciplinar por
este cometida.
Esta realidade felizmente mudou. Na atualidade com a adoção dos
Processos Administrativos Disciplinares (PAD), em razão de orientação
constitucional, os recursos ganharam uma nova dinâmica e deixaram de ser vistos
com “vilões” da disciplina militar.
O Regulamento Disciplinar da Polícia Militar de Santa Catarina
(RDPMSC), em seu artigo 54, parágrafo único, apresenta três tipos de recursos
disciplinares, a serem interpostos por policial militar que se julgue ou julgue
subordinado seu prejudicado, ofendido ou injustiçado por superior hierárquico na
esfera disciplinar. Os recursos são: pedido de reconsideração de ato, queixa e
representação.
O pedido de reconsideração de ato, regulado pelo artigo 55 e parágrafos,
do RDPMSC, “é o recurso interposto mediante requerimento, por meio do qual o
policial-militar, que se julgue ou julgue subordinado seu, prejudicado, ofendido ou
injustiçado, solicita à autoridade que praticou o ato, que reexamine sua decisão e
reconsidere seu ato”.
A reconsideração de ato é um recurso personalístico, impetrado pela
parte interessada. Assim prescreve o artigo 57, do Regulamento Disciplinar da
Polícia Militar de São Paulo, lei complementar 893, de 9 de março de 2001, “O
pedido de reconsideração de ato é recurso interposto, mediante parte ou ofício, à
autoridade que praticou, ou aprovou, o ato disciplinar que se reputa irregular,
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ofensivo, injusto ou ilegal, para que o reexamine”. Nesse sentido também o artigo
53, do Regulamento Disciplinar do Exército, decreto 4.346, de 26 de agosto de 2002,
“Cabe pedido de reconsideração de ato à autoridade que houver proferido a primeira
decisão, não podendo ser renovado”.
Outros regulamentos disciplinares que prescrevem o recurso disciplinar
da reconsideração de ato seguem a mesma orientação do Regulamento Disciplinar
da Polícia Militar de São Paulo e do Regulamento Disciplinar do Exército, ou seja, é
um recurso personalístico, impetrado pelo militar que se julgue prejudicado. No
Regulamento Disciplinar da Polícia Militar de Santa Catarina, a reconsideração de
ato, segundo o texto legal do artigo 55, também pode ser impetrado pelo
comandante imediato do policial militar que o julgue prejudicado. Como os recursos
disciplinares são de caráter personalístico, entendemos que somente cabe ao
interessado impetrá-lo ou não.
O Regulamento Disciplinar da Polícia Militar de Santa Catarina ainda nos
trás no artigo 56: “Queixa – É o recurso disciplinar, normalmente redigido sob forma
de ofício ou parte, interposto pelo policial-militar que se julgue injustiçado, dirigido
diretamente ao superior imediato da autoridade contra quem é apresentada queixa”.
Os regulamentos disciplinares mais atualizados, não contemplam a
queixa como recurso disciplinar. Mesmo pelo texto do artigo 56, do RDPMSC, muito
embora este se refira à queixa como recurso disciplinar, não parece ser um recurso
em relação a sanção sofrida pelo militar. A redação do artigo apenas se refere à
comunicação do policial militar “injustiçado”, comunicando a suposta injustiça ao
superior imediato daquele que esta cometendo a injustiça. Em momento algum se
refere, especificamente, a sanção disciplinar. Por este motivo se entende que não
seja um recurso disciplinar.
O artigo 56, parágrafo único, da Lei Complementar 893, de 9 de março de
2001, Regulamento Disciplinar da Polícia Militar de São Paulo, contempla como
recursos disciplinares o pedido de reconsideração de ato e o recurso hierárquico.
Como um grande avanço nesta legislação, ambos os recursos apresentados tem
efeito suspensivo da sanção até seu julgamento final.
O artigo 59, da lei 14.310, de 19 de junho de 2002, Código de Ética e
Disciplina dos Militares do Estado de Minas Gerais, “Interpor, na esfera
administrativa, recurso disciplinar é direito do militar que se sentir prejudicado,
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ofendido ou injustiçado por qualquer ato ou decisão administrativa”. Nesta lei o
recurso disciplinar é personalístico, cabendo novo recurso, ainda na esfera
administrativa, após o julgamento do primeiro. No seu artigo 60, regula também, o
efeito suspensivo da sanção disciplinar, pelo prazo de cinco dias úteis.
O Regulamento Disciplinar do Exército (R-4), decreto 4.346, de 26 de
agosto de 2002, contempla como recursos disciplinares, no seu artigo 52, a
reconsideração de ato e o recurso disciplinar. Estes dois recursos, conforme o texto
legal, são personalísticos, impetrados pelo ofendido e não têm efeito suspensivo.
O Regulamento Disciplinar da Polícia Militar de Santa Catarina contempla
no artigo 57: “Representação – É o recurso disciplinar, normalmente redigido sob
forma de ofício ou parte, interposto por autoridade que julgue subordinado seu estar
sendo vítima de injustiça ou prejudicado em seus direitos, por ato de autoridade
superior”. Este recurso, igualmente a queixa, não se refere à sanção disciplinar.
Como não existe um código de processo administrativo, no direito
administrativo, busca-se por analogia, ao processo penal e civil, orientação quando
da aplicação do processo administrativo. Quanto ao tratamento dos recursos
disciplinares, estes devem se referir a uma determinada sanção, o que não ocorre
tanto na representação como na queixa, no RDPMSC. Portanto, na luz do direito
disciplinar, tais recursos não são em relação à sanção disciplinar sofrida pelo policial
militar e sim outras situações, também ligadas à disciplina militar, não
especificamente a sanção disciplinar.
O Regulamento Disciplinar da Polícia Militar de Santa Catarina
(RDPMSC) não faz nenhuma menção quando da apresentação dos recursos
disciplinares, em relação ao seu efeito suspensivo. Os regulamentos disciplinares
mais atualizados, exemplo os da Polícia Militar de São Paulo e Polícia Militar de
Minas Gerais, enquanto está sub judice o recurso, a pena imposta fica sob efeito
suspensivo até julgamento final do recurso. Tal instituto deveria servir de exemplo e
ser seguido por todos os regulamentos disciplinares, pois de nada adianta ao infrator
cumprir toda sua punição disciplinar e após ver seu recurso ser julgado favorável. De
qualquer forma o dano moral, nesse caso, é irreversível.
Após decisão final sobre a punição disciplinar, esta poderá sofrer ainda
modificação, dependendo do recurso ou até mesmo do agravamento ou atenuação
da punição. Na Polícia Militar de Santa Catarina, o seu regulamento disciplinar
48
(RDPMSC), no capítulo IX, trata das modificações na aplicação das punições. O
artigo 41, parágrafo único, regulamenta os tipos de modificações das punições que
são: anulação, relevação, atenuação e agravação.
A anulação, segundo o artigo 42 do Regulamento Disciplinar da Polícia
Militar de Santa Catarina (RDPMSC), consiste em tornar sem efeito a aplicação da
punição disciplinar. Ainda no parágrafo 1°, do mesmo artigo, refere-se que a
anulação deve ser concedida quando for comprovado ter ocorrido injustiça ou
ilegalidade na sua aplicação. De qualquer forma, ocorrendo o que prescreve este
parágrafo, a autoridade que cometeu tal arbítrio deve também ser responsabilizada,
o que é omisso nesta prescrição o RDPMSC.
A atenuação e o agravamento são circunstâancias recursais, ou seja, a
atenuação pode ser objeto de recurso, entendendo a autoridade que vai aplicar a
sanção, que o policial militar infrator merece ter seu castigo revisto, por
circunstâncias justificadas. Em relação ao agravamento, como existe uma gradação
de autoridades, conforme artigo 9° do RDPMSC, e como cada autoridade tem seus
limites na aplicação da sanção disciplinar, muitos fatos, às vezes, vão além do limite
da autoridade que tem o dever de aplicar a sanção. Por isso esta autoridade solicita
a autoridade imediatamente superior, dentro da escala hierárquica administrativa,
que agrave a punição imposta.
4.8 RECOMPENSAS
O artigo 64 do Regulamento Disciplinar da Polícia Militar de Santa
Catarina, reza: “Recompensas constituem reconhecimento dos bons serviços
prestados por policiais militares” e o artigo 65, do mesmo diploma legal, estabelece
como recompensas policiais militares o elogio, as dispensas do serviço e a dispensa
da revista do recolher e do pernoite, nos centros de formação, para alunos dos
cursos de formação.
O artigo 68, da Lei Complementar 893, de 9 de março de 2001, que
instituiu o Regulamento Disciplinar da Polícia Militar de São Paulo, regula “São
recompensas policiais-militares: I – elogio; II – cancelamento de sanções”. Ainda no
49
artigo 69, do mesmo diploma legal: “A dispensa do serviço não é uma recompensa
policial-militar e somente poderá ser concedida quando houver, a juízo do
Comandante da Unidade, motivo de força maior”.
O Código de Ética e Disciplina dos Militares do Estado de Minas Gerais,
Lei Estadual 14.310, de 19 de junho de 2002, no seu artigo 50, regula que
“Recompensas são prêmios concedidos aos militares em razão de atos meritórios,
serviços relevantes e inexistência de sanções disciplinares”. Ainda no seu parágrafo
1°, estabelece os tipos de recompensas que são: I – elogio; II – dispensa de serviço;
III – cancelamento de punições; e IV – consignação de nota meritória nos
assentamentos do militar, por atos relevantes relacionados com a atividade
profissional, os quais não comportem outros tipos de recompensa.
Outros regulamentos também vão nesta mesma linha de benefícios a
título de recompensas. As recompensas apresentadas pelo Regulamento Disciplinar
da Polícia Militar de São Paulo avançam administrativamente, quando deixa de
recompensar seus militares com dispensa de serviços, pois esta é a que segue a
corrente moderna do direito administrativo. Dispensas de serviço não devem mais
ser vistas como recompensas, porquanto o erário público não pode ser sacrificado
por medidas administrativas antagônicas aos seus princípios. Elogios, concessões
de medalhas, promoções, entre outras recompensas, são atributos que destacam o
servidor, seja ele civil ou militar, entre seus pares e por isso a administração deve
incentivar tais concessões. Todavia, dispensa de serviço, em nada contribui para
administração, por isso os regulamentos que ainda seguem esta tendência, estão
fora do contexto moderno de administração pública.
5 PROPOSTAS DE ATUALIZAÇÕES AO RDPMSC
A exemplo do que já ocorreu nas Polícias Militares de Goiás, Alagoas,
São Paulo e Minas Gerais, que já adequaram seus regulamentos disciplinares aos
novos ditames constitucionais, faz-se necessário que o exemplo seja seguido pelas
outras instituições militares dos Estados Membros.
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Na abordagem do regulamento Disciplinar da Polícia Militar de Santa
Catarina (RDPMSC), no capítulo 4, verifica-se a urgência de uma nova legislação
disciplinar para a instituição. Ressalta-se que o RDPMSC é anterior a Constituição
Federativa da República do Brasil de 1988, pois foi aprovado por decreto de 1980, e
daquela época até os dias atuais não sofreu nenhuma mudança em sua forma e
mesmo no seu conteúdo, exceto a edição da Portaria n° 009/PMSC/2001 do
Comando Geral da PMSC, que regulou a adoção do Processo Administrativo
Disciplinar (PAD) na Corporação.
Do ano de 1964 até o ano de 1984, o Brasil foi governado por presidentes
militares. No ano de 1967, trinta anos depois do golpe do Estado Novo, o Brasil
ganhou uma nova Constituição, chamada de constituição do regime militar, que foi
alterada pelo Ato Institucional n° 5 em 1968 e pela emenda n° 1 de 17 de outubro de
1969.
Com as eleições de 1986, quando foram eleitos os congressistas
nacionais constituintes, o Brasil começou a discutir uma nova Constituição, que foi
promulgada em outubro de 1988. Esta nova constituição, chamada de Constituição
Cidadã, teve grandes avanços nos direitos e garantias individuais e coletivos, não
excluindo nenhum brasileiro ou estrangeiro residente no Brasil, desses avanços.
Em razão destes avanços as legislações militares, Códigos, Estatutos e
Regulamentos, embora tenham sido recepcionados pela constituição, encontravam-
se em desacordo com o novo texto constitucional. Por este motivo é que muitos
destes textos foram atualizados, para não haver conflito na sua aplicação.
A Polícia Militar de Santa Catarina ainda não adequou seu regulamento
disciplinar ao novo texto constitucional, o que tem causado um grande desconforto
aos aplicadores da disciplina, na hora de fazer valer o estabelecido no regulamento
disciplinar. Não se admite mais, no direito administrativo atual, a aplicação de uma
sanção disciplinar sem que o devido processo administrativo seja instaurado. O
Regulamento Disciplinar da Polícia Militar de Santa Catarina (RDPMSC) não traz no
seu texto nenhuma regulamentação em relação ao processo administrativo, para
apuração de infrações disciplinares. No momento atual é mister que esta
regulamentação esteja escrita no texto legal.
Primeiramente um novo regulamento disciplinar deve ser projeto de lei
complementar aprovado pelo Poder Legislativo de Santa Catarina, para se cumprir
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dispositivo constitucional. Este novo projeto de lei deve contemplar as mudanças,
não só as apregoadas pela Constituição da República Federativa do Brasil, mas
também aquelas que tornem o novo regulamento disciplinar mais justo e que tornem
a Polícia Militar de Santa Catarina uma instituição que consiga atingir seus objetivos
perante a sociedade catarinense.
As transgressões disciplinares precisam estar tipificadas nesta nova
legislação. O Processo Administrativo Disciplinar (PAD) deve estar bem definido
para melhor apurar as faltas disciplinares. As normas estatutárias devem ser bem
regulamentadas, pois os direitos, deveres e obrigações além da ética policial militar,
que quando violadas também se caracterizam em transgressões disciplinares,
devem estar bem claras na legislação regulamentar.
A classificação das transgressões disciplinares tem que fazer parte dos
tipos disciplinares regulamentados, pois ao aplicador do regulamento disciplinar a
infração deve estar bem tipificada e graduada, assim na hora da aplicação do
regulamento não restará dúvida se a transgressão é leve, média ou grave. Não pode
a legislação deixar a critério do aplicador a classificação da transgressão, sob pena
de um mesmo fato ser interpretado de forma diferente.
Os recursos disciplinares devem ser claros e objetivos na nova legislação.
O caráter personalístico do recurso deve prevalecer, até porque por mais que a
punição seja injusta só quem a sofre sabe dimensionar. O efeito suspensivo deve
ser regra, conforme nos ensina os códigos processuais, usados por analogia,
quando necessitamos de apoio. De nada adianta um recurso se seu julgamento
acontece após o cumprimento da sanção. Neste caso o dano moral é irreversível ao
apenado injustiçado.
As sanções disciplinares também devem ser objeto de estudo e
discussão. O cerceamento da liberdade do militar favorece a disciplina? Essa
pergunta deve ser sempre feita e refletida. Da mesma forma em relação a sanção
pecuniária, como ocorre nos novos regulamentos das Policiais Militares de São
Paulo e Minas Gerais. Ambas são questões que devem ser debatidas.
Na Polícia Militar de Santa Catarina já foram produzidos alguns trabalhos
com intuito de mudança no regulamento disciplinar. Citamos o trabalho do Coronel
PM Marlon Jorge Teza, que através de uma comissão de oficiais, redigiram o Código
de Ética e Disciplina dos Militares Estaduais de Santa Catarina. Este documento traz
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muitos avanços e está, de certa forma, adequado aos novos ditames constitucionais,
muito embora ainda precise de uma revisão em seu texto original.
Outro trabalho que merece destaque foi o apresentado pelo Tenente
Coronel Renato José Thiesen, quando no ano de 1997 produziu seu trabalho
monográfico para o Curso de Aperfeiçoamento de Oficiais (CAO) intitulado: Proposta
de Modificação do Regulamento Disciplinar da Polícia Militar de Santa Catarina.
Neste trabalho o Tenente Coronel PM Renato José Thiesen, no seu modelo de
regulamento apresentado, já demonstra uma preocupação em fazer constar, um
título referente ao Processo Administrativo Disciplinar (PAD), que na nova doutrina
do direito administrativo é imprescindível em qualquer regulamento disciplinar.
É mister que um trabalho de revisão e atualização de um regulamento
disciplinar não fique a cargo de apenas um revisor. Este trabalho, pela grandeza que
representa, deve ficar a cargo de uma comissão, nomeada pelo Comando Geral da
Polícia Militar, aproveitando as idéias que já foram produzidas, algumas aqui citadas.
É um trabalho que deve ser acompanhado, por toda a instituição, inclusive ouvidas
as manifestações de toda a corporação, pois esta interação só enriquecerá o
trabalho.
6 CONCLUSÃO
A Constituição Federativa do Brasil, promulgada em outubro de 1988, não
revogou nenhuma legislação penal, civil, trabalhista e até mesmo administrativas,
onde se incluem os regulamentos disciplinares das Forças Armadas e Polícias
Militares.
Embora a carta magna tenha recepcionado todas aquelas legislações é
fato, também, que qualquer texto legal em desacordo com o texto constitucional, não
deve permanecer sendo aplicado. Neste sentido o professor Miguel Reale (1980, p.
163):
“[...] não são leis os regulamentos ou decretos, porque estes não podem ultrapassar os limites postos pela norma legal que especificam ou a cuja execução se destinam. Tudo o que nas normas regulamentares ou executivas esteja em conflito com o disposto na lei não tem validade, e é
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susceptível de impugnação por quem se sinta lesado. A ilegalidade de um regulamento importa, em última análise, num problema de inconstitucionalidade, pois é a constituição que distribui as esferas e a extensão do poder de legislar, conferindo a cada categoria de ato normativo a força obrigatória que lhe é própria”.
O próprio texto constitucional, do artigo 5°, inciso LXI - “ninguém será
preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade
judiciária competente, salvo nos casos de transgressão militar ou crime
propriamente militar, definidos em lei”. A reserva feita pela constituição às
transgressões militares e crimes militares, logo é corrigida pelo texto constitucional,
prescrevendo que mesmo as transgressões militares e crimes militares devem estar
previstos em lei.
Os regulamentos disciplinares das Forças Armadas e Polícias Militares
foram, na sua grande maioria, instituídos por decretos. A exceção ocorreu nas
Polícias Militares de São Paulo e Minas Gerais, que sintonizadas com os novos
ditames constitucionais, editaram seus novos regulamentos disciplinares através de
leis estaduais, conforme previsão legal.
O Regulamento Disciplinar da Polícia Militar de Santa Catarina foi
instituído através do decreto 12.112, de 16 de setembro de 1980. Daquela data até
os dias atuais sofreu poucas alterações, nenhuma que adequasse seu texto à nova
ordem constitucional. É corrente entre os juristas que os regulamentos disciplinares
das forças militares federais e estaduais devam ser objeto de leis. O Regulamento
Disciplinar do Exército (R-4), instituído pelo decreto 4.346, de 26 de agosto de 2002,
e outros regulamentos disciplinares, exemplo o da Polícia Militar de Goiás, instituído
pelo decreto 4.717, de 7 de outubro de 1996 e da Polícia Militar de Alagoas,
instituído pelo decreto 37.042, de 6 de novembro de 1996, mesmo sendo posteriores
a Constituição Federativa do Brasil de 1988 ainda foram objetos de decretos, o que
contraria o texto constitucional.
As Polícias Militares de São Paulo e Minas Gerais ao editarem seus
novos regulamentos o fizeram através de Leis, cumprindo requisito constitucional. A
Lei Complementar 893, de 9 de março de 2001 instituiu o Regulamento Disciplinar
da Polícia Militar de São Paulo e a Lei Estadual 14.310, de 19 de junho de 2002
dispõe sobre o Código de Ética e Disciplina dos Militares do Estado de Minas
Gerais.
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Os conflitos sociais chegaram à caserna e por esta razão a necessidade
de uma legislação disciplinar, forte e atualizada, dentro dos preceitos constitucionais
se torna uma realidade cada vez mais presente. As Organizações Militares têm sua
sustentação na hierarquia e na disciplina. Para o fortalecimento e manutenção
dessas características fundamentais das forças militares é corrente que tenham uma
legislação que não permita que essas instituições sejam vilipendiadas, deixando-as
fragilizadas sem poder cumprir sua função social.
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REFERÊNCIAS
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