PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC-SP
Gisele Aparecida Bovolenta
Os benefícios eventuais e a gestão municipal
MESTRADO EM SERVIÇO SOCIAL
SÃO PAULO
2010
Gisele Aparecida Bovolenta
Os benefícios eventuais e a gestão municipal
MESTRADO EM SERVIÇO SOCIAL
Dissertação apresentada à Banca Examinadora
da Pontifícia Universidade Católica de São
Paulo, como exigência parcial para obtenção
do título de MESTRE em Serviço Social, sob a
orientação do Prof.ª Dr.ª Aldaíza Oliveira
Sposati.
SÃO PAULO
2010
ERRATA
Folha Linha Onde se lê Leia-se 37 13 Serviço Social ajuda Folha Linha Onde se lê Refere-se 34 11 Medeiros MEDEIROS, Francisco
Ary Fernandes de. Reforma e Assistência no discurso do Serviço Social – um estudo Exploratório. Dissertação de Mestrado, Rio de Janeiro, UFRJ, 1983.
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Gisele Aparecida Bovolenta
Os benefícios eventuais e a gestão municipal
BANCA EXAMINADORA
__________________________
(NOME)
__________________________
(NOME)
__________________________
(NOME)
3
DEDICATÓRIA
Ao mestre Profº. Drº. João Antônio Rodrigues (in memoriam)
4
AGRADECIMENTOS
Especiais a...
Profª. Drª. Aldaíza Sposati, orientadora desta pesquisa, que sabiamente a conduziu, sua
competência e conhecimento é motivo de admiração, minha profunda gratidão...
Banca de Qualificação, composta pela Profª. Drª. Maria Carmelita Yasbek e Profª. Drª.
Maria do Rosária Corrêa de Salles Gomes, pela disponibilidade em participar desta banca e
contribuir para o desenvolvimento deste estudo...
Adriano Henriques Machado, querido amigo e namorado, pela sintonia e
companheirismo nesta etapa da vida...
Colegas e amigos da Prefeitura de Mogi Mirim/SP (lócus inicial deste estudo): Elaine
L. da Silva (na época estagiária), Rosemeire Donegá, Rita Guarnieri, Ana Paula V. Miquelini
e, especialmente, Graziete Bronzatto, por todo apoio e consideração...
Colegas e amigos da PUC-SP presentes nesta trajetória de dois anos, pelos momentos
tensos e descontraídos...
Colegas e amigos do NEPSAS (Núcleo de Estudos e Pesquisa sobre Seguridade e
Assistência Social), que durante esses dois anos proporcionaram grandes debates e
socialização de conhecimento e informação...
Colegas e amigos da Prefeitura de São Paulo/SP do Distrito de Campo Limpo (lócus
atual de trabalho), pela compreensão e colaboração neste momento...
Meus pais: José Roberto Bovolenta e Silvéria Maria dos Reis Bovolenta, que mesmo
distante emitem o carinho e o apoio de sempre...
Srª Natalia Henriques Machado, por toda convivência e amizade...
CAPES, pela disponibilização da bolsa de estudo que muito contribuiu e viabilizou
este estudo...
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Os filósofos se limitaram a interpretar o mundo, diferentemente, cabe transformá-lo.
Marx
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RESUMO A regulamentação dos benefícios eventuais, previstos desde 1993 no corpo da Lei Orgânica de Assistência Social (LOAS), ficou a cargo dos municípios, estados e Distrito Federal, por meio de seus respectivos conselhos. O auxílio natalidade e auxílio funeral (parte do artigo 22 da LOAS) eram operacionalizados desde 1954 – quando foram instituídos pelo Decreto nº. 35.448 – pela política previdenciária. O translado de uma política para outra não garantiu a continuidade de concessão desse direito, contrariando os dispositivos postos na própria LOAS. Com isso, seu público alvo foi penalizado: os beneficiários da previdência social, que deixaram de acessar esses auxílios e os potenciais usuários da política de assistência social, face a ausência de sua regulação. Isso demonstra que estar legalmente instituído não foi (e não é) suficiente para estar devidamente implementado em todo o país, o que supõe empecilhos econômicos, políticos, sociais, culturais e mesmo pessoais. As diversas práticas e ações, em relação à concessão de auxílios, fazem parte do próprio histórico da assistência social, em que, no mais das vezes, eram por meio dessas ações que se recebia algum tipo de auxílio ou atendimento. Na era dos direitos, a concessão de benefícios deve ocorrer de modo claro, preciso e qualificado, no sentido de garantir sua gestão, financiamento e controle social, o que contribui por coibir práticas assistencialistas, clientelistas e paternalistas. A partir do estudo de uma dada realidade, buscou-se conhecer como os benefícios eventuais se encontram atualmente: desde do seu reconhecimento, trazido pela LOAS, até a presença de legislações e documentos atuais, como a Resolução 212, de 2006, o Decreto Presidencial nº 6.307, de 2007, entre outros. PALAVRAS-CHAVE: benefícios eventuais, regulação, LOAS, direito, municípios.
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ABSTRACT
The regulation of Possible Benefits, provided since 1993 in the body of Organic Law of Social Assistance (LOAS), were the responsibility of municipalities, states and Federal District, through their respective boards. The birth assistance and funeral assistance (part of Article 22 of LOAS) were put into operation since 1954 – when they were established by Decree no. 35.448 – the social security policy. The transfer from one policy to another is not guaranteed the continuance of grating such right, contrary to its own devices placed in the Organic Law on Social Assistance. With this, its audience was penalized: the welfare recipients who left to access the aid and potential users of social welfare policy, given the absence of its regulation. This demonstrates that not be legally established (and isn’t) enough to be properly implemented throughout the country, which implies economic setbacks, political, social, cultural and even personal. The various practices and actions in relation to grant aid, part of the social history itself, which, in most cases, was through these actions that received some type of aid or assistance. In the obdobie of right, the granting of benefits must occur in a clear, precise and qualified to ensure its management, financing and social control, which helps to curb welfare practices, clientelistic and paternalistic. From the study of a particular reality, aimed to investigate how the benefits are now possible: from is recognition, brought by LOAS by the presence of current law and documents, as Resolution 212, 2006, Presidential Decree no. 6.307, 2007, among others. KEYWORDS: Potential Benefits, regulation, LOAS, law, municipalities.
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LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Imagem 1: Mapa 1 – As DRADS do Estado de São Paulo ..................................................94
Imagem 2: Mapa 2 – Região Administrativa de Campinas ............................................... 96
Imagem 3: Mapa 2 – Regiões de Governo da Região de Campinas .................................. 98
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LISTA DE TABELAS E QUADROS
Quadro 1 – Comparativo entre BPC e BE ........................................................................... 77
Quadro 2 – Síntese das principais ações a partir da LOAS referente à regulação dos
benefícios eventuais junto aos municípios brasileiros ........................................................81
Quadro 3 – População, área e formação dos municípios pesquisados .............................101
Tabela 1 – Regulamentação dos Benefícios Eventuais junto aos municípios da Região
Mogiana do Estado de São Paulo........................................................................................ 102
Tabela 2 – Situação da regulamentação dos benefícios eventuais nos municípios e
DF ......................................................................................................................................... 104
Quadro 4 – Órgão responsável pela execução dos benefícios eventuais nos municípios da
Região Mogiana do Estado de São Paulo .......................................................................... 105
Quadro 5 – Fluxo de concessão dos benefícios eventuais .................................................. 107
Tabela 3 – Critérios para concessão dos benefícios eventuais ......................................... 109
Quadro 6 – Itens de cobertura como benefícios eventuais no Levantamento
Nacional ................................................................................................................................ 111
Tabela 4 – Frequência no atendimento dos benefícios eventuais..................................... 113
Quadro 7 – A existência de demanda reprimida nos municípios da DRADS
Mogiana ................................................................................................................................ 114
Quadro 8 – Benefícios eventuais oferecidos nos municípios da DRADS Mogiana ........ 115
Quadro 9 – Recursos destinados aos benefícios eventuais e sua fonte ............................ 118
Quadro 10 – Vínculo entre a concessão de benefícios eventuais e serviços soioassistenciais
nos municípios da DRADS Mogiana ................................................................................. 120
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LISTA DE SIGLAS
BE – Benefícios Eventuais
BIRD – Banco Internacional para Reconstrução e Desenvolvimento
BPC – Benefício de Prestação Continuada
CAP – Caixa de Aposentadoria e Pensão
CEAM – Centro de Estudos Avançados Multidisciplinares da UnB
CEME – Central de Medicamentos
CEPAL – Comissão Econômica para América Latina e Caribe
CF – Constituição Federal
CFESS – Conselho Federal de Serviço Social
CIB – Comissão Intergestora Bipartite
CIT – Comissão Intergestora Tripartite
CMAS – Conselho Municipal de Assistência Social
CNAS – Conselho Nacional de Assistência Social
CONSEAS – Conselho Estadual de Assistência Social
CRAS – Centro de Referência de Assistência Social
CREAS – Centro de Referência Especializado de Assistência Social
CRESS – Conselho Regional de Serviço Social
DATAPREV – Empresa de Processamento de Dados da Previdência Social
DRADS – Diretoria Regional de Assistência e Desenvolvimento Social
DEM – Democratas
DF – Distrito Federal
DST – Doença Sexualmente Transmissível
ECOSOC – Conselho Econômico e Social das Nações Unidas
ERAS – Escritórios Regionais de Assistência Social
FEPASA – Ferrovias Paulista S.A.
FLBA – Fundação Legião Brasileira de Assistência
FHC – Fernando Henrique Cardoso
FMAS – Fundo Municipal de Assistência Social
FEAS – Fundo Estadual de Assistência Social
FUNABEM – Fundação Nacional do Bem-Estar do Menor
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FUNRURAL – Fundo de Assistência ao Trabalhador Rural
FUSSESP – Fundo Social de Solidariedade do Estado de São Paulo
IAP – Instituto de Aposentadoria e Pensão
IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
IDH – Índice de Desenvolvimento Humano
INAMPS – Instituto Nacional da Assistência Médica da Previdência Social
INSS – Instituto Nacional de Seguro Social
INPS – Instituto Nacional de Previdência Social
IPEA – Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada
LBA – Legião Brasileira de Assistência
LOAS – Lei Orgânica da Assistência Social
LOPS – Lei Orgânica da Previdência Social
MDS – Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome
MPAS – Ministério da Previdência e Assistência Social
MUNIC – Pesquisa de Informações Básicas Municipais
NEPPOS – Núcleo de Estudos e Pesquisa em Política Social da UnB
NEPSAS – Núcleo de Estudo e Pesquisa sobre Seguridade e Assistência Social
NOB – Norma Operacional Básica
NOB/SUAS – Norma Operacional Básica do Sistema Único da Assistência Social
ONU – Organização das Nações Unidas
PASEP – Programa de Formação do Patrimônio do Servidor Público
PBF – Programa Bolsa Família
PCdoB – Partido Comunista do Brasil
PDT – Partido Democrático Trabalhista
PETI – Programa de Erradicação do Trabalho Infantil
PFL – Partido da Frente Liberal
PIB – Produto Interno Bruto
PIS – Programa de Integração Social
PMAS – Plano Municipal de Assistência Social
PMDB – Partido do Movimento Democrático Brasileiro
PMN – Partido da Mobilização Nacional
PNAS – Política Nacional de Assistência Social
PNUD – Programa das Nações Unidas para Desenvolvimento
PP – Partido Progressista
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PPS – Partido Popular Socialista
PSC – Partido Social Cristão
PSB – Proteção Social Básica
PSDB – Partido da Social-Democracia Brasileira
PSE – Proteção Social Especial
PT – Partido dos Trabalhadores
PTB – Partido Trabalhista Brasileiro
PV – Partido Verde
RA – Região Administrativa
RMV – Renda Mensal Vitalícia
SEADE – Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados
SEADS – Secretaria Estadual de Assistência e Desenvolvimento Social
SINPAS – Sistema Nacional de Assistência e Previdência Social
SNAS – Secretaria Nacional de Assistência Social
SUAS – Sistema Único da Assistência Social
UNB – Universidade de Brasília
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SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ................................................................................................................................................. 14
CAPÍTULO I ...................................................................................................................................................... 27
1. BENEFÍCIOS E AUXÍLIOS NA POLÍTICA DE ASSISTÊNCIA SOCIAL.................................................................... 27
1.1 – CONTEXTO HISTÓRICO DA PRESTAÇÃO DE AUXÍLIOS E BENEFÍCIOS ............................................................................ 27 1.2 – O SERVIÇO SOCIAL DE CASO ENQUANTO MÉTODO DE APOIO AO INDIVIDUO .............................................................. 34 1.3 – O PLANTÃO SOCIAL DO SERVIÇO SOCIAL DE CASO: A PORTA DE ENTRADA DA ATUAÇÃO SOCIOASSISTENCIAL ..................... 41 1.4 – A INSTITUCIONALIZAÇÃO FEDERAL E ESTADUAL (SÃO PAULO) DO AUXÍLIO SOCIAL ....................................................... 45 1.4 – A OFERTA DE AUXÍLIOS E BENEFÍCIOS NA ÓTICA DA PREVIDÊNCIA SOCIAL ................................................................... 53 1.5 – OS BENEFÍCIOS SOCIOASSISTENCIAIS NA ASSISTÊNCIA SOCIAL .................................................................................. 57
CAPÍTULO II ..................................................................................................................................................... 62
2. A TRAJETÓRIA E O CONTEXTO DOS BENEFÍCIOS EVENTUAIS ....................................................................... 62
2.1 – OS AUXÍLIOS NATALIDADE E FUNERAL ANTES DA LEI ORGÂNICA DA ASSISTÊNCIA SOCIAL .............................................. 63 2.2 – OS BENEFÍCIOS EVENTUAIS E A LEI ORGÂNICA DA ASSISTÊNCIA SOCIAL ..................................................................... 74 2.3 – OS BENEFÍCIOS EVENTUAIS POSTERIORES À LEI ORGÂNICA DA ASSISTÊNCIA SOCIAL ..................................................... 79
CAPÍTULO III .................................................................................................................................................... 93
3. OS BENEFÍCIOS EVENTUAIS NA PRÁTICA: ESTUDO DE UMA REALIDADE ..................................................... 93
3.1 – A DRADS MOGIANA: CENÁRIO DA PESQUISA ..................................................................................................... 93 3 .2 – PERFIL DOS MUNICÍPIOS PESQUISADOS .............................................................................................................. 96 3.2 – A PESQUISA ................................................................................................................................................ 100
COSIDERAÇÕES FINAIS .................................................................................................................................. 123
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ..................................................................................................................... 132
ANEXO 1 ....................................................................................................................................................... 138
ANEXO 2 ....................................................................................................................................................... 142
ANEXO 3 ....................................................................................................................................................... 145
14
INTRODUÇÃO
“Os benefícios eventuais passaram por importantes transformações até assumirem a forma assistencial atualmente vigente. A primeira forma que estes benefícios assumiram foi de auxílios por natalidade e morte como provisões do sistema de Previdência Social. Estes dois benefícios foram instituídos em 1954 pelo Decreto nº 35.448, em 01 de maio, sendo denominados de auxílio maternidade e funeral. Quando benefícios previdenciários, o auxílio funeral e maternidade eram oferecidos em pagamento único de um salário mínimo. Em ambos os casos era preciso ser segurado da Previdência Social. (...) Com a instituição da Lei 3.807 – Lei Orgânica da Previdência Social – LOPS, em 26 de janeiro de 1960, o auxílio-maternidade, que neste momento passa a ser chamado de natalidade, sofreu modificações que ampliaram o acesso, incluindo como dependente do segurado, além da esposa não segurada, a pessoa designada (...). A aprovação da LOPS, também, imprimiu mudanças no auxílio funeral, que passou a ser fixado a duas vezes o valor do salário-mínimo vigente (...). Neste sentido, os benefícios eventuais adotados na LOPS, configuraram um relativo avanço no esquema de proteção social brasileiro, pois apesar de se basearem por uma perspectiva contratual de seguro social, orientavam-se pelo princípio da universalidade, estabelecendo a ampliação de dependentes beneficiários e o valor do pagamento dos auxílios, que tinham como base o salário mínimo. A provisão dos benefícios eventuais sofreu novas alterações, com a Lei nº 8.213, de 24 de agosto de 1991, que dispõe sobre os Planos de Benefícios da Previdência Social, ao introduzir o princípio da seletividade na provisão dos benefícios eventuais, elegendo como beneficiário os segurados com renda correspondente, à época, até três salários mínimos, e ainda, restabelecia como limite máximo do valor do pagamento de ambos os auxílios à importância igual a um salário mínimo vigente. (...) Sem apontar as razões, os valores devidos aos benefícios eventuais tornaram-se distintos daqueles constantes na LOPS, sendo equivalente a 29,42% do salário mínimo para o auxílio natalidade e de um salário mínimo integral para o auxílio funeral. Observa-se com tais mudanças que os benefícios eventuais começam a reproduzir uma lógica de seletividade oposta as anteriores que permitiam o acesso de um público mais ampliado, embora ainda vinculadas à contribuição previdenciária. O cenário dos benefícios eventuais volta a mudar no ano de 1993, agora sendo transformadas suas características, seu público alvo e principalmente a política à qual passam a se vincular, quando o art. 40 da LOAS extingue os auxílios previdenciários substituindo-os pelos benefícios elencados no art. 22 da mesma lei. Segundo a LOAS a prestação dos auxílios natalidade e morte não deveriam sofrer solução de continuidade na sua passagem da órbita da Previdência para a Assistência. Entretanto, a distribuição desses benefícios foi sustada, deixando, a Política de Previdência, de provê-los em 1996.” (...) 1
A construção deste trabalho percorreu caminhos que se encontram no campo pessoal e
coletivo, cuja proposta de analisar, discutir e qualificar a regulamentação municipal ou
1 “Histórico dos Benefícios Eventuais”, descrição posta no site do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS) referente à categoria dos benefícios eventuais. Disponível em www.mds.gov.br/suas/revisoes_bpc/benefícios-eventuais/historico-dos-beneficios-eventuais. Acesso em 15 de ago. de 2008.
15
ausência dela dos benefícios eventuais, no conjunto dos municípios brasileiros, foi moldada
por desafios e conquistas.
O texto acima, que abre a apresentação deste estudo, estava posto em 2008 2 no site do
Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS) e faz referência ao histórico
destes benefícios como provisão social estatal. Sem contextualizar o trajeto, o texto mostra os
caminhos pelos quais estes benefícios passaram, desde a sua constituição, atrelados de início à
política previdenciária, até sua relação com a política de assistência social.
No entanto, esta síntese parece não ser do conhecimento de muitos gestores da
assistência social. Assertiva esta que se confirma quando, em contato com a região englobada
por este trabalho, um dado representante de um município fez o seguinte comentário: “(...)
mas você quer saber que tipo de benefício eventual? Aquele do tipo Bolsa Família, de
transferência de renda ou aquele do tipo para deficiente e idoso?(...) Assim, nasce o objeto
de estudo – os benefícios eventuais – instituídos desde 1954 no corpo da política
previdenciária, previstos a partir de 1993 na Lei Orgânica da Assistência Social mas que,
ainda em 2010, permanecem à margem das políticas de proteção social.
Acredita-se que a prática profissional do assistente social é campo privilegiado do
conhecimento quanto à implementação e execução da política pública de assistência social. A
partir dela, deram-se a abertura às primeiras indagações acerca dos benefícios eventuais.
Tendo o município de Mogi Mirim3, interior de São Paulo, como início desta inquietação, a
observação estendeu-se ao conjunto dos municípios da Região da Média Mogiana. O intuito
era entender, analisar e debater o que, de fato, era compreendido como benefícios inseridos
nesta categoria pelos gestores municipais.
Concomitante a isto, com a continuidade do processo de formação desta autora,
materializado por meio da realização do Mestrado, permitiu uma melhor formatação,
conhecimento e qualificação do objeto de estudo, o que imprimiu o rigor cientifico necessário
em virtude da participação nas aulas, nos núcleos de pesquisa e nos encontros de orientação
individual e coletiva.
Ao delimitar o objeto de estudo, percebeu-se, de início, certa discrepância da prática
versus a legislação. Distante de uma visão legalista, buscou-se compreender as determinantes
envolvidas face à atual conjuntura: questões políticas, econômicas, históricas e sociais, entre
2 Este histórico ainda permanece no site do MDS, porém com uma nova redação. Acesso em 07.08.10. 3 No começo dessa pesquisa a autora trabalhava nesse município, que se localizava no estado de São Paulo, na Região da Média Mogiana, permanecendo até janeiro de 2010. Eis os motivos da escolha dessa região: sua aproximação, conhecimento e alguns contatos em razão do trabalho.
16
outras. Trata-se de uma pesquisa acadêmica que compreende os benefícios eventuais no
conjunto das relações de gestão da assistência social entre os entes federados. A posição
destes benefícios no campo da gestão merece ser pontuada, conhecida e melhor apresentada
no sentido de fortalecer a implementação da assistência social, de fato, enquanto política de
direito.
O Sistema de Único de Assistência Social (SUAS), instituído no Brasil desde 2005,
tem por finalidade trabalhar a política de assistência social de modo integrado e participativo
rumo à concretização plena dos direitos sociais instituídos na Constituição Federal de 1988.
A Carta Magna, ao instituir a assistência social enquanto política pública de
responsabilidade do Estado, inaugurou um novo contexto de reconhecimento e trato desta
(nova) área de atuação. A partir de então, tratou-se de qualificar uma política e, não mais,
endossar a ação benevolente de ajudar aos pobres e miseráveis, realizada de modo aleatório e
focalizada por meio de práticas clientelistas, paternalistas e assistencialistas, as quais,
historicamente, moldaram as relações sociais no Brasil.
A Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS), promulgada cinco anos após a
Constituição de 1988 (em 07/12/1993) regulamentou e orientou o recém estatuto de política
pública – a assistência social – quando estabelece os princípios e a organização para seu modo
de gestão. As devidas competências dos entes federados (União, estados, municípios e
Distrito Federal), os programas, benefícios, serviços e projetos, o financiamento e os órgãos
de controle social são detalhados nessa legislação.
Com base, portanto, na Constituição de 1988 e orientado pela LOAS, o SUAS propõe
a articulação entre serviços, programas, projetos e benefícios – nas três esferas de governo
(federal, estadual e municipal), de modo a organizar a gestão da política de assistência social,
cuja finalidade é garantir proteção social aos cidadãos brasileiros dentro do campo da
Seguridade Social.
Os benefícios eventuais, como provisão social básica, estão descritos no artigo 22 da
LOAS 4 – e fazem (ou deveriam fazer) parte da estrutura de funcionamento do SUAS. Tão
logo posto na lei, deveria ter sido regulado e implementado em todo território nacional. No
entanto, o que se observa na prática é o fato destes benefícios terem se tornados esquecidos, 4 A LOAS descreve dois benefícios assistenciais, como provisão social básica: o Benefício de Prestação Continuada (BPC) no artigo 20, destinado aos idosos e pessoas portadoras de deficiência, cujo valor é de um salário mínimo e os Benefícios Eventuais (BE) no artigo 22, como provisão de auxílio por natalidade ou morte, além da situação de vulnerabilidade temporária (ambos orientados pelo corte de renda familiar de ¼ per capita). A implementação do BPC data de 1996, enquanto que os BE ainda não tem sua prática realizada em todo o país, contando tão só com um Decreto Federal, com a Resolução do CNAS e dispositivos de alguns municípios, como poderá ser constatado pela pesquisa empírica desse estudo e pelo Levantamento Nacional realizado pelo MDS juntamente ao CNAS em 2009.
17
tratados à margem das legislações existentes. Estar instituído na LOAS não garantiu sua
implementação no conjunto de municípios brasileiros. A ausência de regulamentação
posterior a LOAS o levou a uma operacionalização desregulada, com presença difusa e
distante do campo dos direitos.
Oriundos da política previdenciária, estes benefícios ganham sua primeira formatação,
como auxílio maternidade e auxílio funeral, em 1954, por meio do Decreto nº 35.448. A
legislação que os regia designava o valor de um salário mínimo na concessão e discriminava
suas características de acesso ao grupo dos segurados.
As primeiras mudanças ocorridas na oferta destes auxílios se visualizam na Lei
Orgânica da Previdência Social (LOPS), instituída em 1960. Na ocasião, houve uma
ampliação do campo de acesso a este direito, em que a alteração da nomenclatura do auxílio
maternidade para auxílio natalidade acresce dependentes ao segurado, e o benefício destinado,
em casos de óbito, dobrou de valor.
Neste sentido, os benefícios eventuais adotados na LOPS, configuram um relativo avanço no esquema de proteção social brasileiro, pois apesar de se basearam por uma perspectiva contratual de seguro social, orientavam-se pelo princípio da universalidade, estabelecendo a ampliação de dependentes beneficiários e o valor do pagamento dos auxílios, que tinham como base o salário mínimo. (MINISTÉRIO DO DESENVOLVIMENTO SOCIAL E COMBATE A FOME, 2008)
Mudanças subseqüentes voltaram a ocorrer no último quartil do século XX, em que,
por meio da Lei nº 8.213 (de 24/08/1991), que dispõe sobre os “Planos de Benefícios da
Previdência Social” deu início ao princípio da seletividade como mecanismo de acesso ao
auxílio natalidade e auxílio funeral. A partir deste momento, estes benefícios seriam
concedidos ao segurado que possuísse proventos de até três salários mínimos vigentes à época.
Conjuntamente a isto, a importância dos recursos ofertados foi atenuada significativamente: o
auxílio funeral passou de dois para um salário mínimo e o auxílio natalidade passou a
corresponder a uma cota única, o que equivalia a menos de 30% do salário mínimo. E, assim,
permaneceram por dois anos quando, em 1993, ao ser editada, a LOAS, estes auxílios
passaram a compor o corpo desta legislação.
De fato, ocorreu um avanço na CF/88, ao considerar a configuração da assistência
social nos moldes de uma política pública. Do mesmo modo, pode-se dizer da garantia de
benefícios assegurados como direito de cidadania. Todavia, há de reconhecer que o viés que
18
levou a este caminho se deu muito mais pelo reconhecimento das ações oriundas da sociedade
civil do que pela responsabilização do Estado na atenção aos seus cidadãos.
Tradicionalmente, em nosso país, o Estado tem sido o último a responder diretamente pelas atenções sociais. Neste campo, tem prevalecido o princípio da subsidiariedade entre o estatal e o privado, em que o Estado transfere para a sociedade as responsabilidades maiores, restringindo-se à execução de ações emergenciais. Para tanto, tem utilizado da estratégia da delegação, manipulando subsídio, subvenções e isenções por meio do mecanismo de convênios e atribuição de certificados, numa pretensa relação de parceria ou de co-produção de serviços sob financiamento estatal. (MESTRINER, 2008, p. 21)
A atenção concedida ao cidadão é prática anterior à instituição desta política pública
no país. No contexto histórico da humanidade, identifica-se que de algum modo, em geral
pela sua norma moral, amparava-se os semelhantes. A partir desta linha do tempo, o primeiro
capítulo deste trabalho busca conhecer as formas mais presentes da concessão de auxílios,
destinados em espécie ou em bens, mas configurados, no mais das vezes, como esmola.
As participações da sociedade, do Estado e da Igreja foram, aqui, pontuadas em suas
ações mais significativas em relação à atenção dispensada ao conjunto de pobres e miseráveis.
Por décadas, sustentou-se o ideário da pobreza como intrínseco ao desenvolvimento da
espécie humana, que deveria estar sempre sob controle das forças hegemônicas do Estado, da
Igreja e da sociedade.
Em geral, a concessão de algum tipo de auxílio se dava por meio de ações de cunho
caritativo, beneficente, misericordioso. No mais das vezes, esta incumbência se destinava à
Igreja, que se tornou o ícone de referência no cuidado e trato com os indivíduos em situação
de pobreza.
A benemerência se expressou em todos os níveis e foi alvo de inúmeras regulamentações. A nobreza criou o “esmoler” para recolher o benefício e os “vinteneiros” para verificar a necessidade; a Igreja criou os diáconos, que visitavam os assistidos e mediam suas necessidades; as misericórdias coletavam esmolas para ajudar principalmente os órfãos e se constituíram na primeira forma organizada de assistência no Brasil; os “bodos” foram também uma forma de acesso dos pobres a alimentos distribuídos pela Igreja. (MESTRINER, 2008, p. 15)
19
No entanto, a participação do Estado começou a ser registrada, de fato, a partir da
instituição da Poor’s Law (Lei dos Pobres) por volta de 1600, ainda que voltada ao controle
da miséria em evidência e expansão. O intuito se centrou em instituir as primeiras medidas de
proteção social o que, na prática, se traduziu em estimular o trabalho, manter a ordem e punir
os ociosos e vagabundos.
Certo controle também se observou na promulgação das Encíclicas Papais, nas quais,
de maneira harmoniosa, a Igreja mediava a relação conflituosa existente na sociedade. Era
preciso, de modo pacífico, manter a conciliação da pobreza existente, ao mesmo tempo em
que se preservava a riqueza das classes abastadas, isto é, pregava-se a boa convivência das
classes sociais.
A trajetória em conhecer as formas de auxílio apresenta o método do Serviço Social de
Caso enquanto técnica de ação destinada ao exercício da ajuda face à situação de pobreza e
miséria. Na realidade, esta prática orientava-se pela resolução/normalização do
desajustamento do indivíduo. Com isso, passou-se a padronizar os procedimentos por meio de
instrumentais, documentos, metodologia e planejamento direcionados a orientar e organizar a
concessão de auxílios.
Desde a instituição do Serviço Social no Brasil, em 1936, este método de trabalho foi,
por décadas, referência profissional no trato da questão social. Somente no século XX, na
década de sessenta, ele passou a ser repensado e criticado na perspectiva de cumplicidade dos
seus fundamentos com a manutenção desigual da realidade brasileira e latino-americana. O
chamado Movimento de Reconceituação, iniciado a partir de então, aconteceu em toda
América Latina e propunha rever a adoção de “metodologismos” oriundos de outras
realidades, uma vez que, até o momento, a prática profissional se guiava pelos ideários
europeus e norte-americanos.
Em geral, o lócus de reprodução deste método se dava no chamado “Plantão Social”.
Considerados, ainda hoje, como a “porta de entrada” do cidadão no acesso à atenção por parte
da política de assistência social, o que tanto pode se comportar como um referencial na
formulação de políticas públicas como um reprodutor de ações assistencialistas. Na realidade,
esta é uma das práticas mais antigas de concessão e solicitação de algum tipo de auxílio e,
ainda hoje, encontra-se presente no conjunto dos municípios brasileiros. Segundos dados da
última pesquisa Munic 5, em 2009, quase 50% das cidades brasileiras ainda preservava este
tipo de serviço, o que mereceu destaque neste texto.
5 A Munic é a pesquisa de informações básicas municipais que efetua anualmente um levantamento pormenorizado de informações referente a gestão municipal no que tange a sua estrutura, dinâmica e
20
Ao longo da história observam-se outras formas institucionalizadas, tanto em âmbito
federal quanto estadual, na concessão de algum tipo de auxílio e/ou ajuda. A Legião Brasileira
de Assistência (LBA), instituída no Brasil em 1942, foi por quase meio século referência
nacional no trato da ajuda organizada aos mais pobres. Dirigidas pelas primeiras-damas do
país, legitimou-se como fundação (FLBA) em 1974, o que a firmou como órgão estatal
responsável pela concessão de auxílio a pobres e miseráveis.
O Estado de São Paulo foi ‘contemplado pela ilustre presença’ dos Fundos Sociais de
Solidariedade – funcionando junto ao órgão gestor e com ação paralela à política de
assistência social são, em geral, conduzidos por primeiras-damas. Instituídos na década de
1960, são ainda hoje destinados a organizar e trabalhar a generosidade da sociedade civil sob
comando, em geral, da primeira-dama do estado paulista. Geralmente por meio das
campanhas, doações e ideologia do voluntariado, destina-se algum tipo de auxílio àqueles em
situação de penúria. Na realidade, eram ações assistencialistas que endossavam a prática da
caridade e que ainda persistem nos dias atuais.
Outras práticas neste mesmo viés podem ser observadas no contexto do país. Na era
dos direitos e reconhecimento de políticas públicas, proclamam-se, em bandeira estatal,
programas como o “Comunidade Solidária”, dirigido, também, pela primeira-dama do país
em substituição à antiga LBA. Ao focar sua prática nos mais pobres e contar com o apoio de
voluntários e parceiros no exercício das ações, desresponsabilizam o Estado e desviam os
princípios dos direitos de cidadania.
O que se busca apontar, ao longo do primeiro capítulo, é o quão dúbia é a concessão
de auxílios ao longo da história. Em geral, há uma relação direta entre o auxílio e a ajuda, isto
é, entende-se a atenção como um mecanismo de exercício da caridade, da boa ação. Ocorre
que este ideário permaneceu por décadas e não se tornou nulo face à promulgação de leis e
reconhecimento de direitos.
Ao que parece, ao considerar a centralidade do trabalho em relação às benesses, delas
os benefícios são parte, fora são concessões. Com isso, o seguro social, materializado pelas
Caixas de Aposentadoria e Pensão (CAPs) começou, a partir de 1923, a organizar seus
benefícios contributivos ao conjunto de seus segurados. Não se destinava atenção a todos, mas
sim a grupos específicos que contribuíam para a manutenção sistema.
funcionamento, compreendendo as diversas políticas públicas que envolvem o governo municipal. Esta pesquisa ocorre desde de 1.999 e o conjunto de dados encontram-se disponíveis nos site do IBGE: www.ibge.gov.br
21
Estas categorias foram unificadas na década de trinta (século XX) formando os
Institutos de Aposentadoria e Pensão (IAPs) e, em 1960, com a instituição da LOPS foram
padronizados e passaram a ser regidos por um sistema único de previdência social gerida pelo
Instituto Nacional de Previdência Social (INPS), que vigorou até a Constituição Federal de
1988, quando foi substituído pelo Instituto Nacional de Seguro Social (INSS), que administra
a política previdenciária até os dia atuais.
Com isto, a Carta Magna de 1988 reconheceu a concessão de auxílio e/ou benefícios
ora como direito exercido pela política de assistência social, ora pela previdência social,
conforme sua característica, mas que, em conjunto com a política de saúde, compuseram o
princípio da Seguridade Social.
Os benefícios socioassistenciais assegurados na LOAS foram melhor definidos,
qualificados e enquadrados sob os títulos de benefício de prestação continuada (BPC) e
benefícios eventuais (BE) os quais, em conjunto aos serviços, programas e projetos devem
estar articulados, conforme também prevê o Protocolo de Gestão Integrada editado em 2009
pela Comissão Intergestora Tripartite (CIT).
Os benefícios eventuais – objeto de estudo deste trabalho – serão contextualizados ao
longo de todo o segundo capítulo. Neste sentido, caminha-se rumo à sua história e vigência
atual. Conhecidos como tal desde a instituição da LOAS, estiveram sob responsabilidade da
política previdenciária (como auxílio natalidade e auxílio funeral) até sua transferência para a
política de assistência social.
Ao longo deste capítulo registram-se as diversas legislações editadas na concessão
destes auxílios, salientando que estes, quando migraram para assistência social, tornaram-se
extremamente reduzidos e focalizados, direcionando a atenção aos considerados
extremamente pobres, expressos pelo corte de renda per capita familiar de até ¼ do salário
mínimo para ter acesso. No entanto, ao mesmo tempo ampliou o leque de oferta e atenção,
não se limitando apenas ao auxílio natalidade e auxílio funeral. O inciso 2º do artigo 22 diz
que poderão ser estabelecidos outros benefícios eventuais a fim de atender as necessidades
oriundas da situação de vulnerabilidade.
Isto, na prática, tornou-se dúbio, pois ampliou e limitou a ação em qualificar o que, de
fato, se configura como benefícios eventuais e o que será por eles coberto. Amplia no sentido
de respeitar e considerar as especificidades de cada município brasileiro; e entende-se o limite
ao observar que o não conhecimento neste campo de atenção, por parte da política de
assistência social, pode levá-la a reconhecer benefícios de outras políticas no quadro de seus
benefícios eventuais. Isto se observa como realidade por meio da pesquisa empírica deste
22
trabalho e pelo Levantamento Nacional realizado pelo MDS em 2009 em que os municípios
possuem as mais diversas atenções no campo dos benefícios eventuais: fotos, segunda via de
documentos, agasalhos, vestuário, cobertores, pagamentos de taxas, aparelhos ortopédicos,
cadeira de rodas, muletas, fraldas, cesta básica, leite em pó, pagamento de aluguel, uniforme
escolar, material esportivo, entre outros.
Ocorre que, historicamente, muitos atores mal intencionados ou desprovidos do caráter republicano que deve reger a gestão pública e/ou o interesse coletivo tiraram proveito dessa indefinição. De um lado, acomodando orçamentos, transferindo para o “pote” da assistência a responsabilidade pela provisão de BEs de qualquer natureza. Por outro lado, provocando a manutenção de uma rede privada, que para angariar recursos do fundo público, presta atenções nas mais variadas frentes de necessidades humanas reunidas sob a pecha de “assistência social”. (PAULA, 2010, p. 65)
No corpo da LOAS estes benefícios se enquadram como sendo de responsabilidade
dos municípios e seus respectivos estados e do Distrito Federal. Ou seja, a União possui um
papel limitado em relação à sua regulação. A “horizontalidade” trazida pela CF/88, em que se
dividem poderes e responsabilidades, deixou, em relação à regulamentação dos benefícios
socioassistenciais previstos na LOAS, a cargo da União a regulamentação dos benefícios
continuados e aos estados, municípios e Distrito Federal, a regulação dos benefícios eventuais.
Portanto, a regulação destes (BE) não é possível ocorrer em âmbito federal. Esta deve ser
fomentada nos municípios, nos estados e no Distrito Federal por meio de seus respectivos
Conselhos de Assistência Social. Conforme dispõe o inciso 1º do artigo 22, ao CNAS cabe
definir prazos e critérios para sua concessão.
Neste sentido, em 2006 o CNAS editou a Resolução nº 212 (em 19/10/2006) com a
finalidade de propor critérios para a regulamentação na provisão destes benefícios. Tal ação
seria uma espécie de “norte” para dar início (ou continuidade) aos processos de
regulamentação destes junto aos municípios brasileiros. Descrita no âmbito da política pública
de assistência social, esta Resolução 212 definiu e caracterizou os benefícios eventuais por
morte, natalidade e calamidade pública, além de fixar critérios e prazos para a regulamentação
destes.
O artigo 14 estabeleceu que sua inclusão em lei orçamentária do Distrito Federal e dos
municípios se daria no prazo de até doze meses e sua implementação até vinte e quatro meses,
a contar da data da publicação desta Resolução. O artigo 15, na seqüência, pontuou que os
23
estados devem definir sua participação junto ao co-financiamento desta provisão perante os
municípios. Isto a partir da:
I - Identificação dos benefícios eventuais implementados em seus municípios, verificando se os mesmos estão em conformidade com as regulamentações específicas; II – levantamento da situação de vulnerabilidade e risco social de seus municípios e índices de mortalidade e de natalidade; e III – discussão junto a CIB e aos conselhos estaduais de assistência social. Parágrafo único. O resultado desse processo deverá determinar um percentual de recursos a ser repassado a cada município, em um prazo de oito meses após a publicação desta resolução.
Mas, na prática, o que se observa é uma verdadeira confusão nas ações. Em outras
palavras, este documento fixou os prazos há quatro anos e até hoje a situação permanece
incompleta. De fato, identificou-se um avanço nos processos de regulamentação posterior a
2006 e 2007, conforme apontou o Levantamento Nacional, em que, dos 1.229 municípios que
declaram ter esses benefícios regulados nos moldes das legislações especificadas, 853 o
fizeram posterior a esta Resolução de 2006 e ao Decreto Presidencial de 2007. Além disto, a
quase total ausência dos estados na fomentação e participação deste processo de regulação se
verifica na realidade atual, face às inexpressivas ações nesse sentido.
Em 2007, instituiu-se o Decreto Presidencial nº 6.307 em 14/12/2007, o qual dispõe
sobre os princípios, a concessão, o destino e as competências destes benefícios perante o
Sistema Único da Assistência Social. A finalidade centrava-se em dar continuidade ou mesmo
suscitar a regulação deste direito em âmbito municipal, estadual e distrital.
Coube à União caracterizar os benefícios eventuais. Neste sentido, o artigo 1º do
referido Decreto estabelece que “Os benefícios eventuais são provisões suplementares,
prestadas aos cidadãos e às famílias em virtude de nascimento, morte, situações de
vulnerabilidade temporária e de calamidade pública”. Tendo, portanto, os seguintes
princípios:
I - integração à rede de serviços socioassistenciais, com vistas ao atendimento das necessidades humanas básicas; II - constituição de provisão certa para enfrentar com agilidade e presteza eventos incertos; III - proibição de subordinação a contribuições prévias e de vinculação e contrapartidas;
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IV - adoção de critérios de elegibilidade em consonância com a Política Nacional de Assistência Social - PNAS; V - garantia de qualidade e prontidão de respostas aos usuários, bem como de espaços para manifestação e defesa de seus direitos.
Assim, os benefícios eventuais constituem-se em importantes provisões do sistema de
proteção social básica não contributiva, colaborando na prevenção de situações de risco social
por meio do desenvolvimento de potencialidades e aquisições além do fortalecimento dos
vínculos familiares e comunitários. Princípios estes em consonância com a Política Nacional
de Assistência Social (PNAS), de 2004.
No entanto, instituir benefícios como um direito social e descrevê-los no corpo da Lei
Orgânica não foi (e não é) suficiente para uma execução como tal. A ausência de
regulamentação posterior a LOAS o levou a uma condição de operacionalização limitada,
incompleta e imprecisa. Isto é, limitada por não se destinar um campo próprio para tratar estes
benefícios; imprecisa, por não haver um entendimento legal do que eles devem prover e
incompleta, por entender que estes benefícios complementam a rede de proteção social. Estar
posto na LOAS não garantiu sua implementação nos municípios brasileiros. A ausência de
regulação posterior o levou a uma condição desregulada.
A isso se dedica o terceiro capítulo deste trabalho: conhecer como se encontra na
prática a operacionalização dos benefícios eventuais. Logo de início, aponta-se à morosidade
no trato à questão: passados dezessete anos, estes benefícios ainda se encontram numa
condição marginal junto à política pública de assistência social executada nos municípios
brasileiros.
A pesquisa empírica, que embasa esta dissertação, foi realizada junto a DRADS
Mogiana 6 e busca exemplificar as observações apresentadas aqui. Nesta amostra, propõe-se
constatar a hipótese levantada: “a ausência de implementação dos benefícios eventuais nos
municípios se traduz como realidade expressa 7” .
6 A Diretoria Regional de Assistência e Desenvolvimento Social (DRADS) Mogiana responde por vinte municípios, são eles: Aguaí, Águas da Prata, Caconde, Casa Branca, Divinolândia, Espírito Santo do Pinhal, Estiva Gerbi, Itapira, Itobi, Mococa, Mogi Guaçu, Mogi Mirim, Santa Cruz das Palmeiras, Santo Antonio do Jardim, São José do Rio Pardo, São João da Boa Vista, São Sebastião da Grama, Tambaú, Tapiratiba e Vargem Grande do Sul. Trata-se de uma divisão adotada para o Estado de São Paulo pela Secretaria Estadual de Assistência e Desenvolvimento Social (SEADS) no que tange a política de assistência social quanto à gestão e organização. 7 Infelizmente se faz necessário destacar que há quase dois anos vem se mantendo contato com os vinte municípios no sentido de colaborar com a pesquisa deste trabalho. No entanto, nem todos os municípios foram receptivos e retornaram os questionários respondidos, outros tantos responderam as questões de modo incompleto. Isto será detalhado ao longo do terceiro capítulo e acabou por levantar questões acerca dessa
25
A presente análise de estudo foi desenvolvida por meio de pesquisa exploratória, de
natureza quanti-qualitativa, nas modalidades: bibliográfica e de campo. Autores do Serviço
Social e de outras ciências sociais nortearam a compreensão e formulação de idéias, as
legislações existentes contribuíram por embasar nosso objeto de estudo e o contato com os
municípios permitiu um olhar sobre a realidade existente.
Desde o início optou-se pela abordagem que “compreende uma relação intrínseca de
oposição e complementariedade entre o mundo natural e social, entre o pensamento e a base
material” (MINAYO, 1994, p. 25) em que “busca-se encontrar, na parte, a compreensão e
relação com o todo” (MINAYO, 1994, 25). Isto é, parte-se de uma realidade singular,
atrelando-a ao contexto universal, a fim de possibilitar a indicação das particularidades que
servirão como indicativos para se trabalhar as hipóteses elencadas. É possível reconstruir o
objeto de estudo da pesquisa como ‘concreto pensado’, ou seja, o pesquisador esforça-se para,
com o auxílio da razão, rever criticamente a realidade com a qual lida e reconstrói situações
concretamente postas na realidade.
Deste modo, elaborou-se um formulário (anexo 01) referente à situação dos benefícios
eventuais no conjunto dos municípios desta região, cujo objetivo foi conhecer sua realidade
no que tange a gestão e implementação. Os dados conferidos pelo “Relatório do
Levantamento Nacional dos Benefícios Eventuais” permitiu um contraste e uma análise
comparativa entre o local e o nacional.
As legislações e normativas instituídas até este ano de 2010 demandaram grande
esforço para dar conteúdo e precisão aos benefícios eventuais, pois regulamentar e
implementá-los no Brasil passa obrigatoriamente pela necessidade de romper com a incerteza
de sua provisão e instituir a certeza, para além de uma provisão caso a caso, adotando uma
perspectiva de direito e de universalidade e ainda de ação organicamente articulada com os
serviços socioassistenciais e com as demais políticas públicas. No entanto, as várias
iniciativas e normatizações descritas aqui ainda não foram suficientes para que este benefício
fosse realmente implementado no conjunto dos municípios brasileiros.
Sem esgotar o debate, traz-se esta discussão à tona, pois se trata de um direito social
relegado ‘a segundo plano’. Ao regulamentar e implementar os benefícios eventuais no Brasil,
na perspectiva do direito, caminha-se no sentido de instituir uma política de caráter universal
limitação ou como possível incapacidade dos municípios em participar de um trabalho acadêmico. Afinal, trata-se de conhecer um direito público, que parece ser pouco transparente.
26
operacionalizada de modo coerente, sintonizada e precisa, dentro dos princípios e diretrizes
construídas pelo SUAS.
Tal perspectiva se coloca contrária a um beneficio operado historicamente de forma
fragmentado e dissociado dos princípios de uma política de proteção social não contributiva.
Aqui reside a necessidade de fazer entender que ocorrências de vulnerabilidade social e
calamidade pública merecem respostas e atenção na perspectiva do direito e da universalidade,
sendo e estando devidamente qualificadas e reguladas.
Há de se reconhecer, ainda, que esses benefícios, se tratados ao acaso, constituem-se
em campo estratégico para a prática do assistencialismo e clientelismo, sendo comumente
usados como moeda de troca nas barganhas políticas, além de reforçar a não especificidade da
política de assistência social, em que se atende o que se pode, como pode, sendo ou não da
alçada da política de assistência social.
Ademais, do ponto de vista da gestão das políticas públicas, a não regulamentação dos Bes caracteriza um procedimento politicamente incorreto e traiçoeiro, conhecido como não-ação governamental, porque, paradoxalmente, produz efeitos sociais mais danosos do que qualquer tentativa de intervenção pública. Isso porque, a não-ação, por ser aparentemente inexistente, não é identificada, controlada e avaliada e, por isso, dá margem ao surgimento de ações improvisadas, intuitivas, quando não inconseqüentes ou até oportunistas. (PEREIRA, 2010, p.17)
A regulamentação do artigo 22 da LOAS traduz-se não só em reconhecer o acesso
desmercadorizado a um direito social, mas compõe, também, o SUAS para que opere a
política de assistência social dentro do campo da Seguridade Social. Sob a égide da
responsabilidade estatal, compreende a atenção e especificidade desta política distante da
focalização e redução que sofreu o auxílio natalidade e auxílio funeral no translado de uma
política para outra, o que endossou um estigma, ao invés de assegurá-lo como campo de
atenção.
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CAPÍTULO I
1. BENEFÍCIOS E AUXÍLIOS NA POLÍTICA DE ASSISTÊNCIA
SOCIAL
Conhecer e entender a trajetória histórica de benefícios e auxílios não contributivos de
proteção social é parte integrante desta dissertação e seu objeto de estudo.
A finalidade deste capítulo é buscar contextualizar ao longo do tempo as práticas e
ações mais evidentes e presentes para auxiliar pessoas através da transferência de renda e bens.
Estas, em momentos vulgarizadas como esmola no campo privado, constituem-se em auxílios,
em práticas ou ações sociais no campo da ciência aplicada, no caso o Serviço Social, e a partir
da Constituição de 1988 (CF/88) foram classificadas como parte da política pública de
assistência social.
A concessão de benefícios e prestação de auxílio estão presentes na trajetória da
assistência social antes do seu reconhecimento enquanto dever de Estado e direito do cidadão,
o que ocorreu a partir da Constituição Federal de 1988 e a Lei Orgânica de Assistência Social
(LOAS) em 1993. Até porque muitas destas práticas e ações da assistência social foram
nomeadas principalmente pela ordem contabilista financeira como transferência de bens em
espécie, financeiros e materiais a pessoas comprovadamente necessitadas.
A nominação de benefícios foi institucionalmente construída no campo da previdência
social. A partir da CF/88, com o estatuto de política pública de assistência social, é que a esta
é transferida a nomenclatura de benefícios antes operados pela política previdenciária, como a
Renda Mensal Vitalícia (RMV), os auxílios natalidade e auxílio funeral. Na assistência social,
estes foram categorizados pela sua duração em permanentes ou eventuais.
1.1 – Contexto histórico da prestação de auxílios e benefícios
Na história da concessão de auxílios e benefícios tem-se apontado que as famílias, os
clãs e as tribos eram a referência no cuidado de seus membros e tinham por função e
28
responsabilidade ajudar seus pares, o que acontecia conforme suas respectivas culturas e
costumes. Aqueles que não conseguiam meios de sobreviver, seja porque eram velhos ou
doentes, ou ainda pelo fato de não haver arrimo, como, por exemplo, as viúvas, as crianças
órfãs e/ou abandonadas, eram ajudados pelos considerados mais “aptos”.
Registra-se que a adoção de uma prática mais ordenada por parte de um governo
ocorreu, provavelmente, durante o Império Romano, sendo que este foi: “[...] o único
governo a estabelecer um plano sistemático de distribuição de espórtulas, entretendo desse
modo grande quantidade de pobres e desempregados com víveres e espetáculos.” (VIEIRA,
1977, p. 29).8
Ainda durante o período conhecido como “Era da Cristandade”, a família continuou
como a grande responsável e cuidadora das fragilidades de pessoas próximas e conhecidas,
sob o exercício da caridade. Todavia, estava em questão não só quem recebia ajuda, mas
também quem a praticava: “Ajudar o pobre, recebê-lo, é meritório, pois ele representa a
própria pessoa do Salvador. A caridade constituía, assim, para quem a dispensava, um meio
de alcançar méritos para a vida eterna: era uma virtude.” (VIEIRA, 1977, p. 30). Esta
prática transformada em virtude funcionava como uma “moeda de troca”: quem a praticava
tinha algumas recompensas e dotava de certo prestigio.
A Igreja, através das Irmandades e Congregações Religiosas, fazia-se presente em
obras de caridade, nos hospitais, orfanatos e em escolas (vinculados diretamente aos
Mosteiros). Além disto, atribui-se de responsabilidade de recolher e distribuir, por meio dos
Diáconos, os auxílios e as esmolas destinados aos pobres.
As Congregações Religiosas constituídas entre os séculos XIII e XIV materializaram a
prática da ajuda, auxílios materiais, assistência hospitalar e visitas domiciliares aos seus
atendidos. Era consenso – por parte dos governantes da época (reis e imperadores) – que cabia
ao meio religioso exercitar a prática da caridade e aos governos locais (as Comunas
Municipais) atribuía-se à função de manutenção interna e defesa do território.
8 Neste contexto, a autora (Balbina O.Vieira) faz referência à política conhecida como Pão e Circo, adotada pelo imperador romano Otaviano (ou Augusto como passou a ser chamado) durante o período conhecido como Paz Romana. Esta política se configurou, portanto, como uma das medidas adotada por este imperador no intuito de estabelecer o controle das camadas mais pobres, consistindo-se na distribuição de trigo e na realização de grandes espetáculos que serviam para ocupar o tempo da plebe que vagava por Roma sem emprego e sem outro meio de sobrevivência. Calcula-se que cerca de 200 mil pessoas eram mantidas pelo Estado, recebendo uma ração de alimentos e diversões constantemente.
29
O exercício da caridade foi, por séculos, a prática de atenção aos expostos às situações
de pobreza, expressando na família e posteriormente na Igreja o dever de exercitar este feito.
Além disto, a “[...] pobreza é vista como algo natural, decorrente da ‘ausência de
civilização’ e do acelerado processo de urbanização e industrialização, que imprime uma
diferenciação social e econômica, absorvida como um custo social inerente ao
desenvolvimento [...]” (SPOSATI, 1988, p. 21). Era natural o entendimento de que o
crescimento e o desenvolvimento de uma sociedade levassem ao surgimento do estado de
pobreza e miséria, isto era visto como intrínseco e até mesmo inevitável ao processo de
evolução, pensamento que perdurou por séculos.
Era habitual e consenso que os mais “aptos” conseguiriam se sustentar ou sobreviver e
os mais “fracos” (em geral crianças, adolescentes, menores abandonados e infratores, idosos,
pessoas com alguma deficiência e também as mulheres) ficariam à mercê de ajudas e esmolas.
Estas, em geral, ficavam concentradas nas Igrejas, mas eram oriundas de indivíduos (grande
maioria senhoras) que doavam seus “trocados” aos pobres carentes. Na realidade, a esmola
era tida como a prática mais precisa e direta de fornecer ou ofertar ajuda aos necessitados. Era
por meio dela que a grande maioria dos miseráveis tinha acesso ao mínimo de sobrevivência:
comida, roupa, medicamentos etc.
Durante o período histórico conhecido como Renascimento, a caridade ampliou seu
enfoque, chamando mais enfaticamente a sociedade para a execução dessa prática:
[...] até então a caridade representava um meio de santificação para aquele que a praticava [...]. Sobre a influência de alguns escritores, entre eles Jean Jacques Rousseau, nasce a ‘filantropia’, ou seja, a caridade secularizada9, separada muitas vezes da idéia religiosa, e considerando o auxílio ao outro como um dever de solidariedade natural. (VIEIRA, 1977, p. 33)
No intuito de concentrar ações para manter o controle da situação de miséria e pobreza,
amplia-se o apelo pelo qual ‘cuidar dos pobres’ não mais se configurava apenas como
incumbência religiosa, ou restrita ao meio familiar, mas faziam-se necessárias ‘ações mais
precisas’, quer fossem advindas da sociedade, dos governos ou mesmo da Igreja, isto é, todos
deveriam, de alguma forma, auxiliar os mais necessitados.
9 Secularização é a libertação do homem em primeiro lugar, do controle religioso e depois do controle metafísico sobre sua razão e sua linguagem. (VIEIRA, 1977, p. 32)
30
No entanto, embora houvesse este entendimento, no mais das vezes, os auxílios aos
pobres eram prestados pelo meio familiar, por terceiros, pela sociedade ou mesmo por órgãos
religiosos. A preocupação, em geral, dispensada pelos governos aos pobres, em cada período
histórico, limitava-se a manter o controle e a ordem. Não havia ainda dispositivos legais de
acesso aos auxílios como sendo direito, nem mesmo se entendia a existência da indigência
como construção complexa. No entanto, iniciavam-se as primeiras legislações e o fomento de
ações mais pontuais realizadas por meio da Igreja e do Estado.
As Misericórdias, instituídas por volta de 1498, tiveram influência direta na
colonização brasileira, com papel específico no amparo aos mais pobres. A Irmandade
composta por homens ricos (os “homens-bons”) que se comprometiam a pratica das
misericórdias para ‘salvar suas almas’, adotava a ideologia religiosa de fazer o bem e ser
misericordioso no trato à situação de pobreza, foi considerada a primeira e duradoura
instituição de amparo social de expressão no Brasil. Vinda de Lisboa e dotada pelos ideários
da esmola como ajuda, ela surge em vários pontos do país, assegurando dote aos órfãos e
caixões para enterros dos pobres alunos. Na realidade, a Irmandade de Misericórdia aliviava o
sofrimento, sua atenção sempre pontual dava ‘status’ a quem dela participava, este era o
principal atrativo para tornar-se um membro, pois tal participação seria alvo de alguns
privilégios políticos. Para Sposati (1988) a Irmandade constitui-se num espaço higiênico-
assistencial, atendendo hansenianos, mas também se dedicando aos exposto, isto é,
Outra iniciativa, também delegada à Irmandade de Misericórdia, foi a atenção aos expostos, ou às crianças abandonadas. Isto vai ocorrer com a criação da primeira Roda, de 1825, junto ao novo prédio do hospital da Irmandade de Misericórdia, na Chácara dos Ingleses. Este, reconhecido como o Hospital da Caridade, e após como Santa Casa, reinicia, nesse mesmo momento, 1825, seu funcionamento, interrompido por vários anos. A Roda10 era um simples mecanismo instalado na Santa Casa, que possibilitava a entrada da criança sem a identificação do portador. (SPOSATI, 1988, p. 75)
Já, a Poor’s Law (Lei dos Pobres) 11 instituiu as primeiras medidas de ‘proteção social’
de cunho estatal, tendo sido impulsionadas por uma monarquia muito preocupada com os
10 A Roda dos Expostos permaneceu em vigor até sua extinção por meio do Código de Menores, o que ocorreu em 1927. 11 As Leis dos Pobres (Poor’s Law) formavam um conjunto de regulações pré-capitalistas que se aplicavam às pessoas situadas à margem do trabalho, como idosos, inválidos, órfãos, crianças carentes, desocupados voluntários e involuntários, etc. Contudo, a despeito de, na aparência, esse conjunto de regulações se identificar com a pobreza, era no trabalho que ele se referenciava. Tanto é assim que, entre 1536 e 1601, as Leis dos Pobres,
31
efeitos sociais desagregadores, ampliados, neste contexto, pela exacerbada exploração da
mão-de-obra. Esta lei é considerada o marco inicial de criação e/ou nascimento da assistência
pública; sendo, talvez, a primeira legislação nesta área, demarcou a instituição de auxílios e
socorros públicos aos mais necessitados, recursos esses oriundos do aparelho estatal da época.
Na realidade, a Lei dos Pobres muito mais se enquadrava como mecanismo de
controle (do ócio e da vadiagem) do que propriamente como instrumento legal do exercício da
ajuda, uma vez que cada município deveria cuidar dos seus pobres, restringindo e dificultando
a andança destes de um lugar para outro. Além disto, buscava fiscalizar e melhor distribuir as
esmolas, o que enquadrava esta legislação numa matriz disciplinadora.
No final do século XVIII, em 1795, com as grandes crises, os juízes ingleses, diante da fome, arbitraram um mínimo na cidade de Speenhamland, que configurou o primeiro mínimo social, baseado no preço do pão (era distribuído aos pobres o valor diário do preço do pão). Com o auge do liberalismo, em 1834, surgiu uma nova legislação na Inglaterra estabelecendo o internamento dos pobres nas Work’s Houses, que alguns estudiosos chamam de verdadeiras casas de tortura do trabalhador. Nessas casas, a mortalidade era enorme. Lá se recolhiam os incapazes de trabalhar, os velhos, as crianças e mulheres, que eram obrigados a aprender um ofício. [...] Refiro-me a isso para mostrar como a visão estigmatizadora do liberalismo acabou por colocar os mínimos sociais numa perspectiva de que é o mercado que se resolve a questão da sobrevivência, e o Estado atuava mais enfaticamente na repressão do que propriamente na ajuda. Assistência e repressão caminham juntas por muito tempo. (FALEIROS, 1997, p. 12)
A Poor’s Law preconizava a punição dos vagabundos e o estímulo ao trabalho e não
somente o amparo aos expostos. Mesmo porque a ideologia política predominante na época –
liberalismo – defendia o mercado como órgão regulador, ao Estado cabia a função de
controlar a situação, mesmo por meio da repressão e da violência.
A Poor’s Law e as Misericórdias distintas, ideológica e estruturalmente, tinham o foco
na pobreza e no pobre: a primeira de caráter mais disciplinador e punitivo; a outra com
enfoque mais religioso e bondoso, valorizando o doador.
A Revolução Francesa, ocorrida em 1789, fortemente inspirada pelos ideais
iluministas do século XVIII, adotou os preceitos de igualdade, liberdade e fraternidade, que,
de par com o Estatuto dos Artífices, compuseram o Código do Trabalho na Inglaterra; e em 1662, incorporaram a Lei de Domicílio que restringia a mobilidade espacial de pessoas, protegendo as paróquias mais dinâmicas da invasão de indigentes de paróquias menos ativas. Esse conjunto de leis era mais punitivo que protetor. Sob a sua regência, a mendicância e a vagabundagem eram exemplarmente castigadas. Todos eram obrigados a trabalhar sem ter a chance de escolher as suas ocupações e a de seus filhos. (POLANYI, 1980, p. 87). A Lei dos Pobres sofreu mutações e permaneceu até o século XX.
32
apesar de não alterarem as desigualdades sociais, mudaram profundamente a relação dos
homens com a esfera sócio-política, bem como sua relação com o Estado.
Na prática, a Revolução Francesa colocava fim à sociedade estamental existente até
então, ou seja, acabava com a estrutura sócio-política que separava os homens em grupos
sociais e regulamentava privilégios a apenas uma minoria. Abolia, assim, a diferença entre os
diversos grupos sociais dentro do plano jurídico no que tange aos direitos e deveres de cada
um perante o governo e a sociedade. Estes ideais, deixados pela Revolução Francesa,
influenciaram todo o ocidente, demarcando o princípio pelo qual todos os homens são iguais
perante a lei, independente de suas condições sociais, culturais e econômicas.
Com o advento da Revolução Industrial, por volta de 1800, as forças livres do
capitalismo industrial expandiram-se, trazendo consigo um conjunto de mudanças
tecnológicas que modificaram todo o processo produtivo, tanto em nível econômico quanto
social. O domínio sobre os meios de produção foi o mais forte elemento que deu à classe
dominante o controle sobre o trabalho e os trabalhadores, que se viram sem meios de
sobreviver fora do mercado de trabalho. Essas mudanças ampliaram ainda mais a situação de
miséria e pobreza vivenciada pela população da época, pois os ganhos oriundos do trabalho
(quando existente) não subsidiavam as condições necessárias, dignas e mínimas de vida,
ficando os pobres (e trabalhadores) à mercê da ajuda existente como mecanismo auxiliar de
sobrevivência.
Nesta conjuntura de extrema exploração, ganha força o ideário socialista, afirmando
que somente por meio de uma revolução sócio-política se chegaria ao fim das desigualdades
sociais, ocorrendo a coletivização dos meios de produção e a constituição de uma sociedade
sem classes.
Frente a este contexto e em oposição às doutrinas socialistas, as Encíclicas Papais –
Rerum Novarum, escrita por Leão XIII em 1891 e Quadragésimo Anno, instituída por Pio XI
em 1931 – promulgadas pela Igreja Católica, traziam à tona o debate acerca da situação de
pobreza e miséria já vivenciadas pela população, mas agravadas pelo advento da Revolução
Industrial.
O documento da Rerum Novarum referia-se à situação vivida pelos operários naquele
momento, além de abordar questões decorrentes da Revolução Industrial, contrapunha-se aos
ideários socialistas, num contexto marcado por conflitos sociais decorrentes da situação de
pobreza. A Igreja defendia que as transformações sociais deveriam ter como base a própria
religião e a consequente recristianização da sociedade, a qual levaria à conciliação entre o
capital e o trabalho através da busca da justiça e do bem comum, em oposição às doutrinas
33
socialistas marcadas pela luta de classes e pela defesa de uma revolução sócio-política. Era
necessário, segundo esta Encíclica, que os patrões respeitassem as necessidades dos
trabalhadores e que estes, por sua vez, respeitassem a propriedade privada. A ideologia que
fundamentava este documento era que somente a ajuda mútua entre burguesia e proletariado
formaria um todo harmonioso que garantiria progresso social, do qual todos se beneficiariam.
Não muito distante, o documento da Quadragésimo Anno também descrevia sobre a
restauração e o aperfeiçoamento da ordem social em conformidade com a Rerum Novarum.
Tratava-se, na verdade, de uma reiteração no sentido de condenar o socialismo e o
comunismo, que estavam ganhando adeptos no país.
Na realidade, as Encíclicas Papais salientam a necessidade da conciliação entre as
classes sociais, destacando que o trabalhador deveria respeitar seu patrão e este, por sua vez,
tinha a obrigação moral de exercer a caridade. Estas foram respostas dadas pela Igreja face ao
enfrentamento da questão social 12, sempre existente e ampliada ainda mais com a expansão
da Revolução Industrial. Em outras palavras, a Igreja, de maneira pacifica, defendia a
sociedade de classe e a propriedade privada.
A ajuda aos pobres, seja com caráter de controle, seja no âmbito da solidariedade – por
parte do Estado, burguesia e Igreja – se limitava, por conseguinte, à pratica da caridade, da
qual a esmola é o maior exemplo. Haviam, é verdade, várias obras sociais, como as creches,
os colégios, os asilos, entre outros, patrocinadas por senhoras da sociedade (que eram
mantidas por chás e jantares beneficentes, quermesses, doações etc.) que auxiliavam os
expostos face à situação de pobreza e miséria.
De acordo com Vieira (1977), neste ideário emergia e desenvolvia o Serviço Social –
a partir do final do século XIX – que foi considerado não apenas um auxílio ao indivíduo,
mas um esforço para o progresso da justiça social, visando minorar o sofrimento gerado
pelo infortúnio da ausência de condições de dignas de vida.
12 “Questão social apreendida como o conjunto das expressões das desigualdades da sociedade capitalista madura, que tem uma raiz comum: a produção social é cada vez mais coletiva, o trabalho torna-se mais amplamente social, enquanto a apropriação dos seus frutos mantém-se privada, monopolizada por uma parte da sociedade”. (IAMAMOTO, 2001, p. 27). Tal contexto manifestava-se e era conhecido e problematizado mas, nem sempre, foi devidamente discutido e verdadeiramente enfrentado.
34
1.2 – O Serviço Social de Caso enquanto método de apoio ao individuo
O Serviço Social desenvolveu-se de modo muito específico influenciado pelo contexto
social, econômico e político de cada país. No entanto, há uma ligação direta de sua ação com
a prática da ajuda. O que, talvez, em parte, se explique pelo fato do Serviço Social ter na
questão social a base de sua existência, conforme nos aponta Iamamoto (2001). Hoje, no
Brasil, sua prática se orienta no campo do direito, de modo que sua intervenção se concentre
juntos aos segmentos mais empobrecidos e subalternizados da sociedade (Yasbek, 1999).
Medeiros, em dissertação de mestrado apresentada a UFRJ em 1983, analisa o
discurso do Serviço Social sobre a assistência social e conclui pela ausência de analises que
demonstrem o papel de atualização da caridade desempenhado pelo Serviço Social. Pelo
contrário, ele critica “(...) um esforço, aparentemente consciente, de ocultamento do recurso
que o Serviço Social fez a algumas formas de ajuda material (...)” (MEDEIROS, 1983, p. 14)
A eliminação de formas de ajuda material do discurso do Serviço Social parecia
constituir um ponto de ruptura do Serviço Social com as formas antigas de caridade. Mary
Richmond fez referência à reforma da caridade. De acordo com este autor, somente em 1899,
quando Mary Richmond escreve artigo sobre centros sociais e visitadores, deixa de falar sobre
caridade como ciência ou prática e passa a falar sobre “Social Work”.
Com a emergência e a institucionalização do Serviço Social no Brasil – enquanto
especialização sócio-técnica do trabalho – ocorridas a partir dos anos 30 do século XX, sob
influência da doutrina social católica – houve uma tecnificação da ação social com base nas
idéias de Mary Richmond e nos fundamentos do Serviço Social de Caso.
Esta técnica de ação baseava-se essencialmente no ideário da ajuda ao próximo,
embora não se limitasse a isso, uma vez que o indivíduo deveria estar ou ser ajustado junto ao
meio em que vive, seus métodos e postulados davam a orientação e o suporte necessários à
institucionalização desta prática profissional.
Em geral, os auxílios eram operacionalizados pelo Serviço Social de Caso, cuja
incumbência se dava em analisar a situação apresentada:
O serviço social de casos deve não julgar, visto que o julgamento não é auxílio. O auxílio pode ser dado e usado somente se a assistente social pode aceitar o cliente como alguém que esta fazendo o melhor que pode com as armas que tem. [...] O serviço social de casos deve ser compreensivo, visto que somente se uma assistente social sabe como o cliente sente a respeito de sua situação especial, pode ela
35
determinar qual o tipo de auxílio que necessita e pode usar. (NICHOLDS, 1964, p. 32)
Quando um indivíduo solicitava algum tipo de auxílio, cabia ao assistente social
investigar e analisar a sua vida, de modo a ter condições de verificar se, de fato, havia a
necessidade ou não do auxílio e mesmo se a solicitação era a mais indicada àquela pessoa. Era
uma verdadeira averiguação da vida privada do cidadão, uma técnica além da simples
concessão de auxílio (seja no aspecto social, emocional ou material). A solicitação posta, na
realidade, era apenas o ‘ponto de partida’ no intuito de enquadrar ou ajustar o indivíduo ao
meio, naquele momento considerado um desajustado.
As primeiras teorias no sentido de conceituar o Serviço Social de Casos foram
descritas por Mary Richmond, que entendia esta como a arte de ajudar as pessoas a se
ajudarem, e que beneficiariam a si e a sociedade em geral. Nas palavras de Bardavid (1978, p.
12), em 1915 Richmond entendia o Serviço Social de Caso como “a arte de fazer diferentes
coisas, para e com diferentes pessoas, em cooperação com elas, para atingir a um objetivo e
ao mesmo tempo o melhoramento próprio e da sociedade”. E acrescentava, em 1917, se tratar
da “arte de efetuar melhor ajustamento nas relações sociais de indivíduos: homens, mulheres
e crianças.” (BARDAVID, 1978, p.12).
De acordo com o Serviço de Caso, o indivíduo e a sociedade são interdependentes de
modo que, ao ajudar o sujeito, ajuda-se também à sociedade. No entanto, o indivíduo a ser
assistido é chamado a participar do estudo e reflexão acerca de sua situação e de como pode
se esforçar para resolver a problemática vivenciada, deve-se, assim, estimular que o indivíduo
aja por si mesmo, pois sobre essa teoria se entendia que ele possui um grande potencial que
deve ser descoberto, analisado e explorado no intuito de sair da situação em que vive. O
problema vivenciado será superado pela ação do próprio indivíduo.
Não havia, até este momento, nenhuma menção à situação de miséria e pobreza, nem
mesmo ao contexto desigual gerado e ampliado pela sociedade em geral. O ‘problema’ estava
no sujeito e cabia a este, sob algumas orientações e poucos recursos, resolver a própria
situação. Tratava-se, na realidade, de uma verdadeira individualização dos problemas sociais,
o que já se identificava nos trabalhos de São Vicente de Paulo, nos séculos XVI e XVII.
Com os ensinamentos propostos por Mary Richmond, foi iniciado um movimento
sistemático e racional de analise da situação social apresentada pelo indivíduo, algo que já se
fazia, porém sem nenhuma técnica. A partir deste referencial o assistente social tinha
condições de realizar um trabalho mais ordenado, sistematizado, direcionado no sentido de
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ajudar o sujeito face à problemática apresentada. Era, na realidade, uma padronização da ação
com instrumentais, documentos, metodologia e planejamento específico direcionado ao trato
da ajuda.
Outros autores renomados também estudaram e descreveram sobre esta tecnificação da
ação, entre eles: Florence Hollis, Gordon Hamilton, Helen Harris Perlman, Ana Augusta
Almeida, Nadir Kfouri, entre outros, o que demonstra a importância e relevância de conhecer
e estudar esta prática de intervenção que perdurou como referência por décadas no trato a
concessão de auxílios.
Hollis destaca que pertencia ao Serviço Social de Caso a função de ajudar o sujeito
com problemas de ajustamento interpessoal, isto é, deve-se auxiliar aquele indivíduo portador
de condutas problemáticas, visto pela sociedade como um desvio de norma e conduta. É
valorizada a necessidade de um ajustamento social do cliente perante o meio em que vive. Já
Hamilton entende o caso como sendo psicossocial, isto é, o Serviço Social de Caso trabalha
com pessoas que estão em desequilíbrio com o meio em que vivem. Este desequilíbrio deve
ser o foco de atenção da ação, mesmo entendendo que as forças sociais influenciam o
comportamento dos indivíduos. A clientela atendida pelo Serviço Social de Caso é, segundo
Perlman, composta por sujeitos que enfrentam problemas de ajuste pessoal, ou seja, a pessoa
vai procurar auxílio, este será ou não concedido após a abordagem técnica do Serviço Social
de Caso.
Na definição dada por Nadir Kfouri, esta técnica de ação é entendida como o trabalho
social com sujeitos que apresentam problemas ou dificuldades para estar ajustados e
integrados junto ao meio. O Serviço Social de Caso propõe-se a suscitar mudanças e estimular
as potencialidades individuais e os recursos existentes na sociedade. Isto ocorreria por meio
de alguns processos, nos quais levaria o sujeito a resolver seus próprios problemas.
A interpretação dada por Ana Augusta Almeida acerca deste conceito entende que:
Esse trabalho envolve dois aspectos: preventivo e curativo. Enfatizando o preventivo, é a educação social que visa ajustar pessoas humanas no papel que exercem na sociedade; motivá-las para o desenvolvimento, o mais integral possível de suas potencialidades, orientá-las a compreender os valores novos incorporados à sociedade em que vivem, sem destruir os verdadeiros já existentes, ajudando-as nessa conciliação. E mais, oferecendo-lhes oportunidade de assumir obrigações sociais e cumpri-las com a máxima eficiência. Enfocando o aspecto terapêutico, envolve no processo formativo uma terapêutica não diretiva, por meio da qual o indivíduo – agente ou paciente de problemas sociais – é orientado para tomar decisões que o levam à ação, assegurando, tanto quanto possível, condições que permitam manter, no processo de mudança, o equilíbrio emocional desejado. Com esse objetivo, age não só no sentido de aliviar tensões internas e pressões externas,
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originadas tanto umas como outras da realidade interna do indivíduo em contatos sociais dentro da totalidade da vida real e em função da mesma. Age, também, levando o indivíduo a interpretar fatos que se lhe deparam, desenvolvendo a reflexão, o discernimento, o julgamento de valores, a crítica, a apreciação. E, ainda, a planejar com objetividade e utilizar adequadamente os recursos do meio.” (BARDAVID, 1978, p. 24)
O que se destaca nestas concepções acerca do Serviço Social de Caso é o fato de ser o
sujeito o centro do problema e ser, ele mesmo, o agente de mudança e transformação. De
outro modo, o indivíduo era um ‘desajustado’ devendo ser adaptado ao meio em que vive. O
auxílio por ele solicitado deve ser compreendido e justificado por si próprio em seu processo
de superação. O profissional é o agente que ajuda a encontrar saídas e a efetivar suas
capacidades e potencialidades, muitas vezes “escondidas”. Cabe ao próprio indivíduo a busca
de meios para sair da condição em que se encontra.
Segundo Ander-Egg (1995) o ato de ajudar alguém é prática tão antiga como a
humanidade e se transformou em profissão a partir da organização e sistematização das
diversas maneiras de exercer essa ação e da mudança de concepção, com a influência da
religião, principalmente do cristianismo, que leva a organização do modus operandi do
atendimento aos mais necessitados, passando a ajudar por impulsos humanitários, o que
molda o surgimento do Serviço Social. Nesta análise, o Serviço Social emergiu e se
desenvolveu nas civilizações, existindo desde que os seres humanos apareceram sobre a terra,
tendo como orientação os diversos tipos de ações que se realizavam para os que necessitavam
de algum tipo de ajuda.
A prática do Serviço Social se espalhou por toda América Latina. A primeira escola de
Serviço Social na região foi instalada no Chile 13 (fundada pelo médico Alejandro Del Rio)
em 1925, sob forte influência européia e posteriormente, a partir de 1940, orientado pela
ideologia norte-americana. No Brasil e nos demais países latinos a presença do ensino em
Serviço Social tinha por perspectiva controlar o contexto e as mudanças vivenciadas por suas
populações em relação aos que viviam em situação de miséria e pobreza.
O Serviço Social brasileiro desenvolvia metodologias compostas por um conjunto de
técnicas planejadas e de instrumentos de trabalho com o intuito de auxiliar o profissional a
‘ajudar’ o seu cliente.
13 O objetivo, naquele momento, era formar agentes sociais “adequados” às mudanças sociais sofridas pela sociedade chilena, principalmente à partir do final do século XVIII com a Revolução Industrial, quando começou a haver um aumento da situação de miséria e pobreza vivenciado pela população. No Brasil, a primeira escola de Serviço Social surgiu em 1936 e no Peru em 1937.
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Dentre os instrumentais utilizados, a entrevista era considerada básica e essencial no
estudo e ‘tratamento do caso’, no entanto, a ação não se limitava a esta. Após o primeiro
contato (ou a primeira entrevista), que era bem demorada e detalhada, o assistente social ia
visitar os demais familiares (por meio de uma visita domiciliar), visitava também os vizinhos,
além de demais fontes que se faziam necessárias à intervenção profissional.
A entrevista não era o único meio de conhecer se o cliente era mesmo uma pessoa
‘necessitada’ e fragilizada, além de avaliar seus recursos disponíveis, mas era a técnica mais
utilizada, pela qual se estabelecia uma conversa dirigida entre o assistente social e seu
‘cliente’, cujo intuito era realizar o diagnóstico e o tratamento mais adequado ao caso posto. É
interessante notar como características do método foram sendo institucionalizadas como
procedimentos de organização. Estes permanecem presentes como aspecto de conduta
profissional.
O plantão de atendimento era, no mais das vezes, o espaço de triagem, onde, após
primeira análise, ocorriam os encaminhamentos para outros serviços ou para prosseguimento.
Para as situações que exigiam prosseguimento, eram designados profissionais ‘responsáveis’
pelo caso ou segmento de casos. Veremos sobre o espaço do plantão social mais adiante.
O relacionamento, a observação e a documentação eram importantes e necessários ao
Serviço Social de Caso, gerando a base para ação profissional. Não era possível desenvolver
esta técnica sem que se estabelecesse um relacionamento entre o assistente social e seu
‘cliente’. Este relacionamento se baseava na interação de sentimentos e atitudes perante a
situação apresentada, uma espécie de colocar-se no lugar do outro, de modo a levar o ‘cliente’
a aceitar as orientações dadas pelo profissional e este a entender o momento vivenciado pelo
‘indivíduo-cliente’.
Esta interação de caráter recíproco e dinâmico variava conforme o caso e durante o
processo de ação, podendo ser mais ou menos intensa, dependendo da integração estabelecida.
Fato é que não se finda enquanto houver relacionamento entre o assistente social e seu cliente.
Do mesmo modo, era neste contexto que o profissional conseguia identificar as necessidades
básicas de uma pessoa com problemas psicossociais: necessidades de se expressar, de
compreender os sentimentos expressos, necessidades de reconhecimento, mesmo diante de
um problema, necessidades de ser tratado como uma pessoa, e não como uma coisa ou como
“um caso”, necessidade de não ser julgado como sendo ou tendo fracassado, necessidade de
fazer suas próprias escolhas e tomar as decisões pertinentes e, por fim, a necessidade ética que
assegurava o sigilo do conteúdo da entrevista realizada.
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No momento da abordagem e no florescer das necessidades do individuo é que
surgiam os sentimentos e as atitudes que nem sempre eram expressos por palavras, mas
estavam presentes no comportamento do sujeito. Ao assistente social cabia identificar as
necessidades que deveriam ser trabalhadas e isto ocorria observando o comportamento do
individuo. Era uma verdadeira investigação, transmutada de interação entre o profissional e
seu “cliente”, o que Mary Richmond nomeava de “inquérito social”.
Assim sendo, havia um conjunto de elementos essenciais que compunham o corpo da
entrevista como a identificação das necessidades do sujeito: observar, ouvir e questionar, o
que se realizava de modo ordenado rumo aos objetivos da entrevista. Era preciso um local
próprio para aflorar um relacionamento entre o profissional e seu cliente. “A entrevista deve,
portanto, desenvolver-se em ambiente acolhedor, discreto, que permita ao entrevistado e
entrevistador sentirem-se à vontade.” (BARDAVID, 1978, p. 46).
O registro, a documentação, o relato sistemático dos procedimentos adotados eram
instrumentos indispensáveis, essenciais e valiosos presentes no Serviço Social de Caso e
pode-se afirmar que permanecem inclusive agora, com o uso da digitalização.
Além disto, não se fazia referência às condições de espaço e local destinados as
entrevistas sociais. Cabe lembrar que só em 2006 o Conselho Federal de Serviço Social
(CFESS) baixou norma 14 sobre as condições das instalações físicas do espaço de atenção ao
usuário do Serviço Social. A Resolução 493/06 estabelece que a existência de espaço físico é
condição essencial para a realização e execução de qualquer atendimento ao usuário do
Serviço Social. Estes espaços devem ser adequados conforme a característica dos serviços
prestados (se abordagem individual ou coletiva), além de possuir condições físicas
apropriadas: iluminação, ventilação, tamanho e recursos necessários ao processo de
intervenção profissional. Do mesmo modo, o material técnico produzido no atendimento é
considerado de uso restrito do assistente social, que deve garantir sigilo ao atendimento
prestado.
Juntamente a este método de abordagem – Serviço Social de Caso – somavam-se o
Serviço Social de Grupo e o Serviço Social de Comunidade. As três técnicas organizadas e
conjuntas formavam a metodologia de ação do Serviço Social Tradicional 15.
14 Trata-se da Resolução 493 de 21 de agosto de 2006, que dispõe sobre as condições éticas e técnicas do exercício profissional do assistente social. 15 O Serviço Social Tradicional – enquanto profissão de nível superior – possuía em sua grade curricular as disciplinas de Serviço Social de Casos, Serviço Social de Grupo, Organização e Desenvolvimento de Comunidade. Além de outras matérias como: Serviço Social Médico, do Menor, da Família, do Trabalho, Psicologia da Personalidade e Social, Sociologia, Antropologia, Ética, Metodologia, Higiene Social, Estatística,
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Ao Serviço Social de Grupo cabia a utilização de abordagens grupais face aos
problemas sociais identificados em número significativos de sujeitos. Esta técnica organizava
grupos no intuito de promover a participação no processo social. Objetivava-se, aqui, ajudar
as pessoas por meio das experiências em grupo e coletivas. Já pela técnica do Serviço Social
de Comunidade se trabalhava no sentido de organizar a comunidade, isto é, pretendia-se
construir um entrosamento entre as várias instituições e os diversos recursos existentes de
modo a estabelecer um melhor aproveitamento e direcionamento destes na sociedade.
Por meio deste método, o assistente social construía condições de auxiliar os
indivíduos, os grupos e as comunidades no intuito de utilizar suas próprias iniciativas para que
houvesse um maior e melhor ajuste entre as necessidades do sujeito e as do meio ambiente.
Na realidade, desde os anos sessenta (do século XX) o ‘metodologismo’ passa a ser
questionado e analisado criticamente, sendo proposta sua superação pela aplicação de um
modelo teórico-prático e político-ideológico tipicamente latino americano, pensado e
construído a partir da realidade deste sub-continente e não mais importado de outros contextos.
Começava-se a compreender que cada realidade era única e específica, o que suscitava a
criação de um método de ação com a ‘cara’ da América Latina, além de constituir, de modo
claro e preciso, uma expressão de ruptura com o Serviço Social Tradicional e conservador.
Iniciava-se um período de reflexão e superação à prática profissional existente e à estrutura
teórico-metodológica operada pelo Serviço Social fragmentado em Serviço Social de Caso,
Grupo e Comunidade, denominado de Movimento de Reconceituação.
Este movimento é considerado um marco histórico para a profissão e, mais ainda, para
os assistentes sociais, pois a reflexão operada a partir deste produziu documentos que deram
novos rumos à ação profissional. Isto ocorreu a partir dos seminários e encontros regionais
realizados no Brasil e nos demais países latino-americanos.
Vale destacar os quatro grandes encontros de referência ocorridos no país: Araxá-MG
(realizado em 1967), Teresópolis-RJ (em 1970), Sumaré-RJ (1978) e Alto da Boa Vista (em
1984). Segundo Netto (1996), durante duas décadas, a profissão passa por três momentos
distintos de reflexão teórico-metodológica: os documentos produzidos em Araxá e
Teresópolis são considerados uma “tendência modernizadora”, sob influência positivista-
funcionalista. Aliás, a atenção ocorre na objetivação de situação social problema. Os
documentos de Sumaré e Alto da Boa Vista são descritos pelo autor como uma “reatualização
conservadora”, sob influência fenomenológica. A atenção passa para a compreensão da
Pesquisa, Princípios Psico-pedagógicos, Direito Penal e Civil, Legislação Trabalhista, Política Social, Planejamento e Economia.
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“situação existencial problema”. Por fim, a intenção de ruptura surgiu a partir dos estudos da
teoria crítica de Marx, cujo estudo fora reprimido durante o período ditatorial (1964-1985).
Esta terceira fase é materializada pelo “Método B.H.” (Belo Horizonte) o qual, tendo como
fundamento a teoria crítica de Marx, caminhou junto às lutas populares, dando início a um
projeto político da profissão articulando-se às lutas sociais entendidas como expressões da
luta de classes face à questão social.
A partir deste momento, o Serviço Social de Caso (juntamente ao Serviço Social de
Grupo e Comunidade) passa a ser repensado enquanto abordagem da ação profissional.
Buscava-se uma prática qualificada, especializada, realizada dentro dos princípios e realidade
do país. Este movimento culminou na reformulação das grades curriculares dos cursos de
Serviço Social, as quais deveriam compreender o homem permeado por relações sociais,
agente transformador da realidade em que esta inserido.
Dito de outro modo, a sociedade, permeada por relações, interfere no cotidiano e na
vida de seus indivíduos, de modo a possuir certa co-responsabilidade na situação vivenciada
por estes. O caso não é somente individual, mas também social (posto dentro de um contexto
social), o indivíduo não é somente um sujeitado a receber ajuda e caridade, mas também co-
responsável por suscitar mudanças sociais.
O Serviço Social implementado no Brasil, em 1936, teve como uma de suas atuações
primordiais de trabalho o estudo de situações individuais (Serviço Social de Caso) e a
aplicação de metodologias para superar as situações de fragilidades. O crescimento da atuação
individual deu margem à institucionalização de um serviço de triagem da demanda. O local de
realização dessa triagem, via de regra, foi atingida pela concepção de Plantão Social. Esta foi
difundida em quase todas as cidades que contavam com o Serviço Social e indicava os
profissionais destinados para o atendimento individual. Além de um espaço de triagem, o
Plantão Social efetuou algumas atenções no acesso a benefícios, orientações, serviços e
encaminhamentos. Este papel de referência exigiu dos profissionais dos plantões
conhecimento da rede de serviços e suas respostas.
1.3 – O plantão social do Serviço Social de Caso: a porta de entrada da atuação socioassistencial
O chamado Plantão Social – principal lócus de expressão do Serviço Social de Casos –
era e ainda é considerado a ‘porta de entrada’ na atenção ao indivíduo junto às políticas
42
sociais, especificamente a política de assistência, mesmo antes de sua elevação ao status de
política pública estatal Na realidade, os plantões são tidos como a prática mais antiga do
binômio solicitação versus concessão de auxílios, benefícios e atenções. Tratava-se do local
para o exercício de processos de triagem, seleção e concessão (ou não) de algum tipo de
recurso.
A institucionalização do Serviço Social no interior do Estado, de empresas, de obras
sociais ocorre na primeira metade do século XX, de 1936 aos anos sessenta. A inexistência de
políticas sociais fazia do Serviço Social ao mesmo tempo uma profissão e uma atenção. O
paradigma era a profissão, a ação especializada dirigida ao individuo, ao pequeno grupo e não,
propriamente, à sociedade ou à questão social. Via de regra, a presença do Serviço Social e de
assistentes sociais em prefeituras, governos estaduais, entre outros, antecipou a introdução de
burocracias voltadas para a promoção social, bem estar social, entre outras nomenclaturas.
Antes de qualquer outro serviço, o plantão social difundiu-se como espaço de escuta e
obtenção de auxílios e apoios. Trata-se de um lócus de articulação profissional que
acompanha o histórico do Serviço Social e ainda está presente nos dias atuais. A última
MUNIC, de 2009, aponta que 48,78% (ou 2.715 municípios) dos gestores municipais
contavam, naquela data, com o serviço de plantão social, isto é, há um contingente
significativo destes junto aos governos municipais brasileiros.
As agências sociais e as obras sociais foram também espaços do plantão social. A este
cabia determinar se o caso poderia ser resolvido ou aceito pelas normas da instituição. Se não,
deveria ser encaminhado ao destino correto, de modo a auxiliar o sujeito que procurava por
ajuda ou apoio. O encaminhamento, assim, se colocou como um dos instrumentos do trabalho
e com ele a existência do conhecimento dos ‘recursos da comunidade’. Esta prática
permaneceu como conduta nas ajudas sociais.
O plantão social pode ser considerada a ação mais presente e mais antiga na gestão
pública da assistência social. A prática em que se acionavam (e se associam) as mais diversas
solicitações e os mais diversos atendimentos. Lócus prioritário na concessão (ou não) de
auxílio, seja em espécie, em matéria ou em palavras. Os serviços públicos e/ou privados
atendem em formato de plantão social, isto é, atendem a demanda espontânea que se
apresenta diariamente à sua porta. Esta prática de atenção não cessou com a instituição das
legislações vigentes no país e, não sendo superada e/ou substituída, permanece nos dias atuais,
sendo comum sua nomenclatura em quase todos os órgãos gestores municipais.
Trata-se, na realidade, de uma atenção de ponta em que o usuário chega diretamente
ao profissional face a alguma solicitação, que em geral entende-se como uma urgência, como
43
se o plantão fosse uma espécie de ‘corpo de bombeiros’, ‘pronto-socorro’ ou porta de acolhida.
Daí, talvez, a terminologia plantão, que via de regra constitui-se como um atendimento
emergencial e imediato das necessidades básicas de subsistência. Em geral, o plantão é o
serviço de horário mais prolongado, algumas instituições o praticam por 24 horas, incluindo
até mesmo os finais de semana, face à possível ocorrência de calamidade. O termo aposto
permite identificar que a situação é advinda de uma necessidade tipicamente social, oriunda
de uma expressão da questão social, o que dá abertura para que se chegue a (quase) todo tipo
de solicitação.
A atenção que se iniciou pelo atendimento do plantão social é muito semelhante à
prestada nos dias atuais; o diferencial está na orientação dada pela política pública. Antes da
Constituição de 1988 entendia-se a concessão de auxílio, quando existente, como ajudas,
apoios eventuais discriminados pelo profissional. Hoje, a ação se orienta pelo princípio do
direito e deve receber discriminação clara do seu acesso e alcance.
A ação do plantão, por ser direta e emergencial, tende a ser paliativa, caso não esteja
atrelada a serviços socioassistenciais de atenção continuada, daí a necessidade de ser
articulada à rede desses serviços. A ‘porta de entrada’ se dá pelo plantão e este deve dar
continuidade e encaminhamento à solicitação apresentada, não limitando esta a uma atenção
casual e pontual.
Do mesmo modo, muitas vezes são os próprios profissionais, juntamente aos órgãos
institucionais, que contribuem com a ‘ideologia da ajuda’ quando não reconhecem o direito à
atenção, limitando o seu reconhecimento e seu acesso. Isto se traduz, na prática, pelo fato de,
via de regra, a assistência social trabalhar com o ‘resto’ do orçamento, muitas vezes não se
constitui em serviço planejado com recursos disponíveis face à demanda. Neste cenário, faz-
se o essencial, o mínimo que a legislação determina. Exemplo clássico é o do cidadão que não
é atendido porque ‘não há verba disponível’. Não é difícil observar, junto aos atendimentos de
plantão, a negação da solicitação por não haver recurso naquele momento, o típico ‘agora não
temos’; ‘acabou nossa cota’; ‘somente o mês que vem, e por aí em diante.
Face a isto, a solução encontrada era, e ainda é, no mais das vezes, recorrer a rede de
solidariedade existente; no caso se encaminha a solicitação para alguma entidade, igreja,
parceiro. Alguém que possa, perante a urgência, prestar assistência naquele momento
específico. A política é pública, porém fica meio diluída na atenção dada, pois a
responsabilidade é estatal, mas a atenção acaba por ser privada.
A ‘famigerada’ e emblemática cesta básica é a solicitação que se relaciona quase
diretamente ao plantão social, mesmo já existindo no país a política de Segurança Alimentar
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que nos municípios é direcionada à área de Abastecimento. A cesta básica é presente e/ou
muito presente no dia a dia da ação profissional de forma isolada à política de Segurança
Alimentar. Trata-se de uma solicitação legitima. A crítica se traduz por associá-la diretamente,
ou apenas, à política de assistência social, ou ainda, à ausência e/ou insuficiência de recursos
para a sua concessão, o que gera a necessidades do uso de critérios de um direito elementar e
constitucional, ficando ao julgo do assistente social, o que faz do plantão um espaço, por
vezes, de exercício da negação do direito, o lócus onde se diz o ‘não’, sob responsabilidade
profissional.
Isto contribui por definir que o plantão – como ‘porta de entrada’ ao direito – tanto
pode se configurar como um espaço de atenção e acesso às atenções da política pública,
podendo ser um referencial necessário no seu planejamento. Exemplos disto são os
diagnósticos e levantamentos que podem ser conferidos a uma dada realidade para
implementação de programas, projetos e serviços, bem como para concessão de benefícios.
Tanto pode, também, ser um campo de práticas assistencialistas e clientelista, sendo estas o
antagonismo da política pública de assistência social, enquanto atenção e defesa de direit
O fato do plantão constituir-se, por vezes, como um referencial na solicitação do
auxílio e/ou benefício não o eleva ao status de ação privilegiada ou primordial junto à Política
Nacional de Assistência Social e sua expressão nos gestores municipais, com isto, não se
dispõem de recursos e de profissionais suficientes à demanda apresentada. Parece até que se
reproduz a velha estratégia do ocultamento dos vícios da implantação do Serviço Social ou,
ainda, é o lócus onde se diz ‘não’, como já foi abordado. Isto faz de uma ação, que poderia ser
relevante e importante um trabalho desqualificado, frustrante, um tipo ‘castigo’ ou ‘trote’ aos
profissionais da área, que trabalham com o ‘resto’ disponível.
Além disto, há uma certa confusão ao que cabe ou não à política de assistência social,
um tipo ‘tudo é social’. A cesta básica é a solicitação clássica do plantão social, no entanto,
são corriqueiras as mais diversas solicitações e concessões: de material de construção a
remédios, fraldas, colchões, leite, óculos, cadeiras de rodas e assim por diante. Isto só
evidencia a ausência de clareza, por vezes, do órgão gestor (da assistência social e de outras
políticas públicas) do que cada um deve ser responsável por cuidar, ou a atenção que deveria
ser dispensada por cada política pública.
Como referencial na atenção às necessidades básicas, o plantão social – como uma das
práticas mais antigas do Serviço Social – é presença ainda hoje em quase todos os órgãos
gestores. Isto contribui por pensá-lo como parte e também uma referência na formulação de
políticas públicas, ou deveria sê-lo, mesmo porque é aqui, por vezes, a entrada do usuário
45
junto às atenções das políticas públicas. A partir da Constituição de 1988, a política pública de
assistência social é descrita na órbita do direito, como responsabilidade estatal, devendo ser
entendida e respeitada desta forma. Com isto, esta prática realizada por décadas, se não exista,
pode contribuir na garantia de direitos se pensada e estruturada em conjunto aos princípios e
diretrizes postos na Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS).
1.4 – A institucionalização federal e estadual (São Paulo) do auxílio social
A Legião Brasileira de Assistência (LBA), instituída em 1942 em nosso país e dirigida
pela então primeira-dama Darcy Vargas, também dentro do campo da ajuda, visava prestar
assistência às famílias dos soldados enviados à Segunda Guerra Mundial. Com o fim da
guerra, tornou-se uma entidade destinada a ajudar, de um modo geral, às famílias necessitadas,
com enfoque principalmente na maternidade e na infância.16
De lócus ‘auxiliar’ às famílias dos pracinhas, a LBA tornou-se referência na atenção
aos mais necessitados por quase meio século. No início “[...] se insinuava como a mãe da
sociedade, marcada por ações paternalistas e de prestação de auxílios emergenciais e
paliativos à miséria. [...]” (FALCÃO; SPOSATI, 1989, p. 15). Além disto, havia um forte
apelo à ação voluntária (preferencialmente da mulher) e a da primeira-dama (também mulher).
Entendia-se que o cuidado com o pobre era uma atribuição feminina, pois a mulher tem um
coração generoso, algo que o governo (ou o homem) não possui, pois a este cabe pensar, ser
racional, rigoroso e duro. Não foi à toa, que no começo do século XX, o Estado entendia a
questão social como sendo caso de polícia e não de ação estatal, devendo ser reprimida e
combatida de qualquer forma.
A LBA, no curso de sua história, expandiu seus serviços e se adaptou aos governos de
cada período, conforme seus interesses e pretensões. “[...] em 1945, a LBA já existia em 90% dos
municípios brasileiros e mostrava-se extremamente significativa para a articulação das forças
políticas em ascenção [...]”. (FALCÃO; SPOSATI, 1989, p. 18). Além disto:
16 A LBA era administrada pelas primeiras-damas de cada época, tendo sido extinta durante o governo de Fernando Henrique Cardoso. Na década de 1990, durante a gestão de Roseane Collor, pós CF/88, foram feitas várias denuncias de desvios de verbas e recursos desse órgão.
46
Suas ações assistenciais evoluíram, passando desde a arrecadação de fundos para a manutenção de instituições carentes, auxílio econômico, amparo e apoio à família, orientação maternal, campanhas de higiene, fornecimento de filtros, assistência médico-odontológica, manutenção de creches e orfanatos, lactários, colônia de férias, concessão de instrumentos de trabalho etc., até as ações preconizadas hoje, uma consequência das diretrizes que redimensionam a LBA. (FALCÃO; SPOSATI, 1989, p. 19).
E assim permaneceu até o período ditatorial iniciado em 1964, quando gradualmente
foi alocada para órgão governamental, embora continuasse a fomentar aliança com a
sociedade civil.
Em 1968, a LBA se expande passando a 26 unidades estaduais. A partir de 1969, seus recursos passam a proceder da Loteria Esportiva, reeditando a antiga fórmula onde ‘a assistência ao pobre’ justifica a institucionalização dos ‘jogos de azar’: o Decreto-lei nº 594, que instituiu a Loteria Esportiva Federal, destina 40% de sua renda líquida para os programas da LBA [...]. (FALCÃO; SPOSATI, 1989, p. 21).
Em 1974, com a instituição do Ministério da Previdência e Assistência Social (MPAS)
e, nele, da Secretaria de Assistência Social (SNAS), a LBA passou a ser a Fundação LBA
(FLBA) e recebeu outro estatuto como órgão público governamental, com isso, passou a
compor este novo e recém-criado Ministério e incorporou a contribuição social rural, também
conhecida como FUNRURAL. Mesmo sendo ação governamental, o apelo à participação
voluntária ainda permaneceu forte e presente nos governos de cada período. O voluntário era
considerado o parceiro ideal na execução e realização das tarefas: sem ele, não seria possível
o desenvolvimento de atividades e nem a concessão e arrecadação de auxílios.
A LBA permaneceu neste formato por décadas: atenção voltada ao pobre e forte apelo
à sociedade civil, o que se verificou do Estado Varguista até sua extinção, nos anos noventa.
O cenário político e econômico dos anos de 1980 e 1990 impuseram mudanças, outras
abordagens e novas contextualizações à assistência social, mas o formato de Estado Paralelo,
desempenhado por este órgão governamental, esteve presente desde as origens até sua
extinção.
A concessão de auxílios caminhou na maioria das vezes atrelada à prática da caridade
(sendo ou não ofertada pela LBA). Sua forma estava diluída, tanto em distribuição de
materiais (como alimentos, roupas, calçados, remédios etc), como em espécie (esmolas,
donativos etc.) ou ainda em ações de cunho moral (conselhos, orientação, visitação domiciliar
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etc). Estas concessões eram destinadas diretamente à pessoa usuária ou estimulada por meio
da prática de ajuda-mútua. Na realidade, estes auxílios (presentes também na história do
Serviço Social no Brasil) tiveram uma atitude muito mais paternalista e autoritária por parte
das classes dominantes, tornando seus tutelados submissos e controlados. No entanto, a ajuda
oferecida era ao mesmo tempo precisa e simbólica, a fim de não causar dependência e nem
estimular ao ócio, pensamento predominante que perdurou por um longo período no país.
No Brasil, a atuação e interferência da primeira-dama junto à gestão e execução das
políticas sociais é uma realidade presente. Desde a instituição da LBA, sob comando da
primeira dama da época, Darcy Vargas, este “título” ou “cargo” tem ocupado lugar de
destaque na implementação da política de assistência social, o que, por vezes, caracteriza “a
institucionalização do assistencialismo na figura da mulher do governante.” 17 (SPOSATI,
2009, p. 03)
Na realidade, a presença da esposa do governante nas ações políticas remete-se a um
período longínquo da história do país. “Há indícios de que a figura da primeira-dama no
Brasil comece a aparecer desde o século passado [retrasado], quando a esposa de Dom
Pedro I, Dona Leopoldina, resolveu assumir participação política nos rumos da
independência do Brasil [...]” (TORRES, 2002, p. 79). A ousadia e lucidez da Imperatriz
auxiliaram e influenciaram as decisões tomadas pelo Imperador na condução dos rumos
adotados pela então colônia portuguesa, o que se registra e destaca junto à historiografia
brasileira, não havendo outra primeira-dama, posteriormente, com atitudes semelhantes.
No entanto, a figura da primeira-dama tornou-se mais evidente e remete-se mais
especificamente a partir da década de 1940 nas ações políticas de cunho social. Com a
finalidade de auxiliar os familiares dos combatentes da guerra, a Srª Darcy Vargas (esposa do
então presidente da república Getúlio Vargas) vai presidir a LBA, órgão que dará vazão às
práticas assistencialistas da época.
Na verdade, Getúlio cria uma instituição de bem-estar social para a atuação da primeira-dama. Ele institui a sua esposa na presidência da LBA com o objetivo de buscar a legitimidade do seu governo mediante a tática do assistencialismo como mecanismo de dominação política. (TORRES, 2002, p. 86)
17 Texto de apoio para aula elaborado pela Profª Aldaíza Sposati: “Assistência, assistencialismo e assistência social”, 2009.
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Com isto, vincula-se a presidência da LBA às primeiras-damas da República,
associando-lhe a prática assistencial como algo (quase) inerente. Na realidade, a LBA se
constituía como órgão destinado a administrar e executar a caridade, ação que cabia muito
bem para esposa do chefe do poder Executivo Federal da época, face à política paternalista
exercida pelo então presidente Getúlio Vargas. Era uma maneira populista de assistir e cuidar
dos pobres e necessitados existentes na sociedade.
Deixar os ‘problemas’ oriundos da questão social a cargo das primeiras-damas era um
meio de demonstrar que o governo fazia algo face à atual situação de pobreza e miséria. Do
mesmo modo, deixava evidente que o cuidado com os pobres era uma atribuição feminina,
pois a mulher é quem possuía bom coração, fazia o bem e era generosa, algo quase vocacional.
Questões que inspiravam e motivavam as senhoras da sociedade burguesa a também
praticarem a caridade.
A cada gestão, a presidência da LBA era herdada pelas demais primeiras-damas que
sucederam a Srª Darcy Vargas. Era uma atribuição quase intrínseca à figura do primeiro-
damismo. As ações durante a Ditadura Militar de Yolanda Costa e Silva, esposa do general
Costa e Silva, de Silvia Médici, do general Garrastazu Médici ou de Lucy Geisel, filha do
general Ernesto Geisel, tiveram expressões pontuais e pouco expressivas, vindo a ressurgir
com mais veemência somente na década de 1990, com a então primeira-dama Rosane Collor
(1989-1991).
Em síntese, pode-se dizer, (...), que a cada gestão federal da assistência social pública encontrava-se bipartida entre a FUNABEM e a FLBA, essa última assumindo iniciativas em prol da criança abandonada e/ou fragilizada por contingências familiares e sociais que, em tese, seriam da alçada da FUNABEM. Dessa forma, estabeleciam-se vias paralelas e superpostas de condução das iniciativas governamentais, somado ao fato de robustecerem a execução direta da FLBA com iniciativas típicas do campo da saúde, até porque o predomínio privatista da saúde na época expurgava a atenção ao cidadão empobrecido. Ao lado da capilarização profusa de serviços próprios das duas fundações federais, o governo militar investiu acentuadamente no incentivo fiscal à iniciativa das entidades sociais, o que sugere um movimento duplo de ampliação da oferta de serviços sociais diretos e indiretos, distante, porém, da possibilidade de configurá-los como um conjunto uniforme e integrante de uma política social articulada e equilibrada, sobre competências partilhadas entre os entes federados. (GOMES, 2008, p.144)
Era um oportunismo coligado ao populismo que buscava dar vazão à prática
assistencialista exercida pela LBA e legitimada pelo executivo federal da época. Do mesmo
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modo, camuflava o caráter conservador e autoritário do então Presidente da República – no
caso, Fernando Collor de Mello.
No início de seu trabalho na LBA, a primeira-dama Rosane Collor percorreu todo o país e, segundo suas próprias palavras, ‘sentiu as desigualdades sociais na maioria da população brasileira’. Por isso, o seu objetivo consistia em ‘buscar diminuir essas desigualdades, levando às famílias carentes um pouco mais de amor e carinho, assistindo-as para que elas tenham dias melhores’. (TORRES, 2002, p. 98)
Prova disto, foi a negação posta ao reconhecimento da assistência social enquanto
política pública. Collor vetou a Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS), em 1990, não a
reconhecendo como política pública de responsabilidade estatal, a qual deveria ser prestada à
população brasileira, conforme disciplinaram o Art. 203 e 204 da Constituição Federal de
1988. A base de sua argumentação era que não haveria orçamento suficiente por parte do
governo da época na responsabilização dessa política, que só voltou a ser retomada em 1993
após o impeachment do Presidente da República. Na realidade,não havia nenhum interesse
deste governo em reconhecer e operar a assistência social no âmbito de uma política pública,
pois isso “[...] supõe controle social, equidade e universalização dos serviços sociais”
(TORRES, 2002, p. 100), o que descaracterizaria o governo clientelista e paternalista da
época, orientado pelo ideário neoliberal.
Ideologia política esta que adentrou ao país durante o governo de Fernando Collor de
Melo. Basicamente seu norte se centrou na privatização de órgãos públicos, na diminuição
dos gastos estatais, na centralidade das ações no executivo federal (não permitindo nenhum
tipo de controle social) e nenhuma intervenção estatal no mercado, além de fomentar a
transferência de responsabilidades (tanto para sociedade civil quanto para a iniciativa privada),
principalmente do aparato social público.
Durante o período em que esteve no poder, o então ‘Caçador de Marajás’, como era
então intitulado o presidente Collor, se viu rodeado por denuncias, escândalos e corrupção.
Nem a LBA foi poupada, sendo denunciada por desvio de verbas públicas, o que levou a sua
extinção durante o governo de Fernando Henrique Cardoso (FHC).
Como se não bastasse o primeiro-damismo em âmbito federal, a figura da primeira-
dama é também muito presente nos estados do país. Além da expansão da LBA pelo território
brasileiro, o Estado de São Paulo tem a especificidade de implantar o ‘Fundo Social de
Solidariedade’ – denominado desde 2007 como Fundo de Solidariedade e Desenvolvimento
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Social e Cultural do Estado de São Paulo 18 (FUSSESP). Trata-se de um órgão do setor
público que essencialmente trabalha com a generosidade da sociedade civil. A palavra de
‘ordem’ aqui é doação, quer seja esta de ordem pública, como ocorre, por vezes, pela doação
dos ‘inservíveis’, quer seja doação de pessoal, no âmbito da sociedade civil, na execução das
tarefas e dos trabalhos. O Estado atua para recolher agasalhos e alimentos e doar como se
fosse uma ação pública.
O histórico do Fundo Social inicia-se quando o então governador Roberto Costa de
Abreu Sodré criou, em 1968, o chamado Fundo de Assistência Social do Palácio do Governo,
cujo enfoque era prestar assistência aos mais necessitados. Quinze anos mais tarde, em 1983,
o governador da época – André Franco Montoro – decretou a nova nomenclatura, que
perdurou até 2007: Fundo Social de Solidariedade do Estado de São Paulo, cujo enfoque era,
a princípio, apoiar tecnicamente e financeiramente os fundos dos municípios, sob a gestão da
primeira-dama, a assistente social Lucy Franco Montoro.
Mudaram a nomenclatura, mas não a essência. O enfoque do trabalho se pauta (e se
pautava) na ajuda aos mais necessitados; a caridade organizada destinada a quem mais precisa
camuflada em boas ações geridas pela primeira-dama do estado paulista. Parece uma espécie
de ‘resgate ou retorno aos velhos tempos’, isto é, a primeira dama, senhora boa, caridosa, de
coração generoso, cuidando dos pobres e necessitados. Nenhuma menção ao caráter de direito,
à responsabilidade estatal por afiançar direitos e o respeito aos preceitos constitucionais é
realizada.
Desde o início da constituição do Fundo Social, enfatizou-se o caráter da ajuda, a qual
sempre esteve presente em suas ações. A primeira gestora – Maria do Carmo Mellão de Abreu
Sodré – teve logo de início um grande desafio quando, face a uma catástrofe da época, deveria
prestar atendimento aos flagelados, fornecendo-lhes o mínimo e essencial para sobrevivência:
medicamentos, roupas e alimentos. As ações do Fundo também estiveram presentes nas
enchentes ocorridas no Estado de São Paulo em novembro de 1969, quando conseguiu abrigar
mais de seis mil pessoas das mais de treze mil atingidas pelas enchentes. Concomitantemente
prestou assistência aos municípios da Grande São Paulo e do Litoral 19. A questão que nos
cerca é: qual o papel do Estado? O que os órgãos públicos fizeram face a estas situações?
Afinal, eram ações de caráter público assumidas pelo então recém criado Fundo Social. Não
cabia ao Estado ter uma política para atenção à calamidade?
18 Este órgão está hoje vinculado à Secretaria da Casa Civil e passou a ter esta denominação a partir do Decreto governamental nº 51.737 de 05 de Abril de 2007, assinado pelo então governador do estado de São Paulo, José Serra. Trata-se de um órgão especificamente paulista, ou seja, só há Fundo Social no estado de São Paulo. 19 Informações oriundas do site: www.fundosocial.sp.gov.br consultado em 05/04/2010.
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Tratava-se, como se observa, de ações emergenciais e pontuais, embora se tenha
criado um plano de ação com a proposta de desenvolvimento de ações assistenciais, o que se
moldou basicamente em doações de cadeira de rodas, ambulâncias, óculos etc, repassados aos
fundos municipais e estimulando a esposa de prefeitos a desenvolverem essa prática.
A realização de campanhas também era (e ainda é) uma prática muito freqüente do
Fundo. Com a proposta de tirar os mendigos das ruas de São Paulo, a presidente da época dos
anos 1970 – Maria Zilda Gamba Natel – encabeçou a campanha: “Um mendigo a menos, um
trabalhador a mais”. Na ocasião, os indivíduos eram retirados das ruas e levados até uma
fazenda localizada no município de Franco da Rocha, onde recebiam assistência psicológica e
física. Quando estivessem ‘aptos’ ao convívio social eram novamente reintegrados à
sociedade. Durante o período em que permaneciam na fazenda aprendiam a lidar com a terra e
com os animais, além disto, faziam diversos cursos profissionalizantes como mecanismo de
reinserção.
O que se nota, na verdade, é o enfoque dado ao ‘desajustamento’ do indivíduo. Uma
prática funcionalista de enquadramento dos sujeitos à sociedade capitalista. Não há relatos de
como ocorriam essas abordagens e se os sujeitos ‘iam livremente’, sobre o que existem
dúvidas. De qualquer modo, atribuía-se ao indivíduo a culpa pela situação vivenciada, isto é,
‘ele era pobre e vagabundo por não querer trabalhar’, assertiva que acabava sendo endossada
pela sociedade em geral. Prova disto foi o slogan da campanha “Se me deres esmola comerei
hoje, se me deres trabalho comerei sempre” que conquistou amplo apoio da sociedade e sua
elite.
Outra ação presente e endossada pelo Fundo Social foi e é a formação e o chamamento
do voluntário. Tanto é que em 1976 se instituiu o Dia do Voluntário Social, pois a este se
atribuía uma função essencial: realizar as ações, as campanhas, os programas e os projetos do
Fundo Social. Do mesmo modo, o Fundo incentivou as chamadas parcerias, em que
atividades eram desenvolvidas conjuntamente entre o poder público e a sociedade civil e/ou a
iniciativa privada.
Em 1983, a então presidente – Lucy Pestana Silva Franco Montoro – criou, por meio
do Decreto 20.925/83, os Fundos Municipais de Solidariedade, adotando uma política
descentralizada e de incentivo à participação das comunidades locais. A legislação estimulava
que os municípios paulistas possuíssem um Fundo próprio, que atendesse e ajudasse seus
respectivos munícipes. Com isto, o Fundo Social de Solidariedade se alastrou por todo o
Estado de São de Paulo. Diversos programas e projetos foram geridos pelo Fundo, por meio
dos quais se instituíram decretos, articulações e ações consideradas pioneiras: Programas de
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Atenção aos Portadores de Deficiência, à População Idosa, à Prevenção às Drogas e
DST/Aids, etc.
Hoje em dia, mais de 90% dos municípios paulistas possuem um Fundo Social de
Solidariedade e desenvolvem, em parceria entre governo municipal, sociedade civil e governo
estadual, diversos programas e projetos, concessão de auxílios e doações, além da promoção
de campanhas, tudo encabeçado pelo FUSSESP. Ou seja, é muito forte a presença deste órgão
junto aos municípios paulistas, o que, por vezes, gera ações paralelas ou sobrepostas junto à
política de assistência social. Isto porque esta trabalha com o enfoque do direito, enquanto o
Fundo opera no horizonte da caridade.
Com a instituição da LOAS em 1993, previa-se a extinção do FUSSESP, o que não
ocorreu. O enfoque da ajuda, a prática de doações, a articulação das parcerias, o estímulo e
chamamento ao voluntariado é muito forte e presente nos municípios paulistas, o que muitas
vezes acaba por camuflar as ações e práticas mais convenientes ao governo vigente da época,
gerando ações paralelas ou sobrepostas junto à política de assistência social. Desmontar toda
esta estrutura envolve interesses políticos, econômicos e pessoais.
Com isto, o Fundo Social e a política de assistência social ‘convivem’, na medida do
possível, conjuntamente nos municípios paulistas. É comum se identificar o paralelismo de
ações, o não reconhecimento do direito, a ação no âmbito da ajuda etc. Dependendo das
prioridades do executivo, a ênfase se direciona para um determinado lado, o que condiz com a
política partidária adotada naquele momento. A assistência social enquanto política pública
estatal fica, então, meio diluída na ação e atenção, não enfocando o direito reconhecido
legalmente.
Do mesmo modo, também se identifica no Programa Federal Comunidade Solidária 20
outro exemplo claro, visível e expressivo na atenção dada no trato à miséria e pobreza,
também por meio da ação da primeira-dama. Em substituição a LBA, o governo FHC instituiu
este programa, de cunho assistencialista, que se orientava na contra-mão dos direitos de
cidadania e o colocou sob a direção de Ruth Cardoso.
Esse Programa não só promove o desmanche dos direitos sociais, mostrando-se desfavorável à consolidação da assistência social como política pública, conforme estabelece a Constituição Federal e a Lei Orgânica da Assistência, como também dá plenas condições ao trabalho político-partidário da primeira-dama, a qual visita todos
20 Programa Federal criado em 1995 pelo então presidente da república Fernando Henrique Cardoso. Sendo instituído pelo Decreto nº 1.366 de 12 de janeiro de 1995, estava vinculado diretamente a Casa Civil da Presidência da República e era presidido pela primeira dama da época, Ruth Cardoso.
53
os Estados mostrando-se preocupada com os problemas sociais, envolvendo em suas ações órgãos federais de credibilidade, como as universidades e alguns ideólogos da socialdemocracia. (TORRES, 2002, p. 104)
É como se o status de política pública conquistado pela assistência social com a Carta
Magna de 1988 fosse posto em ‘segundo plano’, simplesmente ignorado, reproduzindo –
agora por meio de uma ação estatal – a prática da benesse, da solidariedade e da caridade.
Fala-se de uma política que ao invés de portar-se como tal – com orçamento, conselho, plano
de ação definidos – rumo à garantia e o acesso aos direitos básicos de cidadania, trabalha
parcialmente no ‘combate à fome e à pobreza’, o que, na realidade, encontra-se desconexo ao
caráter de direito, mas configura-se como uma política social adotada e ampliada durante as
duas gestões de FHC. Todas estas práticas de auxiliar pessoas, no bem da verdade,
constituem-se muito mais como o exercício organizado da caridade do que na garantia, de fato,
dos direitos socioassistenciais, isto na LBA, na década de quarenta, no Comunidade Solidária
nos anos noventa e, por fim, dos Fundos Sociais de Solidariedade existentes até os dias atuais.
Do mesmo modo, a presença e a participação da ideologia do primeiro-damismo são
observados nos dados apresentados pela MUNIC, em que, dos 5.565 municípios, 1.352
possuem a primeira-dama como gestora da política de assistência social no Brasil. No Estado
de São Paulo, dos 645 municípios, 85 são adeptos desta ideologia, o que pode representar
certo retrocesso se pensarmos a assistência social no campo dos direitos e o primeiro-
damismo muito mais atrelado ao viés da benesse e ajuda, como tem mostrado seu legado.
Ao que parece, a prática da benemerência, a presença do primeiro-damismo, do Fundo
Social em São Paulo, a instituição da LBA (como órgão governamental), bem como tantas
outras ações, não fugiram à lógica de atenção ao pobre, como o necessitado, o carente, o
sujeitado aos restos existentes, filiado à ação de benevolência da mulher do governante.
1.4 – A oferta de auxílios e benefícios na ótica da previdência social
A previdência social organiza e administra seus auxílios e benefícios desde as Caixas
de Aposentadorias e Pensão (CAPs) – instituídas em 1923 21, consideradas como sendo o
21 Em 1923 foi apresentado pelo então deputado paulista Eloy Chaves, um projeto de lei que determinava a criação de Caixas de Aposentadoria e Pensão (CAPs) para os empregados das empresas ferroviárias. Tal projeto foi aprovado, transformando-se no Decreto Legislativo nº 4682 de 24/01/1923, o qual é considerado o marco da
54
‘nascimento’ do seguro social no país – até os dias atuais, e desde então se faz jus à
terminologia de benefícios. Os segurados tinham por direito receber os benefícios oferecidos
pelas Caixas, na qual contribuíram por um determinado período. A lógica era de seguro, isto é,
esses benefícios eram destinados a quem fazia parte e era contribuinte de uma das CAPs
existentes, o que na verdade, era a minoria da população.
As CAPs (como organizações autônomas, sob supervisão estatal) criadas com fundo
específico para cada categoria específica, traziam consigo princípios administrativos próprios
sobre seus quadros de benefícios. Suas fontes para captar fundos se davam com a contribuição
dos empregados, dos empregadores e do próprio Estado.
No entanto, observa-se que a previdência social brasileira, de caráter contributivo, não
abrangia toda a sociedade, mas sim a certos setores e/ou categorias profissionais. Isto criou,
de início, uma divisão: os segurados e os não-segurados, além das diferenças administrativas
das CAPs de uma empresa para outra. Além disto, os benefícios administrados pelas CAPs
destinavam-se a estimular o trabalho produtivo e a lidar prudentemente com os conflitos
sociais existentes. Eis, portanto, outras razões destas Caixas se destinarem a determinados
grupos da sociedade. Mesmo porque, sua função não se constituía como redistribuidor de
renda, mas sim como transferidor de renda. Os empregados com as melhores remunerações
receberiam os maiores benefícios, ficando como incumbência das elites políticas e
administrativas a responsabilidade de estruturar os sistemas das CAPs de maneira a viabilizar
esta estrutura. Tais grupos determinavam sua forma de financiamento, suas bases de cálculo e
formas de concessão dos benefícios.
As CAPs deveriam dar quatro benefícios para manter a renda e saúde da família de um trabalhador em caso de doença, incapacidade, velhice ou morte. O primeiro era a aposentadoria por invalidez e por tempo de serviço (ordinário), sendo que esta última era recebida pelo trabalhador quando chegava à idade de cinqüenta anos, com um mínimo de trinta anos de serviço. O segundo benefício envolvia pensões aos dependentes de um empregado morto. O terceiro benefício consistia em cuidados de saúde na forma de serviços médicos e a vantagem de comprar remédios a preço reduzido. Finalmente, a lei estabelecia que à CAP competia pagar as despesas de funeral dos membros segurados. Em acréscimo aos quatro benefícios básicos, a lei rezava que, depois de dez anos de serviço, o empregado só podia ser demitido por causa grave provada pelo empregador em processo administrativo formal. Os quatro benefícios básicos, embora com importantes variações, bem como a provisão de
previdência social no Brasil. Além disso, é com a previdência social que a proteção social brasileira vai se estruturar como um direito ligado diretamente ao trabalho, mesmo que destinado, primeiramente, a determinadas categorias e num contexto em que a saúde e a assistência social ainda possuíam caráter de benevolência. Assim, as CAPs (organizações autônomas, sob supervisão do governo) foram criadas com fundo específico para cada companhia ferroviária do país, trazendo consigo seus respectivos princípios administrativos sobre os quadros de benefícios.
55
estabilidade no emprego, foram incorporados à subseqüente legislação de seguro social até o ano de 1966. (MALLOY, 1986, p. 49-50)
Observa-se logo nos primórdios da previdência social brasileira um modelo de
proteção social desigual e estratificado, em razão dos setores cujo trabalho se mostrava
essencial para a economia e a manutenção do capital. As lutas desses setores em manter um
sistema auxiliar quando necessário implicavam em impactos à economia de exportação. A
preocupação era de “[...] abafar o protesto social e de enfraquecer as organizações trabalhistas
radicais pela apropriação da habilidade de definir um aspecto significativo da questão social.”
(MALLOY, 1986, p. 53). Neste momento, o autor acrescenta ainda que “[...] é mais do que
simples coincidência que a Lei Eloy Chaves e suas variações de 1926 tenham trazido
proteção social às três categorias de trabalhadores mais bem organizadas: ferroviários,
estivadores e marítimos [...]” (MALLOY, 1986, p. 53).
A Lei Eloy Chaves, na verdade, objetivava manter o status quo. A concessão de
benefícios destinava-se às categorias específicas que, naquele momento, eram consideradas
importantes para a economia do país. Ao mesmo tempo em que se baseava em modelos
estrangeiros de seguro social, tinha como respaldo as sociedades de ajuda mútua, que no
Brasil reservaram, de início, um atendimento direcionado a essas categorias em locais como a
Beneficia Portuguesa e o Hospital Sírio Libanês, além de entre outros. Deste modo, Eloy
Chaves atendia aos anseios de uma elite interessada em si própria e controlava, de certa
forma, determinados setores da sociedade assegurando-lhes ‘um prêmio’ ao final da jornada
de trabalho.
A partir da década de trinta do século XX, estas Caixas são fundidas, formando os
Institutos de Aposentadoria e Pensão (IAPs). A partir de então, a organização passou a ser por
categoria profissional e não mais por empresa. Primeiro foram os marítimos, logo os
comerciários, na sequência foram os bancários e, posteriormente, ocorreu à fusão das caixas
dos industriários entre outras categorias subsequentes.
Com a instituição da Lei Orgânica da Previdência Social (LOPS) em 1960, os IAPs
foram unificados e padronizados, sendo regidos por um sistema único para seus assegurados;
seus benefícios foram ampliados e as fontes de custeio foram centralizadas e organizadas,
estando regidas pela mesma legislação. Entretanto, somente em 1966 passou a existir um
instituto único a gerir o sistema previdenciário no país: o Instituto Nacional de Previdência
Social (INPS), que perdurou até a Constituição Federal de 1988, quando passou a ser
designado e ampliado como Instituto Nacional de Seguro Social (INSS).
56
Face a isto, o INPS operacionalizava os benefícios de seus segurados, aqueles
providos de vínculo previdenciário, os incluídos dentro do sistema de seguro social. Enquanto
isto, a LBA atendia a massa desprovida, ou não coberta, da previdência social. Em geral, com
ações e auxílios pontuais, emergenciais e paliativos perante a situação de pobreza e miséria.
Esta (LBA) compunha a rede de solidariedade civil – juntamente com as Santas Casas, as
Associações de Socorros Mútuos, etc. – que eram responsáveis pelo amparo e auxílio aos que
não estavam cobertos pelo seguro social.
Com a promulgação da Carta Magna – em 05/10/1988, pelo então deputado Ulysses
Guimarães – buscou-se instituir e assegurar, por meio de instrumentos legais, os direitos e
deveres dos cidadãos brasileiros. Após o país vivenciar um período repressor em que
garantias individuais e sociais foram, por vezes, ignoradas durante o Regime Militar, era
desejo de boa parte da sociedade, de vários movimentos sociais e populares, de grupos
militantes de esquerda, do ‘novo sindicalismo’, entre outros, buscar construir uma
Constituição – distante dos Atos Institucionais impostos pelo governo autoritário – que
defendesse os valores democráticos, políticos, civis, sociais e individuais.
O princípio da Seguridade Social foi assegurado, a partir de então, como sendo “[...]
um conjunto integrado de ações de iniciativa dos poderes públicos e da sociedade destinadas
a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência social e à assistência social”. (Art.
194, Brasil, 1988, p. 164). Com a promulgação da considerada Constituição Cidadã ampliou-
se o acesso e o reconhecimento às políticas públicas: passou-se a abranger políticas universais,
reconhecidas e asseguradas legalmente. A política previdenciária estendeu-se a todos os
trabalhadores formais; a política de saúde passou a ser destinada a todos os cidadãos
brasileiros e a política de assistência social foi pela primeira vez reconhecida como política
pública de responsabilidade estatal.
A partir de então, foi iniciada a caminhada no sentido de assegurar e gerir as políticas
públicas como direito de todos. A concessão de benefícios restrita a determinadas categorias
ampliou-se como direito da classe trabalhadora. A assistência social passou ao âmbito de
política pública, como dever do Estado e direito do cidadão, iniciando sua trajetória de
reconhecimento e espaço na cena política. Isto culminará por editar legislações que deram
norte e conteúdo à recém reconhecida política.
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1.5 – Os benefícios socioassistenciais na assistência social
Quando a assistência social se configurou no campo dos direitos, a partir da
Constituição Federal de 1988, sendo posteriormente regulamentada pela Lei Orgânica da
Assistência Social (LOAS) – instituída em 1993 – passou-se a adotar a terminologia
benefícios, como direitos de cidadania, dentro do campo da Seguridade Social 22.
A LOAS fez referências a dois benefícios, considerando-os de direito e instituídos
legalmente: o Benefício de Prestação Continuada (BPC) e os Benefícios Eventuais (BE).23 Os
auxílios tratados se referem ao artigo 22 da LOAS: auxílio natalidade e auxílio funeral e se
encontram dentro do campo de benefícios (benefícios eventuais). Ao que parece, os
benefícios – e aqui em destaque os benefícios eventuais – vão encontrar na previdência social
uma aproximação maior do que junto à política de assistência social, ou seja, esta herança vai
mais ao encontro dos preceitos previdenciários do que em direção ao histórico da assistência
social, referente à concessão de auxílios. A trajetória, operacionalização, conteúdo e
legislações do auxílio natalidade e auxílio funeral caminharam em conjunto com a política
previdenciária até sua transmutação para assistência social, o que ocorreu em 1993.
A terminologia benefício é comumente usada no campo do seguro social pela política
previdenciária, embora se utilize também dos auxílios. Os segurados do sistema
previdenciário sempre foram chamados beneficiários e não auxiliados, contemplados ou
mesmo ajudados. Talvez pelo fato de se tratar de um seguro, algo que se paga, se contribui
para ter direito, a conotação talvez seja ‘pagou tem direito’, ou benefício ligado diretamente
ao conceito de direito não benesse ou ajuda eventual.
É certo, contudo, que o uso deste conceito – benefícios – começa a se tornar mais
freqüente e usado dentro do campo da Seguridade Social e posteriormente na assistência
social com a regulação da LOAS. A assistência social em sua trajetória sempre
operacionalizou a concessão de auxílios, é quase nulo se falar de benefícios antes da Lei
Orgânica, o que, em parte, talvez se explique por sua trajetória histórica muito mais ligada ao
22 O termo Seguridade Social se refere ao artigo 194 da Constituição Federal, o qual estabelece o tripé de políticas públicas: a política de saúde, de assistência social e de previdência social. 23 O Benefício de Prestação Continuada se refere ao artigo 20 e 21 da LOAS. Trata-se de um salário mínimo destinado à pessoa com deficiência e ao idoso com renda per capta de até ¼ do salário mínimo. Está regulamentado e em vigor em todo país desde 1996. Atualmente se orienta pelo Decreto 6.214 de 26/09/2007; já os Benefícios Eventuais se refere ao artigo 22 da LOAS, como sendo os auxílios natalidade e funeral e se encontra em processo de regulação em todo o país.
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contexto de ajuda, caridade, benesse. E, ao instituir benefícios, talvez se proponha a romper
com esse histórico.
A assistência, no seu sentido mais lato, significa auxílio, socorro. Onde quer que haja uma necessidade que o interessado não pode resolver por si e não consiga pagar com seu dinheiro, a assistência tem o seu lugar. Assistência a famintos, a sedentos, nus, desabrigados, doentes, tristes, ativos, transviados, impacientes, desesperados, mal aconselhados, pobres de pão ou pobres de consolação, tudo é assistência, auxílio, socorro”. (CORREIA, 1999, p. 13, apud MESTRINER, 2001, p. 15)
Ao se tratar de benefícios propõe-se compor um campo bem mais definido, na
perspectiva do direito, ao contrário de uma assistência ligada à concessão de auxílios
(material ou moral) como caridade.
No entanto, entende-se que o reconhecimento dos benefícios no corpo da Lei Orgânica
se deu muito mais pela via da transferência de ações da previdência social para a assistência
social, do que pela via da legalização de uma prática histórica de conceder auxílios, algo que
será melhor abordado e definido no próximo capítulo.
É sabido que em 1993 foi promulgada a Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS);
em 1994 se desenhou, sem aprovar, a primeira versão de uma Política Nacional de Assistência
Social; em 1998 é promulgada a primeira Política Nacional de Assistência Social e a primeira
Norma Operacional Básica da Assistência Social (NOB), reeditada em 1999. Na seqüência,
em 2004, há a promulgação da Política Nacional de Assistência Social, que vigora atualmente
no país; no ano seguinte instituiu-se o Sistema Único da Assistência Social (SUAS) e a
Norma Operacional Básica (NOB/SUAS), que passaram a orientar a gestão da política de
assistência social em todo território nacional.
O SUAS 24 tem por intuito trabalhar a política de assistência social de modo integrado,
articulado e participativo rumo à concretização dos direitos sociais instituídos desde a
Constituição Federal de 1988. Propõe a articulação entre os serviços, programas, projetos e
benefícios – nas três esferas de governo (federal, estadual e municipal) – de modo a organizar
24 Instituir um Sistema Único para a gestão da política de assistência social, em âmbito nacional, era uma reivindicação que vinha desde 2003, na IV Conferência Nacional de Assistência Social, sendo de fato implementado a partir de 2005. Na verdade, a implementação de uma gestão uniforme se traduz como um grande avanço, no sentido da concretização dos direitos sociais, pois historicamente não se dirigia aos órgãos públicos o trato desta política, ficando a assistência social, na maioria das vezes, com o “resto”, as “sobras” de recursos governamentais.
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a gestão da política pública de assistência social, cuja finalidade é assegurar proteção social
aos cidadãos brasileiros dentro do campo da Seguridade Social.
Ao instituir um Sistema Único, caminha-se no sentido de romper com a cultura
paternalista e clientelista presentes na história desta política, em que a assistência social –
numa condição marginal – apresenta-se como atenção destinada aos pobres, no mais das
vezes, atrelada a interesses eleitoreiros. O SUAS representa, ainda, uma ruptura, contrapondo-
se à marca da benemerência e ampliando a noção de direito como “[...] sistema público não
contributivo, descentralizado e participativo que tem por função a gestão do conteúdo
específico da assistência social no campo da proteção social brasileira [...]” (Brasil,
NOB/SUAS, 2005).
A Política Nacional de Assistência Social (PNAS) materializou-se em 2004 como o
documento de gestão que instrumentaliza a ação da política. Neste sentido, configura a
responsabilidade estatal perante os cidadãos brasileiros, delimitando sua especificidade
enquanto política pública de proteção social.
Assim, por afiançar proteções à assistência social, prevê o desenvolvimento e a
provisão de serviços, programas, projetos e benefícios, estando estes articulados às demais
políticas públicas, centralizados na família e organizados a partir do território.
Hoje se provê benefícios no campo do direito. A PNAS os reconhece como uma das
atenções dirigidas ao cidadão brasileiro. Mas, como já vimos, nem sempre foi deste modo. A
atenção oriunda dos auxílios ocasionais, em geral vinculados ao atendimento de “plantão
social”, bem como o exercício do Serviço Social de Caso, são práticas comumente realizadas
no país, configuradas muito mais no ‘crivo’ profissional do que pela noção do direito.
A concessão e gestão de auxílios e benefícios percorreram (e percorrem) toda uma
trajetória (pública e privada) de identificação e reconhecimento destes como sendo direitos
socioassistenciais providos hoje no âmbito de um Sistema Único. Os auxílios fluíram desde o
conceito de benemerência oriundos do plano nacional da gestão técnica e paralela do Serviço
Social até seu reconhecimento garantido em legislações específicas. Fato é que tais
legislações não foram suficientes para limitar ou extinguir a ‘ideologia da ajuda’ na sociedade
contemporânea, principalmente em sua parcela mais conservadora.
Prova disto é a existência de programas como o Comunidade Solidária que, como ação
paralela à LOAS, tinha por objetivo reunir esforços e recursos tanto dos órgãos
governamentais quanto da sociedade civil para uma melhor qualidade de vida dos mais pobres
e necessitados, isto é, o foco era o pobre, não o cidadão de direito. Para tanto, fomentava e
estimulava as chamadas parcerias, as quais tanto podiam e deviam ocorrer entre os governos
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(união, estados e municípios) quanto, também, entre a iniciativa privada, ou, ainda, com a
sociedade civil. Os diversos projetos desenvolvidos pelo Programa visavam reverter os
indicadores sociais dos bolsões de pobreza e miséria, chamando, para tanto, os parceiros
envolvidos.
A crítica centra-se aqui na ação desconexa do acesso ao direito. Trata-se, na realidade,
de um programa que “[...] representa uma forma efetiva de se manter o conservadorismo
próprio do populismo tradicional no campo da assistência social, que mantêm as classes
subalternas sob a dominação paternalista do Estado por meio da benemerência.” (TORRES,
2002, p. 105), que, faz das parcerias, do voluntariado e das campanhas meios de se auxiliar os
pobres e miseráveis. Além disto, se vivemos na era do reconhecimento dos direitos, sendo
estes legalmente instituídos, questiona-se, aqui, a formatação de um programa na contramão
dos direitos. O Comunidade Solidária acabou se enquadrando muito mais em um programa
político partidário, de caráter emergencial, seletivo e focalista, do que de fato em uma ação
emancipatória da situação de pobreza e miséria, ainda vivenciada pela população.
Tanto é, que embora ainda existam ações oriundas do Comunidade Solidária, este foi
substituído em 2003 pelo Programa “Fome Zero” do atual governo de Luís Inácio Lula da
Silva (sem a presença da primeira-dama – Srª Marisa Letícia). Formatado por um conjunto de
programas, o Fome Zero dedicava-se a combater as causas imediatas e subjacentes advindos
da fome e da insegurança alimentar, embora não estivesse atrelado à figura da primeira-dama.
Em plena era dos direitos, há resquícios de concessão de auxílios e benefícios no
âmbito da ajuda, da benesse, da boa vontade, uma espécie de retorno aos velhos tempos ou
não rompimento com estes. É sabido ser truncada ou mal resolvida à relação entre direito e
ajuda. Em outras palavras, estar o direito instituído e assegurado em lei, não foi suficiente
para sua implementação na prática. Isto perpassa por relações econômicas, políticas e sociais,
o que torna lento e impreciso, em nosso país, o caminho percorrido entre a instituição e a
implementação, de fato, por um direito. De qualquer modo, a atenção deve se pautar no
respeito aos preceitos legais. Além disto, muitas vezes não é, evidentemente, interessante aos
governos eleitos regulamentarem o que é de direito, pois com isso se atende o que convém,
como convém e a quem convém.
No entanto, a era dos direitos instituídos pela Constituição Cidadã de 1988 trás um
norte e direciona competências que, em conjunto com a sociedade civil organizada, órgãos de
classe, conselhos de direitos, buscam materializar as competências estatais junto aos cidadãos
brasileiros. É moroso, em nosso país, o trânsito entre o reconhecimento e a regulamentação de
direitos, prova disto e objeto de estudo deste trabalho, é a regulamentação dos benefícios
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eventuais, como direito instituído desde a LOAS em 1993 (como auxílios oriundos da política
previdenciária) e até hoje em processo de implementação junto aos municípios brasileiros,
situação esta que será retratada no próximo capítulo.
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CAPÍTULO II
2. A TRAJETÓRIA E O CONTEXTO DOS BENEFÍCIOS EVENTUAIS
Os benefícios eventuais, objeto de análise deste capítulo, constituem um direito social
legalmente assegurado aos cidadãos brasileiros no âmbito da proteção social básica, conforme
preconiza o Sistema Único de Assistência Social (SUAS). Previstos desde 1993 pela Lei
Orgânica de Assistência Social (LOAS), inscrevem-se no rol de provisão procedente da
gestão municipal e estadual da política de assistência social, cuja responsabilidade de sua
regulação ficaram a cargo dos respectivos conselhos. Foi destacado como objeto de
regulamentação e provisão os auxílio natalidade e auxílio funeral, instituídos desde 1954 pela
política previdenciária e a partir da LOAS ampliados as demais atenções oriundas das
situações de vulnerabilidade social e calamidade pública.
É sabido que a concessão de auxílios e benefícios é uma prática inerente de atenção
por parte da assistência social, que se construiu no campo do direito. A concessão do auxílio
natalidade, auxílio funeral e renda mensal vitalícia estavam até 1993 sob responsabilidade da
política previdenciária. O translado de uma política para outra gerou alguns impasses em
relação à categoria dos benefícios eventuais (o auxílio natalidade e auxílio funeral): tão logo
foram transferidos deixaram de ser concedidos; o enquadramento dado à atenção limitou-se a
¼ do salário mínimo, focalizando o direito a um público bem específico – àqueles
extremamente pobres; além disto, o que deveria ser um avanço, o fato da regulação ocorrer a
partir do município, tornou-se um problema face às diversas limitações existentes (de ordem
econômica, política, social, cultural, etc.). Com isto, somente a Renda Mensal Vitalícia (RMV)
conseguiu, a partir de 1996, ser regulamentada na assistência social e passou a prestar atenção
similar por meio do Benefício de Prestação Continuada (BPC), compondo a outra categoria de
benefícios assegurados na LOAS: os benefícios continuados.
Em outras palavras, as legislações precedentes dividiram as tarefas: os benefícios
continuados ficaram sob responsabilidade da União; os benefícios eventuais (no caso os
auxílios natalidade, funeral e demais provisões) ficaram a cargo dos estados, municípios e
Distrito Federal, o que permanece sem regulação na maioria dos municípios até os dias atuais.
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Em relação ao auxílio natalidade e auxílio funeral temos um impasse logo de início: há
um direito que é repassado e um repasse que está impreciso, o que nos faz repensar que estar
legalmente instituído não foi (e não é) suficiente para estar plenamente implementado em todo
território nacional, o que supõe empecilhos políticos, econômicos, estruturais, pessoais, entre
outros. Mesmo porque, além disto, parece tratar-se de uma parte da LOAS deixada à margem
da política pública de assistência social.
Esta análise, a fim de contribuir para o debate acerca da condição na qual se
encontram os benefícios eventuais, divide-se em três partes: os benefícios antes da Lei
Orgânica da Assistência Social (LOAS); os benefícios no contexto da LOAS; e, por fim, os
benefícios posteriores à Lei Orgânica. A intenção, neste caso, é de mapear o caminho e o
movimento misto pelo qual estes benefícios passaram da previdência social para a assistência
social, e a situação em que se encontram atualmente.
2.1 – Os auxílios natalidade e funeral antes da Lei Orgânica da Assistência Social
Os benefícios eventuais por morte e natalidade, descritos hoje no artigo 22 da LOAS,
já percorreram uma importante trajetória até se configurarem como benefícios
socioassistenciais no âmbito da política pública de assistência social.
Ao serem instituídos, por meio do Decreto nº 35.448 de 01/05/1954 25, sob a égide da
política previdenciária, foram intitulados, primeiramente, como “auxílio maternidade” e
“auxílio funeral”. Neste momento, estavam subordinados ao vínculo previdenciário, e eram
ofertados por meio do pagamento de 01 salário mínimo 26 no valor vigente à época.
25 Trata-se de um ato administrativo oriundo do Poder Executivo, cuja finalidade é regulamentar uma dada lei, ou ainda suprir uma lacuna em virtude da falta de uma lei. Neste caso, faz-se referência ao Regulamento Geral dos Institutos de Aposentadoria e Pensões. 26 O salário mínimo passou a vigorar no Brasil na década de 40 do século XX. A Lei nº 185 de janeiro de 1936 e o Decreto-Lei nº 399 de abril de 1938 regulamentaram a instituição do salário mínimo no país e o Decreto-Lei nº 2162 de 1º de maio de 1940 fixou os valores do salário mínimo, que passaram a vigorar a partir do mesmo ano. “O salário mínimo foi à primeira medida oficial instituída no país relacionada à idéia de proteção social mínima, já veiculada em vários países estrangeiros. Tanto é que o Brasil foi o 12º país do mundo – embora um dos primeiros da América Latina – a incorporar na sua Constituição (a de 1934) um dispositivo que previa o direito de todo trabalhador a receber um salário não inferior a um certo valor. Para definir esse valor, Comissões de Salário Mínimo foram instituídas pela Lei n°185, de 14 de janeiro de 1936, regulamentada pelo Decreto-Lei nº 399, de 30 de abril de 1938, com o objetivo de realizar estudos a respeito das “necessidades normais” do trabalhador, dos quais resultou o seguinte conceito de salário mínimo: “É a remuneração mínima devida a todo trabalhador adulto, sem distinção de sexo, por dia normal de serviço e capaz de satisfazer, em determinada época, na região do país, as suas necessidades normais de alimentação, habitação, vestuário, higiene e transporte”. Tal medida, contudo, apesar de parecer avançada [...] continha as seguintes restrições: referiam-se as
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Promulgado pelo então presidente – Getúlio Vargas 27 –, este documento era
considerado de grande relevância, devendo ser estudado e também apreciado pelo poder
legislativo da época, uma vez que se via necessário uniformizar o sistema previdenciário
existente naquele momento. Com isto, este Decreto descrevia quem eram os beneficiários;
quem estava excluído deste regulamento; quem eram os segurados facultativos; quem eram os
dependentes; como deveria ocorrer a inscrição no Instituto; quais eram as prestações
destinadas; no art. 20, por exemplo, descrevia-se o auxílio maternidade e o auxílio funeral
como prestações destinadas aos segurados; como deveria ocorrer o custeio e a administração
do auxílio funeral como prestações destinadas aos segurados; como deveria ocorrer o custeio
e a administração do Instituto; além das disposições gerais e transitórias.
Art. 20. As prestações asseguradas pelos Institutos consistem em benefícios ou serviços e são as que se seguem: I – Quanto aos segurados: a) auxílio-doença; b) aposentadoria por invalidez; c) aposentadoria por velhice; d) aposentadoria ordinária; e) auxílio maternidade; f) auxílio funeral; II – Quanto aos dependentes: a) pensão; b) pecúlio. III – Quanto aos beneficiários em geral: a) serviços médicos; b) serviços complementares. (grifo nosso – DECRETO nº 35.448, BRASIL, 1954, p. 05)
Os simpatizantes das ações políticas da época consideravam Getúlio Vargas como o
‘pai dos pobres’, no entanto, a crítica e oposição o viam como ‘a mãe dos ricos’. De qualquer
modo, os feitos realizados por ele influenciaram maciçamente o desenvolvimento do país
durante seu mandato e posterior a isto, conforme nos aponta Malloy, 1986, p. 59:
necessidades individuais do trabalhador, não incluindo a família; deixava de lado necessidades sociais como a educação e o lazer; estabelecia níveis distintos de salário em diferentes regiões; e os estudos realizados pelas Comissões não procuraram conhecer os custos dos bens e serviços essenciais, mas os níveis salariais mais baixos existentes no país, para tomá-los como referência do salário mínimo.” (Retratos do Brasil, 1984 apud Pereira, 2002, a p. 131) 27 Getúlio Vargas governou o Brasil por quinze anos ininterruptos: de 1930 – 1945 e posteriormente, por meio do voto direito permaneceu a frente do país por mais três anos: 1951 – 1954, quando suicidou-se.
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No Brasil, o governo de quinze anos de Vargas é conhecido como a “Revolução de 30”. Embora se possa estranhar o uso do termo “revolução”, não há dúvida de que, sob Vargas, a estrutura básica da economia do Brasil foi transformada significativamente, e muitas das mudanças estruturais e organizacionais introduzidas por Vargas persistiram por muito tempo após a sua deposição em 1945. Na verdade, [...] o modelo de relação Estado-sociedade utilizado por Vargas criou um esquema complexo e contraditório que afetou profundamente a direção de todo o desenvolvimento político subseqüente no Brasil.
Este documento de 1954 (Decreto nº 35.448) tratava, em relação ao auxílio
maternidade e auxílio funeral (essência dos benefícios eventuais posto na LOAS), de sua
forma de concessão, da arrecadação e o recolhimento das contribuições, as quais ficaram a
cargo das respectivas empresas recolher e destinar ao Instituto ao qual estivesse vinculada.
Tratava-se de benefícios previdenciários, oferecidos em pagamento único de um salário
mínimo vigente na época aos segurados dos Institutos de Aposentadoria e Pensão (IAPs),
descritos em artigo próprio.
Art. 30. O auxílio-maternidade garantirá à segurada gestante ou ao segurado, pelo parto de sua esposa não segurada, após a realização de 12 (doze) contribuições mensais, uma quantia, paga de uma só vez, igual ao salário mínimo vigente na sede de trabalho do segurado. (p.08) Art. 31. A pensão garantirá aos dependentes do segurado, aposentado ou não, que falecer após haver realizado 12 (doze) contribuições mensais, uma importância mensal calculada na forma do art. 32. (p.08) Art. 38. O auxílio-funeral garantirá a quem custear o funeral do segurado a indenização das despesas comprovadamente feitas para esse fim, até o valor do salário mínimo de adulto vigente na localidade onde se realizar o enterramento. (DECRETO nº 35.448, BRASIL, 1954, p. 09)
A única exigência, no caso, era o fato de estar vinculado com algum Instituto e ter
cumprido o período de carência de 12 meses face à solicitação de algum destes auxílios.
Getúlio Vargas permaneceu no poder até 24/08/1954, quando se suicidou, seu vice –
João Fernandes Campos Café Filho – assumiu a presidência, tendo permanecido até
novembro de 1955, quando foi deposto.
Durante o mandato de Café Filho houve a revogação deste Decreto (por meio do
Decreto 36.132) em 03 de setembro de 1954, conforme descrevia: “Art. 1º Fica revogado o
Decreto nº 35.448, de 01 de maio de 1954 que aprovou o Regulamento Geral dos Institutos
de Aposentadoria e Pensões, restabelecida a legislação vigente na data de sua expedição”.
(DECRETO nº 36.132, BRASIL, 1954, p.01)
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Em setembro do mesmo ano (em 24/09/1954), o então presidente instituiu outro
Decreto referente a esta mesma temática, em que se dispunha sobre a execução do Decreto nº
36.132, tratava-se do Decreto nº 36.222:
Art. 1º As contribuições devidas aos Institutos de Aposentadorias e Pensões no período de 3 de maio de 1954 à data da vigência do Decreto nº 36.132 de 3 de setembro desse mesmo ano, serão pagas na conformidade da legislação por este estabelecida. Art. 2º Serão revisto os benefícios concedidos no período mencionado no art. 1º deste decreto, para que sejam seus valores reajustados aos termos da legislação restabelecida. Art. 3º O Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio expedirá as Instruções que se fizerem necessárias a regularização das importâncias não recolhidas ou escolhidas em excesso bem como à revisão dos benefícios concedidos. Art. 4º O presente Decreto entrará em vigor na data de sua publicação. (DECRETO nº 36.222, BRASIL, 1954)
E assim estes auxílios permaneceram até a década de 1960, quando ocorreu a
instituição da Lei Orgânica da Previdência Social (LOPS), promulgada em 26/01/1960 (Lei
3.807), voltou-se a fazer referência ao auxílio maternidade e auxílio funeral.
O auxílio maternidade passou, a partir de então, a ser chamado auxílio natalidade
(terminologia utilizada até os dias atuais), a legislação não trouxe apenas a mudança de
nomenclatura, mas ampliou o acesso, quando passou a considerar outros dependentes do
segurado. A partir da LOPS tinha direito a este auxílio, além da esposa do segurado, a filha ou
a irmã, maior de idade, solteira, viúva ou desquitada, ou ainda alguém designada pelo
beneficiário, desde que esta pessoa estivesse sob sua dependência econômica. A exigência
estabelecida era de que houvesse no mínimo doze contribuições ao seguro social da pessoa
designada, além de sua inscrição no regime previdenciário no mínimo trezentos dias antes do
parto, conforme descrevia o artigo 33:
Art. 33. O auxílio-natalidade garantirá, após a realização de doze (12) contribuições mensais, à segurada gestante, ou segurado, pelo parto de sua esposa ou companheira não segurada, ou de pessoa designada na forma do item II do artigo 11, desde que inscrita pelo menos 300 (trezentos) dias antes do parto, uma quantia, paga de uma só vez, igual ao salário-mínimo vigente na localidade de trabalho do segurado. (LEI ORGÂNICA DA PREVIDÊNCIA SOCIAL, BRASIL, 1960)
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A LOPS também instituiu mudanças em relação ao auxílio funeral, que passou de um
para dois salários mínimos, sendo destinados aos dependentes do segurado falecido ou a quem
executasse o funeral, desde que comprovadas as despesas, conforme descrevia seu artigo 44:
Art. 44. O auxílio-funeral, cuja importância não excederá de duas vezes o salário mínimo da sede de trabalho do segurado, será devido ao executor do funeral. Parágrafo único. Se o executor for dependente do segurado, receberá o máximo previsto no artigo. (LEI ORGÂNICA DA PREVIDÊNCIA SOCIAL, BRASIL, 1960)
O horizonte da LOPS, além de organizar e orientar a previdência social no país, era,
também, unificar os diversos Institutos de Aposentadorias e Pensões (IAPs) existentes desde
1930, de modo que passasse a haver uma legislação única que os orientasse, pois até o
momento cada IAP funcionava conforme suas determinações específicas. Em outras palavras,
a LOPS propunha padronizar os benefícios previdenciários concedidos. No entanto, a
unificação destes Institutos só ocorreu, de fato, em 1966, ou seja, seis anos após a
promulgação da Lei Orgânica da Previdência Social. Por meio do Decreto-Lei nº 72 de 21 de
novembro de 1966, estabeleceu-se o Instituto Nacional de Previdência Social – INPS – o qual
passou a coordenar e administrar os Institutos então existentes de modo unificado.
Além disto, a LOPS imprimiu um contexto de ampliação ao acesso destes benefícios,
pautado na perspectiva da universalidade, embora orientado pela lógica do seguro social, e
tendo o salário mínimo como base e referência.
Tratava-se, portanto, esse rol de medidas introduzidas na LOPS, de relativos avanços no esquema de proteção social brasileiro que não obstante ancorado na tradição contratual do seguro social, guiava-se pelo princípio da universalidade, no âmbito do sistema, e inaugurava a extensão ou o alargamento do leque de dependentes beneficiários, assim como do valor do pagamento dos auxílios, que tinha como parâmetro básico o salário mínimo. (PEREIRA, 2002, b, p.120)
Outros marcos históricos configuravam este contexto e imprimiram mudanças,
conquistas e desafios junto à trajetória da proteção social no país, aqui em destaque: em 1963
foi criado o Fundo de Assistência ao Trabalhador Rural (FUNRURAL); a Lei Complementar
nº 07 (instituída em 07/09/1970) criou o Programa de Integração Social (PIS) e a Lei
Complementar nº 08 (de 03/12/1970) promulgou o Programa de Formação do Patrimônio do
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Servidor Público (PASEP). Houve, ainda, em 1974, o desmembramento do Ministério do
Trabalho e da Previdência Social, com a criação do Ministério da Previdência e Assistência
Social (MPAS), nela inscrita a Secretaria de Assistência Social. Concomitantemente, criou-se
a empresa responsável pelo processamento de dados da previdência social (DATAPREV). Na
sequência, instituiu-se, em 1977, por meio da Lei nº 6.439 (01/09/1977), o Sistema Nacional
de Assistência e Previdência Social (SINPAS), órgão subordinado ao Ministério da
Previdência e Assistência Social, cuja importância constituiu em administrar os benefícios da
previdência e assistência social.
Algumas autarquias e entidades integravam o SINPAS: Instituto Nacional de
Previdência Social (INPS); Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social
(INAMPS); Fundação Legião Brasileira de Assistência (FLBA); Fundação Nacional do Bem-
Estar do Menor (FUNABEM); Empresa de Processamento de Dados da Previdência Social
(DATAPREV); Instituto de Administração Financeira da Previdência e Assistência Social
(IAPAS) e a Central de Medicamentos (CEME).
No entanto, a integração deste sistema não foi completa e uniforme, conforme se
verifica na Lei nº 6.439 de 01/09/1977, a qual institui o Sistema Nacional de Previdência e
Assistência Social (SINPAS):
Art. 2º São mantidos, com respectivo custeio, na forma da legislação própria, os regimes de benefícios e serviços dos trabalhadores urbanos e rurais, e dos funcionários públicos civis da União, atualmente a cargo do Instituto Nacional de Previdência Social - INPS, do Fundo de Assistência ao Trabalhador Rural - FUNRURAL e do Instituto de Previdência e Assistência dos Servidores do Estado – IPASE. (Brasil, 1977, p. 01)
Ou seja, instituiu-se um Sistema Nacional para administrar os benefícios e serviços do
MPAS, no entanto, a finalidade de conceder e manter os benefícios e a prestação de serviços,
custear as atividades e os programas e gerir financeiramente, administrativamente e
patrimonialmente, possuíam um alcance limitado.
Em contribuição a esta abordagem, Carbone (1994, p. 31) acrescenta que:
A ampliação da cobertura previdenciária foi ocorrendo paulatinamente, como por exemplo: em 1967, com a integração ao INPS dos seguros relativos a acidentes de trabalho, em 1971; com a criação do PRORURAL, destinando-se fundos específicos (FUNRURAL) para sua manutenção e estendendo ao trabalhador rural a Previdência Social; em 1972, com a Lei nº. 5.859, de 11-12-72, estendendo às empregadas domésticas os benefícios da Previdência Social; e, em 1973, com a Lei nº. 5.850, de
69
08-06-73, com a extensão dos benefícios aos trabalhadores autônomos [...] Em 1974, foi criado o Ministério da Previdência e Assistência Social (MPAS) como parte deste conjunto de reformas e a quem caberia supervisionar o INPS, sendo seu primeiro ministro Nascimento e Silva. A unificação, entretanto, não se fez integralmente, uma vez que permaneceram ainda distintos regimes previdenciários, a saber: o militar, o dos servidores públicos federais, o dos servidores públicos estaduais, o INPS (trabalhador urbano), o dos empregados em poupança e empréstimos e o FUNRURAL (trabalhador rural).
Outra questão atrelada à realidade posta nos é apontada por Pereira (2002 b, p. 140-
141)
No que tange à proteção do capital à custa do trabalho, foi criado o Programa de Integração Social (PIS), em 1970, e, três meses depois, o Programa de Formação do Patrimônio do Servidor Público (PASEP), os quais representavam mais um mecanismo de poupança a serviço da reprodução do capital e da harmonia entre capital e trabalho do que uma tentativa de integração do trabalhador ao desenvolvimento econômico. Ou melhor, com o PIS e o PASEP a política trabalhista deixou de ser uma questão política para transformar-se em um arranjo administrativo calculado.
A ênfase dada a este período foi direcionada às questões de cunho econômico, com um
nítido contraste entre a ilusão do “milagre econômico 28” e a miséria da década de 1980, isto é,
há um empobrecimento da classe média e um processo de miserabilidade dos mais pobres, o
que evidencia a ausência de um mínimo de proteção social institucionalizada.
Em relação ao nosso objeto de estudo, os benefícios eventuais, sua execução enquanto
auxílio natalidade e auxílio funeral permaneceram como prestações asseguradas no âmbito da
previdência social, orientados pela LOPS.
Não houve, na sequência, mudanças significativas referentes à concessão destes
auxílios com a Lei nº 5.890 de 08 de junho de 1973, que alterava a legislação previdenciária e
dava outras providências. Os auxílios natalidade e funeral foram, por mais de duas décadas,
executados desta forma: acessado por meio do vínculo previdenciário, garantido por meio das
condições aqui apresentadas.
28 Milagre Econômico foi o nome dado ao período de extraordinário crescimento econômico (em virtude de reformas oriundas do período anterior e condições internacionais favoráveis) ocorrido no país durante a Ditadura Militar, principalmente entre 1969 a 1973, no governo Médici. Paradoxalmente, mesmo com a ideologia do “Brasil Potência”, suscitado neste período áureo do desenvolvimento brasileiro, houve o aumento da concentração de renda e da pobreza no país.
70
No entanto, aos desprovidos do seguro social, não havia (legalmente) benefícios
instituídos. No mais das vezes, a LBA e alguns órgãos de cunho assistencial prestavam ou
forneciam algum tipo de benefício (tipo eventual) dada à situação apresentada. Era comum (e
talvez ainda seja), por exemplo, o fornecimento do enxovalzinho do bebê às gestantes, tidas
carentes. Do mesmo modo, ocorria o fornecimento de caixão ao falecido, cuja família não
possuísse meios de arcar com o ônus do funeral, entre outros auxílios categorizados em
natalidade ou morte, além de tantos outros ofertados face à situação vulnerável, destinados
diretamente a grande maioria da população, fora do sistema previdenciário.
Com isto, a previdência social ministrava seus benefícios eventuais aos seus segurados
e dependentes, ficando os demais a mercê de auxílios eventualmente fornecidos, quer seja
pelo órgão público (quando disponível), quer seja pela rede de solidariedade, formada por
entidades, pessoas físicas, órgãos religiosos, etc.
A conjuntura neoliberal 29 dos anos noventa do século XX imprimiu mudanças
circunstanciais no país e, consequentemente, na destinação e/ou execução destes auxílios.
Conforme Schneider, apud Draibe (1993, p. 89):
Em lugar de ideologia, os neoliberais têm conceitos. Gastar é ruim. É bom ter prioridades. É ruim exigir programas. Precisamos de parcerias, não de governo forte. Falem de necessidades nacionais, não de demandas de interesses especiais. Exijam crescimento, não distribuição. Acima de tudo, tratem do futuro. Repudiem o passado. Ao cabo de pouco tempo as idéias neoliberais começam a soar como combinações aleatórias de palavras mágicas.
Embora não haja uma descrição única e precisa sobre a teoria neoliberal, em linhas
gerais a descrevemos como a liberdade e a primazia que o mercado exerce sobre o Estado; a
predominância do caráter individual sobre o coletivo e a formulação do Estado Mínimo, isto é,
uma redução deste Estado no que tange ao seu tamanho, ao seu papel e as suas funções, o qual
não deve intervir no ‘livre jogo’ do sistema econômico. Além disto, instituiu-se a quebra das
conquistas dos trabalhadores e o desbaratamento do poder dos sindicatos, permitindo o
rebaixamento salarial e o aumento da competitividade entre os trabalhadores.
29 O neoliberalismo se implanta na Inglaterra com [Margareth] Thatcher no final da década de 1970 e, em seguida, com [Ronald] Reagan, nos Estados Unidos, no começo de 1980. Espalha-se pelo mundo, chegando à América Latina, onde o retorno da democracia política foi acompanhado pelo abandono dos modelos econômicos estatizantes, e alcançou o Brasil em 1989, com [Fernando] Collor [de Mello]. (SERRA, 1993, p. 150).
71
A defesa era em prol a liberdade individual no livre exercício das leis do mercado de
modo a estimular a competitividade e a concorrência. Os gastos sociais com políticas de
proteção social eram considerados algo ‘ameaçador’ aos interesses individuais, pois anulam e
inibem as atividades e as formas de concorrência, conforme defendiam os liberais.
Com base na ideologia neoliberal, as políticas sociais sofreram um redirecionamento
em sua área de atuação, principalmente em suas prioridades. Em linhas gerais, tal
redirecionamento se daria com cortes do gasto social; além da mencionada desativação direta
dos programas sociais. Por último, mas não menos importante, à efetiva redução do papel do
Estado no campo social, uma vez que, “na base de tal ‘redirecionamento’ estava a vontade de
quebrar a espinha dorsal dos sindicatos e dos movimentos organizados da sociedade”
(DRAIBE, 1993, p. 92).
Isto faz com que os benefícios sociais – conquistados como direito social – juntamente
com os programas sociais em geral e mesmo o sistema de seguro social tenham sofrido uma
redução em seu caráter de universalidade e seu enfoque específico de desenvolvimento, tendo
esta responsabilidade sido transferida, quando necessário e/ou possível, à iniciativa privada e
à sociedade civil. Fazia-se necessário, a mando do sistema econômico e da ‘nova’ ideologia
política em vigor, reformar o sistema de proteção social existente, em que a privatização, a
descentralização e a focalização dos serviços eram o pano de fundo de tal reforma.
Com isto, a Lei nº 8.213 de 24/07/1991, que descrevia os “Planos de Benefícios da
Previdência Social” fez jus a essas ‘palavras mágicas’ introduzindo dentro do seguro social
existente o princípio da seletividade e/ou corte de renda para acessar seus benefícios. A partir
deste momento, estes auxílios foram destinados aos segurados que recebiam até três salários
mínimos vigentes na época, conforme descrevia a legislação:
Art. 140 O auxílio-natalidade será devido, após 12 (doze) contribuições mensais, ressalvado o disposto no § 1º, à segurada gestante ou ao segurado pelo parto de sua esposa ou companheira não segurada, com remuneração mensal igual ou inferior a Cr$ 51.000,00 (cinqüenta e um mil cruzeiros). [...] § 2º. O auxílio-natalidade consistirá no pagamento de uma parcela única no valor de Cr$ 5.000,00 (cinco mil cruzeiros). [...] § 6º. O pagamento do auxílio-natalidade ficará sob a responsabilidade da Previdência Social até que entre em vigor lei que disponha sobre os benefícios e serviços da Assistência Social. [...] (LEI nº 8.213, Brasil, 1991, p.45)
72
Em 1991, o salário mínimo vigente era de Cr$ 17.000,00 (dezessete mil cruzeiros). As
mudanças trazidas pela lei de benefícios da previdência social apontavam que somente quem
tinha menos de três salários mínimos, isto é, até Cr$ 51.000,00 (cinqüenta e um mil cruzeiros)
da época, teria direito ao auxílio natalidade. A partir daqui, introduziu-se, dentro de um
sistema universal, princípios de seletividade. Houve também um achatamento do valor
concedido, passando de um salário mínimo para a cota única (mesmo que o pai e a mãe do
recém-nascido fossem assegurados) de cinco mil cruzeiros, o que equivalia a 29,41% do
salário mínimo da época.
Em relação ao auxílio funeral não foi diferente; prevalecia, do mesmo modo, a
referência de até três salários mínimos e a redução do valor do benefício, que passou de dois
salários para apenas um salário mínimo vigente, conforme os dispositivos legais:
Art. 141 Por morte do segurado, com rendimento mensal igual ou inferior a Cr$ 51.000,00 (cinqüenta e um mil cruzeiros), será devido auxílio-funeral, ao executor do funeral, em valor não excedente a Cr$ 17.000,00 (dezessete mil cruzeiros). § 1º. O executor dependente do segurado receberá o valor máximo previsto. § 2º. O pagamento do auxílio-funeral ficará sob a responsabilidade da Previdência Social até que entre em vigor lei que disponha sobre os benefícios e serviços da Assistência Social. (LEI nº 8.213, Brasil, 1991, p. 45)
Havia, nesta época, o entendimento de que se tratavam de benefícios em transição, que
iriam passar para esfera da política de assistência social assim que possível. Tanto que, na Lei
nº 8.213/1991 estes auxílios se encontravam nas disposições finais e transitórias e não no
artigo dezoito, juntos às demais prestações disponíveis aos segurados e dependentes.
Art. 18 O Regime Geral de Previdência Social compreende as seguintes prestações, devidas inclusive em razão de eventos decorrentes de acidente do trabalho expressas em benefícios e serviços: I – quanto ao segurado: a) aposentadoria por invalidez; b) aposentadoria por idade; c) aposentadoria por tempo de serviço; d) aposentadoria especial; e) auxílio-doença; f) salário-família; g) salário-maternidade; h) auxílio-acidente; i) abono de permanência em serviço; II – quanto aos dependentes: a) pensão por morte;
73
b) auxílio-reclusão; III – quanto ao segurado e dependente: a) pecúlios; b) serviço social; c) reabilitação profissional. (LEI nº 8.213, Brasil, 1991, p.11)
Ou seja,
(...) a provisão desses auxílios passou a sofrer restrição à medida que foi se tornando claro que eles transitariam do âmbito da Previdência para o da Assistência. Já durante o processo de regulamentação dos art. 203 e 204 da Constituição Federal (que tratam da Assistência Social), a Previdência foi antecipando cortes na provisão desses auxílios e focalizando sua oferta. (PEREIRA, 2002 a, p. 120)
Em outras palavras, os auxílios operacionalizados pela previdência social passaram a
configurar-se pela lógica da seletividade na garantia ao seu acesso. Além da exigência de
possuir vínculo previdenciário, fazia-se necessário, a partir daquele momento, que o segurado
recebesse proventos de até três salários mínimos, contrariando a universalidade existente
dentro do sistema até então.
Por seletividade ou focalização entende-se aquele princípio que se colocam como antítese ao princípio da universalidade. Alguns estudos, como o da Comissão Econômica para a América Latina – CEPAL30 (1989), apresentam uma proposta de concertação estratégica entre estes dois princípios, defendendo um reforçamento mútuo dentro de uma perspectiva conjuntiva, ao contrário da ótica disjuntiva propugnada pelo Banco Mundial (BIRD). Entretanto, em que pese à atratividade da proposta da CEPAL, o que tem predominado na América Latina, e no Brasil em particular, é o entendimento do BIRD. Assim, ao invés de uma atenção indiscriminada a todos, de acordo com o princípio da universalização, a seletividade ou a focalização defendidas prevêem um atendimento discriminatório, voltado para os setores mais empobrecidos da população ou para a pobreza extrema. Estes princípios restritivos (...) são atualmente a referência mais influente para a alocação do gasto social no sistema de seguridade em quase todo o mundo. (PEREIRA, 2002, b, p. 115)
30 “A Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL) foi criada em 25 de fevereiro de 1948, pelo Conselho Econômico e Social das Nações Unidas (ECOSOC), e tem sua sede em Santiago, Chile. A CEPAL é uma das cinco comissões econômicas regionais das Nações Unidas (ONU). Foi criada para monitorar as políticas direcionadas à promoção do desenvolvimento econômico da região latino-americana, assessorar as ações encaminhadas para sua promoção e contribuir para reforçar as relações econômicas dos países da área, tanto entre si como com as demais nações do mundo. Posteriormente, seu trabalho ampliou-se para os países do Caribe e se incorporou o objetivo de promover o desenvolvimento social e sustentável.” Informações extraídas do site da CEPAL no Brasil. www.eclac.org/brasil consultado em 30/04/2010.
74
Os auxílios natalidade e funeral mantiveram-se assim (seletivos dentre os segurados
previdenciários) até deixarem de ser operacionalizados, de fato, pela previdência social, o que
ocorreu ainda na década de noventa, quando a recém reconhecida política pública de
assistência social passa a referenciá-los no corpo de sua legislação.
2.2 – Os benefícios eventuais e a Lei Orgânica da Assistência Social
Com a promulgação da LOAS 31, em 1.993, os auxílio natalidade, funeral e Renda
Mensal Vitalícia (RMV) passaram a compor o rol de benefícios socioassistenciais, sob a
denominação de benefícios eventuais e benefícios continuados. Não se trata apenas de uma
mudança de nomenclatura, mas também da desconstrução e redução que essas provisões
sofreram ao migrar para a assistência social. Todavia, ao mesmo tempo foram integradas na
condição de benefícios eventuais a outras coberturas, o que ampliou suas possibilidades de
atenção ao não se limitar somente à concessão de auxílios: natalidade e funeral, o que se
considera paradoxal.
Embora não estejam explicitamente definidos na LOAS, os Benefícios Eventuais constituem, na história da política social moderna, a distribuição pública de provisões materiais ou financeiras a grupos específicos que não podem, com recursos próprios, satisfazerem suas necessidades básicas. Trata-se de um instrumento protetor diferenciado sob a responsabilidade do Estado que, nos termos da LOAS, não tem um fim em si mesmo, posto que se inscreve em um espectro mais amplo e duradouro de proteção social, do qual constitui a providência mais urgente. (PEREIRA, 2010, p. 11)
Face a LOAS, a previdência social (sem justificativas ou argumentos) deixou,
simplesmente, de conceder o auxílio natalidade e auxílio funeral para o qual o trabalhador
formal contribuiu e que vinha sendo reduzido desde 1991 pelo corte salarial. Do mesmo modo,
até hoje eles não foram devidamente fixados no campo da assistência social, isto é, foram
transferidos e tornaram-se esquecidos no conjunto dos municípios brasileiros. Sua trajetória
mostra que são benefícios construídos historicamente e legalmente constituídos em 31 A Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS) foi promulgada em 07 de dezembro de 1993 (cinco anos após a Constituição Federal). No entanto, vale destacar que em 1990, o então Presidente da República – Fernando Collor de Mello – vetou totalmente a primeira versão desta legislação, alegando que sua formatação prejudicaria o orçamento público.
75
legislações, destinados a priori à categoria formal de trabalho e ampliados a posteriori pela
Lei Orgânica da Assistência Social aos usuários e/ou público alvo desta política.
A LOAS foi instituída como a legislação que regulamenta a política pública de
assistência social, a qual estabelece princípios, organização de gestão, as competências dos
entes federados (União, estados, municípios e Distrito Federal), bem como os programas,
benefícios, serviços e projetos de assistência social, modo de financiamento e órgãos de
gestão e controle social. A partir dela, passou-se a fazer referência aos benefícios eventuais
como sendo de competência e responsabilidade dessa política pública. Assim, eles se
apresentam no artigo 22, fazendo referência aos auxílios por natalidade e morte, como se
observa:
Art. 22 Entende-se por benefícios eventuais aqueles que visam ao pagamento de auxílio por natalidade ou morte às famílias cuja renda mensal per capita seja inferior ¼ (um quarto) do salário mínimo. §1º A concessão e o valor dos benefícios de que trata este artigo serão regulamentados pelos Conselhos de Assistência Social dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, mediante critérios e prazos definidos pelo Conselho Nacional de Assistência Social – CNAS. §2º Poderão ser estabelecidos outros benefícios eventuais para atender necessidades advindas de situações de vulnerabilidade temporária, com prioridade para criança, a família, o idoso, a pessoa portadora de deficiência, a gestante, a nutriz e nos casos de calamidade pública. §3º O Conselho Nacional de Assistência Social – CNAS, ouvidas as respectivas representações de Estados e Municípios dele participantes, poderá propor, na medida das disponibilidades orçamentárias das três esferas de governo, a instituição de 25% (vinte e cinco por cento) do salário mínimo para cada criança de até 6 (seis) anos de idade, nos termos da renda mensal familiar estabelecida no caput. (LOAS, 1993)
De acordo com Pereira (2010), a Lei Orgânica, em seu artigo 22, prevê três tipos de
Benefícios Eventuais: os compulsórios, sendo estes os auxílios natalidade e auxílio funeral
destinados às famílias com renda per capita de até ¼ do salário mínimo; os benefícios de
caráter facultativo, instituídos conforme as necessidades oriundas das situações de
vulnerabilidade social e calamidade pública; e os chamados benefícios subsidiários, descritos
no § 3º do art. 22, como provisão às crianças de até seis anos de idade. Destes, Pereira (2010)
aponta que, somente os benefícios subsidiários não deveriam compor o campo de atenção por
parte dos benefícios eventuais. Na realidade, enquadravam-se (e enquadram-se) muito mais na
atenção continuada, conforme previa o primeiro Projeto de Lei 32 que norteou a elaboração da
LOAS, o qual entendia a criança em processo continuo de desenvolvimento.
32 Trata-se do PL 3099/89 de autoria do deputado Raimundo Bezerra, cuja matriz foi, na realidade, elaborada pelo NEPPOS/UnB e IPEA.
76
A concessão destes auxílios pela assistência social se deu, a partir de então, pelo corte
de renda “até ¼ do salário mínimo”, o que, de início, reconhece-se como uma perda para a
sociedade na garantia e acesso aos seus direitos, pois no aparato previdenciário estes
benefícios se destinavam ao conjunto de segurados, tendo sido, num segundo momento,
destinados a um grupo específico de beneficiários. Esta focalização precisamente posta na
LOAS limitou o acesso e dificultou a regulamentação dos benefícios, conforme acrescenta
Pereira (2010, p. 18), pois,
Induziu, automaticamente, a focalização desses benefícios na pobreza extrema – ao contrário do que acontecia quando integravam a Previdência – ratificando, assim, a ideia equivocada de que a assistência social tem estreita relação com a indigência. Por isso, não é de estranhar o progressivo rebaixamento do valor dos benefícios por natalidade e morte e de sua focalização na pobreza extrema, tão logo foi anunciado que eles sairiam da esfera da Previdência para integrar a da Assistência Social. E mais: que deixariam de ser contributivos para ser distributivos.
De fato a LOAS amplia esses auxílios, não os tratando somente como auxílio
natalidade e como auxílio funeral, o que ocorria quando estes se encontravam sob
responsabilidade da política previdenciária. É garantido em lei que outros benefícios
eventuais possam ser estabelecidos se advindos de situações de vulnerabilidade ou em casos
de calamidade pública. Ao que parece, a dificuldade centra-se na conceituação – do que seja,
ao que e a quem atenda – desses novos contextos reconhecidos.
A LOAS reconhece dois benefícios (ambos oriundos da política previdenciária e
categorizados em eventuais e continuados): os eventuais (artigo 22) e o de prestação
continuada, BPC, (artigo 20), de modo que este último refere-se ao reconhecimento
constitucional do artigo 203 em seu quinto ítem da Carta Magna, que prevê: “[...] a garantia
de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que
comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua
família, conforme dispuser a lei.” (BRASIL, CONSTITUIÇÃO FEDERAL, 1988).
Trata-se de um direito constitucional (assegurado também pela LOAS),
operacionalizado pelo antigo INPS desde a década de setenta do século XX, denominado de
Renda Mensal Vitalícia (RMV) e descrito pela Lei nº 6.179 de 11 de dezembro de 1974, que
instituía o amparo previdenciário para os maiores de setenta anos de idade e para os inválidos,
a cargo do próprio INPS ou do FUNRURAL. Esta atenção se estendeu até 1996, ano em que
passou a vigorar um dos benefícios continuados assegurados pela LOAS, o BPC. Vale
77
lembrar que a regulação deste ficou a cargo da União e que os benefícios eventuais foram
postos sob responsabilidade municipal, estadual e do Distrito Federal. A LOAS assumiu este
direito e descreveu, para tanto, seus critérios e meios de concessão, caracterizando como
idoso o cidadão com 65 anos ou mais; e pessoa portadora de deficiência como aquela
incapacitada de uma vida independente para realizar qualquer atividade, inclusive para o
trabalho.
Este benefício assistencial, assim que posto na LOAS, foi regulamentado pelo Decreto
nº 1.744 de 08 de dezembro de 1995 (que passou por alterações em legislações posteriores
como nas Leis n.º 9.720/1998 e Lei n.º 10.741/2003 e nos Decretos nº 4.712/2003 e nº
6.214/2007), tendo entrado em vigor em 01/01/1996, momento em que a RMV deixou de ser
operacionalizada, isto é, a assistência social passa, a partir dessa data, a responder pela
concessão deste benefício e a previdência social deixa de provê-los. Os auxílios natalidade e
funeral também foram suspensos, mas não foram regulados como a RMV. O Art. 39 do
referido Decreto coloca que: “A partir de 1º de janeiro de 1996, ficam extintos o auxílio-
natalidade, o auxílio funeral e a renda mensal vitalícia.” (DECRETO nº 1.744/95). Na
realidade, os três benefícios foram transferidos da previdência social para assistência social,
mas somente a Renda Mensal Vitalícia foi devidamente regulamentada.
Os Benefícios Eventuais e o Benefício de Prestação Continuada compõem, assim, o
escopo de provisão à atenção básica, transposto na LOAS em benefícios socioassistenciais.
No entanto são distintos, pois “apresentam substanciais diferenças normativas, institucionais,
de financiamento e de competência estatal” (PEREIRA, 2010, p.12):
Quadro 1 – Comparativo entre BPC e BE
Benefício de Prestação Continuada (BPC) Benefício Eventual (BE)
Origem: Previdência Social – Renda Mensal Vitalícia
Origem: Previdência Social – Auxílio Natalidade e Auxílio Funeral
Responsabilidade da União Responsabilidade municipal, estadual e do Distrito Federal
Valor definido Provisão indeterminada Previsto na CF/88 e LOAS/93 Previsto na LOAS/93 Regulação pela União Regulação municipal, estadual e Distrito Federal Atenção: Idoso acima de 65 anos e pessoa portadora de deficiência
Atenção: Auxílio natalidade, auxílio funeral, vulnerabilidade temporária e calamidade pública
Corte de renda: fixo em per capita familiar de ¼ do salário mínimo vigente.
Corte de renda variável em per capita familiar de ¼ do salário mínimo vigente.
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Além disto, “a provisão isolada do BPC, como vem ocorrendo, sem a coadjuvância
dos benefícios eventuais e sem a relação otimizadora com os serviços, programas e projetos
de assistência, torna-se frágil e insuficiente como medida de atenção à pobreza.” (PEREIRA,
2002, a, p.1 114)
A Constituição Federal de 1988, após vinte e quatro anos de regime militar, foi
promulgada como o documento à liberdade, à democracia e à justiça social, conforme Ulysses
Guimarães, relator desse documento. Por isso, pautou-se em princípios como a
descentralização político-adminstrativa e participação da sociedade brasileira, dividindo
responsabilidade e reconhecendo as competências dos entes federados: Município, Estado,
União e Distrito Federal. Ou seja, a partir da CF/88, se reconheceu a autonomia de cada esfera
pública no cumprimento dos preceitos legais, após um período de 24 anos de centralização na
esfera federal. É possível, conforme defende Pereira (2010) que seja em virtude dessa
descentralização que os benefícios eventuais ficaram a cargo dos municípios, dos estados e do
Distrito Federal, enquanto o BPC, antiga RMV, ficou sob incumbência da União.
Além disto, entende-se tratar de provisão que, pelo caráter eventual e dada sua
urgência e emergência de atenção, estariam mais próximos do cotidiano dos cidadãos
brasileiros e justamente por isso deveriam estar regulados, pois “não se trata mais de praticar
a caridade diante dos infortúnios ou calamidades sofridos [...], mas de prever e programar
respostas políticas consistentes para fazer frente, como dever de cidadania, a esses
acontecimentos”. (PEREIRA, 2010, p. 14)
O mesmo deveria ter ocorrido com os benefícios eventuais também presentes no corpo
da LOAS, posterior regulamentação em território nacional e continuidade de atenção no
acesso a esses benefícios, de modo a não prejudicar ou cessar a atenção, principalmente
durante a transição de uma política para outra, conforme prevê o inciso 1º do Art. 40 da
LOAS: “A transferência dos beneficiários do sistema previdenciário para a assistência
social deve ser estabelecida de forma que o atendimento à população não sofra solução de
continuidade.” (BRASIL, LOAS, 1993). Face a isso, Pereira (2010, p. 18) acrescenta que:
Contra todas as prescrições éticas e preceituações legais relacionadas à matéria, a distribuição desses benefícios foi sustada sem nenhuma explicação, comoção social ou aplicação de penalidades. Simplesmente, a política de Previdência deixou de provê-los, em 1996, tão logo o BPC foi regulamentado, e a política de Assistência – cuja atenção majoritária centrou-se neste Benefício – postergou-se de forma injustificada a sua regulamentação para a devida operacionalização. Enquanto isso, vários cidadãos antes contemplados com os auxílios natalidade e funeral da Previdência Social foram excluídos do seu acesso; e, outros tantos, que deveriam ser
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contemplados com esses e outros auxílios eventuais, no contexto da Assistência Social, estão sendo, por mais de uma década, lesados em seus direitos e desasistidos em suas legítimas necessidades.
Ou seja, não deveriam ter havido cortes na atenção durante o translado de uma política
para outra, o que na realidade ocorreu, nem os cidadãos no campo previdenciário poderiam ter
sido penalizados como foram. Fato é que tais benefícios deixaram simplesmente de ser
ofertados junto ao sistema previdenciário e se soma a isso que, ao irem para a assistência
social, não foram qualificados, formatados e implementados, mas sim esquecidos e tratados à
margem da LOAS. Quando muito são operacionalizados ao acaso, sem nenhum tipo de
regulação que os implementasse de fato, conforme será mostrado no decorrer deste estudo.
2.3 – Os benefícios eventuais posteriores à Lei Orgânica da Assistência Social
A política de assistência social avançou ao reconhecer benefícios enquanto direito
socioassistenciais. Auxílios e benefícios eram concessões presentes, porém não legitimadas.
Desde 1993, quando o auxílio natalidade e auxílio funeral foram trazidos para ao âmbito da
assistência social, sua provisão junto aos municípios tem-se mostrado desregulada.
Embora não estejam explicitamente definidos na LOAS, os Benefícios Eventuais constituem, na história da política social moderna, a distribuição pública de provisões materiais ou financeiras a grupos específicos que não podem, com recursos próprios, satisfazerem suas necessidades básicas. Trata-se de um instrumento protetor diferenciado sob a responsabilidade do Estado que, nos termos da LOAS, não tem um fim em si mesmo, posto que inscreve em um espectro mais amplo e duradouro de proteção social, do qual constitui a providência mais urgente. (PEREIRA, 2010, p. 11)
Algumas iniciativas estatais já se fizeram presente no intuito de regulamentá-los, mas
a situação ainda não se concretizou plenamente. Por mais de uma década estes benefícios
ficaram meio esquecidos, o que contribuiu para que ainda hoje a situação irregular permaneça.
Embora antecipado por algumas iniciativas de regulamentação destes benefícios, foi,
na verdade, a partir de 2006 que se deu maior visibilidade a este assunto, promovendo alguns
avanços rumo à regulamentação desse direito: em atenção ao que a LOAS preconizava no
artigo 22, o Conselho Nacional de Assistência Social (CNAS) editou a Resolução nº 212, em
80
19 de outubro daquele ano e, no ano seguinte, o Governo Federal instituiu o Decreto nº 6.307,
em 14 de dezembro de 2007. Dois documentos importantes e fundamentais que merecem,
aqui, serem analisados e que provavelmente serviram de base à promoção de algumas
regelações ocorridas no país a partir de então.
Os documentos emitidos a nível Federal – a Resolução 212/06 do CNAS e o Decreto
Federal 6.307/07 – foram norteadores e auxiliam os municípios a regulamentar sua situação
na execução e concessão de auxílios e benefícios, em geral operacionalizada ao acaso por
meio dos plantões sociais. Ao que parece, o Governo Federal foi até onde à legislação
permitia, uma vez que, por se tratar de benefícios oriundos das esferas municipais, estaduais e
do Distrito Federal, a União não poderia regulamentá-los, apenas orientá-los. Isto é posto na
própria LOAS quando o artigo 22 diz ser responsabilidade municipal, estadual e distrital sua
gestão e execução.
Ao editar a Resolução 212, o CNAS reconheceu uma de suas competências (postas no
artigo 18 da LOAS) e considerou o benefício eventual como direito garantido em lei e de
longo alcance social. A importância e impacto destes documentos pode ser observada no
Relatório do Levantamento Nacional realizado pelo MDS em conjunto com o CNAS,
realizado em 2009, em que quase 70% dos municípios – dos 1.229 que declaram ter
regulamentado – o fizeram a partir de 2006, o que supõe que estes documentos tenham
servido de base e orientação quanto à sua regulação.
No primeiro levantamento realizado pelo Ministério do Desenvolvimento Social
(MDS) em 2004, por meio da Secretaria Nacional de Assistência Social (SNAS), em 626
municípios de onze estados brasileiros, constatou-se que 65% dos municípios concediam
algum tipo de benefício eventual, dentro de suas possibilidades financeiras e gerenciais, a fim
de atender às contingências sociais existentes, mas estes não estavam necessariamente
regulados.
81
Quadro 2 – Síntese das principais ações a partir da LOAS referente à regulação dos
benefícios eventuais junto aos municípios brasileiros 33
Ano Ações
1993 Instituição na LOAS dos auxílios natalidade e auxílio funeral – Art. 22. Oriundos da política previdenciária foram denominados de benefícios eventuais.
1996 Pesquisa realizada pelo NEPPOS34 e CEAM35 no sentido de conhecer a atual conjuntura desses benefícios no âmbito da política pública de assistência social, encomendada pelo Conselho Federal de Serviço Social (CFESS) buscava auxiliar os debates ocorridos no CNAS.
1996 O CNAS elaborou um documento de trabalho a partir ao art. 22 da LOAS no sentido de orientar suas discussões referente a criação de uma proposta de sua normatização.
1997 Reunião Ampliada no CNAS a fim de avaliar a pesquisa realizada em 1996 e dar encaminhamento rumo a regulação dos benefícios eventuais.
1997 Elaboração da Minuta de Resolução pelo CNAS a fim de regulamentar esses benefícios36 1999 Elaboração pelo CNAS de um documento sobre as referências básicas para a concessão desses
benefícios, no sentido de auxiliar os municípios para sua implementação. 2004 1ª Pesquisa Nacional realizada pelo MDS no sentido de conhecer a implementação dos benefícios
eventuais. Houve a participação de 626 municípios de 11 estados brasileiros 37. 2004 Prestação de consultoria pela Profª Potyara ao Departamento de Benefícios Assistenciais do MDS. 2006 Elaboração pelo MDS da Minuta de Portaria, que resultou no Decreto de 2007. 2006 Promulgação da Resolução 212 pelo CNAS, que propõe critérios orientadores para a regulação da
provisão dos benefícios eventuais no âmbito da política pública de assistência social. 2007 Promulgação do Decreto Presidencial nº 6.307, que dispõe sobre os benefícios eventuais de que de
trata o art. 22 da LOAS. 2009 Instituição da Resolução nº 07 pela CIT, que estabelece procedimentos para gestão integrada dos
serviços, benefícios socioassistenciais e transferências de renda. 2009 Promulgação da Resolução nº 109 do CNAS referente a tipificação dos serviços socioassistenciais.
Nesse documento os benefícios eventuais se encontram na categoria de “serviços de proteção em situação de calamidades públicas e de emergências”.
2009 2ª Pesquisa Nacional realizada pelo MDS e CNAS sobre a implementação dos benefícios eventuais, do qual resultou o “Relatório sobre o Levantamento Nacional dos Benefícios Eventuais”. Nesta pesquisa, buscou-se mapear a situação nacional desses benefícios, houve a participação de 75% dos municípios brasileiros.
A LOAS, ao adotar diretrizes em consonância com a Constituição Federal, entende
que as atribuições são descentralizadas e participativas, isto é, cada órgão federado possui
suas competências e responsabilidades face à garantia da política pública. Isto avança e limita
a regulamentação de um direito, caso dos benefícios eventuais. Avança por respeitar e
33 O fato dos benefícios eventuais não estarem regulados na maioria dos municípios e estados brasileiros não significa que não haja algumas iniciativas no sentido de reverter essa situação. 34 NEPPOS – Núcleo de Estudos e Pesquisa em Política Social – UnB – coordenado pela Profª Drª Potyara. A.P. Pereira 35 CEAM – Centro de Estudos Avançados Multidisciplinares da UnB – diretor: Nielson de Paula Pires. 36 “Essa minuta foi submetida à apreciação da Consultoria Jurídica do Ministério da Previdência e Assistência Social, recebendo, ao mesmo tempo pareceres favoráveis e desfavoráveis. Os favoráveis diziam respeito à definição de prazos pelo CNAS para regulamentação dos Benefícios Eventuais no âmbito dos Conselhos Estaduais, Municipais e do Distrito Federal; mas, os desfavoráveis concerniam à determinação de prazos para o início de pagamento de tais benefícios, dada a autonomia dos entes federados neste aspecto.” (PEREIRA, 2010, p. 21) 37 Participaram desta pesquisa os seguintes estados: Rio Grande do Sul, São Paulo, Rio de Janeiro, Pernambuco, Espírito Santo, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, Pará, Goiás e Maranhão.
82
considerar as especificidades locais e limita em virtude dos impasses locais de ordem
econômica, política e social, entre outros, que dificultam sua execução. Em relação às
competências referente a esses auxílios, a LOAS aponta que:
Art. 13 – Compete aos Estados: I – destinar recursos financeiros aos Municípios, a título de participação no custeio do pagamento dos auxílios natalidade e funeral, mediante critérios estabelecidos pelos Conselhos Estaduais de Assistência Social; [...] Art. 14 – Compete ao Distrito Federal: I – destinar recursos financeiros para o custeio do pagamento dos auxílios natalidade e funeral, mediante critérios estabelecidos pelo Conselho de Assistência Social do Distrito Federal; [...] Art. 15 – Compete aos Municípios: I – destinar recursos financeiros para custeio do pagamento dos auxílios natalidade e funeral, mediante critérios estabelecidos pelos Conselhos Municipais de Assistência Social; II – efetuar o pagamento dos auxílios natalidade e funeral; [...] (LOAS, 1993)
A descentralização político-administrativa trazida pela CF/88 implicou distribuição de
responsabilidades e deu certa autonomia a cada órgão federado no trato da gestão de políticas
públicas. Com isto, ficou na esfera dos municípios, estados e Distrito Federal a qualificação
dos benefícios eventuais que seriam atendidos no âmbito da política pública de assistência
social.
As orientações trazidas pela Resolução 212/06 terminaram por estimular de fato o
debate rumo à concretização deste direito ao operacionalizar os dispositivos da Lei Orgânica,
Além disto, o documento buscou definir benefícios eventuais e delimitar seu conteúdo,
porque a ampliação trazida a partir da LOAS requereu conteúdo posterior e qualificação que
imprimissem uma diretriz à sua regulação, já que alargou o campo de atenção, não os
limitando aos auxílios natalidade e funeral, como era na previdência social.
No documento emitido em 2006, entendem-se os benefícios eventuais como “uma
modalidade de provisão de proteção social básica de caráter suplementar e temporário que
integra organicamente as garantias do Sistema Único de Assistência Social (SUAS), com
fundamentação nos princípios de cidadania e nos direitos sociais e humanos” (Art. 01,
Resolução nº 212/2006)
O documento descreve, ainda, a quem os benefícios eventuais previstos na LOAS se
destinam:
83
Art. 3º O benefício eventual destina-se aos cidadãos e às famílias com impossibilidade de arcar por conta própria com o enfrentamento de contingências sociais, cuja ocorrência provoca riscos e fragiliza a manutenção do indivíduo, a unidade da família e a sobrevivência de seus membros. (Resolução nº 212/2006)
Do mesmo modo, definir o que são contingências sociais dá base para determinar ou
delimitar o campo de ação deste direito no âmbito da política de assistência social, isto é,
deve-se prestar auxílio ao cidadão face à situação de contingência social, a qual pode levar ao
risco, de modo que isto ocorra dentro da política pública de assistência social.
Etimologicamente o termo contingência deriva do latim contingentia e traduz um fato
possível, porém incerto; é a possibilidade de que algo aconteça ou não. De acordo com o
dicionário Houaiss (2001) significa eventualidade; já social, refere-se à sociedade, à ordem
social. Com isto, presume-se que contingência social seriam as eventualidades ocorridas ou
oriundas na sociedade em razão de algum fato ou acontecimento que pode vir a ocorrer (seria
uma possibilidade, uma previsão).
Esta possibilidade que busca definir contingência termina por associar-se ao termo
eventual. Talvez por isso buscaram-se definir, desde a LOAS, os benefícios eventuais como
aqueles destinados a atender ao conjunto de eventualidades, possíveis de ocorrer com
qualquer cidadão. Eventual, segundo Houaiss (2001), quer dizer esporádico, ocasional, o que
acontece de vez em quando, isto é, o artigo 22 da LOAS trata de benefícios que
eventualmente podem ocorrem na vida dos cidadãos, como por exemplo, casos de morte e
nascimento.
Alguns destes fatos ou acontecimentos, embora ocasionais no ciclo de vida familiar,
são previsíveis de ocorrência. Cada município, ao elaborar sua lei referente à implementação
de seus benefícios eventuais, poderia ou deveria fazer uma leitura da realidade vivenciada, a
fim de estimar a incidência na população de algumas destas contingências sociais, o que
ocorreria a partir de um mapeamento local. A Resolução de 212/06 faz jus aos auxílios
natalidade e funeral, propondo sua regulamentação, a qual tem sido postergada há tempos. Ao
se referir a “contingências sociais” não se reduz aos dois benefícios, com isto, os municípios
podem ir além destes auxílios, podem ofertar outros benefícios eventuais próprios à sua
realidade particular.
O contexto sócio-político do Brasil deve ser levado em conta ao se tentar entender
porque destes benefícios não estão até hoje implementados em todo o país, como descreve
84
Sérgio Buarque de Holanda em “O homem cordial” em que relações de compadrio, amizade e
simpatia moldam quase todas as relações sociais num país marcado pelo legado autoritário,
clientelista e patrimonialista.
Este fator pode ter contribuído para a não regulamentação destes benefícios nos
municípios brasileiros: quando não há regulação, pode-se atender quem se quer atender (ou se
indica), como quiser atender (com recursos provenientes ou remanejados), pode ocorrer do
modo que for mais conveniente. Além disto, é sabido que, por vezes, a assistência social
constituiu-se (e ainda se constitui) introduzindo mecanismos de dependência ou de relação de
troca; em outras, usada por políticos descompromissados com a garantia de direitos ao
cidadão. A falta de regulação desta categoria de benefícios dá margem para que a
‘cordialidade’, já descrita por Sergio Buarque de Holanda, seja condutora na concessão destes
benefícios, justamente por não haver clareza, transparência e especificidade de atenção.
A Resolução 212/06 também endossou o critério de renda nos termos da LOAS, isto é,
aqueles com per capita familiar de até ¼ do salário mínimo. Ficou a cargo das esferas
governamentais a possibilidade de ampliar este acesso, não limitando ou focalizando o direito
aos considerados extremamente pobres ou indigentes, uma vez que estes benefícios já foram
reduzidos ao virem para a assistência social. No caso dos auxílios natalidade e auxílio funeral,
estes já vinham sendo focalizados desde a década de noventa, quando ainda se encontravam
no campo previdenciário.
Além disto, trata-se de benefícios com regulação compartilhada entre os municípios e
seus respectivos estados. Não é um ônus a mais para os municípios, como muitas vezes se
interpreta, mas um direito que deverá ser partilhado. Ocorre que, no mais das vezes, os
Estados não se manifestam, esperando dos municípios alguma iniciativa e estes esperam de
alguém alguma ‘ordem’. De qualquer modo, observa-se certa ausência por parte dos Estados
brasileiros, ao contrário do que previa o Art. 15: “O Estado definirá a sua participação no co-
financiamento dos benefícios eventuais junto aos seus Municípios [...]” (Resolução 212,
2006). Entende-se que tal iniciativa possa acontecer a partir do município, por ser o lócus
mais próximo do cidadão, onde se identificam as necessidades, onde o indivíduo busca por
seus direitos. Todavia, nada impede uma qualificação conjunta, mesmo porque trata-se de
uma co-responsabilidade não só no financiamento, mas também na gestão e qualificação
destes benefícios. Ao Governo Federal, por meio do CNAS, conforme prevê o inciso 1º do
artigo 22, coube estabelecer prazos e critérios para que esses benefícios sejam implementados
em todo o país.
85
A Resolução 212/06 estabeleceu estes prazos a fim de estimular, acelerar e fomentar a
regulamentação dessa categoria de benefícios junto aos municípios brasileiros: “A
regulamentação dos benefícios eventuais e a sua inclusão na lei orçamentária do Distrito
Federal e dos municípios dar-se-ão no prazo de até doze meses e sua implementação até vinte
e quatro meses, a contar da data da publicação dessa Resolução.” (ART. 14. RESOLUÇÃO
212/2006).
Este documento foi editado em 2006, e os municípios teriam até 2008 – vinte e quatro
meses –, como prevê a Resolução, para regularizar estes benefícios em seus municípios, o que
de fato não ocorreu plenamente, conforme veremos em nosso próximo capítulo e também no
relatório sobre o Levantamento Nacional dos Benefícios Eventuais realizado pelo MDS e
CNAS, em 2009. A partir disto, a questão posta é: a quem cabe cobrar o não feito? Quem se
responsabiliza pelo não cumprimento da Resolução? Não se organiza a situação desta
provisão e permanece tudo sem nenhuma sanção ou algum tipo de penalidade? Estes prazos
foram simplesmente ignorados na maioria dos municípios brasileiros e os maiores
prejudicados acabaram por ser o cidadão de direito, a ele recai a penalização pela morosidade
ou ausência de execução dos benefícios eventuais.
Em dezembro do ano seguinte (2007), a União lançou mão do Decreto Federal nº
6.307, que dispõe sobre os benefícios eventuais de que trata o Art. 22 da Lei nº 8.742 (LOAS),
de 1993, para tratar sobre princípios, concessão, destino e as competências destes benefícios
perante o SUAS. Assim como a Resolução, este documento buscava fomentar o processo de
regulação dos benefícios eventuais em suas devidas esferas de governo. As orientações
trazidas por estes dois documentos deveriam servir de base para dar início ou continuidade,
conforme o caso, ao processo de execução destes benefícios no conjunto dos municípios,
estados e Distrito Federal.
Tanto o Decreto de 2007 quanto a Resolução de 2006 já nasceram no contexto do
SUAS, em que a provisão deste benefício contribui no sentido de instituir uma política
pública de caráter universal operacionalizada de modo coerente, sintonizado e preciso, dentro
dos princípios e diretrizes construídas pelo SUAS.
Princípios - Supremacia do atendimento às necessidades sociais sobre as exigências de rentabilidade econômica; - Universalização dos Direitos Sociais, a fim de tornar o destinatário da ação da assistencial alcançável pelas demais políticas públicas;
86
- Respeito à dignidade do cidadão, à sua autonomia ao seus direitos a benefícios e serviços de qualidade, bem como à convivência familiar e comunitária, vedando-se qualquer comprovação vexatória de necessidade; - Igualdade nos direitos no acesso ao atendimento, sem discriminação de qualquer natureza, garantindo-se equivalência às populações urbanas e rurais; - Divulgação ampla de benefícios, serviços, programas e projetos assistenciais, bem como dos recursos oferecidos pelo Poder Público e de critérios para sua concessão Diretrizes: - Descentralização político-administrativa, cabendo a coordenação e as normas gerais à esfera federal e a coordenação e execução dos respectivos programas às esferas estadual e municipal, bem como a entidades beneficentes e de assistência social, garantindo o comando único das ações em cada esfera de governo, respeitando-se as diferenças e as características socioterritoriais locais; - Participação da população, por meio de organizações representativas, na formulação das políticas públicas e no controle das ações em todos os níveis; - Primazia e responsabilidade do Estado na condução da Política de Assistência Social em cada esfera de governo; - Centralidade na família para concepção e implementação dos benefícios, programa e serviços. (PNAS, 2004, p.32-33)
Ao se trabalhar a partir destes princípios e diretrizes, buscou-se superar a pulverização
de ações e recursos, fortalecendo a assistência social enquanto responsabilidade estatal e
como política de proteção social.
No Decreto nº 6.307/07 coube à União caracterizar os possíveis benefícios eventuais.
Neste sentido, o Art. 1º estabelece que se trate de “[...] provisões suplementares e provisórias,
prestadas aos cidadãos e às famílias em virtude de nascimento, morte, situações de
vulnerabilidade temporária e de calamidade pública.” (BRASIL, DECRETO
PRESIDENCIAL nº 6.307, 2007). De modo que estes benefícios integrariam as seguranças
previstas no Sistema Único da Assistência Social.
De acordo com a Política Nacional de 2004, a proteção social afiançada deve garantir
segurança de sobrevivência (de rendimento e de autonomia), de modo que todo cidadão tenha
uma forma monetária de assegurar sua própria sobrevivência. Sua provisão se dá pelo acesso
às necessidades básicas como alimentação, vestuário, abrigo, entre outras; segurança de
acolhida, em casos de separação familiar ou ausência de qualquer tipo de vínculo, oriunda das
mais diversas situações: destituição, violência, desastres ou acidentes naturais etc. e, por fim,
garantia à segurança de convívio ou de vivência familiar, supondo que as pessoas vivem em
grupos e necessitem manter estas relações; supõe a não aceitação da perda de relações.
Nota-se que tal definição, em consonância com a Resolução 212/06 e a própria LOAS,
busca delimitar e caracterizar o conjunto dos benefícios eventuais: casos de morte (auxílio
funeral); nascimento (auxílio natalidade); vulnerabilidade social e calamidade pública.
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É amplo, de fato, o entendimento de vulnerabilidade temporária. Segundo Houaiss
(2001) vulnerável é alguém suscetível de ser ferido, ofendido etc. Portanto, os benefícios
eventuais deveriam atender as situações em que houvesse perdas (privação de bens e de
segurança material), danos (agravos sociais e ofensas) e risco (ameaça de sérios padecimentos)
face a algum sofrimento. Esta definição complementa os preceitos da Resolução 212 e da
LOAS, entendendo que se trata de um campo de benefícios acionados face às emergências
eventuais que surgem no cotidiano do cidadão. O Decreto aponta seu entendimento e orienta o
que poderia compor as situações de vulnerabilidade temporária posta como condição de
atenção por parte da política de assistência social:
Art. 7º A situação de vulnerabilidade temporária caracteriza-se pelo advento de riscos, perdas e danos à integridade pessoal e familiar, assim entendidos: I – riscos: ameaça de sérios padecimentos; II – perdas: privação de bens e de segurança material; e III – danos: agravos sociais e ofensa. Parágrafo único: Os riscos, as perdas e os danos podem ocorrer: I – da falta de: a) acesso a condições e meios para suprir a reprodução social cotidiana do solicitante e de sua família, principalmente a de alimentação; b) documentação; e c) domicílio; II – da situação de abandono ou da impossibilidade de garantir abrigo aos filhos; III – da perda circunstancial decorrente da ruptura de vínculos familiares, da presença de violência física ou psicológica na família ou de situações de ameaça à vida; IV – de desastres e de calamidade pública; e V – de outras situações sociais que comprometam a sobrevivência. (DECRETO 6.307/2007)
Os municípios, estados e Distrito Federal ficaram com a incumbência de melhor
qualificar quais seriam estas atenções. No caso, quais seriam, possivelmente, estas perdas,
danos e riscos, identificadas a partir da realidade local. O Decreto nº 6.307/07 aponta
genericamente, mesmo porque se tratam de benefícios oriundos da realidade do cidadão,
identificados a nível municipal, estadual e distrital. Também ficaram a cargo destas esferas
governamentais delimitarem sua atuação referente às chamadas calamidades públicas, uma
vez que há municípios que sofrem em períodos de chuvas ou em períodos de secas e com isto
poderiam descrever a atenção dada aos cidadãos diante destas ocorrências, de modo que, o
acesso ao benefício se desse pela via do direito, não pela via do acaso.
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[...] Para fins deste Decreto, entende-se por estado de calamidade pública o reconhecimento pelo poder público de situação anormal, advinda de baixas ou altas temperaturas, tempestades, enchentes, inversão térmica, desabamentos, incêndios, epidemias, causando sérios danos à comunidade afetada, inclusive à incolumidade ou à vida de seus integrantes. (BRASIL, Art. 8º PARAGRAFO ÚNICO, DECRETO 6.307/2007)
Esta legislação reforça o artigo 22 da LOAS, quando chama os auxílios natalidade e
funeral de benefícios eventuais. Isto é, são aqueles oriundos de situações imprevisíveis,
incertas, acidentais, ocasionais ou eventuais, ocorridas no cotidiano do cidadão.
Quando o Decreto nº 6.307/07 e a Resolução 212/06 dizem se tratar de situações
suplementares e provisórias aqueles cobertos pelo benefício eventual, termina por afirmar que
estes benefícios devam atender, suprir ou compensar a deficiência de alguma coisa, o que se
daria de modo temporário e não definitivo: situações imprevisíveis e improváveis oriundas da
ocorrência de morte, de nascimento, do estado de vulnerabilidade e, por fim, da circunstância
de calamidade pública.
São questões que ficariam a cargo de cada esfera pública delimitar e conceituar, de
modo a respeitar as especificidades de cada realidade, o que se daria por meio dos respectivos
conselhos de assistência social – municipal, estadual e do Distrito Federal.
Estas definições contribuem para assegurar e qualificar como direito as provisões
relativas à política de assistência social. É comum a assistência social ser chamada para estar
presente face a fatos e questões as mais diversas. No caso, parece que a ela cabe atender um
pouco de tudo, isto é, a existência de eventualidade deve ser alvo de atenção, respeitando o
campo de ação de cada política pública, um tipo ‘cada um cuida do seu’. Há, é bem verdade,
eventualidade na política de saúde, política de educação, política de habitação, entre outras
que precisam ser definidas e qualificadas em suas respectivas áreas de atuação, senão, ao que
parece, a política de assistência social cuida do que as demais não cuidam. Isso requer um
necessário, claro e preciso entendimento do que de fato seja incumbência da política de
assistência social. O documento de 2007 faz referência a este fato, dado a sua importância:
“As provisões relativas a programas, projetos, serviços e benefícios diretamente vinculados
ao campo da saúde, educação, integração nacional e das demais políticas setoriais não se
incluem na modalidade de benefícios eventuais da assistência social.” (ART.9º. DECRETO
6.307/2007). Isto delimita área, competência e responsabilidade.
Mesmo em face de tantas imprecisões, a Secretaria Estadual de Assistência e
Desenvolvimento Social (SEADS) incluiu, em 2008, no Plano Municipal de Assistência
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Social do Estado de São Paulo (PMAS) um campo destinado aos benefícios eventuais, em que
os municípios paulistas deveriam descrever sua situação, onde se destaca: se existe
regulamentação no município; como se processa o fluxo de concessão dos benefícios
eventuais; quais são os critérios para acessá-los; como é a forma de concessão destes; qual é
número de usuários do município atendidos por estes; qual é a demanda reprimida; qual é o
tempo de duração do benefício; quem é o responsável na gestão destes benefícios no
município; quais são os benefícios eventuais oferecidos no município e, por fim, quais os
recursos financeiros disponibilizados para este fim 38.
As legislações e normativas instituídas até então demandaram um grande esforço para
dar mais conteúdo, concretude e precisão aos benefícios eventuais, pois regulamenta-los e
implementá-los no Brasil passa obrigatoriamente pela necessidade de romper com a incerteza
da provisão. A perspectiva deste direito deve ser universal e estar articulada com os serviços
socioassistenciais e com as demais políticas públicas.
É fato que as várias iniciativas e normatizações descritas aqui foram importantes, mas
não suficientes para que os benefícios eventuais fossem realmente regulados no conjunto dos
municípios brasileiros. O fato de ser um benefício eventual não retira a obrigatoriedade de ser
devidamente articulado com os serviços e as outras políticas públicas e ser operacionalizado a
partir dos princípios e diretrizes do SUAS. Tal perspectiva normatizadora parece colocar-se
em contraponto a um beneficio executado historicamente de forma fragmentada e dissociado
dos princípios de uma política de proteção social não contributiva. Aqui reside a necessidade
de se fazer entender que ocorrências de contingências sociais, vulnerabilidades sociais e
calamidades públicas merecem respostas e atenção na perspectiva do direito e na
universalidade do acesso, sendo devidamente qualificadas.
A assistência social definiu-se como política há pouco mais de duas décadas. Isto a
rigor quer dizer que só a partir deste momento passou a compor o rol de direitos e
responsabilidades do cidadão e do Estado, bem como a garantir legalmente o que outrora se
concedia ao acaso, como se apresentou no decorrer do primeiro capítulo, em que a concessão
de auxílio endossava a prática da ajuda e da caridade.
A presença persistente do clientelismo e patrimonialismo em nosso país permitem que,
por vezes, a assistência social apresente-se como moeda de troca e/ou barganha política.
Questão esta que o SUAS tenta barrar quando institui uma política com princípios e diretrizes
que enfatizam o direito de cidadania, a participação popular e a responsabilidade estatal.
38 Este formulário nos serviu como base para conhecermos a realidade da área pesquisada, foi adaptado e repassado aos municípios pesquisados. Encontra-se em anexo neste trabalho.
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Há, de fato, desafios na consolidação dos princípios e diretrizes trazidos pelo SUAS. O
Brasil é um país que histórica e culturalmente reproduziu uma assistência social à margem de
outras políticas para minimizar os impactos da questão social. Quebrar este paradigma e
construir uma política de direito é por si só um desafio, principalmente se levarmos em conta
o fato de se tratar de um país com uma das maiores concentrações de renda e uma das maiores
desigualdades sociais do mundo.
Além disto, temos também o desafio de dissolver modelos e práticas ainda existentes
na sociedade que insistem em operar uma assistência social de caráter compensatório e
provisório, tanto por parte de gestores, profissionais, intelectuais e mesmo usuários, que não
vêem a assistência social na perspectiva do direito. Prova disto é a significativa presença de
primeiras-damas, Fundo Social de Solidariedade (no caso do estado de São Paulo), órgãos
mesmo ligados ao Estado, como o Comunidade Solidária, que operam no slogan da ajuda e do
voluntariado desconexos ao status de direito, isto sem falar das diversas campanhas nacionais
que chamam a sociedade a ‘fazer a sua parte’ como, por exemplo, “Criança Esperança”, “Tele
Tom”, entre outras, e, principalmente no meio empresarial, a ideologia da “responsabilidade
social.
Existe, enfim, na sociedade, um conjunto de condições contrárias à emancipação e
consolidação da assistência social enquanto política pública de direito. O fato dos benefícios
eventuais não terem sido plenamente regulamentados até os dias atuais demonstra um dever
estatal parcialmente realizado, isto é, um direito posto, hoje, numa condição marginal.
Ademais, do ponto de vista da gestão das políticas públicas, a não regulamentação dos BEs caracteriza um procedimento politicamente incorreto e traiçoeiro, conhecido como não-ação governamental, porque, paradoxalmente, produz efeitos sociais mais danosos do que qualquer tentativa de intervenção pública. Isso porque, a não-ação, por ser aparentemente inexistente, não é identificada, controlada e avaliada e, por isso, dá margem ao surgimento de ações improvisadas, intuitivas, quando não inconseqüentes ou até oportunistas. (PEREIRA, 2010, p.17)
Os vários limites no processo de regulamentação deste direito incentivou em vários
municípios, segundo Pereira (2010, p.19) a:
práticas assistencialistas e clientelistas em torno de demandas eventuais, já que, para a satisfação dessas demandas, não existiam normas-padrão regulamentadas e compatíveis com o conteúdo da LOAS e da PNAS-SUAS. Em decorrência, não é
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casual que a prática da concessão dos Benefícios Eventuais venha apresentando as seguintes tendências: cada governo municipal os concebem, denominam, provêem e administram, de acordo com o seu entendimento, valendo-se quase sempre do senso comum para, dentro de suas possibilidades financeiras e gerenciais, atender contingências sociais prementes. Tem-se, assim, num espaço não desprezível de participação da Assistência Social como política pública e direito de cidadania a condenável prática do assistencialismo que, além de desafiar os recentes avanços no campo assistencial, vem se afirmando como um não-direito social.
Com o Levantamento Nacional referente aos benefícios eventuais da assistência social,
realizado em 2009, o Ministério do Desenvolvimento Social (MDS), em parceria com o
Conselho Nacional de Assistência Social (CNAS) buscaram conhecer a realidade vivenciada
pelos municípios brasileiros. O formulário continha questões referentes à regulação, a
operação e a prestação desses benefícios, tendo sido respondido por 4.174 municípios, do
total de 5.564 existentes, o que representa cerca de 75% dos municípios do país, percentual
significativo, o que pode indicar interesse na temática diante da atual situação.
Além disto, esta pesquisa almejava repensar os avanços e desafios ainda presentes
quanto ao fato deste direito encontrar-se como tal perante ao Sistema Único de Assistência
Social (SUAS), tendo por base a LOAS e as legislações subseqüentes.
A análise dos dados aponta a importância da regulação do benefício eventual como
parte integrante de um conjunto de proteções afiançadas pela política de assistência social,
que visa operar serviços, programas, projetos e benefícios com financiamento garantido,
operações permanentes e formas de acesso e concessão claras e transparentes, conforme será
mostrado no capítulo seguinte.
Ainda em 2009, foi editado o Protocolo de Gestão Integrada de Serviços e Benefícios
do SUAS, promulgado pela Comissão Intergestora Tripartite (CIT) 39, chamado Resolução
CIT nº 07, de 10 de setembro de 2009. Tratou-se de instituir um documento cuja gestão seja
integrada entre os serviços, benefícios e transferências de renda no âmbito do Sistema Único
de Assistência Social (SUAS). O Protocolo de gestão é uma orientação padronizada que visa
nortear a estrutura de funcionamento; nesse caso se faz referência à integração entre os
serviços e benefícios executados pela política de assistência social. 39 A Comissão Intergestora Tripartite – CIT é um espaço de articulação entre os gestores (federal, estaduais e municipais), objetivando viabilizar a Política de Assistência Social, caracterizando-se como instância de negociação e pactuação quanto aos aspectos operacionais da gestão do Sistema Descentralizado e Participativo da Assistência Social. As denominadas Comissão Intergestores Tripartite (CIT) e Comissão Intergestores Bipartite (CIB), têm caráter deliberativo no âmbito operacional na gestão da política. A CIT é constituída pelas três instâncias gestoras do sistema: a União, representada pela então Secretaria Nacional de Assistência Social (SNAS), os estados, representados pelo FONSEAS e os municípios, representados pelo CONGEMAS. Informação extraída do site:www.mds.gov.br/suas/departamento-de-gestao-do-suas/comissao-intergestores-tripartite-cit+CIT Acesso em 30 de maio de 2010.
92
A CIT faz algumas considerações quando edita este documento. Parte do pressuposto
de que às famílias inseridas nos diversos Programas de Transferência de Renda, bem como
beneficiárias do Benefício de Prestação Continuada (BPC) sejam o foco desta articulação e
atenção especial: referindo-se prioritariamente aos beneficiados pelo Programa de Erradicação
do Trabalho Infantil (PETI), Programa Bolsa Família (PBF), ProJovem, Benefícios Eventuais
e o BPC. Do mesmo modo, deve-se priorizar a atenção às famílias que não cumprem as
condicionalidades (ou contra-partidas) dos respectivos programas inseridos.
O Protocolo de Gestão da CIT nº 07 estabelece procedimentos para que haja uma
gestão integrada entre os benefícios, serviços e transferências de renda, em consonância ao
SUAS, entendendo que o acesso ao benefício deva estar associado à oferta de serviços
(Art.1º). Em outras palavras, os benefícios concedidos devem estar associados aos serviços
socioassistenciais ofertados.
Esta articulação se apóia na “co-responsabilidade entre os entes federados”, de modo
que a União, os estados, os municípios e o Distrito Federal são responsáveis pela integração
entre serviços e benefícios. Outra diretriz se refere às próprias seguranças já afiançadas na
Política Nacional de Assistência Social (PNAS). Seguranças de convivências, acolhida e
rendimento, devendo a família ser o foco da atenção.
Com a aprovação da Tipificação dos Serviços Socioassistenciais 40, Resolução nº 109,
de 11 de novembro de 2009, o CNAS buscou organizar os serviços operacionalizados pela
política de assistência social por níveis de complexidade dentro do SUAS. Neste documento,
os benefícios eventuais são alocados na categoria “Serviços de proteção em situações de
calamidades públicas e de emergências”.
Com isto, os objetivos que embasam esta articulação se referem aos procedimentos
que assegurem, de fato, a prioridade nos serviços socioassistenciais às famílias beneficiárias
da política de assistência social, cujo intuito é fortalecer os vínculos familiares e comunitários.
Assim, como se pode observar, há um conjunto de iniciativas que buscam incentivar a
regulação dos benefícios eventuais junto aos municípios brasileiros. Estas iniciativas trazem
conquistas e desafios, conforme será tratado no próximo capítulo.
40 Os serviços socioassistenciais passam, com base nesta tipificação, a ser dividido por níveis de complexidade, de acordo com a política nacional de assistência social (PNAS) de 2004. Assim, se prevê: serviços de proteção social básica; serviços de proteção de média complexidade; serviços de proteção de alta complexidade.
93
CAPÍTULO III
3. OS BENEFÍCIOS EVENTUAIS NA PRÁTICA: ESTUDO DE UMA
REALIDADE
A proposta deste capítulo é conhecer como o objeto de estudo – os benefícios
eventuais – se encontram na realidade: sua execução, conhecimento e implementação. A
análise centra-se na Divisão Regional de Assistência e Desenvolvimento Social (DRADS)
Mogiana, órgão descentralizado instituído pela Secretaria Estadual de Assistência e
Desenvolvimento Social (SEADS) no intuito de melhor gerir e administrar a política pública
de assistência social, dada a grandiosidade do Estado de São Paulo, com seus 645 municípios.
A DRADS Mogiana é composta por vinte municípios, a saber: Aguaí, Águas da Prata,
Caconde, Casa Branca, Divinolândia, Espírito Santo do Pinhal, Estiva Gerbi, Itapira, Itobi,
Mococa, Mogi Guaçu, Mogi Mirim, Santa Cruz das Palmeiras, Santo Antonio do Jardim, São
José do Rio Pardo, São João da Boa Vista, São Sebastião da Grama, Tambaú, Tapiratiba e
Vargem Grande Sul.
A pesquisa baseou-se no formulário (Anexo I), no qual, por meio de algumas
perguntas, buscou-se conhecer como estes benefícios são executados e reconhecidos nestes
municípios.
Trata-se de uma pesquisa quanti-qualitativa, em que não se busca apenas conhecer o
número de cidades que regularam ou não os benefícios eventuais; mas, além disto, entender as
relações que se expressam ou interferem no cotidiano dos municípios em questão, que
contribuem ou limitam o reconhecimento de um direito, atualmente ‘esquecido’.
3.1 – A DRADS Mogiana: cenário da pesquisa
A DRADS Mogiana engloba municípios pertencentes à Baixa e Média Mogiana,
região cuja denominação se deu em virtude da estrada férrea que vai desde a cidade de
94
Campinas, na Baixa Mogiana, passa por municípios da Média Mogiana, tais como Casa
Branca, Mogi Guaçu, Mogi Mirim, indo até Ribeirão Preto e Franca, cidades da Alta Mogiana.
Anteriormente à chegada da Estrada de Ferro Mogiana, na segunda metade do século
XIX, a região onde hoje fica a DRADS Mogiana, a nordeste do município de Campinas e no
limite com o Estado de Minas Gerais, teve o início do seu desenvolvimento ainda no século
XVIII com a chegada dos bandeirantes, que utilizavam a região como ponto de parada rumo a
Minas Gerais, Goiás e Mato Grosso, resultando na formação das primeiras vilas e povoados.
As Bandeiras, como ficaram conhecidas às expedições formadas pelos paulistas, tinham como
objetivo a busca de ouro e pedras preciosas, mas, ao mesmo tempo costumavam empreender a
conquista e a escravização dos índios caiapós que viviam nesta região.
Mapa 1 – As DRADS do Estado de São Paulo
Fonte: Material disponibilizado pela Drads Mogiana em 29/07/10
No início do século XIX, a região mantinha-se ainda pouco desenvolvida
economicamente, com uma economia voltada aos produtos agrícolas para subsistência, além
95
de pequena produção de açúcar, que era um pouco mais estruturada. Contudo, foi a partir da
introdução da lavoura cafeeira, na segunda metade do século XIX, que a região passou a ter
um desenvolvimento econômico mais acentuado.
Uma amostra do crescimento proporcionado pelo cultivo do café foi à instalação do
ramal ferroviário da Companhia Mogiana de Estradas de Ferro, o que possibilitou o
incremento do comércio e da produção local, facilitando o intercâmbio econômico e cultural
com as cidades mais desenvolvidas.
A Companhia Mogiana de Estradas de Ferro foi uma empresa ferroviária brasileira,
criada em 1872, com sede na cidade paulista de Campinas. Sua construção se inscreve na
história da expansão da cultura do café em direção ao interior da então Província de São Paulo.
Inicialmente, era um simples prolongamento da ferrovia existente até a cidade de Mogi Mirim
e de um ramal até a cidade de Amparo, com um segmento até a margem do Rio Grande.
Tinha quase dois mil quilômetros de linhas, servindo os Estados de São Paulo e
Minas Gerais. Em 1967 a companhia passou a ser estatal, além disso, assumiu a administração
da Estrada de Ferro São Paulo e Minas e, em 1971, foi incorporada à FEPASA (Ferrovias
Paulista S.A.) 41 , empresa estatal do ramo ferroviário. O último trecho da Mogiana foi
inaugurado em 1921, quando chegou à cidade mineira de Passos.
A Mogiana, desde 1930, em virtude do declínio da produção de café e dos problemas
econômicos oriundos da segunda guerra mundial, já apresentava dificuldades financeiras, as
quais limitavam a prestação de seus serviços. Com isso, passou a ser controlada pelo governo
do Estado de São Paulo a partir de 1952 e, em 1998, esta empresa foi privatizada e não
conseguiu manter o mesmo nível dos serviços prestados até então, principalmente no que
tange ao transporte de passageiros, o que a levou à extinção deste meio de locomoção.
A crise pela qual passou a lavoura cafeeira nos anos 1930, além de ter sido uma das
principais causadoras das dificuldades pelas quais passou a Companhia Mogiana, também
ocasionou transformações no caráter econômico-produtivo da região, que acabou por
abandonar a monocultura do café e passou a diversificar os produtos cultivados. Na segunda
metade do século XX, a industrialização, ainda incipiente até então, passou por um processo
de crescimento, principalmente nas cidades de Mogi Guaçu e Mogi Mirim.
41A Fepasa foi criada em 1971 e era constituída por: Companhia Paulista de Estradas de Ferro, Estrada de Ferro Sorocabana, Estrada de Ferro Araraquara, Estrada de Ferro São Paulo e Minas (desde 1967 sob administração da Companhia Mogiana) e a Mogiana.
96
3 .2 – Perfil dos municípios pesquisados
A DRADS Mogiana possui sua sede no município de São João da Boa Vista, o qual
integra a Região Administrativa de Campinas. Atualmente, os vinte municípios somam pouco
mais de 700 mil habitantes (718.916) distribuídos numa região de 8.103 km².
Apesar da DRADS Mogiana receber esta denominação, ela não abrange todos os
municípios da região Mogiana, pois esta vai desde a região de Campinas, na Baixa Mogiana,
até a região de Franca, na Alta Mogiana. Assim sendo, a DRADS em questão compreende os
municípios pertencentes à Região de Governo de São João da Boa Vista, mais quatro
municípios que se encontram dentro da Região de Governo de Campinas, sendo eles: Estiva
Gerbi, Mogi Guaçu, Mogi Mirim e Itapira.42
Mapa 2 – Região Administrativa de Campinas
Fonte: Instituto Geográfico e Cartográfico. Disponível em: http://www.igc.sp.gov.br/mapras_campinas.htm Acesso em: 01/06/10
42 A Região Administrativa de Campinas é subdivida em sete Regiões de Governo: Campinas, São João da Boa Vista, Bragança Paulista, Jundiaí, Piracicaba, Limeira e Rio Claro.
97
A razão pela qual a DRADS Mogiana se encontra instalada em São João da Boa Vista
foi determinada pelo fato deste município ter sido, até 1987, sede do Governo Regional, que
reunia os dezesseis municípios da Média Mogiana, menos Mogi Mirim, Mogi Guaçu, Estiva
Gerbi e Itapira, que estavam atrelados a Campinas. Com a criação da Região Metropolitana de
Campinas, estes quatro municípios deixaram de pertencer à Região de Campinas e, por
ocasião da criação da DRADS Mogiana, o que ocorreu em 11 de novembro de 2005 43, eles
foram incorporados a esta Diretoria Regional, sendo desta forma constituídos os vinte
municípios que integram esta demarcação.
Antes da criação da DRADS Mogiana, os vinte municípios que a compõe pertenciam a
DRADS Campinas e eram supervisionados pelos Escritórios Regionais de Assistência Social
(ERAS), localizados em São José do Rio Pardo, Casa Branca, São João da Boa Vista e Mogi
Mirim.
Logo de início, propomos conhecer um pouco mais sobre os municípios apresentados:
cultura, geografia, economia e contextualização em geral, de modo a correlacionar seus
respectivos entendimentos quanto ao nosso objeto de estudo.
De acordo com os parâmetros estabelecidos na Política Nacional de Assistência Social
(2004), em relação ao porte dos municípios44, percebemos que a maioria das cidades da
DRADS Mogiana compõe-se de municípios de pequeno porte, sendo oito deles de pequeno
porte I, ou seja, até 20 mil habitantes e seis deles de pequeno porte II, até 50.000. Há quatro
municípios de médio porte e apenas um município – Mogi Guaçu – com mais de 100 mil
habitantes (conforme o quadro 3). Em outras palavras, 70% dos municípios são pequenos,
25% são médios e 5% são de grande porte.
Atualmente, mais de 70% de sua população reside em áreas urbanas. Em relação aos
contingentes populacionais que povoaram esta região, podemos destacar a chegada de
imigrantes europeus, principalmente italianos, espanhóis e portugueses, em função do
crescimento da produção de café, por volta do século XIX. Observa-se, porém, que a região
recebeu um grande contingente populacional, oriundos de diversos lugares do país, nas duas
últimas décadas do século XX, devido ao crescimento e dinamismo econômico da região.
43 Na ocasião foram criadas três Diretorias Regionais de Assistência e Desenvolvimento Social: a Drads Mogiana (cenário deste trabalho); a Drads em Itapeva e a Drads em Dracena. Vale pontuar, que as Drads foram criadas desde a década de noventa, com intuito de irradiar para todo o estado paulista as ações sociais propostas pela secretaria de estado, que já passou por outras denominações. A relação da Drads com os municípios é de supervisão e avaliação do desenvolvimento dos programas e projetos sociais do Estado e dos Municípios, além do monitoramento continuo de toda rede socioassistencial (pública e provada). 44 A PNAS descreve que municípios denominados pequeno porte I são aqueles com até 20.000 habitantes; pequeno porte II compreende entre 20.001 até 50.000; médio porte estão entre 50.001 até 100.000 habitantes; grande porte vai de 100.001 até 900.000 e metrópole acima de 900.000 habitantes.
98
Nesta mesma época, São José do Rio Pardo recebeu o escritor Euclides da Cunha e foi nesta
passagem, que o escritor e jornalista escreveu a sua grande obra, Os Sertões.
Em relação aos aspectos econômico-produtivos, a região possui características
bastante diversificadas, que compreendem desde uma agricultura moderna e mecanizada até
um expressivo parque industrial.
Mapa 2 – Regiões de Governo da Região de Campinas
Fonte: www.cidadespaulistas.com.br Acesso em 10/07/2010.
A maioria dos municípios tem como atividade principal a agricultura e a pecuária; já,
nos municípios de Estiva Gerbi, Mogi Mirim, Itapira, Mococa e São José do Rio Pardo têm-se
o predomínio da agroindústria, enquanto Mogi Guaçu 45 é fortemente marcado pela presença
de industrias complexas, como destaque em papel e celulose, alimentação, metalurgia e
45 Um destaque a este município se dá pela presença da Usina AES Tietê (em Mogi Guaçu), a qual possui um parque de usinas composto por 10 hidroelétricas, tem capacidade instalada de 2,65 mil megawatts (MW) e responde por cerca de 20% da energia gerada no Estado de São Paulo e por 2% da produção nacional.
99
cosméticos. Além disso, destaca-se pela produção agrícola da laranja e do tomate (terceira
cidade na produção estadual); já, São João da Boa Vista e Espírito Santo do Pinhal se
caracterizam por uma economia multissetorial.
O Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) 46 procura analisar não só os aspectos
econômicos de uma população, mas também leva em consideração características sociais,
culturais e políticas, as quais interferem e influenciam na sua qualidade de vida e no seu
desenvolvimento humano. O IDH da região da Mogiana varia entre o maior índice, em São
João da Boa Vista com 0,843 (considerado o 15º do Estado de São Paulo) e o menor, em
Santo Antonio do Jardim, com 0,766. A média registrada no Estado de São Paulo, está em
0,820 e no Brasil, em 0,766 47. Na região Mogiana registra-se um índice médio em torno de
0,799, isto é, acima da média brasileira e abaixo da do Estado paulista.
Todavia, o cálculo do IDH apresenta uma média do desenvolvimento local, o que por
vezes, oculta, camufla ou não identifica suas especificidades, por isso, fazem-se necessárias
avaliações internas dos municípios, a fim de conhecer suas particularidades e contextos
específicos.
O mesmo ocorre ao identificar o Produto Interno Bruto (PIB) 48 per capita da região, a
média é de 14.308, encontrando-se abaixo do PIB per capita médio do Brasil, de 15.205. No
entanto, há municípios cujo PIB per capita encontra-se acima da média nacional e estadual – o
Estado de São Paulo possui o segundo maior PIB per capita, com 22.667. A melhor média da
região encontra-se no município de Mogi Mirim, com 24.002 e o valor mais baixo registrado
está em Santa Cruz das Palmeiras, com 7.690 PIB per capitã 49. No entanto, por se tratar de
uma média, não descreve a distribuição desigual e a concentração de renda existente no país e
vivenciada no cotidiano dos municípios brasileiros.
Em relação aos aspectos políticos, é possível afirmar que se trata de uma região de
centro-direita, uma vez que a maioria das cidades é governada por prefeitos eleitos do PSDB
(oito municípios); DEM (três municípios); PMDB (dois municípios); PV (dois municípios);
46 O IDH foi criado na década de 1990, trata-se de uma medida que visa identificar o desenvolvimento humano de uma população. Seu cálculo baseia-se em três dimensões: o Produto Interno Bruto (PIB) per capita (riqueza), a longevidade (expectativa de vida) e a educação. O índice varia de 0 a 1, quanto mais próximo do 1 melhor o desenvolvimento de um local, quanto mais próximo do 0 pior o desenvolvimento humano local. 47 Dados do Atlas de Desenvolvimento Humano, 2000. Disponível em www.pnud.org.br/atlas Acesso em 01/06/2010. 48 O PIB é um indicar que mede o crescimento econômico de um determinado local, leva-se em conta todo o serviço e bens do lugar. Esse cálculo se aplica no Brasil desde 1948, ano em que foi criado, e desde 1990 fica sob responsabilidade do IBGE sua medição e elaboração. O PIB per capita é o valor total do PIB local dividido entre o número de habitantes locais. 49 Dados do IBGE. Disponível em www.ibge.gov.br/cidades. Acesso em 01/06/2010.
100
PPS, PTB, PP, PMN e PSC (um município cada). Não é estranho observar que Barros
Munhoz – eleito presidente da Câmara Legislativa do Estado de São Paulo para o biênio
2009-2010 – já foi prefeito do município de Itapira por duas gestões, três vezes deputado
estadual e subprefeito de Santo Amaro, na gestão José Serra, em São Paulo. Líder do PSDB
no legislativo paulista realizou várias articulações e contatos políticos nesta região.
Além disto, a região possui algumas peculiaridades: em Tambaú, identifica-se um
expressivo turismo religioso católico em razão de este município compor, junto com
Aparecida (SP), o “Caminho da Fé” (inspirado em Santiago de Compostela, na Espanha)
representado pela junção destes dois pólos religiosos. Em Águas da Prata – um dos onze
municípios paulistas considerados estâncias hidrominerais pelo Estado de São Paulo –
também se encontra um campo turístico significativo, que atrai turistas de várias localidades.
O mesmo se observa em Caconde, que é um dos quinze municípios paulistas considerados
estâncias climáticas, e que por causa disto recebe recurso estadual para promoção do turismo
regional.
Em geral, trata-se de uma região com municípios considerados ‘jovens’, a média de
fundação dá-se em torno de 129 anos. O município de Caconde é considerado o mais antigo,
com fundação datada em 1765, com 245 anos. Já Estiva Gerbi é a cidade mais jovem da
Mogiana, emancipou-se de Mogi Guaçu em 30 de dezembro de 1991 e instalou-se como
cidade em 1993, encontra-se, atualmente, com 17 anos de formação municipal.
3.2 – A pesquisa
A pesquisa realizada junto aos municípios teve por intuito o conhecimento da
operacionalização dos benefícios eventuais. Aqui, irá se conhecer esta realidade, bem como
contrastá-la junto ao Levantamento Nacional realizado pelo Ministério do Desenvolvimento
Social (MDS) junto com Conselho Nacional de Assistência Social (CNAS) em 2009, a fim de,
com isso, mapearmos como este direito se encontra atualmente, tomando por base esta região.
A construção das questões baseou-se no formulário organizado pela Secretaria
Estadual de Assistência e Desenvolvimento Social (SEADS) referente à elaboração do Plano
Municipal de Assistência Social (PMAS). Poucas mudanças foram sinalizadas, apenas, optou-
se por questões mais detalhadas, por entender que dariam melhor visibilidade ao contexto na
região. Assim, o formulário trabalha com questões semi-estruturadas, isto é, pede-se a
101
resposta, mas se permite que o município descreva algo a mais, ou especifique algumas
respostas. São ao todo onze perguntas, sendo que, apenas uma questão é objetiva. Trata-se da
terceira questão, na qual se pede “quais são os critérios para a concessão dos benefícios?” As
demais questões permitem que se acrescentem outras informações nas respostas dadas. A
partir disso, formularam-se nove categorias de debate, distribuídas em: A, B, C, D, E, F, G, H
e I.
Quadro 3 – População, área e formação dos municípios pesquisados
Município População (hab.)
Área (km²)
Fundação Porte (1) IDH Índice SUAS(2)50
Aguaí 32.101 473 1887 Pequeno porte 2 0,786 0,529 Águas da Prata 7.734 143 1935 Pequeno porte 1 0,810 0,578
Caconde 19.304 470 1765 Pequeno porte 1 0,782 0,551 Casa Branca 28.189 866 1814 Pequeno porte 2 0,810 0,579 Divinolândia 11.343 222 1953 Pequeno porte 1 0,788 0,625
Espírito Santo do Pinhal 42.260 390 1849 Pequeno porte 1 0,808 0,657 Estiva Gerbi 9.657 74 1993 Pequeno porte 2 0,794 0,653
Itapira 72.657 518 1820 Médio porte 0,794 0,605 Itobi 7.708 139 1959 Pequeno porte 1 0,782 0,644
Mococa 68.718 854 1871 Médio porte 0,809 0,529 Mogi Guaçu 139.836 813 1877 Grande porte 0,813 0,593 Mogi Mirim 88.373 499 1769 Médio porte 0,825 0,603
Santa Cruz das Palmeiras 33.583 296 1876 Pequeno porte 2 0,796 0,537 Santo Antônio do Jardim 5.785 109 1953 Pequeno porte 1 0,766 0,645 São José do Rio Pardo 53.281 419 1865 Médio porte 0,815 0,593 São João da Boa Vista 83.909 516 1821 Médio porte 0,843 0,597
São Sebastião da Grama 12.990 252 1925 Pequeno porte 1 0,778 0,538 Tambaú 22.575 562 1886 Pequeno porte 2 0,792 0,565
Tapiratiba 12.410 221 1929 Pequeno porte 1 0,792 0,534 Vargem Grande do Sul 39.160 267 1874 Pequeno porte 2 0,802 0,551
Fonte: IBGE, disponível em: www.ibge.gov.br/cidades Acesso em:13/05/2010. 1 – Informações de acordo com as orientações da Política Nacional de Assistência Social (PNAS) 2004. 2 – Informações fornecidas pela DRADS Mogiana em 29/07/10. Trata-se do índice SUAS referente a 2008.
Além disto, o formulário estava endereçado ao responsável por fornecer as
informações buscadas. Algumas vezes, tratava-se do gestor, outras do coordenador da
assistência social no município. A indicação deste responsável ocorreu via telefone em
contato direto com o município. Alguns municípios foram prestativos e responderam ao
50 O Índice SUAS organiza a planilha de recursos da Proteção Social Básica, sua finalidade é de fazer a partilha, a priorização e o escalonamento da distribuição de recursos para o co-financiamento da Proteção Social Básica, por meio de critérios técnicos, priorizando os municípios com maior proporção de população vulnerável (indicado pela taxa de pobreza), menor capacidade de investimento (receita corrente liquida municipal per capita) e menor investimento do Governo Federal na Proteção Social Básica. Para fins de normalização, considerou-se o município com menor taxa de pobreza (melhor situação) como 1 e o aquele com maior taxa de pobreza (pior situação) como 0.
102
formulário rapidamente. Outros, porém, foram pouco receptivos e houve, ainda, quem não
retornasse o contato. Infelizmente, isto acabou por prejudicar a tabulação dos dados, mas, com
as informações conseguidas é possível apresentar o contexto da região em relação à
implementação (ou não) destes benefícios.
De início, o levantamento questionou se havia regulamentação destes benefícios junto
aos municípios brasileiros. Aplicou a questão:
A) Existe regulamentação específica para a concessão dos benefícios eventuais? Se sim, de
que ordem, portaria ou lei? A nomenclatura benefícios eventuais é usada desde quando no
município? Com qual (is) órgão (s) trabalha?
Tabela 1 – Regulamentação dos Benefícios Eventuais junto aos municípios da Região
Mogiana do Estado de São Paulo 51
SIM
NÃO
Itapira Mogi Guaçu
Águas da Prata Aguaí
Casa Branca Divinolândia
Espírito Santo do Pinhal Estiva Gerbi Mogi Mirim
Santa Cruz das Palmeiras Santo Antonio do Jardim São João da Boa Vista São Sebastião da Grama
Tambaú Vargem Grande do Sul
13,3%
86,7%
A Tabela 1 permite observar que 86,7% dos municípios não possuem os benefícios
eventuais regulados, enquanto 13,3% já o regularam, segundo legislação municipal. Mogi
Guaçu relatou que a legislação referente a este direito foi aprovada em 11/12/2009, no entanto
não a disponibilizou, trata-se da lei municipal nº 4583/09, a qual foi obtida junto à Câmara
51 Como cinco municípios não responderam o formulário, o universo da pesquisa passou a ser de 15 municípios.
103
Municipal e se encontra em anexo (Anexo II). A legislação municipal de Itapira data de 2008,
Resolução nº. 04/08 (Anexo III).
Além disto, é possível observar que, embora Mogi Mirim e Estiva Gerbi não possuam
este benefício regulado, eles fazem uso desta nomenclatura ‘benefícios eventuais’. Em Estiva
Gerbi, o uso se dá, segundo informações do próprio município, desde 2006 e, em Mogi Mirim,
este se encontra no “Programa de Atendimento Social de 2007”, referência a esta
denominação, onde se assinala que:
Os Benefícios Eventuais são provisões suplementares e provisórias, prestadas aos cidadãos e às famílias em virtude de nascimento, morte, situações de vulnerabilidade temporária e de calamidade pública. Os critérios serão de acordo com o decreto nº. 6.037 de 14/12/2007 e artigo 22 da Lei nº. 8.742 de 07/12/1993. (PROGRAMA DE ATENDIMENTO SOCIAL, 2007)
No entanto, não há regulamentação municipal, os profissionais orientam-se pelo
“Programa de Atendimento Social de 2007” e pela disponibilidade de recursos disponíveis.52
O Levantamento Nacional realizado em 2009 do MDS e CNAS contou com a
participação de 4.174 municípios, dos 5.564 existentes, isto é, cerca de 75% dos municípios
expuseram suas respectivas realidades referentes à operacionalização dos benefícios eventuais.
Os dados apontaram que 52% dos municípios (2172) possuem estes benefícios
regulados, mas somente 29,4% (1.229) encontram-se em consonância com parâmetros das
legislações legais atualmente existentes. A realidade apresentada pela região da DRADS
analisada neste estudo não é muito diferente, dos quinze municípios que retornaram o
formulário, apenas dois declararam ter este direito efetivamente regulamentado. Em termos de
Estado, istocorresponde a 0,3%, e, em termos de país, temos 0,03% de regulamentação na
Mogiana. Ou seja, a grande maioria das cidades brasileiras (tanto da região Mogiana, quanto
do país como um todo) operam este direito no anonimato, a margem do princípio de direito e
das legislações em vigor. O Levantamento de 2009 discrimina, ainda, a situação em que se
encontram os 4.174 municípios participantes da pesquisa, o que elucida o contexto atual.
Pela Tabela 2, é possível observar o quão é necessário estimular a regulamentação
deste direito junto aos municípios brasileiros, pois desde a LOAS a situação dos benefícios
52 Informação oriunda de observação empírica, uma vez que a autora deste trabalho trabalhou neste município por quatro anos. Em relação ao uso da nomenclatura, é possível que haja o uso desta, mesmo os municípios não a tendo identificado no formulário. Tal afirmação se aponta também em observação empírica ao estabelecer contato com municípios da região.
104
eventuais suscita de apoio e estímulo. Assim, a questão é saber a quem cabe, de fato, este
papel, pois passados quatro anos da Resolução do CNAS (em 2006), e três anos do Decreto
Federal (em 2007) a situação, embora tenha se ampliada 53, não se concretizou plenamente.
Os auxílios natalidade e funeral eram benefícios socioassistenciais herdados da
política previdenciária que na passagem, em 1993, de uma política para outra, simplesmente
deixaram de ser executados. No corpo da LOAS a atenção a estes auxílios seria compulsória,
além disto, o município, ao regulamentá-los, poderia, inclusive, ampliar o foco de atenção.
Tabela 2 – Situação da regulamentação dos benefícios eventuais nos municípios e DF
Tipo de Regulação
Situação
Quantidade
%
Qunatidade
total
% total
Com Regulação
Baseada parcialmente nos parâmetros legais
679 16,3
2172
52% Não se baseia nos parâmetros legais
264 6,3
Em consonância aos
parâmetros legais
1.229
29,4
Sem regulação
Em processo de discussão
748 17,9
2002
48% Não esta
regulamentado, mas há previsão de recurso
990 23,7
Não há regulamentação e nem previsão de
recurso
264 6,3
Fonte: Relatório sobre o Levantamento Nacional dos Benefícios Eventuais, MDS, 2009.
53 O Levantamento Nacional apresentado pelo MDS mostrou ter havido um aumento das regulamentações posteriormente as promulgações da Resolução 212 de 2006 e do Decreto 6.307 de 2007. De modo que, 18,23% (dos 1.229 que regulamentaram) o fizeram o fizeram em 2007; 15,54% (ou 191) regulamentaram em 2008 e 31,41% (ou 386) o fizeram em 2009. Isto reforça o argumento da necessidade de se estimular este processo junto aos municípios brasileiros.
105
Ocorre que, não só como demonstra o Levantamento Nacional e a pesquisa deste
estudo, tão logo passaram para assistência social, tornaram-se esquecidos. Em outras palavras,
“contra todas as prescrições éticas e preceituações legais relacionadas à matéria, a
distribuição desses benefícios foi sustada sem nenhuma explicação, comoção social ou
aplicação de penalidades”, (PEREIRA, 2010, p.18) e, em muitos municípios tal situação
permanece até hoje.
O Art. 14 da Resolução 212, editada há quatro anos, aponta que “a regulamentação
dos benefícios eventuais e a sua inclusão na lei orçamentária do Distrito Federal e dos
municípios dar-se-ão no prazo de até doze meses e sua implementação até vinte quatro meses,
a contar da data da publicação dessa resolução”. (BRASIL, 2006). Nestas pesquisas (o
Levantamento Nacional de 2009 e este estudo) pode-se observar uma realidade que quase não
condiz com este artigo, a grande maioria dos municípios não cumpriu o prazo dado pela
Resolução, mantendo os benefícios eventuais a margem de sua regulamentação. Embora,
tenha-se registrado algumas mudanças após esta legislação, bem como a partir do Decreto de
2007, conforme já pontuado.
B) Quem é o órgão responsável pela execução dos benefícios eventuais?
Quadro 4 – Órgão responsável pela execução dos benefícios eventuais nos municípios da
Região Mogiana do Estado de São Paulo
Municípios
Órgão Gestor
Convênio
Fundo Social de Solidariedade
Divinolândia X Espírito Santo do Pinhal X Itapira X Mogi Guaçu X Santa Cruz das Palmeiras X São João da Boa Vista X São Sebastião da Grama X Águas da Prata X Mogi Mirim X X Estiva Gerbi X X Estiva Gerbi X X Tambaú X X Vargem Grande do Sul X X Santo Antonio do Jardim X Aguaí X
106
Em alguns municípios, como se observa, o Fundo Social de Solidariedade tem
presença significativa. Em Estiva Gerbi, Mogi Mirim e em Tambaú podem haver paralelismos
de ações na área da assistência social, pois tanto o órgão gestor quanto o Fundo Social de
Solidariedade são os responsáveis pela execução destes benefícios. Já em Santo Antonio do
Jardim, embora não haja regulamentação deste direito, sua execução está direta e
exclusivamente alocada ao FUSSESP.
Com a promulgação da Lei Orgânica da Assistência Social, em 1993, o Fundo Social
de Solidariedade, um campo paralelo à assistência social, deveria ter sido extinto. Isto porque
se entende que, ao ter uma área reconhecida publicamente como de responsabilidade estatal,
sustentar um outro espaço tornar-se-ia inviável em virtude de sua manutenção física,
orçamentária e pessoal. Seria, em outras palavras, manter duas áreas para a mesma finalidade
– a atenção ao cidadão – todavia, enquanto a assistência social o faz estruturado em princípios
legais de garantia de direitos, o Fundo Social de Solidariedade volta sua atuação no caráter da
boa ação, em geral centrada na figura da primeira-dama e realizada junto aos seus parceiros e
voluntários. Além disto, insistir na existência e presença do Fundo Social de Solidariedade
contribui para manter uma cultura clientelista tão arraigada nas relações sociais construídas na
história do nosso país, em que a figura do governante bom se diz daquele que ‘ajuda o seu
povo’, quando atribui, em geral à sua esposa, o dever de ajudar, com parcos recursos, a
sobrevivência de seu eleitorado.
C) O fluxo da concessão também foi objeto de indagação para os municípios e revelou as
mais diversas coberturas no processo.
Por meio desta questão, foi possível tabular que na DRADS Mogiana o órgão público
de assistência social é a referência e ‘porta de entrada’ para a solicitação destes benefícios.
Em alguns municípios pontuou-se mais de uma alternativa referente à concessão dos BE, mas
em todos, a ‘primeira entrada’ era o órgão gestor ou o CRAS 54, que concediam o benefício
solicitado ou encaminhavam para alguma instituição conveniada ou parceria estabelecida,
conforme pode se observar no quadro acima. Esta analise permite algumas ponderações:
embora não se registre regulação na maioria destes municípios, existe um fluxo de concessão
e referência destes benefícios; além disto, volta-se a insistir no possível paralelismo de ações
54 CRAS é o Centro de Referência de Assistência Social, preconizado pela Política Nacional de Assistência Social (PNAS) de 2004. Trata-se de um serviço estatal público de referência na atenção à proteção social básica, a qual articula ações no território em que a família está inserida.
107
entre o órgão público e o Fundo Social de Solidariedade, uma vez que alguns municípios
relataram ser este o responsável pela execução dos BE ou trabalharem conjuntamente com o
órgão gestor.
Quadro 5 – Fluxo de concessão dos benefícios eventuais
Encaminhamento
Porta de entrada
Realiza todo o atendimento
Entidades conveniadas/parceria
CRAS 08
08
00
Órgão Gestor
14
11
03
O Levantamento Nacional de 2009 enfatiza, especificamente, o local para a concessão
dos benefícios eventuais compulsórios 55: auxílio natalidade e auxílio funeral, em que, 74,4%
ou 2.906 municípios relataram que é o órgão gestor da assistência social o local de oferta do
serviço na concessão do benefício funeral. Mas há, também, a concessão destes benefícios em
outros lugares: 26,3% (ou 1.026 municípios) relataram ofertá-los nos CRAS; 1,5% (ou 58
municípios) concedem o funeral nos Centros Especializados de Assistência Social (CREAS)56;
2,1% (ou 82 municípios) ofertam o funeral em instituições da rede de assistência social ou
órgão conveniado ou contratado; outros 2,1% em outros órgãos da assistência social; 11,7%
(ou 455 municípios) concedem o funeral em forma de contrato ou convênio com fornecedores
55 Vale destacar que o Relatório do Levantamento Nacional do MDS faz uso de quatro modalidade de benefícios eventuais: o auxílio natalidade; auxílio funeral; benefício para situação de calamidade pública e benefício para situação de vulnerabilidade temporária. 56 CREAS é o Centro de Referência Especializado de Assistência Social preconizado pela Política Nacional de Assistência Social (PNAS) de 2004. Trata-se de um serviço público estatal de referência na atenção a proteção social especializada, ou seja, quando há ou se identifica perdas, riscos e danos para a família e/ou indivíduo.
108
e, por fim, 12,5% (ou 487 municípios) ofertam o benefício em outro órgão da prefeitura
vinculado à outra área setorial.
Em 67,9%, ou 1.569 municípios, o benefício natalidade é processado na sede do órgão
gestor da assistência social, em segundo lugar, o auxílio natalidade é ofertado nos CRAS,
43,8% ou 1.012 municípios. Há, ainda, a concessão deste direito nos CREAS em 1,9% (ou 44
municípios); em instituições da rede de assistência social ou órgão conveniado ou contratado
em 3,7% (ou em 85 municípios); há oferta deste benefício em outro órgão da assistência
social em 3,4% (ou 79 municípios): observam-se, ainda, municípios em que a oferta se dá em
forma de contrato ou convênios com fornecedores, 1,7% (ou 39 municípios) e se registra, por
fim, a concessão deste direito em outro órgão da prefeitura vinculado a outra área setorial, em
8,4% (ou 194 municípios).
Neste caso, assim como na pesquisa junto a DRADS Mogiana, observa-se que o órgão
gestor da assistência social é a referência na concessão desta categoria de benefícios, muito
embora haja atenção diluída em outros setores. Parece que o órgão público, de alguma forma,
tem ‘feito o seu papel’. Destaca-se a necessidade de regulação no sentido de garantir clareza e
transparência na concessão deste direito.
D) Os dados obtidos sobre os critérios para a concessão dos benefícios eventuais tiveram
alguns destaques importantes.
Os municípios da região da DRADS Mogiana pontuaram os critérios utilizados na
concessão de seus benefícios eventuais, muito embora, a maioria dos municípios não os tenha
regulados em seus respectivos municípios.
Em São João da Boa Vista, Mogi Mirim, Divinolândia, Estiva Gerbi e Tambaú não
regulamentaram os benefícios eventuais, no entanto, relatam ter como critério de concessão a
situação de contingência social. Apenas São João da Boa Vista discrimina o que entende por
contingência social, e a descreve como a “situação de vulnerabilidade social”, ou seja, é
amplo o entendimento do que seja e o que de fato se executa como contingência social. Do
mesmo modo, há municípios que apontaram como critério a situação de calamidade pública,
porém não a descreveu.
Corre-se o risco de operar estes benefícios conforme for mais conveniente ao
município, além de passar pelo crivo de quem o concede. Esta avaliação, caso a caso ou
individualizada, também ocorre em Espírito Santo do Pinhal, o qual relatou que concede o
benefício a partir da avaliação profissional, isto é, não há legislação nem critérios definidos, o
109
assistente social verifica se o usuário necessita ou não do recurso solicitado e, ainda, se há
disponibilidade de concessão naquele dado momento. Veja os dados:
Tabela 3 – Critérios para concessão dos benefícios eventuais
Critérios para concessão BE (modalidade)
Freqüência (quantidade)
Porcentagem
(%)
Renda per capita até ¼ do salário mínimo 04 26,6
Renda per capita de até ½ salário mínimo 02 13,3
Renda per capita igual à utilizada para o programa Bolsa Família 06 40
Situação de contingência social 07 46,6
Situação de calamidade pública 05 33,3
Famílias inseridas no Cad-Único 02 13,3
Avaliação do profissional 01 6,6
A prática de alguns municípios, na realidade, faz-nos relembrar o método do Serviço
Social de Caso realizado no segundo quartil do século passado, o qual foi por décadas a
referência técnica para a ação do assistente social. Tal semelhança se dá pelo fato de a
concessão destes benefícios estar muito mais condicionada à avaliação profissional do que, de
fato, a critérios claros, precisos e definidos. Se não há legislação específica que descreva o
que seja e a quem atenda, parece que a interpretação está a cargo de quem concede, e se a
situação apresentada se enquadra, ou não, em calamidade pública ou contingência social.
Já o município de Tambaú só não assinalou um dos critérios do formulário. Diz, então,
atender com renda per capita de até ½ salário mínimo, em situação de calamidade pública; na
situação de contingência social; àqueles com renda per capita igual à utilizada como
parâmetro para o Programa Federal “Bolsa Família” (que atualmente encontra-se em
R$ 140,00) e por fim utiliza também como critério a família estar inserida no Cad-Único. Ou
seja, parece haver uma certa confusão neste caso pois, além do benefício não estar regulado, é
operado através de vários critérios.
Os municípios de Mogi Guaçu e Itapira operam a concessão deste direito com base
em suas respectivas legislações. Itapira em seu artigo 2º apresenta que:
O benefício eventual é uma modalidade de provisão de proteção social básica de caráter suplementar e temporário que integra organicamente as garantias do Sistema
110
Único de Assistência Social – SUAS, com fundamentação nos princípios de cidadania e doa direitos sociais e humanos, prestada a pessoa residente no município de Itapira e que possuam renda mensal per capita inferior a ¼ (um quarto) do salário mínimo. (RESOLUÇÃO MUNICIPAL Nº 04, 2008, p.01)
Em Mogi Guaçu considera-se que “o benefício eventual destina-se aos cidadãos e às
famílias impossibilitadas de superar, por conta própria, contingências sociais que provoquem
riscos e fragilizem a manutenção do indivíduo, a unidade da família e a manutenção de seus
membros” (ARTIGO 3º, LEI MUNICIPAL Nº 4.583, 2009, p.01) e acrescenta, ainda, no
artigo 5º da referida lei, que:
(...) os benefícios sociais serão concedidos por assistentes sociais do Centro de Referência de Assistência Social – CRAS – e pelo plantão social da Secretaria Municipal de Promoção Social, mediante critérios pré-estabelecidos em consonância com o SUAS, aprovados pelo Conselho Municipal de Assistência Social.
No entanto, o município respondeu ao formulário dizendo que os critérios de
concessão se dão pela renda per capita de até ¼ do salário mínimo, em situação de
contingência social e em situação de calamidade pública. (Legislação em anexo). Muito
embora não se descreva o entendimento local quanto à “contingência social e calamidade
pública”, e além disto, paira uma certa ‘confusão’, pois os critérios ainda serão definidos pelo
Conselho Municipal de Assistência Social, conforme posto no artigo quinto.
Santa Cruz das Palmeiras, Tambaú e São Sebastião da Grama também não
discriminam o que seja calamidade pública, mas utilizam este critério para concessão de seus
benefícios eventuais. Do mesmo modo, esta situação pode ficar a cargo de quem concede o
benefício em identificar se a situação apresentada se enquadra ou não em calamidade pública.
A confusão ou desentendimento do que seja, de fato, calamidade pública e situação de
vulnerabilidade e risco merecem destaque. No Levantamento Nacional do MDS, os
municípios parecem não ter claro o que de fato seja cada uma dessas atenções. Prova disto é
que apenas seis itens separam uma atenção da outra, isto é, os municípios atendem os mesmos
benefícios com nomenclatura diferente. Apenas os itens de “apoio financeiro para tratamento
de saúde fora do município”; “fornecimento de cadeira de rodas e muletas”; “fornecimento de
fraldas geriátricas”; “ajudas técnicas e tecnologia assistida para pessoa com deficiência”;
“uniforme escolar e material esportivo” não se enquadram como atenção em situação de
111
calamidade pública, apenas como vulnerabilidade social e risco, conforme se observa no
quadro 6:
Quadro 6 – Itens de cobertura como benefícios eventuais no Levantamento Nacional
Itens de cobertura Calamidade
Pública
Vulnerabilidade
e risco
Fotos/Segunda via de documentos X X
Agasalho/Vastuário/Cobertores/Movéis/Colchões/Utensílios domésticos X X
Pagamento de taxa/contas de água/energia elétrica e gás X X
Geração de emprego e renda X X
Aparelhos ortopédicos/órteses/próteses/óculos/dentadura X X
Pagamento de exames médicos X X
Medicamentos X X
Transporte de doentes X X
Auxílio alimentação X X
Cesta Básica X X
Leite em pó/dietas especieis X X
Auxílio construção X X
Pagamento de aluguel X X
Passagens X X
Outros X X
Apoio financeiro para tratamento de saúde fora do Município/DF X
Cadeira de rodas/Muletas X
Fraldas geriátricas X
Uniforme/material escolar X
Ajudas técnicas/Tecnolofia assistida para pessoa com deficiência X
Material esportivo X
Fonte: Relatório sobre o Levantamento Nacional dos Benefícios Eventuais, MDS, 2009.
Há um verdadeiro ‘imbróglio’ na conceituação do que seja de fato vulnerabilidade
social e risco, calamidade pública e contingência social. Ocorre, na prática, um mix de tudo,
isto é, o auxílio não tem um campo próprio de identificação, sem falar da ausência de
limitação da especificidade da assistência social, uma vez que, muitas destas concessões não
são campos de atenção por parte desta política pública.
Estas terminologias apresentadas em documentos recentes – Resolução nº 212/2006 e
o Decreto Federal nº 6.307/2007 – se esforçam por descrevê-las e caminhar rumo às
112
definições geradas a partir da Política Nacional de Assistência Social (PNAS) de 2004 e do
Sistema Único de Assistência Social (SUAS) em 2005. A PNAS considera a situação de
vulnerabilidade social como aquela “(...) decorrente da pobreza, privação (ausência de renda,
precário ou nulo acesso aos serviços públicos, dentre outros) e,ou, fragilização de vínculos
afetivos – relacionais e de pertencimento social (discriminações etárias, étnicas, de gênero
ou por deficiências, dentre outras (...)” (BRASIL, PNAS, 2004, p. 33). Estes documentos de
2006 e 2007 endossam os conceitos trazidos pela PNAS e também pela LOAS, no que se
refere à provisão dos benefícios eventuais, buscando dar mais conteúdo e precisão para
auxiliar e orientar os municípios, estados e o Distrito Federal no processo de qualificação e
conceituação próprios à sua realidade.
E) Qual é a freqüência de atenção? E o número de beneficiários atendidos anualmente?
Há uma variedade significativa em relação ao número de atendimentos por ano.
Tambaú, por exemplo, relatou possuir 3.500 atendimentos por ano, o que dá uma média de
292/mês, ou cerca de 13 por dia; é um município com 22.575 habitantes. Já Itapira, com
72.657 habitantes, possui uma média de 16 atendimentos por mês, pois relatou um
contingente anual de 200 atendimentos, o que não chega a um atendimento/dia. Os demais
municípios que relataram o número de atendimentos/ano foram: Estiva Gerbi 180; Mogi
Mirim 1.600; Santa Cruz das Palmeiras 2.453; São Sebastião da Grama 1.200 e Vargem
Grande do Sul especificou sua atenção, dizendo fornecer 3000 cestas básicas anualmente e
250 cobertores. Ou seja, parece haver um rigoroso processo de seletividade, um direito
operado àqueles que mais precisam e, em alguns casos, a necessidade pode se manifestar
apenas uma única vez.
Em relação aos auxílios natalidade e funeral, que são compulsórios, a Resolução nº
212/06 indica não haver limite ou freqüência de concessão face a sua solicitação, devido a sua
própria natureza: “Os benefícios natalidade e funeral serão devidos à família em número
igual ao das ocorrências desses eventos” (BRASIL, RESOLUÇÃO Nº 212, 2006, p. 03). O
que parece não condizer com a realidade apresentada na pesquisa junto a DRADS Mogiana,
pois somente um município chegou mais próximo deste artigo, quando diz atender por “mais
tempo, o quanto for necessário”. Os demais municípios concedem seus benefícios de forma
demarcada, cuja freqüência é estabelecida não necessariamente de acordo com sua ocorrência,
como deveria ser em razão da categoria destes benefícios. Conforme se poderá observar na
tabela 4.
113
Tabela 4 – Frequência no atendimento dos benefícios eventuais
Além disto, esta mesma Resolução aponta os prazos para concessão destes benefícios.
No caso do auxílio natalidade, o inciso terceiro do artigo 6º diz que “o requerimento do
benefício natalidade deve ser realizado até noventa dias após o nascimento” (BRASIL,
RESOLUÇÃO Nº 212, 2006, p. 02) e o inciso quarto deste mesmo artigo complementa ainda
que “o benefício natalidade deve ser pago até trinta dias após o requerimento” (BRASIL,
RESOLUÇÃO Nº 212, 2006, P. 02). Já em relação ao auxílio funeral, o inciso quarto do
artigo nono, aponta que:
O Distrito Federal e os Municípios devem garantir a existência de unidade de atendimento com plantão 24 horas para o requerimento e concessão do benefício funeral, podendo este ser prestado diretamente pelo órgão gestor ou indiretamente, em parceria com outros órgãos ou instituições. (BRASIL, RESOLUÇÃO Nº 212, 2006, p. 03)
Evidentemente, é necessário um estudo de cada realidade, uma vez que o Brasil é
composto por um grande número de municípios considerados pequenos, com até 50.000
habitantes. Portanto, as orientações trazidas pela Resolução de 2006 deveriam ser adaptas e
lidas a partir da realidade local, mas garantindo o acesso a estes benefícios.
Frequência
Quantidade %
Uma única vez
2 13,3
De 2 a 6 meses
3 20
Menos de 2 meses
2 13,3
De 6 meses a 1 ano
3 20
Atendimento contínuo ao idoso e a criança, conforme a necessidade
1 6,7
Mais tempo, quanto for necessário
1 6,7
Não apresentou
3 20
Total 15 100%
114
F) Demanda reprimida.
Quadro 7 – A existência de demanda reprimida nos municípios da DRADS Mogiana
Demanda Reprimida
26,6%
Ausência de Demanda
Reprimida
46,6%
Não respondeu
26,8%
Dos municípios que relataram haver demanda reprimida, 26,6%, a insuficiência de
recursos financeiros é a justificativa mais evidente, presente em 26,6% dos municípios da
DRADS Mogiana. Em segundo lugar aparece a insuficiência de equipe técnica, com 6,6%.
46,6% dos municípios não quiseram relatar ou não possuem demanda reprimida e 26,8% não
responderam a esta questão. Em relação à quantidade de demanda reprimida existente, apenas
o município de Vargem Grande do Sul relatou que esta se expressa no montante de 50/mês.
Este dado se torna muito interessante se pensarmos os motivos que poderiam ter
levado os municípios a não detalharem seus universo de usuários não atendidos: se descaso
com este trabalho, por tentar, talvez, ocultar a realidade vivida nos municípios; ou descaso
com a política pública de assistência social, gerida ao acaso, a ponto de não ter estes dados
computados. Seja como for, a assistência social, enquanto política pública, parece ainda não
ter sua gestão muito clara, definida e transparente aos olhos de quem deseja consultá-la.
G) Benefícios eventuais oferecidos nos municípios
Nesta questão buscou-se conhecer quais os benefícios eventuais são concedidos nos
municípios da DRADS Mogiana. A partir das respostas, tabularam-se os dados agregando-os
por áreas.
O Quadro 8 mostra a diversidade destes benefícios concedidos como eventuais, no
campo da política pública de assistência social, o que, no mínimo, evidencia a falta de clareza
do que sejam benefícios socioassistenciais operacionalizados por esta política pública.
115
Quadro 8 – Benefícios eventuais oferecidos nos municípios da DRADS Mogiana
MUNICÍPIOS
ÁREA 57 BENEFÍCIO A B C* D E F G H I J L M N O P
S A Ú D E
fralda descartável para recem-nascido e idoso; armação e lentes para óculos; cadeira de rodas, muletas e cadeira para banho; remédios; internação para dependência química. exames médicos
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
A LI MEN TAÇÃO
cesta básica leite em pó para recém-nascido
X X
X X X X X X X X
X X
X X
X X
X X
X X
X X
ASSIS TÊN CIA
SOCI AL
auxílio funeral auxilio natalidade
X X X X X
X X
X X
X X
X X X
X
HABI TAÇÃO
aluguel da casa; materiais de construção;
X X X
X X
O U T R A S
distribuição de cobertores, ropuas, móveis; documentação e fotografia; passagem interestadual; passagem intermunicipal; passagem para itinerante; produto de limpeza, higiene; pagamento de taxas.
X
X
X
X
X
X X
X
X
X X
X
X
X
X
X X
X
X X
X X
X
X
X
X
X X
X
X
X
X X
X X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X X
X
X
X
X
X
Legenda: A – Aguaí; B – Águas da Prata; C – Casa Branca; D – Divinolândia; E – Espírito Santo do Pinhal; F – Estiva Gerbi; G – Itapira; H – Mogi Guaçu; I – Mogi Mirim; J – Santa Cruz das Palmeiras; L – Santo Antonio do Jardim; M – São João da Boa Vista; N – São Sebastião da Grama; O – Tambaú; P – Vargem Grande do Sul. * O município C não respondeu não haver nenhum tipo de benefício eventual concedido no município.
57 Estas foram às áreas elencadas a partir dos benefícios ofertados pelos municípios, relatados como sendo benefícios eventuais. É possível que haja outros benefícios ofertados, mas não relatados. Na área “outras” ,elencou-se os benefícios que tanto pode se encaixar em uma das áreas aqui definidas, a partir de sua qualificação, como se constituem um outro campo de atenção que também necessite estar qualificado.
116
Além disto, tanto na pesquisa junto aos municípios da DRADS quanto no
Levantamento Nacional de 2009, a cesta básica é a recordista de concessão. Ela é concedida
em 89,6% (ou 2.214 municípios) no relatório do MDS e em todos os municípios da região da
Mogiana.
A concessão de cesta básica é um dos legados históricos da prática da assistência
social, ocorrendo desde as primeiras formas de prestação de auxílio. Todavia, a questão, aqui,
indaga: até que ponto se trata de um benefício socioassistencial? Trata-se de uma concessão
que merece ser revista. De acordo com FREITAS e DE MARCO (2010, p. 45-46):
O debate sobre a concessão de cestas básicas ganha novos contornos na atualidade com o reconhecimento da alimentação como direito. No Brasil, foi aprovada, em 15 de setembro de 2006, a Lei Orgânica de Segurança Alimentar e Nutricional – LOSAN (Lei Federal nº 11.346), que prevê o Sistema de Segurança Alimentar e Nutricional (SISAN). Nesta direção, o Governos Federal possui inúmeros programas relacionados à temática da alimentação e nutrição, o Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome possui a Secretaria Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (SESAN), responsável por formular e implementar a Política Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional, promover e coordenar programas do Governo Federal nesta área. Essa Secretaria coordena e apóia tecnicamente e financeiramente inúmeros programas e projetos em estados e municípios brasileiros.
Sem perder a criticidade por se tratar de uma referência atrelada ao governo em
questão, é importante observar as tentativas de se demarcar as especificidades que cada
atenção merece e necessita. Há desafios na implementação dos benefícios eventuais, assim
como na PNAS, e um deles, aqui em destaque, é a concessão destes benefícios na órbita do
direito. A concessão de cesta básica, é sabido, sempre foi um dos grandes ícones de expressão
da ajuda e caridade, algo distante do reconhecimento da atenção enquanto dever estatal e
direito do cidadão. O cuidado é não endossar esta prática.
O documento nacional de 2009 apresenta ainda a concessão de: fotos e segunda via de
documentos em 66,6% (ou 1.644 municípios); fornecimento de agasalhos, vestuário,
cobertores, móveis, colchões e utensílios domésticos em 84,8% (ou 2.094 municípios);
pagamento de taxas, contas de água, energia elétrica e gás em 32,9% (ou 813 municípios);
geração de emprego e renda em 30,8% (ou 760 municípios); fornecimento de aparelhos
ortopédicos, órteses, próteses, óculos e dentadura em 41,5% (ou 1.026 municípios);
pagamento de exames médicos em 43,7% (ou 1.080 municípios); transporte de doente em
56,5% (ou 1.395 municípios); auxílio alimentação em 38,9% (ou 960 municípios);
117
fornecimento de leite em pó para dietas especiais em 49,1% (ou 1.212 municípios); concessão
de auxílio construção em 64,1% (ou 1.583 municípios); pagamento de aluguel em 38,9% (ou
960 municípios); fornecimento de passagens em geral em 67,6% dos municípios (ou 1.670
municípios); e por fim 20% (ou 494 municípios) declararam fornecer outros benefícios não
especificados.
Estes dados nos mostram o quanto se faz necessário delimitar o que seja campo de
atenção da política de assistência social, bem como o que se entende como situação de
vulnerabilidade social e risco, uma vez que, em nome de vulnerabilidade social, tem-se
concedido um pouco de tudo, um rol de itens pertencente ou não a esta política pública. Em
outras palavras, pode haver concessões de todas as áreas públicas dentro da assistência social.
Além disto, este mesmo documento apresenta a oferta de benefícios eventuais em
situação de calamidade pública, em que 58,6% (ou 1.448 municípios) relataram conceder
benefícios eventuais face esta ocorrência, muitos dos quais também compreendidos na
categoria de atenção referente à vulnerabilidade social e risco, conforme se observou no
quadro 6.
Já em relação à forma de concessão destes benefícios junto aos municípios da DRADS
Mogiana, Aguaí, Mogi Mirim, Tambaú e Santa Cruz das Palmeiras os ofertam em bens de
consumo e em forma de recursos financeiros; os demais municípios (Águas da Prata, Mogi
Guaçu, Estiva, Santo Antonio do Jardim, São Sebastião da Grama, São João da Boa Vista,
Itapira, Espírito Santo do Pinhal, Divinolândia e Vargem Grande do Sul) concedem os
benefícios eventuais somente em bens de consumo. Ou seja, os benefícios discriminados
como sendo benefícios eventuais são fornecidos na íntegra, não há repasse financeiro para
concessão deste direito, apenas a atenção materialmente constituída.
H) Recursos financeiros
A tabulação dos dados a seguir busca mostrar quais são os recursos disponíveis e
destinados à categoria dos benefícios eventuais, isto é, qual é ou de onde vem à fonte que
custeia esta atenção.
Algumas informações importantes foram elencadas e por isso merecem destaque. Vale
uma observação, de início, que a área de financiamento ainda é algo ou pouco conhecida ou
pouco transparente, pois nem todos os municípios declaram sua fonte de custeio.
118
Quadro 9 – Recursos destinados aos benefícios eventuais e sua fonte
Município
FMAS FEAS FUSSESP Soma Percentual para assistência social
Divinolândia R$ 532.000,00 R$ 26.190,00 R$558.190,00 Espírito Santo do Pinhal R$ 40.000,00 R$ 40.000,00
Estiva Gerbi R$ 50.000,00 R$ 50.000,00 0,30% Itapira R$ 100.000,00 R$ 100.000,00 R$ 200.000,00
Mogi Mirim R$ 138.205,00 R$ 12.000,00 R$ 150.205,00 Santa Cruz das Palmeiras R$ 210.000,00 R$ 235.000,00 R$ 445.000,00 Santo Antônio do Jardim R$ 455.100,00 R$ 26.190,00 R$ 98.300,00 R$ 579.590,00 São Sebastião da Grama R$ 80.000,00 R$ 80.000,00 5%
Tambaú R$ 175.000,00 R$ 11.880,00 R$ 186.880,00 R$ 198.855,00
Primeiramente, que, embora não haja regulamentação dos benefícios eventuais nos
municípios de Tambaú, São Sebastião da Grama, Santo Antonio do Jardim, Santa Cruz das
Palmeiras, Mogi Mirim, Estiva Gerbi, Espírito Santo do Pinhal, Estiva Gerbi e Divinolândia,
há recursos destinados a esta finalidade, em alguns casos, estão alocados no Fundo Municipal
de Assistência Social (FMAS) e outros estão conjugados junto ao Fundo Social de
Solidariedade (FUSSESP) e/ou Fundo Estadual de Assistência Social (FEAS). Interessante
observar, também, que os municípios de Santo Antonio do Jardim, Tambaú e Divinolândia
apresentaram um orçamento, para esta finalidade, oriundo do Fundo Estadual de Assistência
Social (FEAS). Se não há regulamentação junto ao estado de São Paulo, como se dá o repasse
deste recurso? De qualquer modo, não é muito clara a participação dos Estados Federados,
algo que precisa ser mais bem apreciado e enfatizado, uma vez que, como já posto, considera-
se importante o papel dos Estados e estes, como se observa, tem-se mostrado, também, a
margem dos processos de regulação destes benefícios.
Além disto, há situações, como em São João da Boa Vista, em que não há regulação
destes benefícios, mas existe sua forma de atenção, mesmo não existindo dotação
orçamentária específica para esta atenção. A isso, corre-se o risco de levar este acesso ao
‘resto’ do que há de recurso, pois há o atendimento nesta categoria de benefícios, embora não
regulados, e não existe nenhum tipo de ‘cota’ específica para a concessão destes benefícios.
A questão do orçamento na área da assistência social ainda parece ser meio obscura ou
de pouco conhecimento, como já posto, isso pensado a partir da ausência de respostas dos
municípios de Aguaí, Águas da Prata, Mogi Guaçu e Vargem Grande do Sul. No caso de
Mogi Guaçu, em que existe uma legislação própria, o art. 9º aponta que “as despesas
decorrentes desta Lei correm à conta de dotações orçamentárias próprias” (LEI nº
119
4.583/2009 p. 02). No entanto, não apresentam quais seriam estas dotações e suas respectivas
fontes de custeio.
Além disto, o inciso quarto do artigo oitavo enfatiza: “a manutenção de parcerias com
ONGs e Empresas Privadas e Públicas, para atendimento da clientela e de convênios com os
Governos Federal e Estadual para obtenção de recursos ao custeio dos benefícios eventuais”
(LEI nº 4.583/2009 p. 02). Ao que pese, trata-se de uma responsabilidade municipal e estadual.
A União ficou com a incumbência de regular, custear e monitorar o BPC. Por fim, este
município descreve uma observação, que merece ser apresentada.
A Lei dos benefícios eventuais no município foi criada em 11 de dezembro de 2009, como não havia dotação para 2010, continuamos fazendo os atendimentos da forma antiga, atendendo sem a nomenclatura de benefícios eventuais, os serviços realizados pelo município são: Auxílio funeral: a família que não tem como adquirir o caixão preenche guia no SSM e vai até a funerária e tem o caixão gratuito, pouco procurado, pois o caixão é de baixa qualidade; Passagens para migrantes e itinerantes: A Secretaria de Promoção Social envia mensalmente ao Albergue noturno, passagens para esse tipo de atendimento, a triagem é feita pela assistente social do Albergue. Localidades para onde são oferecidas passagens: São Paulo, Campinas, Araras, Aguaí, Espírito Santo do Pinhal, Poços de Caldas (MG), São João da Boa Vista e Casa Branca. Situação de vulnerabilidade temporária e alimentação. As famílias que necessitem de alimentação, os CRAS encaminham para as entidades conveniadas, temos 12 entidades do segmento família, que recebem subvenção municipal e as entidades pelo convênio reservam 10% de sua capacidade para atender os casos encaminhados pela prefeitura através do CRAS, fraldas também são atendidas pelas entidades. Cadeiras de rodas, muletas, etc. são atendidos pelo Fundo Social e também entidades. Para 2011, os benefícios eventuais já farão parte do orçamento municipal, teremos condições de melhorar o atendimento, principalmente o funeral que deixa a desejar. (SIC)
Do mesmo modo, há uma significativa ausência de respostas referente ao percentual
dos municípios destinados à política de assistência social, isto pode demonstrar ou certo
desconhecimento, ou descaso com esta área, ou, ainda, ausência de transparência.
Apenas Estiva Gerbi, com 0,30%, e São Sebastião da Grama, com 5% , apresentaram
o percentual municipal destinado para política de assistência social, dado este que, na verdade,
é difícil de ser avaliado no sentido de ser pouco ou muito recurso para esta área, pois não há
parâmetros e nem percentuais definidos para esta política pública.
120
I) Outros serviços socioassistenciais
Quadro 10 – Vínculo entre a concessão de benefícios eventuais e serviços
soioassistenciais nos municípios da DRADS Mogiana
SIM NÃO
Divinolândia
Aguaí
Estiva Gerbi
São João da Boa Vista
Tambaú
Vargem Grande do Sul
Espírito Santo do Pinhal
Mogi Mirim
Santa Cruz das Palmeiras
Santo Antonio do Jardim
São Sebastião da Grama
Os dados apresentados no quadro 10 mostram seis municípios (Vargem Grande do Sul,
Tambaú, São João da Boa Vista, Estiva Gerbi, Divinolândia e Aguaí) com seus benefícios
eventuais concedidos vinculados à oferta dos serviços socioassistenciais. No entanto, não
especificam ou detalham como isso ocorre. Do mesmo modo, outros cinco municípios (São
Sebastião da Grama, Santo Antonio do Jardim, Santa Cruz das Palmeiras, Mogi Mirim e
Espírito Santo do Pinhal) relataram não ter a concessão de benefícios atrelados à oferta dos
serviços socioassistenciais. Outros quatro municípios (Mogi Guaçu, Itapira, Casa Branca e
Águas da Prata) ignoraram a pergunta.
A intenção em abordar esta questão se refere ao fato de se pensar a concessão de
benefícios vinculada ao acesso dos serviços socioassistenciais existentes como um processo
de emancipação e/ou garantia de direitos. Uma espécie de acompanhamento do público alvo
da política de assistência social e segurança de que a atenção necessária lhe será conferida.
Em outras palavras, seria garantir que o benefício não se limitasse em si, mas abrisse
caminhos no sentido de acessar os serviços sociais existentes das diversas políticas públicas.
Neste sentido, a Resolução nº 07/2009, instituída pela CIT, pactuou o Protocolo de
Gestão Integrada dos Serviços e Benefícios no âmbito do SUAS. A proposta é justamente
garantir que os beneficiários da assistência social tenham acesso direto aos serviços
socioassistenciais. Argumenta-se que as famílias, principalmente inscritas em programas de
transferência de renda, sejam acompanhadas, pois, no mais das vezes, encontrarem-se em
situação de vulnerabilidade social, condição esta que lhe gerou certo benefício.
121
Além disto, este documento reconhece a categoria dos benefícios eventuais, como
parte desta pactuação. Com isto, estabelece as formas de operacionalização destinada a cada
esfera de governo (União, Estado e Município). Do mesmo modo, aponta os procedimentos
para atendimento das famílias beneficiárias dos benefícios eventuais.
A equipe do CRAS, ou equipe técnica da Proteção Social Básica deve atualizar, periodicamente, o diagnóstico do território, especificando a quantidade e as características das famílias com membros beneficiários do BPC e benefícios eventuais e os serviços socioassistenciais necessários para atendimento destas famílias. (ART. 27. RESOLUÇÃO nº 07/09)
Do mesmo modo, com a aprovação da Resolução nº 109, de 11 de novembro de 2009,
a qual institui a tipificação dos serviços socioassistenciais, buscou-se organizar a rede de
serviços existentes por níveis de atenção, conforme já categorizados na PNAS. Assim, os
serviços socioassistenciais ofertados passam a estar divididos em serviços de proteção social
básica; serviços de proteção social especial de média complexidade e serviços de proteção
social de alta complexidade. Isto permite uma melhor definição e qualificação do serviço a ser
ofertado, bem como da demarcação das ações e o público alvo de atenção.
Estes documentos não foram mencionados pelos municípios da pesquisa, é possível
que os municípios que disseram atrelar seus serviços aos benefícios tenham conhecimento
destes documentos, mas esta informação não foi alcançada.
Em relação às dificuldades para se instituir as normas que regulamentariam estes
benefícios nos municípios, o Levantamento Nacional de 2009 trouxe os seguintes dados:
20,6% (860 municípios) apontaram que a maior dificuldade encontrada é de ordem jurídica;
em 32,2% (1.345 municípios), as limitações para a não regulação se referem a definir as
situações a serem atendidas como benefícios eventuais; em 32,3%, o problema está em
garantir recursos para a oferta destes benefícios e; em 33,3% (ou 1.388 municípios), a maior
dificuldade está em transferir para outras políticas a responsabilidade de atendimento às
situações que não são próprias da assistência social.
Ao final do formulário na pesquisa junto a DRADS Mogiana, havia um campo
descrito como “comentários e/ou observações acerca dos benefícios eventuais no município”.
Espaço destinado para que fosse descrito algo que, por ventura, não estivesse sido abordado
nas questões ou fazer algum apontamento considerado relevante. Algumas destas observações
poderiam ser atreladas a algumas questões, mas, preferiu-se abordá-las ao final, a fim de
122
sistematizar e pensar um pouco sobre a realidade destes municípios. Do mesmo modo, optou-
se por preservar a identidade destes municípios. Assim, apenas três municípios pontuaram
algumas questões:
Nossa população pode ser considerada safrista. A maioria dos trabalhadores encontram-se desempregados durante a entressafra. Na cidade, além do funcionalismo público impera-se a lavoura de cana-de-açúcar e batata. Atendemos uma densa população pobre que não conta com renda fixa para suprimento de suas necessidades básicas. Acreditamos que nossos usuários acomodaram-se neste sistema de pedir, esperar por auxílio. (MUNICÍPIO 1) As respostas [do formulário] tratam-se de serviços oferecidos pelo Departamento de Promoção Social na maioria atendimentos emergenciais, sem regulamentação de programas e projetos. (MUNICÍPIO 2) Nos benefícios eventuais são utilizados recursos apenas do fundo municipal, esporadicamente também recebemos doações destinadas aos benefícios eventuais. (MUNICÍPIO 3)
Ao que parece, há um verdadeiro mix de informações nas declarações acima, o que
permite observar o quão confuso ainda é a categoria dos benefícios eventuais. Além disto, a
concessão de auxílios apresenta-se, aos olhos do município 1, como uma situação de
acomodação por parte daqueles que o solicita. Ou seja, há ainda diversos desafios
(econômicos, políticos, sociais, históricos, culturais, etc) a serem superados no sentido de
garantir, de fato, a implementação dos benefícios eventuais como provisão social básica no
âmbito do Sistema Único de Assistência Social. Já o município 2 chama os benefícios
eventuais de “serviço”; o que nos permite refletir se isto seria um descuido ao preencher o
formulário ou desentendimento do que sejam estes benefícios.
De qualquer modo, a realidade aqui apresentada mostra tratar-se de uma categoria de
benefícios que vem sendo tratada à margem da LOAS e das legislações subsequentes.
123
COSIDERAÇÕES FINAIS
O trajeto percorrido até aqui nos permite apontar algumas considerações acerca do
objeto de estudo, os benefícios eventuais: seus avanços, desafios e limites. No entanto, a
temática não se esgota aqui, possivelmente outros estudos poderão elencar outras tantas
considerações. Na medida em que houver maior aprofundamento e detalhamento deste tema e
for superado seu estado à margem das discussões acadêmicas e normativas, será possível
observar um progresso em seu processo de gestão, quanto a sua regulação e implementação
dos benefícios eventuais nos municípios brasileiros.
Com isto, aponta-se, de início, o incipiente debate referente aos benefícios eventuais,
em que a profª Potyara A. P. Pereira (UnB) tem sido uma das grandes referências.
Efetivamente, desde a aprovação da LOAS, em 1993, os benefícios eventuais não foram regulamentados e nem suficientemente tematizados nos fóruns e nas instâncias competentes, transformando-se, assim, em direito apenas declarado e impossibilitado de se concretizar por meio de política. (PEREIRA, 2010, p. 18)
O Sistema Único de Assistência Social (SUAS) permitiu muitos avanços para política
de assistência social, com princípios e diretrizes que direcionam as ações rumo à garantia e ao
acesso aos direitos socioassistenciais do cidadão.
Todavia, ainda permanece o legado que insiste em manter a assistência social distante
do escopo de política pública, que deve ser constituída por uma gestão, financiamento,
controle social e co-responsabilização executadas de modo claro, preciso e transparente. Fato
este que insiste em ocorrer, na medida em que se observa um direito social, executado à
margem de suas legislações.
Os auxílios natalidade e auxílio funeral – herança da política previdenciária –
permanecem, em grande parte, ausentes de regulação específica, quando muito são operados
de modo casual. No translado para a assistência social, sob categoria de benefícios eventuais,
observou-se uma perda de direitos na passagem de benefício contributivo previdenciário para
o benefício não contributivo, face à redução de alcance por se limitar à população com renda
per capita familiar de até ¼ do salário mínimo, isto é, tornou-se um benefício cujo alcance foi
extremamente reduzido e focalizado, neste caso, àqueles considerados extremamente pobres.
124
O que contribui por endossar que a assistência social é a política que cuida de pobre e não
política que assegura direitos.
Este trabalho acadêmico buscou trazer à tona e apresentar a discussão à cena do dia.
Para tanto, tomou a Região da DRADS Mogiana, do Estado de São Paulo, como campo da
pesquisa empírica, que por si só permite algumas considerações a serem destacadas.
Percebeu-se que esta Região não possui sua importância enquanto Região
Administrativa. O reconhecimento alargado do território possibilitaria um maior
conhecimento acerca de suas especificidades, o que poderia dar maior embasamento referente
ao seu contexto social, político, econômico e cultural. As informações apresentadas aqui
foram colhidas junto aos municípios, ainda que com limitações, foi-se montando uma espécie
de quebra-cabeça, a fim de apresentar um contexto regional de âmbito territorial da DRADS
Mogiana.
Além disto, a participação truncada dos municípios, – no sentido de contribuir com
informações sobre a realidade local dos benefícios eventuais na região – mostrou o quão é
impreciso e obscuro o entendimento do que de fato seja esta categoria de benefícios e a que
ocorrências ele é destinado. Isto fica evidente quando se exemplificou na introdução a fala de
um dos gestores da região: “(...) mas você quer saber que tipo de benefício eventual? Aquele
do tipo Bolsa Família, de transferência de renda ou aquele do tipo para deficiente e idoso?(...)
Em geral, o que se percebe é que o gestor da assistência social fundamentalmente não
entende o seu papel, bem como não compreende o campo a que esta política se destina. Isto
permite dar margem para que a assistência social (já posta como política pública) continue a
ser executada ao acaso e sem delimitação de sua especificidade como responsabilidade estatal.
Do mesmo modo, observou-se que no município de Mogi Guaçu a Lei Municipal nº
4.583/2009, que regula os benefícios eventuais estabelece em seu art. 1º que: “Fica criado no
município de Mogi Guaçu, na forma desta Lei e conforme dispõe o artigo 22 da Lei Federal
nº 8.742, de 07.12.1993, o programa de ‘Benefícios Eventuais’”. O motivo da nomenclatura
programa não é plenamente compreensível, mesmo porque, o artigo 22 da LOAS refere-se
explicitamente ao acesso a benefícios e não à programas. No Art 24. da LOAS preveem-se os
programas socioassistenciais: “Os programas de assistência social compreendem ações
integradas e complementares com objetivos, tempo e área de abrangência definidos para
qualificar, incentivar e melhorar os benefícios e os serviços assistenciais”(BRASIL, LOAS,
1993). Ao que parece, benefícios e programas encontram-se em categorias bem distintas, o
que supõe ser desconhecido ou ignorado pela legislação deste município.
125
Os dados desta pesquisa empírica, bem como os do Levantamento Nacional do
Ministério do Desenvolvimento Social (MDS) em conjunto com o Conselho Nacional de
Assistência Social (CNAS), realizado em 2009, mostram a variedade de atenção dada, em
nome de benefícios eventuais, distantes do que seria, de fato, o conteúdo específico na política
pública de assistência social, isto é, a assistência social ainda continua respondendo por
atenções de outras políticas públicas.
Um exemplo apontado por Castro (2010)58 mostra que em Maracanaú (CE) um dos
benefícios eventuais refere-se às ações complementares no campo sócio-ambiental, o
chamado “limpa fossa”. Seu propósito é “viabilizar o acesso a serviços de limpeza hidro-
sanitária das famílias em situação de vulnerabilidade, reduzindo agravos (...)” (CASTRO,
2010. p. 57), cujos critérios adotados são “ter comprovante de residência, renda per capita de
1/5 do salário mínimo, documentação civil e parecer social (...)” (CASTRO, 2010, p. 57).
Em outras palavras, a assistência social endossa seu legado histórico de atender um
pouquinho de tudo ou fazer o que as outras áreas públicas não fazem.
Do mesmo modo, tanto a pesquisa deste estudo quanto o Levantamento Nacional de
2009 apontaram a variedade de atenções ofertadas no conjunto dos municípios brasileiros, o
que seria, na realidade, referência a possíveis benefícios eventuais reconhecidos e qualificados
por suas respectivas políticas. Mais da metade dos municípios, no Levantamento Nacional,
declararam prestar benefícios típicos da política de saúde, como: aparelhos ortopédicos em
geral, óculos, cadeira de rodas, muletas, fraldas geriátricas, medicamentos, transporte de
doentes, entre outros. Nos municípios da DRADS Mogiana esta realidade também se
confirmou.
É necessário e urgente que a política de assistência social reveja a provisão daquilo que é de competência da política de saúde. Vários itens vinculados a essa política são disponibilizados pelo Sistema Único de Saúde (SUS) como parte integrante de um conjunto de ações promotoras de saúde, prescritas por profissional da área. O medicamento que porventura é fornecido pela assistência social foi prescrito mediante avaliação médica e sua utilização deve ser acompanhada por esse profissional. A indicação de órteses e próteses é também realizada, por profissionais da saúde e deve ser apropriada a cada indivíduo segundo suas necessidades, bem como articulada com ações de reabilitação. Fornecimento de preparados para dietas especiais está ligado a programas de nutrição a cargo de profissionais da saúde. O fornecimento de medicamento e outros itens de cuidados da saúde pela assistência social é um desvio da ordem das coisas. Além de extrapolar as competências da
58 Castro, Ieda Maria Nobre. A travessia do SUAS: um olhar sobre os benefícios eventuais em Maracaú-Ce. In: Cadernos de Estudos Desenvolvimento Social em Debate nº 12. Brasília, DF: Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome; Secretaria de Avaliação e Gestão da Informação, 2010. p. 51-62.
126
política e as atribuições e aptidões do profissional, pode implicar em fator de risco para o beneficiário e onera recursos da assistência social que poderiam estar atendendo a outras necessidades sociais. (FREITAS e DE MARCO, 2010, p. 45)
Romper com este legado e repassar a cada política pública a atenção que lhe confere
requer coragem e trilha por caminhos que envolvem competências e conflito de interesses. O
Brasil é um país moldado por relações de compadrio, o que torna ainda mais difícil este feitio,
principalmente se levarmos em conta nosso histórico das relações construídas e sustentadas.
“A escolha dos homens que irão exercer funções públicas faz-se de acordo com a confiança
pessoal que merecem os candidatos, e muito menos de acordo com suas capacidades próprias
(...)” (HOLANDA, 1975, p. 106)
Esta realidade descrita por Sérgio Buarque de Holanda muito se aplica aos dias atuais.
É comum, no Brasil, os cargos de gestão de políticas públicas darem-se por indicação, o que
nem sempre ocorre em virtude da competência e conhecimento profissional de quem irá
assumir determinada área. Os arranjos políticos ou a extensão e manutenção de laços afetivos,
no mais das vezes, moldam estas relações. A partir disto, diz-se que nem sempre quem está na
gestão da política de assistência social (em todas as esferas de governo) conhece exatamente
seu campo de atuação, isto se tem confirmado na prática e pode também ser observado neste
estudo.
Esta inconstância em afiançar direitos também se aplica ao fato de se sustentar ações
paralelas, neste caso, referentes à política de assistência social. A presença e ideologia do
primeiro-damismo, a existência do Fundo Social de Solidariedade do Estado de São Paulo, os
programas como Comunidade Solidária, por exemplo, as diversas campanhas de
solidariedades, dentre outros, são práticas comumente aceitas e referendadas em nossa
sociedade, por vezes, confundidas ou sobrepostas à política pública. Na pesquisa realizada
junto a DRADS, observaram-se municípios que, embora não tivessem tomado frente quanto à
regulação dos benefícios eventuais, estes eram operacionalizados ou executados com recursos
oriundos do Fundo Social de Solidariedade e/ou eram executados pelos mesmos.
A partir disto, observou-se que tal área (a assistência social) parece ser dotada de certa
desqualificação ou descrédito, qualquer um pode conduzi-la, sua ação pode ser realizada de
qualquer modo, um tipo de ‘política pobre para atender ao pobre’. O que nos remete a
considerar é haver, na realidade, uma relação mal resolvida com seu passado histórico, em
que a ideologia de organizar a ajuda concedida não cessou perante os marcos legais. Ainda se
endossam e enfatizam ações de caridade, algumas das quais centradas na figura da primeira-
127
dama ou em ações dúbias, ora realizadas por órgão governamental, ora por seus parceiros, ou,
ainda, por iniciativas privadas.
Além disto, outra consideração a ser pontuada se refere à inexistência de parâmetros
na área da assistência social. Quais são as bases para demarcar o tempo de concessão de um
benefício eventual? Os municípios pertencentes a DRADS Mogiana apontaram uma
variedade de respostas, em que o tempo da atenção se dá em alguns casos de 2 a 6 meses;
outros, para menos de 2 meses; e também de 6 meses a 1 ano de atenção. Em São João da Boa
Vista, por exemplo, o atendimento para crianças e idosos é contínuo, conforme a necessidade.
Portanto, o caráter continuado é sobreposto ao eventual, observa-se que, face à ausência de
qualificação, atende-se conforme a necessidade e/ou a existência de recursos.
Percebeu-se a necessidade de repensar a atenção oferecida pela política de assistência
social quando paramentada a ‘necessidade da solicitação’, muito mais pelo crivo de quem
analisa do que na garantia de afiançar proteção a sujeitos de direito ante as situações de
eventualidades surgidas no cotidiano do cidadão. Isto alimenta a concessão de benefícios na
perspectiva da “meritocracia”, isto é, o acesso dá-se muito mais pelo mérito do que pelo
direito.
Outra observação apontada neste trabalho, reportam-se ao fato de que ter os benefícios
eventuais no âmbito dos municípios, Estados e Distrito Federal necessariamente não facilitou
ou contribuiu para seu processo de regulação. A LOAS os limita a estas esferas de governo e
isto se tem mostrado muito mais um obstáculo do que um avanço. De acordo com o
Levantamento Nacional do MDS, as maiores dificuldades apresentadas pelos municípios são:
dificuldade na definição dos tipos de benefícios eventuais a serem operados no município;
dificuldade para garantir recursos para a oferta dos benefícios e dificuldade em transferir para
outras políticas as responsabilidades antes assumidas como benefícios eventuais. Isto tem
limitado, paralisado e impedido sua regulação, o que acaba por penalizar o cidadão de direito
face à ausência desta provisão. Vale destacar que, desde a transferência do auxílio natalidade
e auxílio funeral para assistência social, eles deixaram de ser providos pela política de
previdência social. Assim, diante de sua não implementação, como se tem observado, tanto os
segurados previdenciários quanto os usuários da assistência social ficaram desprotegidos
neste acesso.
A ampliação democrática trazida pela CF/88, em que se descentraliza poder e imprime
autonomia não foram, por si, motivos suficientes para que os municípios tomassem a frente
destes benefícios e os regulassem, conforme suas diretrizes. No Levantamento Nacional, dos
4.174 pesquisados, 1.229 relataram ter esse benefício regulado, conforme os parâmetros legais
128
estabelecidos. Já na DRADS Mogiana, apenas dois, dos quinze municípios que retornaram o
formulário, os regulamentaram. Ao que parece, no mais das vezes, os municípios deixam a
situação como está, tipo ‘vai levando’. Mesmo porque, regular um direito passa por questões
que requerem conhecimento e competência, além de superar questões de cunho econômico,
político, social, cultural, entre outros. Do mesmo modo, ao manter a atenção como política de
governo e não política de Estado, dão-se margens para endossar práticas paternalistas e
clientelistas, as quais atendem a quem se indica, quando dá e da maneira mais conveniente.
Situação que, eventualmente, pode ocorrer face a não regulação destes benefícios. Por outro
lado, na medida em que houver transparência desta atenção, tais práticas podem ser coibidas.
Em decorrência, não é casual que a prática da concessão dos benefícios eventuais venha apresentando as seguintes tendências: cada governo municipal os concebem, denominam, provêem e administram, de acordo com o seu entendimento, valendo-se quase sempre, do senso comum para, dentro de suas possibilidades financeiras gerenciais, atender contingências sociais prementes. Tem-se, assim, num espaço não desprezível de participação da Assistência Social como política pública e direito de cidadania a condenável prática do assistencialismo que, além de desafiar os recentes avanços no campo assistencial, vem se afirmando como um não-direito social. (PEREIRA, 2010, p.20)
Além disto, identificou-se uma significativa dificuldade, por parte dos municípios, no
entendimento dos conceitos trazidos e ampliados a partir da LOAS. Esta categoria de
benefícios foi ampliada para atender situações como de vulnerabilidade social, contingência
social, situação de calamidade pública, etc., e não apenas a eventualidade da situação de
natalidade e morte. Estes conceitos são tratados de maneira genérica, não se especifica a
particularidade das atenções a cada uma destas situações, isto é, diz o que é, mas dá
autonomia quanto à sua qualificação. Ao que parece, isto ainda é um pouco obscuro aos olhos
dos municípios, o que se traduz na necessidade de enfocar mais a temática, delimitando seu
foco de atenção junto à política de assistência social. Em outras palavras, verifica-se a
necessidade de se trabalhar, debater, discutir estes conceitos, a fim de torná-los mais claros e
próximos da realidade local. Prova disto foi que, no Levantamento Nacional de 2009, apenas
seis benefícios ofertados são tipicamente postos na categoria de vulnerabilidade e risco (apoio
financeiro para tratamento de saúde fora do município; cadeira de rodas e muletas; fraldas
geriátricas; ajudas técnicas, tecnologia assistida para pessoa com deficiência; uniforme e
material escolar e, por fim, material esportivo). As demais concessões se encontram tanto
nesta categoria como também são ofertados como calamidade pública.
129
Ao qualificar melhor estes conceitos, contribui-se, também, para identificar o que são
e a quem atendem estes benefícios, no mais das vezes, operacionalizados pelos espaços do
Plantão Social, a partir do crivo profissional e da disponibilidade de recurso. É possível que
certos benefícios se enquadrem na categoria de benefícios eventuais e sejam concessões
antigas realizadas nesta área.
Notou-se que orientações auxiliares são cabíveis e extremamente bem vindas aos
olhos dos municípios. Prova disto são os documentos federais: Resolução 212/2006 (emitida
pelo CNAS) e o Decreto Presidencial nº 6.307/2007 (editada pelo Executivo Federal) que
deram base, direção e impulsionaram o processo de regulação junto aos municípios brasileiros.
Pelo Levantamento Nacional, observou-se que cerca de 70% dos municípios que declararam
ter regulado estes benefícios, o fizeram a partir de 2006. Na Região Mogiana, os dois
municípios com seus benefícios regulados também o fizeram a partir de 2006: Itapira, em
2008 ,e Mogi Guaçu, em 2009.
É possível que outros documentos também influenciaram no reconhecimento destes
benefícios na gestão da política de assistência social. A Resolução da CIT nº 07 de
10/09/2009 instituiu o protocolo de gestão integrada de serviços, benefícios e transferências
de renda no âmbito do SUAS, em que serviços e benefícios devam ser ofertados de modo
integrado. O intuito é fortalecer o caráter protetivo das famílias, principalmente àquelas
consideradas em situação de vulnerabilidade social.
Com isto, considera-se um avanço o intuito de integrar os serviços com os benefícios.
Neste documento, faz-se referência aos benefícios eventuais, como provisão que também deve
estar articulada aos serviços socioassistenciais ofertados. O que se destaca é o fato destes
benefícios não estarem regulados em todo o país, de modo a proporcionar um padrão básico
de articulação que dê referências à gestão e ao cidadão. Entende-se, porém, a necessidade de
que deva ocorrer um movimento anterior nos municípios, no sentido de primeiramente
fomentar essa regulação para ela seja e esteja articulada aos serviços socioassistenciais. Na
DRADS Mogiana, a maioria dos municípios relatou haver vínculo entre os serviços
socioassistenciais e os benefícios eventuais concedidos, ou seja, é possível que haja algum
fluxo estabelecido entre eles, que merece ser conhecido, esclarecido e divulgado.
Outra questão observada a partir deste estudo se refere ao fato da redução ou
focalização que os auxílios natalidade e auxílio funeral sofreram ao passar para a política de
assistência social. De fato, a redução da atenção vinha ocorrendo desde a década de noventa –
quando ainda estavam no campo previdenciário – no entanto, sua máxima ocorreu quando
130
migraram de uma área para outra, deixando de ser ofertados. Contexto este oposto ao que
previa o art. 40 da LOAS, em que o atendimento não cessaria.
Além disto, a redução identificada nesta passagem se refere ao fato do corte de renda
se constituir em ¼ do salário mínimo, isto é, estes benefícios, ao comporem o corpo da LOAS,
foram reduzidos a um público-alvo extremamente específico: os pobre ou indigentes. O que
endossa a assertiva de que a assistência social é política para pobre, não política de direito a
uma necessidade de proteção social, como já pontuado, mas aqui enfatizado.
O que se observou neste estudo, em geral, foi que embora 86,7% dos municípios que
participaram desta pesquisa da Região da DRADS Mogiana declararam não ter os benefícios
eventuais regulados em seus respectivos municípios, existe um tratamento a seu respeito. Ou
seja, alguns municípios pontuaram haver um (ou mais de um, em alguns casos) órgão
responsável pela concessão desta categoria de benefícios. Do mesmo modo, pontuaram existir
um fluxo de concessão destes benefícios. E, sobre isto, considera-se um dado significativo: a
‘porta de entrada’ dos municípios da DRADS Mogiana centrar-se no órgão público, em que é
o órgão gestor ou o CRAS a referência inicial desta concessão.
Do mesmo modo, estes municípios elencaram seus critérios de atenção, em que se
observa uma necessidade de melhor qualificação do público alvo, pois a maioria dos
municípios relatou atender em situação de contingência social e/ou calamidade pública, mas
não descreve o conteúdo desta atenção, isto pode levar a interpretação caso a caso do direito,
como já pontuado. Além disto, observou-se municípios com um mix de critérios, tipo ou
possui um publico alargado, o que seria expressivo aos olhos do acesso ao direito, ou não
possui clareza de quem eles atendem. A isto se soma a variedade de benefícios concedidos,
que, na realidade, pertence a outras políticas públicas, isto pode ser observado neste estudo,
bem como no Levantamento Nacional do MDS, de 2009, o que endossa a ausência de
delimitação ou desconhecimento desta área (assistência social) e alimenta o legado de deixá-
la como subsidiaria de outras políticas públicas.
Em relação ao financiamento dos benefícios eventuais, alguns municípios se
manifestaram e expuseram os recursos disponíveis e suas fontes de custeio. Neste caso,
também se observa a interferência do Fundo Social de Solidariedade, bem como a
inexpressiva participação do estado paulista. A isto se considera a necessidade de trazer a
temática à luz das discussões, pois se observa certa ausência dos Estados, neste caso, o estado
de São Paulo referente à regulamentação destes benefícios, o que garantiria suas fontes de
custeio, sua qualificação e garantia a um direito esquecido.
131
Ao que pesem as observações aqui pontuadas, é possível afirmar que há significativa
ausência na regulação dos benefícios eventuais, e a consequência disto recai sobre os cidadãos
como retração de seus direitos. Estes são, de fato, os maiores prejudicados ou lesados face à
incompreensão e incerteza na provisão de um direito garantido em lei. Até mesmo os auxílios
natalidade e auxílio funeral (oriundos da política previdenciária), repassados como de caráter
obrigatório, foram esquecidos e são executados, no mais das vezes, à margem de qualquer
legislação. Isto prejudicou não só os cidadãos da política previdenciária, que deixaram de ser
atendidos, mas também o possível público de atenção não contributiva por parte da assistência
social, que permanecem sem acessar este direito, devido a tantas imprecisões que puderam ser
destacados neste estudo.
Trata-se de uma primeira aproximação ao objeto de estudo, que tem como proposta
trazer esta temática ao centro das discussões, em que por meio de fóruns locais, grupos de
estudos, seminários temáticos, entre outros, fomente, comece (ou continue) seu processo de
implementação junto aos municípios brasileiros. Aqui, objetivou-se analisar uma dada
realidade mostrando que a ausência de regulação é uma situação real, isto é, há um direito que
tem sido tratado à margem da LOAS e das legislações subsequentes, o que não condiz com os
princípios e diretrizes do SUAS, cujo intuito deveria ser o de fortalecer e assegurar a política
de assistência social na perspectiva do direito.
132
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138
ANEXO 1
Pesquisa
Questionário – Benefícios Eventuais (Art. 22 – LOAS)
01 – Regulamentação:
Existe regulamentação específica para a concessão do benefício?
( ) SIM ( ) NÃO
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
Se sim, de que ordem, portaria, lei, etc____________________________________________
A nomenclatura Benefícios Eventuais é usada desde quando?__________________________
Com qual (is) órgão (s) trabalha?_________________________________________________
02 – Benefícios Eventuais:
Quem é o responsável pela execução?
( ) Órgão Gestor;
( ) Convênio/Parceria;
( ) Fundo Social de Solidariedade;
( ) Outros:________________________________________________________________
03 – Fluxo de concessão do benefício:
Como se processa o fluxo de concessão do benefício?
( ) Usuário dirige-se ao órgão gestor e, em seguida, é encaminhado às instituições
conveniadas/parceria;
( ) Usuário dirige-se ao órgão gestor, que realiza todo o atendimento;
( ) Usuário dirige-se diretamente às instituições não governamentais que prestam serviço;
( ) Usuário dirige-se ao CRAS (proteção social básica);
( ) Usuário dirige-se ao CREAS (proteção social especial);
( ) Usuário dirige-se ao plantão social, que fica___________________________________
( ) Órgão gestor faz a concessão via guia de encaminhamento de retirada.
139
04 – Critérios para concessão:
Quais são os critérios para a concessão?
( ) Renda per capita de até ¼ do salário mínimo;
( ) Renda per capita de até ½ salário mínimo;
( ) Situação de calamidade pública;
( ) Situação de contingência social;
( ) Renda per capita igual à utilizada como parâmetro para o Bolsa Família;
( ) Famílias inseridas no Cad-Único.
05 – Número de beneficiários no município:
Qual é o número de beneficiários atendidos anualmente?_____________________________
por tipo:____________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
( ) Atendimento uma única vez ( ) Mais de uma vez
06 – Demanda reprimida:
Existe demanda reprimida? ( ) SIM ( ) NÃO Quanto:___________________________
07 – Se sim, preencher:
Em caso afirmativo, indique:
( ) Insuficiência de recursos financeiros;
( ) Inexistências de parcerias institucionais;
( ) Insuficiência de equipe técnica;
( ) Outros:_________________________________________________________________
08 – Tempo do benefício:
Qual é a média de tempo em que o benefício é concedido (duração da concessão para cada
beneficiário)?
( ) 1 única vez;
( ) até 1 mês;
( ) menos de 2 meses;
( ) de 2 a 6 meses;
( ) de 6 meses a 12 meses;
140
( ) mais tempo:_____________________________________________________________
09 – Outros serviços socioassistenciais:
A concessão do benefício eventual está vinculada à possibilidade de inserção em outros
serviços socioassistenciais?
( ) SIM ( ) NÃO
10 – Benefícios Eventuais oferecidos pelo município:
Quais são os benefícios eventuais oferecidos?
( ) Auxílio natalidade;
( ) Auxílio Funeral;
( ) Distribuição de cesta básica;
( ) Distribuição de material de construção;
( ) Distribuição de cobertores, roupas, móveis, etc;
( ) Aluguel de casa;
( ) Produto de limpeza, higiene,armação e lentes para óculos;
( ) Documentação e fotografia para usuários da política de assistência social;
( ) Passagem interestadual;
( ) Passagem intermunicipal;
( ) Leite em pó para recém nascidos;
( ) Fraldas descartáveis para recém nascidos e idosos;
( ) Pagamentos de taxas de água, luz e gás;
( ) Passagens para itinerantes e usuários da política de assistência social;
( ) Material de trabalho;
( ) Outros:_________________________________________________________________
Qual o procedimento dos benefícios oferecidos?___________________________________
__________________________________________________________________________
Qual o tempo de espera para acessar o benefício pretendido?_________________________-
___________________________________________________________________________
Qual é a forma de concessão do benefício?
( ) Bens de consumo ( ) Recursos Financeiros
141
Há outros auxílios executados, mas não usam a nomenclatura de Benefícios
Eventuais?__________________________________________________________________
11 – Recursos Financeiros:
Recursos Financeiros aplicados:
Municipal:R$________________________Fundo Municipal da Assistência Social
R$________________________Fundo Social de Solidariedade.
R$ _______________________Órgão Gestor
Estadual:R$__________________________Fundo Estadual de Assistência Social.
R$_________________________ Fundo Social de Solidariedade.
R$_________________________ Órgão Gestor
Federal:R$__________________________ Fundo Nacional de Assistência Social.
Privado:R$__________________________________________________________________
Outras Fontes:R$_____________________________________________________________
Orçamento Municipal destinado à política de assistência social________________________
Comentários e/ou observações acerca dos Benefícios Eventuais no município:
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
142
ANEXO 2
P R E F E I T U R A M U N I C I P A L D E M O G I G U A Ç U – S. P.
GABINETE DO PREFEITO
LEI Nº 4.583, DE 11 DE DEZEMBRO DE 2009
Dispõe sobre criação do programa “Benefícios Eventuais”, em
Mogi Guaçu.
O PREFEITO DO MUNICÍPIO DE MOGI GUAÇU:
FAÇO SABER que a Câmara Municipal aprovou e eu
sanciono e promulgo a seguinte LEI:
Art 1º Fica criado no Município fr Mogi Guaçu, na forma
desta Lei e conforme dispõe o artigo 22 da Lei Federal nº 8.742, de 07.12.1993, o programa
de “Benefícios Eventuais”.
Parágrafo Único: O programa de “Benefícios Eventuais” faz
parte dos programas sociais da Secretaria Municipal de Promoção Social.
Art 2º O benefício eventual é uma modalidade de provisão
de proteção social básica de caráter suplementar e temporário que integra as garantias do
Sistema Único de Assistência Social – SUAS.
Art 3º O benefício eventual destina-se aos cidadãos e às
famílias impossibilitadas de superar, por conta própria, contingências sociais que provoquem
riscos e fragilizem a manutenção do individuo, a unidade da família e a manutenção de seus
membros.
Art 4º O benefício eventual tem, prioritariamente, no âmbito
do SUAS, os seguintes objetivos:
143
I – Integração à rede de serviços sociais e assistenciais, para atendimento das necessidades
básicas do ser humano;
II – Constituição de provisão certa para enfrentar, com agilidade e presteza, eventos incertos;
III – Garantia de qualidade e presteza dês respostas aos usuários, de espaços para manifestação
e defesa de direitos;
IV – Afirmação dos benefícios eventuais com direito relativo à cidadania;
V – Garantia de igualdade de condições de acesso às informações e à fruição do benefício
eventual;
VI – Ampla divulgação dos critérios para sua concessão e,
VII – Desvinculação de comprovações complexas e vexatórias de pobreza, que estigmatizam os
benefícios, os beneficiários e a política de assistência social.
Art. 5º Os benefícios sociais serão concedidos por assistentes
sociais do Centro de Referência de Assistência Social – CRAS e pelo plantão social da
Secretaria Municipal de Promoção Social, mediante critérios pré-estabelecidos em consonância
com o SUAS, aprovados pelo Conselho Municipal de Assistência Social.
Art 6º Compete ao Conselho Municipal de Assistência Social
definir o valor dos auxílios, fiscalizar a aplicação do regulamento dos benefícios eventuais,
avaliar e reformular anualmente, se necessário for, a forma de concessão e o valor dos auxílios.
Art 7º São os seguintes os auxílios a serem concedidos:
I – Auxílio natalidade/maternidade;
II – Auxílio morte/funeral;
III – Atendimento de situações de calamidade pública e,
IV – Atendimento em situações de vulnerabilidade temporária.
Art 8º Compete à Secretaria Municipal de Promoção Social:
I – A coordenação geral, a operacionalização, o acompanhamento, a avaliação da prestação dos
benefícios eventuais, bem como seu financiamento;
II – A realização de estudos da realidade e monitoramento da demanda para constante
ampliação de concessão dos benefícios eventuais;
III – A expedição das instruções e a instituição dos formulários e modelos de documentos
necessários à operacionalização dos benefícios eventuais;
144
IV – A manutenção de parcerias com Organizações Não Governamentais – ONGs e Empresas
Privadas e Públicas, para atendimento da clientela e de convênios com os Governos Federal e
Estadual para obtenção de recursos ao custeio dos benefícios eventuais.
Art 9º As despesas decorrentes desta Lei correm à conta de
dotações orçamentárias próprias.
Art. 10 Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação,
revogadas as disposições em contrário.
Mogi Guaçu, 11 de Dezembro de 2009. “Ano 132º da
Fundação do Município, em 09 de Abril de 1877”.
DR. PAULO EDUARDO DE BARROS
PREFEITO
CÁSSIO LUCIANO DOS SANTOS
SEC. MUN. DE PROMOÇÃO SOCIAL
FERNANDO DE SEIXAS PEREIRA
CHEFE DE GABINETE DO PREFEITO
145
ANEXO 3
Resolução nº 04/08
Assunto Regulamenta os critérios da concessão dos benefícios eventuais de
auxílio Natalidade, Funeral, situações de calamidade pública e situações de
vulnerabilidade temporária no âmbito Municipal da política pública de
Assistência Social.
O Conselho Municipal de Assistência Social do Município de Itapira, no uso das atribuições
que lhe confere a lei nº 2.698, resolve aprovar em Reunião Ordinária realizada em 06 de maio
de 08.
CONSIDERANDO que a concessão dos benefícios eventuais, é um direito garantido em lei e
de longo alcance social.
CONSIDERANDO a competência atribuída ao CMAS, pela Lei nº 8.742, de 1993 – LOAS,
que regulamenta a concessão dos benefícios eventuais conforme art. 22, mediante critérios e
prazos definidos pelo Conselho Nacional de Assistência Social.
CONSIDERANDO a minuta do decreto da regulamentação de benefícios eventuais da
Assistência Social apresentada pela Secretaria Municipal de Assistência Social, examinada e
referenciada na reunião ordinária do CMAS ocorrida em 06 de maio de 2008.
CONSIDERANDO a resolução nº 212 de 19 de outubro de 2006 do Conselho Nacional de
Assistência Social.
RESOLVE:
Art. 1º - Estabelecer os critérios de concessão de benefícios eventuais no âmbito municipal da
política de assistência social.
Art. 2º - O benefício eventual é uma modalidade de provisão de proteção social básica de
caráter suplementar e temporário que integra organicamente as garantias do Sistema Único de
Assistência Social – SUAS, com fundamentação nos princípios de cidadania e dos direitos
sociais e humanos, prestada a pessoa residente no município de Itapira e que possuam renda
mensal per capita inferior a ¼ (um quarto) do salário mínimo.
Parágrafo Único – Para comprovação das necessidades para concessão do benefício eventual
são vedadas quaisquer situação de constrangimento ou vexatória.
146
Art. 3º - O benefício eventual destina-se aos cidadãos e as famílias sem possibilidade de arcar
por conta própria o enfrentamento de contingências sociais cuja ocorrência provoca riscos e
fragiliza a manutenção do indivíduo, a unidade da família e a sobrevivência de seus membros.
Art. 4º - O benefício eventual na forma de auxílio natalidade, constitui-se em uma prestação
temporária não contributiva da Assistência Social na forma de bens de consumo, para reduzir
a vulnerabilidade provocada por nascimento de membro da família residente no Município de
Itapira.
Art 5º - O alcance de benefício natalidade, é destinado a família e terá preferencialmente,
entre suas condições:
I – Atenções necessárias ao nascituro;
II – Apoio à mãe no caso de morte do recém-nascido;
III – Apoio à família no caso de morte da mãe.
Art. 6º - O benefício natalidade ocorrerá na forma de bens de consumo.
§ 1º - Os bens de consumo consistem no enxoval do recém-nascido, incluindo itens de
vestuário, utensílios para alimentação e de higiene, observada a qualidade que garanta a
dignidade e o respeito a família beneficiada.
§ 2º - Em caso de falecimento da mãe, fornecer alimentação para o bebê até os 6 meses de
vida, de acordo com a prescrição médica.
§ 3º - Em caso de falecimento do bebe fornecer itens de alimentação para a família.
§ 4º - O requerimento do benefício natalidade deve ser solicitado, no mínimo, 30 dias antes do
nascimento, e no mínimo, até 30 dias depois do nascimento do bebe, em unidades de Centro
de Referência de Assistência Social – CRAS, nas unidades básicas de saúde, na Secretaria de
Promoção Social, com profissional do serviço social, regularmente inscrito no conselho de
classe (CRESS).
§ 5º - O benefício natalidade deverá ser concedido até 30 dias após o requerimento.
§ 6º - O benefício eventual na forma de Auxílio Funeral constitui-se em uma prestação
temporária, não contributiva da Assistência Social em prestação de serviços, para reduzir a
vulnerabilidade provocada por morte de membro da família;
Art. 7º - O alcance do benefício funeral, preferencialmente, será distinto em modalidade de:
I – Prestação de serviços de despesa com: uma urna funerária, velório e sepultamento,
utilização da capela incluindo transporte, isenção de taxas, colocação de placas de
identificação e demais sérvios pertinentes (arrumação do corpo, vestimentas, ornamentação,
desodorização, tapamento, encaminhamento da declaração de óbito ao cartório).
147
II – Custeio de necessidades urgentes da família para enfrentar os riscos e vulnerabilidades
advindas da morte de um de seus provedores ou membros, através do auxílio alimentação.
§ 1º - O requerimento do benefício funeral deve ser solicitado logo após o falecimento, ao
serviço funerário municipal, ou em casos de falecimento no hospital, com o profissional de
serviço social, regularmente inscrito no conselho de classe (CRESS).
§ 2º - O benefício funeral, na modalidade custeio (auxílio alimentação) deverá ser concedido
até 30 dias após o requerimento.
Art. 8º - Os benefícios natalidade e funeral serão devido à família em número igual a das
ocorrências desses eventos.
Art. 9º - Os benefícios natalidade e funeral podem ser concedidos diretamente a um integrante
da família beneficiária: mãe, pai, parente até segundo grau ou pessoa autorizada mediante
procuração.
Art. 10 – Os benefícios de vulnerabilidade temporária envolve acontecimentos do cotidiano
dos cidadãos e pode se apresentar de diferentes formas e produzir diversos padecimentos.
I – advento de riscos, perdas e danos a integridade pessoal e familiar e pode decorrer de:
a – falta de acesso a condições e meios para suprir a reprodução social cotidiana do solicitante
e de sua família, principalmente a de alimentação
b – falta de documentação
c – falta de domicílio
d – situação de abandono ou impossibilidade de garantir abrigo a seus filhos
e – perda circunstancial decorrente da ruptura de vínculos familiares
f – presença de violência física ou sexual na família ou por situações de ameaça a vida
g – por situações de desastres e calamidade pública
h – outras situações sociais identificadas que comprometam a sobrevivência
Art. 11 – Atendimento a situação de calamidade pública
I – reconhecimento pelo poder público de situação anormal, advinda de baixas ou altas
temperaturas, tempestades, enchentes, inversão térmica, desabamentos, incêndios, epidemias,
causando sérios danos à comunidade afetada, inclusive à segurança ou à vida de seus
integrantes.
Art. 12 – Ao município compete:
I – A coordenação geral, a operacionalização, o acompanhamento, a avaliação da prestação
dos benefícios eventuais, bem como seu financiamento.
II – A realização de estudos da realidade e monitoramento da demanda para constante
ampliação da concessão dos benefícios eventuais;
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III – Expedir as instruções e instituir formulários e modelo de documentos necessários a
operacionalização dos benefícios eventuais.
Art. 13 – Ao Conselho Municipal de Assistência Social compete:
I – Fornecer ao município, estado e Distrito Federal, informações sobre irregularidades na
aplicação do regulamento dos benefícios eventuais.
II – Avaliar e reformular, se necessário a cada ano a regulamentação de concessão dos
benefícios natalidade e funeral do município.
III – Apreciar e aprovar os formulários e os modelos de documentos utilizados na
operacionalização dos benefícios eventuais.
Art. 14 – O estado definirá a sua participação no co-financiamento dos benefícios eventuais
junto ao município a partir de:
I – Verificando se a mesmo esta em conformidade com as regulamentações especifica;
II – Levantamento da situação de vulnerabilidade e risco social do município em índices de
mortalidade e de natalidade;
III – Discussão junto a CIB e ao Conselho Estadual de Assistência Social.
Parágrafo Único: O resultado desse processo deverá determinar um percentual de recursos a
ser repassado ao município em prazo de 8 meses após a publicação dessa resolução.
Art. 15 – A regulamentação dos benefícios eventuais e sua inclusão na lei orçamentária do
município dar-se-á no prazo de até 12 meses e sua implementação até 24 meses a contar da
data de publicação dessa resolução.
Art. 16 – O município deve promover ações que viabilizem e garantem a ampla e periódica
divulgação dos benefícios eventuais e dos critérios para a sua concessão.
Fátima Regina Gonçalves
Secretária Executiva do CMAS