POR UMA REAPROPRIAÇÃO E RESSIGNIFICAÇÃO DO PATRIMÔNIO MATERIAL: PROPOSTA DE RESTAURAÇÃO DO FORTE
NOSSA SENHORA DOS REMÉDIOS – FERNANDO DE NORONHA - BARROS, Carlina Rocha de Almeida; NORMANDE, Maíra Matos
Salvador BA: UCSal, 8 a 10 de Outubro de 2014, ISSN 2316-266X, n.3, v. 8, p. 82-100
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POR UMA REAPROPRIAÇÃO E RESSIGNIFICAÇÃO DO
PATRIMÔNIO MATERIAL: PROPOSTA DE RESTAURAÇÃO DO
FORTE NOSSA SENHORA DOS REMÉDIOS – FERNANDO DE
NORONHA
BARROS, Carlina Rocha de Almeida
Professora do Centro Universitário CESMAC
NORMANDE, Maíra Matos
Graduada em Arquitetura e Urbanismo
RESUMO No mundo contemporâneo a sustentabilidade deve ser uma aliada da preservação no que diz respeito à
reutilização do patrimônio material, considerando o tripé composto pelas dimensões econômicas,
ambientais e socioculturais relativas ao contexto em que se insere o bem. O Forte Nossa Senhora dos Remédios, em Fernando de Noronha, sempre foi referencial na paisagem e na comunidade local, sendo
parte de um processo resultante de séculos de apropriações segundo necessidades de cada momento
histórico, mas apesar disto encontra-se em estado de abandono e desuso ao longo de décadas. Este trabalho discute caminhos para uma reinserção do forte no contexto contemporâneo através de seu
restauro e reutilização, tendo como principais condicionantes o tripé da sustentabilidade e um discurso
centrado no sujeito, que reconhece o valor cultural, e não apenas no patrimônio enquanto materialidade, entendendo-o como suporte da memória social que dá-lhe sentido e significado.
Palavras-chave: Sustentabilidade, Patrimônio, Forte Nossa Senhora dos Remédios.
ABSTRACT In the contemporary world sustainability must be an ally of preservation with regard to re-use material
heritage, whereas the tripod consisting of the economic, environmental and socio-cultural dimensions
concerning the context in which it operates the heritage. The Fort Nossa Senhora dos Remédios, in Fernando de Noronha, always been reference in the landscape and in the local community, being part of
a process resulting from centuries of appropriations according to the needs of each moment in history,
but despite this is in state of disrepair and disuse for decades. This work discusses paths to a reinsertion of fort in the contemporary context through its restoration and re-use, having as main conditions the
sustainability tripod and a speech centered on the subject, which recognizes the cultural value, and not
only in understanding materiality, while heritage as memory support that gives you social sense and meaning.
Key-words: Sustainability, Heritage, Fort Nossa Senhora dos Remédios.
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SUSTENTABILIDADE E PATRIMÔNIO
Apesar de remontar ao séc. XVIII, o discurso sobre a sustentabilidade é retomado com
maior força a partir do séc. XX, reflexo da crise ambiental decorrente do desenvolvimento
econômico e do avanço do modo de vida capitalista, demandando novas formas de
interpretação e adaptação à vida contemporânea. Dessas discussões surge o que se chamou de
“tripé da sustentabilidade”, que prega uma relação harmoniosa entre as dimensões econômica,
social e ambiental para se alcançar um maior equilíbrio entre desenvolvimento, qualidade de
vida e meio ambiente.
Condição primordial para a sobrevivência do discurso da sustentabilidade diante do
avanço econômico, a dimensão econômica colocada refere-se às atividades formais e informais
da economia, ao incentivo e possibilidade de trabalho e renda para as comunidades, e ao lucro
que se obtém de forma honesta, não sobressaindo à natureza e à sociedade. A dimensão
ambiental, desde sempre o principal enfoque dos discursos acerca da sustentabilidade, deve
levar em consideração os impactos dos empreendimentos no meio ambiente, tanto no que diz
respeito à implantação quanto ao emprego dos materiais e técnicas construtivas. Por fim, a
dimensão social, que por sua vez engloba a questão cultural, tem como preocupação o bem estar
do ser humano, considerando-o como componente importante nos processos sustentáveis e
elemento a ser considerado no que concerne a definições de impacto no território1.
[...] uma política de desenvolvimento na direção de uma sociedade sustentável
não pode ignorar nem as dimensões culturais nem as relações de poder
existentes e muito menos o reconhecimento das limitações ecológicas, sob pena de apenas manter um padrão predatório de desenvolvimento. (JACOB,
1999, p.179)
Buscando fortalecer a cidadania e o sentimento de pertencimento das pessoas em
relação aos lugares, os referenciais de memória e identidade devem ser preservados e inseridos
no contexto contemporâneo, desenvolvendo a autoestima e o “estar no mundo” do indivíduo. A
rugosidade do espaço tratada por Milton Santos (2008) encontra-se materializada a partir dos
bens culturais que compõem a cidade do presente e que externam o acúmulo temporal da
paisagem.
[...] ruas, praças e monumentos transformam-se em suportes físicos de
significação e lembranças compartilhadas, que passam a fazer parte da
1 Disponível em: <http://blog.pucsp.br/educasustentabilidade/2011/08/06/the-triple-bottom-line/>. Acesso em: 13
de julho de 2014.
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experiência ao se transformarem em balizas reconhecidas de identidades [...] e marcos de pertencimento. (ARANTES, 2000, p.53)
Entendendo a cultura enquanto processo e resultado de trabalho, de produção e de
pensamento, como afirma Bosi (1987), a memória é componente essencial para a sua
manutenção, pois “aprender é lembrar, lembrar é aprender” (BOSI, 1987, p.52). O
conhecimento se dá partir da rememoração, e dessa forma o patrimônio cultural2 se configura
como um dos suportes dessa memória, materializando o passado e colaborando para a
manutenção de uma determinada cultura. Um povo sem passado é um povo sem referência.
O patrimônio cultural coloca-se como elemento potencial para a concretização do tripé
da sustentabilidade, de forma que pode se contextualizar na contemporaneidade. Para isso, o
resgate imagético de edificações e espaços memoráveis é uma condição, assim como sua
reutilização, aproximando o sujeito do objeto. A restauração do patrimônio material coloca-se
como um processo que pode efetivar essa potencialidade dos bens culturais materiais, visto que
possibilita a reciclagem de antigas estruturas e seus materiais construtivos (dimensão
econômica e ambiental), ao mesmo tempo em que colabora para o resgate e manutenção da
história e memória local (dimensão social/cultural).
Diante da sua importância, o processo restaurativo precisa ter diretrizes que norteiem a
intervenção com respeito à pré-existência, e que ao mesmo tempo tragam a marca da
contemporaneidade. É dessa maneira que surgem novos pensadores acerca do restauro e sua
teorização, a exemplo do espanhol Salvador Munõz Viñas, que defende a reutilização do
patrimônio edificado segundo a realidade socioeconômica e cultural hoje existente, construindo
um novo discurso preservacionista com base nos mesmos preceitos que marcam a
sustentabilidade, porém tendo no sujeito o principal elemento do processo.
No final do séc. XX, com a percepção e o reconhecimento do sentido simbólico e
imaterial dos objetos patrimoniais que culminou no conceito de patrimônio cultural, a noção de
patrimônio como “obra de arte” perde força. Como determinar o que é ou não arte? O valor
atribuído a um determinado bem mostra-se além de sua constituição física e material, e muito
mais relacionado à sua representatividade diante de um grupo.
Dessa forma percebe-se uma mudança de direção que aponta não mais para o objeto,
mas para o sujeito que contempla e se apropria daquele. Muñoz afirma que o elemento central
2 O patrimônio cultural, conceito trazido pela Constituição Brasileira de 1988, engloba os bens materiais e
imateriais de relevância cultural.
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do processo deve substituir o objeto de valor cultural pelo sujeito que reconhece o valor cultural
no objeto, “por que a Restauração se faz para os usuários presentes ou futuros dos objetos (isto
é, para os sujeitos), e não para os próprios objetos” (MUÑOZ VIÑAS, 2003. p. 176),
apresentando uma dimensão simbólica.
Novas reflexões indicam quebras de paradigmas e conduzem cada vez menos aos
consensos, considerando as peculiaridades encontradas nos objetos e nos sujeitos que os
apropriam, conduzindo a processos mais sustentáveis e que consideram a importância do uso
para a completa apropriação do objeto pelo sujeito. As discussões devem ser ampliadas para se
pensar nas possibilidades de utilização do bem não só para as gerações presentes como para as
futuras, a partir de princípios e soluções que consideram a sustentabilidade do ponto de vista
socioeconômico e ambiental.
Assim como o bem cultural relaciona-se com o sujeito, encontra-se relacionado também
a um meio que o condiciona e que é condicionado por ele. O Forte Nossa Senhora dos
Remédios, em Fernando de Noronha, e sua inserção no meio físico natural, construído e social,
deverá condicionar sua preservação e seus usos, possibilitando e incentivando a utilização da
edificação por uma maior diversidade de grupos sociais e culturais e fortalecendo o sentimento
de pertencimento da população para com o bem cultural.
FORTE DOS REMÉDIOS: UMA UNIDADE DE MULTITEMPORALIDADES
A presença de fortificações, fortins e redutos no Brasil, que remonta ao séc. XVI é ainda
hoje marcante ao longo de todo o território brasileiro, contando através dessas importantes
edificações militares o poder de dominação e controle do território ainda nos primórdios de sua
ocupação. A construção de fortificações contribuiu para o início da ocupação e
desenvolvimento de inúmeras localidades, especialmente ao longo da costa brasileira e em
pontos estratégicos para defesa e controle de acesso, e tinha como uma de suas particularidades
a adequação da fortificação à geomorfologia pré-existente.
A disposição das fortificações em locais de grande visibilidade nas cidades, marcando a
paisagem ao longo dos séculos, sempre esteve atrelada a uma necessidade estratégica de
proteção e melhor visualização do entorno. As fortificações se colocam de forma marcante na
paisagem, determinando relações indenitárias e valores que extrapolam a sua materialidade.
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A fortificação é um ícone tridimensional – prático e simbólico – cuja mensagem se dirige ao exterior, para receptores que não dominam as técnicas
de construção da arquitetura militar, mas que, não obstante, podem receber a
mensagem e compreende-la, segundo um código ideológico-cultural. Na imagem global da fortificação podem ser encontrados elementos de uma
linguagem simbólica, que mediante a percepção visual, expressa conceitos e
comunica atitudes a um imaginário coletivo. (FUSCO, 1970, apud CRUXEN, 2011, p.8)
E além de sua forte simbologia e importância do ponto de vista militar e de defesa, as
fortificações também se destacavam por sua boa arquitetura e simplicidade, exigidas pelo
pragmatismo das obras a cargo dos engenheiros militares (OLIVEIRA, 2008). Não por acaso
mais de trinta fortificações distribuídas pelo território brasileiro já são reconhecidas como bens
culturais brasileiros protegidos pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional –
IPHAN desde 19383, consideradas testemunhos materiais importantes da história e memória
das primeiras ocupações no Brasil4.
O arquipélago de Fernando de Noronha, localizado abaixo da linha do Equador, dista
545 km de Recife, capital de Pernambuco e 360 km de Natal, capital do Rio Grande do Norte.
Tem sua história e ocupação marcada pela presença das fortificações, grande parte ainda hoje
existente, especialmente na ilha de Fernando de Noronha, a principal do arquipélago e única
habitada. Ocupada inicialmente pelos holandeses ao longo do séc. XVII (SILVA, 2007), a ilha
possibilitou sua utilização como local de descanso e provisão, despertando interesse devido à
sua localização estratégica.
A ocupação holandesa culminou com a construção de uma pequena fortificação em
1629, descrita por Duarte de Albuquerque Coelho em Memorias diárias de la Guerra del
Brasil, 1630-1638. Ao que parece, o fortim denominado Seeburgh, também conhecido como
Ancien5 e citado por Duarte Coelho, encontrava-se implantado no mesmo local onde hoje se
encontra o Forte Nossa Senhora dos Remédios, que pode ser considerado um marco da
ocupação de Fernando de Noronha ainda nos primórdios do séc. XVII (Imagem 01). Devido a
inúmeras dificuldades a ocupação holandesa durou poucos anos, provavelmente só até meados
do séc. XVII, e a ilha só voltou a ser ocupada novamente em 1737, pelos portugueses6. A
3 Disponível em: <www.iphan.gov.br>. Acesso em: 13 de julho de 2014. 4 O Forte Nossa Senhora dos Remédios encontra-se tombado pelo IPHAN desde 1961, inscrito como Monumento
Nacional no Livro Histórico V.1 (www.iphan.gov.br). 5 Pereira da Costa (1887, apud DANTAS, 2009) afirma que a primeira fortificação erguida em Noronha foi feita
em 1646, e não em 1629, como afirma Duarte de Albuquerque Coelho. 6 Segundo Dantas (2009), existiu ainda uma breve tentativa de ocupação francesa da ilha entre 1737 e 1738.
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intenção de ocupar o local estava diretamente relacionada à sua posição estratégica no oceano
Atlântico, passagem de embarcações e alvo de investidas de ocupação ao longo do tempo
(DANTAS, 2009).
Diante das diversas tentativas de ocupação, os portugueses percebem a necessidade de
proteger e ocupar o local. Para isso foi projetado um sistema de fortificações em Fernando de
Noronha tendo como engenheiro militar responsável o Tenente General Diogo da Sylveyra
Vellozo, a quem ficou a responsabilidade de distribuir as fortificações pelo território e definir
os seus esquemas7. Ao todo foram erguidas 10 fortificações no arquipélago, duas no Mar de
Fora e oito do Mar de Dentro (este mais vulnerável a ataques), conforme Dantas (2009), sendo
uma delas o de estudo (Imagem 02).
7 O sistema foi concluído pelos estrategistas Antonio de Brito Gamacho e o militar João Lobo de Lacerda (SILVA,
2007).
Imagem 01: À esquerda, localização do fortim Seeburgh ou Ancien, com sua planta inicial na imagem à direita.
Fonte: DANTAS, 2009, p.114.
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O Forte dos Remédios, construído em 1737 pelos portugueses sobre as ruínas do antigo
fortim holandês, sofreu diversas intervenções e ampliações ao longo dos séculos, adequando-se
aos acontecimentos históricos que influenciaram diretamente na sua imagem e apropriação. A
edificação se apresenta como uma superposição de épocas, podendo-se afirmar que todas elas
encontram-se, de alguma maneira, presentes no forte até os dias atuais, inclusive a fase
holandesa, como atestam os antigos tijolos holandeses reutilizados na construção do forte
português.
Percebe-se que, apesar dos inúmeros acréscimos que sofreu ao longo de seu percurso
histórico, a fortificação preservou sua morfologia geral, que continua prevalecendo enquanto
escala e volumetria, o que possibilita afirmar que sua unidade é composta de
multitemporalidades que se intercomunicam e recriam a unidade primeira, tendo-a sempre
como referência (Imagem 03).
Imagem 02: Arquipélago de Fernando de
Noronha e localização do seu sistema de
fortificação, com destaque para o Forte dos
Remédios.
Fonte: DANTAS, 2009, p.103.
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O Forte dos Remédios organiza-se a partir de 3 planos distintos: o da Praça d´Armas (o
mais baixo, nível 51,50m em relação ao mar); o do terrapleno (nível intermediário – 56m acima
do nível do mar); e o do cavaleiro, (nível mais alto da edificação, 62m acima do nível do mar).
Essa conformação contribui para gerar diversas perspectivas de apreensão da paisagem e do
próprio forte, possibilitando uma grande riqueza de visuais a partir de ângulos diversos
possibilitados pelos três níveis (Imagem 04). Não à toa o forte é um dos pontos preferidos da
ilha para se visualizar o pôr do sol.
Praia do Cachorro
Vila dos Remédios
Imagem 03: Vista aérea do Forte dos Remédios implantado sobre um promontório
rochoso: preservação da morfologia geral.
Fonte: IPHAN, 2013.
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Percebem-se as relações visuais e de proteção do forte sobre a Vila dos Remédios, assim
como a natureza ainda predominante em seu entorno. A sua volumetria associada à implantação
em um ponto estratégico da ilha possibilitou que mesmo após séculos de adaptações de formas
e usos, o Forte dos Remédios continue sendo um referencial simbólico na paisagem de
Fernando de Noronha. A visualização do forte é possível de vários pontos da ilha, e mesmo à
distância é possível identificar o cavaleiro como elemento de destaque, assim como sua
muralha (Imagem 05).
À medida que nos aproximamos do forte a partir da Vila dos Remédios, é possível
perceber como o mesmo se comunica com a vila, estando sua portada estrategicamente voltada
para a mesma, o que remete mais uma vez à sua importância material e simbólica para
moradores e visitantes (Imagens 06 e 07).
Imagem 05: A partir do porto de
Santo Antônio: vista do Forte dos Remédios em primeiro plano (em
destaque), e morro do Pico em
segundo plano.
Fonte: Acervo das autoras, 2013.
Enseada de Santo Antônio
Imagem 04: O Forte dos Remédios e suas principais visuais.
Fonte: Acervo das autoras, 2013.
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Infelizmente essa comunicação entre o forte e a vila dá-se atualmente apenas
visualmente, estando o forte de certa maneira desvinculado da dinâmica urbana atual. Apesar
disso, observa-se que é possível resgatar uma ligação entre ambos que extrapole a simples
visualidade, considerando que a vila agrega usos de cunho econômico, a exemplo de pousadas e
restaurantes voltados especialmente para atender ao turismo; elementos e usos socioculturais, a
exemplo do Memorial Noronhense, a Igreja dos Remédios, o Reduto de Sant’ Anna e a própria
ambiência urbana que se preserva em grande parte (Imagem 08).
Imagens 06 e 07: Vista do Forte dos Remédios a partir da praça do Cruzeiro (acima); e detalhe do forte (à
direita): portada voltada para a vila. Fonte: Acervo das autoras, 2013.
LEGENDA:
A - Forte dos Remédios B - Centro de Artesanato C - Memorial Noronhense D - Igreja dos Remédios E – Comércio/ Serviços F – Prefeitura ETE – Estação de Tratamento de Esgotos
A
Imagem 08: O forte e seu entorno
imediato.
Fonte: Google Earth, 2013 (com
adaptações).
ETE
B
C
D
E
F E
E
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O entorno do forte também apresenta elementos ambientais de importância,
representados pela enseada de Santo Antônio e praia do Cachorro, estendendo-se visualmente a
partir do forte até o porto e o Fortim de Santo Antônio a leste, e o Fortim da Conceição a oeste.
Os principais acessos ao forte e à vila dão-se a partir da BR 363, única existente na ilha: um
deles através do Parque Flamboyant, sendo o mais utilizado pelos visitantes, e outro a partir da
Estrada Velha do Porto (Imagem 09).
A partir da Vila dos Remédios o acesso ao forte só é possível através da inclinada
Estrada do Forte dos Remédios, vencendo o promontório rochoso em que se encontra a
edificação, a cerca de 50m acima do nível do mar. Percebe-se com maior clareza a relação do
forte com a geomorfologia existente a partir da estrada citada, único acesso à edificação e
obstáculo a ser vencido por aqueles que desejam conhecê-la de perto. A mata existente ao longo
da estrada revestida em pedra cria um túnel vegetado que transporta o visitante através do
tempo, dando perspectiva e imponência ao forte a partir de quem chega (Imagem 10).
Imagem 09: Vista geral da Vila e do Forte
dos Remédios com seus principais acessos e
visuais.
Fonte: Google Earth, 2013 (com adaptações).
LEGENDA:
A – Forte dos Remédios B – Fortim de Santo Antônio C – Fortim da Conceição D – Reduto de Sant´Anna 1 – Acesso a partir do Parque Flamboyant 2 – Acesso a partir da Estrada Velha do Porto
A
B
C
Enseada de Santo Antônio
Praia do Cachorro
Vila dos Remédios
D
1
2
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Sem utilização desde meados do séc. XX, o forte foi sofrendo a ação do tempo e da má
conservação, o que acarretou em inúmeras perdas materiais que comprometem a sua
estabilidade física e limitam o seu uso e apropriação. A restauração do forte potencializará a sua
apropriação e uso, o que poderá contribuir para uma maior conservação do bem. O patrimônio
só pode ser plenamente “cultural” quando consegue se fazer uno (portanto único), agregando
valores materiais e imateriais em sua imagem, onde a devida utilização do bem também
contribui para esse objetivo.
REAPROPRIAÇÃO E RESSIGNIFICAÇÃO DO FORTE DOS REMÉDIOS
Os bens culturais materiais, através da restauração, se constituem em elementos de
fundamental importância na concretização do tripé proposto pela sustentabilidade, segundo as
dimensões: econômica, social/cultural e ambiental, como dito anteriormente. A restauração do
patrimônio, ao mesmo tempo em que possibilita a reinserção do bem no contexto presente
através de sua reapropriação pela sociedade, também promove o reaproveitamento de grandes
estruturas ainda passíveis de utilização, diminuindo o desperdício de materiais e a exploração
de recursos não renováveis. Como afirmou Viollet-le-Duc (2000, p.64), “Uma vez que todos os
edifícios nos quais se empreende uma restauração têm uma destinação, são designados para
uma função, não se pode negligenciar esse lado prático para se encerrar totalmente no papel de
restaurador de antigas disposições fora de uso.” O pensamento tão pertinente ao momento atual
reafirma a importância da reinserção e reapropriação do bem restaurado através de um uso
condizente com o contexto atual.
Imagem 10: Perspectiva inicial
do forte a partir da estrada.
Fonte: Acervo das autoras, 2013.
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O Forte Nossa Senhora dos Remédios, edificação que em tempos remotos contribuiu
para a ocupação definitiva da ilha de Fernando de Noronha, passou por sucessivas etapas
históricas e consequentemente por usos diversos que aos poucos foram contribuindo para a
construção da imagem atual que se tem do forte. Inicialmente os usos ligados ao forte sempre
estiveram relacionados à sua função enquanto ponto de defesa, e posteriormente enquanto
quartel e prisão. A sua sólida volumetria associada à implantação no terreno cria uma posição
de destaque e imponência, mas as condições físicas em que se encontra e a ausência de
utilização gerou algum distanciamento da população em relação ao bem. Até o presente
momento não houve uma utilização efetiva da edificação que a vinculasse mais diretamente à
comunidade local, e após a sua última desocupação o forte sofreu com um abandono de
décadas, o que contribuiu para sua degradação física e esquecimento.
A restauração do Forte Nossa Senhora dos Remédios deverá buscar o resgate de uma
morfologia, sobretudo enquanto estrutura de fortificação, considerando ainda as adições
históricas do séc. XVIII e especialmente do séc. XIX. Ao mesmo tempo possibilitará uma nova
simbologia para a edificação, atrelada a um uso que reconheça potenciais naturalmente
resultantes da sua forma e implantação, assim como do contexto socioeconômico e cultural em
que se insere o forte. O discurso da sustentabilidade é incorporado a partir das três dimensões
propostas pelo tripé, possibilitando um processo de preservação mais adequado ao contexto
contemporâneo de desenvolvimento, qualidade de vida e meio ambiente, conforme indicado no
discurso de Muñoz Viñas (2003). A proposição de um novo uso também está atrelada ao
discurso de Cesare Brandi (2004) e à importância da idoneidade do uso, que deve adequar-se à
edificação evitando grandes transformações/ adaptações físicas no forte e buscando o
aproveitamento dos espaços segundo sua historicidade e artisticidade, considerando escala e
tipologia arquitetônica existentes.
A partir da análise do entorno imediato ao Forte dos Remédios (anteriormente
apresentada) observou-se que os usos existentes encontram-se bastante atrelados ao turismo,
hoje o principal foco que movimenta a ilha e sua economia. Assim propõe-se a restauração do
Forte Nossa Senhora dos Remédios 8 através de seu resgate imagético enquanto principal
fortificação da ilha, com a implantação de atividades de caráter cultural e comercial, de forma
8 Este artigo foi baseado no Memorial Descritivo do Projeto Executivo de Restauração do Forte Nossa Senhora dos
Remédios (2014), realizado pelas autoras em contrato com a empresa de arquitetura Vértice Assessoria e Projetos
Ltda. A empresa desenvolveu o projeto de restauração do forte, tendo sido contratada pelo IPHAN através de
processo licitatório em 2013.
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que a edificação possa continuar exercendo o seu papel primordial, desta feita fortalecendo a
auto estima da população e sua identidade através de um uso que promova organização social e
cultural, e que ao mesmo tempo permita a autogestão do forte a partir de recursos oriundos da
nova apropriação. Aproveitando toda a estrutura previamente existente, propõe-se a criação de
espaços que possam ser convertidos em lojas, cafés, livrarias e espaços de usos culturais
diversos que possam ser arrendados, tendo parte da renda revertida para conservação do bem. A
ocupação deverá considerar os espaços previamente existentes, respeitando a espacialidade
interna e externa dos ambientes. Para melhor compreensão da proposta o forte foi zoneado em
três setores: setor de gestão e cultura, setor comercial e setor de serviços. Todos se localizam no
nível 1 da fortificação, ou seja, o mesmo em que se encontra a Praça d´Armas (Imagem 11).
O setor de gestão e cultura é aquele ligado à gestão e conservação do forte, mas também
à apropriação sociocultural do bem pelos visitantes e moradores da ilha. Deve gerir as questões
de acesso e acessibilidade no forte, assim como facilitar informações a partir de uma proposta
de comunicação visual que inclua braile. Os ambientes ligados ao setor de gestão e cultura
encontram-se distribuídos de forma equilibrada no forte, e constituem-se nos seguintes:
receptivo, livraria do IPHAN, o espaço preservado das antigas solitárias junto ao receptivo, e
uma sala de vídeo para exibição de vídeos e palestras. Além disso, a proposição de um
Memorial do Forte, localizado na antiga prisão abobadada, visando expor achados
arqueológicos resultados das escavações a serem realizadas no forte; e esclarecer o projeto de
Imagem 11: Planta com zoneamento
dos usos propostos para o forte.
Fonte: Acervo das autoras, 2013.
LEGENDA:
SETOR DE GESTÃO E CULTURA (SGC)
SETOR COMERCIAL (SC)
SETOR DE SERVIÇOS (SS)
PRAÇA D´ÁRMAS
CISTERNA
CAVALEIRO
POR UMA REAPROPRIAÇÃO E RESSIGNIFICAÇÃO DO PATRIMÔNIO MATERIAL: PROPOSTA DE RESTAURAÇÃO DO FORTE
NOSSA SENHORA DOS REMÉDIOS – FERNANDO DE NORONHA - BARROS, Carlina Rocha de Almeida; NORMANDE, Maíra Matos
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restauração, mostrando um pouco da história do forte e de sua evolução até a intervenção. Por
fim, a proposição de um espaço multicultural proposto junto aos novos banheiros, que tem
como principal objetivo disponibilizar para a população um local de encontros, festas e
reuniões. Além disso, o espaço poderá ser alugado para a realização de eventos de instituições
privadas e visitantes externos à ilha, tendo sua renda revertida para a conservação do forte.
O setor comercial engloba os espaços a serem arrendados para implantação de lojas,
cafés, pequenos restaurantes e afins. A renda resultante disso deverá ser utilizada para a
manutenção e conservação do forte. Os arrendatários não poderão alterar os vãos e deverão
manter a integridade física da edificação, devendo os usos estarem adaptados ao ambiente. Os
ambientes encontram-se voltados para a Praça d´Armas, limitados pelos do setor de gestão e
cultura. Dessa forma, há uma maior permeabilidade entre o caráter econômico e sociocultural
na utilização do forte.
Por fim, o setor de serviços é composto pelos novos banheiros propostos, adaptados
para uso de portadores de necessidades especiais, além de copa e depósito para uso dos
funcionários que deverão conviver diariamente no forte.
Para que a plena utilização do forte seja possível e dessa forma traços culturais
importantes sejam mantidos através da rememoração possibilitada pelo patrimônio cultural, é
preciso que sua unidade potencial seja recuperada. No caso do Forte dos Remédios, a
recuperação de sua unidade potencial está vinculada diretamente à legibilidade física do bem,
que se encontra comprometida devido a lacunas resultantes de adições como também de
ausências de elementos que se perderam ao longo do tempo (Imagem 12). Como dito
anteriormente, o forte tem como característica marcante a sua multitemporalidade, resultado de
séculos de permanências e transformações, presente nos elementos construídos que foram se
agregando ao forte no decorrer do tempo e que corresponde à “autenticidade”9 que se busca
preservar: física e simbólica.
9 A noção de autenticidade não deve ser entendida necessariamente como aquilo que representa uma concepção
primeira do objeto, mas como todas as alterações realizadas ao longo da sua evolução histórica e que agregam
valor material e imaterial ao bem cultural. Só se pode preservar a autenticidade do ainda existente no bem, “pois o
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A reproposição de elementos construtivos essenciais à reutilização do forte, a exemplo
de coberturas, esquadrias e pisos será realizada a partir de um discurso sustentável e que preza
pela distinguibilidade sempre que possível, além da sustentabilidade dos materiais utilizados.
Os novos elementos deverão ser propostos a partir de antigas imagens do forte e de resquícios
materiais ainda existentes (Imagens 13 e 14), além de documentos escritos.
estado autêntico está embutido em cada tempo com a alteração dos materiais e a pretensão do artista” (MUÑOZ
VIÑAS, 2003, p.83).
Imagem 13: Vista parcial a partir da
Praça d´Armas, com destaque para a
prisão abobadada a esquerda e sua
cobertura em telha cerâmica manual.
Fonte: Acervo das autoras, 2013.
Imagem 14: Resquícios do caimento de
uma das antigas coberturas, lacunadas em
quase a totalidade do forte. Fonte: Acervo das autoras, 2013.
Imagem 12: Lacunas por ausência
(esquadrias) e por adição (entaipamento
do vão indicado): presentes em todo o
forte.
Fonte: Acervo das autoras, 2013.
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A Praça d´Armas concentra uma grande área livre permeável com árvores do tipo
amendoeiras (castanholas) e a cisterna. A praça continuará como área permeável e a cisterna
deverá ser reativada, visando captação e uso de águas pluviais para utilização no forte. Assim,
além dos volumes construídos a serem reapropriados por novos usos, elementos já existentes
deverão ter seus usos recuperados, como é o caso da cisterna e do sistema de captação e
condução de águas pluviais. A água a ser acumulada deverá servir para usufruto das atividades
praticadas no forte, como o uso para descargas de vasos sanitários, limpeza e aguação. Dessa
forma completa-se o tripé da sustentabilidade a partir do componente ambiental, dentro das
possibilidades oferecidas pelo forte e sua estrutura.
Para sua reutilização, também foi necessário pensar na proposição de novos ambientes
que viabilizassem sua utilização e permanência dos visitantes no local, como banheiros
acessíveis a todo tipo de público. Deverá estar incorporado aos volumes pré-existentes,
agregando valor à sua unidade, incorporando-se ao objeto.
A acessibilidade ao forte foi um dos preceitos mais considerados, possibilitando que
diferentes tipos de usuários possam acessar o local independente de limitações físicas. Esse
acompanhamento se dará a partir do acesso ao forte pela ladeira dos Remédios. O fluxo de
veículos até o forte, atualmente de livre acesso, deverá ser restrito a duas situações específicas:
carro elétrico e/ou do tipo buggy credenciados e adaptados para transporte de pessoas com
mobilidade reduzida e para carga/descarga de mercadorias; e veículos de emergência, como
carro de bombeiros ou ambulâncias para atendimento médico em casos extremos 10 .
Internamente, uma continuidade de pisos possibilitará a circulação por todo o perímetro interno
do forte, e o uso de plataforma elevatória permitirá o acesso de pessoas com mobilidade
reduzida ao terrapleno, nível intermediário do forte (Imagem 15).
Imagem 15: Fluxos internos ao forte segundo
distribuição dos níveis. Fonte: Acervo das autoras, 2013.
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O preenchimento das lacunas deve ter como objetivo o resgate de uma legibilidade a
partir de uma leitura do momento e condições materiais atuais do bem cultural, com vistas à sua
apropriação pelos sujeitos que com ele se relacionam. Dessa forma se pretende alcançar o tripé
da sustentabilidade, do ponto de vista econômico a partir de um uso que possibilite a
conservação e autossustentabilidade do forte; do ponto de vista social e cultural, através da
recuperação formal do forte e de sua simbologia, e da possibilidade de apropriação plena do
bem pela comunidade e por um maior número de pessoas; e por fim a sustentabilidade
ambiental, buscada a partir de alternativas construtivas com menor geração de resíduos e de
maior aproveitamento de recursos não renováveis, além do uso de materiais ecológicos.
Assim se buscará restabelecer a conexão entre a edificação e o mundo, pois a
integridade física e material do bem é o que possibilita a sua inserção no contemporâneo,
possibilitando a comunicação entre sujeito e objeto. Entra aí a importância do uso, que
concretiza esse diálogo e gera o valor simbólico que possibilita a real conservação do bem
cultural através de sua reapropriação pelo sujeito.
Uma nova proposição de uso aliada à preocupação com a gestão e conservação do
objeto marca a questão econômica da sustentabilidade na intervenção. Do ponto de vista
ambiental, a preocupação com os novos materiais e com a reutilização de sistemas
pré-existentes passíveis de serem recuperados são as principais questões consideradas. O
sociocultural é atendido a partir da disposição de usos voltados para a cultura e que acolhem a
comunidade local, além da facilitação do acesso ao forte por pessoas com mobilidade reduzida.
A própria restauração do patrimônio configura-se como um passo para a manutenção da
memória local, colaborando para o fortalecimento cultural da comunidade da ilha. A partir de
uma realidade socioeconômica e ambiental existente, os usos propostos visam resgatar material
e imaterialmente o Forte Nossa Senhora dos Remédios, reintegrando-o à ilha e ao usufruto da
comunidade moradora e visitante.
10 Sugere-se que haja a recuperação dos acessos em maior escala que envolvem o forte, desde a Vila dos Remédios
e da Estrada Velha do Porto, e para isso faz-se necessário um planejamento que envolva uma maior restrição ao
acesso de veículos a partir desses pontos.
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REFERÊNCIAS
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suas origens medievais. In: Revista do Corpo Discente do Programa de Pós-Graduação em
História da UFRGS. v.3. nº 9. 2011. Disponível em:
<http://seer.ufrgs.br/aedos/article/view/22304>. Acesso em: 05 de setembro de 2013.
DANTAS, Pedrianne de Souza. Destino da ilha sob a mira do Éden: Fernando de Noronha no
percurso do tempo. 2009. Dissertação (Mestrado em Arquitetura e Urbanismo: Dinâmicas do
Espaço Habitado) – Faculdade de Arquitetura e Urbanismo. Universidade Federal de Alagoas,
Maceió, 2009.
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perspectivas. Edição especial. São Paulo: Fundação Prefeito Faria Lima- Cepam, 1999.
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MUÑOZ VIÑAS, Salvador. Teoria contemporânea de la restauración. Madrid: Sintesis,
2003. 205 p.
OLIVEIRA, Mário Mendonça de. As fortalezas e a defesa de Salvador. Brasília: IPHAN/
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Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2008.
SILVA, Marieta Borges Lins e. Fernando de Noronha: cinco séculos de história. In: Cadernos
Noronhenses. V.1. Recife: Celpe, 2007.
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