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  • AMOR, DESEJO E GOZO EM FREUD E LACAN

    Como desenvolvi em meu recente livro Fundamentos da psicanlise de Freud a Lacan -

    vol.1: as bases conceituais (Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 2000), amor, desejo e gozo so

    elementos que fazem parte de uma estrutura que apresenta em sua base a ausncia de inscrio

    da diferena sexual no inconsciente, tal como Freud pde designar em seu artigo metapsicolgico

    sobre O inconsciente.

    A entrada do sujeito humano no campo da linguagem implica a perda de um gozo

    absoluto: assim, para todo sujeito, o gozo ser sempre parcial, pois ser apenas uma parcela da

    pulso que obter satisfao. isso precisamente que Lacan denomina de gozo flico, isto , o

    gozo parcial e possvel, ligado linguagem e ao fato de que a entrada na linguagem ocasiona uma

    perda de ser para o sujeito humano.

    O regime do desejo fundado para o sujeito humano precisamente porque, na perda

    originria do gozo, o sujeito passa a viver numa relao contnua com uma falta de satisfao: o

    desejo a expresso dessa falta de satisfao absoluta. O desejo permanece para sempre

    insatisfeito, o que leva a uma busca incessante de novos objetos, na tentativa de obter esta

    satisfao to almejada e jamais alcanada. No nvel estrito do desejo, a relao do sujeito com o

    objeto extremamente lbil e fugaz, e nesse nvel ele est sempre em busca de novos objetos

    que proporcionem uma plena satisfao. o que faz Lacan aproximar o desejo da metonmia, isto

    , do mero deslocamento de um objeto para outro.

    nesse ponto da estrutura que o amor tem uma participao especial, pois o amor vem

    estabilizar a relao - to instvel - do sujeito com o objeto do desejo e, sendo assim, ele vem

    tentar preencher a falta que no campo do desejo no consegue jamais ser preenchida. O amor d

    sentido quilo que, no campo do sentido, no tem nenhum sentido.

    A paixo amorosa igualmente um efeito derradeiro da estrutura: quando na paixo o

    sujeito tem a iluso de ter preenchido esta falta com algum objeto amoroso, ele tem a vivncia de

    estar muito prximo daquele gozo absoluto que havia perdido originariamente. nesse ponto que

    surge o perigo do crime passional: quando o sujeito perde um objeto que ele sente como sendo o

    objeto, ele pode passar ao ato no suicdio ou no homicdio, j que ele sente que algo nele tambm

    morreu ou foi morto a sensao da plenitude.

    Marco Antonio Coutinho Jorge psicanalista, membro do Corpo Freudiano do Rio de

    Janeiro, professor da ps-graduao em psicanlise da UERJ, autor de Sexo e discurso em Freud e

    Lacan (Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 1988) e Fundamentos da psicanlise de Freud a Lacan vol.

    1: as bases conceituais (Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 2000).