MARIA EDUARDA PALMA | GLAUBER COSTA
MARTHA LOPES| CHUANA DI FRANCO MOURA
Ed. Especial | SET /2 2014
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SubVersa
| literatura luso-brasileira |
© originalmente publicado em 15 de Setembro de 2014 sob o título de
SubVersa ©
Edição Especial que marca a periodicidade quinzenal.
Responsáveis técnicas:
Morgana Rech e Tânia Ardito
Os colaboradores preservam seu direito de serem identificados e citados como
autores desta obra.
Esta é uma obra de criação coletiva. Os personagens e situações citados nos textos
ficcionais são fruto da livre criação artística e não se comprometem com a realidade.
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Edição Especial
15 de Setembro de
2014
MARTHA LOPES | NO ESPELHO | 4
MARIA EDUARDA PALMA |ARON | 6
GLAUBER COSTA | MEU VELHO |9
CHUANA DI FRANCO MOURA | MADRUGADA INSANA | 15
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MARTHA LOPES
SÃO PAULO, SÃO PAULO, BRASIL
Ser gorda é um excesso, um eterno não caber. É ter um corpo
que transgride calças, blusas, calcinhas e vestidos, que se ajeita
apertado no assento do cinema e que inevitavelmente encosta em
outro corpo se ele se senta, por exemplo, em um lugar no ônibus. Ser gorda é ser proprietária de uma pesada carga de carne
macia, como uma tonelada de algodão. É vestir uma capa de tecidos
que por vezes te esconde e por vezes te protege. Ser gorda é também
ser feita de contradições.
Ser gorda é aceitar os movimentos naturais de um corpo que
reverbera e treme ainda que só um braço ou uma perna tenham sido
postos em ação. É entender que coxas não são sempre lisas, mas
tortuosas, e que podem fazer bolhas ou brotoejas em dias de saia e
calor. Ser gorda é aprender sempre e mais sobre si.
Ser gorda é ouvir que não se pode ser bonita sendo gorda, e que já que
não se pode ser bonita sendo gorda é preciso caprichar no resto: ser
engraçada, inteligente, simpática. Bonita mesmo, nunca.
NO ESPELHO
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Ser gorda é ter o apetite e a força para engolir, uma após a outra, uma
sequência de afrontas e dificuldades.
Uma vez uma menina gorda ouviu da mãe que não poderia ser
feliz sendo gorda.
Outra vez uma garota gorda soube que os garotos do colégio
apostavam para ver quem teria coragem de beijá-la.
Teve ainda outra gorda que ousou ficar com dois rapazes numa
mesma festa e virou a piada da escola. Onde já se viu uma gorda se
dar bem?
Pois dizem que essa gorda ignorou todas as opiniões e se achou
belíssima. Deixou de lado a insegurança, resolveu não ligar para essa
história toda e foi muito feliz – mas ninguém tem certeza se ela existiu de
verdade.
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MARIA EDUARDA PALMA COIMBRA, PORTUGAL
Na imensidão do Universo havia um pequeno planeta chamado
Terra. Nesse mesmo Universo existia um outro pequeno planeta
chamado Aron e que era desconhecido de todos.
Rezava a lenda que a Terra tinha sido criada por uma entidade
superior chamada Deus, que trabalhara incansavelmente durante 6
dias e descansara apenas ao sétimo, mas de tão cansado que estava,
não se apercebera que havia deixado cair uma pequena semente
oculta por baixo da Terra que dera origem a Aron.
Os habitantes da Terra gostavam de estudar o Universo e até
conseguiram chegar à Lua, mas nunca tiveram capacidade para
descobrir aquele pequeno planeta que era habitado por seres vivos de
inteligência muito superior à deles.
Contudo os habitantes de Aron atravessavam algumas
dificuldades, pois uma vez que eram muito poucos, estavam a ficar
quase sem crianças que mais tarde viessem a assegurar a continuação
da espécie. Observavam atentamente a Terra, admirados com o grau
de destruição que por lá reinava, com guerras constantes, gente a
matar-se e a usarem todos os fracos conhecimentos que tinham em prol
do mal.
ARON
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Então, um dia, tomaram uma decisão. Enviaram alguns cientistas
dos mais conceituados numa enorme nave a caminho da Terra, com a
finalidade de recolher todas as crianças que haviam ficado órfãs de
guerra e as levaram para Aron, a fim de anos mais tarde poderem dar
continuidade à vida humana.
Fizeram isso com a maior facilidade e todas essas crianças foram
acolhidas com a maior alegria. Começaram a frequentar as aulas e a
ser integradas naquele pequeno mundo de extrema beleza, onde não
havia distinção de raças ou credos, onde reinava a harmonia e onde os
conhecimentos adquiridos eram usados apenas para o
desenvolvimento do Planeta. Embora tivessem máquinas capazes de
efetuar todos os trabalhos, não as usavam frequentemente para evitar
que a preguiça se instalasse entre eles com todas as suas nefastas
consequências.
E assim apenas se limitavam a arranjar água nos tempos de seca,
a controlar os mares para que nunca faltasse peixe, a criar chuva
quando era necessária para regar os campos. Também usavam todos
os seus conhecimentos em prol da saúde, tendo hospitais equipados
com meios que permitiam curar um grande número de doenças e
quando isso não era possível deixavam as pessoas partir sem sofrimento
para uma outra dimensão. Duas vezes por mês todos os habitantes
tinham um dia de descanso em que podiam fazer o que quisessem
enquanto as máquinas trabalhavam por eles.
Normalmente aproveitavam essa liberdade para passear pelo
espaço nas suas naves e apreciar a beleza do imenso universo.
De vez em quando as crianças que haviam sido trazidas da terra e que
já eram adolescentes, eram levados para um edifício isolado no alto de
uma montanha e de onde, através de enormes janelas podiam avistar
todo o Universo e ver o pequeno planeta de onde haviam sido trazidos.
E as crianças tornaram-se adolescentes e começaram a apaixonar-se,
a casar e a ter filhos.
E Aron era um planeta feliz.
Uma tarde todos eles e as respectivas famílias que, entretanto
haviam formado, foram chamados para uma reunião de emergência.
Foi-lhes dito que o Planeta Terra estava a morrer. Os rios tinham sido
contaminados, os mares poluídos, os campos deixaram de dar
alimentos, as árvores secaram, os animais morreram e os seus habitantes
tinham acabado por desaparecer vítimas das suas próprias guerras.
Agora a Terra não passava de um planeta doente que estava em
riscos de contaminar Aron, pelo que tinha de ser destruído, sob pena de
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envenenar tudo o que estivesse em seu redor.
Queriam que eles vissem pela última vez de onde haviam vindo e
mostrar aos filhos a terra dos seus antepassados. Emocionados deram as
mãos e viram como os cientistas de Aron destruíam o seu velho planeta
que se desintegrou espalhando-se em pequenas partículas que eram
imediatamente absorvidas por enormes aspiradores a fim de não
contaminarem todo o Universo.
Até que um dia, um jovem casal de namorados foi dar um
passeio pelos campos. Chegaram até um pomar onde as árvores
estavam sempre carregadas de belos frutos prontos a comer.
Entre todas as árvores apenas havia uma em que ninguém podia
tocar. Era uma enorme macieira que era considerada o símbolo do mal.
Mas o rapaz apaixonado, como mesmo em Aron o amor podia ser
cego, não resistiu e desobedecendo às ordens colheu a mais bela
maçã da árvore para oferecer à sua amada.
E ela aceitou.
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GLAUBER COSTA
UBATÃ, BAHIA, BRASIL
Finalmente aprendi a usar computador e to escrevendo agora
pra você do email de Paulinho. A gente achou esse email teu, mas não
sabemo se tu usa ele ainda. Espero que tu use. Lê isso que tamo
mandano e responde se receber. Não esquece. Faz é tempo que nós
não conversa, né? Por aqui, você devia de vê, anda tudo bem
parecido como tu deixou. Só umas coisa que foi surgindo com o tempo
pra gente. Que o tempo faz isso. Vou te contar, viu… O avô mesmo tá
meio adoentado. Agora deu pra não sair mais da cama. Primeiro por
não querer, depois o corpo foi ficando pesado pra nós e pra ele. Você
precisa de vê a trabalheira que tá dando. Mas a gente continua fazeno
tudo junto como antigamente. Isso continua. Ainda somo bem família. E
o vô, todo mundo sempre admirou, todo mundo fica agradecido por
ele. Lembro bem que tu andava sempre do lado dele, naquele tempo
que não tinha nada que desunia nossa turma, tu deve se lembrar bem.
Sabe, às vezes fico acordado só sonhando com as coisa de
antigamente. Dá uma alegria, que parece que to lá. Mas incomoda um
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tiquinho também. Eu fico me remexendo todo, sentindo umas
queimaduras aqui no intestino, igual que to sentindo agora lembrando
dessas coisas pra te contar. Coisa da idade, deve ser. Deve ser também
coisa daquelas dor de barriga que eu sempre tinha, tu lembra? A gente
ria a beça dessas coisa. Até hoje acredito que peguei isso naquela
enchente que passamo junto quando fomo tudo pra Ribeirão dos Anjos
no verão, lembra? Aquele sufoco todo. Se não fosse por você… Somos
grato até hoje. Ricardinho sempre lembra de você na água suja com o
cachorro dele no braço. Ele pergunta por você demais, o Ricardinho. A
avó nem se fala. Sente tanta falta tua que vez em quando parece até
que enfraquece de tudo. Ela vai lembrando de você enquanto
cozinha, aí de repente para e fica quieta até de noite. E olha que a vó
tem sido a mais guerreira aqui pra nós, viu? Ela teve que ficar forte
demais da conta, aquela véia! To é vendo todo dia que ela que leva
nós tudo nas costas praticamente. Até o Paraíso depois que vô arriô na
cama, ela segura, a véia. Anteontem lá, a cabrita Margarida deu cria
de novo. Lembra dela? É, tá vivinha ainda. Leosmar tá cuidando dos
filhotes direitinho. O bicho aprendeu tão rápido a cuidar da roça que
nem se acredita. Depois que, Jesus Cristo a tenha no céu, a esposa dele
pegou aquela tosse braba e morreu, ele não parou mais de trabalhar, o
coitado. Você nem reconhecia se visse. Tá homem forte, trabalhador,
todo sério, sem muito aquelas palhaçadas de quando era mais
moderno. É um bom sujeito, de vez em quando ainda faz a gente dá
umas risadas, principalmente as criança. No começo eu até me
preocupava com ele, que essas coisas me dói mesmo. Mas agora ele
age tão independente de tudo, que parece que tá mais conformado.
Já o Lindomar, que gostava tanto de você, não temo muita notícia
dele, ele parece que nem é mais da família. Aquele lá não dá as caras
faz é tempo. Só de tempo em tempo diz lá de longe pelo celular que
não tá com tempo pra nada, que tá na maior luta e aquelas desculpa
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esfarrapada. Eu acho que a verdade é que ele nunca gostou do resto
da gente, só de tu mesmo. Desde criança eu via isso. Ele olhava todo
por cima de nós, até a comida tinha que fazer uma diferente só pra ele.
Nem aquele bife de sábado ele nunca queria comer com aquela cara
de nojento. Pra mim, ele vai ficar é longe até morrer. Não que eu deseje
mal ao coitado, ele sempre me pareceu fraquinho de tudo. Mas tu que
era mais próximo, com esse teu jeito de ser igual com tudo e com todos,
sabe mais. Ah, se sabe… Tu sempre foi o mais esperto de nós, sempre vi
isso. Já eu, só posso é desejar é que o bom Deus abençoe ele
grandemente; independente, não é? Que a gente tem que ter
confiança porque pra cada um tem um plano do nosso Senhor Jesus
Cristo. Mas num to falando dele pra dá indireto em você, não. Não sou
desses. Você me conhece e sabe que sempre falei as coisas na bucha.
Isso me rendeu até encrenca um tempo atrás. Um sujeito tava
vendando coisa estragada e eu falei mesmo a verdade na lata dele
pra todo mundo ouvir. Apanhei mais do que bati. E ninguém fez nada,
só assistiu. Mas que os clientes dele ficaram avisado, ficaram. Essa
valentia é de família, tu bem sabe. Tu devia de vê quando o Tonho foi
pro tribunal, de uma briga num bar novo que tem aqui. Ele se arrumou
todo, tudo alinhado, como ele sempre gostava. Vaidoso que só. As
roupa dele ninguém nunca podia tocar, lembra? Teve que pagar uns
meses de cana. Quase um ano lá dentro. Quando saiu passou aqui
uma vez só, todo cheiroso e disse que ia pra capital. Não sei se volta.
Mas acredito que volte, ele é respeitador com a família demais. Só
agora que a gente vai vendo como cada qual foi indo de um jeito. Tu
mesmo foi indo tão manso, que nós nem se deu conta que tu ia mesmo
demorar tanto assim. Mas sei que tu teve teus motivos. Aquela crise foi
braba, eu e Maria sabemo bem como foi duro pra tu aguentar aquele
peso todo te adoecendo por dentro. Nós via como tu ficava. Mas na
vida tudo tem caminho, eu creio, e tu com certeza pegou algum,
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graças a Deus. Tu casou? Se lembra de Priscilinha? Pois cresceu a beça.
Até apareceu um tal de Carlindo, todo mundo ficou numa ciumera
braba. Ela mesma ficou com vergonha porque teve que parar de falar
de tu. O Carlindo deu um cachorrinho pra ela e agora é pelo pra todo
lado. Nós que tem que se virar pra aguentar. Vó e Lucinha cuida de
tudo. E eu nunca vi a vó reclamar dele. Parece que ela gostou da neta
casar e ficar. Eu que não vou com a cara daquele sujeito. Por mim ela
casava com você. Mas tu foi embora. Aí ficou parecendo que num
queria. Aqui todo mundo tem vontade de ir embora, tu sabe bem, mas
também tem os que não quer se desgrudar daqui. Pela vó ninguém
saía. Tenho pra mim que se vô não tivesse na cama, muita coisa ele
intervia e ia ser diferente. Mas eu te digo que as coisa não tá tão ruim
de desesperar não. Ele mesmo, quando a gente chega no quarto, só
diz coisa alegre pra gente. E fala numa dificuldade que faz a gente
prestar mais atenção. A voz rouca. Dá sempre um frio na barriga. Fica
todo mundo em silêncio pra conseguir ouvir. Depois volta todo mundo
pros afazeres, suspirando. O Paulinho diz sempre no almoço que ele vai
melhorar, que assim ele acredita, que conversou com uns médicos
quando foi na capital. Diz que pode ser que precise ir pra lá pra sarar
mais rápido da moleza, porque a cidade aqui não cresce nem pra dá
remédio pro povo. E olha… é tudo paradão mesmo, como tu deixou. Só
que por mim, não digo que tá ruim não. Às vezes não acontece nada e
a gente fica igual uma bóia boiando no rio, fica todo mundo no seu
canto pensando. Nessas horas é que mais dá aquela dor de barriga
braba em mim. Mas isso é só quando num é os final de semana que
junta todo mundo pra umas resenhas boas. Nós se diverte a beça.
Lembramo esses dias até de quando tu vinha equilibrando um copo de
cerveja na garupa da moto de Osmariznho. Era uma alegria quando tu
chegava assim. Uma bebedeira tranqüila, animava a gente. Tu e o
Leosmar. Agora que Leosmar não bebe mais com a gente, eu que
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fiquei com a fama de cachaceiro da família. Até nessas festa nossa o
Leosmar deu pra ficar só trabalhando, cuidando da churrasqueira. Mas
eu já vi ele bebendo sozinho. Foi até esses dias. Eu vi ele jogado lá na
roça. Mas foi uma vez só. Não contei pra ninguém. Ele tem o direito de
tomar suas pinguinhas quieto. Todo mundo tem. E aquele sujeito tem o
meu respeito. Todo concentrado. Se emocionou uma vez, que eu me
lembre, depois da viuvez. Foi quando lembrou de tu. Ele não falou
direito e ficou por isso mesmo, no mistério. Paulinho tá aqui do meu lado
mandando lembrança e pedindo um endereço que ele vai te pegar
pra a gente poder se encontrar. Ele me disse e é verdade, essa
tecnologia ajuda a gente a procurar as coisa. Só não faz mesmo é a
gente parar de procurar. Quando eu falo isso com ele, ele cai na risada.
Mas qualquer coisa a gente pega um carro velho e se manda pra onde
tu tá. Levo até vó comigo, se tiver certeza de onde tu vai tá. Vai ser
uma festa. Chega meus olhos encheu de água aqui. E tome dor de
barriga! O resto da família nem sabe que to mandando esse email pra
tu. Eu não quero dá falso alarme de ter te achado. Vou esperar tu
responder, que vai ser uma alegria. Principalmente da vó. E tu deve é
ficar alegre também com umas coisa boa que aconteceu. O que tu
sempre falou. Maria tá esperando nosso nenê. Eu queria tanto tu aqui
pra batizar junto. E tamo numa animação com isso! Tu imagina? Maria
lembrou logo de tu também. Depois disso até resolvemo colocar mais
cartaz com teu rosto na rua. Tu já não viu um? Não fica zangado com
nós. Nós só quer ter certeza que tu tá bem. E nós sentimo muita saudade
de tu. Aqueles momento felizes. Bem que a mãe dizia pra aproveitar
logo. Ela sabia das coisa, a mãe. Minha barriga vai é doer um monte
ainda. Tu pode pelo meno trazer o frio pra ela pra botar no lugar dessa
dor? To brincando com você. Nos sonhos que tu vem, vem até as
árvores onde a gente botou gangorra, lembra? Elas foi derrubada pelo
seu Inácio pra vender pra fora. A paisagem aqui mudou um pouco.
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Queria que tu tivesse aqui pra tá vendo isso tudo. Num tá tão diferente,
mas sei que tu aqui ia fazer tuas coisa. Sei que ia… Mas se teve que ir
mesmo, que Deus o acompanhe sempre, meu velho. Esperamo que
tudo tenha dado certo pra tu, que tu não teja sentindo essa falta que
nós tem de tu. Quer dizer, nós carece também que tu sinta nossa falta. E
não é que tejamo zangado, tamo é bem preocupado e pensativo por
tu tá sumido esse tempo todo. E mesmo que esse email não chegue aí
pra tu, nós vai, quer dizer, eu vou sempre ficar sonhando, de dor de
barriga mesmo, que tu vai aparecer por cá qualquer dia, pra gente rir e
poder resolver tudo e fazer tudo sarar aos pouquinho…
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CHUANA DI FRANCO MOURA
RIO DE JANEIRO, RIO DE JANEIRO, BRASIL
E o dia se fez tarde, que se fez fim de tarde, que se fez noite. E
então veio a madrugada, que entre nuances de anil e púrpura, se fez
dia novamente. No entanto, os pensamentos a povoar minha mente
eram os mesmos, repetidos, dolorosos, fazendo latejar as minhas
têmporas já fatigadas.
E os dias se sucediam em manhãs, que se tornavam noites e
madrugadas incessantemente. Papéis, canetas, monitor…Monstros a
povoar minha escrivaninha, dando-me ordens inteligíveis e sussurradas,
silenciosas…”Faça isso!” Faça aquilo!”, “Termine no prazo!”, “Levante-se
da cadeira e vá já ganhar seu mísero e medíocre salário”, já que desde
o século XVIII com o arroubo da Revolução Industrial, time is money…
Quem sou? Para onde vou? Qual o motivo desta insanidade
toda? Living on the edge, no limiar da certeza e da loucura…Torturado
pelas minhas incertezas e limitações, sufocado entre o ser e o dever,
MADRUGADA INSANA
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entre o viver e puramente o sobreviver…
Seria a vida isso? Ou melhor dizendo, a existência? Uma mera
sucessão de dias e noites sem fim? Um vai-e-vem de rostos, vozes que se
perdem no tempo, na multidão, que não criam vínculos ou
dependência, apenas se vão…
Céu? Inferno? Vida após a morte? Reencarnação? A que
crenças e ideologias devemos nos apegar? Viver para o trabalho, para
os filhos, para alguém ou para nós mesmos? A sociedade, sua família, o
mundo, os meios de comunicação dizem que devemos escolher, que
fica a cargo de nós mesmos e de nossas próprias convicções…Será
mesmo? A cada dia surgem mais regras e imposições…
Viro-me na cama, preso a esta maldita insônia, prisioneiro de
meus próprios pensamentos e indagações… O dia já está raiando, os
raios de sol ferem meus olhos latejantes e cansados. O despertador,
como uma sineta do inferno, vem me anunciar numa imposição sutil, na
forma de um toque artificial e perturbador que mais um dia de rotina
incessante se inicia, com mais regras e datas e prazos e imposições.
Levanto-me da cama de um salto, afugentando qualquer
pensamento imbecil da “noite” anterior…
E a vida segue… Dia após dia, tarde após tarde, madrugada
após madrugada…Numa aterrorizadora continuidade que prende a
valores, preconceitos e tudo aquilo que me faz uma persona e não um
androide.
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Edição e revisão:
MORGANA RECH E TÂNIA ARDITO
Recepção de originais:
Diretrizes para publicação:
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