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  • FICHA CATALOGRAFICA (preparada pelo setor de catalog~ de MG Editores Associados - Bibliotecaria

    Diva Andradel

    Matos. Olgaria G.F. Rousseau - uma arqueologia da desigualdade. Sao Pau

    lo. M.G. Editores. 1978. 124p. Bibl iografia. 1. Filosofia francesa I. T(tulo.

    COD 194

    desta edicao da MG EDITORES ASSOCIADOS

    Rua Sergipe. 768 . fone: 259-7398 01243 . Sao Pau 10, SP

    Olga'ria c. f. Matos

    ROUSSEAU

    UMA ARQUI~OLOGIA

    DA DESlGUALDADE

    msQ ed~tores ~ "">ei.d,,, SAO PAULO -- 1978

  • I Produ~ MirtDl'ial: Flonlntino Marcondes D' Angelo

    \ Cape: Mauro Lopes R..,isio: Rosane Albert

    Assistente de Prod~: Nilza lraci Silva

    COMPOSI

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    , \ * Este estudo nao teria sido possivel sem 0 concurso da F APESP

    (Fundayao de Amparo a Pesquisa do Estado de Sao Paulo) que concedeu bolsa de estudo durante sua elaborayao na Universidade ! \ de Paris I, Sorbonne. I

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    I Pref3cio .................................. . 9

    Introdu~o ................................ . 17

    I \ Capitulo I - 0 Silencio e a Origem ... .. ........... . 25

    I I A - 0 Visivel e a Natureza: a Presen93- e a 19ualdade .... . 25

    B - 0 Movimento das Paix6es .... ... ............ . 36\ I \ Capitulo n - A Natureza eo Artificio .............. . 45I .

    A - 0 Animal, 0 Homem: a Identidade ............. . 45

    B - 0 Animal, 0 Homern: a Diferen~ ............. . 50

    C - 0 Retorno do Reprimido na Sociedade . : . . . ..... ' . 60

    CapitWo ill - Da Vis.ibilidade aAlienayao . . . . . . . . . . . . 61

    A - 0 Invisfve1 e a Represen~o ........... . .... . 67

    B - A Genese da Oposiyao: a Consciencia ........... . 71

    C - A Guerra de Todos contra Todos: a Propriedade .. . . . 82

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    ConduSio - Balan~s e Perspectivas .. ............. . 93

    A - Restaurar a Visibilidade: 0 Contrato ............ . 93

    B - Urn Balan~ Provis6rio ............ . ....... . 104.

    C - Urn Balanyo sem Perspectivas . .... ... ........ . 112

    Bibliografla . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 121

  • PREFACIO j

    III\ Por que, tendo escavado as origens da desiguaidade entre

    J os homens, Jean-Jacques Rousseau nao e urn revolucionario? Este

    I livro nos convida a refletir menos ace rca da coerencia da obra \ de Rousseau e mais sobre a inquietante quesUro de seus limites_

    A autora procura localizar 0 ponto em que 0 discurso rousseau

    mano cria sua propria barreira interna e que, nao podendo ser

    ultrapassada, impede a emer;gencia da ideia de uma nova justiya

    e a exigencia de uma revoluyao para alcanya-Ja. A origem e 0 fun

    damento da desigualdadl social sao marcados pelo advento da

    propriedade privida, porem falta a analise de Rousseau apontar

    o vinculo necessario entre propriedade e explorayao_ A ausencia desta Ultima impossibilita dar a desigualdade "um conteudo hist6rico" e, na falta deste, nao M como conceber "uma pa.ssagem dialetica das contradiyOes'. Eis porque as duas soluy5es oferecidas pelo mosofo - 0 contrato social e a pequena comunidade de Clarens - aparecem mais como substitutos para a injusti~ do que como luta contra sua causa. Ser desnaturado porque cindido da

    " Natureza e socialmente dividido, 0 homem jarnais recupe rani a indivisao da origem quando, silencioso e disperso, colhia os frutos da terra, 'aplacava as necessidades e divagava no murmUrio das paix5es benevolentes. Quando os homens se reunem ja se separaram da Natureza e a sociedade, precana substitui~ao. e incapaz de refazer a umdade indivisa do originario. Buscando a origem perdida. 0 homem social apenas encontra substitutos para eia , mas porque a perda e perversao, perversos serao os substitutos encontrados e nascendo acorrentado aos grilh5es do destino de tudo quanto advem depois da queda, 0 homem social e homem scm espermya e sem redenyao. Desnaturar-se e ser culpado e tornar-se suspeito no cora.;ao de uma alteridade pervertida e cada

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    10 movim da hist6ria apenas agrava a culpa e alimenta a suspei~o.to

    entoA perfectibilidade, substituto para a imediateza do instin ,

  • \ ' .1 . 12 dOInin~~O devem pressupar outras alte~ no e demodo seri.l dos homeIlS que as torruuam possiveis. Eis parqu a oautora seI

    detem na analise da origetIl das llnguas, na compreensa do significado da passagem da sensibilidade e das paixOes para a consci~nraz~o , interpre~o da genese do mundo adascia e a na do trabalho comO mundo da carencia. Essas modifi~s ~o caro superpo"" onde a d.,;gualdade so _n" e cujo perfil 0' """.tulo,

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    deste livTO desenterram com paciSncia. Aqui a arqueologia e geolO

    gia. No estado de natureza. p610 ideal da origem, reioaIO a presen~ e a visibilidade. 0 nascirnento da 1ingU3SetIl e 0 advento etIldo trabalho marC3lll a sep~o entre 0 hom e a 0rige1ll, pois

    a fala e rel~[o corn 0 ausente e 0 trabalhO, cri~[o do passivel. Com eles surge a consciencia do tempo e da morte, mas tambemi a da pennan e a da identidade . A consciencia de si deSCO\1 encia bre-se como identica ao saber-se divetsa do mundo natural e das demais consciencias que a cercarn. Para que a \.ingU3gem, 0 trabalho, a consciencia do tempo e da identidade surgissem foi preciso que a adesao institiva ao imediato cedesse passo a algo inscrito na natureza human desde a origem: a perfecUbilidade. Todavia, para! \ a'l"e .... .re"" a cup" 0 lug" do instinto,

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    Jot Os possuidores convence~o os demais acerca da d~nd~i1-

    cia necessana e sem este convenciInentO a sub~o seria irnpas\' s,,,,L Contudo. a ~ do ,,,godo '" foi 1""",,1 qUaDdo

    toda a superficie da Terra ja se encontrava repartida entre algunS\'1 quo p"'" def,nd,"'" _ boos , '" "",""'" dO' d, DUtton' p"os

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    _ ",n'" """ "",io daque10s qu' ,,,,,,,",, ","do ,,,,,,llado _ eis cotDO 0 dil;cUISO do rico, fraCO para se defender sozinh , converte-!Ie em disCUf!O do forte, pais conta com 0 awUliO submissO daquele. que __ quo ",U hem ",.ssm "" ttabanw- p"" o hem' de um ouuo-,Assim, trabalho e ~lI\ completnentaro-se no ...,....."n'o in",oniruIvel da .nen",",,' ,nquaD'o a propri'dado e 0 ttabalho afundam 0 punbalna """" dO'de......... a lin-I II,' \

    !! \ guagern pOo ungU""'o oOS feridti pan cicatrizi-ias l for... con...",odo o. esbulhado' de qu, 'odDS '"" ;gu.is pO...... unidos

    dopelo trabalho, c;riaro 0 hem coletivO .Mas 0 que tena tornado possivel 0 lagro generaliza ? Como foi p""',,1 p-' do c\alO UW da fo,' .,rop""",r; ."'r-olO-",r; fo",,-f_; ri","""bre- 0 disa ""'" do ricO (calegoriaocon

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    I 1\ \ 16 pmtro, 0 Con''''o Soci') e Cl",en' e""rim 0 de,;ejo de unil home'" que , "",iedade ,pen" re""'"'- a de,;ejo de un"o, ",b,o\\

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    tituto rm,) p"" , indivi"o originiri', ",nta re,,","'-.e re"""""d , ,;,;bill e p,,,.n,,, do' home'" un' aO' ouuo' .=," daJ dade1 Lei, da re"" e do labo' cotidiano. Pore"" Lei. no Contra"'. ' re'" e , ')egre l,bula. em Claren, olo podem apag'" 0 ""uo da -,ociedade n"oda da guerra e , lemb""'''' da origem nan

    , \1 dime 0 pOlitico. do gene.!6pre",ote. pnmado do ,tieo .,bre 0 opjrio gioO .,bre 0 bJSl6rieo. do arealizaI suas esperan~ ~ (Adorno)

    Como as paixlles, alterando-se insensivelmente , mudam de natureza; por que as carencias e desejos mudam de objeto; por que,

    ~ medida que Homero Natural se apaga, a sociedade 56 revela ao oIhar a reuniao de homens artificiais e paDdles fictlcias?

    A preocupayao do DisaJrw se faz sentir em seus avanyos e recuos, em seus acordes e pausas, sob cada signo obscurecido e cristalizado pelo olhar desnaturado. Existiria uma perve~ao inscrita ja na pr6pria origem? 0 claro-escuro do Discurso impede a visa:o, e 0 que transparece, desaparece. Deverse-ia colocar a quesero de outra forma, para recuperar "0 ser mais quimerico e mais extravagante que s6 0 delirio inventa". 0 Discurso e uma obra solene l : dedicat6ria, pre facio , evocayao que percorremos lentamente, como se Rousseau quisesse exprimir, pelo simboio, 0 es

    pa~o que nos separa do corney

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    lido, ai0 00' li"'o' d' ""'s _,Ih"''''' que ,ao m'oW-' m'" n. 0'''''''-'' qu' nao m,nt' nun",".' p= ,"0 0 mun nom ho'o ""I de"'''o'' _' A partir do dia om que "a ,quilibd "n ",pOu"," da .."",,,, foi ,,,,,,pido, a hist6da do hom,m n>o deUtOU d, ",' p,OCU" ob,;tinada do uro ",nUo d' ",vidade impOndor.i"I, qu' '" de,"oca a cada in""", ,.,.,ando, ","", cada "'z ",ala, 0 de

    tiva sequillbrio . a tom"o I"nconuo da natu,,'" ",Ii {urica ,""m. pD'S,,,1 a I,it"" d, urn ",undo qu' h> muitO "' fez ilegi",l. "tIanM a "'u p,6pd .,ntido. , no fundo do qu," hom"'" ap"'" co

    ocO"'o oma P'""n"'''' ,n"'''-Rou,",'" "' ",fugia na memOria do'

    ,_ J,m-J."'''' Ro"""" Di''''' "" 1'0"",,' d, 1104'/>" ,- .0 ,~ Ed . Garnie[, 1962, paris. ' , in COhlO' pOw I"~"'" ,08, , - 43, Ed- " S, oil3_ A_ G,,>ri h~d

    ~ . ssa S".JI I'Qngine des LangtJes. p. 2.()8.i

    tempos, fazendo emergir, da penwnbra, 0 homem primitivo: comeyam entao a configurar-se sua solidao indoleote, seus desejos e carencias satisfeitos pela Natureza, num equilibrio anterior ao Devir abstrato do tempo. Aqui trata-se de saber 0 que e que paderia ter degradado a origem, desenvolvendo todos os recursos da perfectibilidade do homem,subordinando-o a temporalidade, fazendo-o, de uma s6 ve:z., socUivel e ~au, sabio e escravo das aparencias, seohor

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    20 Gon,b" _ qUO torna e."'scio,cia de '" de .",. in~" da .... n,na P'Ia qual pod,,;, ",uz,u'" .0 -"" do ,.;ollo J{VIU; mo,t" a gono'" da ob,.. ;eu 1"''''''''' "'" p,ri_

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    22 o ",,,,,,",,, da ",ligiio, etc.). No. do~ "",s, 0 objeto mosbfic Conuato Soci.! fh dialitico de'" 0 D"""'" - onde 0

    o hom"'" _ ;salado p"'" ." feliz passando pelo Emilio - quedeve" aJam'" um certa idade p"'" te, ...,.., avida ,.oci.!, ate

    a o Co_"' SQda/, momento de sin_ em que EmiliO , un> ,.1 _ [eito p"'" _, na cidade. Bento Pndo 1a lei"'" que \gOo", a o,..,uz.;'o

    eret6rica da obn. a monetra pela qual esta ., di>p

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    CAPITULO I

    oSIrtNCIO E A ORIGEM

    "Diio-oos gravemente por Filosofla os sonhos de algnmas noites mal domUdas. Alguem me dlri que sonho tmlt>em. Concordo. Mas 0 que os ourms Ilio se impofUm em fa:z.er - eu dou meus sonhos por 5OD.hos., deixando buscar se tem algo de util as pessoas arordadas."

    (Emflioj

    A - 0 Visivel e a Natureza: a Presenfll e a Jguak:Uuie.

    "Tados os fil6sofos que examinaram os fundamentos cia sociedade, sentiram a necessidade de recuar ate 0 estado de natureza, mas nenhuro deles chegou ate 1.1." 1

    No prefacio do Discuno sabre a DesiguIJ/dade, quando Rousseau procura reconstituir 0 estado de natureza, refere-se a ele comO urn estado ao qual 0 homem MO mais pertence, que nao existe mais, que provavelmente nunea existiu e nem vini a existir; e na primeira versao do Contrato Social (1756)

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    26 que poderi iluminar a natureza essencial do homem. Quais as expenencias necessan para se chegar a conhecer 0 homem natural

    as e quais os meios para realizi-las no seio da sociedade?2 Rousseau nao aponta nenhuma solurrao a dificuldade mas prop6e dire~CSes para abordA-la. Uma delas consistira na observarrao dos animais em seu meio natural; poder.se-ia tambeID estudar 0 homem selvagem _ tendo sempre presente que este ja vive em sociedade e, portan , aprese - ja distante do seu estado natural; nao e mais

    nta setoo "homem natural", mas a ele se assemelha nO fisico e nO moral,

    apesar da alterayao dos seus uarros gerai,s pela vida social.

    A fOI~ do sel'lagem, a acuidade de seus sentidos, sua nudez, sua despreocupayao, mas paixOes indolentes, sua diferen~ com re~ ao futuro, tudo isto perroitiri a Rousseau reconstituir 0 homem tal como devia ser quando "saia da natureza" . .

    No estado natural domina 0 "sllencio da origem", no qual nao hi nada a dizer, oude a natureza e a Unica existencia - lingUagem silenciosa dos gestos. onde a. propria voz e muda pois nao represen a natureza mas identifica-se a ela. Este silencio "ruido-

    taso", rico de expressao, e 0 mencio do selvagem: "A primeira linguagem do homem. a linguagem mais universal, mais energica, e a Unica de que teve necessidade antes de preciSaT persuadir homens reunidos, e 0 grito da Natureza (. ..). Quando as ideias dos homens com~aram a se difundir ease multiplicar, e entre eles se estabeleceuOS uma comunicayao mais estrei~, procuraram signos mais numefOS e uma linguagern mais extensa: multipucaram as ~ex6eS da voz e juntaram- os gestos que, por sua natureza. sao rnais expreslhes o sivoS e cujo sentido depende menos de uma detenninarra anteriOr'.3' Mais universal, a Unguagem do gesto depende menos de COINenrr ; 0 gesto supCSe uroa distincia, urn "meio de visl"bili

    6eSdade" e perde sua eficicia quando 0 excesso de distincia ou de mediayCSes interTOIDpe a visibilidade. "A arrao do movirnento" , di7. Rousseau, "e irnediata pelo toear , ou mediata, pelo gesto: a primeira, tendo por termO 0 comprimento do brayo, nao pode tnmsmitir- ~ distincia; mas a outra vai tao longe quanto 0 mgulo

    sede visao. Assirn restam apenas a visao e a audirr1iO , como 6~aos

    2. Rousseau; idem, p. 35. 3. Rousseau, idem , p. 53 .

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    (._) da linguagem entre os homens dispersos".4 Na rel3fIo gestopalavra, 0 gesto nao e sornente urn acrescimo aritificial, mas 0 recurso a urn signo mais natural e expressivo, mais imediato : "Embora a lingua do gesto e a da voz sejam iguaImente naturais, con tudo a primeira e mais facil e depende menos de conven~s: pois mais objetos atingemos nossos olhos do que os nosses ouvidos, e as figuras tern maior variedade do que os sons".5

    Na linguagem tudo e complementar: a ideia de "substitui~o" precede a oposiyaO entre a natureza e a cultura, pois existe urn substituto (suplemento) que pode ser natural (0 gesto) e artificial (a palavra). A palavra (ela propria substituto do gesto) pode-se acrescentar 0 gesto visivel; neste movimentode suplementaTidade encontra-se a origem das llnguas.

    o homem deixa-se anunciar apartir desta suplemenraridade que nao e nem um atributo acidental nem essencial. E 0 jogo da PTf!seTIflI e da ausenaa; e a impossibilid.ade (e portanto 0 desej 0 ) da presen~ pura*. "Desde que aprendemos a gesticuIar, esque cemos a arte das pantomimas pela mesma IaZao que, contando com tantas belas gramaticas, ja nao entendemos os stmbolos dos egipcios. 0 que os antigos diziam com mais vivacidade nao era expresso atraves de palavras, mas de signos. Nao 0 d.iziam: mostravam-no."6

    o que os antigos mostravam era a metMora hieroglffica, ism e, 0 signo visivel. I:. no mesmo sentido que 0 tratamento do visivel aparece na Nouvelle .Heloi'se: "depois de ter passeado nas nuvens, eu chegava", diz Saint-Preux, "a urn recanto mais sereno de onde se ve, na e~o propria, 0 trovao e a tempestade formarem-se abaixo de sL.. Foi ai que destaquei sensi.velmente, na pureza do ar em que me encontrava, a verdadeira causa da mudan~ de meu humor e da volta desta paz interior que eu perdera

    4. E.O.I.. idem, p. 150. 5. Rousseau, id~ ibid., p. 152. ' . .. precise notar", diz Starobinski, "que 0 estado de natureza 112:0

    e um imperativo moral, 112:0 e uma norma pratica. a qual ser{amos convidados a nos conformar: e um postulado teOrico, mu que recebe uma evidencia quase concreta, pela 'irtude de Ulna lingu;Igem que sabe dar ao imaginirio todas u caractensticas da presen(j

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    1'1 J 28I'll hi tanto tempo".7 A timpidez do ar e a intensidade das formas : /, I nw sio urn atributo da paisagem mas uma "qualidade do olhar", I,

    I que de urn s6 golpe faz desapareeer a opacidade do ar e 0 obstaI : culo entre os homens. Segundo Starobirub8 , a Nouvelle Heloise

    pfOPOe urn devaneio prolongado sobre a transparencia e 0 veu_!I Desde 0 inicio do romance, a descriyao da montanha lIa

    laisanne adquire a significayao de uma paisagem liberada do veu,, I desvendada aos ollios: ':Imagine a variedade, a grandeza. a beleza

    'lli de mil grandiosos espetacu.los; 0 prazer de s6 ver ao redor de si objetos inteiramente novos, passaros. estranhos, plantas ex6ticas/ 1\ e desconhecidas, de observar de uma certa fonna uma outra natu

    I i ; reza e de encontrar-se num novo mundo. Tudo isto provoca nos olhos uma mescla inexprimivel, cujo encanto aurnenta mais pela sutileza do ar que toma as cores mais vivas, os trayos mais marcados, reaproxima todos os pontos de vista; as disUncias parecem menores do que nas planicies onde a densidade do arcobre a terra com um veu, 0 horizonte apresenta aos olhos mais objet os do que parece conter; esquece-se tudo, esquece-se de si meSIll0 , nw se sabe mais onde se esta".9 1! a transpazincia que faz reinar uma atmosfera m3.gica: 0 mundo parece mais vasto e simultaneamente tudo se toma mais proximo, pois a "infelicidade da distincia das coisas atenua-se'\

    A Botaruca. em Rousseau, e tambem 0 dominio da transpaItnea e da visibilidade e erige-se em simbolo da inocencia perdida IU Hist6ria. "0 mal", diz Bento Prado Jr., "desenhou-se quando algo escapou a publicidade dos oihares, quando 0 homem voltou-se sobre si mesmo, cavando urn espayo privado e secreto: 0 mal em do Iado das trevas e do invisiveL 1:1 que nenhurna camara secreta se esconde sob esta frna pelicula que e a superficie da planta. a consc.iencia pode abandonar-se as aparencias e coincidir novamente com as suas senS

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    e de angtistia, na:o faria outra coisa sena:o dotar seus "homens' o hornem natural e uma totalidade, e 0 "inteiro absoluto" ,naturais" de qualidades propriamente sociais. Ao confundir 0

    a unidade com reo a si mesmo, e s6 pode ser reportado a sjhornem natural com 0 civilizado (ou mesmo com 0 "selvagem") , mesmo ou a seu semelhante; 0 hornern social esomente uma "uniHobbes amplia para a idade primitiva 0 que s6 e verciadeire na dade fracionana", que s6 tern sentido relacionado a um denomiseqUencia da Hist6ria: "0 grande defeito dos europeus e ffiosofar nador cornum e cujo valor encontra-se em sua reiayao ao inteiro

    " sempre sobre a origem das coisas segundo 0 que se 'passa ao seu t

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    redor".12 que e corpo S9cial: "as boas instituiyoes sociais sao as que da rnelhor maneira conseguem desnaturar 0 homem, retirar-lhe a exisUnciao que Hobbes via no com~ dos tempos, Rousseau v~ no absoluta para dota-Io de uma reiat iva , e transpoi-tar 0 eu na llnifim: 0 reino do egoismo. Rousseau se dirige anatureza do homem: dade comum; de tal forma que cada particular nao se aaedite

    ''Nascemos sens{veis e, desde 0 nascimento, somos afetados de

    I1 \ diversas maneiras pelos objetos que D05 cercam. Desde que co I-mais uno, mas parte da unidade, e seja apenas sensivel no todo".14

    ," o estado de natureza e apresentado como historicamente ,

    m~os a ter, por assim dizer, a consciencia de nossas ~s, anterior ao estado civil A natureza e este "grau zero" cia Hist6ria " LI \' ', estamos preparados a procurar ou a fugir aos objetos que os proonde 0 hornem natural "si1encioso e estOpido" age, no entanto,duzem; primeiro, confozme sejam agradaveis ou desagradaveis; como hornern. Este hornem nao tern Hist6ria, encontra-se entreem seguida, conforrne a conveniencia ou incon~ncia que enos animais, e para 0 outro como para si proprio, sem consci~nciacontramos entre n6s memIOS e estes objetos e, fmalmente, cone sem mem6ria, sern vicios, sern virtudes, sem razao. ~ precisofOIIDe os ju{zos que construimos sobre a ideia de felicidade ouI ! sair da Hist6ria caso se queira tomar como ponto de partida ade perfei~o que a razao nos da. Estas dispo~Oes se ampliamI I imagem de urn hornern aincia proximo da "estupidez dos animais"; I ou se fortalecem na medicia que nos tornamos mais sensiveis e e preciso "afastar todos os fatos'" 5 , pois estes sa:o os trayos hisII mais esclarecidos; mas constrangidas por nossos habitos, alteram-se

    I t6ricos do hornern e fariam com que par.issemos na Hist6ria; prenmais ou menos por nossas opiniC5es. Antes desta a1te~o, eIas der-se aos latos seria penetrar nwn dominio ja afastado da origem.I 'j s10 0 que em n6s chamamos a natureza".' 3I ' Para recupera-la, Rousseau adota as ~Oes des via:jantes que A distinyao entre homem natwal e homem social faz apaviveram entre os selvagens, apesar destes ja estarem desnaturados, recer a "natureza" como um absolulo - 0 hornem natural do diferenciados pela cultura: mas encontram-se tao distantes de n6sI poderia ser destruido no interior do hornem social - de outra

    I I que se voltarmos a olhar. em sua direya:o estarernos, ao mesmomaneira a educayfo do Emilio seria impossi'veL * tempo, olbando em direyoo da origem. Por tr3.s de homens co10ridos por pinturas e plumas, 0 olhar des-

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    Rousseau articula a significayao d.a origem (essencia., presen'? nascimento, rena.scimento) compreendendo as rel~s entre 0 Ser e 0 Tempo a partir do "agora" . E por esta razao que o homem selvagem enfrenu a mone sem angtistia: para ele 0 tempo e 0 presente, 0 presente sem espessura: "Sua alma que nao e por nada agitada, entrega-se ao Unico sentimento da existincia atual sem nenhuma ideia do futuro, por mais proximo que seja, e seus projetos, limitados por sua vista, se proiongam somente ate 0 fun do dia Tal e ainda hoje 0 grau de previ.s3o do Ca'-alba: vende de IIlllD.M 0 leito de algodlo e vern chorar a noite para recompra-lo, por nao ter previsto que precisaria del~ na proxiIDa noite" .1 7

    o homem primitivo vive numa iminencia: nao e'nem "natureza" nem "sociedade", ja apresenta caracteristicas distintas com reta.rao aos animais - ' e uma u quase sociedade", "sociedade nas

    17. Rousseau, idem, p. 49-50. . Para delinear a constitui~o original do homern, Rousseau volta-se

    sobre si mesmo: "Comecemos, pois, por nos tornannos nos mesmos, por entrumos em nos, por circunscrever nossa alma com os mesmos limites com que a natureza dotou /lOSSO ser, comecemos, numa paJavra, por nos reuniImos onde estamOs a flII1 de que, procurando nos conhecer, tudo 0 que nos componha venha, ao mesmo tempo, apresentar-se a nos. De minha parte, penso que aquele que conheceu melhor em que consiste 0 eu humano esta mais proximo da sabedoria; e da meSIlla forma que 0 primeiro ~ de um desenho se compOe de linha! que 0 realizam, a primeira idtHa do homem e de sepani-lo do que Ilio e de". : (LemeJ d Sophie, VI, Masson, cit. Burgelin, op. cit. , p. 143). 0 estado de natureza e, antes de ma.i.s nada, WDll experienCla vivida de que se tern urna visao direta: "libeno da inqwerude da esperan~a, e certo de perder assim pouco a pouco a do dese)o, vendo que 0 passado ja nlio me era nada, procurava me pOr inteiramente no estado de um homem que com~ a viver'. (Rousseau, Emile er Sophie. O. C, ill, p. 18, Ed. Hachette). Trata-se do retorno apresen9D das origens ; no "cora~o" isto se passa depois de carla "funesto acaso", que pode recompor a vida: depois da for

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    s6 a do gesto e alguns sons inarticu1ados.1 9 Ou ainda: "parece, a principio, que os homens nesse estado, sem ter entre si qualquer especie de re~o moral ou de deveres conhecidos, nao podiam ser nem bons nem maus, ou possuir vicios e virtudes, a menos que se considere como vicios do individuo as qualidade capazes de prejudicar sua propria conse~o, e virtudes aqueJas capazes de a seu favor contribuir"; neste caso, poder-se-ia chamar de mais virtuoso aquele que menos resistisse aos impulsos simples da natureza. 20

    No estado de dispe~ da humanidade primitiva, nao existe nada que possa unir um a outro e nada tambem 0 subjuga: s6 se conhecia e se desejava 0 que se encontrasse ao alcance da mao, de. tal forma que, ao inves de aproXimar 0 homem de seu semelhante, suas carencias afastavam-nos. E porque nao experimenta nenhum desejo de co~o, ~ se sente separado do outro, nenhuma "distancia metafisica" afasta-o do exterior - por esta razao 0 ertado primitivo e 0 momento da visibilidade absoluta: "supo-lo-ei conformado em to

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    e I0go n6s a reaprenderemos com elas. As amas sao os nosses mestres nesta lingua; compreendem tudo 0 que dizem os bebes; respondem-lhes, tern com eles dillogos continuados; e em bora pronunciem palavras, tais palavras sao inteiramente inuteis; nao e 0 sentido das palavras que elas compreendem, mas a acennla~o de

    7i' __ l._.l __" 26 que s ..o aCOmplUUli1U4> . o conceito de infancia deve ser analisado sempre em rela~ao ao signo: isto quer dizer que a inIancia e a nao-re~ao ao signo enquanto tal."' Para Rousseau, a crianya e 0 nome daquilo que nao tem nenhum significado case se separe 0 significmrte do significado, 0 que tomaria possivel ama-io. nele mesmo, como urn fetiche. Deste ponto de vista, a inIancia e 0 estado de nao-alienayaO absoluto - e 0 estado da presenra que corresponde a este "tempo feliz em que nada marcava as horas" do Ensaio,. onde a

    associa~o nao passa por tratados, leis ou representantes. 0 homem era seu pr6prio "servidor", para ser "mestre" cada urn era servido por todos e 0 tempo passava sem ser percebido. E 0 tempo das Reveries, urn tempo indiferenciado, sem intervalos au desvios entre 0 desejo e 0 prazer, porque prazer e desejo confundem-se e sentem-se de uma s6 vez.

    B - 0 Movimento dils PtIix6es

    A separ~o entre 0 mestre e 0 servidor 56 se torna possivel a partir da diferenc~o temporal que permite medir 0 tempo e simultaneamente atirar 0 homem fora do Presente. A sucessao dos 'tempos" no Disauso sen!. enUo retornada pelos conceitos de estado de natureza, estado se1vagem e estado sociaL Nele Rousseau diz: "Enquanto os hom ens se comentaram com suas cabanas rusticas, enquanto se limitaram a costurar com espinhos ou

    26. Rousseau, Emile. p. 45, Ed. Garnier, 1962. ' . Derricia (in De La Craml7'U1tologie) diz que nao existe signo en

    quanto tal: urn signo Ii considerado como uma COLsa e mio email urn signo, ou enta~ ele e urn "enviar", uma mensagem e portanto nao emm ele mesmo.

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    com cerdas as suas roupas de pele, a enfeitar-se com plumas e conchas, a pintar 0 corpo de vArias cores, a aperfe~oar ou embelezar seus arcos e flechas, a talhar com pedras cortantes algumas canoas de pescador au toscos instrumentos de mUsica; em uma palavra, enquanto s6 se dedicaram a obras que urn Unico homem podia criar e a artes que nw solicitavam 0 conCJ.JnO de vanas maos, viveram tao !ivres, sadios, bons e felizes quanto 0 podiam ser por sua natureza". 2 7

    Este e 0 momento da "quase sociedade", da qual a cabana, a linguagem dos gestos e sons inarticulados sao os indicios. A familia ja existi.a, pois, mesmo antes do "tempo das festas e da aproxiIIl.afao dos homens", estes nlIo nasciam da "terra": "poderiam as ger~Oes sucederem-se sem que os seXO$ se unissem e as pessOas se entendessem? Nao: existiam familias".18 Nela.s impera urna lingua domestica e cada qual basta a si mesmo e perpetua-se pelo mesrno sangue; as ~ nascem dos mesmos pais, crescem juntas e aos poucos encontram uma maneira de compreenderem-se_ Havia fanu1ias aflIIIIa 0 Ensain, mas nao lU1foes; havia linguas domesticas e verdade, mas nao li~ populares; "havia casamentos, mas nao havia arnor".211 *

    27. D.01., idem, p. 72/13. 28. E.O.L., idem, p. 220. 29. Idem, ibid. p. 220. *. A familia nascente encontta-se n.a origem da sedi:men~o social

    Em termos hegeJianos, esta fanuM pernnce ao momento cia pre-hist6ria do homem: "A moraJidade objetiva Ii a ideia da liberdad.e C.). 0 conc:eito desu ideia 56 e 0 Esplrito como a1go de real e consCiente de si se for a objetiV1l~ao de si mesmo, 0 movimento que percone a forma de seus diferentes momentos. Ele e:

    a) 0 Espirito moral objetivo irnediato ou natural - a farru1ia. Esta substancialidade se dissipa n.a percia de sua unidade, na divis3:o e no ponto de vista do relativo; torna-se, poi$,

    b) sociedade civil, a~o de membros que sao indivlduos independentes numa urriTersalidade formal, atraves Cas necessidades, pela constitui~o juricti

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    A idIlde diu cabantzs ja se encontra do lade da cultura, a natureza ja sofreu alte~s, mas cad.a urn continua a manter relaes independentes. ~ a epoca da sociedade natural, societiade nascercte ou sociedade comefada: "Na medida em que as ideias e sentimentos se sucedem, que 0 espiritQ e 0 corayao entram em atividade, 0 genera human0 continua a domesticar-se, as lig~Oes se eStendem e os I~s sefortalecem".30 E urna vez que se trata de uma verdadeita sociedade, a moralidade aparece sigoificando, ao mesmo tempo, a "oportunidade de humaoidade" e ja "origem da perversW": esta moralidade consistirt nos "primeiros deveres de civilidade". Tudo ista se da quando 0 bomem deixa de domtir sob a primeira Iirvore e com~ a cortar a lenha e construir cabanas; passa enta:o a DeCessitar do socorro do outro, 0 que se encontra na origem do estabelecimento e distin~ das fanulias.

    A idIlde diu cabanas assiste a i.ot.rod~OO de urna espt:cie de propriedade de onde decorrem quere1&s e com bates. Pois, "c0mo os mais fortes foram provavelmente as primeiros a construir habiUlfOes que Se sentillID capaz.es de defender, e de crer que os fracos acharam mms r:ipido e segura imita-Ios do que teotar desaloja-Ios e, quanto ;)()S que possuiam cabanas, nenhuro deles eertamente proclirou apIOpriar-se cia de seu vizinho menos por nao !he pertencer do que par ~r-lhe inutil e nao pader apoderar-se dela sem expor-se a um arduo combate com a f~1ia que a ocupava".31

    A famIlia se r=.ti.za ~m tres aspectOS~ a) na forma de ~ C'On:..::eito imediato, comu casamento ; b) na existenci;a e.:"{tenar: propried.-ie r: bens da familia e cuidados

    corresponden tes..: c) na edu~o .iu cri:anyas e na

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    1\ ' 1 'II, dils cabaTUlS, 0 hornem ja perdeu sua ociosidade paradisiaca, caiu das circunstancias, desenvolve sucessivamente todas as (J.1tras eI! I

    no estado de trabalho que corney"Depois de ter provado ser a desigualdade apenas perceptivel noo poder de modificar seu estado e a si mesmo; da perfectihilidiUie derivam todas as outras faculdades, fonte das convulsOes econ6- estado de natureza, e ser nele quase nula sua influf!ncia, resta-me 11 micas e sociais, fonte das "luzes adquiridas" e fonte de todas as ainda mostrar sua origem e progressos nos desenvotvimentoS" suI : j miserias: "Ainda quando as dificuldades que envolvem todas estas cessivos do espirito humano. Depois de ter mostrado que a per

    , I quest6es dessem algum lugar a discussao sobre a diferen~ entre fectibilidade, as virtudes sociais e outras faculdades que 0 hornemI , I

    " 1 o homem e 0 animal, have ria uma outra qualidade especifica que natural recebera potencia1mente jamais poderao desenvolverse ,

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    os distinguiria e a respeito da qual nao pade haver contest~ao por si mesmas, pois para isso necessitam do concurso forruito - e a faculdade de apefeic;oar-se, faculdade que, com 0 auXluo de intimeras causas estranh.as, que poderiam nunca ter Da-.

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    sos que puderam aperfeiyoar a razao humana deteriorando a especie, tomar mau wn ser ao torna-Io sociJivel e, partindo de tao longe,~ II trazer enflm 0 homem e 0 mundo ao ponto em que 0 conhece

    11 ! mos". 3 7 Os selvagens nao sao maus justamente porque nao sabem ..

    : o que e ser bom; e neles, nao e nem 0 desenvolvimento de mas fuzes nem a vigilincia daS leis 0 que impede 0 Mal, e sim a Cillma ~ ! I das paix6es e a ignorrincia do vicio. * . i ' A "perfeetibilidade" toma manifesto que as rels humanas

    mudaram; num certo sentido, realiza-se "contra a natureza", no estado social. sob a influencia das n~ssidades materiais. au seja, as mudan~ repondem a uma provocao vinda de fora: em certas

    I II I regioos 0 homem encontrou "anos estereis, invemos longos e rudes, I

    verDes ardentM" e em seu meio natural nao conseguiu encontrar pro~ao segura. yendo-se foryado a sair de sua indol~ncia primitiva; a partir de enUo, passa a depender do exterior. E este ser que recehia os dons da natureza devera conquistA-Ios - a adversidade s6 sera vencida ao pr~o de urn esforyo continuo: e 0 trabalho que obrigani 0 homem a organizar-se em sua luta contra os obsticulos.

    Entendida como desenvolvimento de "potencialidades" . a perfectibilidade e sin6nimo de p'rogresso, mas de urn progresso que e ..a perdiyao do genero humano." ** Engels3 8 mostra. portIn, que em Rousseau existe urn progresso na emergencia da desigualdade: no estado natural e selvagem os homens eram iguais e, como Rousseau toma a linguagem como alte~o da natureza, tem razlo em aplicar a igualdade entre os animais de uma mesma especie

    37. D.OJ. , idem, p. 65. . D.OJ.. idem, p. 58 . . intcreSiaIlte aproximar dois textos, um de Rousseau, outro de

    Nietzsche, como pIOp6e Burgelin (in P.E.): "Esta disposi~o para cornpa= , diz Rousseau, que uansfonna uma padao natural e boa em uma outra facticia e rna (_.) provem das rela,.oes soci.all, do progresso das ideias e da cuJtura do espmto" . (Dialogues, IX, p. 197). E Nietzsche: "Os Europeus, grayas a sua moralidarle crescente, acreditam com toda inocincia e vaidade que se elevam. enquantO que, em realidade, declinam." (VoJollle de j>uU. sance, livro ill , p. 227) .

    38. Anri[)Uhring, p. 160 e ss.

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    a todo dominio desta espt!cie e aos "homens-animais". Este homens-animais tinham urna vantagem com relayIo aos outros animais, a propriedade de aperfeiyoarem-se, de "evoluirem ulteriormente" - e esta foi a causa da desigualda~; mas este progresso sendo antag6nico era, ao mesmo tempo, urn recuo .

    E verdade que no Emmo Rousseau aflrma que apenas em sociedade 0 homem tomase propriamente homem, que e a moralidade que da a bumanidade ; assim, h.a um "deslocamento"'. na medida em que 0 homem abandona sua amoralidade original: e pelo mesmo movimento que ele se sabe bom e toma-se mau. Vemos, entretanto, que 0 progresso e mais ambiguo que dialetieD: ''E preciso empregar muita arte para impedir 0 homem social de ser completamente artificial", sofia que Kant lem em Rousseau. "'

    o Discurso aao oferere estas perspectivas tranqiiilizadoras. Rousseau continua a procurar a origem da desigualdade e continua a mostrar que pelo trabalho 0 homem se toma um ser hist6rico que luta contra a natureza, opondo-lhe seu trabalho e degenerando-se a medida em que se desenvolvem nele "novas luzes"; Rousseau lembra sempre que no estado de natureza os desejoS' na-o ultrapassam .as necessidades ffsicas e a imaginao nlo se manifesta pois nada agita a alma, 56 existe 0 sentimento da existencia do momento. 0 trabalho que enfrenta as coisas evoca a reflexao e 0 homem acaba por tomar con.sciencia de sua diferent;a: com~a a com parar-se ao outro e esta compar~ao se encontra na origem cia

    - . " A natureza quis assim : 0 homem extrai de si mesmo tudo 0 que ulUapass.a a ordem mecinica de sua existencia animal, e nao participa de nenhuma outra felicidade ou perfei~o a nao ser a que ele meSIllo ~ou por sua propria razao, Liberada do instinto". (Kant , fA Raison Pratit{ue. texte! choins) .

    ~

  • 44 45 raziio. Ao chegarmos neste ponto nero mesmo conseguimos recuperu as "origens" e carla vez nos afastamos mais desta dimensllo: "'0 que M de mais cruel ainda e que, mais os progressos rla espeere humana distanciam incessantemente de seu estado prirnitivo, mais acumulamos novos conhecimentos, e mais retiramos os meios de adquirir mais importante de todos, e que e nUID certo sentido, a forya de estudar homem que nos tomamos incapazes de _conhece-Io".H Epreciso examinar 0 porqtili deste ~svio.

    39. DOJ.. idem, p. 34.

    CAPITULo n

    A NATUREZA E OARTIFICIO

    ~u-5e por sepailii 0 homem cia natureza e por f= dele urn reino soberano, acreditando-se, assim, que se apagava seu carater mail irrecusivel, o de ser, antes de mais Dada, urn ser vivo. E fechando-re os ollios a esta propriedade comwn, abriu-se caminho a todos os abuses.' Nunca como ao final d~ quarro Ultimos seculos de sua historia, 0 homem ocidental compreendeu que arrogand---5e 0 direito de separiIr radicalmente a hwnanidade da animalidade, entregando a .wn tudo 0 que se retirava ao ourro, abria urn clrculo maid ito e que a mesma freDteira, constantemente deslocada para tr.i.s, serviria para separar os hom ens uns dos outros e reivindicaYa,l em beneficio de algumas oUnorias cada vez mail; restritas, 0 privil~o de urn hurnanismo corrompido desde sell nascimento, por tel feito do amor-pr6prio seu principio e sua n~:'l

    A - 0 animal, 0 fuJmem: a identidade

    E preciso colocar a questao fundamental (originMia) que o-pije o estado de natureza ao estado civil e constitui 0 "abisrno te6rico" da vida politica. Rousseau filo se interessa pela produ~ao hist6rica deste movimento. mas pela elucidac;:lfo de sua natureza; em outros termos. sao os fundamentos que 0 "Segundo Discurso" em

    L Claude Levi-Sttauss, op. r.t.. p. 17.

  • 47

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    procurando - a verdade da origem nao se confunde com a verdade dos faw. Por isso Rousseau com~ por "afastar todos os fatos" e continua lembrando: "Confesso que os acontecimentos que tenho a descrever, podendo sobrevir de inu.meros modos, 56 por coojecturas posso decidir-me na escolha. Mas, mesmo que essas conjecruras se tomem razOes quando sao as mais provaveis que se possaro extrair da natureza das coisas e os Unicos meios que se possa ter para descobrir a verdade, as conseqii!ncias que quero deduzir nao serao por isso conjecrr.uais, porquanto, sabre os principios que acabo de estabelecer, nao se poderia formar nenhum outro sistema que nao me fomecesse os mesmos resultados e do qual nao pudesse ioferir as mesmas conelusOes',.l

    A descoberta de urn metoda capaz de substituir a Hist6ria, vai ajudar "perigosamente" Rousseau: pois e necessario explicar a ordem social, "este direito sagrado que serve de base a todos os outros. Tal d.ireito, DO entanto, nan vem cia natureza: funcia-se, portanto, em conven~s_ Trata-se de saber que convenyOes sao eslas_ Antes de alcanyar em ponto, devo estabelecer 0 que acabo de adiantar".3 Trata-se de colocar 0 problema do Contrato em ~. da natureza dos individuos, de suas foryas e cia mu

    dan~ cia maneira de ser dos homens. * Viu-se que ao estado de indolencia feliz e de repouso do

    homem original opOe-se 0 cielo das revolu~ Viu-se que para o Rousseau do DiSClDSO, 0 hom ern civil, cotrompido e infe liz , pervertido pela Hist6ria e por seus pr6prios progresses, tern tudo a cobirrar ao homem da sociedade primitiva de onde "nunca devia ter saido". Ou entao, este "paradoxo inicial" permite denunciar os males de que sofrem as socieciades funciadas sobre a desigualdade e preparar assim, atraves de uma critica radical, a passagem A sociedade do Contrato: "Sem entrar, no momento , nas pesquisas que aioda restarn por fazer sobre a natureza do pacto fundamental de qualquer govemo, liroito-me ( ...) a considerar aqui 0

    2. D.OI. idem, p. 65/66 . 3. Du Contrat Socwl, I, I, p. 236. . Nio se pode e~quecer que toda a primeira pane do D.O.I. descreve

    o estado de puro natureza, sem necessidade nem mesmo das linguas.

    estabelecimento do cofPO politico como urn verdadeiro contrato entre 0 povo e os chefes que escolhe, contrato pelo qual as duas partes se obrigam a observancia das leis nele estipuladas e que formam os liames de sua uniao ( ... ). Pois nao se baseando a rnagistrarura e seus direitos senao nas leis fuodamentais , assim que estas fossem destruidas, os magistrados deixariam de ser legitim os e 0 , pavo nao mais estaria obrigado a obedece-Ios, e como nao era 0 magistrado, mas a lei, que constituira a essencia do Estado, cada urn de direito voltaria a liberdade natural" .4 0 estado de solidao esta aquem do hem e do mal., que 56 podem ser defmidos pela ordem sociaL No eszado de sociedatie, porem, a mi.seria do homem traosparece na contradi'rao entre seu estado e seus desejos, entre seus deveres e in~Oes, entre a natureza e as instit~s sociais - em suma, entre 0 homem e 0 cidadfio_ A lei deve, assim, tomar 0 homem feliz fazendo-o uno, entregando-() inleiro ao Estado ou a si mesmo, pois "quando se divide 0 co~ao, 0 homem se dilacera"; 0 "programa" do Contrato e 0 de colocar a lei social. no -'fundo do cor~o do homem" . 0 Contrato aincia nao e a lei, mas a sua possibilidade, a possibilidade de que se retome a lei natural a partir de agora abolida, na dirnensa"o da "decisao do homem". S6 no Discurso e passivel que 0 homem seja feliz em plena natureza: "Se entendo bern 0 terrno miserrivel, e uma palavra sem nenhuro sentido au que s6 significa uma priv~ dolorosa e softimento do corpo au da alma. Ora, desejaria que me explicassem qual poderia ser 0 genero de miseria de urn ser livre cujo co~o esta em paz e 0 corpo com saUde".5 Na primeira vrsao do Contrato Social, entretanto, Rousseau acentua 0 car.iter de rruseria do estado de natureza. Para a coinpreensa"o desta passagem, e preciso notar que , neste momento, nao se trata mais do estado primitivo do homem, mas de urn estaLio de natureza segundo, ern que 0 homern jei esta desnaturado mas nao aincia sociaIizado; deveni ainda atravessar toda uma "hist6ria" antes de tomarse "homem civil" . Daqui decorre a distin'rao que devera ser feita entre a "piedade natural" tal como se exerce no erraLio de animalidade e a "piedade" que despena no Ensaio sobre a Ongem das Linguas com a imaginao

    4. Rousseau, D.OJ., idem, p. 84/5 . 5. Rousseau, idem, p_ 56.

  • -/8

    e a re/7e.xuo, afei~6es sociais que nos remetem necessanamente ' a urn estado posterior, ao estado de razao. * E se Rousseau, 56 tarJi:llTlente vern a faJar no Discurso do "direito natural"'" *, e justa':1 ente porque e preciso ref1etir, antes de mais nada, sobre a narureza Jo homem a partir do estado de natureza, para conceber 0 que e a "mudanya de sua maneira de ser". Pois "como conhecer a fonte da desiguaJdade entre os homens, se nao se come~ar par conhecer a eJes mesmos? E como 0 homem chegara ao ponto de ver-se tal como 0 formou a natureza, atraves de todas as mudanyas produzidas na sua constitui

  • 51 5()

    reflexao, ao SOcorro dos que vemos sofrer: e ela que, no estado de natureza, ocupa lugar de lei, de costumes e de virtude , com a vantagem de que ningw!m e tentado a desobedecer ~ sua doce

    " 8voz .

    A pie dade nao e apenas uma forma de identificayao com a humarudade inteira. mas a propria maneira pela qual 0 hornem redescobre sua infra-estrutura vital: "E sobre esta faculdade primordial que virao desenhar-se, num jogo de oposiyao, os predicados que a ciencia deve decifrar. 0 homem identifica-se, primeiro, peJa piedade. com a totalidade da vida, para em seguida distinguir-se, no interior deste campo, do 'nao-humano' ".9

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    B - a Animal, 0 Homem : a Diferent;a

    No Ensaio sobre a Origem das L/nguas, no DisCUTSO e no Emz7io a piedade aoarece como um sentimento original, isto e, ern oposiyao ao soci;U aitillcial, 0 "reslduo que nao se deixa explicar pela sOciedade".1 0

    ~as este sentirnento sera tratado de maneira diversificada nos tres textos : no DisCUTSO e no Eml7io a piedade e vista como urn sentimento espontineo da alma (embora nao seja um sentimento simples) anterior a reflexao, enquanto qu~ no Ensaio 1 I transparece urn acento inteiectualista. Assim, no Ensaio Rousseau diz: "A piedade, embora natural ao corayao do hornern, pem1aneceria etemarnente inativa sem a imaginayao que a coloca em jogo. Como nos deix.amos comover pela piedade? T'ranspo rt ando-nos para fora de n6s rnesmos, identificando-nos COm 0 ser que sofre. Sofremos apenas na rnedida em que julgamos que ele sofre; nao e em n6s, e nele que sofremos. Figure-se 0 quanta este transporte supoe de conhecimentos adquiridos. Como imaginaria os males de que nao tive. nenhurna ideia? Como sofreria venda sofrer

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    8. D.OJ., p. 59/60. 9. Bento Prado Jr., Revista Tempo Braf'ikiro, idem, p. 16/17. j 0. P. Burgelin, PE, idem, p . 219. 1t. Segundo Starooinski, Ed. Ph~iade, voL 1lI, p. 1330,

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    urn ou tra, se nao sei sequer que ele sofre, se ignoro a que h:i de comum entre ele e eu? Aquele que jarnais refletiu nao pode ser nem clemente, nern justo, nern piedoso".12

    Esta concepyao da pie dade que toma densidade pela reflexao seria imposslvel no Discurso, onde raztio e rej7exiIo abrangem tudo 0 que condm inelu [avelmente a degenerescencia do "g~nero humano": "f, a razao que engendra 0 arnor-proprio e a reflexao o fortifica; faz 0 homem Yoitar-se sobre si mesmo; separa-o de quanto 0 penurba e aflige. f a fUosofia que 0 isola; por sua causa ele diz, em segredo, ao ver urn homem sot'" .. do: Perece , se queres , quanta a mim estou segura" .! 3 Deste ponto de vista, a conservayao do genero humano lena sldo imposslvel se dependesse da reflexao. Esta afumayao e atenuada peio Em17io, que introdm, e verdade, ulna inclinayao intelectualista na concep

  • ,'"~.:.

    ou uma teoria da naturalidade como "po tentia/Ire sommeillante ". * As faculdodes v/rtUIJis operam como ligadura em todos os p6ntos de frssura te6rica (nos pontos em que a sociedade se rompe) aniculando-se com a natureza. Isto leva a pensar a natureza nao mais como urn dado, como presenc,:a atual. mas como urn residua, uma reserva. Assim, e a imaginac,:ao que de sperta 0 poder de sua reserva, sem se esquecer sua dupla detenninac,:ao : ela e a fonte dos vicios e das virtudes, de urn lado , do I3em e do Mal, do outro. E que a pr6pria imaginac,:ao pode perverter-se; desperta as faculdades virtuais mas logo as transgride. 1 5

    A imaginayao desempenha urn papel decisive no desenvolvimento das faculdades do homem, pois sem ela a piedade nunca se tomaria ativa e 0 homem nao poderia identificar-se a seu serne lhante; e alern disso 0 homem embora dotado de perfectibilidade , perrnaneceria em sua condic,:ao de "quase animalidade" . Desta exigencia de aperfeic,:oamento ver-se ....a nascer sua hist6ria : a pie dade pOe as afei~6esh' em movimento, sob impulso da imagin~a:o, e 0 homem pode entw compreender a dor e a ail.ic,:ao de seu semeIhante, saindo ja, num sentido estre ito , da sua solidao , rompendo o isolamento. Rousseau diz : "A imaginac,:ao que entre n6s causa tantos

  • 55 )4

    Sob 0 impul so da imagina~ ao . est a piedacie vai despertar como iwmalliJade: vemOS entao delineaIemse J uas seri e s ~, a da mimalidade - c:Hencia. interesse. geslO' se nsibilid3de - ' e a da humanidade - paix30. imaginacao . palavra. liberi13de: a paItJr daL. a imagina

  • 56

    rio - paradoxa baslanre emb:lra~uso de di::fender e complelamcn te impossivel de provar'." 2

    Rousseau rellete sobre 0 princ(pio de que 0 homem e nalU ralmente bum e que. pOfl ~ n!O. nao pode existir uma perreniJaJe origl/wl nos primeiros movimentos da natureza: est a e unidade . onde 0 homem vive em 51. num estado de indivisao, de tal form] que apenas um Jlan indeterrninado conduz a defesa ou a indo 10ncia: CS5:! adesao a ,i mesmo e cOlIlcidencia consigo mesrno .: pro\imidade do originario. do nao..Jividido: a (mica paixao com a qual !lasce e 0 amor de si. pai:dio que em si mesma e indiferenlc ao bem e ao mal: por isto. 0 homem n:llural e sempre "justo" : "e!a s6 se tom:1 boa ou ma". diz Rousseau. "por acidente e segundo as circunStanClas em que se desenvolve: todos os vleios que se

    ~tribuem ao cora"ao humano nao the sao naturais e (".) pela al tera"ao sucessi va da bon dade original. os homens se tomarn. fInal menre. 0 que SaO .. 2 3

    'lo estado de !'-Iatureza 0 homcm se limita exclusivarnerile ao instinto fl"sico. "eJe e ningucm. e bieno". 0 e:Hater animal tern o sentido cia recuS

  • 58 1

    equal e asua natureza') Eu nao sei. E 0 que me impor1a ( .. . ) Re nuncio a quest5es ociosas que podem inquielar meu arnorproprio mas que sao inuleis a minha comiula e superiores a minha razao" '" 7

    Retomemos. pois. as paLxoes: pertencem a 0i atureza e par csla razao a analise da desigualdade nao pode voltarse nessa di

    re~ao. comO se as paix5es ja estivessem marca uas peio mal . Ao contrano: nao se trala de reprimir 0 vlcio mas oe in1pedilo de nascer: e urn empreendimenlO VaG e ridlculo, diz 0 Emi7io. "que rer destruir as paix5es. controlar a natureza e refonnar a obra de Deus": seria contraditorio que a Natureza (Deus) quise sse ani quilar as paix5es que ela engenora no homem. :-.tas e preciso estar atenlO ao falO de que. 5e e verdade que a origem de todas as pai x5es e natural. nem todas 0 sao : " a necessidade de satisfayao de uma mul tiplicidade de paix5es e obra da sociedade", diz 0 Discurso.

    E preciso perguntarse qual 0 es[artlfO da piedade como prlixiio natural. ja que tarnbem ocu pa um lugar na sociedade (em bora de maneira menos arnpla do que no estado de natureza) . Pois Rousseau observa : "A benevolencia e a amizade sao. bern enlendidas , produ~5es de uma pie dade constanle ( ... ) , pois desejar que aiguem nao sofra nao sera desejar que seja feliz? A ser verdadeiro que a comisera~ao nao passa de um senlimento que nos coloca no lugar daquele que sofre. senlimento obscuro e vivo no homem selvagem, desenvolvido mas f raco no homem civil. que im portara lal ideia para a verdade do que digo , senao para the dar mais for~a? A comisera~ao. com efeito. mostrarsea tanto mais enthgica quanto mais intin1arnente se idenlificar 0 animal espeCLador com 0 animal sofredor. Ora. e evidente que essa identifica~ao foi infmitarnente mais esueita no estado de natureza do que no estado de racioci nio ' ,2 8 E que a piedade nao e nem a pr6pria origem, nem urn f1uxo passional dcrivado . uma paixao adquirida entre outras: ela e a primeira "deriva~ao" do arnor de si. ela e "quase natural".*

    27 . Rousseau , Emile. transcrito por ele na Lettre Ii M. de Beaumont, idem, p. 459/460.

    28. D.O.!. idem, p. 59i60.

    *. A expressao ede Derrid3.

    59

    A piedade deriva do arnor de si e ao mesmo tempo tern um ler. rilorio na sociedade. porque ela nao e uma paixJo simples: " Ela poss ui dois principios. a saber. 0 ser mteligente e 0 ser sensitivo cUJo bem-eslar nao e 0 mesrno . 0 apetite dos sentidos tende ao 00 corp o e 0 arnor da ordem ao da alma. Este ultimo arnor, de senvolvido e ativado, leva 0 nome de con sciencia; mas a consci~n cia so se desenvolve e age com as Juzes do homem. E so por estas luzes que chega a conhecer a ordem e 56 quando a conhece sua consciencia 0 leva a ama.la" .2 9

    Somente 0 homem born e mau, que conhece 0 arnor e 0 6dio , em quem a imaginayao e as paix6es desenvolverarnse pro porcionalmente (isto e, 0 homem que desperta para as afeiyoes sociais e que e sensivel a piedade), experimenta a necessidade de falar e in~nta a lingua. 0 lino V do Emma descreve a impor tancia das paixoes que se encontrarn na origem da sociedade e da moral; e pela paixao que se constr6i a relayao com 0 outro. primeira forma de sociabilidade, e no "munnlirio das paixlks" que 0 homem pode nascer verdadeirarnente.

    Das PaLxOes iniciais. amor de si (natureza) e rlmorpropr/o (sociedade) vao logo nascer todas as que constituem 0 ser moral: mas Rousseau denuncia logo 0 pecado onginal do ser moral: se as paixOes "doces e afetuosas" se originarn do arnor de si (este sentimento segundo 0 qual todo ser vela por sua pr6pria conser

    v~ao mas no qual a preocup~ao de si supOe sempre 0 olhar do outro), as p;u;.cOes perversas nascem do arnorpr6prio , sentimen to que leva cada urri a cuidar de sua propria conserv~ao; e urn sentimento relativo, ficticio. que nasce em sociedade. 0 arnorpr6prio e oP arnor de si, que se toma interesse parricu!nr, isto e o recalque e 0 esquecin1ento do sentimento natural. Germma, neste momenta, a ideia da culpa , posto que a hip6tese teo16gi ca foi descartada e a divindade confia ao homem a regencia do mundo, fazendo dele nao 56 um animal mas urn ser livre; e nurna carta a Voltaire*, Rousseau diz que a fonte do mal esta na liberdade do homem, na perfectibilidade que ja comeya corrom

    29. Rousseau, Lettre Ii M . de Beaumonr . idem. p. 444. ' . Primeiro de Agosto de 1756.

    !

  • 60

    pida . 0 mal e produzido pela hist6ri3. e pela sociedade, e a culpa da sociedade nao e 3. culpa do "homem essencial" mas a do "homem em relaC;ao" ; 0 mal esta do lado do factual e nao existiria se 0 homem nao pOSSUlSse a 'perigosa l.iberdade" de negar, pelo artiflcio, 0 natural. "E nas maDs do homem, e nao em seu corafaO que tudo degenera. Suas maos rrabalham, mudam a natureza, fazem a hist6ria" 3 0

    C - 0 Retorno do Reprimido na SoCledade

    Rousseau se esforc;a por pensar a sociedade geral* como uma sociedade quase pura, sem negar as contradic;5es que viriam cindir a origem, prolongando numa du~:io homogenea, sem liInite e sem bst6ria, 0 momento fugidio do nascimento, onde a unica desigualdade e a desigualcfade fisica. 3 J 0 "princlpio de destrniC;ao" ja esta presente neste "quase", na pr6pria origem, mas de alguma forma permanece indlferente. Desta forma, Rousseau nao considera os principios origiruirios de conservariio e de destruiriio das origens como simuirtineos. 0 que equivaleria a destruic;ao

  • 62 63 a necessidade que os homens passaro a rer uns dos outros nao e natural: na a convivencia tomou-se necessaria. Vma vez que a sociabilidade nao e uma a cial se por ao mesmo

    de certos "acasos", fortuitos de c:ircunsUincias", "diferentes

    acasos", -'mwto sabia , "concurso fortuito de varias causas estranhas que nun~ ter nascido", "causas mwto leves", femes acasos" *, etc. E Rousseau:

    tremores de terra cercaram de au de do separaram e cortaram

    do cominente. Concebe-se que entre os hornens desse modo e a mer teve que se

    formar wn idioma 34 No 0 Unico indlcio da dos homens

    - a consisre na passagem do a c~ e pesca ~o atividades

    diferentes ttknicas e a nrimPiro

    a

    com a natureza e com 0 uma de retlexlo a oartir da

    sentido: domina os animais que lhe e tornase urn para 0 outrO. 0 pnmelIo uso

    que faz da reflexao epara se saber ao animal. A lura do homem contra as outras muncia as que

    "mam opor 0 homem ao homem: 0 uso que faz de suas "novas hues" e retletir sabre a natureza do outro e sobre as rela

    que devera desenvolver com ele de agora em diante. Desde ha um duplo desenvolvimento social: urn nnrinnJI1

    de de Benevolencia fundada sobre 0 bem comum: ':sob velhos carvalhos. vencedores dos anos, wna ardente

    . Lodjca;;ao de Launay, op. cit .. p. 215. 34. o.C. Pleiade, IR p. 168.

    acosrumavamse pouco a pouco por se fazer

    festas: os nao bastava m:us e a voz 0

    senti! ao mesmo

    em uma de

    do OUtro, a homem identifica suas :.ememanya.'> na

    manerra de pensar e de sentir e aJia-se ao outro - ou torna-se seu

    - conforme as

    o mal nao e uma natureza, e conungente com

    a natureza do horn em. H;1 uma entre a essencia do homem como e sua ""'"",,'vav homem nasceu livre e em toda parte esui traw. Mas tal se na essencia do social ou em "acidentes hlstoricos" que no fundo perrnanecenam estranhos a essencia?

    No caso do DisCW'so ja conhecemos a resposta - "as aca50S": no :;.ao os "abuses": "se os abilses desta nova con

    do estado de UQ.-U'W'4J,,36 A liberdade natural

    o recurso de que Rousseau 0 argumento "causalidade nlo faz com que a como senti do da busca do no movimemo de do social: no estado de natureza a homern se encontra na da animalidade e nao realizou sua natureza hist6rica:

    ponto em que os obsticulos que no estado de natureza

    de que cada indlviduo para manter-se Entao. eSle estado orimitivo ja rulo

    35. .0.,[, idem, p. no . 36. CS.. livro i, cap. L idem, p. 236. A observayao ede Marilena S.Chau!. q'.lanoo da leirwa deste trabalho.

  • 64

    pode subsistir e 0 genero humane pereceria se nao mudasse seu modo de ser',3 7.

    Rousseau concebe uma mudanc;:a do hornem natural (muda, por assim dizer, de natureza, mas continua subsistindo no estado civil). Esta passagern nao se da, entre tanto , sem dificuldade: Rousseau diz no Discurso que nao ~ uma tarer'a ligeira a de separar 0 original do artificial na narureza atwJl do homem_ A natureza rnuda, de uma cena forma: "para estabelecer a escravidao foi necess3.r:io violentar a narureza, foi preciso transforma-la para perpetuar este direito"38; a natureza atual do homem e mais que 0 hornem natural. contem tudo 0 que 0 homern veio a ser e pode tomar-se conJorme as indicayees de sua narureza; e isto no sentido em que sempre osciJa entre a simp/icidade original (instintiva, estitica) e 0 dinamismo cia perfectibilidade; 0 vicio cia natureza atu.a.l (a "desordern" da natureza atual) consiste em desnaturar 0 homern,

    irnpedindo~ de viver "conforme sua natureza". Nao se .!rata de uma volra a natureza, mas de segui-la. Nao basta deflIlir a natureza peia "lei natural", se nao se percebe, ainda, 0 que significa naTUreza" : 0 que impona registrar e que qualquer coisa. para ser narural. jeve falar "imediatamente pela VOl cia natureza". Rousseau nao entende por lei natural a que torna indiferemernente escravos ao homem e ao animal; esta coniusa:o provem do fato de designar-se "com esse nome (lei narural) antes a lei que a natureza irup

  • 66

    yaO "sem obruiculos da co nscien cia" , da ausencia. enfIm. de segredo: ':Deixo exalar rninha5 comoyees". diz Saint-Preux. "sem constrangimento: nao conteID nada que eu deva calar, nada que perturbe a presenya do sabio Woimar. Nao terno que 0 seu oiliar esciarecido leia no fundo do meu corayao; e quando uma lema lembr(Ill~a quer renJ1SCer, urn olhar de Claire 0 recompensa. urn olbar de Julie me enrubesce' .4 3 Mesmo "exalando" essa "transpart!!ncia perfeita", Saint-Preux confessa a neeessidade de lutar contra a "tema lembranya" .

    t nesle sentido que 0 Discurso sobre a Desigull/dade erige a sociedade sempre como urn mal com relayao a Natureza. As causas forturtas que marcaram 0 flIll do estado de natureza e que deveriam promover as virtudes morais s6 conseguirarn "aperfeiyoar a razao, deteriorando a especie" e tornar urn ser mau "fazendo-o sociive}" , provocando a perda da transparencia e da visibilidade absolutas.

    Ao nivel do Discurso, 0 conflito ja manifesta a desigualdade. a impOSSloilidade de viver "conforme a ~atureza" . 0 interesse particular comeya a movimentar-se. tran'sformando 0 arnor de si em arnor-proprio, transformando a felicidade de urn na infelicidade do OUllO, a tal ponto "que 56 permanece na boca dos hornens uma palavra feita para enganarem-se mutuamente. Cada qual fIDge querer sacrificar seus interesses ao do publico, e todos mentem. Ninguem quer 0 bern publico senao quando concorda com 0 seu".44

    43. S H.. partie V, Lettre VlI , O.c.. p. 609. 44 . Larre aM. de Bequmont, p. 445.

    CAPI'ruw III

    DA VI~IBILIDADE AALIENAyAO

    A - 0 Invis(vei e Q Representafiio

    EIIUllO* sera, primeirarnente, 0 hornem da natureza que COm seu 0liL1r natural illl1Ilinani as contradi90es sociais (ftrn do livro V) . Nela dOmina urn novo silencio antes descoMecido, 'o da escravitiao, na qual a Vontade Geral se cala sob a tirania, a conscit!ncia sob representay(les que lhe escapam; aquele que era sennar de suas representayOes passa a submeter-se a elas, e com esta sujei9ao tern flID. a liberdade natural. e deste ponto de vista que 0 Discurso, ao !ratar da origem e dos progressos da desiguaJdade, da por perdida a causa do homein social: "Assirn como um coreel mdomavel eriya a erina, bate cOrti 0 pe na terra e se debate irnpetuosamente s6 COm a aproxirna~o do freio, enquamo que urn cavalo domado suporta pacientemente 0 ducote e a espora, tarnbem 0 hornem barbara nao curva sua cabeya ao juga que 0 hornem civilizado traz sern murmUrio e preiere a mais iempestuosa liberdade a uma

    . 0 Emfiio represema 0 ultimo recuno para salvar 0 individuo ~rque a sociedade esti perdida. .\{as. como obsen-:l L. R. Salinas. as cart2.S "os governos podern "au.ti!iar i.:ITl cumprhnento 2?roximado da lei, ames que a COrpo poUtico esteja wtalrnente mono . Dem po nro de vilU. entre 0 Emilia e a ConI7r1to Cui a DiscuTSO como gene"Jo ;21 do mal. mas ha ramoe:;; as "canas ' como medicina poiiuC:l.

  • 68 69

    dominados que se a favor ou contra a realizado pJr tooos os pQvos !ivres para se Sei que os nada fazem senao enaltecer contLluamente a paz e 0 sossego de que gozam sob seus mas animais nascidos livres e detesrando 0 cativeiro esmagarem a contra as da multid5es de nus as e enfremarem a

    as armas e a mone para conservar somente a sua concluo que nao cabe a escravos raClOcmar sobre liber

    dade" I o homem civilizado sera sempre a opres

    sao "sem munnuno", a e unifonnidade da v1da anLmal e Como afuma Rousseau: "De que se nata neste Discurso? De no progresso das coisas, 0 momento em que, sucedendo 0 direito a submeteu-se a de por que encadeamento de

    resolver-se a servir 0 fraco. e 0 povo a com prar uma pre90 de uma felicidade real".2

    Eis novamente diante de n6s a da agora relacionada com a faro de que, na sociedade, 0 homem cai sob 0 dominic das leis da eultura das terras decorreu necessa

    e da

    permanece a proema para a vida social. na cons

    coisas 0 que foi feito soberania divina e 0 que 0 homem realizar. Ja que todos os foram

    para reparar os vlcios sociais. e e afastar todos os velhos materiais". ~ "natureza do pacto fundamental" e "estudar a socledade para os homens e as homens para a sociedade".

    Antes da lei. cada qual era 0 Umco IWz das ofensas recebidas. o que culmrnou em terriveis e crueis".

    1. Rousseau, D.OI, idem, p. 82. 2. D,OJ.. idem, p. 39.

    Se a a pela qual se

    para 0 outro, coube a SDciedade natural a sociedu.de civil. para urn

    do terror" e para avalencia universal':

    o estado de guerra. 0 L11srinto que isto e, a arnor de sf.

    e moral", e 0de uma

    VU;)L4cuios que s.ea vida e as que os

    lhe OpQr. Neste momento, os nao provem matS da natweza \'-

  • 70

    para tentar manter-se no estado natural: "Estas foryas sao constituidas pelos atributos do homem natural que chega ao estado de guerra_ Sem esta Ultima precisao, 0 problema do contrato social e ininteligivel".'"

    Neste momento, nao se trata rnais das lorras do homem no primeiro estado de natureza - onde e ainda urn aninuJilivre , cujas faculdades intelectuais e morais ainda sao nulas. Econtrarno-nos diante de um animal corrvertido sob as catastrofes naturais e sob o impacto da Grande Descoberta (a Metalurgia). E 0 homem chega ao estado de guerra generalizado de posse de seu corpo mas com suas foryas fisicas enfraquecidas pela vida social: "Foi nossa industria que nos privou da for~ e da agilidade que a necessidade obciga o homem natural a adquirir_ Se tivesse urn machado, seu punho romperia galhos tio resistentes? Se possuisse uma escada, subiria tao ligeiramente numa arvore? Se tivesse urn cavalo, seria tao agil na corrida? Dai ao homem civilizado 0 tempo de reunir todos esses instrurnentos a' sua volta; nao se pode duvidar que ultrapasse com facilidade 0 homem selvagem". 5

    o homem no estado de guerra possui "foryas intelectuais" e ' bens" - e a violencia configura-se como estrutura constitutiva do reino da carbu:iIl: "desde 0 instante em que urn homem precisou do socorro' de outro, desde que se percebeu ser util a urn s6 contar com provis(jes para dois, a igualdade desapareceu, introduziu-se a propn~edade, 0 trabalho tomou-se necess:irio e as vastas florestas transfonnaram-se em campos apraziveis que se precisou regar com 0 suor dos homens e nos quais logo se viu a escravidao e a miseria genninarem e crescerem com as colheitas".6

    A propriedade e 0 iildicio da passagem do estado de natureza ao estado civil. 0 animal humane do "primeiro estado de natureza" nao tern, a rigor, interesse particular: nao ex.istem relac;:6es necessirias entre os homens, e a condifao para oporem-se tambem se encontra ausente. No "estado de natureza segundo", 0 homem desenvolvido, alienado de seu estado anterior, adquire a no~ao de interesse particular, estirnulado pelas rela~oes de sociiliza9ao

    4, Allh~I, "Sur Ie Conrracr Social", idem , p. 10. 5. D,OJ.. p. 42. 6. Rot=eau, D.OJ.. p. 73.

    .~

    71

    foryada; este interesse particular e a foana que torna 0 amor-pr6pno na sociedade nascente e que se radicaliza no estado de guerra. Podemos considera-l0 (e Rousseau 0 faz) urn estado de natureza. pois e estado social mas ainda nao e estado civil; no estado de guerra 0 homem encomra-se no interior do estado de natureza: sO que ~sti aiienado. 0 que pora fun ao segundo estado de natureza e a luta mortal aqual 0 homem se entrega.

    B - A Genese cia Oposio: A Consciencio.

    A deSllatur~ao assinala a perda da independencia do individuo, mesmo que em seus principios isto se passe num cenano de canto e de dan~ - 0 que termina por estabeiecer a primeira dilereTlfi1 consciente entre 0 homem e seu outro: "0 canto e a dan'f3, verdadeiros fillios do arnor e do lazer, tomaram-se a dis

    tra~ao, ou meihor, a ocupa~o dos homens e das mulheres ociosos e agrup31ios. Cad a um come~u a olhar os outros e a desejar ser ele proprio olhado, e a estima publica passou a ter urn prec;:o. AqueIe que cantava ou dan

  • 73 72

    Este texto mosua 0 naSC1ll1ento da "consciencla de si". 0 elan que 0 homern no estado de natureza 0 arnor de si COIDe~ a dividir-se: 0 hornem da natureza nao se compara ao OUtIo* mas a ele se idenufica pela nas

    a se realiza em do outro, 0 eu e def!ne.se di.turIe do outrO e AA_~;" "".. ,.,..,., " ('Intra. oois necessita ser

    Dai decorre a divisao entre 0 ser e 0 parecer, entre urn nUcleo f/.I1.llITfll e urn eu de tomaram-se duas

    coisas mteiramente diferentes. Desta resultaram 0 fausto

    e todos os vicios que constituema asrocia enganauu

    11,,*

    o seu VV.~J-o homem alienase na que e ao mesma tempo

    e causa das Ou a moral e a econ6mica vern "Os politicos falavam incessanternente de bons costumes e de virtudes, os nosses sO falam de comercio e de dinheiro Que nOSSOS se

    sellS ca1culos para refletir sobre estes e que de urna vez por todas se tern de tudo com dinheiro. salvo bans costumes e 0 hornern social sua ex.isl~ncia ' e para ela invent a cada vez mais aos por si nao e capaz de satisfazer enta~, ao rnesmo tempo, de e de pres

    dominaT rnnllriencias. S6 se do outrO e de seu

    "AnImO que em nosSO estado primltlvo. no veroadeuo estado de narurez.a. 0 nao existe. POLS, ~ada homem olharuio-;;e a si mesmo como iinico que 0 observa C.) toma-se

    que urn sentimento que vai buscar sua fante em que niio estaO a sell alcance. possa germinar err! sua alma." (Rousseau, D.OJ.. p. 1181.

    S. D.Ol.. idem. p. 76. .. Hi em Rousseau um "sistema d~ oue Ya! do plano

    onto16;:;co 300 planO . scr-parecer: ~ernJ.o-ter; forte-irae

  • 74 75

    incessantemente procure interessa-los sua sorte e fazelos encontrar, de fato au em lucro em trabalharem para ele: 0 que 0 toma falso e artificioso para com uns, e duro para com as outros".1 1

    A que deoorre de todo este processo realiza-5e mm na dimens.io do meu do que na do eu*. Rousseau afmna: "0 que tendo cercado urn terreno lembrou-se de dizer 'isto e meu' e encontrou pessoas suficientemenre para 0 acreditar foi 0 verdadeiro fundador da sociedade Civil".1

    'este demonio", traduz a luta entre os individuos eleva ao mutuo,

    Por causa da 0 eu coioca 0 outro como urn e a ao discernir 0 bem e 0

    desde 0 como raziio consciente, a razao de

    dOl[!ll11acao permanece soberana em si mesma. recusa-se a a confundir-se com coisa que mIo eIa mesma.

    Tal passagem ser entendida em termos esu realizar nenhwna obra

    e a orJ!:anizacao da liberdade: sea consciencia neste momento nao realizar "atos

    . Isto porque a consciencia e tomada tal como e, em sua ao Outro 0 Mundo ou a natureza. Este saber do Outro e urn saber de si e este e urn saber do do Mundo.

    diversos da consciencia descobrimos a 0 Mundo e seu 0 eu coloca a si mesmo como tendo necessidade de urn nao-eu, isto e, de sua deduzem-se suas

    o eu, quando coloca sua 56 aparecer da Alteridade: "0 estar-ai irnediato do

    as dois momentos: 0 do saber e 0 da com ao saber. 0

    1 L D.OL p. 76. '. "Com PaLxOes taO pouco ativas (."J 0$ oomens nae possUlam a menor

    m:x;io do teu e do meu, nem qualquer ideia 'i'e!':iZ da justi,?; consideravam J.S \101encias que podiam romr como urn llUl facil de ser reparado e nao como uma que deve ser punida." (D.OJ.. p. 61).

    I::. DOJ., p. 66.

    se neste elemento da consciencia e nele in. tala sellS momentos, esta

    e todos aparecem enuro como A cieneia deste camml:io e a ei~ncia da "''M~P1'7I''''rrrr cia faz".13 Ha urn mOvimento de sobre s:i mesma, em que nada se ue!![[aJ::::I o que torna a suas obras dl"'............ "W

    ciencia perrnaneoe consciencia de s:i lllliversal no interior

    uma entre esta consciI!ncia na UillVenauaaae e eIa mesma. na da co:nscienci.a 14

    Para e este 0 estatuto do rousseaWsta. A luta que

    de uma mentar para 0

    que ele e como e dai emerge urn vieio: 0 V15WUV reiterada dos v:irios seres a si mesmos e de uns aos

    "~""U"'V do as percew)es de cenas Estas ( ... ) acabaram par

    Ulna cecta

    As novas luzes que resultaram desse U"~""U"V taram

    cons

    sabre si mesmo

    termina 0 homem da natureza e comeya 0 rompe 0 do COmo

    de si em e, com 0 trabalho e 0 confronto entre 0

    urn ser 0 &0 coincide mm mesmo: "Se a natureza nos destinou a sermos OllSO quase assegurar que 0 estado de e urn estado contra a narureza e 0 homem que medlta eurn animal 16

    A divisii"o emre 0 eu e 0 outro realiza a nerversao do arnor

    13. Hegel, op. cir.. p. 31/3:2. 14. Idem. p. 133. 15. Rousseau. DOL idem. p. 67/68. 16. ROU

  • 76 77

    obstaculo e a acentuase no homem a consci(!ncia de sua a fma! entre ele e 0 outro constituira agora

    o veniadeiro da Razao". A instrumentos entre 0 hornern e a natureza; e da mesma rna

    nein.. 0 homem se de sua identidade vi: desmanchar-se a dimensao de sua vida

    sern interior nem e LLU"'....l"".....

    mm abandofiar-se ao "sentimento at;; sua exisU!ncia atual". "A 0 passar do

    o dominio uma mesma facu1dade que faz a consciente do

    UVLU>Oll-l

    I para descobrir

    sabre 0 mundo faz tambem com que ele se doente . 1

    ou morrendo Rousseau nos mostra como, o homem sai de sua animal e descobre a confli

    to dos contranos: 0 fora e 0 0 eu e 0 outro, 0 ser eo pare eer.o bern e 0 0 e a servidlo."l '1

    o da consciencia se materializa no governo que quer e executa ao mesmo tempo uma ordem e uma de

    ~"'!.JUJ..L\""...=, de urn lade excluindo de sua as outros indio do outro constituindo-se como vontade determi.nol:ia em . a vontade universal; como na 0 go

    verno 56 como vioriosa", e nisto reside a necessidade de seu decliruo. Este govemo e ne ressariamente os cidad1ros sao sempre suspeitos em substitui-se a ser au tern essa externa contra esta

    que da brutal deste si no elemento do ser ao

    retirar seu ser".1 5 Neste momento, nao existe IU1'll.U.UTI'~71! para 0 direito que emerge da de Terror a submissao dos vencidos nao e urn titulo para 0 vencedor. Tudo istO

    que 0 amor-Drovrio foi bern sucedido. aooiado na raxilo

    17. S tarobinski, T. er 0., idem, p. 347. is. Hegel, idem, I, p. 617.

    do , dil 0 A ratio e 0 instrue merece que se dela - ela se cohea

    a e do "0 homem sensual ~ 0 homem da natureza. a homem que 0 da oviniao no IX LluUV'"V.

    o descobre

    eX1pnme numa au menor habi

    ". Rousseau diz que "a doce voz da pied.ade" foi .inscrita no com;;ao por .Deus (Natureza). Trata-se de urna "escrita naruraJ." a escriJa dQ rolll!p:il, que lie opae a escrita da Rauio; eiLa e "scm piedade", traru:g:ride a lei e a voz dil piedade, substirumdo a afei"ao natural pela afej~ao pervemda. ~as hi ainda OUIIOS renudo. da palavra Razao. Nu Le.ttreJ d Sophie, Rous.seau diz; "A Razio e a fac:uJdade de ordenar todas as facu1dades d.a alma confor. me ~ nat:ureza das coisas e a .sua ret.a.;ao con=". A Razao toma-:se urna

    plena, profundamente enraizada na sensibil.id.ade e que re:.iliz.a a unidade do homem; ''Como rudo 0 que penetta no enlendunemo hum.ano vern dos s.entidos, a primeira raziio do nomem Ii urna razao s.ensiliva, Ii ela que serve de base a razao intelectual". (Emile, idem, p. 94). E urn Iex!O d:l Nouvelle HelOIse esclarece esta arnbigUidade: "De tocias as fac:uJdades

    do homem, a rnz.iio - que niio Ii por assim d.izer scmi'o urn romp-elSlo de tl:liias

    as outras, e a que se desenvol:ve mais difici1mente e mais tardiarnente" Seu

    carater romposr:o justifica sua pois nao sc pode esquecer 0 que

    Rousseau fala no Discurso (p. 90): "e a tazao que engendra 0 arnor-proprio,

    /! a reflexao que fOnifica: faz 0 homem volta.r-:se sabre si mesmo; sepan-o

    de quanto 0 perturba e aflige. t: a fJ.!osofra que 0 tsol.a; por sua cau~ ele

    diz, em seg:redo, ao ver urn homem sofrendo: se queres; quanta

    a mi.m estou s.eguro" Talvez seja interessante em Ultima aruilise,

    "Razao" e "RaClocinio". 0 ractOclnio ea ane de comparar verdades conbe

    cidas pan rompor oU!!aS verdades que se ~onvarn e que tal ane nos faz

    deSCObru. I,las nao nos emina 2. conhecer as \'erdades prunHivas que serrem de elemento :is OUtral, e qll.il11do coiocamos em seu iugar nos.m opi.n.iOes, noss,as paixces, nossos preronceitos, longe de nos esclareoer, ele nos rega L..l. Este inronvemente c irueparavel do espmto de sL:l1.ema, que sozinho leva aos grandes principios e consiste em generalizar . (Ler:tr/?sli 5:>. phil". p. -17). Entendemos que a Razao pode. num ceria lenneO, fazer pane da senSloilidade

  • 78 79

    lidade no trabalho), materializase em seguida na propriedade e no dinheiro. A desigualdade marca, assim, a vontade de colocar 0 individuo como um valor independente ao mesmo tempo em que desperta 0 desejo de distin{:iio, isto e. 0 de impor 0 reconhecimento de seu pr6prio ser a opiniao do outro. Isto quer dizer que, desde agora. e a ordem do parecer que passa a representar seu ser - Rous, seau diz: "Quanto mais examino a obra dos homens e suas insti

    tui~6es, vejo rnais que, por forya de parecerern independentes,

    fazem.se escravos , e que gastam sua pr6pria liberdade em esforyos

    vaos para assegura-la. Para nao ceder atorrente das coisas , fazemse

    mil vinculos, e depois, quando querem dar urn passo nao podem

    e se espantam de estarem presos a tudO" .1 9 ~ a for~a que val ligar os homens uns aos outros, patencia f(sica da qual nao resulta nenhuma moralidade. Ceder aforya constitui urn ato de necessicUuie e nao de vontade; a for~a nao introduz nenhum direito , ja que "0 mais forte tem sempre razao".

    Nenhum hornem goza de autoridade natural sobre seu seme lhante _ como entao padem 5air do estado de guerra? Rousseau diz que Grotius e outros retiraram da guerra 0 "direito de servidao", no sentido de que 0 vencedor teria 0 direito de matar 0 vencido e este poderia conservar sua vida ao preyo de sua liberdade. Mas

    ~ousseau mostra que este pretenso direito de matar os vencidos nao resulta do estado de guerra: "Apenas porque, vivendo em sua primitiva independencia, os homens nao mantem entre si relayoes suficientemente constantes para constituir qU0r 0 estado uOs combates particulares, os du '.:los, os encontros ocasionais , nao constituem um estadO. A guerra e uma relayao entre Estados,

    19. E.O.L . , cap . II, p. 444., Ed. llachette. 20. Rousseau, C.S., idem, p. 240.

    onde os particulares so acidentalmente sao inimigos*. 0 direito de conquista tem por tiDico fundamento a lei do mais forte H . E se a guerra nao eli ao vencedor 0 direito de massacrar 0 vencido, este direito inexistente nao pode ser 0 fundamento do direito de suiei~lio; na verdade, 0 direito de mane 50 ap arece quando nao se'pode fazer 0 outro de escravo: "0 direito de transformalo em escravo nao vem do direito de . maulo : e pois uma troca iniqua .0 fazelo comprar ao preyo de sua liberdade sua vida ( ... ).

    *. "Cada Estado sO pode ter como inimigo ounos Estados e nao ho mens, pois que nao se po de estabelecer quaJquer relayao verdadeira entre coisas de na~eza d iversa" (Rousseau, C.S.. livro I, IV , p . 241) .

    **. Seria interessante aproximar dois textos, urn de Rousseau , outro de Nietzsche - Rousseau : "Ou.yo sempre dizer que os mais fortes oprimUiill os fracos. Que me expliquem 0 que querem dizer com a palavra opressao. Uns dominarao com violt!ncia, ou tro s gemerao submetidos a lodos os seus caprichos. AI. esta precisamente 0 que observo entre nos, mas nao vejo como se poderia dizer islo de homens selvagens ao s quais se teria mesmo grande diflculdade de fazer compreender 0 que e semdao e dominayao. Urn homem poded muito bern apossar-se dos frules que urn outro cotheu, do ani mal cao;:ado por este, do antro que lhe se rvia de abrigo, mas como chegana ao pontO de se fazer obedecer? e quaJ.s poderao se r as cadeias de depencten cia entre homens que nada possuem? Se me expulsam de urna arvore, wu livre de ir a uma OUlra, se me perseg-Jem num certo lugar, 0 que me impe dici de ir a outro? Se encontrar urn homem com forya bern superior ami nha e, aJem disw, 0 baslante depravado , pregui90w e feroz para me obrigar a prover a su .~ 'TIrtencia enquanlo pennanece ociose, sera precise que ele se resolva a nao me perder de vista urn so ins.anle e ter-me amarrado com muilo cuidado enquanto donni! , temendo que eu escape ou que 0 mate ( ...) : depois de tudo isso, sua vigiJancia arnaina urn pouco, urn fUldo imprevisto faz corn que volte a cab~ , ando vinle pa5Sos na floresta, meus gnLlJoes se quebram e ele nao me reven nunca mais." (D. OJ., p. 64/65).

    o texto de Nielzche parece uazer uma resposta a questao "como 0 homem poderia chegar a se fazer obedecer"'? Nietzche se pergunta sobre surgimenlo da rna consciencia e a Geneaiogia da Moral encontra a origem da no"ao de culpa na idtiia de d (vida. nas relac;6es entre os credores e os devedores: "relayao contratual ( ... ) e que reconduz por sua vez as formas fundamentais da compra, da venda, da troea, da circulayao (La Geneaiogle de fa Morale . p. 25/27). Para inspirar confianya, 0 devedor registra em sua propria conSClencia a necessidade do pagamento, sob a fonna do dever. da obriga~iio . comprometcndose a indenizar 0 eredor no caso de insolvencia da divida com a1guma coisa que possua. mesmo sua liberdade ou sua )ida. A partir dislO , 0 credor pede degradar e lorturar 0 corpo do devedor, po'

  • 80 81

    Supondo-se rnesmo a existencia desse terrivel direito de tudo matar, afumo que urn escravo feito na guerra C ) nao tern qualquer obriga~ao para com seu senhor. senao obedece-Io enquanto a isso e forc,:ado. Ao tomar urn equivalente a sua vida, 0 vencedor nao lhe concedeu gras:a: ao inves de mata-Io sem proveito, rnatou-o unlmente. Longe, pois, de ter adquirido qualquer autoridade sobre ele alern cia for~a , 0 est ado ,e guerra persiste entre 'ambos comO anterionnente, senao a' propria relac;ao entre eles seu efeito e a utilizac;ao do direito de guerra nao supCie qualquer

    tratado de paz. Finnaram urna convens:ao - seja; mas esta con

    vens:ao, longe de deStruir 0 estado de guerra, supOe sua continui

    dade".21

    Para assegurar sua conserva~ao, 0 homem se imp~ ao ou tro '"; o vencido e poupado porque 0 vencedor tern necessidade de ser reconhecido. Em tennos hegelianos , 0 vencedor, "0 senhor", e o homem que leva ate 0 fim a luta pelo reconhecimento, arriscando a vida: " ... cada extremo e para 0 outro 0 tenno medio com a ajuda do qual entra em rela~ao consigo mesmo e se retme

    dendo COnal as panes que \he parecessem proporcionais it. importincia da dlvida: "deSle ponto de vista, muito cedo e por toda parte , houve estimativas precisas, por vezes atrozes em suas minucias, estimativas que tinham a forlj4 do d iTeito ( ... ), Foi ji urn progresso, prova de wna concepyao juridica mais livre, mais generosa, mais romana, -quando a lei das Doz:e Tabuas decreta que pouco importa, que 0 credor tome mais ou menos nurn tal caso C..) . Falfamos uma ideia clara da logica desta fonna de compensayao C.. ): est.lbelece-se wna eq uivaiencia, substituindo a vantagem que compensaria diretamente 0 dana (logo, a sua compensayao em dinheiro, em terra ou em urn bern qualquer) wna especie de SDtisfao que se concede ao credor para reemboLsi-lo e indenizi-lo, >ati~alf50 de pader exercer sem contenr;:ao sua pOlencia sobre urn impotente ( .. . ), desfrutando da vio~ao ." (GM., idem, p. 27/8) . E ainda: "0 sentimentO de justir;:a e, na verdade, uma fonna inteiramente tardia e mesmo refmada do jUlzo e do laciocinio humano (. .. ). f nesta e~era, a do direito das obriga,,6es, que se enconlra 0 nucleo de origem do mundo dos conceitos morais "culpa," "consciencia," " dever," "carater sagrado do dever " - f oi, em seus princlpios, longamente e abundantemente regado com sangue ( .. . ) e no [undo este mundo sempre conservou urn certo odol de sangue e de tortura (mesmo no velho Kant: 0 imperativo categorico tern >abor de crueldade)." (idem, p. 250).

    21. C.S., livre IV , idem , p. 242 . . Que nao e mais 0 "outro como ele meSIllo" , do estado de naturez:a.

    a si; e cada qual e a si rnesmo e ao outro uma essencia imediata que e para si , mas que, ao mesmo tempo, e para si somente atraves desta mediac;ao"?2 Isto quer dizer que cada qual e p(Ua 0 OUtro porque 0 outro e para si mesmo. Esta Iuta contra 0 outro pode manifestar-se em diversas ocasi~es, sem no entanto ser 0 motivo essencial do conllito - 0 conflito e essencialmente urn coniuto pelo reconhecimento. A consciencia de si faz a experiencia da luta pelo~ reconhecirnento, mas a verdade desta experiencia engendra uma outra, a das relaroes de desigwlJdade no reconhecimento, a experiencia da domina.c;ao e da servidao.

    H que a oposis:ao entre os homens conduz a dominac;ao e a servidao, uma inversao dialetica entre eles acabanl. por libertar o servidor (Der Kencht) : a verdadeira mestria pertence a hist6ria do servidor, que recupera sua hurnanidade (ao salvar 0 "bioI6gico", por medo de arriscar a vida, 0 servidor perde 0 esp{rito, que e conquista do "senhor") pelo trabalho ; 0 senho, arriscou a vida, exprUnindo, assirn, a consciencia de si imediata; 0 servidor representa a mediac,;ao essencial a consciencia de si despercebida pelo senhor - e e efetuando conSSiememente esta mediacrao que 0 servidor se libera. pois 0 senhor s6 esenhor por ser reconhecido pelo servidor; alem disso, 0 sezvidor nao e propriamente servidor do senhor mas da vida , ja que recuou foi diante da morte. 0 senhor, uma vez reconhecido como pura consciencia de si, p~ 0 servidor a seu

    seI\'i~o utilizando-o materialmente: 0 trabalho e servidao , dependencia, mas culmina na transforma9ao da natureza e na criayao de urn prociuto. 0 subjetivo se objetiva no produto, cria urn mundo proprio; 0 produto do trabalho nlio e mais em si mas para si; ou seja, e passivel ao servidor reconhecer-se nos produtos que criou. o servidor experimenta uma outra forma de presencra do objeto, ignorada pelo senhor - objem ao mesmo tempo estranho e nao estranho. For esta raz3o, Marx diz, nos Manuscritos de 1844, que na Fenomenologia do ESP1'rito a dialetica da negatividade foi tomada como a produC;ao do nomem par ele t:'r6prio no trabalho. o homem e tanto 0 produto de seu trabalho quanto eSle e seu produto, da mesma maneira que as circunstancias sociais sao pro

    22. Hegel, Phen. E., idem, p . 157.

  • 82

    duto do homem e 0 homem 0 23 transf'onna,;ao do mundo selVidor esua A dialetica da "em mostar que o senhor se revela em sua verdade como 0 escravo do escravo e 0 escravo como senhor do ." 24

    C A Guerra de Todos contra Todos

    o Estado de senhor e servidor no interior do estado de guerra perpetuo e univers.al e 0 "estado de 0 homem se perde, pois 0 illteresse - es tranha ao olhar dos interesses particulares tomou das e 0 acordo desses mesmos irrteresses que 0 tomou que h3. de comum nestes diferentes interesses e 0 que fonna 0 ei0 so-

    e se nao houvesse em que todos os inreresses nenhuma sociedade node ria existir, Ora, e lJruca

    mente sobre este interesse comurn ao mesmo de SOClallZ3r.r

  • 85 84

    vllamse fornao

    A a pro

    o su

    perfiuo, naa se quer maisUouir) mas nao se mais os bern aruais mas os abstratos dos bens

    Jpropria'r0es 0 homem precisa satisfazer "uma infi nidade de que sao obra da

    a correta

  • 86

    yao (alienare-alienus-alheio) significa que, com reJa

  • ,118

    na~ao do homem pelo homem" ; os individuos se i50lam uns dos outros, e Jogam-se uns contra os outros e fLnalmente encontram-se Ligados mais pelas mercadorias que trocam do que par suas pes

    , soas: "0 trabaillo nao produz :=.p enas mercadorias. produz a si mesmo e ao trabalhador como mercadoria, ao produzir mercadorias em geral"? 7 E mais: "a produc;:ao capitalista de mercadorias tern 0 result ado mistificador de trans1~ormar as reJa~6es sociais. dos individuos em qualidades das proprias coisas (mercadorias) e ainda mais especificamente, de tran50frmar em uma coisa (dinheiro) as pr6prias correla~6es de produs:ao",3 8

    Rousseau nao diz outra eoisa. completando nossO percursa: "alem do mais. 0 dinheiro e 0 suplemento dos homens e 0 supJemento nunca valera a pr6pria coisa ( ... ), Os sistemas de fmanr;:as fazem almas venais; e quamio 56 se quer ganhar, ganha-se sempre mais sendo velhaco que homem honesto, 0 emprego do dinheiro desvia e esconde; destinase a uma coisa e emprega-se em outra. Os que 0 manejam-logo aprenciem a desvia-Io ( ... ); se sO houvesse riquezas publicas' e manifestas. se 0 c:uninho do ouro deixasse uma marca ostensiva e nao pudesse se esconder, nao haveria ex pediente maJS comodo para comprar os servis:os da coragem, da fidelidade, das virtudes; mas, tendo em vista sua circulas:ao secreta ( ...) 0 dinheiro extorquido se esconde facilmente".3 9

    o encontro de Rousseau e Marx se faz. pois, pela "generalidade absuata"'- que e 0 di.nheiro. A abstrar;:ao toma 0 lugar do particular e do universal - e d31 seu resultado mistificador; sua origem esta na maneira especlfica da produs:ao de mercadorias com individuos isalados que nao s6 trabalham independentemente uns dos outros mas satisfazem suas necessidades exclusivarnente pelas necessjdades do mercado: "posto que os produtores nao entram em contato uns com os outroS ate 0 instante em que trocam seus produtos, 0 carater social especifico do trabalho de cada produtor 56 se mostra no ato da troca. Em outras palavras, 0 trabalho do individuo 56 se aflIffia como urna parte do trabalho da sociedade

    37. Marx, Manuscriros... , idem, p. 101 38. El Capital. vol. I, p. 962. 39. Considerations so.., Ie Gou,'emement de Polo[fTIe, p. 385/6.

    89

    por intermedio das relar;:6es estabelecidas pelo ato da troca, dire tamente entre os produtos e indiretamente, por seu intermedlo, entre os produtores. A este Ultimos, conseqilentemente, a